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UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO UMESP ESCOLA DE COMUNICAÇÃO, EDUCAÇÃO E HUMANIDADES PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO ROGER ALVES DE ALMEIDA REPENSAR A MISSÃO DA IGREJA COM OS OLHOS NO REINO DE DEUS: UMA ANÁLISE DO CONCEITO DE REINO DE DEUS NAS TEOLOGIAS LATINO-AMERICANAS DA LIBERTAÇÃO E DA MISSÃO INTEGRAL SÃO BERNARDO DO CAMPO 2017

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UNIVERSIDADE METODISTA DE SÃO PAULO – UMESP

ESCOLA DE COMUNICAÇÃO, EDUCAÇÃO E HUMANIDADES

PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS DA RELIGIÃO

ROGER ALVES DE ALMEIDA

REPENSAR A MISSÃO DA IGREJA COM OS OLHOS NO REINO

DE DEUS:

UMA ANÁLISE DO CONCEITO DE REINO DE DEUS NAS TEOLOGIAS LATINO-AMERICANAS DA LIBERTAÇÃO E DA

MISSÃO INTEGRAL

SÃO BERNARDO DO CAMPO 2017

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ROGER ALVES DE ALMEIDA

REPENSAR A MISSÃO DA IGREJA COM OS OLHOS NO REINO DE DEUS:

UMA ANÁLISE DO CONCEITO DE REINO DE DEUS NAS

TEOLOGIAS LATINO-AMERICANAS DA LIBERTAÇÃO E DA MISSÃO INTEGRAL

Dissertação apresentada à Universidade

Metodista de São Paulo, como requisito

parcial às exigências do Programa de Pós-

Graduação em Ciências da Religião, para

obtenção do grau de Mestre, sob a orientação

do Professor Doutor Nicanor Lopes.

SÃO BERNARDO DO CAMPO 2017

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FICHA CATALOGRÁFICA

AL64r

Almeida, Roger Alves de

Repensar a missão da Igreja com os olhos no Reino de Deus: uma análise do conceito de Reino de Deus nas teologias latino

americanas da libertação e da missão integral de Gustavo Gutierrez e

René Padilla. / Roger Alves de Almeida. São Bernardo do Campo,

2017.

----150 fls.

Dissertação (Mestrado em Ciências da Religião) – Escola de

Humanidades e Direito, Programa de Pós Ciências da Religião da

Universidade Metodista de São Paulo, São Bernardo do Campo.

Bibliografia

Orientação de: Nicanor Lopes

1. Igreja - Missão 2. Reino de Deus 3. Teologia da libertação 4. Missão integral I. Título

CDD 262.7

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A dissertação de mestrado intitulada: “REPENSAR A MISSÃO DA IGREJA COM OS OLHOS

NO REINO DE DEUS: UMA ANÁLISE DO CONCEITO DE REINO DE DEUS NAS

TEOLOGIAS LATINO-AMERICANAS DA LIBERTAÇÃO E DA MISSÃO INTEGRAL”,

elaborada por Roger Alves de Almeida, foi apresentada e aprovada em 21 de setembro de 2017,

perante banca examinadora composta pelo Prof. Dr. Nicanor Lopes (Presidente/UMESP), Prof.

Dr. Claudio de Oliveira Ribeiro (Examinador/UMESP) e Prof. Dr. Ricardo Bitun

(Examinador/Mackenzie-SP).

____________________________________________________

Prof. Dr. Nicanor Lopes

Orientador e Presidente da Banca Examinadora

____________________________________________________

Prof. Dr. Helmut Renders

Coordenador do Programa de Pós-Graduação

Programa: Pós-Graduação em Ciências da Religião

Área de Concentração: Religião, Sociedade e Cultura

Linha de Pesquisa: Religião e Dinâmicas Socioculturais

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A dissertação de mestrado intitulada: “REPENSAR A MISSÃO DA IGREJA COM OS OLHOS

NO REINO DE DEUS: UMA ANÁLISE DO CONCEITO DE REINO DE DEUS NAS

TEOLOGIAS LATINO-AMERICANAS DA LIBERTAÇÃO E DA MISSÃO INTEGRAL”,

elaborada por Roger Alves de Almeida, foi apresentada e aprovada em 21 de setembro de 2017,

perante banca examinadora composta pelo Prof. Dr. Nicanor Lopes (Presidente/UMESP), Prof.

Dr. Claudio de Oliveira Ribeiro (Examinador/UMESP) e Prof. Dr. Ricardo Bitun

(Examinador/Mackenzie-SP).

____________________________________________________

Prof. Dr. Nicanor Lopes

Orientador e Presidente da Banca Examinadora

____________________________________________________

Prof. Dr. Claudio de Oliveira Ribeiro

Banca Examinadora

____________________________________________________

Prof. Dr. Ricardo Bitun

Banca Examinadora

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Dedico este trabalho a Deus,

a minha esposa Aldrey Nascimento Souza de Almeida, a minha filha Melissa que em

breve chegará, a minha família e àqueles que entendem que, para um mundo mais solidário e

justo, o diálogo e o respeito são as únicas formas para a busca contínua da paz para uma

realidade que pretendemos: o Reino de Deus, já.

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AGRADECIMENTOS

A minha preciosa esposa Aldrey que, em meio tantas lutas neste curso, ainda assim esteve

comigo e me abençoou com sua presença milagrosa e coloriu as partes brancas dos meus

desenhos, agasalhou-me com seu abraço nos dias frios, refrescou-me nos dias de calor, deu-me o

prazer de se tornar seu Marido e me deu o maior presente que um homem pode querer: Ser Pai.

Pra mim, melhor ainda: ser Pai da Melissa. Amo vocês!

Ao meu Pai por me ensinar sempre, a cada dia, a redescoberta da dádiva preciosa da

vida e da existência esquecida, por vezes consideradas corriqueiras e dar lugar ao espírito de

gratidão;

A minha Mãe que, mesmo em meio à distância que nos envolve, sempre esteve presente

em oração, apelo e desejo por mais este curso; aos meus irmãos: Joyce, Carol e César o meu

carinho e gratidão são para vocês, também.

A Universidade Metodista e aos professores num todo, mas em especial ao meu

orientador, o professor doutor Nicanor Lopes, sem o qual este trabalho não seria possível e pelo

apoio, amizade, compreensão. Aos professores Claudio e Magali, meu especial agradecimento e

aos professores Lauri, Jung e Sandra que me ajudaram na caminhada.

Aos meus Amigos que me apoiaram e me ensinaram muito nesta caminhada.

Ao Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião da Universidade Metodista

pela excelência e a CAPES que, por meio da bolsa de estudos tornou viável a conclusão do

mesmo.

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Porventura, não é este o jejum que escolhi: que soltes as ligaduras da impiedade,

desfaças as ataduras da servidão, deixes livres os oprimidos e despedaces todo jugo?

Porventura, não é também que repartas o teu pão com o faminto, e recolhas em casa os pobres

desabrigados, e, se vires o nu, o cubras, e não te escondas do teu semelhante? Então, (...) a tua

justiça irá adiante de ti, e a glória do SENHOR será a tua retaguarda (Is 58.6, 7, 8b).

Venha o Teu Reino (Mt. 6.10).

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ALMEIDA, Roger Alves de. A dissertação de mestrado intitulada: “Repensar a Missão da Igreja

com os olhos no Reino de Deus: Uma análise do conceito de Reino de Deus nas teologias latino-

americanas da Libertação e da Missão Integral”. São Bernardo do Campo, 2017. 152 fls.

Dissertação (Mestrado em Ciências da Religião) – Escola de Comunicação, Educação e

Humanidades, Universidade Metodista de São Paulo, São Bernardo do Campo, SP.

RESUMO

Este trabalho tem por objetivo realizar uma análise dos conceitos de Reino de Deus nas

teologias latino-americanas da libertação de Gustavo Gutiérrez e da missão integral de René

Padilla por meio de uma pesquisa bibliográfica dos autores, como também possíveis questões

divergentes e convergentes, identificando as causas de seus escritos acerca da temática,

estabelecendo qual a importância do conceito em relação às questões da teologia da missão da

igreja e demonstrando em que medida suas proposições se mostram como uma continuidade da

teologia predominante ou rompimento. A análise bibliográfica terá como foco principal os textos

produzidos por Gustavo Gutiérrez e René Padilla, principalmente aqueles que abordam

discussões acerca do Reino da Deus e da igreja na missão da igreja, apontando as definições de

Reino de Deus e as repercussões que a relação entre eles desempenha na formulação da teologia

latino-americana para identificar as questões que colocaremos em diálogo para identificar

algumas divergências e convergências. Mas por certo outros autores surgirão em diálogo com a

pesquisa.

Palavras-chave: René Padilla; Missão Integral; Gustavo Gutiérrez; Libertação; Reino de Deus.

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ALMEIDA, Roger Alves de. The Master's dissertation entitled "Rethinking the Mission of the

Church with its Eyes on the Kingdom of God: An Analysis of the Concept of the Kingdom of

God in Latin American Theologies of Liberation and Integral Mission". São Bernardo do Campo,

2017.152 fls. Dissertation (Master of Science in Religion) - School of Communication, Education

and Humanities, Methodist University of São Paulo, São Bernardo do Campo, SP.

ABSTRACT

This work aims to analyze the concepts of the Kingdom of God in the Latin American

theologies of the liberation of Gustavo Gutiérrez and the integral mission of René Padilla through

a bibliographical research of the authors, as well as possible divergent and convergent questions,

identifying the causes Of his writings on the subject, establishing the importance of the concept

in relation to the questions of the theology of the mission of the church and demonstrating to

what extent his propositions are shown as a continuation of the prevailing theology or rupture.

The bibliographical analysis will focus mainly on the texts produced by Gustavo Gutiérrez and

René Padilla, especially those that discuss discussions about the kingdom of God and the church

in the mission of the church, pointing out the definitions of the Kingdom of God and the

repercussions that the relationship between them Plays in the formulation of Latin American

theology to identify the issues we will put into dialogue to identify some divergences and

convergences. But certainly other authors will appear in dialogue with the research.

Keywords: René Padilla; Integral Mission; Gustavo Gutiérrez; Liberation; God's kingdom

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SUMÁRIO INTRODUÇÃO .......................................................................................................................................... 12 CAPÍTULO I .............................................................................................................................................. 16 UM BREVE LEVANTAMENTO SOBRE MISSÕES E SUA TRAJETÓRIA NO SÉCULO 20 ATÉ 1974. ................... 16

INTRODUÇÃO ...................................................................................................................................... 16 1. CONTEXTO HISTÓRICO DA MISSÃO CRISTÃ NO SÉCULO 20 ............................................................ 18

1.1 MISSÃO E SEU SIGNIFICADO HISTÓRICO ................................................................................. 20 1.2 EXPANSÃO DO CRISTIANISMO NO SÉCULO 19 ........................................................................ 22 1.3 ANTECEDENTES HISTÓRICOS .................................................................................................. 26

1.3.1 Edimburgo, 1910 ............................................................................................................................... 26 1.3.2 De Nova York - 1913, até Panamá - 1916 ............................................................................................ 27 1.3.3 Montevidéu - 1925, até Havana - 1929 .............................................................................................. 28 1.3.4 CELA I - 1949 ..................................................................................................................................... 31 1.3.5 Willingen, 1952 ................................................................................................................................. 31 1.3.5.1 MISSIO DEI ........................................................................................................................................... 32 1.3.6 CELA II - 1961 .................................................................................................................................... 36 1.3.7 Concílio Vaticano II - 1962 - 1965 ....................................................................................................... 38 1.3.8 Medellín, 1968 .................................................................................................................................. 40 1.3.9 CELA III e CLADE I - 1969 .................................................................................................................... 42

2. O ESPÍRITO DE LAUSANNE - 1974 ...................................................................................................... 46 3. A IMPORTÂNCIA DE TEÓLOGOS LATINO-AMERICANOS EM LAUSANNE ................................................................. 49 4. O PACTO DE LAUSANNE ......................................................................................................................... 51

CONSIDERAÇÕES FINAIS AO CAPÍTULO.................................................................................................... 52 CAPÍTULO II ............................................................................................................................................. 55 A CONCEPÇÃO DE REINO DE DEUS NAS TEOLOGIAS DA LIBERTAÇÃO E DA MISSÃO INTEGRAL ................ 55 INTRODUÇÃO .......................................................................................................................................... 55

1. A CONCEPÇÃO DE REINO DE DEUS .............................................................................................. 56 1.1 A PERSPECTIVA DA TDL EM RELAÇÃO AO REINO DE DEUS ...................................................... 58

1.1.1 PRESSUPOSTOS HISTÓRICOS DA TDL .............................................................................................. 58 1.1.2 REINO DE DEUS PARA A TDL ........................................................................................................... 66

1.2 REINO DE DEUS SOB A PERSPECTIVA DA TMI ............................................................................. 74 1.2.1 PRESSUPOSTOS HISTÓRICOS DA TMI.................................................................................................. 74 1.2.2 REINO DE DEUS PARA A TMI .............................................................................................................. 82

CONSIDERAÇÕES FINAIS AO CAPÍTULO.................................................................................................... 91 CAPÍTULO III ............................................................................................................................................ 93 REINO DE DEUS COMO PROPOSIÇÕES DE UMA MISSIOLOGIA CONTEXTUAL ........................................... 93 INTRODUÇÃO .......................................................................................................................................... 93

1. DIVERGÊNCIAS E CONVERGÊNCIAS ENTRE A TDL E A TMI .............................................................. 94 1.1 DA MOTIVAÇÃO DO NASCIMENTO ......................................................................................... 94 1.2 DA INFLUÊNCIA MARXISTA ........................................................................................................ 95

1.2.1 TEOLOGIA DA LIBERTAÇÃO ................................................................................................................ 95 1.2.2 TEOLOGIA DA MISSÃO INTEGRAL ....................................................................................................... 98

1.3 LIBERTAÇÃO E DESENVOLVIMENTO DO SER ............................................................................. 101 1.3.1 DA LIBERTAÇÃO DO SER ............................................................................................................... 102 1.3.2 DO DESENVOLVIMENTO DO SER .................................................................................................. 104

1.4 DA INTERPRETAÇÃO BÍBLICA ................................................................................................... 106 1.4.1 TEOLOGIA DA LIBERTAÇÃO .............................................................................................................. 106 1.4.2 TEOLOGIA DA MISSÃO INTEGRAL .................................................................................................... 107

1.5 DA SALVAÇÃO ......................................................................................................................... 108 1.5.1 DA SALVAÇÃO PARA A TdL ............................................................................................................... 108 1.5.2 DA SALVAÇÃO PARA A TMI .............................................................................................................. 109

1.6 DO PECADO E DA GRAÇA ......................................................................................................... 110 1.6.1 A VISÃO DA TdL ............................................................................................................................... 110 1.6.2 A PERSPECTIVA DA TMI ................................................................................................................... 112

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1.7 A PRÁXIS ................................................................................................................................. 114 1.7.1 A PRÁXIS PARA A TdL ....................................................................................................................... 115 1.7.2 A PRÁXIS PARA A TMI ...................................................................................................................... 116

2. PROPOSIÇÕES PARA UMA MISSIOLOGIA CONTEXTUAL RELEVANTE ........................................... 117 2.1 A POBREZA E A GLOBALIZAÇÃO ............................................................................................... 118 2.2 TdL E A GLOBALIZAÇÃO ........................................................................................................... 121 2.3 TMI E A GLOBALIZAÇÃO........................................................................................................... 124 2.4 A RELAÇÃO DA TdL E DA TMI COM A GLOBALIZAÇÃO............................................................... 125

2.5 RESPOSTA CRISTÃ MISSIOLÓGICA PARA UM MUNDO GLOBALIZADO ......................................... 127 CONSIDERAÇÕES FINAIS AO CAPÍTULO.................................................................................................. 132

CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................................................................ 135

REFERÊNCIAS ......................................................................................................................................... 139

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INTRODUÇÃO

O comparecimento cristão na sociedade é capaz de deliberar seu testemunho no seu lugar

vivencial. Sendo assim, em se tratando de teologia de Missão, o ponto significativo para

interpretar a realidade local é a hermenêutica do contexto para, então, agir, interpretar e propor

mudanças.

É imprescindível a compreensão do contexto histórico para a percepção da realidade da

comunidade ao qual pertence e, assim, propor o entendimento do texto lido. Após esta

hermenêutica contextual e textual dinâmica surge a aplicação da verdade contextualizada do tema

estudado e lido, como também a proposta de uma possível nova realidade.

Conforme a literatura analisada, o continente latino-americano é um lugar muito atingido

pela influência global de continentes tidos como de cultura ocidental. Por isso, sofre as

imposições com que a globalização se apresenta e que atinge a vida humana em toda a sua

integralidade: social, política, econômica (com maior destaque), bem como cultural na mesma

intensidade.

As Teologias Latino-americanas (TLAs) trazem em si um mundo de possibilidades,

especialmente a articulação entre teoria e prática e uma sensibilidade pela realidade desumana e

opressiva – que geraram entusiasmo e novas perspectivas eclesiais e sociopolíticas nas décadas de 1960 e 1970

– apresentando-se como principal característica e condição de possibilidade para a construção de

algo novo, nascido do trauma da dominação, possuindo grandes chances de ser porta-voz da

liberdade (SANCHES, 2009, p. 154).

As TLAs são uma das testemunhas mais contundentes do egoísmo humano, por isso,

carregam em si o potencial de serem profetizas do amor e da vivência solidária e harmônica no

mundo (SANCHES, 2009, p. 125).

No campo protestante, a proposta da Missão Integral veio para estimular um conjunto de

igrejas evangélicas que, por muito tempo, tiveram dificuldades para integrar em sua ação cristã a

dimensão social da fé.

No campo católico-romano, a teologia da ação católica deu ascendência ao que, mais

tarde, denominou-se de teologia do desenvolvimento, que, por sua vez, originou a Teologia da

Libertação. Esta, desde o seu início, tinha por objetivo desencadear nas comunidades cristãs um

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movimento de evangelização com base na leitura crítica da realidade, a fim de superar os

problemas sociais que mantinham a maioria do povo submetida a uma vida desumana e

desumanizadora.

Nas origens, essas reflexões teológicas latino-americanas tornaram relevante o evangelho

de Cristo no contexto latino-americano, assumindo com ousadia o desafio de encontrar respostas

condizentes tanto com a tradição, quanto com os clamores que advinham da vida concreta, com

destaque de como o contexto e a maneira de responder modificam o rumo da reflexão teológica,

suas prioridades e métodos (ZWETSCH, 2008).

A Teologia da Libertação (TdL) e a Teologia da Missão Integral (TMI) são duas das

TLAs de proporções diferentes, mas os seus berços religiosos partem da América Latina e

revelam sua novidade no fato de serem teologias contextualizadas no ambiente sócio-histórico-

cultural específico, além de repensar a fé como missão da igreja com os olhos no Reino de Deus.

Ou a teologia pensa criticamente a realidade e é libertadora, que reconhece seu lugar no

mundo, dilacerado por conflitos, toma partido e não se enclausura numa instância pretensamente

neutra ou transcendente, ou ela deixa de ser teologia para se enfileirar as forças ideológicas

(ASSMANN, 1973, p. 33).

Sendo assim, contexto e cultura se entrelaçam e fazem parte dos padrões de pensamento

de determinado local. O fundamental não é compartilhar da experiência do evangelho de Jesus

Cristo com base em sua referência, mas, sim, dentro da situação histórica concreta sob a

direção em conjunto com o Espírito Santo (PADILLA, 2012, p. 126-127).

A contextualização a partir de onde se revela é condição inevitável para que a Palavra de

Deus motive libertação, renovação, conversão e proposta da nova realidade – como meios de

Graça para a América Latina – que manterá os olhos no Reino de Deus enquanto realidade

presente e esperança futura (SANCHES, 2009, p. 119).

O presente trabalho analisará o conceito de Reino de Deus para a TdL e para a TMI nos

pensamentos de Gustavo Gutiérrez e de René Padilla, além de observar se há diálogo de

interpretações entre elas para repensar a Missão da Igreja enquanto agentes que antecipam e

proporcionam a realidade presente do Reino de Deus

Assim, no primeiro capítulo, pretende-se fazer um breve levantamento histórico, para

contextualizar a trajetória percorrida pela “Missão” no século 20, momento em que se

averiguaram mudanças e variações dos paradigmas missiológicos para tratar dos caminhos que

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seriam trilhados no meio católico e no meio protestante relacionado à “Missão na época

contemporânea”. O método histórico bibliográfico será utilizado para respaldar o capítulo,

considerando que tal levantamento será feito até a década de 1970 do século 20 (1974).

A reflexão sobre a Missão na perspectiva bíblica é designada como uma tarefa específica

para realizar algo, isto é, pregar, anunciar, testemunhar e proclamar o Evangelho. Missão está

direcionada em praticar estas ações (ESCOBAR, 2015, p. 12).

Estas palavras elucidam a chamada “Grande Comissão” (GONZÁLEZ; ORLANDI, 2008,

p. 20), assunto que será abordado nesta pesquisa.

Também veremos sobre o significado histórico da Missão Cristã e os aspectos históricos

de expansão do cristianismo e do protestantismo, além de diversos congressos e reuniões que

trataram sobre a “Missão”, em especial para a América Latina.

O segundo capítulo analisará sobre as questões que tangem o Reino de Deus nas

Teologias Latino-americanas da Libertação e da Missão Integral, restringindo adiante nas

Teologias de Gustavo Gutiérrez e René Padilla na década de 1970.

Com momentos conturbados na América Latina – mudanças eclesiais, econômicas e

sociopolíticas –, os movimentos que se reuniam para terem um olhar teológico sobre a situação

em termos de “Missão” no século 20, averiguaram para a necessidade de algo que articulasse

esperança de Cristo para a América Latina.

Também será apresentado um aporte hermenêutico, bíblico (contudo, não exegético),

social e histórico, ou, palavra, igreja e mundo, com destaque para a teologia latino-americana

enquanto pensar e fazer teológico que nasce neste contexto em todo o continente, olhando com a

perspectiva da TdL e da TMI.

Em primeiro momento, a concepção em si terá uma abordagem hermenêutica de cunho

mais popular. Na sequência, um breve apontamento histórico e, por fim, a definição para estas

duas maneiras de fazer teológico.

O terceiro capítulo terá como foco o Reino de Deus nas Teologias Latino-americanas

estudadas, o que inclui algumas divergências entre estas teologias nos pensamentos dos teólogos

já citados e, por certo, algumas convergências, com apresentação de algumas proposições

missiológicas contextuais e atuais, partindo dos berços destas teologias latino-americanas (TdL e

TMI). O Concílio Vaticano II representou um ponto de partida para mudanças expressivas na

Igreja Católica forçando-a a se adaptar aos contextos nacionais (KÜNG, 2002, p. 226). O

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resultado das discussões de Lausanne elaborou – ainda que de forma tímida – a questão do

compromisso sociopolítico e cultural da Igreja registrado no documento denominado Pacto de

Lausanne (PADILLA, 2003, p. 13).

Pretende-se, assim, que a presente pesquisa possibilite percorrer caminhos na busca de

algumas convergências e divergências entre a TdL e a TMI, no intuito de promover proposições

para uma missiologia contextual relevante, já que ambas as propostas partem do mesmo contexto.

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CAPÍTULO I

UM BREVE LEVANTAMENTO SOBRE MISSÕES

E SUA TRAJETÓRIA NO SÉCULO 20 ATÉ 1974

INTRODUÇÃO

O presente capítulo tem por objetivo fazer um levantamento histórico, mesmo que breve,

para contextualizar a trajetória percorrida pela “Missão” no século 20. Este foi o momento em

que se averiguaram mudanças e variações dos paradigmas missiológicos, bem como se

evidenciaram maiores escritos sobre missões, dando respaldo para congressos, reuniões,

convenções, etc, para tratar dos caminhos que seriam trilhados, tanto no meio católico, quanto no

meio protestante relacionado à “Missão na época contemporânea”. Para tanto, o método histórico

bibliográfico será utilizado para respaldar o capítulo. Tal levantamento será feito até a década de

1970 do século 20 (1974).

A reflexão sobre a Missão, na perspectiva bíblica, permite que o seu significado seja

distinto do que se averigua enquanto natureza missional da igreja, ou seja, a palavra Missão é

designada como uma tarefa específica para realizar algo.

Estas palavras são ações que elucidam a chamada “Grande Comissão”, o “ide”. González

e Orlandi fazem uma análise sintática anterior ao “Ide”:

A conjunção "portanto” implica sempre um antecedente, uma razão para o que

segue. Nesse caso, esse antecedente são as palavras do próprio Jesus: ”Todo poder me

foi dado no céu e na terra. Portanto ide...". Em última instância, a razão pela qual os crentes devem ir a todas as nações não é por termos pena dos que se perdem, ou porque

nossa cultura seja superior, ou por termos algo a lhes ensinar. A principal razão é o

senhorio universal de Jesus Cristo. Jesus disse que já é o Senhor de toda a terra. Não há

lugar onde ele não esteja. Não há lugar para o qual seja necessário que os crentes o leve.

O Senhor que era no princípio com Deus, por quem todas as coisas foram feitas, e que é

a luz que ilumina todo ser, já está lá. Está atuando nos indivíduos e nas culturas, ainda

que não o conheçam, ainda que sua presença seja anônima (GONZÁLEZ; ORLANDI,

2008, p. 20).

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Levando-se em conta séculos das palavras e ações da “Grande Comissão”, o Evangelho

de Jesus ultrapassou limites continentais e chegou a muitos lugares, com costumes variados,

introduzindo-se e reintroduzindo-se (por vezes em mesma região geográfica), produzindo

relações diversas, conceitos diversificados e paradigmas distintos sobre o entendimento do que é

Missão.

A “Grande Comissão” sempre teve o papel de motivar a Missão da Igreja. A implantação

de igrejas mostrou isso, mas, ainda ressalta sobre a responsabilidade no que tange Missões pelo

mundo. De forma mais contundente cita que a tarefa do envio não está tão atrelada com ela em si;

antes está atrelada com a plenitude do conhecimento do Espírito Santo, haja vista que só depois

de receber o Espírito Santo alguém se torna testemunha de quem envia (REIMER, 2011, s/p apud

BOER, 1961, p. 109).

No século 19 já havia interesse na implementação de um programa missionário de alcance

mundial. Conferências e congressos refletiam sobre a expansão cristã e sua razão, além de

ajudarem na definição de conceitos teológicos e missiológicos que seriam, mais tarde, a forma de

trabalho das sociedades missionárias (PIEDRA, 2006, p. 26). As conferências e os congressos

aconteceram em:

1854, Nova York – gerou o interesse das igrejas dos Estados Unidos pela ação

missionária;

1860, Liverpool – discutiu-se sobre um breve relatório da situação religiosa da América

Latina, apresentado pela Sociedade Missionária Sul Americana, cuja sigla em Inglês

doravante será somente SAMS;

1888, Londres – demonstrou interesse pela região, buscou-se encaixar a América Latina e,

de igual forma, a Ásia e África. Discutiram que a Igreja Católica não poderia ser

argumento para que países sob sua tutela não recebessem o protestantismo;

1900, em Nova York – postou-se como um congresso diferente de todos os anteriores,

com o interesse de reunir setores importantes do movimento missionário, catalogada

como ecumênica ainda antes de 1910, em Edimburgo (PIEDRA, 2006, p. 26-29).

O pensamento missionário anterior a época será destacado neste capítulo. Com o contexto

histórico, o conceito e a sua expansão na primeira metade do século 20, observa-se que

designava: a) o envio de missionários a um território especificado; b) as atividades empreendidas

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por tais missionários; c) a área geográfica em que os missionários atuavam; d) a agência que

expedia os missionários; e) o mundo não cristão ou “campo de missão”; ou f) o centro a partir do

qual os missionários operavam no “campo de missão”. Num contexto ligeiramente diferente esse

termo também poderia designar: g) uma congregação local sem um pastor residente e que ainda

dependia do apoio de uma igreja mais antiga, estabelecida; ou h) uma série de serviços especiais

destinados a aprofundar ou difundir a fé cristã, em geral num ambiente nominalmente cristão e,

se tentarmos elaborar uma sinopse mais especificamente teológica de “Missão” assim como o

termo é usado tradicionalmente, é possível perceber que ela foi parafraseada como: a) propagação

da fé; b) expansão do reinado de Deus; c) conversão dos pagãos; e d) fundação de novas igrejas

(BOSCH, 2002, p. 17). O foco agora serão algumas décadas depois (1970), época essa com

diversas variações a respeito do entendimento do que é “Missão” em sua compreensão mais

profunda e em seu modelo prático.

Nota-se o significado e os aspectos históricos da expansão do cristianismo e do

protestantismo. Para isso, será necessário reportar-se a diversos congressos e reuniões que, de

alguma forma, abordaram o tema da “Missão”, especificamente para a América Latina,

percebendo as alterações nos conceitos e paradigmas missiológicos até chegarmos aos anos das

décadas de 1960 e 1970, momento inicial de novos pensamentos e novas teologias.

1. CONTEXTO HISTÓRICO DA MISSÃO CRISTÃ NO SÉCULO 20

O século 19 trouxe para as missões cristãs o maior desafio (BOSCH, 2002, p. 17), além de

uma ampla oportunidade. O mundo apresentava novas condições. Estas eram tais que se poderia

supor que o impulso missionário do cristianismo – que estava atrelado às antigas condições – não

sobreviveria. No final do século 18 e início do século 19, surgiram no Ocidente movimentos que

tendiam a fragilizar o apoio do Estado à Igreja, que vinha desde Constantino. Com a Revolução

Francesa – e seu anticlericalismo–, tudo indicava que a Igreja europeia perderia a sua vitalidade,

especialmente a católica-romana. As guerras napoleônicas afundaram a Europa e debilitaram a

Espanha e Portugal, que, até então, foram as nações principais geradoras do impulso missionário.

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Na América do Norte, os que forjaram a nova nação advogavam pela separação entre a Igreja e o

Estado (GONZÁLEZ; ORLANDI, 2008, p. 227).

A pesquisa de González e Orlandi destaca que, no campo do intelecto, os sinais tampouco

pareciam ser favoráveis à Igreja Cristã, pois os novos descobrimentos históricos, biológicos e

astronômicos geravam dúvidas sobre a veracidade da Bíblia. A criação narrada no Gênesis

parecia desmentida pela teoria da evolução. A cosmologia bíblica ficava em constante suspeita

ante este quadro e logo se duvidaria da existência de Jesus, ou pelo menos se tentaria reconstruir

a realidade histórica que se encontrava por trás do Novo Testamento. Nas principais

universidades da Europa, e ainda nas cátedras teológicas, dava-se a impressão de que o

cristianismo estava a ponto de chegar a ser somente uma recordação histórica, deixado para trás

pelos novos descobrimentos.

Por outro lado, teólogos reinterpretavam os princípios da fé a luz das grandes mudanças

nas ciências naturais e sociais, fazendo com que a igreja dialogasse com a época, mas sem criar

distúrbios e contendas sobre o significado da fé em um contexto de tanta mudança (GONZÁLEZ;

ORLANDI, 2008, p. 228). Neste sentido, tal afirmação torna fundamental o entendimento de

Missão.

González e Orlandi afirmam que em parte do mundo, as igrejas – especialmente a

católica-romana – aliaram-se ao poder dominante, no qual se opunham aos movimentos

revolucionários que buscavam uma forma mais coerente de se viver em sociedade. Com o triunfo

das revoluções na França, na América do Norte e do Sul, era esperado que o cristianismo

perdesse parte de sua força. Porém, dentro da mesma igreja cristã, havia roturas que

enfraqueciam seu testemunho; contendas que existiam não somente entre as denominações, mas,

dentro delas e, com frequência, giravam em torno da maneira na qual os cristãos encaravam os

novos descobrimentos e as novas teorias científicas (GONZÁLEZ; ORLANDI, 2008, p. 228-

229).

De igual forma, Dreher comenta, em outras palavras, que os novos descobrimentos e as

revoluções fizeram com que as igrejas se separassem. Ao mesmo tempo, os esforços pela

integridade e estabilidade religiosa caminhavam em direção da reunificação do cristianismo, uma

vez que tais descobrimentos motivavam sua expansão (DREHER, 1999, p. 92).

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1.1 MISSÃO E SEU SIGNIFICADO HISTÓRICO

González e Orlandi explanam que, ao longo dos séculos e até os dias atuais, cristãos

fizeram – e ainda fazem – uso das palavras de Jesus com objetivos imperialistas ou lucrativos.

Cristãos que, tomando o mandato missionário como suposta priori, acabam no final

demonstrando sua própria “superioridade”. “Superioridade” que destrói culturas e civilizações,

estabelece e defende regimes despóticos, recorre às armas para forçar os mais fracos a adotar

determinada crença, justificando assim, o injustificável (GONZÁLEZ; ORLANDI, 2008, p. 19).

Estes desmandos nem sempre foram cometidos por hipócritas que desejavam aproveitar-

se da fé cristã, mas, também foram cometidos por cristãos sinceros, convencidos de que a

expansão de sua fé justificaria suas ações, crendo que isso era índice da superioridade de sua

cultura. Ocorre que, neste convencimento de que assim serviriam a Deus, nações foram

destruídas, identidades violadas e pessoas indefesas oprimidas, o que mostra que a história da

expansão do cristianismo é inspiradora e aterradora, servindo de chamado e advertência.

A “Grande Comissão” tem no seu início uma palavra do próprio Jesus: “Todo poder me

foi dado no céu e na terra. Portanto ide...”. Em última instância, a razão pela qual se deve ir a

todas as nações não se resume a pena pelos que se perdem, ou a superioridade cultural, ou, ainda,

porque tenha algum ensinamento. A principal razão é o senhorio universal de Jesus Cristo. Não

há lugar onde ele não esteja. Não há lugar para o qual seja necessário levá-lo. O empreendimento

missionário vai ao encontro de quem não crê, mas, também vai ao encontro de Jesus. Bosch

ressalta que ao longo do século vários teólogos teceram importantes estudos sobre “A Grande

Comissão” e cada um contribuiu teologicamente. O autor explica que a chamada “Grande

Comissão” tem a ver com a transmissão de autoconfiança para uma comunidade com crise de

identidade para que vejam oportunidades de serviço e missão à sua volta (BOSCH, 2002, p. 81-

84). Para onde forem enviados, apesar de desconhecido, conhece-se um pouco mais dEle e de

seus propósitos (GONZÁLEZ; ORLANDI, 2008, p. 20), desde que esteja de acordo com a

instrução do Espírito Santo (REIMER, 2011, s/p apud BOER, 1961, p. 109).

O grande acontecimento do século 19 foi que, pela primeira vez, o cristianismo tornou-se

verdadeiramente universal, pois estava presente em todas as regiões do mundo. A fé cristã não só

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está presente nos cantos mais distantes da Terra: mostra mais vitalidade e crescimento numérico

nestes locais.

Kenneth Scott Latourette afirma que o cristianismo – mesmo que presente por toda a parte

– era a religião do Ocidente, representada, em boa parte do restante do mundo por pequenos

grupos, muitos deles resultado do empreendimento missionário ocidental, e, todavia, dependentes

desse empreendimento.

Atualmente, ao mesmo tempo em que a fé cristã demonstra a perda do terreno em seus

antigos centros na Europa e na América do Norte, cresce rapidamente na Europa e na Ásia. Já na

América Latina, – nos tempos de Latourette – havia principalmente um catolicismo romano

estancado e um protestantismo minoritário. Hoje, existe um catolicismo em vias de renovação e

um protestantismo vigoroso que, em vários países, alcança mais da quarta parte da população

(LATOURETTE, 2007, p. v. I, 3).

Essas mudanças demográficas são uma mostra do movimento da fé cristã, do caráter

contextual das comunidades da fé, da vitalidade que a fé descobre na margem ou na fronteira

entre os povos, da diversidade de práticas e teologias missionárias e das diversas respostas ao

Evangelho. Por isso, espera-se que as reflexões proporcionem a eliminação da visão do

cristianismo como religião ocidental, assim como o redescobrimento do seu caráter mundial,

fronteiriço e transcultural.

A vitalidade da fé cristã nos continentes do sul e do leste – no começo deste século –

converte-se em um prisma para reler as teologias e práticas de antigamente. O fato de observar e

participar do caráter missionário cristão transcultural proporciona uma lente particular para o

descobrimento de novos agentes, novas teologias e novas práticas missionárias que quebram a

concepção do movimento cristão como algo unidirecional, patriarcal, imperialista, capitalista,

exclusivo, burocrático e rígido.

“Missão" é a atividade de Deus no mundo. Ele age no mundo pela sua graça, para

reconciliá-lo consigo mesmo (2Co 5.19). A igreja é resultado ecoprotagonista desta Missão de

Deus. A igreja nasce, mantém-se e transforma-se pela Missão de Deus. Ao mesmo tempo, ela

também é sujeito ativo na Missão, discerne e descobre onde Deus está agindo e participa dessa

ação (GONZÁLEZ, 2008, p. 23).

O termo “Missões" carrega em si uma imagem de movimento unidirecional: do mundo

cristão ao mundo não-cristão. Por essa razão – por muito tempo – as missões associavam-se a

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uma prática missionária eclesiocêntrica, na qual a igreja era protagonista da missão. Contudo, ela

também envolve o estudo da história das estratégias adotadas na comunicação do Evangelho em

sua natureza essencialmente pessoal da propagação do cristianismo e as possibilidades ilimitadas

de uma igreja que evidencia a propagação da fé (LONGUINI NETO, 2002, p. 26).

Até o momento, a pesquisa abordou sobre o conceito histórico do movimento do

cristianismo dentro de uma área geográfica com a presença cristã, mas, entende-se que são as

atividades dirigidas a estender a fé cristã a lugares onde a fé já existe (GONZÁLEZ; ORLANDI,

2008, p. 23-24).

1.2 EXPANSÃO DO CRISTIANISMO NO SÉCULO 19

A expansão do cristianismo no século 19 é complexa. Se a expansão do cristianismo

dependesse unicamente da unidade interna da igreja, o século 19 teria visto o fim do avanço

missionário.

O século 19, com seu impulso imperialista a começar na Europa Ocidental e,

posteriormente, nos Estados Unidos, incide de maneira complexa na tarefa missionária. O

imperialismo europeu, em certas ocasiões, serviu de aliado para a ação missionária; em outras, os

missionários transformaram-se em fortes inimigos da política imperialista, e ainda, os

missionários tiveram um papel ambíguo e confuso entre os interesses nacionais e a política

imperialista (MENDONÇA; VELASQUES FILHO, 1990, p. 55).

Não era esperado que o século 19 fosse um dos pontos culminantes na história das

missões cristãs euro-atlântico. Dada a ambiguidade das missões na relação com as autoridades

civis, a igreja descobriu a falta de apoio por parte dos governos, um desafio que resultou na

divulgação do interesse missionário em meio a uma parcela maior do povo cristão. As perguntas

que o século 19 propôs sobre a veracidade da Bíblia e do cristianismo serviram para que os

próprios cristãos propusessem novamente perguntas fundamentais sobre o caráter de sua fé e,

assim, lançaram-se por novos caminhos de obediência a Deus (GONZÁLEZ; ORLANDI, 2008,

p. 228-229).

