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UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE ALEXANDRE BENTO DAMACENA A FUNÇÃO REPRESENTATIVA DO PARLAMENTO NA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL São Paulo Dezembro 2007

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UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE

ALEXANDRE BENTO DAMACENA

A FUNÇÃO REPRESENTATIVA DO PARLAMENTO NA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL

São Paulo Dezembro 2007

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Alexandre Bento Damacena

A Função Representativa do Parlamento na República Federativa do Brasil

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação da Universidade Presbiteriana Mackenzie, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Direito Político e Econômico. Orientadora: Profª. Drª. Monica Herman S. Caggiano

São Paulo Junho 2007

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ALEXANDRE BENTO DAMACENA

A FUNÇÃO REPRESENTATIVA DO PARLAMENTO NA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação da Universidade Presbiteriana Mackenzie, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Direito Político e Econômico. Orientadora: Profª. Drª. Monica Herman S. Caggiano Aprovado em

BANCA EXAMINADORA

Drª. Monica Herman Salem Caggiano Universidade Presbiteriana Mackenzie

Dr. Milton Paulo de Carvalho Universidade Presbiteriana Mackenzie

Dr. Dircêo Torrecillas Ramos Universidade de São Paulo

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Aos meus pais, Maria e Aurino. Tão perto e tão longe ...

À Camila, pela nossa história e por cada segundo do nosso infinito amor.

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AGRADECIMENTOS A Deus, pelo presente da vida.

À Drª. Monica Herman Salem Caggiano, por toda a atenção e orientações que me foram dadas. E também por ter me mostrado a maravilha do Direito Parlamentar.

Ao Dr. Dircêo Torrecillas Ramos e ao Dr. Milton Paulo de Carvalho, pelos valiosos comentários sobre este trabalho.

Ao professor Dr. Felipe Chiarello, pelas aulas inesquecíveis, pelo incentivo à minha carreira acadêmica e por me inspirar na “arte de ensinar”.

Ao professor Dr. André Ramos Tavares, por me mostrar que o Direito Constitucional é mais belo do que eu conhecia.

Ao professor Dr. Paulo Adib Casseb, por me ajudar nos primeiros passos do estudo da Constituição.

À Professora Drª. Susana Mesquita Barbosa, por me motivar no ingresso ao Mestrado e por tantas perguntas respondidas.

Aos professores da Universidade Mackenzie do programa de Pós-Graduação Lato Sensu: Dr. João Antônio Wiegerinck, Dr. Vicente Bagnoli, Dr. Evandro Capano, Drª. Claudia Márcia Costa, Drª. Tatiana Penharrubia Fagundes, Drª. Christina de Almeida Pedreira e Drª Zélia Luiza Pierdoná.

Aos professores da Universidade Mackenzie do programa de Pós-Graduação Stricto Sensu: Dr. Gilberto Bercovici, Dr. Gabriel Chalita, Drª. Márcia Cristina de Souza Alvim, Dr. Ari Marcelo Sólon, Dr. Hélcio Ribeiro, Dr. Allysson Leandro Mascaro, Dr. Gianpaolo Smanio e Dr. Alexandre de Moraes.

À vó Josina, Gorete, Arnaldo, Pedro, Tânia, Andréa, Lucas, João, Bel, Paula, Karine, Denise, Roberto, Roberta, Renan, Marlene, Joãozinho, Arthur, Natália, Izabelle, Julia, Amália, Toninho, Paola, Giulia, Luiz, Luzia, Fernando, Fabiano, Lidiane, Oulival, Estelina, Sueli, Wesley, Nilse, Milton, Divina, Geraldo, Cleide, André, Thaciane, José Humberto, Sebastião e Lerinda, por todos os momentos que passamos.

Ao Caffarena, Rui, Marcelo, Zé Rocco, Cristian, Gustavo, Junior, Ana Carolina, Marcelo Mello, Madre Barros e o Casa Pia, pela amizade de tantos anos.

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À Camila, Augusto, Maria Helena, Carol, Beto, Sônia, Simone e Bruno, minha “Grande Família”.

Ao Dr. Diogo de Freitas, pela valiosíssima obra do professor Canotilho.

Ao Waldir Andrade, por ter feito a diferença em minha vida, ao Torres e a todos os amigos da Orbitall, por serem uma história inesquecível.

À Claudia Ajaj, por me ajudar no Mestrado e nos seminários.

Ao Renato Santiago, grande companheiro na Pós-Graduação.

Aos amigos da escola Hampstead em Londres, que estiveram comigo nas horas difíceis.

Ao José António Martins, do Gabinete em Portugal do Parlamento Europeu, e ao grupo da

Assembléia da República em Lisboa, pelos livros que me presentearam.

À toda equipe do Parlamento Europeu em Bruxelas e aos funcionários da British Library em

Londres, pela receptividade e atenção.

À Célia e ao Nilton, da papelaria Roca, por sempre me ajudarem em meus trabalhos

acadêmicos.

À Celi, Joelma, Cintia e todos os meus novos amigos da BV Financeira, pelo novo começo.

À Juliana da escola de inglês One by One, pela força e incentivo.

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Deixe que uma pessoa não faça nada por seu país, e ela não se interessará por ele (John Stuart Mill).

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RESUMO

Quando o rei tinha questões graves a tratar ou queria ouvir a opinião dos homens

mais importantes sobre um determinado assunto, mandava chamar os grandes senhores da

nobreza e os membros mais destacados do clero para uma reunião. Em Portugal e nos reinos

da Espanha, a essas reuniões foi dado o nome de “Cortes”. Na França denominou-se “Estados

Gerais”. E na Inglaterra, chamou-se “Parlamento”.

Cada Parlamento se desenvolveu e conheceu diversas fases até chegarmos aos

modelos do século XXI. Aos Parlamentos foram atribuídas diversas “funções”, como por

exemplo legislar e efetuar o controle do Executivo. Mas, de todas as suas atribuições, a

“função representativa” é fundamental, pois torna o Parlamento uma instituição indispensável

para a realização da democracia.

Representar a vontade do povo não é fácil, e fazer a escolha dos representantes

também não é tarefa das mais simples. Ser governante ou governado produz direitos e deveres

para os dois lados. O parlamentar deverá seguir a vontade do eleitor, do seu partido ou suas

próprias convicções?

Este trabalho busca respostas para essas questões por meio da análise da

representação política em ambiente democrático. De forma mais específica, examina o Brasil

e o seu Parlamento Federal.

O estudo da complexa relação governante-governado e da função representativa do

Parlamento contribuem para apontar possíveis caminhos e alternativas para o aperfeiçoamento

do sistema representativo brasileiro.

Palavras-chave: Representação, Parlamento, Governante, Governado, Democracia, Partido.

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ABSTRACT

When the king had issues to deal with or wanted to hear the opinion of the most

important men regarding any certain subject, he would gather lords and the most important

members of the clergy for a meeting. In Portugal and in the kingdoms of Spain, these

meetings were named “Courts”. In France, they were called “General States”. And in

England, they were called “Parliament”.

Each Parliament evolved and went through several stages until we got to the

models of the 21st century. Several “functions” were attributed to the Parliaments, such as, for

instance, to legislate and control the Executive Branch. However, amongst all its attributions,

the “representative function” is fundamental, because it turns the Parliament into an institution

that is essential for democracy.

Representing the people’s will is not easy, and choosing the representatives is not

something simple to be done as well. Being a ruler or ruled brings about rights and duties for

both sides. Should the congressman comply with the voter’s will, his political party or his

own beliefs?

This study looks for answers for these questions by means of the analysis of the

political representation in a democratic environment. More specifically, it examines Brazil

and its Federal Parliament.

The study of the complex relationship ruler-ruled and of the representative

function of the Parliament contributes to point out possible paths and alternatives for the

improvement of the Brazilian representative system.

Key words: Representation, Parliament, Ruler, Ruled, Democracy, Political Party.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 12 I. REPRESENTAÇÃO POLÍTICA 15 1. O poder e sua origem 15 1.1. As doutrinas teocráticas

1.1.1. A doutrina da natureza divina dos governantes 15 1.1.2. A doutrina da investidura divina 15 1.1.3. A doutrina da investidura providencial 15 1.2. As doutrinas democráticas 16

1.2.1. A doutrina da soberania popular 16 1.2.2. A doutrina da soberania nacional 16

2. Democracia 16 2.1. A democracia antiga 17 2.2. A democracia moderna 18 2.3. A democracia contemporânea 19 3. Representação Política 20 3.1. Conceito 20 3.2. Técnicas de escolha de representantes 21

3.2.1. Hereditariedade 22 3.2.2. Conquista 22 3.2.3. Cooptação 22 3.2.4. Sorteio 23 3.2.5. Eleição 23

3.3. John Locke e o Segundo Tratado sobre o Governo 24 3.4. Do Espírito das Leis de Montesquieu 27 3.5. A crítica da representação no Contrato Social de Rousseau 30 3.6. Sieyés e o Terceiro Estado (Qu’est-ce que le Tiers État) 31 3.7. A doutrina dos mandatos 33

3.7.1. O mandato livre 34 3.7.2. O mandato imperativo 35 3.7.3. O mandato partidário 36

II. O PARLAMENTO NO DIREITO COMPARADO 39

1. O Parlamento 39 1.1. Conceito 39 1.2. A origem do Parlamento 40 1.3. Aspectos estruturais do Parlamento 42 1.4. Funções do Parlamento 45

2. O Parlamento do Reino Unido 46 2.1. A Câmara dos Lordes 48

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2.2. A Câmara dos Comuns 50 2.3. Partidos Políticos no Parlamento do Reino Unido 51

3. O Parlamento Português 52 3.1. A Assembléia da República 52 3.2. Funcionamento da Assembléia da República 53 3.3. O Parlamento na história constitucional portuguesa 54

4. O Parlamento Europeu 56 4.1. A organização e o funcionamento do Parlamento Europeu 56 4.2. Os deputados 60 4.3. Os grupos políticos 62

III. O PARLAMENTO NO DIREITO BRASILEIRO 64

1. O Parlamento Brasileiro 64 1.1. A história do Parlamento nas constituições brasileiras 64

1.1.1. Constituição Política do Império do Brasil de 1824 64 1.1.2. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 1891 68 1.1.3. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 1934 70 1.1.4. Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 1937 72 1.1.5. Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 1946 76 1.1.6. Constituição da República Federativa do Brasil de 1967 78 1.1.7. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 80

1.2. A Câmara dos Deputados 81 1.2.1. A Comissão de Legislação Participativa 82 1.3. O Senado Federal 83 2. A função representativa do Parlamento na República Federativa do Brasil 86 2.1. Sistemas Eleitorais 86 2.1.1. Sistema majoritário 87 2.1.2. Sistema proporcional 88 2.1.3. Sistema proporcional e a Constituição Federal de 1988 89 2.1.4. Código Eleitoral e o preenchimento de cargos de representação proporcional 92 2.2. A relação governante governado 93 2.3. O “Estado Espetáculo” de Schwarzenberger 95 2.4. Corrupção 98 2.5. Os partidos políticos no Brasil 99 2.6. Grupos de pressão 102 2.7. Minoria e Oposição 103 2.8. Instrumentos de participação direta X representação parlamentar 106

2.8.1. Plebiscito e referendo 107 2.8.2. Iniciativa Popular 108

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IV. REFORMA POLÍTICA NO BRASIL 109 1. Parlamento e Reforma Política 109 1.1. Campanhas eleitorais 109 1.2. Listas preordenadas 111 1.3. Financiamento público de campanhas 113 1.4. Fim do voto secreto no Congresso 119 1.5. Voto facultativo para o povo 120 1.6. Eleição de suplentes para senador 122 1.7. Federação partidária 123 1.8. Prazos para filiação partidária 125 1.9. Mudança do sistema eleitoral 126 2. Poder Judiciário e Reforma Política 129 2.1. Verticalização 129

2.2. Fidelidade Partidária 130 2.3. Cláusula de barreira 143 CONCLUSÕES 145

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 153 ANEXOS 157

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INTRODUÇÃO

A partir do momento em que os homens começaram a conviver uns com os outros,

tornou-se necessário encontrar formas de organização para a vida em grupo. Ao longo do

tempo, os modelos de organização social evoluíram. No início, a humanidade vivia em

bandos. E a partir do momento em que os homens começaram a domesticar os animais, a

cultivar a terra e escolher locais fixos para habitação, formaram-se as primeiras tribos. Muitas

etapas foram percorridas até atingirmos as formas complexas de organização existentes no

século XXI. E, nesse caminho, conhecemos a democracia em Atenas e a monarquia, a

república e o império na história de Roma. O território que durante séculos fora dominado e

governado pelos romanos dividiu-se em vários reinos. Surgiu na Europa um novo modelo de

organização social: a monarquia feudal. Quando o rei tinha questões graves a tratar ou queria

ouvir a opinião dos homens mais importantes sobre um determinado assunto, mandava

chamar os grandes senhores da nobreza e os membros mais destacados do clero para uma

reunião. Em Portugal e nos reinos da Espanha, a essas reuniões foi dado o nome de “Cortes”.

Na França denominou-se “Estados Gerais”. E na Inglaterra, chamou-se “Parlamento”.1

Cada Parlamento se desenvolveu de acordo com suas condições históricas,

econômicas e sociais. Aos Parlamentos foram conferidas diversas “funções”, como por

exemplo, legislar e efetuar o controle do Executivo. Mas, de todas as suas atribuições, a

“função representativa” é fundamental, pois torna o Parlamento uma instituição indispensável

para a realização da soberania popular.

Representar a vontade do povo não é fácil, e fazer a escolha dos representantes

também não é tarefa das mais simples. Ser governante ou governado produz direitos e deveres

para os dois lados. Muitos estudos e teorias foram produzidos sobre a representação política,

sendo este um dos temas mais difíceis da Ciência Jurídica e Política. A respeito dessa

complexidade, Manoel Gonçalves Ferreira Filho assinala: A representação, esse vínculo entre os governados e governantes pelo qual estes agem em nome daqueles e devem trabalhar pelo bem dos representados e não pelo próprio, constitui um dos mais difíceis problemas do Direito Público e da Ciência Política.2

1 ALÇADA, Isabel; MAGALHÃES, Ana Maria, A longa história do poder. 2.ed. Lisboa: Assembléia da República, 2006, p.7-25. 2 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 84.

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Como ponto de partida, é preciso destacar que o sistema representativo não é

característica exclusiva de regimes democráticos, bem como de nenhuma forma de governo.

Nesse sentido, podemos observar a análise de Maria D’Alva Gil Kinzo: O conceito de representação política tem sido usado nos mais diferentes sentidos, assumindo tão ampla conotação que tem servido para justificar o poder em regimes dos mais diferentes matizes. Desde estadistas que galgaram o poder pela via eleitoral até aqueles sustentados por regimes de força, diziam-se (e dizem-se) representantes do povo de sua nação, de modo que o conceito e a prática da representação política nem sempre tem sido relacionados com democracia e liberdade.3 Diante desse cenário, torna-se necessário delimitar o objeto de estudo deste

trabalho. Esta pesquisa científica4 propõe uma análise sobre a representação política em

ambiente democrático. De forma mais específica, analisa o Brasil e o seu Parlamento Federal.

O tema será dividido em quatro partes, da seguinte forma: Inicialmente, será

apresentada uma análise histórica da representação política. Compõem essa primeira etapa os

conceitos fundamentais, as teorias sobre o poder, as diversas técnicas de escolha de

representantes e a natureza do mandato. Na segunda parte, é examinado o Parlamento: sua

origem e funcionamento no século XXI. Para isso, utiliza-se como fonte o Direito Comparado

(Reino Unido, Portugal e o Parlamento Europeu). O terceiro capítulo é dedicado ao

Parlamento brasileiro. Por último, são examinados pontos da reforma política que podem

significar mudanças relevantes no sistema representativo.

Justifica-se essa pesquisa pela fase de profundo descontentamento e decepção da

sociedade brasileira com a classe política. O Parlamento encontra-se desvalorizado. Este fato

pode ser fundamentado nos resultados de pesquisas realizadas pelo DATAFOLHA e IBOPE5,

que identificaram, entre outros resultados, insatisfação com o Congresso Nacional, vergonha

dos parlamentares, e desconfiança nos políticos e nos partidos. José Murilo Carvalho, já

apontava esse cenário: “As eleições legislativas sempre despertam menor interesse do que as

3 KINZO, Maria D’Alva Gil. Representação política e sistema eleitoral no Brasil. São Paulo: Símbolo, 1980, p. 21. 4 Em relação à metodologia de trabalho: 1) A busca de conhecimentos, dar-se-á principalmente pela leitura das referências bibliográficas selecionadas, de importância teórica e política; 2) Outras fontes a serem utilizadas serão jornais, revistas e internet, sempre que contiverem informações relacionadas ao tema e que possam agregar valor à pesquisa; 3) A abordagem adotada é a hipotético-dedutiva; 4) Será utilizada linguagem científica, com adoção das normas da ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas); 5) As obras estrangeiras, sempre que contarem com tradução para o português ou língua acessível terão a preferência; 6) Citações em idioma diferente do português serão transcritas na língua original e traduzidas; 7) Para a escolha da professora-orientadora, observou-se o critério de ministério de matéria relacionada ao tema; 8) Foram realizadas visitas ao Parlamento Europeu (Bruxelas), Assembléia da República (Lisboa) e British Library (Londres). 5 ANEXO A.

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14

do Executivo. [...] O desprestígio generalizado dos políticos perante a população é mais

acentuado quando se trata de vereadores, deputados e senadores”6 .

As reflexões de Locke7, Montesquieu8, Rousseau9 e Sieyès10 formam a base para

a análise da complexa relação governante-governado. Qual a finalidade da função

representativa do Parlamento? O parlamentar deverá seguir a vontade do eleitor, do seu

partido ou suas próprias convicções?

Em busca das respostas à essas questões, desenvolve-se este trabalho, que tem

por objetivo apontar possíveis caminhos e alternativas para o aperfeiçoamento do sistema

representativo no Brasil, demonstrando assim, sua relevância social e científica.

6 CARVALHO, José Murilo. A cidadania no Brasil – o longo caminho. São Paulo: Civilização Brasileira, 2003, p. 222. 7 Cf. Segundo Tratado sobre o Governo Civil, p. 13. 8 Cf. Do Espírito das Leis, p.16. 9 Cf. Do contrato social , p. 19. 10 Cf. Que é o Terceiro Estado? p. 20.

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I. REPRESENTAÇÃO POLÍTICA

1. O poder e sua origem

Para tratarmos do tema da representação política, faz-se necessário, inicialmente,

examinarmos as doutrinas sobre o poder e sua origem. Nas lições de Paulo Bonavides11,

verificamos que existem duas grandes divisões: as doutrinas teocráticas (que sustentam o

direito divino do rei) e as doutrinas democráticas (que conferem ao povo a soberania).

1.1. As doutrinas teocráticas

1.1.1. A doutrina da natureza divina dos governantes

Por essa doutrina, os governantes são deuses vivos, sendo-lhes reconhecidos

características e qualidade de divindade. Os monarcas, titulares do poder soberano, são seres

divinos, objeto de culto e veneração. A história é cheia de exemplos de reis que fielmente

seguiam essa doutrina e se julgavam divindades, como os faraós do Egito, os imperadores

romanos e os príncipes orientais.

