171
UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE COMUNICAÇÃO Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social Cleide Rodrigues Picolo AS MANIFESTAÇÕES PÚBLICAS PELOS GRUPOS PRÓ E CONTRA O IMPEACHMENT DE DILMA ROUSSEFF NAS REDES SOCIAIS ON-LINE São Bernardo do Campo SP, 2018

UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1805/2/Cleide Rodrigues.pdf · IMPEACHMENT DE DILMA ROUSSEFF NAS REDES SOCIAIS ON-LINE

  • Upload
    others

  • View
    2

  • Download
    0

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1805/2/Cleide Rodrigues.pdf · IMPEACHMENT DE DILMA ROUSSEFF NAS REDES SOCIAIS ON-LINE

UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE COMUNICAÇÃO

Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social

Cleide Rodrigues Picolo

AS MANIFESTAÇÕES PÚBLICAS PELOS GRUPOS PRÓ E CONTRA O

IMPEACHMENT DE DILMA ROUSSEFF NAS REDES SOCIAIS ON-LINE

São Bernardo do Campo – SP, 2018

Page 2: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1805/2/Cleide Rodrigues.pdf · IMPEACHMENT DE DILMA ROUSSEFF NAS REDES SOCIAIS ON-LINE

UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE COMUNICAÇÃO

Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social

Cleide Rodrigues Picolo

AS MANIFESTAÇÕES PÚBLICAS PELOS GRUPOS PRÓ E CONTRA O

IMPEACHMENT DE DILMA ROUSSEFF NAS REDES SOCIAIS ON-LINE

Dissertação apresentada em cumprimento parcial às

exigências do Programa de Pós-Graduação em

Comunicação Social, da Universidade Metodista de

São Paulo (UMESP), para obtenção do grau de

Mestre.

Orientadora: Professora Dra. Cicilia Peruzzo (agosto

de 2016 a dezembro de 2017) e Professora Dra.

Camila Escudero (janeiro a agosto de 2018).

São Bernardo do Campo – SP, 2018

Page 3: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1805/2/Cleide Rodrigues.pdf · IMPEACHMENT DE DILMA ROUSSEFF NAS REDES SOCIAIS ON-LINE

FICHA CATALOGRÁFICA

P587m Picolo, Cleide Rodrigues

As manifestações públicas pelos grupos pró e contra o

impeachment de Dilma Rousseff nas redes sociais on-line /

Cleide Rodrigues Picolo. 2018.

155 p.

Dissertação (Mestrado em Comunicação Social) --

Escola de Comunicação, Educação e Humanidades da

Universidade Metodista de São Paulo, São Bernardo do

Campo, 2018.

Orientação de: Cicilia Maria Krohling Peruzzo.

Coorientação de: Camila Escudero.

1. Manifestações públicas - Brasil 2. Redes sociais on-

line 3. Imprensa brasileira 4. Imprensa e política - Brasil 5.

Impeachment - Brasil 6. Rousseff, Dilma Vana, 1947 I.

Título.

CDD 302.2

Page 4: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1805/2/Cleide Rodrigues.pdf · IMPEACHMENT DE DILMA ROUSSEFF NAS REDES SOCIAIS ON-LINE

A dissertação de mestrado sob o título “As manifestações públicas pelos grupos pró e contra o

impeachment de Dilma Roussef nas redes sociais on-line”, elaborada por Cleide Rodrigues

Picolo, foi defendida e aprovada com louvor (summa cum laude) em 13 de setembro de 2018,

perante banca examinadora composta por Camila Escudero (Presidente/UMESP), Pablo

Ortellado (Titular/USP) e Roberto Joaquim de Oliveira (Titular/UMESP):

Profa. Dra. Camila Escudero

Orientadora e Presidente da Banca Examinadora

Prof. Dr. Luiz Farias

Coordenadora do Programa de Pós-graduação

Programa: Pós-graduação em Comunicação Social

Área de concentração: Processos Comunicacionais

Linha de Pesquisa: Comunicação comunitária, territórios de cidadania e desenvolvimento

social

Page 5: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1805/2/Cleide Rodrigues.pdf · IMPEACHMENT DE DILMA ROUSSEFF NAS REDES SOCIAIS ON-LINE

DEDICATÓRIA

Dedico esta dissertação

à minha mãe, em memória, Jocelina da Silva Rodrigues,

por sempre acreditar nos meus sonhos e projetos,

ao meu marido, Marcelo Lima Picolo,

pela compreensão e apoio às minhas escolhas,

e ao meu filho, Gabriel Rodrigues Picolo,

por entender, ao seu modo, minha ausência e

me fazer ver quão bela a vida é.

Page 6: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1805/2/Cleide Rodrigues.pdf · IMPEACHMENT DE DILMA ROUSSEFF NAS REDES SOCIAIS ON-LINE

AGRADECIMENTOS

A realização deste trabalho só foi possível graças a uma série de pessoas que participaram,

estiverem presentes e/ou proporcionaram condições para o seu desenvolvimento. Farei aqui

menção a apenas parte deste grupo imenso que me acompanhou nesta jornada, com pedido de

desculpas e compreensão àqueles que eu deixarei de mencionar pelo restrito e reservado

espaço nesta nota de agradecimentos.

Primeiramente agradeço à generosidade da professora Marli dos Santos, que já havia me

orientado na pós-graduação em Jornalismo Institucional na PUC-SP e a quem recorri para

iniciar o mestrado na UMESP. Ao ler meu projeto de pesquisa, abriu mão de me guiar neste

trabalho por entender que outra colega poderia contribuir ainda mais para sua concretização.

Assim, cheguei até a professora Cicilia Peruzzo que não apenas me orientou durante a maior

parte deste percurso como também fez com que eu amadurecesse minhas ideias. Tão generosa

quanto a querida Marli, ela compartilhou seu conhecimento e sua experiência que muito

nortearam os rumos desta pesquisa.

Uma reviravolta na gestão acadêmica da universidade, que não é o caso relatar, fez com que

eu ganhasse uma nova contribuição para finalização do projeto. Assim, agradeço à professora

Camila Escudero por me auxiliar na realização deste sonho, pela parceria e confiança.

Meus agradecimentos à minha irmã Meire da Silva Rodrigues por me dar refúgio em sua casa

por horas e dias para redigir essa dissertação e pelo carinho durante todo esse processo.

Por fim, sou grata à UMESP e ao Conselho Nacional de Pesquisa (CNPq) pela confiança e

pelo investimento financeiro que permitiram que eu concluísse esta pesquisa de mestrado,

dando condições de compartilhar todas essas descobertas com outros pesquisadores,

e claro, com futuros profissionais de comunicação que hei de encontrar nas instituições de

ensino por onde eu passar.

Page 7: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1805/2/Cleide Rodrigues.pdf · IMPEACHMENT DE DILMA ROUSSEFF NAS REDES SOCIAIS ON-LINE

LISTA DE QUADROS

QUADRO 1 – Amostragem por semana construída nos veículos de imprensa: Folha de S.

Paulo e O Globo ....................................................................................................................... 19

QUADRO 2 – Mapa dos grupos nos ambientes on-line (Sites e redes sociais) ....................... 73

QUADRO 3 – Análise dos convites virtuais por categoria (Descrição e tratamento do

material) .................................................................................................................................... 99

QUADRO 4 – Raio-X dos convites do Facebook (Uma síntese das ações dos grupos pró e

contra o impeachment) ........................................................................................................... 100

QUADRO 5 – Análise dos convites por categoria – MBL (Descrição e tratamento do

material) .................................................................................................................................. 104

QUADRO 6 – Análise dos convites por categoria – Vem pra Rua (Descrição e tratamento do

material) .................................................................................................................................. 107

QUADRO 7 – Análise dos convites por categoria – Povo Sem Medo (Descrição e tratamento

do material) ........................................................................................................................ .....109

QUADRO 8 – Análise dos convites por categoria – Frente Brasil Popular (Descrição e

tratamento do material) ........................................................................................................... 113

QUADRO 9 – Reportagens da Folha de S.Paulo e de O Globo (Amostragem – Semana

Construída) ............................................................................................................................. 129

QUADRO 10 – Análise exploratória de reportagens do dia 17 de março de 2016 na grande

mídia e imprensa alternativa ................................................................................................... 139

Page 8: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1805/2/Cleide Rodrigues.pdf · IMPEACHMENT DE DILMA ROUSSEFF NAS REDES SOCIAIS ON-LINE

SUMÁRIO

RESUMO, RESUMEN E ABSTRACT

INTRODUÇÃO.......................................................................................................................12

CAPÍTULO I – DOS CONCEITOS CLÁSSICOS SOBRE COMUNIDADE AO

ATIVISMO NAS REDES ......................................................................................................22

1.1. Comunidade: abordagens do conceito clássico às manifestações atuais ........................... 22

1.2. Comunidades nas mídias e redes sociais e suas conexões................................................. 30

1.2.1. Novas formas de sociabilidade e comunidades virtuais ..................................... 31

1.2.2. Os atores e as conexões: os elementos das redes sociais na internet .................. 34

1.2.3. Transformação da sociabilidade e individualismo em rede ................................ 37

1.2.4. Na era da internet, emerge um novo bloco na esfera pública ............................. 41

1.3. Ativismo nas redes sociais on-line: conceitos e experiências mundiais ............................ 44

1.3.1. Revoluções “glocais”: breves aspectos de ativismo digital – Primavera Árabe,

Occupy Wall Street e passagens pela América Latina .................................................. 49

CAPÍTULO II – MOVIMENTOS SOCIAIS E POPULARES E OS GRUPOS DAS

REDES NO IMPEACHMENT DE DILMA ........................................................................55

2.1. Movimentos sociais e populares ........................................................................................ 55

2.1.1. Movimentos sociais e populares na América Latina .......................................... 60

2.1.2. Uma passagem sobre movimentos sociais e populares no Brasil: dos anos de

1970 à contemporaneidade ........................................................................................... 66

2.2. Participação e comunicação popular na era da internet ..................................................... 68

2.3. Os grupos nas redes sociais on-line no impeachment de Dilma Rousseff ........................ 72

2.3.1. MBL: protestos pelo impeachment, captação de recursos e escalada política ... 73

2.3.2. Vem pra Rua: visibilidade no impeachment e abertura de caminho na política 75

2.3.3. Frente Brasil Popular: contra o impeachment, agremiação de movimentos

sociais e defesa política e ideológica de esquerda ........................................................ 78

2.3.4. Frente Povo Sem Medo: contra o impeachment, nasce “sem” ligação com

legenda política, e se transforma em frente de esquerda alternativa ao PT .................. 80

2.3.5. Considerações sobre os atores do impeachment nas redes sociais on-line ......... 83

CAPÍTULO III – GOVERNO DILMA E AS MANIFESTAÇÕES: UMA ANÁLISE

DAS AÇÕES DOS GRUPOS NO FACEBOOK .. ............................................................... 85

3.1. Governo Dilma: da eleição à crise política e econômica................................................... 85

3.1.1. As marcas das manifestações de junho de 2013 ................................................. 91

Page 9: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1805/2/Cleide Rodrigues.pdf · IMPEACHMENT DE DILMA ROUSSEFF NAS REDES SOCIAIS ON-LINE

3.1.2. Um relato: das manobras das contas públicas às “pedaladas fiscais”................. 94

3.2. A construção e desconstrução de Dilma e seu governo pelos grupos nas redes sociais on-

line ............................................................................................................................................ 97

3.2.1. Um panorama sobre os convites “virtuais” dos grupos do impeachment .......... 99

3.2.2. Particularidades das publicações dos principais eventos dos grupos na rede .. 103

3.2.2.1 Dilma Rousseff na mira do MBL e Vem pra Rua ................................ 104

3.2.2.2 Frentes Povo Sem Medo e Brasil Popular: Michel Temer e o golpe .... 109

3.2.3. Considerações gerais sobre a participação dos grupos no Facebook ............... 118

CAPÍTULO IV – MANIFESTAÇÕES PÚBLICAS: REPERCUSSÃO NA IMPRENSA

A PARTIR DAS AÇÕES ARTICULADAS NAS REDES SOCIAIS...............................120

4.1. Abordagens sobre a ação jornalística, a ética no jornalismo e a noticiabilidade de um

acontecimento ......................................................................................................................... 120

4.1.1. Questões sobre ética e manipulação da realidade no jornalismo ...................... 122

4.1.2. O acontecimento que vira notícia ..................................................................... 124

4.1.3. Passagem pelo conceito de imprensa alternativa .............................................. 125

4.1.4. A cartilha seguida pelos veículos de imprensa da pesquisa ............................. 127

4.2. As manifestações públicas e presença dos grupos das redes sociais on-line no noticiário

de O Globo e Folha de S.Paulo .............................................................................................. 129

4.2.1. Os grupos “virtuais” e a cobertura no jornal O Globo ...................................... 130

4.2.2. Protestos e manifestações do impeachment sob o prisma da Folha de S.Paulo

................................................................................................................................................ 134

4.2.3. Os vestígios das ações de comunicação dos grupos “virtuais” na grande mídia

.................................................................................................................................... 136

4.3. Grampo telefônico da conversa de Dilma e Lula: o estopim da crise política sob os

“olhares” da grande mídia e imprensa alternativa .................................................................. 138

4.3.1. Considerações sobre a prática jornalística na contemporaneidade ................... 143

CONSIDERAÇÕES FINAIS...............................................................................................145

REFERÊNCIAS....................................................................................................................151

ANEXOS – Posts dos convites virtuais dos grupos do Facebook.........................................156

Page 10: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1805/2/Cleide Rodrigues.pdf · IMPEACHMENT DE DILMA ROUSSEFF NAS REDES SOCIAIS ON-LINE

RESUMO

Este estudo analisa as manifestações públicas pró e contra o impeachment de Dilma Rousseff

a partir de grupos organizados e articulados na rede social Facebook. O objetivo foi observar

a influência e a relação das tecnologias digitais como um instrumento facilitador para

promover a mobilização e o engajamento social, e provocar mudança no contexto histórico e

político da sociedade brasileira. As teorias sobre cibercultura, comunidade, movimentos

sociais e participação popular foram a base para refletirmos sobre a relevância da internet

neste processo. Fizemos análises de conteúdo e exploratória de publicações de fanpages com

foco nas estratégias de comunicação e interação dos grupos com seguidores, e de reportagens

para verificar a aderência dessas estratégias na imprensa. Notamos que esses grupos tiveram

relevante participação, especialmente na agilidade e ampliação da informação do processo de

transformação social, como outras alas da esfera pública; e o impeachment foi um processo

gradativo, que sofreu influência de diversos atores e fatores do contexto social e institucional.

Palavras-chave: Manifestações públicas; Redes sociais virtuais; Ativismo; Imprensa

brasileira; Impeachment de Dilma Rousseff.

Page 11: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1805/2/Cleide Rodrigues.pdf · IMPEACHMENT DE DILMA ROUSSEFF NAS REDES SOCIAIS ON-LINE

RESUMEN

Este estudio analiza las manifestaciones públicas pro y contra el impeachment de Dilma

Rousseff a partir de grupos organizados y articulados en la red social Facebook. El objetivo

fue observar la influencia y la relación de las tecnologías digitales como un instrumento

facilitador para promover la movilización y el compromiso social, y provocar cambio en el

contexto histórico y político de la sociedad brasileña. Las teorías sobre cibercultura,

comunidad, movimientos sociales y participación popular fueron la base para reflexionar

sobre la relevancia de Internet en este proceso. Hemos hecho análisis de contenido y

exploratorio de publicaciones de fanpages con foco en las estrategias de comunicación e

interacción de los grupos con seguidores, y de reportajes para verificar la adherencia de esas

estrategias en la prensa. Notamos que estos grupos tuvieron relevante participación,

especialmente en la agilidad y ampliación de la información del proceso de transformación

social, como otras alas de la esfera pública; y el impeachment fue un proceso gradual, que

sufrió influencia de diversos actores y factores del contexto social e institucional.

Palabras clave: Manifestaciones públicas; Redes sociales virtuales; activismo; Prensa

brasileña; Impeachment de Dilma Rousseff.

Page 12: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1805/2/Cleide Rodrigues.pdf · IMPEACHMENT DE DILMA ROUSSEFF NAS REDES SOCIAIS ON-LINE

ABSTRACT

This study analyzes the public manifestations for and against the impeachment of Dilma

Rousseff from organized and articulated groups in the social network Facebook. The objective

was to observe the influence and the relationship of digital technologies as a facilitating tool

to promote social mobilization and engagement, and to bring about change in the historical

and political context of Brazilian society. Theories about cyberculture, community, social

movements and popular participation were the basis for reflecting on the relevance of the

internet in this process. We did content and exploratory analyzes of fanpage publications

focusing on the strategies of communication and interaction of groups with followers, and

from reports to verify the adherence of these strategies in the press. We note that these groups

had relevant participation, especially in the agility and expansion of the information of the

process of social transformation, like other wings of the public sphere; and impeachment was

a gradual process that was influenced by several actors and factors in the social and

institutional context.

Keywords: Public manifestations; Virtual social networks; Activism; Brazilian Press;

Impeachment of Dilma Rousseff.

Page 13: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1805/2/Cleide Rodrigues.pdf · IMPEACHMENT DE DILMA ROUSSEFF NAS REDES SOCIAIS ON-LINE

12

INTRODUÇÃO

Temos notado que a sociedade contemporânea está cada vez mais conectada por meio

da internet e de equipamentos móveis, inserida num processo sem volta. Os investimentos em

tecnologias de informação e comunicação não param, contribuindo para a expansão da rede.

Consequentemente, este contexto passa a influenciar e transformar a vida das pessoas. Os

brasileiros fazem parte deste cenário global e utilizam as ferramentas tecnológicas disponíveis

em suas práticas cotidianas, com tendência para ampliação de seu uso, assim como em outros

locais do mundo.

O Relatório da União Internacional de Telecomunicações (UIT), das Organizações das

Nações Unidas (ONU), divulgado em agosto de 2017, mostrava que 48% da população

mundial usava internet. A previsão era que, ao fim de 2017, 4,3 bilhões de pessoas no mundo

teriam acesso à internet móvel (MAIS..., 2017, 2 ago.2017). Essa representatividade de acesso

à internet também se verifica no Brasil. O país é o quarto em número de usuários de internet,

com 120 milhões de pessoas conectadas, ou seja, 59% dos brasileiros têm acesso à rede.

Por meio de aparelhos móveis que cabem em nossas mãos, podemos ter acesso a

informações diversas, de uma simples receita de bolo a noticiários e fatos históricos. A

tecnologia nos permite, na atualidade, enviar e receber mensagens de textos, fotos e vídeos

simultaneamente ao acontecimento. Neste contexto, as redes de mídias sociais digitais

possibilitam velozmente a disseminação de conteúdos diversos e a ampliação da conexão

entre cidadãos, derrubando fronteiras e migrando do campo virtual para o real, ou seja, as

ferramentas tecnológicas têm se tornado um potencial instrumento facilitador de

comunicação, mobilização e engajamento social, criando novas formas de sociabilidade.

Temos observado o quanto essa sociedade em rede tem se apropriado das ferramentas

disponíveis para se relacionar e interagir entre si para promover transformações sociais,

políticas e culturais. Segundo Castells (1999, p.565), as “redes constituem a nova morfologia

social de nossas sociedades e a difusão da lógica de redes modifica de forma substancial a

operação e os resultados dos processos produtivos e de experiência, poder e cultura”.

Com relação à onda de protestos e manifestações ancoradas na internet ocorridas no

mundo, inclusive no Brasil, Sorj (2014) nos traz uma reflexão pertinente daquilo que ele

denomina de fenômenos sociais “glocais”, ou seja, uma fusão de realidades locais e globais. O

autor diz que esses movimentos não são novos e que “no mundo atual, de comunicação

instantânea, é de esperar que os fenômenos locais tenham influência quase imediata em outras

Page 14: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1805/2/Cleide Rodrigues.pdf · IMPEACHMENT DE DILMA ROUSSEFF NAS REDES SOCIAIS ON-LINE

13

latitudes” (SORJ, 2014, p.87). Ao analisar tais contextos, ele observa que é fundamental

considerar questões sociais e institucionais:

Sem dúvida, as características específicas de cada tecnologia de

comunicação influenciam os processos sociais, e os novos meios de

comunicação disseminam a informação em tempo real e de forma viral.

Porém, os motivos que levam as pessoas às ruas para exprimir insatisfação e

anseios de mudança devem ser procurados nos contextos sociais e

institucionais, não nas tecnologias. [...] os novos meios de comunicação têm

sua importância potencializada pelo declínio das instituições que,

anteriormente, sem necessidade de telefone celular ou da internet, eram

capazes de levar milhares às ruas (SORJ, 2014, p.88-89).

Este estudo analisa as manifestações públicas pró e contra o impeachment de Dilma

Rousseff a partir de grupos organizados e articulados na rede social on-line Facebook. O

objetivo é observar a influência e a relação das tecnologias digitais como um instrumento

facilitador para promover a mobilização e o engajamento social, e provocar mudança no

contexto histórico e político da sociedade brasileira. As teorias sobre cibercultura,

comunidade, movimentos sociais e participação popular, além de observações e análises da

atualidade foram a base para refletirmos sobre a relevância da internet neste processo.

Fizemos análises de conteúdo e exploratória a partir estudo empírico de publicações das

fanpages de quatro grupos que articularam manifestações públicas por meio de espaços on-

line, com foco nas estratégias de comunicação e interação com os seguidores, e de

reportagens veiculadas na imprensa para verificar a aderência dessas estratégias de

comunicação na mídia. Por meio de revisão bibliográfica, contextualizamos ainda,

brevemente, o cenário socioeconômico e político do Brasil para compreendermos as grandes

manifestações públicas em tempos das redes sociais.

Com base neste contexto, consideramos relevante o estudo acerca de manifestações

públicas no Brasil articuladas por meio das redes sociais digitais. Por ser um tema muito

amplo, a proposta foi fazer um recorte e analisar as manifestações públicas pró e contra o de

impeachment de Dilma Rousseff na internet a partir de manifestações de grupos organizados

nas mídias e redes sociais virtuais. Para este trabalho, selecionamos quatro deles com forte

representatividade na articulação das manifestações públicas e com considerável número de

seguidores em suas fanpages e os dividimos igualmente em dois segmentos: Movimento

Brasil Livre (MBL) e Vem pra Rua (a favor do impeachment); e Frentes Povo Sem Medo e

Brasil Popular (contra o impeachment).

O processo de impeachment de Dilma Rousseff, oficialmente autorizado no dia 12 de

maio de 2016 por meio de votação no Senado e concluído em 31 de agosto do mesmo ano

Page 15: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1805/2/Cleide Rodrigues.pdf · IMPEACHMENT DE DILMA ROUSSEFF NAS REDES SOCIAIS ON-LINE

14

com a destituição da presidente do cargo, começou a ser desenhado muito antes. O pedido de

impeachment foi aceito em 2 de dezembro de 2015 pelo presidente da Câmara, Eduardo

Cunha (PMDB-RJ), sob a acusação de crime de responsabilidade fiscal. Em 17 de abril de

2016, a Câmara aprovou o processo, com 367 votos a favor e 137 contra, que seguiu para o

Senado. No dia 12 de maio do mesmo ano foi aprovada a abertura do processo, com 55 votos

a favor e 22 contra. Dilma (PT) foi afastada do cargo por 180 dias, e assumiu o vice Michel

Temer (PMDB) como presidente em exercício. No dia 31 de agosto de 2016, o Senado

condenou Dilma por crime de responsabilidade no exercício do mandato, com votação de 61 a

favor e 20 contra. Ela foi destituída do cargo. Assumiu o vice-presidente Michel Temer. O

processo seguiu o rito da Lei nº 1.079, de 10 de abril de 1950.

Dilma Rousseff estava no cumprimento do segundo mandato como presidente da

República e sua reeleição não foi fácil. Ela venceu as eleições no segundo turno, com 51,6%

dos votos válidos, em 2014. Houve uma notória polarização no cenário político e disputa de

poder interna em seu novo governo. A divisão das alas políticas no governo e no Congresso

Nacional reverberou na sociedade brasileira.

A presidente teve significativa queda de popularidade no início de seu segundo

governo. Segundo pesquisa realizada pelo Ibope com 2002 pessoas de 140 cidades em

setembro de 2015, e divulgada pela Confederação Nacional da Indústria, o percentual da

população que dizia confiar em Dilma recuou de 51% para 20%, de dezembro de 2014 a

setembro de 2015. No mesmo período houve queda de 52% para 14% com relação aos que

aprovavam sua maneira de governar (DILMA..., 2015, s.p). Seu governo também estava

fragilizado pelo avanço das investigações da Operação Lava Jato da Polícia Federal. Somando

a este cenário, o governo recebia críticas por conta do baixo crescimento econômico, medidas

de ajuste fiscal, descaso de dinheiro público, entre outras questões que impactam o dia a dia

da população. Além disso, o governo sofria pressão da grande mídia.

De março a dezembro de 2015, foram registrados ao menos nove atos e manifestações

públicas a favor e contra o governo, com presença significativa de pessoas nas ruas (MAPA

das manifestações no Brasil, Portal G1, s.d., s.p.). Novos protestos ocorreram 2016, tendo seu

ápice em 13 de março de 2016, quando o pedido de impeachment passa a ganhar força no

país. A partir de então, diversos manifestos são articulados nos ambientes das redes sociais

virtuais por grupos contra e a favor do impeachment da presidente. Além disso, as

manifestações entraram na pauta da grande mídia e imprensa alternativa.

Page 16: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1805/2/Cleide Rodrigues.pdf · IMPEACHMENT DE DILMA ROUSSEFF NAS REDES SOCIAIS ON-LINE

15

Dessa forma, levantamos a seguinte pergunta de pesquisa: como se deu a articulação e

ações de grupos pró e contra o impeachment de Dilma Rousseff por meio das redes sociais

on-line nas manifestações públicas de 2016 no Brasil e a aderência destas atividades na

grande mídia e imprensa alternativa?

Nossa hipótese é de que a atuação dos atores nos ambientes virtuais contribuiu para

dar visibilidade a suas ações no mundo off-line. Concebemos as ferramentas tecnológicas

como potenciais instrumentos de articulação, mobilização, empoderamento e engajamento

social para proposição de transformações sociais, desde que os cidadãos delas se apropriem.

No contexto do impeachment, a análise acerca dos motivos que levaram ao afastamento de

Dilma do Palácio do Planalto perpassa por diversos outros fatores além das articulações de

atores nas redes sociais, entre os quais interesses econômicos, políticos, políticos partidários,

posicionamento dos meios de comunicação, em níveis local e global.

Este estudo teve como objetivo geral analisar as manifestações públicas pró e contra o

impeachment de Dilma Rousseff a partir de grupos organizados e articulados nas redes sociais

on-line e a aderência dessas ações nos ambientes virtuais nos meios de comunicação – grande

imprensa e imprensa alternativa. A partir daí, traçamos quatro objetivos específicos para o

desenvolvimento desta pesquisa: 1) Mapear e analisar os principais grupos pró e contra o

impeachment de Dilma que se articularam manifestações públicas por meio de redes sociais

digitais; 2) Analisar a relação das tecnologias digitais como um instrumento facilitador para

promover a mobilização e o engajamento social, e provocar mudança no contexto histórico e

político da sociedade; 3) Observar as estratégias de comunicação dos grupos Movimento

Brasil Livre (MBL) e Vem pra Rua (a favor do impeachment); e Frente Brasil Popular e Povo

Sem Medo (contra o impeachment) nos ambientes das redes e mídias sociais on-line, em

particular, no Facebook; e 4) Observar a aderência das atividades organizadas e articuladas

pelos grupos estudados na grande imprensa – Folha de S.Paulo e O Globo; e imprensa

alternativa – Caros Amigos, Agência de Notícias Carta Maior e Jornalistas Livres.

Este trabalho se justifica por uma série de questões. Na atualidade, início deste século

21, a presença das tecnologias de informação e comunicação (TIC) está no cotidiano de uma

parcela significativa da sociedade mundial e sentimos a força dessa representatividade na vida

da população brasileira. As pessoas não apenas estão conectadas por equipamentos móveis,

como também fazem uso deles para externar aquilo que pensam. O uso das mídias sociais

digitais dispensa, por vezes, a mediação de canais tradicionais de comunicação, fazendo dos

cidadãos protagonistas de suas próprias histórias. Além disso, a internet e as mídias e redes

Page 17: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1805/2/Cleide Rodrigues.pdf · IMPEACHMENT DE DILMA ROUSSEFF NAS REDES SOCIAIS ON-LINE

16

sociais disponibilizam ferramentas que facilitam o engajamento dos usuários por possuírem

custos reduzidos para a participação, compartilhamento e circulação de conteúdos. O

Facebook é um instrumento que converge para a linha da mobilização social.

O processo de impeachment de Dilma Rousseff por si só trata-se de um tema relevante

no campo da pesquisa. Primeiro pelo fato dela ser a segunda chefe de Estado no Brasil a

enfrentar um processo dessa ordem desde a redemocratização, 24 anos após Fernando Collor.

Como já mencionado, o governo da presidente também estava fragilizado pelo avanço das

investigações da Operação Lava Jato e sofria críticas da sociedade por conta do baixo

crescimento econômico, medidas de ajuste fiscal, descaso de dinheiro público, entre outras

questões que impactam o dia a dia da população.

Notamos quão utilizado foram os recursos tecnológicos e as mídias e redes sociais on-

line por grupos que atuaram pró e contra o processo de impeachment de Dilma. Daí, o

interesse da pesquisa pela influência e a relação das tecnologias digitais nas grandes

manifestações públicas nesse período de transformação social que marcou a história e a

política do Brasil. Além disso, nos interessou saber como classificar tais grupos. Seriam estes

movimentos sociais, movimentos populares, comunidades virtuais ou, tão somente, um grupo

de pessoas que se uniu por uma causa coletiva num momento único da história do país? A

pesquisa se justifica ainda porque buscamos compreender a participação e a presença dos

brasileiros nessas grandes manifestações públicas em tempos de redes sociais digitais,

considerando que “o espaço público virtual funciona efetivamente mais como foro catártico

do que como espaço deliberativo. [...] A ação política, aquela com consequências decisivas

sobre os rumos da história, continua sendo presencial e não virtual” (SORJ, 2014, p. 90).

Para o desenvolvimento desta dissertação, na área da Comunicação Social, fizemos

pesquisa bibliográfica sobre as teorias de cibercultura, comunidade – das clássicas às

contemporâneas –, movimentos sociais, movimentos populares e participação popular.

Também fizemos pesquisa em sites das organizações estudadas para contextualizar como

estes grupos estão inseridos no cenário histórico, social e institucional do país daquele

momento a partir de suas origens de formação. Em seguida, realizamos estudo empírico das

publicações dos grupos Movimento Brasil Livre (MBL), Vem pra Rua; e Frentes Povo Sem

Medo e Brasil Popular, no Facebook, de março a agosto de 2016, período que compreendeu

da primeira grande manifestação pública daquele ano pelo pedido de impeachment de Dilma

até a conclusão do processo de afastamento da então presidente da República.

Page 18: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1805/2/Cleide Rodrigues.pdf · IMPEACHMENT DE DILMA ROUSSEFF NAS REDES SOCIAIS ON-LINE

17

Para verificar as estratégias de comunicação voltadas ao engajamento social e à

participação popular dos grupos nas redes sociais, realizamos análise de conteúdo e estudo

exploratório de publicações no Facebook e notícias veiculadas na imprensa. A proposta da

pesquisa foi apresentar “concepções teóricas da abordagem, articulando-se com a teoria, com

a realidade empírica e com os pensamentos sobre a realidade” (MINAYO, 2009, p.15).

Entendemos que tais elementos deram subsídios para compreendermos as grandes

manifestações públicas em tempos de redes sociais digitais.

Com relação à pesquisa bibliográfica, partimos do princípio de que são de suma

importância materiais que versem sobre mídias e redes sociais, manifestações públicas e

participação popular na contemporaneidade como livros, artigos, monografias e outras

publicações. Esse conteúdo deu suporte à pesquisa, uma vez que “todo projeto deve conter os

pressupostos teóricos com os quais as interpretações irão de confrontar” (SANTAELLA,

2006, p.184). Concebemos ainda que uma “pesquisa nunca é uma atividade solitária, (...) você

segue os passos de outras pessoas, beneficiando-se de seu trabalho, seus princípios e suas

práticas” (BOOTH; COLOMB; WILLIAMS, 2008, p.94).

Com base neste pressuposto, seguimos “as trilhas bibliográficas” de pesquisadores

como Tönnies (1947), Buber (1987), Bauman (2003); Maffesoli (2014); Castells (1999; 2003;

2013); Santaella (2013), Recuero (2011), Rüdiger (2011), Cupani (2011), Habermas (2014),

Martuccelli (2015), Sorj (2014, 2015, 2016), Peruzzo (1998; 2009a, 2009b; 2013; 2014);

Gohn (2006, 2010); Martuccelli (2015); Alvarez, Dagnino e Escobar (2000); Somma (2015),

Gomes (2005), Singer (2015), Bucci (2003; 2016) e Villaverde (2016), Chaparro (1994),

Abramo (2003), Sousa (2000), Silva (2010) e Fernandes (2013).

Para sabermos sobre a constituição, organização e formação dos grupos estudados,

fizemos o estudo de documentos postados no Facebook e nos sites dessas organizações. As

plataformas digitais pesquisadas foram:

A) MBL: http://mbl.org.br/; e https://www.facebook.com/mblivre/

B) Vem pra rua: http://www.vemprarua.net/; e

C) https://www.facebook.com/VemPraRuaBrasil.org

D) Frente Brasil Popular: http://www.frentebrasilpopular.org.br/; e

https://www.facebook.com/FrenteBrasilPopular

E) Povo sem Medo: http://www.povosemmedo.org/; e

https://www.facebook.com/povosemmedonacional/

Page 19: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1805/2/Cleide Rodrigues.pdf · IMPEACHMENT DE DILMA ROUSSEFF NAS REDES SOCIAIS ON-LINE

18

Realizamos a análise de conteúdo e estudo exploratório de convites virtuais de eventos

e a interação dos seguidores nas fanpages dos grupos, além de reportagens veiculadas na

imprensa sobre as manifestações públicas. O trabalho de análise de conteúdo seguiu os três

“polos cronológicos” de organização do estudo: a pré-análise; a exploração do material; e o

tratamento dos resultados, a inferência e a interpretação (BARDIN, 2011, p.121). Os dados

empíricos foram codificados, ou seja, tratados, por meio de análise quantitativa e qualitativa.

A abordagem quantitativa e a qualitativa não têm o mesmo campo de acção.

A primeira obtém dados descritivos através de um método estatístico. (...) é

mais objectiva, mais fiel e mais exacta, visto que a observação é mais

controlada. A segunda corresponde a um procedimento mais intuitivo, mas

também mais maleável e mais adaptável a índices não previstos, ou à

evolução das hipóteses (BARDIN, 2011, p.141).

A finalidade desta análise de conteúdo foi, através dos dados encontrados e tratados,

identificar as estratégias de comunicação dos grupos estudados voltadas ao engajamento

social e participação popular no Facebook no processo de impeachment da Dilma Rousseff.

Os textos encontrados nos sites das organizações também foram analisados. Todo material foi

confrontado com os conceitos teóricos a fim de refletirmos sobre as manifestações públicas no

Brasil no referido processo político no contexto das novas tecnologias de comunicação.

No Facebook, o estudo consistiu na análise de conteúdo e pesquisa exploratória de

convites virtuais de eventos e interações dos seguidores no período de 1º de março a 31 de

agosto de 2016. Foram analisadas 89 publicações com base nas categorias:

1) Participação: Classificados os números de convidados, comparecimentos e

interessados ao evento. Porém, a análise considerou apenas o item

“compareceram”, que mensura a participação/presença no evento.

2) Ação/mensagem: Considerada a informação primária da publicação/convite

(imagens de foto, desenho, logomarca e texto), ou seja, o post propriamente dito,

sendo descartado o conteúdo do detalhe do evento.

3) Argumento: Analisadas todas as informações do convite (imagens de foto,

desenho e texto) e conteúdo complementar presente no "detalhe" da publicação.

4) Protagonistas: Relacionados os atores sociais presentes no convite, considerando-

se a informação primária (post) e complementar (detalhe do enunciado).

5) Símbolos identitários: Considerados todos os elementos do convite (informação

primária e detalhe do enunciado) como foto, desenho, logomarca e texto.

6) Repercussão: Analisada a publicação a partir da interação e do relacionamento do

seguidor na rede social com os envolvidos (grupo e/ou outros seguidores). A partir

Page 20: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1805/2/Cleide Rodrigues.pdf · IMPEACHMENT DE DILMA ROUSSEFF NAS REDES SOCIAIS ON-LINE

19

de likes e comentários – elementos que indicam interação – realizou-se pesquisa

exploratória sob os seguintes aspectos: a) interação nas fanpages do grupo com os

seguidores e dos seguidores com o grupo e/ou entre eles; e b) posicionamento a

partir da “conversa” no Facebook. Se o seguidor “concorda” ou “discorda” da

publicação, e se teor do posicionamento expresso pelo seguidor foi “ofensivo” ou

“não ofensivo”.

Também foram feitas duas pesquisas exploratórias nos meios jornalísticos. A primeira

observou a influência dos eventos públicos articulados e organizados pelo Facebook dos

grupos estudados na Folha de S.Paulo e O Globo, os dois maiores jornais em circulação

média diária no país. A análise de 64 reportagens compreendeu o período de 1º de março a 28

de agosto, por meio da técnica de amostragem não probabilística intencional.

[É] impossível obter informação de todos os elementos que formam parte

do grupo que se deseja estudar; seja porque o número de elementos é

demasiado grande, os custos são muito elevados ou ainda porque o tempo

pode atuar como agente de distorção (...). Essas e outras razões obrigam

muitas vezes a trabalhar com uma só parte dos elementos que compõem um

grupo (RICHARDSON, 2008, p. 157).

A seleção racional dos elementos a fazerem parte da amostra ocorreu a partir do

sistema de “semana construída”, que consiste no sistema de amostragem em que as datas são

estratificadas pelos dias da semana considerando uma variação “sistemática” e consecutiva

dos dias (RIFFE, 1993). Desta forma, “os elementos que formam a amostra relacionam-se

intencionalmente de acordo com certas características estabelecidas no plano e nas hipóteses

formuladas pelo pesquisador” (RICHARDSON, 2008, 161). Com base nesses critérios,

elaboramos quatro semanas construídas, a saber:

QUADRO 1 – Amostragem por semana construída nos veículos de

imprensa: Folha de S. Paulo e O Globo

Período de 1º Março a 28 de Agosto de 2016

Dias da semana Dias do mês

Segunda-feira 11 de abril 30 de maio 18 de julho

Terça-feira 1º de março 19 de abril 7 de junho 26 de julho

Quarta-feira 9 de março 27 de abril 15 de junho 3 de agosto

Quinta-feira 17 de março 5 de maio 23 de junho 11 de agosto

Sexta-feira 25 de março 13 de maio 1º de julho 19 de agosto

Page 21: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1805/2/Cleide Rodrigues.pdf · IMPEACHMENT DE DILMA ROUSSEFF NAS REDES SOCIAIS ON-LINE

20

Sábado 2 de abril 21 de maio 9 de julho 27 de agosto

Domingo 3 de abril 22 de maio 10 de julho 28 de agosto

Realizamos ainda estudo exploratório de um “acontecimento” pontual do contexto do

impeachment: a divulgação do grampo telefônico da conversa entre a presidente da República

e Lula, após a nomeação dele à frente da Casa Civil, no dia 16 de março de 2016. Verificamos

a cobertura na grande mídia – Folha de S.Paulo e O Globo – e imprensa alternativa – Caros

Amigos, Agência de Notícias Carta Maior e Jornalistas Livres – do episódio que teria sido o

estopim da crise política do governo Dilma, configurando-se como mais um dos fatores

sociais e institucionais do contexto do impeachment. Foram investigadas 44 notícias

referentes ao “acontecimento” e/ou geradas a partir dele, incluindo observações quanto à

presença ou não dos grupos estudados nas pautas dos veículos.

A partir deste trajeto, dividimos a dissertação em quatro capítulos. O primeiro

intitulado “Dos conceitos clássicos sobre comunidade ao ativismo nas redes” teve o objetivo

de dar embasamento teórico à pesquisa, sendo a espinha dorsal para o desenvolvimento do

trabalho. A partir de pesquisa bibliográfica, seu desdobramento se deu sob três tópicos.

Primeiramente, apresentamos os conceitos de comunidade, partindo das definições clássicas

até as manifestações atuais. Depois discorremos sobre as comunidades nas mídias e redes

virtuais e como os indivíduos se conectam por meio dessas plataformas. Por fim, trouxemos

reflexões sobre ativismo nas redes sociais on-line na contemporaneidade.

No segundo capítulo, denominado “Movimentos sociais e populares e os grupos das

redes no impeachment de Dilma”, promovemos uma reflexão sobre o que são movimentos

sociais e populares, de abordagens clássicas a contemporâneas; bem como o que vem a ser

participação e comunicação popular no contexto do ativismo digital. O levantamento de

conceitos e teorias foi feito com foco nas ações sociais da sociedade civil na América Latina e

no Brasil a partir de pesquisa bibliográfica. Esse arcabouço teórico nos deu subsídios para

traçarmos os perfis dos quatro grupos selecionados – Movimento Brasil Livre (MBL) e Vem

pra Rua; e Frentes Povo Sem Medo e Brasil Popular – e compreendermos quem foram esses

protagonistas no âmbito das manifestações públicas pró e contra o impeachment de Dilma

Rousseff nesta nova sociedade em rede.

No capítulo três, que chamamos de “O governo Dilma e as manifestações: uma análise

sobre as ações dos grupos das redes sociais no Facebook”, apresentamos os resultados da

análise das fanpages dos quatro grupos que atuaram no movimento do impeachment a partir

das redes sociais. Para dar suporte à análise, fizemos uma breve reconstituição do cenário

Page 22: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1805/2/Cleide Rodrigues.pdf · IMPEACHMENT DE DILMA ROUSSEFF NAS REDES SOCIAIS ON-LINE

21

social e institucional dos governos Dilma (2011-2016) a partir de revisão bibliográfica. Na

sequência, foi realizado o estudo empírico – análise de conteúdo e pesquisa exploratória – de

convites virtuais de eventos e interações dos seguidores no Facebook a fim de observar como

se deram as estratégias de comunicação voltadas ao engajamento e à participação popular

utilizadas nas redes de relacionamento dos grupos, de 1º de março a 31 de agosto de 2016.

No capítulo quatro – Manifestações públicas: repercussão na imprensa a partir das

ações articuladas nas redes sociais – observamos a influência dos eventos públicos articulados

e organizados pelos grupos nas redes sociais na cobertura da grande mídia e imprensa

alternativa sobre as manifestações que envolveram o impeachment de Dilma Rousseff, a fim

de verificar se suas estratégias de comunicação no Facebook se reverteram em pauta. Teorias

relacionadas à ação jornalística, ética e manipulação no jornalismo, noticiabilidade de um

acontecimento e imprensa alternativa foram abordadas por meio de pesquisa bibliográfica.

Foram feitas duas pesquisas exploratórias nos meios jornalísticos. A primeira observou a

influência dos eventos públicos articulados e organizados pelo Facebook dos grupos

estudados na Folha de S.Paulo e O Globo, sendo analisadas 64 reportagens. Verificamos

ainda a cobertura na grande mídia – Folha de S.Paulo e O Globo – e imprensa alternativa –

Caros Amigos, Agência de Notícias Carta Maior e Jornalistas Livres – da divulgação do

grampo telefônico da conversa entre a presidente da República e Lula, após a nomeação dele

à frente da Casa Civil, no dia 16 de março de 2016. Houve a análise de 44 notícias referentes

ao “acontecimento” e/ou geradas a partir dele, incluindo observações quanto à presença ou

não dos grupos estudados nas pautas dos veículos. Nas considerações finais, destacamos os

principais resultados encontrados, articulando-os com os objetivos, hipóteses e referencial

teórico utilizado neste trabalho.

Page 23: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1805/2/Cleide Rodrigues.pdf · IMPEACHMENT DE DILMA ROUSSEFF NAS REDES SOCIAIS ON-LINE

22

CAPÍTULO I – DOS CONCEITOS CLÁSSICOS SOBRE

COMUNIDADE AO ATIVISMO NAS REDES

Muito já se discutiu e ainda se debate sobre o que vem a ser comunidade. Por não

haver um conceito único, uníssono, universal é que o termo inspira reflexões de ordem

diversas. Nossa proposta não é esgotar o debate sobre o tema, ao contrário, é fomentar novas

indagações a partir de transformações e mudanças sociais advindas de uma sociedade que,

hoje, se relaciona, se conecta e compartilha interesses comuns pelas redes sociais.

Este capítulo tem o objetivo de dar embasamento teórico à pesquisa, sendo a espinha

dorsal para o desenvolvimento do trabalho. A partir de pesquisa bibliográfica, seu

desdobramento se dá sob três tópicos. O primeiro apresenta os conceitos de comunidade,

partindo das definições clássicas até as manifestações atuais. O segundo discorre sobre as

comunidades nas mídias e redes virtuais e como os indivíduos se conectam por meio dessas

plataformas. Por fim, o último tópico traz reflexões sobre ativismo nas redes sociais on-line

na contemporaneidade. Para dar conta do assunto, foram estudados autores como Tönnies

(1947), Buber (1987), Bauman (2003); Maffesoli (2014); Castells (1999; 2003; 2013);

Santaella (2013), Recuero (2011), Rüdiger (2011), Cupani (2011), Habermas (2014),

Martuccelli (2015), Sorj (2014, 2015, 2016), entre outros. A consulta aos pesquisadores nos

deu pistas que para melhor compreendermos as comunidades do século 21 que, entre outras

formas de apropriação, fazem uso das ferramentas tecnológicas para promover ações de

engajamento e participação popular nos espaços públicos.

1.1. Comunidade: abordagens do conceito clássico às manifestações atuais

Comunidade é um termo muito em voga. Usa-se para se referir a um espaço territorial

como um bairro, uma determinada localidade; para tratar de um grupo de indivíduos cujos

participantes comungam de interesses comuns, são ligados por laços parentescos ou ainda se

relacionam pelas redes sociais sem jamais terem se encontrado. De modo mais amplo nos

remete a convívio, compartilhamento, pertencimento, coletividade, entre outros significados.

“A palavra ‘comunidade’ (...) sugere uma coisa boa: o que quer que ‘comunidade’ signifique,

é bom ter ‘comunidade’, ‘estar em comunidade’” (BAUMAN, 2003, p.7). Talvez essa

sensação de algo bom e positivo tenha sido construída gradativamente ao longo do tempo a

partir de ressignificações que acompanham o desenvolvimento e a evolução da sociedade.

Page 24: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1805/2/Cleide Rodrigues.pdf · IMPEACHMENT DE DILMA ROUSSEFF NAS REDES SOCIAIS ON-LINE

23

O sociólogo alemão Ferdinand Tönnies é uma das principais referências no que

concerne à definição clássica sobre “comunidade”, no entanto, seus conceitos foram

subsequentemente criticados. Em sua obra, “Comunidade e Sociedade” (Gemeinschaft und

Gesellschaft), publicada em 1887, Tönnies concebe comunidade a partir das “ações oriundas

das vontades e forças [do homem], quando no sentido de conservação (...) formariam uma

união. Esta, quando configurada predominantemente pela vontade natural, seria caracterizada

como comunidade (gemeinschaft)”. Para Tönnies (1973, p.96-97) comunidade está

relacionada a uma vida real e orgânica, enquanto que sociedade trata-se de uma representação

virtual e mecânica. “Tudo o que é confiante, íntimo, que vive exclusivamente junto, é

compreendido como vida em comunidade (...). A sociedade é o que é público, é o mundo”.

Ele observa que o homem está em comunidade com os seus desde o seu nascimento e esta

união ocorre tanto no bem como no mal.

Ao revisitar Tönnies para discorrer sobre comunidade, sociedade e sociabilidade,

Brancaleone (2008, p.100-101) observa que o alemão registrou três padrões de sociabilidade

comunitária, a partir dos princípios de conviabilidade: os laços de consanguinidade, de

coabitação territorial e de afinidade espiritual, cada qual convergindo para um respectivo

ordenamento interativo, como comunidade de sangue (parentesco), lugar (vizinhança) e

espírito (“amizade”). Segundo o autor, “no circuito das relações societárias, Tönnies

denominou por vontade arbitrária aquilo que é produto da sociabilidade mercantil, orientada

em grande medida pelo cálculo, o tráfico e o contrato”.

Outro pesquisador contemporâneo, Mocellim (2011) observa um certo pessimismo em

Tönnies no que concerne à modernidade.

De certo modo, pode-se verificar em Tönnies uma visão pessimista da

modernidade. De seu ponto de vista, aquilo que a Sociologia chamou de

“social” se encontra principalmente na comunidade. É nela que se

encontram a relação social mútua e os códigos morais compartilhados; é

nela que o afeto predomina e determina os laços entre as pessoas. Porém,

com a modernidade e a decadência da vida comunitária, o que se vê mesmo

é a decadência deste “velho social”. A sociedade emergente é, para ele,

sinônimo de atomização e individualização radicalizada e, assim, não pode

representar uma forma de reconstrução da vida comunitária e de seu aspecto

afetivo, pessoal e agregador (MOCELLIM, 2011, p.112).

Para Mocellim (2011, p.113), o sociólogo francês Émile Durkheim se aproxima da

formulação de comunidade vista em Tönnies ao trabalhar com o conceito de solidariedade

mecânica (arcaica) no que concerne vida comunitária das pequenas aldeias. A

individualização também é abordada “em decorrência da diferenciação dos indivíduos nas

Page 25: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1805/2/Cleide Rodrigues.pdf · IMPEACHMENT DE DILMA ROUSSEFF NAS REDES SOCIAIS ON-LINE

24

sociedades orientadas pela solidariedade orgânica” (moderna). Na visão de Mocellim, os dois

autores são referentes embora as conclusões sobre as diferentes formas de solidariedade de

Durkheim não sejam tão parecidas com os conceitos de comunidade e sociedade cunhados por

Tönnies. As semelhanças e diferenças de pensamentos acerca da formulação de comunidade

entre os dois autores clássicos, segundo Mocellim são:

(...) em Durkheim há uma visão otimista da modernidade, principalmente se

for pensada sua perspectiva em contraposição à de Tönnies. Também para

Durkheim, da mesma forma que para Tönnies, aquilo que a Sociologia

chamou de “social” se encontra principalmente na comunidade. No caso,

comunidade é sinônimo da solidariedade mecânica, e o fato social é aquele

fato coercitivo que caracteriza essa solidariedade. Não há, para ele, porém,

com a modernidade, uma decadência das formas de vida social. A

modernidade, com sua solidariedade orgânica, ao mesmo tempo em que

gera diferenciação e individualização, gera também uma nova forma de

integração que se fundamenta na interdependência de indivíduos

qualitativamente diferentes. Mesmo diante do risco da dissociação do

social, Durkheim não considera a modernidade como uma ordem

essencialmente anômica – a anomia é apenas transitória. A sociedade

caracterizada pela solidariedade orgânica é tão natural quanto aquela

caracterizada pela solidariedade mecânica. Não se trata de uma sociedade

que se mantém unida apenas artificialmente, mas de uma gradual mudança

do meio pelo qual as sociedades se integram (MOCELLIM, 2011, p.112).

Outro pesquisador a avançar na conceituação sobre comunidade é o filósofo e escritor

austríaco Martin Buber (1987, p.37-39), em que ele refuta a ideia de comunidade originária do

instinto natural definida como pré-social e defende que “a forma de vida humana em comum

não pode ser imposta de fora; (...) deve emergir do interior em cada tempo e lugar”. Na visão

do autor, a comunidade se baseia nos laços de escolha, não mais nos laços de sangue. Esta se

caracteriza como pós-social, “uma vez que ultrapassa a sociedade e normas, e se sustenta

sobre bases completamente diversas. Ela não quer reformar; a ela importa transformar”.

(...) nossa comunidade não quer revolução, ela é revolução. Ela ultrapassou,

porém, o antigo sentido de revolução. Para nós, revolução não significa

destruir coisas antigas, mas viver coisas novas. Não estamos ávidos por

destruir, mas ansiosos por criar. (...) Os homens que na atual sociedade

foram atirados em uma engrenagem movida pelo proveito, de modo o

atrofiar sua criatividade livre sob o jugo do trabalho que visa o proveito,

serão, nesta nova vida, elevados à nova ordem das coisas, onde reina não o

princípio utilitário, mas o princípio criador e libertador de suas forças

subjulgadas (BUBER,1987, p.38-39).

Na nova comunidade concebida por Buber (1987, p.39), “a unidade instrutiva do

homem primitivo que foi dividida e decomposta (...), voltará sob novas formas em um nível

superior e sob a luz de uma consciência criadora”. Peruzzo e Berti (2010, p.4), numa

Page 26: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1805/2/Cleide Rodrigues.pdf · IMPEACHMENT DE DILMA ROUSSEFF NAS REDES SOCIAIS ON-LINE

25

interpretação de Buber, dizem que a comunidade é também “um organismo vivo configurado

pelo Eu e pelo Tu, ou seja, pelo espírito comunal das pessoas e dos grupos formados por essas

pessoas, rejeitando o individualismo atomístico (o ser sozinho) e o coletivismo totalitário

(vivência em grupo, mas forçada)”. O filósofo austríaco vai além ao entender comunidade

como “um espaço mútuo e intermediário entre esses dois tipos de convivência social”. Para

ele, “nossa vida comunitária não é mais ‘viver-um-no-outro’ primitivo, mas um ‘viver-ao-

lado-do-outro’ ajustado” (BUBER, 1987, p.53).

Uma grande associação humana só pode ser denominada comunidade

quando for formada por pequenas comunidades vivas, por organismos

celulares fortes em coexistência sem mediação, que entram em relação

direta e vital, uns com os outros, como seus membros o fazem, e que se

unem em vista desta associação igualmente de modo direto e vital.

(BUBER,1987, p.56).

As definições sobre o que vem a ser comunidade têm se transformado acompanhando

as mudanças e evolução social. Novas discussões emergem a partir de referenciais do

passado. A cada novo debate, acrescentam-se novos pontos de vista que enriquecem os

estudos sobre o assunto. Nada se perde, ao contrário, o debate instiga outros pesquisadores

que, ao trazer novas contribuições, ampliam ainda mais os estudos acerca deste tema. Entre os

autores contemporâneos está o sociólogo polonês Bauman (2003, p.16-18) que nos provoca a

refletir sobre a comunidade da atualidade contrapondo ao “entendimento comum” que “fluía

naturalmente”, segundo a concepção de Tönnies. Para o sociólogo polonês, a comunidade

“não pode sobreviver ao momento em que o entendimento se torna autoconsciente, estridente

e vociferante” (BAUMAN, 2003, p.17).

