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UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE COMUNICAÇÃO
Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social
Cleide Rodrigues Picolo
AS MANIFESTAÇÕES PÚBLICAS PELOS GRUPOS PRÓ E CONTRA O
IMPEACHMENT DE DILMA ROUSSEFF NAS REDES SOCIAIS ON-LINE
São Bernardo do Campo – SP, 2018
UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO FACULDADE DE COMUNICAÇÃO
Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social
Cleide Rodrigues Picolo
AS MANIFESTAÇÕES PÚBLICAS PELOS GRUPOS PRÓ E CONTRA O
IMPEACHMENT DE DILMA ROUSSEFF NAS REDES SOCIAIS ON-LINE
Dissertação apresentada em cumprimento parcial às
exigências do Programa de Pós-Graduação em
Comunicação Social, da Universidade Metodista de
São Paulo (UMESP), para obtenção do grau de
Mestre.
Orientadora: Professora Dra. Cicilia Peruzzo (agosto
de 2016 a dezembro de 2017) e Professora Dra.
Camila Escudero (janeiro a agosto de 2018).
São Bernardo do Campo – SP, 2018
FICHA CATALOGRÁFICA
P587m Picolo, Cleide Rodrigues
As manifestações públicas pelos grupos pró e contra o
impeachment de Dilma Rousseff nas redes sociais on-line /
Cleide Rodrigues Picolo. 2018.
155 p.
Dissertação (Mestrado em Comunicação Social) --
Escola de Comunicação, Educação e Humanidades da
Universidade Metodista de São Paulo, São Bernardo do
Campo, 2018.
Orientação de: Cicilia Maria Krohling Peruzzo.
Coorientação de: Camila Escudero.
1. Manifestações públicas - Brasil 2. Redes sociais on-
line 3. Imprensa brasileira 4. Imprensa e política - Brasil 5.
Impeachment - Brasil 6. Rousseff, Dilma Vana, 1947 I.
Título.
CDD 302.2
A dissertação de mestrado sob o título “As manifestações públicas pelos grupos pró e contra o
impeachment de Dilma Roussef nas redes sociais on-line”, elaborada por Cleide Rodrigues
Picolo, foi defendida e aprovada com louvor (summa cum laude) em 13 de setembro de 2018,
perante banca examinadora composta por Camila Escudero (Presidente/UMESP), Pablo
Ortellado (Titular/USP) e Roberto Joaquim de Oliveira (Titular/UMESP):
Profa. Dra. Camila Escudero
Orientadora e Presidente da Banca Examinadora
Prof. Dr. Luiz Farias
Coordenadora do Programa de Pós-graduação
Programa: Pós-graduação em Comunicação Social
Área de concentração: Processos Comunicacionais
Linha de Pesquisa: Comunicação comunitária, territórios de cidadania e desenvolvimento
social
DEDICATÓRIA
Dedico esta dissertação
à minha mãe, em memória, Jocelina da Silva Rodrigues,
por sempre acreditar nos meus sonhos e projetos,
ao meu marido, Marcelo Lima Picolo,
pela compreensão e apoio às minhas escolhas,
e ao meu filho, Gabriel Rodrigues Picolo,
por entender, ao seu modo, minha ausência e
me fazer ver quão bela a vida é.
AGRADECIMENTOS
A realização deste trabalho só foi possível graças a uma série de pessoas que participaram,
estiverem presentes e/ou proporcionaram condições para o seu desenvolvimento. Farei aqui
menção a apenas parte deste grupo imenso que me acompanhou nesta jornada, com pedido de
desculpas e compreensão àqueles que eu deixarei de mencionar pelo restrito e reservado
espaço nesta nota de agradecimentos.
Primeiramente agradeço à generosidade da professora Marli dos Santos, que já havia me
orientado na pós-graduação em Jornalismo Institucional na PUC-SP e a quem recorri para
iniciar o mestrado na UMESP. Ao ler meu projeto de pesquisa, abriu mão de me guiar neste
trabalho por entender que outra colega poderia contribuir ainda mais para sua concretização.
Assim, cheguei até a professora Cicilia Peruzzo que não apenas me orientou durante a maior
parte deste percurso como também fez com que eu amadurecesse minhas ideias. Tão generosa
quanto a querida Marli, ela compartilhou seu conhecimento e sua experiência que muito
nortearam os rumos desta pesquisa.
Uma reviravolta na gestão acadêmica da universidade, que não é o caso relatar, fez com que
eu ganhasse uma nova contribuição para finalização do projeto. Assim, agradeço à professora
Camila Escudero por me auxiliar na realização deste sonho, pela parceria e confiança.
Meus agradecimentos à minha irmã Meire da Silva Rodrigues por me dar refúgio em sua casa
por horas e dias para redigir essa dissertação e pelo carinho durante todo esse processo.
Por fim, sou grata à UMESP e ao Conselho Nacional de Pesquisa (CNPq) pela confiança e
pelo investimento financeiro que permitiram que eu concluísse esta pesquisa de mestrado,
dando condições de compartilhar todas essas descobertas com outros pesquisadores,
e claro, com futuros profissionais de comunicação que hei de encontrar nas instituições de
ensino por onde eu passar.
LISTA DE QUADROS
QUADRO 1 – Amostragem por semana construída nos veículos de imprensa: Folha de S.
Paulo e O Globo ....................................................................................................................... 19
QUADRO 2 – Mapa dos grupos nos ambientes on-line (Sites e redes sociais) ....................... 73
QUADRO 3 – Análise dos convites virtuais por categoria (Descrição e tratamento do
material) .................................................................................................................................... 99
QUADRO 4 – Raio-X dos convites do Facebook (Uma síntese das ações dos grupos pró e
contra o impeachment) ........................................................................................................... 100
QUADRO 5 – Análise dos convites por categoria – MBL (Descrição e tratamento do
material) .................................................................................................................................. 104
QUADRO 6 – Análise dos convites por categoria – Vem pra Rua (Descrição e tratamento do
material) .................................................................................................................................. 107
QUADRO 7 – Análise dos convites por categoria – Povo Sem Medo (Descrição e tratamento
do material) ........................................................................................................................ .....109
QUADRO 8 – Análise dos convites por categoria – Frente Brasil Popular (Descrição e
tratamento do material) ........................................................................................................... 113
QUADRO 9 – Reportagens da Folha de S.Paulo e de O Globo (Amostragem – Semana
Construída) ............................................................................................................................. 129
QUADRO 10 – Análise exploratória de reportagens do dia 17 de março de 2016 na grande
mídia e imprensa alternativa ................................................................................................... 139
SUMÁRIO
RESUMO, RESUMEN E ABSTRACT
INTRODUÇÃO.......................................................................................................................12
CAPÍTULO I – DOS CONCEITOS CLÁSSICOS SOBRE COMUNIDADE AO
ATIVISMO NAS REDES ......................................................................................................22
1.1. Comunidade: abordagens do conceito clássico às manifestações atuais ........................... 22
1.2. Comunidades nas mídias e redes sociais e suas conexões................................................. 30
1.2.1. Novas formas de sociabilidade e comunidades virtuais ..................................... 31
1.2.2. Os atores e as conexões: os elementos das redes sociais na internet .................. 34
1.2.3. Transformação da sociabilidade e individualismo em rede ................................ 37
1.2.4. Na era da internet, emerge um novo bloco na esfera pública ............................. 41
1.3. Ativismo nas redes sociais on-line: conceitos e experiências mundiais ............................ 44
1.3.1. Revoluções “glocais”: breves aspectos de ativismo digital – Primavera Árabe,
Occupy Wall Street e passagens pela América Latina .................................................. 49
CAPÍTULO II – MOVIMENTOS SOCIAIS E POPULARES E OS GRUPOS DAS
REDES NO IMPEACHMENT DE DILMA ........................................................................55
2.1. Movimentos sociais e populares ........................................................................................ 55
2.1.1. Movimentos sociais e populares na América Latina .......................................... 60
2.1.2. Uma passagem sobre movimentos sociais e populares no Brasil: dos anos de
1970 à contemporaneidade ........................................................................................... 66
2.2. Participação e comunicação popular na era da internet ..................................................... 68
2.3. Os grupos nas redes sociais on-line no impeachment de Dilma Rousseff ........................ 72
2.3.1. MBL: protestos pelo impeachment, captação de recursos e escalada política ... 73
2.3.2. Vem pra Rua: visibilidade no impeachment e abertura de caminho na política 75
2.3.3. Frente Brasil Popular: contra o impeachment, agremiação de movimentos
sociais e defesa política e ideológica de esquerda ........................................................ 78
2.3.4. Frente Povo Sem Medo: contra o impeachment, nasce “sem” ligação com
legenda política, e se transforma em frente de esquerda alternativa ao PT .................. 80
2.3.5. Considerações sobre os atores do impeachment nas redes sociais on-line ......... 83
CAPÍTULO III – GOVERNO DILMA E AS MANIFESTAÇÕES: UMA ANÁLISE
DAS AÇÕES DOS GRUPOS NO FACEBOOK .. ............................................................... 85
3.1. Governo Dilma: da eleição à crise política e econômica................................................... 85
3.1.1. As marcas das manifestações de junho de 2013 ................................................. 91
3.1.2. Um relato: das manobras das contas públicas às “pedaladas fiscais”................. 94
3.2. A construção e desconstrução de Dilma e seu governo pelos grupos nas redes sociais on-
line ............................................................................................................................................ 97
3.2.1. Um panorama sobre os convites “virtuais” dos grupos do impeachment .......... 99
3.2.2. Particularidades das publicações dos principais eventos dos grupos na rede .. 103
3.2.2.1 Dilma Rousseff na mira do MBL e Vem pra Rua ................................ 104
3.2.2.2 Frentes Povo Sem Medo e Brasil Popular: Michel Temer e o golpe .... 109
3.2.3. Considerações gerais sobre a participação dos grupos no Facebook ............... 118
CAPÍTULO IV – MANIFESTAÇÕES PÚBLICAS: REPERCUSSÃO NA IMPRENSA
A PARTIR DAS AÇÕES ARTICULADAS NAS REDES SOCIAIS...............................120
4.1. Abordagens sobre a ação jornalística, a ética no jornalismo e a noticiabilidade de um
acontecimento ......................................................................................................................... 120
4.1.1. Questões sobre ética e manipulação da realidade no jornalismo ...................... 122
4.1.2. O acontecimento que vira notícia ..................................................................... 124
4.1.3. Passagem pelo conceito de imprensa alternativa .............................................. 125
4.1.4. A cartilha seguida pelos veículos de imprensa da pesquisa ............................. 127
4.2. As manifestações públicas e presença dos grupos das redes sociais on-line no noticiário
de O Globo e Folha de S.Paulo .............................................................................................. 129
4.2.1. Os grupos “virtuais” e a cobertura no jornal O Globo ...................................... 130
4.2.2. Protestos e manifestações do impeachment sob o prisma da Folha de S.Paulo
................................................................................................................................................ 134
4.2.3. Os vestígios das ações de comunicação dos grupos “virtuais” na grande mídia
.................................................................................................................................... 136
4.3. Grampo telefônico da conversa de Dilma e Lula: o estopim da crise política sob os
“olhares” da grande mídia e imprensa alternativa .................................................................. 138
4.3.1. Considerações sobre a prática jornalística na contemporaneidade ................... 143
CONSIDERAÇÕES FINAIS...............................................................................................145
REFERÊNCIAS....................................................................................................................151
ANEXOS – Posts dos convites virtuais dos grupos do Facebook.........................................156
RESUMO
Este estudo analisa as manifestações públicas pró e contra o impeachment de Dilma Rousseff
a partir de grupos organizados e articulados na rede social Facebook. O objetivo foi observar
a influência e a relação das tecnologias digitais como um instrumento facilitador para
promover a mobilização e o engajamento social, e provocar mudança no contexto histórico e
político da sociedade brasileira. As teorias sobre cibercultura, comunidade, movimentos
sociais e participação popular foram a base para refletirmos sobre a relevância da internet
neste processo. Fizemos análises de conteúdo e exploratória de publicações de fanpages com
foco nas estratégias de comunicação e interação dos grupos com seguidores, e de reportagens
para verificar a aderência dessas estratégias na imprensa. Notamos que esses grupos tiveram
relevante participação, especialmente na agilidade e ampliação da informação do processo de
transformação social, como outras alas da esfera pública; e o impeachment foi um processo
gradativo, que sofreu influência de diversos atores e fatores do contexto social e institucional.
Palavras-chave: Manifestações públicas; Redes sociais virtuais; Ativismo; Imprensa
brasileira; Impeachment de Dilma Rousseff.
RESUMEN
Este estudio analiza las manifestaciones públicas pro y contra el impeachment de Dilma
Rousseff a partir de grupos organizados y articulados en la red social Facebook. El objetivo
fue observar la influencia y la relación de las tecnologías digitales como un instrumento
facilitador para promover la movilización y el compromiso social, y provocar cambio en el
contexto histórico y político de la sociedad brasileña. Las teorías sobre cibercultura,
comunidad, movimientos sociales y participación popular fueron la base para reflexionar
sobre la relevancia de Internet en este proceso. Hemos hecho análisis de contenido y
exploratorio de publicaciones de fanpages con foco en las estrategias de comunicación e
interacción de los grupos con seguidores, y de reportajes para verificar la adherencia de esas
estrategias en la prensa. Notamos que estos grupos tuvieron relevante participación,
especialmente en la agilidad y ampliación de la información del proceso de transformación
social, como otras alas de la esfera pública; y el impeachment fue un proceso gradual, que
sufrió influencia de diversos actores y factores del contexto social e institucional.
Palabras clave: Manifestaciones públicas; Redes sociales virtuales; activismo; Prensa
brasileña; Impeachment de Dilma Rousseff.
ABSTRACT
This study analyzes the public manifestations for and against the impeachment of Dilma
Rousseff from organized and articulated groups in the social network Facebook. The objective
was to observe the influence and the relationship of digital technologies as a facilitating tool
to promote social mobilization and engagement, and to bring about change in the historical
and political context of Brazilian society. Theories about cyberculture, community, social
movements and popular participation were the basis for reflecting on the relevance of the
internet in this process. We did content and exploratory analyzes of fanpage publications
focusing on the strategies of communication and interaction of groups with followers, and
from reports to verify the adherence of these strategies in the press. We note that these groups
had relevant participation, especially in the agility and expansion of the information of the
process of social transformation, like other wings of the public sphere; and impeachment was
a gradual process that was influenced by several actors and factors in the social and
institutional context.
Keywords: Public manifestations; Virtual social networks; Activism; Brazilian Press;
Impeachment of Dilma Rousseff.
12
INTRODUÇÃO
Temos notado que a sociedade contemporânea está cada vez mais conectada por meio
da internet e de equipamentos móveis, inserida num processo sem volta. Os investimentos em
tecnologias de informação e comunicação não param, contribuindo para a expansão da rede.
Consequentemente, este contexto passa a influenciar e transformar a vida das pessoas. Os
brasileiros fazem parte deste cenário global e utilizam as ferramentas tecnológicas disponíveis
em suas práticas cotidianas, com tendência para ampliação de seu uso, assim como em outros
locais do mundo.
O Relatório da União Internacional de Telecomunicações (UIT), das Organizações das
Nações Unidas (ONU), divulgado em agosto de 2017, mostrava que 48% da população
mundial usava internet. A previsão era que, ao fim de 2017, 4,3 bilhões de pessoas no mundo
teriam acesso à internet móvel (MAIS..., 2017, 2 ago.2017). Essa representatividade de acesso
à internet também se verifica no Brasil. O país é o quarto em número de usuários de internet,
com 120 milhões de pessoas conectadas, ou seja, 59% dos brasileiros têm acesso à rede.
Por meio de aparelhos móveis que cabem em nossas mãos, podemos ter acesso a
informações diversas, de uma simples receita de bolo a noticiários e fatos históricos. A
tecnologia nos permite, na atualidade, enviar e receber mensagens de textos, fotos e vídeos
simultaneamente ao acontecimento. Neste contexto, as redes de mídias sociais digitais
possibilitam velozmente a disseminação de conteúdos diversos e a ampliação da conexão
entre cidadãos, derrubando fronteiras e migrando do campo virtual para o real, ou seja, as
ferramentas tecnológicas têm se tornado um potencial instrumento facilitador de
comunicação, mobilização e engajamento social, criando novas formas de sociabilidade.
Temos observado o quanto essa sociedade em rede tem se apropriado das ferramentas
disponíveis para se relacionar e interagir entre si para promover transformações sociais,
políticas e culturais. Segundo Castells (1999, p.565), as “redes constituem a nova morfologia
social de nossas sociedades e a difusão da lógica de redes modifica de forma substancial a
operação e os resultados dos processos produtivos e de experiência, poder e cultura”.
Com relação à onda de protestos e manifestações ancoradas na internet ocorridas no
mundo, inclusive no Brasil, Sorj (2014) nos traz uma reflexão pertinente daquilo que ele
denomina de fenômenos sociais “glocais”, ou seja, uma fusão de realidades locais e globais. O
autor diz que esses movimentos não são novos e que “no mundo atual, de comunicação
instantânea, é de esperar que os fenômenos locais tenham influência quase imediata em outras
13
latitudes” (SORJ, 2014, p.87). Ao analisar tais contextos, ele observa que é fundamental
considerar questões sociais e institucionais:
Sem dúvida, as características específicas de cada tecnologia de
comunicação influenciam os processos sociais, e os novos meios de
comunicação disseminam a informação em tempo real e de forma viral.
Porém, os motivos que levam as pessoas às ruas para exprimir insatisfação e
anseios de mudança devem ser procurados nos contextos sociais e
institucionais, não nas tecnologias. [...] os novos meios de comunicação têm
sua importância potencializada pelo declínio das instituições que,
anteriormente, sem necessidade de telefone celular ou da internet, eram
capazes de levar milhares às ruas (SORJ, 2014, p.88-89).
Este estudo analisa as manifestações públicas pró e contra o impeachment de Dilma
Rousseff a partir de grupos organizados e articulados na rede social on-line Facebook. O
objetivo é observar a influência e a relação das tecnologias digitais como um instrumento
facilitador para promover a mobilização e o engajamento social, e provocar mudança no
contexto histórico e político da sociedade brasileira. As teorias sobre cibercultura,
comunidade, movimentos sociais e participação popular, além de observações e análises da
atualidade foram a base para refletirmos sobre a relevância da internet neste processo.
Fizemos análises de conteúdo e exploratória a partir estudo empírico de publicações das
fanpages de quatro grupos que articularam manifestações públicas por meio de espaços on-
line, com foco nas estratégias de comunicação e interação com os seguidores, e de
reportagens veiculadas na imprensa para verificar a aderência dessas estratégias de
comunicação na mídia. Por meio de revisão bibliográfica, contextualizamos ainda,
brevemente, o cenário socioeconômico e político do Brasil para compreendermos as grandes
manifestações públicas em tempos das redes sociais.
Com base neste contexto, consideramos relevante o estudo acerca de manifestações
públicas no Brasil articuladas por meio das redes sociais digitais. Por ser um tema muito
amplo, a proposta foi fazer um recorte e analisar as manifestações públicas pró e contra o de
impeachment de Dilma Rousseff na internet a partir de manifestações de grupos organizados
nas mídias e redes sociais virtuais. Para este trabalho, selecionamos quatro deles com forte
representatividade na articulação das manifestações públicas e com considerável número de
seguidores em suas fanpages e os dividimos igualmente em dois segmentos: Movimento
Brasil Livre (MBL) e Vem pra Rua (a favor do impeachment); e Frentes Povo Sem Medo e
Brasil Popular (contra o impeachment).
O processo de impeachment de Dilma Rousseff, oficialmente autorizado no dia 12 de
maio de 2016 por meio de votação no Senado e concluído em 31 de agosto do mesmo ano
14
com a destituição da presidente do cargo, começou a ser desenhado muito antes. O pedido de
impeachment foi aceito em 2 de dezembro de 2015 pelo presidente da Câmara, Eduardo
Cunha (PMDB-RJ), sob a acusação de crime de responsabilidade fiscal. Em 17 de abril de
2016, a Câmara aprovou o processo, com 367 votos a favor e 137 contra, que seguiu para o
Senado. No dia 12 de maio do mesmo ano foi aprovada a abertura do processo, com 55 votos
a favor e 22 contra. Dilma (PT) foi afastada do cargo por 180 dias, e assumiu o vice Michel
Temer (PMDB) como presidente em exercício. No dia 31 de agosto de 2016, o Senado
condenou Dilma por crime de responsabilidade no exercício do mandato, com votação de 61 a
favor e 20 contra. Ela foi destituída do cargo. Assumiu o vice-presidente Michel Temer. O
processo seguiu o rito da Lei nº 1.079, de 10 de abril de 1950.
Dilma Rousseff estava no cumprimento do segundo mandato como presidente da
República e sua reeleição não foi fácil. Ela venceu as eleições no segundo turno, com 51,6%
dos votos válidos, em 2014. Houve uma notória polarização no cenário político e disputa de
poder interna em seu novo governo. A divisão das alas políticas no governo e no Congresso
Nacional reverberou na sociedade brasileira.
A presidente teve significativa queda de popularidade no início de seu segundo
governo. Segundo pesquisa realizada pelo Ibope com 2002 pessoas de 140 cidades em
setembro de 2015, e divulgada pela Confederação Nacional da Indústria, o percentual da
população que dizia confiar em Dilma recuou de 51% para 20%, de dezembro de 2014 a
setembro de 2015. No mesmo período houve queda de 52% para 14% com relação aos que
aprovavam sua maneira de governar (DILMA..., 2015, s.p). Seu governo também estava
fragilizado pelo avanço das investigações da Operação Lava Jato da Polícia Federal. Somando
a este cenário, o governo recebia críticas por conta do baixo crescimento econômico, medidas
de ajuste fiscal, descaso de dinheiro público, entre outras questões que impactam o dia a dia
da população. Além disso, o governo sofria pressão da grande mídia.
De março a dezembro de 2015, foram registrados ao menos nove atos e manifestações
públicas a favor e contra o governo, com presença significativa de pessoas nas ruas (MAPA
das manifestações no Brasil, Portal G1, s.d., s.p.). Novos protestos ocorreram 2016, tendo seu
ápice em 13 de março de 2016, quando o pedido de impeachment passa a ganhar força no
país. A partir de então, diversos manifestos são articulados nos ambientes das redes sociais
virtuais por grupos contra e a favor do impeachment da presidente. Além disso, as
manifestações entraram na pauta da grande mídia e imprensa alternativa.
15
Dessa forma, levantamos a seguinte pergunta de pesquisa: como se deu a articulação e
ações de grupos pró e contra o impeachment de Dilma Rousseff por meio das redes sociais
on-line nas manifestações públicas de 2016 no Brasil e a aderência destas atividades na
grande mídia e imprensa alternativa?
Nossa hipótese é de que a atuação dos atores nos ambientes virtuais contribuiu para
dar visibilidade a suas ações no mundo off-line. Concebemos as ferramentas tecnológicas
como potenciais instrumentos de articulação, mobilização, empoderamento e engajamento
social para proposição de transformações sociais, desde que os cidadãos delas se apropriem.
No contexto do impeachment, a análise acerca dos motivos que levaram ao afastamento de
Dilma do Palácio do Planalto perpassa por diversos outros fatores além das articulações de
atores nas redes sociais, entre os quais interesses econômicos, políticos, políticos partidários,
posicionamento dos meios de comunicação, em níveis local e global.
Este estudo teve como objetivo geral analisar as manifestações públicas pró e contra o
impeachment de Dilma Rousseff a partir de grupos organizados e articulados nas redes sociais
on-line e a aderência dessas ações nos ambientes virtuais nos meios de comunicação – grande
imprensa e imprensa alternativa. A partir daí, traçamos quatro objetivos específicos para o
desenvolvimento desta pesquisa: 1) Mapear e analisar os principais grupos pró e contra o
impeachment de Dilma que se articularam manifestações públicas por meio de redes sociais
digitais; 2) Analisar a relação das tecnologias digitais como um instrumento facilitador para
promover a mobilização e o engajamento social, e provocar mudança no contexto histórico e
político da sociedade; 3) Observar as estratégias de comunicação dos grupos Movimento
Brasil Livre (MBL) e Vem pra Rua (a favor do impeachment); e Frente Brasil Popular e Povo
Sem Medo (contra o impeachment) nos ambientes das redes e mídias sociais on-line, em
particular, no Facebook; e 4) Observar a aderência das atividades organizadas e articuladas
pelos grupos estudados na grande imprensa – Folha de S.Paulo e O Globo; e imprensa
alternativa – Caros Amigos, Agência de Notícias Carta Maior e Jornalistas Livres.
Este trabalho se justifica por uma série de questões. Na atualidade, início deste século
21, a presença das tecnologias de informação e comunicação (TIC) está no cotidiano de uma
parcela significativa da sociedade mundial e sentimos a força dessa representatividade na vida
da população brasileira. As pessoas não apenas estão conectadas por equipamentos móveis,
como também fazem uso deles para externar aquilo que pensam. O uso das mídias sociais
digitais dispensa, por vezes, a mediação de canais tradicionais de comunicação, fazendo dos
cidadãos protagonistas de suas próprias histórias. Além disso, a internet e as mídias e redes
16
sociais disponibilizam ferramentas que facilitam o engajamento dos usuários por possuírem
custos reduzidos para a participação, compartilhamento e circulação de conteúdos. O
Facebook é um instrumento que converge para a linha da mobilização social.
O processo de impeachment de Dilma Rousseff por si só trata-se de um tema relevante
no campo da pesquisa. Primeiro pelo fato dela ser a segunda chefe de Estado no Brasil a
enfrentar um processo dessa ordem desde a redemocratização, 24 anos após Fernando Collor.
Como já mencionado, o governo da presidente também estava fragilizado pelo avanço das
investigações da Operação Lava Jato e sofria críticas da sociedade por conta do baixo
crescimento econômico, medidas de ajuste fiscal, descaso de dinheiro público, entre outras
questões que impactam o dia a dia da população.
Notamos quão utilizado foram os recursos tecnológicos e as mídias e redes sociais on-
line por grupos que atuaram pró e contra o processo de impeachment de Dilma. Daí, o
interesse da pesquisa pela influência e a relação das tecnologias digitais nas grandes
manifestações públicas nesse período de transformação social que marcou a história e a
política do Brasil. Além disso, nos interessou saber como classificar tais grupos. Seriam estes
movimentos sociais, movimentos populares, comunidades virtuais ou, tão somente, um grupo
de pessoas que se uniu por uma causa coletiva num momento único da história do país? A
pesquisa se justifica ainda porque buscamos compreender a participação e a presença dos
brasileiros nessas grandes manifestações públicas em tempos de redes sociais digitais,
considerando que “o espaço público virtual funciona efetivamente mais como foro catártico
do que como espaço deliberativo. [...] A ação política, aquela com consequências decisivas
sobre os rumos da história, continua sendo presencial e não virtual” (SORJ, 2014, p. 90).
Para o desenvolvimento desta dissertação, na área da Comunicação Social, fizemos
pesquisa bibliográfica sobre as teorias de cibercultura, comunidade – das clássicas às
contemporâneas –, movimentos sociais, movimentos populares e participação popular.
Também fizemos pesquisa em sites das organizações estudadas para contextualizar como
estes grupos estão inseridos no cenário histórico, social e institucional do país daquele
momento a partir de suas origens de formação. Em seguida, realizamos estudo empírico das
publicações dos grupos Movimento Brasil Livre (MBL), Vem pra Rua; e Frentes Povo Sem
Medo e Brasil Popular, no Facebook, de março a agosto de 2016, período que compreendeu
da primeira grande manifestação pública daquele ano pelo pedido de impeachment de Dilma
até a conclusão do processo de afastamento da então presidente da República.
17
Para verificar as estratégias de comunicação voltadas ao engajamento social e à
participação popular dos grupos nas redes sociais, realizamos análise de conteúdo e estudo
exploratório de publicações no Facebook e notícias veiculadas na imprensa. A proposta da
pesquisa foi apresentar “concepções teóricas da abordagem, articulando-se com a teoria, com
a realidade empírica e com os pensamentos sobre a realidade” (MINAYO, 2009, p.15).
Entendemos que tais elementos deram subsídios para compreendermos as grandes
manifestações públicas em tempos de redes sociais digitais.
Com relação à pesquisa bibliográfica, partimos do princípio de que são de suma
importância materiais que versem sobre mídias e redes sociais, manifestações públicas e
participação popular na contemporaneidade como livros, artigos, monografias e outras
publicações. Esse conteúdo deu suporte à pesquisa, uma vez que “todo projeto deve conter os
pressupostos teóricos com os quais as interpretações irão de confrontar” (SANTAELLA,
2006, p.184). Concebemos ainda que uma “pesquisa nunca é uma atividade solitária, (...) você
segue os passos de outras pessoas, beneficiando-se de seu trabalho, seus princípios e suas
práticas” (BOOTH; COLOMB; WILLIAMS, 2008, p.94).
Com base neste pressuposto, seguimos “as trilhas bibliográficas” de pesquisadores
como Tönnies (1947), Buber (1987), Bauman (2003); Maffesoli (2014); Castells (1999; 2003;
2013); Santaella (2013), Recuero (2011), Rüdiger (2011), Cupani (2011), Habermas (2014),
Martuccelli (2015), Sorj (2014, 2015, 2016), Peruzzo (1998; 2009a, 2009b; 2013; 2014);
Gohn (2006, 2010); Martuccelli (2015); Alvarez, Dagnino e Escobar (2000); Somma (2015),
Gomes (2005), Singer (2015), Bucci (2003; 2016) e Villaverde (2016), Chaparro (1994),
Abramo (2003), Sousa (2000), Silva (2010) e Fernandes (2013).
Para sabermos sobre a constituição, organização e formação dos grupos estudados,
fizemos o estudo de documentos postados no Facebook e nos sites dessas organizações. As
plataformas digitais pesquisadas foram:
A) MBL: http://mbl.org.br/; e https://www.facebook.com/mblivre/
B) Vem pra rua: http://www.vemprarua.net/; e
C) https://www.facebook.com/VemPraRuaBrasil.org
D) Frente Brasil Popular: http://www.frentebrasilpopular.org.br/; e
https://www.facebook.com/FrenteBrasilPopular
E) Povo sem Medo: http://www.povosemmedo.org/; e
https://www.facebook.com/povosemmedonacional/
18
Realizamos a análise de conteúdo e estudo exploratório de convites virtuais de eventos
e a interação dos seguidores nas fanpages dos grupos, além de reportagens veiculadas na
imprensa sobre as manifestações públicas. O trabalho de análise de conteúdo seguiu os três
“polos cronológicos” de organização do estudo: a pré-análise; a exploração do material; e o
tratamento dos resultados, a inferência e a interpretação (BARDIN, 2011, p.121). Os dados
empíricos foram codificados, ou seja, tratados, por meio de análise quantitativa e qualitativa.
A abordagem quantitativa e a qualitativa não têm o mesmo campo de acção.
A primeira obtém dados descritivos através de um método estatístico. (...) é
mais objectiva, mais fiel e mais exacta, visto que a observação é mais
controlada. A segunda corresponde a um procedimento mais intuitivo, mas
também mais maleável e mais adaptável a índices não previstos, ou à
evolução das hipóteses (BARDIN, 2011, p.141).
A finalidade desta análise de conteúdo foi, através dos dados encontrados e tratados,
identificar as estratégias de comunicação dos grupos estudados voltadas ao engajamento
social e participação popular no Facebook no processo de impeachment da Dilma Rousseff.
Os textos encontrados nos sites das organizações também foram analisados. Todo material foi
confrontado com os conceitos teóricos a fim de refletirmos sobre as manifestações públicas no
Brasil no referido processo político no contexto das novas tecnologias de comunicação.
No Facebook, o estudo consistiu na análise de conteúdo e pesquisa exploratória de
convites virtuais de eventos e interações dos seguidores no período de 1º de março a 31 de
agosto de 2016. Foram analisadas 89 publicações com base nas categorias:
1) Participação: Classificados os números de convidados, comparecimentos e
interessados ao evento. Porém, a análise considerou apenas o item
“compareceram”, que mensura a participação/presença no evento.
2) Ação/mensagem: Considerada a informação primária da publicação/convite
(imagens de foto, desenho, logomarca e texto), ou seja, o post propriamente dito,
sendo descartado o conteúdo do detalhe do evento.
3) Argumento: Analisadas todas as informações do convite (imagens de foto,
desenho e texto) e conteúdo complementar presente no "detalhe" da publicação.
4) Protagonistas: Relacionados os atores sociais presentes no convite, considerando-
se a informação primária (post) e complementar (detalhe do enunciado).
5) Símbolos identitários: Considerados todos os elementos do convite (informação
primária e detalhe do enunciado) como foto, desenho, logomarca e texto.
6) Repercussão: Analisada a publicação a partir da interação e do relacionamento do
seguidor na rede social com os envolvidos (grupo e/ou outros seguidores). A partir
19
de likes e comentários – elementos que indicam interação – realizou-se pesquisa
exploratória sob os seguintes aspectos: a) interação nas fanpages do grupo com os
seguidores e dos seguidores com o grupo e/ou entre eles; e b) posicionamento a
partir da “conversa” no Facebook. Se o seguidor “concorda” ou “discorda” da
publicação, e se teor do posicionamento expresso pelo seguidor foi “ofensivo” ou
“não ofensivo”.
Também foram feitas duas pesquisas exploratórias nos meios jornalísticos. A primeira
observou a influência dos eventos públicos articulados e organizados pelo Facebook dos
grupos estudados na Folha de S.Paulo e O Globo, os dois maiores jornais em circulação
média diária no país. A análise de 64 reportagens compreendeu o período de 1º de março a 28
de agosto, por meio da técnica de amostragem não probabilística intencional.
[É] impossível obter informação de todos os elementos que formam parte
do grupo que se deseja estudar; seja porque o número de elementos é
demasiado grande, os custos são muito elevados ou ainda porque o tempo
pode atuar como agente de distorção (...). Essas e outras razões obrigam
muitas vezes a trabalhar com uma só parte dos elementos que compõem um
grupo (RICHARDSON, 2008, p. 157).
A seleção racional dos elementos a fazerem parte da amostra ocorreu a partir do
sistema de “semana construída”, que consiste no sistema de amostragem em que as datas são
estratificadas pelos dias da semana considerando uma variação “sistemática” e consecutiva
dos dias (RIFFE, 1993). Desta forma, “os elementos que formam a amostra relacionam-se
intencionalmente de acordo com certas características estabelecidas no plano e nas hipóteses
formuladas pelo pesquisador” (RICHARDSON, 2008, 161). Com base nesses critérios,
elaboramos quatro semanas construídas, a saber:
QUADRO 1 – Amostragem por semana construída nos veículos de
imprensa: Folha de S. Paulo e O Globo
Período de 1º Março a 28 de Agosto de 2016
Dias da semana Dias do mês
Segunda-feira 11 de abril 30 de maio 18 de julho
Terça-feira 1º de março 19 de abril 7 de junho 26 de julho
Quarta-feira 9 de março 27 de abril 15 de junho 3 de agosto
Quinta-feira 17 de março 5 de maio 23 de junho 11 de agosto
Sexta-feira 25 de março 13 de maio 1º de julho 19 de agosto
20
Sábado 2 de abril 21 de maio 9 de julho 27 de agosto
Domingo 3 de abril 22 de maio 10 de julho 28 de agosto
Realizamos ainda estudo exploratório de um “acontecimento” pontual do contexto do
impeachment: a divulgação do grampo telefônico da conversa entre a presidente da República
e Lula, após a nomeação dele à frente da Casa Civil, no dia 16 de março de 2016. Verificamos
a cobertura na grande mídia – Folha de S.Paulo e O Globo – e imprensa alternativa – Caros
Amigos, Agência de Notícias Carta Maior e Jornalistas Livres – do episódio que teria sido o
estopim da crise política do governo Dilma, configurando-se como mais um dos fatores
sociais e institucionais do contexto do impeachment. Foram investigadas 44 notícias
referentes ao “acontecimento” e/ou geradas a partir dele, incluindo observações quanto à
presença ou não dos grupos estudados nas pautas dos veículos.
A partir deste trajeto, dividimos a dissertação em quatro capítulos. O primeiro
intitulado “Dos conceitos clássicos sobre comunidade ao ativismo nas redes” teve o objetivo
de dar embasamento teórico à pesquisa, sendo a espinha dorsal para o desenvolvimento do
trabalho. A partir de pesquisa bibliográfica, seu desdobramento se deu sob três tópicos.
Primeiramente, apresentamos os conceitos de comunidade, partindo das definições clássicas
até as manifestações atuais. Depois discorremos sobre as comunidades nas mídias e redes
virtuais e como os indivíduos se conectam por meio dessas plataformas. Por fim, trouxemos
reflexões sobre ativismo nas redes sociais on-line na contemporaneidade.
No segundo capítulo, denominado “Movimentos sociais e populares e os grupos das
redes no impeachment de Dilma”, promovemos uma reflexão sobre o que são movimentos
sociais e populares, de abordagens clássicas a contemporâneas; bem como o que vem a ser
participação e comunicação popular no contexto do ativismo digital. O levantamento de
conceitos e teorias foi feito com foco nas ações sociais da sociedade civil na América Latina e
no Brasil a partir de pesquisa bibliográfica. Esse arcabouço teórico nos deu subsídios para
traçarmos os perfis dos quatro grupos selecionados – Movimento Brasil Livre (MBL) e Vem
pra Rua; e Frentes Povo Sem Medo e Brasil Popular – e compreendermos quem foram esses
protagonistas no âmbito das manifestações públicas pró e contra o impeachment de Dilma
Rousseff nesta nova sociedade em rede.
No capítulo três, que chamamos de “O governo Dilma e as manifestações: uma análise
sobre as ações dos grupos das redes sociais no Facebook”, apresentamos os resultados da
análise das fanpages dos quatro grupos que atuaram no movimento do impeachment a partir
das redes sociais. Para dar suporte à análise, fizemos uma breve reconstituição do cenário
21
social e institucional dos governos Dilma (2011-2016) a partir de revisão bibliográfica. Na
sequência, foi realizado o estudo empírico – análise de conteúdo e pesquisa exploratória – de
convites virtuais de eventos e interações dos seguidores no Facebook a fim de observar como
se deram as estratégias de comunicação voltadas ao engajamento e à participação popular
utilizadas nas redes de relacionamento dos grupos, de 1º de março a 31 de agosto de 2016.
No capítulo quatro – Manifestações públicas: repercussão na imprensa a partir das
ações articuladas nas redes sociais – observamos a influência dos eventos públicos articulados
e organizados pelos grupos nas redes sociais na cobertura da grande mídia e imprensa
alternativa sobre as manifestações que envolveram o impeachment de Dilma Rousseff, a fim
de verificar se suas estratégias de comunicação no Facebook se reverteram em pauta. Teorias
relacionadas à ação jornalística, ética e manipulação no jornalismo, noticiabilidade de um
acontecimento e imprensa alternativa foram abordadas por meio de pesquisa bibliográfica.
Foram feitas duas pesquisas exploratórias nos meios jornalísticos. A primeira observou a
influência dos eventos públicos articulados e organizados pelo Facebook dos grupos
estudados na Folha de S.Paulo e O Globo, sendo analisadas 64 reportagens. Verificamos
ainda a cobertura na grande mídia – Folha de S.Paulo e O Globo – e imprensa alternativa –
Caros Amigos, Agência de Notícias Carta Maior e Jornalistas Livres – da divulgação do
grampo telefônico da conversa entre a presidente da República e Lula, após a nomeação dele
à frente da Casa Civil, no dia 16 de março de 2016. Houve a análise de 44 notícias referentes
ao “acontecimento” e/ou geradas a partir dele, incluindo observações quanto à presença ou
não dos grupos estudados nas pautas dos veículos. Nas considerações finais, destacamos os
principais resultados encontrados, articulando-os com os objetivos, hipóteses e referencial
teórico utilizado neste trabalho.
22
CAPÍTULO I – DOS CONCEITOS CLÁSSICOS SOBRE
COMUNIDADE AO ATIVISMO NAS REDES
Muito já se discutiu e ainda se debate sobre o que vem a ser comunidade. Por não
haver um conceito único, uníssono, universal é que o termo inspira reflexões de ordem
diversas. Nossa proposta não é esgotar o debate sobre o tema, ao contrário, é fomentar novas
indagações a partir de transformações e mudanças sociais advindas de uma sociedade que,
hoje, se relaciona, se conecta e compartilha interesses comuns pelas redes sociais.
Este capítulo tem o objetivo de dar embasamento teórico à pesquisa, sendo a espinha
dorsal para o desenvolvimento do trabalho. A partir de pesquisa bibliográfica, seu
desdobramento se dá sob três tópicos. O primeiro apresenta os conceitos de comunidade,
partindo das definições clássicas até as manifestações atuais. O segundo discorre sobre as
comunidades nas mídias e redes virtuais e como os indivíduos se conectam por meio dessas
plataformas. Por fim, o último tópico traz reflexões sobre ativismo nas redes sociais on-line
na contemporaneidade. Para dar conta do assunto, foram estudados autores como Tönnies
(1947), Buber (1987), Bauman (2003); Maffesoli (2014); Castells (1999; 2003; 2013);
Santaella (2013), Recuero (2011), Rüdiger (2011), Cupani (2011), Habermas (2014),
Martuccelli (2015), Sorj (2014, 2015, 2016), entre outros. A consulta aos pesquisadores nos
deu pistas que para melhor compreendermos as comunidades do século 21 que, entre outras
formas de apropriação, fazem uso das ferramentas tecnológicas para promover ações de
engajamento e participação popular nos espaços públicos.
1.1. Comunidade: abordagens do conceito clássico às manifestações atuais
Comunidade é um termo muito em voga. Usa-se para se referir a um espaço territorial
como um bairro, uma determinada localidade; para tratar de um grupo de indivíduos cujos
participantes comungam de interesses comuns, são ligados por laços parentescos ou ainda se
relacionam pelas redes sociais sem jamais terem se encontrado. De modo mais amplo nos
remete a convívio, compartilhamento, pertencimento, coletividade, entre outros significados.
“A palavra ‘comunidade’ (...) sugere uma coisa boa: o que quer que ‘comunidade’ signifique,
é bom ter ‘comunidade’, ‘estar em comunidade’” (BAUMAN, 2003, p.7). Talvez essa
sensação de algo bom e positivo tenha sido construída gradativamente ao longo do tempo a
partir de ressignificações que acompanham o desenvolvimento e a evolução da sociedade.
23
O sociólogo alemão Ferdinand Tönnies é uma das principais referências no que
concerne à definição clássica sobre “comunidade”, no entanto, seus conceitos foram
subsequentemente criticados. Em sua obra, “Comunidade e Sociedade” (Gemeinschaft und
Gesellschaft), publicada em 1887, Tönnies concebe comunidade a partir das “ações oriundas
das vontades e forças [do homem], quando no sentido de conservação (...) formariam uma
união. Esta, quando configurada predominantemente pela vontade natural, seria caracterizada
como comunidade (gemeinschaft)”. Para Tönnies (1973, p.96-97) comunidade está
relacionada a uma vida real e orgânica, enquanto que sociedade trata-se de uma representação
virtual e mecânica. “Tudo o que é confiante, íntimo, que vive exclusivamente junto, é
compreendido como vida em comunidade (...). A sociedade é o que é público, é o mundo”.
Ele observa que o homem está em comunidade com os seus desde o seu nascimento e esta
união ocorre tanto no bem como no mal.
Ao revisitar Tönnies para discorrer sobre comunidade, sociedade e sociabilidade,
Brancaleone (2008, p.100-101) observa que o alemão registrou três padrões de sociabilidade
comunitária, a partir dos princípios de conviabilidade: os laços de consanguinidade, de
coabitação territorial e de afinidade espiritual, cada qual convergindo para um respectivo
ordenamento interativo, como comunidade de sangue (parentesco), lugar (vizinhança) e
espírito (“amizade”). Segundo o autor, “no circuito das relações societárias, Tönnies
denominou por vontade arbitrária aquilo que é produto da sociabilidade mercantil, orientada
em grande medida pelo cálculo, o tráfico e o contrato”.
Outro pesquisador contemporâneo, Mocellim (2011) observa um certo pessimismo em
Tönnies no que concerne à modernidade.
De certo modo, pode-se verificar em Tönnies uma visão pessimista da
modernidade. De seu ponto de vista, aquilo que a Sociologia chamou de
“social” se encontra principalmente na comunidade. É nela que se
encontram a relação social mútua e os códigos morais compartilhados; é
nela que o afeto predomina e determina os laços entre as pessoas. Porém,
com a modernidade e a decadência da vida comunitária, o que se vê mesmo
é a decadência deste “velho social”. A sociedade emergente é, para ele,
sinônimo de atomização e individualização radicalizada e, assim, não pode
representar uma forma de reconstrução da vida comunitária e de seu aspecto
afetivo, pessoal e agregador (MOCELLIM, 2011, p.112).
Para Mocellim (2011, p.113), o sociólogo francês Émile Durkheim se aproxima da
formulação de comunidade vista em Tönnies ao trabalhar com o conceito de solidariedade
mecânica (arcaica) no que concerne vida comunitária das pequenas aldeias. A
individualização também é abordada “em decorrência da diferenciação dos indivíduos nas
24
sociedades orientadas pela solidariedade orgânica” (moderna). Na visão de Mocellim, os dois
autores são referentes embora as conclusões sobre as diferentes formas de solidariedade de
Durkheim não sejam tão parecidas com os conceitos de comunidade e sociedade cunhados por
Tönnies. As semelhanças e diferenças de pensamentos acerca da formulação de comunidade
entre os dois autores clássicos, segundo Mocellim são:
(...) em Durkheim há uma visão otimista da modernidade, principalmente se
for pensada sua perspectiva em contraposição à de Tönnies. Também para
Durkheim, da mesma forma que para Tönnies, aquilo que a Sociologia
chamou de “social” se encontra principalmente na comunidade. No caso,
comunidade é sinônimo da solidariedade mecânica, e o fato social é aquele
fato coercitivo que caracteriza essa solidariedade. Não há, para ele, porém,
com a modernidade, uma decadência das formas de vida social. A
modernidade, com sua solidariedade orgânica, ao mesmo tempo em que
gera diferenciação e individualização, gera também uma nova forma de
integração que se fundamenta na interdependência de indivíduos
qualitativamente diferentes. Mesmo diante do risco da dissociação do
social, Durkheim não considera a modernidade como uma ordem
essencialmente anômica – a anomia é apenas transitória. A sociedade
caracterizada pela solidariedade orgânica é tão natural quanto aquela
caracterizada pela solidariedade mecânica. Não se trata de uma sociedade
que se mantém unida apenas artificialmente, mas de uma gradual mudança
do meio pelo qual as sociedades se integram (MOCELLIM, 2011, p.112).
Outro pesquisador a avançar na conceituação sobre comunidade é o filósofo e escritor
austríaco Martin Buber (1987, p.37-39), em que ele refuta a ideia de comunidade originária do
instinto natural definida como pré-social e defende que “a forma de vida humana em comum
não pode ser imposta de fora; (...) deve emergir do interior em cada tempo e lugar”. Na visão
do autor, a comunidade se baseia nos laços de escolha, não mais nos laços de sangue. Esta se
caracteriza como pós-social, “uma vez que ultrapassa a sociedade e normas, e se sustenta
sobre bases completamente diversas. Ela não quer reformar; a ela importa transformar”.
(...) nossa comunidade não quer revolução, ela é revolução. Ela ultrapassou,
porém, o antigo sentido de revolução. Para nós, revolução não significa
destruir coisas antigas, mas viver coisas novas. Não estamos ávidos por
destruir, mas ansiosos por criar. (...) Os homens que na atual sociedade
foram atirados em uma engrenagem movida pelo proveito, de modo o
atrofiar sua criatividade livre sob o jugo do trabalho que visa o proveito,
serão, nesta nova vida, elevados à nova ordem das coisas, onde reina não o
princípio utilitário, mas o princípio criador e libertador de suas forças
subjulgadas (BUBER,1987, p.38-39).
Na nova comunidade concebida por Buber (1987, p.39), “a unidade instrutiva do
homem primitivo que foi dividida e decomposta (...), voltará sob novas formas em um nível
superior e sob a luz de uma consciência criadora”. Peruzzo e Berti (2010, p.4), numa
25
interpretação de Buber, dizem que a comunidade é também “um organismo vivo configurado
pelo Eu e pelo Tu, ou seja, pelo espírito comunal das pessoas e dos grupos formados por essas
pessoas, rejeitando o individualismo atomístico (o ser sozinho) e o coletivismo totalitário
(vivência em grupo, mas forçada)”. O filósofo austríaco vai além ao entender comunidade
como “um espaço mútuo e intermediário entre esses dois tipos de convivência social”. Para
ele, “nossa vida comunitária não é mais ‘viver-um-no-outro’ primitivo, mas um ‘viver-ao-
lado-do-outro’ ajustado” (BUBER, 1987, p.53).
Uma grande associação humana só pode ser denominada comunidade
quando for formada por pequenas comunidades vivas, por organismos
celulares fortes em coexistência sem mediação, que entram em relação
direta e vital, uns com os outros, como seus membros o fazem, e que se
unem em vista desta associação igualmente de modo direto e vital.
(BUBER,1987, p.56).