1.1.2. A doutrina da investidura divina

Pelo preceito da investidura divina, os reis conservam o grau mais alto de

eminência e majestade. Entretanto, não se supõem fora da condição humana, e sim partícipes

na divindade. São delegados diretos e imediatos de Deus, recebendo deste a investidura para o

exercício de um poder que, por sua natureza, se concebe como divino. São os monarcas na

terra os executores da vontade de Deus. Cumpre aos povos prestar-lhes cega obediência, dada

a origem divina do poder. Os monarcas são responsáveis unicamente perante Deus, jamais

perante os homens. Essa modalidade do pensamento teocrático entende o poder como

instituído por Deus para conservação da sociedade, e faz da escolha dos governantes, um ato

da vontade divina.

1.1.3. A doutrina da investidura providencial

Admite-se, por esse pensamento, apenas a origem divina do poder. Torna-se

menos intensa a intervenção da divindade em questões políticas, cuja legitimidade se resume

na observância do bem comum. A designação dos governantes é obra dos homens e não da

divindade. A teoria da investidura providencial alcançou um importante e imediato resultado, 11 BONAVIDES, Paulo. Ciência Política. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 128-132.

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que a separou das duas correntes antecedentes da doutrina teocrática: a possibilidade de

participação dos governados na escolha dos governantes.

1.2. As doutrinas democráticas

1.2.1. A doutrina da soberania popular

Essa doutrina fortalece a igualdade política dos cidadãos e o sufrágio universal. A

soberania popular corresponde à soma das diferentes frações de soberania, que pertencem e

são atribuídas a cada indivíduo, que, como membro do Estado e possuidor dessa parcela do

poder soberano fragmentado, participa ativamente na escolha dos governantes.

1.2.2. A doutrina da soberania nacional

O povo tinha sido conduzido à plenitude do poder político. Como conseqüência à

esse poder absoluto, sem freio e à onipotência das multidões, era necessário dar uma solução

jurídica, política e social, que concebesse uma participação limitada da vontade popular,

evitando assim, por um lado, a continuidade do regime monárquico autocrático e de outra

parte, que se impedisse os excessos da autoridade popular.

A idéia do indivíduo titular de uma fração da soberania, com milhões de soberanos

em cada coletividade, confere espaço à concepção de uma pessoa privilegiadamente soberana:

a Nação, destinatária única e exclusiva da autoridade soberana.

A Nação12, ser novo, distinto e abstratamente personificado, dotado de vontade

própria, superior às vontades individuais que o compõem, se apresenta nessa doutrina como

um corpo político vivo, real, atuante, que detém a soberania e a exerce através de seus

representantes.

2. Democracia

O objeto de estudo neste capítulo é a representação política em ambiente

democrático. Por essa razão, é importante observar algumas considerações sobre

“democracia”. É possível encontrarmos diversas definições de democracia. Nesse momento,

12 Artigo 3º da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão: “O princípio de toda a soberania reside essencialmente na Nação e nenhuma corporação, nenhum indivíduo pode exercer autoridade que dela não emane expressamente”.

“A soberania é una, indivisível, inalienável e imprescritível. Pertence à Nação; nenhuma seção do povo, nenhum indivíduo pode atribuir-se-lhe o exercício”. (art. 1º do Título III da Constituição Francesa de 1791).

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faz-se necessário então, como ponto de partida, selecionar um conceito para o

desenvolvimento de nossa pesquisa. Maurice Duverger aponta a seguinte conceituação:

“Regime em que os governantes são escolhidos pelos governados, por intermédio de eleições

honestas e livres”13.

Mas como se desenvolveu a democracia? Podemos afirmar que ela se concretiza

na prática?14 Nesses pontos, assinala Manoel Gonçalves Ferreira Filho: “A implantação de um

regime verdadeiramente democrático, é tarefa delicada e difícil”.15

E ainda: “Distinguem-se três democracias. A dos antigos, de que Atenas é o

grande exemplo. A dos modernos, que se identifica com o”governo representativo”. E a

contemporânea, que apresenta aspectos originais em relação às formulações anteriores”16.

2.1. A democracia antiga

Na cidade de Atenas, na Grécia, nasceu uma forma de organização totalmente

nova e original, que colocava o poder nas mãos de um número maior de pessoas - a

democracia. Naquele tempo, a Grécia não formava um Estado único. Cada cidade grega era

um pequeno Estado, denominada Cidade-Estado. No início, as Cidades-Estado, assim como

os outros Estados do mundo, eram monarquias, ou seja, possuíam um rei. Algumas

substituíram o rei por um grupo de cidadãos de prestígio. Esse regime é conhecido como

oligarquia. Em Atenas foi colocado em prática um sistema diferente: decidiu-se que o povo

devia governar-se a si próprio. Esse modelo foi chamado “democracia”, que é resultado da

união de duas palavras: demos (povo), e kratos (poder). De acordo com os historiadores, na

Antigüidade, nenhuma outra Cidade-Estado grega, nenhum outro Estado do mundo, ousou a

utilizar a democracia. Mas a idéia de que o povo podia e devia governar-se não morreu. Foi

criação dos atenienses, ficou suspensa por séculos e depois foi considerada pela maioria das

pessoas, como a melhor, a mais justa e a mais digna forma de organização de um Estado17.

13 DUVERGER, Maurice. Partidos Políticos. Rio de Janeiro: Zahar, 1970, p. 387. 14 A democracia está em toda parte. [...] Contudo, a democracia não existe em parte alguma. Por detrás das constituições e das leis, ou mesmo nas constituições e nas leis, a realidade se entremostra: em parte alguma, nem ao norte, nem ao sul, nem a leste, nem a oeste, o povo se governa. Sempre o povo é governado (FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. A democracia possível. São Paulo: Saraiva, 1974, p.1). 15 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. A democracia no limiar do século XXI. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 217. 16 Ibid., p. 1. 17 Hoje pode-se compreender que a democracia ateniense era imperfeita porque excluía do poder as mulheres, os escravos, os estrangeiros e os homens menores de 30 anos. Entretanto, é preciso considerar

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18

Os cidadãos, reunidos em assembléia, podiam usar da palavra, fazer propostas,

inclusive propor leis. E as decisões eram tomadas por maioria de votos dos presentes. Através

do voto, escolhiam-se não só os governantes, mas também se decidiam questões sociais, como

por exemplo, a guerra, a paz, as leis, os impostos, etc. O voto era por aclamação. Quem

conseguisse obter dos votantes um barulho maior, mais vibrante, era eleito. Como nos

programas de auditório, vencia o candidato a melhor cantor ou melhor cantora que recebesse

da platéia mais aplausos. Era, guardadas as devidas proporções, uma democracia direta18.

2.2. A democracia moderna

No século XVIII, as novas idéias produzidas pelo Iluminismo, a “filosofia das

luzes”, inspirou as revoluções liberais. Consagrava-se o princípio da igualdade de direitos19.

Por esse motivo, nos Estados onde havia o governo representativo com sufrágio censitário,

havia freqüentes e não raro agressivas manifestações em defesa do sufrágio universal. Assim,

na Inglaterra, e também na França, reduziram-se, paulatinamente as exigências para a

participação política. Implantou-se, com o tempo, o sufrágio universal (masculino, pois a

plena participação feminina ainda demorou). Nesse momento, essa forma de governo passou a

ser denominada “democracia representativa”. A partir da metade do século XIX, já se aceitava

como democracia o governo representativo, desde que aberto à participação de todos, ou da

maioria. Assim, em contraposição à democracia direta (a antiga), em que o povo se governaria

diretamente, tomando em assembléia as decisões fundamentais, reconhece-se um modelo

moderno, o único possível nas condições da época – a democracia representativa, em que o

povo se governaria indiretamente, por meio de representantes que elegeria. Essa democracia

indireta é a democracia moderna20 .

que esse sistema surgiu há 2.500 anos atrás e que o pensamento daquele tempo era muito diferente do de hoje (ALÇADA, Isabel; MAGALHÃES, Ana Maria, A longa história do poder. 2.ed. Lisboa: Assembléia da República, 2006, p. 17-19). 18 Uma vez aclamado, o feliz eleito corria ao templo para agradecer aos deuses. Era então coroado de flores e louros rumando depois ao templo seguido por uma claque ruidosa de moças e rapazes que entoavam hinos em seu louvor, mérito e triunfo. A jornada do candidato eleito, na democracia grega, não se encerrava no templo. O roteiro seguinte incluía obrigatoriamente as casas dos parentes e depois o salão dos banquetes públicos, onde tinha direito a comer até dois pratos (VIDIGAL, Edson de Carvalho et al. Direito Eleitoral contemporâneo: doutrina e jurisprudência. Coord. Sálvio de Figueiredo Teixeira. Belo Horizonte, Del Rey, 2003, p. 76 a 79). 19 “Os homens nascem e são livres e iguais em direitos”, proclamava, por exemplo, o art. 1º da Declaração dos Direitos do Homem e do cidadão, de 1789. 20 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. A democracia no limiar do século XXI. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 9 – 23.

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19

Outras propostas de aperfeiçoamento da democracia representativa apresentaram

alguns meios de participação direta do povo na tomada de decisões, como por exemplo o

referendo, a iniciativa popular, o plebiscito e o veto popular. Com esses instrumentos,

formou-se então a democracia semidireta21.

2.3. A democracia contemporânea

Ao analisarmos a evolução da democracia e observando-a na Idade

Contemporânea, podemos destacar a importância das eleições, o surgimento da democracia

participativa22 e a perspectiva de uma possível democracia eletrônica no futuro. Assim, expõe

Manoel Gonçalves Ferreira Filho, em sua obra “A democracia no limiar do século XXI”: Numa visão empírica, a democracia contemporânea, ou poliarquia, consiste numa

forma de governo em que o povo participa decisivamente da escolha de seus governantes (eleição), todos os seus integrantes estando em pé de igualdade quanto ao peso de sua participação (voto) e à elegibilidade. É este o traço fundamental: o governo pelo povo (dentro do possível), ou seja, o governo por meio de representantes que o povo elege, a fim de servirem os seus interesses.23

Mas, para atingir a sua finalidade, ele adverte, a eleição deve ser livre – one man,

one vote24 -, implicando assim, na honestidade da tomada dos votos e na sua apuração. Isso

requer ampla informação, liberdade de propaganda e defesa de idéias, o que reclama partidos,

e, por outro lado, o gozo por todos das liberdades, dos direitos fundamentais. Soma-se a isso

tudo uma condição técnica, um sistema eleitoral adequado.

Por último, o que no passado poderia ser considerado ficção científica, já não é

mais: a possibilidade de uma democracia direta eletrônica. O voto poderia ser conferido por

telefone, como nos programas de televisão, ou pela Internet. Essa é uma idéia que possui seus

defensores e críticos (que argumentam sobre a sua impossibilidade e insegurança). De

21 É preciso ter presente que instrumentos como o referendo ou plebiscito (que não raro são confundidos) podem desservir à democracia. Ou melhor, podem servir para que o detentor do poder (que é o mais das vezes quem pode convocá-los) deles use para implantar em seu favor, com o aparente consentimento popular, um regime autoritário. Isto se viu com os Bonapartes, Napoleão e seu sobrinho Luís Napoleão (Napoleão III), que deles se serviram para implantar os seus Impérios (FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. A democracia no limiar do século XXI. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 23). 22 Em relação à democracia participativa, o que a diferencia da democracia semidireta é na verdade, o acréscimo, a insistência de que os interessados numa decisão sejam ouvidos pelos órgãos encarregados de tomá-la. Usa-se para isso dos inquéritos, das audiências públicas, da inquirição de experts, o que pode influir na deliberação, mas de modo algum mudam o fato de que esta é adotada por outros que não os interessados, ou o povo (Ibid., p. 33-34). 23 Ibid., p. 24 – 36. 24 Um homem, um voto.

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qualquer forma, medidas que visem ao aprimoramento da democracia não eliminam a

necessidade da representação política25.

3. Representação Política

3.1. Conceito

Nos dias de hoje, é cada vez mais comum o uso da representação. Assim, temos,

por exemplo, os atores que “representam” os seus personagens; os “representantes de sala”

nas escolas, e o Papa, que, pela religião católica, é o “representante de Deus” na Terra.

Nas sociedades primitivas, as pessoas reuniam-se para resolver os problemas da

comunidade. Juntos, tomavam decisões que afetavam a todos. A sociedade cresceu, se

modernizou, e ficou impossível juntar todo mundo num lugar só. Surgiu então a necessidade

de escolher, entre as pessoas de um grupo, aquelas que iriam representá-las na hora da tomada

de decisões.

No Dicionário de Política de BOBBIO, MATTEUCCI e PACCINO26, encontra-se

o seguinte conceito de representação por Maurizio Cotta: Substituir; agir no lugar de ou em

nome de alguém ou alguma coisa, personificar.

Para SOUSA27, os homens têm o direito de comunicar-se com o poder, tornar

conhecidos e respeitados os seus interesses, e, no bom sentido da palavra, os seus privilégios.

Os representantes devem reproduzir a imagem28 da sociedade, fazendo da representação um

espelho dessa realidade. A representação configura-se como um processo de conexão entre a

sociedade e o poder, permitindo a este conhecer o estado real daquela, e oferecendo à

sociedade um instrumento para acautelar-se dos desmandos dos governantes.

25 A democracia representativa tornou-se uma realidade efetiva e, por ora, insuperável. As decisões são tomadas pelo demos, porém, por intermédio de seus representantes reunidos nos Parlamentos (CAGGIANO, Monica Herman Salem. Direito parlamentar e direito eleitoral. Barueri: Manole, 2004, p. 2). 26 Dicionário de política. Tradução Carmen C. Varrialle, Caetano Lo Monaco, J. Ferreira, Luiz G. Pinto Caçais e Renzo Dini. 2.ed. Brasília: UNB, 1986, p. 1102. 27 SOUSA, José Pedro Galvão. Da representação política. São Paulo: Saraiva, 1971. 28 Nesse mesmo sentido, John Adams, in: Letter to John Penn, apud KINZO, Maria D’Alva Gil. Representação política e sistema eleitoral no Brasil. São Paulo: Símbolo, 1980, p.28: [...] uma legislatura representativa, “deveria ser um retrato exato, em miniatura, do povo em geral, de modo que ela deveria pensar, sentir, raciocinar e agir como ele”.

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Hanna Fenichel Pitkin, em “The concept of representation”29, assinala as origens

do termo representação: In the Middle Ages the word is extended in the literature of Christianity to a kind of mystical embodiment, “applied to the Christian community in its most incorporeal aspects”. But its real expansion begins in the thirteenth and early fourteenth centuries, when the Pope and the cardinals are often said to represent the persons of Christ and the Apostles. [...] At the same time, medieval jurists begin to use the term for the personification of collective life. A community, although not a human being, is to be regarded as a person - persona repraesentata, repraesentat unam personam, unium personae repraesentat vicem30.

O conceito de representação tem sido utilizado em diversos significados31. É

preciso não esquecer que uma longa tradição de pensamento político, que inclui Thomas

Hobbes, viu no soberano absoluto “o representante do país”, entendendo por tal aquele que,

tendo recebido um país em confiança, é o responsável e curador de seus interesses.

Substancialmente se incluem na mesma concepção os modernos chefes carismáticos, os

ditadores, os partidos únicos que se proclamam representantes dos “verdadeiros” interesses

do povo.32

3.2. Técnicas de escolha de representantes

Muitas são as fórmulas criadas e conhecidas para a designação dos governantes,

como por exemplo a força, a hereditariedade, as crenças religiosas e o sorteio.33 A Sociologia

29 PITKIN, Hanna F. The concept of representation. Berkeley: University of California Press, 1972, p. 241-242. 30 “Na Idade Média, a palavra é extendida na literatura do cristianismo para um tipo de incorporação mística, aplicada para a comunidade cristã em seu aspecto mais imaterial. Mas sua real expansão começa no século XIII e início do século XIV, quando o Papa e os cardeais eram freqüentemente chamados de representantes das pessoas de Cristo e os apóstolos. [...] Ao mesmo tempo, juristas medievais começaram usar o termo para a personificação da vida coletiva. Uma comunidade, embora não seja um ser humano, é considerada como uma pessoa - persona repraesentata, repraesentat unam personam, unium personae repraesentat vicem (tradução nossa)”. 31 Em todas as línguas européias, o verbo representar e o substantivo representação se aplicam a um universo muito vasto e variado de experiências empíricas. É compreensível, portanto, dada a polivalência da palavra, que, tratando-se daquela representação específica que é a representação política, se evoque automaticamente uma multiplicidade de significados (BOBBIO, MATTEUCCI e PACCINO, Dicionário de política. Tradução Carmen C. Varrialle, Caetano Lo Monaco, J. Ferreira, Luiz G. Pinto Caçais e Renzo Dini. 2.ed. Brasília: UNB, 1986). 32 O Leviatã, de Thomas Hobbes assinala que a primeira lei natural do homem é a “autopreservação”, que o induz a impor-se sobre os demais, gerando a conhecida “guerra de todos contra todos”. Os homens podem executar suas ações por eles próprios ou autorizar alguém a fazê-las em seu nome. O estado de natureza e a luta permanente de uns contra outros gera a necessidade de um “pacto social” para possibilitar a convivência entre os homens. Assim, os homens criam o Estado e “autorizam” um entre eles a representá-los (HOBBES, Thomas. Leviatã. São Paulo: Martin Claret, 2005. passim). 33 O sufrágio, por sorte, diz Montesquieu, é próprio à democracia. Concordo; mas por quê? A sorte, continua ele, é um modo de eleger que não aflige ninguém, deixando a cada cidadão a razoável esperança de servir a Pátria (ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do Contrato Social. Tradução Pietro Nassetti. São Paulo: Martin Claret, 2005, p. 103).

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da Política, de Maurice Duverger34, apresenta um estudo das técnicas de designação das

autoridades. Elas foram descobertas muito cedo e encontramos, quase todas, nas sociedades

arcaicas, sob processos e modalidades variadas, as quais passamos a analisar.

3.2.1. Hereditariedade

Nas sociedades mais modernas, um exemplo de hereditariedade pode ser

encontrado na sucessão de propriedade nas empresas capitalistas. No regime monárquico, a

transmissão do poder se dá de forma hereditária.

3.2.2. Conquista

Quando se fala de conquista do poder, quer-se dizer que o seu titular dele se

apodera pela força. O mugabe, soberano do território de Ankolé, na África, chega ao poder

depois de uma guerra civil ritual entre todos os filhos do mugabe falecido, que pode durar

vários meses: aquele que dela sai vencedor, depois de ter matado todos os irmãos, é

proclamado mugabe.

Outro exemplo é no Buganda, o kabaka designa o seu sucessor, entre os príncipes

da sua descendência, mas um príncipe não designado pode lançar um desafio a este e abre-se

uma batalha entre facções, cujo vencedor é proclamado kabaka.