Ainda segundo Bauman (2003, p.18), o entendimento comunitário seria moldado de

uma “mesmidade” que se esvai quando o equilíbrio entre a comunicação “de dentro” e “de

fora” começa a mudar e passa a ter mais peso que as trocas mútuas internas. Com o

surgimento dos meios de transporte e de comunicação, que permitem que a informação

chegue tão rápida aos seus destinos sem que haja a mobilidade humana, a vida comunitária

concebida por Tönnies fica cada vez mais insustentável.

A distância, outrora a mais formidável das defesas da comunidade, perdeu

muito sua significação. O golpe mortal na “naturalidade”, do entendimento

comunitário foi desferido, porém, pelo advento da informática: a

emancipação do fluxo de informação proveniente do transporte dos corpos.

A partir do momento em que a informação passa a viajar

independentemente de seus portadores, e numa velocidade muito além da

capacidade dos meios mais avançados de transporte (...), a fronteira entre o

“dentro” e o “fora” não pode mais ser estabelecida e muito menos mantida.

(...) A comunidade de entendimento comum, mesmo se alcançada,

Page 27: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1805/2/Cleide Rodrigues.pdf · IMPEACHMENT DE DILMA ROUSSEFF NAS REDES SOCIAIS ON-LINE

26

permanecerá, portanto, frágil e vulnerável, precisando para sempre de

vigilância, reforço e defesa (BAUMAN, 2003, p.18-19).

A partir de então, a unidade passa a ser construída artificialmente (BAUMAN, 2003).

O entendimento comum é fruto de argumentação e persuasão, não mais “natural”. O acordo

ao qual se chega ao final do processo traz consigo a memória de lutas e escolhas feitas no

decorrer desta jornada. Qualquer acordo que se estabeleça nesta comunidade será formulado

após muita reflexão, contestação e discussão. Também será um “contrato preliminar”, cujo

acordo necessita de renovação periódica, diferentemente da comunidade de entendimento

compartilhado e duradouro como era no passado. Em Bauman (2003), a vida comunitária tem

uma relação conflituosa entre segurança e liberdade, sendo difíceis de conciliá-las sem atrito.

Pessoas que sonham com a comunidade na esperança de encontrar a

segurança de longo prazo que tão dolorosa falta lhes faz em suas atividades

cotidianas, e de libertar-se da enfadonha tarefa de escolhas sempre novas e

arriscadas, serão desapontadas. A paz de espírito, se a alcançarem, será do

tipo “até segunda ordem”. (...) a comunidade realmente existente se parece

com uma fortaleza sitiada, continuamente bombardeada por inimigos

(muitas vezes invisíveis) de fora e frequentemente assolada pela discórdia

interna; trincheiras e baluartes são os lugares onde os que procuram o

aconchego, a simplicidade e a tranquilidade comunitárias terão que passar a

maior parte do tempo. (...) A promoção da segurança sempre requer o

sacrifício da liberdade, enquanto esta só pode ser ampliada à custa da

segurança. Mas segurança sem liberdade equivale a escravidão; e liberdade

sem segurança equivale a estar perdido e abandonado (BAUMAN, 2003,

p.19-24).

A partir dessas observações, Bauman nos instiga a refletir sobre quão confortável e

boa é a vida comunitária na contemporaneidade. Não nos parece que as “comunidades” sejam

tão seguras e que proporcionem liberdade plena. A segurança é efêmera na medida em que ao

integrar um grupo, mesmo que com diversos pontos afins, as divergências internas e os

conflitos vão emergir desta relação comunitária. A liberdade, por sua vez, está diretamente

ligada à questão da segurança. Quando um indivíduo expande sua liberdade, corre o risco de

ter sua segurança ameaçada, cujo grau de intensidade é proporcional à sua exposição. Assim

nos perguntamos: que liberdade é essa que nos escraviza? Qual é a segurança proporcionada

pela vida comunitária se não temos liberdade para sermos ou fazermos o que bem quisermos?

Em suma, viver em comunidade é seguir normas pré-estabelecidas em nossas relações sociais.

Outra questão a ser observada em Bauman (2003) é a “identidade” que se torna a

substituta da comunidade. Ela incorpora a individualidade ao pertencimento a grupos ou

filiações a estilos de vida, mas é sempre um pertencimento temporário, revogável e precário e

incapaz de trazer a segurança trazida pela comunidade. Segundo o polonês (BAUMAN, 2003,

Page 28: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1805/2/Cleide Rodrigues.pdf · IMPEACHMENT DE DILMA ROUSSEFF NAS REDES SOCIAIS ON-LINE

27

p.21), “‘identidade’ significa aparecer: ser diferente e, por essa diferença, singular – e assim a

procura da identidade não pode deixar de dividir e separar”. Ele complementa:

E no entanto a vulnerabilidade das identidades individuais e a precariedade

da solitária construção da identidade levam os construtores da identidade a

procurar cabides em que possam, em conjunto, pendurar seus medos e

ansiedades individualmente experimentados e, depois disso, realizar os ritos

de exorcismo em companhia de outros indivíduos também assustados e

ansiosos (BAUMAN, 2003, p.21).

Bauman (2003, p.62-68) trabalha com o conceito de comunidade estética que, dentre

os requisitos, destacam-se que esta deve ser fácil de decompor e também de construir; e o

compromisso firmado não deve ser irrevogável: “o vínculo constituído pelas escolhas jamais

deve prejudicar, e muito menos impedir, escolhas adicionais e diferentes”. Isso significa que o

relacionamento e a manutenção de vínculos entre os participantes caracterizam-se pela

flexibilidade, liberdade de escolha, instantaneidade. Um sinônimo de comunidade estética, na

visão do sociólogo polonês, seria a de “comunidades-cabides”, cuja característica comum é a

“natureza superficial, perfunctória e transitória dos laços que surgem entre seus participantes”.

Nesta também não se verifica, entre seus membros, uma rede de responsabilidades éticas, de

compromissos a longo prazo. Este tipo de comunidade está na contramão de uma comunidade

ética, ou seja, “tecida de compromissos de longo prazo, de direitos inalienáveis e obrigações

inabaláveis”.

Esses dois modelos muito diferentes de comunidade são muitas vezes

misturados e confundidos no “discurso comunitário” hoje em moda. Uma

vez misturados, as importantes contradições que os opõem são falsamente

apresentadas como problemas filosóficos e dilemas a serem resolvidos pelo

refinamento do raciocínio – em lugar de serem apresentadas como o

produto dos genuínos conflitos sociais que na realidade são (BAUMAN,

2003, p.68).

Outro contemporâneo que aborda a vivência comunitária é o sociólogo francês Michel

Maffesoli (2014). O autor não menospreza o passado, ao contrário, se apoia nele, com um

olhar crítico, para cunhar o conceito de comunidade organizada a partir de grupos tribais. Ou

seja, regressa ao passado para propor um novo debate sobre o tema na atualidade.

O quotidiano e seus rituais, as emoções e paixões coletivas, simbolizadas

pelo hedonismo de Dionísio, a importância do corpo em espetáculo e do

gozo contemplativo, a revivescência do nomadismo contemporâneo, eis

tudo o que acompanha o tribalismo pós-moderno. Para evitar ser repetitivo

(...), sintetizarei as “palavras” novas por meio de dois grandes eixos

essenciais: de um lado, o que salienta os aspectos “arcaicos” e juvenis do

tribalismo. De outro, o que salienta sua dimensão comunitária e a saturação

do conceito de Indivíduo (MAFFESOLI, 2014, p.XXI-XXII).

Page 29: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1805/2/Cleide Rodrigues.pdf · IMPEACHMENT DE DILMA ROUSSEFF NAS REDES SOCIAIS ON-LINE

28

Em Maffesoli, está presente um hibridismo de estilos de vida, em que as diversas

características antes ofuscadas na modernidade voltam à tona e se reintegram ao social. Isso

inclui diretamente o tribalismo, como vivência comunitária. Com base nesta linha de

raciocínio, Maffesoli (2014, p.19) pontua que “se a distinção é, talvez, uma noção que se

aplica à modernidade, por outro lado, ela é totalmente inadequada para descrever as diversas

formas de agregação social que vêm à luz”.

Estas [formas de agregação social] têm contornos indefinidos: o sexo, a

aparência, os modos de vida, até mesmo a ideologia são cada vez mais

qualificados em termos (“trans...”, “meta...”) que ultrapassam a lógica

identitária e/ou binária. Em resumo, e dando a esses termos sua acepção

mais estrita, pode-se dizer que assistimos tendencialmente à substituição de

um social racionalizado por uma socialidade com dominante empática

(MAFFESOLLI, 2014, p.19-20).

Na visão de Maffesoli (2014, p.252), o tribalismo “pode ser perfeitamente efêmero, e

se organiza conforme as ocasiões em que se apresentam”. Dessa forma, se constituem “tribos”

de múltiplos vieses, como esportivas, de amigos, sexuais, religiosas, entre outras. Sua duração

varia de acordo com o grau de investimento de seus protagonistas. Nota-se que as tribos

contemporâneas são muito dinâmicas e heterogêneas. Em nossa visão, as ferramentas

tecnológicas da sociedade moderna contribuem para a difusão e organização de indivíduos em

grupos tribais múltiplos e diversos. Daí a noção de identidade híbrida e sociedade em rede, em

que as pessoas estão conectadas em diferentes e diversas formas e agrupamentos sociais.

Em sua análise acerca de conceitos de vida comunitária, Mocellim (2001, p.124)

revisita autores clássicos e contemporâneos e, a partir deles, observa que:

As tribos aparecem (...) como uma possibilidade de integração dentro das

sociedades modernas. Aqui não existe mais a Gesellschaft [sociedade em

Tönnies], mas uma solidariedade orgânica [sociedade em Durkheim], em

que indivíduos se integram em diversos níveis, de acordo com seus

atributos específicos. As tribos, mesmo contando com membros passageiros

e sendo elas mesmas passageiras, conferem um sentido comum e mostram-

se como uma reconstrução da vida comunitária, ainda que difusamente. A

vivência tribal permite o reconhecimento da individualidade, mas não leva

ao atomismo. Ela opera uma integração entre tribo e indivíduo, compondo

uma identidade que integra a participação em diversas tribos e que atesta

não ser a vivência contemporânea puramente individualista.

Outro olhar sobre comunidade é trazido por Peruzzo e Berti (2010, p.5-6) que, ao

interpretarem Roger Silverstone, trabalham com o conceito de comunidades vividas, cuja

abordagem ocorre no campo das relações conflitantes da vida social. Os indivíduos sonham

“com o comum e as realidades partilhadas que estão na base” da comunidade. No entanto,

Page 30: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1805/2/Cleide Rodrigues.pdf · IMPEACHMENT DE DILMA ROUSSEFF NAS REDES SOCIAIS ON-LINE

29

reforça que comunidade sempre implica reivindicação, “um conjunto de reivindicações de ser

parte de algo partilhável e particular. (...) As comunidades são vividas, mas também

imaginadas”.

Notamos por meio de consultas bibliográficas a autores clássicos e contemporâneos

que a discussão sobre o que vem a ser comunidade não se esgota. Os conceitos são

ressignificados, re-atualizados, se complementam e seguem o ritmo das transformações

sociais num processo contínuo. As formatações do passado devem e merecem ser revisitadas

porque são a partir delas que novos debates emergem. O passado é o ponto de partida para a

construção e reconfiguração dos conceitos da atualidade. Das abordagens clássicas sobre

vivência comunitária de entendimento comum compartilhado por todos os membros (a

Gemeinschaft, de Tönnies) ou das relações comunitárias das pequenas aldeias (Durkheim),

notamos que as discussões sobre o tema se fizeram a partir de uma realidade social e factual,

do presente daquele momento. Ou seja, faziam sentido para aquela configuração de sociedade.

Ocorre que a sociedade não está estagnada. Ela se remodela o tempo todo dinamicamente. Os

ambientes, os espaços se transformam, assim como as pessoas que compõem a sociedade.

Então, o que vimos com autores contemporâneos como Buber (1987), Bauman (2003)

e Maffesoli (2014) foram formatações complementares às definições clássicas que se

reconfiguraram e ganharam novas roupagens a partir da evolução da sociedade. Nas

comunidades modernas, seja na sociedade-líquida de Bauman ou pós-moderna organizadas

por grupos tribais de Maffesoli, as tecnologias de informação e comunicação (TICs) têm um

papel fundamental. Há de se considerar ainda que, tanto os conceitos clássicos quanto os

contemporâneos, a significação do termo comunidade remete a algo positivo, que tem se

perpetuado ao longo da história da civilização. Além disso, muitos dos princípios de

comunidade do passado se mantêm na contemporaneidade.

Isso significa que a compreensão do conceito comunidade contemporâneo perpassa

pelos clássicos da teoria de Sociologia. Esse mergulho no passado contribui para a formatação

de novas construções que ganham formas e molduras de acordo com a evolução humana e

social. Certamente, surgirão novos debates no futuro, considerando as transformações sociais

e a sua correlação com o advento de novas tecnologias de informação e comunicação (TIC).

A atualização dos conceitos de comunidade é uma necessidade constante se tomarmos como

referência a velocidade com que as TIC se transformam e se reconfiguram, influenciando,

assim, o ritmo e a forma de relacionamento das pessoas e grupos da sociedade da atualidade.

Page 31: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1805/2/Cleide Rodrigues.pdf · IMPEACHMENT DE DILMA ROUSSEFF NAS REDES SOCIAIS ON-LINE

30

1.2. Comunidades nas mídias e redes sociais e suas conexões

Na sociedade contemporânea não há mais barreiras que impeçam a conexão entre as

pessoas e a formação de agrupamentos sociais se estes tiverem a seu dispor ferramentas

tecnológicas. Se no passado questões como território, proximidade, espaço eram cruciais para

a constituição de uma comunidade, na atualidade os indivíduos precisam apenas ter acesso à

internet1 para se conectarem e se organizarem em agrupamentos sociais para além do espaço

off-line. O desenvolvimento das tecnologias de informação e comunicação (TIC) facilitou e

permitiu a aproximação entre pessoas nos ambientais digitais. As redes de mídias sociais on-

line são canais que permitem o elo de conexão entre cidadãos em todo o mundo.

O sociólogo espanhol Castells (2003, p.8) concebe a internet como “uma alavanca na

transição para uma nova forma de sociedade – a sociedade de rede”. Segundo ele, a internet

“é um meio de comunicação que permite, pela primeira vez, a comunicação de muitos com

muitos, num momento escolhido, em escala global”.

A internet é o tecido de nossas vidas e (...) em nossa época poderia ser

equiparada tanto a uma rede elétrica quanto ao motor elétrico, em razão de

sua capacidade de distribuir a força da informação por todo o domínio da

atividade humana. (...) a internet passou a ser base tecnológica para a forma

organizacional da Era da Informação: a rede. Uma rede é um conjunto de

nós interconectados [e ganhou] vida nova em nosso tempo transformando-

se em redes de informação energizadas pela internet. As redes têm

vantagens extraordinárias como ferramentas de organização em virtude de

sua flexibilidade e adaptabilidade inerentes, características essenciais para

se sobreviver e prosperar num ambiente em rápida mutação (CASTELLS,

2003, p.7).

É irrefutável a influência da internet e os desdobramentos que se deram na sociedade a

partir de sua disseminação em escala global. Hoje, por exemplo, a conectividade e a interação

entre as pessoas dispensam, inclusive, o uso do computador. Os equipamentos móveis, como

smartphones que têm funcionalidades e características de computadores, são capazes de

promover a conexão e a propagação de informações entre pessoas de qualquer lugar do

planeta em tempo real. Na visão de Castells (2003, p.10), a internet transformou o modo como

as pessoas se comunicam. Por outro lado, as diferentes maneiras de usá-la também têm

1 A criação e o desenvolvimento da internet ocorreram nas três últimas décadas do século XX. Seu surgimento é

consequência de uma “fusão singular de estratégia militar, grande cooperação científica, iniciativa tecnológica e

inovação contracultural”. Sua origem data dos anos de 1960, a partir da Arpanet, uma rede de computadores

montada pela Advanced Research Projetcts Agency (ARPA), cujo objetivo era estimular a pesquisa em

computação interativa. A partir de outubro de 1994, com a produção e comercialização do Netscape Navigator,

tem-se sua disseminação em escala mundial. Surgem novos navegadores, ou mecanismos de pesquisa, criando-

se, então, uma verdadeira teia mundial. No final de 1995, quando ocorre a disseminação da world wide web,

eram aproximadamente 16 milhões de usuários conectados por computador no mundo. No início de 2001, já

havia mais de 400 milhões de pessoas utilizando a internet (CASTELL, 1999, 2003).

Page 32: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1805/2/Cleide Rodrigues.pdf · IMPEACHMENT DE DILMA ROUSSEFF NAS REDES SOCIAIS ON-LINE

31

transformado a própria internet. A partir de então, “um novo padrão sociotécnico emerge

dessa interação”.

A presença da internet no cotidiano da sociedade moderna deve-se também ao fato

desta ser uma tecnologia de comunicação livre, ou seja, “particularmente maleável, suscetível

de ser profundamente alterada por sua prática social, e conducente a toda uma série de

resultados sociais potenciais” (CASTELLS, 2003, p.10). Um olhar complementar a esse é o

da pesquisadora de novas tecnologias, Santaella (2013, p.25), ao afirmar que “antes que as

plataformas de redes sociais tivessem sido desenvolvidas, já estava no genoma da internet a

tendência para as redes de agrupamentos humanos”.

Assim, a internet está cada vez mais imbuída na sociedade. O Relatório da União

Internacional de Telecomunicações (UIT), das Organizações das Nações Unidas (ONU),

divulgado em agosto de 2017, mostrava que 48% da população mundial usava internet. A

previsão era que, ao fim de 2017, 4,3 bilhões de pessoas no mundo teriam acesso à internet

móvel (MAIS..., 2017, 2 ago.2017). Essa representatividade de acesso à internet também se

verifica no Brasil. O país é o quarto em número de usuários de internet, com 120 milhões de

pessoas conectadas, ou seja, 59% dos brasileiros têm acesso à rede. Apesar do contingente

significativo de pessoas conectadas no território nacional, dados da pesquisa TIC Domicílios,

do Núcleo de Informação e Comunicação do Comitê Gestor da Internet (CGI-Br), apontam

desigualdade no acesso à internet, com 59% de lares conectados nos centros urbanos, contra

26% nas áreas rurais (BRASIL..., 2017, 3 out.2017).

De qualquer forma, é notória a presença da internet na sociedade contemporânea em

escala mundial e, consequentemente, no Brasil. Em virtude desta inserção no cotidiano das

pessoas, tem-se a participação mais intensa de cidadãos em diferentes tipos de agrupamentos

virtuais por meio das redes sociais, as chamadas comunidades virtuais.

1.2.1. Novas formas de sociabilidade e comunidades virtuais

A inserção da internet no dia a dia da sociedade moderna transformou a maneira como

as pessoas se relacionam, ou seja, a forma de sociabilidade entre os indivíduos mudou e

continua se reconfigurando ininterruptamente. Passamos a falar de comunidades virtuais, de

pessoas que se relacionam nos ambientes digitais on-line, e muitas vezes, sequer conhecem

aqueles com quem interagem. Essa legião de internautas tem ainda uma imensa flexibilidade

de transitar em diferentes agrupamentos sociais como já mencionamos nesta pesquisa. Mas, o

Page 33: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1805/2/Cleide Rodrigues.pdf · IMPEACHMENT DE DILMA ROUSSEFF NAS REDES SOCIAIS ON-LINE

32

que são comunidades virtuais, como se constituem e até que ponto elas transformam as

relações sociais entre os humanos na sociedade contemporânea?

Castells (1999, p.442-443) recorre a Rheingold para tratar dos primeiros debates sobre

o nascimento de uma nova comunidade que, a partir da disseminação da internet no mundo,

passa a reunir pessoas que se conectam on-line em torno de valores e interesses comuns.

Segundo ele, “é uma rede eletrônica autodefinida de comunicações interativas e organizadas

ao redor de interesses ou fins em comum, embora às vezes a comunicação se torne a própria

meta”.

Para Castells (2003, p.48), as comunidades virtuais apresentam características que

descendem da própria internet, em que o mundo social desta é tão diverso e contraditório

quanto a própria sociedade. Ele diz que “a cacofonia das comunidades virtuais não representa

um sistema relativamente coerente de valores e normas sociais”. O sociólogo espanhol

apresenta duas características fundamentais comuns às comunidades virtuais.

A primeira é o valor da comunidade livre, horizontal. A prática das

comunidades virtuais sintetiza a prática da livre expressão global, numa era

dominada por conglomerados de mídia e burocracias governamentais

censoras. (...) O segundo valor compartilhado é o [de] formação autônoma

de redes. Isto é, a possibilidade dada a qualquer pessoa de encontrar sua

própria destinação na Net e, não a encontrando, de criar e divulgar sua

própria informação, induzindo assim a formação de uma rede. (...) Assim,

embora extremamente diversa em seu conteúdo, a fonte comunitária da

internet a caracteriza de fato como um meio tecnológico para a

comunicação horizontal e uma nova forma de livre expressão. Assenta

também as bases para a formação autônoma de redes como um instrumento

de organização, ação coletiva e construção de significado (CASTELLS,

2003, p.48-49).

A formação das comunidades on-line, na visão de Castells (2003, p.53), reinventou a

sociedade a partir da apropriação da capacidade de interconexão por redes sociais de todos os

tipos. Essas novas comunidades expandiram a interconexão de computadores em alcance e

usos. “Elas adotaram os valores tecnológicos da meritocracia, e esposaram a crença dos

hackers no valor da liberdade, da comunicação horizontal e da interconexão interativa, mas

usaram-na para sua vida social, em vez de praticar a tecnologia pela tecnologia”.

Nas primeiras aproximações acerca das características das comunidades virtuais vimos

que estas são grupos interconectados pela rede, seja por computadores ou por dispositivos

móveis, em que há uma comunicação horizontal e livre e que estas também são autônomas,

permitindo a organização de ações coletivas e apropriação de suas ferramentas para atividades

na vida comunitária on-line e off-line. Castells (1999, p.444), ao analisar Wellman,

compreende que não há necessidade das “comunidades virtuais” se oporem às “comunidades

Page 34: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1805/2/Cleide Rodrigues.pdf · IMPEACHMENT DE DILMA ROUSSEFF NAS REDES SOCIAIS ON-LINE

33

físicas” porque elas são diferentes. Elas têm “leis e dinâmicas específicas, que interagem com

outras formas de comunidade”.

Welman e Gulia demonstram que, assim como nas redes físicas pessoais, a

maioria dos vínculos das comunidades virtuais é especializada e

diversificada, conforme as pessoas vão criando seus próprios “portfólios

pessoais”. Os usuários da internet ingressam em rede ou grupos on-line com

base em interesses em comum, e valores, e já que têm interesses

multidimensionais, também os terão suas afiliações on-line (CASTELLS,

1999, p.444).

Recuero (2011, p.140) também se baseia em Welman para dizer que existem variados

tipos de conexão nos agrupamentos sociais na internet, que estão relacionados ao processo de

surgimento da “aldeia global”. Assim, essa variedade não seria uma mudança causada pela

internet. O conceito de comunidade virtual seria visto como “um agrupamento com laços de

diversos tipos, aproximando-se de agrupamentos mais centrados em redes sociais particulares

e menos em grupos pequenos e coesos”. Para apresentar diferentes pontos de vista sobre o

tema, a autora recorre a Rheingold (2011, p.137), que prevê um maior comprometimento e

interação nos grupos, diferentemente de Welman.

As comunidades virtuais são agregados sociais que surgem da Rede

[internet], quando uma quantidade suficiente de gente leva adiante essas

discussões públicas durante um tempo suficiente, com suficientes

sentimentos humanos, para formar redes de relações pessoais no

ciberespaço (RECUERO, 2011, p.137).

Com base nos estudos deste professor norte-americano, Recuero (2011, p.137) diz que

“os elementos formadores da comunidade virtual seriam: as discussões públicas; as pessoas

que se encontram e reencontram, ou que ainda mantêm contato através da internet; o tempo; e

sentimento”. Para a jornalista, “esses elementos, combinados através do ciberespaço,

poderiam ser formadores de redes de relações sociais, constituindo-se em comunidades”.

Recuero (2011, p.138) recorre também a outros autores para prosseguir com sua

análise. Segundo a autora, Lemos diz que “as comunidades virtuais eletrônicas são

agremiações em torno de interesses comuns, independentes de fronteiras ou demarcações

territoriais fixas”. Ele se baseia em Maffesoli com relação à pós-modernidade social

caracterizada pelo retorno ao comunitarismo e à superação do individualismo para respaldar

seu conceito sobre o tema. Assim, o autor compreende “a sociabilidade na internet como não

institucional, onde o indivíduo atua através de ‘máscaras’, em rituais” e que os agrupamentos

humanos virtuais se dão de duas formas: comunitárias e não comunitárias.

Page 35: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1805/2/Cleide Rodrigues.pdf · IMPEACHMENT DE DILMA ROUSSEFF NAS REDES SOCIAIS ON-LINE

34

As primeiras [comunitárias] são aquelas onde existe, por parte de seus

membros, o sentimento expresso de uma afinidade subjetiva delimitada por

um território simbólico, cujo compartilhamento de emoções e troca de

experiências pessoais são fundamentais para coesão do grupo. O segundo

tipo [não comunitárias] refere-se a agremiações eletrônicas onde os

participantes não se sentem envolvidos, sendo apenas um locus de encontro

e de compartilhamento de informações e experiências de caráter totalmente

efêmero e desterritorilizado (apud RECUERO, 2011, p.138-139).

Para Recuero (2011, p.146-147), formatar o conceito de comunidade virtual “é uma

tentativa de explicar os agrupamentos sociais surgidos no ciberespaço. Trata-se de uma forma

de tentar entender a mudança da sociabilidade, caracterizada pela existência de um grupo

social que interage, através de uma comunicação mediada pelo computador”. Ela compreende

que faz parte do ciberespaço o encontro de grupos sociais com diferentes características.

Enquanto alguns autores definem os grupos sociais no ciberespaço como

comunidades virtuais a partir da definição de laços fortes e interação social

concentrada, além de capital social e compromisso com o grupo, outros

explicam que as relações são mais fluidas e emocionais, embora também

possuam capital social, interação e mesmo laços sociais mais fracos. Neste

sentido, o conceito de comunidade virtual é amplo, e compreende,

simplesmente, grupos sociais (...). A única característica comum, de tais

grupos, parece ser a presença de capital e interação social e laços

decorrentes deles (RECUERO, 2009, p.146-147).

Assim como vimos falta de consenso entre os pesquisadores no que tange ao conceito

“comunidades”, o mesmo é observado com relação ao termo “comunidade virtual”. Apesar de

pontos de vistas diferentes, há no debate de pesquisadores deste campo de estudos

característica comum no que tange aos grupos das redes sociais, como bem colocou Recuero

(2011): as questões sobre a presença de capital e interação social e os laços que se formam a

partir da constituição desses agrupamentos humanos no ciberespaço.

1.2.2. Os atores e as conexões: os elementos das redes sociais na internet

O estudo das redes sociais na internet perpassa, necessariamente, pela abordagem

sobre os elementos constituintes desta rede (RECUERO, 2011). Os atores, representados por

pessoas, instituições ou grupos, formam os chamados nós ou nodos da rede. Estes integram o

primeiro elemento das redes sociais. O segundo consiste nas conexões da rede, que abrangem

os laços sociais formados a partir da interação social entre os atores.

A autora do livro Redes Sociais na Internet (2011, p.25-26) diz que os atores são “as

pessoas envolvidas na rede que se analisa. Como partes do sistema, os atores atuam de forma

a moldar as estruturas sociais, através da interação e da constituição de laços sociais”. Nessa

Page 36: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1805/2/Cleide Rodrigues.pdf · IMPEACHMENT DE DILMA ROUSSEFF NAS REDES SOCIAIS ON-LINE

35

comunicação mediada por computador, trabalha-se “com representações dos atores sociais ou

com construções identitárias do ciberespaço”. Assim, são exemplos de atores ou nós da rede

perfis, hashtags, fanpages, blog, canais no Youtube, entre outros. Esses atores sociais, na

verdade, são representações dos atores sociais, ou seja, “são espaços de interação, lugares de

fala construídos pelos atores de forma a expressar elementos de sua personalidade ou

individualidade”.

Enquanto os atores representam os nós (ou nodos) da rede em questão, as

conexões de uma rede social podem ser percebidas de diversas maneiras.

Em termos gerais, as conexões em uma rede social são constituídas dos

laços sociais que, por sua vez, são formados através da interação social

entre os atores. (...) Essas interações são percebidas graças à possibilidade

de manter os rastros sociais dos indivíduos os quais continuam ali. (...)

Estudar a interação social compreende, deste modo, estudar a comunicação

entre os atores. Estudar as relações entre suas trocas de mensagens e o

sentido das mesmas, estudar como as trocas sociais dependem,

essencialmente, das trocas comunicativas (RECUERO, 2011, p.30-31).

Com base nos estudos de Watzlawick, Beavin e Jackson, Recuero (2011, p.31-41) diz

que a interação representa um processo sempre comunicacional. Na visão deles, a interação é

“aquela ação que tem um reflexo comunicativo entre o indivíduo e seus pares, como reflexo

social; (...) e tem sempre um caráter social perene e diretamente ligado ao processo

comunicativo”. A partir destes princípios, Recuero analisa que “estudar interação social

compreende, deste modo, estudar a comunicação entre os atores”.

A partir da compreensão de que todo laço social é relacional, Recuero (2011, p.40-41)

divide em dois tipos de laços sociais firmados nos ambientes digitais: os laços associativos

construídos a partir de uma interação social reativa; e os laços dialógicos que compreendem

interação social mútua. Os laços sociais podem configurar-se ainda como fortes e fracos. Os

primeiros “se caracterizam pela intimidade, pela proximidade e pela intencionalidade em criar

e manter uma conexão entre duas pessoas”. Já os laços fracos são “relações esparsas, que não

traduzem proximidade e intimidade”.

Castells (1999, p.445) analisa a constituição dos tipos de laços que se mantêm nas

comunidades virtuais e físicas, havendo uma distinção fundamental quando se trata da questão

da sociabilidade. Para ele, “a Rede é especialmente apropriada para a geração de laços fracos

múltiplos” e a internet favorece a expansão e a intensidade de laços fracos, gerando interação

social entre as pessoas conectadas.

Os laços fracos são úteis no fornecimento de informações e na abertura de

novas oportunidades a baixo custo. A vantagem da Rede é que ela permite a

criação de laços fracos com desconhecidos, num modelo igualitário de

Page 37: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1805/2/Cleide Rodrigues.pdf · IMPEACHMENT DE DILMA ROUSSEFF NAS REDES SOCIAIS ON-LINE

36

interação, no qual as características sociais são menos influentes na

estruturação, ou mesmo no bloqueio, da comunicação. De fato, tanto off-

line quanto on-line, os laços fracos facilitam a ligação de pessoas com

diversas características sociais, expandindo assim a sociabilidade para além

dos limites socialmente definidos do auto-reconhecimento. Nesse sentido, a

internet pode contribuir para a expansão dos vínculos sociais numa

sociedade que parece estar passando por uma rápida individualização e uma

ruptura cívica (CASTELLS, 1999, p.445).

Para Santaella (2013, p.37), há uma tendência nas relações construídas nos ambientes

digitais para criação de laços fracos e, com muito menos frequência, laços fortes. Sua análise

é baseada na abordagem de Viana sobre os grupos das redes sociais: estes “se formam e se

mantêm coesos ou não, uma vez que o tempo e o espaço são dinâmicos, efêmeros e

fragmentados entre as perspectivas que cada um pode gerar ou absorver nesses âmbitos de

convivência”.

Ainda no âmbito das conexões de uma rede social na internet, Recuero (2011, p.44-47)

discorre sobre o capital social e, após analisar os estudos de diversos autores, ela conclui que

não há concordância quanto ao conceito, mas que este “refere-se a um valor constituído a

partir das interações entre os atores sociais”. Seu conceito é construído a partir da análise de

três autores: Putnam (2000), sendo este associado à ideia de virtude cívica, de moralidade e de

seu fortalecimento através de relações recíprocas; Bourdieu, cuja definição engloba “um

recurso que é conectado ao pertencimento a um determinado grupo e o conhecimento e o

reconhecimento mútuo dos participantes de um grupo”; e Coleman (1988) que “conceitua

capital social como um valor mais geral, capaz de adquirir várias formas na estrutura social”.

Assim, Recuero (2011, p.50) considera capital social como:

(...) um conjunto de recursos de um determinado grupo (recursos variados e

dependentes de sua função, como afirma Coleman) que pode ser usufruído

por todos os membros do grupo, ainda que apropriado individualmente, e

que está baseado na reciprocidade (de acordo com Putnam). Ele está

embutido nas relações sociais (como explica Bourdieu) e é determinado

pelo próprio conteúdo delas (Gyarmati & Kyte, 2004; Bertoloni & Bravo,

2001). Portanto, para que se estude o capital social dessas redes, é preciso

estudar não apenas suas relações, mas igualmente o conteúdo das

mensagens que são trocadas através delas (RECUERO, 2011, p.50).

Para a jornalista (2011, p.54) “o capital social (...) pode nos auxiliar na compreensão

dos laços sociais e do tipo de rede social formada através das ferramentas sociais observadas

na internet”. Daí a importância de estudar o conteúdo das interações e conversações e não

apenas a existência das conexões nas redes sociais. Esta seria uma maneira de compreender de

Page 38: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1805/2/Cleide Rodrigues.pdf · IMPEACHMENT DE DILMA ROUSSEFF NAS REDES SOCIAIS ON-LINE

37

forma mais completa a qualidade das conexões das redes sociais. O capital social é ainda

fundamental para entender os “padrões de conexão entre os atores sociais na internet”.

Ao abordar a interação social na internet, Primo (2007, p.11) diz que esta “é

caracterizada não apenas pelas mensagens trocadas (o conteúdo) e pelos interagentes que se

encontram em um dado contexto (geográfico, social, político, temporal), mas também pelo

relacionamento que existe entre eles”. Portanto, os estudos devem ir para além do “olhar para

um lado (eu) ou para o outro (tu, por exemplo)”. Neste processo, ele destaca a importância de

atentar-se para o “entre”: o relacionamento. Assim, “trata-se de uma construção coletiva,

inventada pelos interagentes durante o processo, que não pode ser manipulada unilateralmente

nem pré-determinada”.

Em seus estudos sobre as interações da Web 2.0, o autor (2007, p.2-7) observa

também que ela “tem repercussões sociais importantes, que potencializam os processos de

trabalho coletivo, de troca afetiva, de produção e circulação de informações, de construção

social de conhecimento apoiada pela informática”. Para ele, uma rede social é muito mais que

uma conexão de terminais. “Trata-se de um processo emergente que mantém sua existência

através das interações entre os envolvidos. Esta proposta, porém, focar-se-á não nos

participantes individuais, e sim no ‘entre’(interação = ação entre)”.

A partir das colocações dos autores (RECUERO, 2011; CASTELLS, 1999,

SANTAELA, 2013; PRIMO, 2007) sobre as conexões nas redes sociais, notamos quão

fundamental é considerar a qualidade dos relacionamentos que se dá nos ambientes sociais

on-line. A qualidade está relacionada não apenas aos conteúdos postados pelos “interagentes”,

mas também a forma de relacionamento que se estabelece entre os envolvidos no ambiente

digital. Desta forma, no trabalho de observação dos “nós da rede” deve-se considerar o

monitoramento de interatividade, interação, conversação; e a mensuração de visibilidade

(tamanho da rede e conexões), popularidade (o quanto o ator promove a interatividade) e

engajamento (intensidade ou alcance da rede medida pela relação entre visibilidade e

popularidade).

1.2.3. Transformação da sociabilidade e individualismo em rede

Embora já tenha sido feita uma ligeira aproximação sobre a transformação da

sociabilidade em tempos de rede sociais digitais na sociedade moderna, nos parece pertinente

apresentarmos outros pontos ainda não contemplados neste trabalho. O debate a se fazer neste

momento é sob o prisma da complexidade da tecnologia e sua relação com a natureza e a

Page 39: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1805/2/Cleide Rodrigues.pdf · IMPEACHMENT DE DILMA ROUSSEFF NAS REDES SOCIAIS ON-LINE

38

sociedade, e as consequências desta na vida comunitária, conforme propõe Cupan (2014). A

abordagem abrange também uma discussão sobre as novas tecnologias de comunicação no

contexto da cibercultura (RÜDIGER, 2011) e as transformações da sociedade moderna no que

tange à sociabilidade e o individualismo em rede (CASTELLS, 2003).

Para o filósofo Cupani (2014, p.3-4) tratar de tecnologia é um assunto muito complexo

a começar pelas definições plurais e variadas acerca do tema. “Essa desconcertante

multiplicidade de caracterizações é, per si, um sinal de complexidade da tecnologia”. Talvez

seja mais fácil projetar a inserção da tecnologia em nosso cotidiano a partir de sua aparição

em forma de objetos. Porém, o autor nos faz refletir que a existência e o funcionamento destes

objetos se sustentam em virtude da vida humana. “Devemos, portanto, ‘buscar’ a tecnologia,

não apenas no âmbito dos objetos, mas também no âmbito das atividades humanas”, como a

busca de uma informação por meio de um computador, ou mesmo, a divulgação de um

conteúdo por dispositivos móveis.

Nós, os seres humanos, vivemos, agimos, reagimos e pensamos dentro de

sistemas tecnológicos que nos condicionam, consciente ou

inconscientemente. “Viver na tecnologia” não é mera metáfora, e o

condicionamento a que me refiro tem suas consequências, já familiares, na

inclinação a nos “programarmos”, a preferir os recursos mais eficientes e as

estratégias mais velozes, e até a substituir palavras como “lembrar” por

“acessar a informação”. Com outras palavras, a tecnologia faz-se presente

como um mundo humano com suas peculiares maneiras de conduta e

autoconsciência (CUPANI, 2014, p.5).

Cupani (2014, p.8) observa ainda que a tecnologia é um produto social porque apesar

das invenções serem produto do indivíduo, “elas não podem subsistir nem proliferar senão

como processos sociais em determinadas épocas e grupos humanos”. Assim, compreendemos

os processos de comunicação no ciberespaço e sua disseminação em escala mundial como

parte de um movimento, em que os indivíduos estão se apropriando de recursos e ferramentas

tecnológicas em consonância com os moldes da sociedade contemporânea. “As formas em

que os grupos humanos se organizam e reorganizam (...) são cada vez mais tecnológicas. A

realidade complexa da tecnologia se revela idêntica à realidade complexa da sociedade”

(CUPANI, 2014, p.9). Também fazem parte desta complexidade tecnológica o dinamismo e a

ambiguidade, entre outros fatores.

A considerar tal contexto, o autor nos instiga à reflexão sobre como lidar com a

tecnologia e apresenta pontos de vistas positivos e negativos com relação à influência desta na

vida da sociedade moderna. Assim, “a complexidade da tecnologia revela-se fundada na

complexidade da condição humana, que possibilita suas diversas definições” (CUPANI, 2014,

Page 40: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1805/2/Cleide Rodrigues.pdf · IMPEACHMENT DE DILMA ROUSSEFF NAS REDES SOCIAIS ON-LINE

39

p.13). Tudo leva a crer que as indagações que recaem sobre o tema não devam cessar, ao

contrário, são cada mais pertinentes e necessárias para ampliarmos nossos horizontes e

refazermos nossos conceitos numa sociedade tão dinâmica e complexa.

Se a polêmica sobre os males e os benefícios advindos da tecnologia se fazem

presentes na sociedade contemporânea, não é diferente quando se trata de estudos do “espaço

de comunicação aberto pela interconexão dos computadores e das memórias dos

computadores”, ou seja, do conceito de ciberespaço (LÉVY, 1999, p.31). O jornalista, que

atua no campo da pesquisa sobre a indústria cultural e o pensamento tecnológico e

cibercultura, Rüdiger (2011, p.46) mostra exatamente essa diversidade de opiniões entre

autores com relação à participação da internet na vida moderna.

Conforme dão conta os registros, verifica-se historicamente que o

surgimento de todo aparato de comunicação se associa não apenas à

discussão sobre seu impacto na vida coletiva, mas à polêmica sobre o valor

dos conteúdos que a partir daí passam a ser agenciados socialmente. As

polêmicas que acompanharam o aparecimento da imprensa e da televisão,

por exemplo, se desdobram nas que envolvem o significado social de

formas culturais como o romance sentimental e os filmes de violência. A

internet tanto quanto os fenômenos que ela enseja não são exceções.

(RÜDIGER, 2011, p.47).

Em seus estudos, Rüdiger (2011, p.47-48) recorre ao pesquisador ligado aos negócios

de informática e comunicação, George Gilder, como exemplo de pioneirismo na abordagem

sobre o impacto coletivo da internet na sociedade contemporânea. Ele defende que a

informática da comunicação tem um sentido libertador para o indivíduo. “Em Life after

television (1990), ele anunciou a chegada de uma nova era, em que não haverá mais lugar

para a tirania da comunicação de cima para baixo, conforme ilustrada pelo império da

televisão”. Para ele, os meios digitais conduzem a sociedade para uma época menos

padronizada e mais democrática e não trata da interação dos agentes sociais na internet. Seu

debate fica em torno do “potencial criativo dos recursos tecnológicos da nova era das

telecomunicações”.

Para Rüdiger (2011, p.48-49), não se contesta que o cenário mudou a partir do advento

da internet. “A internet criou uma rede mundial de computadores, e a popularização dos

equipamentos de informática está permitindo a milhões de pessoas se tornarem sujeitos

engajados ativamente no processo de comunicação”. Ele observa também que a disseminação

do conhecimento passou a ocorrer horizontalmente, dando maior poder ao indivíduo. Porém,

contrapõe essa ideia a partir de estudos de outros pesquisadores que apresentaram propostas

divergentes poucos anos depois a de Gilder (1990).

Page 41: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1805/2/Cleide Rodrigues.pdf · IMPEACHMENT DE DILMA ROUSSEFF NAS REDES SOCIAIS ON-LINE

40

Segundo Slouka, as tecnologias de informação nos projetam num mundo

cada vez mais fantasioso e irreal, que tende a nos privar das competências

com que desenvolvemos nossa humanidade. Em primeiro lugar, a expansão

do ciberespaço ameaça nos privar do sentimento de pertença a um lugar,

promovendo situações abstratas, em que não sabemos ou não mais importa

saber onde estamos realmente. Em segundo, permite que criemos e nos

relacionemos através de identidades virtuais, que nos privam do sentido de

realidade e, assim, dos sentimentos de responsabilidade em relação às

nossas condutas. Em terceiro, o processo propende a substituir as

associações concretas e responsáveis individualmente por comunidades

abstratas e indiferenciadas, em que se impõe à consciência o primado “da

noção ciberneticista de organismo global, de uma colmeia humana feita de

milhões de computadores interligados” (apud RÜDIGER, 2011, p.48-49).

Embora Gilder (1990) e Slouka (1995) teçam opiniões divergentes, Rüdiger (2011,

p.50) constata que, comum a ambos, é a “reflexão focada no significado da informática de

comunicação, muito mais do que nos conteúdos que esta agencia”. Assim, a tecnologia digital

é concebida “como agente de mudança, apesar de seu sinal ser distinto, ali negativo, lá

favorável, para o desenvolvimento do que se considera nossa humanidade, seja do ponto de

vista moral, seja do ponto de vista intelectual e econômico”.

Castells (2003) compreende que a sociabilidade e o individualismo em rede têm um

papel importante no processo de interação social na sociedade moderna e podem auxiliar na

manutenção de laços fortes a distância. O sociólogo espanhol concebe a tecnologia como um

suporte positivo no processo de transformação das relações sociais na contemporaneidade.

Em sua visão, os fatores espacialidade e territorialidade não garantem a manutenção de laços

interpessoais na sociedade. Assim, “as pessoas não formam seus laços significativos em

sociedades locais, não por não terem raízes espaciais, mas por selecionarem suas relações com

base em afinidades” (CASTELLS, 2003, p.106).

Talvez o passo analítico para se compreender as novas formas de interação

social na era da internet seja tomar por base uma redefinição de

comunidade, dando menos ênfase a seu componente cultural, dando mais

ênfase ao seu papel de apoio a indivíduos e famílias, e desvinculando sua

existência social de um tipo único de suporte material (...). As comunidades,

ao menos na tradição da pesquisa sociológica, baseavam-se no

compartilhamento de valores e organização social. As redes são montadas

pelas escolhas e estratégias de atores sociais, sejam indivíduos, famílias ou

grupos sociais. Dessa forma, a grande transformação da sociabilidade em

sociedades complexas ocorreu com a substituição de comunidades espaciais

por redes como formas fundamentais de sociabilidade (CASTELLS, 2003,

p.106-107).

Castells (2003, p.107-108) destaca a ascensão do individualismo como outra tendência

dominante na evolução das relações sociais na atual sociedade, dando ênfase para “o

Page 42: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1805/2/Cleide Rodrigues.pdf · IMPEACHMENT DE DILMA ROUSSEFF NAS REDES SOCIAIS ON-LINE

41

surgimento de um novo sistema de relações sociais centrado no indivíduo”. O novo padrão

dominante funda-se nas relações terciárias, também chamadas de “comunidades

personalizadas” e sucedem a transição das relações primárias (corporificadas em famílias e

comunidades) e relações secundárias (corporifica em associações), respectivamente.

Essa relação individualizada com a sociedade é um padrão de sociabilidade

específico, não um atributo psicológico. Enraíza-se, em primeiro lugar, na

individualização da relação entre capital e trabalho, entre trabalhadores e

processo de trabalho, na empresa de rede. É induzida pela crise do

patriarcalismo e a subsequente desintegração da família nuclear tradicional

(...). É sustentada (mas não produzida) pelos novos padrões de urbanização

(...). É racionalizada pela crise de legitimidade política, à medida que a

crescente distância entre os cidadãos e o Estado enfatiza o mecanismo de

representação e estimula a saída do indivíduo da esfera pública. O novo

padrão de sociabilidade em nossas sociedades é caracterizado pelo

individualismo em rede (CASTELLS, 2003, p.108).

A internet proporcionou novas formas de se relacionar na sociedade contemporânea.

Independentemente das visões otimistas ou pessimistas dos autores estudados nesta pesquisa

quanto aos efeitos que ela possa causar, fato é que os cidadãos têm se apropriado em esfera

global, com intensidade cada vez maior, de recursos e ferramentas tecnológicas no seu dia a

dia. Vivemos um momento de transformação contínua e dinâmica em que a tecnologia

incorpora-se a vida e atividades cotidianas. Neste novo padrão de sociabilidade emergente, as

redes sociais se caracterizam como um potencial instrumento facilitador de comunicação,

mobilização e engajamento social. Daí, o surgimento do ativismo nas redes sociais, que nada

mais é que a organização coletiva de indivíduos, grupos e instituições em um novo formato

pela luta social e promoção de demandas por seus objetivos. Antes de prosseguirmos com o

debate acerca do ativismo digital, faz-se necessário refletirmos em qual esfera pública estes

“novos movimentos” atuam, considerando, neste contexto, a difusão das tecnologias de

informação e comunicação (TICs) no cotidiano destes atores sociais.

1.2.4. Na era da internet, emerge um novo bloco na esfera pública

Se as tecnologias de informação e comunicação (TICs) transformaram as relações

sociais na contemporaneidade, – acreditamos que tais mudanças apenas começaram, ainda há

muito por vir e, consequentemente, diversos teóricos ainda se debruçarão em estudos acerca

da influência da internet na sociedade – natural o impacto deste fenômeno nos espaços de

relacionamento dos atores sociais. Pesquisadores da atualidade propõem a refletirmos sobre

qual esfera pública estamos falando. A discussão então parte da revisão do conceito cunhado

pelo filósofo alemão Jürgen Habermas, a partir de sua obra Mudança estrutural da esfera

Page 43: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1805/2/Cleide Rodrigues.pdf · IMPEACHMENT DE DILMA ROUSSEFF NAS REDES SOCIAIS ON-LINE

42

pública, publicada no início da década de 1960, a qual foi, inclusive, revista e atualizada por

ele mesmo e outros autores, permanecendo como ponto de partida para tratarmos desta nova

esfera pública em tempos de rede digitais.

Segundo Habermas (2014, p.96), as categorias de “privado” e “público” surgem na

Grécia Antiga, a partir dos conceitos de oikos, em referência ao particular de cada indivíduo, e

pólis, relativo ao que era comum aos cidadãos livres. Em sua concepção, esfera pública se

constituía no diálogo (lexis), que também pode assumir a forma de conselho e de tribunal,

assim como o do agir comum (práxis), na condução da guerra. Porém, o direito à participação

na pólis era restrito aos possuidores de bens e de força de trabalho, ou seja, “a posição na

pólis está baseada na posição do déspota no oikos”.

Assim como a necessidade da vida e da manutenção do que é necessário

para a vida ficam vergonhosamente ocultos nos limites do oikos, a pólis

fornece campo livre para a distinção pela honra: ainda que os cidadãos

interajam como iguais entre iguais (homoioi), cada um esforça-se para

destacar-se (aristoiein) (...). Esse modelo de esfera pública helenística,

como nos foi transmitido pela forma estilizada da autointerpretação dos

gregos, compartilha uma força normativa peculiar desde o Renascimento,

com todos os assim chamados clássicos, até os dias de hoje. (...) De início,

ao longo de toda a Idade Média, as categorias de público e do privado foram

transmitidas segundo as definições do direito romano, e a esfera pública foi

traduzida como res publica (HABERMAS, 2014, p.97).

Ao analisar a vida pública e política dos séculos XVII e XVIII até meados do século

20 na Inglaterra, França e Alemanha, a partir das novas relações entre economia, sociedade e

Estado, Habermas (2014) apresenta uma história de ascensão e decadência no que tange

esfera pública. Segundo ele, a esfera pública burguesa é a reunião de pessoas privadas em um

espaço público que reivindicam esta esfera pública regulada pela autoridade. “Esta se

desenvolve quando o interesse público na esfera privada da sociedade civil deixa de ser

percebido apenas pela autoridade e começa a ser levado em consideração também pelos

súditos como uma esfera de seu próprio interesse” (HABERMAS, 2014, p.130-131). Temos

então um espaço de mediação entre o Estado e a sociedade.

A esfera pública burguesa pode ser entendida, antes de mais nada, como

uma esfera de pessoas privadas que se reúnem em um público. Elas

reivindicam imediatamente a esfera pública, regulamentada pela autoridade,

contra o próprio poder público, de modo a debater com ele as regras

universais das relações vigentes na esfera da circulação de mercadorias e do

trabalho social (HABERMAS, 2014, p.135).

Em artigo que aborda a aplicabilidade do conceito de esfera pública, concebido por

Habermas, ao contexto das redes sociais digitais, Lopez e Quadros (2015, p.94) recorrem ao

Page 44: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1805/2/Cleide Rodrigues.pdf · IMPEACHMENT DE DILMA ROUSSEFF NAS REDES SOCIAIS ON-LINE

43

filósofo alemão para dizer que esfera pública é um “espaço independente da influência do

poder do Estado, em que os atores sociais tornam públicas, ou melhor, publicizam suas

opiniões, seus pontos de vista sobre questões de interesse da sociedade, promovendo o debate

e deliberações coletivas em prol de um bem comum”.

De acordo com as autoras (2015, p. 94-95), a obra original de Habermas “explora o

conceito de esfera pública burguesa e avança sua análise até a contaminação da opinião

pública pelos interesses mercadológicos, através da influência dos meios de comunicação de

massa e dos formadores de opinião”. Assim como Habermas que revê seu ponto de vista em

atualizações subsequentes à publicação original, Lopez e Quadros (2014, p.94) observam que

“os diferentes efeitos das mídias de massa colocam em dúvida a concepção construída sobre o

ínfimo potencial democrático do espaço público midiatizado” e complementam a necessidade

desta revisão a partir da entrada da TICs na sociedade contemporânea, de modo a acompanhar

as configurações sociais de cada época.

As próprias revisões propostas por Habermas, em 1990 e posteriormente,

sobre seu entendimento de esfera pública denotam a possibilidade de

atualização do conceito, adaptado aos novos contextos da sociedade

ocidental. (...) A busca por espaços públicos de participação cidadã, livre e

democrática, atravessa a história da humanidade, retratando e adaptando-se

às configurações sociais de cada época. Através de Habermas, pode-se

analisar a evolução do conceito de esfera pública: da pólis grega, passando

pela sociedade burguesa medieval até a ascensão dos meios de comunicação

de massa. Com o advento das TICs, Benkler descreve uma nova esfera

pública, agora interconectada em uma sociedade em rede, imersa em uma

cultura da convergência e permeada por fluxos. (...) Ao que tudo indica, as

redes sociais digitais caminham, sim, para a constituição de um novo espaço

de debates e exercício da cidadania. Hipótese que se ampara nas

características elencadas para este novo contexto: a possibilidade de

receptores tornarem-se emissores, os baixos custos de produção e emissão

da informação, a desintermediação e a diminuição do controle sobre os

fluxos comunicacionais (LOPEZ; QUADROS, 2015, p.95-100).

Notamos, então, uma grande transformação no contexto da esfera pública a partir do

advento da internet e o quanto o eixo estrutural – sistema político, sociedade civil e meios de

comunicação – foi impactado a partir da difusão das novas tecnologias, sobretudo a internet.

Martuccelli (2015, p.61) dá conta da “consolidação progressiva de um quarto bloco estrutural

em torno da galáxia da internet – que se coloca entre o espaço público mainstream, os

movimentos sociais propriamente ditos e o sistema político”. Para o autor, a “galáxia da

internet”, como um novo bloco estrutural da esfera pública, não apenas impacta os

tradicionais blocos – sistema político, a sociedade civil e a opinião pública –, mas também

transforma a relação entre eles e seus atores sociais.

Page 45: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1805/2/Cleide Rodrigues.pdf · IMPEACHMENT DE DILMA ROUSSEFF NAS REDES SOCIAIS ON-LINE

44

A galáxia da internet, como novo bloco estrutural, não apenas dá lugar a um

novo perfil de ator como também, na verdade, à figura de uma nova

minoria, a dos ativistas internautas, que complementa, dessa forma, outras

minorias da esfera pública – representantes políticos, jornalistas e minorias

ativas. De maneira muito mais importante, introduz modificações na própria

prática da democracia (MARTUCCELLI, 2015, p.74-75).

Os novos atores do bloco da esfera pública denominada “galáxia da internet” passam a

ganhar forte representatividade na sociedade contemporânea. A configuração da própria rede

permite “a proliferação de informações e da abertura de uma quantidade praticamente infinita

de sites para discussão dos mais diversos temas”, como aponta Delarbre (2009, p.79). Para

ele, a “internet pode ser reconhecida como zona privilegiada na demonstração e no reforço da

esfera pública devido à sua arquitetura flexível e descentralizada” (DELARBRE, 2009, p.79).

A partir do contexto apresentado por diversos teóricos é inconcebível abordar o tema esfera

pública à margem do impacto da internet no cotidiano da sociedade contemporânea, uma vez

que da internet emerge um novo bloco na esfera pública.