Em termos gerais, o século 19 foi a época da expansão protestante denominada de euro-

atlântica. O cristianismo foi introduzido com amplitude sem precedentes devido a uma nova

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explosão de vida religiosa que emanou do impulso cristão, resultando no empreendimento

missionário que aumentou a força numérica e a influência do cristianismo (LATOURETTE,

2007, p. 4).

Tanto a Igreja Católica Romana quanto a Ortodoxa Russa continuaram seu trabalho

missionário (apesar de não trabalharmos a questão da igreja ortodoxa, mais a título de

contextualização). Mas o protestantismo – por sua relação direta com os países europeus que se

levantavam como novas potências mundiais e pelas mudanças políticas e econômicas dentro

desses países (industrialização, mudanças nas estruturas políticas e um despertar antropocêntrico)

– mostrou uma capacidade maior para se adaptar as novas circunstâncias e também mais

vitalidade para penetrar terras até então virgens da pregação missionária (GONZÁLEZ;

ORLANDI, 2008, p. 229).

As missões católicas romanas do século 19 viram Espanha e Portugal com poder colonial

e político enfraquecido por conta das guerras napoleônicas, de independência da América Latina

e a Revolução Francesa; viram, também, que a França não seria capaz de servir de centro a

movimentos missionários, já que não deu atenção à obra missionária em tempos de seu apogeu.

Ainda assim, o catolicismo se fortalecia na obra missionária e presenciou a unificação da Igreja

sob o poder papal consolidado.

Os diversos Estados europeus e americanos – ao insistirem na separação entre a Igreja e o

Estado – tinham a pretensão de evitar a ingerência da Igreja pelo Estado, mas, também

renunciavam a autoridade que alguns Estados exerceram sobre a igreja em seus domínios. Ainda

no caso dos países em que continuou existindo uma união estreita entre a Igreja e o Estado, o

Estado estava tão debilitado, que não podia opor-se ao domínio direto da Igreja por parte da sede

romana.

Esse movimento foi aparelhado a outro de caráter muito oposto dentro da Igreja Romana,

mas cuja consequência prática era a mesma: o ultramontanismo1 que defendia o acréscimo da

1 O ultramontanismo defende o pleno poder papal. Com a Revolução Francesa, as tendências separatistas do

galicanismo aumentaram. As ideias ultramontanas também. Nas primeiras décadas do século 19, devido a frequentes

conflitos entre a Igreja e o Estado em toda a Europa e América Latina, foram chamados de ultramontanos os

partidários da liberdade da Igreja e de sua independência do Estado. O ultramontanismo passou a ser referência para

os católicos dos diversos países, mesmo que significasse um distanciamento dos interesses políticos e culturais.

Apareceu como uma reação ao mundo moderno e como uma orientação política desenvolvida pela Igreja, marcada

pelo centralismo romano, um fechamento sobre si mesma, uma recusa do contato com o mundo moderno. Os

principais documentos que expressam o pensamento centralizador do papa são as encíclicas de Gregório XVI (1831-

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autoridade pontifícia que culminou no Concilio Vaticano I (1869-1870), promulgando

oficialmente a doutrina da infalibilidade papal.

Outro aspecto importante sobre a Igreja Católica Romana no século 19, que afetaria seu

trabalho missionário, foi a revitalização de alguns dos antigos instrumentos das missões católicas,

muito especialmente a Companhia de Jesus – que era uma ordem religiosa fundada em 1534 por

um grupo de estudantes da Universidade de Paris, liderados por Inácio de Loyola. A

Congregação foi reconhecida por bula papal em 1540, no contexto da Reforma Católica, também

chamada de “Contrarreforma”. Os jesuítas fazem votos de obediência total à doutrina da Igreja

Católica dissolvida pelo papa no ano 1773 e, a partir de 1801, começou a autorizar sua existência

até que em 1814 seus antigos direitos2 foram novamente concedidos – e a Sacra Congregatio de

Propaganda Fide – Congregatio Propaganda Fide, ou Congregação para a Evangelização dos

Povos, fundada em 1622, tinha por objetivo coordenar toda a atividade missionária da Igreja e

propagar a fé católica em todo o mundo. Entre as suas atividades, estava a responsabilidade pela

aprovação das congregações e pela promoção da formação do clero e foi usada por Napoleão

como um instrumento de sua política, mas, depois recomeçou a obra com novos brios.

A igreja romana desenvolveu novos meios para subvencionar os gastos missionários que

antes corriam por conta dos Estados coloniais, por meio de fontes que apareceram em toda a

Europa, muito especialmente na França, reunindo dinheiro, roupas e outros meios necessários

(GONZÁLEZ; ORLANDI, 2008, p. 230-231).

No mesmo século, para as Igrejas Ortodoxas, ainda que existissem no Oriente e no centro

da Europa, foi a russa a que fez mais pela expansão do cristianismo, e ainda faz, mesmo que

pouco fora das fronteiras do Império Russo.

Para as missões protestantes, o século 19 caracterizou-se pela expansão colonial e

missionária do protestantismo. Vários países protestantes estenderam seu poder econômico e

político a regiões distintas do globo.

Os Estados Unidos continuaram com o seu trabalho de expansão em direção a oeste,

algumas vezes pela colonização, outras mediante compras de territórios e também mediante a

conquista armada. Os descobrimentos marítimos em viagens pelo sul do Pacífico abriram para o

1845), Pio IX (1846-1878), Leão XIII (1878-1903) e Pio XI (1922-1939). Disponível em: <

http://www.histedbr.fe.unicamp.br/navegando/glossario/verb_c_ultramontanismo.htm >. Acesso em: 10 maio 2017. 2 Disponível em: < https://www.infopedia.pt/$companhia-de-jesus >. Acesso em: 23 abr. 2017.

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mundo novos horizontes, que despertou um novo interesse missionário na Inglaterra e nos demais

países protestantes (GONZÁLEZ; ORLANDI, 2008, p. 233).

Cavalcanti afirma que a expansão capitalista do século 19 não coincide com o período

moderno de missões protestantes por fatalidade. As igrejas protestantes aproveitaram a expansão

do comércio e da colonização promovidos pelo hemisfério norte para lançar o seu período mais

abrangente de missões (CAVALCANTI, 2001, p. 61).

As missões europeias tendem a seguir o modelo religioso de "igreja oficial" em que a

religião é exportada como parte da ordem social gerida pelo Estado.

Nos países africanos e asiáticos sob a tutela colonial europeia, por exemplo, as igrejas

protestantes tornam-se a expressão religiosa da presença colonizadora. Os missionários utilizam a

infraestrutura colonial (principalmente dos sistemas de transporte e comunicações exportados

para as colônias) para expandir o seu trabalho, espalhando não só templos em nações do

hemisfério sul, mas, também redes educacionais e hospitalares que influenciariam o

desenvolvimento dessas colônias. Isto não significa necessariamente que as missões e os

governos coloniais fossem aliados (ou cúmplices) na causa da colonização (CAVALCANTI,

2001, p. 62-63).

A expansão protestante do século 19, especialmente a que partiu dos Estados Unidos, foi

muito mais independente da colonização política e econômica que a expansão católica-romana

dos séculos anteriores. Suas missões adotaram um modelo em que várias igrejas diferentes

competiriam pela adesão voluntária dos fiéis, ou voluntarismo, um aspecto importante da

ideologia do individualismo que marcou os Estados Unidos durante o final do século 19 e o

princípio do século 20. Nesse modelo missionário, cada igreja teria suas características e seria

chamada de "denominação" (CAVALCANTI, 2001, p. 63).

O movimento missionário europeu do século 19 caracterizou-se por grupos de cristãos em

comum, mas com grande fervor missionário que trabalhou às margens de denominações

protestantes (GONZÁLEZ; ORLANDI, 2008, p. 233), mas também ficou marcada pelo

voluntarismo (CAVALCANTI, 2001, p. 63).

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1.3 ANTECEDENTES HISTÓRICOS

A modernidade promoveu, com o desenvolvimento industrial, um otimismo que iniciou

uma “cultura mundial” com base na civilização europeia. Nesse contexto o evangelho era visto

como um instrumento, uma ferramenta útil e importante para civilizar os pagãos.

Teólogos, missionários, demais cientistas, leigos, dentre outros começaram a estruturar os

pensamentos voltados para a Missão, pela observação do que acontecia em relação ao

desenvolvimento e ao movimento social.

1.3.1 Edimburgo, 1910

Longuini Neto explica que a Conferência Mundial de Missões de Edimburgo, em 1910, –

liderada por John R. Mott – acontece nesse contexto, sendo elemento catalisador e fundante para

o movimento ecumênico contemporâneo (LONGUINI NETO, 2002, p. 85-87). Ela surge como

resultado do esforço ecumênico protestante, com o objetivo de organizar esforços missionários

para completar a tarefa inspirada principalmente no texto bíblico de Mateus 28.16-20, com o

propósito de “delinear a estratégia para uma campanha final por parte das forças concertadas do

Reino de Deus” e na concordância sobre a “Grande Comissão” e o seu cumprimento. Edimburgo

concentrou-se nos continentes não cristãos (Ásia e África) que receberiam a mensagem de países

cristãos (Europa, EUA). Mesmo sem a inclusão direta da América Latina, ela demonstrou uma

unidade de espírito, propósito e compromisso (SCHERER, 1991, p. 14-16).

Essa Conferência estimulou a reflexão sistemática e abrangente sobre o trabalho

missionário protestante na América Latina – por conta da falta de atenção merecida – e

representou um grande obstáculo para as organizações que, à margem da ajuda das grandes

igrejas protestantes da Europa e dos Estados Unidos, trabalhavam em áreas sob o controle

religioso da Igreja Católica. Por isso é que, no futuro, os diretores e missionários das “missões de

fé” culparam a conferência pelas repercussões negativas em suas atividades na época

determinada (PIEDRA, 2006, p. 28).

Os líderes da Conferência de Edimburgo foram questionados por ter inspirado e

fortalecido o trabalho missionário principalmente na Ásia e na África, em detrimento da obra

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missionária protestante na América Latina. Não vamos considerar aqui os pormenores que

levaram à exclusão da América Latina das ações evangelizadoras dos missionários.

O esforço na cooperação das várias agências missionárias representadas por distintas

denominações protestantes, incluindo o catolicismo romano, para a expansão do Cristianismo às

nações não-cristãs, gerou o chamado de espírito missionário (COPPE, 2010, p. 71), ou seja, o

espírito de união para alcançar um mesmo objetivo. Portanto, o Movimento Ecumênico nasceu

desta tentativa de cooperação (SILVA, 1996, p. 24).

1.3.2 De Nova York - 1913, até Panamá - 1916

Mesmo a exclusão da América Latina nos pensamentos missionários, ainda assim o

congresso provocou condições para, em março de 1913, em Nova York, realizar a Conferência

sobre Missões na América Latina. Este evento criou a Comissão de Cooperação na América

Latina (CCLA), com a participação de representantes de juntas missionárias da América Latina

(PIEDRA, 2006, p. 160-161). O objetivo foi a discussão sobre os trabalhos missionários na

América Latina, além de informar as juntas sobre o trabalho realizado e o próximos passos.

Evidentemente, nesta reunião, os líderes missionários norte-americanos não estavam em

condições de aceitar que as instituições missionárias europeias influenciassem o pensamento

protestante de forma agressiva na América Latina, nem aceitariam as dúvidas sobre o papel da

Igreja Católica na região. Mesmo assim, tiveram o cuidado para não haver confrontos (PIEDRA,

2006, p. 188-206). Esta reunião foi uma grande expressão de determinação dos Estados Unidos

em considerar a América Latina como sua responsabilidade missionária (PIEDRA, 2006, p. 161).

A CCLA patrocinou o Congresso de Ação Cristã na América Latina, reunido no Panamá,

em fevereiro de 1916. Foi o maior encontro das forças protestantes desse continente realizado até

aquela data. O Congresso mostrou a necessidade de maior cooperação em áreas como educação

religiosa, missões, literatura e formação teológica. Suas metas principais foram a evangelização

das classes cultas, a unificação da educação teológica por meio de seminários unidos, o desejo de

dar uma dimensão social ao trabalho missionário na América Latina e o esforço em promover a

unidade protestante.

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A CCLA nutria grandes esperanças, entre elas a „impotência de igreja estabelecida‟ como

meio de repartir espiritualidade, em que as forças protestantes eram incapazes de preencher o

vazio religioso.

Dessa maneira, o Congresso do Panamá foi uma crítica ao cristianismo latino-americano,

sem importar a tradição. A partir desse enfoque, entendeu-se que não havia força cristã capaz de

provocar o avivamento religioso que a CCLA desejava para a América Latina. A fragilidade da

força refletia-se na pequena quantidade de missionários protestantes que havia na região.

O Congresso do Panamá foi o ponto de partida para corrigir o fracasso do cristianismo na

região. Começou um processo que proporcionasse ao continente a mudança religiosa negada no

passado, “um tipo de vida e um legado de verdadeira reforma” que viria a confrontar o fracasso

de cinquenta anos de missão protestante local (PIEDRA, 2006, p. 167-168).

O impacto positivo do congresso pode ser medido em termos quantitativos e também por

sua contribuição qualitativa por conta do efeito psicológico que teve sobre os missionários

protestantes perseguidos pelo fantasma que lhes lembrava a ilegitimidade de seu trabalho. Além

disso, definiu as questões da legitimidade do trabalho das missões evangélicas na América

Latina, consolidando o abandono passado como parte da história (PIEDRA, 2006, p. 169).

O Congresso do Panamá refletiu a vontade oficial das autoridades das sociedades

missionárias mais importantes dos Estados Unidos. Seus organizadores sonharam na

transformação da América Latina em um campo missionário experimental, a fim de evitar os

erros e conflitos das forças protestantes em outros continentes.

1.3.3 Montevidéu - 1925, até Havana - 1929

Como resultado do encontro do Panamá, nos anos seguintes realizou-se dois congressos

missionários ecumênicos regionais. O primeiro, denominado Congresso de Ação Cristã na

América do Sul, reunido em Montevidéu, Uruguai, em 1925, que na verdade foi o segundo

congresso de ação cristã na América Latina (o primeiro foi no Panamá – base para o que seria

discutido em 1925 no Uruguai). Embora a participação de latino-americanos fosse maior (o

pastor presbiteriano brasileiro Erasmo Braga foi eleito presidente do congresso), os norte-

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americanos ficaram a cargo da organização e presidiram todas as comissões. Ainda assim,

registrou-se maior participação por parte dos protestantes regionais.

A discussão ficou concentrada nas estratégias de missões e também sobre as regiões em

que o cristianismo não chegara. Entre os temas abordados destacam-se: qual seria a situação da

igreja evangélica na América Latina (crescimento); se os protestantes eram uma força numérica

representativa no continente; se a opção de evangelizar as elites propiciou ao protestantismo um

rosto diferente; se a educação teológica estava mais sólida; qual o significado e o papel dos vários

concílios nacionais de igrejas já organizadas; como a Igreja Católica Romana reagiria ao avanço

do protestantismo; qual a influência da Primeira Guerra Mundial, que deixara marcas profundas e

uma nova configuração de forças sociais e políticas em todo o mundo, sobre a América Latina e

sobre o cristianismo (LONGUINI NETO, 2002, p. 97-98).

A riqueza de recursos naturais foi importante para alguns missionários que pensavam na

expansão protestante da América Latina, a fim de regular as relações entre o Norte e o Sul. A

palavra “interdependência” foi muito utilizada no Congresso para caracterizar na identidade

latino-americana o fator de mundo moderno (PIEDRA, 2006, p. 97).

Mesmo com a liderança sendo mesclada entre americanos e latinos, os relatórios tiveram

redação em língua inglesa, ainda que o idioma espanhol fosse utilizado durante todo o evento.

Com todas as discussões, os líderes latinos mostraram-se preparados para abordar também outros

assuntos locais, o que demonstrou tensão ideológica de missão enquanto ciência e reflexão

missiológica (LONGUINI NETO, 2002, p. 100).

Esta reunião provocou uma reação violenta na Igreja Católica Romana que se sentia mais

ameaçada do que nunca não só pela presença protestante em solo católico (PIEDRA, 2006, p.

84), mas, sobretudo pelo trabalho, pela atração que o protestantismo exercia nas elites latino-

americanas como: a educação das elites, a postura liberal e o fato de que ser protestante era ser

moderno e estar vinculado às grandes nações da Europa e Estado Unidos, e também porque o

protestantismo tomava cada vez mais contornos definidos, projetando-se para a construção de um

projeto de unidade que o fortaleceria cada vez mais. De acordo com Longuini Neto, este

Congresso contribuiu para a construção da identidade protestante latino-americana e serviu de

ponte entre Panamá de 1916 e Havana de 1929 (LONGUINI NETO, 2002, p. 101-102).

O Congresso Evangélico Hispano-Americano, em Havana, 1929, representou um

momento importante para a construção de uma identidade protestante, principalmente porque

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encerra um processo que começou no Panamá, em 1916, além de abrir as discussões para a

realização de uma nova sequência de Conferências Evangélicas Latino-Americanas (CELA‟s). O

evento foi inteiramente organizado e conduzido por latino-americanos (118 natos de 200

participantes). As ênfases recaíram sobre a nacionalização e o autossustento das igrejas

evangélicas, que rompeu com a hegemonia norte-americana e aceitou a proposta de uma

Federação Internacional Evangélica. O presidente do congresso foi o metodista mexicano

Gonzalo Báez Camargo que dividiu o trabalho em quatro áreas: solidariedade evangélica,

educação, ação social e literatura (LONGUINI NETO, 2002, p. 102-104).

A discussão, em princípio, latente por não estar presente em nenhuma comissão, voltou à

baila como o grande tema “de corredor” que tomou circunstância: o relacionamento entre as

igrejas-mãe e as igrejas-filhas (nacionais). De forma menor, traduzia a dificuldade de

relacionamento entre os pastores locais, ávidos por implantar seus projetos e os missionários

internacionais que – como eram os subsidiadores das igrejas locais, com dinheiro de fora –

achavam os pastores nacionais imaturos, despreparados para assumir o protagonismo das igrejas

e com espírito revoltado e revolucionário. Apesar desse desentendimento, ficou evidente que

tanto a independência de governo quanto financeira seriam fundamentais para o amadurecimento

e o crescimento das igrejas locais, sem comprometer o espírito de gratidão e unidade da igreja

universal (LONGUINI NETO, 2002, p. 104 e CUNHA, 2010, s/p).

No final do congresso pairava um clima ecumênico e foi retomada a proposta de Alonso,

preletor cubano, que em sua primeira palestra lançou a ideia de uma ”Federação Internacional

Evangélica” composta pelos concílios evangélicos nacionais, que foi aceita unanimemente. Para

levar adiante tal desiderato nomeou-se uma comissão especial.

É possível afirmar que o Congresso de Havana rompeu com certa hegemonia norte-

americana sobre os latino-americanos. Foi o término e o início de um novo processo. A proposta

aprovada no final do congresso parecia um sonho de unidade, que só se concretizou vinte anos

mais tarde, quando então se reuniram na Primeira Conferência Evangélica Latino-Americana em

Buenos Aires (1949) (LONGUINI NETO, 2002, p. 105).

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1.3.4 CELA I - 1949

A Conferência Evangélica Latino-Americana foi realizada em Buenos Aires, Argentina,

em julho de 1949, pela CCLA. O tema principal do evento foi “O Cristianismo Evangélico na

América Latina” e, apesar do seu caráter ecumênico, não reuniu muitas pessoas (LONGUINI

NETO, 2002, p. 110).

Nesta conferência evidenciou-se a preocupação em relação ao evangelicalismo latino-

americano. Como resultado das discussões da conferência recomendou-se que as igrejas

protestantes envolvidas utilizassem o nome “evangélico” junto ao nome denominacional.

Conforme Padilla o evento ocorreu em clima de guerra fria e de enfrentamento entre capitalistas e

socialistas (PADILLA, 1995, p. 43). A Conferência realizou-se no ano seguinte à criação do

CMI, mas não em conjunto a este.

A comissão de trabalho afirmou que mensagem para a América Latina e para o mundo é

Jesus Cristo e seu evangelho. A dimensão evangelizadora e a tarefa de evangelizar o continente

estiveram presentes como tema e como conflito. A evangelização foi tratada na conferência

como uma questão de vida ou morte para a igreja, falando-se de evangelizar para sobreviver,

relacionando o conflito com o fato de que a busca de coordenação e unidade na América Latina

estava sob a igreja dos Estados Unidos. Diante disso, as igrejas latino-americanas não tiveram

oportunidade para o amadurecimento de uma reflexão que considerasse a situação do

continente, além de não desenvolver uma proposta missiológico-pastoral relevante até aquele

momento.

Mesmo assim, tanto Padilla como Longuini Neto concordam que a CELA I foi um marco

no esforço pela identidade do protestantismo evangélico latino-americano.

1.3.5 Willingen, 1952

Durante a segunda metade do século 20 ocorreu de forma dramática – na vida da igreja

em especial – a Conferência Mundial de Missão, em Willingen, na Alemanha, realizada pelo

Conselho Missionário Internacional (CoMIn), em 1952. Momento em que a Segunda Guerra

Mundial foi substituída pela Guerra Fria (a designação atribuída ao período histórico de disputas

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estratégicas e conflitos indiretos entre os Estados Unidos e a União Soviética, disputando a

hegemonia política, econômica e militar no mundo). Contra esse fundo pessimista, Willingen

enalteceu a teologia de Barth, ou seja, a teologia que propõe uma retomada da teologia prática na

dimensão, à serviço da palavra, com ênfase de servir e amar ao próximo (LONGUINI NETO,

2002, p. 56).

Por conta disso, os delegados redescobriram que a missão depende, em primeiro lugar, da

própria atividade de Deus. A Missão é o propósito e a ação do Deus trino. Willingen é

considerado a mais duradoura influência sobre a teologia da missão ecumênica. Na verdade, a

ideia de Missio Dei – que foi retomada – provou ser mais criativa. A forte ênfase na centralidade

da Igreja na Missão foi substituída por uma perspectiva ampliada que permitiu, assim, uma

interpretação dos eventos mundiais como fatores determinantes para a Missão.

Antes, na Conferência Missionária de Brandemburgo, na Alemanha, em 1932, Karl Barth

tornou-se um dos primeiros teólogos a articular a Missão como atividade de Deus, influência

crucial sobre o pensamento missionário da Conferência de Willingen em 1952, em que a ideia da

Missio Dei emergiu, pela primeira vez, de maneira evidente. Barth comunica a teologia

missionária com riqueza de ideias que produzem rica reflexão teológica para os próximos anos

(DRURY, s/d, s/p, tradução nossa). Compreendeu-se a Missão como fruto da natureza de Deus.

Ela foi colocada no contexto da doutrina da Trindade, não mais da eclesiologia ou da soteriologia

(BITUN, 2014, p. 42-43).

1.3.5.1 MISSIO DEI

Na década de 1950 quando a Guerra Fria influenciava o Ocidente, a Conferência Mundial

de Missão de Willingen reforçou a teologia de Barth, pois pressupunha uma retomada da teologia

prática a serviço da palavra, com ênfase no serviço e amor ao próximo, conforme já mencionado.

Diversos missiólogos refletiram sobre as mudanças que ocorriam na teologia bíblica e

sistemática pós-Primeira Guerra Mundial. Barth desenvolveu a ideia de missão como uma

atividade produzida pelo próprio Deus, rompendo com a abordagem iluminista da teologia

(ROCHA, 2014, s/p).

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A Missio Dei preexiste a tudo e a todos, sendo ativa muito antes da existência humana e

da própria fundação do mundo (Ef 1.4), independentemente da conceituação e sistematização

teológica que a Missio Dei veio a receber, em meados do século 20, com o Conselho

Missionário Internacional (CoMIn), em 1952.

De acordo com Rocha, em Willingen o conceito de Missio Dei foi ancorado na doutrina

da Trindade, como obra derivada do Deus Triúno e não mais a partir da eclesiologia ou da

soteriologia como a missiologia do século 19, garantindo-lhe a autoridade e o reconhecimento

na teologia de Missão e nas igrejas cristãs até os dias atuais (BOSCH, 2002, p. 263).

Durante a década de 1960 e início dos anos 1970 foi perceptível uma mudança devido a

sua radicalidade na tradicional compreensão de Missão do século 19, momento em que a

perspectiva missiológica passou a estabelecer novas tendências, como citado anteriormente.

Com o fim da Segunda Guerra Mundial, Rocha comenta que o pensamento missionário

mundial foi capaz de identificar alguns estágios de desenvolvimento ecumênico que surgiram

em resposta à deficiência missionária registrada na primeira metade do século 20. O referido

autor, com base em Scherer, elenca três estágios:

Entre 1948 e 1961: A Igreja foi considerada como agente da Missio Dei.

Entre 1961 e 1975: A Igreja é deslocada do centro para a periferia da Missio

Dei que restabelece o campo missionário mundial como centro das atenções.

De 1975 até os dias atuais: Tem sido marcado pelo esforço de devolver à Igreja o

lugar central da ação missionária, em que a cristologia assume uma função mais

próxima ao centro (ROCHA, 2014, s/p apud SCHERER, 1991, p. 71-72).

Em se tratando de Missio Dei, retornar ao eclesiocentrismo não seria a resposta ideal

capaz de exercer a tarefa de reformular a base teórica de Missão como proposto. Desde

Willingen isto já era criticado. A continuidade na igreja como ponto de partida da Missão – ou

fazer com que a igreja seja o objetivo da Missão – levaria a evangelização à degradação e ao

processo de implantação de igrejas e interesses denominacionais (SCHERER, 1991, p. 73-74).

Após Willingen, ainda na década de 1950, Vicedom tratou do tema sob a perspectiva de

que Deus é o sujeito ativo da missão (ROCHA, 2014, s/p).

De acordo com Rocha, pelo fato do momento histórico favorável à atualização da

percepção de Vicedom, Bosch já tinha mais chances de prever nos anos 1990, as

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transformações missiológicas que o mundo sofreria – além daquelas que já decorriam na

missão e na teologia alemã como resultado da Segunda Guerra Mundial. Porém, também não

poderia prever – com as mesmas condições dos teólogos do século 21 – os desdobramentos

decorrentes do processo de globalização mundial que afetaria também o universo das religiões

mundiais (ZWETSCH, 2008, p. 75-78).

Bosch defende o conceito de Missio Dei como sendo primeira e, em última análise, a obra

de Deus por causa do mundo.

É a partir dos resultados de Willingen, sob a crise do pós-guerra, que “começou a

engendrar-se um novo modelo de missão” (BOSCH, 2002, p. 444) com dois objetivos bem

definidos: “reformular o mandato missionário e revisar as políticas tradicionais de missão”

(VICEDOM, 1996, p. 15).

Eram os primeiros sinais de um novo paradigma de missão no pós-guerra, vivenciada

por Vicedom e expressa no livro “Missio Dei” (1958) e captada também na tese do livro

Missão Transformadora de Bosch (1991).

Vicedom compreendeu outras religiões a partir das ligações que estabeleciam com o que

chamou de “reino do diabo”, que “concentra em si todas as forças opostas a Deus” e à

sua Missão, pois somente considerando a realidade deste “outro reino” pode-se atuar na Missio

Dei e fazer parte do reino de Deus (VICEDOM, 1996, p. 23-26).

Já a perspectiva ecumênica na teologia de Vicedom – sobre a Missio Dei – não é algo

dado à Igreja como missão a ser realizada por ela, mas, uma tarefa que permanece nas mãos de

Deus que necessariamente provoca mudanças e alterações no status quo social, político,

econômico e religioso, naturalmente envolto em iniquidades (Rm 12.1-2) (ROCHA, 2014, s/p).

À Igreja de Deus e aos salvos que são incluídos nela, nada mais resta senão receber este amor e

compartilhá-lo durante a sua vida e existência. Desprezar este amor pode significar a perda da

graça de Deus e da alegre participação na Missio Dei (VICEDOM, 1996, p. 9,16).

O contexto a partir do qual Vicedom difunde esta teologia de Missão posiciona-se no

pós-guerra. Momento em que a compreensão da missão, da teologia e do Evangelho estão

destroçadas por ideologias fascistas, comunistas e socialistas e por certo ideal democrático de

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inspiração norte-americana, conhecido como American way of life3 que levou a população

mundial a optar pela busca de um estilo de vida de valorização pessoal, na qualidade de vida e

na crença na supremacia de um sistema econômico financeiro totalmente inviável à paz e à

justiça social (ROCHA, 2014, s/p).

Sobre a ecumenicidade da Missio Dei, Bosch comenta que todas as uniões de Igrejas –

desde a década de 1920 – e todos os conselhos de Igrejas tem algum sentido se servirem à

Missio Dei. Tal ecumenicidade não é uma derivação da conformação a uma nova situação

mundial. É “dádiva divina de unidade no corpo uno de Cristo”. Não é aceitável, e até mesmo

anômalo, referir-se à “unidade das Igrejas”, pois só pode existir “unidade da

Igreja” desenvolvida no sentido de preservar toda a diversidade existente, cujo centro é sempre

Jesus Cristo (BOSCH, 2002, p. 554-555).

No conceito de Missio Dei nota-se convergência de pontos de vista entre ecumênicos e

evangélicos da missiologia, especialmente sobre a compreensão trinitária da base da missão,

quando a chave para entender as divergências aparentemente de Missio Dei está na missão de

Deus.

Os povos do mundo todo são confrontados com a verdade do Evangelho de Jesus Cristo e,

sob sua luz, recebem graça e misericórdia para a salvação ou não podem ser incluídos no reino de

Deus (ZWETSCH, 2008, p. 258-259).

Os desafios para uma correta compreensão da Missio Dei é a ênfase do mundo como o

locus Missão de Deus, inclusive em relação a outras religiões. Religiões não cristãs foram vistas

como parte da missão de Deus e esboça um diálogo com a finalidade de obter a paz com justiça

entre os povos, à sobrevivência da espécie humana e a conservação da criação.

Se Missio Dei engloba a constituição de igreja (BOSCH, 2002, p. 618) e igreja, hoje, é

uma realidade global (ESCOBAR, 2015, p. 25), é necessário refletir sobre a multiplicidade de

práticas religiosas e religiões. Ou seja, ecumenismo leva ao pensamento conceitual de que a

mensagem do Evangelho é para todos (ESCOBAR, 2015, p. 171). Neste sentido, uma

oportunidade relevante para o diálogo.

3 O american way of life, ou “estilo de vida americano” foi desenvolvido na década de 1920, amparado pelo bem-

estar econômico que desfrutavam os Estados Unidos. O sinal mais significativo deste way of life é o consumismo.

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Bosch afirma que o diálogo é a condição básica para o paradigma missiológico pós-

moderno. A teologia segue a natureza dialógica da fé cristã. O verdadeiro diálogo pressupõe

compromisso mútuo, não um sacrifício de posições. Só é possível se crermos que Deus nos

precede no agir e se mostra também a outras religiões. Só existe com humildade e

vulnerabilidade. Diálogo e missão atestam uma mudança paradigmática que sugere tensão

criativa. O diálogo não é um subterfúgio para a missão cristã, que sempre proclama a salvação

em Cristo.

Reconhecer que a Missão é de Deus representa um avanço crucial em relação aos séculos

precedentes. É inconcebível voltar a uma concepção estreita e eclesiocêntrica de missão. Antes, a

Missio Dei purifica a Igreja cristã e é “a participação dos cristãos na missão libertadora de Jesus,

apostando num futuro que a experiência verificável parece desmentir. Ela é a boa-nova do amor

de Deus, encarnado no testemunho de uma comunidade em prol do mundo” (BOSCH, 2002, p.

619).

1.3.6 CELA II - 1961

O Peru foi sede de importantes reuniões ecumênicas e missionais para o continente. Em

1961, em Lima, celebrou-se a Segunda Conferência Evangélica Latino-Americana, a CELA II. O

evento discutiu a necessidade de entender a evangelização como atividade que atenda à situação

humana do continente. Essa conferência – sob o tema “Cristo, a Esperança para a América

Latina” – marcou uma aproximação entre a teologia e a situação social da América Latina, sendo

a última conferência organizada pela CCLA (LONGUINI NETO, 2002, p. 117-120).

Em Huampaní, nesse mesmo ano – como continuidade aos acontecimentos do

protestantismo ecumênico – criaram-se movimentos ecumênicos que se caracterizaram pela

participação leiga e forte crítica à igreja a respeito de assuntos sociais. São estes a Junta Latino-

Americana de Igreja e Sociedade (ISAL) e a Comissão Evangélica Latino-Americana de

Educação Cristã (CELADEC), ambos importantes para os anos seguintes e para o CELA III, que

seria realizado em Buenos Aires (GONZÁLEZ; ORLANDI, 2008, p. 424).

Conforme Padilla, a ISAL também assumiu contornos radicais em relação à questão

socioeconômica, em que “deu os primeiros passos para a interpretação da realidade latino-

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americana desde uma perspectiva protestante e marxista” (PADILLA, 1995, p. 47). Ainda de

acordo com o autor, a ISAL influenciou diretamente – por meio dos seus relatórios – as

discussões da CELA II.

De acordo com Longuini Neto, a CELA II projetou a ISAL, ao afirmar que o trabalho das

comissões da ISAL tomou corpo e expandiu-se por toda a América Latina, especialmente depois

da CELA II (LONGUINI NETO, 2002, p. 139).

O protestantismo ecumênico das CELAs recebia a influência do protestantismo histórico

declinante do hemisfério norte, buscava aproximar-se do catolicismo posterior ao Concílio

Vaticano II (1962-1965). Além disso, procurava responder à difícil situação social do continente

com uma teologia radical, que eventualmente identificou-se com a célebre “Teologia da

Libertação”.

A década de 1960 foi conturbada, o que fez com que esta reunião acontecesse em

contexto social, econômico, político, ideológico, teológico e eclesiástico, conclamando com

que o povo se reunisse em esperança de Cristo para a América Latina.

Bonino (1978) afirma que, em termos teológicos, CELA II foi como “neo-ortodoxia

evangélica”. O referido autor lembra que CELA II procurou fundamentar a totalidade da

compreensão da situação e da Missão em uma cristologia constituída sobre os conceitos de

“encarnação” e “senhorio” de Jesus Cristo. Quanto ao tema da unidade, destaca o conceito

paulino de corpo, deixando evidente uma opção em busca de um “organismo” visível e vivo.

Segundo Bonino, em relação à Igreja Católica Romana, na CELA II o protestantismo

deixou de lado a justificação nas falências da Igreja Católica Romana e sentiu-se chamado a

uma Missão própria, com olhares não meramente como adversária, mas como possível

interlocutora. Temas como o escasso desenvolvimento industrial, monoprodução, investimento

financeiro, condições de trabalho, distribuição da riqueza e reforma agrária são mencionados

(BONINO, 1978, p. 76-78 apud LONGUINI NETO, 2002, p. 120).

Em síntese, a CELA II refletiu a situação de um continente que estava em ebulição e

ansioso por encontrar seu caminho (LONGUINI NETO, 2002, p. 120).

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1.3.7 Concílio Vaticano II - 1962 - 1965

Neste período aconteceu o Concílio Vaticano II, anunciado pelo Papa João XXIII no dia

25 de janeiro de 1959, na Basílica de São Paulo, fora dos muros. A intenção da convocação era

mais com uma preocupação pastoral do que dogmática. Na festa de Pentecostes do ano do

anúncio, montou-se uma comissão para elencar os pontos importantes a serem tratados nele. A

preocupação da Igreja era o mundo moderno e modo de dialogar com ele. A comissão escreveu

cartas aos bispos do mundo inteiro para que eles ajudassem, indicando as problemáticas de cada

Igreja particular.

Em 5 de junho de 1960, a fase preparatória começou com o objetivo de elaborar esquemas

que pudessem dirigir as reflexões durante o Concílio.

A crise moral, o ateísmo militante, sucessão de guerras sangrentas, ruínas espirituais

causadas por tantas ideologias, amplo progresso científico que possibilitou aos homens a criação

de instrumentos para a sua destruição são alguns elementos que cercaram o Natal do ano de 1961,

dia em que o beato João XXIII deu início àquele que seria um dos maiores acontecimentos dos

últimos tempos na vida da Igreja: a convocação do Concílio Vaticano II4.

A solene abertura do vigésimo primeiro Concílio Ecumênico da Igreja, no Vaticano,

aconteceu em 11 de outubro de 1962, com a participação de mais de 2.000 bispos. No discurso

inaugural, Papa João XXIII posicionou o objetivo geral do evento:

[...] a finalidade principal deste Concílio não é, portanto, a discussão de um ou

outro tema da doutrina fundamental da Igreja, repetindo e proclamando o ensino dos

Padres e dos Teólogos antigos e modernos, que se supõe sempre bem presente e familiar

ao nosso espírito. Para isto, não havia necessidade de um Concílio. Mas da renovada,

serena e tranquila adesão a todo o ensino da Igreja, na sua integridade e exatidão, como

ainda brilha nas Atas Conciliares desde Trento até ao Vaticano I, o espírito cristão,

católico e apostólico do mundo inteiro espera um progresso na penetração doutrinal e na

formação das consciências; é necessário que esta doutrina certa e imutável, que deve ser

fielmente respeitada, seja aprofundada e exposta de forma a responder às exigências do nosso tempo. Uma coisa é a substância do depositum fidei, isto é, as verdades contidas

na nossa doutrina, e outra é a formulação com que são enunciadas, conservando-lhes,

contudo, o mesmo sentido e o mesmo alcance. Será preciso atribuir muita importância a

esta forma e, se necessário, insistir com paciência, na sua elaboração; e dever-se-á usar a

maneira de apresentar as coisas que mais corresponda ao magistério, cujo caráter é

prevalentemente pastoral.

4 Disponível em: < http://formacao.cancaonova.com/igreja/doutrina/concilio-vaticano-ii/ >. Acesso em: 17 fev. 2017.

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O Papa Paulo VI, eleito em 21 de junho de 1963, após a morte de João XXIII, teve como

primeiro desafio a continuidade e o encerramento deste grande conclave. O Concílio se encerrou

em 8 de dezembro de 1965. O novo Papa teve a missão de implantar as definições conciliares na

vida da Igreja – período chamado de pós-Concílio.

Dentro do intuito de não modificar a doutrina, mas aprender a comunicá-la por meio de

uma formulação que atinja o homem de hoje, durante três anos, os Padres Conciliares viveram

uma rotina de estudos, discussões, emendas e votações dos temas que eram propostos até

alcançar a unidade na correspondência com a fé para se promulgar um texto. Todo este trabalho

gerou ao todo 16 documentos (4 constituições, 3 declarações e 9 decretos).

As Constituições expõem as verdades de fé e os elementos essenciais da Igreja: a

Sacrosanctum Concilium (trata da Liturgia); a Lumen Gentium (trata sobre a Igreja); a Dei

Verbum (trata sobre a revelação e a escuta e transmissão da Palavra de Deus); a Gaudium et Spes

(trata da questão da relação da Igreja com o mundo moderno) (FINELON, 2013, s/p).