As definições sobre o que vem a ser comunidade têm se transformado acompanhando
as mudanças e evolução social. Novas discussões emergem a partir de referenciais do
passado. A cada novo debate, acrescentam-se novos pontos de vista que enriquecem os
estudos sobre o assunto. Nada se perde, ao contrário, o debate instiga outros pesquisadores
que, ao trazer novas contribuições, ampliam ainda mais os estudos acerca deste tema. Entre os
autores contemporâneos está o sociólogo polonês Bauman (2003, p.16-18) que nos provoca a
refletir sobre a comunidade da atualidade contrapondo ao “entendimento comum” que “fluía
naturalmente”, segundo a concepção de Tönnies. Para o sociólogo polonês, a comunidade
“não pode sobreviver ao momento em que o entendimento se torna autoconsciente, estridente
e vociferante” (BAUMAN, 2003, p.17).
Ainda segundo Bauman (2003, p.18), o entendimento comunitário seria moldado de
uma “mesmidade” que se esvai quando o equilíbrio entre a comunicação “de dentro” e “de
fora” começa a mudar e passa a ter mais peso que as trocas mútuas internas. Com o
surgimento dos meios de transporte e de comunicação, que permitem que a informação
chegue tão rápida aos seus destinos sem que haja a mobilidade humana, a vida comunitária
concebida por Tönnies fica cada vez mais insustentável.
A distância, outrora a mais formidável das defesas da comunidade, perdeu
muito sua significação. O golpe mortal na “naturalidade”, do entendimento
comunitário foi desferido, porém, pelo advento da informática: a
emancipação do fluxo de informação proveniente do transporte dos corpos.
A partir do momento em que a informação passa a viajar
independentemente de seus portadores, e numa velocidade muito além da
capacidade dos meios mais avançados de transporte (...), a fronteira entre o
“dentro” e o “fora” não pode mais ser estabelecida e muito menos mantida.
(...) A comunidade de entendimento comum, mesmo se alcançada,
26
permanecerá, portanto, frágil e vulnerável, precisando para sempre de
vigilância, reforço e defesa (BAUMAN, 2003, p.18-19).
A partir de então, a unidade passa a ser construída artificialmente (BAUMAN, 2003).
O entendimento comum é fruto de argumentação e persuasão, não mais “natural”. O acordo
ao qual se chega ao final do processo traz consigo a memória de lutas e escolhas feitas no
decorrer desta jornada. Qualquer acordo que se estabeleça nesta comunidade será formulado
após muita reflexão, contestação e discussão. Também será um “contrato preliminar”, cujo
acordo necessita de renovação periódica, diferentemente da comunidade de entendimento
compartilhado e duradouro como era no passado. Em Bauman (2003), a vida comunitária tem
uma relação conflituosa entre segurança e liberdade, sendo difíceis de conciliá-las sem atrito.
Pessoas que sonham com a comunidade na esperança de encontrar a
segurança de longo prazo que tão dolorosa falta lhes faz em suas atividades
cotidianas, e de libertar-se da enfadonha tarefa de escolhas sempre novas e
arriscadas, serão desapontadas. A paz de espírito, se a alcançarem, será do
tipo “até segunda ordem”. (...) a comunidade realmente existente se parece
com uma fortaleza sitiada, continuamente bombardeada por inimigos
(muitas vezes invisíveis) de fora e frequentemente assolada pela discórdia
interna; trincheiras e baluartes são os lugares onde os que procuram o
aconchego, a simplicidade e a tranquilidade comunitárias terão que passar a
maior parte do tempo. (...) A promoção da segurança sempre requer o
sacrifício da liberdade, enquanto esta só pode ser ampliada à custa da
segurança. Mas segurança sem liberdade equivale a escravidão; e liberdade
sem segurança equivale a estar perdido e abandonado (BAUMAN, 2003,
p.19-24).
A partir dessas observações, Bauman nos instiga a refletir sobre quão confortável e
boa é a vida comunitária na contemporaneidade. Não nos parece que as “comunidades” sejam
tão seguras e que proporcionem liberdade plena. A segurança é efêmera na medida em que ao
integrar um grupo, mesmo que com diversos pontos afins, as divergências internas e os
conflitos vão emergir desta relação comunitária. A liberdade, por sua vez, está diretamente
ligada à questão da segurança. Quando um indivíduo expande sua liberdade, corre o risco de
ter sua segurança ameaçada, cujo grau de intensidade é proporcional à sua exposição. Assim
nos perguntamos: que liberdade é essa que nos escraviza? Qual é a segurança proporcionada
pela vida comunitária se não temos liberdade para sermos ou fazermos o que bem quisermos?
Em suma, viver em comunidade é seguir normas pré-estabelecidas em nossas relações sociais.
Outra questão a ser observada em Bauman (2003) é a “identidade” que se torna a
substituta da comunidade. Ela incorpora a individualidade ao pertencimento a grupos ou
filiações a estilos de vida, mas é sempre um pertencimento temporário, revogável e precário e
incapaz de trazer a segurança trazida pela comunidade. Segundo o polonês (BAUMAN, 2003,
27
p.21), “‘identidade’ significa aparecer: ser diferente e, por essa diferença, singular – e assim a
procura da identidade não pode deixar de dividir e separar”. Ele complementa:
E no entanto a vulnerabilidade das identidades individuais e a precariedade
da solitária construção da identidade levam os construtores da identidade a
procurar cabides em que possam, em conjunto, pendurar seus medos e
ansiedades individualmente experimentados e, depois disso, realizar os ritos
de exorcismo em companhia de outros indivíduos também assustados e
ansiosos (BAUMAN, 2003, p.21).
Bauman (2003, p.62-68) trabalha com o conceito de comunidade estética que, dentre
os requisitos, destacam-se que esta deve ser fácil de decompor e também de construir; e o
compromisso firmado não deve ser irrevogável: “o vínculo constituído pelas escolhas jamais
deve prejudicar, e muito menos impedir, escolhas adicionais e diferentes”. Isso significa que o
relacionamento e a manutenção de vínculos entre os participantes caracterizam-se pela
flexibilidade, liberdade de escolha, instantaneidade. Um sinônimo de comunidade estética, na
visão do sociólogo polonês, seria a de “comunidades-cabides”, cuja característica comum é a
“natureza superficial, perfunctória e transitória dos laços que surgem entre seus participantes”.
Nesta também não se verifica, entre seus membros, uma rede de responsabilidades éticas, de
compromissos a longo prazo. Este tipo de comunidade está na contramão de uma comunidade
ética, ou seja, “tecida de compromissos de longo prazo, de direitos inalienáveis e obrigações
inabaláveis”.
Esses dois modelos muito diferentes de comunidade são muitas vezes
misturados e confundidos no “discurso comunitário” hoje em moda. Uma
vez misturados, as importantes contradições que os opõem são falsamente
apresentadas como problemas filosóficos e dilemas a serem resolvidos pelo
refinamento do raciocínio – em lugar de serem apresentadas como o
produto dos genuínos conflitos sociais que na realidade são (BAUMAN,
2003, p.68).
Outro contemporâneo que aborda a vivência comunitária é o sociólogo francês Michel
Maffesoli (2014). O autor não menospreza o passado, ao contrário, se apoia nele, com um
olhar crítico, para cunhar o conceito de comunidade organizada a partir de grupos tribais. Ou
seja, regressa ao passado para propor um novo debate sobre o tema na atualidade.
O quotidiano e seus rituais, as emoções e paixões coletivas, simbolizadas
pelo hedonismo de Dionísio, a importância do corpo em espetáculo e do
gozo contemplativo, a revivescência do nomadismo contemporâneo, eis
tudo o que acompanha o tribalismo pós-moderno. Para evitar ser repetitivo
(...), sintetizarei as “palavras” novas por meio de dois grandes eixos
essenciais: de um lado, o que salienta os aspectos “arcaicos” e juvenis do
tribalismo. De outro, o que salienta sua dimensão comunitária e a saturação
do conceito de Indivíduo (MAFFESOLI, 2014, p.XXI-XXII).
28
Em Maffesoli, está presente um hibridismo de estilos de vida, em que as diversas
características antes ofuscadas na modernidade voltam à tona e se reintegram ao social. Isso
inclui diretamente o tribalismo, como vivência comunitária. Com base nesta linha de
raciocínio, Maffesoli (2014, p.19) pontua que “se a distinção é, talvez, uma noção que se
aplica à modernidade, por outro lado, ela é totalmente inadequada para descrever as diversas
formas de agregação social que vêm à luz”.
Estas [formas de agregação social] têm contornos indefinidos: o sexo, a
aparência, os modos de vida, até mesmo a ideologia são cada vez mais
qualificados em termos (“trans...”, “meta...”) que ultrapassam a lógica
identitária e/ou binária. Em resumo, e dando a esses termos sua acepção
mais estrita, pode-se dizer que assistimos tendencialmente à substituição de
um social racionalizado por uma socialidade com dominante empática
(MAFFESOLLI, 2014, p.19-20).
Na visão de Maffesoli (2014, p.252), o tribalismo “pode ser perfeitamente efêmero, e
se organiza conforme as ocasiões em que se apresentam”. Dessa forma, se constituem “tribos”
de múltiplos vieses, como esportivas, de amigos, sexuais, religiosas, entre outras. Sua duração
varia de acordo com o grau de investimento de seus protagonistas. Nota-se que as tribos
contemporâneas são muito dinâmicas e heterogêneas. Em nossa visão, as ferramentas
tecnológicas da sociedade moderna contribuem para a difusão e organização de indivíduos em
grupos tribais múltiplos e diversos. Daí a noção de identidade híbrida e sociedade em rede, em
que as pessoas estão conectadas em diferentes e diversas formas e agrupamentos sociais.
Em sua análise acerca de conceitos de vida comunitária, Mocellim (2001, p.124)
revisita autores clássicos e contemporâneos e, a partir deles, observa que:
As tribos aparecem (...) como uma possibilidade de integração dentro das
sociedades modernas. Aqui não existe mais a Gesellschaft [sociedade em
Tönnies], mas uma solidariedade orgânica [sociedade em Durkheim], em
que indivíduos se integram em diversos níveis, de acordo com seus
atributos específicos. As tribos, mesmo contando com membros passageiros
e sendo elas mesmas passageiras, conferem um sentido comum e mostram-
se como uma reconstrução da vida comunitária, ainda que difusamente. A
vivência tribal permite o reconhecimento da individualidade, mas não leva
ao atomismo. Ela opera uma integração entre tribo e indivíduo, compondo
uma identidade que integra a participação em diversas tribos e que atesta
não ser a vivência contemporânea puramente individualista.
Outro olhar sobre comunidade é trazido por Peruzzo e Berti (2010, p.5-6) que, ao
interpretarem Roger Silverstone, trabalham com o conceito de comunidades vividas, cuja
abordagem ocorre no campo das relações conflitantes da vida social. Os indivíduos sonham
“com o comum e as realidades partilhadas que estão na base” da comunidade. No entanto,
29
reforça que comunidade sempre implica reivindicação, “um conjunto de reivindicações de ser
parte de algo partilhável e particular. (...) As comunidades são vividas, mas também
imaginadas”.
Notamos por meio de consultas bibliográficas a autores clássicos e contemporâneos
que a discussão sobre o que vem a ser comunidade não se esgota. Os conceitos são
ressignificados, re-atualizados, se complementam e seguem o ritmo das transformações
sociais num processo contínuo. As formatações do passado devem e merecem ser revisitadas
porque são a partir delas que novos debates emergem. O passado é o ponto de partida para a
construção e reconfiguração dos conceitos da atualidade. Das abordagens clássicas sobre
vivência comunitária de entendimento comum compartilhado por todos os membros (a
Gemeinschaft, de Tönnies) ou das relações comunitárias das pequenas aldeias (Durkheim),
notamos que as discussões sobre o tema se fizeram a partir de uma realidade social e factual,
do presente daquele momento. Ou seja, faziam sentido para aquela configuração de sociedade.
Ocorre que a sociedade não está estagnada. Ela se remodela o tempo todo dinamicamente. Os
ambientes, os espaços se transformam, assim como as pessoas que compõem a sociedade.
Então, o que vimos com autores contemporâneos como Buber (1987), Bauman (2003)
e Maffesoli (2014) foram formatações complementares às definições clássicas que se
reconfiguraram e ganharam novas roupagens a partir da evolução da sociedade. Nas
comunidades modernas, seja na sociedade-líquida de Bauman ou pós-moderna organizadas
por grupos tribais de Maffesoli, as tecnologias de informação e comunicação (TICs) têm um
papel fundamental. Há de se considerar ainda que, tanto os conceitos clássicos quanto os
contemporâneos, a significação do termo comunidade remete a algo positivo, que tem se
perpetuado ao longo da história da civilização. Além disso, muitos dos princípios de
comunidade do passado se mantêm na contemporaneidade.
Isso significa que a compreensão do conceito comunidade contemporâneo perpassa
pelos clássicos da teoria de Sociologia. Esse mergulho no passado contribui para a formatação
de novas construções que ganham formas e molduras de acordo com a evolução humana e
social. Certamente, surgirão novos debates no futuro, considerando as transformações sociais
e a sua correlação com o advento de novas tecnologias de informação e comunicação (TIC).
A atualização dos conceitos de comunidade é uma necessidade constante se tomarmos como
referência a velocidade com que as TIC se transformam e se reconfiguram, influenciando,
assim, o ritmo e a forma de relacionamento das pessoas e grupos da sociedade da atualidade.
30
1.2. Comunidades nas mídias e redes sociais e suas conexões
Na sociedade contemporânea não há mais barreiras que impeçam a conexão entre as
pessoas e a formação de agrupamentos sociais se estes tiverem a seu dispor ferramentas
tecnológicas. Se no passado questões como território, proximidade, espaço eram cruciais para
a constituição de uma comunidade, na atualidade os indivíduos precisam apenas ter acesso à
internet1 para se conectarem e se organizarem em agrupamentos sociais para além do espaço
off-line. O desenvolvimento das tecnologias de informação e comunicação (TIC) facilitou e
permitiu a aproximação entre pessoas nos ambientais digitais. As redes de mídias sociais on-
line são canais que permitem o elo de conexão entre cidadãos em todo o mundo.
O sociólogo espanhol Castells (2003, p.8) concebe a internet como “uma alavanca na
transição para uma nova forma de sociedade – a sociedade de rede”. Segundo ele, a internet
“é um meio de comunicação que permite, pela primeira vez, a comunicação de muitos com
muitos, num momento escolhido, em escala global”.
A internet é o tecido de nossas vidas e (...) em nossa época poderia ser
equiparada tanto a uma rede elétrica quanto ao motor elétrico, em razão de
sua capacidade de distribuir a força da informação por todo o domínio da
atividade humana. (...) a internet passou a ser base tecnológica para a forma
organizacional da Era da Informação: a rede. Uma rede é um conjunto de
nós interconectados [e ganhou] vida nova em nosso tempo transformando-
se em redes de informação energizadas pela internet. As redes têm
vantagens extraordinárias como ferramentas de organização em virtude de
sua flexibilidade e adaptabilidade inerentes, características essenciais para
se sobreviver e prosperar num ambiente em rápida mutação (CASTELLS,
2003, p.7).
É irrefutável a influência da internet e os desdobramentos que se deram na sociedade a
partir de sua disseminação em escala global. Hoje, por exemplo, a conectividade e a interação
entre as pessoas dispensam, inclusive, o uso do computador. Os equipamentos móveis, como
smartphones que têm funcionalidades e características de computadores, são capazes de
promover a conexão e a propagação de informações entre pessoas de qualquer lugar do
planeta em tempo real. Na visão de Castells (2003, p.10), a internet transformou o modo como
as pessoas se comunicam. Por outro lado, as diferentes maneiras de usá-la também têm
1 A criação e o desenvolvimento da internet ocorreram nas três últimas décadas do século XX. Seu surgimento é
consequência de uma “fusão singular de estratégia militar, grande cooperação científica, iniciativa tecnológica e
inovação contracultural”. Sua origem data dos anos de 1960, a partir da Arpanet, uma rede de computadores
montada pela Advanced Research Projetcts Agency (ARPA), cujo objetivo era estimular a pesquisa em
computação interativa. A partir de outubro de 1994, com a produção e comercialização do Netscape Navigator,
tem-se sua disseminação em escala mundial. Surgem novos navegadores, ou mecanismos de pesquisa, criando-
se, então, uma verdadeira teia mundial. No final de 1995, quando ocorre a disseminação da world wide web,
eram aproximadamente 16 milhões de usuários conectados por computador no mundo. No início de 2001, já
havia mais de 400 milhões de pessoas utilizando a internet (CASTELL, 1999, 2003).
31
transformado a própria internet. A partir de então, “um novo padrão sociotécnico emerge
dessa interação”.
A presença da internet no cotidiano da sociedade moderna deve-se também ao fato
desta ser uma tecnologia de comunicação livre, ou seja, “particularmente maleável, suscetível
de ser profundamente alterada por sua prática social, e conducente a toda uma série de
resultados sociais potenciais” (CASTELLS, 2003, p.10). Um olhar complementar a esse é o
da pesquisadora de novas tecnologias, Santaella (2013, p.25), ao afirmar que “antes que as
plataformas de redes sociais tivessem sido desenvolvidas, já estava no genoma da internet a
tendência para as redes de agrupamentos humanos”.
Assim, a internet está cada vez mais imbuída na sociedade. O Relatório da União
Internacional de Telecomunicações (UIT), das Organizações das Nações Unidas (ONU),
divulgado em agosto de 2017, mostrava que 48% da população mundial usava internet. A
previsão era que, ao fim de 2017, 4,3 bilhões de pessoas no mundo teriam acesso à internet
móvel (MAIS..., 2017, 2 ago.2017). Essa representatividade de acesso à internet também se
verifica no Brasil. O país é o quarto em número de usuários de internet, com 120 milhões de
pessoas conectadas, ou seja, 59% dos brasileiros têm acesso à rede. Apesar do contingente
significativo de pessoas conectadas no território nacional, dados da pesquisa TIC Domicílios,
do Núcleo de Informação e Comunicação do Comitê Gestor da Internet (CGI-Br), apontam
desigualdade no acesso à internet, com 59% de lares conectados nos centros urbanos, contra
26% nas áreas rurais (BRASIL..., 2017, 3 out.2017).
De qualquer forma, é notória a presença da internet na sociedade contemporânea em
escala mundial e, consequentemente, no Brasil. Em virtude desta inserção no cotidiano das
pessoas, tem-se a participação mais intensa de cidadãos em diferentes tipos de agrupamentos
virtuais por meio das redes sociais, as chamadas comunidades virtuais.
1.2.1. Novas formas de sociabilidade e comunidades virtuais
A inserção da internet no dia a dia da sociedade moderna transformou a maneira como
as pessoas se relacionam, ou seja, a forma de sociabilidade entre os indivíduos mudou e
continua se reconfigurando ininterruptamente. Passamos a falar de comunidades virtuais, de
pessoas que se relacionam nos ambientes digitais on-line, e muitas vezes, sequer conhecem
aqueles com quem interagem. Essa legião de internautas tem ainda uma imensa flexibilidade
de transitar em diferentes agrupamentos sociais como já mencionamos nesta pesquisa. Mas, o
32
que são comunidades virtuais, como se constituem e até que ponto elas transformam as
relações sociais entre os humanos na sociedade contemporânea?
Castells (1999, p.442-443) recorre a Rheingold para tratar dos primeiros debates sobre
o nascimento de uma nova comunidade que, a partir da disseminação da internet no mundo,
passa a reunir pessoas que se conectam on-line em torno de valores e interesses comuns.
Segundo ele, “é uma rede eletrônica autodefinida de comunicações interativas e organizadas
ao redor de interesses ou fins em comum, embora às vezes a comunicação se torne a própria
meta”.
Para Castells (2003, p.48), as comunidades virtuais apresentam características que
descendem da própria internet, em que o mundo social desta é tão diverso e contraditório
quanto a própria sociedade. Ele diz que “a cacofonia das comunidades virtuais não representa
um sistema relativamente coerente de valores e normas sociais”. O sociólogo espanhol
apresenta duas características fundamentais comuns às comunidades virtuais.
A primeira é o valor da comunidade livre, horizontal. A prática das
comunidades virtuais sintetiza a prática da livre expressão global, numa era
dominada por conglomerados de mídia e burocracias governamentais
censoras. (...) O segundo valor compartilhado é o [de] formação autônoma
de redes. Isto é, a possibilidade dada a qualquer pessoa de encontrar sua
própria destinação na Net e, não a encontrando, de criar e divulgar sua
própria informação, induzindo assim a formação de uma rede. (...) Assim,
embora extremamente diversa em seu conteúdo, a fonte comunitária da
internet a caracteriza de fato como um meio tecnológico para a
comunicação horizontal e uma nova forma de livre expressão. Assenta
também as bases para a formação autônoma de redes como um instrumento
de organização, ação coletiva e construção de significado (CASTELLS,
2003, p.48-49).
A formação das comunidades on-line, na visão de Castells (2003, p.53), reinventou a
sociedade a partir da apropriação da capacidade de interconexão por redes sociais de todos os
tipos. Essas novas comunidades expandiram a interconexão de computadores em alcance e
usos. “Elas adotaram os valores tecnológicos da meritocracia, e esposaram a crença dos
hackers no valor da liberdade, da comunicação horizontal e da interconexão interativa, mas
usaram-na para sua vida social, em vez de praticar a tecnologia pela tecnologia”.
Nas primeiras aproximações acerca das características das comunidades virtuais vimos
que estas são grupos interconectados pela rede, seja por computadores ou por dispositivos
móveis, em que há uma comunicação horizontal e livre e que estas também são autônomas,
permitindo a organização de ações coletivas e apropriação de suas ferramentas para atividades
na vida comunitária on-line e off-line. Castells (1999, p.444), ao analisar Wellman,
compreende que não há necessidade das “comunidades virtuais” se oporem às “comunidades
33
físicas” porque elas são diferentes. Elas têm “leis e dinâmicas específicas, que interagem com
outras formas de comunidade”.
Welman e Gulia demonstram que, assim como nas redes físicas pessoais, a
maioria dos vínculos das comunidades virtuais é especializada e
diversificada, conforme as pessoas vão criando seus próprios “portfólios
pessoais”. Os usuários da internet ingressam em rede ou grupos on-line com
base em interesses em comum, e valores, e já que têm interesses
multidimensionais, também os terão suas afiliações on-line (CASTELLS,
1999, p.444).
Recuero (2011, p.140) também se baseia em Welman para dizer que existem variados
tipos de conexão nos agrupamentos sociais na internet, que estão relacionados ao processo de
surgimento da “aldeia global”. Assim, essa variedade não seria uma mudança causada pela
internet. O conceito de comunidade virtual seria visto como “um agrupamento com laços de
diversos tipos, aproximando-se de agrupamentos mais centrados em redes sociais particulares
e menos em grupos pequenos e coesos”. Para apresentar diferentes pontos de vista sobre o
tema, a autora recorre a Rheingold (2011, p.137), que prevê um maior comprometimento e
interação nos grupos, diferentemente de Welman.
As comunidades virtuais são agregados sociais que surgem da Rede
[internet], quando uma quantidade suficiente de gente leva adiante essas
discussões públicas durante um tempo suficiente, com suficientes
sentimentos humanos, para formar redes de relações pessoais no
ciberespaço (RECUERO, 2011, p.137).
Com base nos estudos deste professor norte-americano, Recuero (2011, p.137) diz que
“os elementos formadores da comunidade virtual seriam: as discussões públicas; as pessoas
que se encontram e reencontram, ou que ainda mantêm contato através da internet; o tempo; e
sentimento”. Para a jornalista, “esses elementos, combinados através do ciberespaço,
poderiam ser formadores de redes de relações sociais, constituindo-se em comunidades”.
Recuero (2011, p.138) recorre também a outros autores para prosseguir com sua
análise. Segundo a autora, Lemos diz que “as comunidades virtuais eletrônicas são
agremiações em torno de interesses comuns, independentes de fronteiras ou demarcações
territoriais fixas”. Ele se baseia em Maffesoli com relação à pós-modernidade social
caracterizada pelo retorno ao comunitarismo e à superação do individualismo para respaldar
seu conceito sobre o tema. Assim, o autor compreende “a sociabilidade na internet como não
institucional, onde o indivíduo atua através de ‘máscaras’, em rituais” e que os agrupamentos
humanos virtuais se dão de duas formas: comunitárias e não comunitárias.
34
As primeiras [comunitárias] são aquelas onde existe, por parte de seus
membros, o sentimento expresso de uma afinidade subjetiva delimitada por
um território simbólico, cujo compartilhamento de emoções e troca de
experiências pessoais são fundamentais para coesão do grupo. O segundo
tipo [não comunitárias] refere-se a agremiações eletrônicas onde os
participantes não se sentem envolvidos, sendo apenas um locus de encontro
e de compartilhamento de informações e experiências de caráter totalmente
efêmero e desterritorilizado (apud RECUERO, 2011, p.138-139).
Para Recuero (2011, p.146-147), formatar o conceito de comunidade virtual “é uma
tentativa de explicar os agrupamentos sociais surgidos no ciberespaço. Trata-se de uma forma
de tentar entender a mudança da sociabilidade, caracterizada pela existência de um grupo
social que interage, através de uma comunicação mediada pelo computador”. Ela compreende
que faz parte do ciberespaço o encontro de grupos sociais com diferentes características.
Enquanto alguns autores definem os grupos sociais no ciberespaço como
comunidades virtuais a partir da definição de laços fortes e interação social
concentrada, além de capital social e compromisso com o grupo, outros
explicam que as relações são mais fluidas e emocionais, embora também
possuam capital social, interação e mesmo laços sociais mais fracos. Neste
sentido, o conceito de comunidade virtual é amplo, e compreende,
simplesmente, grupos sociais (...). A única característica comum, de tais
grupos, parece ser a presença de capital e interação social e laços
decorrentes deles (RECUERO, 2009, p.146-147).
Assim como vimos falta de consenso entre os pesquisadores no que tange ao conceito
“comunidades”, o mesmo é observado com relação ao termo “comunidade virtual”. Apesar de
pontos de vistas diferentes, há no debate de pesquisadores deste campo de estudos
característica comum no que tange aos grupos das redes sociais, como bem colocou Recuero
(2011): as questões sobre a presença de capital e interação social e os laços que se formam a
partir da constituição desses agrupamentos humanos no ciberespaço.
1.2.2. Os atores e as conexões: os elementos das redes sociais na internet
O estudo das redes sociais na internet perpassa, necessariamente, pela abordagem
sobre os elementos constituintes desta rede (RECUERO, 2011). Os atores, representados por
pessoas, instituições ou grupos, formam os chamados nós ou nodos da rede. Estes integram o
primeiro elemento das redes sociais. O segundo consiste nas conexões da rede, que abrangem
os laços sociais formados a partir da interação social entre os atores.
A autora do livro Redes Sociais na Internet (2011, p.25-26) diz que os atores são “as
pessoas envolvidas na rede que se analisa. Como partes do sistema, os atores atuam de forma
a moldar as estruturas sociais, através da interação e da constituição de laços sociais”. Nessa
35
comunicação mediada por computador, trabalha-se “com representações dos atores sociais ou
com construções identitárias do ciberespaço”. Assim, são exemplos de atores ou nós da rede
perfis, hashtags, fanpages, blog, canais no Youtube, entre outros. Esses atores sociais, na
verdade, são representações dos atores sociais, ou seja, “são espaços de interação, lugares de
fala construídos pelos atores de forma a expressar elementos de sua personalidade ou
individualidade”.
Enquanto os atores representam os nós (ou nodos) da rede em questão, as
conexões de uma rede social podem ser percebidas de diversas maneiras.
Em termos gerais, as conexões em uma rede social são constituídas dos
laços sociais que, por sua vez, são formados através da interação social
entre os atores. (...) Essas interações são percebidas graças à possibilidade
de manter os rastros sociais dos indivíduos os quais continuam ali. (...)
Estudar a interação social compreende, deste modo, estudar a comunicação
entre os atores. Estudar as relações entre suas trocas de mensagens e o
sentido das mesmas, estudar como as trocas sociais dependem,
essencialmente, das trocas comunicativas (RECUERO, 2011, p.30-31).
Com base nos estudos de Watzlawick, Beavin e Jackson, Recuero (2011, p.31-41) diz
que a interação representa um processo sempre comunicacional. Na visão deles, a interação é
“aquela ação que tem um reflexo comunicativo entre o indivíduo e seus pares, como reflexo
social; (...) e tem sempre um caráter social perene e diretamente ligado ao processo
comunicativo”. A partir destes princípios, Recuero analisa que “estudar interação social
compreende, deste modo, estudar a comunicação entre os atores”.
A partir da compreensão de que todo laço social é relacional, Recuero (2011, p.40-41)
divide em dois tipos de laços sociais firmados nos ambientes digitais: os laços associativos
construídos a partir de uma interação social reativa; e os laços dialógicos que compreendem
interação social mútua. Os laços sociais podem configurar-se ainda como fortes e fracos. Os
primeiros “se caracterizam pela intimidade, pela proximidade e pela intencionalidade em criar
e manter uma conexão entre duas pessoas”. Já os laços fracos são “relações esparsas, que não
traduzem proximidade e intimidade”.
Castells (1999, p.445) analisa a constituição dos tipos de laços que se mantêm nas
comunidades virtuais e físicas, havendo uma distinção fundamental quando se trata da questão
da sociabilidade. Para ele, “a Rede é especialmente apropriada para a geração de laços fracos
múltiplos” e a internet favorece a expansão e a intensidade de laços fracos, gerando interação
social entre as pessoas conectadas.
Os laços fracos são úteis no fornecimento de informações e na abertura de
novas oportunidades a baixo custo. A vantagem da Rede é que ela permite a
criação de laços fracos com desconhecidos, num modelo igualitário de
36
interação, no qual as características sociais são menos influentes na
estruturação, ou mesmo no bloqueio, da comunicação. De fato, tanto off-
line quanto on-line, os laços fracos facilitam a ligação de pessoas com
diversas características sociais, expandindo assim a sociabilidade para além
dos limites socialmente definidos do auto-reconhecimento. Nesse sentido, a
internet pode contribuir para a expansão dos vínculos sociais numa
sociedade que parece estar passando por uma rápida individualização e uma
ruptura cívica (CASTELLS, 1999, p.445).
Para Santaella (2013, p.37), há uma tendência nas relações construídas nos ambientes
digitais para criação de laços fracos e, com muito menos frequência, laços fortes. Sua análise
é baseada na abordagem de Viana sobre os grupos das redes sociais: estes “se formam e se
mantêm coesos ou não, uma vez que o tempo e o espaço são dinâmicos, efêmeros e
fragmentados entre as perspectivas que cada um pode gerar ou absorver nesses âmbitos de
convivência”.
Ainda no âmbito das conexões de uma rede social na internet, Recuero (2011, p.44-47)
discorre sobre o capital social e, após analisar os estudos de diversos autores, ela conclui que
não há concordância quanto ao conceito, mas que este “refere-se a um valor constituído a
partir das interações entre os atores sociais”. Seu conceito é construído a partir da análise de
três autores: Putnam (2000), sendo este associado à ideia de virtude cívica, de moralidade e de
seu fortalecimento através de relações recíprocas; Bourdieu, cuja definição engloba “um
recurso que é conectado ao pertencimento a um determinado grupo e o conhecimento e o
reconhecimento mútuo dos participantes de um grupo”; e Coleman (1988) que “conceitua
capital social como um valor mais geral, capaz de adquirir várias formas na estrutura social”.
Assim, Recuero (2011, p.50) considera capital social como:
(...) um conjunto de recursos de um determinado grupo (recursos variados e
dependentes de sua função, como afirma Coleman) que pode ser usufruído
por todos os membros do grupo, ainda que apropriado individualmente, e
que está baseado na reciprocidade (de acordo com Putnam). Ele está
embutido nas relações sociais (como explica Bourdieu) e é determinado
pelo próprio conteúdo delas (Gyarmati & Kyte, 2004; Bertoloni & Bravo,
2001). Portanto, para que se estude o capital social dessas redes, é preciso
estudar não apenas suas relações, mas igualmente o conteúdo das
mensagens que são trocadas através delas (RECUERO, 2011, p.50).
Para a jornalista (2011, p.54) “o capital social (...) pode nos auxiliar na compreensão
dos laços sociais e do tipo de rede social formada através das ferramentas sociais observadas
na internet”. Daí a importância de estudar o conteúdo das interações e conversações e não
apenas a existência das conexões nas redes sociais. Esta seria uma maneira de compreender de
37
forma mais completa a qualidade das conexões das redes sociais. O capital social é ainda
fundamental para entender os “padrões de conexão entre os atores sociais na internet”.
Ao abordar a interação social na internet, Primo (2007, p.11) diz que esta “é
caracterizada não apenas pelas mensagens trocadas (o conteúdo) e pelos interagentes que se
encontram em um dado contexto (geográfico, social, político, temporal), mas também pelo
relacionamento que existe entre eles”. Portanto, os estudos devem ir para além do “olhar para
um lado (eu) ou para o outro (tu, por exemplo)”. Neste processo, ele destaca a importância de
atentar-se para o “entre”: o relacionamento. Assim, “trata-se de uma construção coletiva,
inventada pelos interagentes durante o processo, que não pode ser manipulada unilateralmente
nem pré-determinada”.
Em seus estudos sobre as interações da Web 2.0, o autor (2007, p.2-7) observa
também que ela “tem repercussões sociais importantes, que potencializam os processos de
trabalho coletivo, de troca afetiva, de produção e circulação de informações, de construção
social de conhecimento apoiada pela informática”. Para ele, uma rede social é muito mais que
uma conexão de terminais. “Trata-se de um processo emergente que mantém sua existência
através das interações entre os envolvidos. Esta proposta, porém, focar-se-á não nos
participantes individuais, e sim no ‘entre’(interação = ação entre)”.
A partir das colocações dos autores (RECUERO, 2011; CASTELLS, 1999,
SANTAELA, 2013; PRIMO, 2007) sobre as conexões nas redes sociais, notamos quão
fundamental é considerar a qualidade dos relacionamentos que se dá nos ambientes sociais
on-line. A qualidade está relacionada não apenas aos conteúdos postados pelos “interagentes”,
mas também a forma de relacionamento que se estabelece entre os envolvidos no ambiente
digital. Desta forma, no trabalho de observação dos “nós da rede” deve-se considerar o
monitoramento de interatividade, interação, conversação; e a mensuração de visibilidade
(tamanho da rede e conexões), popularidade (o quanto o ator promove a interatividade) e
engajamento (intensidade ou alcance da rede medida pela relação entre visibilidade e
popularidade).
1.2.3. Transformação da sociabilidade e individualismo em rede
Embora já tenha sido feita uma ligeira aproximação sobre a transformação da
sociabilidade em tempos de rede sociais digitais na sociedade moderna, nos parece pertinente
apresentarmos outros pontos ainda não contemplados neste trabalho. O debate a se fazer neste
momento é sob o prisma da complexidade da tecnologia e sua relação com a natureza e a
38
sociedade, e as consequências desta na vida comunitária, conforme propõe Cupan (2014). A
abordagem abrange também uma discussão sobre as novas tecnologias de comunicação no
contexto da cibercultura (RÜDIGER, 2011) e as transformações da sociedade moderna no que
tange à sociabilidade e o individualismo em rede (CASTELLS, 2003).
Para o filósofo Cupani (2014, p.3-4) tratar de tecnologia é um assunto muito complexo
a começar pelas definições plurais e variadas acerca do tema. “Essa desconcertante
multiplicidade de caracterizações é, per si, um sinal de complexidade da tecnologia”. Talvez
seja mais fácil projetar a inserção da tecnologia em nosso cotidiano a partir de sua aparição
em forma de objetos. Porém, o autor nos faz refletir que a existência e o funcionamento destes
objetos se sustentam em virtude da vida humana. “Devemos, portanto, ‘buscar’ a tecnologia,
não apenas no âmbito dos objetos, mas também no âmbito das atividades humanas”, como a
busca de uma informação por meio de um computador, ou mesmo, a divulgação de um
conteúdo por dispositivos móveis.
Nós, os seres humanos, vivemos, agimos, reagimos e pensamos dentro de
sistemas tecnológicos que nos condicionam, consciente ou
inconscientemente. “Viver na tecnologia” não é mera metáfora, e o
condicionamento a que me refiro tem suas consequências, já familiares, na
inclinação a nos “programarmos”, a preferir os recursos mais eficientes e as
estratégias mais velozes, e até a substituir palavras como “lembrar” por
“acessar a informação”. Com outras palavras, a tecnologia faz-se presente
como um mundo humano com suas peculiares maneiras de conduta e
autoconsciência (CUPANI, 2014, p.5).
Cupani (2014, p.8) observa ainda que a tecnologia é um produto social porque apesar
das invenções serem produto do indivíduo, “elas não podem subsistir nem proliferar senão
como processos sociais em determinadas épocas e grupos humanos”. Assim, compreendemos
os processos de comunicação no ciberespaço e sua disseminação em escala mundial como
parte de um movimento, em que os indivíduos estão se apropriando de recursos e ferramentas
tecnológicas em consonância com os moldes da sociedade contemporânea. “As formas em
que os grupos humanos se organizam e reorganizam (...) são cada vez mais tecnológicas. A
realidade complexa da tecnologia se revela idêntica à realidade complexa da sociedade”
(CUPANI, 2014, p.9). Também fazem parte desta complexidade tecnológica o dinamismo e a
ambiguidade, entre outros fatores.
A considerar tal contexto, o autor nos instiga à reflexão sobre como lidar com a
tecnologia e apresenta pontos de vistas positivos e negativos com relação à influência desta na
vida da sociedade moderna. Assim, “a complexidade da tecnologia revela-se fundada na
complexidade da condição humana, que possibilita suas diversas definições” (CUPANI, 2014,
39
p.13). Tudo leva a crer que as indagações que recaem sobre o tema não devam cessar, ao
contrário, são cada mais pertinentes e necessárias para ampliarmos nossos horizontes e
refazermos nossos conceitos numa sociedade tão dinâmica e complexa.
Se a polêmica sobre os males e os benefícios advindos da tecnologia se fazem
presentes na sociedade contemporânea, não é diferente quando se trata de estudos do “espaço
de comunicação aberto pela interconexão dos computadores e das memórias dos
computadores”, ou seja, do conceito de ciberespaço (LÉVY, 1999, p.31). O jornalista, que
atua no campo da pesquisa sobre a indústria cultural e o pensamento tecnológico e
cibercultura, Rüdiger (2011, p.46) mostra exatamente essa diversidade de opiniões entre
autores com relação à participação da internet na vida moderna.
Conforme dão conta os registros, verifica-se historicamente que o
surgimento de todo aparato de comunicação se associa não apenas à
discussão sobre seu impacto na vida coletiva, mas à polêmica sobre o valor
dos conteúdos que a partir daí passam a ser agenciados socialmente. As
polêmicas que acompanharam o aparecimento da imprensa e da televisão,
por exemplo, se desdobram nas que envolvem o significado social de
formas culturais como o romance sentimental e os filmes de violência. A
internet tanto quanto os fenômenos que ela enseja não são exceções.
(RÜDIGER, 2011, p.47).
Em seus estudos, Rüdiger (2011, p.47-48) recorre ao pesquisador ligado aos negócios
de informática e comunicação, George Gilder, como exemplo de pioneirismo na abordagem
sobre o impacto coletivo da internet na sociedade contemporânea. Ele defende que a
informática da comunicação tem um sentido libertador para o indivíduo. “Em Life after
television (1990), ele anunciou a chegada de uma nova era, em que não haverá mais lugar
para a tirania da comunicação de cima para baixo, conforme ilustrada pelo império da
televisão”. Para ele, os meios digitais conduzem a sociedade para uma época menos
padronizada e mais democrática e não trata da interação dos agentes sociais na internet. Seu
debate fica em torno do “potencial criativo dos recursos tecnológicos da nova era das
telecomunicações”.
Para Rüdiger (2011, p.48-49), não se contesta que o cenário mudou a partir do advento
da internet. “A internet criou uma rede mundial de computadores, e a popularização dos
equipamentos de informática está permitindo a milhões de pessoas se tornarem sujeitos
engajados ativamente no processo de comunicação”. Ele observa também que a disseminação
do conhecimento passou a ocorrer horizontalmente, dando maior poder ao indivíduo. Porém,
contrapõe essa ideia a partir de estudos de outros pesquisadores que apresentaram propostas
divergentes poucos anos depois a de Gilder (1990).
40
Segundo Slouka, as tecnologias de informação nos projetam num mundo
cada vez mais fantasioso e irreal, que tende a nos privar das competências
com que desenvolvemos nossa humanidade. Em primeiro lugar, a expansão
do ciberespaço ameaça nos privar do sentimento de pertença a um lugar,
promovendo situações abstratas, em que não sabemos ou não mais importa
saber onde estamos realmente. Em segundo, permite que criemos e nos
relacionemos através de identidades virtuais, que nos privam do sentido de
realidade e, assim, dos sentimentos de responsabilidade em relação às
nossas condutas. Em terceiro, o processo propende a substituir as
associações concretas e responsáveis individualmente por comunidades
abstratas e indiferenciadas, em que se impõe à consciência o primado “da
noção ciberneticista de organismo global, de uma colmeia humana feita de
milhões de computadores interligados” (apud RÜDIGER, 2011, p.48-49).
Embora Gilder (1990) e Slouka (1995) teçam opiniões divergentes, Rüdiger (2011,
p.50) constata que, comum a ambos, é a “reflexão focada no significado da informática de
comunicação, muito mais do que nos conteúdos que esta agencia”. Assim, a tecnologia digital
é concebida “como agente de mudança, apesar de seu sinal ser distinto, ali negativo, lá
favorável, para o desenvolvimento do que se considera nossa humanidade, seja do ponto de
vista moral, seja do ponto de vista intelectual e econômico”.
Castells (2003) compreende que a sociabilidade e o individualismo em rede têm um
papel importante no processo de interação social na sociedade moderna e podem auxiliar na
manutenção de laços fortes a distância. O sociólogo espanhol concebe a tecnologia como um
suporte positivo no processo de transformação das relações sociais na contemporaneidade.
Em sua visão, os fatores espacialidade e territorialidade não garantem a manutenção de laços
interpessoais na sociedade. Assim, “as pessoas não formam seus laços significativos em
sociedades locais, não por não terem raízes espaciais, mas por selecionarem suas relações com
base em afinidades” (CASTELLS, 2003, p.106).
Talvez o passo analítico para se compreender as novas formas de interação
social na era da internet seja tomar por base uma redefinição de
comunidade, dando menos ênfase a seu componente cultural, dando mais
ênfase ao seu papel de apoio a indivíduos e famílias, e desvinculando sua
existência social de um tipo único de suporte material (...). As comunidades,
ao menos na tradição da pesquisa sociológica, baseavam-se no
compartilhamento de valores e organização social. As redes são montadas
pelas escolhas e estratégias de atores sociais, sejam indivíduos, famílias ou
grupos sociais. Dessa forma, a grande transformação da sociabilidade em
sociedades complexas ocorreu com a substituição de comunidades espaciais
por redes como formas fundamentais de sociabilidade (CASTELLS, 2003,
p.106-107).
Castells (2003, p.107-108) destaca a ascensão do individualismo como outra tendência
dominante na evolução das relações sociais na atual sociedade, dando ênfase para “o
41
surgimento de um novo sistema de relações sociais centrado no indivíduo”. O novo padrão
dominante funda-se nas relações terciárias, também chamadas de “comunidades
personalizadas” e sucedem a transição das relações primárias (corporificadas em famílias e
comunidades) e relações secundárias (corporifica em associações), respectivamente.
Essa relação individualizada com a sociedade é um padrão de sociabilidade
específico, não um atributo psicológico. Enraíza-se, em primeiro lugar, na
individualização da relação entre capital e trabalho, entre trabalhadores e
processo de trabalho, na empresa de rede. É induzida pela crise do
patriarcalismo e a subsequente desintegração da família nuclear tradicional
(...). É sustentada (mas não produzida) pelos novos padrões de urbanização
(...). É racionalizada pela crise de legitimidade política, à medida que a
crescente distância entre os cidadãos e o Estado enfatiza o mecanismo de
representação e estimula a saída do indivíduo da esfera pública. O novo
padrão de sociabilidade em nossas sociedades é caracterizado pelo
individualismo em rede (CASTELLS, 2003, p.108).
A internet proporcionou novas formas de se relacionar na sociedade contemporânea.
Independentemente das visões otimistas ou pessimistas dos autores estudados nesta pesquisa
quanto aos efeitos que ela possa causar, fato é que os cidadãos têm se apropriado em esfera
global, com intensidade cada vez maior, de recursos e ferramentas tecnológicas no seu dia a
dia. Vivemos um momento de transformação contínua e dinâmica em que a tecnologia
incorpora-se a vida e atividades cotidianas. Neste novo padrão de sociabilidade emergente, as
redes sociais se caracterizam como um potencial instrumento facilitador de comunicação,
mobilização e engajamento social. Daí, o surgimento do ativismo nas redes sociais, que nada
mais é que a organização coletiva de indivíduos, grupos e instituições em um novo formato
pela luta social e promoção de demandas por seus objetivos. Antes de prosseguirmos com o
debate acerca do ativismo digital, faz-se necessário refletirmos em qual esfera pública estes
“novos movimentos” atuam, considerando, neste contexto, a difusão das tecnologias de
informação e comunicação (TICs) no cotidiano destes atores sociais.
1.2.4. Na era da internet, emerge um novo bloco na esfera pública
Se as tecnologias de informação e comunicação (TICs) transformaram as relações
sociais na contemporaneidade, – acreditamos que tais mudanças apenas começaram, ainda há
muito por vir e, consequentemente, diversos teóricos ainda se debruçarão em estudos acerca
da influência da internet na sociedade – natural o impacto deste fenômeno nos espaços de
relacionamento dos atores sociais. Pesquisadores da atualidade propõem a refletirmos sobre
qual esfera pública estamos falando. A discussão então parte da revisão do conceito cunhado
pelo filósofo alemão Jürgen Habermas, a partir de sua obra Mudança estrutural da esfera
42
pública, publicada no início da década de 1960, a qual foi, inclusive, revista e atualizada por
ele mesmo e outros autores, permanecendo como ponto de partida para tratarmos desta nova
esfera pública em tempos de rede digitais.
Segundo Habermas (2014, p.96), as categorias de “privado” e “público” surgem na
Grécia Antiga, a partir dos conceitos de oikos, em referência ao particular de cada indivíduo, e
pólis, relativo ao que era comum aos cidadãos livres. Em sua concepção, esfera pública se
constituía no diálogo (lexis), que também pode assumir a forma de conselho e de tribunal,
assim como o do agir comum (práxis), na condução da guerra. Porém, o direito à participação
na pólis era restrito aos possuidores de bens e de força de trabalho, ou seja, “a posição na
pólis está baseada na posição do déspota no oikos”.
Assim como a necessidade da vida e da manutenção do que é necessário
para a vida ficam vergonhosamente ocultos nos limites do oikos, a pólis
fornece campo livre para a distinção pela honra: ainda que os cidadãos
interajam como iguais entre iguais (homoioi), cada um esforça-se para
destacar-se (aristoiein) (...). Esse modelo de esfera pública helenística,
como nos foi transmitido pela forma estilizada da autointerpretação dos
gregos, compartilha uma força normativa peculiar desde o Renascimento,
com todos os assim chamados clássicos, até os dias de hoje. (...) De início,
ao longo de toda a Idade Média, as categorias de público e do privado foram
transmitidas segundo as definições do direito romano, e a esfera pública foi
traduzida como res publica (HABERMAS, 2014, p.97).
Ao analisar a vida pública e política dos séculos XVII e XVIII até meados do século
20 na Inglaterra, França e Alemanha, a partir das novas relações entre economia, sociedade e
Estado, Habermas (2014) apresenta uma história de ascensão e decadência no que tange
esfera pública. Segundo ele, a esfera pública burguesa é a reunião de pessoas privadas em um
espaço público que reivindicam esta esfera pública regulada pela autoridade. “Esta se
desenvolve quando o interesse público na esfera privada da sociedade civil deixa de ser
percebido apenas pela autoridade e começa a ser levado em consideração também pelos
súditos como uma esfera de seu próprio interesse” (HABERMAS, 2014, p.130-131). Temos
então um espaço de mediação entre o Estado e a sociedade.
A esfera pública burguesa pode ser entendida, antes de mais nada, como
uma esfera de pessoas privadas que se reúnem em um público. Elas
reivindicam imediatamente a esfera pública, regulamentada pela autoridade,
contra o próprio poder público, de modo a debater com ele as regras
universais das relações vigentes na esfera da circulação de mercadorias e do
trabalho social (HABERMAS, 2014, p.135).
Em artigo que aborda a aplicabilidade do conceito de esfera pública, concebido por
Habermas, ao contexto das redes sociais digitais, Lopez e Quadros (2015, p.94) recorrem ao
43
filósofo alemão para dizer que esfera pública é um “espaço independente da influência do
poder do Estado, em que os atores sociais tornam públicas, ou melhor, publicizam suas
opiniões, seus pontos de vista sobre questões de interesse da sociedade, promovendo o debate
e deliberações coletivas em prol de um bem comum”.