3.2.3. Cooptação

A cooptação consiste no fato de o predecessor designar o seu sucessor (cooptação

individual) ou de os sobreviventes designarem o sucessor do membro falecido de um comitê

ou de uma assembléia (cooptação coletiva). A cooptação individual funcionou durante um

longo período do Império Romano, durante o qual o imperador designava o seu sucessor. Um

tipo intermediário de cooptação é apresentado pela designação do Papa, a qual é feita pelo

Sacro Colégio dos Cardeais, cujos membros foram designados, vitaliciamente, pelos papas

precedentes.

Karl Loewnstein, em obra específica sobre cooptação assinala que Quem faz parte desse procedimento acredita que a técnica de seleção que é realizada com a cooptação interna é muito funcional para o objetivo. Na realidade, está cheia de elementos de casualidade e arbitrariedade. Em termos de funcionalidade para o objetivo, pode ser superior à eleição popular, mas não oferece qualquer garantia de que só os mais capazes cheguem a posições elevadas. Clientelismo e nepotismo podem naturalmente se insinuar em cada procedimento

34 DUVERGER, Maurice. Sociologia da política. Elementos de ciência política. Coimbra: Almedina, 1983. passim.

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de designação para um cargo; mas em todas as outras técnicas de investimento são mais fáceis de serem descobertas e eventualmente corrigidas do que na cooptação.35

3.2.4. Sorteio

Maurice Duverger vê a eleição e o sorteio terem em comum o processo

democrático e igualitário, ainda que se possa deformá-los, limitando-os a certas pessoas

selecionadas devido à sua riqueza ou ao seu prestígio. Se forem aplicados a todos os membros

de uma coletividade, dão a cada um a possibilidade de exercer o poder. O sorteio inicialmente

apresentou um caráter quase religioso: remetia-se para os deuses o cuidado de designar o mais

digno de exercer o poder. Mas havia o risco de designar-se um incapaz ou perigoso. A

eleição era para os gregos um instrumento aristocrático de escolha; o instrumento democrático

era o sorteio.

3.2.5. Eleição

No sistema moderno de designação das autoridades por eleição, faz-se legitimar

pelo voto dos cidadãos, ao mesmo tempo em que lhes tira a possibilidade de recusar a sua

aprovação. A eleição tornou-se o meio de designação de autoridades supremas mais

expandido hoje: consiste em fazer designar os titulares do poder pelo conjunto dos membros

da coletividade36.

Giovanni Sartori destaca a participação dos monges37 na formação das eleições:

condução do processo eleitoral, o voto secreto, a maioria simples versus a maioria qualificada,

tudo isso e mais um pouco foi virtualmente reinventado e transmitido a nós por eles.

35 La tecnica di selezione che si realizza con la cooptazione interna può apparire a coloro che prendono parte a questo procedimento del tutto funzionale allo scopo. In realtà è tutt’altro che priva di elementi di casualità e di arbitrarietà. In termini di funzionalità allo scopo può essere superiore all’elezione popolare, ma non offre alcuna garanzia che soltanto i più capaci giungano alle posizioni di vertice. Clientelismo e nepotismo possono naturalmente insinuarsi in ogni procedimento di designazione ad una carica; tuttavia in tutte le altre tecniche di investidura sono più facili da scoprire ed eventualmente da correggere che non nella cooptazione (LOEWENSTEIN. Karl. La cooptazione. Milano: Giuffrè Editore, 1990. p.282 - tradução nossa). 36 A eleição é a chave do regime, porque ela é o instrumento pelo qual se exprimem os desejos dos governados, pelo qual formulam estes a sua escolha quanto à atribuição do poder (FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. A democracia no limiar do século XXI. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 29). 37 Desde o século VIII, as ordens monásticas enfrentam o problema de escolher seus superiores. Como os monges não podiam recorrer ao princípio da hereditariedade, nem à força bruta, tiveram de descobrir uma forma de escolher seus “dirigentes”, através de eleições. Em conseqüência da experiência e dos experimentos realizados durante séculos, o constitucionalismo eleitoral das várias ordens religiosas alcançou um refinamento e uma complexidade insuperáveis. Apesar do fato das ordens religiosas gozarem de condições ótimas, os monges sabiam muito bem que nem eles eram anjos e, por isso, nunca deixaram de aperfeiçoar a forma de escolher os mais capazes e os mais adequados, a forma de garantir que uma maioria dos piores não suplantasse a minoria dos melhores (SARTORI, Giovanni. A teoria de democracia revisitada. Tradução de Dinah de Abreu Azevedo. Ática, 1994).

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Para o autor italiano, o antigo regime desintegrou-se sobretudo porque o povo não

aceitava mais uma sociedade cujo princípio organizador era o privilégio herdado – privilégio

divorciado da capacidade e do mérito. Nosso mundo liberal-democrático nasceu da afirmação

do princípio de que o poder injusto dos que não foram eleitos – daqueles que exercem o poder

pelo direito de hereditariedade ou de conquista – fosse substituído pelo poder dos

“escolhidos”. Os homens queriam escolher quem devia governá-los e exigiam o direito de

substituir o mérito e a capacidade autoproclamados pela sua percepção do mérito e da

capacidade.38

Assim, as eleições foram ganhando espaço e preferência por ser um modelo que se

adapta melhor ao sistema representativo. Além disso, conforme expressado por CAGGIANO

promovem o “controle do governo” e conferem legitimidade aos eleitos, contribuindo ainda

para a formação da vontade comum e conscientização política. 39

3.3. John Locke e o Segundo Tratado sobre o Governo As idéias desenvolvidas por John Locke em seu Segundo Tratado sobre o Governo

sustentam que o estado de sociedade e, conseqüentemente, o poder político nascem de um

pacto entre os homens. Antes desse acordo, os homens viveriam em estado natural. Vivendo

em perfeita liberdade e igualdade no estado natural, o homem, contudo, estaria exposto a

certos inconvenientes. Como conseqüência, o gozo da propriedade e a conservação da vida,

liberdade e da igualdade ficariam ameaçados. Para evitar a concretização dessas ameaças, o

homem teria abandonado o estado natural e criado a sociedade política, através de um trato,

não entre governantes e governados, mas entre homens igualmente livres. O objetivo do pacto

seria a preservação da vida, da liberdade e da propriedade, bem como a repressão às violações

desses direitos naturais. De fato, no estado de natureza faltam muitas condições para tanto40.

38 SARTORI, Giovanni. A teoria de democracia revisitada. Tradução de Dinah de Abreu Azevedo. Ática, 1994. 39 CAGGIANO, Monica Herman Salem. Sistemas Eleitorais X Representação política. Brasília: Senado Federal, 1990, p. 74. 40 Primeiro, falta uma lei estabelecida, firmada, conhecida, recebida e aceita pelo consentimento comum, que defina o que é justo e injusto e a medida comum para resolver as controvérsias entre os homens; Em segundo lugar, falta um juiz equânime e indiferente com autoridade reconhecida para ajuizar sobre as controvérsias de acordo com a lei estabelecida; sabemos que, nesse estado, todo homem é juiz e executor da lei, e sendo os homens obviamente parciais, a paixão e a vingança podem levá-los a excessos nos casos em que estejam envolvidos, enquanto a negligência os torna por demais descuidados nos negócios dos outros. Em terceiro lugar, falta quase sempre o poder que sustente a justa sentença, garantindo-lhe a devida execução. Por isso, os homens, apesar dos privilégios do estado de natureza, nele permanecendo em condições precárias, são rapidamente induzidos a se associar (LOCKE, John. Segundo Tratado sobre o Governo. Trad. Alex Marins. São Paulo: Martin Claret, 2006, p. 92-93, cap IX).

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Locke acredita que, através do pacto social, os homens não renunciam aos seus próprios

direitos naturais em favor do poder dos governantes41.

Para Dalmo Dallari, As afirmações de Locke representavam a sistematização teórica de fatos políticos que estavam transformando a Inglaterra em seu tempo, tais como a publicação da Declaração Inglesa de Direitos, de 1688, que proclamava os direitos e as liberdades dos súditos, e a aprovação do documento que se tornou conhecido como Bill of Rights, através do qual se fez a ratificação daquela declaração, além de se afirmar a supremacia do Parlamento.42

As idéias de Locke defendem a supremacia do Poder Legislativo. O poder dos

governantes seria outorgado pelos participantes do pacto social e, portanto, revogável. A

liberdade do indivíduo na sociedade não deve estar subordinada a qualquer poder legislativo

que não aquele estabelecido pelo consentimento na comunidade, nem sob o domínio de

qualquer vontade ou restrição de qualquer lei, a não ser aquele promulgado por tal legislativo

conforme o crédito que lhe foi confiado.43

A segurança e tranqüilidade na sociedade civil se concretizariam quando o poder

legislativo fosse posto nas mãos de grupos de homens: chamem-se estes “senado”, “parlamento”, ou o que se quiser. Assim, cada homem de destaque ficou sujeito, tanto quanto o mais modesto, às leis que ele próprio, como parte do legislativo, ajudara a estabelecer; nem podia qualquer um, pela autoridade própria, subtrair- se à força da lei uma vez promulgada, nem, em virtude de alguma pretensão de superioridade, pleitear isenção da lei, facultando com isso os próprios deslizes ou de qualquer dos seus apaniguados.44 Nas assembléias que têm poderes para agir mediante leis positivas, a decisão da

maioria considera-se como sendo de todos e, sem dúvida, decide, investida do poder de todos

pela lei da natureza e da razão. E assim, o indivíduo, concordando com outros em formar um

corpo político sob um governo, assume a obrigação para com os demais membros dessa

sociedade de submeter-se à resolução que a maioria decidir.45

Locke analisa as formas de governo de acordo com a atribuição do poder

legislativo (poder supremo): [...] leis destinadas à comunidade, leis estas executadas por funcionários por ela nomeados. Nesse caso, a forma de governo é uma perfeita democracia; pode também colocar o poder de legislar nas mãos de alguns homens escolhidos, seus

41 LOCKE, John. Segundo Tratado sobre o Governo. Trad. Alex Marins. São Paulo: Martin Claret, 2006, p. 19 - Introdução. 42 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos da Teoria Geral do Estado. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 126. 43 LOCKE, op.cit., p. 35, cap. IV. 44 Ibid., p. 74, cap.VII. 45 Ibid., p. 77, cap.VIII.

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herdeiros e sucessores, e nesse caso teríamos uma oligarquia. O poder pode ser posto nas mãos de um único homem, e neste caso constitui-se uma monarquia; esta pode ser estendida aos herdeiros do soberano, e será hereditária; se for restrita apenas a ele durante sua vida, e à sua morte o poder for devolvido à comunidade, teremos uma monarquia eletiva. E assim, segundo tais modalidades, a comunidade pode determinar formas compostas ou mistas de governo, conforme achar conveniente. E se o poder legislativo tiver sido cedido pela maioria apenas a uma pessoa, para sempre, ou por um prazo limitado, para retornar depois às mãos dela – quando a comunidade o reassume, pode dispor dele novamente e colocá-lo nas mãos de quem quiser, constituindo até uma nova forma de governo. Como a forma de governo depende da condição do poder supremo, que é o legislativo – pois é inconcebível que o poder inferior prescreva ao superior, ou que outro poder que não supremo faça as leis -, o modo de se estabelecer o poder legislativo será a forma da comunidade.46 Embora o Legislativo, na visão de Locke, fosse o poder supremo, essa condição

não lhe permitia abusos, principalmente em relação à propriedade: [...] quem detém o poder não pode tirar de qualquer homem sua propriedade ou parte dela sem o seu consentimento; [...] cabe aos homens tal direito aos bens que lhes pertencem, que ninguém tem o direito de lhos tirar, em todo ou em parte, sem o seu consentimento; sem isso, não haveria nenhuma propriedade verdadeira, uma vez que outros tivessem o direito de tirá-la quando lhe aprouvesse, sem consentimento. Por isso, é errôneo supor que o poder legislativo ou supremo de uma comunidade possa fazer o que bem entenda e dispor arbitrariamente das propriedades dos cidadãos, ou tirar-lhes qualquer parte delas à vontade.

Locke assinala quatro atribuições do poder legislativo de qualquer comunidade,

em todas as formas de governo, que são: primeiro: governar por meio de leis estabelecidas e

promulgadas, que não poderão variar em certos casos, valendo a mesma regra para ricos e

pobres, para favoritos na corte ou camponeses no arado. Segundo: tais leis devem ter o único

fim do bem do povo, excluindo todos os demais. Terceiro: não devem lançar impostos sobre a

propriedade do povo sem o consentimento deste, dado diretamente ou através dos deputados

eleitos. E essa imposição se refere somente aos governos quando o legislativo é permanente

ou quando o povo não reservou nenhuma porção do poder legislativo para deputados a serem

por ele escolhidos de tempos em tempos. Quarto: o legislativo não deve nem pode transferir o

poder de legislar a quem quer que seja, ou fazer dele outra coisa que não o indicado pelo

povo47.

Cabia ainda ao povo, na análise de Locke, [...] o poder supremo para afastar ou modificar o legislativo, se constatar que age contra a intenção do encargo que lhe confiaram. [...] a comunidade sempre conserva o poder supremo de se salvaguardar contra os maus propósitos e atentados de quem quer que seja, até dos legisladores, quando se mostrarem levianos ou maldosos para tramar contra a liberdade e propriedades dos cidadãos.48 46 LOCKE, John. Segundo Tratado sobre o Governo. Trad. Alex Marins. São Paulo: Martin Claret, 2006, p.96, cap. X. 47 Ibid., p. 104-105, cap. XI. 48 Ibid., p. 109, cap. XIII.

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Como conseqüência, nenhum governo pode exigir obediência a um povo que não a

consentiu livremente; e não é de supor que o façam até que gozem de inteira liberdade para

escolher governo e governantes, ou pelo menos até que tenham leis a que tenham dado

assentimento, por si mesmos ou por seus representantes. E até que lhe permitam a propriedade

devida, cuja posse seja tão clara e pacífica que ninguém os possa privar de qualquer parte sem

o seu consentimento e, se assim não for, sob qualquer governo, os homens não serão homens

livres, mas escravos diretos sob o poder da espada.49

Quando a sociedade depositou o poder legislativo numa assembléia de homens,

para que continue neles e em seus sucessores, com legislação e autoridade para indicar tais

sucessores, o legislativo não pode retornar ao povo enquanto durar o governo, porque criado

um legislativo com poder de perpetuidade, o povo entregou o poder político ao legislativo,

não podendo reassumi-lo. Contudo, se estabeleceu limites à duração do legislativo e tal poder

supremo em qualquer pessoa ou assembléia for temporário, ou então se vier a ser perdido

pelas faltas dos investidos da autoridade, volta à sociedade por ocasião da perda ou findo o

prazo combinado, ficando o povo com direito de agir como supremo, conservar o legislativo

em si mesmo, criar nova forma ou, na forma anterior, colocá-lo em novas mãos, conforme

achar mais conveniente.50

Por fim, Locke questiona quem julgará se o príncipe ou o legislativo agirem

contrariamente ao encargo recebido: [...] A isto respondo: O povo será o juiz; porque quem poderá julgar se o depositário da confiança ou o deputado age bem e consoante ao encargo a ele confiado senão aquele que o elege, e a quem cabe, por isso mesmo, o poder para afastá-lo quando não agir dentro do combinado? 51 3.4. Do Espírito das Leis de Montesquieu

Montesquieu destacou em sua obra Do Espírito das Leis, no capítulo Da

Constituição da Inglaterra, a conveniência da representação, argumentando que o povo não

era capaz de discutir os negócios públicos, sendo aptos para isso os representantes. Sendo

assim, o povo só deveria tomar parte no governo para escolhê-los. Isso era tudo o que poderia

fazer.

49 LOCKE, John. Segundo Tratado sobre o Governo. Trad. Alex Marins. São Paulo: Martin Claret, 2006, p. 132, cap. XVI. 50 Ibid., p. 163, cap. XIX. 51 Ibid., p. 162, cap. XIX.

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Essa idéia defende que os homens em geral não têm a capacidade de debater e bem

analisar os problemas, suas causas e conseqüências, e encontrar boas soluções. Somente

alguns têm essa capacidade: a eles, como representantes de todos os outros, é que deve ser

dado o papel de elaborar a lei. Tais representantes, porém – e nisto está o ponto fundamental –

devem ser escolhidos pelos representados. Sim, porque se os representados não têm a

capacidade de bem decidir as questões concretas de governo, têm eles em compensação a

capacidade de identificar os mais capazes de exercer a função de seus representantes. O

representante, neste modelo, não é um porta-voz que transmite a vontade preexistente de uma

autoridade ou de um grupo, mas alguém que, mais sábio do que o grupo representado, fala por

ele. Montesquieu manifestou o seu pensamento nos seguintes termos: Uma vez que, em um Estado livre, todo homem que supõe possuir uma alma livre deve ser governado por si próprio, é necessário que o povo, em seu conjunto, exerça o poder legislativo; mas como isso é impossível nos grandes Estados, e nos Estados pequenos estaria sujeito a muitos inconvenientes, é preciso que o povo exerça pelos seus representantes tudo o que não pode exercer por si mesmo.52

E ainda:

A grande vantagem dos representantes é que estes são capazes de discutir as questões públicas. O povo não é, de modo algum, apto para isso, fato que constitui um dos grandes inconvenientes da democracia.53

No entendimento de Montesquieu, os representantes recebiam uma instrução geral

dos que os escolheram, não sendo necessário uma instrução particular sobre cada uma das

questões. É certo que, dessa maneira, a palavra do deputado expressaria melhor a voz da

nação; entretanto, isso acarretaria infinitas delongas, e tornaria cada deputado senhor de todos

os outros; e nas ocasiões mais prementes, toda a força da nação poderia ser anulada por um

capricho.54

Dizia Montesquieu, que o povo era excelente para escolher, mas péssimo para

governar. Precisava o povo, portanto, de representantes, que iriam decidir e querer em nome

do povo. Nesse sentido:

Havia um grande vício na maioria das antigas repúblicas: o povo tinha o direito de tomar resoluções ativas que requerem certa execução, coisa de que ele de modo algum é capaz. Ele só deve tomar parte no governo para escolher seus representantes, e isso é tudo o que pode fazer. Porque, se há poucos indivíduos que conhecem o grau preciso da capacidade dos homens, cada um será, porém, capaz de

52 MONTESQUIEU. Do espírito das leis. Tradução Jean Melville. São Paulo: Martin Claret, 2005, Livro XI, Capítulo VI, p. 168. 53 Ibid., Livro XI, Capítulo VI, p. 168. 54 Ibid., Livro XI, Capítulo VI, p. 168-169.