As Declarações expõem a visão da Igreja sobre determinadas questões importantes da

sociedade: a Gravissimum Educationis (trata da educação católica); a Nostra Aetate (trata da

relação entre a Igreja e os não-cristãos); e a Dignitatis Humanae (trata da questão da liberdade

religiosa).

Os Decretos apresentam as normas disciplinares e pastorais advindas da reflexão

conciliar: o Unitatis Redintegratio (trata do Ecumenismo); o Orientalium Ecclesiarum (trata das

igrejas orientais católicas); o Optatam Totius (trata da formação dos presbíteros); o Perfectae

Caritatis (trata sobre a vida religiosa); o Christus Dominus (trata sobre o serviço pastoral dos

bispos); o Apostolicam Actuositatem (trata do apostolado dos leigos); o Ad Gentes (apresenta a

atividade missionária da Igreja); o Presbyterorum Ordinis (trata do ministério e da vida do

presbítero); e, o Inter Mirífica (trata da relação da Igreja com os meios de comunicação social).

Estes foram os chamados „documentos conciliares‟ (FINELON, 2013, s/p).

Carlos Aguiar Retes, arcebispo de Tlalnepantla, México, e presidente do Conselho

Episcopal Latino-Americano (CELAM) concedeu uma entrevista publicada no sítio Noticelam,

12-06-2014 e também na revista Unisinos em julho do mesmo ano. Ele afirmou que a proposta

pelo Concílio Vaticano II, especialmente na Lumen Gentium, contribuiu significativamente para

direcionar a Teologia da Libertação, surgida nos anos 1970 e 1980. Tarefa assinalada em seu

tempo pelo magistério pontifício de João Paulo II.

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Nessa época, uma corrente desenvolveu-se e colocou como base a análise sociológica

marxista, o que levou a uma ideologização da mensagem evangélica. Foi o momento mais crítico

da Teologia da Libertação. Atualmente, inclusive alguns expoentes, como Gustavo Gutiérrez

(objeto de estudo da presente pesquisa, inclusive), desenvolveram uma Teologia da

Libertação com uma base bíblico-espiritual que, sem dúvida, ajudou muito nessa reorientação

considerando que é atualmente uma contribuição para a vida eclesial (NUÑES, 2014, s/p).

Na referida entrevista, afirma-se que a Teologia da Libertação nasceu em consequência do

desejo da aplicação do Concílio Vaticano II, além da busca de respostas evangélicas para a

superação das inquietações que, lamentavelmente, caracterizaram a nossa região.

Leonardo Boff comenta que na esteira do Concílio Vaticano II, a Teologia da Libertação

tem como base um conceito de Igreja comunhão, rede de comunidades Povo de Deus e poder

sagrado como serviço (BOFF, 2011, s/p).

1.3.8 Medellín, 1968

Ao olhar para a América Latina é possível perceber que a teologia da libertação adquire

notoriedade no âmbito católico-romano com a segunda Assembleia da Conferência Episcopal

Latino-Americana (CELAM), reunida em Medellín, Colômbia, em 1968. Em 1962, os

protestantes criaram a ISAL, que se tornou o centro de convergência dos teólogos protestantes da

libertação, tendo como órgão o periódico Cristianismo e Sociedade.

Segundo José Oscar Beozzo, Medellín é certamente o maior intento realizado pelas igrejas

da América Latina para receber o Concílio Vaticano II. Essa dimensão está expressa já no título

escolhido para a II Conferência: "A Igreja na atual transformação da América Latina, à luz do

Concílio".

Em todo acontecimento eclesial destinado a marcar em profundidade a vida da igreja, três

elementos precisam ser considerados: o evento em si, os documentos nele aprovados e, por fim, a

sua recepção.

Destes, a recepção é o elemento de verificação mais importante, uma vez que revela quais

dimensões foram capazes de passar para o cotidiano da igreja, quais deixaram de ser assimiladas

e até mesmo quais aspectos foram seletivamente abandonados.

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Medellín constituiu um modelo alternativo e inovador à maneira de se exercer a

colegialidade episcopal dos Sínodos dos Bispos, reduzidos à condição de um órgão consultivo do

Romano Pontífice. Além disso, preservou, na sua inteireza, ao lado da voz papal, a voz dos

bispos latino-americanos e caribenhos; ao lado do magistério pontifício, o magistério próprio das

igrejas locais. O que foi assim denominado de revolução eclesiológica do Vaticano II: ancorar a

noção de Igreja na figura do Povo de Deus – evidentemente que bispos, clero e o conjunto dos

batizados formam parte do mesmo povo de Deus (BEOZZO, 1998, s/p).

O tema da pobreza foi insistentemente relançado durante o Concílio pelos bispos. Estes se

organizaram em torno desta preocupação, durante o Concílio, como grupo de oração, de reflexão

e de pressão (BEOZZO, 1998, s/p).

Gibellini destaca que o contexto de pobreza e discriminação social tornou a América

Latina um solo fértil para o desenvolvimento de um trabalho missiológico. A luta por justiça e

igualdade fez com que a Teologia da Libertação ganhasse força em Medellín e também com o

lançamento da obra Teologia da Libertação de Gustavo Gutiérrez, o primeiro tratado sistemático

da Teologia da Libertação (GIBELLINI, 1998, p. 347).

O documento de Medellín acolheu as grandes linhas de uma educação libertadora, nascida

das experiências de educação popular desenvolvidas nas campanhas de educação de base, a partir

dos métodos inovadores da pedagogia do oprimido de Freire e, ao mesmo tempo. fundamenta

teologicamente no mistério pascal do Cristo.

Com o passar dos anos tornaram-se evidentes algumas deficiências na perspectiva e nos

documentos de Medellín: a ausência de uma perspectiva histórica, o escasso recurso à Palavra de

Deus junto com a falta de um documento específico sobre a Bíblia e a pouca atenção à dimensão

cultural da realidade que atravessa a experiência humana, da mais pessoal até às estruturas

econômicas, sociais e política. Também está ausente a perspectiva de gênero, lacuna que

Medellín partilha com a cultura geral da época, em que apenas pontilhavam os primeiros estudos

no campo da literatura e da filosofia do que nas ciências sociais, em que o gênero não surgia

ainda como categoria analítica.

Na mediação socioanalítica, o fiel engajado apoia-se nas ciências sociais para ler a

realidade que o cerca. Na patrística, se os teólogos utilizaram largamente a filosofia platônica

para construir os seus pensamentos, agora são as ciências sociais que nortearão seu agir local.

Com a mediação hermenêutica tem-se a interpretação das Escrituras e das tradições cristãs

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pautada pela situação política e social determinada, ou seja, lida com a mediação socioanalítica. É

nesse encontro que a leitura sociológica transforma-se em leitura teológica da mesma realidade

(GIBELLINI, 1998, p. 356).

Os pensadores da libertação tinham plena consciência de que não construíram apenas um

novo pensar teológico, antes disso, um agir libertador. Os irmãos Boff enfatizaram que antes de

fazer teologia, é preciso fazer libertação, viver comprometido com a fé e com os processos

libertadores, estar engajado na causa dos oprimidos. “Sem essa pré-condição concreta a Teologia

da Libertação vira mera literatura” (MUELLER, 1996, p. 159).

A atual Igreja da América Latina e do Caribe, com suas comunidades eclesiais de base,

sua riqueza ministerial, sua opção pelos pobres e pelos jovens, sua leitura comunitária e

celebrativa da Palavra de Deus, suas pastorais, sua teologia da libertação que vai se desdobrando

numa teologia índia, numa teologia afro-americana e numa teologia desde as mulheres pobres,

tornou-se, a partir de Medellín, uma igreja com rosto próprio e inculturado, assumindo em

Medellín, colegialmente e na perspectiva mais ampla de todo o povo de Deus, seu próprio rumo e

construção (BEOZZO, 1998. s/p).

Esta Teologia da Libertação utilizava um método antigo, desde os movimentos de base

nos círculos católicos da década de 1950. Boff trabalhou este método no nível teórico,

viabilizando a reflexão teórica em cada um dos momentos do esquema metodológico,

denominado “ver-julgar-agir”.

1.3.9 CELA III e CLADE I - 1969

A CELA III aconteceu em Buenos Aires, Argentina, em torno do tema “Devedores do

Mundo” e, no mesmo ano (1969), realizou-se também o Congresso Latino-Americano de

Evangelização (CLADE I), em Bogotá, Colômbia, sob o tema “Ação em Cristo para um

continente em crise”.

A CELA III foi realizada em Buenos Aires por conta do golpe militar de 1964, que

ocorreu no Brasil. Os trabalhos para realização da CELA III foram iniciados pelo Brasil, mas,

fora isso também havia tensões entre conservadores-fundamentalistas e progressistas do

protestantismo latino-americano. Evidentemente que a não realização deste evento em solo

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brasileiro ocorreu por caráter de cunho ideológico (COSTAS, 1978, p. 92 apud LONGUINI

NETO, 2002, p. 123-125).

Embora a predominância tenha sido evangélica foi a primeira vez que a Igreja Católica foi

convidada. Samuel Escobar destacou que nesta conferência algumas mudanças estavam bem

mais evidentes neste sentido:

A outra mudança está no campo ideológico, na maneira de interpretar a realidade latino-americana. Há uma crescente consciência dos males estruturais da

sociedade e da inquietação social que envolve o continente. Precisamente neste aspecto

se chegaria a uma confrontação entre diferentes setores da CELA III (ESCOBAR apud

SANCHES, s/d, p. 18).

Longuini Neto menciona que, de acordo com Costas, a CELA III tinha dimensões de uma

missiologia encarnacional, uma eclesiologia diaconal, uma cristologia autóctone, uma

antropologia libertadora e uma preocupação pela pneumatologia (LONGUINI NETO, 2002, p.

125).

Regina Sanches afirma que na CELA III a face mais radical do protestantismo evangélico

latino-americano se evidenciou. Sua importância refere-se à influência que exerceria sobre o

novo movimento que se iniciaria no cenário evangélico latino-americano. Era, de fato, um

processo de gestação de uma teologia da missão que refletisse o rosto da América Latina

(SANCHES, s/d, p. 19). Em relação ao momento, o pensamento vai de encontro com Longuini

Neto. Ele explica que aquele momento foi um período que proporcionou discussões e

observações sobre a consciência protestante, sobre a realidade social protestante e católica, o que

trouxe controvérsias devido ao processo de unidade latino-americano (LONGUINI NETO, 2002,

p. 123-128).

No meio deste protestantismo surgiu o impulso para os Congressos Latino-Americanos de

Evangelização, o CLADE I (Bogotá, 1969), organizado pela Associação Evangelística Billy

Graham, sob o impulso do Congresso Mundial de Evangelização (Berlim, 1966), convocado pela

revista evangélica Christianity Today. O evento permitiu a relação entre fé e realidade latino-

americana por líderes preocupados com esta questão por meio de compartilhamento de suas

inquietações nas esferas: social, política, econômica e religiosa, mas o conceito de evangelização

necessária estava mesclado de evangelismo e destituído de conteúdo na perspectiva de teologia

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de Missão (MATOS, 1999, p. 3). Este congresso teve duas marcas distintivas. Tito Paredes cita

Steuernagel:

(O Congresso) manifestou com clareza que, na América Latina, somos e

queremos ser evangélicos. E, como evangélicos, somos e queremos ser latino-

americanos. Naquela ocasião e naquele contexto, tornava-se urgente que, sendo

evangélicos, buscássemos uma teologia da encarnação que estabelecesse as pautas para um diálogo com a situação de sofrimento e opressão que se vivia em toda a América

Latina (PAREDES, 1999, p. 13).

O CLADE I não articulou uma missiologia latino-americana nos moldes que o momento

histórico exigia. A sua contribuição marcou o início de um processo que viria a frutificar nesse

campo. O evento avançou por um lado e não conseguiu caminhar mais, tendo em vista a situação

delicada vivenciada pelo protestantismo latino-americano de então (LONGUINI NETO, 2002, p.

165).

A polarização ideológica, a radicalização entre ecumênicos e fundamentalistas, as tensões

entre fundamentalistas e evangelicais, a falta de uma eclesiologia consistente, e de uma

missiologia autóctone – que impulsionasse novas propostas pastorais – foram fatores que

refletiram, também, na falta de observância do CLADE I da realidade latino-americana

(LONGUINI NETO, 2002, p. 163-164).

No CLADE I articulou-se a criação da Fraternidade Teológica Latino-Americana,

organizada em 1970, em Cochabamba, Bolívia, por cristãos evangélicos latino-americanos que

sentiam a necessidade de articular uma nova maneira de ser evangélico latino-americano

(LONGUINI NETO, 2002, p. 164).

Sobre a Fraternidade e seus objetivos, Escobar expressa:

Desde o primeiro momento, a FTL procurou ser uma plataforma de encontro e

diálogo teológico da qual participassem pastores, missionários e pensadores evangélicos,

dentro do marco evangélico de uma lealdade comum à autoridade bíblica e à fé

evangélica como base da reflexão e de um compromisso ativo com o cumprimento da

missão cristã (ESCOBAR, 1999, p. 20-22).

Em 1972, as duas correntes teológicas tiveram contato no I Congresso Latino-Americano

de Cristãos pelo Socialismo, realizado em Santiago, Chile.

Ao lado das Conferências Evangélicas continentais (CELAs) e da ISAL, o protestantismo

ecumênico latino-americano criou várias estruturas para-eclesiásticas para a promoção dos seus

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objetivos. Destacam-se alguns organismos importantes: Movimento Estudantil Cristão (MEC),

União Latino-Americana de Juventudes Evangélicas – depois, Ecumênicas (ULAJE), Agência de

Serviços Ecumênicos Latino-Americanos (ASEL), Comissão Evangélica Latino-Americana de

Educação Cristã (CELADEC), Coordenadoria de Projetos Ecumênicos (COPEC) e Conselho

Latino-Americano de Igrejas (CLAI) (GONDIM, 2010, p. 28-35, 56-60, 172).

É possível perceber que a América Latina despertou uma consciência sobre a realidade de

seu ser em oposição à influência tida como ocidental e sobre a situação social, econômica,

política e religiosa que geraram desdobramentos até Lausanne, em 1974, que culminou para a

articulação do movimento evangelical5 latino-americano.

Engelsviken destaca que durante a década de 1960 – e início dos anos 1970 – foi

perceptível uma mudança devido a sua radicalidade na tradicional compreensão de Missão do

século 19. A perspectiva missiológica passou de uma tendência antropocêntrica6 e

eclesiocêntrica7 para uma perspectiva mais teocêntrica

8 e cosmocêntrica

9, a partir da qual a

preocupação com questões sociais, políticas e religiosas estabeleceu novas tendências

(ENGELSVIKEN, 2003, p. 481-497).

Outras reuniões aconteceram após o CLADE I, mas não prolongaremos para o CLADE

II. O interesse na presente pesquisa foi determinar aspectos até Lausanne, em 1974, mesmo que

algo posterior seja mencionado.

5 Evangelical é a expressão usada abertamente para se diferenciar um grupo novo de pessoas dos fundamentalistas no

final da década de 1940 e que se identificam com a Missão Integral na América Latina e no contexto norte-

americano. Apenas descreve o movimento que distanciou-se do fundamentalismo com teólogos que buscavam um

meio termo entre o liberalismo alemão, o pietismo wesleyano, o puritanismo inglês e o fundamentalismo cultural dos

Estados Unidos. 6Antropocentrismo é uma concepção que considera que a humanidade deve permanecer no centro do entendimento dos humanos. O antropocentrismo coloca o ser humano no centro do universo, postulando que tudo o que existe foi

concebido e desenvolvido para a satisfação humana. 7 Eclesiocentrismo, no catolicismo, funda-se na ideia de que fora da Igreja Católica não pode haver salvação. No

protestantismo, o eclesiocentrismo inclina-se sobre a pessoa de Jesus Cristo como forma de se expressar a ideia de

que fora de Cristo não há salvação. O eclesiocentrismo católico foi definido pelos Concílios de Latrão (1215) e de

Florença (1442) e o eclesiocentrismo protestante a partir da Reforma Protestante (1516). 8 Teocentrismo é a doutrina que considera Deus o fundamento de toda a ordem no mundo. O significado e o valor

das ações feitas às pessoas ou ao ambiente são atribuídos a Deus. 9 Cosmocentrismo, de modo geral, é um sistema ordenado ou harmonioso que significa ordem ou ornamentos e é a

antítese do caos.

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2. O ESPÍRITO DE LAUSANNE - 1974

Em 1974, reuniu-se em Lausanne, Suíça, cerca de 4000 líderes e evangelistas de igrejas de

dezenas de países, a fim de debater e planejar sobre a evangelização no Congresso Internacional

para a Evangelização Mundial. O lema do encontro foi inspirado no profeta Isaías, conclamando

que o mundo ouça a voz de Deus10

·. Uma grande revista de circulação internacional denominou o

Congresso de Lausanne de “O Vaticano II dos Evangélicos”.

Lausanne, mais do que um evento, foi um processo que teve início com o Congresso

Internacional de Evangelismo, em Berlim, 1966, com os Congressos Regionais, como o CLADE

I, em Bogotá, Colômbia, 1969 (com a fundação da Fraternidade Teológica Latino-Americana –

FTL), e que prosseguiria com o trabalho da Comissão de Lausanne para a Evangelização Mundial

(LCWE).

A marca do Congresso de Lausanne foi a riqueza de seu conteúdo, com exposições

bíblicas, estudos bíblicos, análises de conjuntura, reflexões teológicas, estudos regionais e

elaboração de estratégias missionárias, além de uma riqueza de nomes. Ele resultou em um maior

sentido de unidade entre os evangélicos, em um renovado compromisso com a missão mundial da

Igreja e uma internacionalização do envio e do recebimento missionário.

Neste documento são tratados temas sobre antropologia, eclesiologia e soteriologia, e que,

dentre outros, receberam novo enfoque:

a) no que tange à antropologia (STOTT, 2003, p. 89-96), o pacto destaca que a

ação missionária e pastoral da Igreja afeta a pessoa humana em todas as suas dimensões:

biológica, psicológica, espiritual e social. “A pessoa inteira em seu contexto, o homem e

suas circunstâncias”;

b) no que tange à eclesiologia, declara que “a Igreja é antes a comunidade do povo

de Deus do que uma instituição e não pode ser identificada com qualquer cultura em

particular, nem com qualquer sistema social ou político, nem com ideologias humanas”

(STOTT, 2003, p. 92) e que quanto à Missio Dei, sob o imperativo de levar “o evangelho

10 VVAA. A Missão da Igreja no Mundo de Hoje: Principais Palestras do Congresso Internacional de Evangelização

mundial Realizado em Lausanne, Suíça. p. 7-9.

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todo para o homem todo, para todos os homens”. De acordo com o consenso de Lausanne,

a Igreja é a comunidade da Graça, comunidade terapêutica; agência de transformação

social; sinal histórico do reino de Deus; e,

c) no que tange à soteriologia, aponta que a redenção pessoal é apenas uma parcela

do que o Segundo Testamento chama de salvação: o novo céu e a nova terra e que “A

mensagem da salvação implica também uma mensagem de juízo sobre toda forma de

alienação, de opressão e de discriminação, e não devemos ter medo de denunciar o mal e a

injustiça onde quer que existam” (STOTT, 2003, p. 91).

Stott, relator deste congresso, afirmou que o evento contou com mais de cento e cinquenta

nações representadas. Sobre essa diversidade de povos ele comentou:

[...] os 2.700 participantes, com todo o espectro de pigmentação de pele e de

trajes coloridos, pareciam ter vindo de todos os cantos do globo. Foi especial motivo de

gozo o fato de que 50% dos participantes, e também dos oradores, bem como da

Comissão de Planejamento, fossem oriundos do Terceiro Mundo (STOTT, 1983, p. 9).

Samuel Escobar foi um dos palestrantes que representaram a América Latina em

Lausanne. Ele falou sobre a “A Evangelização e a Busca de Liberdade, de Justiça e de Realização

pelo Homem”. A tese da sua palestra iniciou-se com a seguinte referência: “O mundo a que se

refere o congresso de Lausanne é o mundo marcado pelo individualismo acentuado pelo

capitalismo, onde reina uma espécie de darwinismo social, uma seleção de espécies baseada na

força violenta do capital” (ROCHA, 2008, p. 166-168).

Escobar expressa o contexto do congresso de Lausanne, mormente quanto à realidade da

América Latina:

Imagine toda a população do mundo condensada numa aldeia de 100 habitantes. Desse número, 67 seriam pobres. Os 33 restantes, em grau variado, seriam ricos. De toda

a população, somente 7 seriam norte-americanos. Os outros 93 ficariam vendo os 7

norte-americanos gastarem a metade de todo dinheiro do mundo, comerem um sétimo de

todo o alimento e usarem metade de todas as banheiras existentes. Esses 7 teriam dez

vezes mais médicos do que os outros 93. Nesse ínterim, continuariam enriquecendo cada

vez mais, enquanto os 93 continuariam empobrecendo (ESCOBAR, 1984, p. 172).

Dirigindo estas palavras para a cúpula norte-americana11

, que participou da convocação

do congresso e que financiou o evento, Escobar segue:

11 O congresso de Lausanne tinha na sua convocação uma face bastante conservadora. A evangelização que se

pensava propor era de corte conversionista, onde é clara a descontinuidade indivíduo/sociedade. Esta face

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Como parte dos 7 ricos, estamos procurando alcançar para Cristo o maior

número possível dentre os 93. Falamos acerca de Jesus e eles nos vêem jogar fora mais

comida do que jamais esperariam consumir. Estamos ocupados construindo belas

igrejas, enquanto eles pedincham à procura de abrigo para suas famílias. Guardamos

dinheiro no banco, mas eles não têm o necessário nem para comprar comida para os seus

filhos. Dizemos-lhes que o Mestre era servo de homens, o salvador que dispôs de tudo o

que era seu em nosso favor, e agora ordena que façamos o mesmo por ele (...). Somos a

minoria rica do mundo. Podemos até esquecer isso, ou achar que o assunto não tem

importância. Mas fica a pergunta: e os 93? Poderão esquecê-lo também? (ESCOBAR,

1982, p.174)

O mundo onde muitos não têm sequer o “privilégio” de serem explorados pelo sistema

capitalista, é o mesmo que precisa ouvir a voz de Deus, que deve ouvir a Palavra de Deus, o

verbo de Deus. Como anunciar a Palavra de Deus num mundo tão injusto? Este é o

questionamento principal de Lausanne para a Igreja contemporânea. Essa pergunta ganha ainda

mais urgência na Igreja que está nos países emergentes e, especialmente, na América Latina.

Padilla, palestrante latino-americano, discursou sobre “A Evangelização e o Mundo”:

A falta de apreciação das dimensões mais amplas do Evangelho leva

inevitavelmente a compreender mal a missão da Igreja. O resultado disso é uma

evangelização tendendo a considerar o indivíduo como uma unidade em si mesma – um

Robinson Crusoé a quem Deus dirigisse seu apelo numa ilha –, cuja salvação só se dá

em termos de relação com Deus. Deixa-se de perceber que o indivíduo não vive isolado

e, consequentemente, que é impossível falar de salvação sem se referir ao mundo do qual

ele faz parte (PADILLA, 1984, p. 131).

Embora Lausanne foi marcado por inúmeras tensões – sobretudo em função da presença

subsidiária de grupos mais conservadores (que salientavam o conversionismo e o

antiecumenismo como a forma mais adequada de ação da igreja) – a tônica principal do

congresso foi determinada por uma visão que identificou sua abordagem teológica e o espírito de

Lausanne, a saber: a visão integral acerca da missão da igreja. A teologia de Lausanne é

conhecida como teologia da Missão Integral. O principal lema desta teologia é o evangelho todo,

para todo o ser humano e o ser humano todo.

O espírito de Lausanne é a matriz da teologia de missão integral que, por sua vez,

influencia o pensamento teológico latino-americano.

conversionista estava estampada nas inúmeras agências de missão norte-americanas de corte fundamentalista, que

subsidiavam a realização do evento. Houve, porém, uma guinada na matriz teológica orientadora do congresso.

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3. A IMPORTÂNCIA DE TEÓLOGOS LATINO-AMERICANOS EM

LAUSANNE

Os eventos evangélicos na América Latina, que antecederam Lausanne – como o CLADE

I (1969) e a Constituição da Fraternidade Teológica Latino-Americana (1970) – foram

fundamentais para se obter uma representação significativa da América Latina naquele congresso

por meio de teólogos latino-americanos como Orlando Costas, Samuel Escobar e Carlos René

Padilla (todos estes também relatores e palestrantes com John Stott). Participação esta que foi

imprescindível por colocar em pauta a reflexão sobre as estruturas sociais e os contextos culturais

dos povos em que a missão se realiza.

Isto se mostrou em diversos momentos do congresso: na sua composição, eram inúmeros

os participantes vindos da América Latina e Caribe; nas palestras apresentadas (quem sabe a

participação mais intensa encontra-se neste aspecto) destacando-se duas: A evangelização e o

mundo de Padilla, e A evangelização e a busca de liberdade, de justiça e de realização pelo

homem de Samuel Escobar; na composição de vários documentos de desdobramento das

discussões e, na redação do pacto final, chamado Pacto de Lausanne, que também será abordado

na presente pesquisa.

No evento, os teólogos latinos contribuíram para o desencadeamento de várias

articulações missionárias na produção de uma teologia holística12

que adiante dialogaria com as

ciências humanas que, dentre estas contribuições – com os olhos voltados para as necessidades

que nascem da América Latina – contextualizariam suas teologias com menor tutela norte-

americana (GONDIM, 2010, p. 61).

Como no CLADE I ficou notória a questão da polarização entre os chamados

fundamentalistas e evangelicais. Evidentemente que isso aconteceu por conta da presença norte-

americana nas produções teológicas que, em Lausanne, impactou devido aos posicionamentos

diversos ao que o próprio congresso aspirava. Os palestrantes mais importantes subiram aos seus

respectivos palanques e demonstraram aversão à teologia norte-americana, o que reaqueceu o

12 Em Lausanne, ouviu-se pela primeira vez a palavra “holística”, de “holismo” no sentido de integralidade do ser

humano.

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nervosismo do fundamentalismo, rejeitando a posição dos liberais, o americanismo, o estilo de

vida americano dentre outros assuntos (GONDIM, 2010, p. 63-64)13

.

O Pacto resultante das discussões de Lausanne elaborou – ainda que de forma tímida – a

questão do compromisso sociopolítico e cultural da Igreja. Mesmo assim, ele representou uma

abertura do evangelicalismo para o tratamento destas questões.

A América Latina despertou uma consciência sobre a realidade de seu ser – em oposição à

influência tida como ocidental – e sobre a situação social, econômica, política e religiosa que

geraram desdobramentos até Lausanne em 1974, o que culminou para a articulação do

movimento evangelical (GONDIM, 2010, p. 28-35, 56-60, 172)14

latino-americano.

A importância latino-americana em Lausanne estimulou segmentos da Igreja para uma

teologia com contorno regional, além de uma preocupação em responder as questões do contexto

sociocultural latino-americano, conforme já mencionado. Mas, se tal desfecho fazia parte ou não

da agenda formal do congresso é de menos importância, uma vez que a América Latina se fez

presente e certamente fez ouvir a sua voz, tanto no campo de missão quanto a compreensão

própria da sua tarefa missionária.

A Teologia da Libertação (TdL) nasceu nas décadas de 1960 e 1970, período marcado por

muita turbulência e forte presença militar em todo o continente latino-americano. Samuel Escobar

comenta que a situação instalada no continente era de cunho político, muito mais que meramente

social, demandando resposta e ação da igreja (ESCOBAR, 1974, p. 33) diferente do que se

constatou, ou seja, um protestantismo alienante, repressivo e domesticante que exclui seus

adeptos das realidades sociais, prendendo-os aos modelos estrangeiros (COSTAS, 1974, p. 65).

O contexto latino-americano era de resistência quanto ao diálogo e a articulação com a

Teologia da Libertação e as ciências humanas que pensavam nas circunstâncias políticas e sociais

do continente (GONDIM, 2010, p. 69) e, no Brasil, atribui-se tal resistência a questões

ideológicas, não somente dogmáticas.

Os conflitos entre evangélicos latino-americanos continuaram, especialmente no tocante

13 Leia mais sobre o assunto em: GONDIM, Ricardo. Missão Integral: em busca de uma identidade evangélica. São

Paulo: Fonte Editorial, 2010. 14 Evangelical é a expressão usada abertamente para se diferenciar um grupo novo de pessoas dos fundamentalistas

no final da década de 1940 e que se identificam com a Missão Integral na América Latina e no contexto norte-

americano. Apenas descreve o movimento que se distanciou do fundamentalismo com teólogos que buscavam um

meio termo entre o liberalismo alemão, o pietismo wesleyano, o puritanismo inglês e o fundamentalismo cultural dos

Estados Unidos.

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às questões fundamentalistas. Já os evangelicais estavam abertos e bem dispostos ao diálogo com

a TdL e as ciências, desenvolvendo uma teologia com base na antropologia e na cultura. Mesmo

entre o grupo dos evangelicais muitos rejeitaram o diálogo deste tipo, não se mostrando abertos

ecumenicamente, ou se valendo de instrumentais ideológicos para denunciar a pobreza e injustiça

na América Latina (GONDIM, 2010, p. 69-70).

Os teólogos latino-americanos criticavam os modelos missionários norte-americanos,

além de afirmarem que não haveria força transformadora num mundo globalizado, em que a

mensagem estivesse de acordo com quem pregasse.

Os eventos históricos – que provocam mudanças em grandes escalas e não são situações

isoladas, nem se encerram em si mesmas, mas impulsionam um novo fluxo– foram resultados de

vários movimentos e geraram outros a fim de não somente promover sua continuidade, mas sua

atualidade (SANCHES, 2016, p. 2).

Como resultado do congresso realizado em Lausanne, no ano de 1974, o Congresso

Internacional para a Evangelização Mundial firmou um documento denominado “Pacto de

Lausanne”, cujo relator foi Stott, com a contribuição significativa de Costas, Escobar e Padilla.

Desde então, o movimento evangelical está associado ao chamado espírito de Lausanne, como

abordado anteriormente.

4. O PACTO DE LAUSANNE

O Pacto de Lausanne é considerado como o marco da Missão Integral. É o elo que

articulou os latino-americanos como segmento evangélico que dialogaria com as ciências sociais

e a Teologia da Libertação, o que se tornou uma das principais marcas para diferenciar

evangelicais de evangélicos (GONDIM, 2010, p. 83). Muito embora o Pacto tentou explicitar não

somente o consenso entre os participantes e apontar novos rumos para projetos e ações

missionárias que seriam deflagrados após o Congresso em Lausanne, foram as propostas norte-

americanas que prevaleceram, o que configurou muito mais a agenda fundamentalista do que

propriamente dos conceitos missiológicos (GONDIM, 2010, p. 84-87).

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Surgia a Missão Integral na América Latina: uma proposta de apresentar o indicado no

título e cumprir a missão da igreja de forma holística, com uma ação missionária que promova a

transformação espiritual na comunidade (PADILLA, 2003, p. 13); que promova integralidade da

igreja em cumprir a vontade de Deus e sua Missão de forma engajada (GRELLERT, 1987, p. 57-

61); promovendo comunhão, ecumenismo no sentido de pregar o bem-estar e o evangelho para

todas as pessoas e a conversão moral e espiritual das nações e governos (QUIROZ, 2003: 153).

A Missão Integral nasceu na década de 1960 quando teólogos evangélicos e pastores

latino-americanos perceberam a necessidade de uma interpretação dentro do quadro latino

percorrido até a chegada em Lausanne, no ano de 1974, especialmente em meio às tensões e

conflitos internos entre os evangelicais e os fundamentalistas norte-americanos que – ligados à

Escola de Crescimento da Igreja de McGravan e Wagner – consideraram o Pacto progressista. De

fato, os evangelicais criticaram o movimento fundamentalista em termos teológicos, ideológicos

e estratégicos (GONDIM, 2010, p. 78-82).

Os movimentos de missão do evangelicalismo histórico, com elementos da Reforma

Protestante em sua vertente Calvinista sob a nova vitalidade do conjunto dos novos avivamentos,

além dos que foram realizados em solo latino-americano, articuladores da estratégia e da prática

missionária – principalmente nos séculos 19 e 20 – ocuparam-se da organização de eventos para a

discussão da responsabilidade evangelizadora da igreja, em uma perspectiva protestante-

ecumênica e internacional. Foram às representações destes movimentos internacionais, realizados

na América Latina, que desencadearam uma revisão crítica da prática missionária até então

realizada em solo latino-americano (SANCHEZ, 2008, p. 42-46).

CONSIDERAÇÕES FINAIS AO CAPÍTULO

O presente capítulo abordou que a Missão ao longo do século 20 passou por uma crise de

paradigma, estabelecida no século 19. A ruptura com este paradigma trouxe uma nova situação

para a Missão. As igrejas não são mais o centro da vida e precisam de alternativas missionárias.

O fato proporcionou uma abertura para a realização de diversos encontros missionários do século

20.

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A Missão está em constante transformação, principalmente quando se olha para seu

objetivo, seu resultado, sua compreensão e prática. Tudo nasceu com a vontade de cumprir o

“envio” ou “chamado” da Grande Comissão. Com muitos perigos e com tantas oportunidades,

teólogos e missionários colocaram no foco outras partes do mundo que antes não olhavam.

Assim, surgiram as oportunidades de seguirem para outros continentes, levar aquilo que

tinham como crença, para fazer Missão como ação do povo de Deus em levar o evangelho, a fé

cristã.

Missão não tem uma assinatura única de um povo, mas, advém da atividade de vários

povos para tantos outros povos, sem um determinado centro de expansão.

Quando sociedades estão em crise, é possível constatar perigos e oportunidades de

mudanças, em que a Missão chega para oferecer uma nova maneira de refletir e pensar a vida,

uma vez que não é primeiramente uma atividade da Igreja, mas um atributo de Deus.

Assim, o conceito de “Missões”, no momento histórico tratado aqui, referiu-se ao

movimento do cristianismo católico, protestante e ecumênico, ainda que aos poucos destacado

dentro de uma área geográfica e com a presença cristã com suas atividades dirigidas a estender a

fé cristã, mesmo em lugares em que a fé já existia.

Missões é a transmissão do evangelho de uma cultura para outra na manifestação de Jesus

Cristo. É o esforço de se viver e conviver sob termos e demandas de outras culturas. É nutrir-se

de motivações sociais, políticas, econômicas etc., para se perguntar o porquê se fazer Missão

onde se encontra. É entender que existe um ponto de convergência entre tudo e todos e que

devido este ponto sentimentos religiosos alcançaram muitas pessoas de diversas religiões. Missão

foi e ainda é uma grande contribuição de evolução humana (GONZÁLEZ; ORLANDI, 2008, p.

523-531).

Verifica-se que o termo Missões significava levar o evangelho para os não-alcançados, o

que seria possível com este ecumenismo que se averiguou nas reuniões realizadas para tanto.

Mas, os envolvidos em tal causa necessitavam da noção de que isso só seria possível em conjunto

se não se considerassem absolutos na propagação de suas verdades e intentos de reunir esforços

para levar o evangelho, o que aconteceu em Edimburgo, mesmo que de forma embrionária

(BOSCH, 2002, p. 548).

A ideia foi trabalhada passo a passo. O ecumenismo apareceu como força para o

movimento missionário que compreendeu que a Missão de levar o evangelho para o mundo – e

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unificar o povo em Cristo – tratava-se da mesma obrigação. Este pensamento mostrou-se

importante no sentido de que, caso alguém, ou grupo, se sentisse dono de uma obrigação

divisível, incorreria no erro de se dividir em denominações o mesmo povo que lutava pelo

contrário, na unificação da igreja de Cristo.

Com este entendimento a tarefa missionária tornava-se central para a vida da igreja, bem

como na contínua busca de renovação e da unidade. A unidade foi algo recorrente para a reflexão

sobre a Missão. Contudo, outros grupos pensavam a unidade de modo diferente, como espiritual e

invisível, pois quando se pensa em algo visível pode ser que recaia em evangelismo, mas, não

como premissa inegociável.

Manter a „Missão‟ e a „Unidade‟ é identificar que nas diferenças há um centro chamado

Cristo, além de descobrir que não há fim e sempre se molda, sem distinções denominacionais –

que necessitam de abertura para novos pensamentos e novas culturas como algo dinâmico para o

crescimento cristão –, reconhecer o senhorio de Cristo em que a igreja é o povo de Deus que se

mostra como sinal profético de renovação que representa o futuro da humanidade e do mundo

(BOSCH, 2002, p. 554-557).

Por certo que é preciso avançar e escrever sobre o significado da Missão para todas as

épocas, além de lembrar que a era presente difere-se fundamentalmente do período bíblico dos

evangelhos e suas cartas para as duas primeiras gerações de cristãos. As disparidades entre as

épocas implicam que não basta apelar diretamente para as palavras dos autores bíblicos – ou

aplicar o que disseram a nossa própria situação como se houvesse uma correspondência exata e

completa. Ao contrário, deve-se, de forma criativa e responsável, prolongar a lógica do ministério

de Jesus e da igreja primitiva para o tempo atual e para o contexto.

Sabe-se que a fé cristã é uma fé histórica. Deus comunica sua revelação às pessoas por

intermédio de seres humanos e eventos, não por proposições soltas no tempo. Isso constitui outra

maneira de explicar que a fé bíblica é “encarnacional”, com a realidade de Deus adentrando nos

assuntos humanos.

O próximo capítulo destacará o conceito de Reino de Deus, sobretudo na TdL e na TMI,

com aprofundamento do tema conforme os pensamentos de Gustavo Gutiérrez e de René Padilla,

a fim de analisar o conceito de Reino de Deus em suas teologias.

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CAPÍTULO II

A CONCEPÇÃO DE REINO DE DEUS NAS TEOLOGIAS

DA LIBERTAÇÃO E DA MISSÃO INTEGRAL

INTRODUÇÃO

O presente capítulo abordará sobre o Reino de Deus nas Teologias Latino-americanas da

Libertação e da Missão Integral (década de 1970), com ênfase nas teologias de Gustavo Gutiérrez

e René Padilla.

A América Latina passava por momentos conturbados de mudanças entre as décadas de

1960 e 1970. Vários movimentos reuniram-se a fim de olhar teologicamente sobre a situação em

termos de “Missão” no século 20, além de constatarem a necessidade da participação no contexto

social, econômico, político, ideológico, teológico e eclesiástico, conclamando esperança de

Cristo para a América Latina em meio às mudanças evidentes.

Para a pesquisa, o método histórico bibliográfico será utilizado. Também será apresentado

um aporte hermenêutico, bíblico (contudo, não exegético), social e histórico, ou, palavra, igreja e

mundo, com destaque para a teologia latino-americana enquanto pensar e fazer teológico que

nasce neste contexto em todo o continente, olhando com a perspectiva da Teologia da Libertação

e a Teologia da Missão Integral, teologias que nascem no solo latino-americano.