De acordo com as autoras (2015, p. 94-95), a obra original de Habermas “explora o
conceito de esfera pública burguesa e avança sua análise até a contaminação da opinião
pública pelos interesses mercadológicos, através da influência dos meios de comunicação de
massa e dos formadores de opinião”. Assim como Habermas que revê seu ponto de vista em
atualizações subsequentes à publicação original, Lopez e Quadros (2014, p.94) observam que
“os diferentes efeitos das mídias de massa colocam em dúvida a concepção construída sobre o
ínfimo potencial democrático do espaço público midiatizado” e complementam a necessidade
desta revisão a partir da entrada da TICs na sociedade contemporânea, de modo a acompanhar
as configurações sociais de cada época.
As próprias revisões propostas por Habermas, em 1990 e posteriormente,
sobre seu entendimento de esfera pública denotam a possibilidade de
atualização do conceito, adaptado aos novos contextos da sociedade
ocidental. (...) A busca por espaços públicos de participação cidadã, livre e
democrática, atravessa a história da humanidade, retratando e adaptando-se
às configurações sociais de cada época. Através de Habermas, pode-se
analisar a evolução do conceito de esfera pública: da pólis grega, passando
pela sociedade burguesa medieval até a ascensão dos meios de comunicação
de massa. Com o advento das TICs, Benkler descreve uma nova esfera
pública, agora interconectada em uma sociedade em rede, imersa em uma
cultura da convergência e permeada por fluxos. (...) Ao que tudo indica, as
redes sociais digitais caminham, sim, para a constituição de um novo espaço
de debates e exercício da cidadania. Hipótese que se ampara nas
características elencadas para este novo contexto: a possibilidade de
receptores tornarem-se emissores, os baixos custos de produção e emissão
da informação, a desintermediação e a diminuição do controle sobre os
fluxos comunicacionais (LOPEZ; QUADROS, 2015, p.95-100).
Notamos, então, uma grande transformação no contexto da esfera pública a partir do
advento da internet e o quanto o eixo estrutural – sistema político, sociedade civil e meios de
comunicação – foi impactado a partir da difusão das novas tecnologias, sobretudo a internet.
Martuccelli (2015, p.61) dá conta da “consolidação progressiva de um quarto bloco estrutural
em torno da galáxia da internet – que se coloca entre o espaço público mainstream, os
movimentos sociais propriamente ditos e o sistema político”. Para o autor, a “galáxia da
internet”, como um novo bloco estrutural da esfera pública, não apenas impacta os
tradicionais blocos – sistema político, a sociedade civil e a opinião pública –, mas também
transforma a relação entre eles e seus atores sociais.
44
A galáxia da internet, como novo bloco estrutural, não apenas dá lugar a um
novo perfil de ator como também, na verdade, à figura de uma nova
minoria, a dos ativistas internautas, que complementa, dessa forma, outras
minorias da esfera pública – representantes políticos, jornalistas e minorias
ativas. De maneira muito mais importante, introduz modificações na própria
prática da democracia (MARTUCCELLI, 2015, p.74-75).
Os novos atores do bloco da esfera pública denominada “galáxia da internet” passam a
ganhar forte representatividade na sociedade contemporânea. A configuração da própria rede
permite “a proliferação de informações e da abertura de uma quantidade praticamente infinita
de sites para discussão dos mais diversos temas”, como aponta Delarbre (2009, p.79). Para
ele, a “internet pode ser reconhecida como zona privilegiada na demonstração e no reforço da
esfera pública devido à sua arquitetura flexível e descentralizada” (DELARBRE, 2009, p.79).
A partir do contexto apresentado por diversos teóricos é inconcebível abordar o tema esfera
pública à margem do impacto da internet no cotidiano da sociedade contemporânea, uma vez
que da internet emerge um novo bloco na esfera pública.
1.3. Ativismo nas redes sociais on-line: conceitos e experiências mundiais
Não é de hoje que uma significativa parte de indivíduos, grupos e instituições se
articulam em prol de lutas e causas na perspectiva de transformação, mudança e novos rumos
na sociedade. A história nos mostra que as formas de mobilização e as ferramentas de
comunicação de engajamento social se alteraram e se renovam conforme o tempo e espaço. A
sociedade e a vida comunitária ganham novas formatações que acompanham e seguem o
ritmo de uma evolução natural, onde homem e tecnologia se interrelacionam a todo instante.
Portanto, o ativismo nas redes ou ciberativismo tão somente é o modo contemporâneo de
manifestação e participação social coletiva que se desenvolve a partir das benesses dos
adventos tecnológicos, porém, esta não exclui a atuação dos grupos no mundo off-line, como
veremos no decorrer deste tópico. A sociedade da era digital tem se apropriado, cada vez
mais, de recursos e ferramentas tecnológicas, inseridas no cotidiano das relações sociais, para
promover ações e manifestações de ordem diversas.
Na imensa variedade de usos, de tipos de informação e de participação que
os dispositivos móveis conectados à internet oferecem, existem movimentos
políticos que são chamados de ativismo nas redes ou ciberativismo. De
meados dos anos 1990 em diante, o incremento crescente dos meios de
comunicação, via redes, foi acompanhado pari passu pelo aumento e
diversificação dos movimentos sociais, cujas estratégias fazem uso dos
aparatos que o mundo digital propicia (SANTAELLA, 2013, p.33).
45
Ao tratar das interações sociais intermediadas pela tecnologia, o sociólogo Maximo di
Felice (2013, p.282) refere-se ao tema a partir da expressão net-ativismo como aquela ligada
ao cyber-ativismo, remetendo a uma ação que tradicionalmente aconteceria na esfera virtual.
Segundo o autor, “a observação do ativismo, divulgada em diversos contextos geográficos e
políticos, mostra claramente como não é mais possível a representação de uma distinção entre
cyber espaço e mundo real, entre mundo virtual e arquiteturas materiais”. Ele observa que
atualmente as práticas de ativismo surgem na rede e espalham-se “nas geografias materiais
mantendo uma contínua interação e ligação e estabelecendo as formas de uma geografia
informativa que, em outros contextos, definimos ‘atópica’”.
É natural o desenvolvimento do ativismo on-line se considerarmos a disseminação da
internet e a crescente facilidade de utilização dos aparatos tecnológicos na sociedade
moderna. Segundo Lévy (1999, p.108), “basta saber clicar nos botões corretos ou escolher as
operações que se quer efetuar em um ‘menu’ ou, na pior das hipóteses, digitar alguns
comandos que são rapidamente decorados”. Assim, os equipamentos passam a ser inseridos
na vida comunitária contemporânea. Na esteira da disseminação do uso desses artefatos, “os
movimentos sociais ganharam aceleração e amplitude graças às tecnologias computacionais
interativas (...). Assim, passou a se abrigar no ciberespaço uma pluralidade de grupos com
preocupações, interesses e comprometimentos comuns” (SANTAELLA, 2013, p.34).
Uma série de outras características técnicas deve ser considerada para que atores
sociais se apropriem da tecnologia e passem a desenvolver o ativismo no mundo virtual. Para
Somma (2015, p.21) a internet e as redes sociais são terrenos favoráveis para a expansão do
ciberativismo porque diminuem os custos da ação coletiva; reduzem as distâncias geográficas
e possibilitam a construção de novos laços entre organizações que compartilham interesses
comuns, com aliados externos e com grupos descontentes; e configuram-se como um novo
canal de expressão para grupos que se sentem sub-representados ou excluídos da mídia de
massa tradicional. Nos estudos sobre a difusão do ativismo digital em países da América
Latina, o autor identifica pelo menos três condições que contribuem para que movimentos
sociais e grupos da sociedade civil usem a internet para promover demandas e atingir seus
objetivos.
[Primeiro] (...) em certos países ainda há muitos grupos que não podem
expressar livremente suas demandas por medo de represália (por exemplos,
os homossexuais em vários países da América Central). Para esses grupos, a
internet oferece oportunidades de expressão de forma “protegida” (...).
Segundo, em vários países latino-americanos a propriedade dos meios de
comunicação tradicionais (sobretudo a tevê e a imprensa escrita) encontra-
se concentrada nas mãos de alguns poucos grupos econômicos (...). Em tais
46
contextos, um meio como a internet (...) torna-se atrativo para grupos que
tradicionalmente se sentem excluídos da cobertura feita pela mídia
tradicional. Terceiro, em países nos quais os movimentos sociais não
contam com o superávit de recursos que, segundo afirmam McCarthy e
Zald (1977), são condição necessária para o protesto, os custos econômicos
relativamente baixos da mobilização pela internet são atrativos (SOMMA,
2015, p.103-104).
É inquestionável o poder da internet e das redes sociais nas ações de ativismo digital.
Porém, não há como dissociar as atividades do mundo on-line às do mundo off-line. Para Sorj
(2015, p.14-15) estes são “subsistemas interconectados”, que “na passagem de um para outro
(re)aparecem os indivíduos e organizações, com seus diferenciais em termos de iniciativa,
poder, valores e interesses que, inclusive, estavam presentes, embora ocultos, no mundo da
rede”. Ao abordar “a nova onda da sociedade civil e a transformação da esfera pública”, nos
ambientes on-line e off-line, o autor observa que:
A análise de experiências recentes nos leva a concluir que: (1) tanto as
visões que enfatizam os efeitos positivos como os que destacam os lados
negativos do ciberespaço apontam para fenômenos presentes na realidade
social, e apenas a análise de situações concretas pode ajudar a entender a
importância relativa de cada uma delas; e (2) a dinâmica e consequências do
ciberativismo não devem ser dissociadas de suas consequências para e
interação permanente com o mundo off-line (SORJ, 2015, p.36).
Em outro trabalho, Sorj (2014) trata do papel da internet, o perfil social e as demandas
dos manifestantes dos acontecimentos de junho de 2013 no Brasil e no mundo. Ele destaca
que nestas análises devem considerados também os contextos sociais e institucionais, além
dos aspectos da tecnologia. Isso não quer dizer que o autor não reconheça a importância da
internet nas novas formas de sociabilidade contemporânea.
Sem dúvida, as características específicas de cada tecnologia de
comunicação influenciam os processos sociais, e os novos meios de
comunicação disseminam a informação em tempo real e de forma viral.
Sobretudo, permitem a transmissão de mensagens de forma descentralizada.
(...) Porém, os motivos que levam as pessoas às ruas para exprimir
insatisfação e anseios de mudança devem ser procurados nos contextos
sociais e institucionais, não nas tecnologias. (...) os novos meios de
comunicação têm sua importância potencializada pelo declínio das
instituições que, anteriormente, sem necessidade de telefone celular ou da
internet, eram capazes de levar milhares às ruas (SORJ, 2014, p.88-89).
Castells (2013, p.18-19) também compreende as redes sociais como apenas um
elemento no contexto do processo comunicativo dos movimentos sociais da atualidade. Para
ele a autonomia de comunicação na sociedade em rede é construída nas redes da internet e nas
plataformas de comunicação sem fio. Além disso, as redes sociais possibilitam deliberar sobre
47
e coordenar atividades de modo amplamente desimpedido. No entanto, a atuação no espaço
urbano é fundamental para o sucesso e a eficácia das estratégias de mobilização social.
Uma vez que o espaço público institucional – o espaço constitucionalmente
designado para a deliberação – está ocupado pelos interesses das elites
dominantes e suas redes, os movimentos sociais precisam abrir um novo
espaço público que não se limite à internet, mas se torne visível nos lugares
da vida social. (...) Em nossa sociedade, o espaço público dos movimentos
sociais é construído como um espaço híbrido entre as redes sociais da
internet e o espaço urbano ocupado: conectando o ciberespaço com o
espaço urbano numa interação implacável e constituindo, tecnológica e
culturalmente, comunidades instantâneas de prática transformadora
(CASTELLS, 2013, p.18-20).
No universo do ciberativismo é possível organizar os grupos de ativistas em três tipos
diferentes (SORJ, 2016, p.15): os hackers (ou hacktivismo), cujo campo de ação é a
infraestrutura técnica da internet, realizando diversos tipos de atos eletrônicos como ataques
de websites e banco de dados considerados “inimigos”; os ativistas produtores de conteúdo
virtual, que utilizam a rede para obter apoio – por meio de abaixo-assinados, por exemplo –
na divulgação de informações ou análise de assuntos de interesse público ou propor atividades
de rua, ou seja, no espaço público; por fim, os grupos constituídos off-line, que usam a rede
para disseminar suas posições e obter apoios da sociedade. Para o autor (2015, p.38), estes
grupos compõem a terceira onda de formação da sociedade civil na América Latina no século
20 e início do século 21, a qual “encontra-se em processo de constituição, e está relacionada a
mobilizações de ativistas, que tem o ciberespaço como campo privilegiado de atuação”.
Além desta terceira onda da sociedade civil – que se constitui no mundo virtual – é
importante abordarmos as outras duas que a antecedem por se influenciarem mutuamente. A
primeira onda é representada por organizações de assalariados, sendo os sindicatos de
trabalhadores e empregados sua principal expressão. Porém, outras entidades de classe
tiveram papel importante no contexto de formação da sociedade civil, como as associações de
profissionais liberais e empresários, e as de estudantes.
A segunda onda se organiza a partir de movimentos sociais, sendo que, em muitos
países, “estiveram associados à resistência e luta contra as ditaduras militares”, mas logo
incluíram outros temas em sua plataforma de luta, entre os quais, relações de gênero, meio
ambiente, identidades raciais e indígenas. “As chamadas ONGs são o formato organizacional
típico desta segunda onda, e na América Latina passaram a ocupar um lugar importante no
espaço público a partir dos anos 1970-80”.
48
Com relação à terceira onda e as mobilizações políticas, especialmente os fenômenos
das manifestações de rua no campo do ciberativismo, Sorj (2015) faz algumas generalizações
a partir de seus estudos empíricos.
“1. o ciberativismo, quando se reduz ao espaço da internet, não tem impacto
relevante, ao menos imediato, no sistema político (...); 2. o ativismo do
ciberespaço gera “movimentos de opinião” mais que movimentos sociais
(...); 3. a adequação do conceito de movimento social a cibercomunidades
exige novas conceptualizações, baseadas em estudos empíricos; (...) 4. as
consequências mais tangíveis e, até hoje, mais relevantes do ciberativismo
são aquelas associadas às mobilizações no espaço urbano que exigem maior
justiça social, combate à corrupção, políticas; (...) 5. As relações entre essas
manifestações e a comunicação nas redes virtuais não são lineares sociais
e/ou democracia; (...) 6. A relação entre a mobilização virtual e a de rua,
contudo, é extremamente complexa, e diferente em cada caso; (...) 7. Se as
redes virtuais possuem uma eficácia enorme para mobilizar e manter o
contato entre os manifestantes, também é certo que continuam sendo as
relações cara a cara as relações nas quais se materializa a experiência
política e se dão as consequências da mobilização cidadã; (...) 8. Grupos
previamente organizados, que desempenham um papel importante tanto na
eclosão do movimento [nas redes sociais] como em sua dinâmica de rua
posterior; (...) 9. As ações de rua geradas pelo ciberativismo têm como foco
denúncias e demandas específicas; (...) 10. Quando os movimentos de rua
conseguem gerar “curtos-circuitos” no sistema político, (...) são (...) as
forças políticas organizadas off-line, as responsáveis pelos passos seguintes;
(...) 11. Em certos casos, o mundo virtual pode ser a base para movimentos
políticos (...); 12. As demandas das manifestações urbanas associadas ao
mundo virtual não trouxeram inovações políticas; 13. (....) o ciberativismo
vivenciado dentro da rede é menos um caminho de empoderamento
daqueles sem poder, e mais um espaço de catarse coletiva, de
contrademocracia (SORJ, 2015, p.47-53).
Assim como em Sorj (2015), Castells (2013, p.162-163) já havia constatado que as
mobilizações que emergiram do mundo on-line têm um certo padrão: são conectadas em rede
de múltiplas formas; tornam-se um movimento ao ocupar o espaço urbano; espaço da
autonomia – híbrido de cibernética e espaço urbano – é a nova forma espacial dos
movimentos sociais em rede; os movimentos são simultaneamente locais e globais;
espontâneos em sua origem, geralmente desencadeados por uma centelha de indignação;
movimentos sem liderança; são movimentos profundamente autorreflexivos; eles não são
violentos; esses movimentos raramente são programáticos; são voltados para a mudança dos
valores da sociedade. Ainda segundo o autor, os movimentos estudados e outros similares
ocorridos no mundo, que integram o livro Redes de indignação e esperança: movimentos
sociais na era da internet, nasceram de uma “crise econômica estrutural e de uma crise de
legitimidade cada vez mais profunda”.
49
Geralmente [os movimentos sociais] se originam de uma crise nas
condições de vida que torna insustentável a existência cotidiana para a
maioria das pessoas. [...] Assim, na experiência histórica e na observação
dos movimentos analisados, os movimentos sociais muitas vezes são
desencadeados por emoções derivadas de algum evento significativo que
ajuda os manifestantes a superar o medo e desafiar os poderes constituídos
apesar do perigo inerente a suas ações (CASTELLS, 2013, p.161-162).
Os autores aqui estudados apresentaram certa convergência de opiniões em diversos
aspectos ou se complementaram. Na essência, a impressão que nos dá é que, apesar das
características já identificadas pelos pesquisadores, ainda há muito a ser estudado neste
campo, uma vez que o ciberativismo é uma onda, como apontou Sorj (2015), que está sendo
constituída e em plena efervescência. Ao que parece também a internet e as redes sociais são
uma ferramenta de apoio ao engajamento e participação popular, mas não se limitam a essa
esfera. No mundo off-line as organizações se fortalecem, os debates que emergem dos
ambientes digitais parecem ganhar notoriedade, capaz inclusive de promover senão mudanças
efetivas pelo menos novas reflexões sobre os rumos da sociedade. Em nossa visão, as análises
sobre a influência e o impacto do ciberativismo ou net-ativismo nas sociedades
contemporâneas devem perpassar por estudos que envolvem os contextos sociais e
institucionais de cada caso em questão.
1.3.1. Revoluções “glocais”: breves aspectos de ativismo digital – Primavera Árabe,
Occupy Wall Street e passagens pela América Latina
As “revoluções” contemporâneas ganham configurações e formas, em que as novas
tecnologias de informação e comunicação (TIC) são apoio e fortes aliadas para a propagação,
quase imediatas, de atos por demandas e objetivos diversos em escala mundial. Uma vez que
já tratamos da presença da internet da vida comunitária da sociedade moderna e como os
aparatos tecnológicos têm sido apropriados por indivíduos, grupos e instituições da sociedade
civil para o desenvolvimento do ciberativismo, não cabe, aqui, retomarmos este debate.
Porém, consideramos pertinente reforçar que compreendemos “as revoluções” vistas na
atualidade como maneiras da sociedade exacerbar suas insatisfações e sentimento de revolta a
partir da apropriação dos meios de comunicação disponíveis, como ocorreu no passado.
Compartilhamos da observação de Sorj (2014) que conceitua essa nova onda de
manifestações como “fenômenos glocais” já vistos em outros tempos de nossa história.
Os fenômenos glocais, isto é, fenômenos sociais que fundem realidades
locais e globais, não são novos. A Revolução Francesa, por exemplo,
exerceu um efeito de demonstração nos mais variados lugares do planeta,
50
assim como ela mesma foi produto de influências que vinham de toda a
Europa. O mesmo aconteceu, mais tarde, com a Revolução Russa. A
diferença entre as duas foi a rapidez da propagação das causas que
apregoavam. Entre o final do século XVIII e início do século XX,
avançaram os processos de interação da economia mundial, os sistemas de
comunicação e a intensidade da circulação de elites. Certamente, no mundo
atual, de comunicação instantânea, é de esperar que os fenômenos locais
tenham influência quase imediata em outras latitudes (SORJ, 2014, p.87).
Posto que as comunidades do passado se organizaram e promoveram “revoluções”
por mudança e transformação sociais e seus efeitos extrapolaram o campo territorial e
reverberaram em outras localidades, digamos que, na atualidade, temos um retorno ao
passado, porém, repaginado e influenciado pela apropriação dos novos meios de comunicação
por indivíduos, grupos e instituições em todo mundo. Mas quais são os motivos que têm feito
pessoas de nacionalidades e culturas tão diferentes no mundo organizarem e articularem atos e
protestos por meio das redes sociais e, a partir deles, conseguirem adesão em massa nas ruas?
As respostas estão nos contextos sociais e institucionais da sociedade. Mas, de modo
geral, nota-se desconfiança com relação à atuação das instituições tradicionais e dos meios de
comunicação de massa, crise nos sistemas político e econômico, e, consequentemente, a
sociedade eclode sua insatisfação e indignação, tendo a internet e as redes de relacionamento
on-line um ambiente propício para propagar suas demandas. Nos estudos sobre os “novos”
movimentos sociais na era digital, Castells (2013, p.11) apresenta alguns traços relacionados
ao contexto social dessas populações.
(...) Num mundo turvado por aflição econômica, cinismo político, vazio
cultural e desesperança pessoal, aquilo apenas aconteceu (...). Os mágicos
das finanças passaram de objetos de inveja pública a alvos de desprezo
nacional. Políticos viram-se expostos como corruptos e mentirosos.
Governos foram denunciados. A mídia se tornou suspeita. A confiança
desvaneceu-se. E a confiança é o que aglutina a sociedade, o mercado e as
instituições (...). Sem confiança o contrato social se dissolve e as pessoas
desaparecem, ao se transformarem em indivíduos defensivos lutando pela
sobrevivência (CASTELLS, 2013, p.11).
Cenários semelhantes foram vistos em várias localidades do mundo e à medida que a
sociedade passou a reagir, fazendo uso dos novos meios de comunicação digital, tem-se a
explosão da nova onda da sociedade civil. Faremos uma passagem por exemplos destes
“novos” movimentos com a finalidade de complementar os estudos teóricos aos empíricos,
como Primavera Árabe, Occupy Wall Street e situações ocorridas na América Latina. Neste
último caso, a abordagem será breve, uma vez que será retomada no capítulo seguinte sob a
ótica dos movimentos latino-americanos, sobretudo do Brasil.
51
Segundo Castells (2013, p.27-29), na Tunísia e Islândia, “as insurgências políticas que
transformaram as instituições de governança nos dois países em 2009-2011 tornaram-se
referência para movimentos que sacudiram a ordem política no mundo árabe e desafiaram as
instituições políticas na Europa e Estados Unidos”. O autor relata que na Tunísia o
movimento começou em dezembro de 2010, com o suicídio de Mohamed Bouazizi. O jovem
vendedor ambulante de 26 anos teria ateado fogo em seu corpo como forma de protesto contra
a humilhação de confisco pela polícia local, depois de recusar-se a pagar propina. Seu primo,
Ali, registrou a autoimolação de Mohamed e distribuiu o vídeo pela internet. A partir de
então, outras manifestações espontâneas passaram a acontecer. Das províncias, chegaram à
capital, onde a repressão da polícia tunisiana resultou na morte de pelo menos 147 pessoas e
deixou outras centenas feridas.
(...) em 14 de janeiro [de 2011] o ditador Ben Ali e sua família deixam a
Tunísia para se refugiar na Arábia Saudita, quando confrontados com a
retirada do apoio do governo francês, o aliado mais próximo de Ben Ali
desde sua ascensão no poder, em 1987. Ele se tornara um embaraço para
seus patrocinadores internacionais. Era preciso encontrar um substituto na
elite política do próprio regime. [A partir de então começam as
manifestações contra] os poderes constituídos. A conexão entre
comunicação livre pelo Facebook, Youtube e Twitter e a ocupação do
espaço urbano criou um híbrido espaço público de liberdade que se tornou
uma das principais características da rebelião tunisiana, prenunciando os
movimentos que surgiriam em outros países (CASTELLS, 2013, p.29).
O autor (CASTELLS, 2013, p.34-35) identificou uma convergência de três
características distintas na Tunísia: a revolta foi liderada por um grupo ativo de
desempregados com educação de nível superior, que ignorou outras lideranças formais; houve
uma forte cultura de ciberativismo que fez críticas abertas ao regime político instaurado; e alta
taxa de difusão do uso da internet. As lutas sociais, ocorridas a partir do hibridismo do
ciberativismo e manifestações no espaço público, marcaram a história do país, que, hoje,
mantém um regime democrático, apesar de enfrentar crises institucionais nessa transição de
sistema político. O atual presidente da Tunísia é Béji Caid Essebsi, eleito em 2014.
O sociólogo espanhol (CASTELLS, 2013, p.13) relata que a partir do estopim da
revolução da “Primavera Árabe”, em 2011, outros movimentos eclodiram na Europa e nos
Estados Unidos contra a forma gestão da crise econômica de “governos [que] se colocavam
ao lado das elites financeiras responsáveis pela crise à custa de seus cidadãos”. Na Europa, as
manifestações mais intensas ocorreram na Espanha, Grécia, Portugal, Itália, Grã-Bretanha e,
“com menos intensidade, mas simbolismo semelhante, na maioria dos outros países” do
continente europeu. Nos Estados Unidos, o movimento ficou conhecido como Occupy Wall
52
Street e seguiu as características dos demais: espontâneo e conectado em redes no ciberespaço
e no espaço urbano.
[O Occupy Wall Street] tornou-se o movimento do ano e afetou a maior
parte do país, a ponto da revista Time atribuir ao “Manifestante” o título de
personalidade do ano. E o lema dos 99%, cujo bem-estar fora sacrificado
em benefício do 1% que controla 23% das riquezas do país, tornou-se tema
regular na vida política americana. Em 15 de outubro de 2011, uma rede
global Occupy, sob a bandeira “Unidos pela Mudança Global”, mobilizou
centenas de milhares de pessoas em 951 cidades de 82 países, reivindicando
justiça social e democracia. Em todos os casos, os movimentos ignoraram
partidos políticos, desconfiaram da mídia, não reconheceram nenhuma
liderança e rejeitaram toda organização formal, sustentando-se na internet e
em assembleias locais para o debate coletivo e a tomada de decisões
(CASTELLS, 2013, p.13).
Outros pesquisadores têm se debruçado a discorrer sobre outras manifestações de
ativismo digital no mundo. O livro Ativismo político em tempos de internet (SORJ; FAUSTO,
2016, p.9) traz uma análise das transformações do ativismo político na América Latina a
partir do uso dos meios de comunicação ao reunir 19 estudos de caso de seis países
(Argentina, Brasil, Chile, Colômbia, Equador e Venezuela). A obra apresenta uma “ampla
gama de experiências inovadoras e seus impactos nas formas de organização e de atuação da
sociedade civil, partidos políticos e governos”.
Os casos analisados de ciberativismo indicam que nenhuma delas representa
uma “bala de prata” — uma experiência capaz de resolver os múltiplos
desafios enfrentados pela construção de instituições democráticas mais
sólidas e de maior qualidade. Mas todos indicam novas possibilidades e
desafios ao desenvolvimento de relações virtuosas entre as formas
tradicionais de participação (tanto nas organizações da sociedade civil como
nos partidos políticos) e o ativismo no espaço virtual (SORJ; FAUSTO,
2016, p.9).
Embora as pesquisas versem sobre diferentes campos de estudo do ciberativismo –
manifestações de rua; plataformas de consulta; campanhas de apoio on-line, mudanças nas
formas tradicionais de organização da sociedade civil e dos partidos políticos; e o lugar dos
meios tradicionais de comunicação – optamos por exemplificar os trabalhos que estão
relacionados ao tema desta dissertação. No prefácio da obra, Sorj (2016, p.25) faz uma crítica
às análises imediatistas relacionadas às manifestações de rua dos últimos anos e alerta os
historiadores do presente para que fiquem “sempre atentos para o novo, mas sem esquecer
lições do passado”.
A surpresa de muitos analistas sobre os desdobramentos da Primavera
Árabe, ou as limitadas consequências imediatas do Occupy Wall Street, que
foram saudados por alguns como o início de uma nova era de participação
democrática e que hoje outros banalizam como movimentos incapazes de
53
mudar a história, é produto de uma visão que deixou de se alimentar da
experiência histórica. Explosões sociais são recorrentes em todas as
sociedades e seus desdobramentos sempre foram controlados por
organizações que souberam tirar proveito ou neutralizar a nova situação
(SORJ, 2016, p.25).
Os três casos de estudos analisados referentes a manifestações de ruas são do Chile,
Brasil e Venezuela e dão conta de “fatores que antecederam as manifestações, seu transcurso
e, quando possível, suas consequências” (SORJ, 2016, p.25). O primeiro trata do movimento
estudantil chileno de um grupo que atuou fortemente nos bastidores off-line para, depois,
promover ações nas ruas. As demandas do grupo integraram o programa de governo da
candidata à presidência da Concertação. Além disso, nota-se a participação de vários líderes
deste movimento, que sofreu queda após as eleições, no sistema político como candidatos nas
eleições ou na composição do governo.
No Brasil, a pesquisa aborda as manifestações de junho de 2013, que tiveram outra
dinâmica. Os atos são iniciados por um coletivo organizado off-line, o Movimento Passe
Livre (MPL), que iniciou sua atuação em 2005. Formado especialmente por estudantes, o foco
de luta do grupo é a melhoria da mobilidade urbana e por tarifa zero no transporte público. Os
atos de junho de 2013 em São Paulo se expandiram rapidamente por todo o país. “Denúncias
contra a corrupção, o desperdício de recursos para a realização da Copa do Mundo de futebol
e a baixa qualidade dos serviços públicos passaram a ser as principais bandeiras dos
manifestantes” (SORJ, 2016, p.25). As manifestações não tiveram a participação de partidos
políticos, que se tornaram alvo dos protestos também. O autor concebe os atos de 2013 como
uma primeira fase das manifestações que se deram a partir de 2015, porém, com foco mais
direcionado: a presidente de Dilma Rousseff e os pedidos do impeachment.
Embora o texto aqui incluído se concentre nos eventos de 2013, eles podem
ser considerados uma primeira fase, que continuou com as manifestações de
março e abril de 2015, dirigidas fundamentalmente contra a presidente
Dilma Rousseff e a favor do processo de impeachment. Nessa nova fase,
passam a ocupar um espaço maior núcleos organizados off-line, com uma
identificação política, em geral conservadora e/ ou pró-mercado, que se
apresentam como os principais promotores das manifestações e buscam se
apresentar como seus porta-vozes (SORJ, 2016, p.25-26).
Os estudos na Venezuela exploram as manifestações de 2014, cujo contexto político é
extremamente polarizado. “A polarização política e as manifestações de rua atingiram a
diáspora venezuelana, possibilitando o surgimento de um website e uma página de Facebook
denominados SOS Venezuela” (SORJ, 2016, p.26). O autor relata que a iniciativa dos
54
ativistas venezuelanos, dos quais muitos estavam no exterior, visava a “chamar a atenção
internacional para os desmandos do governo”. Embora no final das manifestações percebe-se
o declínio das atividades, a marca SOS Venezuela “permanece ativa nas redes sociais”.
Segundo Sorj (2016, p.26) os três estudos “mostram formas muito variadas de
articulação entre o sistema político, os grupos off-line e as manifestações de rua, nas quais os
novos meios de comunicação desempenham um papel central nas convocações para as
manifestações”. Em sua análise sobre cada um deles, ele diz:
No Chile, o sistema político-partidário se mostrou capaz de absorver as
demandas e lideranças geradas pelo movimento estudantil. Liderados por
militantes geralmente de partidos menores de esquerda, conseguiram marcar
a identidade do programa de governo da candidata vencedora das eleições
presidenciais e deslocar o eixo da política chilena. O caso brasileiro aponta
a existência de um mal-estar em setores sociais muito variados (que se
encaixariam numa definição muito ampla de classe média), insatisfeitos
com o sistema político e com os partidos. Seu impacto foi o de marcar um
novo momento da política brasileira, na qual a rua foi tomada por setores
insatisfeitos com o governo do PT, mas não apenas com ele. (...) Por fim, na
Venezuela temos uma polarização política, na qual desempenham um papel
central o governo e os vários setores da oposição, que buscam reprimir,
capturar ou apaziguar as manifestações de rua. Foi um capítulo de um
drama político mais amplo, produto e reflexo da radicalização por parte da
oposição e que foi integrado na dinâmica de enfrentamento com o governo
(SORJ, 2016, p.26).
A partir dos estudos empíricos das bibliografias apresentadas nota-se que os novos
meios de comunicação digital ocupam cada vez mais espaço na vida cotidiana e, a partir de
sua apropriação, a sociedade contemporânea mostra que o engajamento e a participação social
podem provocar rupturas e abalar as estruturas das instituições tradicionais. De modo geral, os
autores observam a desconfiança e a falta de representatividade dessas instituições em escala
mundial e as “novas revoluções digitais” aparecem como possibilidades de mudança dos
rumos da história. Porém, os estudos merecem ser aprofundados e difundidos para que
possamos compreender a dimensão e a relevância das tecnologias de informação e
comunicação no dia a dia da sociedade, uma vez que a história nos mostra que o povo,
independentemente dos recursos tecnológicos, encontra meios para externar sua insatisfação e
indignação frente aos abusos do poder instituído.
55
CAPÍTULO II – MOVIMENTOS SOCIAIS E POPULARES E
OS GRUPOS DAS REDES NO IMPEACHMENT DE DILMA
Neste capítulo, promovemos uma reflexão sobre o que são movimentos sociais e
populares, de abordagens clássicas a contemporâneas; bem como o que vem a ser participação
e comunicação popular no contexto do ativismo digital. O levantamento de conceitos e teorias
foi feito com foco nas ações sociais da sociedade civil na América Latina e no Brasil a partir
de pesquisa bibliográfica. Revisitamos autores como Peruzzo (1998; 2009a, 2009b; 2013;
2014); Gohn (2006; 2010); Martuccelli (2015); Alvarez, Dagnino e Escobar (2000); Somma
(2015), Sorj (2015); e Gomes (2005).
Os estudos sob a ótica dos autores citados nos deram subsídios para traçarmos os
perfis dos quatro grupos selecionados – Movimento Brasil Livre (MBL) e Vem pra Rua (que
se posicionaram publicamente a favor do impeachment); e Frentes Brasil Popular e Povo Sem
Medo (que se colocaram contra o impeachment) – e compreendermos quem foram esses
protagonistas no âmbito das manifestações públicas pró e contra o impeachment de Dilma
Rousseff nesta nova sociedade em rede. Os dados dos grupos das redes sociais foram
extraídos de seus canais de comunicação on-line, como sites e redes sociais (Facebook,
Instagram, Twitter, Youtube, Issuu), além de notícias da imprensa.
De modo geral, os grupos pró e contra o processo de impeachment de Dilma que se
articularem por meio das redes sociais digitais representaram formas de manifestações
coletivas, sem necessariamente serem classificados como movimentos sociais populares.
2.1. Movimentos sociais e populares
Não é de hoje que as temáticas “movimentos sociais” e “movimentos populares”
fomentam discussões na sociedade. Debates que não se esgotam em virtude do dinamismo e
de situações de diversidade presentes num mundo globalizado e suscetível a transformações.
Consideramos pertinente compreendermos conceitos e diferenças entre tais movimentos –
sociais e populares – e outras manifestações e ações sociais coletivas. Para Peruzzo (2013,
p.75), “não convém confundir coletivos, organizações não governamentais, grupos,
associações, etc., ou mesmo qualquer forma de manifestação coletiva, com movimento social
ou movimento popular”. Segundo ela, “há diferenciações entre movimento social – mais
amplo – e movimento popular, aquele orgânico às classes populares, e que portam conteúdos
56
emancipadores”. Daí, a reflexão sobre protestos e outras formas de manifestações públicas
não se constituírem necessariamente como movimento social ou popular.
Embora haja formas particulares para definir “movimentos sociais”, de modo geral,
entendemos o tema como ações sociais coletivas organizadas por parcela representativa da
população em prol de suas demandas, anseios e necessidades a fim de obter mudanças sociais.
A primeira menção sobre o assunto surgiu nos anos de 1840, com o nascimento da sociologia.
Na ocasião, Stein utilizou o termo “movimento social” para defender a necessidade de uma
ciência que se dedicasse aos estudos sobre o assunto. No século 20, a temática é abordada a
partir do universo dos processos de interação social dentro da “teoria do conflito e mudança
social” (GOHN, 2006, p.328-329). Sobre o papel e a participação destes atores no novo
milênio abordaremos mais adiante.
Ao fazer um mapeamento ainda no final do século 20 dos paradigmas e teorias sobre
os movimentos sociais – norte-americano, europeus e latino-americano –, Gohn conclui que
não existe um modelo de teoria geral e universal. Segundo ela (2006, p.327), “não há uma
teoria única, assim como não há também uma só concepção para o que seja um movimento
social, e não há também um só tipo de movimento social. Há várias teorias formadas em
paradigmas teóricos explicativos”. Porém, em estudo mais recente sobre esta temática, a
autora conceitua, de modo amplo, o que vem a ser movimento social:
Nós os vemos como ações sociais coletivas de caráter sociopolítico e
cultural que viabilizam distintas formas da população se organizar e
expressar suas demandas. Na ação concreta, essas formas adotam diferentes
estratégias que variam da simples denúncia, passando pela pressão direta
(...) até as pressões indiretas. Na atualidade, os principais movimentos
sociais atuam por meio de redes sociais, locais, regionais, nacionais e
internacionais, e utilizam-se muito dos novos meios de comunicação e
informação, como a internet (...). Na realidade histórica, os movimentos
sempre existiram e cremos que sempre existirão. Isso porque eles
representam forças sociais organizadas que aglutinam as pessoas não como
força-tarefa, de ordem numérica, mas como campo de atividades e de
experimentação social, e essas atividades são fontes geradoras de
criatividade e inovações socioculturais (GOHN, 2010, p.13-14).
Também pesquisadora sobre o assunto, Peruzzo (2013, p.76) concebe movimentos
sociais como “articulações da sociedade civil constituídas por segmentos da população que se
reconhecem como portadores de direitos e que se organizam para reivindicá-los”. A partir do
exposto, vale questionamentos acerca da atuação dos grupos das redes sociais on-line que, na
ocasião do processo de impeachment de Dilma Rousseff, se organizaram e articularam
protestos e manifestações nos ambientes off-line a partir do uso dos novos meios e recursos
57
tecnológicos de comunicação, como o Facebook e outras plataformas digitais. Assim reunir
pessoas para um ato de protesto não necessariamente torna determinado grupo de
organizadores e líderes um movimento social. Há outras implicações a serem consideradas
para que possamos classificar um grupo que desenvolve ações sociais coletivas como
movimento social. A forma de atuação, composição de suas plataformas, seus laços e sua
história são alguns destes elementos.
Um movimento social pressupõe a existência de um processo de
organização coletiva e se caracteriza pela consistência dos laços,
identidades compartilhadas, certa durabilidade e clareza não só no uso de
táticas (mobilizadoras, comunicativas, civiljudiciais, etc.), mas também nas
estratégias, como aquelas envolvendo um projeto amplo de sociedade, ou
pelo menos, propostas de programas para determinados setores. (...) A
segunda aproximação necessária diz respeito ao reconhecimento da
diversidade existente no universo dos movimentos sociais, tanto na
linhagem política e ideológica quanto nos tipos de movimentos, o que
aponta para diferenças nas origens, nos propósitos, nos meios de expressão
usados, e quem são os atores, ou seja, seus protagonistas (PERUZZO, 2013,
p.76).
No que tange a características dos movimentos sociais contemporâneos, Gohn (2010,
p.16-17) destaca quatro pontos inerentes à atuação deles, a partir de estudos realizados no
início deste século: “as lutas de defesa das culturas locais, contra os efeitos devastadores da
globalização”; na medida em que reivindicam ética na política e fazem vigilância sobre a
atuação estatal/governamental, os movimentos sociais “orientam a atenção da população para
o que deveria ser dela e está sendo desviado”; eles têm dado cobertura a “áreas do cotidiano
de difícil penetração por outras entidades ou instituições”; “os movimentos construíram um
entendimento sobre a questão da autonomia, [em que tê-la] é, fundamentalmente, ter projetos
e pensar os interesses dos grupos envolvidos com autodeterminação”. A autonomia,
diferentemente do que se viu nos anos 80 do último século, perpassa por planejamento
estratégico em termos de metas e programas; significa ser crítico e ao mesmo tempo
propositivo para resolução de conflitos; é atuar com universalidade para as demandas
particulares, é priorizar a cidadania; e, por fim, significa ter pessoas capacitadas para
representar os movimentos em situações de negociação.
E, como já mencionado no capítulo anterior, a formação da sociedade civil na América
Latina do século 20 e início deste novo século apresentou três ciclos que, para Sorj (2015), se
influenciam mutuamente. Esta terceira onda, que ainda está em processo de formação, se
constitui por mobilizações na esfera pública em que o ciberespaço é um instrumento central
58
de sua atuação, mas que o mundo on-line e off-line deve ser concebido como “subsistemas
interconectados”.
Para o sociólogo, os movimentos sociais são um elemento central nos estudos da
sociedade civil, ou seja, são “os movimentos coletivos que promovem transformações sociais”
(SORJ, 2015, p.37). Ainda, segundo o autor, “os movimentos sociais podem produzir
organizações formais que envolvem e institucionalizam o movimento social, e tendem a ser
absorvidos pelo sistema político, cultural e legal”. Desta relação, ocorre uma domesticação do
movimento social, ao mesmo tempo em que a sociedade é “transformada pela integração de
pelo menos parte das suas reivindicações”. Ele observa também que não existe clareza na
relação entre movimento social e organizações formais (a “sociedade civil organizada”).
Se no caso da primeira onda da sociedade civil em geral o movimento social
precede sua institucionalização (por exemplos, os protestos e atividades
solidárias dos trabalhadores antecedem os sindicatos), na segunda onda é
comum o surgimento de organizações formais não apoiadas por
movimentos sociais. Isso foi possível porque o formato ONG não supõe
representação efetiva de um público. Associadas muitas vezes a ativistas
globalizados, as ONGs às vezes introduzem temas que posteriormente
podem dar lugar a movimentos sociais. Por sua vez, no caso da terceira
onda, (...) a própria noção de movimento social perde contornos claros,
assim como são mais confusas suas relações com organizações formais
(SORJ, 2015, p.37).
Notamos que embora não haja “contornos claros” sobre a noção de movimento social
este é um elemento de significativa relevância na sociedade contemporânea. Há de considerar
ainda, pelo exposto, que não basta um grupo ou movimento organizar atos, protestos ou
manifestações públicas, mesmo que consiga arregimentar milhares de pessoas à sua causa,
para ser considerado um movimento social. São diversos os atributos que o credencia como
tal. Não é demérito não ser categorizado como movimento social.
O que buscamos, nesta pesquisa, é instigar a reflexão sobre o papel de novos
movimentos e grupos nesta sociedade em rede, como bem sinalizou Peruzzo (2013) em artigo
sobre as grandes manifestações civis brasileiras de junho de 2013 e a presença das redes
sociais e da comunicação alternativa no referido processo.
Para compreender essas manifestações políticas, há necessidade de
flexibilização e revisão de categorias já consolidadas, no entanto, sem
destroçá-las, pois, por um lado, os novos movimentos expressam, entre
outras, também lutas antigas dos movimentos sociais populares e, por outro,
não anulam os demais, como os movimentos comunitários, os de mulheres,
o Movimento de Luta por Moradia, o Movimento dos Trabalhadores Sem
Terra (MST), e assim por diante. Porém, há de se perceber as características
novas que se apresentam (...) (PERUZZO, 2013, p.78).
59
Na perspectiva de melhor compreender o papel dos grupos das redes sociais on-line
que ganharam visibilidade no processo de impeachment de Dilma Rousseff por meio de
atividades nos ambientes virtuais, e posteriormente no mundo off-line, é que propomos
avançarmos nosso debate acerca de outras ações sociais coletivas. Assim há de se considerar
as transformações ocorridas na esfera pública na atualidade, da qual faz parte a sociedade civil
e, consequentemente, os movimentos sociais, e o impacto da internet na atuação destes atores.
Martuccelli (2015, p.64) destaca várias transformações no âmbito da esfera pública
entre 2000 e 2015. Para ele, os movimentos sociais deixaram “de operar unicamente pela
defesa ou a representação de certos interesses ou identidades, e funcionam cada vez mais
como mobilizações que buscam, sobretudo, alertar a opinião pública e, por vezes, os poderes
institucionais vigentes”.
A sociedade civil se encontra, da perspectiva da equação entre poder de
ação e poder de enunciação, em uma situação inédita e distinta. Por um
lado, sua capacidade de intervenção direta sobre os eventos se transformou
de maneira heterogênea (...). Embora o destinatário final da ação seja
sempre o sistema político — é sobre ele que incide, em última instância —,
cada vez mais as mobilizações coletivas atuam como canais alternativos de
representação-enunciação e de denúncia junto aos meios de comunicação e
à opinião pública subjacente (MARTUCCELLI, 2015, p.64).
Neste novo cenário, Martuccelli (2015, p.69) reforça o enorme impacto da internet na
sociedade civil, em especial no âmbito dos movimentos sociais. Segundo ele, não muda “o
sentimento duplo de não ser suficientemente escutado pelo sistema político e de não ser
suficientemente visível nos meios de comunicação”. Ou seja, os movimentos sociais mantêm
a essência de organização de ação social coletiva em prol de seus direitos e da mudança social
contra o status quo. Contudo, essa percepção é transformada e reforçada pela internet.
Ontem, ou se era um ator ou se omitia. Hoje, graças à galáxia da internet, o
espectro da participação se ampliou. A oposição entre atores (minorias
ativas [militantes propriamente ditos]) e espectadores passivos (e, por vezes,
atores indiferentes) não desapareceu; mas agora acrescenta-se outra tensão,
produzida por indivíduos que são atores ou comentadores ativos e às vezes
regulares da vida pública, sem que se transformem necessariamente seus
interesses em termos de participação eleitoral ou de militância em ações
coletivas (MARTUCCELLI, 2015, p.71).
Acreditamos que o mesmo ocorra no universo dos movimentos populares, uma vez
que as ações sociais coletivas apresentem similaridades com a dos movimentos sociais, apesar
de certas diferenciações. Peruzzo (2005, p.20) os define como “manifestações e organizações
constituídas com objetivos explícitos de promover a conscientização, a organização e a ação
de segmentos das classes subalternas visando a satisfazer seus interesses e necessidades”. A
60
autora cita exemplos de ações que fazem jus à categorização de movimentos populares, entre
as quais, reivindicações por melhoria do nível de vida, através do acesso às condições de
produção e de consumo de bens de uso coletivo e individual; promover o desenvolvimento
educativo-cultural da pessoa; contribuir para a preservação ou recuperação do meio ambiente;
assegurar a garantia de poder exercitar os direitos de participação política na sociedade e
assim por diante.
E assim os movimentos sociais populares, apesar de suas limitações, vão
ocupando o seu lugar na sociedade, contribuindo para construir a cidadania.
Trata-se de um processo que envolve a diversidade, porque nossa sociedade
é pluralista demais para afunilar-se sob a direção de uma única organização
político-partidária (PERUZZO, 1998, p.37).
Para Gohn (2010, p.23), os movimentos populares apresentam uma diversidade no que
tange a temáticas de suas demandas, no entanto, “o que unifica o universo de suas demandas
são as carências socioeconômicas”. Neste panorama de engajamento social, compartilhamos
da opinião dos autores estudados de que os movimentos sociais e populares sempre existiram
e vão existir, porque destas ações sociais coletivas emergem da necessidade de mudanças e
transformações tão imprescindíveis para o desenvolvimento e conquistas da sociedade.
A autora (GOHN, 2010, p. 14) recorre a Touraine para expressar o que os movimentos
sociais representam ao afirmar que estes “são o coração, o pulsar da sociedade. Eles
expressam energias de resistência ao velho que os oprime, e fontes revitalizadas para a
construção do novo”. Novos horizontes são traçados a partir da participação e presença ativa
da sociedade civil representada por diferentes atores e protagonistas dos movimentos sociais e
populares no Brasil e outros lugares do mundo.
Por meio de ações sociais coletivas propositivas, a história nos mostra avanços e
conquistas obtidas pela sociedade no mundo. A busca por mudanças e transformações sociais
sempre existiram. Nada indica que os cidadãos deixarão de exprimir aquilo que os desagrada.
Ao contrário, estão sempre ávidos para externar o que os oprime, utilizando meios e recursos
disponíveis consonantes com sua realidade e contexto social. Na era digital, as redes sociais
on-line têm se apresentado como fortes aliadas no processo de mobilização e engajamento
social na esfera pública.
2.1.1. Movimentos sociais e populares na América Latina
As ações sociais coletivas representadas por meio da atuação de atores de movimentos
sociais e populares se manifestam na sociedade em esfera global. Há diversos estudos acerca
61
da participação de movimentos sociais norte-americano, europeus e latino-americano, entre
outros, que contemplam inclusive pesquisas a partir da introdução da internet no cotidiano da
sociedade (GOHN, 2010; CASTELLS, 2013; SORJ; FAUSTO, 2015). Na tentativa de
delinear o perfil dos protagonistas dos grupos estudados nesta dissertação, delimitamos tecer
abordagens sobre movimentos sociais e populares no âmbito da América Latina e do Brasil a
partir de estudos mais recentes. Temos ciência de que o debate proposto não se esgota aqui.
Apenas abre espaço para novas discussões e abordagens tão oportunas sobre o assunto em
tempos da era digital.
Antes de diversas manifestações populares se propagarem por vários lugares do
planeta fazendo uso de ferramentas tecnológicas, num efeito dominó, pesquisadores sobre
movimentos sociais na América Latina já previam no final do século 20 um cenário nada
animador para essas sociedades. “Níveis sem precedentes de violência, pobreza,
discriminação e exclusão parecem indicar que o ‘desempenho’ e próprio projeto das ‘novas’
democracias da América Latina estão longe de ser satisfatórios” (ALVAREZ; DAGNINO;
ESCOBAR, 2000, p.15).