1.3. Ativismo nas redes sociais on-line: conceitos e experiências mundiais

Não é de hoje que uma significativa parte de indivíduos, grupos e instituições se

articulam em prol de lutas e causas na perspectiva de transformação, mudança e novos rumos

na sociedade. A história nos mostra que as formas de mobilização e as ferramentas de

comunicação de engajamento social se alteraram e se renovam conforme o tempo e espaço. A

sociedade e a vida comunitária ganham novas formatações que acompanham e seguem o

ritmo de uma evolução natural, onde homem e tecnologia se interrelacionam a todo instante.

Portanto, o ativismo nas redes ou ciberativismo tão somente é o modo contemporâneo de

manifestação e participação social coletiva que se desenvolve a partir das benesses dos

adventos tecnológicos, porém, esta não exclui a atuação dos grupos no mundo off-line, como

veremos no decorrer deste tópico. A sociedade da era digital tem se apropriado, cada vez

mais, de recursos e ferramentas tecnológicas, inseridas no cotidiano das relações sociais, para

promover ações e manifestações de ordem diversas.

Na imensa variedade de usos, de tipos de informação e de participação que

os dispositivos móveis conectados à internet oferecem, existem movimentos

políticos que são chamados de ativismo nas redes ou ciberativismo. De

meados dos anos 1990 em diante, o incremento crescente dos meios de

comunicação, via redes, foi acompanhado pari passu pelo aumento e

diversificação dos movimentos sociais, cujas estratégias fazem uso dos

aparatos que o mundo digital propicia (SANTAELLA, 2013, p.33).

Page 46: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1805/2/Cleide Rodrigues.pdf · IMPEACHMENT DE DILMA ROUSSEFF NAS REDES SOCIAIS ON-LINE

45

Ao tratar das interações sociais intermediadas pela tecnologia, o sociólogo Maximo di

Felice (2013, p.282) refere-se ao tema a partir da expressão net-ativismo como aquela ligada

ao cyber-ativismo, remetendo a uma ação que tradicionalmente aconteceria na esfera virtual.

Segundo o autor, “a observação do ativismo, divulgada em diversos contextos geográficos e

políticos, mostra claramente como não é mais possível a representação de uma distinção entre

cyber espaço e mundo real, entre mundo virtual e arquiteturas materiais”. Ele observa que

atualmente as práticas de ativismo surgem na rede e espalham-se “nas geografias materiais

mantendo uma contínua interação e ligação e estabelecendo as formas de uma geografia

informativa que, em outros contextos, definimos ‘atópica’”.

É natural o desenvolvimento do ativismo on-line se considerarmos a disseminação da

internet e a crescente facilidade de utilização dos aparatos tecnológicos na sociedade

moderna. Segundo Lévy (1999, p.108), “basta saber clicar nos botões corretos ou escolher as

operações que se quer efetuar em um ‘menu’ ou, na pior das hipóteses, digitar alguns

comandos que são rapidamente decorados”. Assim, os equipamentos passam a ser inseridos

na vida comunitária contemporânea. Na esteira da disseminação do uso desses artefatos, “os

movimentos sociais ganharam aceleração e amplitude graças às tecnologias computacionais

interativas (...). Assim, passou a se abrigar no ciberespaço uma pluralidade de grupos com

preocupações, interesses e comprometimentos comuns” (SANTAELLA, 2013, p.34).

Uma série de outras características técnicas deve ser considerada para que atores

sociais se apropriem da tecnologia e passem a desenvolver o ativismo no mundo virtual. Para

Somma (2015, p.21) a internet e as redes sociais são terrenos favoráveis para a expansão do

ciberativismo porque diminuem os custos da ação coletiva; reduzem as distâncias geográficas

e possibilitam a construção de novos laços entre organizações que compartilham interesses

comuns, com aliados externos e com grupos descontentes; e configuram-se como um novo

canal de expressão para grupos que se sentem sub-representados ou excluídos da mídia de

massa tradicional. Nos estudos sobre a difusão do ativismo digital em países da América

Latina, o autor identifica pelo menos três condições que contribuem para que movimentos

sociais e grupos da sociedade civil usem a internet para promover demandas e atingir seus

objetivos.

[Primeiro] (...) em certos países ainda há muitos grupos que não podem

expressar livremente suas demandas por medo de represália (por exemplos,

os homossexuais em vários países da América Central). Para esses grupos, a

internet oferece oportunidades de expressão de forma “protegida” (...).

Segundo, em vários países latino-americanos a propriedade dos meios de

comunicação tradicionais (sobretudo a tevê e a imprensa escrita) encontra-

se concentrada nas mãos de alguns poucos grupos econômicos (...). Em tais

Page 47: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1805/2/Cleide Rodrigues.pdf · IMPEACHMENT DE DILMA ROUSSEFF NAS REDES SOCIAIS ON-LINE

46

contextos, um meio como a internet (...) torna-se atrativo para grupos que

tradicionalmente se sentem excluídos da cobertura feita pela mídia

tradicional. Terceiro, em países nos quais os movimentos sociais não

contam com o superávit de recursos que, segundo afirmam McCarthy e

Zald (1977), são condição necessária para o protesto, os custos econômicos

relativamente baixos da mobilização pela internet são atrativos (SOMMA,

2015, p.103-104).

É inquestionável o poder da internet e das redes sociais nas ações de ativismo digital.

Porém, não há como dissociar as atividades do mundo on-line às do mundo off-line. Para Sorj

(2015, p.14-15) estes são “subsistemas interconectados”, que “na passagem de um para outro

(re)aparecem os indivíduos e organizações, com seus diferenciais em termos de iniciativa,

poder, valores e interesses que, inclusive, estavam presentes, embora ocultos, no mundo da

rede”. Ao abordar “a nova onda da sociedade civil e a transformação da esfera pública”, nos

ambientes on-line e off-line, o autor observa que:

A análise de experiências recentes nos leva a concluir que: (1) tanto as

visões que enfatizam os efeitos positivos como os que destacam os lados

negativos do ciberespaço apontam para fenômenos presentes na realidade

social, e apenas a análise de situações concretas pode ajudar a entender a

importância relativa de cada uma delas; e (2) a dinâmica e consequências do

ciberativismo não devem ser dissociadas de suas consequências para e

interação permanente com o mundo off-line (SORJ, 2015, p.36).

Em outro trabalho, Sorj (2014) trata do papel da internet, o perfil social e as demandas

dos manifestantes dos acontecimentos de junho de 2013 no Brasil e no mundo. Ele destaca

que nestas análises devem considerados também os contextos sociais e institucionais, além

dos aspectos da tecnologia. Isso não quer dizer que o autor não reconheça a importância da

internet nas novas formas de sociabilidade contemporânea.

Sem dúvida, as características específicas de cada tecnologia de

comunicação influenciam os processos sociais, e os novos meios de

comunicação disseminam a informação em tempo real e de forma viral.

Sobretudo, permitem a transmissão de mensagens de forma descentralizada.

(...) Porém, os motivos que levam as pessoas às ruas para exprimir

insatisfação e anseios de mudança devem ser procurados nos contextos

sociais e institucionais, não nas tecnologias. (...) os novos meios de

comunicação têm sua importância potencializada pelo declínio das

instituições que, anteriormente, sem necessidade de telefone celular ou da

internet, eram capazes de levar milhares às ruas (SORJ, 2014, p.88-89).

Castells (2013, p.18-19) também compreende as redes sociais como apenas um

elemento no contexto do processo comunicativo dos movimentos sociais da atualidade. Para

ele a autonomia de comunicação na sociedade em rede é construída nas redes da internet e nas

plataformas de comunicação sem fio. Além disso, as redes sociais possibilitam deliberar sobre

Page 48: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1805/2/Cleide Rodrigues.pdf · IMPEACHMENT DE DILMA ROUSSEFF NAS REDES SOCIAIS ON-LINE

47

e coordenar atividades de modo amplamente desimpedido. No entanto, a atuação no espaço

urbano é fundamental para o sucesso e a eficácia das estratégias de mobilização social.

Uma vez que o espaço público institucional – o espaço constitucionalmente

designado para a deliberação – está ocupado pelos interesses das elites

dominantes e suas redes, os movimentos sociais precisam abrir um novo

espaço público que não se limite à internet, mas se torne visível nos lugares

da vida social. (...) Em nossa sociedade, o espaço público dos movimentos

sociais é construído como um espaço híbrido entre as redes sociais da

internet e o espaço urbano ocupado: conectando o ciberespaço com o

espaço urbano numa interação implacável e constituindo, tecnológica e

culturalmente, comunidades instantâneas de prática transformadora

(CASTELLS, 2013, p.18-20).

No universo do ciberativismo é possível organizar os grupos de ativistas em três tipos

diferentes (SORJ, 2016, p.15): os hackers (ou hacktivismo), cujo campo de ação é a

infraestrutura técnica da internet, realizando diversos tipos de atos eletrônicos como ataques

de websites e banco de dados considerados “inimigos”; os ativistas produtores de conteúdo

virtual, que utilizam a rede para obter apoio – por meio de abaixo-assinados, por exemplo –

na divulgação de informações ou análise de assuntos de interesse público ou propor atividades

de rua, ou seja, no espaço público; por fim, os grupos constituídos off-line, que usam a rede

para disseminar suas posições e obter apoios da sociedade. Para o autor (2015, p.38), estes

grupos compõem a terceira onda de formação da sociedade civil na América Latina no século

20 e início do século 21, a qual “encontra-se em processo de constituição, e está relacionada a

mobilizações de ativistas, que tem o ciberespaço como campo privilegiado de atuação”.

Além desta terceira onda da sociedade civil – que se constitui no mundo virtual – é

importante abordarmos as outras duas que a antecedem por se influenciarem mutuamente. A

primeira onda é representada por organizações de assalariados, sendo os sindicatos de

trabalhadores e empregados sua principal expressão. Porém, outras entidades de classe

tiveram papel importante no contexto de formação da sociedade civil, como as associações de

profissionais liberais e empresários, e as de estudantes.

A segunda onda se organiza a partir de movimentos sociais, sendo que, em muitos

países, “estiveram associados à resistência e luta contra as ditaduras militares”, mas logo

incluíram outros temas em sua plataforma de luta, entre os quais, relações de gênero, meio

ambiente, identidades raciais e indígenas. “As chamadas ONGs são o formato organizacional

típico desta segunda onda, e na América Latina passaram a ocupar um lugar importante no

espaço público a partir dos anos 1970-80”.

Page 49: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1805/2/Cleide Rodrigues.pdf · IMPEACHMENT DE DILMA ROUSSEFF NAS REDES SOCIAIS ON-LINE

48

Com relação à terceira onda e as mobilizações políticas, especialmente os fenômenos

das manifestações de rua no campo do ciberativismo, Sorj (2015) faz algumas generalizações

a partir de seus estudos empíricos.

“1. o ciberativismo, quando se reduz ao espaço da internet, não tem impacto

relevante, ao menos imediato, no sistema político (...); 2. o ativismo do

ciberespaço gera “movimentos de opinião” mais que movimentos sociais

(...); 3. a adequação do conceito de movimento social a cibercomunidades

exige novas conceptualizações, baseadas em estudos empíricos; (...) 4. as

consequências mais tangíveis e, até hoje, mais relevantes do ciberativismo

são aquelas associadas às mobilizações no espaço urbano que exigem maior

justiça social, combate à corrupção, políticas; (...) 5. As relações entre essas

manifestações e a comunicação nas redes virtuais não são lineares sociais

e/ou democracia; (...) 6. A relação entre a mobilização virtual e a de rua,

contudo, é extremamente complexa, e diferente em cada caso; (...) 7. Se as

redes virtuais possuem uma eficácia enorme para mobilizar e manter o

contato entre os manifestantes, também é certo que continuam sendo as

relações cara a cara as relações nas quais se materializa a experiência

política e se dão as consequências da mobilização cidadã; (...) 8. Grupos

previamente organizados, que desempenham um papel importante tanto na

eclosão do movimento [nas redes sociais] como em sua dinâmica de rua

posterior; (...) 9. As ações de rua geradas pelo ciberativismo têm como foco

denúncias e demandas específicas; (...) 10. Quando os movimentos de rua

conseguem gerar “curtos-circuitos” no sistema político, (...) são (...) as

forças políticas organizadas off-line, as responsáveis pelos passos seguintes;

(...) 11. Em certos casos, o mundo virtual pode ser a base para movimentos

políticos (...); 12. As demandas das manifestações urbanas associadas ao

mundo virtual não trouxeram inovações políticas; 13. (....) o ciberativismo

vivenciado dentro da rede é menos um caminho de empoderamento

daqueles sem poder, e mais um espaço de catarse coletiva, de

contrademocracia (SORJ, 2015, p.47-53).

Assim como em Sorj (2015), Castells (2013, p.162-163) já havia constatado que as

mobilizações que emergiram do mundo on-line têm um certo padrão: são conectadas em rede

de múltiplas formas; tornam-se um movimento ao ocupar o espaço urbano; espaço da

autonomia – híbrido de cibernética e espaço urbano – é a nova forma espacial dos

movimentos sociais em rede; os movimentos são simultaneamente locais e globais;

espontâneos em sua origem, geralmente desencadeados por uma centelha de indignação;

movimentos sem liderança; são movimentos profundamente autorreflexivos; eles não são

violentos; esses movimentos raramente são programáticos; são voltados para a mudança dos

valores da sociedade. Ainda segundo o autor, os movimentos estudados e outros similares

ocorridos no mundo, que integram o livro Redes de indignação e esperança: movimentos

sociais na era da internet, nasceram de uma “crise econômica estrutural e de uma crise de

legitimidade cada vez mais profunda”.

Page 50: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1805/2/Cleide Rodrigues.pdf · IMPEACHMENT DE DILMA ROUSSEFF NAS REDES SOCIAIS ON-LINE

49

Geralmente [os movimentos sociais] se originam de uma crise nas

condições de vida que torna insustentável a existência cotidiana para a

maioria das pessoas. [...] Assim, na experiência histórica e na observação

dos movimentos analisados, os movimentos sociais muitas vezes são

desencadeados por emoções derivadas de algum evento significativo que

ajuda os manifestantes a superar o medo e desafiar os poderes constituídos

apesar do perigo inerente a suas ações (CASTELLS, 2013, p.161-162).

Os autores aqui estudados apresentaram certa convergência de opiniões em diversos

aspectos ou se complementaram. Na essência, a impressão que nos dá é que, apesar das

características já identificadas pelos pesquisadores, ainda há muito a ser estudado neste

campo, uma vez que o ciberativismo é uma onda, como apontou Sorj (2015), que está sendo

constituída e em plena efervescência. Ao que parece também a internet e as redes sociais são

uma ferramenta de apoio ao engajamento e participação popular, mas não se limitam a essa

esfera. No mundo off-line as organizações se fortalecem, os debates que emergem dos

ambientes digitais parecem ganhar notoriedade, capaz inclusive de promover senão mudanças

efetivas pelo menos novas reflexões sobre os rumos da sociedade. Em nossa visão, as análises

sobre a influência e o impacto do ciberativismo ou net-ativismo nas sociedades

contemporâneas devem perpassar por estudos que envolvem os contextos sociais e

institucionais de cada caso em questão.

1.3.1. Revoluções “glocais”: breves aspectos de ativismo digital – Primavera Árabe,

Occupy Wall Street e passagens pela América Latina

As “revoluções” contemporâneas ganham configurações e formas, em que as novas

tecnologias de informação e comunicação (TIC) são apoio e fortes aliadas para a propagação,

quase imediatas, de atos por demandas e objetivos diversos em escala mundial. Uma vez que

já tratamos da presença da internet da vida comunitária da sociedade moderna e como os

aparatos tecnológicos têm sido apropriados por indivíduos, grupos e instituições da sociedade

civil para o desenvolvimento do ciberativismo, não cabe, aqui, retomarmos este debate.

Porém, consideramos pertinente reforçar que compreendemos “as revoluções” vistas na

atualidade como maneiras da sociedade exacerbar suas insatisfações e sentimento de revolta a

partir da apropriação dos meios de comunicação disponíveis, como ocorreu no passado.

Compartilhamos da observação de Sorj (2014) que conceitua essa nova onda de

manifestações como “fenômenos glocais” já vistos em outros tempos de nossa história.

Os fenômenos glocais, isto é, fenômenos sociais que fundem realidades

locais e globais, não são novos. A Revolução Francesa, por exemplo,

exerceu um efeito de demonstração nos mais variados lugares do planeta,

Page 51: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1805/2/Cleide Rodrigues.pdf · IMPEACHMENT DE DILMA ROUSSEFF NAS REDES SOCIAIS ON-LINE

50

assim como ela mesma foi produto de influências que vinham de toda a

Europa. O mesmo aconteceu, mais tarde, com a Revolução Russa. A

diferença entre as duas foi a rapidez da propagação das causas que

apregoavam. Entre o final do século XVIII e início do século XX,

avançaram os processos de interação da economia mundial, os sistemas de

comunicação e a intensidade da circulação de elites. Certamente, no mundo

atual, de comunicação instantânea, é de esperar que os fenômenos locais

tenham influência quase imediata em outras latitudes (SORJ, 2014, p.87).

Posto que as comunidades do passado se organizaram e promoveram “revoluções”

por mudança e transformação sociais e seus efeitos extrapolaram o campo territorial e

reverberaram em outras localidades, digamos que, na atualidade, temos um retorno ao

passado, porém, repaginado e influenciado pela apropriação dos novos meios de comunicação

por indivíduos, grupos e instituições em todo mundo. Mas quais são os motivos que têm feito

pessoas de nacionalidades e culturas tão diferentes no mundo organizarem e articularem atos e

protestos por meio das redes sociais e, a partir deles, conseguirem adesão em massa nas ruas?

As respostas estão nos contextos sociais e institucionais da sociedade. Mas, de modo

geral, nota-se desconfiança com relação à atuação das instituições tradicionais e dos meios de

comunicação de massa, crise nos sistemas político e econômico, e, consequentemente, a

sociedade eclode sua insatisfação e indignação, tendo a internet e as redes de relacionamento

on-line um ambiente propício para propagar suas demandas. Nos estudos sobre os “novos”

movimentos sociais na era digital, Castells (2013, p.11) apresenta alguns traços relacionados

ao contexto social dessas populações.

(...) Num mundo turvado por aflição econômica, cinismo político, vazio

cultural e desesperança pessoal, aquilo apenas aconteceu (...). Os mágicos

das finanças passaram de objetos de inveja pública a alvos de desprezo

nacional. Políticos viram-se expostos como corruptos e mentirosos.

Governos foram denunciados. A mídia se tornou suspeita. A confiança

desvaneceu-se. E a confiança é o que aglutina a sociedade, o mercado e as

instituições (...). Sem confiança o contrato social se dissolve e as pessoas

desaparecem, ao se transformarem em indivíduos defensivos lutando pela

sobrevivência (CASTELLS, 2013, p.11).

Cenários semelhantes foram vistos em várias localidades do mundo e à medida que a

sociedade passou a reagir, fazendo uso dos novos meios de comunicação digital, tem-se a

explosão da nova onda da sociedade civil. Faremos uma passagem por exemplos destes

“novos” movimentos com a finalidade de complementar os estudos teóricos aos empíricos,

como Primavera Árabe, Occupy Wall Street e situações ocorridas na América Latina. Neste

último caso, a abordagem será breve, uma vez que será retomada no capítulo seguinte sob a

ótica dos movimentos latino-americanos, sobretudo do Brasil.

Page 52: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1805/2/Cleide Rodrigues.pdf · IMPEACHMENT DE DILMA ROUSSEFF NAS REDES SOCIAIS ON-LINE

51

Segundo Castells (2013, p.27-29), na Tunísia e Islândia, “as insurgências políticas que

transformaram as instituições de governança nos dois países em 2009-2011 tornaram-se

referência para movimentos que sacudiram a ordem política no mundo árabe e desafiaram as

instituições políticas na Europa e Estados Unidos”. O autor relata que na Tunísia o

movimento começou em dezembro de 2010, com o suicídio de Mohamed Bouazizi. O jovem

vendedor ambulante de 26 anos teria ateado fogo em seu corpo como forma de protesto contra

a humilhação de confisco pela polícia local, depois de recusar-se a pagar propina. Seu primo,

Ali, registrou a autoimolação de Mohamed e distribuiu o vídeo pela internet. A partir de

então, outras manifestações espontâneas passaram a acontecer. Das províncias, chegaram à

capital, onde a repressão da polícia tunisiana resultou na morte de pelo menos 147 pessoas e

deixou outras centenas feridas.

(...) em 14 de janeiro [de 2011] o ditador Ben Ali e sua família deixam a

Tunísia para se refugiar na Arábia Saudita, quando confrontados com a

retirada do apoio do governo francês, o aliado mais próximo de Ben Ali

desde sua ascensão no poder, em 1987. Ele se tornara um embaraço para

seus patrocinadores internacionais. Era preciso encontrar um substituto na

elite política do próprio regime. [A partir de então começam as

manifestações contra] os poderes constituídos. A conexão entre

comunicação livre pelo Facebook, Youtube e Twitter e a ocupação do

espaço urbano criou um híbrido espaço público de liberdade que se tornou

uma das principais características da rebelião tunisiana, prenunciando os

movimentos que surgiriam em outros países (CASTELLS, 2013, p.29).

O autor (CASTELLS, 2013, p.34-35) identificou uma convergência de três

características distintas na Tunísia: a revolta foi liderada por um grupo ativo de

desempregados com educação de nível superior, que ignorou outras lideranças formais; houve

uma forte cultura de ciberativismo que fez críticas abertas ao regime político instaurado; e alta

taxa de difusão do uso da internet. As lutas sociais, ocorridas a partir do hibridismo do

ciberativismo e manifestações no espaço público, marcaram a história do país, que, hoje,

mantém um regime democrático, apesar de enfrentar crises institucionais nessa transição de

sistema político. O atual presidente da Tunísia é Béji Caid Essebsi, eleito em 2014.

O sociólogo espanhol (CASTELLS, 2013, p.13) relata que a partir do estopim da

revolução da “Primavera Árabe”, em 2011, outros movimentos eclodiram na Europa e nos

Estados Unidos contra a forma gestão da crise econômica de “governos [que] se colocavam

ao lado das elites financeiras responsáveis pela crise à custa de seus cidadãos”. Na Europa, as

manifestações mais intensas ocorreram na Espanha, Grécia, Portugal, Itália, Grã-Bretanha e,

“com menos intensidade, mas simbolismo semelhante, na maioria dos outros países” do

continente europeu. Nos Estados Unidos, o movimento ficou conhecido como Occupy Wall

Page 53: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1805/2/Cleide Rodrigues.pdf · IMPEACHMENT DE DILMA ROUSSEFF NAS REDES SOCIAIS ON-LINE

52

Street e seguiu as características dos demais: espontâneo e conectado em redes no ciberespaço

e no espaço urbano.

[O Occupy Wall Street] tornou-se o movimento do ano e afetou a maior

parte do país, a ponto da revista Time atribuir ao “Manifestante” o título de

personalidade do ano. E o lema dos 99%, cujo bem-estar fora sacrificado

em benefício do 1% que controla 23% das riquezas do país, tornou-se tema

regular na vida política americana. Em 15 de outubro de 2011, uma rede

global Occupy, sob a bandeira “Unidos pela Mudança Global”, mobilizou

centenas de milhares de pessoas em 951 cidades de 82 países, reivindicando

justiça social e democracia. Em todos os casos, os movimentos ignoraram

partidos políticos, desconfiaram da mídia, não reconheceram nenhuma

liderança e rejeitaram toda organização formal, sustentando-se na internet e

em assembleias locais para o debate coletivo e a tomada de decisões

(CASTELLS, 2013, p.13).

Outros pesquisadores têm se debruçado a discorrer sobre outras manifestações de

ativismo digital no mundo. O livro Ativismo político em tempos de internet (SORJ; FAUSTO,

2016, p.9) traz uma análise das transformações do ativismo político na América Latina a

partir do uso dos meios de comunicação ao reunir 19 estudos de caso de seis países

(Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, Equador e Venezuela). A obra apresenta uma “ampla

gama de experiências inovadoras e seus impactos nas formas de organização e de atuação da

sociedade civil, partidos políticos e governos”.

Os casos analisados de ciberativismo indicam que nenhuma delas representa

uma “bala de prata” — uma experiência capaz de resolver os múltiplos

desafios enfrentados pela construção de instituições democráticas mais

sólidas e de maior qualidade. Mas todos indicam novas possibilidades e

desafios ao desenvolvimento de relações virtuosas entre as formas

tradicionais de participação (tanto nas organizações da sociedade civil como

nos partidos políticos) e o ativismo no espaço virtual (SORJ; FAUSTO,

2016, p.9).

Embora as pesquisas versem sobre diferentes campos de estudo do ciberativismo –

manifestações de rua; plataformas de consulta; campanhas de apoio on-line, mudanças nas

formas tradicionais de organização da sociedade civil e dos partidos políticos; e o lugar dos

meios tradicionais de comunicação – optamos por exemplificar os trabalhos que estão

relacionados ao tema desta dissertação. No prefácio da obra, Sorj (2016, p.25) faz uma crítica

às análises imediatistas relacionadas às manifestações de rua dos últimos anos e alerta os

historiadores do presente para que fiquem “sempre atentos para o novo, mas sem esquecer

lições do passado”.

A surpresa de muitos analistas sobre os desdobramentos da Primavera

Árabe, ou as limitadas consequências imediatas do Occupy Wall Street, que

foram saudados por alguns como o início de uma nova era de participação

democrática e que hoje outros banalizam como movimentos incapazes de

Page 54: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1805/2/Cleide Rodrigues.pdf · IMPEACHMENT DE DILMA ROUSSEFF NAS REDES SOCIAIS ON-LINE

53

mudar a história, é produto de uma visão que deixou de se alimentar da

experiência histórica. Explosões sociais são recorrentes em todas as

sociedades e seus desdobramentos sempre foram controlados por

organizações que souberam tirar proveito ou neutralizar a nova situação

(SORJ, 2016, p.25).

Os três casos de estudos analisados referentes a manifestações de ruas são do Chile,

Brasil e Venezuela e dão conta de “fatores que antecederam as manifestações, seu transcurso

e, quando possível, suas consequências” (SORJ, 2016, p.25). O primeiro trata do movimento

estudantil chileno de um grupo que atuou fortemente nos bastidores off-line para, depois,

promover ações nas ruas. As demandas do grupo integraram o programa de governo da

candidata à presidência da Concertação. Além disso, nota-se a participação de vários líderes

deste movimento, que sofreu queda após as eleições, no sistema político como candidatos nas

eleições ou na composição do governo.

No Brasil, a pesquisa aborda as manifestações de junho de 2013, que tiveram outra

dinâmica. Os atos são iniciados por um coletivo organizado off-line, o Movimento Passe

Livre (MPL), que iniciou sua atuação em 2005. Formado especialmente por estudantes, o foco

de luta do grupo é a melhoria da mobilidade urbana e por tarifa zero no transporte público. Os

atos de junho de 2013 em São Paulo se expandiram rapidamente por todo o país. “Denúncias

contra a corrupção, o desperdício de recursos para a realização da Copa do Mundo de futebol

e a baixa qualidade dos serviços públicos passaram a ser as principais bandeiras dos

manifestantes” (SORJ, 2016, p.25). As manifestações não tiveram a participação de partidos

políticos, que se tornaram alvo dos protestos também. O autor concebe os atos de 2013 como

uma primeira fase das manifestações que se deram a partir de 2015, porém, com foco mais

direcionado: a presidente de Dilma Rousseff e os pedidos do impeachment.

Embora o texto aqui incluído se concentre nos eventos de 2013, eles podem

ser considerados uma primeira fase, que continuou com as manifestações de

março e abril de 2015, dirigidas fundamentalmente contra a presidente

Dilma Rousseff e a favor do processo de impeachment. Nessa nova fase,

passam a ocupar um espaço maior núcleos organizados off-line, com uma

identificação política, em geral conservadora e/ ou pró-mercado, que se

apresentam como os principais promotores das manifestações e buscam se

apresentar como seus porta-vozes (SORJ, 2016, p.25-26).

Os estudos na Venezuela exploram as manifestações de 2014, cujo contexto político é

extremamente polarizado. “A polarização política e as manifestações de rua atingiram a

diáspora venezuelana, possibilitando o surgimento de um website e uma página de Facebook

denominados SOS Venezuela” (SORJ, 2016, p.26). O autor relata que a iniciativa dos

Page 55: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1805/2/Cleide Rodrigues.pdf · IMPEACHMENT DE DILMA ROUSSEFF NAS REDES SOCIAIS ON-LINE

54

ativistas venezuelanos, dos quais muitos estavam no exterior, visava a “chamar a atenção

internacional para os desmandos do governo”. Embora no final das manifestações percebe-se

o declínio das atividades, a marca SOS Venezuela “permanece ativa nas redes sociais”.

Segundo Sorj (2016, p.26) os três estudos “mostram formas muito variadas de

articulação entre o sistema político, os grupos off-line e as manifestações de rua, nas quais os

novos meios de comunicação desempenham um papel central nas convocações para as

manifestações”. Em sua análise sobre cada um deles, ele diz:

No Chile, o sistema político-partidário se mostrou capaz de absorver as

demandas e lideranças geradas pelo movimento estudantil. Liderados por

militantes geralmente de partidos menores de esquerda, conseguiram marcar

a identidade do programa de governo da candidata vencedora das eleições

presidenciais e deslocar o eixo da política chilena. O caso brasileiro aponta

a existência de um mal-estar em setores sociais muito variados (que se

encaixariam numa definição muito ampla de classe média), insatisfeitos

com o sistema político e com os partidos. Seu impacto foi o de marcar um

novo momento da política brasileira, na qual a rua foi tomada por setores

insatisfeitos com o governo do PT, mas não apenas com ele. (...) Por fim, na

Venezuela temos uma polarização política, na qual desempenham um papel

central o governo e os vários setores da oposição, que buscam reprimir,

capturar ou apaziguar as manifestações de rua. Foi um capítulo de um

drama político mais amplo, produto e reflexo da radicalização por parte da

oposição e que foi integrado na dinâmica de enfrentamento com o governo

(SORJ, 2016, p.26).

A partir dos estudos empíricos das bibliografias apresentadas nota-se que os novos

meios de comunicação digital ocupam cada vez mais espaço na vida cotidiana e, a partir de

sua apropriação, a sociedade contemporânea mostra que o engajamento e a participação social

podem provocar rupturas e abalar as estruturas das instituições tradicionais. De modo geral, os

autores observam a desconfiança e a falta de representatividade dessas instituições em escala

mundial e as “novas revoluções digitais” aparecem como possibilidades de mudança dos

rumos da história. Porém, os estudos merecem ser aprofundados e difundidos para que

possamos compreender a dimensão e a relevância das tecnologias de informação e

comunicação no dia a dia da sociedade, uma vez que a história nos mostra que o povo,

independentemente dos recursos tecnológicos, encontra meios para externar sua insatisfação e

indignação frente aos abusos do poder instituído.

Page 56: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1805/2/Cleide Rodrigues.pdf · IMPEACHMENT DE DILMA ROUSSEFF NAS REDES SOCIAIS ON-LINE

55

CAPÍTULO II – MOVIMENTOS SOCIAIS E POPULARES E

OS GRUPOS DAS REDES NO IMPEACHMENT DE DILMA

Neste capítulo, promovemos uma reflexão sobre o que são movimentos sociais e

populares, de abordagens clássicas a contemporâneas; bem como o que vem a ser participação

e comunicação popular no contexto do ativismo digital. O levantamento de conceitos e teorias

foi feito com foco nas ações sociais da sociedade civil na América Latina e no Brasil a partir

de pesquisa bibliográfica. Revisitamos autores como Peruzzo (1998; 2009a, 2009b; 2013;

2014); Gohn (2006; 2010); Martuccelli (2015); Alvarez, Dagnino e Escobar (2000); Somma

(2015), Sorj (2015); e Gomes (2005).

Os estudos sob a ótica dos autores citados nos deram subsídios para traçarmos os

perfis dos quatro grupos selecionados – Movimento Brasil Livre (MBL) e Vem pra Rua (que

se posicionaram publicamente a favor do impeachment); e Frentes Brasil Popular e Povo Sem

Medo (que se colocaram contra o impeachment) – e compreendermos quem foram esses

protagonistas no âmbito das manifestações públicas pró e contra o impeachment de Dilma

Rousseff nesta nova sociedade em rede. Os dados dos grupos das redes sociais foram

extraídos de seus canais de comunicação on-line, como sites e redes sociais (Facebook,

Instagram, Twitter, Youtube, Issuu), além de notícias da imprensa.

De modo geral, os grupos pró e contra o processo de impeachment de Dilma que se

articularem por meio das redes sociais digitais representaram formas de manifestações

coletivas, sem necessariamente serem classificados como movimentos sociais populares.

2.1. Movimentos sociais e populares

Não é de hoje que as temáticas “movimentos sociais” e “movimentos populares”

fomentam discussões na sociedade. Debates que não se esgotam em virtude do dinamismo e

de situações de diversidade presentes num mundo globalizado e suscetível a transformações.

Consideramos pertinente compreendermos conceitos e diferenças entre tais movimentos –

sociais e populares – e outras manifestações e ações sociais coletivas. Para Peruzzo (2013,

p.75), “não convém confundir coletivos, organizações não governamentais, grupos,

associações, etc., ou mesmo qualquer forma de manifestação coletiva, com movimento social

ou movimento popular”. Segundo ela, “há diferenciações entre movimento social – mais

amplo – e movimento popular, aquele orgânico às classes populares, e que portam conteúdos

Page 57: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1805/2/Cleide Rodrigues.pdf · IMPEACHMENT DE DILMA ROUSSEFF NAS REDES SOCIAIS ON-LINE

56

emancipadores”. Daí, a reflexão sobre protestos e outras formas de manifestações públicas

não se constituírem necessariamente como movimento social ou popular.

Embora haja formas particulares para definir “movimentos sociais”, de modo geral,

entendemos o tema como ações sociais coletivas organizadas por parcela representativa da

população em prol de suas demandas, anseios e necessidades a fim de obter mudanças sociais.

A primeira menção sobre o assunto surgiu nos anos de 1840, com o nascimento da sociologia.

Na ocasião, Stein utilizou o termo “movimento social” para defender a necessidade de uma

ciência que se dedicasse aos estudos sobre o assunto. No século 20, a temática é abordada a

partir do universo dos processos de interação social dentro da “teoria do conflito e mudança

social” (GOHN, 2006, p.328-329). Sobre o papel e a participação destes atores no novo

milênio abordaremos mais adiante.

Ao fazer um mapeamento ainda no final do século 20 dos paradigmas e teorias sobre

os movimentos sociais – norte-americano, europeus e latino-americano –, Gohn conclui que

não existe um modelo de teoria geral e universal. Segundo ela (2006, p.327), “não há uma

teoria única, assim como não há também uma só concepção para o que seja um movimento

social, e não há também um só tipo de movimento social. Há várias teorias formadas em

paradigmas teóricos explicativos”. Porém, em estudo mais recente sobre esta temática, a

autora conceitua, de modo amplo, o que vem a ser movimento social:

Nós os vemos como ações sociais coletivas de caráter sociopolítico e

cultural que viabilizam distintas formas da população se organizar e

expressar suas demandas. Na ação concreta, essas formas adotam diferentes

estratégias que variam da simples denúncia, passando pela pressão direta

(...) até as pressões indiretas. Na atualidade, os principais movimentos

sociais atuam por meio de redes sociais, locais, regionais, nacionais e

internacionais, e utilizam-se muito dos novos meios de comunicação e

informação, como a internet (...). Na realidade histórica, os movimentos

sempre existiram e cremos que sempre existirão. Isso porque eles

representam forças sociais organizadas que aglutinam as pessoas não como

força-tarefa, de ordem numérica, mas como campo de atividades e de

experimentação social, e essas atividades são fontes geradoras de

criatividade e inovações socioculturais (GOHN, 2010, p.13-14).

Também pesquisadora sobre o assunto, Peruzzo (2013, p.76) concebe movimentos

sociais como “articulações da sociedade civil constituídas por segmentos da população que se

reconhecem como portadores de direitos e que se organizam para reivindicá-los”. A partir do

exposto, vale questionamentos acerca da atuação dos grupos das redes sociais on-line que, na

ocasião do processo de impeachment de Dilma Rousseff, se organizaram e articularam

protestos e manifestações nos ambientes off-line a partir do uso dos novos meios e recursos

Page 58: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1805/2/Cleide Rodrigues.pdf · IMPEACHMENT DE DILMA ROUSSEFF NAS REDES SOCIAIS ON-LINE

57

tecnológicos de comunicação, como o Facebook e outras plataformas digitais. Assim reunir

pessoas para um ato de protesto não necessariamente torna determinado grupo de

organizadores e líderes um movimento social. Há outras implicações a serem consideradas

para que possamos classificar um grupo que desenvolve ações sociais coletivas como

movimento social. A forma de atuação, composição de suas plataformas, seus laços e sua

história são alguns destes elementos.

Um movimento social pressupõe a existência de um processo de

organização coletiva e se caracteriza pela consistência dos laços,

identidades compartilhadas, certa durabilidade e clareza não só no uso de

táticas (mobilizadoras, comunicativas, civiljudiciais, etc.), mas também nas

estratégias, como aquelas envolvendo um projeto amplo de sociedade, ou

pelo menos, propostas de programas para determinados setores. (...) A

segunda aproximação necessária diz respeito ao reconhecimento da

diversidade existente no universo dos movimentos sociais, tanto na

linhagem política e ideológica quanto nos tipos de movimentos, o que

aponta para diferenças nas origens, nos propósitos, nos meios de expressão

usados, e quem são os atores, ou seja, seus protagonistas (PERUZZO, 2013,

p.76).

No que tange a características dos movimentos sociais contemporâneos, Gohn (2010,

p.16-17) destaca quatro pontos inerentes à atuação deles, a partir de estudos realizados no

início deste século: “as lutas de defesa das culturas locais, contra os efeitos devastadores da

globalização”; na medida em que reivindicam ética na política e fazem vigilância sobre a

atuação estatal/governamental, os movimentos sociais “orientam a atenção da população para

o que deveria ser dela e está sendo desviado”; eles têm dado cobertura a “áreas do cotidiano

de difícil penetração por outras entidades ou instituições”; “os movimentos construíram um

entendimento sobre a questão da autonomia, [em que tê-la] é, fundamentalmente, ter projetos

e pensar os interesses dos grupos envolvidos com autodeterminação”. A autonomia,

diferentemente do que se viu nos anos 80 do último século, perpassa por planejamento

estratégico em termos de metas e programas; significa ser crítico e ao mesmo tempo

propositivo para resolução de conflitos; é atuar com universalidade para as demandas

particulares, é priorizar a cidadania; e, por fim, significa ter pessoas capacitadas para

representar os movimentos em situações de negociação.

E, como já mencionado no capítulo anterior, a formação da sociedade civil na América

Latina do século 20 e início deste novo século apresentou três ciclos que, para Sorj (2015), se

influenciam mutuamente. Esta terceira onda, que ainda está em processo de formação, se

constitui por mobilizações na esfera pública em que o ciberespaço é um instrumento central

Page 59: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1805/2/Cleide Rodrigues.pdf · IMPEACHMENT DE DILMA ROUSSEFF NAS REDES SOCIAIS ON-LINE

58

de sua atuação, mas que o mundo on-line e off-line deve ser concebido como “subsistemas

interconectados”.

Para o sociólogo, os movimentos sociais são um elemento central nos estudos da

sociedade civil, ou seja, são “os movimentos coletivos que promovem transformações sociais”

(SORJ, 2015, p.37). Ainda, segundo o autor, “os movimentos sociais podem produzir

organizações formais que envolvem e institucionalizam o movimento social, e tendem a ser

absorvidos pelo sistema político, cultural e legal”. Desta relação, ocorre uma domesticação do

movimento social, ao mesmo tempo em que a sociedade é “transformada pela integração de

pelo menos parte das suas reivindicações”. Ele observa também que não existe clareza na

relação entre movimento social e organizações formais (a “sociedade civil organizada”).

Se no caso da primeira onda da sociedade civil em geral o movimento social

precede sua institucionalização (por exemplos, os protestos e atividades

solidárias dos trabalhadores antecedem os sindicatos), na segunda onda é

comum o surgimento de organizações formais não apoiadas por

movimentos sociais. Isso foi possível porque o formato ONG não supõe

representação efetiva de um público. Associadas muitas vezes a ativistas

globalizados, as ONGs às vezes introduzem temas que posteriormente

podem dar lugar a movimentos sociais. Por sua vez, no caso da terceira

onda, (...) a própria noção de movimento social perde contornos claros,

assim como são mais confusas suas relações com organizações formais

(SORJ, 2015, p.37).

Notamos que embora não haja “contornos claros” sobre a noção de movimento social

este é um elemento de significativa relevância na sociedade contemporânea. Há de considerar

ainda, pelo exposto, que não basta um grupo ou movimento organizar atos, protestos ou

manifestações públicas, mesmo que consiga arregimentar milhares de pessoas à sua causa,

para ser considerado um movimento social. São diversos os atributos que o credencia como

tal. Não é demérito não ser categorizado como movimento social.

O que buscamos, nesta pesquisa, é instigar a reflexão sobre o papel de novos

movimentos e grupos nesta sociedade em rede, como bem sinalizou Peruzzo (2013) em artigo

sobre as grandes manifestações civis brasileiras de junho de 2013 e a presença das redes

sociais e da comunicação alternativa no referido processo.

Para compreender essas manifestações políticas, há necessidade de

flexibilização e revisão de categorias já consolidadas, no entanto, sem

destroçá-las, pois, por um lado, os novos movimentos expressam, entre

outras, também lutas antigas dos movimentos sociais populares e, por outro,

não anulam os demais, como os movimentos comunitários, os de mulheres,

o Movimento de Luta por Moradia, o Movimento dos Trabalhadores Sem

Terra (MST), e assim por diante. Porém, há de se perceber as características

novas que se apresentam (...) (PERUZZO, 2013, p.78).

Page 60: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1805/2/Cleide Rodrigues.pdf · IMPEACHMENT DE DILMA ROUSSEFF NAS REDES SOCIAIS ON-LINE

59

Na perspectiva de melhor compreender o papel dos grupos das redes sociais on-line

que ganharam visibilidade no processo de impeachment de Dilma Rousseff por meio de

atividades nos ambientes virtuais, e posteriormente no mundo off-line, é que propomos

avançarmos nosso debate acerca de outras ações sociais coletivas. Assim há de se considerar

as transformações ocorridas na esfera pública na atualidade, da qual faz parte a sociedade civil

e, consequentemente, os movimentos sociais, e o impacto da internet na atuação destes atores.

Martuccelli (2015, p.64) destaca várias transformações no âmbito da esfera pública

entre 2000 e 2015. Para ele, os movimentos sociais deixaram “de operar unicamente pela

defesa ou a representação de certos interesses ou identidades, e funcionam cada vez mais

como mobilizações que buscam, sobretudo, alertar a opinião pública e, por vezes, os poderes

institucionais vigentes”.

A sociedade civil se encontra, da perspectiva da equação entre poder de

ação e poder de enunciação, em uma situação inédita e distinta. Por um

lado, sua capacidade de intervenção direta sobre os eventos se transformou

de maneira heterogênea (...). Embora o destinatário final da ação seja

sempre o sistema político — é sobre ele que incide, em última instância —,

cada vez mais as mobilizações coletivas atuam como canais alternativos de

representação-enunciação e de denúncia junto aos meios de comunicação e

à opinião pública subjacente (MARTUCCELLI, 2015, p.64).

Neste novo cenário, Martuccelli (2015, p.69) reforça o enorme impacto da internet na

sociedade civil, em especial no âmbito dos movimentos sociais. Segundo ele, não muda “o

sentimento duplo de não ser suficientemente escutado pelo sistema político e de não ser

suficientemente visível nos meios de comunicação”. Ou seja, os movimentos sociais mantêm

a essência de organização de ação social coletiva em prol de seus direitos e da mudança social

contra o status quo. Contudo, essa percepção é transformada e reforçada pela internet.

Ontem, ou se era um ator ou se omitia. Hoje, graças à galáxia da internet, o

espectro da participação se ampliou. A oposição entre atores (minorias

ativas [militantes propriamente ditos]) e espectadores passivos (e, por vezes,

atores indiferentes) não desapareceu; mas agora acrescenta-se outra tensão,

produzida por indivíduos que são atores ou comentadores ativos e às vezes

regulares da vida pública, sem que se transformem necessariamente seus

interesses em termos de participação eleitoral ou de militância em ações

coletivas (MARTUCCELLI, 2015, p.71).

Acreditamos que o mesmo ocorra no universo dos movimentos populares, uma vez

que as ações sociais coletivas apresentem similaridades com a dos movimentos sociais, apesar

de certas diferenciações. Peruzzo (2005, p.20) os define como “manifestações e organizações

constituídas com objetivos explícitos de promover a conscientização, a organização e a ação

de segmentos das classes subalternas visando a satisfazer seus interesses e necessidades”. A

Page 61: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1805/2/Cleide Rodrigues.pdf · IMPEACHMENT DE DILMA ROUSSEFF NAS REDES SOCIAIS ON-LINE

60

autora cita exemplos de ações que fazem jus à categorização de movimentos populares, entre

as quais, reivindicações por melhoria do nível de vida, através do acesso às condições de

produção e de consumo de bens de uso coletivo e individual; promover o desenvolvimento

educativo-cultural da pessoa; contribuir para a preservação ou recuperação do meio ambiente;

assegurar a garantia de poder exercitar os direitos de participação política na sociedade e

assim por diante.

E assim os movimentos sociais populares, apesar de suas limitações, vão

ocupando o seu lugar na sociedade, contribuindo para construir a cidadania.

Trata-se de um processo que envolve a diversidade, porque nossa sociedade

é pluralista demais para afunilar-se sob a direção de uma única organização

político-partidária (PERUZZO, 1998, p.37).

Para Gohn (2010, p.23), os movimentos populares apresentam uma diversidade no que

tange a temáticas de suas demandas, no entanto, “o que unifica o universo de suas demandas

são as carências socioeconômicas”. Neste panorama de engajamento social, compartilhamos

da opinião dos autores estudados de que os movimentos sociais e populares sempre existiram

e vão existir, porque destas ações sociais coletivas emergem da necessidade de mudanças e

transformações tão imprescindíveis para o desenvolvimento e conquistas da sociedade.

A autora (GOHN, 2010, p. 14) recorre a Touraine para expressar o que os movimentos

sociais representam ao afirmar que estes “são o coração, o pulsar da sociedade. Eles

expressam energias de resistência ao velho que os oprime, e fontes revitalizadas para a

construção do novo”. Novos horizontes são traçados a partir da participação e presença ativa

da sociedade civil representada por diferentes atores e protagonistas dos movimentos sociais e

populares no Brasil e outros lugares do mundo.

Por meio de ações sociais coletivas propositivas, a história nos mostra avanços e

conquistas obtidas pela sociedade no mundo. A busca por mudanças e transformações sociais

sempre existiram. Nada indica que os cidadãos deixarão de exprimir aquilo que os desagrada.

Ao contrário, estão sempre ávidos para externar o que os oprime, utilizando meios e recursos

disponíveis consonantes com sua realidade e contexto social. Na era digital, as redes sociais

on-line têm se apresentado como fortes aliadas no processo de mobilização e engajamento

social na esfera pública.

2.1.1. Movimentos sociais e populares na América Latina

As ações sociais coletivas representadas por meio da atuação de atores de movimentos

sociais e populares se manifestam na sociedade em esfera global. Há diversos estudos acerca

Page 62: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1805/2/Cleide Rodrigues.pdf · IMPEACHMENT DE DILMA ROUSSEFF NAS REDES SOCIAIS ON-LINE

61

da participação de movimentos sociais norte-americano, europeus e latino-americano, entre

outros, que contemplam inclusive pesquisas a partir da introdução da internet no cotidiano da

sociedade (GOHN, 2010; CASTELLS, 2013; SORJ; FAUSTO, 2015). Na tentativa de

delinear o perfil dos protagonistas dos grupos estudados nesta dissertação, delimitamos tecer

abordagens sobre movimentos sociais e populares no âmbito da América Latina e do Brasil a

partir de estudos mais recentes. Temos ciência de que o debate proposto não se esgota aqui.

Apenas abre espaço para novas discussões e abordagens tão oportunas sobre o assunto em

tempos da era digital.

Antes de diversas manifestações populares se propagarem por vários lugares do

planeta fazendo uso de ferramentas tecnológicas, num efeito dominó, pesquisadores sobre

movimentos sociais na América Latina já previam no final do século 20 um cenário nada

animador para essas sociedades. “Níveis sem precedentes de violência, pobreza,

discriminação e exclusão parecem indicar que o ‘desempenho’ e próprio projeto das ‘novas’

democracias da América Latina estão longe de ser satisfatórios” (ALVAREZ; DAGNINO;

ESCOBAR, 2000, p.15).

Nesse contexto, os autores acreditam que os movimentos sociais desempenham “um

papel crítico nessa luta” por projetos alternativos para a democracia e questionam quais são os

parâmetros dessa democracia e quais são as fronteiras do que deve ser definido como arena

política. Para eles, os processos de globalização econômica, atrelados a uma política

neoliberalista, introduziram uma nova relação entre o Estado e a sociedade civil, com

definição distinta da esfera pública e seus participantes, baseada “numa concepção

minimalista do Estado e da democracia”.

Enquanto a sociedade civil é obrigada a assumir as responsabilidades

sociais evitadas pelo Estado neoliberal em processo de encolhimento, sua

capacidade como esfera política crucial para o exercício da cidadania

democrática está cada vez mais desenfatizada. Nessa concepção, os

cidadãos devem fazer-se por seus próprios esforços particulares e a

cidadania é cada vez mais equiparada à integração individual no mercado

(ALVAREZ; DAGNINO; ESCOBAR, 2000, p.15-16).

Neste novo cenário de cidadania há uma redefinição não apenas do sistema político,

mas também das práticas econômicas, sociais e culturais como forma de “engendrar uma

ordem democrática para a sociedade como um todo”. Tem-se, então, a ampliação de esferas

públicas, onde a cidadania pode ser exercida e os interesses da sociedade não são apenas

representados, mas fundamentalmente “re/modelados”. A consequência disso é a construção

de uma democracia interna descontínua e desigual.

Page 63: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1805/2/Cleide Rodrigues.pdf · IMPEACHMENT DE DILMA ROUSSEFF NAS REDES SOCIAIS ON-LINE

62

Os movimentos sociais não somente conseguiram traduzir suas agendas em

políticas públicas e expandir as fronteiras da política institucional, como

também lutaram de maneira significativa para redefinir o próprio sentido de

noções convencionais de cidadania, representação política e participação e,

em consequência, da própria democracia (ALVAREZ; DAGNINO;

ESCOBAR, 2000, p.16).

Assim as sociedades da América Latina já vêm num processo de desenvolvimento de

cidadania e os movimentos sociais têm se destacado antes mesmo do início do novo milênio.

Os acontecimentos recentes ocorridos no Brasil – em especial as manifestações públicas civis

do processo impeachment de Dilma Rousseff – não emergiram de uma hora para outra. Os

rumos da história de uma nação se constroem no dia a dia, passam por transformações e

sofrem influências externas. Na era digital essa influência é ainda mais rápida, quase de

instantânea por conta da velocidade com que as informações circulam nos ambientes sociais,

rapidez essa propiciada pelo avanço tecnológico dos meios de comunicação.

“As culturas políticas da América Latina são muito influenciadas por aquelas que

prevalecem na Europa e na América do Norte e, contudo, se diferenciam delas” (ALVAREZ;

DAGNINO; ESCOBAR, 2000, p.27). Os autores mostram que ao analisar a atuação dos

movimentos sociais é fundamental que se considere o contexto político e social em questão.

Um exemplo citado foi o surgimento de regimes militares das décadas de 1960 e 1970 em

quase toda a América Latina “numa reação às tentativas de radicalizar as alianças populistas

ou de explorar alternativas socialistas democráticas”.

É significativo que os movimentos sociais que surgiram da sociedade civil

na América Latina ao longo das duas últimas décadas – tanto em países sob

regime autoritário como em nações fortemente democráticas – tenham

desenvolvido versões plurais de uma cultura política que vão muito além do

(re)estabelecimento da democracia formal liberal. Assim, as redefinições

emergentes de conceitos como democracia e cidadania apontam para

direções que confrontam a cultura autoritária por meio da atribuição de

novo significado às noções de direito, espaços públicos e privados, formas

de sociabilidade, ética, igualdade e diferença e assim por diante. Esses

processos múltiplos de re-significação revelam claramente definições

alternativas do que conta como político (ALVAREZ; DAGNINO;

ESCOBAR, 2000, p.29).

A pesquisadora Gohn (2006, p.221-240) observa que a distribuição dos movimentos

sociais em termos espaciais ocorreu de forma muito diferenciada na América Latina depois

dos anos de 1970, apesar de ter acontecido na totalidade dos países. Naqueles mais

industrializados, a articulação se deu a partir dos grandes centros, tendo sido feita por

representantes da igreja, dos sindicatos e de partidos de oposição ao regime político da época,

Page 64: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1805/2/Cleide Rodrigues.pdf · IMPEACHMENT DE DILMA ROUSSEFF NAS REDES SOCIAIS ON-LINE

63

e, a partir daí, espalharam-se para outras regiões. Nos países de base agrária, as ações se

caracterizaram por rebeliões. Na pauta dos movimentos daquela época entraram questões

étnicas, suprimento de gêneros e serviços sociais de primeira necessidade, demandas por terra

e moradia, por educação, e demandas consideradas “modernas” ao redor de questões de

gêneros. Neste contexto, há de se considerar ainda as diferenças históricas que influenciam a

formulação de um paradigma latino-americano sobre os movimentos sociais.

O estudo sobre os movimentos sociais latino-americanos deve ter um

enfoque multidisciplinar, envolvendo a sociologia, a ciência política, a

antropologia, a história, a economia, e a psicologia social. A política deve

ser destacada por ser a grande arena de articulação, pelo fato de os

movimentos sempre estarem envolvidos ou ligados a relações de poder.

Deve-se considerar: ideologias, valores, tradições e rituais da cultura de um

grupo; a cultura política como um todo, etc.; assim como a estrutura

sociopolítica e econômica em que os movimentos estão inseridos, numa

abordagem histórico-estrutural renovada (GOHN, 2006, p.240).

Alguns autores notam que na década de 1990 ocorre um renascimento do conceito de

sociedade civil. Alvarez, Dagnino e Escobar (2000, p.38) abordam o assunto por meio de

Alfred Stepan, que diz que esta “tornou-se a celebridade política de muitas transições latino-

americanas recentes do regime autoritário e foi uniformemente vista como ator significativo

na literatura da democratização”. Nesse processo de revitalização da sociedade civil, os

pesquisadores destacam que esta “não é uma família ou ‘aldeia global’ homogêneas e felizes,

mas um terreno de luta”; é “um terreno minado por relações desiguais de poder, bem como

acesso diferenciado a recursos materiais, culturais e políticos”; e, por fim, “há conexões entre

o Estado e a sociedade civil que tornam ilusória a ideia de um confronto ou mesmo de uma

delimitação entre os dois como entidades completamente autônomas” (ALVAREZ;

DAGNINO; ESCOBAR, 2000, p.39-40).