Em primeiro momento, a concepção em si terá uma abordagem mais hermenêutica de

cunho mais popular. Na sequência, um breve apontamento histórico e, por fim, a definição para

estas duas maneiras de fazer teológico.

Como aspecto bibliográfico para a metodologia adotada, os referenciais teóricos serão,

conforme já indicado, Gustavo Gutiérrez para a temática sobre a Teologia da Libertação e Carlos

René Padilla para a abordagem sobre a Teologia da Missão.

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Por certo que, ao dissertar sobre cada referencial, outros autores aparecerão, a fim de

auxiliar na sustentação do objetivo do presente trabalho: a conceituação de Reino de Deus para

estas Teologias na concepção dos autores base.

1. A CONCEPÇÃO DE REINO DE DEUS

De todos os vocábulos que demandam conceituações na Bíblia, o “Reino de Deus” surge

como um termo basilar e central.

Quando a tradição cristã trata deste Reino como um céu em outra dimensão de existência,

metafísico, talvez até com referenciais platônicos15

, Jesus, no Novo Testamento, expressa de

maneira mais acessível e convoca seus discípulos para um engajamento com este Reino como

realidade presente na história.

Nas palavras de Jesus é provável que a consumação da redenção seja muito mais a

realização do Reino de Deus presente do que num lugar a que consideram céu, como no

evangelho de João, em que Jesus afirma que o seu reino não é deste mundo (Jo 18.36). Logo, esta

expressão pode ser interpretada como referência a “outro mundo” literalmente, ou “outro lugar

geográfico” para onde se pretende após a morte.

Na Epístola aos Efésios, Paulo fala de um futuro, não necessariamente em “outro mundo”,

em “outro lugar”, mas, também – e principalmente em termos de outro tempo – pois ele fala de

era presente e de século vindouro (Ef 1.20-23). Provável que seja menção escatológica como

“uma nova era”, como um fim para uma finalidade, não necessariamente como “outro mundo”

fora deste, mas, uma realidade nova, diferente das demais dentro deste mundo presente.

Neste sentido, Reino de Deus pode ser um lugar já inaugurado na história, na sociedade

quando toda a terra estiver sob o reinado de Deus, mas que será consumado no porvir. Também

pode ser um momento existencial que só se realiza com discernimento do testemunho das

15Aqui refere-se ao entendimento do Mito da Caverna, ou “Alegoria da Caverna” encontrada em “A República” de

Platão. É mais uma alegoria do que propriamente um mito. É considerada uma das mais importantes alegorias da

história da Filosofia. Por meio desta metáfora é possível conhecer uma importante teoria platônica: como, pelo

conhecimento, é possível captar a existência do mundo sensível (conhecido pelos sentidos) e do mundo inteligível

(conhecido somente pela razão).

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Escrituras em vida, em que o Espírito Santo motiva e sustenta as pessoas com sinais de sua

presença libertadora.

Reino de Deus é uma realidade de identificar-se com o próximo em sua complexidade e

sua integralidade. Neste sentido há os que compreendem o ser humano como ser dividido em

partes distintas e separáveis (corpo, alma e espírito); acreditam que a salvação consiste no

perecimento do corpo nesse mundo que será substituído por outro quando forem ao céu, lugar em

que somente os espíritos salvos habitam para sempre. Para estes há uma dificuldade em assimilar

a lógica de uma teologia integral (KIVITZ, 2012, p. 126).

Quem compreende o ser humano como indivíduo (uma unidade indivisível), que se

transforma à semelhança do Cristo ressurreto para viver no Reino de Deus que já está inaugurado

e será consumado na era porvir, quando todo o universo estiver sob o reinado de Deus, a lógica

de uma integralidade é inevitável.

Reino de Deus é lugar onde sua vontade se expressa como evangelho de Cristo, evangelho

do Reino, como boas-novas que só realiza o seu benefício quando ele deixa de ser doutrina e

torna-se espírito e vida. Também é lugar onde se sabe que a Missão é de Deus e que Deus chama

a sua igreja para participar de sua missão que abrange a totalidade da criação e da vida humana –

que tem sua fonte nele e dele depende para sua realização (BOSCH, 2002, p. 500) com respeito

ao testemunho, serviço, justiça, saúde, libertação, paz, reconciliação, entre outros aspectos: a

conversão.

Na década de 1960, em resposta às demandas de sofrimento do mundo na modernidade,

tanto na vertente cristã católica quanto na protestante evangelical, houve iniciativas e

movimentos que proporcionaram alternativas querigmáticas e próprias do Reino de Deus

(MOESCH, 1995, p. 238).

A razão é a preocupação comum das Teologias Latino-americanas, ao partir do

pressuposto de que as TLAs possuem duas perspectivas teológicas, assunto da presente pesquisa:

a Teologia da Libertação, de representação católica e protestante ecumênica e a Teologia da

Missão Integral, de corte protestante evangélico, que busca respostas ao ambiente que a suscita,

desde suas demandas históricas, tendendo ao serviço à Igreja e à sociedade em geral e que

pretende ser, de fato, o pensamento da fé que ocorre a partir de uma situação peculiar, neste caso,

o contexto latino-americano e os seus problemas sociais, políticos, econômicos, culturais e

religiosos (SANCHES, 2009, p. 15).

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Aos problemas socioeconômicos relacionam-se com maior propriedade as discussões

articuladas pela TdL, que utiliza – para essa tarefa – o referencial teórico das Ciências Sociais

que subsidiam sua análise. É com esta mediação que ela percebe tanto a realidade sócio-histórica

atual quanto o ambiente social do texto bíblico.

A TMI surgiu na América Latina como fruto da fé evangélica, com o intuito de buscar a

independência e a identidade da Igreja evangélica latino-americana. Assim é considerada como

um pensamento que integra todo um processo de revitalização da fé, que engloba uma série de

movimentos do protestantismo histórico em relação de continuidade com eles. Segundo Sanches

(2009), a contextualização e a integralidade são os conceitos fundamentais e mediadores do

conteúdo próprio da palavra de Deus dentro do contexto bíblico, e que também perpassam todo o

procedimento metodológico da TMI.

O Reino de Deus realizado no mundo aparece como chave hermenêutica, tanto para a

compreensão da realidade bíblica como da realidade atual. Quando compreendido historicamente

– e com circunscrição integral – torna-se chave hermenêutica para a realidade histórica, que

resulta em uma nova concepção da Missão da Igreja no mundo (SANCHES, 2009, p. 15-25).

1.1 A PERSPECTIVA DA TDL EM RELAÇÃO AO REINO DE DEUS

Conforme já mencionado, a TdL foi mais expressiva após o Concílio Vaticano II, em que

fortes ideologias da época influenciavam diversos cientistas de diversas áreas. Gustavo Gutiérrez

viveu neste meio e sentiu-se influenciado por inúmeras correntes ideológicas, o que se mostrou

normal para a época de ebulição das ideias e a hermenêutica do Reino de Deus (ALMEIDA,

2005, p. 42).

1.1.1 PRESSUPOSTOS HISTÓRICOS DA TDL

A TdL nasce no final na década de 1960 (SANCHES, 2009, p. 19), período em que a crise

econômica e política da América Latina provocou – em todo o continente – uma onda de

pessimismo, com relação ao desenvolvimento capitalista dos países emergentes. A TdL

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apresentou-se como expressão viva de uma experiência de fé libertadora: uma nova maneira de se

pensar e elaborar a fé cristã no cenário sócio-histórico latino-americano.

Dentro de um processo histórico marcado pela pobreza, esperança e busca libertadora, a

TdL surge como uma expressão que reflete uma fé libertadora, a qual necessita de um exercício

sistematizado de reflexão e aprofundamento, não sendo assim uma reflexão deslocada. Não há

como compreender a TdL fora do “humus eclesial e social” (TEIXEIRA, 2010, s/p) que marcou o

continente latino-americano a partir do final dos anos 1950.

O momento histórico foi bem favorável, marcado pela irradiação de uma consciência

libertadora muito ampla, tempos de descoberta real e exigente do mundo do “outro”, sobretudo

das pessoas mais pobres e marginalizadas. Acompanhando as experiências históricas inovadoras

estava uma reflexão teórica singular, que apontava com vigor os limites do desenvolvimentismo

que marcou o clima de otimismo da década de 1950, época do nascimento da Teoria do

Desenvolvimento (GUTIÉRREZ, 1975, p. 76).

Com o aporte da Teoria da Dependência (FURTADO, 1996, p. 8) cujas raízes remontam

ao debate do marxismo clássico, e da teoria do imperialismo, sobre a viabilidade do capitalismo

nos países coloniais ou dependentes, causada pela política desenvolvimentista dos países ricos em

relação aos países emergentes (SANCHES, 2009, p. 37), defendida por alguns cientistas sociais

latino-americanos, surge um novo patamar de consciência, que favorece ver a situação dos países

emergentes como um “subproduto histórico do desenvolvimento de outros países”

(GUTIÉRREZ, 1975, p. 76), marcado pela prática histórica da colonização e da dominação por

ela gerada, por políticas econômicas desumanizadoras e pela injustiça social. Assim, surge a TdL,

que congregou no campo do pensamento teológico representantes do catolicismo e do

protestantismo ecumênico16

.

Os teólogos da libertação percebem com nitidez que o desnível entre os países

desenvolvidos e emergentes vem radicalizado pelas relações de dependência. Só uma “análise de

classes” poderia captar a dinâmica de oposição entre os povos oprimidos e dominantes (a crítica

marxista às perspectivas convencionais do desenvolvimento). Daí a aposta feita no movimento de

libertação, entendido como processo de transformação profunda da realidade. Para os teólogos

16 Refere-se às igrejas protestantes que fazem parte do Conselho Mundial de Igrejas e do Movimento Ecumênico

articulado por ele.

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latino-americanos, a libertação era o instrumento necessário para a ruptura das condições sociais

que marginalizavam e oprimiam os segmentos pobres do continente (GUTIÉRREZ, 1975, p. 76).

As principais implicações foram: a desigualdade socioeconômica, que gerou uma massa

de empobrecidos ao lado de uma minoria de enriquecidos. A crescente dívida externa contribuiu

para o aumento dos problemas sociais e causou a dependência cultural, em nome do avanço

tecnológico e de mercado que resultou no comprometimento vital da identidade dos povos por ela

afetados (SANCHES, 2009, p. 37).

Esta dependência tem relação com o chamado “mito do desenvolvimento econômico”

(FURTADO, 1996, p. 8) que tem a função de orientar em um plano intuitivo a construção de uma

visão do processo social, referindo-se à ideia de que o desenvolvimento econômico –

experimentado pelos países ricos – seria universalizável, ideia esta que se deu em relação de

continuidade com o conhecido “mito do progresso” (FURTADO, 1996, p. 8), ideologia

iluminista que serviu de bases para a revolução industrial.

O mito do desenvolvimento econômico possuía como meio necessário para sua realização

a acumulação de capital, sem se considerar as devidas implicações para o plano social, cultural e

do meio-ambiente (SANCHES, 2009, p. 37).

Gustavo Gutiérrez também tratou do tema da dependência. Ele comenta que “os subsídios

ao desenvolvimento, intensos na América Latina na década de 1950, despertaram esperanças.

Mas, deixando de atacar as raízes do mal, fracassaram, provocando confusão e frustração”

(GUTIÉRREZ, 2000, p. 81). A ideologia do desenvolvimento gerou um sistema progressivo de

empobrecimento das massas, e a minoria rica – que serviu a esse empreendimento – foi a grande

beneficiada, o que ampliou o abismo entre a minoria rica e a maioria pobre, além de consolidar a

desigualdade social como um problema histórico da América Latina.

Para Gutiérrez, o problema do desenvolvimento foi a forma como foi praticado sobre os

países emergentes. Não brotou de dentro e, sim, foi imposto a eles em relação de continuidade

com as políticas colonialistas e civilizatórias anteriores, cujo interesse principal não foi os países

pobres, mas os próprios países ricos, com seus interesses econômicos que se evidenciaram ao

longo do processo histórico em que essas políticas se originaram. É notório que há a consciência

dos povos latino-americanos e dos países emergentes sobre essa situação de dependência.

Gutiérrez descreve:

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Os países pobres têm cada vez mais consciência de que seu

subdesenvolvimento é subproduto do desenvolvimento de outros países, devido ao tipo

de relação mantido atualmente com eles. Neste caso, a relação evidente é de dependência

econômica, portanto, também social, política e cultural (GUTIÉRREZ, 2000, p. 82).

Na perspectiva desta teologia, a libertação cristã acontece de forma concreta em fatos

históricos e políticos libertadores, que estão densamente marcados pela presença do mistério

sempre maior. Como Gutiérrez realça, “não há duas histórias, uma da filiação e outra da

fraternidade, uma em que nos fazemos filhos de Deus e outra na qual nos tornamos irmãos entre

nós. É isso o que o termo „libertação‟ quer destacar” (GUTIÉRREZ, 1981, p. 96).

Ocorre que a América Latina é um lugar considerado em sua totalidade como um mundo

subdesenvolvido, ou um mundo que de acordo com o seguimento da dependência, dominação e

colonização é um mundo que depende de outro para ser um mundo que deseja ser. Ainda assim,

seus países são considerados como “Terceiro Mundo” (GIBELLINI, 1998, p. 447-448), nos dias

atuais denomina-se países emergentes.

Por outro prisma, conclui-se que para outros países serem considerados de “Primeiro

Mundo” (atualmente chamado de países desenvolvidos) necessitam de outros que custeiem esta

visão. Mueller (1996) trabalha esta percepção por meio destes que são vitimados por esta visão

de colonizados e não prioritários na ordem socioeconômica mundial, consciência que se faz

importante para se conceber alguma transformação por meio de guerras, avanços tecnológicos e

científicos, bem como o capitalismo e o marxismo.

Este contexto contribuiu para que os países emergentes tivessem sua postura crítica e sua

voz de contestação nos segmentos sociais (artistas, trabalhadores, juventude e religiosos) quanto

às políticas dos países desenvolvidos em relação aos mais empobrecidos econômica e

socialmente (cor da pele, raça, cultura, religião e sexo), mas com riqueza cultural (MUELLER,

1996, p. 178-184).

A fé cristã chegou a estes povos pelo sistema colonial. Este novo pensamento crítico

gerou suspeita sobre a ideologia pregada dos países desenvolvidos e a fé. O desafio era

evidenciar como a fé cristã poderia não somente servir a essa nova mentalidade, mas, ser

relevante a partir da situação destes povos, para a sua libertação da dominação e condição de

dependência que se encontravam. Era necessária uma transformação, uma mudança radical dos

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pensamentos antigos para que o pensamento novo fosse encarnado e contextualizado (COSTAS,

1989, p. 51).

Alves descreveu este fenômeno como um processo de libertação, em que o povo se

conscientiza que é dominado e oprimido, não se achando mais domesticado e conscientemente

determinando-se a libertar-se historicamente, seguindo ideologicamente o pensamento de Paulo

Freire (ALVES, 1987, p. 54).

Sanches comenta que a esperança de transformação desta realidade foi ver o ser humano

dos países emergentes com postura mais crítica em relação às situações históricas e, por vezes, de

resistência. Ainda que a opressão e a dominação tivessem novos matizes gerando formas diversas

de dependência, a luta pela libertação tornou-se cada vez mais insistente e envolvente

(SANCHES, 2009, p. 23).

Alves faz referência a uma linguagem distinta, quando discorre sobre a nova consciência

histórica: A linguagem de “uma nova comunidade” que agora conhece a realidade de que o rico

fica mais rico e o pobre, mais pobre (ALVES, 1987, p. 53). Neste sentido, Boff explica que o

empobrecimento desumaniza o ser humano e tira-lhe a liberdade de viver. Para isto mudar é

preciso surgir de dentro desta condição a consciência de libertação frente à situação histórica

(BOFF, 1989, p. 13).

Sanches afirma que o surgimento desta teologia integra a religião como seu modo de vida

e ocupa-se em situar – perante os sistemas de organização social – mecanismos que afetam a

dignidade humana, responder a eles por meio da fé e preocupar-se com a realização da justiça e

promoção da vida, concordando com Costas (COSTAS, 1989, p. 52; SANCHES, 2009, p. 22-24).

As teologias da libertação17

dos países emergentes mostram-se também como teologias

que lutam pelo reconhecimento da alteridade das “raças” e dos povos. Isso não se deve à intenção

de universalização, mas justamente contra isso, na defesa do direito de cada povo ser livre para

organizar a vida, pensar e viver a fé e compartilhar de forma igualitária dos recursos do mundo

pertencente a todas as pessoas (SANCHES, 2009, p. 28).

Então, a TdL comunga com essas características de teologia dos países emergentes, mas

comprometida com a realidade sócio-histórica e cultural local.

17 Outras teologias da libertação, em outros continentes – como a Teologia Negra, a Teologia Africana, a Teologia

Asiática, surgiram como nova proposta teológica. Mas, o presente trabalho se detém no contexto da TdL na América

Latina.

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Não obstante este surto que gerou a guinada antropológica e política da teologia, a

situação de dependência e de opressão das populações latino-americanas, o empenho social e

político da igreja, a crise da teologia do desenvolvimento etc., para que tenha lugar qualquer

evento histórico, não basta à presença de todas as condições favoráveis, tem-se a necessidade de

atores que o realizem. Gustavo Gutiérrez é um dos principais autores e um dos criadores da TdL

(MONDIN, 1980, p. 64).

Nas últimas décadas, o termo “desenvolvimento18

” foi usado para demonstrar os anseios

das nações pobres. Mas o termo foi julgado fraco, de conotação pejorativa, sobretudo na América

Latina.

Com as discussões que surgiram, mudanças foram propostas, além do cuidado para evitar

ataques aos poderosos interesses econômicos internacionais e os de seus aliados naturais, as

oligarquias nacionais. Em muitos casos as mudanças propostas eram novas maneiras enganadoras

para aumentar o poder dos grupos econômicos mais fortes. O desenvolvimento tornou-se, assim,

sinônimo de reformismo e modernização, o que entendem serem medidas tímidas, ineficazes em

longo prazo, amiúde falsas e contraproducentes face uma verdadeira transformação

(GUTIÉRREZ, 2000, p. 81-82).

Nesta perspectiva, para Gutiérrez, a TdL não é uma teologia meramente inventada e sem

nexo, mas é fruto de sua própria colheita na imersão pastoral nos movimentos cristãos, uma

reflexão que ouve e escuta as aspirações de um continente de maioria cristã que adquire

consciência do fato que a libertação não é uma empreitada heroica do passado, mas o chamado de

hoje, a passagem histórica do Senhor (BOLADO, 1975, p. 23-24).

Nesta terra colhem-se as inquietudes e interrogações da fé cristã em uma sociedade

marcada pela injustiça e pela crescente pobreza e miséria. Gutiérrez participa como consultor da

Quarta Sessão do Vaticano II (1966) e da conferência latino-americana de Medellín no contexto

de abertura da Igreja ao mundo contemporâneo (Vaticano II e Medellín – 1968, no contexto

latino-americano). Na conferência em Chimbote (Peru) intitulada de “Hacia una Teología de La

Liberación”, em julho de 1968, Gutiérrez comenta sobre a necessidade de passar de uma

18 Desenvolvimento é um termo utilizado na América Latina para exprimir as aspirações das nações pobres que se

tornou sinônimo de reformismo e modernização, contraproducentes face uma verdadeira transformação quando

analisado pela perspectiva da TdL. Contudo, o mesmo termo que exprime as aspirações da mesma nação, na TMI

tem contextualização quando tratado do assunto “Justiça” em termos do Shalom bíblico, como se verá adiante.

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Teologia do desenvolvimento para uma Teologia da libertação. Não somente como mudança de

palavras, porém, de conteúdo. Refere-se a um novo modo de fazer Teologia no qual esta não é o

primeiro ato, mas, sim, o compromisso, o amor. A Teologia é uma inteligência do compromisso e

este é a ação, que vem depois. O principal é a caridade, para Gutiérrez. Nesta conferência ele

emprega o termo Teologia da Libertação e indica um novo modo de fazer teologia

(GUTIÉRREZ, 1968, s/p).

Mondin ressalta que durante os anos 1960, Gutiérrez estava abraçado com a teologia do

desenvolvimento, mas foi um dos primeiros a abandoná-la ao perceber a carência de base

científica e que, ao invés de contribuir para a solução dos problemas dos países emergentes, ela

só o agrava ulteriormente (MONDIN, 1980, p. 65). De acordo com Sung, nesta época a América

Latina vivia a sua frustração do desenvolvimentismo e o fortalecimento com as lutas

revolucionárias e populares, quando então surge a TdL como nova forma de pensar a teologia

cristã (SUNG, 2008, p. 61).

A noção de dependência tornou-se elemento-chave para a interpretação da realidade

latino-americana. Para que a América Latina tivesse a libertação de tudo o que a oprimia seria

necessário a “destruição” do sistema atual capitalista que torna a mensagem cristã incompatível e

cria uma sociedade alienada, inclusive da violência institucionalizada.

Em Medellín, Gutiérrez lançou algumas ideias consensuais com muitos dos presentes,

inclusive do episcopado que seguia a teologia do desenvolvimento e passou a usar a linguagem

da libertação em suas mensagens cristãs. Em um documento de Medellín a libertação do que

entendem por escravidão é considerada como libertação do pecado, em que Deus mandou seu

filho Jesus para que feito carne, liberte os seres humanos desta escravidão que os mantém atados

ao pecado, à ignorância, fome, miséria e egoísmo (II CGELA, 1968, p. 45-46 e 54)19

.

Os bispos tornaram-se educadores de libertação, ensinando os povos a se erguerem de

qualquer situação de opressão e escravidão, tendo certo que o ser humano é responsável de seu

sucesso, ou insucesso (MONDIN, 1980, p. 66).

Gutiérrez discorreu um primeiro esboço da teologia da 1ibertação em um trabalho

denominado “Apuntes para una teologia de la liberación”. Ele explica as razões que o levaram a

19 Segunda conferência geral do episcopado da América Latina. Disponível em:

< http://www.diocese-braga.pt/catequese/sim/biblioteca/publicacoes_online/91/medellin.pdf >. Acesso em: 29 maio

2016.

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abdicar a teologia do desenvolvimento e a formar uma teologia com base na libertação. Sua razão

principal é que o termo “libertação” parece mais adequado que o termo “desenvolvimento” para

demonstrar “a participação dos cristãos nas lutas para construir uma sociedade justa e fraterna,

onde os homens possam viver com dignidade e ser agentes de seu próprio destino”

(GUTIÉRREZ, 2000, p. 83).

Gutiérrez alerta que a reflexão sobre as classes permite possibilidades para enxergar os

acontecimentos a respeito dos oprimidos e dominados. O confronte entre nações suaviza a

verdadeira situação. A teoria da dependência desvia-se do seu caminho se não situar a sua análise

na luta de classes, pois o desenvolvimento autônomo latino-americano torna-se inviável dentro do

sistema capitalista (GUTIÉRREZ, 2000, p. 34).

Quando os países emergentes são definidos como “oprimidos e dominados”, a palavra

libertação é mais apropriada, além de corresponder a linguagem bíblica, uma vez que o termo

“desenvolvimento” encobre de quaisquer modos os problemas teológicos latentes no processo.

Gutiérrez também enuncia as tarefas seguintes. A fundamental é a busca de respostas

quanto à relação entre salvação e emancipação do ser humano no decorrer da história, em que

trata de conduzir de modo novo o problema das relações entre a fé e existência humana, entre o

Reino de Deus e a construção do mundo na relação Igreja-mundo.

Gutiérrez apresenta uma resenha das soluções que a teologia do passado sugeriu para esta

questão: a medieval (que aborda a completa dependência das realidades terrenas, do mundo à

igreja) e a moderna (que trata da distinção dos dois planos). Gutiérrez explica que nenhuma

destas duas soluções pode ser mais adotada, principalmente pela afirmação cada vez mais

definida por parte do mundo de sua plena autonomia e, também, porque a teologia

contemporânea tomou consciência de uma vocação única do ser humano para a salvação que

analisa de modo novo a história humana.

A história humana era vista como duas partes separadas, uma sagrada e outra profana

(GUTIÉRREZ, 1975, p. 129), ou fé e história, graça e natureza, ou igreja e mundo. Gutiérrez

aponta a possibilidade de que estas realidades unidas são como progresso exaltado por Cristo que

redime toda a existência, que liberta da raiz da injustiça social, do pecado, da desigualdade que

despersonaliza o ser humano. Disso extrai algumas consequências para a Missão da Igreja – que

ele considera ser a implantação de uma nova ordem social – em que a teologia política ofereça

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um papel de crítica social de cunho escatológico para a libertação, além de indicar a natureza

provisória de cada situação histórica (GUTIÉRREZ, 1975, p. 60-69).

Gutiérrez sugere esta solução em níveis, em que o primeiro ocupa-se da racionalidade

científica por tratar da libertação em nível econômico, social e político; o segundo nível soa mais

como utópico (SUNG, 2008, p. 69), revolucionário e racional, constituindo dinamismo e

criatividade, contrapondo-se à ideologia que não supera o irracional (GUTIÉRREZ, 2000, p.

202). Por fim, o nível que corresponde ao campo da fé. Todos são níveis que se correlacionam

mas, não se misturam, uma vez que possuem profundidades diferentes, ainda que façam parte de

um plano de salvação único e global em comum (SUNG, 2008, p. 68-69).

A fé cristã que chegara à América Latina na esteira da empresa colonizadora, agora

libertava-se e situava-se em seu ambiente próprio, em meio à dor e ao sofrimento. Com

possibilidade para compartilhar as demandas da vida com os oprimidos da terra e ser evangelho

encarnado na realidade humana.

Assim, as Ciências Sociais surgiram como mediação possível em todos os momentos do

fazer teológico da TdL. É assim que a TdL aparece nesse cenário complexo do mundo, como um

renovado cristianismo, na busca pela superação da sua herança histórica.

A igreja não exercerá somente o papel de criticar a realidade – o que tornaria seu papel em

mera intelectualidade – mas, uma realidade efetiva de professar a verdade sobre a libertação e o

chamamento de uma ordem efetivamente justa com uma práxis renovada, empenhada no político

e no temporal, assunto que também será abordado na presente pesquisa.

1.1.2 REINO DE DEUS PARA A TDL

A questão do Reino de Deus é a mais séria para se tratar em toda a teologia de Missão, ainda

que sejam necessárias muitas discussões. Gutiérrez define como “o lugar que se edifica pela luta

da libertação que pretende alcançar e que esta luta é parte da salvação por relacionar com o

processo de emancipação da humanidade, um novo homem contra a sociedade injusta

(GUTIÉRREZ, 2000, p. 125).

O ser humano que luta para ser emancipado é o sujeito que a TdL tem como alvo para a

sua teologia e todo o seu sentido, chamado de “pobre”.

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Este Reino que se busca é o lugar onde se vive – ou deve viver – a condição concreta na

história perante a política atual, mas, orientada pela comunicação da fé e anúncio do evangelho

para o ser humano empenhado em sua libertação (relação de salvação e missão). Quando o ser

humano torna-se consciente da situação de país emergente – e que a América latina é um

subproduto – este novo ser humano luta para romper com este laço que reproduz o colonialismo e

a dependência que muda a presença da igreja neste sentido, pois na busca deste novo ser humano

liberto a igreja aparece como aquela que busca bases teológicas a fim de atuar no processo

libertador e a fé em concordância com esta consciência liberta de seu próprio devir histórico

(GUTIÉRREZ, 2000, p. 41-56, grifo nosso)20

.

Barbosa (2002) menciona que o Reino de Deus é um lugar onde há paz e a justiça

prevalece, onde a luta expressa a vinda do Messias, como também a antecipação de valores ainda

não enxergados, mas almejados. É um mundo sem servidão, sem exploração, sem alienação.

Segundo Barbosa, é a transformação radical das estruturas que faz parte desta libertação e não

somente a mudança de vida. É uma revolução social na busca de um novo ser humano que vai

além, na direção da construção contínua de uma nova maneira de ser humano (BARBOSA, 2002,

p. 57).

Gutiérrez e outros teólogos da libertação insistiram que a TdL era o momento segundo. O

momento primeiro seriam as práticas de libertação e o momento “zero” seria a experiência

espiritual de encontrar a pessoa de Jesus no rosto do pobre.

Gutiérrez destaca que Reino é o lugar em que a práxis histórica motiva a reflexão bíblica,

a vida cristã e a razão teológica, redefinindo-se num fazer teológico diferente, que reconhece a

legitimidade dos novos desafios, de forma crítica e à luz da palavra de Deus (GUTIÉRREZ,

2000, p. 26-28).

Gutiérrez sempre apresenta a sua práxis com os adjetivos “histórica” e “social”. A “práxis

histórica” é quando o ser humano é o sujeito, objeto. É a tarefa política visando o futuro, mas,

com a ação transformadora para o presente num processo de libertação que busca novas maneiras

de ser. É um devir, um fruir de suas conquistas e na conversão a esta história. O ser humano

volta-se para o próximo, para o social, para o existencial concreto (MIGUÉLEZ, 1976, p. 45-47),

um âmbito político por assim dizer. Já a “práxis social” tem relação com a dimensão estrutural

20Devir é um conceito filosófico que qualifica mudança constante e contínua de algo.

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(estruturas econômicas, políticas, sociais e religiosas) que tem o ser humano igualmente como

seu sujeito. Contudo, o tempo é o hoje e seu objeto é a ruptura com as condições de servidão,

voltando-se para a construção de uma sociedade mais justa, em que a práxis social se converteria

gradualmente no próprio campo no qual o cristão joga – com outros – seu destino de ser humano

e sua fé no Senhor da história (GUTIÉRREZ, 1986, p. 53).

A história é o lugar em que os valores do Reino manifestam-se e aplicam-se de maneira

corporificada. O amor apresenta-se como tal e ele mesmo sustenta para sua plenitude que busca a

conversão do ser humano (enquanto ele mesmo) (GUTIÉRREZ, 2000, p. 22-24).

A irrupção histórica do Reino de Deus significa a inauguração de um tempo de justiça e

de misericórdia. A chave hermenêutica para entender este Reino é o anúncio das boas-novas aos

pobres: caminhar ao lado deles, com um discurso que atenda essa experiência de anunciar e

continuar o percurso, além de saber que sempre será provisório e insuficiente, com a

possibilidade de encontrar uma linguagem sobre Deus em meio à fome de pão de milhões de

seres humanos, da humilhação de etnias consideradas inferiores, da discriminação. É importante

lembrar que esse discurso será apenas um discurso e que a força espiritual não reside nele, mas,

na experiência que continuamente protesta e contesta contra as imagens de Deus e de ser humano

apresentadas pelas teorias. A dor da injustiça e da fome – e a alegria do encontro entre pessoas

que se reconhecem mutuamente na gratuidade – transcendem qualquer linguagem humana e estão

além de qualquer e todo símbolo (GUTIÉRREZ, 1987, p. 164-165).

Boff comenta que o empenho libertador ganha uma inserção viva no processo de

construção do Reino de Deus. Enquanto realidade englobante e totalizante, o Reino de Deus diz

respeito à libertação de todos os elementos que alienam e oprimem o ser humano. Significa

libertação de toda a criação, purificada de tudo o que a oprime. Ele expressa uma nova ordem das

coisas, caracterizada pela dinâmica de irmandade, solidariedade e reconciliação. É

simultaneamente dom e conquista. Boff afirma que o Reino está no mundo, identifica-se no

mundo, embora não se identifique com o mundo (BOFF, 1979, p. 82-83). Por tratar-se de uma

utopia absoluta não é possível realizá-la plenamente na história humana, mas existe a

possibilidade de indicar caminhos para uma sociedade nova com base na fé (BOFF, 2010, p. 75-

76). Este Reino é a contradição ao capitalismo, uma alternativa socialista.

Percebe-se que Reino é justamente o crescimento do processo que acontece na libertação,

mas, não se esgota nele próprio (GUTIÉRREZ, 2000, p. 285). O Reino de Deus é um

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acontecimento que irrompe quando há amor e serviço aos pobres, que ocorre na atuação ou

relação humana que caminham de encontro com a libertação.

Gutiérrez se esforça para vincular seu trabalho teológico e pastoral na reversão da situação

histórica que desapropria a vida. A crítica da práxis histórica pressupõe um lugar dinâmico que

exige constante reelaboração em função dos contratempos da vida. É tarefa do ser humano

contemporâneo edificar uma nova sociedade livre e igualitária, desde que este ser humano seja

um ser humano novo, convertido para as causas que luta para se libertar – esta é a problemática

da teologia de Gutiérrez (GUTIÉRREZ, 2000, p. 213).

O pensamento crítico de Gutiérrez tem como foco a construção do ser humano novo,

capaz de ser livre, convertido, além de ser capaz de antecipar o Reino de Deus por meio de suas

atitudes de amor e justiça voltados para a organização social, econômica e política

(GUTIÉRREZ, 2000, p. 87).

Deus mostra-se às pessoas que percebem a revelação deste Deus na história, em meio as

situações históricas de anseio por liberdade e humanização. É possível comprovar isso pelos

muitos personagens bíblicos que – mesmo ao ignorar qualquer “revelação bíblica” – entenderam

a comunicação de Deus e sua ação na história sem necessidades de sinais celestiais (SEGUNDO,

1989, p. 364-382).

Comblin (1997) afirma que Reino de Deus significa que Deus liberta os oprimidos, os

pobres, os rejeitados. Por outro lado, Jesus anuncia a presença do Reino de Deus agora, age e

realiza a sua libertação. O convite feito aos discípulos é para que sejam instrumentos do advento

do Reino de Deus, que inicia vida nova, novo modo de viver e a transformação do mundo

(COMBLIN, 1997, p. 2-7).

Jesus anuncia um mundo novo como os profetas. Diferentemente dos profetas que o ante-

cederam, Ele anuncia a presença atual do Reino de Deus. Seu olhar concentra-se no presente

antes que no futuro e não se situa em um lugar indefinido da imaginação. O Reino de Deus está

aqui agora, em constante realização. Está inserido na vida dos contemporâneos.

A utopia de Jesus é convocação para agir imediatamente, logo, não é imaginação, nem

perspectiva, nem projeto. O começo do mundo novo está na ação dos seres humanos individuais,

que supõe a conversão das pessoas. Não há uma transformação global da sociedade, pois a

transformação consta de milhões de transformações individuais, mesmo que articuladas entre

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elas. Assim sendo, a utopia de Jesus não se perde no idealismo. Ela está presente na conversão de

vários discípulos (COMBLIN, 1997, p. 2).

Para Boff, pensar no Reino de Deus como uma realidade somente espiritual é um erro. O

Reino existe em todas as esferas da existência, e toda a existência está no Reino: “Reino de Deus,

[...] não significa algo de puramente espiritual ou fora deste mundo. É a totalidade desse mundo

material, espiritual e humano agora introduzido na ordem de Deus” (BOFF, 2012, p. 56).

Este mundo é também Reino de Deus; é neste que Deus se manifesta, a fim de

transformá-lo não em outro mundo, mas, sim, transformar o mesmo mundo em um mundo novo.

“Reino de Deus não quer ser um mundo totalmente outro que este, mas esse mesmo, porém

totalmente novo e renovado” (BOFF, 2012, p. 80).

A opção preferencial pelos pobres é o que nutre a escolha de Deus sem legitimar as

atitudes da humanidade e seus sistemas – ou estruturas sociais opressoras – que produzem a

pobreza e a exclusão social que o Reino de Deus vem para erradicar, sem abrir espaços

contraditórios entre os objetivos e propostas do Reino de Deus e suas escolhas.

Deus escolheu os pobres por serem as maiores vítimas da história, indefesos, oprimidos e

excluídos, que precisam da ajuda ou do socorro divino para a própria sobrevivência. Sobrino

comenta:

Diante destes pobres, Jesus mostra indubitável parcialidade, por cujo motivo a

hoje chamada opção pelos pobres começa com parcialidade para com os pobres

econômicos, como aparece nas bem-aventuranças de Lucas, e parcialidade para com os

pobres sociais, como aparece em sua defesa dos pecadores e publicanos [...] (SOBRINO,

1996, p. 126).

Sobrino ressalta que é preciso a identificação do destinatário da boa-nova para o

entendimento do que consiste esse Reino. Assim, seus destinatários ajudarão primeiramente a

esclarecer seu conteúdo, dado que boa-notícia é algo por essência relativa, pois nem toda notícia

é boa igualmente para todas as pessoas (SOBRINO 1996, p. 113-117). Sobrino explica que o

destinatário do Reino de Deus – pregado e manifesto „por‟ e „em‟ Jesus – é o pobre. Não somente

o pobre que crê no evangelho, mas também o pobre que ainda não conhece a fé. Entretanto, é o

sentido de sua iniciativa destinar-se aos que vivem debaixo de estruturas de poder opressoras

(SOBRINO, 1996, p. 123-124).

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O pensamento de Gutiérrez caminha semelhante ao pensamento de Sobrino, quando

menciona que “a pobreza é para a Bíblia um estado escandaloso atentatório da dignidade humana

e, por conseguinte, contrário à vontade de Deus” (GUTIÉRREZ, 2000, p. 350). Sendo assim, a

igreja, a nova humanidade ou a sociedade do Reino de Deus é – ou precisa e deveria ser – contra

à pobreza e à opressão, da mesmo forma que Jesus.

Na verdade, a opção pelos pobres, tão evidenciada pela TdL, tem seu fundamento

teológico no próprio mistério de Deus. Os pobres são bem-aventurados não por sua pobreza,

“mas porque o Reino de Deus se expressa na manifestação de sua justiça e de seu amor em favor

deles” (GUTIÉRREZ, 1981, p. 134 e 211).

Gustavo Gutiérrez manifestou grande admiração por Karl Barth (teólogo da

transcendência de Deus), por sua relevância para a América Latina e por mostrar-se sensível à

situação das vítimas de exploração (GUTIÉRREZ, 1979, p. 326-328, 373-373, 408-414).

No Reino de Deus, pobreza não é uma situação normal – ou um estado para o ser humano

conformar-se ou aceitar pacificamente como uma realidade legítima das maiorias marginalizadas

–, antes, é uma vergonha, é resultado da injustiça, produto das estruturas de poderes opressoras,

as quais o Reino de Deus vem erradicar, para fazer do pobre um ser humano (humanidade) novo

e livre, além de construir uma sociedade de iguais, sem fome, sem injustiça, sem elite opressora,

sem exclusão, sem desiguais (GUTIÉRREZ, 2000, p. 350-366).

Segundo Libânio, a missão de Jesus compreendia o anúncio do Reino para algo maior e

distinto de si mesmo. Para isso Jesus encarnou-se na história. Libânio explica que o Reino de

Deus pertence ao pobre e afirma que a sua primazia não encontra razão de ser no pobre, mas, sim,

no amor Deus ou “Mistério da ternura divina”. Por isso Ele faz do pobre, o centro e o alvo

primeiro de seu reinado. O Reino é para o pobre como uma propriedade resultante do dom de

Deus, sendo uma realidade histórica revolucionária (LIBÂNIO, 2007, p. 53).