Nesse contexto, os autores acreditam que os movimentos sociais desempenham “um
papel crítico nessa luta” por projetos alternativos para a democracia e questionam quais são os
parâmetros dessa democracia e quais são as fronteiras do que deve ser definido como arena
política. Para eles, os processos de globalização econômica, atrelados a uma política
neoliberalista, introduziram uma nova relação entre o Estado e a sociedade civil, com
definição distinta da esfera pública e seus participantes, baseada “numa concepção
minimalista do Estado e da democracia”.
Enquanto a sociedade civil é obrigada a assumir as responsabilidades
sociais evitadas pelo Estado neoliberal em processo de encolhimento, sua
capacidade como esfera política crucial para o exercício da cidadania
democrática está cada vez mais desenfatizada. Nessa concepção, os
cidadãos devem fazer-se por seus próprios esforços particulares e a
cidadania é cada vez mais equiparada à integração individual no mercado
(ALVAREZ; DAGNINO; ESCOBAR, 2000, p.15-16).
Neste novo cenário de cidadania há uma redefinição não apenas do sistema político,
mas também das práticas econômicas, sociais e culturais como forma de “engendrar uma
ordem democrática para a sociedade como um todo”. Tem-se, então, a ampliação de esferas
públicas, onde a cidadania pode ser exercida e os interesses da sociedade não são apenas
representados, mas fundamentalmente “re/modelados”. A consequência disso é a construção
de uma democracia interna descontínua e desigual.
62
Os movimentos sociais não somente conseguiram traduzir suas agendas em
políticas públicas e expandir as fronteiras da política institucional, como
também lutaram de maneira significativa para redefinir o próprio sentido de
noções convencionais de cidadania, representação política e participação e,
em consequência, da própria democracia (ALVAREZ; DAGNINO;
ESCOBAR, 2000, p.16).
Assim as sociedades da América Latina já vêm num processo de desenvolvimento de
cidadania e os movimentos sociais têm se destacado antes mesmo do início do novo milênio.
Os acontecimentos recentes ocorridos no Brasil – em especial as manifestações públicas civis
do processo impeachment de Dilma Rousseff – não emergiram de uma hora para outra. Os
rumos da história de uma nação se constroem no dia a dia, passam por transformações e
sofrem influências externas. Na era digital essa influência é ainda mais rápida, quase de
instantânea por conta da velocidade com que as informações circulam nos ambientes sociais,
rapidez essa propiciada pelo avanço tecnológico dos meios de comunicação.
“As culturas políticas da América Latina são muito influenciadas por aquelas que
prevalecem na Europa e na América do Norte e, contudo, se diferenciam delas” (ALVAREZ;
DAGNINO; ESCOBAR, 2000, p.27). Os autores mostram que ao analisar a atuação dos
movimentos sociais é fundamental que se considere o contexto político e social em questão.
Um exemplo citado foi o surgimento de regimes militares das décadas de 1960 e 1970 em
quase toda a América Latina “numa reação às tentativas de radicalizar as alianças populistas
ou de explorar alternativas socialistas democráticas”.
É significativo que os movimentos sociais que surgiram da sociedade civil
na América Latina ao longo das duas últimas décadas – tanto em países sob
regime autoritário como em nações fortemente democráticas – tenham
desenvolvido versões plurais de uma cultura política que vão muito além do
(re)estabelecimento da democracia formal liberal. Assim, as redefinições
emergentes de conceitos como democracia e cidadania apontam para
direções que confrontam a cultura autoritária por meio da atribuição de
novo significado às noções de direito, espaços públicos e privados, formas
de sociabilidade, ética, igualdade e diferença e assim por diante. Esses
processos múltiplos de re-significação revelam claramente definições
alternativas do que conta como político (ALVAREZ; DAGNINO;
ESCOBAR, 2000, p.29).
A pesquisadora Gohn (2006, p.221-240) observa que a distribuição dos movimentos
sociais em termos espaciais ocorreu de forma muito diferenciada na América Latina depois
dos anos de 1970, apesar de ter acontecido na totalidade dos países. Naqueles mais
industrializados, a articulação se deu a partir dos grandes centros, tendo sido feita por
representantes da igreja, dos sindicatos e de partidos de oposição ao regime político da época,
63
e, a partir daí, espalharam-se para outras regiões. Nos países de base agrária, as ações se
caracterizaram por rebeliões. Na pauta dos movimentos daquela época entraram questões
étnicas, suprimento de gêneros e serviços sociais de primeira necessidade, demandas por terra
e moradia, por educação, e demandas consideradas “modernas” ao redor de questões de
gêneros. Neste contexto, há de se considerar ainda as diferenças históricas que influenciam a
formulação de um paradigma latino-americano sobre os movimentos sociais.
O estudo sobre os movimentos sociais latino-americanos deve ter um
enfoque multidisciplinar, envolvendo a sociologia, a ciência política, a
antropologia, a história, a economia, e a psicologia social. A política deve
ser destacada por ser a grande arena de articulação, pelo fato de os
movimentos sempre estarem envolvidos ou ligados a relações de poder.
Deve-se considerar: ideologias, valores, tradições e rituais da cultura de um
grupo; a cultura política como um todo, etc.; assim como a estrutura
sociopolítica e econômica em que os movimentos estão inseridos, numa
abordagem histórico-estrutural renovada (GOHN, 2006, p.240).
Alguns autores notam que na década de 1990 ocorre um renascimento do conceito de
sociedade civil. Alvarez, Dagnino e Escobar (2000, p.38) abordam o assunto por meio de
Alfred Stepan, que diz que esta “tornou-se a celebridade política de muitas transições latino-
americanas recentes do regime autoritário e foi uniformemente vista como ator significativo
na literatura da democratização”. Nesse processo de revitalização da sociedade civil, os
pesquisadores destacam que esta “não é uma família ou ‘aldeia global’ homogêneas e felizes,
mas um terreno de luta”; é “um terreno minado por relações desiguais de poder, bem como
acesso diferenciado a recursos materiais, culturais e políticos”; e, por fim, “há conexões entre
o Estado e a sociedade civil que tornam ilusória a ideia de um confronto ou mesmo de uma
delimitação entre os dois como entidades completamente autônomas” (ALVAREZ;
DAGNINO; ESCOBAR, 2000, p.39-40).
No que tange à formação do público, os pesquisadores avaliam como positiva para a
democracia na América Latina a proliferação de ‘públicos’ alternativos dos movimentos
sociais. Eles tomam como referência, três pontos observados por Diamond e Linz (apud
ALVAREZ; DAGNINO; ESCOBAR, 2000, p.42): porque serve para pôr em xeque o poder
do Estado, ou porque dá expressão a interesses populares estruturalmente pré-ordenados e
porque é nesses espaços públicos alternativos que esses mesmos interesses podem ser
continuamente re/construídos. Ou seja, independentemente do momento histórico, a atuação
dos movimentos sociais é vista de forma positiva pelos pesquisadores. São forças que
emergem da sociedade civil com o intuito de transformar e promover mudanças em defesa de
interesses coletivos amplos ou de grupos minoritários.
64
“Os movimentos são como as ondas e as marés, vão e voltam e isto ocorre não por
causas naturais (...). Os movimentos vão e voltam segundo a dinâmica do conflito social, da
luta social, da busca do novo ou reposição/conservação do velho” (GOHN, 2006, 247-248).
Assim a ação dos movimentos não é estática. Ao contrário, é dinâmica e se desenvolve em
consonância com os contextos sociais, culturais e institucionais da sociedade. Com a
disseminação da internet no mundo, muitas ações encabeçadas por movimentos de lutas
sociais coletivas são apoiadas por este novo artefato tecnológico.
O uruguaio Somma (2015, p.138-140), pesquisador em sociologia política e
movimentos sociais, observa que o ativismo digital emergiu e se expandiu em vários países
latino-americanos nas duas últimas décadas. São diversos os grupos e organizações que
empregam a internet para “promover suas causas, gerar adesões, coordenar ações coletivas e
pressionar as autoridades políticas via redes sociais”. Estes representantes da sociedade civil
também apresentam ideologias, objetivos e grau de proximidade com a política institucional
de formas muito distintas.
No entanto, ainda há barreiras que freiam a difusão do ativismo digital na América
Latina. Na maioria desses países, as pessoas ainda não usam a internet regularmente e o seu
uso para fins político ainda é restrito, sendo fortemente segmentados e favorecendo os mais
jovens e ricos moradores de centros urbanos. Além disso, o uso da ferramenta traz múltiplos
riscos, que “vão desde a facilidade com que se espalham rumores ou informações imprecisas
até tensões internas às organizações, passando por dificuldades técnicas e deficiências de
capital humano para fazer um uso eficiente dessa ferramenta” (SOMMA, 2015, p.139). O
autor apresenta três possíveis consequências do ativismo digital sobre as mobilizações de
ações coletivas, as decisões das elites políticas e os vínculos entre as próprias organizações,
além de traçar um panorama para o futuro dos países latino-americanos.
Primeiro, diversas experiências na região sugerem que a internet permitiu
mobilizar em pouco tempo quantidades consideráveis de pessoas em
manifestações públicas — incluindo no nível internacional e fora do nosso
continente. Segundo, são apresentados casos nos quais tais protestos,
promovidos sobretudo a partir das redes sociais, possivelmente exerceram
influência sobre autoridades públicas de diversas maneiras (...). Terceiro,
sugere-se que a internet também possa impactar o tipo de alianças entre
organizações dedicadas a causas comuns, favorecendo estruturas pouco
centralizadas e com alto grau de autonomia.
Olhando para o futuro, tudo indica que o ativismo digital latino-americano
seguirá se desenvolvendo. O ritmo em que isso ocorrerá irá depender de
vários fatores, entre eles a consolidação das democracias da internet a novos
grupos, e a melhoria das habilidades técnicas da população. Esta última
pode ocorrer tanto por melhoras na aprendizagem e familiaridade com
novas tecnologias, como pela mudança geracional, na qual as gerações mais
65
velhas e distantes da internet são substituídas por novas gerações de
“nativos digitais” (SOMMA, 2015, p.139-140).
As reflexões trazidas por Somma mostram que os novos meios de comunicação e
recursos tecnológicos têm sido usados e incorporados à rotina da sociedade de forma ampla.
Assim o ativismo digital se manifesta para além dos movimentos sociais e populares. Os
estudos acerca das manifestações nos ambientes on-line – que estão interconectados com
ações no universo off-line – devem ser observados sob o prisma da sociedade civil. Assim
compartilhamos da concepção de Sorj (2015) sobre o tema sociedade civil.
Entendemos por sociedade civil o conjunto de ações (simbólicas,
organizacionais ou materiais) realizadas pelos cidadãos que intervêm no
espaço público com o objetivo principal de conservar/modificar/transformar
o sistema de valores que orientam o sistema legal e a forma pela qual o
Estado e a sociedade organizam e distribuem seus recursos. Essa definição,
como qualquer outra que se refere ao mundo social, é indicativa, uma vez
que a sociedade é um objeto fluido e as fronteiras entre seus subsistemas
são porosas (SORJ, 2015, p.36).
Notamos que as ações dos movimentos sociais e populares, e num cenário ainda mais
amplo que abarca a sociedade civil – reflexão que merece ser feita já que buscamos investigar
os perfis dos protagonistas e atores sociais das manifestações públicas do impeachment de
Dilma Rousseff no universo da esfera pública –, têm forte relação com questões culturais,
sociais e momento histórico.
Nos países latino-americanos, verificamos três ciclos históricos que influenciaram os
perfis e a participação dos atores sociais a partir dos anos de 1970 até a atualidade. Em
resumo: houve 1) a organização de grupos e movimentos sociais e populares em oposição aos
regimes militares do final da década de 70 e parte dos anos 80; 2) o surgimento de outras
formas de organização popular, mais institucionalizadas, em que as ONGs ganham papel de
destaque, sobretudo a partir dos anos de 1990; 3) e as mobilizações civis públicas que
ocorrem no âmbito do ciberespaço a partir da disseminação da internet no mundo.
Acreditamos que o debate sobre estes “novos movimentos” sequer começou. A
organização dos grupos e atores sociais nos ambientes on-line tem se mostrado tão dinâmica
quanto a evolução dos recursos tecnológicos dos meios de informação e comunicação. Os
impactos da “galáxia da internet” têm transformado a esfera pública nos âmbitos do sistema
político, da sociedade civil e do espaço público (MARTUCCELLI, 2015).
A fim de melhor compreendermos a dinâmica dos atores sociais brasileiros na
contemporaneidade, faz-se necessário apresentarmos, de forma breve, a trajetória dos
66
movimentos sociais e populares no Brasil, tendo como referência o mesmo período histórico
abordado no espectro dos países latino-americanos.
2.1.2. Uma passagem sobre movimentos sociais e populares no Brasil: dos anos de
1970 à contemporaneidade
No Brasil, temos assistido a momentos diferenciados da participação dos movimentos
sociais e populares na esfera pública. Gohn (2010, p.20) observa que, se nos anos de 1970 e
1980, eles “contribuíram decisivamente, via demandas e pressões organizadas, para a
conquista de vários direitos sociais novos”, que se fizeram valer na Constituição brasileira de
1988, a partir de 1990 surgem outras formas de organização popular, mais institucionalizadas.
Entre estas, a autora cita Fóruns Nacionais de Luta pela Moradia, pela Reforma Urbana e
Fórum Nacional de Participação Popular.
Em outra obra, Gohn (2006, p.278-279) destaca em seus estudos sobre movimentos
sociais urbanos que os anos de 1980 foram marcados por um novo panorama na prática e na
teoria. Na prática, as lutas foram pelo acesso à terra e por sua posse, pela moradia; articulação
do movimento dos transportes, movimentos de favelados, movimentos de desempregados,
movimentos pela saúde. Ou seja, as demandas foram por melhoria das condições de
existência, de vida. Quanto aos estudos sobre movimentos sociais, “pesquisar a identidade dos
movimentos, ouvir suas falas, captar suas práticas cotidianas foram se tornando objetivos
centrais nas preocupações dos analistas”.
Ainda nos primeiros anos da década de 80, no plano da realidade brasileira,
novos tipos de movimentos foram criados, fruto da conjuntura político-
econômica da época. Foram movimentos que se diferenciaram tanto dos
movimentos sociais clássicos – dos quais o movimento operário é sempre
tido como exemplar – como também dos ‘novos’ movimentos sociais
surgidos nos anos 70, populares ou não populares. Foram os movimentos
dos desempregados e das Diretas Já, que se definiam como campo da
ausência do trabalho e na luta pela mudança do regime político brasileiro
(GOHN, 2004, p.285).
Mais mudanças ocorrem no campo das lutas sociais no Brasil na década de 1990. O
movimento popular rural cresce vertiginosamente no país. Criado em 1979 em Santa Catarina,
o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra (MST) se transforma no maior movimento
popular do Brasil nos anos 90. Na mesma década, sugiram novos movimentos sociais
centrados em questões éticas ou de revalorização da vida humana. “A violência generalizada,
a corrupção, as várias modalidades de clientelismo e corporativismo, os escândalos na vida
política nacional, etc., levaram a reações no plano moral” (GOHN, 2006, p.304-305). Ela
67
acrescenta que outras duas tendências se fortaleceram no cenário social nessa época, tendo
relação direta com os movimentos sociais: o crescimento das ONGs e as políticas de parcerias
implementadas pelo poder público local.
Estas tendências são faces complementares das novas ênfases das políticas
sociais contemporâneas, particularmente nos países industrializados do
Terceiro Mundo. Trata-se de novas orientações voltadas para a
desregulamentação do papel do Estado na economia, e na sociedade como
um todo, transferindo responsabilidades do Estado paras as ‘comunidades’
organizadas, com intermediação das ONGs, em trabalhos de parceria entre
o poder público estatal e o público não-estatal e, às vezes, também com a
iniciativa privada (GOHN, 2006, p.309-310).
Em outro de seus estudos, Gohn (2010, p.30) afirma que ao longo dos anos 90 os
movimentos sociais em geral, e os populares em especial, “passaram a atuar em rede e em
parceria com outros atores sociais”. Nesta nova fase, foram implementadas outras práticas,
exigindo maior qualificação dos militantes. Tem-se, então, uma redefinição de laços e
relações, tanto no âmbito urbano quanto na área rural.
O exercício de novas práticas trouxe também um conhecimento mais
aprofundado sobre a política estatal, sobre os governos e suas máquinas.
Demandas pela ética na política e uma nova concepção de esfera pública
foram os primeiros saltos dessa aprendizagem, seguidos de uma completa
rejeição pelos rumos das atuais políticas neoliberais, geradoras de
desemprego e exclusão social. As redes, as parcerias entre movimentos e as
ONGs criaram um novo movimento social: contra a globalização
predominante, geradora da miséria; eles clamam, articulados em redes
internacionais, pela defesa da vida com dignidade. O perfil do militante dos
movimentos sociais se alterou e as teorias estão a exigir de nós explicações
mais consistentes (GOHN, 2010, p.30-31).
Ainda segundo Gohn (2010), as lutas e as demandas dos movimentos sociais no início
do século 21, no Brasil, se desenvolvem a partir de dez eixos temáticos:
1) lutas e conquistas por condições de habitabilidade na cidade (...); 2)
mobilização e organização popular em torno de estruturas institucionais de
participação na estrutura político-administrativa da cidade (...); 3)
mobilizações e movimentos de recuperação de estruturas ambientais, físico-
espaciais, assim como de equipamentos e serviços coletivos (...); 4)
mobilizações e movimentos contra o desemprego; 5) movimentos de
solidariedade e apoio a programas com meninos e meninas nas ruas,
adolescentes que usam drogas, portadores de HIV e deficiências físicas; 6)
mobilizações e movimentos dos sem-terra (...); 7) movimentos étnico-
raciais (índios e negros); 8) movimentos envolvendo questões de gênero
(mulheres e homossexuais); 9) movimentos rurais pela terra, reforma
agrária e acesso ao crédito para assentamentos rurais; e 10) movimentos
contra as políticas neoliberais e os efeitos da globalização (...) (GOHN,
2010, p.31).
68
Temas dessa ordem ganham força no contexto político-institucional brasileiro na
contemporaneidade. Esses processos sociais são afetados pelas novas formas de comunicação,
portanto, não podem ser dissociados do novo mundo virtual. Como sinalizou Sorj (2016,
p.12), “as transformações sociais (...) são anteriores ao surgimento da comunicação via
internet, que é influenciada por essas tendências preexistentes, ao mesmo tempo em que as
modifica”. Na análise sobre as manifestações públicas assistidas em 2016 a partir das ações de
grupos articulados e organizados nas redes sociais on-line no processo do impeachment temos
de considerar esse arcabouço. Os estudos teóricos desses elementos darão sustentação para a
análise empírica das fanpages dos grupos que selecionamos neste trabalho.
2.2. Participação e comunicação popular na era da internet
Na medida em que parte da sociedade passa a utilizar as ferramentas tecnológicas nos
processos comunicacionais para se manifestar sobre questões culturais, sociais e políticas em
seu cotidiano para promover o engajamento social, torna-se pertinente fazermos um breve
estudo sobre os conceitos de participação e comunicação popular a partir dos termos clássicos
até abordagens mais recentes vinculadas à era da internet. A proposta de revisitar o passado
tem o intuito de ampliar horizontes para conceber novas reflexões sem perder a essência e o
sentido dos conceitos de origem. Propomos, então, atualizar tais conceitos em consonância
com o contexto histórico da atualidade. Peruzzo (1998, p.147) analisa Kaplún que concebe
participação popular como um “processo longo e lento (...) e [que] pode levar muito tempo até
que um grupo chegue ao grau de maturidade e consciência crítica que lhe permita superar seus
conhecimentos culturais e dialógicos, tornando possível uma efetiva participação autônoma na
comunicação”. No âmbito da América Latina, a temática é destacada ainda por Peruzzo sob a
ótica de Utria (1969):
(...) a participação popular, em sentido amplo, no âmbito da América
Latina, começa com um lento e articulado processo de tomada de
consciência, pelo qual os indivíduos adquirem uma vivência real de sua
situação e de seu destino no universo social e político que os rodeia,
elaboram e definem uma imagem de seus autênticos interesses e os
contrastes, analiticamente, com a ordem social, política e econômica.
Através deste processo, o homem e a comunidade se descobrem a si
mesmos, se identificam com tudo aquilo que resulte compatível com sua
dignidade humana e propicie a sua realização e se rebelam contra tudo
aquilo que pode conspirar contra seus interesses e aspirações. Nessas
condições homem e comunidade estão potencialmente preparados para
iniciar o complexo processo de participação popular (PERUZZO, 1998,
p.146).
69
O termo “participação” nos remete, então, a tornar-se parte de algo. Essa participação
pode acontecer de diversas maneiras desde um simples “assistir” a um efetivo “tomar parte
ativamente”, como sinaliza Peruzzo (1998). Para a autora há de se considerar ainda que a
concepção de “participação” pelos indivíduos não está dissociada da experiência histórica de
um povo. No Brasil e em países da América Latina, onde não há tradição nesse aspecto e se
predomina a falta de conscientização política e outros fatores, uma participação mais efetiva
da sociedade é algo difícil de ser conquistado. Isso porque, a participação “não é dada, é
criada. Não é dádiva, é reivindicação. Não é concessão, é sobrevivência. A participação
precisa ser construída, forçada, refeita e recriada”, diz Peruzzo (1998, p.75) com base na
concepção de Demo. A autora acrescenta ainda que “a participação da população nas decisões
(...) implica o exercício do poder em conjunto, de forma solidária, e compartilhada, com
participação-poder. (...) Não é concedida, mas conquistada, realizando-se tanto nas decisões
como na execução e nos resultados” (PERUZZO, 1998, p.77).
Pesquisador em comunicação e política, Gomes (2005) aborda a questão da
participação popular no contexto da democracia e participação civil na política. Ele aponta
formas de participação, cuja escala cresce em intensidade desde graus mais moderados de
reivindicações até posicionamentos mais radicais. Segundo ele, a participação moderada se
traduz no fortalecimento da presença da esfera civil na cena política. Este cenário abarca
diversas demandas, como debate público consistente, manifestações da vontade popular,
formas de organização popular não governamental e mobilização e formação da opinião
pública, entre outras. Um nível mais radical se faz presente nos modelos em que há a
intervenção da opinião e da vontade civil na decisão política no interior do Estado. Porém, em
ambos ele verifica que “a participação civil é compatível com a alternativa de democracia
representativa; o que há aqui de particular é apenas a reivindicação de que a autenticação civil
da esfera política não se atenha exclusivamente a mecanismos eleitorais” (GOMES, 2005,
p.217). Assim deve-se considerar também “o respeito pela disposição e opinião públicas”. No
terceiro grau de intensidade, ainda mais radical, ele apresenta o modelo de participação
popular na política em que “a esfera política é dispensada e as funções de decisão seriam
assumidas pela esfera civil, como ocorre no ideário da democracia direta”.
No que tange à inserção da internet no cotidiano da sociedade contemporânea, Gomes
(2005, p.217) concebe esta experiência como inspiração para “formas de participação política
protagonizada pela esfera civil e como demonstração de que há efetivamente formas e meios
para a participação popular na vida pública”. Ele ainda complementa:
70
A introdução de uma nova infraestrutura tecnológica, entretanto, faz
ressurgir fortemente as esperanças de modelos alternativos de democracia,
que implementem uma terceira via entre a democracia representativa, que
retira do povo a decisão política, e a democracia direta, que a quer
inteiramente consignada ao cidadão. Estes modelos giram ao redor da ideia
de democracia participativa e, nos últimos dez anos, na forma da
democracia deliberativa, para a qual a internet é, decididamente, uma
inspiração (GOMES, 2005, p.218).
De modo geral, os autores estudados compartilham de uma opinião comum de que
participação popular é muito mais que ser um mero espectador dos assuntos da vida pública e
política. É interagir, agir, envolver-se, fazer parte por completo, reivindicar com
conhecimento de causa, é propor mudanças pelo bem comum, pela coletividade. Nesse
sentido, como apontou Gomes, as ferramentas tecnológicas são inspiradoras. Entretanto, é
preciso fazer bom e adequado uso dos novos meios de informação e comunicação e dos
ambientes digitais on-line disponibilizados com a difusão da internet.
Para refletirmos que tipo de comunicação foi disseminado pelos grupos aqui estudados
no processo de impeachment de Dilma Rousseff a partir do uso das tecnologias digitais nas
redes sociais on-line, acreditamos que seja pertinente abrirmos espaço para a discussão sobre
o conceito de comunicação popular, alternativa e comunitária. Sua origem se deu nos anos de
1970 e 1980 a partir de movimentos populares no Brasil e na América Latina e “não se
caracteriza como um tipo de comunicação qualquer, mas como um processo de comunicação
que emerge da ação dos grupos populares” (PERUZZO, 2009a, p. 47). A autora conceitua o
que vem a ser este tipo de “comunicação”:
(...) a comunicação popular, alternativa e comunitária se caracteriza como
expressão das lutas populares por melhores condições de vida, que ocorrem
a partir dos movimentos populares e representam um espaço para
participação democrática do “povo”. Possui conteúdo crítico-emancipador e
reivindicativo e tem o “povo” como protagonista principal, o que a torna um
processo democrático e educativo. É um instrumento político das classes
subalternas para externar sua concepção de mundo, seu anseio e
compromisso na construção de uma sociedade igualitária e socialmente
justa (PERUZZO, 2009a, p.49).
Segundo Peruzzo (2009a, p.56), a comunicação comunitária, popular, alternativa ou
participativa tem como base os princípios públicos e “engloba os meios tecnológicos e outras
modalidades de canais de expressão sob controle de associações comunitárias, movimentos e
organizações sociais sem fins lucrativos”. Neste processo, “realiza-se o direito de comunicar
ao garantir o acesso aos canais de comunicação”. Trata-se, então, “não apenas do direito do
cidadão à informação, enquanto receptor (...), mas também do direito ao acesso aos meios de
71
comunicação na condição de produtor e difusor de conteúdos”. Ela observa ainda que esses
processos têm maior visibilidade em duas situações: quando os desafios estão relacionados à
apropriação de instrumentos de comunicação dirigida, pequenos jornais, panfletos, cartazes,
faixas, troças carnavalescas, peças de teatro, slides, alto-falantes, TV de rua, etc. E, em outra
condição, quando há o empoderamento social das tecnologias de comunicação, que passa pelo
videocassete, alto-falante, rádio em frequência modulada, televisão comunitária no sistema a
cabo, e mais adiante, sites, blogs, fotologs e listas de discussão na internet. A autora faz ainda
uma interligação entre comunicação e a participação popular:
Empoderamento, de empowerment, em inglês, quer dizer participação
popular ativa com poder de controle e de decisão nos processos sociais
(políticas públicas relacionadas à educação, saúde, comunicação, transporte,
questões de gênero, geração de renda), e como tal, também, a apropriação
de meios de comunicação. O desafio atual é justamente avançar no
empoderamento qualitativo e amplo das novas tecnologias de comunicação,
ao mesmo tempo em que as antigas modalidades comunicativas continuam
tendo seu lugar (PERUZZO, 2009a, p.57).
Nesta concepção, a abordagem de comunicação popular está atrelada à possibilidade
da sociedade civil, sobretudo por meio de grupos e movimentos sociais, criar espaço para a
disseminação de conteúdos que venham a promover a melhoria e o desenvolvimento das
condições sociais e de vida. Esclarecemos ainda que este tipo de comunicação foi concebido
para nutrir a sociedade de informações e assuntos comumente não abordados pelos meios de
comunicação tradicionais. Assim “estamos falando, pois, de uma comunicação que se vincula
aos movimentos populares e outras formas de organização de segmentos populacionais
mobilizados e articulados e que tem por finalidade contribuir para a mudança social e a
ampliação dos direitos de cidadania” (PERUZZO, 2009b, p.134).
No âmbito de nosso estudo, se entendermos que os grupos das redes sociais on-line do
processo do impeachment da presidente da República em 2016 como “movimentos sociais ou
populares” conceberemos assim suas fanpages como um canal de comunicação “alternativo”
para externar as demandas não contempladas pelos veículos de comunicação tradicional. No
entanto, como também já sinalizamos e exemplificamos, há diversos elementos a serem
observados nesta análise para que possamos classificar ou não tais grupos como movimentos
sociais ou populares. Estes podem ser ainda apenas uma parcela da sociedade civil que, num
momento específico da história política do Brasil, utilizou os novos meios de comunicação e
recursos tecnológicos da atualidade para promover o ativismo digital e intervir no espaço
público. Ou seja, a reflexão que trazemos é que as manifestações públicas articuladas a partir
72
das redes sociais on-line por grupos da sociedade civil, os quais ganharam significativa
visibilidade na esfera pública, não necessariamente se enquadram no escopo de movimentos
sociais ou populares. Independentemente desta classificação, o fato é que as ações e
atividades nos ambientes on-line organizadas por eles tiveram relevância no contexto
histórico e institucional do país. Daí nosso interesse por ampliar o conhecimento acerca do
papel desses atores sociais.
2.3. Os grupos nas redes sociais on-line no impeachment de Dilma Rousseff
O ativismo a favor e contra o processo de impeachment de Dilma Rousseff em 2016
foi intenso nas redes sociais virtuais on-line, apesar do movimento pela saída da presidente ter
começado a ser desenhar muito antes – abordagens sobre o governo Dilma e as manifestações
públicas serão tratadas no terceiro capítulo. Parte da sociedade utilizou os ambientes on-line
para externar suas impressões e opiniões quanto ao momento histórico e político do Brasil.
Houve manifestações públicas de diferentes modos nas redes sociais: do cidadão que usou
individualmente seu perfil nos ambientes virtuais para se posicionar àquele que se tornou
seguidor de grupos ou comunidades virtuais que comungavam de seu ponto de vista para
interagir ou compartilhar de suas ideias, entre outros exemplos.
Dentro do contexto mencionado, delimitamos nossa pesquisa e selecionamos quatro
grupos com forte representatividade na articulação das manifestações públicas e com
considerável número de seguidores em suas fanpages e os dividimos igualmente em dois
grupos. O Movimento Brasil Livre (MBL) e Vem pra Rua se posicionaram a favor do
impeachment, enquanto as Frentes Brasil Popular (FBP) e Povo Sem Medo, contra o
processo. A proposta é traçar os perfis dos grupos selecionados para saber quem são esses
atores sociais dentro desta nova sociedade em rede.
Os dados foram extraídos dos canais de comunicação on-line dos grupos, como sites e
redes sociais (Facebook, Instagram, Twitter, Youtube, Issuu), além de notícias da imprensa.
No quadro a seguir, organizamos uma síntese dos canais de comunicação nas plataformas
digitais dos quatro grupos. O objetivo foi apresentar um panorama das ferramentas
tecnológicas e dos meios de comunicação on-line utilizados por eles para informar e
disseminar suas atividades em prol do engajamento e da participação social. Nota-se que o
Facebook é o único canal de comunicação nas redes sociais comum a todos, um dos motivos
que nos levou a analisar mais a fundo esse meio de comunicação tão popular em tempos de
internet, entre outros já abordados aqui.
73
QUADRO 2 – Mapa dos grupos nos ambientes on-line
(Sites e redes sociais)
Pró-impeachment Contra o impeachment
MBL VEM PRA RUA FRENTE BRASIL
POPULAR
FRENTE POVO SEM
MEDO
Site: mbl.org.br Site: vemprarua.net Site:
frentebrasilpopular.org.br
Site: povosemmedo.org
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128 mil seguidores
76 seguindo
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4.212 publicações
81 mil seguidores
573 seguindo
____ ____
Youtube
219.131 inscritos
____ Youtube
253 inscritos
____
Issuu
____
Issuu
____ Issuu
issuu.com/brasilpopular
14 publicações
6 seguidores
Issuu
https://issuu.com/povosem
medo
2 publicações
5 seguidores
Fonte: Dados coletados pela autora nas plataformas digitais dos grupos (atualização em 25 fev. 2018).
2.3.1. MBL: protestos pelo impeachment, captação de recursos e escalada política
O Movimento Brasil Livre, popularmente conhecido pela sigla MBL, se intitula uma
“entidade que visa mobilizar cidadãos em favor de uma sociedade mais livre, justa e próspera.
Defendemos a Democracia, a República, a Liberdade de Expressão e de Imprensa, o Livre
Mercado, a Redução do Estado, Redução da Burocracia”2. Está presente nas redes sociais on-
line deste o final de 2014, sobretudo no Facebook desde 1º de novembro de 2014. Mantém
diversos canais de comunicação em plataformas digitais – site, Twitter, Instagram e Youtube
– sendo o Facebook o que detém maior número de seguidores: mais de 2,6 milhões de pessoas
acompanham o grupo nas redes sociais3.
2 Ver mais @mblivre e http://mbl.org.br/.
3 Atualizado em 25 de fevereiro de 2018.
74
Embora tenha forte presença nas novas mídias digitais, o grupo disponibiliza poucas
informações institucionais nas redes de relacionamento. Promove, anualmente, congressos
para discussão de temas diversos com a sociedade, como educação, saúde, sustentabilidade,
reforma política, economia, justiça e transporte e urbanismo. Para financiar suas atividades, o
MBL busca levantar recursos por meio da venda de produtos nas redes sociais e contribuições
de membros do grupo também angariadas pela internet.
Contudo, ao que parece o grupo, que ganhou notoriedade no período do processo de
impeachment de Dilma Rousseff, se articula com outras esferas públicas para financiar suas
ações. Durante a campanha anti-Dilma, foi citado na grande imprensa pelo recebimento de
apoio financeiro de partidos políticos para a impressão de panfletos e uso de carros de som,
em manifestações pelo impeachment, no evento de 13 de março de 2015.
O MBL (Movimento Brasil Livre), entidade civil criada em 2014 para
combater a corrupção e lutar pelo impeachment da presidente Dilma
Rousseff (PT), recebeu apoio financeiro, como impressão de panfletos e uso
de carros de som, de partido políticos como o PMDB e o Solidariedade.
Quando fundado, o movimento se definia como apartidário e sem ligações
financeiras com siglas políticas. Em suas páginas em redes sociais, fazia
campanhas pertinentes para receber ajuda financeira das pessoas, sem
ligação com partidos. (...) Em nota enviada ao UOL, Renan Santos
confirmou a autenticidade do áudio e informou que o comitê do
impeachment contava com lideranças de vários partidos, entre eles, DEM,
PSDB, SD e PMDB (LOPES; SEGALLA, ..., 2016, 27 maio).
Ao que tudo indica as negociações do grupo para a captação de recursos com outras
esferas da sociedade é uma prática recorrente. Segundo a Revista Piauí, mais recentemente
teria sido criado um grupo de WhatsApp chamado “MBL – Mercado” que “serviria como
interface entre o movimento e executivos de médio e alto escalão do mercado financeiro –
pelo menos 158 funcionários de instituições como Banco Safra, XP Investimentos e Merrill
Lynch” com o objetivo inicial de “levantar dinheiro para financiar o MBL e levar as pautas
dos executivos às discussões públicas e aos encontros a portas fechadas que os membros do
MBL teriam com políticos e lideranças nacionais” (ABBUD, ...., 2018, 03 out.).
O envolvimento com assuntos da política também parece ter ido além das demandas
apontadas nas manifestações públicas do impeachment. Nas eleições municipais de 2016, 45
integrantes do MBL se candidataram a pleitos em diversas localidades do país, sendo a
maioria filiada ao PSDB e DEM (Democratas). Oito foram eleitos, entre eles, Fernando
Holiday, que assumiu uma cadeira na Câmara de São Paulo. Um dos líderes do MBL, ele
concorreu ao pleito pelo DEM e obteve mais de 48 mil votos (MBL..., 2016, 03 out.).
75
As principais lideranças do MBL são Kim Kataguiri, Fernando Holiday e Renan
Santos. Embora o grupo atue no mundo off-line, sobretudo nas manifestações pelo
impeachment em 2016 e articulações com outras esferas da sociedade, não registramos sede
física (endereço) ou ata de fundação da “entidade”. O único endereço localizado no site – rua
da União, 137, Vila Mariana, São Paulo – é o do “Movimento Renovação Liberal” na página
de contribuições do portal, cujo CNPJ é 22.779.685/0001-59. Ao que parece o MRL é a
instituição que recebe os recursos destinados ao MBL, conforme aponta trecho de reportagem
na imprensa.
Todos os recursos que recebe por meio de doações, vendas de produtos e
filiações são destinados a uma "associação privada" — como consta no site
da Receita Federal —, chamada Movimento Renovação Liberal (MRL),
registrada em nome de quatro pessoas, sendo três delas irmãos de uma
mesma família: Alexandre, Stephanie e Renan Santos. Este último é um dos
coordenadores nacionais do MBL e um dos rostos mais conhecidos do
grupo. (...) Três membros desta mesma família, além de uma quarta pessoa,
aparecem como únicos associados da Renovação Liberal, a entidade privada
"sem fins econômicos e lucrativos" que recebe o dinheiro do MBL. Seu
estatuto, registrado em cartório em julho de 2014, diz que se trata de uma
Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (OSCIP). De acordo
com a legislação brasileira, doadores de uma OSCIP podem descontar do
Imposto de Renda as colaborações feitas a uma entidade como o MRL
(RENOVAÇÃO..., 2017, 29 set.).
Não convém nos alongarmos nos detalhes da relação entre o MBL e MRL por não ser
o foco desta pesquisa. As explicações apresentadas acerca do grupo tiveram tão somente o
objetivo de tentar definir o enquadramento deste “ator” do impeachment de Dilma Rousseff
na ocasião das manifestações de 2016. Analisaremos a seguir os três grupos restantes para, ao
final deste capítulo, apresentarmos nossas considerações quanto aos seus perfis no contexto
dos novos movimentos na era digital em paralelo aos conceitos sobre movimentos sociais e
populares e formas de participação e comunicação popular já mencionados neste capítulo.
2.3.2. Vem pra Rua: visibilidade no impeachment e abertura de caminho na política
O Vem pra Rua, que também ganhou visibilidade no processo de impeachment de
Dilma, iniciou suas atividades no final de 2014. A entidade se propõe a atuar contra a situação
econômica, política e social do país e defende que o caminho para um Brasil democrático e
justo é o combate à corrupção, erguer a bandeira da ética na política e defender um estado
capaz de servir a sociedade4. Na internet e redes sociais, o grupo se apresenta como “um
movimento suprapartidário, democrático e plural que surgiu da organização espontânea da
4 Ver mais @vemprarua.net e http://vemprarua.net /.
76
sociedade civil para lutar por um Brasil melhor” (SOBRE..., s.d.). Afirma ainda que suas
principais bandeiras são “a democracia, a ética na política e um estado eficiente e desinchado”
(SOBRE..., s.d.). Além do site, o Vem pra Rua tem três canais de relacionamento com a
sociedade: Instagram, Twitter e Facebook. Esta última rede social agrega quase 1,7 milhão de
seguidores5. Para o grupo, há várias formas da sociedade se opor ao status quo, sendo as redes
sociais também um dos caminhos de “ir às ruas”.
O Vem pra Rua já levou mais de 2 milhões de pessoas às ruas de todo o
Brasil nas manifestações de 2015. Em parceria com diversos outros
movimentos sociais, engajamos a sociedade civil brasileira e mobilizamos
as pessoas para participarem de grandes manifestações e passeatas em mais
de 240 cidades brasileiras (...). Contudo, não é só nas passeatas e nas
manifestações que se “vai à rua”: podemos mobilizar nossos amigos e
conhecidos nas redes sociais, podemos nos organizar para cobrar de
políticos e de funcionários do Estado brasileiro, podemos nos engajar na
tarefa de cobrar de nossos representantes – nas câmaras municipais, nas
assembleias legislativas, no congresso federal – para que sejam honestos,
transparentes e eficazes na defesa dos interesses de nosso país. A rua não é
só a manifestação: é onde acontece a sociedade brasileira (SOBRE..., s.d.).
O posicionamento do Vem pra Rua, e até mesmo dos outros três grupos selecionados
para análise nesta dissertação, reforça a característica de mobilização social de novos grupos
que emergem na sociedade contemporânea. Trata-se do ativismo digital, assunto abordado a
partir de estudos e pontos de vista de vários pesquisadores mencionados neste trabalho. O
grupo utiliza ainda o aplicativo de mensagens instantâneas disponível para diversas
plataformas de smartphones, o popular WhatsApp, como ferramenta de comunicação e
engajamento de voluntários interessados em “colaborar” com as ações da entidade.
Para o grupo, “uma das formas de colaborar com o movimento é a doação de tempo,
que será aplicado em tarefas realizadas pelo grupo: envios de mensagens, disparos de
WhatsApp e preparação das saídas às ruas, entre outras atividades” (JUNTE-SE...,s.d.). As
contribuições financeiras são recebidas pela internet por meio do sistema PayPal, que permite
a qualquer cidadão fazer transferência de dinheiro on-line. Os recursos são destinados à ONG
Abraça, “parceira do Vem pra Rua, sem fins lucrativos, que faz a gestão dos valores doados”.
Ainda de acordo com o grupo, “os valores recebidos nas doações serão investidos na
produção e administração de conteúdo do site e das mídias sociais, no relacionamento com a
mídia, nas ferramentas de controle e pesquisa e nas manifestações e atos que acontecem em
5 Atualizado em 25 de fevereiro de 2018.
77
todo o Brasil” (FAÇA..., s.d.). As principais lideranças são Rogério Chequer6 e Colin
Butterfield, que, inclusive, assinam juntos o livro que relata a história do grupo.
Ganhar visibilidade por meio das redes sociais a partir do discurso contra o sistema –
na ocasião o governo Dilma Rousseff – para depois lançar-se na vida política, ao que parece,
faz parte da cartilha de líderes e integrantes dos grupos que se articularam nas redes sociais
on-line estudados nesta dissertação. Nas eleições municipais de 2016, houve membros do
Vem pra Rua que concorreram a cargos políticos.
Em entrevista à BBC Brasil, Chequer disse naquela época que não haveria propaganda
para os candidatos e que essas pessoas teriam de se desligar do “movimento” para se
candidatar. “O nosso objetivo é que não exista a tentação de usar um movimento
suprapartidário para fazer campanha política. Queremos nos manter isentos para exercer
pressão política em todos os partidos sem limitações” (DAS RUAS..., 2016, 27 set.).
Dias antes, os líderes do Vem pra Rua, apresentavam um discurso mais flexível no que
diz respeito à isenção para exercer pressão política. Ao deixar uma dedicatória escrita a
próprio punho ao presidente Michel Temer em um exemplar do livro de sua autoria, Chequer
se posiciona da seguinte forma: “Presidente, esperamos que tenhamos muitos projetos
alinhados daqui para frente” (REVERBEL,..., 2016, 20 set.). Já Colin Butterfield escreveu:
“Presidente, vamos mudar esse país. Conte conosco onde pudermos ajudar. Precisamos
escancarar, desmontar e reconstruir” (REVERBEL,..., 2016, 20 set.).
Não foram encontrados nos materiais analisados informações quanto ao estatuto e ao
endereço da sede do grupo, embora tenhamos observado que as articulações com a sociedade
civil ocorrem nos ambientes on-line e off-line para além das manifestações civis públicas. Nas
redes sociais, o Vem pra Rua busca instigar “todos os brasileiros” a se manifestarem contra o
governo, a falta de ética, políticos corruptos por meio de grandes manifestações, no entanto,
as críticas ao sistema no pareceu serem direcionadas. Notamos que o grupo se apropria dos
recursos tecnológicos e das facilidades permitidas a partir da disseminação da internet para
chamar a sociedade para atuar também no mundo off-line, o que reforça a necessidade de
concebermos estas atividades, de fato, como “subsistemas interconectados” (SORJ, 2015).
Além disso, suas ações têm como foco críticas ao sistema político, do qual quer fazer parte.
6 Rogério Chequer é uma das principais lideranças do Vem pra Rua. Em 2016, lançou o livro “Vem pra Rua: a
história do movimento popular que mobilizou o Brasil” (Matrix, p.292), com Colin Butterfiel, cofundador do
grupo. Em dezembro de 2017, pediu afastamento da entidade para concorrer ao governo do Estado de Paulo,
pelo Partido Novo, nas eleições de 2018.
78
2.3.3. Frente Brasil Popular: contra o impeachment, agremiação de movimentos
sociais e defesa política e ideológica de esquerda
A criação da Frente Brasil Popular7 foi oficializada em 5 de setembro de 2015, após a
Conferência Nacional Popular, realizada em Belo Horizonte (MG), em evento que contou
com a participação de mais de 2.600 militantes, de 66 movimentos populares e organizações
políticas do país. Conhecido por FBP, o grupo se propõe a atuar "em defesa da democracia e
por uma nova política econômica" e apresenta-se como “uma aliança popular que aglutina
(diferente de apenas representar) todas as formas do povo se organizar” (FRENTE..., 2015,
s.d.). Está presente no Facebook desde agosto de 2015, e registra 156 mil seguidores8. Outros
canais de comunicação e relacionamento são o portal, Twitter, Youtube e Issuu.
Sua base de representação na sociedade é composta por partidos políticos, sindicatos,
centrais sindicais, movimentos populares, sociais, pastorais de igrejas, movimentos de
mulheres, jovens, negros, povos indígenas, movimentos culturais, de comunicação social,
intelectuais, artistas e outros. Entre eles estão: Central Única dos Trabalhadores (CUT),
Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil (CTB), Movimento dos Trabalhadores
Rurais sem Terra (MST), Via Campesina, Movimento dos Pequenos Agricultores (MPA),
Movimento de Mulheres Camponesas (MMC), Movimento dos Atingidos por Barragens
(MAB), Movimento Nacional pela Soberania Popular Frente à Mineração (MAM),
Movimento Camponês Popular (MCP), Federação Única dos Petroleiros (FUP),
Confederação Nacional de Entidades Negras (Conen), União Nacional dos Estudantes (UNE),
Levante Popular da Juventude, Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação
(FNDC), Consulta Popular, Marcha Mundial das Mulheres, Rede de Médicas/os Populares,
Associação de Juízes pela Democracia, Rede Nacional de Advogados Populares (Renap),
Sindicato dos Engenheiros do Estado – RJ (Senge-Rio), Central de Movimentos Populares
(CMP), além de parlamentares e dirigentes de diversos partidos e correntes partidárias, como
o PT, o PCdoB, o PSB e o PDT.
O grupo tem uma “Plataforma Política”, composta por seis pontos originários de “um
denominador mínimo comum de todos os movimentos, partidos, organizações e indivíduos
que integram a Frente Brasil Popular” (FRENTE..., 2015, s.d.). Os dois primeiros têm como
foco sua base social: “trabalhadores e trabalhadoras, a ampla maioria do povo brasileiro”. Os
dois seguintes mostram que a FBP concebe os temas do Estado e da Nação a partir de “uma
democracia popular, base da soberania nacional”. Os dois últimos consideram as mudanças
7 Ver mais em http://frentebrasilpopular.org.br e @FrenteBrasilPopular.
8 Atualizado em 25 de fevereiro de 2018.
79
estruturais mínimas indispensáveis a serem realizadas: “reformas que afetem a distribuição de
propriedade, da renda e do poder, resultando em transformações cujo êxito depende de sua
integração com a região latino-americana e caribenha”. Na cartilha que norteia suas principais
diretrizes, a FBP evidencia a necessidade de ser vista como um “movimento”, cuja estrutura
organizativa leva em conta as especificidades dos movimentos sociais existentes.
A FBP precisa ser construída no espírito de movimento. O caráter da
Frente, seus objetivos, seus programas, mas principalmente suas ações e sua
inserção nas lutas sociais concretas, é que determinarão a melhor forma de
estrutura organizativa. Assim, devemos priorizar as iniciativas capazes de
mobilizar e construir unidade de ação. E, a sua capilaridade também deve
ser pensada em função dos planos de lutas sociais concretas.
A estrutura organizativa da FBP deve levar em conta as especificidades e a
diversidade dos movimentos sociais já existentes, das lutas e campanhas em
curso, dialogar com essa realidade, prestar atenção para as novas formas
organizativas, os coletivos e redes sociais já existentes, sobretudo em nível
estadual. A FBP se propõe a ajudar nestas lutas e nas organizações já
existentes (FRENTE..., 2015, s.d.).
Em outra publicação – o Jornal Frente Brasil Popular9 – de edição especial e única, a
Frente declara publicamente sua linha política e ideológica ao afirmar que “representa, acima
de tudo, uma tentativa da esquerda responder, da forma mais unitária possível, à ofensiva
conservadora em curso” (EM DEFESA..., s.d.). Também se posiciona com relação ao governo
Dilma Rousseff, ao grupo de oposição e, subliminarmente, ao processo de impeachment:
Não se trata de uma aliança de apoio ao governo da presidente Dilma
Rousseff, ainda que um de seus compromissos seja a defesa da legalidade
democrática e do mandato sacramentado pelas urnas. A outra linha de
atuação da FBP é o combate à política econômica adotada pelo governo
depois da reeleição: o chamado ajuste fiscal. A Frente luta simultaneamente
contra o golpismo, representado pelos setores mais conservadores, e contra
o sequestro da agenda governamental pelos interesses do capital financeiro.
Sem propósitos eleitorais, a Frente é um instrumento de mobilização aberta
a todas as correntes democráticas e de esquerda (EM DEFESA..., s.d).