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saber, em geral, se aquele a quem escolheu é mais esclarecido do que a maior parte dos outros.55 Também o corpo representativo não deveria ser escolhido para tomar qualquer

resolução ativa, coisa que ele não executaria bem, mas sim para criar leis ou examinar se

foram bem executadas aquelas que criou, tarefa que saberia desempenhar muito bem, e

ninguém mais é capaz de desempenhá-la melhor que ele.56

Quanto à participação dos nobres no Poder Legislativo, Montesquieu adverte que

sempre há, em um Estado, indivíduos que se distinguem pelo nascimento, pelas riquezas, ou

pelas honras; mas se eles se confundissem com o povo e só tivessem direito a um voto, como

os outros, a liberdade comum seria sua própria escravidão, e eles não teriam nenhum interesse

em defendê-la, já que a maioria das resoluções seria contrária a eles. A participação deles na

legislação, portanto, deveria ser proporcional às outras vantagens que possuem no Estado; e é

o que ocorrerá se eles formarem um corpo que tenha o direito de impedir os empreendimentos

do povo, tal como o povo tem o direito de impedir o deles. Dessa maneira, o poder legislativo

seria confiado tanto ao corpo dos nobres quanto ao corpo que for escolhido para representar o

povo, cada qual com suas assembléias e deliberações à parte, e objetivos e interesses

separados. O corpo dos nobres deveria ser hereditário. Entretanto, como um poder hereditário

poderia ser induzido a seguir seus interesses particulares e a esquecer os do povo, é preciso

que nas coisas em que há um supremo interesse em corromper, como nas leis concernentes à

arrecadação de dinheiro, ele só tome parte na legislação por sua faculdade de impedir, e não

por sua faculdade de estatuir.57

Já em relação ao Poder Executivo, aos olhos de Montesquieu, este deve

permanecer nas mãos de um monarca, porque essa parte do governo, é mais bem administrada

por um só do que por vários; enquanto o que depende do Poder Legislativo é, não raro, mais

bem ordenada por muitos do que por um só. Se não houvesse monarca, e se o poder executivo

fosse conferido a um certo número de pessoas tiradas do corpo legislativo, não haveria mais

55 MONTESQUIEU. Do espírito das leis. Tradução Jean Melville. São Paulo: Martin Claret, 2005, Livro XI, Capítulo VI, p. 169. 56 Ibid., Livro XI, Capítulo VI, p. 169. 57 Montesquieu chama faculdade de estatuir o direito de ordenar por si próprio ou de corrigir o que foi ordenado por outro. E chama faculdade de impedir o direito de anular uma resolução tomada por qualquer outro. E não obstante aquele que tem a faculdade de impedir possa ter também o direito de aprovar, essa aprovação será nada mais que uma declaração de que ele não usará sua faculdade de impedir e, portanto, a faculdade de aprovar decorre da de impedir (Ibid., Livro XI, Capítulo VI, p. 169-170).

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liberdade, pois os dois poderes ficariam unidos, neles tomando parte, às vezes ou sempre, as

mesmas pessoas.58

Montesquieu ainda assinala que, se o corpo legislativo ficasse sem se reunir por

um longo período, não haveria mais liberdade, pois ocorreria uma de duas coisas: ou não

haveria mais resolução legislativa e o Estado cairia na anarquia, ou essas resoluções seriam

tomadas pelo Poder Executivo, e ele tornar-se-ia absoluto.59

Por último, destaca-se a questão da temporariedade do mandato e a opinião do

povo sobre o Legislativo, expressa nesses termos por Montesquieu: Quando diversos corpos legislativos se sucedem mutuamente, o povo que tiver má opinião do corpo legislativo em exercício, transferirá, e com razão, as suas esperanças para o que virá depois. Entretanto, se permanecesse sempre o mesmo corpo, o povo, vendo-o uma vez corrompido, nada mais esperaria de suas leis; ficaria furioso ou cairia na indolência.

3.5. A crítica da representação no Contrato Social de Rousseau

Uma leitura do Contrato Social de Rousseau nos permite compreender o seu

pensamento em relação ao sistema representativo. Todos nascem livres e iguais e, para que

todos continuem assim, é necessário que ninguém esteja sujeito a outro, mas que todos

estejam subordinados, apenas e tão-somente a todos. A associação dos homens resultará que

cada um, ao se unir a todos, só obedecerá a si próprio, e permanecerão dessa forma tão livres

como antes. Todo homem só se subordinaria ao povo e nunca a um homem em particular.

Não seria governado por um ou por alguns homens, mas pela vontade impessoal do todo, de

que faz parte e em cujas deliberações intervém.60

Com liberdade e igualdade de direitos, os homens não iriam associar-se para viver

em condições piores do que viveriam em estado de natureza. Desse modo, não haveria

associações que pudessem gerar perda de liberdade ou dos direitos naturais. Só o fariam para,

sem perder nada, ganhar a força produzida pela associação. Isto é o objeto do pacto social.

Cada indivíduo se coloca sob a direção suprema da vontade geral. Todos se associam,

sujeitando-se – todos, à vontade geral. Nesse modelo rousseauniano, não haveria diferença 58 MONTESQUIEU. Do espírito das leis. Tradução Jean Melville. São Paulo: Martin Claret, 2005, Livro XI, Capítulo VI, p. 170. 59 Ibid., Livro XI, Capítulo VI, p. 170. 60 Os homens teriam vantagem em se associar para atividades de interesse comum. A sociedade, todavia, tal como se implantou, especialmente em razão da propriedade, gerou as desigualdades e, numa palavra, o perverteu. Famoso é o texto: “O primeiro que, tendo cercado um terreno, cuidou de dizer: isto é meu, e encontrou gente bastante simplória para crer nisso, foi o verdadeiro fundador da sociedade civil. E aí está a raiz de crimes, guerras, assassínios, misérias, horrores, dos males sociais, enfim (ROUSSEAU, Jean-Jacques. Discurso sobre a origem da desigualdade entre os homens, Martins Fontes: São Paulo, 1999, p. 203).

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entre governante(s) e governado(s). Todos são, ao mesmo tempo, governantes (não se

subordinam a ninguém, ou seja, continuam livres) e governados. Mas, cada um deveria

sujeitar-se a uma vontade impessoal – conseqüente da participação de todos, a vontade geral,

que é expressa pela lei.

Rousseau não admitia outro modo de expressão da vontade que não fosse da

deliberação direta de todos os cidadãos e não aceitava de modo algum a idéia de que a

vontade pudesse ser representada, como podemos observar nessas passagens de sua obra: O poder se pode transmitir, não a vontade. O soberano pode bem dizer: eu quero agora o que quer este homem, contudo não pode dizer: o que este homem quererá amanhã, eu o quererei ainda.61 Se houvesse um povo de deuses, esse povo se governaria democraticamente. Um governo tão perfeito não convém a seres humanos.62

A soberania não pode ser representada pela mesma razão que não pode ser alienada; consiste ela essencialmente na vontade geral e a vontade não se representa: ou é ela mesma ou algo diferente; não há meio termo. Os deputados do povo não são nem podem ser seus representantes, eles não são senão comissários; nada podem concluir em definitivo. Toda lei que o povo não haja pessoalmente ratificado é nula; não é lei. O povo inglês cuida que é livre, mas se engana bastante, pois unicamente o é quando elege os membros do Parlamento: tanto que os elege, é escravo, não é nada.63

A idéia de representantes, assinala Rousseau, é moderna. Nas antigas repúblicas, e

até nas monarquias, o povo não tinha representantes; tal palavra era desconhecida. No

momento em que um povo estabelece representantes, deixa de existir, já não é mais livre. Mas

Rousseau compreendia a impossibilidade de reunir todos os cidadãos para deliberação. Diante

disso, ele advertia que esse sistema democrático ideal somente conviria a Estados pequenos.

Portanto, um pressuposto para o funcionamento desse modelo era que os Estados se

fracionassem, formando Estados menores, com pequena população e território, como algumas

regiões de sua terra, a Suiça.

3.6. Sieyés e o Terceiro Estado (Qu’est-ce que le Tiers État)

Para Emmanuel Joseph Sieyès, a representação política tem como ponto de partida

a teoria da soberania nacional e a soberania nacional conduz ao governo representativo. É que

a soberania reside indivisivelmente na Nação, não podendo qualquer indivíduo ou grupo de

61 ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do Contrato Social. Tradução Pietro Nassetti. São Paulo: Martin Claret, 2005, Livro II, Capítulo I, p. 39. 62 Ibid., Livro III, Capítulo IV, p. 72. 63 Ibid., Livro III, Capítulo XV, p. 91-92.

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indivíduos invocar, por direito próprio, o exercício da soberania nacional. Mas a Nação, a

quem era atribuída a origem do poder, só poderia exercê-lo delegando-o a seus representantes.

A partir desse raciocínio, desenvolve-se a teoria do governo representativo, no qual o povo

governa através dos seus representantes eleitos, isto por oposição quer ao regime autoritário

ou despótico quer ao governo direto, baseado na identidade entre governantes e governados.

É preciso entender como Terceiro Estado o conjunto dos cidadãos que pertencem à

ordem comum. Tudo o que é privilegiado pela lei, de qualquer forma, sai da ordem comum,

constitui uma exceção à lei comum e, conseqüentemente, não pertence ao Terceiro Estado. O

Terceiro Estado abrange, pois, tudo o que pertence à Nação. E tudo o que não é Terceiro

Estado não pode ser olhado como pertencente à Nação. Quem é o Terceiro Estado? Tudo. É

completamente impossível que o corpo da Nação, ou mesmo alguma ordem em particular,

venha a se tornar livre, se o Terceiro Estado não é livre. Não somos livres por privilégios, mas

por direitos, direitos que pertencem a todos os cidadãos. A partir do instante em que um

cidadão adquire privilégios contrários ao direito comum, já não faz mais parte da ordem

comum64. Seu novo interesse se opõe ao interesse geral. Ele não pode votar pelo povo. Todo

privilégio se opõe ao direito comum. Portanto, todos os privilegiados, sem distinção, formam

uma classe diferente e oposta ao Terceiro Estado. O povo quer ser alguma coisa e, na

verdade, muito pouco. Quer ter verdadeiros representantes nos Estados Gerais, ou seja,

deputados oriundos de sua ordem, hábeis em interpretar sua vontade e defender seus

interesses65.

Na visão de Sieyès, os abusos na França favoreciam alguém. Não era ao Terceiro

Estado que eles traziam vantagens, mas é a ele sobretudo que prejudicavam. As leis, que, pelo

menos, deveriam estar livres de parcialidade, também se mostravam cúmplices dos

privilegiados. Para quem pareciam ter sido feitas? Para os privilegiados. Contra quem? Contra

o povo. Em toda nação livre – e toda nação deve ser livre, adverte Sieyès, só há uma forma de

acabar com as diferenças, que se produzem com respeito à Constituição. Não é aos notáveis

que se deve recorrer, é a própria Nação. Se for preciso uma constituição, deve-se fazê-la. Só a

Nação tem direito de fazê-la. Desse modo, se se quiser reunir, na França, as três ordens numa 64 Para pertencer realmente ao Terceiro Estado, era necessário não possuir nenhuma espécie de privilégio. Os privilegiados são para o grande corpo dos cidadãos o que as exceções são para a lei. Toda sociedade deve ser regulada por leis e submetida a uma ordem comum (SIEYÈS. Emmanuel Joseph. A Constituinte Burguesa (Qu’est-ce que le Tiers État?) 4.ed. Tradução Norma Azevedo. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2001, p. 16). 65 Sieyès apresenta três petições do Terceiro Estado: 1) Que os representantes do Terceiro Estado sejam escolhidos apenas entre os cidadãos que realmente pertençam ao Terceiro Estado; 2) Que seus deputados sejam em número igual ao da nobreza e do clero; 3) Que os Estados Gerais votem não por ordens mas por cabeças (Ibid., p. 16-27).

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só, deve-se começar pela abolição de qualquer privilégio66. É preciso que nobres e sacerdotes

tenham como interesse somente o interesse comum, e que só gozem, por força da lei, dos

direitos de simples cidadãos. Sem isso, não adianta reunir as três ordens sob a mesma

denominação. Elas continuarão a ser três matérias heterogêneas impossíveis de se misturar.

O corpo dos representantes, a quem está confiado o poder legislativo ou o

exercício da vontade comum, só existe na forma que a Nação quiser lhe dar. A Nação existe

antes de tudo, ela é a origem de tudo. Sua vontade é sempre legal, é a própria lei. Antes dela e

acima dela só existe o direito natural. Por fim, o pensamento de Sieyès defende que uma

Nação é independente de qualquer formalização positiva, basta que sua vontade apareça para

que todo direito político cesse, como se estivesse diante da fonte e do mestre supremo de todo

direito positivo.

3.7. A doutrina dos mandatos

A doutrina dos mandatos nos traz duas teorias: a identidade e a duplicidade. Pela

teoria da duplicidade, o representante é tomado politicamente por nova pessoa, portadora de

uma vontade distinta do representado, e com iniciativa, reflexão e criação. É o representante

senhor absoluto de sua capacidade decisória – para o bem comum. Dessa concepção, extrai-se

a total independência do representante67.

Por outro lado, a regra da identidade retira a vontade autônoma do

representante, subordinando-o à vontade dos governados, criando, assim, uma espécie de

“fidelidade” ao mandante. Consiste, em sua essência, no estabelecimento da máxima

harmonia entre a vontade dos governantes e a dos governados. Assim, a soberania popular,

tanto na titularidade como no exercício, se torna uma peça única, sem contradições e oposição

entre os que mandam e os que são mandados. “É a vontade deste que ele em primeiro lugar se

acha no dever de reproduzir, como se fora fita magnética ou simples folha de papel

carbono”.68

66 Para Sieyès, privilegiado era todo homem que sai do direito comum, porque não pretende estar completamente submetido à lei comum, ou porque pretende direitos exclusivos. Uma classe privilegiada é prejudicial, não só pelo espírito de corpo, mas por sua própria existência. Quanto mais ela obtém favores necessariamente contrários à liberdade comum, mais importante se toma afastá-la da Assembléia Nacional (SIEYÈS. Emmanuel Joseph. A Constituinte Burguesa (Qu’est-ce que le Tiers État?) 4.ed. Tradução Norma Azevedo. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2001, p.73). 67 Um exemplo é a Constituição de Weimar, de 1919, artigo 21, quando afirmava que “os deputados são os representantes de todo o povo”: “Os deputados são os representantes de todo o povo, não obedecem senão a sua consciência e não se acham presos a nenhum mandato (art. 21)”. 68 BONAVIDES, Paulo. Ciência Política. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 215.

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3.7.1. O mandato livre

A idéia principal do mandato livre (representativo) é a independência do

representante em relação ao eleitor. Deste último, bastava ao representante trazer uma

orientação geral, no entendimento de Montesquieu.

A teoria do mandato representativo requer a adoção da doutrina da soberania

nacional. O comportamento político do representante, seus atos, seus votos, sua vontade são

imputáveis à nação soberana. Presume-se rigorosa conformidade ou coincidência da vontade

representativa com a vontade nacional, de modo que o pensamento dos representantes será o

legítimo pensamento da nação. A nação se exprime portanto, através dos representantes,

invioláveis no exercício de suas prerrogativas soberanas como legisladores que são; titulares

de um mandato que não fica preso às limitações ou dependência de nenhum colégio eleitoral

particular ou circunscrição territorial. São traços característicos do mandato representativo: a

generalidade, a liberdade, a irrevogabilidade, a independência69.

Edmund Burke, no seu célebre discurso aos eleitores de Bristol, desenvolveu o

seguinte argumento em favor do mandato livre: Meu importante colega afirma que a sua vontade deve ser subserviente à de vocês. Se todo o problema fosse este, a coisa seria fácil. Se o governo fosse uma questão de vontade de cada lado, a sua sem dúvida deveria ser superior. Mas governo e legislação são assuntos de inteligência e escolha, e não de inclinação; e que tipo de razão é esta na qual a decisão antecede a discussão, na qual um conjunto de homens delibera e outros decidem, e aonde aqueles que chegam a uma conclusão estão, talvez, a 300 milhas de distância daqueles que ouvem as opiniões? Dar uma opinião é um direito de todos os homens; a dos constituintes é uma opinião de peso e respeitável, que deve ser sempre ouvida com satisfação pelo representante e que se deve considerar seriamente. Mas instruções autorizadas, mandatos emitidos, pelos quais os membros são obrigados a obedecer, cega e implicitamente, a votar, a defender, ainda que contrários à mais evidente convicção do seu julgamento e consciência, essas são coisas inteiramente desconhecidas pelas leis desta terra e que surgem de um erro fundamental de toda a ordem e sentido de nossa Constituição. O Parlamento não é um congresso de embaixadores de interesses hostis e diferentes, que devem manter-se como agente e advogado contra outros agentes e advogados: o Parlamento é uma assembléia deliberativa de uma Nação, com um interesse,

69 Por generalidade, entende-se que o mandatário não representava o território, a população, o eleitorado ou o partido político, no seu todo ou de forma fracionária. Ele representava a própria Nação em seu conjunto.

Quanto à liberdade, reconhecido como titular da vontade nacional soberana, o representante exerce o mandato com inteira autonomia de vontade, não podendo ser coagido nem ficar sujeito a qualquer pressão externa, capaz de atrapalhar ou impedir a sua livre ação.

O princípio da irrevogabilidade permite o representante exprimir-se livremente, sem o receio de que os eleitores possam destituí-lo de seu mandato.

A independência permite que os atos do mandatário se achem a salvo de qualquer ratificação por parte do mandante, presumindo-se que a vontade representativa seja a mesma vontade nacional (doutrina jurídica da representação política dominante em fins do século XVIII), a vontade popular ou a vontade do colégio eleitoral, conforme a linha de desenvolvimento histórico com que se veio gradativamente atenuado o rigor e a generalidade mesma do princípio representativo (BONAVIDES, Paulo. Ciência Política. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 260-262).

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aquele do todo – onde os objetivos locais não devem servir de guia, mas o bem geral, resultante da razão geral do todo. Vocês de fato escolhem um membro; mas quando vocês escolheram, ele não é um membro de Bristol, mas é um membro do Parlamento”.70

3.7.2. O mandato imperativo

O mandato imperativo sujeita os atos do mandatário à vontade do mandante. Pelo

mandato imperativo, o representante contrai a obrigação de sempre atuar em conformidade

com a vontade do mandante, subordinado às suas instruções. Nos governos de democracia

semidireta, assinala BONAVIDES71 é possível sustentar que o mandato se faz imperativo, não

somente por exigências morais ou políticas, que atuam de forma poderosa sobre o ânimo do

representante, obrigando-o a considerar sempre a posição, os interesses, as convicções e os

compromissos eleitorais partidários. Há que se falar ainda na determinação jurídica, como a

que decorre da regra constitucional que prescreve a revogação do mandato em certos casos,

como por exemplo, nos Estados Unidos e na Suiça, mediante o Recall72 e o

Abberufungsrecht73, respectivamente. Onde existe o direito de revogação, a democracia

70 BASTOS, Celso Ribeiro; Martins, Ives Gandra. Comentários à Constituição do Brasil. v.4. t.1. 3.ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 18. 71 BONAVIDES, Paulo. Ciência Política. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 264. 72 Com o recall, revoga-se o mandato do representante, antes de expirar o prazo legal de seus poderes, desde que determinada parcela de eleitores tomasse iniciativa a esse respeito, daí resultando eventualmente a cessação ou a renovação do mandato que se questionou.