O Reino de Deus tem caráter universal. Não só a humanidade: toda a criação passa pela

revolução do Reino. É mais do que legitimar uma determinada religião oficial de seu reinado, é a

sujeição de toda realidade histórica humana à soberania do Reino e de sua ação revolucionária:

“O Reino conserva sempre um caráter de totalidade e universalidade e coloca em xeque os

interesses regionais e imediatos, religiosos, políticos e sociais” (BOFF, 2012, p. 31).

O objetivo e o sentido real do Reino é a transformação “radical” da realidade histórica.

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No Reino histórico, apresentado e manifesto por e em Jesus, sofrer ainda era possível e

legítimo, quando por causa do Reino e sua justiça. Por isso, ainda que o Reino de Deus

manifeste-se para produzir a libertação histórica do pobre e do oprimido, ele ainda estará sujeito a

passar por aflições no presente.

Para Gutierrez, “„Pobreza‟ é um termo de grande ambiguidade: „Pobreza‟ é um termo

equívoco, que, por essa equivocação terminológica, traduz a ambiguidade da noção ou noções em

jogo” (GUTIÉRREZ, 2000, p. 347).

Sobrino (1996) endossa seu pensamento na direção de Gutiérrez e vê nos evangelhos

sinóticos, dois aspectos que caracterizam os pobres. O primeiro aspecto refere-se a condição

econômica da pessoa. Pobre é aquele que é desprovido de posses, bens ou propriedade privada, e,

portanto, sofre devido as necessidades básicas para a subsistência humana que não são supridas.

[...] pobres são os que gemem, sob algum tipo de necessidade básica na linha de

Is 61,1s. Assim, pobres são os famintos e sedentos, os nus, os forasteiros, os enfermos,

os prisioneiros, os que choram, os que estão oprimidos por um peso real (Lc 6,20-21; Mt

25,35s). [...] pobres são os que vivem curvados („anawim) sob o peso de alguma carga –

que Jesus interpretará muitas vezes como opressão –, aqueles para quem viver e

sobreviver é uma carga duríssima. Em linguagem atual poderia ser dito que são os

pobres econômicos (SOBRINO, 1996, p. 125).

O segundo aspecto refere-se ao status social pessoa que, uma vez desprovida de bens ou

riquezas, torna-se excluída socialmente.

[...] pobres são os desprezados pela sociedade vigente, os tidos por pecadores,

os publicanos, prostitutas (Mc 2,16; Mt 11,19; 21,32; Lc 15,1s), os simples, os pequenos, os menores [...] os que exercem profissões desprezadas [...] pobre são os

marginalizados[...]. Poderia ser dito que são os pobres sociológicos, no sentido de que

lhes é negado o ser socius [...] e, com isso, o mínimo de dignidade (SOBRINO, 1996, p.

126).

Dessa forma, quando Jesus utiliza o termo “pobre”, Ele faz referência aos pobres

destinatários da revolução libertadora histórica do Reino de Deus (SOBRINO, 1996, p. 125-126).

De acordo com Gutierrez, o termo „pobre‟ designa, em primeiro lugar, a pobreza

material, carência de bens econômicos necessários para uma vida humana digna desse nome.

Pobreza é algo “degradante”: “A pobreza é para a Bíblia um estado escandaloso atentatório da

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dignidade humana e, por conseguinte, contrário à vontade de Deus” (GUTIÉRREZ, 2000, p. 347-

350).

No Reino de Deus, pobreza é o resultado de injustiças das estruturas opressoras que

necessita ser erradicada para a construção de uma sociedade justa, sem desigualdades, sem

opressão e sem princípios que destruam a vida, princípios antirreino e que matam, ou não deixam

viver.

Para Sobrino, “a salvação é sempre salvação de alguém e, nesse alguém, de algo”. Assim

sendo, as estruturas de poder opressoras sociais, econômicas, políticas, religiosas como também a

elite, objetivando manter-se no poder, lutaram pela preservação da realidade opressora por ela

criada. Realidade na qual estas se fundamentam e se estabelecem, pois, se estas ruírem, aquelas

também ruirão (SOBRINO, 1996, p. 189).

Por isso, as estruturas de poder opressor ou o antirreino, sempre opor-se-ão à chegada e

manifestação do Reino de Deus. O Reino de Deus não vem para o diálogo com tais estruturas

existentes. Antes, vem para destruí-las, libertar seus oprimidos, radicalmente transformar a

história e construir uma nova estrutura social, feita de uma humanidade livre e igualitária. Para

que isso aconteça, o antirreino precisa ser erradicado. Daí a importância da evangelização

libertadora. Esta promove a dissolução da elite e das estruturas de poder opressor, trabalha pela

libertação do pobre que, por eles, foi oprimido. Além disso, manifesta o presente histórico Reino

de Deus, como também anuncia sua vinda futura, que é a transformação plena da história e a

libertação completa e definitiva do pobre e do oprimido.

O Reino de Deus – como realidade última para Jesus, é o Reino dos pobres – um modelo

social-político-econômico-religioso proposto por Deus a toda humanidade. É como uma nova

realidade que entra no centro da história e que afeta a vida humana – não somente material e

socialmente – mas, em todos os seus aspectos, integralmente.

O Reino de Deus apresentado por Jesus e seu seguimento propõe a transformação radical

da história e a libertação do pobre. Não existe a libertação do pobre sem a transformação da

realidade.

O Reino de Deus acontece onde os pobres forem evangelizados e amados. Falar de Reino

de Deus é falar da transformação radical da realidade. Considerar o Reino como sua realidade

última é incorporar seus valores, priorizar a libertação do pobre e do oprimido, bem como a

transformação de sua história.

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O Reino é dos pobres. A Igreja, enquanto sacramento do Reino, é uma Igreja dos pobres.

Sua Missão principal consiste no anúncio – em palavras e gestos – da predileção pelos pobres e

denunciar tudo o que os fere. A TdL significou bênção para Igreja, ao recordar-lhe a primazia dos

pobres e, a partir deles, elaborar consistente reflexão e apontar ações pastorais (LIBÂNIO, 2007,

p. 56).

1.2 REINO DE DEUS SOB A PERSPECTIVA DA TMI

Considerando que o ponto de partida desta pesquisa é a gênese das TLAs, as quais se

encontram bem próximas, a TMI norteou suas reflexões de maneira diferente da TdL.

Para Padilla, o conceito de Reino de Deus é fundamental na sua teologia, mas, a realidade

missiológica só pode ser compreendida de maneira adequada, a menos que se entenda à luz da

Escritura (PADILLA, 1992, p. 197).

1.2.1 PRESSUPOSTOS HISTÓRICOS DA TMI

A TMI é procedente da América Latina e preocupa-se em corresponder à sua origem.

Suas raízes históricas também vinculam-se aos movimentos de missão do cristianismo

protestante-evangélico dos séculos 19 e 20 procedentes da Europa e, de certa forma, da América

do Norte, tanto quanto as outras formas de cristianismo que se instalaram nas terras latino-

americanas que trouxeram o evangelicalismo para a América Latina e para os países emergentes

em geral (SANCHES, 2009, p. 58).

A TMI surge como um movimento (PADILLA, 2016, s/p) que, segundo o autor, é o

resultado de uma leitura criteriosa das Sagradas Escrituras, em busca da fidelidade do Evangelho

no exercício da missão cristã, com a real finalidade de incentivar o testemunho cristão,

principalmente em universidades da América Latina, mas não de "fazer teologia" como tal. Este

movimento espalhou-se, ao longo do tempo, para as igrejas que reconheceram a importância da

evangelização a qual não é reduzida à proclamação oral do Evangelho. Mas também acrescenta

um modelo de vida pessoal e comunitária que está em consenso com os valores de Reino de

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Deus, e boas obras por meio do qual, em concordância com o ensinamento de Jesus Cristo, está

provado na prática que os/as cristãos/cristãs são convocados/convocadas a brilhar como "luz do

mundo".

O evangelicalismo é um movimento que representa a interseção entre uma teologia

conservadora e uma concepção sociopolítica avançada, se comparada ao meio evangélico no qual

se desenvolve. Entender o significado teológico do termo “evangelical” – e suas manifestações

históricas – é imprescindível para a compreensão do conceito de “Missão Integral”, que nasce do

caldo evangelical no início do século 20.

Os movimentos de missão – articulados pelo evangelicalismo histórico – agregaram em

si as preocupações em torno da estratégia, da prática e da teologia missionária em sua revisão

histórica. Foi justamente esta revisão crítica da história um dos principais fatores que nasceram

da Teologia da Missão Integral em conjunto com a percepção da situação concreta da América

Latina (MOREIRA, 2012, s/p).

Mendonça (1992) comenta não ver diferença entre evangelicalismo e fundamentalismo:

A combinação dos elementos acima permite traçar um perfil do protestantismo

que se introduziu no Brasil do século XIX: um protestantismo evangelical sob o ponto

de vista da teologia e anticatólico sob o aspecto da estratégia. Por isso é compreensível a

evolução desse protestantismo para o fundamentalismo mais radical, denominacionalista

e antiecumênico... O movimento evangélico traz consigo uma linha teológica e estratégica bem

definida. Como, portanto, identificar todos os protestantes brasileiros como evangélicos?

Embora as linhas do movimento se ajustem bem ao perfil da média dos protestantes

brasileiros, existem muitos que, sendo evangélicos, não são „evangelicais‟. Daí a

necessidade que muitos expositores do protestantismo têm de introduzir o anglicismo

evangelical para distinguir „evangélicos‟ de evangélicos. Aqueles, tipicamente

conservadores, denominacionalistas, antiecumênicos e até fundamentalistas, e estes,

soltos nas mais variadas correntes. Para concluir podemos dizer que os protestantes

brasileiros são evangélicos, mas nem todos são „evangelicais‟ (MENDONÇA, 1992, p.

3-6).

Embora afirme que nem todo protestante brasileiro é evangelical, para Mendonça todo

evangelicalista é um fundamentalista. É possível perceber que, embora a postura evangelical

procure ser fiel a certa ortodoxia protestante do ponto de vista teológico – especialmente no que

diz respeito à centralidade das Escrituras – há diferenças consideráveis entre estes e os

fundamentalistas, que não podem ser desprezadas.

Longuini Neto entende que a nomenclatura “evangelical” é necessária, apesar de ser

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insuficiente, além de considerá-la como uma representação distante do fundamentalismo, mas

que não chega a ser liberal. O autor trabalha a questão do termo como uma palavra que pode ser

entendida como sinônimo de protestante. No discurso evangelicalista, a ideia de engajamento

social da igreja é base indispensável para promover a discussão acerca da “Missão Integral da

Igreja” (LONGUINI NETO, 2002, p. 17-28).

Gondim (2010) trabalha a definição do termo de forma resumida: Evangelical é a

expressão usada abertamente para se diferenciar um grupo novo de pessoas dos fundamentalistas

no final da década de 1940 e que se identificam com a Missão Integral na América Latina. No

contexto norte-americano apenas descreve o movimento que procurou o distanciamento do

fundamentalismo com teólogos que buscavam um meio termo entre o liberalismo alemão, o

pietismo wesleyano, o puritanismo inglês e o fundamentalismo cultural dos Estados Unidos.

A preocupação da TMI é sobre o que a Igreja pode realizar enquanto comunidade

apostólica no mundo. O desafio é compreender a natureza e a abrangência da responsabilidade

missionária da igreja à luz das Escrituras e da realidade sociocultural na qual ela é chamada. A

contextualização e a integralidade são as condições necessárias para o objetivo missionário e

definir o método pelo qual se fará um pensamento organizado e, de fato, responsivo à realidade

histórica, ou seja, a situação concreta da América Latina. Ela envolve a organização social,

política, econômica e cultural, seus vícios e os condicionamentos externos que o afligem. A

missão integral da igreja ocupa-se com esta realidade contextual (SANCHES, 2009, p. 55-56).

Os movimentos de missão – realizados na América Latina – articularam a estratégia e a

prática missionária nos séculos 19 e 20, com a organização de eventos para a discussão da

responsabilidade evangelizadora da igreja em uma perspectiva protestante-ecumênica e

internacional, o que desencadeou a revisão crítica da prática missionária da época.

No livro O Novo Rosto da Missão (2002), Longuini Neto elencou e sistematizou estas

articulações, estratégias e tentativas de práticas missionárias evangelicais, para uma melhor

compreensão sobre o conceito de Missão Integral da igreja.

Todos esses eventos – e grande parte dessas instituições – surgem após a segunda guerra

mundial, quando o movimento evangelical ganha novo vigor. Sua estrutura tem com base uma

contraposição ao movimento ecumênico, de modo que, atualmente, o evangelicalismo representa

uma alternativa conservadora a este.

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Na América Latina, o trabalho missionário priorizou a alma humana e a salvação dos seus

pecados. A evangelização foi reduzida ao mero anúncio de uma mensagem descontextualizada e

com toques culturais dos missionários estrangeiros. Com a definição do contexto do qual emergiu

a TMI, percebe-se que os problemas a serem tratados por ela são abrangentes e complexos. A

realidade histórica envolve um emaranhado de situações que comprometem a vida e o seu bem-

estar na América Latina, o que torna necessário ser considerada de forma integral.

Neste ambiente nasceu a TMI, fruto do trabalho de teólogos latino-americanos,

envolvidos com o ministério integral da igreja. Percebeu-se a necessidade da autonomia da igreja

evangélica latino-americana tanto nos aspectos organizacionais, como para a articulação da tarefa

missionária a partir da própria autocompreensão de Missão, assunto já abordado na presente

pesquisa. Compreendeu-se também a possibilidade de responder ao contexto socioeconômico e

ao problema da dependência, pela via da teologia da missão que nascia da experiência

socioeclesial latino-americana.

Teólogos latino-americanos como Orlando Costas, Pedro Arana, Samuel Escobar, René

Padilla, Juan Stan dentre outros, empreitaram o desafio de repensar a missão da igreja a partir da

ótica latino-americana e ter independência de ordem econômica, cultural, eclesiológica e

teológica. Para isso seria necessário que as forças missionárias estrangeiras reconhecessem a

existência desta igreja evangélica latino-americana, que se organizava e fazia teologia

diferentemente delas (SANCHES, 2009, p. 59).

A prática da MI remonta para o primeiro século, em que as ações e o estilo de vida são

espelhados em Jesus Cristo e nas igrejas antigas (PADILLA, 2009, p. 13). Sanches complementa

que isso acontecerá sob o contexto atual da América Latina, sem necessariamente usar a

expressão “Missão Integral” para referir-se às suas práticas (SANCHES, 2009, p. 59).

No Congresso Mundial de Evangelização, em Lausanne, Suíça, em 1974 (GONDIM,

2010, p. 61), firmou-se um documento denominado Pacto de Lausanne, já citado no presente

trabalho.

À Igreja proclamou-se sua vocação de viver plenamente o Evangelho, de anunciá-lo como

dever cristão na evangelização juntamente com o envolvimento sociopolítico (STOTT, 2003, p.

91).

O Pacto de Lausanne resulta de um processo de aproximadamente três anos, cheio de

conflitos internos (KIVITZ, 2014, p. 24-25). Os movimentos de Missão do evangelicalismo

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histórico são aqueles que trazem consigo elementos da Reforma Protestante em sua vertente

Calvinista – sob a nova vitalidade do conjunto dos novos avivamentos – e aqueles que foram

realizados em solo latino-americano (CALDAS, 2007, p. 76).

Ao proferir a palestra “A evangelização e o mundo” (PADILLA, 2014, p. 15-22), em

Lausanne, Padilla faz seu registro no parágrafo 5. Nesta palestra, o autor evidencia severas

críticas ao imperialismo norte-americano e a sua abordagem pragmática dos métodos de

evangelização.

Dentre os contundentes questionamentos de Padilla estavam à rejeição do “princípio de

unidades homogêneas” como base para a estratégia missionária da Igreja, considerado por ele

mundano, pois impulsiona os seres humanos a serem cristãos sem cruzarem as barreiras que os

separam; a condenação à identificação do cristianismo com o american way of life (SANCHES,

p. 57-58), constatando que, entre outros aspectos que precisavam de revisão, na América Latina o

trabalho missionário priorizou a alma humana e a salvação dos seus pecados.

Desde Berlim, o movimento evangelical desenvolveu-se na América Latina especialmente

por meio dos quatro Congressos Latino-Americanos de Evangelização, realizados entre 1969 e

2012 na Colômbia, no Peru e no Equador com os chamados CLADEs.

No Brasil, o evangelicalismo ganhou força nas duas edições dos Congressos Brasileiros

de Evangelização (CBE), em 1983 e 2003 (ambos em Belo Horizonte), e no Congresso

Nordestino de Evangelização, 1988. O evangelicalismo é um movimento teológico, não se reduz

a uma ou outra denominação protestante, mas envolve segmentos dentro delas. Os que se

confessam evangelicais afirmam normalmente os princípios de fé da sua denominação e de

demais movimentos quando possível conciliar (BONINO, 2003, p. 31).

Este movimento assemelha-se a uma linha transversal dentro do protestantismo,

relacionando grupos diversos por meio de elementos teológicos comuns com convergência para a

missão da igreja. No caso da teologia latino-americana, para a missão integral da igreja. O

evangelicalismo é um movimento tão inovador que foi em seu meio que ocorreu o início do

movimento ecumênico. Este teve como ponto de partida as discussões em torno da missão

evangelizadora da igreja no mundo (SANCHES, 2009, p. 83).

O movimento evangelical articula-se prioritariamente a partir da realidade do Reino de

Deus, na busca pela compreensão de todas as implicações do Evangelho todo para o ser humano

todo, além da proclamação da redenção integral do ser humano e suas circunstâncias. Assim,

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criam-se maneiras com bases bíblicas que se assemelham a um documento ao mesmo tempo

divino e humano que carece de constante contextualização e releitura para cada geração.

Assim, a TMI nasce no seio da Fraternidade Teológica Latino-americana (FTL) desde a

década de 1970. Ela apresenta-se como uma alternativa evangélica. Vale destacar que, neste

trabalho, compreende-se por TMI Latino-americana uma linha do movimento evangélico

mundial, que é consciente de suas raízes, porém, com rosto e características próprias do contexto

latino-americano. A implantação do protestantismo-evangélico na América Latina relaciona-se

diretamente ao trabalho missionário norte-americano, bem como aos projetos políticos liberais

desta nação em relação aos povos mais pobres (SANCHES, 2009, p. 80).

Padilla explica que é necessário que a igreja, cada vez mais, tenha o compromisso no

sentido de obter os valores do Reino de Deus. Além disso, a igreja precisa ser testemunha do

amor e da justiça demonstrados em Jesus, o Cristo, no poder do Espírito Santo, para a

transformação da vida humana em todas as suas dimensões (GOUVÊA, 2014, s/p).

Se missão tem a ver com a manifestação do Reino de Deus no mundo – por meio da

Palavra e ação da igreja – então, a teologia é o pensamento a fim de colocar tal palavra e tal ação

em consonância com o evangelho de Cristo em cada situação específica (PADILLA, 2009, p. 14).

Padilla afirma que a expressão ”Missão Integral” foi uma tentativa de ressaltar a

importância de pensar a missão da igreja dentro de um padrão de referência teológico mais

bíblico que o tradicional. Em seu discurso, Padilla faz uma crítica aos projetos missionários

importados para a América Latina sob as perspectivas do “American way of life” (PADILLA,

2014, p. 56) (O estilo de vida americano) – e seu padrão colonialista. Ou seja, o nível de

felicidade de uma pessoa teria como medida a quantidade de bens que ela adquirisse. Com a

vitória da Primeira Guerra Mundial, os Estados Unidos entraram nos anos 1920 com a certeza de

uma era de prosperidade e crescimento econômico, ao qual – com o decorrer dos anos – geraram

o pensamento de que um cristão estadunidense seria uma pessoa empreendedora, o que convertia

o evangelho a um produto de aquisição que garantia a posse das coisas, não os valores morais da

vida, reduzindo a Graça Divina a uma mera Graça Barata fornecedora de analgésicos (PADILLA,

2014, p. 55-59).

Padilla ressalta que o evangelho – anunciado na maioria dos países do mundo – leva as

marcas desse cristianismo-cultura, que compromete a essência do evangelho de Cristo moldando-

se ao sistema e à cultura. Além disso, reduz o evangelho e a sua mensagem a uma fórmula para

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obter êxito em sua equiparação ao triunfo de Cristo. Dessa forma, abre mão, em prol do peso

quantitativo, de sua função profética na sociedade (PADILLA, 2014, p. 57).

Ao criticar os projetos missionários importados para a América Latina – sob as

perspectivas do “American way of life” – Padilla explica que estes projetos prejudicam a noção da

dimensão social da realidade cristã e projeta um cristianismo abstrato. Para isso, Padilla trata do

tema de valor antirreino da sociedade americana, o individualismo e sua exaltação na pós-

modernidade, que resulta no perspectivismo e no relativismo contemporâneo, e na presença que

este apresenta dentro da cultura norte-americana, como o “self-made man”. Isso gera uma

sociedade com base na competição entre indivíduos e a grande mentira de que o ser humano é

dono de seu próprio destino (PADILLA, 2014, p. 53-59).

Padilla critica a sociedade de consumo e como este materialismo presente leva à

destruição da criação, ao empobrecimento de uma massa de pessoas e ao desmedido

enriquecimento de outras, à transformação do ser humano em coisa e à ostentação como

reconhecimento de valor. O autor também critica a conjugação da absolutização da técnica que

projeta a igreja em uma mecanicidade para tornar a promoção da fé mais eficiente. Formula-se

um discurso padronizado que massifica o conteúdo cristão, o evangelho, e superficializa a

vivência e experiência de fé das pessoas adeptas. E faz com que haja uma repetição e

concentração de poder e controle em quem detém a técnica, os meios e os recursos.

Do mesmo modo, Padilla faz outra denúncia contra a igreja atual ao discorrer por essas

críticas, evidenciando a discrepância presente entre Reino de Deus e igreja. Esta deveria ser

agente antecipatório do Reino de Deus na história, apesar disso, não se confundindo com o Reino

de Deus, assim como Jesus Cristo o fez, que antecipa sua experiência para as pessoas que vivem

na história.

Ocorre que, o evangelho enquanto missão na sua essência pode – ou não – ser pregado

para além das fronteiras geográfica e sociais, uma vez que em todo lugar recebe-se o poder do

Espírito de Deus, tornando possível o testemunho. Não é só a igreja que tem o chamado para a

missão (como faz parte dela). Não se comprometer com essa tarefa, faz com que a igreja perca a

sua personalidade (PADILLA, 2009, p. 17-18).

Diante do exposto, é possível perceber que não é a cultura que molda o evangelho, mas,

sim, o evangelho que evangeliza a cultura. O evangelho assimila a cultura, se contextualiza,

porém, não abre mão dos seus princípios, por exemplo, o seu papel profético na sociedade. De

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acordo com Padilla, o destaque em Lausanne foi que: “[...] os evangélicos tomaram posição

contra um evangelho mutilado e um conceito estreito da missão cristã” (PADILLA, 2014, p. 10).

O primeiro texto evangélico com o título de “Missão Integral” (1978), de René Padilla,

traz uma abordagem significativa sobre o assunto. Trata-se de um trabalho que circulou na IV

Conferência Internacional de Estudos Missionários, realizada em Nova York, em agosto daquele

ano. O conceito é uma resposta à necessidade de esclarecer que não existe divisão entre pregação

do evangelho e ação social e que, ambos, pertencem a mesma agenda da igreja. Esta

compreensão foi definitivamente afirmada pelo meio evangelical, em Lausanne. Ambas são faces

de uma mesma moeda, no intuito de expressar juntas a agenda da igreja:

Arrependemo-nos de nossa negligência em face de nossa responsabilidade

social cristã, bem como de nossa polarização ingênua em termos, algumas vezes,

considerando a evangelização e a atividade mutuamente excludentes... Devemos

repudiar como demoníaca a tentativa de colocar uma cunha entre evangelização e ação social (STOTT apud MOREIRA, 2012, s/p).

As grandes tensões e os contextos socioeconômicos, político e cultural da América Latina

– na segunda metade do século 20 – tiveram grande influência no desenvolvimento de um novo

modo de pensar e de fazer teologia, revelando o clamor das maiorias desassistidas em seus

direitos básicos à vida, além de um cristianismo mais próximo de suas realidades do que aquela

aproximação cristã tradicional em somente ganhar almas crescendo com as igrejas. Ou seja,

entenderam que o propósito de ser igreja é encarnar os valores do Reino e testificar o poder de

Deus na transformação de vidas em todas as suas dimensões, na sua integralidade (PADILLA,

2009, p. 16-22).

A Teologia da Missão Integral é uma forma de Teologia Latino-americana que parte do

protestantismo evangélico latino-americano. Seu surgimento relaciona-se à luta pela autonomia e

identidade deste segmento religioso cristão, em relação aos esforços missionários estrangeiros

que trouxeram a fé evangélica para a América Latina em seu contexto de situação concreta, com

seus problemas sociais, econômicos e culturais que afetam a missão da igreja. A Teologia da

Missão possui uma responsabilidade contextualizadora e holística que proporciona o caráter de

Missão Integral (SANCHES, 2009, p. 100-103).

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Com os pressupostos históricos abordados na presente pesquisa, é possível compreender

melhor o caminho traçado pelo pensamento da TMI, inclusive os aspectos sobre o entendimento

de Reino de Deus para este pensamento teológico.

Lausanne foi um marco no desenvolvimento do evangelicalismo no século passado de tal

forma que pode mesmo ser estabelecido em paralelo ao Concílio Vaticano II. O Congresso de

Lausanne (1974) está para o evangelicalismo assim como o Vaticano II está para a Igreja Católica

Romana.

1.2.2 REINO DE DEUS PARA A TMI

No pensamento de Padilla, o Reino de Deus soa como uma sistematização entre o

conceito e a prática do conceito em torno de evangelho e evangelização (PADILLA, 2010, s/p).

O „evangelho‟ é a possibilidade de afetar os recursos que Deus quer para propiciar uma vida

digna, cheia de significado. „Evangelizar‟ é anunciar a boa notícia de Jesus Cristo em palavra e

em ação, chamamento para ser discípulo e conversão como começo de uma transformação que

abrange todos os aspectos da vida.

Não é uma ação que requer explicação, o evangelho é a explicação. Não há o desejo para

converter as pessoas sem respeitar aos outros. Há o desejo de falar sobre as boas-novas de Jesus

para a construção de uma realidade diferente desta que não funciona. Ou seja, uma realidade em

que haja uma integralidade de todas as ações e aspectos humanos para a promoção da vida.

A Teologia da Missão Integral engloba a Igreja e o Reino de Deus. Entretanto, a presente

pesquisa abordará somente a questão do Reino de Deus que Padilla afirma ser origem e alvo de

toda a obra que a igreja perfaz no mundo, dando-lhe direção ou propósito (PADILLA, 2014, p.

220).

Este Reino é um lugar em que Teologia, Ideologia e Missão caminham juntas, com os pés

firmados na compaixão, voltadas para alma e corpo, Além disso, oferece reconciliação com Deus

e com a outra pessoa, proclama a justificação pela fé, sem a omissão de qualquer referência à

justiça social enraizada no amor de Deus pelos pobres. Isso é o que a TMI trabalha como holismo

ou integralidade do ser humano. Para Padilla, estes aspectos podem ser sinais que apontam para

um novo dia na história da Igreja Evangélica na América Latina (PADILLA, 2010, s/p).

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A motivação fundamental da missão de Jesus era a compaixão, especialmente para os

pobres, mas não mera compaixão pelo sofrimento. Padilla explica que esta compaixão é amor que

cativa, que se identifica com as pessoas necessitadas em movimentos para a ação em busca da

solução de seus problemas.

O mundo atual é repleto de injustiça institucionalizada, especialmente no contexto urbano,

devido à segmentação da sociedade em classe social. Isto mostra a necessidade de colocar no

foco as pessoas necessitadas e ser movido à compaixão comparável à de Jesus.

É fato que, ao se conscientizar da opressão nos setores pobres da população, é necessário

reconhecer a importância de ir além da caridade É preciso mudanças com mais profundidade e

permanentes de nível pessoal e comunitário, uma "redistribuição do poder." Com isso, os pobres

tornam-se participantes ativos nos processos de transformação, e não meros beneficiários da

ajuda por caridade (PADILLA, 2015, s/p).

Sobre o Reino de Deus, Padilla discorre sobre a importância do tema em vários aspectos

que, provavelmente, diga respeito ao seu conceito de integralidade, importante para entender suas

reflexões, como tratar do assunto no âmbito social e presente.

Padilla escreveu um artigo denominado “Imperial Globalization and Globazation of

Solidarity” (PADILLA, 2006, s/p). No texto, o autor afirma que a globalização é o fator que

atinge a estrutura social-econômica diretamente para se falar em Reino de Deus e envolve, pelo

menos, dois pressupostos:

Primeiro, que o fator econômico desempenha um papel decisivo na estruturação da

globalização com a qual lidamos, que produz o resultado líquido atual de um

mundo que se tornou um shopping center global controlado pelo comércio, pelas

finanças e pela produção, em parceria com a tecnologia moderna e com a

ideologia da cultura do consumismo.

Segundo, pressupõe que, hoje, o principal fomentador da globalização é o

Ocidente, exemplarmente representado pelos Estados Unidos, o que não nega a

importância de outros centros no crescimento da interligação das nações,

reconhecendo ser a força mais poderosa na criação de um mundo dominado pelo

mercado.

Neste artigo, Padilla critica fortemente a sociedade capitalista marcada pelo amor ao

dinheiro a qualquer custo, enquanto o amor ao próximo se esfria. Ele menciona que o sofrimento

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do povo é dominado e empobrecido pelas classes sociais dominantes. Isso tem ressoado no

mundo todo. Com isso, as necessidades, as dificuldades e as opressões são fortalecidas. Além

disso, a globalização e o capitalismo matam a sociedade, exigindo mais das pessoas. Por isso o

ser humano tem pouco tempo para si mesmo, para o lazer, para seu bem-estar, sua família etc., e

sacrifica sua vida, seus sentimentos, seus relacionamentos e suas necessidades humanas para o

capitalismo e a sociedade global consumidora.

Uma abordagem sobre a sociedade do consumo como uma prática mundana e materialista

que desconsidera os aspectos espirituais da vida. Cada vez mais a sociedade atual caracteriza-se

mais pelo consumismo. Os desejos pecaminosos de ganância e de insensibilidade dominam

muitas pessoas.

Outro papel para a Igreja é a sua preparação a fim de direcionar a sua comunidade de

vida religiosa: ajudar o povo a manter a esperança no novo e, com isso, manter o inconformismo

e a rebeldia diante da situação estabelecida.

Em aversão à centralização do poder global, a sugestão é uma vida pautada na ética

fundamentada na confissão de que Deus é o Senhor. Em oposição aos “principados e poderes” –

representados pelos negócios corporativos, instituições financeiras internacionais e pelo

Pentágono – recomenda-se a prática da justiça, o amor, a lealdade e o andar humildemente com

Deus (Mq 6.8). Pelo viés dos mitos de “liberdade” e de “democracia” – que corroboram

religiosamente um sistema controlado pelo Mamom – oferece-se a denúncia aos malefícios de um

cristianismo comercial e individual convocando as pessoas para manter a distância do “modo de

vida americano” e, assim, abraçar um estilo de vida alternativo centrado no Reino de Deus,

restaurando a justiça que traz a paz para o pobre e o oprimido (PADILLA, 2006, s/p).

O que se faz com a riqueza do planeta que não se consegue evitar a fome e a miséria, nem

debelar a pobreza? A resposta do Reino de Deus para esta globalização é a solidariedade. É a

proposta econômica do Reino.

É possível falar de Reino de Deus como uma proposta missiológica, a fim de conhecer

uma ruptura com o sistema prevalente em uma nova maneira de agir, ou com práticas de

transformações às necessidades humanas e os valores que regem uma vida justa, uma proposta

que motiva ao novo nascimento e faça o ser humano enxergar este Reino pelo lado de dentro; é

esta maneira de posicionar o olhar para Economia como necessária e justa, em solidariedade, que

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cuida do necessitado, que entende que ter poder é o mesmo que ter o privilégio de servir,

compadecer e solidarizar-se (PADILLA, 2006, s/p).

Deus é o único que pode instaurar seu reinado, que é diferente de qualquer governo

humano, já que não está debelado às formas de governo do mundo. O Reino de Deus não é

apenas o bem-estar do ser humano na terra, mas conglomera todo o rompimento com a ordem de

ser do mundo. O que desvincula o pensamento de que Reino de Deus é algo em construção no

presente que depende do desenvolvimento humano social proporcionado pelo avanço tecnológico

e de conhecimento do ser humano.

Padilla assevera que, se o Reino de Deus tivesse como base estas condições de

desenvolvimento humano e bem-estar, ele mesmo poderia ser estabelecido pelo ser humano.

Contudo, Reino de Deus é algo explicitamente impossível de ser construído pelo ser humano,

mas “antes, Reino de Deus é o poder do próprio Deus, liberto na história, que traz boas novas aos

pobres, liberdade aos cativos, vista aos cegos e libertação aos oprimidos” (PADILLA, 2014, p.

221).

Para Padilla, Reino de Deus é a motivação à missão da igreja. É falar do propósito

redentor de Deus para toda a criação e da vocação histórica que a igreja tem a respeito desse

propósito. A ênfase central do Novo Testamento é que Jesus veio para cumprir as profecias do

Antigo Testamento e que, por meio de Sua pessoa e de Sua obra, o Reino de Deus tornou-se uma

realidade presente. O Reino de Deus foi inaugurado em Cristo e mesmo que a consumação dessa

nova era se realize no futuro, é possível desfrutar dessas bênçãos do Reino de Deus aqui e agora

(PADILLA, 2014, p. 222-223).

De acordo com Padilla (2014), a missão integral a ser realizada pela igreja é um aspecto

da manifestação do Reino de Deus. Consiste em uma realidade presente e, ao mesmo tempo, uma

promessa que será cumprida no futuro. É a soma da evangelização com a ação social:

Tanto a evangelização como a responsabilidade social podem ser entendidas

unicamente à luz do fato e, em Cristo Jesus, o Reino de Deus ter invadido a história e

agora é uma realidade presente e ao mesmo tempo uma esperança futura, um “já” e ao

mesmo tempo um “ainda não”. Neste sentido, o Reino de Deus não é o melhoramento

social progressivo da humanidade, segundo o qual a tarefa da igreja é transformar a terra

em céu, e isto agora” e nem “o reinado interior de Deus presente nas disposições morais

e espirituais da alma, com base no coração”. Antes, ele é o poder de Deus, liberto na

história, que traz boas novas aos pobres, libertando aos cativos, vista aos cegos e

libertação aos oprimidos (PADILLA, 2014, p. 221).

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Padilla considera que a evangelização e a ação social são inseparáveis: “O evangelho é

boa nova acerca do Reino de Deus”. “As boas obras, por outro lado, são os sinais do Reino”, e a

“palavra e a ação são indissoluvelmente unidas na missão de Jesus e de seus apóstolos, por isso

mantê-las unidas na missão da igreja, na qual se prolonga a missão de Jesus até o final do tempo”

(PADILLA, 1992, p. 206).

A Igreja é chamada pelo evangelho a encarnar o Reino de Deus em meio aos reinos deste

mundo. A fidelidade ao evangelho tem como concomitante o conflito com o mundo (PADILLA,

2014, p. 96). Mas, se por um lado, o Reino de Deus não pode ser tomado única e exclusivamente

como esta terra, também não se pode projetar este reino para o interior do ser humano de maneira

que a salvação, redenção e reconciliação de Deus seja algo relacionável somente com o ser

humano e suas „disposições interiores morais e espirituais da alma‟. Padilla explica que “a obra

de Deus em Cristo Jesus tem a ver diretamente com o mundo em sua totalidade, não meramente

com o indivíduo” (PADILLA, 2014, p. 44). Há dimensões do reinado de Deus que vão além do

próprio indivíduo, a consciência humana. Desta maneira, tem-se a necessidade de considerar uma

dimensão social do evangelho.

Há uma dimensão social no evangelho – e na salvação – que precisa de ênfase, pois,

conceber o poder do evangelho tão somente a uma realidade do indivíduo, de foro íntimo é

empobrecer a realização da obra de Jesus Cristo, pois a salvação é uma volta do ser humano para

Deus e para o próximo, também.

Ao tratar da salvação sob a perspectiva integral, Padilla afirma que “salvação é saúde, é

humanização total, é vida eterna, vida do Reino de Deus, vida que começa aqui e agora e atinge

todos os aspectos do ser do homem” (PADILLA, 2014, p. 63) nas suas dimensões psicológicas,

emocionais, materiais, físicas, espirituais, pessoais e sociais. Entretanto, não se pode entender

estes motes com fim em si mesmo. A vontade humana está sob o jugo opressor do mundo.

Quando se fala em Reino de Deus há de se convir um caráter de rompimento como a atitude do

ser humano, conhecido como conversão.

No texto de Mateus 25.31-46, Jesus esclarece a verdadeira missão da Igreja. Missão esta

que por vezes é deixada em outros planos na vida dos cristãos atuais.

A preocupação demonstrada por Jesus não é com templos religiosos, formação de

instituição, ou com costumes de determinados grupos, mas, sim, com as necessidades básicas da

vida. “Cristo veio para proclamar o Reino de Deus. Se recebido e aceito, amenizaria as

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iniquidades e produziria um sentimento de família e responsabilidade mútua” (SILVA, 2004,

p.138), mas para que isto aconteça na vida da Igreja e influencie pessoas, é necessário que a

Igreja evangélica seja nutrida com o Evangelho que resultará em pessoas para uma possível

reforma da sociedade.

A questão é: O Evangelho ainda faz efeito às pessoas contemporâneas? Neste sentido, o

que Padilla assevera é que a própria natureza deste evangelho satisfaz as necessidades do ser

humano, ou seja, evangelho também gera poder para a Igreja para alterar o quadro político

mundial.

Falar do Reino de Deus é falar do propósito redentor de Deus para toda a criação e da vocação histórica que a igreja tem com respeito a este propósito aqui e

agora, „entre tempos‟. É também falar de uma realidade escatológica que constitui

simultaneamente o ponto de partida e a meta da igreja. A missão da igreja,

consequentemente, só pode ser entendida à luz do reino de Deus (PADILLA, 2014, p.

211).

Padilla ressalta que o entendimento sobre o “Reino de Deus” começa aqui na Terra. O

assunto menciona o propósito redentor de Deus para com a criação. O Reino de Deus é realidade

presente e, ao mesmo tempo, uma promessa que será cumprida no futuro.

O Reino tem a ver com o texto de Mateus que se reflete com o poder dinâmico de Deus

por meio do qual “os cegos veem, os coxos andam, os leprosos são purificados, os surdos ouvem,

os mortos são ressuscitados, e aos pobres está sendo pregado o evangelho” (Mt 11.5). Em acordo

com isto:

[...] o Reino é o poder dinâmico de Deus que se torna visível por meio de sinais

concretos que mostram que Jesus é o Messias. É uma nova realidade que entrou no

centro da história e que afeta a vida humana não somente moral e espiritualmente, mas

também física e psicologicamente, material e socialmente (PADILLA, 2014, p. 213).