Na cartilha da FBP há uma descrição sobre a estrutura organizativa do grupo que
contempla âmbitos nacional, estadual e municipal em instâncias políticas denominadas de
coletivos, plenárias e conferências. Pelas diretrizes, está previsto que os coletivos funcionem
como instâncias amplas, compostas por representante de entidades, movimentos, sindicatos e
partidos aderentes ao Programa Mínimo da FBP. As plenárias são instâncias de mobilização,
agitação, formação e organização de atividades de massa, e poderão eventualmente referendar
9 O Jornal Frente Brasil Popular - Ano 1 - Edição Especial foi uma publicação única da FBP. Ao que parece, sua
veiculação, que não é datada, se deu para reforçar a divulgação da criação do “movimento”, ocorrida em 5
setembro de 2015. O conteúdo está disponível no portal http://frentebrasilpopular.org.br, na aba “publicações”.
80
ou modificar propostas e sugestões de atividades, campanhas e ações estratégicas aprovadas
nos coletivos. As conferências foram concebidas como espaços de estudos e aprofundamento
dos problemas que afetam o povo brasileiro; de análises e debates estratégicos sobre a política
brasileira; e, de construção de mobilizações e unidade popular. O documento dá conta de
nortear outras ações da organização, que relatamos por serem pertinentes à nossa pesquisa:
Tarefas específicas, como comunicação, divulgação, produção de
eventos/cultura, articulação parlamentar e demais aspectos organizativos
serão executados em parceria com entidades, movimentos, sindicatos e
partidos da FBP. Futuramente, caso isto se mostre necessário e viável, a
FBP poderá criar, no âmbito das secretarias operativas, estruturas
específicas e permanentes para dar conta dessas tarefas.
Nos municípios, bairros e regiões das grandes cidades, a FBP deverá
incentivar a realização de atividades unitárias, populares e abertas à
participação de qualquer cidadão interessado, para debater os problemas
nacionais e um programa de alternativas que atenda os interesses do povo.
Estas atividades de base poderão ser organizadas nas categorias
profissionais, em universidades/escolas, empresas/local de trabalho,
setoriais de atuação nos movimentos, ou outras formas de organização não
prevista (EM DEFESA..., s.d).
Pelo exposto, notamos que a Frente Brasil Popular segue uma linha de atuação que
muito se aproxima da definição de “movimentos sociais e populares”, sobretudo por agregar
diversas frentes originárias dessas bases de atores sociais. Ao que parece o espaço físico
utilizado pelo grupo é a sede nacional da Central Única dos Trabalhadores – rua Caetano
Pinto, nº 575, Brás, São Paulo (SP) – uma das entidades parceiras da Frente. Embora
disponibilize documentos e materiais sobre a história, formação e constituição do grupo, e até
mesmo conteúdos que espelham as ações de comunicação nos atos contra o impeachment de
Dilma, nas redes sociais, não observamos elementos que tratem de recursos financeiros para
manutenção e desenvolvimento das atividades do “movimento”. Nos meios de comunicação
digitais analisados não verificamos “pedidos” de contribuição e doações ao grupo. Notamos
ainda que houve parceria nas atividades desenvolvidas no processo de impeachment do grupo
com a frente Povo Sem Medo, cujo perfil e atuação serão delineados a seguir.
2.3.4. Frente Povo Sem Medo: contra o impeachment, nasce “sem” ligação com
legenda política, e se transforma em frente de esquerda alternativa ao PT
A organização Povo Sem Medo se intitula “uma frente que reúne diversos movimentos
sociais, lutadoras e lutadores, de todo o Brasil. Foi fundada em outubro de 2015 com o
objetivo de lutar contra as medidas de ajuste fiscal, o avanço conservador no país, e propor
uma agenda de reformas populares” (VAMOS..., 2017, s.d.). O documento informa ainda que
81
“teve atuação importante nas lutas contra o golpe e contra os retrocessos sociais do governo
Temer”, o que evidencia sua crítica ao processo de impeachment de Dilma Rousseff.
Na ocasião de seu lançamento, “desconectada, ao menos oficialmente, de partidos
políticos, [a frente] adota um discurso de ‘recuperar as ruas’, que, para eles, foram tomadas
por manifestações de caráter conservador desde os atos pós-junho de 2013” (BEDINELLI,
08.out2015). Em carta convocatória de lançamento publicada no Facebook, a organização se
posiciona da seguinte forma “contra o ajuste fiscal e o conservadorismo”:
O “ajuste fiscal” do governo federal diminui investimentos sociais e ataca
direitos dos trabalhadores. Os cortes na educação pública, o arrocho no
salário dos servidores, a suspensão dos concursos são parte dessa política.
Ao mesmo tempo, medidas presentes na Agenda Brasil como aumento da
idade de aposentadoria e ataques aos de direitos e à regulação ambiental
também representam enormes retrocessos. Enquanto isso, o 1% dos ricos
não foi chamado à responsabilidade. Suas riquezas e seus patrimônios
seguem sem nenhuma taxação progressiva (...).
Ao mesmo tempo, os setores mais conservadores atacam impondo uma
pauta antipopular, antidemocrática e intolerante, especialmente no
Congresso Nacional. Medidas como a contrarreforma política, redução da
maioridade penal, a ampliação das terceirizações, as tentativas de
privatização da Petrobras e a lei antiterrorismo expressam este processo.
No momento político e econômico que o país tem vivido se torna urgente a
necessidade de o povo intensificar a mobilização nas ruas, avenidas e praças
contra esta ofensiva conservadora, o ajuste fiscal antipopular e defendendo
uma saída que não onere os mais pobres (CARTA..., s.d).
No mesmo informe, o grupo se propõe a atuar “contra a ofensiva conservadora e as
saídas à direita para a crise” e “contra as políticas de austeridade aplicadas pelo governo, em
nome de ajustar as contas públicas”, e defende “que a crise seja combatida com taxação de
grandes fortunas, lucros e dividendos, auditoria da dívida e suspensão dos compromissos com
os banqueiros”. A sociedade é instigada a sair para ruas, em prol de reformas populares e pela
defesa da “democratização do sistema político, do judiciário e das comunicações e reformas
estruturais, como a tributária, a urbana e a agrária”. Esse chamamento mostra que as ações do
grupo ocorrem nos ambientes virtuais e off-line, havendo conexão entre ambos.
A organização tem página na internet, está presente no Facebook – com
aproximadamente 144 mil seguidores10
– desde outubro de 2015, e disponibiliza conteúdo
pelo serviço on-line Issuu. Foram encontrados poucos documentos oficiais que dão conta da
atuação da frente nos ambientes on-line e off-line. Não registramos informações de onde
provêm os recursos para custeio das ações articuladas pelo grupo nos canais e redes de
relacionamento sociais, tão pouco se há uma sede (endereço fixo) utilizada para encontros
10
Atualizado em 25 de fevereiro de 2018.
82
presenciais. As atividades parecem ser geridas por entidades integradas e parceiras da frente,
de modo que cada uma desenvolve o trabalho de acordo com os recursos humanos e
financeiros que dispõe, articulando como e onde as ações serão realizadas. A liderança
referência da Frente Povo Sem Medo é Guilherme Boulos, coordenador do Movimento dos
Trabalhadores Sem-Teto (MTST), um dos principais articuladores do grupo e fonte recorrente
da imprensa no processo de impeachment de Dilma Rousseff.
Outras organizações que integram a Frente Povo Sem Medo são: Intersindical -
Central da Classe Trabalhadora, União Nacional dos Estudantes (UNE), União Brasileira dos
Estudantes Secundaristas (Ubes), Associação Nacional dos Pós-graduandos (ANPG),
Federação Nacional dos Estudantes do Ensino Técnico (Fenet), Círculo Palmarino, Igreja
Povo de Deus em Movimento (IPDM), Coletivo Juntos, União da Juventude Rebelião (UJR),
Juventude Socialismo e Liberdade (JSOL), Coletivo Construção, Movimento de Luta nos
Bairros, Vilas e Favelas (MLB), Fora do Eixo/Mídia Ninja, Coletivo Cordel, União Brasileira
de Mulheres (UBM) e Bloco de Resistência Socialista. Notamos também que, desde sua
origem, movimentos que integram a frente têm certo vínculo com legendas políticas:
Ligada ao PT, a CUT faz parte das duas frentes [– a central compõe também
a Frente Brasil Popular]. Na Povo Sem Medo também estão os movimentos
estudantis Juntos! e Rua-Juventude Anti-capitalista, ligados ao PSOL, a
União da Juventude Socialista (UJS) e a Central dos Trabalhadores e
Trabalhadoras do Brasil (CTB), ligados ao PCdoB, além do MTST, que já
havia elevado o tom contra o Governo ao ocupar em 23 de setembro a sede
do Ministério da Fazenda contra as políticas de cortes no programa de
habitação Minha Casa, Minha Vida (BEDINELLI, 2015, 08.out).
A exemplo de outros grupos estudados nesta dissertação, a Povo Sem Medo estreitou
relacionamento com partidos políticos no percurso de sua história a ponto dos partidos virem
a integrar sua base organizativa. Em dezembro de 2017, lançou o “Vamos! Sem medo de
mudar o Brasil11
”, documento que dá diretrizes para que um programa de esquerda “responda
a grave crise que estamos vivendo e lance bases para a construção de uma sociedade mais
justa” (VAMOS..., 2017, s.d.). O material de 20 páginas resulta de 55 debates presenciais em
24 cidades e 134 mil acessos on-line e traz propostas de “governo” estruturadas em seis eixos
– economia, poder, comunicações e cultura, territórios e meio ambiente, saúde e educação, e
negro, feminista e LGBT. O “Vamos” teria sido elaborado com a participação de partidos
políticos que hoje integram a frente, além de representantes de movimentos sociais e
populares de sua base histórica:
11
Ver mais sobre Vamos! Sem Medo de Mudar o Brasil – Resultados Finais no serviço on-line Issuu. Disponível
em: < https://issuu.com/povosemmedo/docs/relatorio_final-web_d25783772af3ff>.
83
Após quatro meses de debate, a Frente Povo Sem Medo concluiu as
diretrizes para o programa de governo do Vamos, movimento que nasce da
busca de uma alternativa ao PT. Inspirado no Podemos espanhol12
, o Vamos
tem como seus idealizadores o coordenador do MTST (Movimento dos
Trabalhadores Sem Teto), Guilherme Boulos, possível candidato à
presidência pelo PSOL – [o que veio a se confirmar em 2018]. A elaboração
do documento de 20 páginas contou com a participação de petistas como o
ex-ministro Tarso Genro (...). A Frente Povo Sem Medo, que se projetou em
atos contra o impeachment de Dilma Rousseff, é integrada pelo MTST,
PSOL, PT, PCB, UNE, CUT, Intersindical, e outros (SEABRA;
RODRIGUES, 2017, 10 dez.).
Pelo exposto, notamos que a Frente Povo Sem Medo tem bastante similaridade com a
Frente Brasil Popular, sobretudo nas ações articuladas nas redes sociais tanto nos ambientes
on-line quanto off-line e composição de sua plataforma, ou seja, constituída por movimentos
sociais e populares. O elo com partidos políticos, que seria a principal diferença entre as duas
frentes, parece ter caído por terra. A Frente Povo Sem Medo aderiu a participação de partidos
políticos em sua estrutura organizativa, tanto que nas eleições de 2018 Guilherme Boulos vai
concorrer ao pleito de presidente da República pelo PSOL. O grupo apresenta também
características próximas aos conceitos de movimentos sociais e populares detalhados neste
capítulo, como luta por demandas de classes sociais menos favorecidas, atuação nas esferas
públicas on-line e off-line e outras. Podemos enquadrar a Frente Povo Sem Medo, assim
como a Frente Brasil Popular, como uma “agremiação” de movimentos sociais e populares
com presença nos ambientes virtuais e off-line.
2.3.5. Considerações sobre os atores do impeachment nas redes sociais on-line
O que dizer dos atores do impeachment de Dilma Rousseff nas redes sociais on-line?
Ter traçado conceitos teóricos sobre movimentos sociais e populares, de abordagens clássicas
a contemporâneas, e o que vem a ser participação e comunicação popular no contexto do
ativismo digital foram fundamentais para entendermos os perfis dos grupos que se articularam
em prol do engajamento e participação social nesse momento histórico-político do Brasil. De
modo geral, os grupos pró e contra o impeachment representam formas de manifestações
coletivas, sem necessariamente serem classificados como movimentos sociais populares.
12
O partido Podemos espanhol surgiu em 2014, tendo suas articulações sido fomentadas a partir dos movimentos
do 15-M ou dos Indignados de 2011. Com apenas dois meses de vida, o partido fenômeno conquistou, em 2014,
cinco cadeiras no Parlamento Europeu e obteve 1.245.948 milhão de votos. Ao identificar a insatisfação com a
corrupção, com a polarização partidária e com os efeitos devastadores da crise econômica, o Podemos se
consolidou como a terceira maior força política no país (NOVAES, Marina. Fenômeno na Espanha, Podemos
inspira os descontentes no Brasil. ElPAÍS, São Paulo, 21 dez.2014. Disponível em:
<https://brasil.elpais.com/brasil/2014/12/21/politica/1419192854_929193.html>. Acesso em: 18 mar.2018).
84
Ao conceber os grupos estudados nesta dissertação como integrantes da terceira onda
da sociedade civil (SORJ, 2015), em que o ciberespaço é instrumento central de sua atuação,
nota-se que a noção sobre movimento social em tempos de redes sociais precisa ser melhor
delineada, uma vez que as relações entre esta esfera da sociedade civil e as organizações
formais ainda estão confusas, sem contornos definidos. Por outro, lado é fato que a internet e
o avanço dos recursos tecnológicos abalaram a estrutura dos movimentos sociais
contemporâneos que passaram a funcionar como mobilizações para alertar a opinião pública e
os poderes institucionais vigentes quanto à sua forma de atuação (MARTUCCELLI, 2015).
Como representantes de mobilizações sociais, todos os grupos – independentemente
da bandeira levantada no processo de impeachment – teceram críticas ao governo Dilma
Rousseff e aclamavam por mudanças na gestão econômica e política da nação. Os grupos
MBL e Vem pra Rua apresentaram características, discursos e formas de atuação distantes ao
que entendemos serem movimentos sociais, entre as quais falta de consistência de laços,
identidades compartilhadas, durabilidade e clareza de táticas e estratégias que envolvessem
um projeto amplo e universal de sociedade voltado à cidadania. As Frentes Brasil Popular e
Povo Sem Medo, que se posicionam como grupos de esquerda, representaram, ao nosso olhar,
uma aglutinação de movimentos sociais e populares do país. Talvez por essa razão, boa parte
de suas estratégias esteja alinhada aos conceitos teóricos de movimentos sociais e populares,
como promoção de discussões em assembleias e plenárias, produção de conteúdos de
comunicação para além dos meios tradicionais de comunicação, levantamento de pautas
coerentes com lutas sociais, entre outros.
Em suma, não classificamos as manifestações públicas que ocorreram durante o
processo de impeachment de Dilma Rousseff como ações organizadas nas redes sociais on-
line por movimentos sociais. Entendemos que o chamamento à sociedade civil para ir às ruas
se deu por grupos que se articularam em comunidades virtuais conectadas por interesses
comuns, configurando-se como manifestações coletivas. Atuaram como comunidades que
mantêm uma estrutura semelhante a um cluster, ou seja, a um aglomerado de nós conectados,
em que existe uma interação social mútua, onde podemos encontrar laços mais fortes e fracos
em torno de interesses comuns. Neste cenário há de se analisar ainda o contexto histórico-
social, em outras palavras, a interrelação das manifestações públicas, do governo Dilma
Rousseff e a situação econômica e política do país com a atuação e articulação dos grupos
estudados nos ambientes virtuais e off-line, assuntos a serem abordados no capítulo seguinte.
85
CAPÍTULO III – GOVERNO DILMA E AS MANIFESTAÇÕES:
UMA ANÁLISE DAS AÇÕES DOS GRUPOS NO FACEBOOK
Neste capítulo, a proposta foi apresentar os resultados da análise das fanpages de
quatro grupos que atuaram no movimento do impeachment de Dilma Rousseff a partir das
redes sociais: Movimento Brasil Livre (MBL) e Vem pra Rua, que se posicionaram a favor do
impeachment; e as Frentes Povo Sem Medo e Brasil Popular (FBP), contra o processo. O
estudo consistiu na análise de conteúdo e pesquisa exploratória de convites virtuais de eventos
e interações dos seguidores no Facebook com o objetivo de observar como se deram as
estratégias de comunicação voltadas ao engajamento e à participação popular utilizadas nas
redes de relacionamento destes grupos, no período de 1º de março a 31 de agosto de 2016.
Para dar suporte à análise supracitada, fizemos uma breve reconstituição do cenário social e
institucional dos governos da então presidente da República, do primeiro mandato até a crise
política e econômica que culminou em seu afastamento definitivo, quando já vigorava sua
segunda gestão. O estudo se deu a partir de revisão bibliográfica de pesquisadores como
Singer (2015), Bucci (2016) e Villaverde (2016).
3.1. Governo Dilma: da eleição à crise política e econômica
Em outros momentos desta dissertação, mencionamos que para melhor compreender
as manifestações públicas de 2016 pelo movimento do impeachment de Dilma Rousseff e a
participação de grupos organizados e articulados nas redes sociais nesses eventos seria de
fundamental importância fazer uma breve reconstituição do contexto social e institucional
deste fenômeno que marcou a história do Brasil.
Temos trabalhado com a hipótese de que a atuação dos atores nos ambientes virtuais
contribuiu para dar visibilidade a suas ações no mundo off-line. Concebemos as ferramentas
tecnológicas como potenciais instrumentos de articulação, mobilização, empoderamento e
engajamento social para proposição de transformações sociais, desde que os cidadãos delas se
apropriem. No contexto do impeachment, a análise acerca dos motivos que levaram ao
afastamento de Dilma do Palácio do Planalto perpassa por diversos outros fatores além das
articulações de atores nas redes sociais, entre os quais interesses econômicos, políticos,
políticos partidários, posicionamento dos meios de comunicação, em níveis local e global.
Assim torna-se relevante retrocedermos à história para entendermos os argumentos que
86
levaram extratos da sociedade, como os grupos atuantes nos ambientes virtuais, a organizarem
protestos públicos favoráveis e contrários ao processo de impeachment.
Nossa análise se propõe a ir além dos motivos de conhecimento público acerca do
impeachment de Dilma, como o avanço das investigações da Operação Lava Jato da Polícia
Federal, que apurava esquema de corrupção na Petrobras, envolvendo políticos de vários
partidos, inclusive de sua base aliada, e as maiores empreiteiras do país; críticas ao seu
segundo governo por conta do baixo crescimento econômico, medidas de ajuste fiscal,
descaso de dinheiro público, entre outras questões que impactavam o dia a dia da população; e
pressão da grande mídia. A partir do momento em que acreditamos que os fatores que
levaram a queda da presidente da República em 2016 estão imbricados também no contexto
social e institucional é imprescindível fazermos um breve relato de seu governo a partir do
primeiro mandato (2011-2014).
O cientista político, professor e jornalista André Singer (2015) amplia nossos olhares
acerca dos motivos que levaram à derrocada do governo Dilma. Para ele, os fatores do
declínio começam a ser desenhados já no primeiro mandato da presidente quando da
implementação da “nova matriz econômica”, designada pelo autor como “ensaio
desenvolvimentista”, iniciativa que tinha como marca forte o “ativismo estatal” na busca da
reindustrialização. “Ficamos, todavia, protegidos pelo vocábulo “ensaio”, que remete tanto ao
caráter efêmero da experiência quanto ao seu contorno vago” (SINGER, 2015, p.42).
A exemplo do que havia feito em 2008, o governo brasileiro procura
sustentar o ritmo de crescimento local. Foi aí que se abriu a oportunidade de
colocar em prática a nova matriz, que vinha sendo preparada desde a
substituição de Henrique Meirelles por Alexandre Tombini à frente do BC
(novembro de 2010). Cálculos realizados à época da eleição presidencial
mostravam que, para continuar as reformas graduais do lulismo, era preciso
que o PIB crescesse cerca de 5% ao ano. A perda de velocidade eliminaria a
margem necessária para combater a pobreza (SINGER, 2015, p.43).
Assim Dilma colocou em prática uma política anticíclica e a nova matriz econômica
foi marcada por uma série de medidas de caráter desenvolvimentista. Singer (2015, p.43-45)
pontua nove principais ações do governo: 1) redução da taxa básica de juros de 12,5% para
7,25% ao ano entre agosto de 2011e abril de 2013; 2) uso recorrente do BNDES, com forte
linha de crédito subsidiada para o investimento das empresas por meio de repasses recebidos
do Tesouro; 3) aposta na reindustrialização, com medidas que vão da redução do IPI sobre
bens de investimento à ampliação do MEI (Microempreendedor individual); 4) desonerações
que, em seu auge em 2014, chegaram a 42 setores e poupariam aproximadamente 25 bilhões
de reais anuais aos empresários; 5) plano para infraestrutura com concessões para estimular a
87
inversão em rodovias e ferrovias; 6) reforma no setor elétrico para baratear o preço da
eletricidade, em atendimento a uma reivindicação da indústria para reduzir os custos e ganhar
competitividade em relação aos importados; 7) desvalorização do real; 8) controle de capitais
para impedir que a entrada de dólares valorizasse o real, prejudicando a competitividade dos
produtos brasileiros; e 9) proteção ao produto nacional.
De acordo com Singer (2015, p.46), as medidas da nova matriz significavam “comprar
brigas centrais, procurando acelerar o pacto conservador lulista”. Ou seja, o ensaio
desenvolvimentista não foi um ponto fora da curva. Ao contrário, apenas acelerou “uma
viagem cuja direção vinha traçada desde antes”. Sobre o assunto, o autor contextualiza a
continuidade entre os governos Lula e Dilma, pelo menos do ponto de vista programático:
Com a ascensão de Guido Mantega ao Ministério da Fazenda em 2006
começa a construção de condições para maior ativismo estatal. O Estado
despertara da letargia e buscava meios para alavancar o crescimento em
2007, com o lançamento do PAC. Na crise de 2008, os bancos públicos
adquiriram rol crucial na reorganização produtiva, representando poderosas
alavancas de indução da iniciativa privada. Em 2009 e 2010, com a
incorporação de incentivos fiscais seletivos ao arsenal de instrumentos
disponíveis, o Estado começara a manejar alavancas antes bloqueadas. A
ascensão de Tombini no lugar de Meirelles, em 2011, parecia incorporar o
BC à perspectiva do desenvolvimento e concluir os preparativos para um
salto de qualidade (SINGER, 2015, p.46-47).
A mudança relevante entre Lula e Dilma estaria, segundo o autor, no posicionamento
político. “Enquanto Lula foi não confrontacionista, Dilma decide entrar em combates duros”.
Na medida em que reduziu os juros e forçou os spreads para baixo, ela causou tensão no meio
financeiro. A ordem era diminuir os ganhos do setor financeiro, ou seja, mexer no lucro dos
bancos. Em maio de 2012, alterou as regras da poupança e “mostrou coragem ao diminuir o
rendimento, sem perda de apoio da população” (SINGER, 2015, p.49). Em setembro, o
ministro da Fazenda, Guido Mantega, dá mais um recado ao setor financeiro ao declarar que
os juros cobrados pelos bancos nos cartões de crédito eram “escorchantes” e precisavam
diminuir. Até o final de 2012, a política desenvolvimentista de Dilma parceria estar nos eixos.
Em outubro, com apenas 4,6% de desemprego e a renda dos trabalhadores
em alta, o PT ganha a eleição na cidade de São Paulo, com Fernando
Haddad (...). A vitória petista no pleito municipal (...) fazia crer que a
aceleração do lulismo ia de vento em popa. Dilma preparou-se, então, para
encerrar o ano com chave de ouro. Reduzir o preço da eletricidade atendia
campanha lançada pela Fiesp em 2011 e fazia gesto à população pobre, para
a qual o peso relativo da energia é relevante. Com o BNDES capitalizado e
disponível para financiar a produção a juros mais baixos, certo controle
sobre o fluxo de capitais, o real menos valorizado, a desoneração da folha
de pagamentos em curso, a obrigatoriedade de conteúdo local em setores
estratégicos e encomendas da Petrobras, compras governamentais e tarifas
88
alfandegárias voltadas para a produção nacional, programa de investimento
em infraestrutura lançado, aumento do limite de endividamento dos Estados
e juros mais acessíveis nos bancos comerciais, o ensaio desenvolvimentista
chegava ao auge (SINGER, 2015, p. 49).
No início de 2013, há um revés nos rumos da economia do país. A partir de uma
declaração do presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, de que “a inflação estava
‘mostrando uma resiliência forte’ e que a situação não era ‘confortável’. Diante da pergunta
fatal sobre se era necessário mudar a política monetária, respondeu que o BC estava atento a
tudo” (SINGER, 2015, p.50). Com isso, os investidores passam a praticar a alta dos juros,
minando a essência do projeto Dilma. A partir de abril, o BC inicia um ciclo de alta de juros
que só terminaria dois anos depois. A consequência da medida é analisada por Singer.
Num átimo, a situação se invertera. Ao elevar sistematicamente a Selic,
restabeleceu-se a dualidade típica anterior ao ensaio, na qual, enquanto a
Fazenda buscava meios de fazer a economia deslanchar, o BC apostava na
contração, carreando recursos para os rentistas. A partir daí, o
desenvolvimentismo oferece resistência surda, porém crescentemente
enfraquecida, à pressão em favor do choque neoliberal. Nos meses
seguintes, além do aumento contínuo dos juros, o corte no investimento
público, o aumento da taxa de retorno nas concessões, a diminuição das
restrições ao capital especulativo e as privatizações na área de transportes
iriam pontilhando a volta atrás (SINGER, 2015, p.50).
O autor observa que a possibilidade de crescimento do PIB para 2014 estaria
ameaçada por conta do contínuo aumento dos juros. Os investidores começaram a desconfiar
quanto aos rumos do país com o aumento das críticas ao ativismo estatal por uma série de
atores: agências internacionais de risco, instituições oficiais de controle econômico (FMI,
Banco Mundial etc.), bancos estrangeiros, corporações multinacionais, e inúmeras vozes nos
grandes meios de comunicação ao longo de 2013 e 2014. E, ainda, em junho de 2013, Dilma
sofreu pressão popular inesperada proveniente das ruas, sobretudo pelo caráter contraditório:
“iniciadas pela esquerda e engrossadas pelo centro e pela direita de maneira inusitada, elevou
a rejeição à presidente, obrigando-a ceder mais alguns metros de terreno” (SINGER, 2015,
p.52). Essa multidão, na opinião do pesquisador, reforçou a “onda em favor de reformas
liberalizantes que iam na direção contrária”. Nos protestos houve a adesão pela retomada da
agenda econômica liberal dessa nova classe trabalhadora, composta por jovens em empregos
precários e baixos salários mesmo que com carteira assinada.
Eis que os quatro anos se passaram e Dilma, apesar do cenário conturbado, conseguiu
ser reeleita ao convencer “os setores progressistas e o eleitorado popular de que ela tinha
condição e disposição de evitar o choque neoliberal encampado pelo PSDB” (SINGER, 2015,
89
p.53). Em suma, sua plataforma eleitoral garantia a continuidade do desenvolvimentismo. Ao
vencer as eleições no segundo turno, com 51,6% dos votos válidos, em 2014, a presidente fez
o contrário do prometido. Justificou buscar soluções mais adequadas àquele momento em
virtude da “duração inesperada da crise mundial e da extraordinária seca no Brasil. Em função
delas, os recursos públicos, gastos para preservar o emprego e a renda, teriam se esgotado,
impondo agora ‘sacrifícios temporários para todos’” (SINGER, 2015, p.53).
No período em que esteve à frente do mais alto cargo executivo da nação (2011-2016,
considerando-se o primeiro e parte do segundo mandato), Dilma se distanciou gradualmente
de outros setores da sociedade, além do meio financeiro como já apresentado. Denominado
por Singer (2015) como produtivista, este seria composto por empresários industriais
associados à fração organizada da classe trabalhadora, como Federação das Indústrias do
Estado de São Paulo (Fiesp), a Central Única dos Trabalhadores (CUT), a Força Sindical, o
Sindicato dos Metalúrgicos do ABC e o Sindicato dos Metalúrgicos de São Paulo.
Apesar das evidentes convergências, os industriais, para surpresa de muitos,
foram progressivamente se afastando de Dilma, alinhando-se lenta e
continuamente ao bloco rentista de oposição. Cresceu entre eles a ideia de
que se tratava de mandato “intervencionista”, que inviabilizava os
investimentos e não criava confiança. O irônico é que a intervenção, que de
fato houve, visava atender aos próprios industriais. (...) Pouco a pouco, o
deslocamento dos industriais ganhava visibilidade. (...) Quando das
manifestações de junho de 2013, a Fiesp iluminou a fachada do seu
imponente edifício na Paulista com a bandeira nacional, em sinal de
simpatia aos símbolos adotados pelo centro e pela direita na avenida. O
presidente da Fiesp, que esteve em um dos atos, escreveu que tinha assistido
a um “grito por renovação”, deixando entrever postura oposicionista ao
governo federal. Em retrospecto, junho, embora tenha sido bem mais que
isso, converteu-se no começo da onda de classe média contra Dilma, que
iria estourar nas ruas em março de 2015. Em resposta e com menor impacto,
as centrais sindicais tentaram, em julho de 2013, também colocar na praça
pautas especificamente trabalhistas (SINGER, 2015, p.55-56).
Após três anos, os industriais pareciam aderir ao programa rentista, que era manter o
Brasil alinhado à política neoliberal, no bojo do grande capital internacional e da liderança
geopolítica dos Estados Unidos. Singer (2015, p.57) avalia que “o setor financeiro ao
industrial, passando pelo agronegócio, o comércio e os serviços, a unidade capitalista em
torno do corte de gastos públicos, queda no valor do trabalho e diminuição da proteção aos
trabalhadores tornava-se completa”. Ele (2015, p.61-64) pontua ainda ao menos cinco razões
para o deslocamento da burguesia industrial em favor da frente única burguesa contra o ensaio
desenvolvimentista, cujas interpretações em conjunto tornam-se complementares:
90
O fato de a camada industrial ter ao mesmo tempo um lado rentista a torna
mais sensível à ideologia neoliberal, apesar de esta orientação
objetivamente prejudicar as atividades fabris. O mesmo se aplica à
agudização da luta de classes (greves) e à perda de poder resultante do
pleno emprego: tornam sedutores aos industriais os argumentos do
neoliberalismo. Some-se à natural capacidade de resistência e fuga dos
interesses contrariados (o setor financeiro e o capital externo) a pluralidade
de camadas empresariais prejudicadas e entende-se que as onças cutucadas,
sendo muitas e já sensibilizadas por farto material crítico, aos poucos
formaram o cerco feroz que derrotou o ensaio desenvolvimentista
(SINGER, 2015, p.64).
O autor (2015, p.64-67) analisa que, com o objetivo de acelerar a política lulista, a
então presidente “cutucou um número excessivo de perigosas onças com varas notavelmente
curtas”. Para ele, faltou a chefe de Estado considerar os instrumentos que teria à mão numa
situação de contra-ataque. “Sem planejamento político, o ensaio desenvolvimentista abriu um
vácuo sob os próprios pés e acabou por provocar a mais séria crise do lulismo quando a
reação burguesa unificada em favor do retorno neoliberal tornou-se incontrastável”.
Não por acaso Dilma teve significativa queda de popularidade no início do segundo
governo. De acordo com pesquisa realizada pelo Ibope com 2002 pessoas de 140 cidades em
setembro de 2015, e divulgada pela Confederação Nacional da Indústria, o percentual da
população que dizia confiar em Dilma recuou de 51% para 20%, de dezembro de 2014 a
setembro de 2015. No mesmo período houve queda de 52% para 14% com relação aos que
aprovavam sua maneira de governar (DILMA..., 2015, 30 set.)13
. Daí para as inquietações de
diferentes setores da sociedade ganharem corpo em forma de protestos públicos não demorou
muito. Contudo, as correntes se dividiram entre discursos daqueles que contrários à
manutenção da presidente no cargo e dos que se colocaram a favor do cumprimento do
mandato, mesmo tecendo críticas à sua gestão.
De março a dezembro de 2015, foram registrados ao menos nove atos e manifestações
públicas a favor e contra o governo, com presença significativa de pessoas nas ruas14
. Novos
protestos ocorreram 2016, tendo seu ápice em 13 de março de 2016, quando o pedido de
impeachment passa a ganhar força no país. A partir de então, diversos protestos são
articulados nos ambientes das redes sociais virtuais por grupos contra e a favor do
impeachment. As manifestações do período descrito entrariam na pauta da grande mídia e
13
PERES, Bruno; RESENDE, Thiago. DILMA perde mais popularidade no 2º mandato que Lula e FHC. Portal
Valor Econômico, Política, 30 set.2015. Disponível em: <http://www.valor.com.br/politica/4249454/dilma-
perde-mais-popularidade-no-2-mandato-que-lula-e-fhc>. Acesso em: 18 maio.2018. 14
MAPA das Manifestações no Brasil. Portal G1. Política. Disponível em:
<http://especiais.g1.globo.com/politica/mapa-manifestacoes-no-brasil/todos/>. Acesso em: 18 maio.2018.
91
também da imprensa alternativa, porém, com um viés diferente dos acontecimentos de junho
de 2013, como vamos observar mais detalhadamente no capítulo seguinte.
3.1.1. As marcas das manifestações de junho de 2013
O jornalista Eugênio Bucci (2016), em seu livro A forma bruta dos protestos, em que
analisa as manifestações de junho de 2013 à queda de Dilma Rousseff em 2016, considera que
o afastamento definitivo da presidente do Palácio do Planalto transcorreu para além do plano
imediato – “as revelações de malversação do erário em seu governo, a incompetência no trato
com o Parlamento e a recessão causada pela política econômica e fraudulenta”. Contudo, para
ele “o empuxo do descontentamento vinha de 2013” (BUCCI, 2016, p.16). Neste cenário, as
pedaladas fiscais apenas foram um pretexto formal para ejetar Dilma da presidência.
Dilma já não dava conta do serviço (inclusive do serviço que os mais ricos
recebiam dela) e por isso foi demitida do (e pelo) poder. É claro que a chaga
da ladroagem, o limbo do desgoverno e a crise econômica desfecharam sua
queda, mas a curva irrecorrível do declínio tinha começado três anos antes.
Os protestos, com seu tranco duro, vaticinaram o que estava por vir. A
primeira infelicidade de Dilma foi não ter compreendido a mensagem. Ela
não aquilatou corretamente o alcance daquela energia, que seguiria – e
ainda segue – açoitando a máquina pública encarquilhada e os políticos
profissionais especializados em parasitá-la (BUCCI, 2016, p.17).
Se para Singer (2015) as razões da derrocada do governo Dilma estariam atreladas ao
que ele chamou de “ensaio desenvolvimentista”, o qual teria causado descontentamento
gradual de diferentes setores da sociedade, sobretudo o meio financeiro/bancos, classe média
tradicional, empresários industriais, entidades de classe, a partir de seu primeiro mandato,
Bucci (2016) acredita que a raiz pela saída da presidente teria sido fincada em junho de 2013,
particularmente com os protestos de rua que tomaram o país. Fato é que ambos evidenciam
que o impeachment da primeira mulher a governar o país ocorreu com base no contexto social
e institucional que antecedeu o processo formal em 2016. Os protestos públicos entre 2013 e
2016 sinalizariam que algo não estava bem na política e economia brasileira.
Se concebermos sob o prisma de Bucci (2016, p.31) que as manifestações “a favor da
ordem não expõem carências, não escancaram contradições, não movem o conflito e não são
notícia (...) [e que com tal perfil] são tão inócuas como um sujeito que se põe, em voz alta, a
concordar consigo mesmo”, entenderemos que o fenômeno do movimento do impeachment
em 2016, definitivamente, chancelou o descontentamento de significativa parcela da esfera
pública, culminando com o fim antecipado do governo Dilma.
92
Talvez um ponto relevante nos protestos de 2013, revivido nos atos de 2015 e,
sobretudo, ao longo de 2016 no movimento do impeachment, foi o descompasso entre a
“língua do Estado e a da sociedade” (BUCCI, 2016). Segundo o autor, os gerentes do poder
demorariam a reconhecer que a temporalidade da vida social tinha deixado para trás a
temporalidade do Estado e as redes interconectadas deram mais densidade, alcance e vigor
para os processos naturais do mundo da vida (BUCCI, 2016, p.71-72).
A lentidão da burocracia estatal tem peso de chumbo e, quando comparada
à aceleração dos processos comunicacionais do mundo da vida e da esfera
pública, assume aspecto de uma parede de basalto, ou de uma âncora
hipertrofiada, que suga o navio para o fundo do mar. Quando se encontram
cara a cara, esfera pública e Estado (ou sociedade civil e Estado, se
quisermos) se opõem como hardwares incompatíveis. E isso não apenas no
Brasil. O tema é mundial (BUCCI, 2016, p.77).
Sobre os protestos de 2013, Bucci utiliza de metáfora do campo dos meios de
comunicação para fazer um paralelo entre a temporalidade da sociedade civil com a do
Estado. “Enquanto o Estado se arrastava na instância da palavra impressa, a sociedade
pulsava na instantaneidade e na ubiquidade da instância da imagem ao vivo (BUCCI, 2016,
p.84)”. Para ele, a falta de sintonia entre as duas temporalidades “não é apenas um efeito, mas
causa do acirramento dos protestos” e ainda a “letargia administrativa e a opacidade do
Estado (...) parece indiferente, insensível e, mais grave ainda, não ser público” (BUCCI, 2016,
p.86). A partir deste contexto, o jornalista faz uma observação quanto ao posicionamento a ser
incorporado pelo Estado frente a demandas da esfera pública em âmbito global.
Mais do que ajustes nas fórmulas de representação partidária ou de
financiamento dos partidos, o que o Estado (não apenas brasileiro) requer
(para servir à sua respectiva sociedade) é uma atualização de seus trâmites
em vários níveis, à luz dos novos padrões tecnológicos e das novas
dinâmicas sociais engendradas pelas novas dinâmicas da comunicação
social, onde repousa, em trânsito, a matéria inconfundível de que é feita a
esfera pública (...). É claro que se trata também de adotar processos menos
arrastados em todas as instâncias do Estado, mas se trata, principalmente, de
redesenhar a administração pública de acordo com modelos institucionais
novos, que estejam aptos a colher as demandas sociais e a entabular com
elas entendimentos ágeis e efetivos, em prazos justos e com consequências
eficazes (BUCCI, 2016, p.86-87).
Bucci (2016) observa que o Estado permaneceu surdo às reivindicações de 2013 e
entre 2014 e 2016 houve uma série de protestos. Neste período a Lava Jato tornou-se o centro
da política brasileira; e Dilma venceu as eleições em 2014 em disputa acirrada com Aécio
Neves (PSDB). As manifestações públicas que seguiriam em 2015 e 2016 ocorreram a partir
de um ambiente político de desencantamento e frustração. Diferentemente de 2013, os
93
protestos tinham alas claramente definidas. “O rio estava definitivamente bifurcado: de um
lado, no veio mais largo, ficavam os que queriam derrubar o governo federal (...). Do outro,
num córrego acanhado, fincavam pé os que defendiam o mandato de Dilma, ainda que com
restrições” (BUCCI, 2016, p.149). Assim, a presidente recebia críticas de todos os lados.
Os que defendiam a chefe de Estado organizavam atos públicos em que gritavam
“Fora Levy” – contra o ajuste fiscal e em pedido à saída do ministro da Fazenda, Joaquim
Levy. Entre esses estavam a Central Única dos Trabalhadores (CUT), a União Nacional dos
Estudantes (UNE), o Movimento dos Sem-Terra (MST). Do outro lado, estava à frente dos
protestos “uma multidão com um sotaque de direita, embora, (...) marcassem presença crítica
manifestantes de esquerda, descontentes com a corrupção no governo federal” (BUCCI, 2016,
p.150). O autor observa discursos conflituosos dos grupos pró e contra o governo, tomando
como referência os atos públicos que aconteceram nos 13 e 15 de março de 2015 por essas
duas alas da sociedade. Dilma teria sua imagem enfraquecida em quaisquer circunstâncias.
No dia 13, as pessoas tentavam dizer que, para o Brasil mudar, era preciso
que o governo ficasse. No dia 15, as pessoas tentavam dizer que era preciso
tirar o governo para que as coisas continuassem como sempre foram. Se não
iguais, quase iguais. Era preciso tirar os ladrões de Brasília. Essa seria a
única mudança. Dilma perdia – perdia muito – dos dois lados. Perdia com
as duas fórmulas. Os que diziam apoiar seu governo queriam quebrar a
coluna vertebral de seu governo: a política econômica. Os que diziam
querer derrubar seu governo queriam manter a política econômica que ela
tentou implementar, mas não conseguiu de jeito nenhum.E Dilma tinha,
ainda por cima, o problema dos ladrões (BUCCI, 2016, p.151).
Com um contexto social e institucional que gradativamente tornou-se inóspito, Dilma
foi perdendo cada vez mais apoio e em diversas frentes da esfera pública como já relatado
neste capítulo. Daí para o impeachment foi um pulo: bastou um motivo para oficializar o
afastamento da presidente e decretar de vez o fim de quase 14 anos de hegemonia do Partido
dos Trabalhadores à frente das decisões econômicas e políticas do país. Assim, “as pedaladas
fiscais e os decretos orçamentários terminaram sendo a base formal para que o afastamento de
uma presidente altamente impopular fosse efetivado, tal como o Fiat Elba para Fernando
Collor vinte e quatro anos antes” (VILLAVERDE, 2016, p.15).
O motivo formal que selou a queda da presidente descende de medidas aplicadas a
conta gotas pelo governo, o que reforça nossa tese de que o impeachment foi um movimento
gradual. Segundo Villaverde (2016) a estratégia fez parte de uma série de ações de manobras
contábeis aplicadas nas contas públicas federais para esconder a piora dos indicadores fiscais
brasileiros aplicadas desde o final de 2012 e chegando ao seu limite no ano eleitoral de 2014.
94
“Foi quando a estratégia deixou de ser uma aposta de política econômica e passou a se testar
os limites legais” (VILLAVERDE, 2016, p.59). Lembramos que a escolha do governo Dilma
por esse tipo de “manobra” não foi um privilégio seu. Outros chefes de Estado tinham usado o
mesmo expediente – em outro contexto social, político e histórico – e passaram incólumes de
questionamentos sobre gestão das finanças públicas e responsabilidade fiscal.
3.1.2. Um relato: das manobras das contas públicas às “pedaladas fiscais”
Um dos motivos que sentenciou a queda definitiva do governo Dilma em 31 de agosto
de 2016, com o impeachment pelo Congresso Nacional, foi a acusação de manipular o
orçamento federal, com ações envolvendo o Tesouro Nacional e o Ministério da Fazenda.
Porém, as “pedaladas fiscais”, como ficou conhecida essa prática de “manipulação”, foi uma
estratégia adotada pela equipe do alto escalão com ciência de que as manobras praticadas
eram ilegais. No entanto, o expediente adotado pela gestora do Executivo já havia sido
utilizado por outros presidentes no passado – Itamar Franco, Fernando Henrique Cardoso e
Lula, por exemplo, recorreram aos mesmos artifícios, mesmo que em proporções diferentes.
O assunto é complexo demais e, certamente, será tratado por outros pesquisadores. Por
essa razão, não mergulharemos no debate da questão legal do tema que levou ao afastamento
da presidente Dilma em comparação aos seus antecessores. O objetivo aqui é apenas fazer um
breve relato sobre o que foram as “pedaladas fiscais”, seus principais protagonistas e
motivações. Tais elementos podem ter sido utilizados nos discursos dos grupos das redes
sociais aqui estudados nas ações de articulação e engajamento social nos ambientes virtuais,
particularmente o Facebook.
O jornalista João Villaverde (2016) narra os bastidores da crise que levou ao fim o
governo Dilma Rousseff sob a ótica das manobras nas contas públicas, ou seja, das
“pedaladas fiscais”. Segundo ele, o tema teria sido abordado de forma técnica na 110ª reunião
do conselho curador do FGTS, em maio de 2009, entre outros assuntos. Naquela ocasião, a
Procuradoria Geral da Fazenda Nacional (PGFN) teria afirmado ao “Tesouro Nacional de
Arno Augustin e Marcus Aucélio que se a Caixa concedesse adiantamentos ao Tesouro estaria
consumida uma infração da Lei de Responsabilidade Fiscal” (VILLAVERDE, 2016, p.27).
O autor analisa ainda que as medidas da nova matriz macroeconômica tiveram um
“custo real” que não “deveria aparecer nas contas públicas”. Assim, se dá a série de manobras
contábeis: uma prática sigilosa do governo Dilma. O balão de ensaio seria a reforma no setor
elétrico para baratear o preço da eletricidade.
95
O balão de ensaio dessas manobras se deu na maior das intervenções do
governo Dilma Rousseff: a mudança de regras no setor elétrico para gerar
uma forte redução na conta de luz. As manobras contábeis atingiram outro
patamar por causa da complexidade do setor e da intricada relação entre o
Tesouro Nacional, a estatal Eletrobras, as diversas companhias federais,
estaduais e privadas no ramo de distribuição de energia e os grandes
contratos de construção e exploração de usinas hidrelétricas (...). Acender
uma lâmpada no Brasil passou a ter um custo secreto – e devido ao aumento
do endividamento público decorrente dessa medida, um preço final total que
continuará a ser pago pelos brasileiros nos próximos anos (VILLAVERDE,
2016, p.59).
Outro setor de autoridade da política econômica que configura entre os protagonistas
da crise das “pedaladas fiscais” é o Banco Central. Villaverde (2016, p.80) considera maio de
2014 “como o momento em que a crise fiscal brasileira ficou flagrante”. Até então, o governo
conseguia apresentar superávits fiscais mensais15
, porém, naquele mês o déficit fiscal primário
foi de R$ 11 bilhões – o pior já registrado na série histórica do BC desde 1996. Aquele seria o
primeiro de muitos que se repetiriam e se estenderiam por mais dois anos.
O autor relata também outro fato estranho não comentado pelo Tesouro e Banco
Central quando da divulgação dos dados fiscais: o enigma de R$ 4 bilhões em uma conta
separada de uma instituição financeira privada nacional. O BC incorporou o dinheiro no
resultado fiscal; não fosse isso o superávit seria de R$ 15 milhões. O cerne da questão é que
os recursos eram referentes à Previdência Social e não foram contabilizados pelo Banco
Central porque o banco privado tinha feito uma alteração no seu registro contábil.
A alteração tinha sido feita no mês de fevereiro e somente em maio é que o
Banco Central identificou o problema (...). Na reunião entre técnicos do
Tesouro e do Banco Central realizada em junho, dias antes da divulgação
oficial dos dados referentes a maio, ficou entendido que ao menos aquele
episódio não estaria diretamente ligado aos problemas que estavam
ocorrendo entre o Tesouro e os bancos no repasse de recursos públicos.
Esses problemas, pouco depois, seriam identificados: eram “as pedaladas
fiscais” (VILLAVERDE, 2016, p.82-83).
15
Superávit primário é o resultado positivo de todas as receitas e despesas do governo, excetuando gastos com
pagamento de juros. O déficit primário ocorre quando esse resultado é negativo. Ambos constituem o "resultado
primário". O resultado primário é importante porque indica, segundo o Banco Central, a consistência entre as
metas de política macroeconômicas e a sustentabilidade da dívida, ou seja, da capacidade do governo de honrar
seus compromissos. A formação de superávit primário serve para garantir recursos para pagar os juros da dívida
pública e reduzir o endividamento do governo no médio e longo prazos. Em 2014, o resultado primário foi
negativo pela primeira vez desde que o Banco Central começou computar dados do setor público, que inclui
governos federal, estaduais, municipais e empresas estatais, em 2001. O déficit foi de R$ 32,5 bilhões em 2014.
Em 2013, houve um superávit de R$ 91,3 bilhões (SUPERÁVIT..., Portal Senado Federal, s.d). Disponível em:
< https://www12.senado.leg.br/noticias/entenda-o-assunto/superavit>. Acesso em: 27 maio 2018.
96
Villaverde (2016, p.89-90) observa que a partir do episódio dos R$ 4 bilhões teve
início um processo “frenético de investigação sobre as contas públicas” e que aquele dinheiro
poderia ter relação com as “pedaladas fiscais” do Tesouro com as instituições financeiras. O
que se entendida por “pedalada” até aquele momento era a manobra de o governo lançar
pagamentos nos dias finais de cada ano, aproveitando-se do feriado bancário para que o
dinheiro saísse dos cofres federais em janeiro do ano seguinte. Esta seria uma maneira de
burlar a inscrição de “restos a pagar” uma vez por ano.