O recall é forma de revogação individual. Capacita o eleitorado a destituir funcionários, cujo comportamento, por qualquer motivo, não lhe esteja agradando. Determinado número de cidadãos, em geral a décima parte do corpo de eleitores, formula, em petição assinada, acusações contra o deputado ou magistrado que decaiu da confiança popular, pedindo sua substituição no lugar que ocupa, ou intimidando-o a que se demita do exercício de seu mandato. Decorrido certo prazo, sem que haja a demissão requerida, faz-se votação, à qual, aliás, pode concorrer, ao lado de novos candidatos, a mesma pessoa objeto do procedimento popular. Aprovada a petição, o magistrado ou funcionário tem o seu mandado revogado. Rejeitada, considera-se eleito para novo período. Doze Estados-membros da União americana aplicam o recall, que tem mais voga na esfera municipal do que na estadual. Cerca de mil municípios americanos o adotam. A instituição inexiste no plano federal. Na órbita estadual, conforme assinala Duverger, são modestos os seus resultados: um único governador, o de Oregon, em 1821, caiu pelo recall, justamente naquele Estado que Lowell batizou como o maior dos laboratórios da experiência popular. As constituições do Oregon e da Califórnia contém disposições que estendem até mesmo aos juízes a aplicação do recall. Em vários Estados da União americana emprega-se esse princípio de revogação, que é dos mais controversos com respeito aos membros do poder judiciário (Ibid., p. 292). Implica, de fato, numa função censora cometida aos eleitores, vinculando profundamente os governantes ao corpo eleitoral, impondo-lhes o respeito à opinião pública através da ameaça psicológica permanente de sua destituição (CAGGIANO, Monica Herman Salem. Sistemas Eleitorais X Representação política. Brasília: Senado Federal, 1990, p. 30). 73 Com o Abberufungsrecht, que a natureza do mandato representativo igualmente repele, chegar-se-ia ao mesmo resultado, ocorrendo desta feita não a revogação individual, mas a revogação coletiva. Extinto ou renovado ficaria o mandato de uma assembléia e não somente o de um representante mediante a aplicação deste instituto

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representativa, transformada em democracia semidireta, já admite juridicamente o mandato

imperativo. Nos demais sistemas democráticos, repousa em solo político e moral, a um passo

de sua institucionalização jurídica.74

3.7.3. O mandato partidário

Paulo Bonavides, após examinar diversos conceitos de partido político, assim o

define: O partido político, a nosso ver, é uma organização de pessoas que inspiradas por idéias ou movidas por interesses, buscam tomar o poder, normalmente pelo emprego de meios legais, e nele conservar-se para realização dos fins propugnados. Das definições expostas, deduz-se sumariamente que vários dados entram de maneira indispensável na composição dos ordenamentos partidários: a) um grupo social; b) um princípio de organização; c) um acervo de idéias e princípios, que inspiram a ação do partido; d) um interesse básico em vista: a tomada do poder; e e) um sentimento de conservação desse mesmo poder ou domínio do aparelho governativo quando este lhe chega às mãos.75 O crescimento do partido político, bem como sua importância pública,

acompanham o crescimento da democracia e suas instituições. A história dos partidos

políticos nos revela que, de início, eles foram reprimidos, hostilizados e desprezados, tanto na

doutrina como na prática das instituições. Não havia lugar para o partido político na

democracia. Hoje, entende-se precisamente o contrário: a democracia é impossível sem os

partidos políticos.76

O comportamento de alguns parlamentares que estariam mais preocupados com

interesses pessoais, passaram a demonstrar algumas deficiências no sistema representativo,

exigindo a busca de modos de aperfeiçoamento do mesmo. A necessidade principal era

aumentar o grau de democracia no sistema. Surge, assim, um modelo que, em teoria, adverte

FERREIRA FILHO77 ampliaria a influência dos eleitores sobre o governo. Esse novo modelo

proporcionaria, além da escolha dos governantes, a orientação política a ser praticada. Trata- do regime representativo semidireto. O Abberufungsrecht é a forma de revogação coletiva. Aqui não se trata, como no Recall, de cassar o mandato de um indivíduo, mas o de toda uma assembléia. Requerida a dissolução, por determinada parcela do corpo eleitoral, a assembléia só terá findado seu mandato após votação da qual resulte patente pela participação de apreciável percentagem constitucional de eleitores que o corpo legislativo decaiu realmente da confiança popular. Sete cantões na Suiça e um semicantão desse mesmo país admitem em suas instituições o Abberufungsrecht (BONAVIDES, Paulo. Ciência Política. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 293-294). 74 Ibid., p. 264. 75 Ibid., p. 346. 76 Ibid, p. 350. 77 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. A democracia no limiar do século XXI. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 21.

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se da democracia criada em volta dos partidos, baseada em programas de governo

(realizáveis). Os militantes e candidatos do partido, uma vez eleitos, colocariam em prática o

programa de governo. A disputa eleitoral passa a se dar entre partidos. Os eleitores

manifestam a sua preferência, em primeiro lugar, à um programa/partido. Secundariamente,

escolhiam-se os governantes. Teoricamente, o povo estaria governando porque elegeria os

representantes e junto com eles a orientação e política de governo. Os partidos tornam-se

elementos indispensáveis à democracia.

Constituiu-se, então, o modelo da democracia partidária. É neste o partido político

a peça essencial. Os verdadeiros candidatos passam a ser os partidos com seus programas e

não os indivíduos que postulam os cargos eletivos. Resulta desse modelo o chamado mandato

partidário. Como os partidos disputam o poder para a realização de uma política geral, os seus

eleitos o foram por essa causa política, para servi-la. Desse modo, os mandatos pertencem ao

partido e seus titulares devem obedecer à disciplina deste, sob pena de serem destituídos e

substituídos. É a fidelidade partidária78.

O mandato partidário pode, a princípio, apresentar-se como uma boa alternativa,

uma vantagem e até mesmo um aperfeiçoamento79 do modelo anterior. Mas Manoel

78 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 29.ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 91-92. A experiência mostra que os programas partidários são sempre vagos, genéricos, girando em torno de pontos de aceitação comum, como justiça, liberdade, igualdade, sem jamais descer a concretizações que precisem o que efetivamente farão se alcançarem o poder. A razão disso é simples. Não é a malícia dos partidos, mas a elementar necessidade de somar votos. Ora, para tanto, cumpre não desagradar: as generalidades agradam, ou pelo menos não desagradam, as concretizações ferem interesses, conseqüentemente provocam desagrado em certos grupos que assim se afastariam do partido. Surgem alguns aspectos complexos: por exemplo, a necessidade do eleito manter uma fidelidade ao partido, com a possibilidade de perder a sua posição se abandonar o partido pelo qual se elegeu, ou descumprir as diretrizes programáticas por este adotadas. Esse sistema de democracia pelos partidos, para obter êxito presume um bipartidarismo que dificilmente ocorre. Quando existem apenas dois partidos, o governo ficará sob a responsabilidade de um deles, que poderá executar totalmente a sua proposta programática. Por outro lado, onde há multipartidarismo, o governo sempre sofrerá a influência de vários partidos. Como conseqüência, o seu programa será semelhante ao de muitos. Nessa situação, o povo não terá escolhido a linha do governo (FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. A democracia no limiar do século XXI. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 22). 79 Esse modelo só representaria um aperfeiçoamento se, realmente, os partidos pudessem estabelecer programas suficientemente precisos para que sirvam de guia à ação governamental. Então se poderá dizer que a maioria eleitoral tem por conseqüência a definição de uma política. Do contrário, a preferência por este ou aquele agrupamento não significará mais do que uma mera e vaga inclinação. Os indivíduos que compõem os partidos, não recebem a mesma formação e nem vivem nas mesmas condições. Daí não sofrerem nem encararem do mesmo modo os problemas que surgem no dia-a-dia. As diferenças individuais, somadas às trazidas pela educação, pela divisão do trabalho, pela vinculação a classes sociais, separam os homens em grupos diversos, cujos interesses imediatos se contrapõem quando não estão de tal forma afastados que deixam de ser percebidos por vastas camadas da população. Disto resulta que os problemas concretos que afligem diretamente certos grupos são ignorados pela maioria, que com eles não se sensibiliza, enquanto sua solução importa em ferir outros interesses de grupos que a eles se antagonizam. Assim, sendo imprescindível para os partidos obter o máximo de votos, têm eles de procurar o que soma e não o que divide. Portanto, o partido consciente de seu próprio interesse eleitoral tem de estabelecer o seu programa em torno de generalidades e questões de princípio que agradam e

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Gonçalves Ferreira Filho nos destaca também alguns inconvenientes que os partidos políticos

podem produzir: Um de seus inconvenientes é o seu caráter oligárquico. Poucos o dominam e esses poucos por terem em mãos a formulação das opções eleitorais têm uma influência desproporcionada. Por outro lado são eles facilmente corrompidos pelo suborno ou comprados por “doações”. Outro é o de poderem servir de ponta de lança para o poder econômico. De fato, precisando de vultosos recursos para a propaganda, mormente hoje com as técnicas sofisticadas que, ao mesmo tempo, reclamam e propiciam os meios de comunicação de massa, podem ser “comprados” pelos seus financiadores. E assim usados para a defesa de interesses particulares.80

De fato, assinala CAGGIANO81, sob o impulso da agremiação partidária ganha a

representação política nova dimensão, girando sempre em torno daquela figura, à qual,

portanto, restam reservados significativos papéis no cenário político. Ao partido, no novo

contexto, compete: não só o enquadramento dos eleitores e representados como, o dos

eleitos e representantes, os dois pólos da equação que se estabelece no jogo da conquista e

do exercício do poder no ambiente das sociedades.

Como conseqüência do mandato partidário, a vontade una e soberana do povo, que

deveria ser produto de um sistema representativo de índole e inspiração totalmente popular, se

decompôs em nossos dias na vontade dos partidos e grupos de pressão. Apresentam-se

interesses cada vez menos do povo e cada vez mais de grupos e classes. Ao final de sua

análise, FERREIRA FILHO conclui: “Até mesmo o cidadão que Rousseau fizera rei na ordem

política, como titular de um poder soberano e inalienável, acabou se alienando no partido ou

no grupo, a que vinculou seus interesses”.82

atraem, e nunca em função de opções que desagradam e geram oposição. Daí darem eles, em seus programas, preferência a questões abstratas e ideológicas, as quais, o mais das vezes, nada significam para a solução de problemas concretos. Assinala-se, por outro lado, que os meios de comunicação de massa desencadearam um fenômeno de personalização do poder. Tornando de todos conhecida a imagem dos governantes, permitindo que estes se dirijam, como que imediatamente, a todos, têm eles ensejado que prevaleçam as personalidades e seu carisma sobre as idéias e os programas. Isto igualmente milita contra o modelo da democracia partidária (FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 29.ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 93-94). 80 A democracia no limiar do século XXI. São Paulo: Saraiva, 2001. 81 CAGGIANO, Monica Herman Salem. Sistemas Eleitorais X Representação política. Brasília: Senado Federal, 1990, p. 17-18. 82 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. A democracia no limiar do século XXI. São Paulo: Saraiva, 2001.

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II. O PARLAMENTO NO DIREITO COMPARADO

Na primeira parte deste trabalho, foi examinada a representação política. Cabe,

nesse momento, analisar o lugar onde a vontade popular é representada, ou seja, o

Parlamento. Conforme CAGGIANO, “A democracia representativa tornou-se uma realidade

efetiva e, por ora, insuperável. As decisões são tomadas pelo demos, porém, por intermédio

de seus representantes reunidos nos Parlamentos”.83

Numa etapa inicial, serão abordados o conceito de Parlamento, sua origem, suas

características e funções. Logo em seguida, desenvolve-se um estudo de Direito Comparado.

1. O Parlamento

1.1. Conceito

Uma análise histórica dos Parlamentos antigos aos atuais nos permite enxergar

uma variedade de formas parlamentares. Há várias razões que explicam isso, como por

exemplo, a proliferação das instituições parlamentares em grande número de novos Estados

surgidos no século XX e as diferentes realidades políticas (democracia de massa, partidos

organizados, regimes totalitários, etc.) neste período.

Para nos orientarmos no meio desta variedade de formas, precisamos, como ponto

de referência, de uma definição, certamente ampla e elástica, mas capaz de individualizar

alguns elementos comuns que não sejam meramente nominais. Parlamento pode definir-se

assim:

Uma assembléia ou um sistema de assembléias baseadas num princípio representativo, que é diversamente especificado, mas determina os critérios de sua composição. Estas assembléias gozam de atribuições funcionais variadas, mas todas elas se caracterizam por um denominador comum: a participação direta ou indireta, muito ou pouco relevante, na elaboração e execução das opções políticas, a fim de que elas correspondam à vontade popular. Convém precisar que, ao dizermos “assembléia”, queremos indicar uma estrutura colegial organizada, baseada não num princípio hierárquico, mas, geralmente, num princípio igualitário. Trata-se, por isso, de uma estrutura de tendência policêntrica.84

83 Direito parlamentar e direito eleitoral. Barueri: Manole, 2004, p. 2. 84 BOBBIO, MATTEUCCI e PACCINO. Dicionário de política. Tradução Carmen C. Varrialle, Caetano Lo Monaco, J. Ferreira, Luiz G. Pinto Caçais e Renzo Dini. 2.ed. Brasília: UNB, 1986. p. 879 - 880.

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1.2. A origem do Parlamento

Em quase todos os países europeus houve instituições políticas genericamente

denominadas Parlamentos85. O exame das características estruturais e das modalidades de

desenvolvimento das funções específicas revela uma grande distância entre os Parlamentos

medievais e os Parlamentos modernos, distância que reflete a diferença igualmente clara que

existe entre o Estado medieval e o Estado moderno. Contudo, se descermos aos princípios

fundamentais e ao núcleo funcional (representação, controle, elaboração de normas) que

caracterizam as instituições parlamentares tanto velhas como novas, poderemos descobrir

elementos de continuidade. Entre os Parlamentos medievais e modernos há enormes

diferenças, quer se considere sua composição, seus poderes ou duração.

O desenvolvimento dos Parlamentos não se deu de forma uniforme, por exemplo,

na Inglaterra em relação aos demais países do continente europeu. Na verdade, a primeira teve

uma evolução singular que a distinguiu sensivelmente entre as experiências dos demais

países, o que acaba por justificar a singularidade e originalidade da evolução política inglesa.

A partir do ano de 1066, a Inglaterra, passou a apresentar uma organização

político-social muito diferente do resto da Europa, onde reinava, na sua plenitude, o sistema

feudal e a grande descentralização do poder. Enquanto na Europa o poder real foi

gradativamente impondo-se sobre o poder da nobreza, vencendo-a em lutas ou atraindo-a

mediante aparentes concessões, na Inglaterra a nobreza preferiu aliar-se aos comerciantes

numa luta em busca de limitações das atribuições do poder régio.

Já no século XII, o rei inglês era auxiliado por um órgão denominado concilium,

do que faziam parte barões e vassalos importantes da coroa86. Esse órgão, como o nome

85 Os Parlamentos eram conhecidos por nomes diferentes, conforme o país (Estados Gerais, na França e no Piamonte; Estamentos, na Sardenha; Parlamentos, na Sicília e em Nápoles; Cortes, na Espanha). Embora num primeiro momento fossem constituídos pela nobreza e pelo alto-clero, num segundo momento, sobretudo para compensar o predomínio dessas duas ordens, os príncipes tiveram que intervir passando a convocar também o terceiro estado, mas este só por intermédio de seus representantes, enquanto os dois primeiros se faziam representar em si mesmos pela totalidade dos seus estamentos. O terceiro estado, por ser muito mais numeroso, só se fazia representar por seus escolhidos-eleitos que vinham, como era usual na época, munidos de mandatos imperativos (BASTOS, Celso Ribeiro; Martins, Ives Gandra. Comentários à Constituição do Brasil. v.4. t.1. 3.ed. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 4-5). 86 Na Idade Média o Rei da Inglaterra tinha, como todos os demais reis europeus, a sua Cúria ou Corte. Um dos deveres dos vassalos era aconselhar o seu senhor e ajudá-lo no desempenho das obrigações do mando. Mas quando o governo se tornou mais complexo deu-se uma diferenciação: havia certos nobres e clérigos que estavam sempre junto do Rei e o acompanhavam por toda parte, auxiliando-o a despachar os negócios públicos e a julgar os processos judiciais, enquanto a maioria dos barões e dos prelados residia nas suas terras e só vinha a ter com o Rei quando este os convocava para se pronunciarem sobre questões importantes e decidirem causas judiciais de maior vulto. Os que andavam sempre com o rei formavam o seu Conselho (CAETANO, Marcello. Manual de ciência política e direito constitucional. Tomo I. Almedina, 1996, p. 50-51).

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indica, era meramente opinativo, não tendo poder decisório, salvo em matéria judicial, quando

funcionava como Corte Superior. Esse concilium era conhecido também como Parlamento87.

O desenvolvimento do Parlamento inglês prosseguiu no tempo e atingiu a

evolução para a bicameralidade (duas câmaras), conforme dá explicação Marcello Caetano: Aconteceu, porém, que o médio e o baixo clero se desinteressou da intervenção no Parlamento, preferindo reunir-se em assembléia própria. Ficaram unicamente os bispos e abades dos grandes mosteiros que acorriam às reuniões na qualidade de senhores de vastos domínios e que, por esse motivo, se juntaram aos nobres, visto terem interesses análogos, reunindo com eles em separado dos comuns: em 1332 já as reuniões do Parlamento se faziam em duas salas (câmaras ou casas, houses), a dos lordes espirituais e temporais e a dos comuns, embora as petições e resoluções fossem apresentadas ao rei, em nome de todos, pelo Lord Chanceler. Ora em 1377 os Comuns, em vez de irem pedir ao Lord que servisse de intermediário entre eles e o monarca, elegeram de entre si um Speaker, isto é, um representante que fosse falar ao rei em nome deles, conquistando deste modo a autonomia. A estrutura do Parlamento, a regularidade do seu funcionamento e outras prerrogativas resultam assim do costume e ainda hoje o presidente da Câmara dos Comuns se chama Speaker.88

No século XIII, ocorreram modificações importantes. O Parlamento, composto de

prelados e barões, passou a se reunir periodicamente e ficou a seu critério atender ou não ao

rei nas suas solicitações de aumentos de impostos. Já na Magna Carta, extraída do rei João

Sem Terra, fica claro que nenhum subsídio ou auxílio seria imposto no reino a não ser com a

aprovação do seu Conselho. Esse Magnum Concilium mais tarde transformou-se num dos

ramos do sistema representativo da Inglaterra, qual seja, a Câmara dos Lordes, enquanto a

representação popular identificada no início com a burguesia iria centrar-se na Câmara dos

Comuns.