Para implantar a Missão Integral é necessário destacar que a Igreja Evangélica tenha

determinadas condições. Tenha consciência da soberania de Deus sobre a totalidade da vida e

que, de alguma maneira, se reconheça que a Igreja foi colocada no mundo com o propósito de

colaborar na realização da missão de Deus: que é ver o ser humano como a plenitude de vida

conectada com a satisfação de todas as suas necessidades básicas.

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Em conformidade com o pensamento de Padilla, Escobar (2011) comenta que a Igreja foi

chamada para ser agente de transformação da sociedade.

Padilla acredita que um dos desafios da Igreja é o desenvolvimento humano no contexto

da justiça. O autor alerta que faltam modelos de missão plenamente adaptados a uma situação

marcada por uma distância abismal entre ricos e pobres. Para Escobar, a contribuição cristã para

aliviar a pobreza seria a canalização de movimentos e reciprocidades provenientes do

compromisso com a fé em Cristo, capaz de fortalecer laços entre as pessoas acima de barreiras

culturais, políticas e ideológicas, com enfoque eucarístico, que transformem todas as pessoas em

sócios comuns de seus próprios desenvolvimentos e libertação de todo e qualquer sistema

opressor, refletindo os valores do Reino de Deus (ESCOBAR, 2011, p. 91-112).

Para Padilla, o desafio para os cristãos do mundo todo é a criação de modelos de missão

situado num estilo de vida profético, centrado em modelos que apontem para Jesus Cristo como o

Senhor da totalidade da vida, à universalidade da igreja e à interdependência dos seres humanos

no mundo (PADILLA, 2014, p. 168).

Por meio de Cristo o Reino de Deus tornou-se realidade no mundo. No Novo Testamento

a Igreja é a comunidade em que Jesus é o Senhor do universo e que por meio Dele o Reino de

Deus é antecipado em sua manifestação de uma maneira corpórea na história (PADILLA, 2014,

p. 214-217).

Pensando que Reino de Deus é um lugar onde há paz – e que paz é um bem desejável para

todos os indivíduos de todas as nações – este Reino aparece e se impõe como um objetivo

político prioritário que nenhum governo responsável pode ignorar. É a questão do Shalom que

Padilla trabalha, em que a paz está relacionada com a justiça. A injustiça e a paz não podem

coexistir. É uma realidade dinâmica a ser estabelecida pelo próprio poder de Deus, que traz todas

as coisas para o seu juízo e as subjuga sob o Senhorio de Jesus Cristo.

Quando não se concebe a Palavra de Deus como semente de paz e justiça, há perecimento

– não porque Deus imputará isso como justiça (até porque soa injusto) – mas, porque não

escutam o que Deus tinha e tem como melhor, sobretudo, antes da destruição iminente, onde, ao

invés de lamentação e arrependimento, haveria alegria e felicidade.

Padilla discorre sobre o livro de Isaías e realiza uma hermenêutica contextual e exegética

para explicar seu conceito, tanto em termos sociais, como políticos, jurídicos, econômicos etc.

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O autor afirma que a América Latina é um bom exemplo deste problema. Parece que, ao

longo de sua história, os países foram amarrados a um círculo vicioso de empobrecimento das

massas, seguido de explosão social, seguido pela repressão, seguido de maior empobrecimento

das massas, seguido de maior explosão social, seguida para maior repressão, e assim por diante

num ciclo que tende a não acabar.

A situação é ainda mais complicada por conta do jogo de interesses econômicos

internacionais. A política externa dos Estados Unidos trabalha com o pressuposto que a

democracia e a liberdade são valores que devem ser preservados – a todo custo – em todo o

mundo. De acordo com Padilla é inegável que, em tempos de Guerra Fria, o governo dos EUA

sempre foi companheiro de cama dos governos mais repressivos na história da humanidade.

É uma contradição que merece uma explicação. Padilla destaca que parte da explicação

foi que os ditadores latino-americanos aprenderam bem como eles trabalharam os mecanismos de

poder. Sua fórmula era simples:

Tinham que convencer o governo dos Estados Unidos que eles também

valorizavam a democracia e liberdade; convencer de que eles também estavam

envolvidos na batalha contra o marxismo, e que todas as violações dos direitos humanos

eram apenas uma medida temporária para impedir o avanço dos comunistas e evitar que fosse banido para sempre a democracia e liberdade em todo o mundo e a proteger os

interesses econômicos dos Estados Unidos e particulares dos governos locais

(PADILLA, 2011, s/p).

Este caminho levou à destruição porque deixou por resolver o problema da injustiça.

Hoje a situação é diferente. Ficou para trás a era da Guerra Fria. Pelo menos na América

Latina, não temos mais ditaduras militares. Mas, hoje, mais do que nunca, o poder econômico

está concentrado em grandes empresas transnacionais que servem o sistema neoliberal de

injustiça para o benefício de algumas pessoas.

O dilema perante o qual é a América Latina não é do capitalismo e da liberdade por um

lado, ou do socialismo e do totalitarismo, por outro lado, como se o capitalismo e o socialismo

fossem as últimas realidades. Em vez disso, justiça e da paz, por um lado, ou de injustiça e de

violência no outro.

Neste sentido, Padilla conceitua o Reino de Deus como um lugar onde não há violências,

onde a justiça impera em favor da liberdade e da paz (PADILLA, 2011, s/p). Mundo onde as

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ações geram vidas de modo contínuo, não somente de forma imperativa. Se antes o ciclo era de

violência e empobrecimento, agora, a continuidade recai sobre estes valores do Reino de Deus.

Onde não há justiça não pode haver paz. Não se trata apenas de esperar a justiça do

sistema judicial, julgada por pessoas com conceitos diferentes do que é justiça e paz em Deus,

mas, sim, de entender que Paz e Justiça dizem respeito à própria mudança pessoal e comunitária

que Deus executa como julgamento: o Espírito de Deus é derramado e emerge uma nova

sociedade e uma nova criação. O produto da justiça será paz (Shalom), o que é uma mensagem de

esperança estabelecida em meio à situação caótica.

“Deus é justo e ama a justiça”. Esta é ordem divina intimamente ligada à compaixão para

com os oprimidos, os fracos, os marginalizados. Tem a ver com a atitude de Deus para com essas

pessoas. É uma "opção pelos pobres".

Os resultados de injustiça institucionalizada pelo sistema econômico neoliberal são

inegáveis. A situação no país mais rico do mundo é um exemplo eloquente do que está

acontecendo globalmente.

Deus ama a justiça e adota o lado das vítimas de injustiça. Padilla motiva que Missão da

Igreja é o cuidado com a outra pessoa de modo geral a serviço da paz. Logo, se Shalom é fruto da

justiça, a violência é o fruto da injustiça. A injustiça não é apenas a violação dos direitos

humanos, mas, sim, a grave afronta a Deus, que ama a justiça.

Portanto, aqueles que semeiam a injustiça corrompem a paz, colhem violência e se coloca

sob o julgamento de Deus (PADILLA, 2014, s/p).

Se Shalom é o fruto da justiça – no contexto histórico atual caracterizado pela injustiça

institucionalizada – é cogente que, como povo de Deus leve-se a sério o chamado de Deus em

fazer a justiça, amar a misericórdia, além de andar humildemente com Deus. Isto constitui parte

de um conceito de Reino de Deus, bem como a atitude que pode fazer que este Reino esteja e se

faça presente nos dias de hoje.

Reino de Deus é uma realidade que ainda está por vir, mas já se apresenta com uma

tensão que perpassa o presente. Ele veio e está, pois Jesus Cristo encarnou na história e dividiu o

tempo. Além disso, apresentou à humanidade a realidade do domínio do seu Pai, e o convite que

este realiza a todas as pessoas que querem ser partícipes de seu Reino – não como uma realidade

divorciada da vida histórica – mas nela encarnada e iniciada para que todos os olhos vejam

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(PADILLA, 2014, p. 212-213), aqui e agora, o “já” escatológico em Cristo e o “ainda não” de

uma promessa futura.

Conversão, arrependimento e fé são transformações que perpassam o intelecto, a

consciência do indivíduo, um sentimento de culpa subjetivo ou de moral condenável, ou de

convencimento intelectual. Atinge uma atitude de rompimento com o estado de rebelião ao

reinado de Deus, afetando tanto as realidades interiores quanto exteriores do ser humano.

Para se estabelecer a realidade do Reino de Deus, a palavra e a ação têm um papel

importante e são inseparáveis: conjugam-se para a expressão do poder de Deus na ação, a fim de

promover a esperança, a libertação e a transformação dos fracos e oprimidos.

Assim, Reino de Deus é a realidade motivadora e devota de busca e vivência que, diante

da necessidade da outra pessoa, permite a construção de relações sociais, econômicas, políticas

em uma nova comunidade dos discípulos e das discípulas de Jesus Cristo – que desfrutam de uma

vivência focada no serviço e não na dominação –, com relações sociais com base no amor, na

graça e no acolhimento com solidariedade e a evangelização seja o próprio testemunho das boas-

novas do Reino de Deus; em que o amor seja o emblema do Espírito de Deus em todos os tempos

e em todos os lugares.

Que as boas-novas anunciem o Reino de Deus como antecipação do que será no porvir, já

na nova sociedade do povo de Deus que se reencontra com o seu próximo na direção de Deus. Só

com práticas de misericórdia, solidariedade e compaixão será visível à antecipação dos sinais do

Reino de Deus, Reino de justiça e paz.

CONSIDERAÇÕES FINAIS AO CAPÍTULO

O capítulo abordou a compreensão de Reino de Deus sob os termos conceituais teológicos

com breve contribuição hermenêutica, bíblica, social e histórica como conceito nascido na

América latina, na perspectiva da TdL e da TMI.

Gustavo Gutiérrez e René Padilla foram os referenciais teóricos para esta conceituação e

delimitação da importância da discussão sobre o Reino de Deus. Um diálogo entre os autores

ainda será realizado na medida em que a pesquisa alcançar seus objetivos. Diálogo este que é a

principal causa da presente reflexão.

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É possível observar que as raízes históricas da TdL e da TMI ocorrem nos contextos

sociais, político e econômicos comuns. A compreensão de Reino de Deus para a TdL

(especificamente no pensamento de Gutiérrez) é uma manifestação, prioritariamente por meio da

Igreja, com objetivo primeiro na transformação radical da história, a fim de libertar o pobre e o

oprimido para a construção de uma nova humanidade, cuja realidade humana (política-social-

econômica-religiosa etc.), como também toda a criação – pela chegada do histórico Reino de

Deus – passam por uma reforma estrutural, uma transformação radical e total, construindo, a

partir da pessoa de Cristo, uma nova humanidade ou „A Sociedade do Reino de Deus‟. Uma

realidade com base na justiça do Reino, no direito, na igualdade social, que são valores deste

Reino, na libertação do pobre de sua pobreza e do oprimido das estruturas que o oprimem, sendo

esta visão que orienta o pensamento de Gutiérrez.

Embora os conceitos de Reino de Deus orientem a construção do pensamento de ambos os

teólogos, para a TMI (nas reflexões de Padilla), Reino de Deus é o modelo e a meta da

construção de qualquer pensamento teológico de Missão a ser aplicado. É o propósito de Deus

relacionado ao seu Senhorio e a ser plenamente satisfeito no futuro, e que agora é esperança

nutrida pelos sujeitos de seu Reino, que somente pode ser estabelecido por Deus, única e

exclusivamente, sem ação humana que possa interferir nisto, tampouco exercer qualquer tipo de

controle acerca dele. No entanto, da parte do ser humano cabe o envolvimento sociopolítico

acompanhado de evangelização fiel e relevante ao seu contexto, capaz de evidenciar,

evidentemente, a preocupação holística de Deus com todas as pessoas, com a justiça, em um

processo de reorganização e emergência pública, sem confundir a relação da Igreja com o Estado.

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CAPÍTULO III

REINO DE DEUS COMO PROPOSIÇÕES

DE UMA MISSIOLOGIA CONTEXTUAL

INTRODUÇÃO

O presente capítulo tem por objetivo elucidar o Reino de Deus nas TLAs: da Libertação

(em Gutiérrez) e da Missão Integral (em Padilla), conforme já estudado. Os destaques agora serão

algumas divergências entre estas teologias nos pensamentos dos dois teólogos e, por certo,

algumas convergências também, além de promover algumas proposições para uma missiologia

contextual relevante para a atualidade.

As análises desta pesquisa mostraram o contexto latino-americano conturbado nas

décadas de 1960 e 1970. Pensadores de diversas áreas refletiram e discutiram sobre estes

assuntos. Certamente tanto o contexto teológico quanto o contexto eclesiástico careciam destas

elucubrações, para importante reflexão e elucidação da esperança para a América Latina em meio

às mudanças evidentes.

Cortella (2009) comenta que duas formas de não envelhecer as ideias é prestar atenção

nas discordâncias, além do cuidado com as demasiadas concordâncias. Concordâncias em

demasia podem denotar falta de afeto, falta de respeito e até traição. O contrário de concordar

representa, de igual forma, o contrário de todas estas afirmações (CORTELLA, 2009, p. 75-77).

Por certo que estes pensamentos, ainda que filosóficos, se forem lidos isoladamente, nada

tem relação com o presente trabalho. No entanto, a relação torna-se importante quando a reflexão

acontece em termos sociais, religiosos, filosóficos e em todas as demais áreas englobadas, uma

vez que entre os pensamentos dos teólogos analisados, as divergências e as convergências

encontradas motivam seus leitores e suas leitoras, e até mesmo seus próprios pensamentos para a

constante evolução.

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Argumentos divergentes ou convergentes fortalecem e reconstroem ideias. Guardadas as

devidas proporções, uma convergência ou uma divergência mostra a força de novas teses, além

de iluminar os caminhos.

Certamente que muitos pensamentos – das teologias abordadas aqui – possuem

divergências e convergências no percurso. Mas, levando-se em consideração o intento das duas

maneiras de se fazer teologia, seus escopos eram buscar uma resposta prática para o povo latino-

americano. Pretende-se, no presente capítulo, entender os caminhos percorridos por Gustavo

Gutiérrez e René Padilla.

1. DIVERGÊNCIAS E CONVERGÊNCIAS ENTRE A TdL E A TMI

Com o objetivo de analisar a TdL e a TMI enquanto teologias latino-americanas nascidas

em mesmo solo – observando o berço religioso de cada uma – a tentativa não foi a contraposição

de pensamentos obviamente distintos, uma vez que há fragilidade quando há comparações entre

reflexões diferentes. O intuito foi a averiguação, quando de suas gêneses temporais, dos

caminhos e das motivações sob uma mesma hermenêutica: a do Reino de Deus.

Pretende-se, aqui, apresentar alguns destes pontos, a fim de um possível diálogo

contextual, relevante e até contemporâneo.

1.1 DA MOTIVAÇÃO DO NASCIMENTO

A pesquisa observa que ambas as teologias (TdL e TMI) nascem em um ambiente de

profundo conflito social no contexto latino-americano, desenvolvendo-se particularmente em

ambientes eclesiásticos distintos. Por exemplo: a TdL com maior presença no âmbito católico-

romano e a TMI no contexto evangélico.

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1.2 DA INFLUÊNCIA MARXISTA

Um ponto importante, que carece de maiores pesquisas, é a leitura marxista, na filosofia

de grandes pensadores, e no engajamento de lutas revolucionárias que circundavam a América

Latina.

Evidentemente, a TdL utiliza referenciais teóricos marxistas. O foco do presente trabalho

não é analisar o tipo de marxismo utilizado, uma vez que a análise aqui centra-se nos pontos de

divergências e convergências entre ela e a TMI.

1.2.1 TEOLOGIA DA LIBERTAÇÃO

A efervescência das ciências sociais – e de todos os movimentos que aconteciam na

América Latina, na década de 1960 – fez com que os pensamentos teológicos ganhassem sua

forma ideológica. Algumas pessoas se posicionaram a favor destas ciências e, outras pessoas,

contra.

Gutiérrez entendia que o desenvolvimento do povo latino-americano limitava-se pela falta

de conhecimento de sua própria condição de vida, com base na dependência dos países com

maior poder. Falar de pobreza era mencionar sobre o contexto social de exploração que atingia

todo um continente. Ou seja, falar da pobreza presente na América Latina induz em um esforço

para conhecê-la melhor por meio das descrições e das indicações de suas causas. Para esta

conclusão exigia um exame detalhado da realidade social, a fim de compreender as causas que

dela derivavam e, assim, conseguir uma iluminação a partir da fé sobre os desafios e também as

possibilidades para a tarefa evangelizadora.

Essa inquietação era presente nas reflexões teológicas, nas conferências de Medellín e,

mais adiante, de Puebla, Isto aconteceu por meio das análises e das interpretações que se situam

no plano das ciências sociais (LIBÂNIO, 2000, p. 57-58) e com a teoria da dependência que agiu

na formulação de uma análise profunda (no início) sobre as causas da pobreza latino-americana.

Foi um importante recurso de análise social que representou o marco da Teologia da Libertação

como um instrumento da situação da realidade dos povos pobres, sua vida e fé.

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Michael Löwy afirma que a conjuntura latino-americana, a combinação do processo

estrutural, econômico-social, e o político e ideológico terá como resultado o início de uma nova

fase na história da América Latina. Uma etapa de lutas sociais, movimentos populares e

insurreições (LÖWY, 1989, s/p).

Neste sentido, Gutiérrez analisou muitas obras desta época – período do Concílio

Vaticano II – influenciando-se por diversas ciências, a fim de obter um pensamento amplo do que

pretendia adiante, o que lhe custou à acusação de disfarçar o cristianismo de marxismo em forma

de Teologia da Libertação (ALMEIDA, 2005, p. 41). O que Gutiérrez recebeu do marxismo foi o

compromisso com a história, limitando-se a análise social. O autor também fundamenta-se no

marxismo italiano de Gramsci no que diz respeito à Filosofia para, então, examinar as relações

entre o cristianismo e o marxismo, elaborando uma perspectiva teológica na relação entre

libertação e salvação da política, do ser humano e do pecado. Além de explicar – em níveis

epistemológicos de conhecimentos – a ciência, a filosofia e a teologia respectivamente

(ALMEIDA, 2005, p. 31 e 117).

Segundo Gutiérrez, a intenção não era dialogar com o marxismo. A urgência da prática

pastoral possuía outro foco: olhar a pobreza e a marginalização que, sob o ponto teológico, exigia

uma análise social, por isso foi necessário recorrer às disciplinas sociais. “Sem dúvida, o uso das

ciências sociais, como é indicado várias vezes em nossos trabalhos, está dando seus primeiros

passos, como esforço científico tem muito de aleatório, mas na atual situação nos ajuda a

conhecer melhor a realidade social” (GUTIÉRREZ, 1979, p. 104).

O autor também salienta que:

A postura diante delas deve ser de discernimento, não só pelo que têm de

incipiente, como já foi sublinhado, mas também porque afirmar que tais disciplinas se

situam em terrenos científicos, não significa que se trata de algo irrefutável e

indiscutível. Pelo contrário o científico não está isento do exame crítico, mas se submete

a ele (GUTIÉRREZ, 2000, p. 74).

No contexto da Teologia da Libertação, recorrer às ciências sociais tem, antes de tudo, a

função de contribuir para um melhor conhecimento da realidade social do povo latino-americano.

Afirmar que algo é, ou está no campo científico, significa sustentar que está submetido à

discussão e crítica permanente (GUTIÉRREZ, 2000, p. 74). As disciplinas sociais visualizavam

com maior amplitude a realidade social, a fim de verificar as realidades humanas e o campo

político.

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Desse modo, operou-se uma importante transformação no campo da análise social

que a teologia da libertação requer para seu conhecimento das condições de vida do

povo latino- americano. Isso a levou a incorporar valiosas perspectivas de vida do povo e

novas vertentes das ciências humanas (psicologia, etnologia, antropologia) para o exame

de uma situação intricada e instável (GUTIÉRREZ, 2000, p. 21).

Gutiérrez sempre se conscientizou da amplitude e da complexidade dos problemas

abordados. A presença das ciências sociais na sua teologia não significou uma submissão

indevida da reflexão teológica (GUTIÉRREZ, 2000, p. 74-82).

Para Gutiérrez não há problema ponderar a conjuntura da América Latina desta maneira, o

que vai de encontro com as reflexões de Löwy: a própria evolução interna da Igreja, ou elementos

de sua própria doutrina, puderam favorecer, facilitar, estimular a convergência com o marxismo

neste processo de aproximação com o cristianismo. Assim, Max Weber estudou a relação

recíproca entre uma forma religiosa em sua obra “A ética protestante” e um ethos econômico no

“Espírito do capitalismo”. É possível observar que, a partir de certas analogias e certas afinidades

eletivas, de certas correspondências, duas figuras culturais podem entrar em uma relação de

atração, de escolha, de seleção, de eleição mútua em determinadas questões (LÖWY, 1989, s/p).

As ciências sociais existiram no passado e hoje são cada vez mais imprescindíveis para

um discernimento da situação social nesse mundo desigual.

A Teologia da Libertação recolhe esta percepção, além de colocá-la no centro de sua

reinterpretação do Evangelho, de sua nova hermenêutica do Antigo Testamento e da mensagem

de Cristo no Novo Testamento, de sua reformulação do magistério da Igreja, na qual entram

aspectos essenciais do marxismo, integrados de forma muito mais orgânica e coerente no

discurso religioso. Então, o marxismo apareceu aos olhos dos teólogos da libertação como a

única teoria capaz de oferecer – ao mesmo tempo – uma análise precisa e sistemática das causas

da pobreza, e uma proposição precisa e radical do método para sua abolição. A antiga tradição

anticapitalista da Igreja entra, assim, em relação de afinidade eletiva com a análise marxista da

exploração capitalista e com a crítica dos marxistas latino-americanos (teoria da dependência) ao

capitalismo dependente como fundamento estrutural da fome, da pobreza, da miséria e do

autoritarismo militar.

Gutiérrez trabalhou para um engajamento na organização e na luta dos pobres por sua

própria libertação. A luta de classes tornou-se aparente não só como método de análise da

realidade, mas, também, como guia para a ação, tornando-se assim, um elemento central na nova

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teologia. “Negar o fato da luta de classes é, na realidade, tomar partido em favor dos setores

dominantes. A neutralidade neste assunto é impossível” (GUTIÉRREZ, 1974, p. 276-277).

Gutiérrez apresenta sua relação com o marxismo como um instrumento científico de

ferramenta de mediação socioanalítica, mas com a influência do pensamento de Althusser, com

sua teoria do "corte epistemológico" entre ciência e ideologia, fazendo de Marx "um homem de

ciência como os outros".

Na medida em que a TdL é a expressão de uma práxis social, seu encontro com o

marxismo ocorre também no terreno do compromisso prático com as lutas populares de

libertação. Então, o marxismo não é apenas um método de interpretação, mas, também, um

método de transformação da realidade, ao qual se observa ser social e política (LÖWY, 1989,

s/p).

Assim, a TdL não integra em seu bojo o conjunto do pensamento marxista, mas rejeita

aqueles aspectos incompatíveis com a religião cristã, como o ateísmo, o materialismo

cosmológico, a crítica da alienação religiosa etc. Seu procedimento consiste na

incorporação seletiva daqueles aspectos da teoria marxista no combate pela renovação da

teologia, com sua interpretação do Evangelho, do Antigo Testamento e do magistério da Igreja à

luz da situação dos pobres na América Latina e da experiência de seu combate pela libertação

social.

É possível verificar que todo o trabalho teológico de Gutiérrez teve o grande propósito de

ser fiel à mensagem cristã, além de sua relevância para uma reflexão e uma práxis a partir do

Evangelho e das experiências do povo pobre. Isso sempre com o objetivo de situar-se na

perspectiva do serviço e do anúncio pela verdade que liberta: Cristo.

1.2.2 TEOLOGIA DA MISSÃO INTEGRAL

Em relação a TMI, conforme abordado anteriormente, o contexto ocorreu em uma época

na qual o emprego de instrumentais científicos e as ciências foram importantes.

Em busca de respostas à nova configuração mundial do pós-guerra, a TdL foi uma

significativa reação com propostas que, sob influxo do Vaticano II, criaram desestabilização na

Igreja Católica e também entre os protestantes evangélicos que tiveram, neste contexto, uma

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fonte de inspiração e de críticas, principalmente na chave hermenêutica marxista utilizada por

seus teóricos. Os teólogos evangélicos latino-americanos – frente à necessidade de revisão dos

antigos paradigmas missiológicos e das injustiças da população latino-americana – começaram a

questionar o fundamentalismo, o dogmatismo e a influência cultural norte-americana. Além

disso, a ideia seria o desenvolvimento de uma teologia própria, contextual, a fim de atender os

desafios da realidade local. Este é o embrião da Teologia da Missão Integral, assunto já tratado

no presente trabalho.

Durante a década de 1960 e 1970 – entre a efetiva criação da TdL e do nascimento da

FTL – os teólogos da TdL produziam suas reflexões, obras, discussões etc., com aprofundamento

de temas fundamentais para uma práxis cristã mais solidária e justa. Já os evangelicais

contestavam a tensão interna se o anúncio do evangelho tinha primazia sobre a ação social.

Padilla fazia parte deste grupo da FTL (GONDIM, 2010, p.75).

Desde o século 19 o Ocidente tornou-se palco de transformações radicais devido ao ritmo

acelerado do avanço científico, tecnológico e das comunicações. No século 20, as contribuições

para esse fenômeno foram as duas grandes guerras mundiais e as mudanças sociais provocadas

por elas. Outro fator determinante foi a expansão do capitalismo e, por outro lado, o marxismo

em franca oposição a ele. Certamente foi o marxismo – com sua crítica ao capitalismo – que mais

contribuiu para o surgimento da nova maneira de compreender a realidade sócio-histórica, e que

influenciou em grande medida os povos dos países emergentes. Várias vozes de contestação se

fizeram ouvir, nos vários segmentos sociais, com a reivindicação de mudanças urgentes nas

políticas dos países desenvolvidos em relação aos países emergentes.

Sobre a realidade social, Escobar comenta: “[...] Padilla, [...] não cria como necessário

adotar o marxismo como método de análise da realidade social, nem compartilhavam da fé de

que o mundo estava marchando rumo ao socialismo [...]” (ESCOBAR, 1995, p. 7).

Padilla sempre considerou importante a reflexão sobre os desafios que o marxismo

impunha sobre a teologia. Na escola, ele teve alguns professores marxistas. Foi a partir daí que o

autor iniciou as suas análises, especialmente referente às questões sobre a relevância da Igreja na

sociedade, Isto aconteceu com algumas perguntas relativas ao idealismo cristão, inquietando-o

por um cristianismo que levasse a sério a realidade social e a história e que não fosse uma mera

religião alienante. A influência marxista que o autor recebeu, na verdade, foi um estímulo para a

obtenção de respostas fora do marxismo (PADILLA, 1984, p. 115).

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100

Para Padilla, a questão trabalhada por Marx era a de que a religião era alienante,

transcendente. Quando trata da ação evangélica da igreja na sociedade não se limita a isso, o que

distancia da realidade que as pessoas vivem. Antagonicamente, o evangelicalismo, em sua

natureza, deve também preocupar-se com a educação, com a formação profissional, com o

combate à violência urbana, com a ecologia, com a política etc. Uma concepção de fé que não se

envolve com essa realidade concreta – e não liberta as pessoas para viverem uma nova realidade

– é uma fé alienada (REIS, 2011, p. 13-15).

A esperança de uma sociedade melhor é um dos aspectos essenciais da

esperança cristã. Ninguém que tome a sério o ensino bíblico sobre o propósito de Deus

de criar uma nova humanidade pode alimentar uma esperança que se esgota na salvação

individual além da morte. O propósito redentor de Deus inclui a criação de uma nova

sociedade que acate a soberania em todas as esferas da vida e reflita sua glória

(PADILLA, 1994, p. 181, tradução nossa).

Os valores e os esforços encontrados fora das Escrituras são inúteis, conduzem ao

misticismo e induzem a caminhos falsos. Para a Missão Integral este tema é importante, uma vez

que demonstra a ação da Igreja como fiel se submissa às Escrituras. Ele pondera ainda que “a

teologia da América Latina deve definir um sentido de missão da Igreja a partir da Palavra de

Deus em contraposição com definições baseadas em critérios socioeconômicos” (PADILLA,

1972, p. 138).

A Bíblia tem um propósito soteriológico. Forma parte da história da salvação. E

dela deriva sua autoridade como registro fidedigno dos acontecimentos da redenção e

como parte, ela mesma, da história da salvação, já que é o livro pelo qual estes

acontecimentos são atualizados de geração em geração no povo de Deus, pela ação do

Espírito Santo (PADILLA, 1972, p. 127).

Padilla estabelece, com precisão, o seu posicionamento quanto aos pressupostos da

Teologia da Libertação. Isso porque aqueles que abraçam a teologia libertacionista veem a

“salvação” como libertação da pobreza, da opressão etc.

Para Padilla, não se pode pregar a validade de algo pelo seu bom êxito na ênfase da práxis

e, ao escolher a opção sociológica dando importância às ciências sociais, reduzir o Evangelho a

uma ideologia ao supervalorizar o condicionamento ideológico a toda teologia – como se os

textos bíblicos fossem apenas notas de rodapé dos acontecimentos históricos. Tal ideologia (ou

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101

maneira de se aproximar da Escritura) traz como consequência um grande déficit na compreensão

do verdadeiro sentido e origem dos textos bíblicos.

O déficit de conhecimento bíblico que caracteriza o povo evangélico latino-

americano não se solucionará quando uma exegese ideológica for substituída por outra,

senão, quando houver um retorno às fontes com o desejo e a oração de que nossas

premissas ideológicas sejam julgadas pela Palavra de Deus. A Bíblia não é um depósito

de textos que o teólogo possa escolher e manejar segundo os ditados de sua ideologia.

Seja qual for sua posição política, o teólogo tem a obrigação de examinar suas premissas

e tomar medidas, até onde for possível, a fim de evitar que aquilo que ele extrai da Bíblia não seja o reflexo de suas próprias ideias (PADILLA, 1974, p. 127).

Analisar o contexto por meio das ciências sociais, sem iluminar este caminho pela

Palavra, é mero ativismo (PADILLA, 2006, p. 187). Toda análise deve passar pela Palavra de

Deus para que o efeito seja em contribuição ao Reino de Deus (PADILLA, 1994, p. 55-56).

1.3 LIBERTAÇÃO E DESENVOLVIMENTO DO SER

De acordo com Gutiérrez, a centralidade da TdL encontra-se na libertação do ser político

e social em meio às adversidades apresentadas no contexto da pobreza na América Latina. Já a

TMI, segundo Padilla – ao analisar a sua participação para a elaboração do Pacto de Lausanne –

busca na Missão da Igreja o desenvolvimento do ser em meio às condições enfrentadas.

A Teologia da Libertação é uma tentativa de compreender a fé a partir da práxis

histórica, libertadora e subversiva dos pobres deste mundo, das classes exploradas, das raças desprezadas, das culturas marginalizadas. Ela nasce da inquietante esperança de

libertação, das lutas, dos fracassos e das conquistas dos próprios oprimidos, de um modo

de se reconhecer filho ou filha do pai, diante de uma profunda e exigente fraternidade. É

por isso que ela vem depois: É um momento segundo em relação a fé, “fé que opera pela

caridade”. Além das reais e fecundas exigências do pensamento contemporâneo, essa é a

razão pela qual a teologia da libertação, como reflexão, situa-se em um modo diferente

de relacionar a prática com a teoria (GUTIÉRREZ, 1981, p.58).

[...] que Deus é o Criador e o Juiz de todos os homens. Portanto, devemos

partilhar o seu interesse pela justiça e pela conciliação em toda a sociedade humana, e

pela libertação dos homens de todo tipo de opressão. Porque a humanidade foi feita à imagem de Deus, toda pessoa, sem distinção de raça, religião, cor, cultura, classe social,

sexo ou idade possui uma dignidade intrínseca em razão da qual deve ser respeitada e

servida, e não explorada. [...] afirmamos que a evangelização e o envolvimento sócio-

político são ambos parte do nosso dever cristão. Pois ambos são necessárias expressões

de nossas doutrinas acerca de Deus e do homem, de nosso amor por nosso próximo e de

nossa obediência a Jesus Cristo. A mensagem da salvação implica também uma

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mensagem de juízo sobre toda forma de alienação, de opressão e de discriminação, e não

devemos ter medo de denunciar o mal e a injustiça onde quer que existam. Quando as

pessoas recebem Cristo, nascem de novo em seu reino e devem procurar não só

evidenciar, mas também divulgar a retidão do reino em meio a um mundo injusto. A

salvação que alegamos possuir deve estar nos transformando na totalidade de nossas

responsabilidades pessoais e sociais. A fé sem obras é morta (PADILLA, 2011, p.101-

§5º do Pacto de Lausanne).

1.3.1 DA LIBERTAÇÃO DO SER

Haja vista a libertação do ser político e social – em meio às adversidades apresentadas no

contexto da pobreza na América Latina –, quanto mais os indivíduos se conscientizam da história

e da sua situação, mais condições terão para a sua transformação individual e coletiva. Tudo isso

em busca de uma organização social mais próxima do que as pessoas entendem como projeto de

Deus. Neste sentido, Gutiérrez afirma:

Só repelindo a pobreza e fazendo-se pobre para protestar contra ela poderá a

Igreja pregar algo que lhe é próprio: “a pobreza espiritual”, ou seja, a abertura do homem

e da história ao futuro prometido por Deus. Unicamente deste modo poderá cumprir

honestamente, com possibilidades de ser ouvida, a função profética de denúncia de toda

injustiça que atente contra o homem e a proclamação libertadora de uma real

fraternidade humana (GUTIÉRREZ, 1985, p. 248).

Em Medellín, os bispos concluíram que a libertação proposta definia-se como a libertação

integral do ser humano.

Como cristãos, cremos que esta etapa histórica da América Latina está intimamente vinculada à história da salvação. Como pastores, com responsabilidade

comum, queremos comprometer-nos com a vida de todos os nossos povos na busca

angustiosa de soluções adequadas para seus múltiplos problemas. Nossa missão é de

contribuir para promoção integral do homem e das comunidades do continente. Cremos

que estamos numa nova era histórica. Exige clareza para ver lucidez para diagnosticar e

solidariedade para atuar. A luz da fé que professamos como fiéis, fizemos um esforço

para descobrir o plano de Deus nos “sinais de nossos tempos”. Interpretamos que as

aspirações e clamores da América Latina são sinais que revelam a orientação do plano

divino operante no amor redentor de Cristo que funda essas aspirações na consciência de

uma solidariedade fraterna (CELAM, 1969, p. 37).

Nas conclusões do documento de Medellín a luta pela justiça e pela paz foi considerada

legítima. Houve estímulo para a conscientização e a organização dos trabalhadores para encontrar

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caminhos de lutas pelos seus direitos. A omissão e a indiferença foram consideradas alternativas

reprováveis e que deveriam ser eliminadas.

O Estado na América Latina foi visto como instrumento de opressão e exclusão e, como

tal, deveria ser denunciado. Era preciso a garantia da autoridade do Estado, mas com a

participação política de toda sociedade e a ampliação da democracia nas futuras reformas

políticas:

Diante das tensões que conspiram contra a paz, chegando inclusive a insinuar a

tentação da violência, e frente à concepção cristã da paz que ficou descrita acima cremos

que o Episcopado Latino-Americano não se pode eximir de responsabilidades bem concretas. Criar uma ordem social justa, sem a qual a paz é ilusória, é tarefa

eminentemente cristã. A nós pastores da Igreja, cabe educar as consciências, inspirar,

estimular e ajudar a orientar todas as iniciativas que contribuam para a formação do

homem. Cabe-nos também denunciar todo aquele que, ao ir contra a justiça, destrói a paz

(CELAM, 1969, p. 51-52).

Outro fator de adequação da Igreja Católica à agenda de Medellín foi a retomada que fez

de sua dimensão comunitária. Ela considerava que pequenas comunidades poderiam relacionar-se

com maior liberdade e que, nelas, todos os seus membros participariam das proposições e

decisões. Esse foi o eixo da estruturação das Comunidades Eclesiais de Base que promoveram

um eficiente encontro entre as camadas populares e a Igreja.

As CEBs se constituíram em um fenômeno significativo para a compreensão do processo

de renovação da Igreja Católica e da religiosidade popular. Realizou-se, por sua ação, a

transformação dialética das manifestações populares que adquiriam um novo significado, uma

vez que o sagrado e a luta política não estavam mais separados, mas, unidos, como instrumento

de liberdade. A religiosidade popular entendida, nesse sentido, por sua manifestação cultural,

própria, diferente e legítima (CELAM, 1969, p. 124; 134-135).

Gutiérrez, que esteve presente em Medellín e participou das reuniões, bem como

presenciou a elaboração do documento final salienta que:

A realidade latino-americana começa a aparecer em toda a sua crueza. Não se

trata unicamente – nem primordialmente – de um baixo índice cultural, de uma atividade

econômica restrita, de uma ordem legal deficiente, de limites ou carências de instituições

políticas. Trata-se, isto sim, de um estado de coisas que não leva em conta as mais

elementares exigências da dignidade do homem: sua própria subsistência biológica e

seus direitos primordiais como ser livre e responsável. A miséria, a injustiça, a situação de alienação e a exploração do homem pelo homem que se vive na América Latina

configuram uma situação que a conferência episcopal de Medellín não vacila em

qualificar e acusar de “violência institucionalizada” (GUTIÉRREZ, 1981, p. 44-45).

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No mesmo sentido de Gutiérrez, Boff declara: “quando falo em libertação eu

entendo concretamente isso: acabar com o sistema de injustiça que é o capitalismo. É libertar-se dele para criar em seu lugar uma nova sociedade [...]” (BOFF, L.; BOFF, C.,

1979, p. 70).

Os escritos de Gutiérrez e dos irmãos Boff versam sob a libertação de um ser humano

político. Quando o ser humano destrói a opressão ele liberta-se politicamente e torna possível a

reconciliação com Deus.

Conforme Gutiérrez, todo o processo pela libertação que ocorreu na América Latina foi

muito além da superação política: incidiu em um processo de emancipação do ser humano ao

longo da história, para a busca de uma sociedade mais qualitativa, em que o ser humano pudesse

se julgar livre da escravidão que lhe foi imposta e da pobreza material na qual era marginalizado.

Assim, estes pobres que eram ausentes, agora se tornam presentes e fortificando-se neste

processo de libertação (GUTIÉRREZ, 2000, p. 22).

1.3.2 DO DESENVOLVIMENTO DO SER

Segundo o Pacto de Lausanne, a TMI esclarece que busca na Missão da Igreja o

desenvolvimento do ser. Quando Padilla trabalha a questão de uma Missão Integral, o objetivo é

a transformação do ser humano em sua integralidade, o desenvolvimento do ser numa nova

consciência, num arrependimento que aponta para a dimensão social do evangelho que chega ao

ser humano escravizado pelo pecado que aceita a cruz de Cristo e se volta para Deus (PADILLA,

2014, p. 60).