Já as “pedaladas fiscais”, como a operação ficou conhecida, envolvia o atraso
sistemático de repasse de recursos federais a bancos controlados pelo governo, os quais
passaram a usar dinheiro do próprio caixa para continuar oferecendo os benefícios públicos. A
adoção da “pedalada fiscal” foi uma saída escolhida pelo Tesouro Nacional para evitar o
aumento da dívida pública e a piora dos resultados fiscais do governo em consequência da
chamada “nova matriz macroeconômica”, conforme contextualiza Villaverde:
O governo abrira mão de quase R$ 25 bilhões por ano em arrecadação com
a desoneração da folha de pagamentos (...) e o plano de reduzir a conta de
luz custaria quase R$ 20 bilhões em gastos novos do Tesouro. Além disso, a
arrecadação caía mês a mês com a desaceleração da economia. A equipe
econômica decidiu, então, que não poderia ser exposto à sociedade nenhum
dos problemas evidentes nas contas públicas que decorreriam de mudanças
externas e também das escolhas políticas do governo de conceder
desonerações e aumentar gastos. A decisão era clara: as contas públicas não
poderiam desmentir os discursos otimistas do ministro da Fazenda, Guido
Mantega, do secretário do Tesouro Nacional e da própria presidente da
República (...). A principal saída escolhida pelo Tesouro Nacional foi a
adoção da “pedalada fiscal” (VILLAVERDE, 2016, p.102).
Ocorre, então, que a manobra da chamada “pedalada fiscal” passou a ser uma prática
continuada do governo Dilma. A estratégia envolveu as principais autoridades federais da
política econômica – Tesouro Nacional, Ministério da Fazenda, Banco Central, Caixa
Econômica Federal, Banco do Brasil, BNDES e Advocacia-Geral da União (AGU). Também
entrou neste enredo o Tribunal de Contas da União (TCU). O resultado final: “uma conta total
de quase 72 bilhões de reais em ‘pedaladas fiscais’ e um processo de impeachment da
presidente da República no Congresso Nacional” (VILLAVERDE, 2016, p.93) por infringir a
Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).
(...) os atrasos do Tesouro no repasse de recursos obrigatórios a instituições
financeiras controladas pelo próprio governo constituíram uma operação de
crédito e, assim, violaram o artigo 36 da Lei de Responsabilidade Fiscal. O
artigo veda que uma instituição financeira pública conceda empréstimos ao
próprio controlador, e foi isso que, segundo Oliveira [Júlio Marcelo de
Oliveira, procurador do Ministério Público de Contas (MPC)], aconteceu
97
com as pedaladas. Sem os recursos do Tesouro, os bancos foram forçados a
continuar operando suas obrigações com recursos próprios, gerando uma
dívida com o governo, que seria paga em algum momento do futuro, com
correção por juros (VILLAVERDE, 2016, p.177).
Embora a defesa de Dilma Rousseff tivesse se apoiado no discurso de que prática
identica àquela condenada pelo TCU tinha sido adotada no passado por outros presidentes – e
foi, ainda que em menor proporção – o argumento não foi suficientemente forte, tão pouco
convincente, para mantê-la no cargo. Na avaliação de Villaverde (2016, p.212), antes mesmo
de o parecer final do TCU, já havia a compreensão na oposição e nos movimentos contrários a
chefe de Estado de que a rejeição das contas de 2014 era o caminho para se chegar ao
impeachment. De fato, este foi um dos motivos formais que a afastou definitivamente da
presidência da República em 31 de agosto de 2016.
Pelos autores consultados, notamos que eles convergem para um mesmo ponto: que o
impeachment de Dilma foi uma consequência de fatores para além do plano imediato. As
ações da presidente desde o seu primeiro governo, sobretudo a partir da implementação da
nova matriz econômica (SINGER, 2015; VILLAVERDE, 2016), a falta de percepção do
governo com relação às demandas da sociedade que eclodiram nas ruas a partir de 2013
(BUCCI, 2016), a perda de apoio em diversos segmentos da sociedade, especialmente depois
de uma reeleição apertada, com promessas de campanha não cumpridas (SINGER, 2015;
BUCCI, 2016; VILLAVERDE, 2016), entre outros fatores do contexto social e institucional
apresentados ao longo desta dissertação. Assim, o processo de impeachment, ancorado nas
pedaladas fiscais e nos decretos orçamentários, nada mais foi que a base formal para tirar
Dilma Rousseff do Palácio do Planalto.
Na medida em que recapitulamos, mesmo que sucintamente, a trajetória dos governos
Dilma Rousseff (2011-2016), ampliamos nosso repertório para analisar mais assertivamente
as estratégias de comunicação dos grupos das redes sociais on-line no que diz respeito ao
engajamento e à participação popular pelo Facebook. A seguir, passaremos à análise dos
convites virtuais de eventos e das interações dos seguidores em suas fanpages.
3.2. A construção e desconstrução de Dilma e seu governo pelos grupos nas
redes sociais on-line
Esta parte da pesquisa visa a apresentar a “construção e desconstrução” de Dilma e seu
governo por meio das estratégias de comunicação dos grupos que atuaram a favor e contra o
98
impeachment nas redes sociais, particularmente pelo Facebook, para engajar seguidores a
comparecerem em eventos articulados nos ambientes off-line. O período de estudo é de 1º de
março a 31 de agosto de 2016, ou seja, do mês do principal ato público contra o governo – em
13 de março – até a votação do impeachment no Senado, com a decisão do Parlamento pela
saída da presidente da República, naquele ano.
Com base em “concepções teóricas da abordagem, articulando-se com a teoria, com a
realidade empírica e com os pensamentos sobre a realidade” (MINAYO, 2009, p.15),
buscamos compreender as grandes manifestações públicas em tempo de redes sociais digitais.
Dessa forma, o objeto empírico deste estudo foi um recorte das publicações dos grupos
Movimento Brasil Livre (MBL) e Vem pra Rua (a favor do impeachment); e Frentes Brasil
Popular e Povo Sem Medo (contra o impeachment), em suas fanpages.
Adotamos a análise de conteúdo como proposta metodológica, segundo as orientações
de Bardin (2011), para observar 89 convites virtuais de eventos sobre atos públicos e a
interação dos seguidores nas fanpages dos grupos mencionados a partir da divulgação destas
atividades nos ambientes on-line. Através dos dados encontrados e tratados, buscamos
identificar as estratégias de comunicação adotadas com foco no engajamento e na participação
popular no processo de impeachment de Dilma Rousseff. A pesquisa consistiu em análise
quantitativa e qualitativa e o estudo exploratório do material coletado.
As publicações foram organizadas a partir das datas e chamadas das postagens
conforme já mencionamos. Analisamos o material com base nas seguintes categorias: 1)
participação, 2) ação/mensagem, 3) argumento, 4) protagonistas e 5) símbolos identitários16
.
Para avaliarmos a interação nas fanpages, criamos a categoria 6) repercussão, por meio da
qual observamos os likes e o teor dos comentários dos seguidores nas redes sociais on-line.
No quadro a seguir, descrevemos como realizamos a análise por categoria:
16
O termo "símbolos identitários" foi definido neste trabalho a partir da visão crítica de Hobsbawm (1997, p.9)
sobre o conceito de tradição inventada. Para ele, trata-se de "um conjunto de práticas, normalmente reguladas
por regras tácita ou abertamente aceitas; tais práticas, de natureza ritual ou simbólica, visam inculcar certos
valores e normas de comportamento através da repetição, o que implica, automaticamente, uma continuidade em
relação ao passado. Aliás, sempre que possível, tenta-se estabelecer continuidade com um passado histórico
apropriado".
99
QUADRO 3 – Análise dos convites virtuais por categoria
(Descrição e tratamento do material)
Período de 1º Março a 31 de Agosto de 2016
Categoria Descrição e tratamento do material
1. Participação Classificados os números de convidados, comparecimentos e interessados
ao evento. Porém, a análise considerou apenas o item “compareceram”, que
mensura a participação/presença no evento.
2. Ação/Mensagem Considerada a informação primária da publicação/convite (imagens de foto,
desenho, logomarca e texto), ou seja, o post propriamente dito, sendo
descartado o conteúdo do detalhe do evento.
3. Argumento Analisadas todas as informações do convite (imagens de foto, desenho e
texto) e conteúdo complementar presente no "detalhe" da publicação.
4. Protagonistas Relacionados os atores sociais presentes no convite, considerando-se a
informação primária (post) e complementar (detalhe do enunciado).
5. Símbolos identitários Considerados todos os elementos do convite (informação primária e detalhe
do enunciado) como foto, desenho, logomarca e texto.
6. Repercussão Analisada a publicação a partir da interação e do relacionamento do
seguidor na rede social com os envolvidos (grupo e/ou outros seguidores).
A partir de likes e comentários – elementos que indicam interação –
realizou-se pesquisa exploratória sob os seguintes aspectos: a) interação nas
fanpages do grupo com os seguidores e dos seguidores com o grupo e/ou
entre eles; e b) posicionamento a partir da “conversa” no Facebook. Se o
seguidor “concorda” ou “discorda” da publicação, e se teor do
posicionamento expresso pelo seguidor foi “ofensivo” ou “não ofensivo”.
A partir deste critério, a análise foi organizada em duas etapas. A primeira consistiu na
síntese de apontamentos gerais e relevantes acerca de cada grupo, com base na divisão das
categorias mencionadas. Na segunda, foram selecionados os eventos de maior destaque para
uma interpretação mais aprofundada e pontual a partir desta mesma plataforma de estudo.
Também foram observadas as diferenças, particularidades e semelhanças dos grupos quanto
às estratégias de comunicação em suas fanpages. Percorridas tais etapas, concluímos os três
“polos cronológicos”17
de organização do estudo, bem como a decodificação dos dados
empíricos (BARDIN, 2011).
3.2.1. Um panorama sobre os convites “virtuais” dos grupos do impeachment
Uma das funcionalidades proporcionadas pelo Facebook é organizar e articular
eventos por meio da rede social. Na medida em que se conectam e se relacionam nos
ambientes virtuais, as pessoas se apropriam de facilidades e recursos tecnológicos da
contemporaneidade, possíveis graças à disseminação da internet em escala global. “As redes
17
A análise de conteúdo deste trabalho foi realizada com base no conceito de Bardin (2011, p.121) no que
concerne a organização do estudo. Segundo a autora, a pesquisa perpassa por três “polos cronológicos”: a pré-
análise; a exploração do material; e o tratamento dos resultados, a inferência e a interpretação.
100
têm vantagens extraordinárias como ferramentas de organização em virtude de sua
flexibilidade e adaptabilidade inerentes” (CASTELLS, 2003, p.7).
Notamos quão usada foi a tecnologia no processo de impeachment de Dilma Rousseff
ao longo de 2016. Um extrato deste cenário foram as ações e os eventos organizados e
articulados nas redes sociais on-line pelos grupos MBL, Vem pra Rua, e Frentes Povo Sem
Medo e Brasil Popular. Juntos, eles publicaram 89 convites virtuais em suas fanpages para
engajar a sociedade a participar de atos pró e contra o impeachment. As atividades foram bem
variadas, desde encontros e plenárias temáticas regionais a grandes mobilizações nacionais. A
seguir, apresentamos um compilado da análise do material coletado de cada grupo.
QUADRO 4 – Raio-X dos convites do Facebook
(Uma síntese das ações dos grupos pró e contra o impeachment)
Período de 1º Março a 31 de Agosto de 2016
Grupo Mapeamento dos convites virtuais
1. MBL - 14 postagens e oito eventos;
- Duas ações em parceria com o Vem pra Rua em atividades nacionais;
- Uso frequente das cores da bandeira nacional (verde e amarela);
- Apelo à sociedade para participação em atos "cívicos";
- Ações regionais e nacionais;
- Principais protagonistas de ataque (Dilma, Lula e PT) e de apoio (povo
brasileiro e MBL);
- Personalidades da esfera pública, faixas, bandeiras, logomarcas e multidão
de pessoas são símbolos identitários recorrentes nos convites virtuais;
- Os eventos dos dias 13/3 e 17/4 tiveram grande repercussão na rede virtual
e participação do público nos ambientes off-line; nestes casos, houve
interação social e posicionamento divergente, por vezes ofensivo, entre
seguidores, a partir das publicações dos convites;
- O impeachment de Dilma foi o tema central das postagens.
2. Vem pra Rua - 4 postagens para a mesma quantidade de eventos organizados;
- Duas ações em parceria com o MBL de abrangência nacional;
- Uso frequente das cores da bandeira nacional (verde e amarela);
- Apelo à sociedade para participação em atos "cívicos";
- Eventos de mobilização exclusivamente de porte nacional;
- Principais protagonistas de ataque (Dilma e parlamentares responsáveis
pela votação do impeachment), e de apoio (povo brasileiro e Vem pra Rua);
- População em massa e identidade visual do Vem pra Rua são principais
símbolos identitários;
- Todas as atividades organizadas na rede repercutiram entre os seguidores.
As ações de maior relevância foram do dia 13/3, em que 402 mil pessoas
compareceram ao ato, segundo levantamento na fanpage; e do dia 17/4, com
notória aderência de seguidores observada em mais de 100 comentários e
656 likes registrados na publicação do convite para o evento. Neste caso,
notou-se que a maioria dos internautas se coloca a favor do ato, porém, há
divergência de opiniões, por vezes ofensivas;
- Manifestações públicas e impeachment são temas centrais dos convites.
3. Povo Sem Medo - 20 postagens e 18 eventos;
- Nove ações regionais e nacionais em parceria com a Frente Brasil Popular,
além de outras entidades de classe e movimentos sociais;
101
- Uso frequente das cores roxa e laranja, em referência à identidade visual
do grupo;
- Apelo à sociedade para participação em ato “cívico” de resistência e luta
contra o golpe e pela garantia de direitos;
- Explícita corrente política (esquerda) e apoio a Dilma com ressalvas e
críticas e à sua gestão;
- Eventos nacionais e regionais, sobretudo em São Paulo e Rio de Janeiro,
diversos como debates, assembleias e mobilizações em massa;
- Principais protagonistas de ataque (Temer, Sergio Moro, Eduardo Cunha e
Rede Globo) e de apoio (Dilma, Lula, PT, Povo Sem Medo e Frente Brasil
Popular);
- Personalidades públicas, multidão de pessoas, faixas, cartazes, logomarcas
são símbolos identitários recorrentes nos convites virtuais;
- Baixa interação na fanpage por evento. Nenhuma atividade ultrapassou
100 likes, o que refletiu em proporção similar quanto aos comentários. Os
convites virtuais para atos nacionais tiveram repercussão maior na rede
social, com destaque para 24/3; 1º/5, 12 e 13/5; 10/6 e 31/7. Quando notada
divergência de opinião, houve troca de ofensas entre os internautas;
- Temer é o principal tema das postagens dos convites virtuais.
4. Frente Brasil Popular - 50 postagens para 20 eventos, das quais 26 referem-se a um único evento
(Dia Nacional de Mobilização – Fora Temer, em 10/6).
- Nove ações regionais e nacionais em parceria com a Frente Povo Sem
Medo, além de outras entidades de classe e movimentos sociais;
- Uso de cores roxa e laranja, em convites especialmente em parceria com a
Frente Povo Sem Medo, e também verde e amarela, com certa frequência. A
cor vermelha também aparece nos convites virtuais.
- Apelo à sociedade para participação em atos “cívicos” para lutar pela
democracia e contra o golpe;
- Explícita corrente política (esquerda) e apoio a Dilma com ressalvas e
críticas e à sua gestão;
- Eventos regionais e nacionais diversos, como assembleias, plenárias,
debates e mobilizações em massa;
- Principais protagonistas de ataque, sobretudo Temer e outros (Eduardo
Cunha e Rede Globo); e de apoio (movimentos sociais e Dilma);
- Personalidades públicas, multidão de pessoas, faixas, cartazes, logomarcas
são símbolos identitários recorrentes nos convites virtuais;
- Baixa interação na fanpage, com poucos likes e comentários, algumas
vezes nenhum. A adesão em parte dos eventos foi mais representativa nos
ambientes off-line (18 e 31/3; 17/4, 10/6, e 29/8), pelo levantamento no
Facebook. O Dia Nacional de Mobilização – Fora Temer, em 10/6,
destacou-se como uma das principais ações na rede social do grupo;
- Temer é o principal tema das postagens dos convites virtuais.
Pelo quadro geral apresentado, notou-se que, embora tenham articulado menos ações
nas redes, os grupos favoráveis ao impeachment – MBL e Vem pra Rua – tiveram maior
adesão de seguidores aos seus eventos, em detrimento às atividades organizadas pelas Frentes
Povo Sem Medo e Brasil Popular. A ala que atuou pelo impeachment da presidente Dilma
Rousseff organizou, no total, 18 ações, sendo duas delas em parceria. Do outro lado,
contabilizamos 38 eventos nacionais e regionais, dos quais nove realizados conjuntamente
pelas duas frentes integradas por movimentos sociais de todo o país.
Observamos que não se trata simplesmente de eficiência de estratégia de comunicação
em prol do engajamento e participação social. Pelos autores estudados neste capítulo (Singer,
102
2015; Bucci, 2016; e Villaverde, 2016) e em outros momentos desta dissertação, o cenário
social e institucional inicial, ou seja, o contexto histórico e político, era desfavorável à chefe
de Estado que, gradativamente, foi perdendo aliados em diferentes segmentos da sociedade e
meio político ao longo de seus governos.
Relembremos que para Singer (2015) o declínio começa já no primeiro mandato, a
partir da implementação da “nova matriz econômica”, fortemente voltada para o “ativismo
estatal” com base na reindustrialização. Bucci (2016) aponta a influência das medidas
econômicas do governo e seu reflexo no comportamento da sociedade.
Quando se pensa que o estopim dos protestos de 2013 foi uma tentativa de
aumento de vinte centavos no preço da passagem dos ônibus urbanos, a
escola macroeconômica seguida por Dilma a partir de 2015 foi mais que um
anticlímax. Parceria mesmo um escárnio. E foi nesse ambiente político, de
desencantamento e frustração, que as manifestações de rua, depois da
grande eclosão em junho de 2013, prosseguiram em 2015 e 2016 (BUCCI,
2016, p.147).
Villaverde (2016, p. 232-233) relata também uma série de acontecimentos políticos
pouco mais de um mês antes da votação na Câmara, em 17 de abril de 2016, pela abertura do
processo de impeachment: a condução coercitiva do ex-presidente Lula pela Polícia Federal
para colher depoimento na investigação da Operação Lava Jato; nomeação do ex-presidente
para ministro-chefe da Casa Civil e a divulgação autorizada pelo juiz Sergio Moro do áudio
de conversas entre Lula e Dilma sobre o caso – como veremos no capítulo seguinte – e o
rompimento formal de Temer e do PMDB com o governo.
Diante disso, os eventos dos grupos articulados nas redes sociais refletem um contexto
social e institucional conturbado no que tange ao cenário político e econômico. O governo
Dilma se vê fragilizado. As críticas à sua administração se tornaram públicas e frequentes
inclusive por movimentos contrários ao impeachment, como vimos na análise dos convites
virtuais. Daí em diante o caminho para a sociedade – nos seus mais diferentes segmentos –
reverberar sua insatisfação e descontentamento nas ruas foi curto. Assim, os grupos pró-
impeachment encontraram nas redes sociais um ambiente confortável e amigável para
disseminar seu discurso pelo afastamento da presidente, ganhando força no decorrer de 2016.
Notamos que os protagonistas dos convites virtuais são personalidades públicas
envolvidas em situações e/ou acontecimentos de conhecimento geral. Se Dilma, Lula e o PT
foram alvos de críticas nas postagens dos grupos MBL e Vem pra Rua; por outro lado, Temer,
Eduardo Cunha e até a grande imprensa, incorporada pela Rede Globo, receberam ataques por
meio dos posts que circularam nas fanpages das Frentes Povo Sem Medo e Brasil Popular.
103
Os grupos usaram as ferramentas tecnológicas para produzir e disseminar os convites
nos ambientes on-line, utilizando fotos, desenhos, logomarcas e muita arte gráfica de modo
que pudessem ser identificados perante o público seguidor. O povo (brasileiro) em diferentes
situações foi um forte elemento comum nas postagens dos quatro grupos analisados e ganhou
a cena como principal protagonista. De modo geral, o intuito era que a sociedade se sentisse
representada pelos movimentos e fosse às ruas em defesa das mesmas causas.
Se concebermos os perfis no Facebook dos grupos MBL, Vem pra Rua, Povo Sem
Medo e Frente Brasil Popular segundo Recuero (2011), estes são atores representados por nós
ou nodos da rede, cujas conexões são constituídas de laços sociais, por sua vez formados da
interação social. Para a autora, estudar a interação social é estudar a comunicação entre os
atores. Na relação estabelecida dos quatro grupos analisados com seus seguidores, notamos a
configuração de laços sociais fracos por se tratarem de “relações esparsas, que não traduzem
proximidade e intimidade” (RECUERO, 2011). Não houve interação dos grupos com os
internautas que acompanharam seus perfis na rede social, exceto por um like da Banda Loka,
ligada ao MBL de Porto Alegre (RS), em referência a um comentário na fanpage do grupo.
As interações nos perfis dos grupos foram exclusivamente entre seguidores.
3.2.2. Particularidades das publicações dos principais eventos dos grupos na rede
Na análise dos 89 convites, que compreendem as ações e atividades articuladas pelos
grupos pró e contra o impeachment no Facebook, notamos certas particularidades na recepção
das mensagens pelos seguidores. Foram selecionadas as publicações dos principais eventos,
com base na participação dos seguidores nos ambientes off-line e relevante repercussão nas
fanpages conforme a quantidade de likes e/ou de comentários nos perfis analisados. No caso
dos comentários, levou-se em consideração também o teor das mensagens com vistas à
mensuração qualitativa de cada conteúdo.
As análises relacionadas às publicações do MBL e Vem pra Rua tiveram como
referência os dias 13 de março e 17 de abril de 2016, respectivamente, a maior manifestação
pública já vista na história do Brasil com aproximadamente 3,6 milhões de pessoas nas ruas
gritando “Fora Dilma” em 337 cidades do território nacional, segundo a polícia militar; e a
votação na Câmara dos Deputados pelo processo de impeachment de Dilma Rousseff (MAPA
das manifestações no Brasil, Portal G1, s.d., s.p.).
Os convites analisados da Frente Povo Sem Medo são das atividades de 24 de março,
poucos dias após o pedido de impeachment ganhar notoriedade no país; 12 e 13 de maio,
104
referente à primeira grande mobilização contra Temer, em atos regionais em São Paulo e Rio
de Janeiro; 10 de junho, em alusão ao Fora Temer – Dia Nacional de Mobilização; e por fim,
31 de julho, pelo ato nacional contra do governo do presidente interino. Da Frente Brasil
Popular, os principais eventos analisados com base na repercussão no perfil do Facebook
foram os de 18 e 31 de março, com apelo para participação da sociedade em atos nacionais
em “defesa da democracia”; 10 de junho, evento nacional organizado em parceria com Frente
Povo Sem Medo; e 29 de agosto, votação do processo de impeachment contra Dilma no
Senado. As análises foram feitas a partir do critério de categorização mencionado no trabalho.
3.2.2.1 Dilma Rousseff na mira do MBL e Vem pra Rua
Em parceria, o MBL e o Vem pra Rua divulgaram convites virtuais em suas fanpages
para instigar a sociedade a participar de manifestações públicas em 13 de março e 17 de abril
de 2016. A seguir, descrevemos os principais apontamentos conforme a divisão de categorias
definidas para a análise: 1) participação, 2) ação/mensagem, 3) argumento, 4) protagonistas,
5) símbolos identitários e 6) repercussão. Ao final, inserimos alguns posts analisados.
QUADRO 5 – Análise dos convites por categoria – MBL
(Descrição e tratamento do material)
13 de março de 2016
Síntese da divulgação: O MBL publicou três convites virtuais: dois regionais (Mossoró-AL e Porto Alegre-
RS) e um nacional. Todos apresentam a mesma diretriz de convocação do povo brasileiro para ir às ruas pelo
impeachment de Dilma Rousseff contra a corrupção, fraude fiscal e promessas de campanha não cumpridas.
Categoria Descrição e tratamento do material
1. Participação Quase 31 mil seguidores compareceram aos eventos, segundo o Facebook.
2. Ação/Mensagem - Ou você vai ou ela fica; 13 de março megamanifestação;
- 13 de março - Todos às ruas, impeachment já!
3. Argumento O Brasil não aguenta mais tanta corrupção, fraude e incompetência e exige
“Fora, Dilma!”. As razões para o impeachment são: 1) Corrupção; 2) Crise;
3) Apoio a ditaduras como Cuba e Venezuela; 4) Estelionato eleitoral com
promessas de campanha não cumpridas; 5) Fraude fiscal, com crime de
Responsabilidade Fiscal.
4. Protagonistas 1) Povo/multidão de brasileiros; 2) MBL; 3) Vem pra Rua; 4) Dilma; 5) PT;
6) Governos ditatoriais Cuba e Venezuela.
5. Símbolos identitários 1) Manifestação pública; 2) Pessoas vestidas de verde e amarelo (cores da
nação); 3) Bandeira do Brasil; 4) Faixa contra o PT; 5) Logomarcas MBL e
Vem pra Rua.
6. Repercussão Poucos likes e comentários. Repercussão entre seguidores e de apoio à
manifestação nacional. Uma menção ofensiva ao governo Dilma. Exemplos:
- “Agora peguei raiva. Vi um vídeo de petistas queimando a bandeira do
Brasil. Vamos pra rua!! BASTA!!”;
- “Desgraçados” (resposta de seguidor);
- Postagem de vídeo do youtube: “Olê, olê, vamos pra rua”;
- “Maravilha. Juntos venceremos” (resposta de seguidor).
105
7. Post
17 de abril de 2016
Síntese da divulgação: O MBL publicou três convites virtuais. O foco é a transmissão da votação da abertura
do processo de impeachment de Dilma com pessoas nas ruas, torcida, bandeira e todos vestidos de verde e
amarelo. Todos juntos por um país mais livre e melhor, e contra a corrupção.
Categoria Descrição e tratamento do material
1. Participação Mais de 30 mil seguidores compareceram aos eventos, segundo o Facebook.
2. Ação/Mensagem - A vitória está perto (17/4). Todos nas ruas pelo impeachment;
- Nas ruas para a votação do impeachment (17/4);
- Transmissão do impeachment; Dilma demitida;
- Ajuda financeira para trazer a Carreta Furacão para o impeachment.
3. Argumento Deputados representam eleitores que foram às ruas contra o governo mais
corrupto da história. MBL é o organizador do evento histórico: a votação do
processo de impeachment da presidente Dilma, com transmissão ao vivo.
Todos juntos por um Brasil mais livre, convide a família, vista verde e
amarelo e torça por um país melhor, e vá com sua bandeira. Em Porto
Alegre, houve apelo para financiar a ida da Banda Loka a Brasília.
4. Protagonistas 1) Povo/multidão de brasileiros; 2) MBL; 3) Dilma/governo; 4) Lula; 5)
Deputados; 6) Entidades de classes, como artistas e jornalistas; 7) Carreta
Furacão/Banda Loka.
5. Símbolos identitários 1) Foto de ato público e povo de mãos dadas; 2) Bandeira do Brasil; 3)
Logomarca MBL; 4) Boneco de Lula presidiário; 5) Deputados; 6) Dilma.
6. Repercussão Poucos likes. Há comentários com opiniões divergentes sobre o cenário
político e o impeachment. Discussão entre seguidores e ofensas. Exemplos:
- “Golpe nunca! Democracia Sempre! Lula 2018”;
- “Golpe é o que essa bandida tá fazendo...” (resposta de seguidor);
- “São ridículos”;
- “Vai estudar, querida!”
106
- “Chupaaaaaaa PT”.
- “Porque não pede impeachment do Temer também? Ele vai combater a
corrupção junto do Cunha. kkkkk Parabéns vamos nessa. Kkkkk.”
- “O idiotaaaaaa vc votou no Temer! (...). Se existir alguém competente, o
Brasil melhora... E a sua diva vai pra cadeia ou pro sanatório”.
7. Post
Alguns protagonistas se sobressaíram nos convites produzidos pelo MBL para instigar
a população brasileira para ir às ruas. Dilma desponta como a “vilã” pela crise política e
econômica. Elementos do contexto institucional, como a corrupção na política, crime de
responsabilidade fiscal, Lula preso em alusão às investigações da Lava Jato, estão presentes
nos enunciados. Também compõem o material os protagonistas que podem livrar o país da
calamidade: o MBL, e claro, o povo brasileiro. Juntos, eles conseguirão reverter o quadro, por
um Brasil “melhor e mais livre”. O apelo ao nacionalismo é visivelmente explorado: além do
tradicional verde e amarelo, a bandeira brasileira ganha destaque nos convites.
Notou-se a polaridade entre grupos – de esquerda e de tendência mais conversadora –,
ao observar o teor áspero da interação entre os seguidores, por vezes ofensivo. Percebe-se um
relacionamento distante entre os internautas, aliás, característico da sociabilidade da rede.
Esta é apropriada para a geração de “laços fracos múltiplos” e sua vantagem é que ela permite
a criação de laços fracos com desconhecidos, num modelo igualitário de interação, no qual as
características sociais são menos influentes na estruturação, ou mesmo no bloqueio, da
comunicação (CASTELLS, 1999, p.445).
107
QUADRO 6 – Análise dos convites por categoria – Vem pra Rua
(Descrição e tratamento do material)
13 de março de 2016
Síntese da divulgação: O Vem pra Rua publicou apenas um convite virtual deste evento. Foi o que mais
reverberou na rede entre os 89 analisados. Houve 2.600 likes, mais de 100 comentários e 402 mil seguidores
compareceram ao ato. A publicação é um apelo à participação da sociedade nas ruas em ato “cívico”. Os
protagonistas são o povo brasileiro e o Vem pra Rua. Ação em parceria com MBL.
Categoria Descrição e tratamento do material
1. Participação Mais de 402 mil seguidores compareceram ao evento, segundo o Facebook.
2. Ação/Mensagem - Megamanifestação em todo o país contra o governo Dilma.
3. Argumento Megamanifestação se faz com pessoas nas ruas. Assim, a população é
chamada/instigada a “ir pra rua”.
4. Protagonistas 1) Povo/multidão de brasileiros; 2) Vem pra Rua; 3) Dilma.
5. Símbolos identitários 1) Manifestação pública; 2) Site Vem pra Rua; 3) Pessoas vestidas de verde
e amarelo (cores da nação); 4) Faixa com menção a Dilma.
6. Repercussão 2.600 likes e mais de 100 comentários. Repercussão entre seguidores de
apoio à manifestação nacional e contra o governo Dilma. Há divergência de
opiniões e menções ofensivas. Exemplos:
- “Não vamos nos acovardar. Vamos pra rua dia 13 de março. Protestar de
forma pacífica!”
- “Domingo, às 15h, aterro da Praia de Iracema 13/03/16. Fora Dilma, Lula
e PT!!!”
- “Hoje tem água lá porque o PT levou” (seguidor responde)
- “Esse pulha não tem competência para tanto. Ele apenas assina sua carta
de culpa e Dilma leva o tiro de misericórdia. Pronto e acabou PT!” (réplica)
- “Vai sonhando. Seu pulha!” (tréplica)
- “Nunca um presidente ficou tão rico (...), como a família inteira e amigos
próximos a Luiz Inácio Lula da Silva. Corrupto, malfeitor e bandido.
Enquanto ele enriquece, nós ficamos mais pobres. Isso tem que acabar”.
- Como faço para comprar uma camiseta “Fora Dilma” e “Fora PT”?
- “No Mercado Livre tem. Acho que no MBL também” (seguidor responde).
7. Post
17 de abril de 2016
Síntese da divulgação: Publicação de apenas um convite virtual, com 656 likes e mais de 100 comentários. A
mensagem é que o Vem pra Rua vai acompanhar a transmissão da votação do impeachment nas ruas, e convida
toda a sociedade para fazer o mesmo. Ação em parceria com MBL.
Categoria Descrição e tratamento do material
1. Participação Mais de 2,8 mil seguidores compareceram ao evento, segundo o Facebook.
2. Ação/Mensagem - Vem pra Rua na votação do impeachment.
3. Argumento Em diversas cidades, o Vem pra Rua acompanhará nas ruas a votação do
impeachment na Câmara dos Deputados; convite à participação popular.
4. Protagonistas 1) Povo/multidão de brasileiros nas ruas; 2) Vem pra Rua.
108
5. Símbolos identitários 1) Manifestação pública; 2) Pessoas vestidas de verde e amarelo (cores da
nação); 3) Faixa verde amarelo.
6. Repercussão Um total de 656 likes e mais de 100 comentários. Repercussão entre
seguidores de apoio à manifestação nacional e críticas ao governo Dilma.
Há divergência de opiniões, por vezes ofensivas. Exemplos:
- “Temos que contribuir para um Brasil decente”
- “Hahahahahahahahaha foooora, débil!”
- “As pessoas precisam aprender a respeitar opinião dos outros”
- “Estarei lá de novo (...). Fora, Vadilma. Fora, Lulaladrão. Fora PT”
- “Estarei em Fortaleza de verde e amarelo!!”
- “Vamos expulsar essa facção criminosa do governo brasileiro, dia 17/04” -
“Somos todos Moro! Prisão para o bando petralha!”
7. Post
Observou-se que os convites virtuais publicados na fanpage do Vem pra Rua tiveram a
maior aderência entre os seguidores diante dos demais grupos, inclusive dos que atuaram
contra o impeachment. Embora a articulação e a organização dos eventos de 13 de março e 17
de abril, em 2016, tenham sido realizadas em parceria com o MBL, os internautas foram mais
assíduos à página do Vem pra Rua. No convite para o ato de 13 de março, constatamos que
houve 2.600 likes e mais de 100 comentários, com mais 402 mil seguidores presentes à
manifestação. Relevante interação também foi notada na ação de 17 de abril, com 656 likes e
mais de 100 comentários. Assim, avaliamos os argumentos do grupo para compreendermos a
significativa aderência aos seus convites. Ambos foram objetivos: o primeiro faz o apelo de
que “megamanifestação se faz nas ruas”, e o segundo diz que o grupo vai acompanhar “nas
ruas” a transmissão da votação do processo de impeachment de Dilma na Câmara. Os dois
instigam os brasileiros a participarem dos protestos contra o governo nas ruas.
Não nos parece que a explicação para a maior aderência da sociedade aos convites
virtuais do Vem pra Rua seja a eficácia da estratégia de comunicação para seus públicos de
interesse. Reiteremos que o impeachment de Dilma Rousseff não ocorreu de uma hora para
outra. Foram diversos os fatores que levaram ao declínio do governo. Assim como o MBL, o
Vem pra Rua encontrou terreno favorável para disseminar seu discurso contra um governo já
fragilizado e sob constantes críticas, sendo mais um ator da esfera pública a endossar seu
descontentamento em relação os rumos do país.
109
3.2.2.2 Frentes Povo Sem Medo e Brasil Popular: Michel Temer e o golpe
Os convites virtuais divulgados nas fanpages das Frentes Povo Sem Medo e Brasil
Popular têm como principal ator da esfera pública Michel Temer. Para os grupos ele teria sido
o principal articulador do “golpe” político, que afastou Dilma Rousseff da presidência da
República, em 2016. A seguir, descrevemos alguns apontamentos sobre as estratégias dos
grupos no Facebook referentes ao processo de impeachment. A análise foi feita conforme a
divisão de categorias: 1) participação, 2) ação/mensagem, 3) argumento, 4) protagonistas, 5)
símbolos identitários e 6) repercussão. Ao final, inserimos alguns posts analisados.
QUADRO 7 – Análise dos convites por categoria – Povo Sem Medo
(Descrição e tratamento do material)
24 de março de 2016
Síntese da divulgação: A publicação aborda que existe um complô contra Dilma encampado por setores da
sociedade e o pedido de impeachment é antidemocrático. Porém, critica as políticas econômicas do governo. A
esquerda é a saída para o Brasil. Com pouca interação na rede social, notamos comentários ofensivos quando as
opiniões são divergentes.
Categoria Descrição e tratamento do material
1. Participação Quase 6,4 mil seguidores compareceram ao evento, segundo o Facebook.
2. Ação/Mensagem - Grande ato em defesa da democracia; a saída é pela esquerda.
3. Argumento Setores da sociedade querem derrubar Dilma e prender Lula, passando por
cima de garantias constitucionais. O impeachment tem marcas corruptas e
antidemocráticas. A Lava Jato é instrumento de abuso e de seletividade. As
políticas do governo Dilma são indefensáveis. Diante deste cenário, a saída
para a crise é com o povo e pela esquerda.
4. Protagonistas 1) Dilma; 2) Lula; 3) Sergio Moro; 4) Eduardo Cunha; 4) Rede Globo; 5)
PT; 6) Correntes políticas de direita; 7) Povo Sem Medo; 8) Povo brasileiro.
5. Símbolos identitários 1) Manifestação pública; 2) Logomarca da Frente Povo Sem Medo; 3)
Logomarca da Rede Globo; 4) Balões vermelhos (sugere ato de esquerda).
6. Repercussão Poucos likes e comentários. Repercussão entre seguidores de apoio ao ato.
Há divergência de opiniões, por vezes ofensivas. Exemplos:
- “Nós, o povo, somos os verdadeiros guardiões da democracia! A imprensa
não é confiável! Por ela não se poderá decidir com a verdade”
- “A esquerda como único caminho isso é democracia?”
- “Bando de doentes mentais sem noção (...)”
- “Cresça mulher, se inspire na ética de Dilma!”
- “Não dá pra dialogar com burros (...)”
- “A senhora sofre de esquerdopatia”
7. Post
110
12 e 13 maio de 2016
Síntese da divulgação: Produção de um convite, adaptado para São Paulo e Rio de Janeiro. Primeira grande
mobilização contra o governo “golpista” de Michel Temer. Apelo é para a sociedade ir às ruas para resistir ao
“golpe”. Houve relevante interação na rede, com comentários de apoio e contra os atos, às vezes ofensivos.
Categoria Descrição e tratamento do material
1. Participação Quase 35 mil seguidores compareceram ao evento, segundo o Facebook.
2. Ação/Mensagem - Temer, Jamais! Resistir nas ruas por direitos.
3. Argumento Primeira grande mobilização contra o governo golpista de Michel Temer em
São Paulo (12/5) e no Rio de Janeiro (13/5). Instiga a sociedade a sair nas
ruas para resistir ao golpe, que representa repressão aos lutadores e
lutadoras e carta branca para ascensão de um ajuste econômico cruel para os
trabalhadores. Aborda a articulação política no parlamento.
4. Protagonistas 1) Temer; 2) Frente Povo Sem Medo (organizador); 3) Dilma Rousseff.
5. Símbolos identitários 1) Manifestante em luta e resistência/punho cerrado; 2) Logomarca Frente
Povo Sem Medo; 3) Queima de pneus como referência a protestos.
6. Repercussão Mais de 120 likes (os dois eventos). Repercussão entre seguidores de apoio
e crítica ao ato. Há divergência de opiniões, por vezes ofensivas. Exemplos:
- “Olhem essa imagem! Os mortadelas estão promovendo a violência, o
impedimento do direito de ir e vir, e o vandalismo”
- “Para você, queimar pneus nas ruas é vandalismo, e condenar a presidenta
do Brasil sem nenhum crime de responsabilidade contra ela, é o quê? (...)”
(seguidor responde)
- “Os ‘mortadela’?! Isso foi um adjetivo preconceituoso à classe
proletariada? Deus do céu...” (outra resposta)
- “Um processo de impeachment conduzido por um ladrão para fazer um
canalha e corrupto virar presidente. Isso não pode ficar assim. Paz sem voz,
não é paz”
- “Vamos pra guerra.... Eles não podem rasgar o voto de 54 milhões de
pessoas... Esse golpe de estado não passará impune”.
7. Post
10 de junho de 2016
Síntese da divulgação: Dia de Mobilização Nacional – Fora Temer em ato promovido em parceria com a
Frente Brasil Popular. Críticas à condução do governo em diversos setores. Apelo para todos irem às ruas
contra um governo ilegítimo. Pouca interação na rede social, com comentários de apoio ao evento.
Categoria Descrição e tratamento do material
1. Participação Quase 12 mil seguidores compareceram ao evento, segundo o Facebook.
2. Ação/Mensagem - Fora Temer! Não ao Golpe! Nenhum Direito a Menos! Ato no Masp, em
10 de junho. Protesto pelo pouco menos de um mês do governo interino de
Michel Temer.
- Fora Temer! Ato nacional. Não ao Golpe. Nenhum Direito a Menos.
3. Argumento Protestos pela atuação do governo: reforma da previdência, com arrocho nos
direitos dos trabalhadores, desvinculação do orçamento da educação e
saúde, suspensão de programas sociais como Minha Casa, Minha Vida,
Fies, Prouni e Pronatec, criminalização e perseguição dos movimentos
sociais. Governo taxado de ilegítimo. Daí, o convite para sair às ruas em ato
111
de resistência e luta por direitos no Dia Nacional de Mobilização.
4. Protagonistas 1) Povo/multidão; 2) Temer; 3) Povo Sem Medo; 4) Políticos como Aécio
Neves, Eduardo Cunha, Romero Jucá (chefes do golpe); 5) Dilma (vítima);
6) Frente Brasil Popular.
5. Símbolos identitários 1) Manifestantes em sinal de resistência e luta; 2) Logomarca Povo Sem
Medo; 3) Menção aos políticos; 4) Logomarca e menção à Frente Brasil
Popular; 5) Cartazes com dizeres de golpe em referência ao governo Temer.
6. Repercussão Menos de 100 likes (dois eventos) e poucos comentários. Repercussão entre
seguidores de apoio e pedido de divulgação dos locais dos atos. Exemplos:
- “Pessoas interessadas em saber os locais”
- “Fora, Temer!”
- “Sexta, 10, é Fora Temer em todo o Brasil! Em Uberaba, a concentração é
às 17h na Praça do Correio! Depois tem sarau da democracia, na Praça
Santa Rita! VAMBORA!”
- “Em SP no vão do Masp na Av.Paulista”.
7. Post
31 de julho de 2016
Síntese da divulgação: Ato “Fora Temer” promovido em parceria com a Frente Brasil Popular em várias
cidades do país. Apelo para todos irem às ruas contra o governo do presidente interino. Pouca interação na rede
social, com comentários de apoio ao evento e a Dilma, além de críticas a Temer.
Categoria Descrição e tratamento do material
1. Participação Mais de 10 mil seguidores compareceram ao evento, segundo o Facebook.
2. Ação/Mensagem - Ato fora Temer - o povo deve decidir e em todo o Brasil. Convite para
manifestação no Largo da Batata e outras cidades do país.
3. Argumento Convite à sociedade para ato contra o governo Temer, organizado pelas
Frentes Brasil Popular e Povo Sem Medo e outros movimentos. Apelo ao
povo para fazer parte de uma grande mobilização em todo o país.
4. Protagonistas 1) Temer; 2) Frente Povo Sem Medo; 3) Povo (brasileiro)
5. Símbolos identitários 1) Foto de Temer pensativo em preto e branco; 2) Logomarca da Frente
Povo Sem Medo; 3) Cores da Povo Sem Medo.
6. Repercussão Menos de 100 likes e poucos comentários. Repercussão com comentários de
apoio ao evento e a Dilma, e críticas a Temer. Exemplos:
- “Alô, Povo Sem Medo, radicalizar é a palavra... (...) O interino detonou o
país. Nosso futuro está na corda bamba. E agora?”
- “Ruas, ruas, ruas cheias. Vamos lá, pessoal!”
- “#Fora|Temer!!!”
- “Dilma é vitima de um acordo PT/PMDB por manter esse canalha na
112
chapa com ela”.
- “Tamo juntos”
7. Post
Observou-se que Michel Temer é principal protagonista dos convites virtuais na
fanpage da Frente Povo Sem Medo, sobretudo quando assume interinamente a presidência da
República, sendo alvo de críticas. Em contrapartida, os brasileiros e movimentos de esquerda
são os principais atores para a transformação social no país. Foram recorrentes os comentários
ofensivos quando da divergência de opinião, reforçando a polaridade entre os internautas.
Notou-se pouca repercussão dos atos por meio de likes e comentários nas publicações. O
grupo destaca seu posicionamento com relação a Dilma e seu governo: contra o impeachment,
mas crítico à sua gestão. Entendemos que esse discurso pode ter influído ainda mais para a
baixa adesão da sociedade às ações divulgadas nas redes sociais e organizadas nos ambientes
off-line da organização. Mesmo tendo organizado, articulado e divulgado mais eventos por
meio dos canais virtuais, a Frente Povo Sem Medo não conseguiu construir um discurso que
instigasse a maior parte da sociedade a participar de atos nos ambientes off-line como os
grupos que atuaram a favor do impeachment.
O principal argumento da Frente Povo Sem Medo contra o impeachment de Dilma é o
golpe de Temer e seus aliados como justificativa para a sociedade resistir e lutar por seus
direitos e pela democracia. Outros atores do cenário político foram lembrados nos convites
virtuais como responsáveis e aliados do governo, então, interino. Assim, compartilhamos da
opinião de Villarverde (2016) de que o impeachment de Dilma Rousseff foi um ato político,
já que, na votação da admissibilidade do impeachment na Câmara, a minoria dos
parlamentares evidenciou as pedaladas fiscais como base de seu voto. “O cálculo para cada
voto foi estritamente político, e não técnico, exatamente como ocorrera em 1992 com o
afastamento de Fernando Collor” (VILLAVERDE, 2016, p.233). Assim, é aceitável o motivo
de segmentos da sociedade, como a Frente Povo Sem Medo, terem Michel Temer como
“vilão” e articulador de um “golpe”. Aliás, o discurso do grupo nas redes sociais foi o mesmo
usado por Dilma em sua defesa no processo de impeachment na Câmara e no Senado.
113
QUADRO 8 – Análise dos convites por categoria – Frente Brasil Popular
(Descrição e tratamento do material)
18 de março de 2016
Síntese da divulgação: A publicação é um apelo para a sociedade se mobilizar pela luta contra o golpe e pela
democracia, em resposta ao ato de 13 de março pelo pedido de impeachment, que teve a adesão de 3,6 milhões
de pessoas nas ruas em todo o país. Evento teve relevante participação de seguidores contra o processo, com 34
mil presentes ao evento. Houve comentários, especialmente de apoio à atividade.
Categoria Descrição e tratamento do material
1. Participação Quase 34 mil seguidores compareceram ao evento, segundo o Facebook.
2. Ação/Mensagem - (18/3) Nas ruas contra o golpe, em defesa pela democracia; A cor da
resistência é negra.
3. Argumento A Frente Brasil Popular, que reúne mais de 60 entidades, fará mobilizações
em diferentes estados. Para obter a adesão, movimento já sinaliza os
endereços dos locais onde haverá manifestação.
4. Protagonistas 1) Frente Brasil Popular; 2) Movimentos sociais.
5. Símbolos identitários 1) Manifestante com bandeira e montagem de pessoa falando; 2)
Logomarca da Frente Brasil Popular.
6. Repercussão Um total de 262 likes e repercussão entre seguidores com comentários de
apoio ao ato. Exemplos:
- “Eu irei”
- “Legalidade? Tô dentro!”
- “Fiquei sabendo agora que a Rede Globo poderá perder a concessão
pública por transmitir as conversas de presidente da República”.
7. Post
31 de março de 2016
Síntese da divulgação: A publicação é um apelo para a sociedade se mobilizar pela luta contra o golpe e pela
democracia. Porém, critica o ajuste fiscal do governo e pede por outra política econômica. Pouca repercussão
na rede social. Houve comentários, especialmente de apoio à atividade. Mais de 13mil seguidores vão ao
evento, segundo o Facebook.
Categoria Descrição e tratamento do material
1. Participação Mais de 13 mil seguidores compareceram ao evento, segundo o Facebook.
2. Ação/Mensagem - 31/3 - Jornada Nacional em Defesa da Democracia: Golpe Nunca Mais;
Contra o ajuste fiscal: por outra política econômica; Em defesa dos direitos:
contra a reforma da previdência.
3. Argumento A democracia do nosso país está em risco. O Brasil tem sido palco de
perigosas investidas com a tentativa golpista de interromper o governo da
presidenta Dilma. Partidarização da justiça e da mídia no Brasil.
Convocação para ir às ruas pela democracia. Não aceitamos também o
ajuste fiscal e a proposta da reforma da previdência, que fere os direitos dos
trabalhadores/as.
4. Protagonistas 1) Frente Brasil Popular; 2) Frente Povo Sem Medo; 3) Dilma; 4) Lula; 5)
Eduardo Cunha; 6) Justiça; e 7) Mídia brasileira.
114
5. Símbolos identitários 1) Arte de manifestantes nas ruas com braços erguidos, em sinal de luta.
6. Repercussão Poucos likes e comentários. Repercussão entre seguidores de apoio ao ato.
Exemplos:
- “Estarei na rua”
- “#GolpeNoPovo”
7. Post
10 de junho de 2016
Síntese da divulgação: Apelo para a sociedade se mobilizar pela luta por direitos adquiridos. Mobilização
Nacional - Fora Temer, com 26 postagens de convites para eventos durante o dia todo principalmente à tarde.
Poucos likes, algumas vezes nenhum. No entanto, houve a participação nos atos. A interação entre os
participantes também foi pouco representativa. A postagem com maior interação foi de evento em SP (Vão do
Masp), em que os seguidores querem saber dos locais dos eventos no país. Apesar da pouca interação na rede,
nota-se que a mobilização teve aderência daqueles que acreditavam na causa em todo o país.
Categoria Descrição e tratamento do material
1. Participação Mais de 34 mil seguidores compareceram ao evento, segundo o Facebook.
2. Ação/Mensagem Apelo à participação da população por direitos adquiridos. Os principais
protagonistas são o povo brasileiro (vítima) e Temer e simpatizantes
(vilões). Entre as mensagens/posts estão: 1) Mobilização Nacional - Contra
o golpe, em defesa da previdência e dos direitos sociais; 2) Não ao golpe,
fora Temer!; 3) Fora Temer, golpistas e fascistas não passarão! Resistir nas
ruas por direitos; 4) Golpe nunca mais; 5) Fora Temer, não ao Golpe.