No que tange à formação do público, os pesquisadores avaliam como positiva para a

democracia na América Latina a proliferação de ‘públicos’ alternativos dos movimentos

sociais. Eles tomam como referência, três pontos observados por Diamond e Linz (apud

ALVAREZ; DAGNINO; ESCOBAR, 2000, p.42): porque serve para pôr em xeque o poder

do Estado, ou porque dá expressão a interesses populares estruturalmente pré-ordenados e

porque é nesses espaços públicos alternativos que esses mesmos interesses podem ser

continuamente re/construídos. Ou seja, independentemente do momento histórico, a atuação

dos movimentos sociais é vista de forma positiva pelos pesquisadores. São forças que

emergem da sociedade civil com o intuito de transformar e promover mudanças em defesa de

interesses coletivos amplos ou de grupos minoritários.

Page 65: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1805/2/Cleide Rodrigues.pdf · IMPEACHMENT DE DILMA ROUSSEFF NAS REDES SOCIAIS ON-LINE

64

“Os movimentos são como as ondas e as marés, vão e voltam e isto ocorre não por

causas naturais (...). Os movimentos vão e voltam segundo a dinâmica do conflito social, da

luta social, da busca do novo ou reposição/conservação do velho” (GOHN, 2006, 247-248).

Assim a ação dos movimentos não é estática. Ao contrário, é dinâmica e se desenvolve em

consonância com os contextos sociais, culturais e institucionais da sociedade. Com a

disseminação da internet no mundo, muitas ações encabeçadas por movimentos de lutas

sociais coletivas são apoiadas por este novo artefato tecnológico.

O uruguaio Somma (2015, p.138-140), pesquisador em sociologia política e

movimentos sociais, observa que o ativismo digital emergiu e se expandiu em vários países

latino-americanos nas duas últimas décadas. São diversos os grupos e organizações que

empregam a internet para “promover suas causas, gerar adesões, coordenar ações coletivas e

pressionar as autoridades políticas via redes sociais”. Estes representantes da sociedade civil

também apresentam ideologias, objetivos e grau de proximidade com a política institucional

de formas muito distintas.

No entanto, ainda há barreiras que freiam a difusão do ativismo digital na América

Latina. Na maioria desses países, as pessoas ainda não usam a internet regularmente e o seu

uso para fins político ainda é restrito, sendo fortemente segmentados e favorecendo os mais

jovens e ricos moradores de centros urbanos. Além disso, o uso da ferramenta traz múltiplos

riscos, que “vão desde a facilidade com que se espalham rumores ou informações imprecisas

até tensões internas às organizações, passando por dificuldades técnicas e deficiências de

capital humano para fazer um uso eficiente dessa ferramenta” (SOMMA, 2015, p.139). O

autor apresenta três possíveis consequências do ativismo digital sobre as mobilizações de

ações coletivas, as decisões das elites políticas e os vínculos entre as próprias organizações,

além de traçar um panorama para o futuro dos países latino-americanos.

Primeiro, diversas experiências na região sugerem que a internet permitiu

mobilizar em pouco tempo quantidades consideráveis de pessoas em

manifestações públicas — incluindo no nível internacional e fora do nosso

continente. Segundo, são apresentados casos nos quais tais protestos,

promovidos sobretudo a partir das redes sociais, possivelmente exerceram

influência sobre autoridades públicas de diversas maneiras (...). Terceiro,

sugere-se que a internet também possa impactar o tipo de alianças entre

organizações dedicadas a causas comuns, favorecendo estruturas pouco

centralizadas e com alto grau de autonomia.

Olhando para o futuro, tudo indica que o ativismo digital latino-americano

seguirá se desenvolvendo. O ritmo em que isso ocorrerá irá depender de

vários fatores, entre eles a consolidação das democracias da internet a novos

grupos, e a melhoria das habilidades técnicas da população. Esta última

pode ocorrer tanto por melhoras na aprendizagem e familiaridade com

novas tecnologias, como pela mudança geracional, na qual as gerações mais

Page 66: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1805/2/Cleide Rodrigues.pdf · IMPEACHMENT DE DILMA ROUSSEFF NAS REDES SOCIAIS ON-LINE

65

velhas e distantes da internet são substituídas por novas gerações de

“nativos digitais” (SOMMA, 2015, p.139-140).

As reflexões trazidas por Somma mostram que os novos meios de comunicação e

recursos tecnológicos têm sido usados e incorporados à rotina da sociedade de forma ampla.

Assim o ativismo digital se manifesta para além dos movimentos sociais e populares. Os

estudos acerca das manifestações nos ambientes on-line – que estão interconectados com

ações no universo off-line – devem ser observados sob o prisma da sociedade civil. Assim

compartilhamos da concepção de Sorj (2015) sobre o tema sociedade civil.

Entendemos por sociedade civil o conjunto de ações (simbólicas,

organizacionais ou materiais) realizadas pelos cidadãos que intervêm no

espaço público com o objetivo principal de conservar/modificar/transformar

o sistema de valores que orientam o sistema legal e a forma pela qual o

Estado e a sociedade organizam e distribuem seus recursos. Essa definição,

como qualquer outra que se refere ao mundo social, é indicativa, uma vez

que a sociedade é um objeto fluido e as fronteiras entre seus subsistemas

são porosas (SORJ, 2015, p.36).

Notamos que as ações dos movimentos sociais e populares, e num cenário ainda mais

amplo que abarca a sociedade civil – reflexão que merece ser feita já que buscamos investigar

os perfis dos protagonistas e atores sociais das manifestações públicas do impeachment de

Dilma Rousseff no universo da esfera pública –, têm forte relação com questões culturais,

sociais e momento histórico.

Nos países latino-americanos, verificamos três ciclos históricos que influenciaram os

perfis e a participação dos atores sociais a partir dos anos de 1970 até a atualidade. Em

resumo: houve 1) a organização de grupos e movimentos sociais e populares em oposição aos

regimes militares do final da década de 70 e parte dos anos 80; 2) o surgimento de outras

formas de organização popular, mais institucionalizadas, em que as ONGs ganham papel de

destaque, sobretudo a partir dos anos de 1990; 3) e as mobilizações civis públicas que

ocorrem no âmbito do ciberespaço a partir da disseminação da internet no mundo.

Acreditamos que o debate sobre estes “novos movimentos” sequer começou. A

organização dos grupos e atores sociais nos ambientes on-line tem se mostrado tão dinâmica

quanto a evolução dos recursos tecnológicos dos meios de informação e comunicação. Os

impactos da “galáxia da internet” têm transformado a esfera pública nos âmbitos do sistema

político, da sociedade civil e do espaço público (MARTUCCELLI, 2015).

A fim de melhor compreendermos a dinâmica dos atores sociais brasileiros na

contemporaneidade, faz-se necessário apresentarmos, de forma breve, a trajetória dos

Page 67: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1805/2/Cleide Rodrigues.pdf · IMPEACHMENT DE DILMA ROUSSEFF NAS REDES SOCIAIS ON-LINE

66

movimentos sociais e populares no Brasil, tendo como referência o mesmo período histórico

abordado no espectro dos países latino-americanos.

2.1.2. Uma passagem sobre movimentos sociais e populares no Brasil: dos anos de

1970 à contemporaneidade

No Brasil, temos assistido a momentos diferenciados da participação dos movimentos

sociais e populares na esfera pública. Gohn (2010, p.20) observa que, se nos anos de 1970 e

1980, eles “contribuíram decisivamente, via demandas e pressões organizadas, para a

conquista de vários direitos sociais novos”, que se fizeram valer na Constituição brasileira de

1988, a partir de 1990 surgem outras formas de organização popular, mais institucionalizadas.

Entre estas, a autora cita Fóruns Nacionais de Luta pela Moradia, pela Reforma Urbana e

Fórum Nacional de Participação Popular.

Em outra obra, Gohn (2006, p.278-279) destaca em seus estudos sobre movimentos

sociais urbanos que os anos de 1980 foram marcados por um novo panorama na prática e na

teoria. Na prática, as lutas foram pelo acesso à terra e por sua posse, pela moradia; articulação

do movimento dos transportes, movimentos de favelados, movimentos de desempregados,

movimentos pela saúde. Ou seja, as demandas foram por melhoria das condições de

existência, de vida. Quanto aos estudos sobre movimentos sociais, “pesquisar a identidade dos

movimentos, ouvir suas falas, captar suas práticas cotidianas foram se tornando objetivos

centrais nas preocupações dos analistas”.

Ainda nos primeiros anos da década de 80, no plano da realidade brasileira,

novos tipos de movimentos foram criados, fruto da conjuntura político-

econômica da época. Foram movimentos que se diferenciaram tanto dos

movimentos sociais clássicos – dos quais o movimento operário é sempre

tido como exemplar – como também dos ‘novos’ movimentos sociais

surgidos nos anos 70, populares ou não populares. Foram os movimentos

dos desempregados e das Diretas Já, que se definiam como campo da

ausência do trabalho e na luta pela mudança do regime político brasileiro

(GOHN, 2004, p.285).

Mais mudanças ocorrem no campo das lutas sociais no Brasil na década de 1990. O

movimento popular rural cresce vertiginosamente no país. Criado em 1979 em Santa Catarina,

o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST) se transforma no maior movimento

popular do Brasil nos anos 90. Na mesma década, sugiram novos movimentos sociais

centrados em questões éticas ou de revalorização da vida humana. “A violência generalizada,

a corrupção, as várias modalidades de clientelismo e corporativismo, os escândalos na vida

política nacional, etc., levaram a reações no plano moral” (GOHN, 2006, p.304-305). Ela

Page 68: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1805/2/Cleide Rodrigues.pdf · IMPEACHMENT DE DILMA ROUSSEFF NAS REDES SOCIAIS ON-LINE

67

acrescenta que outras duas tendências se fortaleceram no cenário social nessa época, tendo

relação direta com os movimentos sociais: o crescimento das ONGs e as políticas de parcerias

implementadas pelo poder público local.

Estas tendências são faces complementares das novas ênfases das políticas

sociais contemporâneas, particularmente nos países industrializados do

Terceiro Mundo. Trata-se de novas orientações voltadas para a

desregulamentação do papel do Estado na economia, e na sociedade como

um todo, transferindo responsabilidades do Estado paras as ‘comunidades’

organizadas, com intermediação das ONGs, em trabalhos de parceria entre

o poder público estatal e o público não-estatal e, às vezes, também com a

iniciativa privada (GOHN, 2006, p.309-310).

Em outro de seus estudos, Gohn (2010, p.30) afirma que ao longo dos anos 90 os

movimentos sociais em geral, e os populares em especial, “passaram a atuar em rede e em

parceria com outros atores sociais”. Nesta nova fase, foram implementadas outras práticas,

exigindo maior qualificação dos militantes. Tem-se, então, uma redefinição de laços e

relações, tanto no âmbito urbano quanto na área rural.

O exercício de novas práticas trouxe também um conhecimento mais

aprofundado sobre a política estatal, sobre os governos e suas máquinas.

Demandas pela ética na política e uma nova concepção de esfera pública

foram os primeiros saltos dessa aprendizagem, seguidos de uma completa

rejeição pelos rumos das atuais políticas neoliberais, geradoras de

desemprego e exclusão social. As redes, as parcerias entre movimentos e as

ONGs criaram um novo movimento social: contra a globalização

predominante, geradora da miséria; eles clamam, articulados em redes

internacionais, pela defesa da vida com dignidade. O perfil do militante dos

movimentos sociais se alterou e as teorias estão a exigir de nós explicações

mais consistentes (GOHN, 2010, p.30-31).

Ainda segundo Gohn (2010), as lutas e as demandas dos movimentos sociais no início

do século 21, no Brasil, se desenvolvem a partir de dez eixos temáticos:

1) lutas e conquistas por condições de habitabilidade na cidade (...); 2)

mobilização e organização popular em torno de estruturas institucionais de

participação na estrutura político-administrativa da cidade (...); 3)

mobilizações e movimentos de recuperação de estruturas ambientais, físico-

espaciais, assim como de equipamentos e serviços coletivos (...); 4)

mobilizações e movimentos contra o desemprego; 5) movimentos de

solidariedade e apoio a programas com meninos e meninas nas ruas,

adolescentes que usam drogas, portadores de HIV e deficiências físicas; 6)

mobilizações e movimentos dos sem-terra (...); 7) movimentos étnico-

raciais (índios e negros); 8) movimentos envolvendo questões de gênero

(mulheres e homossexuais); 9) movimentos rurais pela terra, reforma

agrária e acesso ao crédito para assentamentos rurais; e 10) movimentos

contra as políticas neoliberais e os efeitos da globalização (...) (GOHN,

2010, p.31).

Page 69: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1805/2/Cleide Rodrigues.pdf · IMPEACHMENT DE DILMA ROUSSEFF NAS REDES SOCIAIS ON-LINE

68

Temas dessa ordem ganham força no contexto político-institucional brasileiro na

contemporaneidade. Esses processos sociais são afetados pelas novas formas de comunicação,

portanto, não podem ser dissociados do novo mundo virtual. Como sinalizou Sorj (2016,

p.12), “as transformações sociais (...) são anteriores ao surgimento da comunicação via

internet, que é influenciada por essas tendências preexistentes, ao mesmo tempo em que as

modifica”. Na análise sobre as manifestações públicas assistidas em 2016 a partir das ações de

grupos articulados e organizados nas redes sociais on-line no processo do impeachment temos

de considerar esse arcabouço. Os estudos teóricos desses elementos darão sustentação para a

análise empírica das fanpages dos grupos que selecionamos neste trabalho.

2.2. Participação e comunicação popular na era da internet

Na medida em que parte da sociedade passa a utilizar as ferramentas tecnológicas nos

processos comunicacionais para se manifestar sobre questões culturais, sociais e políticas em

seu cotidiano para promover o engajamento social, torna-se pertinente fazermos um breve

estudo sobre os conceitos de participação e comunicação popular a partir dos termos clássicos

até abordagens mais recentes vinculadas à era da internet. A proposta de revisitar o passado

tem o intuito de ampliar horizontes para conceber novas reflexões sem perder a essência e o

sentido dos conceitos de origem. Propomos, então, atualizar tais conceitos em consonância

com o contexto histórico da atualidade. Peruzzo (1998, p.147) analisa Kaplún que concebe

participação popular como um “processo longo e lento (...) e [que] pode levar muito tempo até

que um grupo chegue ao grau de maturidade e consciência crítica que lhe permita superar seus

conhecimentos culturais e dialógicos, tornando possível uma efetiva participação autônoma na

comunicação”. No âmbito da América Latina, a temática é destacada ainda por Peruzzo sob a

ótica de Utria (1969):

(...) a participação popular, em sentido amplo, no âmbito da América

Latina, começa com um lento e articulado processo de tomada de

consciência, pelo qual os indivíduos adquirem uma vivência real de sua

situação e de seu destino no universo social e político que os rodeia,

elaboram e definem uma imagem de seus autênticos interesses e os

contrastes, analiticamente, com a ordem social, política e econômica.

Através deste processo, o homem e a comunidade se descobrem a si

mesmos, se identificam com tudo aquilo que resulte compatível com sua

dignidade humana e propicie a sua realização e se rebelam contra tudo

aquilo que pode conspirar contra seus interesses e aspirações. Nessas

condições homem e comunidade estão potencialmente preparados para

iniciar o complexo processo de participação popular (PERUZZO, 1998,

p.146).

Page 70: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1805/2/Cleide Rodrigues.pdf · IMPEACHMENT DE DILMA ROUSSEFF NAS REDES SOCIAIS ON-LINE

69

O termo “participação” nos remete, então, a tornar-se parte de algo. Essa participação

pode acontecer de diversas maneiras desde um simples “assistir” a um efetivo “tomar parte

ativamente”, como sinaliza Peruzzo (1998). Para a autora há de se considerar ainda que a

concepção de “participação” pelos indivíduos não está dissociada da experiência histórica de

um povo. No Brasil e em países da América Latina, onde não há tradição nesse aspecto e se

predomina a falta de conscientização política e outros fatores, uma participação mais efetiva

da sociedade é algo difícil de ser conquistado. Isso porque, a participação “não é dada, é

criada. Não é dádiva, é reivindicação. Não é concessão, é sobrevivência. A participação

precisa ser construída, forçada, refeita e recriada”, diz Peruzzo (1998, p.75) com base na

concepção de Demo. A autora acrescenta ainda que “a participação da população nas decisões

(...) implica o exercício do poder em conjunto, de forma solidária, e compartilhada, com

participação-poder. (...) Não é concedida, mas conquistada, realizando-se tanto nas decisões

como na execução e nos resultados” (PERUZZO, 1998, p.77).

Pesquisador em comunicação e política, Gomes (2005) aborda a questão da

participação popular no contexto da democracia e participação civil na política. Ele aponta

formas de participação, cuja escala cresce em intensidade desde graus mais moderados de

reivindicações até posicionamentos mais radicais. Segundo ele, a participação moderada se

traduz no fortalecimento da presença da esfera civil na cena política. Este cenário abarca

diversas demandas, como debate público consistente, manifestações da vontade popular,

formas de organização popular não governamental e mobilização e formação da opinião

pública, entre outras. Um nível mais radical se faz presente nos modelos em que há a

intervenção da opinião e da vontade civil na decisão política no interior do Estado. Porém, em

ambos ele verifica que “a participação civil é compatível com a alternativa de democracia

representativa; o que há aqui de particular é apenas a reivindicação de que a autenticação civil

da esfera política não se atenha exclusivamente a mecanismos eleitorais” (GOMES, 2005,

p.217). Assim deve-se considerar também “o respeito pela disposição e opinião públicas”. No

terceiro grau de intensidade, ainda mais radical, ele apresenta o modelo de participação

popular na política em que “a esfera política é dispensada e as funções de decisão seriam

assumidas pela esfera civil, como ocorre no ideário da democracia direta”.

No que tange à inserção da internet no cotidiano da sociedade contemporânea, Gomes

(2005, p.217) concebe esta experiência como inspiração para “formas de participação política

protagonizada pela esfera civil e como demonstração de que há efetivamente formas e meios

para a participação popular na vida pública”. Ele ainda complementa:

Page 71: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1805/2/Cleide Rodrigues.pdf · IMPEACHMENT DE DILMA ROUSSEFF NAS REDES SOCIAIS ON-LINE

70

A introdução de uma nova infraestrutura tecnológica, entretanto, faz

ressurgir fortemente as esperanças de modelos alternativos de democracia,

que implementem uma terceira via entre a democracia representativa, que

retira do povo a decisão política, e a democracia direta, que a quer

inteiramente consignada ao cidadão. Estes modelos giram ao redor da ideia

de democracia participativa e, nos últimos dez anos, na forma da

democracia deliberativa, para a qual a internet é, decididamente, uma

inspiração (GOMES, 2005, p.218).

De modo geral, os autores estudados compartilham de uma opinião comum de que

participação popular é muito mais que ser um mero espectador dos assuntos da vida pública e

política. É interagir, agir, envolver-se, fazer parte por completo, reivindicar com

conhecimento de causa, é propor mudanças pelo bem comum, pela coletividade. Nesse

sentido, como apontou Gomes, as ferramentas tecnológicas são inspiradoras. Entretanto, é

preciso fazer bom e adequado uso dos novos meios de informação e comunicação e dos

ambientes digitais on-line disponibilizados com a difusão da internet.

Para refletirmos que tipo de comunicação foi disseminado pelos grupos aqui estudados

no processo de impeachment de Dilma Rousseff a partir do uso das tecnologias digitais nas

redes sociais on-line, acreditamos que seja pertinente abrirmos espaço para a discussão sobre

o conceito de comunicação popular, alternativa e comunitária. Sua origem se deu nos anos de

1970 e 1980 a partir de movimentos populares no Brasil e na América Latina e “não se

caracteriza como um tipo de comunicação qualquer, mas como um processo de comunicação

que emerge da ação dos grupos populares” (PERUZZO, 2009a, p. 47). A autora conceitua o

que vem a ser este tipo de “comunicação”:

(...) a comunicação popular, alternativa e comunitária se caracteriza como

expressão das lutas populares por melhores condições de vida, que ocorrem

a partir dos movimentos populares e representam um espaço para

participação democrática do “povo”. Possui conteúdo crítico-emancipador e

reivindicativo e tem o “povo” como protagonista principal, o que a torna um

processo democrático e educativo. É um instrumento político das classes

subalternas para externar sua concepção de mundo, seu anseio e

compromisso na construção de uma sociedade igualitária e socialmente

justa (PERUZZO, 2009a, p.49).

Segundo Peruzzo (2009a, p.56), a comunicação comunitária, popular, alternativa ou

participativa tem como base os princípios públicos e “engloba os meios tecnológicos e outras

modalidades de canais de expressão sob controle de associações comunitárias, movimentos e

organizações sociais sem fins lucrativos”. Neste processo, “realiza-se o direito de comunicar

ao garantir o acesso aos canais de comunicação”. Trata-se, então, “não apenas do direito do

cidadão à informação, enquanto receptor (...), mas também do direito ao acesso aos meios de

Page 72: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1805/2/Cleide Rodrigues.pdf · IMPEACHMENT DE DILMA ROUSSEFF NAS REDES SOCIAIS ON-LINE

71

comunicação na condição de produtor e difusor de conteúdos”. Ela observa ainda que esses

processos têm maior visibilidade em duas situações: quando os desafios estão relacionados à

apropriação de instrumentos de comunicação dirigida, pequenos jornais, panfletos, cartazes,

faixas, troças carnavalescas, peças de teatro, slides, alto-falantes, TV de rua, etc. E, em outra

condição, quando há o empoderamento social das tecnologias de comunicação, que passa pelo

videocassete, alto-falante, rádio em frequência modulada, televisão comunitária no sistema a

cabo, e mais adiante, sites, blogs, fotologs e listas de discussão na internet. A autora faz ainda

uma interligação entre comunicação e a participação popular:

Empoderamento, de empowerment, em inglês, quer dizer participação

popular ativa com poder de controle e de decisão nos processos sociais

(políticas públicas relacionadas à educação, saúde, comunicação, transporte,

questões de gênero, geração de renda), e como tal, também, a apropriação

de meios de comunicação. O desafio atual é justamente avançar no

empoderamento qualitativo e amplo das novas tecnologias de comunicação,

ao mesmo tempo em que as antigas modalidades comunicativas continuam

tendo seu lugar (PERUZZO, 2009a, p.57).

Nesta concepção, a abordagem de comunicação popular está atrelada à possibilidade

da sociedade civil, sobretudo por meio de grupos e movimentos sociais, criar espaço para a

disseminação de conteúdos que venham a promover a melhoria e o desenvolvimento das

condições sociais e de vida. Esclarecemos ainda que este tipo de comunicação foi concebido

para nutrir a sociedade de informações e assuntos comumente não abordados pelos meios de

comunicação tradicionais. Assim “estamos falando, pois, de uma comunicação que se vincula

aos movimentos populares e outras formas de organização de segmentos populacionais

mobilizados e articulados e que tem por finalidade contribuir para a mudança social e a

ampliação dos direitos de cidadania” (PERUZZO, 2009b, p.134).

No âmbito de nosso estudo, se entendermos que os grupos das redes sociais on-line do

processo do impeachment da presidente da República em 2016 como “movimentos sociais ou

populares” conceberemos assim suas fanpages como um canal de comunicação “alternativo”

para externar as demandas não contempladas pelos veículos de comunicação tradicional. No

entanto, como também já sinalizamos e exemplificamos, há diversos elementos a serem

observados nesta análise para que possamos classificar ou não tais grupos como movimentos

sociais ou populares. Estes podem ser ainda apenas uma parcela da sociedade civil que, num

momento específico da história política do Brasil, utilizou os novos meios de comunicação e

recursos tecnológicos da atualidade para promover o ativismo digital e intervir no espaço

público. Ou seja, a reflexão que trazemos é que as manifestações públicas articuladas a partir

Page 73: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1805/2/Cleide Rodrigues.pdf · IMPEACHMENT DE DILMA ROUSSEFF NAS REDES SOCIAIS ON-LINE

72

das redes sociais on-line por grupos da sociedade civil, os quais ganharam significativa

visibilidade na esfera pública, não necessariamente se enquadram no escopo de movimentos

sociais ou populares. Independentemente desta classificação, o fato é que as ações e

atividades nos ambientes on-line organizadas por eles tiveram relevância no contexto

histórico e institucional do país. Daí nosso interesse por ampliar o conhecimento acerca do

papel desses atores sociais.

2.3. Os grupos nas redes sociais on-line no impeachment de Dilma Rousseff

O ativismo a favor e contra o processo de impeachment de Dilma Rousseff em 2016

foi intenso nas redes sociais virtuais on-line, apesar do movimento pela saída da presidente ter

começado a ser desenhar muito antes – abordagens sobre o governo Dilma e as manifestações

públicas serão tratadas no terceiro capítulo. Parte da sociedade utilizou os ambientes on-line

para externar suas impressões e opiniões quanto ao momento histórico e político do Brasil.

Houve manifestações públicas de diferentes modos nas redes sociais: do cidadão que usou

individualmente seu perfil nos ambientes virtuais para se posicionar àquele que se tornou

seguidor de grupos ou comunidades virtuais que comungavam de seu ponto de vista para

interagir ou compartilhar de suas ideias, entre outros exemplos.

Dentro do contexto mencionado, delimitamos nossa pesquisa e selecionamos quatro

grupos com forte representatividade na articulação das manifestações públicas e com

considerável número de seguidores em suas fanpages e os dividimos igualmente em dois

grupos. O Movimento Brasil Livre (MBL) e Vem pra Rua se posicionaram a favor do

impeachment, enquanto as Frentes Brasil Popular (FBP) e Povo Sem Medo, contra o

processo. A proposta é traçar os perfis dos grupos selecionados para saber quem são esses

atores sociais dentro desta nova sociedade em rede.

Os dados foram extraídos dos canais de comunicação on-line dos grupos, como sites e

redes sociais (Facebook, Instagram, Twitter, Youtube, Issuu), além de notícias da imprensa.

No quadro a seguir, organizamos uma síntese dos canais de comunicação nas plataformas

digitais dos quatro grupos. O objetivo foi apresentar um panorama das ferramentas

tecnológicas e dos meios de comunicação on-line utilizados por eles para informar e

disseminar suas atividades em prol do engajamento e da participação social. Nota-se que o

Facebook é o único canal de comunicação nas redes sociais comum a todos, um dos motivos

que nos levou a analisar mais a fundo esse meio de comunicação tão popular em tempos de

internet, entre outros já abordados aqui.

Page 74: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1805/2/Cleide Rodrigues.pdf · IMPEACHMENT DE DILMA ROUSSEFF NAS REDES SOCIAIS ON-LINE

73

QUADRO 2 – Mapa dos grupos nos ambientes on-line

(Sites e redes sociais)

Pró-impeachment Contra o impeachment

MBL VEM PRA RUA FRENTE BRASIL

POPULAR

FRENTE POVO SEM

MEDO

Site: mbl.org.br Site: vemprarua.net Site:

frentebrasilpopular.org.br

Site: povosemmedo.org

Facebook:

@mblivre

2.607.671 curtidas

2.668.944 seguidores

Facebook: @vemprarua.net

1.705.239 curtidas

1.687.090 seguidores

Facebook:

@FrenteBrasilPopular

155.466 curtidas

156.548 seguidores

Facebook: @povosemmedonacional

142.996 curtidas

143.918 seguidores

Twitter: twitter.com/MBLivre

112.197 seguidores

564 seguindo

13.489 tweets

400 curtidas

Twitter: @VemPraRua_br

80.952 seguidores

458 seguindo

12.412 tweets

177 curtidas

Twitter: @frentebrasilpop

8.537 seguidores

156 seguindo

2.609 tweets

244 curtidas

____

Instagram:

@mblivre

1.473 publicações

128 mil seguidores

76 seguindo

Instagram: vemprarua_br

4.212 publicações

81 mil seguidores

573 seguindo

____ ____

Youtube

219.131 inscritos

____ Youtube

253 inscritos

____

Issuu

____

Issuu

____ Issuu

issuu.com/brasilpopular

14 publicações

6 seguidores

Issuu

https://issuu.com/povosem

medo

2 publicações

5 seguidores

Fonte: Dados coletados pela autora nas plataformas digitais dos grupos (atualização em 25 fev. 2018).

2.3.1. MBL: protestos pelo impeachment, captação de recursos e escalada política

O Movimento Brasil Livre, popularmente conhecido pela sigla MBL, se intitula uma

“entidade que visa mobilizar cidadãos em favor de uma sociedade mais livre, justa e próspera.

Defendemos a Democracia, a República, a Liberdade de Expressão e de Imprensa, o Livre

Mercado, a Redução do Estado, Redução da Burocracia”2. Está presente nas redes sociais on-

line deste o final de 2014, sobretudo no Facebook desde 1º de novembro de 2014. Mantém

diversos canais de comunicação em plataformas digitais – site, Twitter, Instagram e Youtube

– sendo o Facebook o que detém maior número de seguidores: mais de 2,6 milhões de pessoas

acompanham o grupo nas redes sociais3.

2 Ver mais @mblivre e http://mbl.org.br/.

3 Atualizado em 25 de fevereiro de 2018.

Page 75: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1805/2/Cleide Rodrigues.pdf · IMPEACHMENT DE DILMA ROUSSEFF NAS REDES SOCIAIS ON-LINE

74

Embora tenha forte presença nas novas mídias digitais, o grupo disponibiliza poucas

informações institucionais nas redes de relacionamento. Promove, anualmente, congressos

para discussão de temas diversos com a sociedade, como educação, saúde, sustentabilidade,

reforma política, economia, justiça e transporte e urbanismo. Para financiar suas atividades, o

MBL busca levantar recursos por meio da venda de produtos nas redes sociais e contribuições

de membros do grupo também angariadas pela internet.

Contudo, ao que parece o grupo, que ganhou notoriedade no período do processo de

impeachment de Dilma Rousseff, se articula com outras esferas públicas para financiar suas

ações. Durante a campanha anti-Dilma, foi citado na grande imprensa pelo recebimento de

apoio financeiro de partidos políticos para a impressão de panfletos e uso de carros de som,

em manifestações pelo impeachment, no evento de 13 de março de 2015.

O MBL (Movimento Brasil Livre), entidade civil criada em 2014 para

combater a corrupção e lutar pelo impeachment da presidente Dilma

Rousseff (PT), recebeu apoio financeiro, como impressão de panfletos e uso

de carros de som, de partido políticos como o PMDB e o Solidariedade.

Quando fundado, o movimento se definia como apartidário e sem ligações

financeiras com siglas políticas. Em suas páginas em redes sociais, fazia

campanhas pertinentes para receber ajuda financeira das pessoas, sem

ligação com partidos. (...) Em nota enviada ao UOL, Renan Santos

confirmou a autenticidade do áudio e informou que o comitê do

impeachment contava com lideranças de vários partidos, entre eles, DEM,

PSDB, SD e PMDB (LOPES; SEGALLA, ..., 2016, 27 maio).

Ao que tudo indica as negociações do grupo para a captação de recursos com outras

esferas da sociedade é uma prática recorrente. Segundo a Revista Piauí, mais recentemente

teria sido criado um grupo de WhatsApp chamado “MBL – Mercado” que “serviria como

interface entre o movimento e executivos de médio e alto escalão do mercado financeiro –

pelo menos 158 funcionários de instituições como Banco Safra, XP Investimentos e Merrill

Lynch” com o objetivo inicial de “levantar dinheiro para financiar o MBL e levar as pautas

dos executivos às discussões públicas e aos encontros a portas fechadas que os membros do

MBL teriam com políticos e lideranças nacionais” (ABBUD, ...., 2018, 03 out.).

O envolvimento com assuntos da política também parece ter ido além das demandas

apontadas nas manifestações públicas do impeachment. Nas eleições municipais de 2016, 45

integrantes do MBL se candidataram a pleitos em diversas localidades do país, sendo a

maioria filiada ao PSDB e DEM (Democratas). Oito foram eleitos, entre eles, Fernando

Holiday, que assumiu uma cadeira na Câmara de São Paulo. Um dos líderes do MBL, ele

concorreu ao pleito pelo DEM e obteve mais de 48 mil votos (MBL..., 2016, 03 out.).

Page 76: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1805/2/Cleide Rodrigues.pdf · IMPEACHMENT DE DILMA ROUSSEFF NAS REDES SOCIAIS ON-LINE

75

As principais lideranças do MBL são Kim Kataguiri, Fernando Holiday e Renan

Santos. Embora o grupo atue no mundo off-line, sobretudo nas manifestações pelo

impeachment em 2016 e articulações com outras esferas da sociedade, não registramos sede

física (endereço) ou ata de fundação da “entidade”. O único endereço localizado no site – rua

da União, 137, Vila Mariana, São Paulo – é o do “Movimento Renovação Liberal” na página

de contribuições do portal, cujo CNPJ é 22.779.685/0001-59. Ao que parece o MRL é a

instituição que recebe os recursos destinados ao MBL, conforme aponta trecho de reportagem

na imprensa.

Todos os recursos que recebe por meio de doações, vendas de produtos e

filiações são destinados a uma "associação privada" — como consta no site

da Receita Federal —, chamada Movimento Renovação Liberal (MRL),

registrada em nome de quatro pessoas, sendo três delas irmãos de uma

mesma família: Alexandre, Stephanie e Renan Santos. Este último é um dos

coordenadores nacionais do MBL e um dos rostos mais conhecidos do

grupo. (...) Três membros desta mesma família, além de uma quarta pessoa,

aparecem como únicos associados da Renovação Liberal, a entidade privada

"sem fins econômicos e lucrativos" que recebe o dinheiro do MBL. Seu

estatuto, registrado em cartório em julho de 2014, diz que se trata de uma

Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP). De acordo

com a legislação brasileira, doadores de uma OSCIP podem descontar do

Imposto de Renda as colaborações feitas a uma entidade como o MRL

(RENOVAÇÃO..., 2017, 29 set.).

Não convém nos alongarmos nos detalhes da relação entre o MBL e MRL por não ser

o foco desta pesquisa. As explicações apresentadas acerca do grupo tiveram tão somente o

objetivo de tentar definir o enquadramento deste “ator” do impeachment de Dilma Rousseff

na ocasião das manifestações de 2016. Analisaremos a seguir os três grupos restantes para, ao

final deste capítulo, apresentarmos nossas considerações quanto aos seus perfis no contexto

dos novos movimentos na era digital em paralelo aos conceitos sobre movimentos sociais e

populares e formas de participação e comunicação popular já mencionados neste capítulo.

2.3.2. Vem pra Rua: visibilidade no impeachment e abertura de caminho na política

O Vem pra Rua, que também ganhou visibilidade no processo de impeachment de

Dilma, iniciou suas atividades no final de 2014. A entidade se propõe a atuar contra a situação

econômica, política e social do país e defende que o caminho para um Brasil democrático e

justo é o combate à corrupção, erguer a bandeira da ética na política e defender um estado

capaz de servir a sociedade4. Na internet e redes sociais, o grupo se apresenta como “um

movimento suprapartidário, democrático e plural que surgiu da organização espontânea da

4 Ver mais @vemprarua.net e http://vemprarua.net /.

Page 77: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1805/2/Cleide Rodrigues.pdf · IMPEACHMENT DE DILMA ROUSSEFF NAS REDES SOCIAIS ON-LINE

76

sociedade civil para lutar por um Brasil melhor” (SOBRE..., s.d.). Afirma ainda que suas

principais bandeiras são “a democracia, a ética na política e um estado eficiente e desinchado”

(SOBRE..., s.d.). Além do site, o Vem pra Rua tem três canais de relacionamento com a

sociedade: Instagram, Twitter e Facebook. Esta última rede social agrega quase 1,7 milhão de

seguidores5. Para o grupo, há várias formas da sociedade se opor ao status quo, sendo as redes

sociais também um dos caminhos de “ir às ruas”.

O Vem pra Rua já levou mais de 2 milhões de pessoas às ruas de todo o

Brasil nas manifestações de 2015. Em parceria com diversos outros

movimentos sociais, engajamos a sociedade civil brasileira e mobilizamos

as pessoas para participarem de grandes manifestações e passeatas em mais

de 240 cidades brasileiras (...). Contudo, não é só nas passeatas e nas

manifestações que se “vai à rua”: podemos mobilizar nossos amigos e

conhecidos nas redes sociais, podemos nos organizar para cobrar de

políticos e de funcionários do Estado brasileiro, podemos nos engajar na

tarefa de cobrar de nossos representantes – nas câmaras municipais, nas

assembleias legislativas, no congresso federal – para que sejam honestos,

transparentes e eficazes na defesa dos interesses de nosso país. A rua não é

só a manifestação: é onde acontece a sociedade brasileira (SOBRE..., s.d.).

O posicionamento do Vem pra Rua, e até mesmo dos outros três grupos selecionados

para análise nesta dissertação, reforça a característica de mobilização social de novos grupos

que emergem na sociedade contemporânea. Trata-se do ativismo digital, assunto abordado a

partir de estudos e pontos de vista de vários pesquisadores mencionados neste trabalho. O

grupo utiliza ainda o aplicativo de mensagens instantâneas disponível para diversas

plataformas de smartphones, o popular WhatsApp, como ferramenta de comunicação e

engajamento de voluntários interessados em “colaborar” com as ações da entidade.

Para o grupo, “uma das formas de colaborar com o movimento é a doação de tempo,

que será aplicado em tarefas realizadas pelo grupo: envios de mensagens, disparos de

WhatsApp e preparação das saídas às ruas, entre outras atividades” (JUNTE-SE...,s.d.). As

contribuições financeiras são recebidas pela internet por meio do sistema PayPal, que permite

a qualquer cidadão fazer transferência de dinheiro on-line. Os recursos são destinados à ONG

Abraça, “parceira do Vem pra Rua, sem fins lucrativos, que faz a gestão dos valores doados”.

Ainda de acordo com o grupo, “os valores recebidos nas doações serão investidos na

produção e administração de conteúdo do site e das mídias sociais, no relacionamento com a

mídia, nas ferramentas de controle e pesquisa e nas manifestações e atos que acontecem em

5 Atualizado em 25 de fevereiro de 2018.

Page 78: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1805/2/Cleide Rodrigues.pdf · IMPEACHMENT DE DILMA ROUSSEFF NAS REDES SOCIAIS ON-LINE

77

todo o Brasil” (FAÇA..., s.d.). As principais lideranças são Rogério Chequer6 e Colin

Butterfield, que, inclusive, assinam juntos o livro que relata a história do grupo.

Ganhar visibilidade por meio das redes sociais a partir do discurso contra o sistema –

na ocasião o governo Dilma Rousseff – para depois lançar-se na vida política, ao que parece,

faz parte da cartilha de líderes e integrantes dos grupos que se articularam nas redes sociais

on-line estudados nesta dissertação. Nas eleições municipais de 2016, houve membros do

Vem pra Rua que concorreram a cargos políticos.

Em entrevista à BBC Brasil, Chequer disse naquela época que não haveria propaganda

para os candidatos e que essas pessoas teriam de se desligar do “movimento” para se

candidatar. “O nosso objetivo é que não exista a tentação de usar um movimento

suprapartidário para fazer campanha política. Queremos nos manter isentos para exercer

pressão política em todos os partidos sem limitações” (DAS RUAS..., 2016, 27 set.).

Dias antes, os líderes do Vem pra Rua, apresentavam um discurso mais flexível no que

diz respeito à isenção para exercer pressão política. Ao deixar uma dedicatória escrita a

próprio punho ao presidente Michel Temer em um exemplar do livro de sua autoria, Chequer

se posiciona da seguinte forma: “Presidente, esperamos que tenhamos muitos projetos

alinhados daqui para frente” (REVERBEL,..., 2016, 20 set.). Já Colin Butterfield escreveu:

“Presidente, vamos mudar esse país. Conte conosco onde pudermos ajudar. Precisamos

escancarar, desmontar e reconstruir” (REVERBEL,..., 2016, 20 set.).

Não foram encontrados nos materiais analisados informações quanto ao estatuto e ao

endereço da sede do grupo, embora tenhamos observado que as articulações com a sociedade

civil ocorrem nos ambientes on-line e off-line para além das manifestações civis públicas. Nas

redes sociais, o Vem pra Rua busca instigar “todos os brasileiros” a se manifestarem contra o

governo, a falta de ética, políticos corruptos por meio de grandes manifestações, no entanto,

as críticas ao sistema no pareceu serem direcionadas. Notamos que o grupo se apropria dos

recursos tecnológicos e das facilidades permitidas a partir da disseminação da internet para

chamar a sociedade para atuar também no mundo off-line, o que reforça a necessidade de

concebermos estas atividades, de fato, como “subsistemas interconectados” (SORJ, 2015).

Além disso, suas ações têm como foco críticas ao sistema político, do qual quer fazer parte.

6 Rogério Chequer é uma das principais lideranças do Vem pra Rua. Em 2016, lançou o livro “Vem pra Rua: a

história do movimento popular que mobilizou o Brasil” (Matrix, p.292), com Colin Butterfiel, cofundador do

grupo. Em dezembro de 2017, pediu afastamento da entidade para concorrer ao governo do Estado de Paulo,

pelo Partido Novo, nas eleições de 2018.

Page 79: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1805/2/Cleide Rodrigues.pdf · IMPEACHMENT DE DILMA ROUSSEFF NAS REDES SOCIAIS ON-LINE

78

2.3.3. Frente Brasil Popular: contra o impeachment, agremiação de movimentos

sociais e defesa política e ideológica de esquerda

A criação da Frente Brasil Popular7 foi oficializada em 5 de setembro de 2015, após a

Conferência Nacional Popular, realizada em Belo Horizonte (MG), em evento que contou

com a participação de mais de 2.600 militantes, de 66 movimentos populares e organizações

políticas do país. Conhecido por FBP, o grupo se propõe a atuar "em defesa da democracia e

por uma nova política econômica" e apresenta-se como “uma aliança popular que aglutina

(diferente de apenas representar) todas as formas do povo se organizar” (FRENTE..., 2015,

s.d.). Está presente no Facebook desde agosto de 2015, e registra 156 mil seguidores8. Outros

canais de comunicação e relacionamento são o portal, Twitter, Youtube e Issuu.

Sua base de representação na sociedade é composta por partidos políticos, sindicatos,

centrais sindicais, movimentos populares, sociais, pastorais de igrejas, movimentos de

mulheres, jovens, negros, povos indígenas, movimentos culturais, de comunicação social,

intelectuais, artistas e outros. Entre eles estão: Central Única dos Trabalhadores (CUT),

Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB), Movimento dos Trabalhadores

Rurais sem Terra (MST), Via Campesina, Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA),

Movimento de Mulheres Camponesas (MMC), Movimento dos Atingidos por Barragens

(MAB), Movimento Nacional pela Soberania Popular Frente à Mineração (MAM),

Movimento Camponês Popular (MCP), Federação Única dos Petroleiros (FUP),

Confederação Nacional de Entidades Negras (Conen), União Nacional dos Estudantes (UNE),

Levante Popular da Juventude, Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação

(FNDC), Consulta Popular, Marcha Mundial das Mulheres, Rede de Médicas/os Populares,

Associação de Juízes pela Democracia, Rede Nacional de Advogados Populares (Renap),

Sindicato dos Engenheiros do Estado – RJ (Senge-Rio), Central de Movimentos Populares

(CMP), além de parlamentares e dirigentes de diversos partidos e correntes partidárias, como

o PT, o PCdoB, o PSB e o PDT.

O grupo tem uma “Plataforma Política”, composta por seis pontos originários de “um

denominador mínimo comum de todos os movimentos, partidos, organizações e indivíduos

que integram a Frente Brasil Popular” (FRENTE..., 2015, s.d.). Os dois primeiros têm como

foco sua base social: “trabalhadores e trabalhadoras, a ampla maioria do povo brasileiro”. Os

dois seguintes mostram que a FBP concebe os temas do Estado e da Nação a partir de “uma

democracia popular, base da soberania nacional”. Os dois últimos consideram as mudanças

7 Ver mais em http://frentebrasilpopular.org.br e @FrenteBrasilPopular.

8 Atualizado em 25 de fevereiro de 2018.

Page 80: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1805/2/Cleide Rodrigues.pdf · IMPEACHMENT DE DILMA ROUSSEFF NAS REDES SOCIAIS ON-LINE

79

estruturais mínimas indispensáveis a serem realizadas: “reformas que afetem a distribuição de

propriedade, da renda e do poder, resultando em transformações cujo êxito depende de sua

integração com a região latino-americana e caribenha”. Na cartilha que norteia suas principais

diretrizes, a FBP evidencia a necessidade de ser vista como um “movimento”, cuja estrutura

organizativa leva em conta as especificidades dos movimentos sociais existentes.

A FBP precisa ser construída no espírito de movimento. O caráter da

Frente, seus objetivos, seus programas, mas principalmente suas ações e sua

inserção nas lutas sociais concretas, é que determinarão a melhor forma de

estrutura organizativa. Assim, devemos priorizar as iniciativas capazes de

mobilizar e construir unidade de ação. E, a sua capilaridade também deve

ser pensada em função dos planos de lutas sociais concretas.

A estrutura organizativa da FBP deve levar em conta as especificidades e a

diversidade dos movimentos sociais já existentes, das lutas e campanhas em

curso, dialogar com essa realidade, prestar atenção para as novas formas

organizativas, os coletivos e redes sociais já existentes, sobretudo em nível

estadual. A FBP se propõe a ajudar nestas lutas e nas organizações já

existentes (FRENTE..., 2015, s.d.).

Em outra publicação – o Jornal Frente Brasil Popular9 – de edição especial e única, a

Frente declara publicamente sua linha política e ideológica ao afirmar que “representa, acima

de tudo, uma tentativa da esquerda responder, da forma mais unitária possível, à ofensiva

conservadora em curso” (EM DEFESA..., s.d.). Também se posiciona com relação ao governo

Dilma Rousseff, ao grupo de oposição e, subliminarmente, ao processo de impeachment:

Não se trata de uma aliança de apoio ao governo da presidente Dilma

Rousseff, ainda que um de seus compromissos seja a defesa da legalidade

democrática e do mandato sacramentado pelas urnas. A outra linha de

atuação da FBP é o combate à política econômica adotada pelo governo

depois da reeleição: o chamado ajuste fiscal. A Frente luta simultaneamente

contra o golpismo, representado pelos setores mais conservadores, e contra

o sequestro da agenda governamental pelos interesses do capital financeiro.

Sem propósitos eleitorais, a Frente é um instrumento de mobilização aberta

a todas as correntes democráticas e de esquerda (EM DEFESA..., s.d).

Na cartilha da FBP há uma descrição sobre a estrutura organizativa do grupo que

contempla âmbitos nacional, estadual e municipal em instâncias políticas denominadas de

coletivos, plenárias e conferências. Pelas diretrizes, está previsto que os coletivos funcionem

como instâncias amplas, compostas por representante de entidades, movimentos, sindicatos e

partidos aderentes ao Programa Mínimo da FBP. As plenárias são instâncias de mobilização,

agitação, formação e organização de atividades de massa, e poderão eventualmente referendar

9 O Jornal Frente Brasil Popular - Ano 1 - Edição Especial foi uma publicação única da FBP. Ao que parece, sua

veiculação, que não é datada, se deu para reforçar a divulgação da criação do “movimento”, ocorrida em 5

setembro de 2015. O conteúdo está disponível no portal http://frentebrasilpopular.org.br, na aba “publicações”.

Page 81: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1805/2/Cleide Rodrigues.pdf · IMPEACHMENT DE DILMA ROUSSEFF NAS REDES SOCIAIS ON-LINE

80

ou modificar propostas e sugestões de atividades, campanhas e ações estratégicas aprovadas

nos coletivos. As conferências foram concebidas como espaços de estudos e aprofundamento

dos problemas que afetam o povo brasileiro; de análises e debates estratégicos sobre a política

brasileira; e, de construção de mobilizações e unidade popular. O documento dá conta de

nortear outras ações da organização, que relatamos por serem pertinentes à nossa pesquisa:

Tarefas específicas, como comunicação, divulgação, produção de

eventos/cultura, articulação parlamentar e demais aspectos organizativos

serão executados em parceria com entidades, movimentos, sindicatos e

partidos da FBP. Futuramente, caso isto se mostre necessário e viável, a

FBP poderá criar, no âmbito das secretarias operativas, estruturas

específicas e permanentes para dar conta dessas tarefas.

Nos municípios, bairros e regiões das grandes cidades, a FBP deverá

incentivar a realização de atividades unitárias, populares e abertas à

participação de qualquer cidadão interessado, para debater os problemas

nacionais e um programa de alternativas que atenda os interesses do povo.

Estas atividades de base poderão ser organizadas nas categorias

profissionais, em universidades/escolas, empresas/local de trabalho,

setoriais de atuação nos movimentos, ou outras formas de organização não

prevista (EM DEFESA..., s.d).

Pelo exposto, notamos que a Frente Brasil Popular segue uma linha de atuação que

muito se aproxima da definição de “movimentos sociais e populares”, sobretudo por agregar

diversas frentes originárias dessas bases de atores sociais. Ao que parece o espaço físico

utilizado pelo grupo é a sede nacional da Central Única dos Trabalhadores – rua Caetano

Pinto, nº 575, Brás, São Paulo (SP) – uma das entidades parceiras da Frente. Embora

disponibilize documentos e materiais sobre a história, formação e constituição do grupo, e até

mesmo conteúdos que espelham as ações de comunicação nos atos contra o impeachment de

Dilma, nas redes sociais, não observamos elementos que tratem de recursos financeiros para

manutenção e desenvolvimento das atividades do “movimento”. Nos meios de comunicação

digitais analisados não verificamos “pedidos” de contribuição e doações ao grupo. Notamos

ainda que houve parceria nas atividades desenvolvidas no processo de impeachment do grupo

com a frente Povo Sem Medo, cujo perfil e atuação serão delineados a seguir.

2.3.4. Frente Povo Sem Medo: contra o impeachment, nasce “sem” ligação com

legenda política, e se transforma em frente de esquerda alternativa ao PT

A organização Povo Sem Medo se intitula “uma frente que reúne diversos movimentos

sociais, lutadoras e lutadores, de todo o Brasil. Foi fundada em outubro de 2015 com o

objetivo de lutar contra as medidas de ajuste fiscal, o avanço conservador no país, e propor

uma agenda de reformas populares” (VAMOS..., 2017, s.d.). O documento informa ainda que

Page 82: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1805/2/Cleide Rodrigues.pdf · IMPEACHMENT DE DILMA ROUSSEFF NAS REDES SOCIAIS ON-LINE

81

“teve atuação importante nas lutas contra o golpe e contra os retrocessos sociais do governo

Temer”, o que evidencia sua crítica ao processo de impeachment de Dilma Rousseff.

Na ocasião de seu lançamento, “desconectada, ao menos oficialmente, de partidos

políticos, [a frente] adota um discurso de ‘recuperar as ruas’, que, para eles, foram tomadas

por manifestações de caráter conservador desde os atos pós-junho de 2013” (BEDINELLI,

08.out2015). Em carta convocatória de lançamento publicada no Facebook, a organização se

posiciona da seguinte forma “contra o ajuste fiscal e o conservadorismo”:

O “ajuste fiscal” do governo federal diminui investimentos sociais e ataca

direitos dos trabalhadores. Os cortes na educação pública, o arrocho no

salário dos servidores, a suspensão dos concursos são parte dessa política.

Ao mesmo tempo, medidas presentes na Agenda Brasil como aumento da

idade de aposentadoria e ataques aos de direitos e à regulação ambiental

também representam enormes retrocessos. Enquanto isso, o 1% dos ricos

não foi chamado à responsabilidade. Suas riquezas e seus patrimônios

seguem sem nenhuma taxação progressiva (...).

Ao mesmo tempo, os setores mais conservadores atacam impondo uma

pauta antipopular, antidemocrática e intolerante, especialmente no

Congresso Nacional. Medidas como a contrarreforma política, redução da

maioridade penal, a ampliação das terceirizações, as tentativas de

privatização da Petrobras e a lei antiterrorismo expressam este processo.

No momento político e econômico que o país tem vivido se torna urgente a

necessidade de o povo intensificar a mobilização nas ruas, avenidas e praças

contra esta ofensiva conservadora, o ajuste fiscal antipopular e defendendo

uma saída que não onere os mais pobres (CARTA..., s.d).

No mesmo informe, o grupo se propõe a atuar “contra a ofensiva conservadora e as

saídas à direita para a crise” e “contra as políticas de austeridade aplicadas pelo governo, em

nome de ajustar as contas públicas”, e defende “que a crise seja combatida com taxação de

grandes fortunas, lucros e dividendos, auditoria da dívida e suspensão dos compromissos com

os banqueiros”. A sociedade é instigada a sair para ruas, em prol de reformas populares e pela

defesa da “democratização do sistema político, do judiciário e das comunicações e reformas

estruturais, como a tributária, a urbana e a agrária”. Esse chamamento mostra que as ações do

grupo ocorrem nos ambientes virtuais e off-line, havendo conexão entre ambos.

A organização tem página na internet, está presente no Facebook – com

aproximadamente 144 mil seguidores10

– desde outubro de 2015, e disponibiliza conteúdo

pelo serviço on-line Issuu. Foram encontrados poucos documentos oficiais que dão conta da

atuação da frente nos ambientes on-line e off-line. Não registramos informações de onde

provêm os recursos para custeio das ações articuladas pelo grupo nos canais e redes de

relacionamento sociais, tão pouco se há uma sede (endereço fixo) utilizada para encontros

10

Atualizado em 25 de fevereiro de 2018.

Page 83: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1805/2/Cleide Rodrigues.pdf · IMPEACHMENT DE DILMA ROUSSEFF NAS REDES SOCIAIS ON-LINE

82

presenciais. As atividades parecem ser geridas por entidades integradas e parceiras da frente,

de modo que cada uma desenvolve o trabalho de acordo com os recursos humanos e

financeiros que dispõe, articulando como e onde as ações serão realizadas. A liderança

referência da Frente Povo Sem Medo é Guilherme Boulos, coordenador do Movimento dos

Trabalhadores Sem-Teto (MTST), um dos principais articuladores do grupo e fonte recorrente

da imprensa no processo de impeachment de Dilma Rousseff.