O ser humano é o ser a quem a Palavra se dirige para a libertação da mentira de que ele

pode coordenar seu destino autônomo e que sua vida consiste naquilo que tem. É a questão do

que Padilla critica em Lausanne sobre o capitalismo e o estilo de vida americano. O ser humano

que se arrepende se aproxima de Deus, reconhece sua falibilidade e depende de Deus, torna-se

um ser voltado para Deus em obediência e arrependimento.

O homem é o caráter representativo da relação a Deus [...] o Deus, ao qual o

homem se parece é aquele que cria o universo e os seres viventes por meio de sua

palavra, mas, imediatamente, faz uma imagem de si próprio e o coloca no mundo como

seu representante [...]. Esse é o Mandato Cultural, em cujo cumprimento o ser humano

manifesta, efetivamente, que é Imago Dei (PADILLA, 1991, p. 8).

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Padilla esclarece sobre a divergência em relação a TdL quando destaca que a salvação do

ser humano consiste em libertar-se das situações da era presente que envolve as questões sociais,

políticas etc., em que o ser humano novo é artífice de seu destino. O ser humano necessita de

evangelização sobre as coisas do Reino de Deus vivendo e cumprindo o chamado salvífico. Não

somente preocupado em cuidar de sua salvação, mas, também engajado na salvação da outra

pessoa. Quando o ser humano tem consciência de seus pecados, arrepende-se e torna-se um novo

ser. Esse ser humano é capaz de viver e comunicar, com a sua vida, o evangelho que transforma e

reconhece o senhorio do Reino de Deus, em que Deus é o rei. O ser humano – que se desenvolve

em um novo ser – torna-se capaz de reconhecer e denunciar as forças malignas que vão contra os

valores deste Reino (PADILLA, 2014, p. 59-66).

Para Padilla, uma teologia de missão traz a esperança de abraçar o envolvimento

sociopolítico, desde que acompanhado de uma evangelização fiel e relevante ao seu contexto que

evidencia a preocupação holística de Deus para com todas as pessoas e com a justiça.

Costas (1989) caminha no mesmo entendimento e adverte que:

Falar de esperança para um novo mundo sem envolver-se em formas concretas

de fazer dele um lugar melhor para viver é negar a própria esperança; certamente é

escapar para uma abstração vaga e ultramundana que paralisa a força transformadora da

missão escatológica do evangelho e termina sacralizando o status quo. Ter a esperança

de que o mundo será redimido e não executar ação redentora alguma no mundo é uma blasfêmia (COSTAS, 1989, p. 59).

Neste sentido, é o reconhecimento e a mudança pessoal que busca comunicar à outra

pessoa a necessidade de uma alteração radical via transformação e desenvolvimento do ser em

nova criatura voltada para o Reino que se inicia na era presente.

A releitura da Bíblia à luz do seu próprio crescimento, processo de reorganização e

emergência pública, em conversão vai ao encontro da outra pessoa e do Reino de Deus.

A Bíblia tem um propósito soteriológico. Forma parte da história da salvação. E

dela deriva sua autoridade como registro fidedigno dos acontecimentos da redenção e

como parte, ela mesma, da história da salvação, já que é o livro pelo qual estes

acontecimentos são atualizados de geração em geração no povo de Deus, pela ação do Espírito Santo (PADILLA, 1972, p. 127).

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1.4 DA INTERPRETAÇÃO BÍBLICA

Sobre a interpretação das Escrituras, entende-se que a TdL busca, por meio da Bíblia,

demonstrar uma nova maneira de explicar o Cristianismo como uma práxis de libertação, no

sentido de orientar este caminho.

Para a TMI, a Bíblia é a única raiz para os questionamentos transcendentes da

humanidade e sua salvação. A Escritura é a revelação de Deus para o ser humano libertar-se

segundo a verdade que ela mesma contém.

1.4.1 TEOLOGIA DA LIBERTAÇÃO

Conforme já mencionado, Gutiérrez explica que a análise social representou um

importante papel no marco da Teologia da Libertação. Esta teve seu enfoque sobre a vida do

povo latino-americano e sua vida de fé, interessando, antes de tudo, a eficiência da fé para que ela

não ficasse indiferente diante dos resultados reais e concretos da práxis dos crentes diante dos

processos históricos. Falar de pobreza era comentar de um contexto social de exploração que

atingia todo um continente e exigia um exame mais detalhado da realidade social. E, assim, só

depois compreender, realmente, as causas que dela derivavam, a fim de conseguir uma

iluminação a partir da fé sobre os desafios e também as possibilidades que deveria ter a tarefa

evangelizadora.

Nas Escrituras, a revelação da presença de Deus relaciona-se sempre às pessoas

ignoradas, marginalizadas e desprezadas pelo sistema dominante. No contexto latino-americano

vê-se a libertação do ser humano, principalmente do mais pobre, como a outra face da revelação

de Deus. Para a TdL, a libertação é conquistada pela via política (GUTIÉRREZ, 1981, p. 304).

A Bíblia remete à libertação e à justiça como ações opostas à escravidão do pobre no

contexto histórico. Receber o dom da filiação é um fato vivido na história, como também é

acolher o outro como irmão na sua concretude, em que o amor de Deus não é excludente, uma

vez que ama sem distinção a todas as pessoas. Desta forma, a partir da ótica de Gutiérrez, o

Evangelho pede por uma Igreja popular, que nasça do povo e que nela participe o povo pobre. A

Igreja que o Evangelho convoca é uma Igreja que não deixa o Evangelho nas mãos dos poderosos

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desse mundo. Esse fato, segundo o autor, é o que ficou denominado apropriação social do

Evangelho (GUTIÉRREZ, 1981, p. 305).

Gutiérrez reconhece que o fundamento e a centralidade da práxis cristã estão na sua

presença na história. Todo o processo pela libertação – que ocorreu na América Latina – foi

muito além da superação da dependência econômica, social e política. Consistiu em um processo

de emancipação do ser humano ao longo da história, para a busca de uma sociedade mais

qualitativa, na qual o ser humano pudesse se julgar livre da escravidão que lhe foi imposta.

Mas, para haver uma libertação autêntica e plena, essa deveria ser assumida pelo próprio

oprimido a partir de seus próprios valores.

Gustavo Gutiérrez inaugurou uma nova forma teológica de pensar cuja matriz histórica

está na vida do povo pobre como ponto fundamental para que haja uma libertação plena.

1.4.2 TEOLOGIA DA MISSÃO INTEGRAL

De outra forma, o Pacto de Lausanne esclarece que acredita na:

[...] inspiração divina, a veracidade e autoridade das Escrituras tanto do Velho como do Novo Testamento, em sua totalidade, como única Palavra de Deus escrita, sem

erro em tudo o que ela afirma, e a única regra infalível de fé e prática. Também

afirmamos o poder da Palavra de Deus para cumprir o seu propósito de salvação. A

mensagem da Bíblia destina-se a toda a humanidade, pois a revelação de Deus em Cristo

e na Escritura é imutável. Através dela o Espírito Santo fala ainda hoje. Ele ilumina as

mentes do povo de Deus em toda cultura, de modo a perceberem a sua verdade, de

maneira sempre nova, com os próprios olhos, e assim revela a toda a igreja uma porção

cada vez maior da multiforme sabedoria de Deus (LAUSANNE, 1974, §2).

Padilla defende um Evangelho que não seja reduzido a uma ideologia, que não esteja

divorciado da prática, limitado a fórmulas doutrinárias sem qualquer referência à realidade

histórica em que está inserido. Evangelho autêntico é a resposta para a renovação da Igreja e sua

crise de missão (REIS, 2011, p. 60-61).

Não é difícil entender que a inércia das igrejas no campo da ação e do serviço

em favor dos „extirpados da terra‟ tenha compelido especialmente a juventude a

menosprezar o valor da fé e a absolutizar a política. Porém o fato é que, quando a fé se

reduz a uma ideologia que se esgota no plano horizontal, o Evangelho perde toda a

verdadeira relevância e a Igreja se converte em um movimento sem especificidade cristã

(PADILLA, 1975, p. 15).

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Sobre a leitura bíblica que faz a TdL, Padilla considera que:

Ainda que a objetividade científica absoluta seja um mito, razão pela qual a

„suspeita ideológica‟ é essencial na hermenêutica, a interpretação bíblica está condenada

ao fracasso se de entrada se der por certo que a compreensão objetiva do texto bíblico

está totalmente bloqueada. Devemos duvidar de nossa objetividade, por outro lado,

devemos nos aproximar do texto com a esperança de que nossos prejuízos nos impedem que as Escrituras nos falem (REIS, 2011, p. 63 apud PADILLA, 1982, p. 17, tradução do

autor).

1.5 DA SALVAÇÃO

Sobre algumas divergências nas Teologias Latino-americanas, assim como nos

pensamentos dos referidos autores, a questão da interpretação bíblica incide diretamente sobre a

questão da salvação.

O sentido da salvação tanto para a TdL quanto para a TMI será abordado a seguir.

1.5.1 DA SALVAÇÃO PARA A TdL

No pensamento de Gutiérrez, foi por meio da TdL que surgiu um novo jeito de ser Igreja,

com a participação ativa dos pobres e das pessoas leigas, no sentido de vincular o entendimento e

o conceito entre libertação e salvação. Isto colocou no centro da história o projeto de afirmação

do Reino de Deus a partir do compromisso da eliminação das injustiças, com a possibilidade da

construção de uma sociedade nova, além de uma participação ativa e eficaz das classes sociais

exploradas. Já não era mais admissível separar o processo histórico libertador do discurso sobre

Deus (GUTIÉRREZ, 2000, p. 12).

Refletir sobre libertação e salvação motiva a compreensão de que há somente uma

história. Transformar a sociedade é situar-se neste processo de salvação e libertação, a fim de

destruir a opressão, libertar-se politicamente e tornar possível a reconciliação do ser humano com

Deus em virtude de um Reino que já acontece de maneira histórica. Aspirar a salvação é almejar

ser um novo ser humano capaz de lutar pela sua libertação (GUTIÉRREZ, 2000, p. 121)

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1.5.2 DA SALVAÇÃO PARA A TMI

De acordo com Padilla, a salvação não ocorre no mero relacionamento com Deus, mas,

implica na relação do ser humano com o mundo, também. Ser salvo é ser livre do mal que aflige

o mundo.

Salvação implica em uma mensagem de juízo sobre toda forma de alienação, de opressão

e de discriminação. Isto significa afirmar que é a concretude do Reino de Deus na parte cabida,

no Reino que não procede deste mundo, mas se direciona para ele (PADILLA, 2014, p. 43-46).

Segundo Sanches, é preciso perceber como a revelação de Deus e da sua vontade expõem

e confrontam os problemas humanos possibilitando a salvação. O tratamento de Deus acontece

desde dentro da realidade histórica e não à parte dela, o que demonstra a necessidade de se

mergulhar também na vida que cerca a Palavra de Deus na Bíblia (SANCHES, 2009, p. 141).

A esperança de uma sociedade melhor é um dos aspectos essenciais da esperança cristã. Ninguém que tome a sério o ensino bíblico sobre o propósito de Deus

de criar uma nova humanidade pode alimentar uma esperança que se esgota na salvação

individual além da morte. O propósito redentor de Deus inclui a criação de uma nova

sociedade que acate a soberania em todas as esferas da vida e reflita sua glória

(PADILLA, 1994 p. 181).

Padilla explica sobre o ensino bíblico, nova humanidade e nova sociedade. A salvação é

algo que ocorre por intermédio de Deus na vida humana em forma de graça, que deve ser

transmitida pelas vidas que reconheceram o senhorio de Cristo. Pessoas que vivem em busca da

concretização dos valores do Reino de Deus que se faz presente em plenitude, cuja vontade do

Senhor é realizada na redenção pessoal.

Salvação é a liberdade que Cristo permite ao ser humano para o entendimento que este

mundo é um mundo material, mundo de coisas e de bens materiais que nada tem a ver com o

Reino de Deus. Então, o ser humano que reconhece o senhorio de Cristo encontra-se distante

destas coisas perecíveis imputadas pelo capitalismo ocidental (PADILLA, 2014, p. 46).

Sanches afirma que o Deus que constrói o Éden com o poder da sua palavra é o Deus que

encarna esta mesma palavra na realidade humana e antecipa, na história, as benesses do seu

Reino eterno. Viver isso também é libertação (SANCHES, 2009, p. 150), alcançada pela

evangelização. Neste sentido, Costas (1989) destaca:

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110

Evangelizar é participar de uma ação transformadora, isto é, as boas-novas da

salvação. Neste sentido, a evangelização não é um conceito, mas sim uma tarefa

dinâmica, encarnada primeiro na vida e ação salvífica de Jesus Cristo. Portanto, ela não

pode ser reduzida a uma fórmula verbal. Evangelizar é reproduzir pelo poder do Espírito

Santo a salvação que foi revelada em Jesus Cristo (COSTAS, 1989, p. 133).

1.6 DO PECADO E DA GRAÇA

Considerando-se a TdL e a TMI – e a importância de discutir acerca do Reino de Deus

sobre Pecado e Graça nas perspectivas de Gustavo Gutiérrez e René Padilla, especificamente – a

presente pesquisa tem por objetivo, aqui, conceituar e entender a maneira da atuação nos seres

humanos e, também, como reagem a condição de Pecado e da Graça.

Evidentemente, a intenção não é contrapor as perspectivas dos autores, mas, sim, a busca

de uma melhor compreensão sobre o Pecado e a Graça, levando-se em consideração cada

contexto.

1.6.1 A VISÃO DA TdL

Gutiérrez define o pecado como a raiz última de todo rompimento de amizade e de toda

injustiça e opressão (GUTIÉRREZ, 1986, p. 37). Ao assegurar que o pecado é a causa absoluta

da pobreza, injustiça e opressão, mostra que não se preocupa apenas com os motivos estruturais

que produzem essas situações, mas, também, com uma vontade pessoal ou coletiva que está por

trás de toda estrutura injusta, algo definido como uma disposição para a rejeição de Deus e do

próximo (GUTIÉRREZ, 1986, p. 35).

O pecado é um fato social e histórico, a ausência de fraternidade e amor nos

relacionamentos humanos, a quebra da amizade com Deus e com os outros seres humanos e,

portanto, uma fratura interior, pessoal. O pecado nasce no interior dos seres humanos, mas, torna-

se visível e evidente nas estruturas opressoras, na exploração de seres humanos por seu próximo,

na dominação e escravização de povos, etnias e classes sociais. Está na raiz de toda injustiça e

exploração e constitui a alienação fundamental da humanidade (GUTIÉRREZ, 1986, p. 75).

Neste sentido, Comblin explica que:

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Alguns seres humanos merecem mais compaixão do que condenação. Embora

seja cometido por seres humanos, o pecado é cometido coletiva e anonimamente; surge

mais das estruturas estabelecidas do que da malícia pessoal dos indivíduos. Isso não

elimina a possibilidade da maldade individual, porém o que é devido a essa maldade não

se pode comparar com a enorme massa de maus procedimentos das estruturas de

dominação e exploração, pelas quais os seres humanos são mais frequentemente

manipulados do que manipuladores. O pecado é a afirmação de uma imensa passividade

humana, uma falta de liberdade (COMBLIN, 1993, p. 528).

Focalizar os pobres e oprimidos como vítimas do pecado estrutural, e não acusá-los como

pecadores e de seus pecados mostra que, antes, precisam ser libertos das estruturas pecaminosas

que os vitimam.

De igual forma, Freire assevera que o pecado edifica seu domínio sobre a passividade

humana. Em consequência, os seres humanos precisam tomar consciência dessa situação, bem

como ser capacitados a superar as estruturas de opressão e injustiça (FREIRE, 2000, p. 43- 69,

tradução nossa).

Gutiérrez afirma que:

O pecado exige radical libertação, mas esta inclui necessariamente uma

libertação de ordem política. Só participando beligerante e eficazmente no processo

histórico de libertação, será possível apontar com o dedo a alienação fundamental

presente em toda alienação parcial. Essa libertação radical é o dom trazido por Cristo. Por sua morte e ressurreição redime o homem do pecado e de todas as suas

consequências (GUTIÉRREZ, 1975, p. 166).

Segundo Gutiérrez, o pecado é uma ruptura da comunhão com Deus e com os irmãos que

inibe a realização da salvação na história. É uma realidade pessoal e social dentro da história,

formando parte da trama diária da vida humana; é também, antes de tudo, um empecilho para que

esta chegue à plenitude que denominamos salvação (GUTIÉRREZ, 1975, p. 154).

Embora o presente trabalho já tenha tratado sobre a salvação, cabe ressaltar a questão da

graça. Gutiérrez comenta que esta toca todos os seres humanos. Então, é possível afirmar que

toda ação humana tem a marca da graça. Logo, acolher o dom do Reino de Deus exige

compromisso com a salvação dada por Deus sem suprimir sua responsabilidade histórica

(GUTIÉRREZ, 1986, p. 52).

Graça é dom de Deus, gratuidade de vida e de amor, pois Deus nos amou primeiro. Este

primado é reconhecido por Gutiérrez (GUTIÉRREZ, 1986, p. 161-164). Contudo, esta gratuidade

necessita ser eficaz e comunicável:

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Estamos total e definitivamente ante o Deus da fé somente quando

reconhecemos a gratuidade de seu amor. A graça não se opõe nem desmerece a busca da

justiça, pelo contrário, lhe dá pleno sentido. O amor de Deus, como todo amor, não se

move no universo das causas e efeitos, mas no da liberdade e gratuidade (GUTIÉRREZ,

1986, p. 192).

O amor de Deus está além do merecimento humano. No Reino de Deus existe uma ética,

exige-se justiça, mas, não suprime a gratuidade de Deus que está na raiz da opção preferencial

pelos pobres. Segundo Gutiérrez, esta opção não nasce de análise social, merecimento do pobre

ou sentimento de compaixão a ser dirigido. Antes, é algo que nasce da fé em um Deus que ama

da mesma maneira que oferece seu amor (ALMEIDA, 2005, p. 111-112). É uma solidariedade de

Deus com os pobres e oprimidos.

1.6.2 A PERSPECTIVA DA TMI

Ao analisar a questão do pecado, Padilla explica que, por trás da culpa pessoal, cada ser

humano é vítima de uma ordem que o transcende, sendo algo endêmico e sistêmico.

Quando Padilla afirma que o universo não é um universo fechado – no qual tudo pode ser

explicado na base de coisas naturais – quer dizer que Deus atua na história travando uma batalha

contra poderes espirituais que escravizam os seres humanos e colocam obstáculos em sua

percepção da verdade revelada em Jesus Cristo, sendo este diagnóstico do ser humano no mundo.

Neste sentido, Padilla destaca que o problema do pecado tem que encontrar explicação

exclusivamente no ser humano, sem a devida atenção ao fato de que o próprio ser humano é

vítima de uma ordem que o transcende e lhe impõe um estilo de vida que acaba sendo

contraproducente.

O pecado (no singular) não é a soma dos pecados (no plural) individuais dos seres

humanos. O pecado não é um problema individual, mas, social e até cósmico. Os pecados

pessoais – aqueles que, segundo o relato bíblico – saem “de dentro, do coração dos homens” (Mc

7.21-22) são o eco de uma voz que procede da criação, a criação que “está sujeita à vaidade” e

que tem que ser “redimida do cativeiro da corrupção” (Rm 8.20-21). São a expressão de uma

realidade que transcende o ser humano e o converte em sua impotente vítima.

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A manifestação concreta da ação satânica entre os seres humanos ocorre principalmente –

ou até exclusivamente – naqueles fenômenos que caem na esfera da possessão demoníaca e do

ocultismo, perdendo de vista o caráter demoníaco de todo o meio ambiente espiritual que

condiciona o pensamento e a conduta dos seres humanos.

O conceito individualista da redenção é a consequência lógica de um conceito

individualista do pecado, no qual se ignora “as coisas que há no mundo” (não simplesmente no

coração dos seres humanos), a saber, “a concupiscência da carne, a concupiscência dos olhos e a

soberba da vida” (1Jo 2.15-16). Em suma, ignora-se a realidade do materialismo, a absolutização

da era presente no que ela oferece: os bens de consumo, o dinheiro, o poder

político, a filosofia, a ciência, a classe social, a etnia, a nação, o sexo, a religião, a tradição que

condiciona o ser humano para buscar sua realização nas “coisas desejáveis" da vida.

Dominado pelos poderes das trevas, o mundo está simultaneamente sob o juízo de Deus.

Padilla afirma que o problema do ser humano no mundo não é simplesmente cometer

pecados isolados – ou ceder à tentação de vícios particulares –, mas é estar aprisionado dentro de

um sistema que o condiciona para que absolutize o relativo e relativize o absoluto. Um sistema

cujo mecanismo de autossuficiência priva o ser humano da vida eterna e, assim, sujeita-se ao

juízo de Deus. Esta é uma das razões porque a evangelização não pode ser reduzida à

comunicação verbal de conteúdos doutrinais, nem a confiança do evangelista pode ser depositada

na eficácia de seus métodos. A proclamação do evangelho que não leva a sério o poder do

inimigo tampouco poderá levar a sério a necessidade dos recursos de Deus para a luta

(PADILLA, 2014, p. 46-50).

Neste sentido, a mensagem do evangelho envolve um chamado em graça para o

arrependimento que vai além do mero indivíduo abstrato e, sim, para o indivíduo que tem a sua

vida orientada para o mundo, esperança da consumação do propósito de Deus de libertar a

humanidade do pecado e da morte em seu Reino.

Não há qualquer oportunidade de salvação para o ser humano, se não existir

conhecimento de Cristo e uma resposta pessoal e consciente ao seu chamado para o

arrependimento. É fundamental ouvir o Evangelho e fazer uma decisão por Jesus. Graça, então,

está atrelada ao que se entende por salvação e por arrependimento (REIS, 2011, p. 86).

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No terceiro parágrafo, o Pacto de Lausanne expressa a convicção da impossibilidade em

se considerar outras crenças e tendências religiosas como caminhos alternativos de salvação que

não seja pelo arrependimento, por meio do conhecimento de Cristo pelo Evangelho.

Afirmamos que há um só Salvador e um só Evangelho, embora exista uma

ampla variedade de maneiras de se realizar a obra de evangelização. Reconhecemos que

todos os homens têm algum conhecimento de Deus através da revelação geral de Deus

na natureza. Mas negamos que tal conhecimento possa salvar, pois os homens, por sua

injustiça, suprimem a verdade. Também rejeitamos, como depreciativo de Cristo e do

Evangelho, todo e qualquer tipo de sincretismo ou de diálogo cujo pressuposto seja o de que Cristo fala igualmente através de todas as religiões e ideologias. Jesus Cristo, sendo

ele próprio o único Deus-homem, que se deu uma só vez em resgate pelos pecadores, é o

único mediador entre Deus e o homem. Não existe nenhum outro nome pelo qual

importa que sejamos salvos. Todos os homens estão perecendo por causa do pecado,

mas Deus ama todos os homens, desejando que nenhum pereça, mas que todos se

arrependam. Entretanto, os que rejeitam Cristo repudiam o gozo da salvação e

condenam-se à separação eterna de Deus. Proclamar Jesus como „o Salvador do mundo‟

não é afirmar que todos os homens, automaticamente, ou ao final de tudo, serão salvos; e

muito menos que todas as religiões ofereçam salvação em Cristo. Trata-se antes de

proclamar o amor de Deus por um mundo de pecadores e convidar todos os homens a se

entregarem a ele como Salvador e Senhor no sincero compromisso pessoal de

arrependimento e fé. Jesus Cristo foi exaltado sobre todo e qualquer nome. Anelamos pelo dia em que todo joelho se dobrará diante dele e toda língua o confessará como

Senhor (PACTO DE LAUSANNE, 1974, § 3).

Assim, graça é a maneira que Deus chama o ser humano para ser salvo destes poderes que

induzem o ser humano ao pecado e a perdição. Graça é o que Deus faz pela sua criação sem

cobrar, nem exigir nada em troca que não seja o arrependimento por meio do Evangelho

(PADILLA, 2011, p. 35 e 99).

1.7 A PRÁXIS

Falar de ação é comentar sobre práxis. Neste caso, a preocupação com o ser humano em

sua totalidade de participar de uma ação em direção à sociedade, de modo a oferecer

contribuições significativas para modificá-la. Porém, no ato de transformar é necessário

compromisso e domínio da teoria para sua utilização, o que exige conhecimento da verdade a fim

de não ser apenas uma prática. Assim, é possível concluir que teoria e ação não são sinônimas

(FLORISTÁN, 2002, p. 177).

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1.7.1 A PRÁXIS PARA A TdL

Em sua teologia, Gutiérrez empenha-se para que seja uma linguagem sobre Deus, que se

fazer presente num mundo de opressão, injustiça e morte (GUTIÉRREZ, 1975, p.61).

Na perspectiva da Teologia da Libertação de Gutiérrez, Deus revela-se, primeiramente na

contemplação da solidariedade com os pobres e, depois, no fazer teologia (GUTIÉRREZ, 1975,

p. 81). Ao ser uma teologia que prima a ação antes do conhecimento, torna-se uma teologia de

compromisso, de ação e práxis. Além disso, é reflexão crítica desde a práxis e sobre ela de

maneira histórica em confronto com a Palavra do Senhor vivida e aceita pela fé (GUTIÉRREZ,

1977, p. 42, tradução nossa).

A práxis – presente na teologia e no pensamento de Gutiérrez – decorre da caridade como

centro da vida cristã, da atuação do cristianismo na América latina, do pobre, da influência do

pensamento marxista na transformação da sociedade, a fim de levar o novo pensamento em se

fazer teologia (GUTIÉRREZ, 1975, p. 27-40).

Galilea (1976) explica que, para Gutiérrez, a teologia que não é prática e não caminha em

direção ao outro é irrelevante. Compreender a teologia como prática é entender como teologia

pastoral que contribui com a libertação de maneira eficaz a serviço da Missão evangelizadora do

povo de Deus (GALILEA, 1976, p. 15).

A práxis que Gutiérrez trabalha procede do pensamento marxista que cingia a América

latina, entendida como práxis social, ou atividade humana transformadora da sociedade. Segundo

os postulados marxistas, a práxis é a atividade social conscientemente dirigida a uma finalidade

(FLORISTÁN, 2002, p. 176). É possível considerar que esta práxis reveste-se, também, de uma

dimensão política.

Comblin afirma:

Chamamos ação o que muda o mundo, aquilo que faz o homem mudar-se a si

mesmo, mudar os outros homens. A ação consiste em passar do pecado à justiça, em

mudar uma situação de pecado em uma situação de justiça, em passar do mal para o bem

[...] A ação é uma conversão [...] Agir é assumir uma parte da missão de libertação [...]

A ação intervém na luta do Espírito contra o pecado, na luta da justiça contra a opressão,

da libertação contra as forças da escravidão (COMBLIN, 1982, p. 54).

O objeto ou referencial para a ação deve ser o ponto de partida para a ação. Para a TdL, o

contexto indica a ação a ser exercida: é a perspectiva prática a partir da realidade social.

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1.7.2 A PRÁXIS PARA A TMI

De acordo com Reis, é preciso redescobrir a integralidade da práxis da Igreja, da

dimensão social do evangelicalismo na América Latina – conforme elaborado por Padilla – e sua

relevância para a Igreja e sociedade. A função da religião (evangelicalismo) ou a vocação da

Igreja, longe de ser alienante, é compromissada com o mundo em que vivemos (REIS, 2011, p.

15).

Padilla afirma que a maneira de pensar a práxis da TdL prejudica a compreensão do

verdadeiro sentido e origem dos textos bíblicos (PADILLA, 1974, p. 126-127):

A conclusão é inevitável que o foco da hermenêutica na ética e na política tem

resultado uma teologia que não faz justiça a totalidade do ensino bíblico. O fazer

teológico se converte em um exercício que tem como propósito achar na Bíblia os

elementos úteis para a ação política (PADILLA, 1974, p. 126).

O autor também comenta que:

O déficit de conhecimento bíblico que caracteriza o povo evangélico latino-

americano não se solucionará quando uma exegese ideológica for substituída por outra,

senão, quando houver um retorno às fontes com o desejo e a oração de que nossas

premissas ideológicas sejam julgadas pela Palavra de Deus. A Bíblia não é um depósito

de textos que o teólogo possa escolher e manejar segundo os ditados de sua ideologia.

Seja qual for sua posição política, o teólogo tem a obrigação de examinar suas premissas

e tomar medidas, até onde for possível, a fim de evitar que aquilo que ele extrai da Bíblia

não seja o reflexo de suas próprias ideias (PADILLA, 1974, p. 127).

Floristán elucida que quando se acentua demasiadamente a práxis, em detrimento da

teoria, cai-se no erro do pragmatismo. Quando exagera-se na ênfase da teoria, com respeito à

práxis, chega-se ao idealismo (FLORISTÁN, 2002, p. 178). A contemplação sem ação é fuga da

realidade concreta; a ação sem contemplação é ativismo vazio de significado transcendente

(PADILLA, 2006, p. 187).

Constata-se o posicionamento de Padilla quanto à relação teoria-práxis, bem como a

devida importância e preeminência da teologia sobre a prática ou ação da Igreja evangélica na

sociedade. A práxis deve permanecer serva da teoria, ou Escrituras Sagradas, para não se tornar

ativismo, ou limitar-se à assistência espiritual, meta-histórica ou transcendente.

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2. PROPOSIÇÕES PARA UMA MISSIOLOGIA CONTEXTUAL

RELEVANTE

Sobre uma missiologia contextual é importante tecer paralelos para analisar os problemas

antigos e atuais, seja à luz das ciências sociais, seja à luz da Bíblia.

Gutiérrez explica que o desenvolvimento do povo latino-americano era limitado pela falta

de conhecimento de sua própria condição de vida, que tinha como base a dependência dos países

com maior poder (LIBÂNIO, 2000, p. 57-58).

Padilla destaca que globalização é a adoção massiva de valores da cultura ocidental, uma

cultura dominada pelo individualismo, o hedonismo, o materialismo e o consumismo que afeta

diretamente as pessoas. Contudo, sua questão é a conexão deste fenômeno com o propósito

reconciliador de Deus para com a humanidade mediante sua morte e ressurreição (PADILLA,

1997, p. 220).

A seguir, o assunto abordado na presente pesquisa será o sistema capitalista neoliberal

(predominante hoje no mundo). Um sistema econômico intimamente relacionado com a

tecnologia moderna, a ideologia da cultura do consumismo e que tem o Ocidente, países europeus

de consciência ocidental – e especialmente os Estados Unidos da América – como seu centro

geopolítico.

No atual processo de globalização, a acelerada ideologia liberal faz o capital cosmopolita.

Sua pátria é o local com ótimos lucros. No entanto, as pessoas trabalhadoras em geral continuam

impedidas de circular livremente pelo mundo global.

A globalização não amplia os espaços. Estreita-os. Não assume responsabilidades sociais

e ambientais. pelo contrário, acumula problemas, transforma-se em sintoma de sobrecarga. A

história é o resultado de numerosas e complexas intenções particulares que se entrecruzam, se

enlaçam e se desviam.

Assim, esta economia compreende o que está no campo dos fluxos de produção, do

consumo, da renda, do dinheiro (GOUDZWAARD, 1995, s/p). Além da ideologia de um livre

mercado que validou a norma de sobrevivência para um modelo capitalista como único sistema

econômico capaz de estabelecer a hegemonia permanente (PADILLA, 2011, p. 56).

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Neste sentido, é possível observar que este sistema econômico capitalista não possui

coerência com a fé. É mais comum a condescendência com este sistema capitalista do que a

resistência com base na confiança do Deus da vida. É uma situação que afeta diretamente a vida

social, bem como a vida social da igreja.

2.1 A POBREZA E A GLOBALIZAÇÃO

A globalização gerou o aumento da pobreza e das desigualdades entre as nações, classes

sociais e as pessoas. Além disso, cresceu a violência direta e estrutural, bem como a competição

comercial entre os países e o surgimento de importantes questões ambientais como o efeito

estufa.

A consequência desse processo foi uma sucessão de crises que afetaram principalmente a

América Latina, assim como a maioria dos grandes países da periferia. Essa situação provocou

um aumento significativo da exclusão social em boa parte do mundo. Isso acarretou a

marginalização de grupos até recentemente integrados ao padrão de desenvolvimento.

O processo de globalização também constrangeu progressivamente o poder dos Estados,

com restrições à sua capacidade de operar seus principais instrumentos discricionários. As

fronteiras nacionais foram transpostas a todo tempo, sendo encaradas como obstáculos à livre

ação das forças de mercado.

Padilla afirma que o poder da “classe transnacional” está ligado com o poder das

corporações, o que significa estar diante da “polarização de classe”. Ou seja, de um lado os

descendentes do Iluminismo, a aristocracia transnacional dos ricos e poderosos políticos e de

outro, o crescimento da massa pobre, privadas de direitos e de condições de satisfazer as

necessidades básicas para viver, pagam o chamado custo social do desenvolvimento

macroeconômico (PADILLA, 2006, s/p). Elas são as vítimas separadas pelo sistema para o

sacrifício humano exigido pela “idolatria do mercado” (tema trabalhado por ASSMANN e

HINKELAMERT, 1989). São pessoas que estão na base da escada social, cujo papel, em relação

ao mercado, é de espectadoras. São excluídas do mercado, embora não da sociedade, pois são

vistas como totalmente desnecessárias para as transações financeiras nacionais e internacionais

que acontecem no topo do sistema econômico. No entanto, ao mesmo tempo, elas são solo fértil

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para a semente da inquietação e da violência social. Elas são as primeiras a sofrer os drásticos

cortes orçamentários em educação, saúde, moradia, previdência social, programas de

aposentadoria etc., impostos pelos detentores do poder (ZWETSCH, 2008, p. 190-192).

Acrescenta-se a essa realidade o Etnocentrismo. A justificativa para filósofos e teólogos

foi a doutrina do Destino Manifesto21

, com o argumento de que cabia à grande nação do norte a

tarefa profética de levar aos outros países o “Messias político”. Padilla encontra reiteração dessa

ideologia imperialista na justificativa da guerra no Iraque, fornecida pelo presidente George Bush

sênior, em seu discurso de 3 de fevereiro de 1991, declarado dia nacional de oração em favor da

Operação Tempestade no Deserto, quando disse:

Nós, os estadunidenses, uma nação de Deus, somos profundamente cuidadosos

com nossa dependência do Altíssimo e nossas obrigações para com as pessoas. Ele nos

abençoou muitíssimo. Confiados com o dom divino da liberdade e com a permissão para

prosperar em sua grande luz, temos a responsabilidade de servir como o farol do mundo

– a fim de usar nossa força e nossos recursos para ajudar os que sofrem na escuridão da

tirania e da repressão (ZWETSCH, 2008, p. 192).

Segundo Zwetsch, Padilla cita o teólogo Novak (1982) em sua defesa acadêmica para o

etnocentrismo dominante. Sua riqueza só foi possível devido à democracia política – e não

interferência governamental nas questões que regem a economia –, o que confirma seu

pensamento de que os pobres só são pobres porque carecem da organização do sistema e da

inteligência que torná-los-ia ricos. Ele ignora, com sua tese, que as pessoas são afetadas pelo

capitalismo democrático. O mesmo sistema que proporciona riqueza e inteligência para algumas

pessoas, produz, na outra extremidade, pessoas pobres. Pobreza não é fruto da má vontade das

pessoas (ZWETSCH, 2008, p. 192).

Quando a opinião pública está sujeita à manipulação por parte de grandes interesses

econômicos, as questões relacionadas à justiça social, à qualidade de vida e à sustentabilidade

21 A doutrina do "Destino Manifesto" é uma filosofia que expressa a crença de que o povo dos Estados Unidos foi

eleito por Deus para comandar o mundo, sendo o expansionismo geopolítico norte-americano apenas uma expressão

desta vontade divina. Em meio a esta ideia de predomínio mundial norte-americano estava também a ideia do destino

norte-americano de predominar sobre os povos da América Latina, pois estes estão localizados no mesmo continente

e não desenvolveram a capacidade de exercer domínio sobre outros povos, o que era sintetizado em "Be Strong while

havings laves", frase de propaganda política do século 19 que tinha como principal objetivo demonstrar o quanto a

cultura dos EUA era atraente e digna de apreço, fazendo uma imagem de que o país seria o melhor do mundo, com

os melhores e mais preparados indivíduos e, em última instância, fazer com que os cidadãos de outros países

passassem a desprezar suas próprias pátrias, adorando o ideal americano de progresso e superioridade.

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ecológica são adiadas indefinidamente em favor da maximização do lucro e do crescimento

econômico de curtos prazos.

A globalização imperialista neocolonial contemporânea encontra a legitimidade religiosa

no cristianismo protestante, que privatizou a fé e substituiu os valores do Reino de Deus pelos da

sociedade de consumo. Além disso, transforma-se na maior ameaça à vida no planeta e, como tal,

no maior desafio para a missão cristã em todo o mundo.

Se Jesus Cristo veio a fim de que as pessoas desfrutassem de shalom, como podem

participar no cumprimento desse propósito em um mundo dominado por outra paz, pela Pax

estadunidense? (expressão atribuída ao economista norte-americano Rostow, desde 1960)

(PADILLA, 2006, s/p).

Esta globalização impõe (ou oferece) elementos em que muitas pessoas não se beneficiam

desta dinâmica de tecnologia, bens e serviços. São as pessoas pobres, excluídas, enfraquecidas,

marginalizadas, sem direitos reconhecidos e sem o essencial para viver. Teologicamente são as

pessoas destituídas de shalom devido ao que se entende por globalização e enquanto ideologia

que ela oferece (ou impõe).

Devido a este pensamento dominante imperialista, a condição dessas pessoas

empobrecidas é composta pelo fato de que – de acordo com os valores que permeiam a sociedade

de consumo – o valor da pessoa depende de suas posses materiais. Dessa perspectiva, o mundo

torna-se cada vez mais habitado por pessoas que vivem no hemisfério sul em países com alto

índice de mortalidade infantil e de analfabetismo. Observa-se a falta de alimento, água potável,

vestuário, moradia, cuidados de saúde, educação e trabalho, além da crescente destruição do meio

ambiente.

A pobreza é o resultado de relacionamentos que somente funciona para o objetivo de

acumular capital, que não são justos para a superação da pobreza, que não concedem vida e que

não são harmoniosos e nem agradáveis. O pobre é a pessoa enfraquecida e destituída de poder,

sem direitos reconhecidos, marginalizadas ou socialmente excluídas, normalmente por razões

econômicas. Se nada possuem, não se tornam consumidoras e, assim, definem a sua relação de

pertença à sociedade (ZWETSCH, 2008, p. 195).