3. Argumento Mobilização nacional, organizada pela frente nacional e encampada por
frentes regionais. Protestos contra o governo Temer. Entre os motivos estão:
defesa da previdência e direitos sociais; arrocho nos direitos dos
trabalhadores, desvinculação do orçamento da educação e saúde, suspensão
de programas sociais, criminalização e perseguição dos movimentos sociais;
críticas a projetos neoliberais, corrupção na política com menção à Lava
Jato. O Brasil inteiro irá às ruas denunciar o governo ilegítimo de Michel
Temer, lutar por Democracia e por um Projeto Popular de Nação. Apelo à
participação em ato “cívico” nacional.
4. Protagonistas 1) Povo/multidão em protesto; 2) Movimento Frente Brasil Popular; 3)
Dilma/PT; 4) Temer; 5) Sociedade civil e entidades de classe como
sindicatos, entidades progressistas, movimentos sociais - CWB Contra
Temer, Fórum de lutas 29 de abril, Levante Popular da Juventude PR; 5)
Frente Povo Sem Medo; 6) Eduardo Cunha; 7) Ministério Público, 8) Poder
Judiciário, 9) Parlamento, 10) Empresários; 11) Políticos como Alckmin,
Serra, Romero Jucá, Aécio Neves e Romero Jucá; 12) Grande imprensa -
Rede Globo; 14) Congresso Nacional.
5. Símbolos identitários 1) Fotos de Temer em imagens escuras; 2) Multidão com cartazes em atos
de protestos; 3) Logo dos organizadores e/ou menção a eles; 4) Políticos a
quem querem "atacar" nos cartazes; 5) Cores e/ou bandeira do Brasil; 6)
Cores vermelho (alusão à esquerda) ao lado das cores da bandeira do país;
7) Faixas com menção à Rede Globo em faixa "golpista".
6. Repercussão Poucos likes sendo que nenhum post ultrapassou 60 curtidas. Houve poucos
comentários, cuja repercussão ocorreu entre seguidores e de apoio ao ato. A
maioria interessada em informações sobre os locais do evento. Exemplos:
- “Aí turma de Foz do Iguaçu mostrando a garra contra a Democracia
115
usurpada!
- “Fascistas com SC”
- “Divulguem o local... Coloquem o endereço!!!”
- “Estarei em pensamento, por entender que a verdade ainda não foi
revelada e por compreender que 2018 haverá novas eleições. Democracia é
conquista que não se perde. Se aprimora”.
- “Sexta 10 é Fora Temer em todo o Brasil!!!”
- “Fora, Temer!”
- “Ai que preguiça. Vou lá não”
- “Eu vou”
- “#ForaTemer”
7. Post
116
29 de junho de 2016
Síntese da divulgação: As Frentes Povo Sem Medo e Brasil Popular convocam todos às ruas em atos Fora
Temer. Também convidam a população a participar de eventos de apoio a Dilma e contra o golpe, como forma
de pressionar o Congresso Nacional na votação contra o impeachment que ocorreria naquele mês. Pouca
interação na rede social, seja por likes ou comentários.
Categoria Descrição e tratamento do material
1. Participação Quase 7 mil seguidores compareceram ao evento, segundo o Facebook.
2. Ação/Mensagem - Fora, Temer. Não ao golpe. Nenhum direito a menos.
- Vamos juntos defender a democracia! Defesa de Dilma no Senado
#ForaTemer. Mobilização contra o golpe. 29/8 Senado Federal - Faixa Fora
Temer.
3. Argumento As Frentes Povo Sem Medo e Brasil Popular convocam todos às ruas pelo
Fora Temer. A mensagem é que #VaiTerLuta. A presidenta eleita e legítima
deste país, Dilma Rousseff, falará às senadoras e senadores, em Brasília. E
estar nas ruas significa defender a democracia e lutar contra o golpe. Em
suma, o convite é de participação da população em atos “cívicos”.
4. Protagonistas 1) Frente Brasil Popular, 2) Frente Povo Sem Medo; 3) Povo/multidão em
protesto; 4) Temer; 5) Dilma; 6) Movimentos sociais e sindicais (CUT).
5. Símbolos identitários 1) Logomarcas das duas frentes; 2) Menção a Temer; 3) Povo em ato de
protesto; 4) Cores da bandeira do Brasil; 5) Foto de Dilma ao centro; 6)
Povo em manifestação com bandeiras e cartazes, como a da CUT.
6. Repercussão Poucos likes e comentários – apenas um de apoio a Dilma. Exemplos:
- “Força mulher guerreira do povo brasileiro!”
7. Post
117
Por meio das análises dos convites apresentados, nota-se claramente o discurso da
Frente Brasil Popular: o grupo é contra o impeachment porque o considera um “golpe
político”, o que fere a democracia brasileira e os direitos sociais conquistados pela nação nos
últimos anos. Porém, o apoio a Dilma e ao seu governo não é irrestrito: os textos dos convites
virtuais evidenciam certo descontentamento na condução da política econômica então vigente.
Quando o pedido de admissibilidade do impeachment é aceito pelos deputados na Câmara, a
presidente é afastada e seu vice, Michel Temer, assume o cargo, observou-se que ele, então,
passa a ser o principal protagonista de ataque dos posts do grupo. Ele seria, então, o principal
articulador político contra Dilma Rousseff e estaria orquestrando um “golpe”. Com estratégia
de comunicação no Facebook semelhante à Frente Povo Sem Medo, os brasileiros são
recorrentemente representados nas peças de divulgação. Eles estão, na maioria das vezes, de
mãos dadas ou em sinal de protesto e luta contra o “golpe” político em andamento. Busca-se,
então, chamar a população às ruas em adesão ao movimento pela identificação.
Percebemos ainda que o grupo tem forte articulação nas bases regionais. Exemplo
claro foi o principal o ato de Mobilização Nacional – Fora Temer, organizado em 10 de junho
de 2016, quando foram publicados 26 convites na fanpage. Houve a divulgação na rede social
das postagens com relevante atuação das frentes regionais, conforme prevê a estrutura
organizativa do grupo que contempla os âmbitos nacional, estadual e municipal. Por ser um
grupo que agrega mais de 60 movimentos sociais e organizações políticas do país, notou-se
que as ações de articulação no campo off-line seguiu a cartilha da frente, que prevê “tarefas
específicas, como comunicação, divulgação, produção de eventos/cultura, articulação
parlamentar e demais aspectos organizativos serão executados em parceria com entidades,
movimentos, sindicatos e partidos da FBP” (FRENTE..., 2015, s.d.).
O grupo também foi coerente nos convites virtuais na rede com sua proposta de atuar
"em defesa da democracia e por uma nova política econômica", ou seja, de combater o
chamado ajuste fiscal, posto em prática após a reeleição de Dilma Rousseff, em 2014.
Também expõe claramente sua linha política e ideológica que “representa, acima de tudo,
uma tentativa da esquerda responder, da forma mais unitária possível, à ofensiva
conservadora em curso”, reforçando ressalvas ao governo da presidente, “ainda que um de
seus compromissos seja a defesa da legalidade democrática e do mandato sacramentado pelas
urnas” (EM DEFESA..., s.d.). Talvez esse posicionamento, assim como exposto pela Frente
Povo Sem Medo, não tenha sido convincente para angariar adesões de parte da sociedade que
se mostrava insatisfeita com a gestão de Dilma e que, naqueles últimos anos, passava a
118
ampliar a base de grupos da esfera pública contrária ao governo, como financeiro, industrial,
classe média, políticos da base aliada e adversários e imprensa, desenhando um cenário
desfavorável, que culminou no impeachment de Dilma.
3.2.3. Considerações gerais sobre a participação dos grupos no Facebook
A análise dos convites virtuais dos grupos pró e contra o impeachment de Dilma
Rousseff para engajar a sociedade por meio das redes sociais para participar de atos nos
ambientes off-line permitiu refletir sobre as estratégias de comunicação das organizações da
esfera pública na contemporaneidade. Embora apresentem ideologias divergentes no contexto
político, os grupos fizeram uso de estratégias similares para persuadir seus seguidores. O rito
de construção das peças de comunicação analisadas, ou seja, dos convites virtuais – os posts
propriamente ditos com os dados primários; e os detalhes do evento no complemento das
informações – são bem parecidos. Eles comumente têm chamada de impacto, protagonistas-
chave, marcas identitárias e serviço de utilidade pública com data e local do evento.
De modo geral, os grupos MBL e Vem pra Rua (a favor do impeachment) apresentam
o “impeachment” como chamada de impacto, fenômeno necessário para mudar os rumos do
Brasil. A então presidente “Dilma Rousseff” ganha cena sendo alvo recorrente de críticas,
como protagonista-chave de ataque. Já a transformação na vida social está nas mãos de outro
protagonista-elementar, a sociedade brasileira. “MBL e Vem pra Rua” são protagonistas de
articulação neste contexto e reforçam suas marcas identitárias por meio de logomarcas nos
posts. As menções ao “dia, local e horário” fizeram parte das postagens nas redes sociais,
seguindo a praxe de convites tradicionais.
As Frentes Povo Sem Medo e Brasil Popular (contra o impeachment) atuaram em
paridade. A chamada de impacto foi “contra o golpe e pela democracia”, argumento-base para
promover o engajamento social. O então vice-presidente “Michel Temer” desponta como o
principal protagonista de ataque nas postagens. Para evitar o “golpe” político, a presença da
“população brasileira” nas ruas figura como elemento principal das mobilizações. As frentes
são ainda protagonistas da articulação e reforçam suas identidades por meio de logomarcas
nos posts. As organizações também destacaram nas peças de comunicação primária (posts),
“dia, local e horário”, seguindo a mesma linha dos grupos MBL e Vem pra Rua.
Na parte técnica, notamos estratégias de comunicação similares entre os quatro
grupos. Observamos um objetivo comum entre eles: persuadir a “sociedade” ao engajamento
e à participação no mundo real. A aprovação ou rejeição à ação de cada grupo ficou nas mãos
119
dos seguidores das fanpages e dos brasileiros, na medida em que estes incorporam o discurso
disseminado nas redes sociais. A diferença esteve no campo ideológico, em que os grupos se
articularam cada qual a seu modo, para além dos ambientes virtuais. Assim, os grupos fizeram
parte de um contexto social e institucional, como já mencionamos nesta pesquisa.
Houve a apropriação das ferramentas tecnológicas pelos grupos analisados na ocasião
do impeachment de Dilma Rousseff e a participação deles no processo fez parte de um
contexto social e institucional. Neste cenário, diversos fatores e elementos contribuíram para
o afastamento definitivo da presidente, sobretudo de ordem política, como relataram autores
aqui estudados. Ou seja, o bojo para a efetivação do segundo processo de impeachment da
história do Brasil teve a participação de diversos extratos da sociedade civil, sendo relevante
analisar o papel do próprio do governo no trato com esses representantes sociais.
Em suma, o ciberespaço é um instrumento central na atuação dos integrantes da
terceira onda da sociedade civil (SORJ, 2015). Como já exposto neste trabalho, ao conceituar
essa nova esfera pública da sociedade civil, o autor reforça que esta, ainda em processo de
formação, é formada por três grupos: os hackers, os ativistas produtores de conteúdo virtual, e
grupos constituídos off-line, mas que utilizam o ciberespaço para disseminar suas posições e
obter apoios – a exemplo dos grupos das redes sociais analisados nesta dissertação. Quando se
apropria das ferramentas tecnológicas disponíveis na atualidade e se articula nos ambientes
off-line, essa nova sociedade passa a funcionar como ator social de alerta para opinião pública
e poderes instituídos. No caso do impeachment de Dilma Rousseff, em 2016, os grupos das
redes sociais, tanto contra e a favor o processo, podem não ter sido o protagonista único do
processo, mas tiveram relevante participação, especialmente na agilidade e ampliação da
informação do processo de transformação social, assim como outras alas da esfera pública.
120
CAPÍTULO IV – MANIFESTAÇÕES PÚBLICAS:
REPERCUSSÃO NA IMPRENSA A PARTIR DAS AÇÕES
ARTICULADAS NAS REDES SOCIAIS
A proposta deste capítulo é observar a influência dos eventos públicos articulados e
organizados pelos grupos estudados nas redes sociais na cobertura da grande mídia e imprensa
alternativa sobre as manifestações que envolveram o impeachment de Dilma Rousseff, a fim
de verificar se suas estratégias de comunicação no Facebook se reverteram em pauta. Por
meio de pesquisa bibliográfica, abordamos teorias relacionadas à ação jornalística, ética e
manipulação no jornalismo, noticiabilidade de um acontecimento e imprensa alternativa, com
consultas a autores como Chaparro (1994), Bucci (2003), Abramo (2003), Sousa (2000), Silva
(2010), Fernandes (2013) e Peruzzo (2009; 2013, 2014). O intuito foi compreendermos a
cobertura jornalística do “acontecimento” investigado no âmbito das duas vertentes da mídia.
Também foram feitas duas pesquisas exploratórias nos meios jornalísticos. A primeira
observou a influência dos eventos públicos articulados e organizados pelo Facebook dos
grupos estudados na Folha de S.Paulo e O Globo, os dois maiores jornais em circulação
média diária no país. A análise de 64 reportagens compreendeu o período de 1º de março a 28
de agosto, por meio da técnica de amostragem, a partir de quatro semanas construídas.
Verificamos ainda a cobertura na grande mídia – Folha de S.Paulo e O Globo – e imprensa
alternativa – Caros Amigos, Agência de Notícias Carta Maior e Jornalistas Livres – de um
dos episódios que teria sido o estopim da crise política do governo Dilma, configurando-se
como mais um dos fatores sociais e institucionais do contexto do impeachment: a divulgação
do grampo telefônico da conversa entre a presidente da República e Lula, após a nomeação
dele à frente da Casa Civil, no dia 16 de março de 2016. Neste caso, foram investigadas 44
notícias referentes ao “acontecimento” e/ou geradas a partir dele, incluindo observações
quanto à presença ou não dos grupos estudados nas pautas dos veículos.
4.1. Abordagens sobre a ação jornalística, a ética no jornalismo e a
noticiabilidade de um acontecimento
Ao propormos uma análise sobre a aderência da imprensa aos eventos e atos públicos
divulgados no Facebook pelos grupos que atuaram no processo de impeachment de Dilma
Rousseff por meio das redes sociais on-line – Brasil Livre (MBL) e Vem pra Rua (a favor do
121
impeachment); e Frente Brasil Popular e Povo Sem Medo (contra o impeachment) – não
poderíamos deixar de abordar a ação jornalística e assuntos correlatos à produção da notícia
como ética no jornalismo, o papel do jornalista e a noticiabilidade de um fato.
O professor e investigador sobre jornalismo Sousa (2000, p.31) defende a ideia de que
ao se falar de jornalismo deve-se conceber vários “jornalismos” porque “além das forças que
enformam a notícia, há a considerar que no mundo existem vários conceitos de jornalismo,
que possuem natureza simultaneamente social, ideológica e cultural”. Esses conceitos ou
“teorias da imprensa” “possuem componentes normativas e funcionais que direccionam,
enformam e circunscrevem o jornalismo, os jornalistas e os discursos jornalísticos” (SOUSA,
2000, p.31). O autor português categoriza vários modelos de jornalismo – autoritário,
revolucionário, comunista, para o desenvolvimento e o ocidental. No entanto, discorre mais
profundamente “à forma como jornalismo ocidental funciona ou deveria funcionar
idealmente”, que nos parece se aproximar mais da linha dos veículos a serem observados no
decorrer deste texto.
O Modelo Ocidental de Jornalismo preconiza que a imprensa deve ser
independente do estado e dos poderes, tendo o direito a reportar, comentar,
interpretar e criticar as actividades dos agentes de poder, inclusivamente dos
agentes institucionais, sem repressão ou ameaça de repressão.
Teoricamente, os jornalistas seriam apenas limitados pela lei, pela ética e
pela deontologia. O campo jornalístico configurar-se-ia, assim,
teoricamente, (...) como uma espécie de espaço público onde se ouviriam e,
por vezes, onde se digladiariam as diferentes correntes de opinião, (...) o
jornalismo funcionaria como uma arena pública, (...) um mercado livre das
ideias. Na realidade, sabemos que factores como o acesso socialmente
estratificado aos media, entre outros, introduzem distorções ao
funcionamento teórico do sistema (SOUSA, 2000, p.36).
Apesar deste modelo de jornalismo propagar “as ideias de que pluralismo e
democracia são benéficos para a sociedade” e que “uma população informada pode, em
consciência, participar nos processos de tomada de decisão” (SOUSA, 2000, p.37), sua prática
recebe críticas de alguns autores. Ele recorre a Chomsky e Herman que, ao tomarem como
referência o jornalismo norte-americano, observam que o Modelo Ocidental de Jornalismo
funciona como um Modelo de Propaganda. Deste modo, “o mercado das ideias e das
informações não é inteiramente livre” (SOUSA, 2000, p.37-38).
Um Modelo de Propaganda que beneficia os interesses governamentais e os
grandes poderes econômicos estabelece-se pela limitação extra-jurídica e
extra-deontológica à liberdade jornalística, no contexto do mercado,
regulado pelas leis de oferta e da procura. O funcionamento de um sistema
de propaganda através do jornalismo decorreria de quatro fatores, [em entre
os quais], existência de elementos interactivos que filtram notícias,
destacando matérias favoráveis aos interesses do governo e dos grandes
122
interesses econômicos privados. Estes filtros actuariam com naturalidade.
Assim, os jornalistas não colocariam em causa sua honestidade profissional
e estariam convencidos de que escolhem e interpretam notícias desligados
de pressões externas (SOUSA, 2000, p.38).
Numa análise mais abrangente, em que trata de teorias de desenvolvimento na
comunicação, Peruzzo (2014) aborda a relação dos grandes meios de comunicação de massa
convencionais com os interesses do grande capital. Segundo ela, estes “sempre expressam em
sua agenda pública os paradigmas da modernização, o que continua a se manifestar de forma
predominante atualmente” (2014, p.180) e complementa:
Estes são majoritariamente comprometidos com interesses do grande
capital, do ponto de vista direto – como unidade de produção – ou indireto –
ao representar os interesses políticos e ideológicos dos grandes grupos
econômicos e político-partidários (PERUZZO, 2014, p.180).
Nossa intenção ao apresentar tais pontos de vista é alertar para prática jornalística que
embora, em sua essência, preze pela função social e compromisso com a veracidade da
informação, é sempre um recorte de um acontecimento, cujo relato reproduzido no processo
da produção jornalística está carregado de uma intenção, elemento importante dentro deste
contexto como observa o jornalista Chaparro:
Sem intenção não é possível agregar, no fazer criativo do jornalismo, a
ética, a técnica e a estética, tríade inseparável dos processos complexos de
comunicação. Sem o controle consciente sobre os fazeres, o jornalismo não
se concretiza nem como ação social nem como criação cultural
(CHAPARRO, 1994, p.116).
Segundo Chaparro (1994, p.120), “a complexidade dos conflitos em que interage e a
preponderância do componente interesse nesses conflitos impõem ao jornalista o dever vital
de se conectar a princípios éticos”. Em seu trabalho, o jornalista deve se comprometer com a
veracidade dos fatos, mesmo ciente de que fará um recorte do “acontecimento”. Sua ação
deverá ser balizada por princípios éticos, os quais “devem determinar as intenções
controladoras das ações jornalísticas, tendo como motivo o interesse público” (CHAPARRO,
1994, p.120). Espera-se, então, que o interesse público se sobressaia no noticiário ante aos
interesses econômicos e políticos das organizações hegemônicas.
4.1.1. Questões sobre ética e manipulação da realidade no jornalismo
Bucci (2003) quando trata do tema “sobre ética e imprensa” reforça o papel do
jornalismo na sociedade. Ele pontua três questões importantes com relação à prática
123
jornalística: deve-se “perseguir a veracidade dos fatos para bem informar o público”, cumprir
“uma função social antes de ser um negócio” e “a objetividade e o equilíbrio são valores que
alicerçam a boa reportagem” (2003, p.30).
Apesar de, teoricamente, serem premissas óbvias no fazer jornalismo, a história nos
mostra exemplos que vão na contramão do que expomos. O autor relata três episódios
relacionados a fatos da “história política do Brasil – a campanha das diretas de 1984, as
eleições presidenciais de 1989 e a mobilização popular pelo impeachment em 1992 – [em
que] a principal rede de televisão do país falsifica, distorce e omite informações essenciais”
(BUCCI, 2003, p.31).
Mais do que as normas de conduta que orientam a ação dos jornalistas, é
preciso envolver no debate a ética das empresas que se dedicam ao negócio
da comunicação social e identificar, ou propor, limites ao poder
(econômico, político ou estatal) que procura subordinar a comunicação aos
interesses, violando, com isso, o direito à informação (...). A desinformação
não se deve apenas a maus profissionais, mas também a atitudes
empresariais que revelam falta de compromisso com o direito à informação,
que se articulam para excluir das decisões que em seu nome são tomadas
(BUCCI, 2003, p.36).
O Código de Ética dos Jornalistas Brasileiros, que “fixa as normas a que deverá
subordinar-se a atuação do profissional, nas suas relações com a comunidade, com as fontes
de informação, e entre jornalistas” (GOMES, 2002, p.77) é um documento que deveria nortear
os fazeres jornalísticos, desde os profissionais aos grupos empresariais da comunicação social.
Porém, a prática nem sempre condiz com a normatização da ação jornalística.
Além de Eugênio Bucci, vários outros autores se dedicaram a estudos que questionam
o trabalho dos media e a função social deste segmento da comunicação, mas não deixam de
reconhecer as contribuições e a importância do jornalismo à sociedade. Abramo (2003), em
seu livro póstumo “Padrões de manipulação na grande imprensa”, observa que há diversas e
várias formas de manipulação da realidade pela imprensa. Porém, ressalta:
(...) não é todo material que toda a imprensa manipula sempre. Também não
é que o fenômeno ocorra uma vez ou outra (...). A gravidade do fenômeno
decorre do fato de que ele marca a essência do procedimento geral do
conjunto da produção cotidiana da imprensa. Essa característica geral pode
ser observada quando se procura tipificar as formas mais usuais de
manipulação. É possível distinguir e observar pelo menos quatro padrões de
manipulação: padrão de ocultação, padrão de fragmentação, padrão da
inversão e padrão de indução (ABRAMO, 2003, p.24-35).
124
Peruzzo também reconhece “o grande poder da mídia e sua manipulação,
prioritariamente, a serviço dos interesses das classes dominantes” (1998, p.131), mas
relativiza o seu papel social ao abordar sua contribuição à sociedade:
[A mídia] quando quer, divulga campanhas e programas educativos e outros
de elevado interesse público. Por outro lado, ao informar, instantaneamente,
sobre fatos que ocorrem em qualquer parte do mundo, também propicia
entretenimento, preenchendo, assim, necessidades que os meios populares
não se propõem e nem conseguem satisfazer. Temos de levar em conta que
ela vem sendo aceita tal como ela é pela maioria da população, o que inclui
as classes subalternas (PERUZZO, 1998, p.131).
Ao concebermos uma notícia veiculada na mídia, particularmente, na grande
imprensa, faz-se necessário ficarmos atentos aos motivos e/ou contexto que tornaram aquele
“acontecimento” noticioso. Devemos, ainda, considerar não apenas a atuação do jornalista
como também o papel da empresa de comunicação no processo de produção da notícia e os
interesses políticos, econômicos e sociais da instituição dentro de um contexto social e
institucional. Ou seja, são vários os fatores que compõem uma notícia.
É fundamental que se tenha a compreensão que a veiculação de uma notícia está
sempre atrelada a “intenções”, como já tratamos neste trabalho. Mas, o que vem a ser uma
notícia, o que torna um acontecimento algo noticioso? Este é o momento de avançarmos em
nossas reflexões para buscarmos explicações teóricas sobre o assunto.
4.1.2. O acontecimento que vira notícia
O que faz um “acontecimento” tornar-se notícia? Sousa (2000, p.29) se apoia em
Rodrigues para dizer que “a notícia seria mesmo um meta-acontecimento, um acontecimento
que se debruça sobre outro acontecimento, sendo acontecimento por ser notável, singular e
potencial fonte de acontecimentos notáveis”.
Silva (2010) revisita vários autores que promoveram estudos sobre critérios de
noticiabilidade. Ele lembra que Johan Galtung e Mari Holmboe Ruge (1999) foram “os
pioneiros em apresentar uma lista sistematizada de valores-notícia”, focando-se “na etapa
inicial do processo: a percepção, a seleção e a construção de uma imagem dos acontecimentos
pelos meios de comunicação”, mas este estudo é “passível de revisões críticas”, pelo fato de
ter sido “amparado em hipóteses que seguem relações matemáticas, que enrijece as categorias
de valores-notícia” (SILVA, 2010, p.174).
(...) segundo Tobias Peucer, as notícias constituem relatos expositivos e
escritos; sobre singularidades; selecionados entre vários relatos possíveis
segundo a sua importância, condicionados por fatores como o tempo; que se
125
orientam para os acontecimentos; e que são novos, isto é, oferecem
novidades, o que satisfaz a curiosidade humana (SOUSA, 2004, p.37). [Para
o autor português, Traquina (2008, p.63)], podemos definir o conceito de
noticiabilidade como um conjunto de critérios e operações que fornecem a
aptidão de merecer um tratamento jornalístico; isto é possuir valor como
notícia (apud SILVA, 2010, p.174-175).
Silva (2010) aprofunda ainda mais os estudos ao tratar da noticiabilidade com base nas
contribuições da teoria discursiva de teórico francês Patrick Charaudeau:
(...) ressalta-se que o entendimento da concepção de noticiabilidade a partir
das contribuições de autor francês significa, em última instância, valorizar
os lugares de pertinência do contrato comunicacional, a lógica dos
processos de transformação e transação na problemática da construção do
sentido e a relação entre estruturação dos acontecimentos noticiosos e a
tematização do espaço público, bem como – e sobretudo – a articulação
entre os aspectos situacionais (externos) e linguísticos (internos) que se
mobilizam na estruturação do discurso informativo (SILVA, 2010, p.183).
Para Chaparro (1994, p.119), “é notícia o relato que projeta interesses, desperta
interesses ou responde a interesses. Esse atributo de definição pode alcançar maior ou menor
intensidade, dependendo da existência, em maior ou menor grau, de atributos de relevância no
conteúdo”. O autor constrói uma grade de atributos do produto jornalístico que podemos usar
como referência para entendermos o fator noticiabilidade de um acontecimento e, inclusive,
projetá-la no caso do movimento de impeachment de Dilma. Esses atributos estariam
divididos em: 1. Atributo de “definição” relacionado ao interesse; 2. Atributos de “relevância”
relacionados à atualidade, proximidade, notoriedade, conflito, conhecimento, consequências,
curiosidade, dramaticidade e surpresa (CHAPARRO, 1994, p.120).
Se considerarmos a grade de atributos do produto jornalístico traçada por Chaparro
(1994), as manifestações públicas articuladas e organizadas por grupos nas redes sociais no
processo de impeachment de Dilma envolveram vários destes atributos, assim como outros
assuntos correlatos ao tema. Do “interesse” da opinião pública e das próprias empresas de
comunicação à “relevância” dos fatos por estarem relacionados à principal autoridade do
poder Executivo e a outros fatores do contexto social e institucional do país. Complementam e
ampliam nossa percepção quanto à aderência dos media às manifestações públicas de 2016, a
revisão acerca de conceitos e definições sobre imprensa alternativa.
4.1.3. Passagem pelo conceito de imprensa alternativa
A denominação imprensa alternativa origina-se de um processo de comunicação
contra-hegemônica, cuja ideia foi formulada por intelectuais que seguiram a linha de
pensamento do marxista Antonio Gramsci com relação ao conceito de hegemonia
126
(FERNANDES, 2013, p.1). O filósofo italiano “expandiu a ideia marxista de que o estado
capitalista possuía um aparelho destinado a constranger as dinâmicas sociais e assegurar a
manutenção do sistema” ao englobar, no contexto, também as igrejas, as escolas, os próprios
sindicatos e a comunicação social neste “aparelho que favorecia a consolidação e expansão da
hegemonia ideológica” (SOUSA, 2000, p.155).
[Para Gramsci] toda a sociedade contribuiria para que a hegemonia
ideológica sobrevisse e se expandisse, uma vez que essa hegemonia
decorreria da capacidade modeladora da ideologia dominante enquanto
sistema de interpretação e de significação usado globalmente pelo meio
social. Neste campo, a comunicação jornalística, ao dar visibilidade apenas
a certos acontecimentos e certas ideias e ao participar nos processos de
interpretação e de significação construídos sobre esses acontecimentos e
sobre essas ideias seria uma das mais importantes forças de sustentação e
amplificação da ideologia dominante e hegemónica (SOUSA, 2000, p.183).
Com base nos estudos do pesquisador Dennis de Oliveira, Fernandes (2013, p.2)
afirma que “o conceito de contra-hegemonia se amplia na América Latina, diferente ao
estritamente vinculado a um projeto socialista presente na obra de Gramsci, isso ocorre
devido a uma tradição política conversadora” dessas elites. Para ele, as elites latino-
americanas monopolizam os meios de comunicação em distintos países.
Nesse caso, experiências de mídia com caráter democrático e até liberais
clássicos (que atuam na defesa do Estado democrático de direito) podem ser
consideradas contra-hegemônicas, que defendem uma agenda distinta à da
pauta única dos grandes meios de comunicação comerciais (FERNANDES,
2013, p.2).
No Brasil, houve momentos históricos relacionados à comunicação alternativa como
“na imprensa operária dos anarco-sindicalistas do final do século XIX e início do século XX e
da imprensa partidária do Partido Comunista Brasileiro das décadas de 1940 e 1950”
(FERNANDES, 2013, p.2). Porém, a imprensa alternativa, “marcou época durante o regime
militar com jornais que aspiravam mudanças na sociedade. Este tipo de jornal alternativo
representava, de fato, alternativa de leitura aos grandes jornais então existentes” (PERUZZO,
2009, p.136). Segundo a autora, o que caracteriza o veículo como alternativo “é o fato de
representar uma opção como fonte de informação, pela cobertura de temas ausentes da grande
mídia e pela abordagem crítica dos conteúdos que oferecem” (2009, p.137).
Para Peruzzo, essa forma de comunicação alternativa tem se revigorado de modo
“extraordinário” no século XXI. “Reedita formas de expressão impressas e audiovisuais, cria
novos canais e, ao mesmo tempo, se recria por meio de novos formatos digitais que o avanço
tecnológico favorece, mas permanece seu caráter alternativo” (PERUZZO, 2009, p.137).
Hoje, a imprensa alternativa se posiciona da seguinte forma:
127
Com o passar do tempo se reinventa, muda o caráter combativo, mas
continua se caracterizando como independente de governos e empresas e
não se alinhando ao modo de operar dos grandes meios de comunicação, na
sua lógica de mercado e como sistema burocrático. Mantém também seu
caráter não aderente aos interesses ideológicos e políticos das classes
dominantes. Parece não querer derrubar governos, mas exercitar a liberdade
de expressão em favor do interesse público (PERUZZO, 2013, p.90).
Esta passagem sobre a prática jornalística a partir de estudos de vários autores teve o
objetivo de municiar a análise do noticiário da grande mídia e imprensa alternativa quanto à
noticiabilidade e o posicionamento dos veículos de comunicação sobre as manifestações
públicas organizadas e articuladas nos ambientes virtuais pelos grupos pró e contra o
impeachment aqui estudados e também com relação à relevância de suas estratégias de
comunicação no processo de produção das notícias pela imprensa.
4.1.4. A cartilha seguida pelos veículos de imprensa da pesquisa
Assim como fizemos um recorte do tema para o desenvolvimento desta dissertação,
adotamos critérios de seleção dos veículos estudados na grande mídia e imprensa alternativa.
Selecionamos dois tradicionais jornais de abrangência nacional da grande mídia: Folha de
S.Paulo e O Globo, fundados em 1921 e 1925, respectivamente. Atualmente, são os maiores
em circulação média diária (impresso e digital) no Brasil, segundo o Instituto Verificador de
Comunicação (IVC)18
, e se mostram sensíveis aos avanços tecnológicos e às transformações
advindas da era digital. Com relação à imprensa alternativa, escolhemos Caros Amigos,
Agência de Notícias Carta Maior e Jornalistas Livre por serem iniciativas recentes com
presença na internet, e que se propõem a produzirem conteúdos com abordagens críticas sobre
temas atuais em contraponto com o jornalismo praticado pela mídia tradicional.
As Organizações Globo19
criaram o documento “Princípios Editoriais das
Organizações Globo” para atender “essa multidão de indivíduos (isolados ou mesmo em
grupo) que utiliza a internet para se comunicar e se expressar livremente”. Sua elaboração
18
Matéria publicada no portal Meio&Mensagem sobre a queda de circulação dos grandes jornais do Brasil em
2016 traz informações dos cinco maiores veículos de imprensa do país. Na liderança está a Folha de S.Paulo e
na sequência o jornal O Globo. Os dados foram extraídos dos relatórios do Instituto Verificador de Comunicação
e “referem-se à totalidade da circulação de cada título, não discriminando a curva de desempenho dos
exemplares impressos e digitais” (SACCHIELLO, Bárbara. Circulação dos grandes jornais cai em 2006. Portal
Meio & Mensagem, 20 fev. 2017). Acesso em: 04 ago. 2018. Em números, os dados mais recentes encontrados
referem-se a 2015: Folha de S.Paulo com 335.895 exemplares e O Globo 311.222 exemplares impresso e digital,
segundo a Associação Nacional de Jornais (ANJ), cuja fonte também é o IVC. O levantamento trata da
circulação média diária de janeiro a dezembro de 2015 (MAIORES..., Portal Associação Nacional de Jornais,
s.d). Acesso em: 04 ago. 2018. 19
PRINCÍPIOS editoriais do Grupo Globo. Portal O Globo. Disponível em:
<https://oglobo.globo.com/principios-editoriais/>. Acesso em: 04 ago. 2018.
128
buscou “explicitar o que é imprescindível ao exercício, com integridade, da prática
jornalística, para que, a partir dessa base, os veículos [do grupo] possam atualizar ou construir
os seus manuais (...)”. Traz uma “breve definição de jornalismo” e mais três seções: “a) Os
atributos da informação de qualidade; b) Como o jornalista deve proceder diante das fontes,
do público, dos colegas e do veículo para o qual trabalha; c) Os valores cuja defesa é um
imperativo do jornalismo”.
A Folha de S.Paulo20
, que atua com base nos princípios editoriais do Projeto Folha e
diz que preza pelo “pluralismo, apartidarismo, jornalismo crítico e independência”, pratica o
jornalismo on-line desde 1995. Em 2010, unificou as redações do jornal impresso e on-line e
reestruturou a Folha On-line, inclusive mudando o nome. Hoje, o site da Folha “conta com
uma audiência de 28 milhões de visitantes únicos e 190 milhões de páginas vistas por mês”.
O projeto da revista Caros Amigos21
nasceu de um grupo de amigos, que incluía
jornalistas, publicitários, profissionais liberais, profissionais da comunicação, em abril de
1997, com o objetivo de criar um veículo que se contrapusesse ao jornalismo predominante. O
veículo se posiciona como uma publicação “contra-hegemônica, alternativa e de reflexão
crítica do pensamento neoliberal” e “procura praticar um jornalismo independente, crítico e
comprometido com a transformação da sociedade brasileira”. Disponibiliza conteúdos nas
versões imprensa e on-line. A Agência de Notícias Carta Maior22
é “uma publicação
eletrônica multimídia que nasceu por ocasião da primeira edição do Fórum Social Mundial,
em janeiro de 2001” e afirma que seu compromisso “é contribuir para desenvolver um sistema
de mídia democrática no Brasil”. O veículo informa ser especializado em temas como direitos
humanos, meio ambiente, política, economia e movimentos sociais.
Jornalistas Livres23
se intitula como “uma rede de coletivos originada na diversidade”.
Sua proposta é atuar “em contraponto à falsa unidade de pensamento e ação do jornalismo
praticado pela mídia tradicional centralizada e centralizadora”. A rede se coloca contra “os
estratagemas da tradicional indústria jornalística (multi)nacional, que, antidemocrática por
natureza, despreza o espírito jornalístico em favor de mal-disfarçados interesses empresariais
e ideológicos, comerciais e privados, corporativos e corporativistas”.
20
CONHEÇA a Folha de S.Paulo. Portal Folha.com. Disponível em:
<http://www1.folha.uol.com.br/institucional/folha_com.shtml>. Acesso em: 04 ago.2018. 21
HISTÓRIA da Caros Amigos. Portal Caros Amigos. Disponível em:
<http://www.carosamigos.com.br/index.php/fale-conosco/historia>. Acesso em: 04 ago.2018. 22
QUEM somos. Portal Carta Maior. Disponível em: <http://www.cartamaior.com.br/?/CartaMaior/Quem-
Somos/14/> . Acesso em: 04 ago.2018. 23
QUEM somos. Portal Jornalistas Livres. Disponível em: <https://jornalistaslivres.org/quem-somos/> . Acesso
em: 04 ago.2018.
129
4.2. As manifestações públicas e presença dos grupos das redes sociais on-
line no noticiário de O Globo e Folha de S.Paulo
A aderência das ações de comunicação dos grupos MBL, Vem pra Rua, Frente Brasil
Popular e Povo Sem Medo, desenvolvidas nas redes sociais virtuais no processo de
impeachment de Dilma, na grande imprensa, foi observada na Folha de S.Paulo e em O
Globo, de 1º março a 28 de agosto de 2016. O período data dos preparativos do primeiro
grande ato público pelo impeachment até o fim do processo no Senado. Trata-se de uma
pesquisa exploratória de amostragem não probabilística intencional por semana construída,
cuja técnica permite “selecionar as amostras adequadas para os propósitos da investigação”
(RICHARDSON, 2008, p.157). Com base nesses critérios, elaboramos as semanas conforme
o quadro a seguir:
QUADRO 9 – Reportagens da Folha de S.Paulo e de O Globo
(Amostragem – Semana Construída)
Período de 1º Março a 28 de Agosto de 2016
Dias da semana Dias do mês
Segunda-feira 11 de abril 30 de maio 18 de julho
Terça-feira 1º de março 19 de abril 7 de junho 26 de julho
Quarta-feira 9 de março 27 de abril 15 de junho 3 de agosto
Quinta-feira 17 de março 5 de maio 23 de junho 11 de agosto
Sexta-feira 25 de março 13 de maio 1º de julho 19 de agosto
Sábado 2 de abril 21 de maio 9 de julho 27 de agosto
Domingo 3 de abril 22 de maio 10 de julho 28 de agosto
Foram selecionadas reportagens que trataram de manifestações, atos públicos e
protestos relacionados ao impeachment da presidente, governo Dilma Rousseff, governo
interino Michel Temer e eventos com a presença do ex-presidente Lula. No total, encontramos
64 notícias jornalísticas, sendo 19 em O Globo e 45 na Folha de S.Paulo. Nesta análise
exploratória dos jornais, consideramos atividades envolvendo ou não os grupos que se
articularam nas redes sociais on-line já mencionados, buscando vestígios que indicassem se as
pautas foram concebidas a partir de ações provenientes de seus ambientais virtuais. A
finalidade foi identificar elementos que indicassem qual o impacto da divulgação dos eventos
e atos públicos articulados pelos grupos estudados em suas redes sociais on-line na cobertura
das manifestações públicas em 2016 em O Globo e Folha de S.Paulo.
130
No período da pesquisa, o MBL organizou oito eventos pelo Facebook, e o Vem pra
Rua, quatro em sua fanpage, sendo que dois, de abrangência nacional, coincidiram com os do
MBL. A Frente Brasil Popular e Povo Sem Medo promoveram 38 atividades fora do espaço
virtual, divulgadas em suas fanpages, das quais nove foram em parceria, seja no âmbito
nacional ou regional24
.
4.2.1. Os grupos “virtuais” e a cobertura no jornal O Globo
A análise empírica abrangeu 19 reportagens no jornal O Globo. No noticiário, o grupo
MBL foi lembrado em três ocasiões e a Frente Brasil Popular uma vez. Os contextos em que
os grupos são citados nos textos evidenciam claramente o posicionamento destes com relação
ao impeachment. Uma nota sobre o MBL diz que o grupo “está usando as redes sociais para
atacar Pezão e Picciani” em referência aos gastos com a Olimpíada e completa ao informar
que “os jogos são patrocinados pela capital do Rio de Janeiro, cujo prefeito é Eduardo Paes”.
Filiados ao PMDB, estes políticos eram fortes aliados de Dilma em março de 2016. Sobre a
Frente Brasil Popular, a referência é com base numa citação do presidente do PT, Rui Falcão,
que diz que o partido irá participar de eventos convocados pelo grupo nos dias 18 e 31 de
março, em reportagem sobre manifestações públicas em São Paulo.
Os outros dois – Vem pra Rua e Povo sem Medo – não foram citados no período de
análise realizada no jornal O Globo. Houve notícias com referências a outros grupos como
“Sem medo de ser feliz” e “Espaço de Unidade de Ação”, que organizaram pelas redes sociais
protestos contra o governo Dilma e políticos do governo e da oposição, respectivamente.
Apesar de terem sido raras as citações aos grupos estudados, notou-se referência, em algumas
reportagens, de que o ato foi organizado nas redes sociais por grupos ou movimentos.
Em seus estudos sobre manipulação na produção jornalística, Abramo (2003, p.25)
identifica o padrão de ocultação como aquele “que se refere à ausência e à presença de fatos
reais na produção da imprensa”. Para ele, não se trata de “desconhecimento” ou “mera
omissão do real”, ao contrário, a ocultação é um silêncio planejado. Este padrão estaria ligado
ao que a imprensa imputa como fatos jornalísticos e fatos-não jornalísticos.
Ora, o mundo real não se divide em fatos jornalísticos e não-jornalísticos
(...). O “jornalístico” não é uma característica intrínseca do real em si, mas
24
Os eventos nacionais do MBL e Vem pra Rua, que ocorreram no mesmo dia foram em 13 de março e 17 de
abril de 2016, traziam chamadas para “Megamanifestação Impeachment Já!” e “Vem para rua na votação do
Impeachment”. Com relação às Frentes Brasil Popular e Povo Sem Medo, estas organizaram nove atividades de
âmbitos nacional ou regional – 31 de março, 17 de abril, 1º e 30 de maio, 10 e 24 de junho, 31 de julho, 29 e 30
de agosto de 2016 – em parceria e faziam referência a manifestações “em defesa da democracia, garantia de
direitos e contra o golpe”.
131
da relação que o jornalista, ou melhor, o órgão do jornalismo, a imprensa,
decide estabelecer como realidade. Nesse sentido, todos os fatos, toda a
realidade poder ser jornalística, e o que vai tornar jornalístico um fato
independe de suas características reais intrínsecas, mas dependem sim das
características do órgão de imprensa, da sua visão de mundo, da sua linha
editorial, do seu “projeto”, enfim, como se diz hoje (ABRAMO, 2003,
p.26).
O alerta feito por Abramo é que um “acontecimento” pode ser manipulado pela
imprensa sob a ótica da “ocultação” e que a decisão de ocultar determinados fatos da
realidade é planejada e segue uma linha editorial e política definida pelo órgão de imprensa.
Ao analisarmos O Globo, notamos que ao veículo pouco importou informar ao leitor quem
eram os autores das manifestações. O fato jornalístico em questão era “as manifestações
públicas” em si, ou seja, os protestos da sociedade, os quais tiveram pesos diferentes a
depender da linha ideológica apresentada por seus grupos e manifestantes. De modo geral, as
ações voltadas pelo impeachment tiveram mais espaço no noticiário do veículo, em
detrimento aos atos de apoio ao governo da então presidente da República.
O jornal O Globo categorizou em duas alas distintas os protagonistas dos atos e
protestos relacionados ao impeachment. Aqueles que atuaram favoráveis ao processo
representaram a sociedade de forma mais ampla e foram definidos por: “defensores do
impeachment”, “manifestantes” anti-Dilma, a favor do impeachment ou contra o governo,
“movimentos” contra a presidente, “grupo pró-impeachment”. Este público, sob a ótica do
jornal, simbolizava a massa da população brasileira, em defesa de seu país, por moralidade na
política, melhoria na economia, contra a corrupção, entre outros fatores.
A bandeira do Brasil ou as cores verde e amarela tornaram-se elementos que
representavam essas pessoas nas ruas em alusão ao patriotismo. No entanto, muitos usavam
camisas da Seleção Brasileira, que têm em destaque o emblema da CBF (Confederação
Brasileira de Futebol), entidade envolvida em escândalos de corrupção25
. Um exemplo é o
caso do ex-presidente da CBF, José Maria Marín. Preso na Suíça em maio de 2015, e
extraditado para os Estados Unidos em novembro do mesmo ano, cumpre prisão domiciliar
em Nova York. As palavras de ordem mencionadas ou expressas em faixa e cartazes foram:
“Fora Dilma”, “Renúncia já”, “Fora todos”, “Lula na cadeia”, “Renúncia”, “Fora Lula”.
25
As denúncias de corrupção na Fifa existem há anos. Mas, em 2015, os Estados Unidos tornaram pública uma
investigação sobre crimes como extorsão, fraudes financeiras e lavagem de dinheiro envolvendo cartolas da
entidade de vários países. Marco Polo Del Nero, José Maria Marín e Ricardo Teixeira, ex-presidentes da CBF,
teriam montado um esquema de corrupção que arrecadou R$ 120 milhões em propinas. (CHADE, Jamil.
Esquema de corrupção na CBF recebeu R$ 120 milhões, diz FBI. Portal Estadão, Esportes, 06 dez.2015).
Disponível em: <http://esportes.estadao.com.br/noticias/futebol,notas-frias-e-chantagens-fbi-revela-as-taticas-
dos-cartolas,1807312>. Acesso em: 04 ago.2018.
132
Do outro lado, ou seja, nas manifestações contra o impeachment, os protagonistas
foram identificados como: “militantes petistas”, “militância anti-impeachment”,
“manifestantes” pró-governo, “apoiadores” da presidente, “grupo” pró-impeachment,
“militantes” pró-governo. Estes foram citados ainda como “movimentos sociais”,
“movimentos de mulheres”, “classe artística” ou ainda representam associações ou
instituições tais como Central Única dos Trabalhadores (CUT), Movimentos dos
Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST), União Nacional dos Estudantes (UNE), Espaço de
Unidade de Ação, Partido Socialista dos Trabalhadores Unificado (PSTU), Movimento Ocupa
MinC. As palavras de ordem usadas pelo grupo foram: “Não vai ter golpe”, “Lula, eu
respeito. Lula, eu defendo”, “Fora, Temer” e “Temer, jamais”. Aqui, nota-se que o jornal O
Globo categoriza essas pessoas como uma parcela da sociedade ligada a grupos político-
partidários, movimentos populares e sociais, especialmente de esquerda.
O vermelho se tornou símbolo nas fotos publicadas no jornal O Globo no que
concerne às manifestações contra o impeachment. Nesse sentido, nos parece que o significado
histórico perdeu seu sentido para ser simplificado, traduzido e/ou embutido no imaginário do
leitor como a cor do Partido dos Trabalhadores (PT). De certo esta cor está relacionada a
correntes ideológicas de esquerda ou socialista, porém, seu significado tem sentidos mais
antigos e complexos. Na religião e na guerra, o vermelho era tido como atributo de poder
desde a Antiguidade. Na história moderna “surge como símbolo do direito às manifestações e
da classe oprimida logo depois da Revolução Francesa” (ROESLER, 2016, s.p., 15 abr.).
Após a revolução burguesa, a assembleia constituinte francesa decidiu
colocar bandeiras vermelhas nos principais cruzamentos de modo a indicar
que estavam proibidas manifestações públicas. No dia 17 de julho de 1791,
milhares de parisienses se reuniram no Campo de Marte para exigir a
destituição definitiva do rei Luís XVI. O prefeito de Paris, Bailly, mandou
içar no alto uma grande bandeira vermelha, para que não restasse dúvida de
que o povo devia se manter longe das ruas. Mas o povo tomou a praça e a
polícia investiu com força letal contra os manifestantes, matando mais de 50
pessoas. E foi assim que a cor vermelha passou a representar o direito às
livres manifestações, dos excluídos, das classes oprimidas, dos explorados,
numa verdadeira inversão simbológica, passando a representar o “sangue
derramado contra a tirania” e, mais recentemente, a classe trabalhadora,
razão pela qual acabou sendo adotado pelas correntes ideológicas mais
identificadas com a justiça social (ROESLER, 2016, s.p.,15 abr.).
Se o verde e o amarelo simbolizaram o patriotismo dos brasileiros, o vermelho era a
cor do poder que estava xeque naquela ocasião. Entendemos, aqui, que o jornal faz uma
descontextualização do acontecimento em decorrência da “seleção de aspectos”, que se
configura como “padrão de fragmentação” da imprensa (ABRAMO, 2003). “Isolados como
133
particularidades de um fato, o dado, a informação, a declaração perdem todo o seu significado
original e real para permanecer no limbo, sem significado aparente, ou receber outro
significado, diferente e mesmo antagônico ao significado real e original” (ABRAMO, 2003,
p.28). A falta de aprofundamento de determinadas questões no jornalismo brasileiro tem
comprometido a qualidade da produção jornalística e o sentido criativo do jornalismo no que
diz respeito à função social.