Outras organizações que integram a Frente Povo Sem Medo são: Intersindical -

Central da Classe Trabalhadora, União Nacional dos Estudantes (UNE), União Brasileira dos

Estudantes Secundaristas (Ubes), Associação Nacional dos Pós-graduandos (ANPG),

Federação Nacional dos Estudantes do Ensino Técnico (Fenet), Círculo Palmarino, Igreja

Povo de Deus em Movimento (IPDM), Coletivo Juntos, União da Juventude Rebelião (UJR),

Juventude Socialismo e Liberdade (JSOL), Coletivo Construção, Movimento de Luta nos

Bairros, Vilas e Favelas (MLB), Fora do Eixo/Mídia Ninja, Coletivo Cordel, União Brasileira

de Mulheres (UBM) e Bloco de Resistência Socialista. Notamos também que, desde sua

origem, movimentos que integram a frente têm certo vínculo com legendas políticas:

Ligada ao PT, a CUT faz parte das duas frentes [– a central compõe também

a Frente Brasil Popular]. Na Povo Sem Medo também estão os movimentos

estudantis Juntos! e Rua-Juventude Anti-capitalista, ligados ao PSOL, a

União da Juventude Socialista (UJS) e a Central dos Trabalhadores e

Trabalhadoras do Brasil (CTB), ligados ao PCdoB, além do MTST, que já

havia elevado o tom contra o Governo ao ocupar em 23 de setembro a sede

do Ministério da Fazenda contra as políticas de cortes no programa de

habitação Minha Casa, Minha Vida (BEDINELLI, 2015, 08.out).

A exemplo de outros grupos estudados nesta dissertação, a Povo Sem Medo estreitou

relacionamento com partidos políticos no percurso de sua história a ponto dos partidos virem

a integrar sua base organizativa. Em dezembro de 2017, lançou o “Vamos! Sem medo de

mudar o Brasil11

”, documento que dá diretrizes para que um programa de esquerda “responda

a grave crise que estamos vivendo e lance bases para a construção de uma sociedade mais

justa” (VAMOS..., 2017, s.d.). O material de 20 páginas resulta de 55 debates presenciais em

24 cidades e 134 mil acessos on-line e traz propostas de “governo” estruturadas em seis eixos

– economia, poder, comunicações e cultura, territórios e meio ambiente, saúde e educação, e

negro, feminista e LGBT. O “Vamos” teria sido elaborado com a participação de partidos

políticos que hoje integram a frente, além de representantes de movimentos sociais e

populares de sua base histórica:

11

Ver mais sobre Vamos! Sem Medo de Mudar o Brasil – Resultados Finais no serviço on-line Issuu. Disponível

em: < https://issuu.com/povosemmedo/docs/relatorio_final-web_d25783772af3ff>.

Page 84: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1805/2/Cleide Rodrigues.pdf · IMPEACHMENT DE DILMA ROUSSEFF NAS REDES SOCIAIS ON-LINE

83

Após quatro meses de debate, a Frente Povo Sem Medo concluiu as

diretrizes para o programa de governo do Vamos, movimento que nasce da

busca de uma alternativa ao PT. Inspirado no Podemos espanhol12

, o Vamos

tem como seus idealizadores o coordenador do MTST (Movimento dos

Trabalhadores Sem Teto), Guilherme Boulos, possível candidato à

presidência pelo PSOL – [o que veio a se confirmar em 2018]. A elaboração

do documento de 20 páginas contou com a participação de petistas como o

ex-ministro Tarso Genro (...). A Frente Povo Sem Medo, que se projetou em

atos contra o impeachment de Dilma Rousseff, é integrada pelo MTST,

PSOL, PT, PCB, UNE, CUT, Intersindical, e outros (SEABRA;

RODRIGUES, 2017, 10 dez.).

Pelo exposto, notamos que a Frente Povo Sem Medo tem bastante similaridade com a

Frente Brasil Popular, sobretudo nas ações articuladas nas redes sociais tanto nos ambientes

on-line quanto off-line e composição de sua plataforma, ou seja, constituída por movimentos

sociais e populares. O elo com partidos políticos, que seria a principal diferença entre as duas

frentes, parece ter caído por terra. A Frente Povo Sem Medo aderiu a participação de partidos

políticos em sua estrutura organizativa, tanto que nas eleições de 2018 Guilherme Boulos vai

concorrer ao pleito de presidente da República pelo PSOL. O grupo apresenta também

características próximas aos conceitos de movimentos sociais e populares detalhados neste

capítulo, como luta por demandas de classes sociais menos favorecidas, atuação nas esferas

públicas on-line e off-line e outras. Podemos enquadrar a Frente Povo Sem Medo, assim

como a Frente Brasil Popular, como uma “agremiação” de movimentos sociais e populares

com presença nos ambientes virtuais e off-line.

2.3.5. Considerações sobre os atores do impeachment nas redes sociais on-line

O que dizer dos atores do impeachment de Dilma Rousseff nas redes sociais on-line?

Ter traçado conceitos teóricos sobre movimentos sociais e populares, de abordagens clássicas

a contemporâneas, e o que vem a ser participação e comunicação popular no contexto do

ativismo digital foram fundamentais para entendermos os perfis dos grupos que se articularam

em prol do engajamento e participação social nesse momento histórico-político do Brasil. De

modo geral, os grupos pró e contra o impeachment representam formas de manifestações

coletivas, sem necessariamente serem classificados como movimentos sociais populares.

12

O partido Podemos espanhol surgiu em 2014, tendo suas articulações sido fomentadas a partir dos movimentos

do 15-M ou dos Indignados de 2011. Com apenas dois meses de vida, o partido fenômeno conquistou, em 2014,

cinco cadeiras no Parlamento Europeu e obteve 1.245.948 milhão de votos. Ao identificar a insatisfação com a

corrupção, com a polarização partidária e com os efeitos devastadores da crise econômica, o Podemos se

consolidou como a terceira maior força política no país (NOVAES, Marina. Fenômeno na Espanha, Podemos

inspira os descontentes no Brasil. ElPAÍS, São Paulo, 21 dez.2014. Disponível em:

<https://brasil.elpais.com/brasil/2014/12/21/politica/1419192854_929193.html>. Acesso em: 18 mar.2018).

Page 85: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1805/2/Cleide Rodrigues.pdf · IMPEACHMENT DE DILMA ROUSSEFF NAS REDES SOCIAIS ON-LINE

84

Ao conceber os grupos estudados nesta dissertação como integrantes da terceira onda

da sociedade civil (SORJ, 2015), em que o ciberespaço é instrumento central de sua atuação,

nota-se que a noção sobre movimento social em tempos de redes sociais precisa ser melhor

delineada, uma vez que as relações entre esta esfera da sociedade civil e as organizações

formais ainda estão confusas, sem contornos definidos. Por outro, lado é fato que a internet e

o avanço dos recursos tecnológicos abalaram a estrutura dos movimentos sociais

contemporâneos que passaram a funcionar como mobilizações para alertar a opinião pública e

os poderes institucionais vigentes quanto à sua forma de atuação (MARTUCCELLI, 2015).

Como representantes de mobilizações sociais, todos os grupos – independentemente

da bandeira levantada no processo de impeachment – teceram críticas ao governo Dilma

Rousseff e aclamavam por mudanças na gestão econômica e política da nação. Os grupos

MBL e Vem pra Rua apresentaram características, discursos e formas de atuação distantes ao

que entendemos serem movimentos sociais, entre as quais falta de consistência de laços,

identidades compartilhadas, durabilidade e clareza de táticas e estratégias que envolvessem

um projeto amplo e universal de sociedade voltado à cidadania. As Frentes Brasil Popular e

Povo Sem Medo, que se posicionam como grupos de esquerda, representaram, ao nosso olhar,

uma aglutinação de movimentos sociais e populares do país. Talvez por essa razão, boa parte

de suas estratégias esteja alinhada aos conceitos teóricos de movimentos sociais e populares,

como promoção de discussões em assembleias e plenárias, produção de conteúdos de

comunicação para além dos meios tradicionais de comunicação, levantamento de pautas

coerentes com lutas sociais, entre outros.

Em suma, não classificamos as manifestações públicas que ocorreram durante o

processo de impeachment de Dilma Rousseff como ações organizadas nas redes sociais on-

line por movimentos sociais. Entendemos que o chamamento à sociedade civil para ir às ruas

se deu por grupos que se articularam em comunidades virtuais conectadas por interesses

comuns, configurando-se como manifestações coletivas. Atuaram como comunidades que

mantêm uma estrutura semelhante a um cluster, ou seja, a um aglomerado de nós conectados,

em que existe uma interação social mútua, onde podemos encontrar laços mais fortes e fracos

em torno de interesses comuns. Neste cenário há de se analisar ainda o contexto histórico-

social, em outras palavras, a interrelação das manifestações públicas, do governo Dilma

Rousseff e a situação econômica e política do país com a atuação e articulação dos grupos

estudados nos ambientes virtuais e off-line, assuntos a serem abordados no capítulo seguinte.

Page 86: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1805/2/Cleide Rodrigues.pdf · IMPEACHMENT DE DILMA ROUSSEFF NAS REDES SOCIAIS ON-LINE

85

CAPÍTULO III – GOVERNO DILMA E AS MANIFESTAÇÕES:

UMA ANÁLISE DAS AÇÕES DOS GRUPOS NO FACEBOOK

Neste capítulo, a proposta foi apresentar os resultados da análise das fanpages de

quatro grupos que atuaram no movimento do impeachment de Dilma Rousseff a partir das

redes sociais: Movimento Brasil Livre (MBL) e Vem pra Rua, que se posicionaram a favor do

impeachment; e as Frentes Povo Sem Medo e Brasil Popular (FBP), contra o processo. O

estudo consistiu na análise de conteúdo e pesquisa exploratória de convites virtuais de eventos

e interações dos seguidores no Facebook com o objetivo de observar como se deram as

estratégias de comunicação voltadas ao engajamento e à participação popular utilizadas nas

redes de relacionamento destes grupos, no período de 1º de março a 31 de agosto de 2016.

Para dar suporte à análise supracitada, fizemos uma breve reconstituição do cenário social e

institucional dos governos da então presidente da República, do primeiro mandato até a crise

política e econômica que culminou em seu afastamento definitivo, quando já vigorava sua

segunda gestão. O estudo se deu a partir de revisão bibliográfica de pesquisadores como

Singer (2015), Bucci (2016) e Villaverde (2016).

3.1. Governo Dilma: da eleição à crise política e econômica

Em outros momentos desta dissertação, mencionamos que para melhor compreender

as manifestações públicas de 2016 pelo movimento do impeachment de Dilma Rousseff e a

participação de grupos organizados e articulados nas redes sociais nesses eventos seria de

fundamental importância fazer uma breve reconstituição do contexto social e institucional

deste fenômeno que marcou a história do Brasil.

Temos trabalhado com a hipótese de que a atuação dos atores nos ambientes virtuais

contribuiu para dar visibilidade a suas ações no mundo off-line. Concebemos as ferramentas

tecnológicas como potenciais instrumentos de articulação, mobilização, empoderamento e

engajamento social para proposição de transformações sociais, desde que os cidadãos delas se

apropriem. No contexto do impeachment, a análise acerca dos motivos que levaram ao

afastamento de Dilma do Palácio do Planalto perpassa por diversos outros fatores além das

articulações de atores nas redes sociais, entre os quais interesses econômicos, políticos,

políticos partidários, posicionamento dos meios de comunicação, em níveis local e global.

Assim torna-se relevante retrocedermos à história para entendermos os argumentos que

Page 87: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1805/2/Cleide Rodrigues.pdf · IMPEACHMENT DE DILMA ROUSSEFF NAS REDES SOCIAIS ON-LINE

86

levaram extratos da sociedade, como os grupos atuantes nos ambientes virtuais, a organizarem

protestos públicos favoráveis e contrários ao processo de impeachment.

Nossa análise se propõe a ir além dos motivos de conhecimento público acerca do

impeachment de Dilma, como o avanço das investigações da Operação Lava Jato da Polícia

Federal, que apurava esquema de corrupção na Petrobras, envolvendo políticos de vários

partidos, inclusive de sua base aliada, e as maiores empreiteiras do país; críticas ao seu

segundo governo por conta do baixo crescimento econômico, medidas de ajuste fiscal,

descaso de dinheiro público, entre outras questões que impactavam o dia a dia da população; e

pressão da grande mídia. A partir do momento em que acreditamos que os fatores que

levaram a queda da presidente da República em 2016 estão imbricados também no contexto

social e institucional é imprescindível fazermos um breve relato de seu governo a partir do

primeiro mandato (2011-2014).

O cientista político, professor e jornalista André Singer (2015) amplia nossos olhares

acerca dos motivos que levaram à derrocada do governo Dilma. Para ele, os fatores do

declínio começam a ser desenhados já no primeiro mandato da presidente quando da

implementação da “nova matriz econômica”, designada pelo autor como “ensaio

desenvolvimentista”, iniciativa que tinha como marca forte o “ativismo estatal” na busca da

reindustrialização. “Ficamos, todavia, protegidos pelo vocábulo “ensaio”, que remete tanto ao

caráter efêmero da experiência quanto ao seu contorno vago” (SINGER, 2015, p.42).

A exemplo do que havia feito em 2008, o governo brasileiro procura

sustentar o ritmo de crescimento local. Foi aí que se abriu a oportunidade de

colocar em prática a nova matriz, que vinha sendo preparada desde a

substituição de Henrique Meirelles por Alexandre Tombini à frente do BC

(novembro de 2010). Cálculos realizados à época da eleição presidencial

mostravam que, para continuar as reformas graduais do lulismo, era preciso

que o PIB crescesse cerca de 5% ao ano. A perda de velocidade eliminaria a

margem necessária para combater a pobreza (SINGER, 2015, p.43).

Assim Dilma colocou em prática uma política anticíclica e a nova matriz econômica

foi marcada por uma série de medidas de caráter desenvolvimentista. Singer (2015, p.43-45)

pontua nove principais ações do governo: 1) redução da taxa básica de juros de 12,5% para

7,25% ao ano entre agosto de 2011e abril de 2013; 2) uso recorrente do BNDES, com forte

linha de crédito subsidiada para o investimento das empresas por meio de repasses recebidos

do Tesouro; 3) aposta na reindustrialização, com medidas que vão da redução do IPI sobre

bens de investimento à ampliação do MEI (Microempreendedor individual); 4) desonerações

que, em seu auge em 2014, chegaram a 42 setores e poupariam aproximadamente 25 bilhões

de reais anuais aos empresários; 5) plano para infraestrutura com concessões para estimular a

Page 88: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1805/2/Cleide Rodrigues.pdf · IMPEACHMENT DE DILMA ROUSSEFF NAS REDES SOCIAIS ON-LINE

87

inversão em rodovias e ferrovias; 6) reforma no setor elétrico para baratear o preço da

eletricidade, em atendimento a uma reivindicação da indústria para reduzir os custos e ganhar

competitividade em relação aos importados; 7) desvalorização do real; 8) controle de capitais

para impedir que a entrada de dólares valorizasse o real, prejudicando a competitividade dos

produtos brasileiros; e 9) proteção ao produto nacional.

De acordo com Singer (2015, p.46), as medidas da nova matriz significavam “comprar

brigas centrais, procurando acelerar o pacto conservador lulista”. Ou seja, o ensaio

desenvolvimentista não foi um ponto fora da curva. Ao contrário, apenas acelerou “uma

viagem cuja direção vinha traçada desde antes”. Sobre o assunto, o autor contextualiza a

continuidade entre os governos Lula e Dilma, pelo menos do ponto de vista programático:

Com a ascensão de Guido Mantega ao Ministério da Fazenda em 2006

começa a construção de condições para maior ativismo estatal. O Estado

despertara da letargia e buscava meios para alavancar o crescimento em

2007, com o lançamento do PAC. Na crise de 2008, os bancos públicos

adquiriram rol crucial na reorganização produtiva, representando poderosas

alavancas de indução da iniciativa privada. Em 2009 e 2010, com a

incorporação de incentivos fiscais seletivos ao arsenal de instrumentos

disponíveis, o Estado começara a manejar alavancas antes bloqueadas. A

ascensão de Tombini no lugar de Meirelles, em 2011, parecia incorporar o

BC à perspectiva do desenvolvimento e concluir os preparativos para um

salto de qualidade (SINGER, 2015, p.46-47).

A mudança relevante entre Lula e Dilma estaria, segundo o autor, no posicionamento

político. “Enquanto Lula foi não confrontacionista, Dilma decide entrar em combates duros”.

Na medida em que reduziu os juros e forçou os spreads para baixo, ela causou tensão no meio

financeiro. A ordem era diminuir os ganhos do setor financeiro, ou seja, mexer no lucro dos

bancos. Em maio de 2012, alterou as regras da poupança e “mostrou coragem ao diminuir o

rendimento, sem perda de apoio da população” (SINGER, 2015, p.49). Em setembro, o

ministro da Fazenda, Guido Mantega, dá mais um recado ao setor financeiro ao declarar que

os juros cobrados pelos bancos nos cartões de crédito eram “escorchantes” e precisavam

diminuir. Até o final de 2012, a política desenvolvimentista de Dilma parceria estar nos eixos.

Em outubro, com apenas 4,6% de desemprego e a renda dos trabalhadores

em alta, o PT ganha a eleição na cidade de São Paulo, com Fernando

Haddad (...). A vitória petista no pleito municipal (...) fazia crer que a

aceleração do lulismo ia de vento em popa. Dilma preparou-se, então, para

encerrar o ano com chave de ouro. Reduzir o preço da eletricidade atendia

campanha lançada pela Fiesp em 2011 e fazia gesto à população pobre, para

a qual o peso relativo da energia é relevante. Com o BNDES capitalizado e

disponível para financiar a produção a juros mais baixos, certo controle

sobre o fluxo de capitais, o real menos valorizado, a desoneração da folha

de pagamentos em curso, a obrigatoriedade de conteúdo local em setores

estratégicos e encomendas da Petrobras, compras governamentais e tarifas

Page 89: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1805/2/Cleide Rodrigues.pdf · IMPEACHMENT DE DILMA ROUSSEFF NAS REDES SOCIAIS ON-LINE

88

alfandegárias voltadas para a produção nacional, programa de investimento

em infraestrutura lançado, aumento do limite de endividamento dos Estados

e juros mais acessíveis nos bancos comerciais, o ensaio desenvolvimentista

chegava ao auge (SINGER, 2015, p. 49).

No início de 2013, há um revés nos rumos da economia do país. A partir de uma

declaração do presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, de que “a inflação estava

‘mostrando uma resiliência forte’ e que a situação não era ‘confortável’. Diante da pergunta

fatal sobre se era necessário mudar a política monetária, respondeu que o BC estava atento a

tudo” (SINGER, 2015, p.50). Com isso, os investidores passam a praticar a alta dos juros,

minando a essência do projeto Dilma. A partir de abril, o BC inicia um ciclo de alta de juros

que só terminaria dois anos depois. A consequência da medida é analisada por Singer.

Num átimo, a situação se invertera. Ao elevar sistematicamente a Selic,

restabeleceu-se a dualidade típica anterior ao ensaio, na qual, enquanto a

Fazenda buscava meios de fazer a economia deslanchar, o BC apostava na

contração, carreando recursos para os rentistas. A partir daí, o

desenvolvimentismo oferece resistência surda, porém crescentemente

enfraquecida, à pressão em favor do choque neoliberal. Nos meses

seguintes, além do aumento contínuo dos juros, o corte no investimento

público, o aumento da taxa de retorno nas concessões, a diminuição das

restrições ao capital especulativo e as privatizações na área de transportes

iriam pontilhando a volta atrás (SINGER, 2015, p.50).

O autor observa que a possibilidade de crescimento do PIB para 2014 estaria

ameaçada por conta do contínuo aumento dos juros. Os investidores começaram a desconfiar

quanto aos rumos do país com o aumento das críticas ao ativismo estatal por uma série de

atores: agências internacionais de risco, instituições oficiais de controle econômico (FMI,

Banco Mundial etc.), bancos estrangeiros, corporações multinacionais, e inúmeras vozes nos

grandes meios de comunicação ao longo de 2013 e 2014. E, ainda, em junho de 2013, Dilma

sofreu pressão popular inesperada proveniente das ruas, sobretudo pelo caráter contraditório:

“iniciadas pela esquerda e engrossadas pelo centro e pela direita de maneira inusitada, elevou

a rejeição à presidente, obrigando-a ceder mais alguns metros de terreno” (SINGER, 2015,

p.52). Essa multidão, na opinião do pesquisador, reforçou a “onda em favor de reformas

liberalizantes que iam na direção contrária”. Nos protestos houve a adesão pela retomada da

agenda econômica liberal dessa nova classe trabalhadora, composta por jovens em empregos

precários e baixos salários mesmo que com carteira assinada.

Eis que os quatro anos se passaram e Dilma, apesar do cenário conturbado, conseguiu

ser reeleita ao convencer “os setores progressistas e o eleitorado popular de que ela tinha

condição e disposição de evitar o choque neoliberal encampado pelo PSDB” (SINGER, 2015,

Page 90: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1805/2/Cleide Rodrigues.pdf · IMPEACHMENT DE DILMA ROUSSEFF NAS REDES SOCIAIS ON-LINE

89

p.53). Em suma, sua plataforma eleitoral garantia a continuidade do desenvolvimentismo. Ao

vencer as eleições no segundo turno, com 51,6% dos votos válidos, em 2014, a presidente fez

o contrário do prometido. Justificou buscar soluções mais adequadas àquele momento em

virtude da “duração inesperada da crise mundial e da extraordinária seca no Brasil. Em função

delas, os recursos públicos, gastos para preservar o emprego e a renda, teriam se esgotado,

impondo agora ‘sacrifícios temporários para todos’” (SINGER, 2015, p.53).

No período em que esteve à frente do mais alto cargo executivo da nação (2011-2016,

considerando-se o primeiro e parte do segundo mandato), Dilma se distanciou gradualmente

de outros setores da sociedade, além do meio financeiro como já apresentado. Denominado

por Singer (2015) como produtivista, este seria composto por empresários industriais

associados à fração organizada da classe trabalhadora, como Federação das Indústrias do

Estado de São Paulo (Fiesp), a Central Única dos Trabalhadores (CUT), a Força Sindical, o

Sindicato dos Metalúrgicos do ABC e o Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo.

Apesar das evidentes convergências, os industriais, para surpresa de muitos,

foram progressivamente se afastando de Dilma, alinhando-se lenta e

continuamente ao bloco rentista de oposição. Cresceu entre eles a ideia de

que se tratava de mandato “intervencionista”, que inviabilizava os

investimentos e não criava confiança. O irônico é que a intervenção, que de

fato houve, visava atender aos próprios industriais. (...) Pouco a pouco, o

deslocamento dos industriais ganhava visibilidade. (...) Quando das

manifestações de junho de 2013, a Fiesp iluminou a fachada do seu

imponente edifício na Paulista com a bandeira nacional, em sinal de

simpatia aos símbolos adotados pelo centro e pela direita na avenida. O

presidente da Fiesp, que esteve em um dos atos, escreveu que tinha assistido

a um “grito por renovação”, deixando entrever postura oposicionista ao

governo federal. Em retrospecto, junho, embora tenha sido bem mais que

isso, converteu-se no começo da onda de classe média contra Dilma, que

iria estourar nas ruas em março de 2015. Em resposta e com menor impacto,

as centrais sindicais tentaram, em julho de 2013, também colocar na praça

pautas especificamente trabalhistas (SINGER, 2015, p.55-56).

Após três anos, os industriais pareciam aderir ao programa rentista, que era manter o

Brasil alinhado à política neoliberal, no bojo do grande capital internacional e da liderança

geopolítica dos Estados Unidos. Singer (2015, p.57) avalia que “o setor financeiro ao

industrial, passando pelo agronegócio, o comércio e os serviços, a unidade capitalista em

torno do corte de gastos públicos, queda no valor do trabalho e diminuição da proteção aos

trabalhadores tornava-se completa”. Ele (2015, p.61-64) pontua ainda ao menos cinco razões

para o deslocamento da burguesia industrial em favor da frente única burguesa contra o ensaio

desenvolvimentista, cujas interpretações em conjunto tornam-se complementares:

Page 91: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1805/2/Cleide Rodrigues.pdf · IMPEACHMENT DE DILMA ROUSSEFF NAS REDES SOCIAIS ON-LINE

90

O fato de a camada industrial ter ao mesmo tempo um lado rentista a torna

mais sensível à ideologia neoliberal, apesar de esta orientação

objetivamente prejudicar as atividades fabris. O mesmo se aplica à

agudização da luta de classes (greves) e à perda de poder resultante do

pleno emprego: tornam sedutores aos industriais os argumentos do

neoliberalismo. Some-se à natural capacidade de resistência e fuga dos

interesses contrariados (o setor financeiro e o capital externo) a pluralidade

de camadas empresariais prejudicadas e entende-se que as onças cutucadas,

sendo muitas e já sensibilizadas por farto material crítico, aos poucos

formaram o cerco feroz que derrotou o ensaio desenvolvimentista

(SINGER, 2015, p.64).

O autor (2015, p.64-67) analisa que, com o objetivo de acelerar a política lulista, a

então presidente “cutucou um número excessivo de perigosas onças com varas notavelmente

curtas”. Para ele, faltou a chefe de Estado considerar os instrumentos que teria à mão numa

situação de contra-ataque. “Sem planejamento político, o ensaio desenvolvimentista abriu um

vácuo sob os próprios pés e acabou por provocar a mais séria crise do lulismo quando a

reação burguesa unificada em favor do retorno neoliberal tornou-se incontrastável”.

Não por acaso Dilma teve significativa queda de popularidade no início do segundo

governo. De acordo com pesquisa realizada pelo Ibope com 2002 pessoas de 140 cidades em

setembro de 2015, e divulgada pela Confederação Nacional da Indústria, o percentual da

população que dizia confiar em Dilma recuou de 51% para 20%, de dezembro de 2014 a

setembro de 2015. No mesmo período houve queda de 52% para 14% com relação aos que

aprovavam sua maneira de governar (DILMA..., 2015, 30 set.)13

. Daí para as inquietações de

diferentes setores da sociedade ganharem corpo em forma de protestos públicos não demorou

muito. Contudo, as correntes se dividiram entre discursos daqueles que contrários à

manutenção da presidente no cargo e dos que se colocaram a favor do cumprimento do

mandato, mesmo tecendo críticas à sua gestão.

De março a dezembro de 2015, foram registrados ao menos nove atos e manifestações

públicas a favor e contra o governo, com presença significativa de pessoas nas ruas14

. Novos

protestos ocorreram 2016, tendo seu ápice em 13 de março de 2016, quando o pedido de

impeachment passa a ganhar força no país. A partir de então, diversos protestos são

articulados nos ambientes das redes sociais virtuais por grupos contra e a favor do

impeachment. As manifestações do período descrito entrariam na pauta da grande mídia e

13

PERES, Bruno; RESENDE, Thiago. DILMA perde mais popularidade no 2º mandato que Lula e FHC. Portal

Valor Econômico, Política, 30 set.2015. Disponível em: <http://www.valor.com.br/politica/4249454/dilma-

perde-mais-popularidade-no-2-mandato-que-lula-e-fhc>. Acesso em: 18 maio.2018. 14

MAPA das Manifestações no Brasil. Portal G1. Política. Disponível em:

<http://especiais.g1.globo.com/politica/mapa-manifestacoes-no-brasil/todos/>. Acesso em: 18 maio.2018.

Page 92: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1805/2/Cleide Rodrigues.pdf · IMPEACHMENT DE DILMA ROUSSEFF NAS REDES SOCIAIS ON-LINE

91

também da imprensa alternativa, porém, com um viés diferente dos acontecimentos de junho

de 2013, como vamos observar mais detalhadamente no capítulo seguinte.

3.1.1. As marcas das manifestações de junho de 2013

O jornalista Eugênio Bucci (2016), em seu livro A forma bruta dos protestos, em que

analisa as manifestações de junho de 2013 à queda de Dilma Rousseff em 2016, considera que

o afastamento definitivo da presidente do Palácio do Planalto transcorreu para além do plano

imediato – “as revelações de malversação do erário em seu governo, a incompetência no trato

com o Parlamento e a recessão causada pela política econômica e fraudulenta”. Contudo, para

ele “o empuxo do descontentamento vinha de 2013” (BUCCI, 2016, p.16). Neste cenário, as

pedaladas fiscais apenas foram um pretexto formal para ejetar Dilma da presidência.

Dilma já não dava conta do serviço (inclusive do serviço que os mais ricos

recebiam dela) e por isso foi demitida do (e pelo) poder. É claro que a chaga

da ladroagem, o limbo do desgoverno e a crise econômica desfecharam sua

queda, mas a curva irrecorrível do declínio tinha começado três anos antes.

Os protestos, com seu tranco duro, vaticinaram o que estava por vir. A

primeira infelicidade de Dilma foi não ter compreendido a mensagem. Ela

não aquilatou corretamente o alcance daquela energia, que seguiria – e

ainda segue – açoitando a máquina pública encarquilhada e os políticos

profissionais especializados em parasitá-la (BUCCI, 2016, p.17).

Se para Singer (2015) as razões da derrocada do governo Dilma estariam atreladas ao

que ele chamou de “ensaio desenvolvimentista”, o qual teria causado descontentamento

gradual de diferentes setores da sociedade, sobretudo o meio financeiro/bancos, classe média

tradicional, empresários industriais, entidades de classe, a partir de seu primeiro mandato,

Bucci (2016) acredita que a raiz pela saída da presidente teria sido fincada em junho de 2013,

particularmente com os protestos de rua que tomaram o país. Fato é que ambos evidenciam

que o impeachment da primeira mulher a governar o país ocorreu com base no contexto social

e institucional que antecedeu o processo formal em 2016. Os protestos públicos entre 2013 e

2016 sinalizariam que algo não estava bem na política e economia brasileira.

Se concebermos sob o prisma de Bucci (2016, p.31) que as manifestações “a favor da

ordem não expõem carências, não escancaram contradições, não movem o conflito e não são

notícia (...) [e que com tal perfil] são tão inócuas como um sujeito que se põe, em voz alta, a

concordar consigo mesmo”, entenderemos que o fenômeno do movimento do impeachment

em 2016, definitivamente, chancelou o descontentamento de significativa parcela da esfera

pública, culminando com o fim antecipado do governo Dilma.

Page 93: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1805/2/Cleide Rodrigues.pdf · IMPEACHMENT DE DILMA ROUSSEFF NAS REDES SOCIAIS ON-LINE

92

Talvez um ponto relevante nos protestos de 2013, revivido nos atos de 2015 e,

sobretudo, ao longo de 2016 no movimento do impeachment, foi o descompasso entre a

“língua do Estado e a da sociedade” (BUCCI, 2016). Segundo o autor, os gerentes do poder

demorariam a reconhecer que a temporalidade da vida social tinha deixado para trás a

temporalidade do Estado e as redes interconectadas deram mais densidade, alcance e vigor

para os processos naturais do mundo da vida (BUCCI, 2016, p.71-72).

A lentidão da burocracia estatal tem peso de chumbo e, quando comparada

à aceleração dos processos comunicacionais do mundo da vida e da esfera

pública, assume aspecto de uma parede de basalto, ou de uma âncora

hipertrofiada, que suga o navio para o fundo do mar. Quando se encontram

cara a cara, esfera pública e Estado (ou sociedade civil e Estado, se

quisermos) se opõem como hardwares incompatíveis. E isso não apenas no

Brasil. O tema é mundial (BUCCI, 2016, p.77).

Sobre os protestos de 2013, Bucci utiliza de metáfora do campo dos meios de

comunicação para fazer um paralelo entre a temporalidade da sociedade civil com a do

Estado. “Enquanto o Estado se arrastava na instância da palavra impressa, a sociedade

pulsava na instantaneidade e na ubiquidade da instância da imagem ao vivo (BUCCI, 2016,

p.84)”. Para ele, a falta de sintonia entre as duas temporalidades “não é apenas um efeito, mas

causa do acirramento dos protestos” e ainda a “letargia administrativa e a opacidade do

Estado (...) parece indiferente, insensível e, mais grave ainda, não ser público” (BUCCI, 2016,

p.86). A partir deste contexto, o jornalista faz uma observação quanto ao posicionamento a ser

incorporado pelo Estado frente a demandas da esfera pública em âmbito global.

Mais do que ajustes nas fórmulas de representação partidária ou de

financiamento dos partidos, o que o Estado (não apenas brasileiro) requer

(para servir à sua respectiva sociedade) é uma atualização de seus trâmites

em vários níveis, à luz dos novos padrões tecnológicos e das novas

dinâmicas sociais engendradas pelas novas dinâmicas da comunicação

social, onde repousa, em trânsito, a matéria inconfundível de que é feita a

esfera pública (...). É claro que se trata também de adotar processos menos

arrastados em todas as instâncias do Estado, mas se trata, principalmente, de

redesenhar a administração pública de acordo com modelos institucionais

novos, que estejam aptos a colher as demandas sociais e a entabular com

elas entendimentos ágeis e efetivos, em prazos justos e com consequências

eficazes (BUCCI, 2016, p.86-87).

Bucci (2016) observa que o Estado permaneceu surdo às reivindicações de 2013 e

entre 2014 e 2016 houve uma série de protestos. Neste período a Lava Jato tornou-se o centro

da política brasileira; e Dilma venceu as eleições em 2014 em disputa acirrada com Aécio

Neves (PSDB). As manifestações públicas que seguiriam em 2015 e 2016 ocorreram a partir

de um ambiente político de desencantamento e frustração. Diferentemente de 2013, os

Page 94: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1805/2/Cleide Rodrigues.pdf · IMPEACHMENT DE DILMA ROUSSEFF NAS REDES SOCIAIS ON-LINE

93

protestos tinham alas claramente definidas. “O rio estava definitivamente bifurcado: de um

lado, no veio mais largo, ficavam os que queriam derrubar o governo federal (...). Do outro,

num córrego acanhado, fincavam pé os que defendiam o mandato de Dilma, ainda que com

restrições” (BUCCI, 2016, p.149). Assim, a presidente recebia críticas de todos os lados.

Os que defendiam a chefe de Estado organizavam atos públicos em que gritavam

“Fora Levy” – contra o ajuste fiscal e em pedido à saída do ministro da Fazenda, Joaquim

Levy. Entre esses estavam a Central Única dos Trabalhadores (CUT), a União Nacional dos

Estudantes (UNE), o Movimento dos Sem-Terra (MST). Do outro lado, estava à frente dos

protestos “uma multidão com um sotaque de direita, embora, (...) marcassem presença crítica

manifestantes de esquerda, descontentes com a corrupção no governo federal” (BUCCI, 2016,

p.150). O autor observa discursos conflituosos dos grupos pró e contra o governo, tomando

como referência os atos públicos que aconteceram nos 13 e 15 de março de 2015 por essas

duas alas da sociedade. Dilma teria sua imagem enfraquecida em quaisquer circunstâncias.

No dia 13, as pessoas tentavam dizer que, para o Brasil mudar, era preciso

que o governo ficasse. No dia 15, as pessoas tentavam dizer que era preciso

tirar o governo para que as coisas continuassem como sempre foram. Se não

iguais, quase iguais. Era preciso tirar os ladrões de Brasília. Essa seria a

única mudança. Dilma perdia – perdia muito – dos dois lados. Perdia com

as duas fórmulas. Os que diziam apoiar seu governo queriam quebrar a

coluna vertebral de seu governo: a política econômica. Os que diziam

querer derrubar seu governo queriam manter a política econômica que ela

tentou implementar, mas não conseguiu de jeito nenhum.E Dilma tinha,

ainda por cima, o problema dos ladrões (BUCCI, 2016, p.151).

Com um contexto social e institucional que gradativamente tornou-se inóspito, Dilma

foi perdendo cada vez mais apoio e em diversas frentes da esfera pública como já relatado

neste capítulo. Daí para o impeachment foi um pulo: bastou um motivo para oficializar o

afastamento da presidente e decretar de vez o fim de quase 14 anos de hegemonia do Partido

dos Trabalhadores à frente das decisões econômicas e políticas do país. Assim, “as pedaladas

fiscais e os decretos orçamentários terminaram sendo a base formal para que o afastamento de

uma presidente altamente impopular fosse efetivado, tal como o Fiat Elba para Fernando

Collor vinte e quatro anos antes” (VILLAVERDE, 2016, p.15).

O motivo formal que selou a queda da presidente descende de medidas aplicadas a

conta gotas pelo governo, o que reforça nossa tese de que o impeachment foi um movimento

gradual. Segundo Villaverde (2016) a estratégia fez parte de uma série de ações de manobras

contábeis aplicadas nas contas públicas federais para esconder a piora dos indicadores fiscais

brasileiros aplicadas desde o final de 2012 e chegando ao seu limite no ano eleitoral de 2014.

Page 95: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1805/2/Cleide Rodrigues.pdf · IMPEACHMENT DE DILMA ROUSSEFF NAS REDES SOCIAIS ON-LINE

94

“Foi quando a estratégia deixou de ser uma aposta de política econômica e passou a se testar

os limites legais” (VILLAVERDE, 2016, p.59). Lembramos que a escolha do governo Dilma

por esse tipo de “manobra” não foi um privilégio seu. Outros chefes de Estado tinham usado o

mesmo expediente – em outro contexto social, político e histórico – e passaram incólumes de

questionamentos sobre gestão das finanças públicas e responsabilidade fiscal.

3.1.2. Um relato: das manobras das contas públicas às “pedaladas fiscais”

Um dos motivos que sentenciou a queda definitiva do governo Dilma em 31 de agosto

de 2016, com o impeachment pelo Congresso Nacional, foi a acusação de manipular o

orçamento federal, com ações envolvendo o Tesouro Nacional e o Ministério da Fazenda.

Porém, as “pedaladas fiscais”, como ficou conhecida essa prática de “manipulação”, foi uma

estratégia adotada pela equipe do alto escalão com ciência de que as manobras praticadas

eram ilegais. No entanto, o expediente adotado pela gestora do Executivo já havia sido

utilizado por outros presidentes no passado – Itamar Franco, Fernando Henrique Cardoso e

Lula, por exemplo, recorreram aos mesmos artifícios, mesmo que em proporções diferentes.

O assunto é complexo demais e, certamente, será tratado por outros pesquisadores. Por

essa razão, não mergulharemos no debate da questão legal do tema que levou ao afastamento

da presidente Dilma em comparação aos seus antecessores. O objetivo aqui é apenas fazer um

breve relato sobre o que foram as “pedaladas fiscais”, seus principais protagonistas e

motivações. Tais elementos podem ter sido utilizados nos discursos dos grupos das redes

sociais aqui estudados nas ações de articulação e engajamento social nos ambientes virtuais,

particularmente o Facebook.

O jornalista João Villaverde (2016) narra os bastidores da crise que levou ao fim o

governo Dilma Rousseff sob a ótica das manobras nas contas públicas, ou seja, das

“pedaladas fiscais”. Segundo ele, o tema teria sido abordado de forma técnica na 110ª reunião

do conselho curador do FGTS, em maio de 2009, entre outros assuntos. Naquela ocasião, a

Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN) teria afirmado ao “Tesouro Nacional de

Arno Augustin e Marcus Aucélio que se a Caixa concedesse adiantamentos ao Tesouro estaria

consumida uma infração da Lei de Responsabilidade Fiscal” (VILLAVERDE, 2016, p.27).

O autor analisa ainda que as medidas da nova matriz macroeconômica tiveram um

“custo real” que não “deveria aparecer nas contas públicas”. Assim, se dá a série de manobras

contábeis: uma prática sigilosa do governo Dilma. O balão de ensaio seria a reforma no setor

elétrico para baratear o preço da eletricidade.

Page 96: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1805/2/Cleide Rodrigues.pdf · IMPEACHMENT DE DILMA ROUSSEFF NAS REDES SOCIAIS ON-LINE

95

O balão de ensaio dessas manobras se deu na maior das intervenções do

governo Dilma Rousseff: a mudança de regras no setor elétrico para gerar

uma forte redução na conta de luz. As manobras contábeis atingiram outro

patamar por causa da complexidade do setor e da intricada relação entre o

Tesouro Nacional, a estatal Eletrobras, as diversas companhias federais,

estaduais e privadas no ramo de distribuição de energia e os grandes

contratos de construção e exploração de usinas hidrelétricas (...). Acender

uma lâmpada no Brasil passou a ter um custo secreto – e devido ao aumento

do endividamento público decorrente dessa medida, um preço final total que

continuará a ser pago pelos brasileiros nos próximos anos (VILLAVERDE,

2016, p.59).

Outro setor de autoridade da política econômica que configura entre os protagonistas

da crise das “pedaladas fiscais” é o Banco Central. Villaverde (2016, p.80) considera maio de

2014 “como o momento em que a crise fiscal brasileira ficou flagrante”. Até então, o governo

conseguia apresentar superávits fiscais mensais15

, porém, naquele mês o déficit fiscal primário

foi de R$ 11 bilhões – o pior já registrado na série histórica do BC desde 1996. Aquele seria o

primeiro de muitos que se repetiriam e se estenderiam por mais dois anos.

O autor relata também outro fato estranho não comentado pelo Tesouro e Banco

Central quando da divulgação dos dados fiscais: o enigma de R$ 4 bilhões em uma conta

separada de uma instituição financeira privada nacional. O BC incorporou o dinheiro no

resultado fiscal; não fosse isso o superávit seria de R$ 15 milhões. O cerne da questão é que

os recursos eram referentes à Previdência Social e não foram contabilizados pelo Banco

Central porque o banco privado tinha feito uma alteração no seu registro contábil.

A alteração tinha sido feita no mês de fevereiro e somente em maio é que o

Banco Central identificou o problema (...). Na reunião entre técnicos do

Tesouro e do Banco Central realizada em junho, dias antes da divulgação

oficial dos dados referentes a maio, ficou entendido que ao menos aquele

episódio não estaria diretamente ligado aos problemas que estavam

ocorrendo entre o Tesouro e os bancos no repasse de recursos públicos.

Esses problemas, pouco depois, seriam identificados: eram “as pedaladas

fiscais” (VILLAVERDE, 2016, p.82-83).

15

Superávit primário é o resultado positivo de todas as receitas e despesas do governo, excetuando gastos com

pagamento de juros. O déficit primário ocorre quando esse resultado é negativo. Ambos constituem o "resultado

primário". O resultado primário é importante porque indica, segundo o Banco Central, a consistência entre as

metas de política macroeconômicas e a sustentabilidade da dívida, ou seja, da capacidade do governo de honrar

seus compromissos. A formação de superávit primário serve para garantir recursos para pagar os juros da dívida

pública e reduzir o endividamento do governo no médio e longo prazos. Em 2014, o resultado primário foi

negativo pela primeira vez desde que o Banco Central começou computar dados do setor público, que inclui

governos federal, estaduais, municipais e empresas estatais, em 2001. O déficit foi de R$ 32,5 bilhões em 2014.

Em 2013, houve um superávit de R$ 91,3 bilhões (SUPERÁVIT..., Portal Senado Federal, s.d). Disponível em:

< https://www12.senado.leg.br/noticias/entenda-o-assunto/superavit>. Acesso em: 27 maio 2018.

Page 97: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1805/2/Cleide Rodrigues.pdf · IMPEACHMENT DE DILMA ROUSSEFF NAS REDES SOCIAIS ON-LINE

96

Villaverde (2016, p.89-90) observa que a partir do episódio dos R$ 4 bilhões teve

início um processo “frenético de investigação sobre as contas públicas” e que aquele dinheiro

poderia ter relação com as “pedaladas fiscais” do Tesouro com as instituições financeiras. O

que se entendida por “pedalada” até aquele momento era a manobra de o governo lançar

pagamentos nos dias finais de cada ano, aproveitando-se do feriado bancário para que o

dinheiro saísse dos cofres federais em janeiro do ano seguinte. Esta seria uma maneira de

burlar a inscrição de “restos a pagar” uma vez por ano.

Já as “pedaladas fiscais”, como a operação ficou conhecida, envolvia o atraso

sistemático de repasse de recursos federais a bancos controlados pelo governo, os quais

passaram a usar dinheiro do próprio caixa para continuar oferecendo os benefícios públicos. A

adoção da “pedalada fiscal” foi uma saída escolhida pelo Tesouro Nacional para evitar o

aumento da dívida pública e a piora dos resultados fiscais do governo em consequência da

chamada “nova matriz macroeconômica”, conforme contextualiza Villaverde:

O governo abrira mão de quase R$ 25 bilhões por ano em arrecadação com

a desoneração da folha de pagamentos (...) e o plano de reduzir a conta de

luz custaria quase R$ 20 bilhões em gastos novos do Tesouro. Além disso, a

arrecadação caía mês a mês com a desaceleração da economia. A equipe

econômica decidiu, então, que não poderia ser exposto à sociedade nenhum

dos problemas evidentes nas contas públicas que decorreriam de mudanças

externas e também das escolhas políticas do governo de conceder

desonerações e aumentar gastos. A decisão era clara: as contas públicas não

poderiam desmentir os discursos otimistas do ministro da Fazenda, Guido

Mantega, do secretário do Tesouro Nacional e da própria presidente da

República (...). A principal saída escolhida pelo Tesouro Nacional foi a

adoção da “pedalada fiscal” (VILLAVERDE, 2016, p.102).

Ocorre, então, que a manobra da chamada “pedalada fiscal” passou a ser uma prática

continuada do governo Dilma. A estratégia envolveu as principais autoridades federais da

política econômica – Tesouro Nacional, Ministério da Fazenda, Banco Central, Caixa

Econômica Federal, Banco do Brasil, BNDES e Advocacia-Geral da União (AGU). Também

entrou neste enredo o Tribunal de Contas da União (TCU). O resultado final: “uma conta total

de quase 72 bilhões de reais em ‘pedaladas fiscais’ e um processo de impeachment da

presidente da República no Congresso Nacional” (VILLAVERDE, 2016, p.93) por infringir a

Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).

(...) os atrasos do Tesouro no repasse de recursos obrigatórios a instituições

financeiras controladas pelo próprio governo constituíram uma operação de

crédito e, assim, violaram o artigo 36 da Lei de Responsabilidade Fiscal. O

artigo veda que uma instituição financeira pública conceda empréstimos ao

próprio controlador, e foi isso que, segundo Oliveira [Júlio Marcelo de

Oliveira, procurador do Ministério Público de Contas (MPC)], aconteceu

Page 98: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1805/2/Cleide Rodrigues.pdf · IMPEACHMENT DE DILMA ROUSSEFF NAS REDES SOCIAIS ON-LINE

97

com as pedaladas. Sem os recursos do Tesouro, os bancos foram forçados a

continuar operando suas obrigações com recursos próprios, gerando uma

dívida com o governo, que seria paga em algum momento do futuro, com

correção por juros (VILLAVERDE, 2016, p.177).

Embora a defesa de Dilma Rousseff tivesse se apoiado no discurso de que prática

identica àquela condenada pelo TCU tinha sido adotada no passado por outros presidentes – e

foi, ainda que em menor proporção – o argumento não foi suficientemente forte, tão pouco

convincente, para mantê-la no cargo. Na avaliação de Villaverde (2016, p.212), antes mesmo

de o parecer final do TCU, já havia a compreensão na oposição e nos movimentos contrários a

chefe de Estado de que a rejeição das contas de 2014 era o caminho para se chegar ao

impeachment. De fato, este foi um dos motivos formais que a afastou definitivamente da

presidência da República em 31 de agosto de 2016.

Pelos autores consultados, notamos que eles convergem para um mesmo ponto: que o

impeachment de Dilma foi uma consequência de fatores para além do plano imediato. As

ações da presidente desde o seu primeiro governo, sobretudo a partir da implementação da

nova matriz econômica (SINGER, 2015; VILLAVERDE, 2016), a falta de percepção do

governo com relação às demandas da sociedade que eclodiram nas ruas a partir de 2013

(BUCCI, 2016), a perda de apoio em diversos segmentos da sociedade, especialmente depois

de uma reeleição apertada, com promessas de campanha não cumpridas (SINGER, 2015;

BUCCI, 2016; VILLAVERDE, 2016), entre outros fatores do contexto social e institucional

apresentados ao longo desta dissertação. Assim, o processo de impeachment, ancorado nas

pedaladas fiscais e nos decretos orçamentários, nada mais foi que a base formal para tirar

Dilma Rousseff do Palácio do Planalto.

Na medida em que recapitulamos, mesmo que sucintamente, a trajetória dos governos

Dilma Rousseff (2011-2016), ampliamos nosso repertório para analisar mais assertivamente

as estratégias de comunicação dos grupos das redes sociais on-line no que diz respeito ao

engajamento e à participação popular pelo Facebook. A seguir, passaremos à análise dos

convites virtuais de eventos e das interações dos seguidores em suas fanpages.

3.2. A construção e desconstrução de Dilma e seu governo pelos grupos nas

redes sociais on-line

Esta parte da pesquisa visa a apresentar a “construção e desconstrução” de Dilma e seu

governo por meio das estratégias de comunicação dos grupos que atuaram a favor e contra o

Page 99: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1805/2/Cleide Rodrigues.pdf · IMPEACHMENT DE DILMA ROUSSEFF NAS REDES SOCIAIS ON-LINE

98

impeachment nas redes sociais, particularmente pelo Facebook, para engajar seguidores a

comparecerem em eventos articulados nos ambientes off-line. O período de estudo é de 1º de

março a 31 de agosto de 2016, ou seja, do mês do principal ato público contra o governo – em

13 de março – até a votação do impeachment no Senado, com a decisão do Parlamento pela

saída da presidente da República, naquele ano.

Com base em “concepções teóricas da abordagem, articulando-se com a teoria, com a

realidade empírica e com os pensamentos sobre a realidade” (MINAYO, 2009, p.15),

buscamos compreender as grandes manifestações públicas em tempo de redes sociais digitais.

Dessa forma, o objeto empírico deste estudo foi um recorte das publicações dos grupos

Movimento Brasil Livre (MBL) e Vem pra Rua (a favor do impeachment); e Frentes Brasil

Popular e Povo Sem Medo (contra o impeachment), em suas fanpages.

Adotamos a análise de conteúdo como proposta metodológica, segundo as orientações

de Bardin (2011), para observar 89 convites virtuais de eventos sobre atos públicos e a

interação dos seguidores nas fanpages dos grupos mencionados a partir da divulgação destas

atividades nos ambientes on-line. Através dos dados encontrados e tratados, buscamos

identificar as estratégias de comunicação adotadas com foco no engajamento e na participação

popular no processo de impeachment de Dilma Rousseff. A pesquisa consistiu em análise

quantitativa e qualitativa e o estudo exploratório do material coletado.

As publicações foram organizadas a partir das datas e chamadas das postagens

conforme já mencionamos. Analisamos o material com base nas seguintes categorias: 1)

participação, 2) ação/mensagem, 3) argumento, 4) protagonistas e 5) símbolos identitários16

.

Para avaliarmos a interação nas fanpages, criamos a categoria 6) repercussão, por meio da

qual observamos os likes e o teor dos comentários dos seguidores nas redes sociais on-line.

No quadro a seguir, descrevemos como realizamos a análise por categoria:

16

O termo "símbolos identitários" foi definido neste trabalho a partir da visão crítica de Hobsbawm (1997, p.9)

sobre o conceito de tradição inventada. Para ele, trata-se de "um conjunto de práticas, normalmente reguladas

por regras tácita ou abertamente aceitas; tais práticas, de natureza ritual ou simbólica, visam inculcar certos

valores e normas de comportamento através da repetição, o que implica, automaticamente, uma continuidade em

relação ao passado. Aliás, sempre que possível, tenta-se estabelecer continuidade com um passado histórico

apropriado".

Page 100: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1805/2/Cleide Rodrigues.pdf · IMPEACHMENT DE DILMA ROUSSEFF NAS REDES SOCIAIS ON-LINE

99

QUADRO 3 – Análise dos convites virtuais por categoria

(Descrição e tratamento do material)

Período de 1º Março a 31 de Agosto de 2016

Categoria Descrição e tratamento do material

1. Participação Classificados os números de convidados, comparecimentos e interessados

ao evento. Porém, a análise considerou apenas o item “compareceram”, que

mensura a participação/presença no evento.

2. Ação/Mensagem Considerada a informação primária da publicação/convite (imagens de foto,

desenho, logomarca e texto), ou seja, o post propriamente dito, sendo

descartado o conteúdo do detalhe do evento.

3. Argumento Analisadas todas as informações do convite (imagens de foto, desenho e

texto) e conteúdo complementar presente no "detalhe" da publicação.

4. Protagonistas Relacionados os atores sociais presentes no convite, considerando-se a

informação primária (post) e complementar (detalhe do enunciado).

5. Símbolos identitários Considerados todos os elementos do convite (informação primária e detalhe

do enunciado) como foto, desenho, logomarca e texto.

6. Repercussão Analisada a publicação a partir da interação e do relacionamento do

seguidor na rede social com os envolvidos (grupo e/ou outros seguidores).

A partir de likes e comentários – elementos que indicam interação –

realizou-se pesquisa exploratória sob os seguintes aspectos: a) interação nas

fanpages do grupo com os seguidores e dos seguidores com o grupo e/ou

entre eles; e b) posicionamento a partir da “conversa” no Facebook. Se o

seguidor “concorda” ou “discorda” da publicação, e se teor do

posicionamento expresso pelo seguidor foi “ofensivo” ou “não ofensivo”.

A partir deste critério, a análise foi organizada em duas etapas. A primeira consistiu na

síntese de apontamentos gerais e relevantes acerca de cada grupo, com base na divisão das

categorias mencionadas. Na segunda, foram selecionados os eventos de maior destaque para

uma interpretação mais aprofundada e pontual a partir desta mesma plataforma de estudo.

Também foram observadas as diferenças, particularidades e semelhanças dos grupos quanto

às estratégias de comunicação em suas fanpages. Percorridas tais etapas, concluímos os três

“polos cronológicos”17

de organização do estudo, bem como a decodificação dos dados

empíricos (BARDIN, 2011).

3.2.1. Um panorama sobre os convites “virtuais” dos grupos do impeachment

Uma das funcionalidades proporcionadas pelo Facebook é organizar e articular

eventos por meio da rede social. Na medida em que se conectam e se relacionam nos

ambientes virtuais, as pessoas se apropriam de facilidades e recursos tecnológicos da

contemporaneidade, possíveis graças à disseminação da internet em escala global. “As redes

17

A análise de conteúdo deste trabalho foi realizada com base no conceito de Bardin (2011, p.121) no que

concerne a organização do estudo. Segundo a autora, a pesquisa perpassa por três “polos cronológicos”: a pré-

análise; a exploração do material; e o tratamento dos resultados, a inferência e a interpretação.

Page 101: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1805/2/Cleide Rodrigues.pdf · IMPEACHMENT DE DILMA ROUSSEFF NAS REDES SOCIAIS ON-LINE

100

têm vantagens extraordinárias como ferramentas de organização em virtude de sua

flexibilidade e adaptabilidade inerentes” (CASTELLS, 2003, p.7).

Notamos quão usada foi a tecnologia no processo de impeachment de Dilma Rousseff

ao longo de 2016. Um extrato deste cenário foram as ações e os eventos organizados e

articulados nas redes sociais on-line pelos grupos MBL, Vem pra Rua, e Frentes Povo Sem

Medo e Brasil Popular. Juntos, eles publicaram 89 convites virtuais em suas fanpages para

engajar a sociedade a participar de atos pró e contra o impeachment. As atividades foram bem

variadas, desde encontros e plenárias temáticas regionais a grandes mobilizações nacionais. A

seguir, apresentamos um compilado da análise do material coletado de cada grupo.