A América Latina está consciente de que é parte do sistema econômico opressivo sobre o

qual o Estado e os seus governos têm pouco, ou não tem controle. Hoje, falar de globalização é

basicamente expressar sobre “realidades econômicas transnacionais” que acondicionam a vida

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humana em todo o mundo tanto na esfera individual como na comunitária. Na verdade, o que foi

globalizado é o sistema capitalista neoliberal, com os países industrializados no centro

(ARAGÃO, 2010, p. 35).

A transnacionalização da produção, do comércio e do capital monetário transformou o

planeta em um mercado mundial orientado para o acúmulo de capital em benefício, da “classe

transnacional” – uma minoria poderosa que define as políticas nacionais de acordo com os seus

interesses econômicos e com total desconsideração pelas necessidades básicas da população

(ARAGÃO, 2010, p. 45).

Padilla cita a Declaração de Chicago, emitida em 1973 por um grupo de evangélicos que

resgatou a centralidade da justiça no conhecimento do Deus bíblico. O reconhecimento que os

evangélicos nos EUA não proclamam: justiça de Deus na injusta sociedade. Além disso, deplora

o histórico envolvimento e a consequente responsabilidade da comunidade com o racismo

individual e institucional, declaração esta que serviu como base para o grupo “Evangélicos para a

Ação Social”, em 1978, com o argumento de que Deus é o Deus da Justiça e Justiça tem a ver

com relações e envolvimento com as pessoas (PADILLA, 2006, s/p).

Assim, a TMI, não se conforma com o capitalismo e com este tipo de globalização.

Padilla afirma que o desafio dos cristãos é redescobrir o poder transformador do Reino de Deus,

denunciar os poderes que fogem dos valores do Reino de Deus, abraçar e ser uma comunidade

restauradora capaz de dar respostas, de agir contra a injustiça opressora da globalização que

chama de Imperial de forma solidária e global da Missão de Deus e de seu Reino (PADILLA,

2006, s/p).

2.2 TdL E A GLOBALIZAÇÃO

A TdL surgiu com o objetivo de refletir sobre a vida dos seres humanos a partir da base,

da periferia, das pessoas excluídas. Ela nasceu em um momento histórico bem favorável,

marcado pela irradiação de uma consciência libertadora muito ampla. Seu ponto alto foi sempre a

busca constante pela libertação de qualquer forma de opressão que maculasse a dignidade

humana e o anseio de outro mundo possível crescia, sobretudo para os pobres e marginalizados

(GUTIÉRREZ, 1986, p. 29).

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O Papa reivindicava a justiça na vida social, econômica e industrial, clamava por melhor

distribuição de riqueza, chamava a atenção do Estado, para a intervenção na economia a favor

dos mais pobres. Os problemas se agravaram e urgiam soluções. A Igreja precisava dar uma

resposta. Não era mais possível a paralisação em relação ao progresso e aos problemas do mundo.

Existia uma necessidade urgente, de um movimento de transformação na vida da Igreja, o qual

pudesse despertar novas energias, novos impulsos, com um espírito de coragem e de iniciativa

pastoral (BITTENCOURT, 2012, p. 28). No Vaticano II surgia a concepção de Igreja dos pobres.

Conforme Gutiérrez, a Igreja nesse período experimentou as consequências de sua

situação, diante de um mundo em processo de decisões e grandes mudanças (GUTIÉRREZ,

1981, p. 56).

Desenvolveu-se, na América Latina, uma profunda mudança social. De acordo com

Michael Löwy, todo o continente caminhava a passos largos, dos anos 1950 em diante, rumo à

industrialização, modernização e globalização, sob o domínio do capital multinacional que

aumentava o subdesenvolvimento e a dependência, tornando maiores as contradições sociais.

Nessa época, houve um aumento considerável do êxodo rural, o que contribuiu para o

crescimento desordenado das cidades, além de concentrar, em áreas urbanas, um imenso

proletariado (LÖWY,1989, s/p).

Os países emergentes dominados estavam cada vez mais pobres, e os ricos cada vez mais

ricos, o que produziu um grave desnível entre os países desenvolvidos e os emergentes. No

continente latino-americano, a característica era de dominação e de opressão, motivos que

levaram à busca pela libertação.

Em 1967, o Papa Paulo VI em sua encíclica Populorum Progressio, (Progresso dos

Povos) solicita a cooperação dos povos, denuncia a vergonhosa desigualdade existente entre os

países ricos e pobres, além de criticar o neocolonialismo e enfatizar que é um direito de todos os

povos viverem bem e com dignidade. Combater a miséria e lutar contra a injustiça foi o seu

maior apelo.

Um dos grandes desafios para Gutiérrez – e para a Igreja – foi sua opção preferencial

pelos pobres e sua rejeição às estruturas que levam ao pecado.

Foi uma época fértil, em que os desejos de renovação afloravam e com eles muitos

clamavam por libertação. Nestes anos ocorreram fatos que marcaram a história da Igreja na

América Latina. Um tempo histórico como expressou Medellín, um Kairós, um tempo propício e

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exigente de interpelação do Senhor ao qual somos chamados a dar testemunho muito preciso

(GUTIÉRREZ, 1975, p. 15).

O Papa João Paulo II radica a solidariedade na unidade do próprio Deus e propõe, diante

da economia globalizada, uma globalização de solidariedade, a fim de denunciar os pecados

sociais oriundos do capitalismo e da globalização. Situação esta que motivou o domínio dos mais

poderosos sobre os mais fracos em virtude do campo econômico e da perda de valores culturais

locais (ALMEIDA, 2005, p. 154-156).

Gutiérrez explica que não se trata de idealizar a pobreza, mas, assumi-la como um mal e

protestá-la para a sua eliminação (GUTIÉRREZ, 1975, p. 247). O pobre é o oprimido, o

marginalizado, o proletário que luta pelos seus direitos e combate por libertação (GUTIÉRREZ,

1975, p. 248).

A escolha pelo oprimido é a preferência de caminhar contra o opressor, o que pode soar

como uma luta entre classes, um conflito social. Na verdade, é uma afirmação para os

comprometidos com a transformação social local que acreditam no poder revolucionário do

Evangelho (GUTIÉRREZ, 1975, p. 9). Não se trata de uma mera pauta de reflexão teológica e

pastoral, mas, sim, uma caminhada espiritual. Isso gerou a pergunta: Onde dormirão os pobres?

Tal pergunta é o resultado da leitura do livro do Êxodo (ALMEIDA, 2005, p. 231).

Sobre o fenômeno da globalização e a hegemonia neoliberal, o impacto das novas

tecnologias da informação reconhece que a “teoria da dependência” é uma ferramenta

insuficiente para entender esse estado de coisas e seu efeito sobre a pessoa pobre, que já não é

simplesmente oprimida, mas ignorada e radicalmente excluída. Há “estruturas de pecado” que

destinam as pessoas pobres a “insignificância”, o que remete à necessidade de aprofundar a noção

de “exclusão social” (ALMEIDA, 2005, p. 231). A América latina experimenta uma espécie de

“enfraquecimento do pensamento”. Nessa situação complexa, às vezes até contraditória, é preciso

testemunhar a busca pelo Reino de Deus, da solidariedade aos pobres e da libertação dos que

veem a violação dos seus direitos mais elementares. A reflexão sobre a fé – e sobre a teologia – é

convocada a ser uma hermenêutica da esperança no tempo presente. Esperança que, no Deus da

vida, sirva para a união das linhas de força da reflexão levadas adiante nestes anos

(GUTIÉRREZ, 1998, p. 88-110).

Para Gutiérrez, em sua TdL, a solução é o caminho para a chamada ética da solidariedade

que expresse amor de forma eficaz para todas as pessoas, a fim de incluir as mais indefessas da

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sociedade, sendo uma exigência para o grupo social e, também, o compromisso da igreja em

geral em viver e anunciar o Reino de Deus (GUTIÉRREZ, 1986, p. 121).

2.3 TMI E A GLOBALIZAÇÃO

No Congresso Mundial de Evangelização (1974), em Lausanne, Suíça, (GONDIM, 2010,

p. 61), firmou-se um documento denominado Pacto de Lausanne. Padilla – em sua palestra “A

evangelização e o mundo” (PADILLA, 1992, p. 15-55), registrada no parágrafo 5º – critica

severamente o imperialismo norte-americano e a sua abordagem pragmática dos métodos de

evangelização. A evangelização foi reduzida ao mero anúncio de uma mensagem

descontextualizada e com a bagagem cultural dos missionários estrangeiros; a simplificação da

conversão como mudança de religião, em detrimento da mensagem que exige uma completa

reorientação da vida em relação a Deus, ao próximo e à criação, além da afirmação da

imprescindível relação entre evangelização e responsabilidade social. Ou seja, problemas que

demandam atenção pela abrangência e complexidade que se conectem com a realidade do local e

com a vida (SANCHES, 2009, p. 59).

Hoje, a situação geral da igreja por todo o mundo mostra, com notáveis exceções, que a

mentalidade colonial no trabalho missionário tem sido dificilmente superada. Em muitos casos, o

pressuposto é feito não somente pelos missionários estrangeiros, mas, também, pelos cristãos

locais que o cristianismo ocidental é levado a estabelecer os padrões para a vida e as missões,

bem como para a teologia e para estratégia da igreja em escala global. No contexto atual da

globalização imperialista, a maior necessidade da igreja é libertar-se dos padrões culturais que

refletem o cativeiro ocidental do cristianismo, além da implementação da parceria em missões

que seja coerente com o cristianismo global, fundamentado nas boas-novas do Reino de Deus

(PADILLA, 2006, s/p).

A ocidentalização do mundo, outro nome para globalização imperial, não conseguiu fazer

do mundo uma única família. Mas, será possível ter uma humanidade reconciliada? Padilla

entende que este novo século globalizado será movido de um cristianismo ocidental para um

cristianismo global. O autor entende que o cristianismo precisa de libertação do cativeiro

ocidental (materialismo, individualismo ontológico, da fé no progresso tecnológico) e

compreende que, na economia, é preciso solidariedade.

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Assim é a globalização: ao invés de construir um mundo unido, procura englobar, ou seja,

fazer um mundo único. A globalização contém uma dose de totalitarismo muito sutil. A

emergência de novas tecnologias faz vencer a noção de eficiência funcional e desenvolve o

darwinismo social (DURAND, 2000, p. 58-59).

Segundo Padilla, a Missão Integral é uma resposta a este mundo dominado pela

globalização imperial. Trata-se de chegar a uma solidariedade global na Missão de Deus e de seu

Reino para a existência de um estilo de vida da comunidade que restaure a justiça, no sentido da

totalidade da criação sob a soberania de Jesus Cristo, no poder do Espírito e para a Glória de

Deus.

2.4 A RELAÇÃO DA TdL E DA TMI COM A GLOBALIZAÇÃO

Há imprecisão em relação ao fenômeno e a resistência ideológica ao conceito

globalização por compreendê-lo redutivamente em sua identificação com processos econômicos

(neoliberalismo) ou geopolíticos (“norte-americanização”). Mas, como o objetivo desta reflexão é

a discussão sobre o impacto da globalização para a teologia – e como as teologias da Libertação e

da Missão Integral reagem a ele – é necessário explicar a utilização dessa categoria, apesar de

certas indefinições e resistências por parte de seus teólogos.

Em sua utilização teológica, Libânio afirma que é preciso fazer “uma distinção

fundamental entre globalização instrumental e teleológica” (LIBÂNIO, 2003, p. 147).

A “globalização instrumental” caracteriza-se pela circulação de informações propiciadas

pelos avanços das ciências da comunicação e da informação e sua tecnologia. Todas as pessoas

podem conectar-se a tudo, em todos os lugares, em tempo real, online. A “globalização

teleológica”, também chamada de “axiológica”, postula a questão dos valores e “ultrapassa esse

âmbito funcional [...]. Cria consciência ética mundial [...]. Integra-se no projeto de gestar uma

sociedade universal consensual. Facilita o pluralismo generalizado [...]. Numa visão negativa,

difunde-se por todo o mundo um lixo cultural [...] que destrói valores, culturas [...]” (LIBÂNIO,

2003, p. 148).

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A posição “instrumental-teleológica” da globalização procura sua localização mais no

campo cultural, sem o desconhecimento que o “interesse econômico, tem predominado nas

análises” (BAPTISTA, 2006).

Arruda e Boff (2000) explicam que a globalização aparece também como expressão

ampla de fenômenos muito diversificados: a antropogênese (a construção humana e sua interação

com o ambiente em que vive), a ocidentalização do mundo por um modelo de mercado mundial

(modelo neoliberal) e pela política dos “Estados-Nações”. Os autores compreendem ainda que a

crise gerada pela situação da “globalização econômico-política” – que atinge diretamente a

questão ecológica – propicia uma “nova globalização”: “a nova consciência planetária, onde

todos se tornam co-responsáveis pelo destino comum do ser humano e da terra” (ARRUDA;

BOFF, 2000, p. 28).

Neste sentido, Padilla aborda sobre a justiça de Deus e aprovisiona o fundamento para a

redistribuição dos poderes social, econômico e político por causa da Shalom, que considera a vida

abundante para todos os seres humanos. Ela assume como verdade que todo membro de uma

comunidade, todo grupo humano e toda nação do mundo tem o mesmo valor e, portanto,

socialmente, tem o direito de ter a porção correta de poder e de bens. Isso relaciona-se de perto

com misericórdia ou bondade (hesed), a solidariedade e a humildade diante do Senhor, conforme

destacado no livro de Miquéias 6.8: “O que o Senhor exige: pratique a justiça, ame a fidelidade e

ande humildemente com o seu Deus” (PADILLA, 2006, s/p).

De outro modo, ao ler essa realidade a partir das vítimas, tem-se a visão de que a

globalização é responsável pela introdução de “graves males no mundo e por isso necessita de

redenção” (SOBRINO, 2001, p. 114), ou criticam a “falsa „globalização irreal‟ que está

atualmente em curso: a globalização do dinheiro contra a universalidade do humano” (FAUS,

2001, p. 105).

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2.5 RESPOSTA CRISTÃ MISSIOLÓGICA PARA UM MUNDO

GLOBALIZADO

O contexto social mundial evoca grandes preocupações com a maioria das pessoas que

vivem na miséria e que sobrevivem abaixo da linha da pobreza.

A mudança na economia global, em favor da extinção da pobreza, necessitaria de

percentuais mínimos da riqueza mundial gerada pela globalização. O transtorno seria a mudança

de uma consciência econômica da geração de riqueza, para uma economia de superação da

pobreza, tendo a distribuição da renda como critério central nas tomadas de decisões políticas e

econômicas (LAMPREIA, 1995, s/p).

Na América Latina, a luta contra essa situação ocorre há décadas, mas, o fenômeno

apenas se recicla e, continuamente, faz vítimas. A reação a ele toca o centro da experiência cristã

que é a defesa da dignidade de toda a vida. Se essa ideologia pode também produzir a

intolerância, cresce a urgência de uma transformação dos horizontes de compreensão para que a

convivência seja possível e promotora de diálogo, paz e justiça (BAPTISTA, 2006, s/p).

Neste sentido, abordou-se no presente trabalho sobre uma hermenêutica de Reino de Deus

nas perspectivas de duas teologias latino-americanas (TdL e TMI), com reflexões de Gustavo

Gutiérrez e René Padilla, teólogos que viveram o mesmo contexto.

Então, não é possível afirmar que os pensamentos de Gutiérrez e de Padilla caminharam

com tantas divergências. É certo que dois modos de interpretar e analisar teologia possuem

maneiras distintas de elucidar suas teorias. Contudo, não é possível afirmar que não haja

convergências nos mesmos moldes. O caminho percorrido na América latina foi o mesmo,

embora suas tradições religiosas fossem diferentes.

Sobre a sociedade como Reino de Deus – de maneira utópica ou não, da maneira

antecipatória de valores ou em suas práxis –, no pensamento de Gutiérrez e Padilla, um ponto

relevante para a situação social da América latina é a situação de população dos países

emergentes, vivenciada pelos latino-americanos.

Gutiérrez iniciou suas reflexões sobre a situação social no campo das ciências sociais.

Padilla estudou a conjuntura do povo latino-americano em busca de respostas exclusivamente no

Evangelho, conforme já citado na presente pesquisa.

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Os dois autores concluíram o estado de pobreza como uma situação que necessitava de

tratamento urgente, pois a industrialização aumentava, a globalização crescia e o capitalismo

imperial oprimia o povo.

Os pressupostos do sistema capitalista global não podiam – e nem podem – construir uma

sociedade mais fraterna, uma vez que o seu objetivo é o acúmulo de capitais. Neste sentido, era –

e é preciso – uma conversão deste sistema, em que a sua transformação seja o efeito da adoção de

novos pressupostos e novos objetivos que não sejam voltados para os anteriores.

Gutiérrez e Padilla analisaram a situação e caminharam para que a religião fosse voltada

para a pessoa humana, em que a fé e a Igreja estariam prontas para dar-lhe tal direcionamento e, a

grande contribuição da vida religiosa hoje, é ajudar o povo a manter a esperança no horizonte, no

novo e, com isso, manter o inconformismo e a rebeldia diante da situação estabelecida.

Quando parece que não há mais motivo de esperança, é o momento dos religiosos, dos

cristãos e, em particular, das pessoas – que fizeram a opção radical de viver a vida religiosa, ou

consagrada de uma forma geral – serem testemunhas de uma esperança que vai além da

esperança do sistema dominante, que vai além das explicações da razão dominante. Uma

esperança radical que nasce da fé na ressurreição de um crucificado, de alguém que foi derrotado

politicamente e abandonado até pelos seus mais íntimos amigos (SUNG, 2005, p. 535-539).

Segundo Padilla, em oposição à centralização do poder global, as pessoas renovadas por

esta visão de revelia ao sistema capitalista são chamadas a confessar sua fé e a viver a ética

fundamentada nessa confissão em Cristo.

Gutiérrez centra sua luta sobre as alusões dessa ideologia na vida das populações latino-

americanas, especialmente das pessoas pobres e excluídas (ALMEIDA, 2005, p. 257-258). Neste

sentido, Arruda e Boff afirmam:

A TdL reage a esse processo de globalização econômica, política e cultural,

dizendo que é mais que um acidente. Leonardo Boff diz que a teologia latino-americana

não cessou e nunca deixou de denunciar o processo concentrador da globalização

econômica, como “profundamente anti-social” e “vitimatório”. Porém, ele não faz uma

condenação do processo de mercado, mas o faz ao modelo neoliberal que não atende às necessidades humanas, mas sim às suas próprias demandas, vitimando “as grandes

maiorias da humanidade” (ARRUDA; BOFF, 2000, p. 31).

Nas perspectivas econômica, política, social, cultural e também religiosa, a globalização

promove uma “padronização” empobrecedora, que produz consequências ruins e profundas de

conversão em mercado mundial. De fato, o imperialismo desse tipo de economia do sistema

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produtivo atual é gerador de miséria, atinge a identidade dos povos, inclusive religiosa e provoca

“fragmentação que conduz às crispações identitárias e às rivalidades violentas para a conquista do

poder econômico e político” (GEFFRÉ, 2001, p. 85).

Globalização sem solidariedade – que não representa uma chance de desenvolvimento

para a sociedade e não estiver ao serviço da pessoa humana – é uma técnica, ou um fenômeno

que motiva escravidão. O desafio é que “Devemos aprender a apreender o que não podemos

abraçar [...] precisamos tornar-nos capazes de enxergar com largueza” (GEFFRÉ, 2001, p. 84-

85). Amaladoss comenta que o “diálogo entre as religiões pode levar à mútua compreensão,

enriquecimento e colaboração. Uma globalização assentada em tais fundamentos certamente

levará à harmonia [...]” (AMALADOSS, 2001, p. 96).

No tocante à relevância do Reino de Deus na reflexão teológica, em especial a perspectiva

latino-americana, na qual a centralidade dessa categoria teológica tornou-se referência de

vivências religiosas e políticas, há alguns aspectos que dão base para a teologia latino-americana

reforçar seus referenciais em torno da justiça, da paz e da alteridade. Ou seja, a importância

pública religiosa nos esforços de construção da paz, da justiça e da democracia, o valor da mística

e da alteridade para os processos religiosos e sociais, dentro do quadro de recrudescimento nas

perspectivas utópicas e doadoras de sentido e de intensificação de propostas religiosas fortemente

individualistas e geradoras de violência e o diálogo como afirmação da vida com base na tradição

da práxis, em que há implicações concretas no campo da solidariedade, nas experiências de

comunhão e de conhecimento mútuo, nos processos de humanização e de busca da paz, da justiça

e dos direitos inalienáveis da vida (RIBEIRO, 2016, p. 64).

As experiências religiosas, inter-religiosas ou não, que caminham na direção contra-

hegemônica de questionamento à lógica imperial capitalista oferecem – com suas práticas e

visões conceituais – possibilidades de revisão das posturas de exclusivismo religioso. A riqueza

do campo inter-religioso que analisamos ocorre justamente nessa retroalimentação de concepções

críticas (RIBEIRO, 2016, p. 122).

O que as TLAs buscam é uma missiologia como um novo modelo para inspirar e moldar

suas ações, assumindo seu material bíblico a partir de diversas perspectivas, com vários

significados. Neste sentido, faz-se uma séria reflexão acerca daquilo que os evangelhos dizem

sobre a pessoa e a obra de Jesus de Nazaré e uma preocupação quanto às marcas da missão de

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Jesus, com o entendimento de que ser seu discípulo é ser chamado por ele tanto para conhecê-lo

quanto para participar da sua missão (BASSHAM apud MATOS, 1999, s/p).

Segundo Matos (1999), Escobar identifica que essa reflexão missiológica surge como uma

missiologia crítica da periferia. Ele observa que tal missiologia “é caracterizada por uma forte

ênfase hermenêutica que insiste na importância de ler o mundo e ler a Palavra, mesmo que essa

leitura signifique um exame incômodo e sério da herança evangélica” (Matos, 1999, p. 10,).

Desta maneira, seria desejável para a globalização das missões e das teologias se as

diferentes correntes missiológicas [...] pudessem convergir em um movimento mais articulado e

cooperativo para enfrentar a tarefa missionária do terceiro milênio (ESCOBAR, 1997, p. 19-24).

Nessas igrejas do hemisfério sul, as igrejas dos pobres, com este despertar de um provável novo

paradigma teológico e de missão seria interessante ver igrejas norte-americanas e ocidentais se

conscientizarem para descobrir o que Deus está fazendo em outras partes do mundo,

especialmente nas fronteiras de missão, e como ele o está fazendo, unindo-se todos a fim de

completar a tarefa inacabada” (MATOS, 1999, p. 10).

Como resposta para um mundo globalizado, pessoas podem acessar um lugar que

apresente uma solução sobre o que se faz com a riqueza do planeta que não se evita a fome e a

miséria, que não vence a pobreza. Este lugar é o Reino de Deus no momento “já”, cuja resposta é

a solidariedade. Solidariedade é a proposta econômica deste Reino. É um projeto que passa por

uma visão de responsabilidade para com a outra pessoa. O texto de Efésios 4.28 expressa:

"Aquele que furtava não furte mais; antes, trabalhe, fazendo com as próprias mãos o que é bom,

para que tenha com que acudir ao necessitado".

Nessa perspectiva de Missão Integral sobre o lugar que habitamos, sobre Reino de Deus,

não é Igreja fazer ação social, ou somente realizar esta ação. Antes, é a Igreja possuir uma nova

dinâmica de sociedade com ações a partir dessa vitalidade de que, no que depender dela, a

sociedade humana terá características – o máximo possível – com o Reino de Deus do “ainda

não” que aguardamos em outro momento (PADILLA, 2006, s/p).

Num período conturbado da história recente da América Latina – quando o continente foi

sacudido por profundas convulsões políticas, ideológicas e sociais – muitos cristãos aderiram à

agenda revolucionária da Teologia da Libertação, outros, da Fraternidade Teológica Latino-

Americana. Ambos realizaram uma mobilização a fim de apresentar uma alternativa de teologia

que fosse bíblica, evangélica e/ou católica igualmente, porém, radical em suas implicações. Eles

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demonstraram que as igrejas podem permanecer fiéis às suas convicções históricas e, ao mesmo

tempo, adotar uma postura ousada e coerente em relação aos problemas sociais. Ou seja,

identificaram o lado bom do pluralismo religioso e, assim, realizariam algo relevante socialmente

(MATOS, 1999, p. 95-100).

Na América Latina, todos os conceitos produzidos alimentam-se de suas origens

históricas e doutrinárias. Sua práxis é entendida como ação que se atualiza na reflexão. Já a

reflexão atualiza-se na ação. Há que se pensar de maneira específica na inter-relação entre

teologia, ciências sociais e práxis histórica, como visto, tanto na TdL, como na TMI (LONGUINI

NETO, 2002, p. 282).

A prática pastoral dos cristãos nutre-se da experiência da fé eclesialmente na comunhão

com irmãos e irmãs, na comunhão do pão e do vinho, no compromisso do batismo, na animação

do Espírito Santo e na esperança do Reino de Deus.

Com base nesta esperança, a pastoral nasce da experiência da fé comunitária e insere-se

na sociedade para transformá-la. Além disso, volta-se à comunidade para rever sua ação à luz de

seus princípios de fé, fecunda a própria comunidade pela experiência vivida na sociedade e

retorna para continuar a sua ação pastoral. Tanto a TdL quanto a TMI articularam a relação entre

a experiência de fé e o compromisso ético e social numa proposta de renovação eclesiológica na

América Latina, afeita ao campo da relação entre a igreja e a sociedade, a fim de levar ao

redimensionamento do conceito e da prática missiológico-pastoral de igrejas evangélicas.

Partindo da prática das Teologias Latino-americanas estudadas, com a diferenciação dos

conceitos e o estabelecimento dos parâmetros para a teologia prática, faz-se necessário elucidar o

problema estabelecido como ponto de partida. Os referidos movimentos forjaram de maneira

particular – devido às suas peculiaridades intrínsecas e objetivos distintos de renovação eclesial –

uma nítida e definida ética social, vivenciada de maneira diferente em cada teologia e

pensamento. A TdL articulou suas propostas de intervenção na sociedade com o termo “pastoral”

e a TMI optou pelo termo “missão” (LONGUINI NETO, 2002, p. 283).

Hoje, pastoral e missão, teologicamente, não encontram mais consistência, uma vez que

não pode haver pastoral sem missão e missão sem pastoral. A missão é o próprio Deus criador

que assume um rosto humano no momento que o mesmo Deus atua pastoralmente no mundo por

meio dos seus.

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De acordo com Longuini Neto, é imprescindível entender estas duas teologias para que

haja ciência de que isso poderá mudar os rumos num futuro de colaboração entre ambas, não

somente com a colaboração, mas, especialmente com a solidariedade entre a TdL e a TMI em

todas as suas atividades (LONGUINI NETO, 2002, p. 285).

CONSIDERAÇÕES FINAIS AO CAPÍTULO

Este capítulo elucidou as divergências e as convergências entre a TdL e a TMI de Gustavo

Gutiérrez e René Padilla, respectivamente, utilizando-se do Reino de Deus como chave

hermenêutica para tais argumentações. Ao final foram feitas algumas proposições para uma

melhor compreensão sobre as causas das divergências entre ambas as teologias e, também, as

motivações sobre as convergências missiológicas contextuais e atuais.

O presente trabalho não significa o limite da pesquisa em relação aos assuntos abordados.

A vida e as obras destes dois teólogos encontram-se em evolução e mudança. Mesmo que o foco

da temática consta até a década de 1970, o intuito foi a análise da TdL e da TMI no início de suas

atividades. O primeiro capítulo ofereceu um breve relato histórico missiológico que levou ao

surgimento destas duas teologias, além de entender suas maneiras de colocar-se na sociedade. O

segundo capítulo mostrou a questão sobre o entendimento de Gutiérrez e de Padilla. O terceiro (e

último) capítulo conduziu a chave hermenêutica, o Reino de Deus para, então, elucidar alguns

pontos encontrados nas teologias abarcadas.

Os argumentos divergentes ou convergentes indicam que realmente as ideias entre os

teólogos estudados na presente pesquisa apresentam vitalidade e transformação. A conclusão foi

o diálogo solidário entre as duas teologias.

Por certo que as duas teologias são distintas tanto historicamente quanto em seus preceitos

delineadores. É oportuno ao leitor e à leitora o aprofundamento em diversos pormenores que as

duas teologias oferecem, a fim de obter suas próprias conclusões.

Para o presente trabalho, é importante destacar a motivação, o convite e o encorajamento

a fim de praticar a justiça, amar a fidelidade e andar humildemente com Deus (Mq 6.8), a

denunciar os malefícios de um cristianismo comercial e individual, a convocar as pessoas no

sentido de afastar-se do “modo de vida americano” e a abraçar um estilo de vida alternativo

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centrado no Reino de Deus e em sua comunidade – restaurando a justiça que promove a paz para

o pobre e o oprimido e ter “os olhos fitos em Jesus, autor e consumador da nossa fé. Ele, pela

alegria que lhe fora proposta, suportou a cruz, desprezando a vergonha, e assentou-se à direita do

trono de Deus” (Hb 12.2).

A percepção é olhar para a sociedade, ter a capacidade de analisar o contexto com o

instrumental metodológico que tiver domínio e, à luz do Evangelho, propor as mudanças

possíveis e cabíveis. Ou seja, as ciências sociais são instrumentais imprescindíveis para todo o

tipo de análise e de situação, desde que haja consciência e sabedoria para administrá-las.

Cavalcanti explica:

Como seres sociais, somos naturalmente seres políticos. Não há uma escolha de

exercermos ou não a nossa cidadania. A questão é como a exercemos: com consciência e

responsabilidade ou de modo alienado e irresponsável (CAVALCANTI, 1993, p. 27).

Padilla comenta:

Faz-se absolutamente urgente que os cristãos encarem a tarefa política com um

verdadeiro sentido de missão, ou seja, com a consciência de haverem sido enviados pelo Senhor da história como testemunhas de sua soberania sobre cada aspecto da existência

humana (PADILLA, 1994 p. 178, tradução nossa).

E, ainda, Gutiérrez afirma:

[...] sair do pequeno mundo em que se está [...] Sair do gueto é um aspecto da

atitude de abertura para o mundo. De modo mais positivo, tal abertura pressupõe

compartilhar sem restrições a visão que o homem latino-americano tem de sua própria

situação, contribuir com competência para a sua elaboração e aprofundamento e

comprometer-se sem ambiguidades na ação que dela deriva (GUTIÉRREZ, 1981, p. 44-

45).

Neste sentido, tudo o que é considerado como divergência e convergência produz

motivação para o debate de colaboração e solidariedade, não sobre os conceitos que os afastam,

mas para as situações que caminham em direção ao ser humano. Sim! Em acreditar que é possível

mudar as realidades injustas, que é possível existir um diálogo proveitoso entre a ciência e a fé,

entre teologias diferentes, entre pensamentos opostos, desde que resulte em formas de libertação,

desenvolvimento e de salvação da humanidade.

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

A pesquisa mostrou que a Missão ao longo do século 20 passou por crise de paradigma

estabelecido no século 19, o que gerou uma ruptura entre os padrões, além de trazer uma nova

situação para a Missão. As igrejas – que eram o centro da vida cristã e da Missão – precisavam

despertar e buscar alternativas missionárias. Esta situação proporcionou condições para a

realização de diversos encontros missionários do século 20.

A Missão está em constante transformação, principalmente quando se olha para seu

objetivo, seu resultado, sua compreensão e prática. Tudo nasceu com a vontade de cumprir o

“envio” ou “chamado” da Grande Comissão, conforme já citado. Com muitos perigos e com

tantas oportunidades, teólogos e missionários colocaram no foco outras partes do mundo que

antes não olhavam.

Assim, surgiram as oportunidades de seguirem para outros continentes, levar aquilo que

tinham como crença, para fazer Missão como ação do povo de Deus em levar o evangelho, a fé

cristã. Esta visão incorreu em alguns erros, como o de levar Deus para um lugar que sempre

esteve, porém, também teve acertos no sentido de que a Missão é obra de Deus em sua Trindade

Santa.

Longe de Missão advir com a marca de um único povo, ela é proveniente da atividade de

vários povos para tantos outros povos, sem um determinado centro de expansão.

Quando sociedades encontram-se em crise, é possível constatar perigos e oportunidades

de mudanças. A Missão chega a fim de apresentar uma nova maneira para a reflexão da vida,

uma vez que não é primeiramente uma atividade da Igreja, mas, um atributo de Deus.

Missão é a transmissão do evangelho de uma cultura para outra na manifestação de Jesus

Cristo, com o intuito da vivência e convivência sob termos e demandas de outras culturas, de

motivações sociais, políticas, econômicas etc., a fim de questionar o porquê se fazer Missão onde

se encontra, além de ser uma grande contribuição de evolução humana (GONZÁLEZ:

ORLANDI, 2008, p. 523-531).

O presente trabalho verificou que o termo Missões significava levar o evangelho, mas as

pessoas envolvidas necessitavam da noção do trabalho em conjunto, o que aconteceu em

Edimburgo, mesmo que de forma embrionária (BOSCH, 2002, p. 548).

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O ecumenismo apareceu como força para o movimento missionário que percebeu que a

Missão de levar o Evangelho para todo o mundo – e unificar o povo em Cristo – tratava-se da

mesma obrigação.

Com este entendimento a tarefa missionária tornava-se central para a igreja na contínua

busca de renovação e da unidade, ao identificar que, nas diferenças, o centro é chamado de

Cristo. Situação esta que não tem fim e sempre se molda, sem distinções denominacionais, com a

necessidade de abertura para novos pensamentos e novas culturas como algo dinâmico para o

crescimento cristão. Além disso, reconhecer o senhorio de Cristo e que a igreja é o povo de Deus

que se mostra como sinal profético de renovação, a fim de representar o futuro da humanidade e

do mundo (BOSCH, 2002, p. 554-557).

Por certo que é preciso avançar e escrever sobre o significado da Missão, além de

entender as disparidades entre as épocas, para, então – de forma criativa e responsável –

prolongar a lógica do ministério de Jesus e da igreja primitiva para nosso próprio tempo e

contexto. Deus comunica sua revelação às pessoas por intermédio de seres humanos e eventos,

constituindo a maneira de expressar que a fé bíblica é “encarnacional”, com a realidade de Deus

adentrando nos assuntos humanos.

Desta maneira, o conceito de Reino de Deus na TdL e na TMI, nos pensamentos de

Gustavo Gutiérrez e de René Padilla, foram os referenciais teóricos e a principal causa do

presente trabalho.

Conforme já exposto, as raízes históricas da TdL e da TMI ocorrem nos contextos sociais,

político e econômicos comuns. A compreensão de Reino de Deus para a TdL (especificamente no

pensamento de Gutiérrez) é uma manifestação, prioritariamente por meio da Igreja, com objetivo

primeiro na transformação radical da história, a fim de libertar o pobre e o oprimido para a

construção de uma nova humanidade, cuja realidade humana (política-social-econômica-religiosa

etc.), como também toda a criação – pela chegada do histórico Reino de Deus – passam por uma

reforma estrutural, uma transformação radical e total, construindo, a partir da pessoa de Cristo,

uma nova humanidade ou „A Sociedade do Reino de Deus‟. Uma realidade com base na justiça

do Reino, no direito, na igualdade social, que são valores deste Reino, na libertação do pobre de

sua pobreza e do oprimido das estruturas que o oprimem, sendo esta visão que orienta o

pensamento de Gutiérrez.

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Embora os conceitos de Reino de Deus orientem a construção do pensamento de ambos os

teólogos, para a TMI (nas reflexões de Padilla), Reino de Deus é o modelo e a meta da

construção de qualquer pensamento teológico de Missão a ser aplicado. É o propósito de Deus

relacionado ao seu Senhorio e a ser plenamente satisfeito no futuro, e que agora é esperança

nutrida pelos sujeitos de seu Reino, que somente pode ser estabelecido por Deus, única e

exclusivamente, sem ação humana que possa interferir nisto, tampouco exercer qualquer tipo de

controle acerca dele. No entanto, da parte do ser humano cabe o envolvimento sociopolítico

acompanhado de evangelização fiel e relevante ao seu contexto, capaz de evidenciar,

evidentemente, a preocupação holística de Deus com todas as pessoas, com a justiça, em um

processo de reorganização e emergência pública, sem confundir a relação da Igreja com o Estado.

A pesquisa abordou também sobre as divergências e as convergências entre a TdL e a

TMI de Gustavo Gutiérrez e René Padilla, utilizando-se do Reino de Deus como chave

hermenêutica para tais argumentações. Ao final, surgiram algumas proposições no sentido de

compreender a causa de tanta divergência entre as duas teologias, o que motivou convergências

missiológicas contextuais e atuais.

O presente trabalho não significa o limite da pesquisa em relação aos assuntos abordados.

A vida e as obras destes dois teólogos encontram-se em evolução e mudança. Mesmo que o foco

da temática consta até a década de 1970, o intuito foi a análise da TdL e da TMI no início de suas

atividades. O primeiro capítulo ofereceu um breve relato histórico missiológico que levou ao

surgimento destas duas teologias, além de entender suas maneiras de colocar-se na sociedade. O

segundo capítulo mostrou a questão sobre o entendimento de Gutiérrez e de Padilla. O terceiro (e

último) capítulo conduziu a chave hermenêutica, o Reino de Deus para, então, elucidar alguns

pontos encontrados nas teologias abarcadas, além de analisar alguns pontos divergentes e pontos

convergentes entre os dois teólogos.

Os argumentos divergentes ou convergentes mostraram, neste final de pesquisa, que

realmente as ideias entre Gutiérrez e Padilla se fortalecem e se reconstroem. É possível observar

um diálogo solidário das duas teologias.

Para o presente trabalho, é importante destacar a motivação, o convite e o encorajamento

a fim de praticar a justiça, amar a fidelidade e andar humildemente com Deus (Mq 6.8), a

denunciar os malefícios de um cristianismo comercial e individual, a convocar as pessoas no

sentido de afastar-se do “modo de vida americano” e a abraçar um estilo de vida alternativo

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centrado no Reino de Deus e em sua comunidade – restaurando a justiça que promove a paz para

o pobre e o oprimido e ter “os olhos fitos em Jesus, autor e consumador da nossa fé. Ele, pela

alegria que lhe fora proposta, suportou a cruz, desprezando a vergonha, e assentou-se à direita do

trono de Deus” (Hb 12.2).

A percepção é olhar para a sociedade, ter a capacidade de analisar o contexto com o

instrumental metodológico que tiver domínio e, à luz do Evangelho, propor as mudanças

possíveis e cabíveis. Ou seja, as ciências sociais são instrumentais imprescindíveis para todo o

tipo de análise e de situação, desde que haja consciência e sabedoria para administrá-las.

Neste sentido, tudo o que é considerado como divergência e convergência produz

motivação para o debate de colaboração e solidariedade, não sobre os conceitos que os afastam,

mas para as situações que caminham em direção ao ser humano. Sim! Em acreditar que é possível

mudar as realidades injustas, que é possível existir um diálogo proveitoso entre a ciência e a fé,

entre teologias diferentes, entre pensamentos opostos, desde que resulte em formas de libertação,

desenvolvimento e de salvação da humanidade de maneira integral.

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