Durante a segunda metade do século XIII, o Parlamento tornou-se cada vez mais

representativo, nele incluindo representantes de toda a nação segundo as camadas sociais em

que estava dividida: nobreza, clero e burguesia. De outra parte, a Câmara dos Comuns

87 A certidão de nascimento do Parlamento, no entanto, pode ser identificada no ano de 1265, em que Simon de Monfort convoca dois cavalheiros de cada condado para participar do Grande Concilium, ao lado dos prelados e barões, procedimento que ingressa numa linha de regularidade com Eduardo I (1295). Já no fim do século XIII, nos termos dos registros constantes dos anais ingleses, há referência à convocação da assembléia nos moldes de parliament model. A seu turno, o ano de 1351 constitui relevante marco: o da configuração bicameral do parlamento britânico. Assim, consolida-se a separação entre Câmara dos Comuns, a abrigar os deputados, representantes dos condados, e Câmara dos Lordes, reservada aos prelados e eclesiásticos (CAGGIANO, Monica Herman Salem. Direito parlamentar e direito eleitoral. Barueri: Manole, 2004.p. 7). As assembléias gerais dos barões do reino e dos prelados, abades e representantes dos cabidos, constituíam o Magnum Concilium que já no século XII o rei convocava para pedir dinheiro, concedido sob a forma de imposto, mas só por um ano, o que forçava à reunião freqüente com tendência para a anualidade. A votação dos impostos era muitas vezes condicionada à aceitação pelo rei dos bills ou pedidos de providências legislativas, equivalentes aos agravamentos das nossas Cortes medievais (CAETANO, Marcello. Manual de ciência política e direito constitucional. Tomo I. Coimbra: Almedina, 2003, p. 50-51). 88 Ibid., p. 50-51.

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fortalecia-se cada vez mais, processo esse que era o reflexo da crescente participação da

burguesia na economia da época. No final do século XIII, consagra-se definitivamente o

princípio básico do Estado Liberal, que exigia para instituição do imposto a autorização do

órgão representativo (no taxation without representation). A partir de então, o sistema

representativo foi consolidando-se gradativamente com a constante transferência de poderes

do rei para o Parlamento. O controle sobre o primeiro por parte deste último consagrou-se

definitivamente com a Revolução de 1688, quando ficou certo que as despesas autorizadas

pelos Comuns o seriam para um fim certo e determinado. Os princípios básicos de regime

representativo resultaram estatuídos para sempre: a transferência de poderes do povo para os

governantes mediante eleições; a representação integral do povo por parte dos eleitos ainda

que o tenham sido por uma zona eleitoral apenas; a liberdade dos mandatários no exercício do

seu mandato; a temporariedade destes.89

O século XIX é o grande período do desenvolvimento dos novos Parlamentos. Na

Inglaterra, na França (excetuados os períodos imperiais), na Bélgica, na Holanda e na Itália, o

Parlamento constitui-se o centro do debate político, estendendo progressivamente a sua

influência ao governo. A monarquia constitucional cede o lugar ao regime parlamentar, que

tem como fulcro a responsabilidade do governo perante o Parlamento. Naturalmente, esta

transição não acontece sem inquietações e conflitos: suas etapas estão marcadas por votos de

censura parlamentar, por dissoluções antecipadas das câmaras por parte do rei com o fim de

lhes bloquear o desenvolvimento, e por verdadeiras crises constitucionais. Mas no começo do

século XX, o conflito entre o Parlamento e a monarquia já se havia resolvido, em quase todos

os países europeus, a favor do primeiro.90

“Essa lenta, porém contínua, trajetória preordena a idéia vetorial a acompanhar

a formatação dos parlamentos até os nossos dias, no sentido de identificá-los como cenários

a albergar os representantes do povo”. 91

1.3. Aspectos estruturais do Parlamento

As características estruturais do Parlamento são relevantes, uma vez que delas

depende, em grande parte, a funcionalidade do Parlamento e a possibilidade dele ter uma 89 BASTOS, Celso Ribeiro; Martins, Ives Gandra. Comentários à Constituição do Brasil. v.4. t.1. 3.ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 14-15. 90 BOBBIO, MATTEUCCI e PACCINO. Dicionário de política. Tradução Carmen C. Varrialle, Caetano Lo Monaco, J. Ferreira, Luiz G. Pinto Caçais e Renzo Dini. 2.ed. Brasília: UNB, 1986. p. 879. 91 CAGGIANO, Monica Herman Salem. Direito parlamentar e direito eleitoral. Barueri: Manole, 2004. p. 8.

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participação significativa no processo político. Em linhas gerais, os Parlamentos

caracterizados por escassa diversificação política e baixo grau de articulação operativa interna

não podem aspirar a um papel político de grande peso, quando não ficam reduzidos, sem

mais, a uma função puramente aclamatória.92

Em relação à estrutura dos Parlamentos, podemos destacar: a) sua forma de

eleição93, b) seus elementos configuradores, c) sua duração, d) o número de assembléias, e e)

sua organização interna.

À idéia de Parlamento, sinaliza Monica Caggiano94, vêm se alinhando três

diferentes elementos configuradores: 1) A questão representativa, revelando o Parlamento

como um lócus próprio a albergar os representantes da comunidade social, um espaço

preordenado à participação política. 2) O processo deliberativo referente aos amplos debates

e discussões antes de qualquer decisão. 3) O instituto da responsabilidade política, que

introduz um especial vínculo de dependência entre o governo e o Parlamento, porquanto tem

por mecânica operativa a possibilidade de destituição do chefe de governo pela maioria

parlamentar. A introdução da responsabilidade política acabou por coroar a estrutura do

sistema parlamentar de governo.

A duração temporária do mandato é uma das características fundamentais dos

Parlamentos contemporâneos: A duração média das assembléias parlamentares gira em torno de 4, 5 anos. A Câmara dos Representantes americana, com um mandato de apenas dois anos, é uma exceção. A duração é um fator que influi particularmente na capacidade de atividade política das assembléias; de fato, parlamentares continuamente sujeitos à obsessão da reeleição têm dificuldades em esboçar um trabalho de longo prazo, que pode trazer consigo também uma impopularidade momentânea. Ela influi igualmente nas reações do Parlamento aos estímulos políticos externos e, em último termo, na sua independência política. Mas a duração de uma assembléia não depende, substancialmente, apenas da extensão do intervalo entre duas eleições sucessivas, mas quiçá mais ainda da presença de um núcleo mais ou menos grande de parlamentares que não mudam de uma eleição para outra. Este núcleo, quando dotado de uma certa consistência, constitui fator significativo de continuidade, já

92 BOBBIO, MATTEUCCI e PACCINO. Dicionário de política. Tradução Carmen C. Varrialle, Caetano Lo Monaco, J. Ferreira, Luiz G. Pinto Caçais e Renzo Dini. 2.ed. Brasília: UNB, 1986. 93 O nível competitivo do processo eleitoral pode muito bem ser definido como elemento discriminante entre duas categorias de Parlamentos: Parlamentos que assumem um papel fundamental na vida política e Parlamentos reduzidos a um papel de adorno ou de fachada. O Parlamento reproduz, com efeito, se bem que com certa distorção, prolongando-a pelo período da sua duração, a dialética das forças políticas que o momento eleitoral pôs em relevo; é a forma dessa dialética e sua vivacidade que caracterizam a ação política do Parlamento. A diferença, por exemplo, entre oposição responsável e oposição irresponsável está ligada não só a fatores de tradição histórica, como também ao espaço e às possibilidades de afirmação que o momento eleitoral atribui às várias forças políticas (Ibid., p. 880-883). 94 CAGGIANO, Monica Herman Salem. Direito parlamentar e direito eleitoral. Barueri: Manole, 2004. p. 10-11.

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que assegura a transmissão de toda aquela bagagem de costumes, convenções e regras não escritas que tanta importância têm na caracterização de um Parlamento.95

Outra característica significativa está no número das assembléias. Os

Parlamentos contemporâneos são geralmente monocamerais ou bicamerais, isto é, são

compostos de uma ou duas câmaras.96

Os Parlamentos possuem elementos organizativos internos, que são responsáveis

por permitir e facilitar o desenvolvimento das atividades parlamentares, como por exemplo, a

presidência, principal órgão de arbitragem e regulamentação dos trabalhos parlamentares (o

speaker britânico).

Como quase sempre é elevado o número dos seus componentes, devido às

exigências da representatividade e o volume crescente do trabalho, as assembléias

parlamentares tendem a articular-se em comissões97, isto é, em organismos mais restritos e,

por isso, mais eficazes no plano operativo. Também compõem a organização interna do

Parlamento os grupos políticos. São elementos importantes o número dos partidos98, as

95 BOBBIO, MATTEUCCI e PACCINO. Dicionário de política. Tradução Carmen C. Varrialle, Caetano Lo Monaco, J. Ferreira, Luiz G. Pinto Caçais e Renzo Dini. 2.ed. Brasília: UNB, 1986, p. 880-883. 96 A coexistência de duas câmaras não está isenta de problemas: a presença da segunda câmara adquire uma conotação negativa, se provocar uma injustificada lentidão nos trabalhos parlamentares e der lugar a uma situação de xeque, devido ao fato de se afirmarem nas duas câmaras maiorias politicamente inconciliáveis. Por isso, para uma avaliação da forma bicameral, são particularmente importantes as relações que existem entre ambas as câmaras no desenrolar das várias funções parlamentares. Tais relações podem apresentar aspecto de divisão do trabalho, de cooperação e de oposição moderada ou intransigente. Estas relações dependem tanto de fatores institucionais constantes (como a atribuição a cada uma das câmaras de competências específicas), quanto da mutável situação política - relações de força política, consistência das maiorias, clima dialético maioria-oposição (Ibid., p. 880-883). 97 Os critérios segundo os quais é organizado o sistema das comissões, variam de um Parlamento para outro. Relativamente ao critério de distribuição do trabalho, há comissões especializadas e comissões não especializadas; quanto à duração, há comissões permanentes e comissões ad hoc, criadas unicamente para o desempenho de uma determinada tarefa (BOBBIO, MATTEUCCI e PACCINO. Dicionário de política. Tradução Carmen C. Varrialle, Caetano Lo Monaco, J. Ferreira, Luiz G. Pinto Caçais e Renzo Dini. 2.ed. Brasília: UNB, 1986, (Ibid., p. 880-883). 98 O pluripartidarismo oferece uma complexa amálgama de formas de conflito e acordo entre as variadas forças políticas. Assim, a par dos Parlamentos onde a relação maioria-minoria é equilibrada, há também aqueles onde ela pende a favor da maioria que goza de uma superioridade esmagadora, ou então de uma minoria que está em condições de reduzir a maioria à impotência. São todos estes elementos da morfologia parlamentar que concorrem para a formação do complexo sistema de oportunidades e limitações, de recompensas e punições, de motivações e desestímulos, dentro do qual se define a ação do ator parlamentar individual. A ação parlamentar, entretanto, é resultado não só destes elementos ambientais, como também das características pessoais dos que compõem as assembléias. A classe de onde provém, a qualificação profissional, a carreira política já vivida e, finalmente, no plano psicológico, o tipo de percepção do próprio papel são as características que podem ter um significado político. Fenômenos como a ampliação do sufrágio, o alargamento da base política, a expansão da intervenção estatal na vida social e o advento dos partidos organizados de massa, tiveram todos clara repercussão em tais características (Ibid., p. 880-883).

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possibilidades de alianças e coalizões interpartidárias, o grau de coesão interna, ou seja,

aqueles fatores que são a base da dinâmica interpartidária.

1.4. Funções do Parlamento

O Parlamento, aos poucos, porém de forma firme e cumulativa, assumiu muitas

tarefas99, tão relevantes quanto à originária. Os Parlamentos, de uma forma geral, são

instituições multifuncionais. A variedade de funções desempenhadas tem uma explicação no

papel característico dos Parlamentos, que faz dela os instrumentos políticos do princípio da

soberania popular. É deste papel que nasce para o Parlamento o direito e o dever de intervir,

embora de formas diversas, em todos os estágios do processo político. Segundo o estágio e as

modalidades de tal intervenção, haverá atividades de estímulo e de iniciativa legislativa, de

discussão e de deliberação, de inquérito e de controle, de apoio e de legitimação. Tão variadas

atividades podem ser globalmente compreendidas no quadro das quatro funções

parlamentares fundamentais: representação, legislação, controle do Executivo e

legitimação. É natural que, conforme a posição que cada Parlamento ocupa no sistema

político, varie a importância das diversas funções; certamente há funções que, em

determinadas situações políticas, podem se atrofiar e ficar reduzidas ao simples aspecto

formal.

Dentre as funções parlamentares, é a representativa a que possui uma posição que

poderíamos chamar preliminar. Isso porque, em primeiro lugar, ela é uma constante histórica

em meio das transformações sofridas pelas atribuições do Parlamento, e, em segundo lugar,

porque nela se baseiam todas as demais funções parlamentares, cujas características

dependem, em boa parte, das formas do seu desenvolvimento. Por ser fundamental, esta

função assume um significado discriminante entre um Parlamento e outro. Neste campo da

função representativa, são também elementos importantes a sensibilidade às transformações

do clima político e a receptividade a novas demandas.

99 Ainda no século XIII, o Parlamento conquista o poder tributário, fenômeno bem definido na Magna Carta de João Sem Terra99, documento de 1215 (parágrafo 12). Já em 1462, passa o parlamento britânico a contar com a possibilidade de apresentar, diretamente por seus membros, as Bills (leis), as quais, à medida que houvesse acordo entre as duas casas, deveriam ser aprovadas pelo rei. É o início da incorporação da faculdade de legislar no rol das tarefas parlamentares. A elas, de forma paulatina, vão se alinhando outras, deflagrando o inchaço do órgão legislativo, ao qual, o quadro político foi reconhecendo funções de controle, de investigação, eleitorais, jurisdicionais, deliberativas, administrativas, de orientação política e de comunicação (BOBBIO, MATTEUCCI e PACCINO. Dicionário de política. Tradução Carmen C. Varrialle, Caetano Lo Monaco, J. Ferreira, Luiz G. Pinto Caçais e Renzo Dini. 2.ed. Brasília: UNB, 1986, p. 880-883).

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Aqui se revela de particular importância o espaço político que o Parlamento atribui

à oposição, já que é esta a força institucionalmente mais adequada ao desenvolvimento de

uma ação estimuladora em tal sentido.

O Parlamento, que limitasse a sua intervenção apenas à fase legislativa, deixaria

escapar uma importantíssima parcela do processo político. O real peso político do órgão

representativo deveria ser avaliado, portanto, tendo também em conta a eficácia da sua

atividade de controle100.

2. O Parlamento do Reino Unido

O órgão supremo do governo da Grã-Bretanha é, hoje em dia, o Parlamento.

Teoricamente é nele que reside todo o poder, competindo-lhe alterar a Constituição, fazer as

leis e orientar os ministros que formam o gabinete e que tem de dirigir a sua política de

acordo com a maioria parlamentar. O Parlamento é composto por três elementos: a Coroa101, a

Câmara dos Lordes e a Câmara dos Comuns.

Até o começo do século XIV, o Parlamento inglês era ainda o Magnum Commune

Consilium Regni, o Grande Conselho, onde dominava o poder feudal da alta aristocracia, dos

grandes barões feudais em luta com o soberano. O Parlamento verdadeiramente só se forma

com a aparição da Câmara dos Comuns, ramo resultante da associação da burguesia

ascendente com a pequena e média nobreza rural. Ocorre, pois, a fusão dos deputados dos

burgos com os deputados dos condados; estes de início mais influentes, aqueles porém mais

numerosos. Quando a nação feudal se cindiu em duas no curso do século XIX, ficando de

uma parte os grandes barões feudais agrupados, gravitando ao redor do rei, e de outra parte, a

média aristocracia da feudalidade de mãos dadas com a burguesia, em defesa de suas

liberdades, estava consumado, segundo Guizot, um dos momentos supremos na história das

instituições políticas da Inglaterra: o advento de uma Câmara dos Comuns, começo

verdadeiro do Parlamento com a implantação, já a esta altura incontestável, do sistema

representativo.102

100 São vários os instrumentos por meio dos quais o Parlamento exerce esta função. Nos regimes parlamentares, a negação da confiança é a forma mais drástica de ação do Parlamento sobre o Governo. Mas é uma forma bastante rara, primeiro, por sua própria gravidade, depois, por causa dos vínculos partidários que ligam o Executivo à maioria parlamentar. 101 A Coroa é a instituição que individualiza a unidade do Estado. O seu titular é a Rainha.

102 BONAVIDES, Paulo. Ciência Política. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 319.

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Daí por diante declina e corrói-se o poder da alta aristocracia, que deixa de ser o

temível adversário que havia sido do poder absoluto, passando então a escrever-se a história

política do regime representativo através dos combates que o poder real terá que ferir com um

Parlamento, onde cresce e se avigora rápida e dominadoramente a influência dos Comuns. Do

século XV ao século XVII, o sistema representativo porfia com os abusos, o arbítrio e a

vocação absolutista da Coroa. Ao longo de largo período que se estende por cerca de trezentos

anos, até a Revolução Gloriosa (1688), o Parlamento inglês adquire o sentimento de sua força,

toma consciência de seu prestígio, apresenta-se resolutamente como o poder nacional diante

do rei, discute com energia os assuntos de seu governo, faz do imposto o grande instrumento

de sujeição do poder, sustenta nas afamadas petições do século XVII os princípios básicos de

garantia das liberdades, direitos e franquias já auferidas pelas camadas economicamente mais

ponderáveis do povo inglês. Atravessadas, pois, as revoluções do século XVII, que

decapitaram um rei e baniram uma dinastia, a Inglaterra surge com o sistema representativo

inabalavelmente consolidado, de trilha aberta já para a implantação do sistema parlamentar,

segundo momento importantíssimo na vida das instituições políticas daquele país.103

Dessa forma, no exemplo inglês, a força, prestígio, influência e poder do

Parlamento se originam de causas “históricas”, fazendo com que este prepondere

definitivamente sobre o poder da Coroa. Nesse sentido, podemos citar ainda o exemplo da

chamada série de “reis impossíveis”, os reis alemães, da dinastia de Hannover (1714-1837)104.

103 BONAVIDES, Paulo. Ciência Política. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 320. 104 Os “reis impossíveis”, os reis alemães, da dinastia de Hannover (1714-1837) foram: Jorge I, um estrangeiro que não esquecia o lugar de origem, jamais aprendeu a falar inglês, e teve sempre dificuldade de comunicar-se em latim com os seus ministros, em suma, um rei completamente alheio dos negócios públicos, propiciando ao gabinete reunir-se na ausência do monarca; Jorge II, um rei fraco, que não forceja por recuperar a influência perdida pelo antecessor; Jorge III, obstinado, cego, demente, autoritário e irresponsável, faz de sua existência “uma espécie de museu de defeitos de um rei constitucional”, Jorge IV, monarca desidioso e depravado, um roi fainéant, cuja vida conjugal escandalizou a sociedade inglesa e desprestigiou a Coroa (Ibid., p. 321).

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2.1. A Câmara dos Lordes

A Câmara dos Lordes105, onde têm assento os senhores nobres e eclesiásticos e

que, herdeira das funções judiciais do Magnum Concilium, ainda hoje exerce a jurisdição de

Supremo Tribunal de Apelação do Reino Unido, embora efetivamente tais atribuições sejam

desempenhadas pelos lordes judiciais.A Câmara é presidida pelo Lord Chanceler, membro do

Governo que não tem de fazer parte dela e cujas funções o tornam um Ministro da Justiça. Ao

Rei pertence criar os Lordes, em número ilimitado, conferindo títulos de nobreza com

atribuição do pariato106 aos cidadãos que mais tenham se distinguido na política, na

administração pública, na guerra, nas ciências, nas letras, nas artes, na vida econômica ou nas

profissões liberais.