QUADRO 4 – Raio-X dos convites do Facebook

(Uma síntese das ações dos grupos pró e contra o impeachment)

Período de 1º Março a 31 de Agosto de 2016

Grupo Mapeamento dos convites virtuais

1. MBL - 14 postagens e oito eventos;

- Duas ações em parceria com o Vem pra Rua em atividades nacionais;

- Uso frequente das cores da bandeira nacional (verde e amarela);

- Apelo à sociedade para participação em atos "cívicos";

- Ações regionais e nacionais;

- Principais protagonistas de ataque (Dilma, Lula e PT) e de apoio (povo

brasileiro e MBL);

- Personalidades da esfera pública, faixas, bandeiras, logomarcas e multidão

de pessoas são símbolos identitários recorrentes nos convites virtuais;

- Os eventos dos dias 13/3 e 17/4 tiveram grande repercussão na rede virtual

e participação do público nos ambientes off-line; nestes casos, houve

interação social e posicionamento divergente, por vezes ofensivo, entre

seguidores, a partir das publicações dos convites;

- O impeachment de Dilma foi o tema central das postagens.

2. Vem pra Rua - 4 postagens para a mesma quantidade de eventos organizados;

- Duas ações em parceria com o MBL de abrangência nacional;

- Uso frequente das cores da bandeira nacional (verde e amarela);

- Apelo à sociedade para participação em atos "cívicos";

- Eventos de mobilização exclusivamente de porte nacional;

- Principais protagonistas de ataque (Dilma e parlamentares responsáveis

pela votação do impeachment), e de apoio (povo brasileiro e Vem pra Rua);

- População em massa e identidade visual do Vem pra Rua são principais

símbolos identitários;

- Todas as atividades organizadas na rede repercutiram entre os seguidores.

As ações de maior relevância foram do dia 13/3, em que 402 mil pessoas

compareceram ao ato, segundo levantamento na fanpage; e do dia 17/4, com

notória aderência de seguidores observada em mais de 100 comentários e

656 likes registrados na publicação do convite para o evento. Neste caso,

notou-se que a maioria dos internautas se coloca a favor do ato, porém, há

divergência de opiniões, por vezes ofensivas;

- Manifestações públicas e impeachment são temas centrais dos convites.

3. Povo Sem Medo - 20 postagens e 18 eventos;

- Nove ações regionais e nacionais em parceria com a Frente Brasil Popular,

além de outras entidades de classe e movimentos sociais;

Page 102: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1805/2/Cleide Rodrigues.pdf · IMPEACHMENT DE DILMA ROUSSEFF NAS REDES SOCIAIS ON-LINE

101

- Uso frequente das cores roxa e laranja, em referência à identidade visual

do grupo;

- Apelo à sociedade para participação em ato “cívico” de resistência e luta

contra o golpe e pela garantia de direitos;

- Explícita corrente política (esquerda) e apoio a Dilma com ressalvas e

críticas e à sua gestão;

- Eventos nacionais e regionais, sobretudo em São Paulo e Rio de Janeiro,

diversos como debates, assembleias e mobilizações em massa;

- Principais protagonistas de ataque (Temer, Sergio Moro, Eduardo Cunha e

Rede Globo) e de apoio (Dilma, Lula, PT, Povo Sem Medo e Frente Brasil

Popular);

- Personalidades públicas, multidão de pessoas, faixas, cartazes, logomarcas

são símbolos identitários recorrentes nos convites virtuais;

- Baixa interação na fanpage por evento. Nenhuma atividade ultrapassou

100 likes, o que refletiu em proporção similar quanto aos comentários. Os

convites virtuais para atos nacionais tiveram repercussão maior na rede

social, com destaque para 24/3; 1º/5, 12 e 13/5; 10/6 e 31/7. Quando notada

divergência de opinião, houve troca de ofensas entre os internautas;

- Temer é o principal tema das postagens dos convites virtuais.

4. Frente Brasil Popular - 50 postagens para 20 eventos, das quais 26 referem-se a um único evento

(Dia Nacional de Mobilização – Fora Temer, em 10/6).

- Nove ações regionais e nacionais em parceria com a Frente Povo Sem

Medo, além de outras entidades de classe e movimentos sociais;

- Uso de cores roxa e laranja, em convites especialmente em parceria com a

Frente Povo Sem Medo, e também verde e amarela, com certa frequência. A

cor vermelha também aparece nos convites virtuais.

- Apelo à sociedade para participação em atos “cívicos” para lutar pela

democracia e contra o golpe;

- Explícita corrente política (esquerda) e apoio a Dilma com ressalvas e

críticas e à sua gestão;

- Eventos regionais e nacionais diversos, como assembleias, plenárias,

debates e mobilizações em massa;

- Principais protagonistas de ataque, sobretudo Temer e outros (Eduardo

Cunha e Rede Globo); e de apoio (movimentos sociais e Dilma);

- Personalidades públicas, multidão de pessoas, faixas, cartazes, logomarcas

são símbolos identitários recorrentes nos convites virtuais;

- Baixa interação na fanpage, com poucos likes e comentários, algumas

vezes nenhum. A adesão em parte dos eventos foi mais representativa nos

ambientes off-line (18 e 31/3; 17/4, 10/6, e 29/8), pelo levantamento no

Facebook. O Dia Nacional de Mobilização – Fora Temer, em 10/6,

destacou-se como uma das principais ações na rede social do grupo;

- Temer é o principal tema das postagens dos convites virtuais.

Pelo quadro geral apresentado, notou-se que, embora tenham articulado menos ações

nas redes, os grupos favoráveis ao impeachment – MBL e Vem pra Rua – tiveram maior

adesão de seguidores aos seus eventos, em detrimento às atividades organizadas pelas Frentes

Povo Sem Medo e Brasil Popular. A ala que atuou pelo impeachment da presidente Dilma

Rousseff organizou, no total, 18 ações, sendo duas delas em parceria. Do outro lado,

contabilizamos 38 eventos nacionais e regionais, dos quais nove realizados conjuntamente

pelas duas frentes integradas por movimentos sociais de todo o país.

Observamos que não se trata simplesmente de eficiência de estratégia de comunicação

em prol do engajamento e participação social. Pelos autores estudados neste capítulo (Singer,

Page 103: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1805/2/Cleide Rodrigues.pdf · IMPEACHMENT DE DILMA ROUSSEFF NAS REDES SOCIAIS ON-LINE

102

2015; Bucci, 2016; e Villaverde, 2016) e em outros momentos desta dissertação, o cenário

social e institucional inicial, ou seja, o contexto histórico e político, era desfavorável à chefe

de Estado que, gradativamente, foi perdendo aliados em diferentes segmentos da sociedade e

meio político ao longo de seus governos.

Relembremos que para Singer (2015) o declínio começa já no primeiro mandato, a

partir da implementação da “nova matriz econômica”, fortemente voltada para o “ativismo

estatal” com base na reindustrialização. Bucci (2016) aponta a influência das medidas

econômicas do governo e seu reflexo no comportamento da sociedade.

Quando se pensa que o estopim dos protestos de 2013 foi uma tentativa de

aumento de vinte centavos no preço da passagem dos ônibus urbanos, a

escola macroeconômica seguida por Dilma a partir de 2015 foi mais que um

anticlímax. Parceria mesmo um escárnio. E foi nesse ambiente político, de

desencantamento e frustração, que as manifestações de rua, depois da

grande eclosão em junho de 2013, prosseguiram em 2015 e 2016 (BUCCI,

2016, p.147).

Villaverde (2016, p. 232-233) relata também uma série de acontecimentos políticos

pouco mais de um mês antes da votação na Câmara, em 17 de abril de 2016, pela abertura do

processo de impeachment: a condução coercitiva do ex-presidente Lula pela Polícia Federal

para colher depoimento na investigação da Operação Lava Jato; nomeação do ex-presidente

para ministro-chefe da Casa Civil e a divulgação autorizada pelo juiz Sergio Moro do áudio

de conversas entre Lula e Dilma sobre o caso – como veremos no capítulo seguinte – e o

rompimento formal de Temer e do PMDB com o governo.

Diante disso, os eventos dos grupos articulados nas redes sociais refletem um contexto

social e institucional conturbado no que tange ao cenário político e econômico. O governo

Dilma se vê fragilizado. As críticas à sua administração se tornaram públicas e frequentes

inclusive por movimentos contrários ao impeachment, como vimos na análise dos convites

virtuais. Daí em diante o caminho para a sociedade – nos seus mais diferentes segmentos –

reverberar sua insatisfação e descontentamento nas ruas foi curto. Assim, os grupos pró-

impeachment encontraram nas redes sociais um ambiente confortável e amigável para

disseminar seu discurso pelo afastamento da presidente, ganhando força no decorrer de 2016.

Notamos que os protagonistas dos convites virtuais são personalidades públicas

envolvidas em situações e/ou acontecimentos de conhecimento geral. Se Dilma, Lula e o PT

foram alvos de críticas nas postagens dos grupos MBL e Vem pra Rua; por outro lado, Temer,

Eduardo Cunha e até a grande imprensa, incorporada pela Rede Globo, receberam ataques por

meio dos posts que circularam nas fanpages das Frentes Povo Sem Medo e Brasil Popular.

Page 104: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1805/2/Cleide Rodrigues.pdf · IMPEACHMENT DE DILMA ROUSSEFF NAS REDES SOCIAIS ON-LINE

103

Os grupos usaram as ferramentas tecnológicas para produzir e disseminar os convites

nos ambientes on-line, utilizando fotos, desenhos, logomarcas e muita arte gráfica de modo

que pudessem ser identificados perante o público seguidor. O povo (brasileiro) em diferentes

situações foi um forte elemento comum nas postagens dos quatro grupos analisados e ganhou

a cena como principal protagonista. De modo geral, o intuito era que a sociedade se sentisse

representada pelos movimentos e fosse às ruas em defesa das mesmas causas.

Se concebermos os perfis no Facebook dos grupos MBL, Vem pra Rua, Povo Sem

Medo e Frente Brasil Popular segundo Recuero (2011), estes são atores representados por nós

ou nodos da rede, cujas conexões são constituídas de laços sociais, por sua vez formados da

interação social. Para a autora, estudar a interação social é estudar a comunicação entre os

atores. Na relação estabelecida dos quatro grupos analisados com seus seguidores, notamos a

configuração de laços sociais fracos por se tratarem de “relações esparsas, que não traduzem

proximidade e intimidade” (RECUERO, 2011). Não houve interação dos grupos com os

internautas que acompanharam seus perfis na rede social, exceto por um like da Banda Loka,

ligada ao MBL de Porto Alegre (RS), em referência a um comentário na fanpage do grupo.

As interações nos perfis dos grupos foram exclusivamente entre seguidores.

3.2.2. Particularidades das publicações dos principais eventos dos grupos na rede

Na análise dos 89 convites, que compreendem as ações e atividades articuladas pelos

grupos pró e contra o impeachment no Facebook, notamos certas particularidades na recepção

das mensagens pelos seguidores. Foram selecionadas as publicações dos principais eventos,

com base na participação dos seguidores nos ambientes off-line e relevante repercussão nas

fanpages conforme a quantidade de likes e/ou de comentários nos perfis analisados. No caso

dos comentários, levou-se em consideração também o teor das mensagens com vistas à

mensuração qualitativa de cada conteúdo.

As análises relacionadas às publicações do MBL e Vem pra Rua tiveram como

referência os dias 13 de março e 17 de abril de 2016, respectivamente, a maior manifestação

pública já vista na história do Brasil com aproximadamente 3,6 milhões de pessoas nas ruas

gritando “Fora Dilma” em 337 cidades do território nacional, segundo a polícia militar; e a

votação na Câmara dos Deputados pelo processo de impeachment de Dilma Rousseff (MAPA

das manifestações no Brasil, Portal G1, s.d., s.p.).

Os convites analisados da Frente Povo Sem Medo são das atividades de 24 de março,

poucos dias após o pedido de impeachment ganhar notoriedade no país; 12 e 13 de maio,

Page 105: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1805/2/Cleide Rodrigues.pdf · IMPEACHMENT DE DILMA ROUSSEFF NAS REDES SOCIAIS ON-LINE

104

referente à primeira grande mobilização contra Temer, em atos regionais em São Paulo e Rio

de Janeiro; 10 de junho, em alusão ao Fora Temer – Dia Nacional de Mobilização; e por fim,

31 de julho, pelo ato nacional contra do governo do presidente interino. Da Frente Brasil

Popular, os principais eventos analisados com base na repercussão no perfil do Facebook

foram os de 18 e 31 de março, com apelo para participação da sociedade em atos nacionais

em “defesa da democracia”; 10 de junho, evento nacional organizado em parceria com Frente

Povo Sem Medo; e 29 de agosto, votação do processo de impeachment contra Dilma no

Senado. As análises foram feitas a partir do critério de categorização mencionado no trabalho.

3.2.2.1 Dilma Rousseff na mira do MBL e Vem pra Rua

Em parceria, o MBL e o Vem pra Rua divulgaram convites virtuais em suas fanpages

para instigar a sociedade a participar de manifestações públicas em 13 de março e 17 de abril

de 2016. A seguir, descrevemos os principais apontamentos conforme a divisão de categorias

definidas para a análise: 1) participação, 2) ação/mensagem, 3) argumento, 4) protagonistas,

5) símbolos identitários e 6) repercussão. Ao final, inserimos alguns posts analisados.

QUADRO 5 – Análise dos convites por categoria – MBL

(Descrição e tratamento do material)

13 de março de 2016

Síntese da divulgação: O MBL publicou três convites virtuais: dois regionais (Mossoró-AL e Porto Alegre-

RS) e um nacional. Todos apresentam a mesma diretriz de convocação do povo brasileiro para ir às ruas pelo

impeachment de Dilma Rousseff contra a corrupção, fraude fiscal e promessas de campanha não cumpridas.

Categoria Descrição e tratamento do material

1. Participação Quase 31 mil seguidores compareceram aos eventos, segundo o Facebook.

2. Ação/Mensagem - Ou você vai ou ela fica; 13 de março megamanifestação;

- 13 de março - Todos às ruas, impeachment já!

3. Argumento O Brasil não aguenta mais tanta corrupção, fraude e incompetência e exige

“Fora, Dilma!”. As razões para o impeachment são: 1) Corrupção; 2) Crise;

3) Apoio a ditaduras como Cuba e Venezuela; 4) Estelionato eleitoral com

promessas de campanha não cumpridas; 5) Fraude fiscal, com crime de

Responsabilidade Fiscal.

4. Protagonistas 1) Povo/multidão de brasileiros; 2) MBL; 3) Vem pra Rua; 4) Dilma; 5) PT;

6) Governos ditatoriais Cuba e Venezuela.

5. Símbolos identitários 1) Manifestação pública; 2) Pessoas vestidas de verde e amarelo (cores da

nação); 3) Bandeira do Brasil; 4) Faixa contra o PT; 5) Logomarcas MBL e

Vem pra Rua.

6. Repercussão Poucos likes e comentários. Repercussão entre seguidores e de apoio à

manifestação nacional. Uma menção ofensiva ao governo Dilma. Exemplos:

- “Agora peguei raiva. Vi um vídeo de petistas queimando a bandeira do

Brasil. Vamos pra rua!! BASTA!!”;

- “Desgraçados” (resposta de seguidor);

- Postagem de vídeo do youtube: “Olê, olê, vamos pra rua”;

- “Maravilha. Juntos venceremos” (resposta de seguidor).

Page 106: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1805/2/Cleide Rodrigues.pdf · IMPEACHMENT DE DILMA ROUSSEFF NAS REDES SOCIAIS ON-LINE

105

7. Post

17 de abril de 2016

Síntese da divulgação: O MBL publicou três convites virtuais. O foco é a transmissão da votação da abertura

do processo de impeachment de Dilma com pessoas nas ruas, torcida, bandeira e todos vestidos de verde e

amarelo. Todos juntos por um país mais livre e melhor, e contra a corrupção.

Categoria Descrição e tratamento do material

1. Participação Mais de 30 mil seguidores compareceram aos eventos, segundo o Facebook.

2. Ação/Mensagem - A vitória está perto (17/4). Todos nas ruas pelo impeachment;

- Nas ruas para a votação do impeachment (17/4);

- Transmissão do impeachment; Dilma demitida;

- Ajuda financeira para trazer a Carreta Furacão para o impeachment.

3. Argumento Deputados representam eleitores que foram às ruas contra o governo mais

corrupto da história. MBL é o organizador do evento histórico: a votação do

processo de impeachment da presidente Dilma, com transmissão ao vivo.

Todos juntos por um Brasil mais livre, convide a família, vista verde e

amarelo e torça por um país melhor, e vá com sua bandeira. Em Porto

Alegre, houve apelo para financiar a ida da Banda Loka a Brasília.

4. Protagonistas 1) Povo/multidão de brasileiros; 2) MBL; 3) Dilma/governo; 4) Lula; 5)

Deputados; 6) Entidades de classes, como artistas e jornalistas; 7) Carreta

Furacão/Banda Loka.

5. Símbolos identitários 1) Foto de ato público e povo de mãos dadas; 2) Bandeira do Brasil; 3)

Logomarca MBL; 4) Boneco de Lula presidiário; 5) Deputados; 6) Dilma.

6. Repercussão Poucos likes. Há comentários com opiniões divergentes sobre o cenário

político e o impeachment. Discussão entre seguidores e ofensas. Exemplos:

- “Golpe nunca! Democracia Sempre! Lula 2018”;

- “Golpe é o que essa bandida tá fazendo...” (resposta de seguidor);

- “São ridículos”;

- “Vai estudar, querida!”

Page 107: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1805/2/Cleide Rodrigues.pdf · IMPEACHMENT DE DILMA ROUSSEFF NAS REDES SOCIAIS ON-LINE

106

- “Chupaaaaaaa PT”.

- “Porque não pede impeachment do Temer também? Ele vai combater a

corrupção junto do Cunha. kkkkk Parabéns vamos nessa. Kkkkk.”

- “O idiotaaaaaa vc votou no Temer! (...). Se existir alguém competente, o

Brasil melhora... E a sua diva vai pra cadeia ou pro sanatório”.

7. Post

Alguns protagonistas se sobressaíram nos convites produzidos pelo MBL para instigar

a população brasileira para ir às ruas. Dilma desponta como a “vilã” pela crise política e

econômica. Elementos do contexto institucional, como a corrupção na política, crime de

responsabilidade fiscal, Lula preso em alusão às investigações da Lava Jato, estão presentes

nos enunciados. Também compõem o material os protagonistas que podem livrar o país da

calamidade: o MBL, e claro, o povo brasileiro. Juntos, eles conseguirão reverter o quadro, por

um Brasil “melhor e mais livre”. O apelo ao nacionalismo é visivelmente explorado: além do

tradicional verde e amarelo, a bandeira brasileira ganha destaque nos convites.

Notou-se a polaridade entre grupos – de esquerda e de tendência mais conversadora –,

ao observar o teor áspero da interação entre os seguidores, por vezes ofensivo. Percebe-se um

relacionamento distante entre os internautas, aliás, característico da sociabilidade da rede.

Esta é apropriada para a geração de “laços fracos múltiplos” e sua vantagem é que ela permite

a criação de laços fracos com desconhecidos, num modelo igualitário de interação, no qual as

características sociais são menos influentes na estruturação, ou mesmo no bloqueio, da

comunicação (CASTELLS, 1999, p.445).

Page 108: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1805/2/Cleide Rodrigues.pdf · IMPEACHMENT DE DILMA ROUSSEFF NAS REDES SOCIAIS ON-LINE

107

QUADRO 6 – Análise dos convites por categoria – Vem pra Rua

(Descrição e tratamento do material)

13 de março de 2016

Síntese da divulgação: O Vem pra Rua publicou apenas um convite virtual deste evento. Foi o que mais

reverberou na rede entre os 89 analisados. Houve 2.600 likes, mais de 100 comentários e 402 mil seguidores

compareceram ao ato. A publicação é um apelo à participação da sociedade nas ruas em ato “cívico”. Os

protagonistas são o povo brasileiro e o Vem pra Rua. Ação em parceria com MBL.

Categoria Descrição e tratamento do material

1. Participação Mais de 402 mil seguidores compareceram ao evento, segundo o Facebook.

2. Ação/Mensagem - Megamanifestação em todo o país contra o governo Dilma.

3. Argumento Megamanifestação se faz com pessoas nas ruas. Assim, a população é

chamada/instigada a “ir pra rua”.

4. Protagonistas 1) Povo/multidão de brasileiros; 2) Vem pra Rua; 3) Dilma.

5. Símbolos identitários 1) Manifestação pública; 2) Site Vem pra Rua; 3) Pessoas vestidas de verde

e amarelo (cores da nação); 4) Faixa com menção a Dilma.

6. Repercussão 2.600 likes e mais de 100 comentários. Repercussão entre seguidores de

apoio à manifestação nacional e contra o governo Dilma. Há divergência de

opiniões e menções ofensivas. Exemplos:

- “Não vamos nos acovardar. Vamos pra rua dia 13 de março. Protestar de

forma pacífica!”

- “Domingo, às 15h, aterro da Praia de Iracema 13/03/16. Fora Dilma, Lula

e PT!!!”

- “Hoje tem água lá porque o PT levou” (seguidor responde)

- “Esse pulha não tem competência para tanto. Ele apenas assina sua carta

de culpa e Dilma leva o tiro de misericórdia. Pronto e acabou PT!” (réplica)

- “Vai sonhando. Seu pulha!” (tréplica)

- “Nunca um presidente ficou tão rico (...), como a família inteira e amigos

próximos a Luiz Inácio Lula da Silva. Corrupto, malfeitor e bandido.

Enquanto ele enriquece, nós ficamos mais pobres. Isso tem que acabar”.

- Como faço para comprar uma camiseta “Fora Dilma” e “Fora PT”?

- “No Mercado Livre tem. Acho que no MBL também” (seguidor responde).

7. Post

17 de abril de 2016

Síntese da divulgação: Publicação de apenas um convite virtual, com 656 likes e mais de 100 comentários. A

mensagem é que o Vem pra Rua vai acompanhar a transmissão da votação do impeachment nas ruas, e convida

toda a sociedade para fazer o mesmo. Ação em parceria com MBL.

Categoria Descrição e tratamento do material

1. Participação Mais de 2,8 mil seguidores compareceram ao evento, segundo o Facebook.

2. Ação/Mensagem - Vem pra Rua na votação do impeachment.

3. Argumento Em diversas cidades, o Vem pra Rua acompanhará nas ruas a votação do

impeachment na Câmara dos Deputados; convite à participação popular.

4. Protagonistas 1) Povo/multidão de brasileiros nas ruas; 2) Vem pra Rua.

Page 109: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1805/2/Cleide Rodrigues.pdf · IMPEACHMENT DE DILMA ROUSSEFF NAS REDES SOCIAIS ON-LINE

108

5. Símbolos identitários 1) Manifestação pública; 2) Pessoas vestidas de verde e amarelo (cores da

nação); 3) Faixa verde amarelo.

6. Repercussão Um total de 656 likes e mais de 100 comentários. Repercussão entre

seguidores de apoio à manifestação nacional e críticas ao governo Dilma.

Há divergência de opiniões, por vezes ofensivas. Exemplos:

- “Temos que contribuir para um Brasil decente”

- “Hahahahahahahahaha foooora, débil!”

- “As pessoas precisam aprender a respeitar opinião dos outros”

- “Estarei lá de novo (...). Fora, Vadilma. Fora, Lulaladrão. Fora PT”

- “Estarei em Fortaleza de verde e amarelo!!”

- “Vamos expulsar essa facção criminosa do governo brasileiro, dia 17/04” -

“Somos todos Moro! Prisão para o bando petralha!”

7. Post

Observou-se que os convites virtuais publicados na fanpage do Vem pra Rua tiveram a

maior aderência entre os seguidores diante dos demais grupos, inclusive dos que atuaram

contra o impeachment. Embora a articulação e a organização dos eventos de 13 de março e 17

de abril, em 2016, tenham sido realizadas em parceria com o MBL, os internautas foram mais

assíduos à página do Vem pra Rua. No convite para o ato de 13 de março, constatamos que

houve 2.600 likes e mais de 100 comentários, com mais 402 mil seguidores presentes à

manifestação. Relevante interação também foi notada na ação de 17 de abril, com 656 likes e

mais de 100 comentários. Assim, avaliamos os argumentos do grupo para compreendermos a

significativa aderência aos seus convites. Ambos foram objetivos: o primeiro faz o apelo de

que “megamanifestação se faz nas ruas”, e o segundo diz que o grupo vai acompanhar “nas

ruas” a transmissão da votação do processo de impeachment de Dilma na Câmara. Os dois

instigam os brasileiros a participarem dos protestos contra o governo nas ruas.

Não nos parece que a explicação para a maior aderência da sociedade aos convites

virtuais do Vem pra Rua seja a eficácia da estratégia de comunicação para seus públicos de

interesse. Reiteremos que o impeachment de Dilma Rousseff não ocorreu de uma hora para

outra. Foram diversos os fatores que levaram ao declínio do governo. Assim como o MBL, o

Vem pra Rua encontrou terreno favorável para disseminar seu discurso contra um governo já

fragilizado e sob constantes críticas, sendo mais um ator da esfera pública a endossar seu

descontentamento em relação os rumos do país.

Page 110: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1805/2/Cleide Rodrigues.pdf · IMPEACHMENT DE DILMA ROUSSEFF NAS REDES SOCIAIS ON-LINE

109

3.2.2.2 Frentes Povo Sem Medo e Brasil Popular: Michel Temer e o golpe

Os convites virtuais divulgados nas fanpages das Frentes Povo Sem Medo e Brasil

Popular têm como principal ator da esfera pública Michel Temer. Para os grupos ele teria sido

o principal articulador do “golpe” político, que afastou Dilma Rousseff da presidência da

República, em 2016. A seguir, descrevemos alguns apontamentos sobre as estratégias dos

grupos no Facebook referentes ao processo de impeachment. A análise foi feita conforme a

divisão de categorias: 1) participação, 2) ação/mensagem, 3) argumento, 4) protagonistas, 5)

símbolos identitários e 6) repercussão. Ao final, inserimos alguns posts analisados.

QUADRO 7 – Análise dos convites por categoria – Povo Sem Medo

(Descrição e tratamento do material)

24 de março de 2016

Síntese da divulgação: A publicação aborda que existe um complô contra Dilma encampado por setores da

sociedade e o pedido de impeachment é antidemocrático. Porém, critica as políticas econômicas do governo. A

esquerda é a saída para o Brasil. Com pouca interação na rede social, notamos comentários ofensivos quando as

opiniões são divergentes.

Categoria Descrição e tratamento do material

1. Participação Quase 6,4 mil seguidores compareceram ao evento, segundo o Facebook.

2. Ação/Mensagem - Grande ato em defesa da democracia; a saída é pela esquerda.

3. Argumento Setores da sociedade querem derrubar Dilma e prender Lula, passando por

cima de garantias constitucionais. O impeachment tem marcas corruptas e

antidemocráticas. A Lava Jato é instrumento de abuso e de seletividade. As

políticas do governo Dilma são indefensáveis. Diante deste cenário, a saída

para a crise é com o povo e pela esquerda.

4. Protagonistas 1) Dilma; 2) Lula; 3) Sergio Moro; 4) Eduardo Cunha; 4) Rede Globo; 5)

PT; 6) Correntes políticas de direita; 7) Povo Sem Medo; 8) Povo brasileiro.

5. Símbolos identitários 1) Manifestação pública; 2) Logomarca da Frente Povo Sem Medo; 3)

Logomarca da Rede Globo; 4) Balões vermelhos (sugere ato de esquerda).

6. Repercussão Poucos likes e comentários. Repercussão entre seguidores de apoio ao ato.

Há divergência de opiniões, por vezes ofensivas. Exemplos:

- “Nós, o povo, somos os verdadeiros guardiões da democracia! A imprensa

não é confiável! Por ela não se poderá decidir com a verdade”

- “A esquerda como único caminho isso é democracia?”

- “Bando de doentes mentais sem noção (...)”

- “Cresça mulher, se inspire na ética de Dilma!”

- “Não dá pra dialogar com burros (...)”

- “A senhora sofre de esquerdopatia”

7. Post

Page 111: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1805/2/Cleide Rodrigues.pdf · IMPEACHMENT DE DILMA ROUSSEFF NAS REDES SOCIAIS ON-LINE

110

12 e 13 maio de 2016

Síntese da divulgação: Produção de um convite, adaptado para São Paulo e Rio de Janeiro. Primeira grande

mobilização contra o governo “golpista” de Michel Temer. Apelo é para a sociedade ir às ruas para resistir ao

“golpe”. Houve relevante interação na rede, com comentários de apoio e contra os atos, às vezes ofensivos.

Categoria Descrição e tratamento do material

1. Participação Quase 35 mil seguidores compareceram ao evento, segundo o Facebook.

2. Ação/Mensagem - Temer, Jamais! Resistir nas ruas por direitos.

3. Argumento Primeira grande mobilização contra o governo golpista de Michel Temer em

São Paulo (12/5) e no Rio de Janeiro (13/5). Instiga a sociedade a sair nas

ruas para resistir ao golpe, que representa repressão aos lutadores e

lutadoras e carta branca para ascensão de um ajuste econômico cruel para os

trabalhadores. Aborda a articulação política no parlamento.

4. Protagonistas 1) Temer; 2) Frente Povo Sem Medo (organizador); 3) Dilma Rousseff.

5. Símbolos identitários 1) Manifestante em luta e resistência/punho cerrado; 2) Logomarca Frente

Povo Sem Medo; 3) Queima de pneus como referência a protestos.

6. Repercussão Mais de 120 likes (os dois eventos). Repercussão entre seguidores de apoio

e crítica ao ato. Há divergência de opiniões, por vezes ofensivas. Exemplos:

- “Olhem essa imagem! Os mortadelas estão promovendo a violência, o

impedimento do direito de ir e vir, e o vandalismo”

- “Para você, queimar pneus nas ruas é vandalismo, e condenar a presidenta

do Brasil sem nenhum crime de responsabilidade contra ela, é o quê? (...)”

(seguidor responde)

- “Os ‘mortadela’?! Isso foi um adjetivo preconceituoso à classe

proletariada? Deus do céu...” (outra resposta)

- “Um processo de impeachment conduzido por um ladrão para fazer um

canalha e corrupto virar presidente. Isso não pode ficar assim. Paz sem voz,

não é paz”

- “Vamos pra guerra.... Eles não podem rasgar o voto de 54 milhões de

pessoas... Esse golpe de estado não passará impune”.

7. Post

10 de junho de 2016

Síntese da divulgação: Dia de Mobilização Nacional – Fora Temer em ato promovido em parceria com a

Frente Brasil Popular. Críticas à condução do governo em diversos setores. Apelo para todos irem às ruas

contra um governo ilegítimo. Pouca interação na rede social, com comentários de apoio ao evento.

Categoria Descrição e tratamento do material

1. Participação Quase 12 mil seguidores compareceram ao evento, segundo o Facebook.

2. Ação/Mensagem - Fora Temer! Não ao Golpe! Nenhum Direito a Menos! Ato no Masp, em

10 de junho. Protesto pelo pouco menos de um mês do governo interino de

Michel Temer.

- Fora Temer! Ato nacional. Não ao Golpe. Nenhum Direito a Menos.

3. Argumento Protestos pela atuação do governo: reforma da previdência, com arrocho nos

direitos dos trabalhadores, desvinculação do orçamento da educação e

saúde, suspensão de programas sociais como Minha Casa, Minha Vida,

Fies, Prouni e Pronatec, criminalização e perseguição dos movimentos

sociais. Governo taxado de ilegítimo. Daí, o convite para sair às ruas em ato

Page 112: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1805/2/Cleide Rodrigues.pdf · IMPEACHMENT DE DILMA ROUSSEFF NAS REDES SOCIAIS ON-LINE

111

de resistência e luta por direitos no Dia Nacional de Mobilização.

4. Protagonistas 1) Povo/multidão; 2) Temer; 3) Povo Sem Medo; 4) Políticos como Aécio

Neves, Eduardo Cunha, Romero Jucá (chefes do golpe); 5) Dilma (vítima);

6) Frente Brasil Popular.

5. Símbolos identitários 1) Manifestantes em sinal de resistência e luta; 2) Logomarca Povo Sem

Medo; 3) Menção aos políticos; 4) Logomarca e menção à Frente Brasil

Popular; 5) Cartazes com dizeres de golpe em referência ao governo Temer.

6. Repercussão Menos de 100 likes (dois eventos) e poucos comentários. Repercussão entre

seguidores de apoio e pedido de divulgação dos locais dos atos. Exemplos:

- “Pessoas interessadas em saber os locais”

- “Fora, Temer!”

- “Sexta, 10, é Fora Temer em todo o Brasil! Em Uberaba, a concentração é

às 17h na Praça do Correio! Depois tem sarau da democracia, na Praça

Santa Rita! VAMBORA!”

- “Em SP no vão do Masp na Av.Paulista”.

7. Post

31 de julho de 2016

Síntese da divulgação: Ato “Fora Temer” promovido em parceria com a Frente Brasil Popular em várias

cidades do país. Apelo para todos irem às ruas contra o governo do presidente interino. Pouca interação na rede

social, com comentários de apoio ao evento e a Dilma, além de críticas a Temer.

Categoria Descrição e tratamento do material

1. Participação Mais de 10 mil seguidores compareceram ao evento, segundo o Facebook.

2. Ação/Mensagem - Ato fora Temer - o povo deve decidir e em todo o Brasil. Convite para

manifestação no Largo da Batata e outras cidades do país.

3. Argumento Convite à sociedade para ato contra o governo Temer, organizado pelas

Frentes Brasil Popular e Povo Sem Medo e outros movimentos. Apelo ao

povo para fazer parte de uma grande mobilização em todo o país.

4. Protagonistas 1) Temer; 2) Frente Povo Sem Medo; 3) Povo (brasileiro)

5. Símbolos identitários 1) Foto de Temer pensativo em preto e branco; 2) Logomarca da Frente

Povo Sem Medo; 3) Cores da Povo Sem Medo.

6. Repercussão Menos de 100 likes e poucos comentários. Repercussão com comentários de

apoio ao evento e a Dilma, e críticas a Temer. Exemplos:

- “Alô, Povo Sem Medo, radicalizar é a palavra... (...) O interino detonou o

país. Nosso futuro está na corda bamba. E agora?”

- “Ruas, ruas, ruas cheias. Vamos lá, pessoal!”

- “#Fora|Temer!!!”

- “Dilma é vitima de um acordo PT/PMDB por manter esse canalha na

Page 113: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1805/2/Cleide Rodrigues.pdf · IMPEACHMENT DE DILMA ROUSSEFF NAS REDES SOCIAIS ON-LINE

112

chapa com ela”.

- “Tamo juntos”

7. Post

Observou-se que Michel Temer é principal protagonista dos convites virtuais na

fanpage da Frente Povo Sem Medo, sobretudo quando assume interinamente a presidência da

República, sendo alvo de críticas. Em contrapartida, os brasileiros e movimentos de esquerda

são os principais atores para a transformação social no país. Foram recorrentes os comentários

ofensivos quando da divergência de opinião, reforçando a polaridade entre os internautas.

Notou-se pouca repercussão dos atos por meio de likes e comentários nas publicações. O

grupo destaca seu posicionamento com relação a Dilma e seu governo: contra o impeachment,

mas crítico à sua gestão. Entendemos que esse discurso pode ter influído ainda mais para a

baixa adesão da sociedade às ações divulgadas nas redes sociais e organizadas nos ambientes

off-line da organização. Mesmo tendo organizado, articulado e divulgado mais eventos por

meio dos canais virtuais, a Frente Povo Sem Medo não conseguiu construir um discurso que

instigasse a maior parte da sociedade a participar de atos nos ambientes off-line como os

grupos que atuaram a favor do impeachment.

O principal argumento da Frente Povo Sem Medo contra o impeachment de Dilma é o

golpe de Temer e seus aliados como justificativa para a sociedade resistir e lutar por seus

direitos e pela democracia. Outros atores do cenário político foram lembrados nos convites

virtuais como responsáveis e aliados do governo, então, interino. Assim, compartilhamos da

opinião de Villarverde (2016) de que o impeachment de Dilma Rousseff foi um ato político,

já que, na votação da admissibilidade do impeachment na Câmara, a minoria dos

parlamentares evidenciou as pedaladas fiscais como base de seu voto. “O cálculo para cada

voto foi estritamente político, e não técnico, exatamente como ocorrera em 1992 com o

afastamento de Fernando Collor” (VILLAVERDE, 2016, p.233). Assim, é aceitável o motivo

de segmentos da sociedade, como a Frente Povo Sem Medo, terem Michel Temer como

“vilão” e articulador de um “golpe”. Aliás, o discurso do grupo nas redes sociais foi o mesmo

usado por Dilma em sua defesa no processo de impeachment na Câmara e no Senado.

Page 114: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1805/2/Cleide Rodrigues.pdf · IMPEACHMENT DE DILMA ROUSSEFF NAS REDES SOCIAIS ON-LINE

113

QUADRO 8 – Análise dos convites por categoria – Frente Brasil Popular

(Descrição e tratamento do material)

18 de março de 2016

Síntese da divulgação: A publicação é um apelo para a sociedade se mobilizar pela luta contra o golpe e pela

democracia, em resposta ao ato de 13 de março pelo pedido de impeachment, que teve a adesão de 3,6 milhões

de pessoas nas ruas em todo o país. Evento teve relevante participação de seguidores contra o processo, com 34

mil presentes ao evento. Houve comentários, especialmente de apoio à atividade.

Categoria Descrição e tratamento do material

1. Participação Quase 34 mil seguidores compareceram ao evento, segundo o Facebook.

2. Ação/Mensagem - (18/3) Nas ruas contra o golpe, em defesa pela democracia; A cor da

resistência é negra.

3. Argumento A Frente Brasil Popular, que reúne mais de 60 entidades, fará mobilizações

em diferentes estados. Para obter a adesão, movimento já sinaliza os

endereços dos locais onde haverá manifestação.

4. Protagonistas 1) Frente Brasil Popular; 2) Movimentos sociais.

5. Símbolos identitários 1) Manifestante com bandeira e montagem de pessoa falando; 2)

Logomarca da Frente Brasil Popular.

6. Repercussão Um total de 262 likes e repercussão entre seguidores com comentários de

apoio ao ato. Exemplos:

- “Eu irei”

- “Legalidade? Tô dentro!”

- “Fiquei sabendo agora que a Rede Globo poderá perder a concessão

pública por transmitir as conversas de presidente da República”.

7. Post

31 de março de 2016

Síntese da divulgação: A publicação é um apelo para a sociedade se mobilizar pela luta contra o golpe e pela

democracia. Porém, critica o ajuste fiscal do governo e pede por outra política econômica. Pouca repercussão

na rede social. Houve comentários, especialmente de apoio à atividade. Mais de 13mil seguidores vão ao

evento, segundo o Facebook.

Categoria Descrição e tratamento do material

1. Participação Mais de 13 mil seguidores compareceram ao evento, segundo o Facebook.

2. Ação/Mensagem - 31/3 - Jornada Nacional em Defesa da Democracia: Golpe Nunca Mais;

Contra o ajuste fiscal: por outra política econômica; Em defesa dos direitos:

contra a reforma da previdência.

3. Argumento A democracia do nosso país está em risco. O Brasil tem sido palco de

perigosas investidas com a tentativa golpista de interromper o governo da

presidenta Dilma. Partidarização da justiça e da mídia no Brasil.

Convocação para ir às ruas pela democracia. Não aceitamos também o

ajuste fiscal e a proposta da reforma da previdência, que fere os direitos dos

trabalhadores/as.

4. Protagonistas 1) Frente Brasil Popular; 2) Frente Povo Sem Medo; 3) Dilma; 4) Lula; 5)

Eduardo Cunha; 6) Justiça; e 7) Mídia brasileira.

Page 115: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1805/2/Cleide Rodrigues.pdf · IMPEACHMENT DE DILMA ROUSSEFF NAS REDES SOCIAIS ON-LINE

114

5. Símbolos identitários 1) Arte de manifestantes nas ruas com braços erguidos, em sinal de luta.

6. Repercussão Poucos likes e comentários. Repercussão entre seguidores de apoio ao ato.

Exemplos:

- “Estarei na rua”

- “#GolpeNoPovo”

7. Post

10 de junho de 2016

Síntese da divulgação: Apelo para a sociedade se mobilizar pela luta por direitos adquiridos. Mobilização

Nacional - Fora Temer, com 26 postagens de convites para eventos durante o dia todo principalmente à tarde.

Poucos likes, algumas vezes nenhum. No entanto, houve a participação nos atos. A interação entre os

participantes também foi pouco representativa. A postagem com maior interação foi de evento em SP (Vão do

Masp), em que os seguidores querem saber dos locais dos eventos no país. Apesar da pouca interação na rede,

nota-se que a mobilização teve aderência daqueles que acreditavam na causa em todo o país.

Categoria Descrição e tratamento do material

1. Participação Mais de 34 mil seguidores compareceram ao evento, segundo o Facebook.

2. Ação/Mensagem Apelo à participação da população por direitos adquiridos. Os principais

protagonistas são o povo brasileiro (vítima) e Temer e simpatizantes

(vilões). Entre as mensagens/posts estão: 1) Mobilização Nacional - Contra

o golpe, em defesa da previdência e dos direitos sociais; 2) Não ao golpe,

fora Temer!; 3) Fora Temer, golpistas e fascistas não passarão! Resistir nas

ruas por direitos; 4) Golpe nunca mais; 5) Fora Temer, não ao Golpe.

3. Argumento Mobilização nacional, organizada pela frente nacional e encampada por

frentes regionais. Protestos contra o governo Temer. Entre os motivos estão:

defesa da previdência e direitos sociais; arrocho nos direitos dos

trabalhadores, desvinculação do orçamento da educação e saúde, suspensão

de programas sociais, criminalização e perseguição dos movimentos sociais;

críticas a projetos neoliberais, corrupção na política com menção à Lava

Jato. O Brasil inteiro irá às ruas denunciar o governo ilegítimo de Michel

Temer, lutar por Democracia e por um Projeto Popular de Nação. Apelo à

participação em ato “cívico” nacional.

4. Protagonistas 1) Povo/multidão em protesto; 2) Movimento Frente Brasil Popular; 3)

Dilma/PT; 4) Temer; 5) Sociedade civil e entidades de classe como

sindicatos, entidades progressistas, movimentos sociais - CWB Contra

Temer, Fórum de lutas 29 de abril, Levante Popular da Juventude PR; 5)

Frente Povo Sem Medo; 6) Eduardo Cunha; 7) Ministério Público, 8) Poder

Judiciário, 9) Parlamento, 10) Empresários; 11) Políticos como Alckmin,

Serra, Romero Jucá, Aécio Neves e Romero Jucá; 12) Grande imprensa -

Rede Globo; 14) Congresso Nacional.

5. Símbolos identitários 1) Fotos de Temer em imagens escuras; 2) Multidão com cartazes em atos

de protestos; 3) Logo dos organizadores e/ou menção a eles; 4) Políticos a

quem querem "atacar" nos cartazes; 5) Cores e/ou bandeira do Brasil; 6)

Cores vermelho (alusão à esquerda) ao lado das cores da bandeira do país;

7) Faixas com menção à Rede Globo em faixa "golpista".

6. Repercussão Poucos likes sendo que nenhum post ultrapassou 60 curtidas. Houve poucos

comentários, cuja repercussão ocorreu entre seguidores e de apoio ao ato. A

maioria interessada em informações sobre os locais do evento. Exemplos:

- “Aí turma de Foz do Iguaçu mostrando a garra contra a Democracia

Page 116: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1805/2/Cleide Rodrigues.pdf · IMPEACHMENT DE DILMA ROUSSEFF NAS REDES SOCIAIS ON-LINE

115

usurpada!

- “Fascistas com SC”

- “Divulguem o local... Coloquem o endereço!!!”

- “Estarei em pensamento, por entender que a verdade ainda não foi

revelada e por compreender que 2018 haverá novas eleições. Democracia é

conquista que não se perde. Se aprimora”.

- “Sexta 10 é Fora Temer em todo o Brasil!!!”

- “Fora, Temer!”

- “Ai que preguiça. Vou lá não”

- “Eu vou”

- “#ForaTemer”

7. Post

Page 117: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1805/2/Cleide Rodrigues.pdf · IMPEACHMENT DE DILMA ROUSSEFF NAS REDES SOCIAIS ON-LINE

116

29 de junho de 2016

Síntese da divulgação: As Frentes Povo Sem Medo e Brasil Popular convocam todos às ruas em atos Fora

Temer. Também convidam a população a participar de eventos de apoio a Dilma e contra o golpe, como forma

de pressionar o Congresso Nacional na votação contra o impeachment que ocorreria naquele mês. Pouca

interação na rede social, seja por likes ou comentários.

Categoria Descrição e tratamento do material

1. Participação Quase 7 mil seguidores compareceram ao evento, segundo o Facebook.

2. Ação/Mensagem - Fora, Temer. Não ao golpe. Nenhum direito a menos.

- Vamos juntos defender a democracia! Defesa de Dilma no Senado

#ForaTemer. Mobilização contra o golpe. 29/8 Senado Federal - Faixa Fora

Temer.

3. Argumento As Frentes Povo Sem Medo e Brasil Popular convocam todos às ruas pelo

Fora Temer. A mensagem é que #VaiTerLuta. A presidenta eleita e legítima

deste país, Dilma Rousseff, falará às senadoras e senadores, em Brasília. E

estar nas ruas significa defender a democracia e lutar contra o golpe. Em

suma, o convite é de participação da população em atos “cívicos”.

4. Protagonistas 1) Frente Brasil Popular, 2) Frente Povo Sem Medo; 3) Povo/multidão em

protesto; 4) Temer; 5) Dilma; 6) Movimentos sociais e sindicais (CUT).

5. Símbolos identitários 1) Logomarcas das duas frentes; 2) Menção a Temer; 3) Povo em ato de

protesto; 4) Cores da bandeira do Brasil; 5) Foto de Dilma ao centro; 6)

Povo em manifestação com bandeiras e cartazes, como a da CUT.

6. Repercussão Poucos likes e comentários – apenas um de apoio a Dilma. Exemplos:

- “Força mulher guerreira do povo brasileiro!”

7. Post

Page 118: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1805/2/Cleide Rodrigues.pdf · IMPEACHMENT DE DILMA ROUSSEFF NAS REDES SOCIAIS ON-LINE

117

Por meio das análises dos convites apresentados, nota-se claramente o discurso da

Frente Brasil Popular: o grupo é contra o impeachment porque o considera um “golpe

político”, o que fere a democracia brasileira e os direitos sociais conquistados pela nação nos

últimos anos. Porém, o apoio a Dilma e ao seu governo não é irrestrito: os textos dos convites

virtuais evidenciam certo descontentamento na condução da política econômica então vigente.

Quando o pedido de admissibilidade do impeachment é aceito pelos deputados na Câmara, a

presidente é afastada e seu vice, Michel Temer, assume o cargo, observou-se que ele, então,

passa a ser o principal protagonista de ataque dos posts do grupo. Ele seria, então, o principal

articulador político contra Dilma Rousseff e estaria orquestrando um “golpe”. Com estratégia

de comunicação no Facebook semelhante à Frente Povo Sem Medo, os brasileiros são

recorrentemente representados nas peças de divulgação. Eles estão, na maioria das vezes, de

mãos dadas ou em sinal de protesto e luta contra o “golpe” político em andamento. Busca-se,

então, chamar a população às ruas em adesão ao movimento pela identificação.

Percebemos ainda que o grupo tem forte articulação nas bases regionais. Exemplo

claro foi o principal o ato de Mobilização Nacional – Fora Temer, organizado em 10 de junho

de 2016, quando foram publicados 26 convites na fanpage. Houve a divulgação na rede social

das postagens com relevante atuação das frentes regionais, conforme prevê a estrutura

organizativa do grupo que contempla os âmbitos nacional, estadual e municipal. Por ser um

grupo que agrega mais de 60 movimentos sociais e organizações políticas do país, notou-se

que as ações de articulação no campo off-line seguiu a cartilha da frente, que prevê “tarefas

específicas, como comunicação, divulgação, produção de eventos/cultura, articulação

parlamentar e demais aspectos organizativos serão executados em parceria com entidades,

movimentos, sindicatos e partidos da FBP” (FRENTE..., 2015, s.d.).

O grupo também foi coerente nos convites virtuais na rede com sua proposta de atuar

"em defesa da democracia e por uma nova política econômica", ou seja, de combater o

chamado ajuste fiscal, posto em prática após a reeleição de Dilma Rousseff, em 2014.

Também expõe claramente sua linha política e ideológica que “representa, acima de tudo,

uma tentativa da esquerda responder, da forma mais unitária possível, à ofensiva

conservadora em curso”, reforçando ressalvas ao governo da presidente, “ainda que um de

seus compromissos seja a defesa da legalidade democrática e do mandato sacramentado pelas

urnas” (EM DEFESA..., s.d.). Talvez esse posicionamento, assim como exposto pela Frente

Povo Sem Medo, não tenha sido convincente para angariar adesões de parte da sociedade que

se mostrava insatisfeita com a gestão de Dilma e que, naqueles últimos anos, passava a

Page 119: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1805/2/Cleide Rodrigues.pdf · IMPEACHMENT DE DILMA ROUSSEFF NAS REDES SOCIAIS ON-LINE

118

ampliar a base de grupos da esfera pública contrária ao governo, como financeiro, industrial,

classe média, políticos da base aliada e adversários e imprensa, desenhando um cenário

desfavorável, que culminou no impeachment de Dilma.

3.2.3. Considerações gerais sobre a participação dos grupos no Facebook

A análise dos convites virtuais dos grupos pró e contra o impeachment de Dilma

Rousseff para engajar a sociedade por meio das redes sociais para participar de atos nos

ambientes off-line permitiu refletir sobre as estratégias de comunicação das organizações da

esfera pública na contemporaneidade. Embora apresentem ideologias divergentes no contexto

político, os grupos fizeram uso de estratégias similares para persuadir seus seguidores. O rito

de construção das peças de comunicação analisadas, ou seja, dos convites virtuais – os posts

propriamente ditos com os dados primários; e os detalhes do evento no complemento das

informações – são bem parecidos. Eles comumente têm chamada de impacto, protagonistas-

chave, marcas identitárias e serviço de utilidade pública com data e local do evento.

De modo geral, os grupos MBL e Vem pra Rua (a favor do impeachment) apresentam

o “impeachment” como chamada de impacto, fenômeno necessário para mudar os rumos do

Brasil. A então presidente “Dilma Rousseff” ganha cena sendo alvo recorrente de críticas,

como protagonista-chave de ataque. Já a transformação na vida social está nas mãos de outro

protagonista-elementar, a sociedade brasileira. “MBL e Vem pra Rua” são protagonistas de

articulação neste contexto e reforçam suas marcas identitárias por meio de logomarcas nos

posts. As menções ao “dia, local e horário” fizeram parte das postagens nas redes sociais,

seguindo a praxe de convites tradicionais.

As Frentes Povo Sem Medo e Brasil Popular (contra o impeachment) atuaram em

paridade. A chamada de impacto foi “contra o golpe e pela democracia”, argumento-base para

promover o engajamento social. O então vice-presidente “Michel Temer” desponta como o

principal protagonista de ataque nas postagens. Para evitar o “golpe” político, a presença da

“população brasileira” nas ruas figura como elemento principal das mobilizações. As frentes

são ainda protagonistas da articulação e reforçam suas identidades por meio de logomarcas

nos posts. As organizações também destacaram nas peças de comunicação primária (posts),

“dia, local e horário”, seguindo a mesma linha dos grupos MBL e Vem pra Rua.

Na parte técnica, notamos estratégias de comunicação similares entre os quatro

grupos. Observamos um objetivo comum entre eles: persuadir a “sociedade” ao engajamento

e à participação no mundo real. A aprovação ou rejeição à ação de cada grupo ficou nas mãos

Page 120: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1805/2/Cleide Rodrigues.pdf · IMPEACHMENT DE DILMA ROUSSEFF NAS REDES SOCIAIS ON-LINE

119

dos seguidores das fanpages e dos brasileiros, na medida em que estes incorporam o discurso

disseminado nas redes sociais. A diferença esteve no campo ideológico, em que os grupos se

articularam cada qual a seu modo, para além dos ambientes virtuais. Assim, os grupos fizeram

parte de um contexto social e institucional, como já mencionamos nesta pesquisa.

Houve a apropriação das ferramentas tecnológicas pelos grupos analisados na ocasião

do impeachment de Dilma Rousseff e a participação deles no processo fez parte de um

contexto social e institucional. Neste cenário, diversos fatores e elementos contribuíram para

o afastamento definitivo da presidente, sobretudo de ordem política, como relataram autores

aqui estudados. Ou seja, o bojo para a efetivação do segundo processo de impeachment da

história do Brasil teve a participação de diversos extratos da sociedade civil, sendo relevante

analisar o papel do próprio do governo no trato com esses representantes sociais.

Em suma, o ciberespaço é um instrumento central na atuação dos integrantes da

terceira onda da sociedade civil (SORJ, 2015). Como já exposto neste trabalho, ao conceituar

essa nova esfera pública da sociedade civil, o autor reforça que esta, ainda em processo de

formação, é formada por três grupos: os hackers, os ativistas produtores de conteúdo virtual, e

grupos constituídos off-line, mas que utilizam o ciberespaço para disseminar suas posições e

obter apoios – a exemplo dos grupos das redes sociais analisados nesta dissertação. Quando se

apropria das ferramentas tecnológicas disponíveis na atualidade e se articula nos ambientes

off-line, essa nova sociedade passa a funcionar como ator social de alerta para opinião pública

e poderes instituídos. No caso do impeachment de Dilma Rousseff, em 2016, os grupos das

redes sociais, tanto contra e a favor o processo, podem não ter sido o protagonista único do

processo, mas tiveram relevante participação, especialmente na agilidade e ampliação da

informação do processo de transformação social, assim como outras alas da esfera pública.

Page 121: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1805/2/Cleide Rodrigues.pdf · IMPEACHMENT DE DILMA ROUSSEFF NAS REDES SOCIAIS ON-LINE

120

CAPÍTULO IV – MANIFESTAÇÕES PÚBLICAS:

REPERCUSSÃO NA IMPRENSA A PARTIR DAS AÇÕES

ARTICULADAS NAS REDES SOCIAIS

A proposta deste capítulo é observar a influência dos eventos públicos articulados e

organizados pelos grupos estudados nas redes sociais na cobertura da grande mídia e imprensa

alternativa sobre as manifestações que envolveram o impeachment de Dilma Rousseff, a fim

de verificar se suas estratégias de comunicação no Facebook se reverteram em pauta. Por

meio de pesquisa bibliográfica, abordamos teorias relacionadas à ação jornalística, ética e

manipulação no jornalismo, noticiabilidade de um acontecimento e imprensa alternativa, com

consultas a autores como Chaparro (1994), Bucci (2003), Abramo (2003), Sousa (2000), Silva

(2010), Fernandes (2013) e Peruzzo (2009; 2013, 2014). O intuito foi compreendermos a

cobertura jornalística do “acontecimento” investigado no âmbito das duas vertentes da mídia.