Em duas notícias – incluindo textos, legendas e fotos – relacionadas a atos pró-
governo, a abordagem do jornal O Globo foi desfavorável aos manifestantes. No dia 9 de
março, a foto de capa traz manifestantes em situação de conflito, com o seguinte destaque: “À
flor da pele – manifestação pelo Dia Internacional da Mulher acaba em bate boca entre
defensores e críticos do governo Dilma”. Na reportagem interna uma linha fina informa:
“Atos pelo dia Internacional da Mulher em São Paulo apoia presidente e provoca confusão”.
No dia 13 de maio, sob o título “Temer enfrenta protestos no primeiro dia” e linha fina
“Manifestantes tentaram invadir Planalto e foram dispersados com spray de pimenta”,
encontramos cinco fotos com as legendas em destaque: 1.MST; 2.Confronto, 3.Atadas;
4.Invasão e 5.Confusão. Entre os registros fotográficos, há imagens que mostram
manifestantes sendo dispersos por spray de pimenta e derrubando grade.
Nos dois exemplos dos noticiários descritos acima, notamos que O Globo fez
novamente uma “seleção de aspectos” (ABRAMO, 2003). Ou seja, os acontecimentos são
fatos jornalísticos dignos da produção jornalística, mas “o fato é decomposto, atomizado,
dividido em particularidades ou aspectos, e a imprensa seleciona os que apresentará ou não ao
público” (ABRAMO, 2003, p.27-28). Em suma, o jornal definiu a linha de apresentação dos
atos e manifestações públicas realizadas pelo grupo contra o impeachment aos seus leitores.
O jornal das Organizações Globo colocou lado a lado notícias sobre a atuação dos
grupos que organizaram protestos pró e contra o impeachment. No dia 25 de março, a
reportagem “Manifestantes estendem faixa com ofensa a Teori” ganhou maior destaque e
mostrou ação ofensiva de grupos contra o governo. Destacamos um trecho: “Um grupo ligado
ao Movimento Brasil Livre, que defende o impeachment, levou um caixão com os nomes de
Teori, Lula e PT e cantou os slogans ‘Olê, Olê, Supremo Tribunal, puxadinho do PT’ e ‘Não
vai ter golpe, vai ter justiça’”. Esta notícia foi ilustrada com foto do ministro. Ao lado, a
matéria menor, porém, com duas fotos em destaque, mostra manifestações a favor do governo
em São Paulo e no Rio de Janeiro, com o título “Protestos contra impeachment”. O conteúdo
134
é objetivo, com dados factuais sobre quantidade de manifestantes, local dos eventos,
organizadores, entre outros.
Ainda sobre os protestos a favor e contra o impeachment, no dia 9 de março, a
manchete do jornal O Globo foi a seguinte “Planalto teme confronto e Alckmin veta ato do
PT”26
, sobre a possibilidade dos atos ocorrerem no mesmo dia. Em página do primeiro
caderno, a reportagem adota a linha de eventual conflito entre os manifestantes de facções
opostas, conforme mostram os títulos: “Governo tenta esfriar ânimos”, seguido de linha fina
“Preocupado com violência, Planalto pede a apoiadores para não irem às ruas no dia 13”; e
“Ministro do STF: ‘Receio um cadáver’”.
Paralelamente à análise das manifestações públicas relacionadas ao impeachment,
observamos assimetricamente que em O Globo o governo sofreu pressão com certa frequência
no noticiário paralelo ao foco da pesquisa. Nesta pesquisa exploratória, encontramos ainda
pautas relacionadas à Operação Lava Jato, queda do crescimento econômico, redução de
investimentos na cultura, reforma da previdência, crise política interna, desemprego, crise
institucional do PT, pesquisa de opinião pública sobre preferência a Temer em detrimento a
Dilma. Os temas também foram abordados em editoriais e por colunistas no jornal. A
instabilidade política e econômica e seus desdobramentos ocuparam boa parte das páginas do
veículo entre março e agosto de 2016.
4.2.2. Protestos e manifestações do impeachment sob o prisma da Folha de S.Paulo
Com 45 notícias e cobertura maior em relação ao jornal O Globo sobre assuntos que
versam esta pesquisa, a Folha de S.Paulo mencionou, no período de 1º de março a 28 de
agosto de 2016, o MBL e o Vem pra Rua em pelo menos quatro notícias, com abordagens
sobre a participação nos atos públicos, pressão à classe política e origem da renda destes
grupos. Também houve referência a outros grupos pró-impeachment como Revoltados On-
line. No noticiário sobre as alas anti-impeachment, Frente Brasil Popular e Povo Sem Medo
foram citados em três ocasiões. Outros movimentos ligados a eles também receberam menção
como O Levante da Juventude e Comitê PróDemocracia. Nota-se, então, que este jornal
26
Em São Paulo, “de acordo com a Lei 14.072 de 18 de outubro de 2005, regulamentada pelo Decreto 46.942,
para realização de eventos e obras nas vias públicas é preciso fazer uma Solicitação para Autorização de Eventos
– SAE”, junto à prefeitura. Os pedidos devem ser feitos entre 45 e 10 dias úteis de antecedência do evento. Não é
cobrada taxa para eventos de caráter: “religioso; político-partidário; social, quando promovido por entidade
declarada de utilidade pública, conforme legislação em vigor; manifestações públicas, por meio de passeatas,
desfiles ou concentrações populares que tragam uma expressão pública de opinião sobre determinado fato;
manifestações de caráter cívico de notório reconhecimento social”. (AUTORIZAÇÃO de eventos. Portal
Prefeitura de SP, s.p., s.d.) Disponível em: <http://www.capital.sp.gov.br/cidadao/transportes/autorizacao-de-
eventos>. Acesso em: 04 ago.2018).
135
prezou por apresentar ao seu leitor certa pluralidade de fontes, com identificação dos
protagonistas, diferentemente do observado em O Globo.
Os protagonistas das reportagens são os “movimentos”, “manifestantes” e “público”
pró e contra o impeachment e/ou outras referências correlacionadas nessa linha, ou seja, a
Folha de S.Paulo não rotulou os grupos por suas posições ideológicas com adjetivos que os
enquadrassem em alas de defesa ou repúdio ao governo Dilma. Nas reportagens relacionadas
às atividades anti-impeachment foram citadas diversas organizações, entidades e/ou partidos,
como CUT, MST, MPA (Movimento dos Pequenos Agricultores), UNE, Juventude do PT,
MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto), entre outros.
As lideranças dos movimentos foram as principais fontes usadas pela redação do
Grupo Folha: Rogério Chequer (Vem pra Rua), Kim Kataguiri (MBL e então colunista da
Folha de S.Paulo), Rui Falcão (Presidente Nacional do PT), Guilherme Boulos (MTST e
então colunista da Folha de S.Paulo). Lula e Dilma também foram fontes em atos públicos
pró-governo, assim como intelectuais, artistas e políticos em atos contra o governo interino de
Michel Temer – Caetano Veloso, Jean Wyllis e Marcelo Freixo (PSOL). De modo geral, o
noticiário foi crítico, com tendência a manter o equilíbrio na transmissão da informação.
A Folha de S.Paulo publicou 24 notícias sobre atos públicos contra o impeachment de
Dilma Rousseff e 11 a favor do impeachment, com teor equilibrado/factual/objetivo e/ou
crítico/desfavorável aos grupos e manifestantes protagonistas dessas pautas. Além destas
matérias, houve a publicação de outras reportagens que não abordaram diretamente as
manifestações, como as pesquisas do instituto Datafolha.
Entre as reportagens de teor equilibrado e objetivo, com apresentação de relatos sobre
número de participantes nos eventos, descrição das manifestações ou atos públicos, citações
de fontes, estão: Temer sabe que o que estão fazendo é golpe, diz Lula” e “Dilma diz não
permitir mancha na democracia” (2 de abril de 2016); “Muro dividirá atos pró e contra
governo” (11 de abril de 2016); “Grupos anti-impeachment planejam primeiro de maio
histórico” (19 de abril de 2016); “Caetano canta Odeio Você e plateia responde Temer (21 de
maio de 2016); e “Parada LGBT de São Paulo em faixas e gritos de Fora Temer”.
Com relação às reportagens desfavoráveis às manifestações contra o impeachment
publicadas pela Folha de S.Paulo, temos: “MST invade afiliada da Globo em Goiânia” (9 de
março de 2016); “Manifestantes a favor de Dilma fecham avenida Paulista em SP”,
“Militantes agridem jornalistas em Brasília” e “O Levante picha diretório do PMDB em SP”
(13 de maio de 2016). Nesses noticiários, os textos e as fotografias do jornal são de tom
136
crítico e de “agressividade” aos atos organizados pelos grupos de apoio ao governo Dilma.
Observamos a mesma postura no que se refere a ações a favor do impeachment, como
“Grupos anti-Dilma farão protestos no fim de agosto” (27 de julho de 2016) com tendência
neutra; e “Movimentos antigoverno não divulgam receita”, “Grupos ressaltam que não
recebem dinheiro público” (3 de abril de 2016), com teor crítico e desfavorável.
Notamos também a influência dos grupos (pró e contra) “virtuais” na agenda pública
por meio de reportagens como “Deputados se dizem pressionados por sites pró e contra
impeachment” e “Muro dividirá atos pró e contra o governo” (11 de abril de 2016), esta
última informa que Vem pra Rua instalou “mapa do impeachment” com os parlamentares
separados por seções a favor, contra ou indeciso. Aqui, notamos a influência das estratégias
de comunicação de grupos articulados e organizados nos ambientes virtuais na elaboração das
pautas da grande mídia.
A Folha de S.Paulo busca traçar o perfil dos manifestantes a favor e contra o governo
por meio da divulgação de pesquisa do instituto Datafolha como “Em atos pró e contra Dilma,
‘coxinhas’ são grupo majoritário (2 de abril de 2016), em que o jornal apresenta certa
semelhança entre os perfis socioeconômicos dos manifestantes, sendo a principal distinção a
posição política. Em outra reportagem a pesquisa aponta “Público de atos a favor e contra
Dilma rejeita Temer” (19 de abril de 2016).
De modo geral, a Folha de S.Paulo apresentou um noticiário diverso e crítico com
relação ao tema das manifestações públicas relacionadas ao impeachment de Dilma Rousseff.
Porém, não deixou de fazer “recortes” no noticiário sob os interesses e os pontos de vista
particulares enquanto uma empresa de comunicação jornalística.
4.2.3. Os vestígios das ações de comunicação dos grupos “virtuais” na grande mídia
No decorrer deste estudo, buscamos encontrar no trabalho da ação jornalística de O
Globo e Folha de S.Paulo o quanto as ações de comunicação nas redes sociais virtuais dos
grupos que atuaram no processo de impeachment, independentemente da posição partidária,
refletiram nas pautas na imprensa. Nesta análise, observamos se as reportagens faziam
menção às ações agendadas e divulgadas pelos grupos no Facebook; se as datas e o teor das
notícias estavam relacionados às atividades dos eventos organizados pelos grupos nas redes
sociais. Por fim, fizemos o cruzamento das reportagens veiculadas na imprensa com os
conteúdos relacionados aos atos e às manifestações públicas postados nas fanpages.
137
O processo de impeachment foi um “acontecimento” jornalístico, portanto, os diversos
debates sobre o tema incitaram as redações na produção de notícias. As manifestações e os
atos públicos fizeram parte da cobertura jornalística dos veículos dentro de um leque maior,
uma crise institucional, política e econômica do país.
As atividades promovidas nos ambientes pelos grupos pró e contra o impeachment
serviram de norte para que as redações da grande mídia pautassem seus jornalistas sem
necessariamente aderirem ao discurso propagado ou defendido por cada um deles. No entanto,
há de se considerar que os grupos se tornaram fontes dos media, especialmente, na Folha de
S.Paulo, em que, inclusive, lideranças integravam a lista de colunistas do jornal, a exemplo de
Kim Kataguiri (MBL) e Guilherme Boulos (MTST).
Vimos, ainda, que o processo da produção jornalística está carregado de uma
“intenção”. Os jornais O Globo e Folha de S.Paulo apresentaram posicionamentos diferentes
na cobertura dos “acontecimentos”, evidenciando interesses e pontos de vista particulares.
Tais posturas fazem com que não cessemos o debate quanto à ética na imprensa (BUCCI,
2003), padrões de manipulação da notícia (ABRAMO, 2003) e que busquemos alternativas de
informação para além da grande mídia.
Nesta análise, notou-se que o jornal O Globo atuou no sentido de deslegitimar o
governo da então presidente da República, dando ênfase à crise política e econômica por meio
de reportagens desfavoráveis à sua gestão. As manifestações entraram no fluxo do debate
adotado pelo veículo. Na Folha de S.Paulo verificou-se maior rigor da redação, na medida em
que buscou equilibrar o debate sobre o assunto, mas não deixou de produzir notícias críticas,
por vezes “desfavoráveis”, ao governo Dilma, segundo seus interesses e intenções. Postura
que manteve no desenvolvimento da cobertura analisada, envolvendo outros protagonistas.
Quanto às manifestações prezou pela diversidade das fontes, pelo rigor na denominação de
seus atores. O veículo deu mais “voz” aos eventos contra o impeachment, talvez em
decorrência do maior número de atividades articuladas no Facebook pelos grupos desta ala.
Em suma, as ações de comunicação dos grupos investigados nortearam a ação
jornalística, mas a cobertura dos media se deu para além da atuação destes nos ambientes
virtuais e a partir dos interesses de cada veículo. O principal fator-notícia foi a crise
institucional política e econômica do país, sendo as manifestações públicas pelo impeachment
parte deste contexto. Tem-se de considerar ainda a força de engajamento dos grupos
“virtuais” que se fortalecem na medida em que atuam no campo real. Espera-se que dessas
138
articulações e mobilizações haja um debate sério capaz de promover as transformações e
melhorias para um futuro promissor que a sociedade e o Brasil tanto precisam.
4.3. Grampo telefônico da conversa de Dilma e Lula: o estopim da crise
política sob os “olhares” da grande mídia e imprensa alternativa
Na apuração de notícias veiculadas na imprensa e nos estudos bibliográficos desta
dissertação, notamos quão importante é considerarmos outros fatores do contexto social e
institucional neste processo como interesses econômicos, políticos, político-partidários e dos
media. Este estudo exploratório originou-se da investigação, cujo foco era o impacto das
ações de comunicação dos grupos que se articularam nos ambientes virtuais no movimento de
impeachment de Dilma na cobertura da imprensa. Neste processo, nos deparamos com um
fato jornalístico pontual do contexto do impeachment que ocupou espaço significativo no
noticiário de O Globo e Folha de S.Paulo. A partir deles, fomos instigados a ampliar os
estudos para além da imprensa convencional, incluindo observações acerca do noticiário da
imprensa alternativa.
O estudo empírico teve o objetivo de compreender melhor o papel e a participação da
imprensa a partir de um “acontecimento” relevante no contexto do impeachment. A proposta
foi refletir sobre a prática do jornalismo enquanto função social a partir do noticiário acerca
da divulgação do áudio entre Dilma e Lula, após a nomeação dele para o ministério da Casa
Civil, em 16 de março de 2016, na grande mídia e na imprensa alternativa.
A liberação do sigilo das gravações interceptadas pela Polícia Federal (PF) foi
autorizada pelo juiz Sergio Moro que investigava o ex-presidente na Operação Lava Jato. A
conversa ocorrera fora do prazo determinado pela justiça para a gravação, mas foi divulgada,
ao que parece, em razão da nomeação de Lula para compor o ministério de Dilma. Essa
indicação foi interpretada como suposição de dar ao ex-presidente foro do Supremo Tribunal
Federal (STF). Os investigadores da PF não suspenderam as interceptações telefônicas e
informaram Moro sobre o telefonema que, ao se apropriar do teor da conversa, autorizou a
divulgação deste e outros áudios sob a alegação de “interesse público”.
A pesquisa exploratória nos veículos de imprensa compreendeu a análise de
reportagens veiculadas no dia seguinte ao “acontecimento”, em 17 de março de 2016, nos
jornais da grande mídia a Folha de S.Paulo e em O Globo, em contraponto com as notícias de
Caros Amigos, Agência de Notícias Carta Maior e Jornalistas Livres que se posicionam no
âmbito da imprensa alternativa. A investigação abrangeu 44 notícias sobre o “acontecimento”
139
e/ou geradas a partir dele. No estudo, analisamos a objetividade subjetiva do jornalismo, com
base na concepção Bucci (2003, p.93-95):
A objetividade passará a depender de iniciativas subjetivas daqueles que são
notícia, e estas, por sua vez, só podem ser observadas por habilidades
também subjetivas daqueles encarregados de informar o público (...). [O
jornalismo] existe para pôr as ideias em confronto, para realizar o debate
público, para suprir os habitantes do planeta das notícias diversas de que
eles passaram a precisar para mover-se e tomar decisões na democracia
moderna (...). Quando o jornalismo busca objetividade, está buscando
estabelecer um campo intersubjetivo crítico entre os agentes que aí atuam:
os sujeitos que produzem o fato, os que observam e o reportam, e os que
tomam conhecimento do fato por meio do relato (...). A objetividade no
jornalismo, que é intersubjetividade, não pede isenção total – pede
equilíbrio.
Dividimos as reportagens em dois blocos: um que trata exclusivamente das conversas
de Dilma com Lula e outros áudios de Lula; e outro de notícias geradas a partir deste
“acontecimento”, como pedido de renúncia de parlamentares, protestos pelo país, atos de
apoio a Lula e Dilma e entrevista de Dilma sobre nomeação de Lula. Das 44 reportagens
analisadas, 32 resultam da grande mídia e 12 da imprensa alternativa. O objetivo foi analisar o
impacto da cobertura jornalística da grande mídia e imprensa alternativa sobre o grampo
telefônico envolvendo Dilma e Lula após a nomeação (não efetivada) do ex-presidente para o
ministério da Casa Civil no processo de impeachment da presidente.
QUADRO 10 – Análise exploratória de reportagens do dia 17 de março de
2016 na grande mídia e imprensa alternativa
Grande mídia – O Globo e Folha de S.Paulo
Veículos Reportagens sobre o grampo Reportagens correlacionadas
O Globo
(impresso)
3 notícias
Diálogo Ameaça Dilma (Capa)
Ação contra a Justiça
Antes do grampo, uma versão diferente
3 notícias
Ruas explodem em protestos e panelaços...
...No Congresso, oposição exige renúncia
O governo tinha um plano
Análise de
O Globo
A conversa entre Lula e Dilma e outros áudios entre a cúpula do governo dão indícios
de que a nomeação do ex-presidente seria uma estratégia para livrá-lo das
investigações da Lava Jato. A divulgação dos diálogos causou protestos nas ruas e de
parlamentares contra o governo; e PF e especialistas ouvidos pelo veículo viram
tentativa de obstrução à Justiça. Lula com medo das investigações. Críticas à nomeação
pressionam Dilma a dar explicações em coletiva sobre o comando do governo. As
principais fontes são contra o governo; atos pró-governo são minimizados no
noticiário; não há menção sobre a legalidade da divulgação dos grampos. Apenas o
MBL foi citado em reportagem sobre as manifestações em Brasília ao levar carro de
som às ruas. Em citação sobre ato pró-Dilma, o jornal informa que cerca de 20 pessoas
140
participam do protesto. Estas foram embora após discussão e dispersadas com gás
lacrimogêneo. Articulações nas redes sociais voltadas ao engajamento social também
foram lembradas.
Considerações gerais: o noticiário mostra um governo fragilizado, sem apoio popular,
que busca a todo custo manter-se no poder. A liberação dos áudios teria frustrado a
estratégia de Dilma e Lula para evitar o impeachment e tirar o país da crise. Ao ocultar
a informação sobre a legalidade dos áudios e/ou minimizar ações e fontes pró-governo;
e ao dar visibilidade a fatos que reforçam a crise no governo, nos parece que o jornal
assume claramente um posicionamento, quando, na verdade, deveria ater-se a cumprir
sua função social. Verificam-se pelo menos dois padrões de manipulação da notícia:
ocultação pela ausência de fatos na produção da imprensa, e fragmentação, pela
seleção de aspectos do fato e descontextualização do acontecimento (ABRAMO, 2003,
p.25-28). Portanto, não há equilíbrio no fazer jornalístico, consequentemente, não há a
objetividade defendida por Bucci (2003).
Folha de S.Paulo
(impresso)
18 notícias
Capa
Grampos telefônicos
Presidente atuou para evitar prisão de
Lula, indica gravação
Planalto afirma que Moro violou lei com
vazamento
Painel – Celular utilizado por Lula estava
em nome de um laranja
Não há mais condições políticas para
petista assumir a Casa Civil
Páginas internas
Painel – Celular era do amigo
Dilma atuou para tentar evitar a prisão de
Lula, indica gravação da PF
Lava Jato aponta tentativa de turvar as
investigações
Especialista citam obstrução da Justiça;
outros contestam gravação
O que dizem os especialistas
Grampo de Dilma ocorreu após o veto de
Moro
PF responsabiliza juiz pelo uso das
gravações
Dilma afirma que teor da gravação é
republicano
Cúpulas estão acovardadas, afirma
petista
Em grampo, petista reclama a ministro
da Fazenda sobre investigação da Receita
Lula cobra ministro da Justiça pulso com
PF
Lula diz que delação sem PSDB é fraude
e ironiza Marta Suplicy em conversas
8 notícias
Deputados fazem coro no plenário por
renúncia
Temer diz a aliados que ficou perplexo
com as gravações
Protesto em Brasília tem bombas e ferido
Esquerda faz ato de apoio a Dilma e Lula
em SP
Dilma nomeia Lula às pressas
Indústria quer discutir ação na crise
Repercussão internacional - jornais
internacionais repercutiram indicação do
ex-presidente Lula para Casa Civil do
governo Dilma
‘Grampo’ faz ativo brasileiro disparar
141
Moro venceu corrida com o Planalto ao
levantar sigilo de áudio
Análise de
Folha de S.Paulo
A maior parte do noticiário aborda o grampo telefônico das conversas entre Lula e
Dilma e outros áudios de Lula. O veículo traz várias nuances sobre o “acontecimento”
a partir da manchete “Presidente atuou para evitar a prisão de Lula, indica gravação”,
na busca de um debate “crítico” sobre o fato. A repercussão da legalidade das
gravações e atos de apoio ao governo entram noticiário. Contudo, a maior parte é
crítica ao governo. Nas 24 fotos que ilustraram as matérias, dez são de manifestações e
protestos nas ruas contra o governo. Estas foram usadas mesmo quando a notícia não
se referia a atos públicos, o que transmite ao leitor um momento de crise política no
país com mobilização da sociedade contra as ações do governo. O jornal se utiliza das
fontes (pró e contra o governo) para promover o “debate” em suas reportagens. O MBL
e o Vem pra Rua foram citados como principais organizadores dos protestos do último
domingo (13 de março de 2016). Embora não haja citação dos outros grupos estudados,
o jornal faz a cobertura de atos pró-Dilma, com citações de fontes de apoio à
presidente.
Considerações gerais: o noticiário mostra um governo em crise, cuja última tentativa
de reagir a tal situação se mostrou frustrada. Neste episódio, Dilma e Lula são
protagonistas e têm suas imagens arranhadas. O jornal promove o “debate” crítico
sobre a divulgação e o teor dos áudios, ouvindo fontes pró e contra o fato. Apesar de a
cobertura buscar o equilíbrio da notícia em prol do “pluralismo” e “jornalismo crítico”,
o noticiário contra o governo tem maior visibilidade, seja por meio de fotos; disposição
de texto; ilustrações; tamanho, linha fina e título da notícia, entre outros aspectos
editoriais. Verifica-se, aqui, a manipulação da notícia pelo padrão da inversão, que está
relacionado ao “reordenamento das partes, a troca de lugares e de importância dessas
partes, a substituição de umas por outras (...). É um padrão que (...) tem seu reinado por
excelência no momento da preparação e da apresentação final, ou edição, de cada
matéria ou conjunto de matérias” (ABRAMO, 2003, p. 28-29). Na Folha de S.Paulo, o
equilíbrio da informação é comprometido no processo de edição da notícia, mesmo que
sutilmente, apesar do jornal ter perseguido o pluralismo na veiculação das notícias.
Imprensa alternativa – Caros Amigos, Carta Maior e Jornalistas Livres
Veículos Reportagens sobre o grampo Reportagens correlacionadas
Caros Amigos (on-
line)
3 notícias
Dilma critica grampos de conversa com
Lula e diz que "golpes começam assim"
Após grampos, Lula pede 'simplesmente
justiça' em carta Aberta
Moro grampeou 25 advogados que atuam
em escritório que defende Lula, diz nota
4 notícias
Liminar que suspende posse de Lula visa
tumultuar, afirma professor da FGV
Cai liminar do DF que impedia posse de
Lula; AGU chama juiz de "engajado"
contra Dilma
SP: Juristas fazem ato em defesa da
legalidade
"Direita brasileira não quer perder seus
privilégios", diz Pepe Mujica
Análise de
Caros Amigos
As reportagens analisadas tratam da posse de Lula, no dia 17 de março, e não de sua
nomeação e dos grampos telefônicos como verificado na grande mídia. Por essa razão,
procuramos observar o trato dado às notícias sobre os assuntos relacionados ao
governo. O noticiário é favorável a Dilma e Lula. O veículo publica notas na íntegra
enviadas à redação. A versão sem edição dá veracidade à informação. As fontes
ouvidas também são pró-governo. O veículo traz notícias que, comumente, não entram
na pauta da grande mídia. Exemplos: a de interceptações telefônicas da PF no
escritório dos advogados de defesa de Lula, e da liminar que suspende posse de Lula,
cujo juiz teria feito postagens nas redes sociais de participação de atos contra Dilma.
Reprodução do discurso do governo no que tange “a luta contra o golpe” por meio de
notícias e de entrevistas com as fontes.
Considerações gerais: o noticiário evidencia posicionamento pró-governo e de
142
tendência esquerda. Coloca em pauta assuntos não abordados pela grande mídia,
mostrando que a sociedade não tinha um discurso uníssono. Reproduz o discurso do
governo de “luta contra o golpe” por meio de textos e/ou fontes. A Caros Amigos
crítica a grande mídia, fazendo jus à sua proposta de ser uma publicação “contra-
hegemônica, alternativa e de reflexão crítica do pensamento neoliberal”, porém, nos
parece que deixa transparecer um certo partidarismo na produção da notícia. Sobre
isso, Bucci alerta: “o que não pode haver é uma ligação formal de subordinação
pública entre o jornalista dedicado à cobertura política e um partido: ele não está na
profissão para obedecer um partido, mas ao interesse público” (2003, p.104).
Carta Maior
1 notícia
Moro usa grampo ilegal na sua cruzada
contra Lula
1 notícia
A resistência no TUCA e a marcha do golpe
Análise de
Carta Maior
Reportagem aborda a legalidade dos grampos telefônicos e a divulgação dos áudios
autorizados pelo juiz Sergio Moro. Mas, utiliza expressões com juízo de valor em sua
cobertura. Sugere que haveria uma ação conjunta da PF, Moro e mídia para derrubar
Lula e Dilma a qualquer preço. Questiona a forma de divulgação da informação de
veículos das Organizações Globo – Globo News e CBN – e também da Folha de
S.Paulo. Mostra grupos aliados, como intelectuais e diferentes correntes progressistas,
para “planejamento de luta que agora urge”. Faz referências às manifestações pró e
contra o governo.
Considerações gerais: o noticiário é todo pró-governo. Evidencia sua postura crítica
quanto à imprensa e grupos hegemônicos. Mostra o engajamento da sociedade pela
democracia, reproduzindo o discurso do governo e de movimentos contra o
impeachment e de apoio a Lula e Dilma. Apresenta uma cobertura jornalística fora dos
padrões da imprensa convencional, mas não segue a cartilha de objetividade subjetiva
do jornalismo. Sabemos que “a neutralidade é impossível e a objetividade (...) é uma
conquista efêmera, (...) mas, sobretudo, em política, um mínimo de distanciamento
crítico pode e deve ser pretendido pelos profissionais de imprensa” (BUCCI, 2003,
p.112).
Jornalistas Livres 1 notícia
O golpe de Moro, o assédio moral e o
terror político (link para reportagem da
CBN sobre manifestação)
2 notícias
Manifestantes agridem jovens em ato contra
nomeação de Lula à Casa Civil (texto/vídeo)
Guilherme Boulos em ato pela legalidade
democrática (texto/vídeo)
Análise de
Jornalistas Livres
O artigo que aborda a liberação dos áudios de Dilma e Lula por Moro seria uma forma
de o juiz revidar a nomeação do ex-presidente como ministro-chefe da Casa Civil.
Suscita que estaria havendo perseguição a Lula; e terrorismo judicial a partir de uma
aliança entre mídia e MPF contra a vontade de uma parte significativa da opinião
pública. Ilustração remete à ligação entre Moro e Organizações Globo. A inserção de
matéria veiculada pela CBN mostra versão ocultada pelo noticiário da grande mídia:
manifestantes contra o governo agridem jovens que se posicionam a favor do governo.
Noticiário mostra ação de movimentos sociais e populares em atos de apoio ao
governo. Críticas à grande mídia. Acontecimento é visto como um ato “golpista” e que
haverá resistência.
Considerações gerais: os conteúdos postados na rede são críticos à atuação da
imprensa convencional e ao judiciário. Ao mostrar que movimentos populares e sociais
apoiam Lula e Dilma; e que manifestantes contra o governo podem ser truculentos, o
veículo dá vida à outra versão dos fatos, não “lembrado” pela grande mídia. Os
materiais investigados dão conta que a rede se posiciona favorável ao governo. Aqui, o
veículo cumpre seu papel de ser uma alternativa aos grandes veículos da imprensa.
A análise de um mesmo “acontecimento” mostrou que a produção jornalística se dá a
partir de “intenções” que inclui a participação do jornalista no desenvolvimento deste
143
processo. Contudo, o produto final segue as diretrizes das instituições jornalísticas que estão à
frente do trabalho e são soberanas na decisão sobre como a informação que será transmitida à
opinião pública.
A grande mídia e a imprensa alternativa apresentam particularidades que as colocam
num ou noutro grupo, mas esses meios são independentes no “fazer jornalismo”. Da corrente
da grande mídia, O Globo e Folha de S.Paulo, vimos que o fato investigado consumiu horas
de trabalho nas redações, que os veículos têm uma significativa estrutura de profissionais
considerando o volume de matérias produzidas e diferentes autores dos textos; Lula, Dilma e
Sergio Moro foram protagonistas dos noticiários; os protestos contra o governo receberam
destaque nas páginas dos jornais; se posicionaram de forma crítica ao governo, no entanto,
cada qual “manipulou” as informações segundo seu posicionamento político-ideológico.
De modo geral, a imprensa alternativa, por sua vez, nos pareceu ter uma estrutura
menor, que se refletiu na quantidade de conteúdos produzidos; atuou no sentido de “desvelar”
assuntos não tratados pela grande mídia; mostrou-se próxima a movimentos sociais e
populares, e grupos de esquerda, entre outros; criticou a imprensa tradicional. No caso
investigado, os veículos estudados se colocaram favoráveis ao governo, contra o judiciário e
críticos no “fazer jornalismo” pela grande imprensa, mas também apresentam diferenças entre
si e também fizeram “recortes” segundo seus pontos de vista e intenções.
4.3.1. Considerações sobre a prática jornalística na contemporaneidade
Ao pensarmos na prática jornalística, espera-se que os profissionais e as instituições
que transmitem uma informação noticiosa, a partir de um “acontecimento”, prezem por
conteúdos que promovam o debate crítico no sentido de fazer valer a função social do
jornalismo. Espera-se que o jornalismo contribua para a formação da opinião pública, ou seja,
que os relatos sejam um recorte da realidade, sem manipulações e/ou intenções carregados de
interesses econômicos e políticos.
Nesta pesquisa exploratória, em que analisamos cinco veículos de comunicação,
notamos quão complexo e discutível é a prática jornalística. Notamos a imponência da grande
mídia no processo de produção da notícia a partir da cobertura do grampo telefônico da
conversa de Dilma e Lula a respeito da nomeação dele para ministro-chefe da Casa Civil.
Neste processo, há de se considerar o poder de difusão da notícia. Em tese, deveríamos ter
observado certa similaridade nos relatos dos jornais O Globo e Folha de S.Paulo acerca do
“acontecimento”, contudo, não foi o constatado. O primeiro, por exemplo, sequer chegou a
144
mencionar em seu noticiário a questão da legalidade da divulgação dos áudios. O segundo,
por sua vez, embora tenha praticado um jornalismo mais “plural” e “crítico” reservou mais
páginas para conteúdos desfavoráveis ao governo, o que não haveria problema se houvesse
equilíbrio no debate proposto pelo jornal. Daí a importância da imprensa alternativa de expor
pautas para além do jornalismo convencional. Isso não quer dizer apoiar esse ou aquele
governo. O valor do noticiário deste tipo de imprensa é trazer luz a discussões não
apresentadas pela grande mídia por “intenções” diversas.
Notou-se que a divulgação do “acontecimento” à exaustão pela grande mídia inflou
ainda mais a crise econômica e política no governo Dilma, sendo fato relevante no contexto
do movimento do impeachment. Em nossa concepção é evidente que o “fato” seria e merecia
ser repercutido pelos media, mas esperava-se um “fazer criativo do jornalismo” pautado por
um controle consciente da “intenção”, que é a “liga abstrata que funde ética e técnica, na
busca de uma estética significativa para o processo” do jornalismo (CHAPARRO, 2000,
p.116). A imprensa alternativa foi uma opção aos grandes jornais ao tratar de temas não
“lembrados” pela cobertura convencional, embora tenha resvalado no partidarismo político.
Espera-se que a grande mídia e a imprensa alternativa se empenhem e possam cumprir, um
dia, a função social que se espera de grupos e instituições de comunicação social, apesar das
relações complexas da ação jornalística.
145
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Neste trabalho, buscamos apresentar elementos que auxiliassem nossa discussão sobre
as manifestações públicas no processo de impeachment de Dilma Rousseff em 2016 e, mais
especificamente, as articulações e a organização de parte da sociedade nos ambientes virtuais
como forma de fortalecer o engajamento e a participação social em prol de suas demandas,
transformação e mudança social. Mas, de onde veio o interesse pela pesquisa?
Filha de pai metalúrgico que viveu o auge do período sindicalista nos anos de 1980,
ainda menina, nós sempre gostamos de acompanhar os debates políticos e manifestações da
sociedade pela televisão. Coitado do nosso pai. Não aguentava o tanto de pergunta que
fazíamos quando sentávamos ao seu lado para assistir ao noticiário. Depois, trabalhamos no
meio político e com políticos, seja como repórter ou assessora de imprensa, em alguns
momentos de nossa jornada profissional. Na ocasião do processo de impeachment de Dilma
sempre questionávamos sobre o comportamento dos cidadãos brasileiros diante do debate
sobre o cenário político, seja no espaço público real e ou virtual. Havia momentos em que
parecíamos estar diante de uma grande guerra na qual tínhamos de aderir ao lado A ou B.
Com o intuito de compreender melhor este cenário singular da história do país,
passamos a observar extratos da sociedade que se articularam e se manifestaram nos
ambientes on-line e off-line. Assim, chegamos ao estudo que analisou as manifestações
públicas pró e contra o impeachment de Dilma Rousseff a partir de quatro grupos organizados
e articulados na rede social on-line Facebook. Eles foram selecionados com base em sua forte
representatividade na articulação nos manifestos públicos e sua aderência junto aos seguidores
em suas fanpages. Para dar equilíbrio à análise proposta, os dividimos igualmente em dois
segmentos: Movimento Brasil Livre (MBL) e Vem pra Rua (a favor do impeachment); e
Frentes Povo Sem Medo e Brasil Popular (contra o impeachment).
Notamos que os convites virtuais no Facebook foram uma das principais ferramentas
de comunicação dos grupos na rede social para instigar parte da sociedade a participar de atos
públicos envolvendo o impeachment de Dilma. Os grupos adotaram estratégias similares para
compor e divulgar as peças de comunicação na rede social para persuadir os seguidores a irem
aos eventos no mundo off-line. De modo geral, os convites apresentaram chamada de
impacto, protagonistas-chave, marcas identitárias e serviço de utilidade pública com data e
local das ações. Elementos do cenário social e institucional do momento em questão, como
personalidades e fatos de conhecimento público, compuseram os convites virtuais – os posts
propriamente ditos com os dados primários; e os detalhes do evento no complemento das
146
informações. Na medida em que avançamos nossos estudos a partir dos grupos MBL, Vem
pra Rua e Frentes Povo Sem Medo e Brasil Popular, passamos a questionar como classificá-
los. Seriam eles movimentos sociais, movimentos populares, comunidades virtuais ou são
apenas grupos de pessoas que se uniram por uma causa coletiva num momento único da
história do Brasil?
A partir dessa investigação, nos deparamos com uma nova configuração de esfera
pública na contemporaneidade que ganha novos contornos com o avanço das tecnologias de
informação e comunicação (TICs). É uma sociedade híbrida, ainda em formação, que utiliza o
ciberespaço para disseminar suas posições e obter apoio em prol de suas lutas e ideais. A
organização e articulação dos atores sociais nos ambientes on-line nos motiva ainda a refletir
sobre o eixo estrutural da esfera pública tradicional, composto por sistema político, sociedade
civil e os meios de comunicação. Para Martuccelli (2015), temos na contemporaneidade um
quarto bloco da esfera pública – a galáxia da internet – que resulta da difusão das novas
tecnologias e impacta não apenas os blocos tradicionais, mas também transforma a relação
entre eles e seus atores sociais.
A contextualização teórica sobre movimentos sociais e populares, desde abordagens
clássicas até as contemporâneas; e participação e comunicação popular no contexto do
ativismo digital nos deu subsídio para entendermos os perfis do MBL, Vem pra Rua e das
Frentes Povo Sem Medo e Brasil Popular no processo do impeachment de Dilma. De modo
geral, os grupos representaram formas de manifestações coletivas, sem necessariamente serem
classificados como movimentos sociais populares. Nas análises feitas nos perfis dos grupos
das redes sociais não identificamos características inerentes ao conceito de movimento social,
como consistência de laços, identidades compartilhadas, durabilidade e clareza de táticas e
estratégias que envolvessem um projeto amplo e universal de sociedade voltado à cidadania.
Percebemos também que a visibilidade obtida por líderes dos grupos serviram de
trampolim para eles ingressarem na carreira política, como Fernando Holiday, do MBL, que
assumiu uma cadeira na Câmara de São Paulo, pelo DEM, em 2016; Rogério Chequer, do
Vem pra Rua, que concorre ao governo do Estado de Paulo, pelo Partido Novo, nas eleições
de 2018; e Guilherme Boulos, da Frente Povo Sem Medo, que disputa o pleito de presidente
da República pelo PSOL, nas eleições de 2018.
Os grupos das redes sociais analisados fazem parte desta “terceira onda da sociedade
civil” (SORJ, 2015), que tem o ciberespaço como alicerce para o desenvolvimento de suas
ações e que emerge, inclusive, de grupos constituídos off-line. Diante deste cenário, as
147
relações entre este novo bloco da esfera pública e as organizações formais ainda estão sem
contornos definidos. Há muito a se estudar sobre os movimentos contemporâneos, mas fato é
que as mobilizações no campo cibernético servem de alerta à opinião pública e aos poderes
instituídos. No âmbito dos grupos do impeachment, notamos que, independentemente do
posicionamento e/ou ideologia política, eles se manifestaram publicamente nos ambientes on-
line e off-line de forma crítica à gestão da presidente da República, reforçando a necessidade
de transformação e mudança social, sobretudo no âmbito das diretrizes políticas e econômicas
do Brasil naquela ocasião. Temos, aqui, a sociedade civil em constante luta por mudanças e
transformações sociais a partir de suas demandas e necessidades.
Também observamos que a forma de articulação e organização se deu por grupos que
se conectaram como comunidades virtuais. A estrutura se apresentou semelhante a um cluster,
ou seja, um aglomerado de nós conectados, em que houve interação social mútua em torno de
interesses comuns, seja a favor ou contra o impeachment. Neste sentido, o MBL, o Vem Pra
Rua e as Frentes Povo Sem Medo e Brasil Popular se apropriaram de ferramentas
tecnológicas da atualidade disponíveis para disseminar e reverberar seus discursos em defesa
de suas causas, sendo a rede social on-line Facebook um canal de comunicação para este fim,
mas não necessariamente de interação entre os todos envolvidos.
Fotos, desenhos, logomarcas e arte gráfica foram elementos utilizados nos convites
virtuais para que os grupos fossem identificados perante o público seguidor e promovessem a
divulgação e disseminação de suas ações que ocorreriam nos ambientes off-line. Contudo, não
houve interação dos grupos com os internautas que acompanharam seus perfis na rede social.
As interações nos perfis deles foram exclusivamente entre seguidores. Assim, a relação
estabelecida nos ambientes virtuais pelos quatro grupos foi de laços sociais fracos, oriunda de
relações “esparsas, que não traduzem proximidade e intimidade” (RECUERO, 2011), e a rede
social Facebook foi utilizada como instrumento facilitador para inserir a ação proposta por
cada uma deles na agenda pública, com vistas ao engajamento e à participação social em atos
e manifestações públicas em diversas localidades do país.
Nesta nova configuração da sociedade civil, observamos ainda que as atividades dos
movimentos contemporâneos estão interconectadas de tal modo que as análises a serem feitas
devem considerar as ações dos mundos on-line e off-line. Convergimos para as observações
de Sorj (2015, p.36) de que “a dinâmica e consequências do ciberativismo não devem ser
dissociadas de suas consequências para e interação permanente com o mundo off-line”. No
mundo off-line as organizações se fortalecem, os debates que emergem dos ambientes digitais
148
parecem ganhar notoriedade, capaz inclusive de promover senão mudanças efetivas, pelo
menos novas reflexões sobre os rumos da sociedade.
No caso do impeachment de Dilma Rousseff, em 2016, os grupos das redes sociais,
tanto contra e a favor o processo, podem não ter sido o protagonista único do processo, mas
tiveram relevante participação, especialmente na agilidade e ampliação da informação do
processo de transformação social, assim como outras alas da esfera pública. Buscamos
ampliar nossos olhares quanto a essa perspectiva na análise sobre as manifestações públicas a
partir da cobertura jornalística da grande mídia e imprensa alternativa.
Ao analisar o trabalho da ação jornalística nos veículos O Globo e Folha de S.Paulo,
observamos que o processo de impeachment foi um “acontecimento” jornalístico, sendo as
manifestações e os atos públicos parte da cobertura da imprensa. Neste contexto, as ações de
comunicação dos grupos nortearam a ação jornalística, mas a cobertura dos media se deu para
além da atuação destes nos ambientes virtuais e a partir dos interesses de cada veículo.
O principal fator-notícia foi a crise institucional política e econômica do país, como
verificamos em um fato jornalístico pontual do contexto do impeachment que ocupou espaço
significativo no noticiário de O Globo e Folha de S.Paulo: a divulgação do áudio entre Dilma
e Lula, após a nomeação dele para o ministério da Casa Civil, em 16 de março de 2016. A
partir daí, ampliamos os estudos com observações sobre o noticiário da imprensa alternativa –
Caros Amigos, Agência de Notícias Carta Maior e Jornalistas Livres.
Nas análises das notícias veiculadas na grande mídia e imprensa alternativa, notamos
que os atores das redes sociais on-line fizeram parte de um contexto social e institucional da
esfera pública, e cada um, a seu modo, teve um papel e contribuição no arcabouço do
processo de impeachment de Dilma Rousseff. Observamos que os próprios meios de
comunicação são atores da esfera pública dentro do macrocenário do impeachment, o que
reforça nossos apontamentos no que concerne à hipótese desta pesquisa.
Partimos da hipótese de que a atuação dos atores nos ambientes virtuais contribuiu
para dar visibilidade a suas ações no mundo off-line. Concebemos as ferramentas tecnológicas
como potenciais instrumentos de articulação, mobilização, empoderamento e engajamento
social para proposição de transformações sociais, desde que os cidadãos delas se apropriem.
No contexto do impeachment, a análise acerca dos motivos que levaram ao afastamento de
Dilma do Palácio do Planalto perpassa por diversos outros fatores além das articulações de
atores nas redes sociais, entre os quais interesses econômicos, políticos, políticos partidários,
posicionamento dos meios de comunicação, em níveis local e global.
149
Pelo percurso deste estudo, verificamos que o afastamento definitivo de Dilma como
chefe de Estado foi consequência de um processo longo e gradativo, com raízes plantadas no
primeiro governo (2011-2014). A adoção de medidas políticas e econômicas fez com que
diversos atores sociais participassem desta história, entre eles representantes do meio
financeiro/bancos, da classe média tradicional, de empresários industriais e de entidades de
classe. A perda de apoio em diversos segmentos da sociedade, que culminou com milhares de
pessoas nas ruas de 2013 a 2016, teria sido porque a então presidente “cutucou um número
excessivo de perigosas onças com varas notavelmente curtas” sem considerar qual munição
usaria para uma situação de contra-ataque (SINGER, 2015, p.64-67). Foi inevitável a perda
de apoio político, especialmente depois de uma reeleição tão acirrada, com promessas de
campanha não cumpridas. O impeachment, baseado nas denúncias das pedaladas fiscais e dos
decretos orçamentários, foi tão somente a base legal para a saída de Dilma do governo.
Dessa forma, levantamos a pergunta de pesquisa: como se deu a articulação e ações de
grupos pró e contra o impeachment de Dilma Rousseff por meio das redes sociais on-line nas
manifestações públicas de 2016 no Brasil e a aderência destas atividades na grande mídia e
imprensa alternativa? Notamos, que os grupos das redes sociais estudados – MBL, Vem pra
Rua e as Frentes Povo Sem Medo e Brasil Popular – fizeram parte de um grupo de vários
protagonistas, em cada um teve papel relevante no contexto social e institucional deste
processo. Pela característica de atuação dos grupos, consideramos que a visibilidade deles se
deu na agilidade e ampliação da informação do processo de transformação social da
sociedade, assim como outras alas da esfera pública.
Percebemos que as ações na rede social on-line Facebook dos grupos investigados
nortearam a ação jornalística, mas a cobertura dos media ocorreu para além da atuação destes
nos ambientes virtuais e a partir dos interesses de cada veículo. O principal fator-notícia dos
meios de comunicação foi a crise institucional política e econômica do país, sendo as
manifestações públicas pelo impeachment parte deste grande cenário. Assim, o impeachment
de Dilma foi um processo gradativo, que sofreu influência de diversos atores e fatores do
contexto social e institucional local e global. Parte deste contexto, os grupos constituídos off-
line se apropriaram do ciberespaço para disseminar suas posições e obter apoios fazendo uso
de recursos tecnológicos consonantes com o seu tempo.
Espera-se que das articulações e mobilizações advindas desta nova sociedade civil,
que tem se empoderado da tecnologia em escala mundial para externar suas demandas, haja
um debate sério capaz de promover transformações e melhorias para um futuro promissor que
150
a sociedade tanto precisa. Reforçamos que os estudos acerca das manifestações sociais não se
esgotam nesta pesquisa, uma vez que a história nos mostra que povos de diferentes origens e
credos sempre encontram meios para externar sua insatisfação e indignação frente às ações
impostas pelo poder instituído, fazendo uso de recursos que dispõe. Se considerarmos ainda
que investimentos em tecnologias de informação e comunicação (TICs) não param, ao
contrário são cada vez mais intensos e rebustos, é certo que haverá muito a ser discutido por
pesquisadores de diversas áreas sobre empoderamento e engajamento social a partir da
apropriação destas novas ferramentas pela sociedade.
151
REFERÊNCIAS
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ANEXOS – Posts dos convites virtuais dos grupos do Facebook
MBL
Data Post
4 de março de 2016
13 de março de 2016
17 de março de 2016
157
11 de abril de 2016
12 de março de 2016
17 de março de 2016
158
5 de maio de 2016
3 de agosto de 2016
Vem pra rua
Data Post
13 de março de 2016
2 de abril de 2016
159
17 de abril de 2016
31 de julho de 2016
Povo Sem Medo
Data Post
24 de março de 2016
13 de abril de 2016
1º de maio de 2016
160
12 de maio de 2016
13 de maio de 2016
16 de maio de 2016
22 de maio de 2016
30 de maio de 2016
161
2 de junho de 2016
4 e 5 de junho de 2016
7 de junho de 2016
10 de junho de 2016
5 de julho de 2016
162
14 de julho de 2016
31 de julho de 2016
17 de agosto de 2016
28 de agosto de 2016
29 de agosto de 2016
Frente Brasil Popular
Data Post
18 de março de 2016
163
31 de março de 2016
4 de abril de 2016
17 de abril de 2016
5 de maio de 2016
10 de maio de 2016
164
20 de maio de 2016
25 de maio de 2016
3 de junho de 2016
9 de junho de 2016
10 de junho de 2016
165
166
167
168
15 e 16 de junho de 2016
169
24 de junho de 2016
29 de junho de 2016
3 de julho de 2016
24 de julho de 2016
31 de julho de 2016
170
9 de agosto de 2016
29 de agosto de 2016
30 de agosto de 2016