É certo que hoje a Câmara tem funções legislativas muito reduzidas. De 1688 a

1832 pode dizer-se que constituiu o centro da política inglesa preponderando na legislação, e

formando e fazendo cair os governos, visto nela terem assento os homens mais ilustrados e

representativos do país, geralmente grandes proprietários rurais com considerável influência

eleitoral e nessa qualidade chefes de partido e manipuladores dos deputados: é a época do

regime aristocrático. Mas pouco a pouco o eixo do poder foi passando, em virtude do

alargamento o sufrágio e do progresso das idéias democráticas, para a Câmara eletiva, de tal

modo que, quando em 1909 a Câmara dos Lordes pretendeu quebrar a velha praxe de não 105 A Câmara dos Lordes compreende um número ilimitado de pares temporais, e lordes espirituais. São pares dos reinos temporais: a) os titulares de títulos nobiliárquicos ingleses, escoceses ou da Grã-Bretanha em conseqüência de neles haverem sucedido hereditariamente ou de terem sido agraciados pelo rei. Os títulos da Grã-Bretanha são posteriores à união entre a Inglaterra e a Escócia, verificada em 1707; os outros anteriores. Até ao último Peerages Act, os pares da Escócia não tinham todos assento na Câmara possuíam apenas o direito de, cada vez que era eleita a Câmara dos Comuns, escolher 16 Lordes que os representassem). B) até 9 lordes judiciais (Lords of Appeal in Ordinary ou Law Lords), juízes aos quais é conferido o pariato vitalício para, na Câmara, exercerem as funções que a ela pertencem de supremo tribunal de apelação do Reino Unido; c) os pares vitalícios, nomeados em número indefinido e sem discriminação de sexo pela Coroa nos termos do Life Peerages Act, 1958. Os lordes espirituais são arcebispos e bispos da Igreja anglicana (CAETANO, Marcello. Manual de ciência política e direito constitucional. Tomo I. Coimbra: Almedina, 2003, p. 49-50). 106 O pariato é a dignidade de par do reino - Inerente à nobreza o pariato é hereditário, fazendo da Câmara uma instituição aristocrática muito combatida hoje em dia por, no dizer de um crítico, não se conceber que alguém seja legislador apenas por ser filho de seu pai. Por isso, embora já houvesse na Câmara alguns Lordes não hereditários – os lordes espirituais, os judiciais e até a pouco os da Escócia -, a lei de 1957 veio permitir que a Coroa nomeie pares cujo título é apenas vitalício, não se transmitindo portanto a herdeiros, e que são escolhidos pelas suas aptidões pessoais podendo mesmo ser do sexo feminino (ladies). E, no discurso da Coroa de 1967, o governo (Partido Trabalhista) anunciou a intenção de reformar novamente a Câmara dos Lordes. Nesse sentido foi apresentada uma proposta de lei que pretende restringir o direito de voto dos pares hereditários. Até 1963 não era permitido ao herdeiro de um título renunciar ao pariato. Como os lordes não podem ser eleitos para a Câmara dos Comuns e está estabelecido que nesta deve ser escolhido o Primeiro Ministro, isto significava ficarem vedadas aos lordes as atividades políticas mais significativas. Mas, nesse ano, a necessidade que o Partido Conservador teve de confiar a chefia do Gabinete a LORD HOME fez com que o Parlamento aprovasse a lei que permite aos lordes renunciar ao título e ao pariato. Assim pôde o sr. Douglas-HOME, já despojado dos atributos da nobreza, fazer-se eleger membro dos comuns e exercer as funções de Primeiro-Ministro. Outros lordes o seguiram na renúncia (Ibid., p. 54).

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alterar as leis financeiras votadas pelos Comuns e rejeitou o Orçamento apresentado pelo

governo de LLOYD GEORGE, não teve outro remédio senão aceitar, sob ameaça de extinção

ou de profunda reforma, a limitação expressa dos seus poderes pelo Parliament Act de 1911,

depois modificado em 1949.107

Quanto a qualquer outro projeto aprovado pelos Comuns, se os Lordes o

rejeitarem pode o governo submetê-lo uma segunda vez aos Comuns na sessão legislativa

seguinte e, obtida nova aprovação da Câmara eletiva, o projeto será convertido em lei mesmo

que os Lordes tornem a rejeitá-lo desde que haja passado um ano sobre a data da primeira

aprovação nos Comuns.

As propostas ou projetos de lei sobre matérias judiciais têm, porém, sempre de

começar a serem discutidos na Câmara dos Lordes, dada a qualidade desta de órgão judiciário

supremo. Como se vê, a Câmara dos Lordes está reduzida a um mero papel retardador. Só a

autoridade de alguns dos seus membros, antigos políticos, jurisconsultos insignes, altos

funcionários aposentados, faz com que sejam ouvidas as opiniões que emitem e aceites certas

emendas que propõem. A Câmara funciona como tribuna política e como conselho técnico:

mas não já como órgão de governo. Normalmente apenas um pequeno número dos seus

membros, mais ligados à política, assiste às reuniões, que assim revestem o caráter discreto de

sessões de trabalho.108

Dois eventos mudaram a forma pela qual os Membros da Câmara dos Lordes são

apontados: O Ato da Câmara dos Lordes de 1999, o qual extinguiu a posição hereditária, ou

seja, de transferir a qualidade de Lorde através da família, e a introdução da Comissão de

Apontamentos da Câmara dos Lordes. Agora há alguns procedimentos a serem observados

para se tornar um membro desta Casa109.

107 Em conseqüência do Parliament Act, a Câmara não pode evitar a conversão em leis dos projetos que hajam sido aprovados pelos comuns desde que contenham matéria financeira (money bills), pois que será enviada a sanção real independentemente da votação dos lordes se estes as não houverem votado dentro de um mês a contar da data em que forem recebidos na Câmara e à qual devem ser enviados com um mês, pelo menos, de antecedência em relação ao final da sessão legislativa - isto é, do período anual de trabalho (CAETANO, Marcello. Manual de ciência política e direito constitucional. Tomo I. Coimbra: Almedina, 2003, p. 53-56). 108 Ibid., p. 53-56. 109 Disponível em: http://www.parliament.uk/. Acesso em 20/06/2007.

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2.2. A Câmara dos Comuns

A preponderância no Parlamento pertence hoje à Câmara dos Comuns110 visto que:

1) Tem o direito de fazer passar as leis mesmo contra o voto dos Lordes e na certeza de que a

Coroa não negará a sanção; 2) Só ela pode efetivar a responsabilidade política do gabinete e

fazer tombar o Ministério; 3) É no seu seio que se manifesta a força dos partidos políticos e se

define a maioria de onde sai o gabinete. Esta preponderância afirma o atual caráter

democrático do regime britânico e nasceu do alargamento do direito de sufrágio.111

Assim, na história constitucional britânica podem distinguir-se nitidamente três

períodos, segundo a preponderância dos órgãos do poder supremo: desde a Idade Média até

1689 é o período da preponderância da Coroa, ou sistema monocrático; de 1689 a 1832 é o da

preponderância da Câmara dos Lordes, ou do sistema aristocrático; de 1832 aos nossos dias é

o da preponderância do sufrágio e da Câmara dos Comuns, ou sistema democrático.112

A Câmara funciona em reunião plenária (sob a presidência do Speaker) ou em

comissão (Committee). Há quatro comissões para o estudo de projetos. Mas a comissão de

Ways and Means (Finanças) é constituída por toda a Câmara que, ao passar a funcionar nessa

qualidade, é presidida pelo Chairman of Ways and Means, deixando de figurar a maça de

prata, símbolo da jurisdição da Câmara, no lugar da presidência. Esta comissão ocupa-se dos

money bills, isto é, projetos sobre matérias financeiras, competindo ao Speaker qualificar

como tal os projetos que, como atrás se disse, gozam depois de processo especial quanto à

intervenção da Câmara dos Lordes. Os Comuns são eleitos pelo povo. O partido com o maior

número de membros formam o governo. A eleição para MP (Membro do Parlamento) se dá da

seguinte forma: O Reino Unido é dividido em 646 áreas chamados distritos. Durante uma

eleição todos elegíveis votam em um candidato para ser o MP do seu distrito. O candidato

mais votado se torna o MP daquela área até a próxima eleição. Trata-se, portanto, de voto

distrital, sistema majoritário. Na eleição geral, todos MPs podem concorrer para reeleição ao

Parlamento e todos os distritos do Reino fazem suas escolhas entre os candidatos disponíveis.

110 A Câmara dos Comuns é formada por 630 membros (abreviadamente designados por M.P., Member of the Parliament), eleitos mediante sufrágio direto e universal por círculos territoriais (constituencies). Cada círculo elege um membro. As eleições gerais devem realizar-se de cinco em cinco anos, no máximo, de acordo com o Parliament Act, 1911. Mas o gabinete pode antecipá-las obtendo da Coroa a dissolução da Câmara (CAETANO, Marcello. Manual de ciência política e direito constitucional. Tomo I. Coimbra: Almedina, 2003, p. 49-50). 111 Ibid., p. 56. 112 Ibid., p. 56-57.

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As eleições gerais geralmente ocorrem a cada 4 anos. Se um MP morre ou se

aposenta, há uma eleição naquele distrito específico para substituí-lo113.

2.3. Partidos Políticos no Parlamento do Reino Unido

O Reino Unido tem muitos partidos políticos. Os três principais são o Partido

Trabalhista (Labour Party) - atualmente no governo - , Conservador (Conservative Party) e

Democrata Liberal (Liberal Democrats). Estes três atuam em ambas as casas, dos Lordes e

dos Comuns. Somam-se aos maiores partidos, outros grupos políticos também eleitos pelo

povo. Isso inclui organizações nacionalistas como o Plaid Cymru (País de Gales) e o Partido

Nacional Escocês (Scottish National Party), e alguns partidos políticos da Irlanda do Norte, e

partidos menores como o Respect.

Há um pequeno número de membros que não são filiados a um partido político

principal e aqueles que pertencem a grupos minoritários. Há ainda um número limitado de

bispos e arcebispos da Igreja Anglicana e o Grupo Crossbench Peers, que é atualmente o

segundo maior grupo na Câmara dos Lordes (depois do Partido Trabalhista); e é formado por

membros independentes, ou seja, que não recebem orientação de nenhum partido referente à

alguma votação.114 PARTIDOS - CÂMARA DOS COMUNS Membros

Labour Party 352 Conservative Party 196 Liberal Democrats 63

Democratic Unionist Party 9 Scottish National Party 6

Sinn Féin 5 Speaker and Deputies 4

Plaid Cymru 3 Social Democratic & Labour Party 3

Independent 2 Independent Labour 1

Respect 1 Ulster Unionist Party 1

646 PARTIDOS - CÂMARA DOS LORDES Membros

Labour Party 211 Crossbench 206

Conservative Party 203 Liberal Democrats 77

Bishops 26 Outros 12

735

Fonte: Escritório de Informações da Câmara dos Comuns. Atualizado em 27.03.2007.

113 Disponível em: http://www.parliament.uk/. Acesso em 20/06/2007. 114 Disponível em: http://www.parliament.uk/. Acesso em 20/06/2007.

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3. O Parlamento Português

3.1. A Assembléia da República

O Parlamento Português consiste de uma Câmara única, chamada Assembléia da

República. É um dos órgãos de soberania estabelecidos na Constituição, ao lado do Presidente

da República, o Governo e os Tribunais115. Como assembléia representativa de todos cidadãos

portugueses, é responsável pela aprovação das leis básicas da República, e tem poderes

exclusivos para rever a Constituição. É também responsável por monitorar e assegurar a

conformidade com a Constituição, leis e os atos do Governo e das autoridades

administrativas. A Constituição, as regras procedimentais e o estatuto dos deputados definem

os poderes e as regras de funcionamento da Assembléia da República e também os direitos e

deveres dos deputados, garantindo a separação dos poderes e a interdependência entre os

outros órgãos de soberania. A quarta revisão constitucional, aprovada em setembro de 1997,

estabeleceu um mínimo de 180 e o máximo de 230 deputados. Se nós olharmos a composição

da Assembléia da República desde a Primeira Legislatura, nós verificamos uma tendência

para uma relativa redução do número de deputados.116

A Assembléia da República117 ou Parlamento tem duas funções fundamentais:

fazer as leis do país e fiscalizar a ação do governo. Podem candidatar-se a deputados118, para

115 Constituição da República Portuguesa, art. 110 – Órgãos de Soberania – 1. São órgãos de soberania o Presidente da República, a Assembléia da República, o Governo e os Tribunais. 116 The Portuguese Parliament consists of a single chamber, called the Assembléia da República (Assembly of the Republic). The Assembly of the Republic is one of the organs of sovereignty enshrined in the Constitution, alongside the President of the Republic, the Government and the Courts. As the “assembly representing all Portuguese citizens”, it is responsible for approving the basic laws of the Republic, and has exclusive powers to review the Constitution. It is also responsible for monitoring and ensuring compliance with the Constitution, laws and the acts of the Government and the administrative authorities. The Constitution, the rules of procedure and the statute of deputies define the powers and procedural rules of the Assembly of the Republic and also the rights and duties of deputies, guaranteeing separation of powers and interdependence between the other organs of sovereignty. The 4th constitutional review, approved in September 1997, laid down a minimum of 180 and a maximum of 230 deputies. If we look at the composition of the Assembly of the Republic since the 1st Legislature we find that the tendency is for a relative reduction in the number of deputies (SANTOS, Maria José Silva. The Portuguese Parliament – tradução nossa – Assembléia da República – Departamento de publicações - Lisboa – Portugal, 2006, p. 39). 117 Os Passos Perdidos da Assembléia da República – Chama-se Passos Perdidos a uma sala que fica junto à Sala das Sessões, onde é freqüente haver conversas e encontros entre deputados, membros do Governo e jornalistas. Por isso, muitos portugueses já viram este espaço na televisão. Pensa-se que o nome surgiu porque era freqüente as pessoas que queriam falar com os deputados esperarem ali imenso tempo. E, para matar o tempo, caminhavam de um lado para o outro, dando passos pequenos ou grandes passadas conforme a impaciência.

Ao longo do Plenário, foram colocadas seis estátuas de gesso, figuras femininas cada uma com o seu significado, representando alguns “valores” celebrados pelo Parlamento: Constituição, Lei, Jurisprudência, Eloqüência, Justiça e Diplomacia (visita à Assembléia da República em 11/04/2007).

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um mandato de quatro anos, todos os cidadãos com direito a voto. Apresentam-se às eleições

integrados em listas de partidos políticos ou de coligações de partidos. Concorrem por

círculos eleitorais - há 18 círculos eleitorais no continente que correspondem aos distritos; há

um círculo eleitoral na Madeira, um nos Açores, um para portugueses residentes na Europa e

um para os portugueses residentes no resto do mundo.

3.2. Funcionamento da Assembléia da República

A Mesa da Assembléia da República é um órgão composto pelo Presidente da

Assembléia, por quatro Vice-Presidentes, quatro Secretários e quatro Vice-Secretários. Os

deputados não se sentam ao acaso nas bancadas; têm lugar marcado na zona destinada ao

grupo parlamentar do seu partido ou da sua coligação. As atividades dos deputados incluem:

1) Reuniões plenárias ou Plenários, que se realizam na Sala das Sessões. As decisões tomadas

nessas reuniões só são válidas se estiver presente pelo menos um quinto da totalidade dos

deputados; 2) Comissões especializadas permanentes, que são constituídas por deputados

indicados pelos vários partidos com assento na Assembléia, numa proporção que corresponde

à do Plenário. Como o nome indica, cada comissão debruça-se sobre uma área específica, por

exemplo, Educação, Ciência e Cultura; 3) Contatos diretos com os eleitores do respectivo

círculo eleitoral a realizar quinzenalmente; 4) Comissões permanentes, que são constituídas

pelo Presidente da Assembléia, pelos quatro Vice-Presidentes e outros deputados indicados

pelos partidos. Assegura o funcionamento da Assembléia entre 15 de junho e 15 de setembro,

período em que não há reuniões plenárias; 5) Comissões eventuais, que se organizam quando

surgem questões temporárias.119

As questões para discussão em Plenário são apresentadas com antecedência. Quem

dá início aos trabalhos é o Presidente da Assembléia. Antes de se abordarem os assuntos

previstos, há um período a que se chama “Período de antes da ordem do dia” (PAOD) que, em

geral, tem a duração de uma hora. Os deputados podem fazer declarações políticas, colocar

algumas questões que não façam parte da agenda ou propor um debate sobre assuntos

urgentes. A seguir entra-se no “Período da ordem do dia” (POD), ou seja, debatem-se as

118 “Os deputados exercem livremente o seu mandato, sendo-lhes garantidas condições adequadas ao eficaz exercício das suas funções, designadamente ao indispensável contato com os cidadãos eleitores e à sua informação regular” (art. 155, 1, da Constituição da República Portuguesa). “Os deputados representam todo o país e não os círculos porque são eleitos” (art. 152, 2 da Constituição da República Portuguesa). 119 ALÇADA, Isabel; MAGALHÃES, Ana Maria, A longa história do poder. 2.ed. Lisboa: Assembléia da República, 2006, p. 85-87).

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questões agendadas e procede-se às votações. No momento de cada votação, o Presidente

pede que se levantem os deputados que votam a favor e registra-se o número de votos obtidos.

Depois se utiliza o mesmo processo para quem vota contra e para quem se abstém. O

Governo, ou alguns membros do Governo, podem assistir às sessões plenárias e intervir nos

debates, mas não podem votar. As reuniões plenárias são públicas e geralmente há três por

semana. Tudo o que acontece numa sessão plenária fica gravado para ser publicado no Diário

da Assembléia da República. Além disso, as sessões são transmitidas pela televisão “Canal

Parlamento”. As reuniões das comissões não são públicas, mas estão abertas à presença de

membros do Governo e, de uma maneira geral, também se admite a presença de jornalistas.120

Na Assembléia da República há um corpo permanente de funcionários

coordenados pelo Secretário Geral da Assembléia da República. Existe ainda um Conselho de

Administração, constituído por sete deputados, pelo Secretário-Geral e por um representante

dos funcionários. Compete-lhe fazer a gestão financeira e a gestão do pessoal.121

As formas de votação são as seguintes: 1) por levantados e sentados (é a forma

mais utilizada), 2) por recurso ao voto eletrônico, 3) por votação nominal, 4) por escrutínio

secreto.122

3.3. O Parlamento na história constitucional portuguesa123

As raízes históricas da Assembléia da República remontam às Cortes consagradas

na primeira Constituição portuguesa, a Constituição de 1822. As Cortes de 1822 eram

formadas por uma só Câmara eleita por sufrágio direto, secreto e sem caráter universal. O

poder legislativo é atribuído às Cortes em exclusivo, embora dependente da “sanção real” que

é equivalente ao atual instituto da promulgação exercido pelo Presidente da República. O rei

tinha o poder de devolver, uma só vez, a lei às Cortes, bastando a sua confirmação por uma

maioria igual à que tinha aprovado. A iniciativa da lei pertencia exclusivamente aos

deputados. O rei não tinha o poder de dissolver o Parlamento nem o de protesto contra suas

decisões.