Também foram feitas duas pesquisas exploratórias nos meios jornalísticos. A primeira

observou a influência dos eventos públicos articulados e organizados pelo Facebook dos

grupos estudados na Folha de S.Paulo e O Globo, os dois maiores jornais em circulação

média diária no país. A análise de 64 reportagens compreendeu o período de 1º de março a 28

de agosto, por meio da técnica de amostragem, a partir de quatro semanas construídas.

Verificamos ainda a cobertura na grande mídia – Folha de S.Paulo e O Globo – e imprensa

alternativa – Caros Amigos, Agência de Notícias Carta Maior e Jornalistas Livres – de um

dos episódios que teria sido o estopim da crise política do governo Dilma, configurando-se

como mais um dos fatores sociais e institucionais do contexto do impeachment: a divulgação

do grampo telefônico da conversa entre a presidente da República e Lula, após a nomeação

dele à frente da Casa Civil, no dia 16 de março de 2016. Neste caso, foram investigadas 44

notícias referentes ao “acontecimento” e/ou geradas a partir dele, incluindo observações

quanto à presença ou não dos grupos estudados nas pautas dos veículos.

4.1. Abordagens sobre a ação jornalística, a ética no jornalismo e a

noticiabilidade de um acontecimento

Ao propormos uma análise sobre a aderência da imprensa aos eventos e atos públicos

divulgados no Facebook pelos grupos que atuaram no processo de impeachment de Dilma

Rousseff por meio das redes sociais on-line – Brasil Livre (MBL) e Vem pra Rua (a favor do

Page 122: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1805/2/Cleide Rodrigues.pdf · IMPEACHMENT DE DILMA ROUSSEFF NAS REDES SOCIAIS ON-LINE

121

impeachment); e Frente Brasil Popular e Povo Sem Medo (contra o impeachment) – não

poderíamos deixar de abordar a ação jornalística e assuntos correlatos à produção da notícia

como ética no jornalismo, o papel do jornalista e a noticiabilidade de um fato.

O professor e investigador sobre jornalismo Sousa (2000, p.31) defende a ideia de que

ao se falar de jornalismo deve-se conceber vários “jornalismos” porque “além das forças que

enformam a notícia, há a considerar que no mundo existem vários conceitos de jornalismo,

que possuem natureza simultaneamente social, ideológica e cultural”. Esses conceitos ou

“teorias da imprensa” “possuem componentes normativas e funcionais que direccionam,

enformam e circunscrevem o jornalismo, os jornalistas e os discursos jornalísticos” (SOUSA,

2000, p.31). O autor português categoriza vários modelos de jornalismo – autoritário,

revolucionário, comunista, para o desenvolvimento e o ocidental. No entanto, discorre mais

profundamente “à forma como jornalismo ocidental funciona ou deveria funcionar

idealmente”, que nos parece se aproximar mais da linha dos veículos a serem observados no

decorrer deste texto.

O Modelo Ocidental de Jornalismo preconiza que a imprensa deve ser

independente do estado e dos poderes, tendo o direito a reportar, comentar,

interpretar e criticar as actividades dos agentes de poder, inclusivamente dos

agentes institucionais, sem repressão ou ameaça de repressão.

Teoricamente, os jornalistas seriam apenas limitados pela lei, pela ética e

pela deontologia. O campo jornalístico configurar-se-ia, assim,

teoricamente, (...) como uma espécie de espaço público onde se ouviriam e,

por vezes, onde se digladiariam as diferentes correntes de opinião, (...) o

jornalismo funcionaria como uma arena pública, (...) um mercado livre das

ideias. Na realidade, sabemos que factores como o acesso socialmente

estratificado aos media, entre outros, introduzem distorções ao

funcionamento teórico do sistema (SOUSA, 2000, p.36).

Apesar deste modelo de jornalismo propagar “as ideias de que pluralismo e

democracia são benéficos para a sociedade” e que “uma população informada pode, em

consciência, participar nos processos de tomada de decisão” (SOUSA, 2000, p.37), sua prática

recebe críticas de alguns autores. Ele recorre a Chomsky e Herman que, ao tomarem como

referência o jornalismo norte-americano, observam que o Modelo Ocidental de Jornalismo

funciona como um Modelo de Propaganda. Deste modo, “o mercado das ideias e das

informações não é inteiramente livre” (SOUSA, 2000, p.37-38).

Um Modelo de Propaganda que beneficia os interesses governamentais e os

grandes poderes econômicos estabelece-se pela limitação extra-jurídica e

extra-deontológica à liberdade jornalística, no contexto do mercado,

regulado pelas leis de oferta e da procura. O funcionamento de um sistema

de propaganda através do jornalismo decorreria de quatro fatores, [em entre

os quais], existência de elementos interactivos que filtram notícias,

destacando matérias favoráveis aos interesses do governo e dos grandes

Page 123: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1805/2/Cleide Rodrigues.pdf · IMPEACHMENT DE DILMA ROUSSEFF NAS REDES SOCIAIS ON-LINE

122

interesses econômicos privados. Estes filtros actuariam com naturalidade.

Assim, os jornalistas não colocariam em causa sua honestidade profissional

e estariam convencidos de que escolhem e interpretam notícias desligados

de pressões externas (SOUSA, 2000, p.38).

Numa análise mais abrangente, em que trata de teorias de desenvolvimento na

comunicação, Peruzzo (2014) aborda a relação dos grandes meios de comunicação de massa

convencionais com os interesses do grande capital. Segundo ela, estes “sempre expressam em

sua agenda pública os paradigmas da modernização, o que continua a se manifestar de forma

predominante atualmente” (2014, p.180) e complementa:

Estes são majoritariamente comprometidos com interesses do grande

capital, do ponto de vista direto – como unidade de produção – ou indireto –

ao representar os interesses políticos e ideológicos dos grandes grupos

econômicos e político-partidários (PERUZZO, 2014, p.180).

Nossa intenção ao apresentar tais pontos de vista é alertar para prática jornalística que

embora, em sua essência, preze pela função social e compromisso com a veracidade da

informação, é sempre um recorte de um acontecimento, cujo relato reproduzido no processo

da produção jornalística está carregado de uma intenção, elemento importante dentro deste

contexto como observa o jornalista Chaparro:

Sem intenção não é possível agregar, no fazer criativo do jornalismo, a

ética, a técnica e a estética, tríade inseparável dos processos complexos de

comunicação. Sem o controle consciente sobre os fazeres, o jornalismo não

se concretiza nem como ação social nem como criação cultural

(CHAPARRO, 1994, p.116).

Segundo Chaparro (1994, p.120), “a complexidade dos conflitos em que interage e a

preponderância do componente interesse nesses conflitos impõem ao jornalista o dever vital

de se conectar a princípios éticos”. Em seu trabalho, o jornalista deve se comprometer com a

veracidade dos fatos, mesmo ciente de que fará um recorte do “acontecimento”. Sua ação

deverá ser balizada por princípios éticos, os quais “devem determinar as intenções

controladoras das ações jornalísticas, tendo como motivo o interesse público” (CHAPARRO,

1994, p.120). Espera-se, então, que o interesse público se sobressaia no noticiário ante aos

interesses econômicos e políticos das organizações hegemônicas.

4.1.1. Questões sobre ética e manipulação da realidade no jornalismo

Bucci (2003) quando trata do tema “sobre ética e imprensa” reforça o papel do

jornalismo na sociedade. Ele pontua três questões importantes com relação à prática

Page 124: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1805/2/Cleide Rodrigues.pdf · IMPEACHMENT DE DILMA ROUSSEFF NAS REDES SOCIAIS ON-LINE

123

jornalística: deve-se “perseguir a veracidade dos fatos para bem informar o público”, cumprir

“uma função social antes de ser um negócio” e “a objetividade e o equilíbrio são valores que

alicerçam a boa reportagem” (2003, p.30).

Apesar de, teoricamente, serem premissas óbvias no fazer jornalismo, a história nos

mostra exemplos que vão na contramão do que expomos. O autor relata três episódios

relacionados a fatos da “história política do Brasil – a campanha das diretas de 1984, as

eleições presidenciais de 1989 e a mobilização popular pelo impeachment em 1992 – [em

que] a principal rede de televisão do país falsifica, distorce e omite informações essenciais”

(BUCCI, 2003, p.31).

Mais do que as normas de conduta que orientam a ação dos jornalistas, é

preciso envolver no debate a ética das empresas que se dedicam ao negócio

da comunicação social e identificar, ou propor, limites ao poder

(econômico, político ou estatal) que procura subordinar a comunicação aos

interesses, violando, com isso, o direito à informação (...). A desinformação

não se deve apenas a maus profissionais, mas também a atitudes

empresariais que revelam falta de compromisso com o direito à informação,

que se articulam para excluir das decisões que em seu nome são tomadas

(BUCCI, 2003, p.36).

O Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros, que “fixa as normas a que deverá

subordinar-se a atuação do profissional, nas suas relações com a comunidade, com as fontes

de informação, e entre jornalistas” (GOMES, 2002, p.77) é um documento que deveria nortear

os fazeres jornalísticos, desde os profissionais aos grupos empresariais da comunicação social.

Porém, a prática nem sempre condiz com a normatização da ação jornalística.

Além de Eugênio Bucci, vários outros autores se dedicaram a estudos que questionam

o trabalho dos media e a função social deste segmento da comunicação, mas não deixam de

reconhecer as contribuições e a importância do jornalismo à sociedade. Abramo (2003), em

seu livro póstumo “Padrões de manipulação na grande imprensa”, observa que há diversas e

várias formas de manipulação da realidade pela imprensa. Porém, ressalta:

(...) não é todo material que toda a imprensa manipula sempre. Também não

é que o fenômeno ocorra uma vez ou outra (...). A gravidade do fenômeno

decorre do fato de que ele marca a essência do procedimento geral do

conjunto da produção cotidiana da imprensa. Essa característica geral pode

ser observada quando se procura tipificar as formas mais usuais de

manipulação. É possível distinguir e observar pelo menos quatro padrões de

manipulação: padrão de ocultação, padrão de fragmentação, padrão da

inversão e padrão de indução (ABRAMO, 2003, p.24-35).

Page 125: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1805/2/Cleide Rodrigues.pdf · IMPEACHMENT DE DILMA ROUSSEFF NAS REDES SOCIAIS ON-LINE

124

Peruzzo também reconhece “o grande poder da mídia e sua manipulação,

prioritariamente, a serviço dos interesses das classes dominantes” (1998, p.131), mas

relativiza o seu papel social ao abordar sua contribuição à sociedade:

[A mídia] quando quer, divulga campanhas e programas educativos e outros

de elevado interesse público. Por outro lado, ao informar, instantaneamente,

sobre fatos que ocorrem em qualquer parte do mundo, também propicia

entretenimento, preenchendo, assim, necessidades que os meios populares

não se propõem e nem conseguem satisfazer. Temos de levar em conta que

ela vem sendo aceita tal como ela é pela maioria da população, o que inclui

as classes subalternas (PERUZZO, 1998, p.131).

Ao concebermos uma notícia veiculada na mídia, particularmente, na grande

imprensa, faz-se necessário ficarmos atentos aos motivos e/ou contexto que tornaram aquele

“acontecimento” noticioso. Devemos, ainda, considerar não apenas a atuação do jornalista

como também o papel da empresa de comunicação no processo de produção da notícia e os

interesses políticos, econômicos e sociais da instituição dentro de um contexto social e

institucional. Ou seja, são vários os fatores que compõem uma notícia.

É fundamental que se tenha a compreensão que a veiculação de uma notícia está

sempre atrelada a “intenções”, como já tratamos neste trabalho. Mas, o que vem a ser uma

notícia, o que torna um acontecimento algo noticioso? Este é o momento de avançarmos em

nossas reflexões para buscarmos explicações teóricas sobre o assunto.

4.1.2. O acontecimento que vira notícia

O que faz um “acontecimento” tornar-se notícia? Sousa (2000, p.29) se apoia em

Rodrigues para dizer que “a notícia seria mesmo um meta-acontecimento, um acontecimento

que se debruça sobre outro acontecimento, sendo acontecimento por ser notável, singular e

potencial fonte de acontecimentos notáveis”.

Silva (2010) revisita vários autores que promoveram estudos sobre critérios de

noticiabilidade. Ele lembra que Johan Galtung e Mari Holmboe Ruge (1999) foram “os

pioneiros em apresentar uma lista sistematizada de valores-notícia”, focando-se “na etapa

inicial do processo: a percepção, a seleção e a construção de uma imagem dos acontecimentos

pelos meios de comunicação”, mas este estudo é “passível de revisões críticas”, pelo fato de

ter sido “amparado em hipóteses que seguem relações matemáticas, que enrijece as categorias

de valores-notícia” (SILVA, 2010, p.174).

(...) segundo Tobias Peucer, as notícias constituem relatos expositivos e

escritos; sobre singularidades; selecionados entre vários relatos possíveis

segundo a sua importância, condicionados por fatores como o tempo; que se

Page 126: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1805/2/Cleide Rodrigues.pdf · IMPEACHMENT DE DILMA ROUSSEFF NAS REDES SOCIAIS ON-LINE

125

orientam para os acontecimentos; e que são novos, isto é, oferecem

novidades, o que satisfaz a curiosidade humana (SOUSA, 2004, p.37). [Para

o autor português, Traquina (2008, p.63)], podemos definir o conceito de

noticiabilidade como um conjunto de critérios e operações que fornecem a

aptidão de merecer um tratamento jornalístico; isto é possuir valor como

notícia (apud SILVA, 2010, p.174-175).

Silva (2010) aprofunda ainda mais os estudos ao tratar da noticiabilidade com base nas

contribuições da teoria discursiva de teórico francês Patrick Charaudeau:

(...) ressalta-se que o entendimento da concepção de noticiabilidade a partir

das contribuições de autor francês significa, em última instância, valorizar

os lugares de pertinência do contrato comunicacional, a lógica dos

processos de transformação e transação na problemática da construção do

sentido e a relação entre estruturação dos acontecimentos noticiosos e a

tematização do espaço público, bem como – e sobretudo – a articulação

entre os aspectos situacionais (externos) e linguísticos (internos) que se

mobilizam na estruturação do discurso informativo (SILVA, 2010, p.183).

Para Chaparro (1994, p.119), “é notícia o relato que projeta interesses, desperta

interesses ou responde a interesses. Esse atributo de definição pode alcançar maior ou menor

intensidade, dependendo da existência, em maior ou menor grau, de atributos de relevância no

conteúdo”. O autor constrói uma grade de atributos do produto jornalístico que podemos usar

como referência para entendermos o fator noticiabilidade de um acontecimento e, inclusive,

projetá-la no caso do movimento de impeachment de Dilma. Esses atributos estariam

divididos em: 1. Atributo de “definição” relacionado ao interesse; 2. Atributos de “relevância”

relacionados à atualidade, proximidade, notoriedade, conflito, conhecimento, consequências,

curiosidade, dramaticidade e surpresa (CHAPARRO, 1994, p.120).

Se considerarmos a grade de atributos do produto jornalístico traçada por Chaparro

(1994), as manifestações públicas articuladas e organizadas por grupos nas redes sociais no

processo de impeachment de Dilma envolveram vários destes atributos, assim como outros

assuntos correlatos ao tema. Do “interesse” da opinião pública e das próprias empresas de

comunicação à “relevância” dos fatos por estarem relacionados à principal autoridade do

poder Executivo e a outros fatores do contexto social e institucional do país. Complementam e

ampliam nossa percepção quanto à aderência dos media às manifestações públicas de 2016, a

revisão acerca de conceitos e definições sobre imprensa alternativa.

4.1.3. Passagem pelo conceito de imprensa alternativa

A denominação imprensa alternativa origina-se de um processo de comunicação

contra-hegemônica, cuja ideia foi formulada por intelectuais que seguiram a linha de

pensamento do marxista Antonio Gramsci com relação ao conceito de hegemonia

Page 127: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1805/2/Cleide Rodrigues.pdf · IMPEACHMENT DE DILMA ROUSSEFF NAS REDES SOCIAIS ON-LINE

126

(FERNANDES, 2013, p.1). O filósofo italiano “expandiu a ideia marxista de que o estado

capitalista possuía um aparelho destinado a constranger as dinâmicas sociais e assegurar a

manutenção do sistema” ao englobar, no contexto, também as igrejas, as escolas, os próprios

sindicatos e a comunicação social neste “aparelho que favorecia a consolidação e expansão da

hegemonia ideológica” (SOUSA, 2000, p.155).

[Para Gramsci] toda a sociedade contribuiria para que a hegemonia

ideológica sobrevisse e se expandisse, uma vez que essa hegemonia

decorreria da capacidade modeladora da ideologia dominante enquanto

sistema de interpretação e de significação usado globalmente pelo meio

social. Neste campo, a comunicação jornalística, ao dar visibilidade apenas

a certos acontecimentos e certas ideias e ao participar nos processos de

interpretação e de significação construídos sobre esses acontecimentos e

sobre essas ideias seria uma das mais importantes forças de sustentação e

amplificação da ideologia dominante e hegemónica (SOUSA, 2000, p.183).

Com base nos estudos do pesquisador Dennis de Oliveira, Fernandes (2013, p.2)

afirma que “o conceito de contra-hegemonia se amplia na América Latina, diferente ao

estritamente vinculado a um projeto socialista presente na obra de Gramsci, isso ocorre

devido a uma tradição política conversadora” dessas elites. Para ele, as elites latino-

americanas monopolizam os meios de comunicação em distintos países.

Nesse caso, experiências de mídia com caráter democrático e até liberais

clássicos (que atuam na defesa do Estado democrático de direito) podem ser

consideradas contra-hegemônicas, que defendem uma agenda distinta à da

pauta única dos grandes meios de comunicação comerciais (FERNANDES,

2013, p.2).

No Brasil, houve momentos históricos relacionados à comunicação alternativa como

“na imprensa operária dos anarco-sindicalistas do final do século XIX e início do século XX e

da imprensa partidária do Partido Comunista Brasileiro das décadas de 1940 e 1950”

(FERNANDES, 2013, p.2). Porém, a imprensa alternativa, “marcou época durante o regime

militar com jornais que aspiravam mudanças na sociedade. Este tipo de jornal alternativo

representava, de fato, alternativa de leitura aos grandes jornais então existentes” (PERUZZO,

2009, p.136). Segundo a autora, o que caracteriza o veículo como alternativo “é o fato de

representar uma opção como fonte de informação, pela cobertura de temas ausentes da grande

mídia e pela abordagem crítica dos conteúdos que oferecem” (2009, p.137).

Para Peruzzo, essa forma de comunicação alternativa tem se revigorado de modo

“extraordinário” no século XXI. “Reedita formas de expressão impressas e audiovisuais, cria

novos canais e, ao mesmo tempo, se recria por meio de novos formatos digitais que o avanço

tecnológico favorece, mas permanece seu caráter alternativo” (PERUZZO, 2009, p.137).

Hoje, a imprensa alternativa se posiciona da seguinte forma:

Page 128: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1805/2/Cleide Rodrigues.pdf · IMPEACHMENT DE DILMA ROUSSEFF NAS REDES SOCIAIS ON-LINE

127

Com o passar do tempo se reinventa, muda o caráter combativo, mas

continua se caracterizando como independente de governos e empresas e

não se alinhando ao modo de operar dos grandes meios de comunicação, na

sua lógica de mercado e como sistema burocrático. Mantém também seu

caráter não aderente aos interesses ideológicos e políticos das classes

dominantes. Parece não querer derrubar governos, mas exercitar a liberdade

de expressão em favor do interesse público (PERUZZO, 2013, p.90).

Esta passagem sobre a prática jornalística a partir de estudos de vários autores teve o

objetivo de municiar a análise do noticiário da grande mídia e imprensa alternativa quanto à

noticiabilidade e o posicionamento dos veículos de comunicação sobre as manifestações

públicas organizadas e articuladas nos ambientes virtuais pelos grupos pró e contra o

impeachment aqui estudados e também com relação à relevância de suas estratégias de

comunicação no processo de produção das notícias pela imprensa.

4.1.4. A cartilha seguida pelos veículos de imprensa da pesquisa

Assim como fizemos um recorte do tema para o desenvolvimento desta dissertação,

adotamos critérios de seleção dos veículos estudados na grande mídia e imprensa alternativa.

Selecionamos dois tradicionais jornais de abrangência nacional da grande mídia: Folha de

S.Paulo e O Globo, fundados em 1921 e 1925, respectivamente. Atualmente, são os maiores

em circulação média diária (impresso e digital) no Brasil, segundo o Instituto Verificador de

Comunicação (IVC)18

, e se mostram sensíveis aos avanços tecnológicos e às transformações

advindas da era digital. Com relação à imprensa alternativa, escolhemos Caros Amigos,

Agência de Notícias Carta Maior e Jornalistas Livre por serem iniciativas recentes com

presença na internet, e que se propõem a produzirem conteúdos com abordagens críticas sobre

temas atuais em contraponto com o jornalismo praticado pela mídia tradicional.

As Organizações Globo19

criaram o documento “Princípios Editoriais das

Organizações Globo” para atender “essa multidão de indivíduos (isolados ou mesmo em

grupo) que utiliza a internet para se comunicar e se expressar livremente”. Sua elaboração

18

Matéria publicada no portal Meio&Mensagem sobre a queda de circulação dos grandes jornais do Brasil em

2016 traz informações dos cinco maiores veículos de imprensa do país. Na liderança está a Folha de S.Paulo e

na sequência o jornal O Globo. Os dados foram extraídos dos relatórios do Instituto Verificador de Comunicação

e “referem-se à totalidade da circulação de cada título, não discriminando a curva de desempenho dos

exemplares impressos e digitais” (SACCHIELLO, Bárbara. Circulação dos grandes jornais cai em 2006. Portal

Meio & Mensagem, 20 fev. 2017). Acesso em: 04 ago. 2018. Em números, os dados mais recentes encontrados

referem-se a 2015: Folha de S.Paulo com 335.895 exemplares e O Globo 311.222 exemplares impresso e digital,

segundo a Associação Nacional de Jornais (ANJ), cuja fonte também é o IVC. O levantamento trata da

circulação média diária de janeiro a dezembro de 2015 (MAIORES..., Portal Associação Nacional de Jornais,

s.d). Acesso em: 04 ago. 2018. 19

PRINCÍPIOS editoriais do Grupo Globo. Portal O Globo. Disponível em:

<https://oglobo.globo.com/principios-editoriais/>. Acesso em: 04 ago. 2018.

Page 129: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1805/2/Cleide Rodrigues.pdf · IMPEACHMENT DE DILMA ROUSSEFF NAS REDES SOCIAIS ON-LINE

128

buscou “explicitar o que é imprescindível ao exercício, com integridade, da prática

jornalística, para que, a partir dessa base, os veículos [do grupo] possam atualizar ou construir

os seus manuais (...)”. Traz uma “breve definição de jornalismo” e mais três seções: “a) Os

atributos da informação de qualidade; b) Como o jornalista deve proceder diante das fontes,

do público, dos colegas e do veículo para o qual trabalha; c) Os valores cuja defesa é um

imperativo do jornalismo”.

A Folha de S.Paulo20

, que atua com base nos princípios editoriais do Projeto Folha e

diz que preza pelo “pluralismo, apartidarismo, jornalismo crítico e independência”, pratica o

jornalismo on-line desde 1995. Em 2010, unificou as redações do jornal impresso e on-line e

reestruturou a Folha On-line, inclusive mudando o nome. Hoje, o site da Folha “conta com

uma audiência de 28 milhões de visitantes únicos e 190 milhões de páginas vistas por mês”.

O projeto da revista Caros Amigos21

nasceu de um grupo de amigos, que incluía

jornalistas, publicitários, profissionais liberais, profissionais da comunicação, em abril de

1997, com o objetivo de criar um veículo que se contrapusesse ao jornalismo predominante. O

veículo se posiciona como uma publicação “contra-hegemônica, alternativa e de reflexão

crítica do pensamento neoliberal” e “procura praticar um jornalismo independente, crítico e

comprometido com a transformação da sociedade brasileira”. Disponibiliza conteúdos nas

versões imprensa e on-line. A Agência de Notícias Carta Maior22

é “uma publicação

eletrônica multimídia que nasceu por ocasião da primeira edição do Fórum Social Mundial,

em janeiro de 2001” e afirma que seu compromisso “é contribuir para desenvolver um sistema

de mídia democrática no Brasil”. O veículo informa ser especializado em temas como direitos

humanos, meio ambiente, política, economia e movimentos sociais.

Jornalistas Livres23

se intitula como “uma rede de coletivos originada na diversidade”.

Sua proposta é atuar “em contraponto à falsa unidade de pensamento e ação do jornalismo

praticado pela mídia tradicional centralizada e centralizadora”. A rede se coloca contra “os

estratagemas da tradicional indústria jornalística (multi)nacional, que, antidemocrática por

natureza, despreza o espírito jornalístico em favor de mal-disfarçados interesses empresariais

e ideológicos, comerciais e privados, corporativos e corporativistas”.

20

CONHEÇA a Folha de S.Paulo. Portal Folha.com. Disponível em:

<http://www1.folha.uol.com.br/institucional/folha_com.shtml>. Acesso em: 04 ago.2018. 21

HISTÓRIA da Caros Amigos. Portal Caros Amigos. Disponível em:

<http://www.carosamigos.com.br/index.php/fale-conosco/historia>. Acesso em: 04 ago.2018. 22

QUEM somos. Portal Carta Maior. Disponível em: <http://www.cartamaior.com.br/?/CartaMaior/Quem-

Somos/14/> . Acesso em: 04 ago.2018. 23

QUEM somos. Portal Jornalistas Livres. Disponível em: <https://jornalistaslivres.org/quem-somos/> . Acesso

em: 04 ago.2018.

Page 130: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1805/2/Cleide Rodrigues.pdf · IMPEACHMENT DE DILMA ROUSSEFF NAS REDES SOCIAIS ON-LINE

129

4.2. As manifestações públicas e presença dos grupos das redes sociais on-

line no noticiário de O Globo e Folha de S.Paulo

A aderência das ações de comunicação dos grupos MBL, Vem pra Rua, Frente Brasil

Popular e Povo Sem Medo, desenvolvidas nas redes sociais virtuais no processo de

impeachment de Dilma, na grande imprensa, foi observada na Folha de S.Paulo e em O

Globo, de 1º março a 28 de agosto de 2016. O período data dos preparativos do primeiro

grande ato público pelo impeachment até o fim do processo no Senado. Trata-se de uma

pesquisa exploratória de amostragem não probabilística intencional por semana construída,

cuja técnica permite “selecionar as amostras adequadas para os propósitos da investigação”

(RICHARDSON, 2008, p.157). Com base nesses critérios, elaboramos as semanas conforme

o quadro a seguir:

QUADRO 9 – Reportagens da Folha de S.Paulo e de O Globo

(Amostragem – Semana Construída)

Período de 1º Março a 28 de Agosto de 2016

Dias da semana Dias do mês

Segunda-feira 11 de abril 30 de maio 18 de julho

Terça-feira 1º de março 19 de abril 7 de junho 26 de julho

Quarta-feira 9 de março 27 de abril 15 de junho 3 de agosto

Quinta-feira 17 de março 5 de maio 23 de junho 11 de agosto

Sexta-feira 25 de março 13 de maio 1º de julho 19 de agosto

Sábado 2 de abril 21 de maio 9 de julho 27 de agosto

Domingo 3 de abril 22 de maio 10 de julho 28 de agosto

Foram selecionadas reportagens que trataram de manifestações, atos públicos e

protestos relacionados ao impeachment da presidente, governo Dilma Rousseff, governo

interino Michel Temer e eventos com a presença do ex-presidente Lula. No total, encontramos

64 notícias jornalísticas, sendo 19 em O Globo e 45 na Folha de S.Paulo. Nesta análise

exploratória dos jornais, consideramos atividades envolvendo ou não os grupos que se

articularam nas redes sociais on-line já mencionados, buscando vestígios que indicassem se as

pautas foram concebidas a partir de ações provenientes de seus ambientais virtuais. A

finalidade foi identificar elementos que indicassem qual o impacto da divulgação dos eventos

e atos públicos articulados pelos grupos estudados em suas redes sociais on-line na cobertura

das manifestações públicas em 2016 em O Globo e Folha de S.Paulo.

Page 131: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1805/2/Cleide Rodrigues.pdf · IMPEACHMENT DE DILMA ROUSSEFF NAS REDES SOCIAIS ON-LINE

130

No período da pesquisa, o MBL organizou oito eventos pelo Facebook, e o Vem pra

Rua, quatro em sua fanpage, sendo que dois, de abrangência nacional, coincidiram com os do

MBL. A Frente Brasil Popular e Povo Sem Medo promoveram 38 atividades fora do espaço

virtual, divulgadas em suas fanpages, das quais nove foram em parceria, seja no âmbito

nacional ou regional24

.

4.2.1. Os grupos “virtuais” e a cobertura no jornal O Globo

A análise empírica abrangeu 19 reportagens no jornal O Globo. No noticiário, o grupo

MBL foi lembrado em três ocasiões e a Frente Brasil Popular uma vez. Os contextos em que

os grupos são citados nos textos evidenciam claramente o posicionamento destes com relação

ao impeachment. Uma nota sobre o MBL diz que o grupo “está usando as redes sociais para

atacar Pezão e Picciani” em referência aos gastos com a Olimpíada e completa ao informar

que “os jogos são patrocinados pela capital do Rio de Janeiro, cujo prefeito é Eduardo Paes”.

Filiados ao PMDB, estes políticos eram fortes aliados de Dilma em março de 2016. Sobre a

Frente Brasil Popular, a referência é com base numa citação do presidente do PT, Rui Falcão,

que diz que o partido irá participar de eventos convocados pelo grupo nos dias 18 e 31 de

março, em reportagem sobre manifestações públicas em São Paulo.

Os outros dois – Vem pra Rua e Povo sem Medo – não foram citados no período de

análise realizada no jornal O Globo. Houve notícias com referências a outros grupos como

“Sem medo de ser feliz” e “Espaço de Unidade de Ação”, que organizaram pelas redes sociais

protestos contra o governo Dilma e políticos do governo e da oposição, respectivamente.

Apesar de terem sido raras as citações aos grupos estudados, notou-se referência, em algumas

reportagens, de que o ato foi organizado nas redes sociais por grupos ou movimentos.

Em seus estudos sobre manipulação na produção jornalística, Abramo (2003, p.25)

identifica o padrão de ocultação como aquele “que se refere à ausência e à presença de fatos

reais na produção da imprensa”. Para ele, não se trata de “desconhecimento” ou “mera

omissão do real”, ao contrário, a ocultação é um silêncio planejado. Este padrão estaria ligado

ao que a imprensa imputa como fatos jornalísticos e fatos-não jornalísticos.

Ora, o mundo real não se divide em fatos jornalísticos e não-jornalísticos

(...). O “jornalístico” não é uma característica intrínseca do real em si, mas

24

Os eventos nacionais do MBL e Vem pra Rua, que ocorreram no mesmo dia foram em 13 de março e 17 de

abril de 2016, traziam chamadas para “Megamanifestação Impeachment Já!” e “Vem para rua na votação do

Impeachment”. Com relação às Frentes Brasil Popular e Povo Sem Medo, estas organizaram nove atividades de

âmbitos nacional ou regional – 31 de março, 17 de abril, 1º e 30 de maio, 10 e 24 de junho, 31 de julho, 29 e 30

de agosto de 2016 – em parceria e faziam referência a manifestações “em defesa da democracia, garantia de

direitos e contra o golpe”.

Page 132: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1805/2/Cleide Rodrigues.pdf · IMPEACHMENT DE DILMA ROUSSEFF NAS REDES SOCIAIS ON-LINE

131

da relação que o jornalista, ou melhor, o órgão do jornalismo, a imprensa,

decide estabelecer como realidade. Nesse sentido, todos os fatos, toda a

realidade poder ser jornalística, e o que vai tornar jornalístico um fato

independe de suas características reais intrínsecas, mas dependem sim das

características do órgão de imprensa, da sua visão de mundo, da sua linha

editorial, do seu “projeto”, enfim, como se diz hoje (ABRAMO, 2003,

p.26).

O alerta feito por Abramo é que um “acontecimento” pode ser manipulado pela

imprensa sob a ótica da “ocultação” e que a decisão de ocultar determinados fatos da

realidade é planejada e segue uma linha editorial e política definida pelo órgão de imprensa.

Ao analisarmos O Globo, notamos que ao veículo pouco importou informar ao leitor quem

eram os autores das manifestações. O fato jornalístico em questão era “as manifestações

públicas” em si, ou seja, os protestos da sociedade, os quais tiveram pesos diferentes a

depender da linha ideológica apresentada por seus grupos e manifestantes. De modo geral, as

ações voltadas pelo impeachment tiveram mais espaço no noticiário do veículo, em

detrimento aos atos de apoio ao governo da então presidente da República.

O jornal O Globo categorizou em duas alas distintas os protagonistas dos atos e

protestos relacionados ao impeachment. Aqueles que atuaram favoráveis ao processo

representaram a sociedade de forma mais ampla e foram definidos por: “defensores do

impeachment”, “manifestantes” anti-Dilma, a favor do impeachment ou contra o governo,

“movimentos” contra a presidente, “grupo pró-impeachment”. Este público, sob a ótica do

jornal, simbolizava a massa da população brasileira, em defesa de seu país, por moralidade na

política, melhoria na economia, contra a corrupção, entre outros fatores.

A bandeira do Brasil ou as cores verde e amarela tornaram-se elementos que

representavam essas pessoas nas ruas em alusão ao patriotismo. No entanto, muitos usavam

camisas da Seleção Brasileira, que têm em destaque o emblema da CBF (Confederação

Brasileira de Futebol), entidade envolvida em escândalos de corrupção25

. Um exemplo é o

caso do ex-presidente da CBF, José Maria Marín. Preso na Suíça em maio de 2015, e

extraditado para os Estados Unidos em novembro do mesmo ano, cumpre prisão domiciliar

em Nova York. As palavras de ordem mencionadas ou expressas em faixa e cartazes foram:

“Fora Dilma”, “Renúncia já”, “Fora todos”, “Lula na cadeia”, “Renúncia”, “Fora Lula”.

25

As denúncias de corrupção na Fifa existem há anos. Mas, em 2015, os Estados Unidos tornaram pública uma

investigação sobre crimes como extorsão, fraudes financeiras e lavagem de dinheiro envolvendo cartolas da

entidade de vários países. Marco Polo Del Nero, José Maria Marín e Ricardo Teixeira, ex-presidentes da CBF,

teriam montado um esquema de corrupção que arrecadou R$ 120 milhões em propinas. (CHADE, Jamil.

Esquema de corrupção na CBF recebeu R$ 120 milhões, diz FBI. Portal Estadão, Esportes, 06 dez.2015).

Disponível em: <http://esportes.estadao.com.br/noticias/futebol,notas-frias-e-chantagens-fbi-revela-as-taticas-

dos-cartolas,1807312>. Acesso em: 04 ago.2018.

Page 133: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1805/2/Cleide Rodrigues.pdf · IMPEACHMENT DE DILMA ROUSSEFF NAS REDES SOCIAIS ON-LINE

132

Do outro lado, ou seja, nas manifestações contra o impeachment, os protagonistas

foram identificados como: “militantes petistas”, “militância anti-impeachment”,

“manifestantes” pró-governo, “apoiadores” da presidente, “grupo” pró-impeachment,

“militantes” pró-governo. Estes foram citados ainda como “movimentos sociais”,

“movimentos de mulheres”, “classe artística” ou ainda representam associações ou

instituições tais como Central Única dos Trabalhadores (CUT), Movimentos dos

Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), União Nacional dos Estudantes (UNE), Espaço de

Unidade de Ação, Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado (PSTU), Movimento Ocupa

MinC. As palavras de ordem usadas pelo grupo foram: “Não vai ter golpe”, “Lula, eu

respeito. Lula, eu defendo”, “Fora, Temer” e “Temer, jamais”. Aqui, nota-se que o jornal O

Globo categoriza essas pessoas como uma parcela da sociedade ligada a grupos político-

partidários, movimentos populares e sociais, especialmente de esquerda.

O vermelho se tornou símbolo nas fotos publicadas no jornal O Globo no que

concerne às manifestações contra o impeachment. Nesse sentido, nos parece que o significado

histórico perdeu seu sentido para ser simplificado, traduzido e/ou embutido no imaginário do

leitor como a cor do Partido dos Trabalhadores (PT). De certo esta cor está relacionada a

correntes ideológicas de esquerda ou socialista, porém, seu significado tem sentidos mais

antigos e complexos. Na religião e na guerra, o vermelho era tido como atributo de poder

desde a Antiguidade. Na história moderna “surge como símbolo do direito às manifestações e

da classe oprimida logo depois da Revolução Francesa” (ROESLER, 2016, s.p., 15 abr.).

Após a revolução burguesa, a assembleia constituinte francesa decidiu

colocar bandeiras vermelhas nos principais cruzamentos de modo a indicar

que estavam proibidas manifestações públicas. No dia 17 de julho de 1791,

milhares de parisienses se reuniram no Campo de Marte para exigir a

destituição definitiva do rei Luís XVI. O prefeito de Paris, Bailly, mandou

içar no alto uma grande bandeira vermelha, para que não restasse dúvida de

que o povo devia se manter longe das ruas. Mas o povo tomou a praça e a

polícia investiu com força letal contra os manifestantes, matando mais de 50

pessoas. E foi assim que a cor vermelha passou a representar o direito às

livres manifestações, dos excluídos, das classes oprimidas, dos explorados,

numa verdadeira inversão simbológica, passando a representar o “sangue

derramado contra a tirania” e, mais recentemente, a classe trabalhadora,

razão pela qual acabou sendo adotado pelas correntes ideológicas mais

identificadas com a justiça social (ROESLER, 2016, s.p.,15 abr.).

Se o verde e o amarelo simbolizaram o patriotismo dos brasileiros, o vermelho era a

cor do poder que estava xeque naquela ocasião. Entendemos, aqui, que o jornal faz uma

descontextualização do acontecimento em decorrência da “seleção de aspectos”, que se

configura como “padrão de fragmentação” da imprensa (ABRAMO, 2003). “Isolados como

Page 134: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1805/2/Cleide Rodrigues.pdf · IMPEACHMENT DE DILMA ROUSSEFF NAS REDES SOCIAIS ON-LINE

133

particularidades de um fato, o dado, a informação, a declaração perdem todo o seu significado

original e real para permanecer no limbo, sem significado aparente, ou receber outro

significado, diferente e mesmo antagônico ao significado real e original” (ABRAMO, 2003,

p.28). A falta de aprofundamento de determinadas questões no jornalismo brasileiro tem

comprometido a qualidade da produção jornalística e o sentido criativo do jornalismo no que

diz respeito à função social.

Em duas notícias – incluindo textos, legendas e fotos – relacionadas a atos pró-

governo, a abordagem do jornal O Globo foi desfavorável aos manifestantes. No dia 9 de

março, a foto de capa traz manifestantes em situação de conflito, com o seguinte destaque: “À

flor da pele – manifestação pelo Dia Internacional da Mulher acaba em bate boca entre

defensores e críticos do governo Dilma”. Na reportagem interna uma linha fina informa:

“Atos pelo dia Internacional da Mulher em São Paulo apoia presidente e provoca confusão”.

No dia 13 de maio, sob o título “Temer enfrenta protestos no primeiro dia” e linha fina

“Manifestantes tentaram invadir Planalto e foram dispersados com spray de pimenta”,

encontramos cinco fotos com as legendas em destaque: 1.MST; 2.Confronto, 3.Atadas;

4.Invasão e 5.Confusão. Entre os registros fotográficos, há imagens que mostram

manifestantes sendo dispersos por spray de pimenta e derrubando grade.

Nos dois exemplos dos noticiários descritos acima, notamos que O Globo fez

novamente uma “seleção de aspectos” (ABRAMO, 2003). Ou seja, os acontecimentos são

fatos jornalísticos dignos da produção jornalística, mas “o fato é decomposto, atomizado,

dividido em particularidades ou aspectos, e a imprensa seleciona os que apresentará ou não ao

público” (ABRAMO, 2003, p.27-28). Em suma, o jornal definiu a linha de apresentação dos

atos e manifestações públicas realizadas pelo grupo contra o impeachment aos seus leitores.

O jornal das Organizações Globo colocou lado a lado notícias sobre a atuação dos

grupos que organizaram protestos pró e contra o impeachment. No dia 25 de março, a

reportagem “Manifestantes estendem faixa com ofensa a Teori” ganhou maior destaque e

mostrou ação ofensiva de grupos contra o governo. Destacamos um trecho: “Um grupo ligado

ao Movimento Brasil Livre, que defende o impeachment, levou um caixão com os nomes de

Teori, Lula e PT e cantou os slogans ‘Olê, Olê, Supremo Tribunal, puxadinho do PT’ e ‘Não

vai ter golpe, vai ter justiça’”. Esta notícia foi ilustrada com foto do ministro. Ao lado, a

matéria menor, porém, com duas fotos em destaque, mostra manifestações a favor do governo

em São Paulo e no Rio de Janeiro, com o título “Protestos contra impeachment”. O conteúdo

Page 135: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1805/2/Cleide Rodrigues.pdf · IMPEACHMENT DE DILMA ROUSSEFF NAS REDES SOCIAIS ON-LINE

134

é objetivo, com dados factuais sobre quantidade de manifestantes, local dos eventos,

organizadores, entre outros.

Ainda sobre os protestos a favor e contra o impeachment, no dia 9 de março, a

manchete do jornal O Globo foi a seguinte “Planalto teme confronto e Alckmin veta ato do

PT”26

, sobre a possibilidade dos atos ocorrerem no mesmo dia. Em página do primeiro

caderno, a reportagem adota a linha de eventual conflito entre os manifestantes de facções

opostas, conforme mostram os títulos: “Governo tenta esfriar ânimos”, seguido de linha fina

“Preocupado com violência, Planalto pede a apoiadores para não irem às ruas no dia 13”; e

“Ministro do STF: ‘Receio um cadáver’”.

Paralelamente à análise das manifestações públicas relacionadas ao impeachment,

observamos assimetricamente que em O Globo o governo sofreu pressão com certa frequência

no noticiário paralelo ao foco da pesquisa. Nesta pesquisa exploratória, encontramos ainda

pautas relacionadas à Operação Lava Jato, queda do crescimento econômico, redução de

investimentos na cultura, reforma da previdência, crise política interna, desemprego, crise

institucional do PT, pesquisa de opinião pública sobre preferência a Temer em detrimento a

Dilma. Os temas também foram abordados em editoriais e por colunistas no jornal. A

instabilidade política e econômica e seus desdobramentos ocuparam boa parte das páginas do

veículo entre março e agosto de 2016.

4.2.2. Protestos e manifestações do impeachment sob o prisma da Folha de S.Paulo

Com 45 notícias e cobertura maior em relação ao jornal O Globo sobre assuntos que

versam esta pesquisa, a Folha de S.Paulo mencionou, no período de 1º de março a 28 de

agosto de 2016, o MBL e o Vem pra Rua em pelo menos quatro notícias, com abordagens

sobre a participação nos atos públicos, pressão à classe política e origem da renda destes

grupos. Também houve referência a outros grupos pró-impeachment como Revoltados On-

line. No noticiário sobre as alas anti-impeachment, Frente Brasil Popular e Povo Sem Medo

foram citados em três ocasiões. Outros movimentos ligados a eles também receberam menção

como O Levante da Juventude e Comitê PróDemocracia. Nota-se, então, que este jornal

26

Em São Paulo, “de acordo com a Lei 14.072 de 18 de outubro de 2005, regulamentada pelo Decreto 46.942,

para realização de eventos e obras nas vias públicas é preciso fazer uma Solicitação para Autorização de Eventos

– SAE”, junto à prefeitura. Os pedidos devem ser feitos entre 45 e 10 dias úteis de antecedência do evento. Não é

cobrada taxa para eventos de caráter: “religioso; político-partidário; social, quando promovido por entidade

declarada de utilidade pública, conforme legislação em vigor; manifestações públicas, por meio de passeatas,

desfiles ou concentrações populares que tragam uma expressão pública de opinião sobre determinado fato;

manifestações de caráter cívico de notório reconhecimento social”. (AUTORIZAÇÃO de eventos. Portal

Prefeitura de SP, s.p., s.d.) Disponível em: <http://www.capital.sp.gov.br/cidadao/transportes/autorizacao-de-

eventos>. Acesso em: 04 ago.2018).

Page 136: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1805/2/Cleide Rodrigues.pdf · IMPEACHMENT DE DILMA ROUSSEFF NAS REDES SOCIAIS ON-LINE

135

prezou por apresentar ao seu leitor certa pluralidade de fontes, com identificação dos

protagonistas, diferentemente do observado em O Globo.

Os protagonistas das reportagens são os “movimentos”, “manifestantes” e “público”

pró e contra o impeachment e/ou outras referências correlacionadas nessa linha, ou seja, a

Folha de S.Paulo não rotulou os grupos por suas posições ideológicas com adjetivos que os

enquadrassem em alas de defesa ou repúdio ao governo Dilma. Nas reportagens relacionadas

às atividades anti-impeachment foram citadas diversas organizações, entidades e/ou partidos,

como CUT, MST, MPA (Movimento dos Pequenos Agricultores), UNE, Juventude do PT,

MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto), entre outros.

As lideranças dos movimentos foram as principais fontes usadas pela redação do

Grupo Folha: Rogério Chequer (Vem pra Rua), Kim Kataguiri (MBL e então colunista da

Folha de S.Paulo), Rui Falcão (Presidente Nacional do PT), Guilherme Boulos (MTST e

então colunista da Folha de S.Paulo). Lula e Dilma também foram fontes em atos públicos

pró-governo, assim como intelectuais, artistas e políticos em atos contra o governo interino de

Michel Temer – Caetano Veloso, Jean Wyllis e Marcelo Freixo (PSOL). De modo geral, o

noticiário foi crítico, com tendência a manter o equilíbrio na transmissão da informação.

A Folha de S.Paulo publicou 24 notícias sobre atos públicos contra o impeachment de

Dilma Rousseff e 11 a favor do impeachment, com teor equilibrado/factual/objetivo e/ou

crítico/desfavorável aos grupos e manifestantes protagonistas dessas pautas. Além destas

matérias, houve a publicação de outras reportagens que não abordaram diretamente as

manifestações, como as pesquisas do instituto Datafolha.

Entre as reportagens de teor equilibrado e objetivo, com apresentação de relatos sobre

número de participantes nos eventos, descrição das manifestações ou atos públicos, citações

de fontes, estão: Temer sabe que o que estão fazendo é golpe, diz Lula” e “Dilma diz não

permitir mancha na democracia” (2 de abril de 2016); “Muro dividirá atos pró e contra

governo” (11 de abril de 2016); “Grupos anti-impeachment planejam primeiro de maio

histórico” (19 de abril de 2016); “Caetano canta Odeio Você e plateia responde Temer (21 de

maio de 2016); e “Parada LGBT de São Paulo em faixas e gritos de Fora Temer”.

Com relação às reportagens desfavoráveis às manifestações contra o impeachment

publicadas pela Folha de S.Paulo, temos: “MST invade afiliada da Globo em Goiânia” (9 de

março de 2016); “Manifestantes a favor de Dilma fecham avenida Paulista em SP”,

“Militantes agridem jornalistas em Brasília” e “O Levante picha diretório do PMDB em SP”

(13 de maio de 2016). Nesses noticiários, os textos e as fotografias do jornal são de tom

Page 137: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1805/2/Cleide Rodrigues.pdf · IMPEACHMENT DE DILMA ROUSSEFF NAS REDES SOCIAIS ON-LINE

136

crítico e de “agressividade” aos atos organizados pelos grupos de apoio ao governo Dilma.

Observamos a mesma postura no que se refere a ações a favor do impeachment, como

“Grupos anti-Dilma farão protestos no fim de agosto” (27 de julho de 2016) com tendência

neutra; e “Movimentos antigoverno não divulgam receita”, “Grupos ressaltam que não

recebem dinheiro público” (3 de abril de 2016), com teor crítico e desfavorável.

Notamos também a influência dos grupos (pró e contra) “virtuais” na agenda pública

por meio de reportagens como “Deputados se dizem pressionados por sites pró e contra

impeachment” e “Muro dividirá atos pró e contra o governo” (11 de abril de 2016), esta

última informa que Vem pra Rua instalou “mapa do impeachment” com os parlamentares

separados por seções a favor, contra ou indeciso. Aqui, notamos a influência das estratégias

de comunicação de grupos articulados e organizados nos ambientes virtuais na elaboração das

pautas da grande mídia.

A Folha de S.Paulo busca traçar o perfil dos manifestantes a favor e contra o governo

por meio da divulgação de pesquisa do instituto Datafolha como “Em atos pró e contra Dilma,

‘coxinhas’ são grupo majoritário (2 de abril de 2016), em que o jornal apresenta certa

semelhança entre os perfis socioeconômicos dos manifestantes, sendo a principal distinção a

posição política. Em outra reportagem a pesquisa aponta “Público de atos a favor e contra

Dilma rejeita Temer” (19 de abril de 2016).

De modo geral, a Folha de S.Paulo apresentou um noticiário diverso e crítico com

relação ao tema das manifestações públicas relacionadas ao impeachment de Dilma Rousseff.

Porém, não deixou de fazer “recortes” no noticiário sob os interesses e os pontos de vista

particulares enquanto uma empresa de comunicação jornalística.

4.2.3. Os vestígios das ações de comunicação dos grupos “virtuais” na grande mídia

No decorrer deste estudo, buscamos encontrar no trabalho da ação jornalística de O

Globo e Folha de S.Paulo o quanto as ações de comunicação nas redes sociais virtuais dos

grupos que atuaram no processo de impeachment, independentemente da posição partidária,

refletiram nas pautas na imprensa. Nesta análise, observamos se as reportagens faziam

menção às ações agendadas e divulgadas pelos grupos no Facebook; se as datas e o teor das

notícias estavam relacionados às atividades dos eventos organizados pelos grupos nas redes

sociais. Por fim, fizemos o cruzamento das reportagens veiculadas na imprensa com os

conteúdos relacionados aos atos e às manifestações públicas postados nas fanpages.

Page 138: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1805/2/Cleide Rodrigues.pdf · IMPEACHMENT DE DILMA ROUSSEFF NAS REDES SOCIAIS ON-LINE

137

O processo de impeachment foi um “acontecimento” jornalístico, portanto, os diversos

debates sobre o tema incitaram as redações na produção de notícias. As manifestações e os

atos públicos fizeram parte da cobertura jornalística dos veículos dentro de um leque maior,

uma crise institucional, política e econômica do país.

As atividades promovidas nos ambientes pelos grupos pró e contra o impeachment

serviram de norte para que as redações da grande mídia pautassem seus jornalistas sem

necessariamente aderirem ao discurso propagado ou defendido por cada um deles. No entanto,

há de se considerar que os grupos se tornaram fontes dos media, especialmente, na Folha de

S.Paulo, em que, inclusive, lideranças integravam a lista de colunistas do jornal, a exemplo de

Kim Kataguiri (MBL) e Guilherme Boulos (MTST).

Vimos, ainda, que o processo da produção jornalística está carregado de uma

“intenção”. Os jornais O Globo e Folha de S.Paulo apresentaram posicionamentos diferentes

na cobertura dos “acontecimentos”, evidenciando interesses e pontos de vista particulares.

Tais posturas fazem com que não cessemos o debate quanto à ética na imprensa (BUCCI,

2003), padrões de manipulação da notícia (ABRAMO, 2003) e que busquemos alternativas de

informação para além da grande mídia.

Nesta análise, notou-se que o jornal O Globo atuou no sentido de deslegitimar o

governo da então presidente da República, dando ênfase à crise política e econômica por meio

de reportagens desfavoráveis à sua gestão. As manifestações entraram no fluxo do debate

adotado pelo veículo. Na Folha de S.Paulo verificou-se maior rigor da redação, na medida em

que buscou equilibrar o debate sobre o assunto, mas não deixou de produzir notícias críticas,

por vezes “desfavoráveis”, ao governo Dilma, segundo seus interesses e intenções. Postura

que manteve no desenvolvimento da cobertura analisada, envolvendo outros protagonistas.

Quanto às manifestações prezou pela diversidade das fontes, pelo rigor na denominação de

seus atores. O veículo deu mais “voz” aos eventos contra o impeachment, talvez em

decorrência do maior número de atividades articuladas no Facebook pelos grupos desta ala.

Em suma, as ações de comunicação dos grupos investigados nortearam a ação

jornalística, mas a cobertura dos media se deu para além da atuação destes nos ambientes

virtuais e a partir dos interesses de cada veículo. O principal fator-notícia foi a crise

institucional política e econômica do país, sendo as manifestações públicas pelo impeachment

parte deste contexto. Tem-se de considerar ainda a força de engajamento dos grupos

“virtuais” que se fortalecem na medida em que atuam no campo real. Espera-se que dessas

Page 139: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1805/2/Cleide Rodrigues.pdf · IMPEACHMENT DE DILMA ROUSSEFF NAS REDES SOCIAIS ON-LINE

138

articulações e mobilizações haja um debate sério capaz de promover as transformações e

melhorias para um futuro promissor que a sociedade e o Brasil tanto precisam.

4.3. Grampo telefônico da conversa de Dilma e Lula: o estopim da crise

política sob os “olhares” da grande mídia e imprensa alternativa

Na apuração de notícias veiculadas na imprensa e nos estudos bibliográficos desta

dissertação, notamos quão importante é considerarmos outros fatores do contexto social e

institucional neste processo como interesses econômicos, políticos, político-partidários e dos

media. Este estudo exploratório originou-se da investigação, cujo foco era o impacto das

ações de comunicação dos grupos que se articularam nos ambientes virtuais no movimento de

impeachment de Dilma na cobertura da imprensa. Neste processo, nos deparamos com um

fato jornalístico pontual do contexto do impeachment que ocupou espaço significativo no

noticiário de O Globo e Folha de S.Paulo. A partir deles, fomos instigados a ampliar os

estudos para além da imprensa convencional, incluindo observações acerca do noticiário da

imprensa alternativa.

O estudo empírico teve o objetivo de compreender melhor o papel e a participação da

imprensa a partir de um “acontecimento” relevante no contexto do impeachment. A proposta

foi refletir sobre a prática do jornalismo enquanto função social a partir do noticiário acerca

da divulgação do áudio entre Dilma e Lula, após a nomeação dele para o ministério da Casa

Civil, em 16 de março de 2016, na grande mídia e na imprensa alternativa.

A liberação do sigilo das gravações interceptadas pela Polícia Federal (PF) foi

autorizada pelo juiz Sergio Moro que investigava o ex-presidente na Operação Lava Jato. A

conversa ocorrera fora do prazo determinado pela justiça para a gravação, mas foi divulgada,

ao que parece, em razão da nomeação de Lula para compor o ministério de Dilma. Essa

indicação foi interpretada como suposição de dar ao ex-presidente foro do Supremo Tribunal

Federal (STF). Os investigadores da PF não suspenderam as interceptações telefônicas e

informaram Moro sobre o telefonema que, ao se apropriar do teor da conversa, autorizou a

divulgação deste e outros áudios sob a alegação de “interesse público”.

A pesquisa exploratória nos veículos de imprensa compreendeu a análise de

reportagens veiculadas no dia seguinte ao “acontecimento”, em 17 de março de 2016, nos

jornais da grande mídia a Folha de S.Paulo e em O Globo, em contraponto com as notícias de

Caros Amigos, Agência de Notícias Carta Maior e Jornalistas Livres que se posicionam no

âmbito da imprensa alternativa. A investigação abrangeu 44 notícias sobre o “acontecimento”

Page 140: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1805/2/Cleide Rodrigues.pdf · IMPEACHMENT DE DILMA ROUSSEFF NAS REDES SOCIAIS ON-LINE

139

e/ou geradas a partir dele. No estudo, analisamos a objetividade subjetiva do jornalismo, com

base na concepção Bucci (2003, p.93-95):

A objetividade passará a depender de iniciativas subjetivas daqueles que são

notícia, e estas, por sua vez, só podem ser observadas por habilidades

também subjetivas daqueles encarregados de informar o público (...). [O

jornalismo] existe para pôr as ideias em confronto, para realizar o debate

público, para suprir os habitantes do planeta das notícias diversas de que

eles passaram a precisar para mover-se e tomar decisões na democracia

moderna (...). Quando o jornalismo busca objetividade, está buscando

estabelecer um campo intersubjetivo crítico entre os agentes que aí atuam:

os sujeitos que produzem o fato, os que observam e o reportam, e os que

tomam conhecimento do fato por meio do relato (...). A objetividade no

jornalismo, que é intersubjetividade, não pede isenção total – pede

equilíbrio.

Dividimos as reportagens em dois blocos: um que trata exclusivamente das conversas

de Dilma com Lula e outros áudios de Lula; e outro de notícias geradas a partir deste

“acontecimento”, como pedido de renúncia de parlamentares, protestos pelo país, atos de

apoio a Lula e Dilma e entrevista de Dilma sobre nomeação de Lula. Das 44 reportagens

analisadas, 32 resultam da grande mídia e 12 da imprensa alternativa. O objetivo foi analisar o

impacto da cobertura jornalística da grande mídia e imprensa alternativa sobre o grampo

telefônico envolvendo Dilma e Lula após a nomeação (não efetivada) do ex-presidente para o

ministério da Casa Civil no processo de impeachment da presidente.

QUADRO 10 – Análise exploratória de reportagens do dia 17 de março de

2016 na grande mídia e imprensa alternativa

Grande mídia – O Globo e Folha de S.Paulo

Veículos Reportagens sobre o grampo Reportagens correlacionadas

O Globo

(impresso)

3 notícias

Diálogo Ameaça Dilma (Capa)

Ação contra a Justiça

Antes do grampo, uma versão diferente

3 notícias

Ruas explodem em protestos e panelaços...

...No Congresso, oposição exige renúncia

O governo tinha um plano

Análise de

O Globo

A conversa entre Lula e Dilma e outros áudios entre a cúpula do governo dão indícios

de que a nomeação do ex-presidente seria uma estratégia para livrá-lo das

investigações da Lava Jato. A divulgação dos diálogos causou protestos nas ruas e de

parlamentares contra o governo; e PF e especialistas ouvidos pelo veículo viram

tentativa de obstrução à Justiça. Lula com medo das investigações. Críticas à nomeação

pressionam Dilma a dar explicações em coletiva sobre o comando do governo. As

principais fontes são contra o governo; atos pró-governo são minimizados no

noticiário; não há menção sobre a legalidade da divulgação dos grampos. Apenas o

MBL foi citado em reportagem sobre as manifestações em Brasília ao levar carro de

som às ruas. Em citação sobre ato pró-Dilma, o jornal informa que cerca de 20 pessoas

Page 141: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1805/2/Cleide Rodrigues.pdf · IMPEACHMENT DE DILMA ROUSSEFF NAS REDES SOCIAIS ON-LINE

140

participam do protesto. Estas foram embora após discussão e dispersadas com gás

lacrimogêneo. Articulações nas redes sociais voltadas ao engajamento social também

foram lembradas.

Considerações gerais: o noticiário mostra um governo fragilizado, sem apoio popular,

que busca a todo custo manter-se no poder. A liberação dos áudios teria frustrado a

estratégia de Dilma e Lula para evitar o impeachment e tirar o país da crise. Ao ocultar

a informação sobre a legalidade dos áudios e/ou minimizar ações e fontes pró-governo;

e ao dar visibilidade a fatos que reforçam a crise no governo, nos parece que o jornal

assume claramente um posicionamento, quando, na verdade, deveria ater-se a cumprir

sua função social. Verificam-se pelo menos dois padrões de manipulação da notícia:

ocultação pela ausência de fatos na produção da imprensa, e fragmentação, pela

seleção de aspectos do fato e descontextualização do acontecimento (ABRAMO, 2003,

p.25-28). Portanto, não há equilíbrio no fazer jornalístico, consequentemente, não há a

objetividade defendida por Bucci (2003).

Folha de S.Paulo

(impresso)

18 notícias

Capa

Grampos telefônicos

Presidente atuou para evitar prisão de

Lula, indica gravação

Planalto afirma que Moro violou lei com

vazamento

Painel – Celular utilizado por Lula estava

em nome de um laranja

Não há mais condições políticas para

petista assumir a Casa Civil

Páginas internas

Painel – Celular era do amigo

Dilma atuou para tentar evitar a prisão de

Lula, indica gravação da PF

Lava Jato aponta tentativa de turvar as

investigações

Especialista citam obstrução da Justiça;

outros contestam gravação

O que dizem os especialistas

Grampo de Dilma ocorreu após o veto de

Moro

PF responsabiliza juiz pelo uso das

gravações

Dilma afirma que teor da gravação é

republicano

Cúpulas estão acovardadas, afirma

petista

Em grampo, petista reclama a ministro

da Fazenda sobre investigação da Receita

Lula cobra ministro da Justiça pulso com

PF

Lula diz que delação sem PSDB é fraude

e ironiza Marta Suplicy em conversas

8 notícias

Deputados fazem coro no plenário por

renúncia

Temer diz a aliados que ficou perplexo

com as gravações

Protesto em Brasília tem bombas e ferido

Esquerda faz ato de apoio a Dilma e Lula

em SP

Dilma nomeia Lula às pressas

Indústria quer discutir ação na crise

Repercussão internacional - jornais

internacionais repercutiram indicação do

ex-presidente Lula para Casa Civil do

governo Dilma

‘Grampo’ faz ativo brasileiro disparar

Page 142: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1805/2/Cleide Rodrigues.pdf · IMPEACHMENT DE DILMA ROUSSEFF NAS REDES SOCIAIS ON-LINE

141

Moro venceu corrida com o Planalto ao

levantar sigilo de áudio

Análise de

Folha de S.Paulo

A maior parte do noticiário aborda o grampo telefônico das conversas entre Lula e

Dilma e outros áudios de Lula. O veículo traz várias nuances sobre o “acontecimento”

a partir da manchete “Presidente atuou para evitar a prisão de Lula, indica gravação”,

na busca de um debate “crítico” sobre o fato. A repercussão da legalidade das

gravações e atos de apoio ao governo entram noticiário. Contudo, a maior parte é

crítica ao governo. Nas 24 fotos que ilustraram as matérias, dez são de manifestações e

protestos nas ruas contra o governo. Estas foram usadas mesmo quando a notícia não

se referia a atos públicos, o que transmite ao leitor um momento de crise política no

país com mobilização da sociedade contra as ações do governo. O jornal se utiliza das

fontes (pró e contra o governo) para promover o “debate” em suas reportagens. O MBL

e o Vem pra Rua foram citados como principais organizadores dos protestos do último

domingo (13 de março de 2016). Embora não haja citação dos outros grupos estudados,

o jornal faz a cobertura de atos pró-Dilma, com citações de fontes de apoio à

presidente.

Considerações gerais: o noticiário mostra um governo em crise, cuja última tentativa

de reagir a tal situação se mostrou frustrada. Neste episódio, Dilma e Lula são

protagonistas e têm suas imagens arranhadas. O jornal promove o “debate” crítico

sobre a divulgação e o teor dos áudios, ouvindo fontes pró e contra o fato. Apesar de a

cobertura buscar o equilíbrio da notícia em prol do “pluralismo” e “jornalismo crítico”,

o noticiário contra o governo tem maior visibilidade, seja por meio de fotos; disposição

de texto; ilustrações; tamanho, linha fina e título da notícia, entre outros aspectos

editoriais. Verifica-se, aqui, a manipulação da notícia pelo padrão da inversão, que está

relacionado ao “reordenamento das partes, a troca de lugares e de importância dessas

partes, a substituição de umas por outras (...). É um padrão que (...) tem seu reinado por

excelência no momento da preparação e da apresentação final, ou edição, de cada

matéria ou conjunto de matérias” (ABRAMO, 2003, p. 28-29). Na Folha de S.Paulo, o

equilíbrio da informação é comprometido no processo de edição da notícia, mesmo que

sutilmente, apesar do jornal ter perseguido o pluralismo na veiculação das notícias.

Imprensa alternativa – Caros Amigos, Carta Maior e Jornalistas Livres

Veículos Reportagens sobre o grampo Reportagens correlacionadas

Caros Amigos (on-

line)

3 notícias

Dilma critica grampos de conversa com

Lula e diz que "golpes começam assim"

Após grampos, Lula pede 'simplesmente

justiça' em carta Aberta

Moro grampeou 25 advogados que atuam

em escritório que defende Lula, diz nota

4 notícias

Liminar que suspende posse de Lula visa

tumultuar, afirma professor da FGV

Cai liminar do DF que impedia posse de

Lula; AGU chama juiz de "engajado"

contra Dilma

SP: Juristas fazem ato em defesa da

legalidade

"Direita brasileira não quer perder seus

privilégios", diz Pepe Mujica

Análise de

Caros Amigos

As reportagens analisadas tratam da posse de Lula, no dia 17 de março, e não de sua

nomeação e dos grampos telefônicos como verificado na grande mídia. Por essa razão,

procuramos observar o trato dado às notícias sobre os assuntos relacionados ao

governo. O noticiário é favorável a Dilma e Lula. O veículo publica notas na íntegra

enviadas à redação. A versão sem edição dá veracidade à informação. As fontes

ouvidas também são pró-governo. O veículo traz notícias que, comumente, não entram

na pauta da grande mídia. Exemplos: a de interceptações telefônicas da PF no

escritório dos advogados de defesa de Lula, e da liminar que suspende posse de Lula,

cujo juiz teria feito postagens nas redes sociais de participação de atos contra Dilma.

Reprodução do discurso do governo no que tange “a luta contra o golpe” por meio de

notícias e de entrevistas com as fontes.

Considerações gerais: o noticiário evidencia posicionamento pró-governo e de

Page 143: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1805/2/Cleide Rodrigues.pdf · IMPEACHMENT DE DILMA ROUSSEFF NAS REDES SOCIAIS ON-LINE

142

tendência esquerda. Coloca em pauta assuntos não abordados pela grande mídia,

mostrando que a sociedade não tinha um discurso uníssono. Reproduz o discurso do

governo de “luta contra o golpe” por meio de textos e/ou fontes. A Caros Amigos

crítica a grande mídia, fazendo jus à sua proposta de ser uma publicação “contra-

hegemônica, alternativa e de reflexão crítica do pensamento neoliberal”, porém, nos

parece que deixa transparecer um certo partidarismo na produção da notícia. Sobre

isso, Bucci alerta: “o que não pode haver é uma ligação formal de subordinação

pública entre o jornalista dedicado à cobertura política e um partido: ele não está na

profissão para obedecer um partido, mas ao interesse público” (2003, p.104).

Carta Maior

1 notícia

Moro usa grampo ilegal na sua cruzada

contra Lula

1 notícia

A resistência no TUCA e a marcha do golpe

Análise de

Carta Maior

Reportagem aborda a legalidade dos grampos telefônicos e a divulgação dos áudios

autorizados pelo juiz Sergio Moro. Mas, utiliza expressões com juízo de valor em sua

cobertura. Sugere que haveria uma ação conjunta da PF, Moro e mídia para derrubar

Lula e Dilma a qualquer preço. Questiona a forma de divulgação da informação de

veículos das Organizações Globo – Globo News e CBN – e também da Folha de

S.Paulo. Mostra grupos aliados, como intelectuais e diferentes correntes progressistas,

para “planejamento de luta que agora urge”. Faz referências às manifestações pró e

contra o governo.

Considerações gerais: o noticiário é todo pró-governo. Evidencia sua postura crítica

quanto à imprensa e grupos hegemônicos. Mostra o engajamento da sociedade pela

democracia, reproduzindo o discurso do governo e de movimentos contra o

impeachment e de apoio a Lula e Dilma. Apresenta uma cobertura jornalística fora dos

padrões da imprensa convencional, mas não segue a cartilha de objetividade subjetiva

do jornalismo. Sabemos que “a neutralidade é impossível e a objetividade (...) é uma

conquista efêmera, (...) mas, sobretudo, em política, um mínimo de distanciamento

crítico pode e deve ser pretendido pelos profissionais de imprensa” (BUCCI, 2003,

p.112).

Jornalistas Livres 1 notícia

O golpe de Moro, o assédio moral e o

terror político (link para reportagem da

CBN sobre manifestação)

2 notícias

Manifestantes agridem jovens em ato contra

nomeação de Lula à Casa Civil (texto/vídeo)

Guilherme Boulos em ato pela legalidade

democrática (texto/vídeo)

Análise de

Jornalistas Livres

O artigo que aborda a liberação dos áudios de Dilma e Lula por Moro seria uma forma

de o juiz revidar a nomeação do ex-presidente como ministro-chefe da Casa Civil.

Suscita que estaria havendo perseguição a Lula; e terrorismo judicial a partir de uma

aliança entre mídia e MPF contra a vontade de uma parte significativa da opinião

pública. Ilustração remete à ligação entre Moro e Organizações Globo. A inserção de

matéria veiculada pela CBN mostra versão ocultada pelo noticiário da grande mídia:

manifestantes contra o governo agridem jovens que se posicionam a favor do governo.

Noticiário mostra ação de movimentos sociais e populares em atos de apoio ao

governo. Críticas à grande mídia. Acontecimento é visto como um ato “golpista” e que

haverá resistência.

Considerações gerais: os conteúdos postados na rede são críticos à atuação da

imprensa convencional e ao judiciário. Ao mostrar que movimentos populares e sociais

apoiam Lula e Dilma; e que manifestantes contra o governo podem ser truculentos, o

veículo dá vida à outra versão dos fatos, não “lembrado” pela grande mídia. Os

materiais investigados dão conta que a rede se posiciona favorável ao governo. Aqui, o

veículo cumpre seu papel de ser uma alternativa aos grandes veículos da imprensa.

A análise de um mesmo “acontecimento” mostrou que a produção jornalística se dá a

partir de “intenções” que inclui a participação do jornalista no desenvolvimento deste

Page 144: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1805/2/Cleide Rodrigues.pdf · IMPEACHMENT DE DILMA ROUSSEFF NAS REDES SOCIAIS ON-LINE

143

processo. Contudo, o produto final segue as diretrizes das instituições jornalísticas que estão à

frente do trabalho e são soberanas na decisão sobre como a informação que será transmitida à

opinião pública.

A grande mídia e a imprensa alternativa apresentam particularidades que as colocam

num ou noutro grupo, mas esses meios são independentes no “fazer jornalismo”. Da corrente

da grande mídia, O Globo e Folha de S.Paulo, vimos que o fato investigado consumiu horas

de trabalho nas redações, que os veículos têm uma significativa estrutura de profissionais

considerando o volume de matérias produzidas e diferentes autores dos textos; Lula, Dilma e

Sergio Moro foram protagonistas dos noticiários; os protestos contra o governo receberam

destaque nas páginas dos jornais; se posicionaram de forma crítica ao governo, no entanto,

cada qual “manipulou” as informações segundo seu posicionamento político-ideológico.

De modo geral, a imprensa alternativa, por sua vez, nos pareceu ter uma estrutura

menor, que se refletiu na quantidade de conteúdos produzidos; atuou no sentido de “desvelar”

assuntos não tratados pela grande mídia; mostrou-se próxima a movimentos sociais e

populares, e grupos de esquerda, entre outros; criticou a imprensa tradicional. No caso

investigado, os veículos estudados se colocaram favoráveis ao governo, contra o judiciário e

críticos no “fazer jornalismo” pela grande imprensa, mas também apresentam diferenças entre

si e também fizeram “recortes” segundo seus pontos de vista e intenções.

4.3.1. Considerações sobre a prática jornalística na contemporaneidade

Ao pensarmos na prática jornalística, espera-se que os profissionais e as instituições

que transmitem uma informação noticiosa, a partir de um “acontecimento”, prezem por

conteúdos que promovam o debate crítico no sentido de fazer valer a função social do

jornalismo. Espera-se que o jornalismo contribua para a formação da opinião pública, ou seja,

que os relatos sejam um recorte da realidade, sem manipulações e/ou intenções carregados de

interesses econômicos e políticos.

Nesta pesquisa exploratória, em que analisamos cinco veículos de comunicação,

notamos quão complexo e discutível é a prática jornalística. Notamos a imponência da grande

mídia no processo de produção da notícia a partir da cobertura do grampo telefônico da

conversa de Dilma e Lula a respeito da nomeação dele para ministro-chefe da Casa Civil.

Neste processo, há de se considerar o poder de difusão da notícia. Em tese, deveríamos ter

observado certa similaridade nos relatos dos jornais O Globo e Folha de S.Paulo acerca do

“acontecimento”, contudo, não foi o constatado. O primeiro, por exemplo, sequer chegou a

Page 145: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1805/2/Cleide Rodrigues.pdf · IMPEACHMENT DE DILMA ROUSSEFF NAS REDES SOCIAIS ON-LINE

144

mencionar em seu noticiário a questão da legalidade da divulgação dos áudios. O segundo,

por sua vez, embora tenha praticado um jornalismo mais “plural” e “crítico” reservou mais

páginas para conteúdos desfavoráveis ao governo, o que não haveria problema se houvesse

equilíbrio no debate proposto pelo jornal. Daí a importância da imprensa alternativa de expor

pautas para além do jornalismo convencional. Isso não quer dizer apoiar esse ou aquele

governo. O valor do noticiário deste tipo de imprensa é trazer luz a discussões não

apresentadas pela grande mídia por “intenções” diversas.

Notou-se que a divulgação do “acontecimento” à exaustão pela grande mídia inflou

ainda mais a crise econômica e política no governo Dilma, sendo fato relevante no contexto

do movimento do impeachment. Em nossa concepção é evidente que o “fato” seria e merecia

ser repercutido pelos media, mas esperava-se um “fazer criativo do jornalismo” pautado por

um controle consciente da “intenção”, que é a “liga abstrata que funde ética e técnica, na

busca de uma estética significativa para o processo” do jornalismo (CHAPARRO, 2000,

p.116). A imprensa alternativa foi uma opção aos grandes jornais ao tratar de temas não

“lembrados” pela cobertura convencional, embora tenha resvalado no partidarismo político.

Espera-se que a grande mídia e a imprensa alternativa se empenhem e possam cumprir, um

dia, a função social que se espera de grupos e instituições de comunicação social, apesar das

relações complexas da ação jornalística.

Page 146: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1805/2/Cleide Rodrigues.pdf · IMPEACHMENT DE DILMA ROUSSEFF NAS REDES SOCIAIS ON-LINE

145

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste trabalho, buscamos apresentar elementos que auxiliassem nossa discussão sobre

as manifestações públicas no processo de impeachment de Dilma Rousseff em 2016 e, mais

especificamente, as articulações e a organização de parte da sociedade nos ambientes virtuais

como forma de fortalecer o engajamento e a participação social em prol de suas demandas,

transformação e mudança social. Mas, de onde veio o interesse pela pesquisa?

Filha de pai metalúrgico que viveu o auge do período sindicalista nos anos de 1980,

ainda menina, nós sempre gostamos de acompanhar os debates políticos e manifestações da

sociedade pela televisão. Coitado do nosso pai. Não aguentava o tanto de pergunta que

fazíamos quando sentávamos ao seu lado para assistir ao noticiário. Depois, trabalhamos no

meio político e com políticos, seja como repórter ou assessora de imprensa, em alguns

momentos de nossa jornada profissional. Na ocasião do processo de impeachment de Dilma

sempre questionávamos sobre o comportamento dos cidadãos brasileiros diante do debate

sobre o cenário político, seja no espaço público real e ou virtual. Havia momentos em que

parecíamos estar diante de uma grande guerra na qual tínhamos de aderir ao lado A ou B.

Com o intuito de compreender melhor este cenário singular da história do país,

passamos a observar extratos da sociedade que se articularam e se manifestaram nos

ambientes on-line e off-line. Assim, chegamos ao estudo que analisou as manifestações

públicas pró e contra o impeachment de Dilma Rousseff a partir de quatro grupos organizados

e articulados na rede social on-line Facebook. Eles foram selecionados com base em sua forte

representatividade na articulação nos manifestos públicos e sua aderência junto aos seguidores

em suas fanpages. Para dar equilíbrio à análise proposta, os dividimos igualmente em dois

segmentos: Movimento Brasil Livre (MBL) e Vem pra Rua (a favor do impeachment); e

Frentes Povo Sem Medo e Brasil Popular (contra o impeachment).

Notamos que os convites virtuais no Facebook foram uma das principais ferramentas

de comunicação dos grupos na rede social para instigar parte da sociedade a participar de atos

públicos envolvendo o impeachment de Dilma. Os grupos adotaram estratégias similares para

compor e divulgar as peças de comunicação na rede social para persuadir os seguidores a irem

aos eventos no mundo off-line. De modo geral, os convites apresentaram chamada de

impacto, protagonistas-chave, marcas identitárias e serviço de utilidade pública com data e

local das ações. Elementos do cenário social e institucional do momento em questão, como

personalidades e fatos de conhecimento público, compuseram os convites virtuais – os posts

propriamente ditos com os dados primários; e os detalhes do evento no complemento das

Page 147: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1805/2/Cleide Rodrigues.pdf · IMPEACHMENT DE DILMA ROUSSEFF NAS REDES SOCIAIS ON-LINE

146

informações. Na medida em que avançamos nossos estudos a partir dos grupos MBL, Vem

pra Rua e Frentes Povo Sem Medo e Brasil Popular, passamos a questionar como classificá-

los. Seriam eles movimentos sociais, movimentos populares, comunidades virtuais ou são

apenas grupos de pessoas que se uniram por uma causa coletiva num momento único da

história do Brasil?

A partir dessa investigação, nos deparamos com uma nova configuração de esfera

pública na contemporaneidade que ganha novos contornos com o avanço das tecnologias de

informação e comunicação (TICs). É uma sociedade híbrida, ainda em formação, que utiliza o

ciberespaço para disseminar suas posições e obter apoio em prol de suas lutas e ideais. A

organização e articulação dos atores sociais nos ambientes on-line nos motiva ainda a refletir

sobre o eixo estrutural da esfera pública tradicional, composto por sistema político, sociedade

civil e os meios de comunicação. Para Martuccelli (2015), temos na contemporaneidade um

quarto bloco da esfera pública – a galáxia da internet – que resulta da difusão das novas

tecnologias e impacta não apenas os blocos tradicionais, mas também transforma a relação

entre eles e seus atores sociais.

A contextualização teórica sobre movimentos sociais e populares, desde abordagens

clássicas até as contemporâneas; e participação e comunicação popular no contexto do

ativismo digital nos deu subsídio para entendermos os perfis do MBL, Vem pra Rua e das

Frentes Povo Sem Medo e Brasil Popular no processo do impeachment de Dilma. De modo

geral, os grupos representaram formas de manifestações coletivas, sem necessariamente serem

classificados como movimentos sociais populares. Nas análises feitas nos perfis dos grupos

das redes sociais não identificamos características inerentes ao conceito de movimento social,

como consistência de laços, identidades compartilhadas, durabilidade e clareza de táticas e

estratégias que envolvessem um projeto amplo e universal de sociedade voltado à cidadania.

Percebemos também que a visibilidade obtida por líderes dos grupos serviram de

trampolim para eles ingressarem na carreira política, como Fernando Holiday, do MBL, que

assumiu uma cadeira na Câmara de São Paulo, pelo DEM, em 2016; Rogério Chequer, do

Vem pra Rua, que concorre ao governo do Estado de Paulo, pelo Partido Novo, nas eleições

de 2018; e Guilherme Boulos, da Frente Povo Sem Medo, que disputa o pleito de presidente

da República pelo PSOL, nas eleições de 2018.

Os grupos das redes sociais analisados fazem parte desta “terceira onda da sociedade

civil” (SORJ, 2015), que tem o ciberespaço como alicerce para o desenvolvimento de suas

ações e que emerge, inclusive, de grupos constituídos off-line. Diante deste cenário, as

Page 148: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1805/2/Cleide Rodrigues.pdf · IMPEACHMENT DE DILMA ROUSSEFF NAS REDES SOCIAIS ON-LINE

147

relações entre este novo bloco da esfera pública e as organizações formais ainda estão sem

contornos definidos. Há muito a se estudar sobre os movimentos contemporâneos, mas fato é

que as mobilizações no campo cibernético servem de alerta à opinião pública e aos poderes

instituídos. No âmbito dos grupos do impeachment, notamos que, independentemente do

posicionamento e/ou ideologia política, eles se manifestaram publicamente nos ambientes on-

line e off-line de forma crítica à gestão da presidente da República, reforçando a necessidade

de transformação e mudança social, sobretudo no âmbito das diretrizes políticas e econômicas

do Brasil naquela ocasião. Temos, aqui, a sociedade civil em constante luta por mudanças e

transformações sociais a partir de suas demandas e necessidades.

Também observamos que a forma de articulação e organização se deu por grupos que

se conectaram como comunidades virtuais. A estrutura se apresentou semelhante a um cluster,

ou seja, um aglomerado de nós conectados, em que houve interação social mútua em torno de

interesses comuns, seja a favor ou contra o impeachment. Neste sentido, o MBL, o Vem Pra

Rua e as Frentes Povo Sem Medo e Brasil Popular se apropriaram de ferramentas

tecnológicas da atualidade disponíveis para disseminar e reverberar seus discursos em defesa

de suas causas, sendo a rede social on-line Facebook um canal de comunicação para este fim,

mas não necessariamente de interação entre os todos envolvidos.

Fotos, desenhos, logomarcas e arte gráfica foram elementos utilizados nos convites

virtuais para que os grupos fossem identificados perante o público seguidor e promovessem a

divulgação e disseminação de suas ações que ocorreriam nos ambientes off-line. Contudo, não

houve interação dos grupos com os internautas que acompanharam seus perfis na rede social.

As interações nos perfis deles foram exclusivamente entre seguidores. Assim, a relação

estabelecida nos ambientes virtuais pelos quatro grupos foi de laços sociais fracos, oriunda de

relações “esparsas, que não traduzem proximidade e intimidade” (RECUERO, 2011), e a rede

social Facebook foi utilizada como instrumento facilitador para inserir a ação proposta por

cada uma deles na agenda pública, com vistas ao engajamento e à participação social em atos

e manifestações públicas em diversas localidades do país.

Nesta nova configuração da sociedade civil, observamos ainda que as atividades dos

movimentos contemporâneos estão interconectadas de tal modo que as análises a serem feitas

devem considerar as ações dos mundos on-line e off-line. Convergimos para as observações

de Sorj (2015, p.36) de que “a dinâmica e consequências do ciberativismo não devem ser

dissociadas de suas consequências para e interação permanente com o mundo off-line”. No

mundo off-line as organizações se fortalecem, os debates que emergem dos ambientes digitais

Page 149: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1805/2/Cleide Rodrigues.pdf · IMPEACHMENT DE DILMA ROUSSEFF NAS REDES SOCIAIS ON-LINE

148

parecem ganhar notoriedade, capaz inclusive de promover senão mudanças efetivas, pelo

menos novas reflexões sobre os rumos da sociedade.

No caso do impeachment de Dilma Rousseff, em 2016, os grupos das redes sociais,

tanto contra e a favor o processo, podem não ter sido o protagonista único do processo, mas

tiveram relevante participação, especialmente na agilidade e ampliação da informação do

processo de transformação social, assim como outras alas da esfera pública. Buscamos

ampliar nossos olhares quanto a essa perspectiva na análise sobre as manifestações públicas a

partir da cobertura jornalística da grande mídia e imprensa alternativa.

Ao analisar o trabalho da ação jornalística nos veículos O Globo e Folha de S.Paulo,

observamos que o processo de impeachment foi um “acontecimento” jornalístico, sendo as

manifestações e os atos públicos parte da cobertura da imprensa. Neste contexto, as ações de

comunicação dos grupos nortearam a ação jornalística, mas a cobertura dos media se deu para

além da atuação destes nos ambientes virtuais e a partir dos interesses de cada veículo.

O principal fator-notícia foi a crise institucional política e econômica do país, como

verificamos em um fato jornalístico pontual do contexto do impeachment que ocupou espaço

significativo no noticiário de O Globo e Folha de S.Paulo: a divulgação do áudio entre Dilma

e Lula, após a nomeação dele para o ministério da Casa Civil, em 16 de março de 2016. A

partir daí, ampliamos os estudos com observações sobre o noticiário da imprensa alternativa –

Caros Amigos, Agência de Notícias Carta Maior e Jornalistas Livres.

Nas análises das notícias veiculadas na grande mídia e imprensa alternativa, notamos

que os atores das redes sociais on-line fizeram parte de um contexto social e institucional da

esfera pública, e cada um, a seu modo, teve um papel e contribuição no arcabouço do

processo de impeachment de Dilma Rousseff. Observamos que os próprios meios de

comunicação são atores da esfera pública dentro do macrocenário do impeachment, o que

reforça nossos apontamentos no que concerne à hipótese desta pesquisa.

Partimos da hipótese de que a atuação dos atores nos ambientes virtuais contribuiu

para dar visibilidade a suas ações no mundo off-line. Concebemos as ferramentas tecnológicas

como potenciais instrumentos de articulação, mobilização, empoderamento e engajamento

social para proposição de transformações sociais, desde que os cidadãos delas se apropriem.

No contexto do impeachment, a análise acerca dos motivos que levaram ao afastamento de

Dilma do Palácio do Planalto perpassa por diversos outros fatores além das articulações de

atores nas redes sociais, entre os quais interesses econômicos, políticos, políticos partidários,

posicionamento dos meios de comunicação, em níveis local e global.

Page 150: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1805/2/Cleide Rodrigues.pdf · IMPEACHMENT DE DILMA ROUSSEFF NAS REDES SOCIAIS ON-LINE

149

Pelo percurso deste estudo, verificamos que o afastamento definitivo de Dilma como

chefe de Estado foi consequência de um processo longo e gradativo, com raízes plantadas no

primeiro governo (2011-2014). A adoção de medidas políticas e econômicas fez com que

diversos atores sociais participassem desta história, entre eles representantes do meio

financeiro/bancos, da classe média tradicional, de empresários industriais e de entidades de

classe. A perda de apoio em diversos segmentos da sociedade, que culminou com milhares de

pessoas nas ruas de 2013 a 2016, teria sido porque a então presidente “cutucou um número

excessivo de perigosas onças com varas notavelmente curtas” sem considerar qual munição

usaria para uma situação de contra-ataque (SINGER, 2015, p.64-67). Foi inevitável a perda

de apoio político, especialmente depois de uma reeleição tão acirrada, com promessas de

campanha não cumpridas. O impeachment, baseado nas denúncias das pedaladas fiscais e dos

decretos orçamentários, foi tão somente a base legal para a saída de Dilma do governo.

Dessa forma, levantamos a pergunta de pesquisa: como se deu a articulação e ações de

grupos pró e contra o impeachment de Dilma Rousseff por meio das redes sociais on-line nas

manifestações públicas de 2016 no Brasil e a aderência destas atividades na grande mídia e

imprensa alternativa? Notamos, que os grupos das redes sociais estudados – MBL, Vem pra

Rua e as Frentes Povo Sem Medo e Brasil Popular – fizeram parte de um grupo de vários

protagonistas, em cada um teve papel relevante no contexto social e institucional deste

processo. Pela característica de atuação dos grupos, consideramos que a visibilidade deles se

deu na agilidade e ampliação da informação do processo de transformação social da

sociedade, assim como outras alas da esfera pública.

Percebemos que as ações na rede social on-line Facebook dos grupos investigados

nortearam a ação jornalística, mas a cobertura dos media ocorreu para além da atuação destes

nos ambientes virtuais e a partir dos interesses de cada veículo. O principal fator-notícia dos

meios de comunicação foi a crise institucional política e econômica do país, sendo as

manifestações públicas pelo impeachment parte deste grande cenário. Assim, o impeachment

de Dilma foi um processo gradativo, que sofreu influência de diversos atores e fatores do

contexto social e institucional local e global. Parte deste contexto, os grupos constituídos off-

line se apropriaram do ciberespaço para disseminar suas posições e obter apoios fazendo uso

de recursos tecnológicos consonantes com o seu tempo.

Espera-se que das articulações e mobilizações advindas desta nova sociedade civil,

que tem se empoderado da tecnologia em escala mundial para externar suas demandas, haja

um debate sério capaz de promover transformações e melhorias para um futuro promissor que

Page 151: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1805/2/Cleide Rodrigues.pdf · IMPEACHMENT DE DILMA ROUSSEFF NAS REDES SOCIAIS ON-LINE

150

a sociedade tanto precisa. Reforçamos que os estudos acerca das manifestações sociais não se

esgotam nesta pesquisa, uma vez que a história nos mostra que povos de diferentes origens e

credos sempre encontram meios para externar sua insatisfação e indignação frente às ações

impostas pelo poder instituído, fazendo uso de recursos que dispõe. Se considerarmos ainda

que investimentos em tecnologias de informação e comunicação (TICs) não param, ao

contrário são cada vez mais intensos e rebustos, é certo que haverá muito a ser discutido por

pesquisadores de diversas áreas sobre empoderamento e engajamento social a partir da

apropriação destas novas ferramentas pela sociedade.

Page 152: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1805/2/Cleide Rodrigues.pdf · IMPEACHMENT DE DILMA ROUSSEFF NAS REDES SOCIAIS ON-LINE

151

REFERÊNCIAS

ABRAMO, Perseu Abramo. Padrões de manipulação na grande imprensa. São Paulo: Editora

Fundação Perseu Abramo, 2003.

ABBUD, Bruno. O grupo da mão invisível. Revista Piauí, 03 out.2017. Disponível em:

<http://piaui.folha.uol.com.br/o-grupo-da-mao-invisivel/>. Acesso em: 25 fev.2018.

ALVAREZ, Sonia E.; DAGNINO, Evelina; ESCOBAR, Arturo. Cultura e política nos movimentos

sociais latino-americanos – novas leituras. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2000.

BARDIN, Laurence. Análise de conteúdo. 4ª ed. Lisboa (Portugal): Edições 70, 2011.

BAUMAN, Zygmunt. Comunidade: A busca por segurança no mundo real. Rio de Janeiro: Zahar,

2003.

BEDINELLI, Talita. Movimentos sociais lançam frente de esquerda anti-Levy e sem o PT. ELPAÍS,

São Paulo, 08 out.2015. Disponível em:

<https://brasil.elpais.com/brasil/2015/10/07/politica/1444171412_797786.html>. Acesso em: 17

mar.2018.

BRANCALEONE, Cassio. Comunidade, sociedade e sociabilidade: revisitando Ferdinand Tönnies.

Revista Ciências Sociais (Universidade Federal do Ceará). Fortaleza, v. 39, n. 2, p.98-104, 2008.

BRASIL é o 4º país em número de usuários de internet. Exame, Tecnologia, 3 out.2017. Disponível

em: <https://exame.abril.com.br/tecnologia/brasil-e-o-4o-pais-em-numero-de-usuarios-de-internet/>.

Acesso em: 24 mar.2018.

BUBER, Martin. Sobre comunidade. São Paulo: Editora Perspectiva, 1987.

BUCCI, Eugênio. Sobre ética e imprensa. São Paulo: Companhia das Letras, 2003.

_____. A forma bruta dos protestos: das manifestações de junho de 2013 à queda de Dilma Rousseff

em 2016. São Paulo: Companhia das Letras, 2016.

CARTA convocatória de lançamento da Frente Povo Sem Medo. Facebook Povo Sem Medo, s.d.

Disponível em: <https://www.facebook.com/events/1623699354567294/>. Acesso em: 17 mar.2018

CASTELLS, Manuel. Redes de indignação e esperança. São Paulo: Zahar, 2013.

CASTELLS, Manuel. A Galáxia da Internet: reflexões sobre a internet, os negócios e a sociedade.

Rio de Janeiro: Zahar, 2003.

CASTELLS, Manuel. Sociedade em rede. São Paulo: Paz e Terra, 1999.

CHAPARRO, Manuel Carlos. Pragmática do jornalismo: buscas práticas para uma teoria da ação

jornalística. São Paulo: Summus, 1994.

CUPANI, Alberto. A realidade complexa da tecnologia. Cadernos IHU Ideias/Universidade do Vale

do Rio dos Sinos, Instituto Humanitas Unisinos. São Leopoldo, ano 12, v. 12, n. 216, p.3-14, 2014.

DAS RUAS para as urnas: os líderes de protestos que migraram para a política neste ano. Terra, 27

set. 2016. Disponível em: <https://noticias.terra.com.br/brasil/das-ruas-para-as-urnas-os-lideres-de-

Page 153: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1805/2/Cleide Rodrigues.pdf · IMPEACHMENT DE DILMA ROUSSEFF NAS REDES SOCIAIS ON-LINE

152

protestos-que-migraram-para-a-politica-neste-

ano,0c22c58a623f4d718518888dd47310fdck439mxh.html>. Acesso em: 10 mar.2018.

DELARBRE, Raúl Trejo. Internet como expressão e extensão do espaço público. Revista Matrizes.

São Paulo, ano 2, n. 2 jul/dez., 2009.

DIFELICE, Massimo. Net-ativismo e ecologia da ação em contextos reticulares. Contemporânea:

Revista de Comunicação e Cultura. Salvador, v. 11, n. 2, p. 267–283, maio-ago, 2013a.

FAÇA uma doação com PayPal. Portal Vem pra Rua, s.d. Disponível em: <https://www.paypal-

brasil.com.br/doe/vemprarua#vem-pra-rua>. Acesso: 10 março 2018.

FRENTE Brasil Popular – documentos básicos. Portal Frente Brasil Popular. São Paulo, 1ª edição,

2015. Disponível em:

<http://frentebrasilpopular.org.br/system/uploads/action_file_version/60e86d7bd297031f7642ab86675

c310c/file/fbp-cartilha-n-1-documentos-basicos-02dez15.pdf>. Acesso: 11 mar.2018.

FERNANDES, Vivian de O.N. Panorama da mídia alternativa no Brasil e na América Latina. 9º

Encontro Nacional de História da Mídia - UFOP. Outro Preto, 2013.

GOHN, Maria da Glória. Teorias dos movimentos sociais – paradigmas clássicos e contemporâneos.

5ª ed. São Paulo: Edições Loyola, 2006.

GOHN, Maria da Glória. Movimentos sociais no início do século XXI – antigos e novos atores

sociais. 4ª ed. Petrópolis: Editora Loyola, 2010.

GOMES, Mayra Rodrigues. Ética e jornalismo – uma cartografia dos valores. São Paulo: Escrituras

Editora, 2002.

GOMES, Wilson. A democracia digital e o problema da participação civil na decisão política. Revista

Fronteiras – estudos midiáticos (Unisinos). São Leopoldo, v. 7, n. 3, p.214-222, set/out, 2005.

HABERMAS, Jürgen. Mudança estrutural da esfera pública: investigações sobre uma categoria da

sociedade burguesa. São Paulo: Editora Unesp, 2014.

HISTÓRIA. Facebook MBL, s.d. Disponível em:

<https://www.facebook.com/pg/mblivre/about/?ref=page_internal>. Acesso: 25 fevereiro 2018.

HOBSBAWM, Eric. Introdução: A invenção das tradições. In: HOBSBAWM, Eric; RANGER,

Terence (Orgs.). A invenção das tradições. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1997. p.9-24.

JORNAL Frente Brasil Popular - Ano 1 - Edição Especial. Portal Frente Brasil Popular. Disponível:

<http://frentebrasilpopular.org.br/system/uploads/action_file_version/b6aa01fc53a470aa0f847bc63b20

4bc9/file/frente-brasil-popular-especial-web.pdf>. Acesso: 11 mar.2018.

LÉVY, Pierre. Cibercultura. São Paulo: Editora 34, 1999.

LOPES, Pedro; SEGALLA, Vinícius. Áudios mostram que partidos financiaram MBL em atos pró-

impeachment. Política. UOL, São Paulo, 27 maio 2016. Disponível em:

< http://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2016/05/27/maquina-de-partidos-foi-utilizada-

em-atos-pro-impeachment-diz-lider-do-mbl.htm/>. Acesso em: 25 fev.2018.

Page 154: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1805/2/Cleide Rodrigues.pdf · IMPEACHMENT DE DILMA ROUSSEFF NAS REDES SOCIAIS ON-LINE

153

LOPEZ, Debora Cristina; QUADROS, Mirian Redin de. Esfera pública em rede: considerações sobre

as redes sociais a partir de Habermas. Revista ALCEU (Pontifícia Universidade Católica do Rio de

Janeiro – PUC-RJ). Rio de Janeiro, v.15 n.30, jan./jun.2015.

MAFFESOLI, Michel. O tempo das tribos – o declínio do individualismo na sociedade de massa. 5ª

ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2014.

MAIS de 4 bilhões de pessoas terão acesso à Internet móvel até o fim de 2017, diz relatório da ONU.

Nações Unidas, Desenvolvimento Sustentável, 2 ago.2017. Disponível em:

<https://nacoesunidas.org/mais-de-4-bilhoes-de-pessoas-terao-acesso-a-internet-movel-ate-o-fim-de-

2017-diz-relatorio-da-onu/>. Acesso em: 24 mar.2018.

MAPA das Manifestações no Brasil. Portal G1. Política. Disponível em:

<http://especiais.g1.globo.com/politica/mapa-manifestacoes-no-brasil/todos/>. Acesso em: 18

maio.2018.

MARTUCCELLI, Danilo. Esfera pública, movimentos sociais e juventude. In: SORJ, B.; FAUSTO,

S. (Orgs.). Internet e mobilizações sociais: transformações do espaço público e da sociedade civil.

São Paulo: Edições Plataforma Democrática, 2015, p. 61-101.

MBL elegeu oito de seus 45 candidatos. Política. Carta Capital, 03 out.2016. Disponível em: < https://www.cartacapital.com.br/politica/mbl-elegeu-oito-de-seus-45-candidatos>. Acesso em: 25

fev.2018.

MINAYO, Maria Cecília de Souza (org.). Pesquisa Social: teoria, método e criatividade. 28.ed.

Petrópolis, RJ: Vozes, 2009.

MOCELLIM, Alan Delazeri. A comunidade: da sociologia clássica à sociologia contemporânea.

PLURAL: Revista do Programa de Pós‑Graduação em Sociologia da USP. São Paulo, v. 17, n. 2,

pp.105-125, 2011.

PERES, Bruno; RESENDE, Thiago. DILMA perde mais popularidade no 2º mandato que Lula e FHC.

Portal Valor Econômico, Política, 30 set.2015. Disponível em:

<http://www.valor.com.br/politica/4249454/dilma-perde-mais-popularidade-no-2-mandato-que-lula-e-

fhc>. Acesso em: 18 maio.2018.

PERUZZO, Cicilia M. Krohling. Comunicação nos movimentos populares. Petrópolis: Editora

Vozes, 1998.

_____. Conceitos de comunicação popular, alternativa e comunitária revisitados e as reelaborações no

setor. ECO-Pós: Revista do Programa de Pós-Graduação em Comunicação e Cultura da Escola de

Comunicação da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, v.12, n.2, p.46-61, maio-ago.

2009a.

_____. Aproximações entre a comunicação popular comunitária e a imprensa alternativa no Brasil na

era do ciberespaço. Revista Galáxia, São Paulo, n.17, p.131-146, jun. 2009b.

PERUZZO, Cicilia M. Krohling; BERTI, Orlando Maurício de Carvalho. As novas configurações

das comunidades comunicacionais nas “comunidades de escolha”. I Colóquio Brasil-China de

Ciência da Comunicação. Espírito Santo, 2010.

_____. Movimentos sociais, redes virtuais e mídia alternativa no junho em que o “gigante

acordou” (?). IV Jornada Acadêmica Discente do PPGCOM-USP, Escola de Comunicação e Artes da

Universidade de São Paulo, São Paulo, 2013.

Page 155: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1805/2/Cleide Rodrigues.pdf · IMPEACHMENT DE DILMA ROUSSEFF NAS REDES SOCIAIS ON-LINE

154

_____. Comunicação para o desenvolvimento, comunicação para a transformação. In: MONTEIRO

NETO, A. (org.). Sociedade Política e Desenvolvimento. Brasília, Ipea, 2014, p.161-195.

PERES, Bruno; RESENDE, Thiago. DILMA perde mais popularidade no 2º mandato que Lula e FHC.

Portal Valor Econômico, Política, 30 set.2015. Disponível em:

<http://www.valor.com.br/politica/4249454/dilma-perde-mais-popularidade-no-2-mandato-que-lula-e-

fhc>. Acesso em 18 maio.2018.

PRADO, Jean. Portal Tecnoblog. Disponível em: <https://tecnoblog.net/192063/internet-brasil-

mundo-facebook/>. Acesso: 23 dezezembro 2016.

PRIMO, Alex. O aspecto relacional das interações na Web 2.0. Revista da Associação Nacional dos

Programas de Pós-Graduação (Compos). Rio Grande do Sul, 2007.

REVERBEL, Paula. Líderes de atos de rua contra Dilma saúdam Temer em dedicatória. Folha de

S.Paulo, São Paulo, 20 set. 2016. Disponível em:

<http://www1.folha.uol.com.br/poder/2016/09/1815324-espero-muitos-projetos-alinhados-escreve-

lider-do-vem-pra-rua-a-temer.shtml>. Acesso em: 10 mar.2018.

RECUERO, Raquel. Redes sociais na internet. Porto Alegre: Sulina, 2011.

RENOVAÇÃO Liberal: a associação familiar para onde vai o dinheiro do MBL. Brasil. El País, 29

set.2017. Disponível em:

<https://brasil.elpais.com/brasil/2017/09/26/politica/1506462642_201383.html>. Acesso: 03

mar.2018.

RICHARDSON, Roberto J. Pesquisa Social. 3ª ed. São Paulo: Atlas, 2008.

RIFFE, D. e tal. The effectiveness of random, consecutive day and constructed week samplings in

newspaper content analysis. Journalism Quarterly. American Michigan, Association of Schools and

Departments of Journalism, 70, p.133-139, 1993.

ROESLER, Átila da Rold. Qual é a cor da sua bandeira, trabalhador? Portal Carta Capital,

Justificando, 15 abr.2016. Disponível em: < http://justificando.cartacapital.com.br/2016/04/15/qual-e-

a-cor-da-sua-bandeira-trabalhador/>. Acesso em: 19 ago.2017.

RÜDIGER, Francisco. A reflexão teórica em cibercultura e a atualidade da polêmica sobre a cultura

de massas. Matrizes. São Paulo, ano 5, n. 1 jul/dez., 2011.

SANTAELLA, Lucia. O DNA das redes sociais digitais. In: BARBOSA, M.; MORAIS, O.J. de

(Orgs.). Comunicação em tempo de redes sociais: afetos, emoções, subjetividades. São Paulo,

Intercom, 2013, p. 23-43.

SEABRA, Catia; RODRIGUES, Arthur. Frente de esquerda lança plano de governo para virar

alternativa ao PT. Folha de S.Paulo, São Paulo, 18 dez.2018. Disponível em: < http://www1.folha.uol.com.br/poder/2017/12/1942098-frente-de-esquerda-lanca-plano-de-governo-

para-virar-alternativa-ao-pt.shtml>. Acesso em: 17 mar.2018.

SINGER, André. Cutucando onças com varas curtas – O ensaio desenvolvimentista no primeiro

mandato de Dilma R ousseff (2011-2014). Revista Novos Estudos Cebrap. São Paulo, edição 102, v.

34, n.2, p.39-67, jul., 2015.

Page 156: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1805/2/Cleide Rodrigues.pdf · IMPEACHMENT DE DILMA ROUSSEFF NAS REDES SOCIAIS ON-LINE

155

SOMMA, Nicolás. Participação cidadã e ativismo digital na América Latina. In: SORJ, B.; FAUSTO,

S. (Orgs.). Internet e mobilizações sociais: transformações do espaço público e da sociedade civil.

São Paulo: Edições Plataforma Democrática, 2015, p. 102-145.

SORJ, Bernardo. Entre o local e o global. In: FIGUEIREDO, Rubens (Org). Junho de 2013: A

sociedade enfrenta o Estado. São Paulo: Summus, 2014, p.87-98.

SORJ, Bernardo. On-line/off-line: a nova onda da sociedade civil e a transformação da esfera pública.

In: _____; FAUSTO, S. (Orgs.) Internet e mobilizações sociais: transformações do espaço público e

da sociedade civil. São Paulo: Edições Plataforma Democrática, 2015, p.35-59.

SORJ,B.; FAUSTO, S. (Orgs.). Ativismo político em tempos de internet. São Paulo: Edições

Plataforma Democrática, 2016.

SOUSA, Jorge Pedro. As notícias e seus efeitos. Coimbra: Minerva Coimbra, 2000.

SOBRE nós. Vem para Rua, s.d. Disponível em: <https://www.vemprarua.net/sobre-nos/>. Acesso:

25 fevereiro 2018.

VAMOS! Sem Medo de Mudar o Brasil – Resultados Finais. Issuu. 14 set.2017. Disponível em:

<https://issuu.com/povosemmedo/docs/cartilhavamos>. Acesso: 17 mar.2018.

VAMOS! Sem Medo de Mudar o Brasil – Resultados Finais. Issuu. 26 nov.2017. Disponível em:

<https://issuu.com/povosemmedo/docs/relatorio_final-web_d25783772af3ff>. Acesso: 17 mar.2018.

VILLAVERDE, João. Perigosas pedaladas: os bastidores da crise que abalou o Brasil e levou ao fim

o governo Dilma Rousseff. São Paulo: Geração Editorial, 2016.

Page 157: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1805/2/Cleide Rodrigues.pdf · IMPEACHMENT DE DILMA ROUSSEFF NAS REDES SOCIAIS ON-LINE

156

ANEXOS – Posts dos convites virtuais dos grupos do Facebook

MBL

Data Post

4 de março de 2016

13 de março de 2016

17 de março de 2016

Page 158: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1805/2/Cleide Rodrigues.pdf · IMPEACHMENT DE DILMA ROUSSEFF NAS REDES SOCIAIS ON-LINE

157

11 de abril de 2016

12 de março de 2016

17 de março de 2016

Page 159: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1805/2/Cleide Rodrigues.pdf · IMPEACHMENT DE DILMA ROUSSEFF NAS REDES SOCIAIS ON-LINE

158

5 de maio de 2016

3 de agosto de 2016

Vem pra rua

Data Post

13 de março de 2016

2 de abril de 2016

Page 160: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1805/2/Cleide Rodrigues.pdf · IMPEACHMENT DE DILMA ROUSSEFF NAS REDES SOCIAIS ON-LINE

159

17 de abril de 2016

31 de julho de 2016

Povo Sem Medo

Data Post

24 de março de 2016

13 de abril de 2016

1º de maio de 2016

Page 161: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1805/2/Cleide Rodrigues.pdf · IMPEACHMENT DE DILMA ROUSSEFF NAS REDES SOCIAIS ON-LINE

160

12 de maio de 2016

13 de maio de 2016

16 de maio de 2016

22 de maio de 2016

30 de maio de 2016

Page 162: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1805/2/Cleide Rodrigues.pdf · IMPEACHMENT DE DILMA ROUSSEFF NAS REDES SOCIAIS ON-LINE

161

2 de junho de 2016

4 e 5 de junho de 2016

7 de junho de 2016

10 de junho de 2016

5 de julho de 2016

Page 163: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1805/2/Cleide Rodrigues.pdf · IMPEACHMENT DE DILMA ROUSSEFF NAS REDES SOCIAIS ON-LINE

162

14 de julho de 2016

31 de julho de 2016

17 de agosto de 2016

28 de agosto de 2016

29 de agosto de 2016

Frente Brasil Popular

Data Post

18 de março de 2016

Page 164: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1805/2/Cleide Rodrigues.pdf · IMPEACHMENT DE DILMA ROUSSEFF NAS REDES SOCIAIS ON-LINE

163

31 de março de 2016

4 de abril de 2016

17 de abril de 2016

5 de maio de 2016

10 de maio de 2016

Page 165: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1805/2/Cleide Rodrigues.pdf · IMPEACHMENT DE DILMA ROUSSEFF NAS REDES SOCIAIS ON-LINE

164

20 de maio de 2016

25 de maio de 2016

3 de junho de 2016

9 de junho de 2016

10 de junho de 2016

Page 166: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1805/2/Cleide Rodrigues.pdf · IMPEACHMENT DE DILMA ROUSSEFF NAS REDES SOCIAIS ON-LINE

165

Page 167: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1805/2/Cleide Rodrigues.pdf · IMPEACHMENT DE DILMA ROUSSEFF NAS REDES SOCIAIS ON-LINE

166

Page 168: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1805/2/Cleide Rodrigues.pdf · IMPEACHMENT DE DILMA ROUSSEFF NAS REDES SOCIAIS ON-LINE

167

Page 169: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1805/2/Cleide Rodrigues.pdf · IMPEACHMENT DE DILMA ROUSSEFF NAS REDES SOCIAIS ON-LINE

168

15 e 16 de junho de 2016

Page 170: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1805/2/Cleide Rodrigues.pdf · IMPEACHMENT DE DILMA ROUSSEFF NAS REDES SOCIAIS ON-LINE

169

24 de junho de 2016

29 de junho de 2016

3 de julho de 2016

24 de julho de 2016

31 de julho de 2016

Page 171: UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE …tede.metodista.br/jspui/bitstream/tede/1805/2/Cleide Rodrigues.pdf · IMPEACHMENT DE DILMA ROUSSEFF NAS REDES SOCIAIS ON-LINE

170

9 de agosto de 2016

29 de agosto de 2016

30 de agosto de 2016