120 ALÇADA, Isabel; MAGALHÃES, Ana Maria, A longa história do poder. 2.ed. Lisboa: Assembléia da República, 2006, p. 89-90. 121 Ibid., p. 90. 122 Artigo 104º do Regimento da Assembléia da República. 123 ASSEMBLÉIA DA REPÚBLICA. Manual do deputado. 4.ed. Assembléia da República – Divisão de edições: Lisboa, 2005, p. 13-15.

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A Carta constitucional de 1826 estatuiu um sistema bicameralista para as Cortes

Gerais. É criada a Câmara dos Pares onde têm assento as “forças feudais-clericais”, composta

por “membros vitalícios e hereditários, nomeados pelo rei e sem número fixo”. A Câmara dos

Deputados passa a ser eleita por sufrágio censitário e estatui-se, claramente, um sistema de

eleição indireta. A iniciativa legislativa pertencia indistintamente às duas Câmaras e,

indiretamente, ao Poder Executivo. O rei tinha o poder de veto efetivo e o poder de dissolver a

Câmara dos Deputados.

A Constituição de 1838 é uma Constituição compromisso entre as teses liberais de

1822 e as conservadoras expressas na Carta de 1826. Manteve-se o sistema de duas Câmaras

na composição das Cortes. A Câmara Alta – Câmara dos Senadores – passa a ser eletiva e

temporária. A eleição dos deputados e dos senadores passa a ser feita por sufrágio direto,

continuando a manter-se, no entanto, o sufrágio censitário. O poder de iniciativa legislativa

volta a ser prerrogativa exclusiva dos parlamentares. O rei, por sua vez, mantém o poder de

sanção das leis e de dissolução da Câmara dos Deputados. Com o advento da República, a

soberania da Nação manifesta-se através dos representantes eleitos, vincando-se a sua

independência em relação aos eleitores que os elegem.

Na Constituição de 1911, o Congresso era formado por duas Câmaras – a dos

Deputados e o Senado. Consagra-se o sufrágio direto, mas não a universalidade. O Poder

Legislativo pertence exclusivamente ao Parlamento, sem a possibilidade de veto por parte do

Presidente da República. Previa-se, no entanto, uma forma de promulgação tácita caso o

Chefe de Estado não se pronunciasse no prazo de 15 dias. O Presidente da República era

eleito pelo Congresso, não tinha o poder de dissolver a Câmara. Só em 1919 lhe foi atribuído

este poder, condicionado à prévia audiência do Conselho Parlamentar.

Com a Constituição de 1933, a Assembléia Nacional tinha uma estrutura

monocameral e era o único órgão de soberania diretamente eleito. Inicialmente caracterizado

como órgão legislativo, a sua competência foi seriamente diminuída pela atribuição ao

Governo da competência legislativa normal. O Presidente da República tinha o poder de

dissolver o Parlamento sempre que o entendesse, bastando para isso ouvir o Conselho de

Estado. Surge a Câmara Corporativa, composta por representantes das autarquias locais e dos

interesses sociais. Competia-lhe relatar e dar parecer por escrito sobre todas as propostas ou

projetos de lei apresentados à Assembléia Nacional, antes de ser nesta iniciada a discussão.

A Constituição de 1976 instituiu um sistema misto parlamentar presidencial. O

Presidente da República e a Assembléia são eleitos por sufrágio eleitoral direto. Retoma a

solução monocameralista. A Assembléia da República é composta por deputados eleitos por

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sufrágios universais, diretos e secretos, com candidaturas reservadas aos partidos e segundo o

sistema proporcional. Tem vastos poderes e competências tanto em matéria política como

legislativa.

4. O Parlamento Europeu

4.1. A organização e o funcionamento do Parlamento Europeu

O Parlamento Europeu é hoje uma instituição dinâmica e respeitada. O

Parlamento Europeu, assembléia eleita pelos cidadãos europeus, é uma instituição

relativamente jovem que se reclama herdeira da antiga Assembléia Comum da Comunidade

Européia do Carvão e do Aço (CECA). Esta assembléia reuniu pela primeira vez em 10 de

setembro de 1952 sendo os seus membros designados pelos respectivos Parlamentos

nacionais124. Com efeito, em pouco mais de meio século de existência, o órgão que hoje

conhecemos por Parlamento Europeu iria percorrer um longo caminho125 vindo,

sucessivamente, a reforçar os seus poderes, o que lhe permitiu tornar-se num órgão co-

legislador, em parceria com o Conselho, em muitas áreas das políticas da União, ao mesmo

tempo em que se reclama como o principal intérprete do interesse geral europeu.

Conseqüência das várias revisões dos tratados, mas também da estratégia que

seguiu, o Parlamento Europeu foi reforçando os seus poderes ao longo do tempo.126

Trata-se de uma instituição sui generis dotada de regras de funcionamento que a

diferenciam de um Parlamento nacional. A criação e a forma de evolução do Parlamento

Europeu é muito distinta da que se verifica nos Parlamentos nacionais. Saliente-se um

124 O Parlamento Europeu passa a assumir uma nova configuração, deixando de surgir perante a opinião pública como um mero agrupamento de delegações de deputados designados pelos Parlamentos nacionais, em virtude dos resultados dos escrutínios que passaram a ter lugar de cinco em cinco anos, em cada Estado-Membro (SOBRINHO, António; MARTINS, José António. O Parlamento Europeu. Um Parlamento diferente dos outros. Publicação do Gabinete em Portugal do Parlamento Europeu: Lisboa, 2004, p. 7). 125 Em síntese, a evolução da assembléia parlamentar foi a seguinte: 1952-1957: Criação da Assembléia Comum que representava a CECA e os seis Estados fundadores (Bélgica, França, Itália, Luxemburgo, Países Baixos e República Federal da Alemanha). Número de deputados: 78. 1958-1979: Com a entrada em vigor dos Tratados que instituem a CEE e a CEEA, em 1 de janeiro de 1958, a atividade parlamentar passou a abranger todos os domínios da economia, bem como a investigação no âmbito da energia nuclear. Durante este período, a assembléia parlamentar ficou conhecida por Parlamento dos Seis. (1958-1972), contando com 142 deputados e, posteriormente, por Parlamento dos Nove. (1973-1979), com 198 deputados, conseqüência das adesões da Dinamarca, Irlanda e Reino Unido às Comunidades Européias. 1979-2004: Em julho de 1979, foi constituído o primeiro Parlamento Europeu, eleito por sufrágio universal direto. A instituição parlamentar, agora sufragada pelo voto popular, revestia-se de maior legitimidade e iniciava verdadeiramente o seu percurso na conquista de poder, enquanto intérprete das diferentes expressões dos vários povos da Europa (Ibid., p. 7-8). 126 Ibid., p. 9.

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aspecto particularmente relevante: enquanto os Parlamentos nacionais começaram por

exercer importantes funções legislativas, evoluindo para funções de controle parlamentar do

Executivo, o Parlamento Europeu seguiu o trajeto inverso, ou seja, desprovido de quaisquer

funções legislativas, e fazendo uso das suas competências de controle do Executivo, partiu à

conquista de novas competências, de natureza legislativa.127

Como todos os Parlamentos, o Parlamento Europeu exerce três poderes

fundamentais: o poder legislativo, o poder orçamental e o poder de controle do Executivo. O

Parlamento aprova, com o Conselho, as leis européias.128

Nas sessões parlamentares, realizam-se regularmente debates sobre a atualidade

internacional e sobre questões no âmbito dos Direitos do Homem129, que estão na origem de

resoluções respeitantes à política externa. A influência que o Parlamento Europeu pode

exercer através de sua ação no domínio das relações externas confere-lhe o estatuto de uma

tribuna internacional. Assim, ao longo dos anos, foram convidados a intervir perante o

Parlamento Europeu diversas personalidades, entre as quais se contam o Secretário-Geral das

Nações Unidas, o Presidente dos Estados Unidos da América, o Papa João Paulo II, os

Presidentes portugueses Mário Soares e Jorge Sampaio ou o Rei da Jordânia, para referir

apenas alguns.

O Parlamento trabalha, graças aos seus tradutores e intérpretes, nas línguas

oficiais da União: alemão, checo, dinamarquês, eslovaco, esloveno, espanhol, estônio,

127 SOBRINHO, António; MARTINS, José António. O Parlamento Europeu. Um Parlamento diferente dos outros. Publicação do Gabinete em Portugal do Parlamento Europeu: Lisboa, 2004, p. 15. 128 Qualquer nova adesão de um Estado à União Européia, bem como a maior parte dos acordos internacionais exigem, a aprovação do Parlamento Europeu. No caso de um acordo internacional ou de um Tratado de Adesão, o Parlamento Europeu deve estar integralmente informado sobre o mandato e o andamento das negociações. Quanto ao conhecimento, devido à tramitação comunitária, o tempo que medeia entre a apresentação de uma proposta legislativa e a sua correspondente aprovação e entrada em vigor nos Estados-Membros é por norma bastante longo. Esta situação, que pode parecer um entrave, não é invulgar nos Parlamentos nacionais, mas aí o debate político é aceso, está próximo do cidadão e a pressão mediática faz com que o tema em debate se prolongue e se mantenha vivo na ordem do dia. Existe ainda a convicção de que aquilo que se passa no “nosso” Parlamento é algo que nos vai afetar de imediato, enquanto essa consciência não existe em relação ao Parlamento Europeu, talvez por estar mais distante (BRUXELAS. O Parlamento Europeu. Serviço das Publicações do Parlamento Europeu. Direção-Geral de Informação e Relações Públicas do Parlamento Europeu. Gabinete de informação: Bruxelas, 2006, p. 19). 129 No âmbito de proteção aos direitos humanos no mundo, o Parlamento Europeu criou, em 1988, o prêmio Sakharov, anualmente atribuído a uma ou a diversas personalidades, ou a um grupo, que se tenham particularmente distinguido na luta em prol dos Direitos do Homem. Entre os nomes já premiados, encontram-se Nelson Mandela e Kofi Annan (BRUXELAS. O Parlamento Europeu. Serviço das Publicações do Parlamento Europeu. Direção-Geral de Informação e Relações Públicas do Parlamento Europeu. Gabinete de informação: Bruxelas, 2006, p. 27-28).

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finlandês, francês, grego, húngaro, inglês, italiano, letão, lituano, maltês, neerlandês, polaco,

português e sueco.130

O Parlamento Europeu dispõe de três locais de trabalho (Estrasburgo, Bruxelas e

Luxemburgo), por razões históricas. São as três cidades onde as instituições européias se

instalaram após a sua criação. Um protocolo anexo ao Tratado de Amsterdã de 1997 salienta

nomeadamente: “O Parlamento Europeu tem sede em Estrasburgo, onde se realizam as doze

sessões plenárias mensais, incluindo a sessão orçamental. As sessões plenárias

suplementares realizam-se em Bruxelas. As Comissões do Parlamento Europeu reúnem-se em

Bruxelas. O Secretariado-Geral do Parlamento Europeu e os seus serviços permanecem no

Luxemburgo.” No entanto, por razões funcionais, um certo número de funcionários e de

colaboradores dos grupos políticos do Parlamento Europeu trabalha em Bruxelas.131

Todas as atividades do Parlamento, bem como as dos seus órgãos, são dirigidas

pelo Presidente, que dirige as sessões plenárias, as reuniões da Mesa e a Conferência dos

Presidentes132.

A evolução política na União Européia permite afirmar da existência de um

sistema político europeu, a qual se justifica pelo fato de: - os cidadãos nos vários Estados-Membros gozarem do direito à cidadania européia; - terem lugar eleições para o Parlamento Europeu por sufrágio universal e direto; - terem sido criadas as bases de um sistema eleitoral uniforme; - grupos políticos terem assento no Parlamento Europeu; - serem reconhecidos partidos políticos a nível europeu.133

As vinte comissões do Parlamento Europeu preparam os trabalhos das sessões

plenárias. Cada Comissão designa um Presidente e Vice-Presidentes e dispõe de um 130 BRUXELAS. O Parlamento Europeu. Serviço das Publicações do Parlamento Europeu. Direção-Geral de Informação e Relações Públicas do Parlamento Europeu. Gabinete de informação: Bruxelas, 2006, p. 9. 131 Ibid., p. 10. 132 O Presidente representa o Parlamento Europeu em todas as suas relações externas e, nomeadamente, nas relações internacionais (Ibid., p. 10). O atual Presidente do Parlamento Europeu é HANS-GERT POETTERING. A duração do mandato do Presidente é de dois anos e meio.

A Mesa é o órgão de direção regulamentar da instituição, competente em matéria de orçamento do Parlamento, de questões administrativas, de pessoal e de organização. A Mesa é constituída pelo Presidente, por catorze Vice-Presidentes e por cinco Questores com funções consultivas. Os Questores têm a seu cargo as questões administrativas diretamente relacionadas com os deputados.

A Conferência dos Presidentes é composta pelo Presidente do Parlamento Europeu e pelos Presidentes dos grupos políticos. Enquanto órgão de direção política do Parlamento, fixa as competências e o número de membros das comissões e das delegações parlamentares, decide a repartição dos lugares no hemiciclo e elabora o calendário e a ordem do dia das sessões plenárias. Examina as recomendações da Conferência dos Presidentes das Comissões relativas aos trabalhos destas e a ordem do dia das sessões.

133 SOBRINHO, António; MARTINS, José António. O Parlamento Europeu. Um Parlamento diferente dos outros. Publicação do Gabinete em Portugal do Parlamento Europeu: Lisboa, 2004, p. 47.

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secretariado. As Comissões elaboram e aprovam os relatórios sobre propostas legislativas e

relatórios de iniciativa. Preparam também pareceres destinados a outras comissões

parlamentares. Para além destas comissões permanentes, o Parlamento pode igualmente

constituir comissões temporárias e comissões de inquérito. As comissões parlamentares

mistas mantém relações com os parlamentos dos países candidatos à adesão e as delegações

interparlamentares com os parlamentos de outros países terceiros. O Parlamento Europeu

conta com cerca de 4.000 funcionários, que são recrutados, através de concurso, em todos os

países da União Européia e estão sob a autoridade de um Secretário-Geral. Os grupos

políticos têm os seus colaboradores próprios e os deputados dispõem de assistentes

parlamentares.134

Elencam-se oito características particulares que fazem do Parlamento Europeu

uma instituição distinta, conforme observam Richard Corbett, Francis Jacobs e Michael

Schackleton, nomeadamente: 1) por se tratar da experiência mais aprofundada de democracia transnacional, em que esta substitui, ou pelo menos complementa, a diplomacia internacional; 2) por fazer parte de um sistema institucional único e sem precedentes como a União Européia, com a sua mescla de poderes legislativos supranacionais e instrumentos de cooperação intergovernamental; 3) por ser controversa a sua existência, ao terem sido registradas reações de oposição à sua criação e desenvolvimento; 4) pela sua evolução particularmente rápida, fato esse traduzido pelo sucessivo reforço de poderes que se tem vindo a registrar desde 1979; 5) pela sua dispersão geográfica, que o obriga a desenvolver a sua atividade em três locais distintos – Bruxelas, Luxemburgo e Estrasburgo - , devido ao consignado nos Tratados; 6) pelo desenvolvimento do multilinguismo a um nível extraordinário, que a vai obrigar, a partir de 1º de maio de 2004, a utilizar 20 línguas oficiais, o que acarreta a interpretação das reuniões e a tradução de todos os documentos de sessão; 7) pelo resultado das eleições européias não determinar a nomeação de um executivo – Comissão Européia – nem tão pouco a sua eleição implicar mudanças naquele órgão, à semelhança do que sucede com o Congresso dos EUA, e contrariamente ao que se verifica com os Parlamentos dos Estados-Membros; 8) continuar a expandir-se em número de deputados, tendo passado de 410 membros de 9 Estados-Membros, resultantes das eleições de 1979, para 626, conforme se verifica atualmente, com os representantes dos povos de 15 Estados-Membros. O número de deputados ascenderá a 732, em conseqüência da adesão de mais 10 Estados-Membros à União Européia.135

As distâncias a que estão as instituições, por vezes grandes em relação aos

Estados periféricos, fazem com que os cidadãos não se apercebam do seu verdadeiro papel e,

no caso concreto do Parlamento Europeu, podem conduzir a níveis elevados de abstenção

134 BRUXELAS. O Parlamento Europeu. Serviço das Publicações do Parlamento Europeu. Direção-Geral de Informação e Relações Públicas do Parlamento Euroepu. Gabinete de informação: Bruxelas, 2006, p. 12. 135 CORBETT, Richard; JACOBS, Francis; SCHACKLETON, Michael. The European Parliament. 5.ed. John Harper Publishing: London, 2003, p. 363.

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por ocasião da realização de eleições européias por se considerar a instituição longínqua e

burocrática, muito embora a instituição influencie cada vez mais o cotidiano de cada um.136

4.2. Os deputados

Os deputados137 do Parlamento Europeu são eleitos por sufrágio universal direto

desde 1979, com modalidades de escrutínio diferente, conforme os Estados-Membros.

Atualmente, a eleição ocorre de 5 em 5 anos.138 Os deputados exercem o seu mandato com

independência e não podem ser sujeitos a quaisquer ordens ou instruções. Durante o período

de 2004-2009, o Parlamento Europeu é composto por 785 deputados, repartidos de modo

diferente pelos 27 Estados-Membros. O número de deputados que representam cada um dos

Estados-Membros varia em função do número de habitantes; cada país tem um número fixo

de mandatos, que vai de 99, no caso da Alemanha, a 5, no caso de Malta.

Em todos os países são aplicadas regras democráticas comuns: direito de voto aos

18 anos, igualdade entre mulheres e homens e voto por escrutínio secreto. Os deputados

europeus recebem salário idêntico aos deputados nacionais do país em que foram eleitos, que

é pago por esse mesmo Estado-Membro.139

O Parlamento Europeu reúne e delibera em público. As suas resoluções, pareceres

e debates são publicados no Jornal Oficial da União Européia. No hemiciclo, os deputados

não estão agrupados por delegações nacionais, mas sim em função do grupo político a que

pertencem. Atualmente, o Parlamento Europeu integra não somente grupos políticos, bem 136 SOBRINHO, António; MARTINS, José António. O Parlamento Europeu. Um Parlamento diferente dos outros. Publicação do Gabinete em Portugal do Parlamento Europeu: Lisboa, 2004, p. 35. 137 Eleitos pelos cidadãos da União Européia, por sufrágio universal direto, para serem os seus representantes na tomada de decisões no processo legislativo da União, os deputados ao Parlamento Europeu “gozam de independência no exercício do seu mandato, não se encontrando sujeitos a quaisquer ordens ou instruções” (artigo 2º do Regimento). O número de deputados ao Parlamento Europeu, ao longo do período 1979-2004, evoluiu do seguinte modo: - constituição da primeira assembléia eleita por sufrágio universal direto (410 deputados); - Parlamento dos Dez (1.1.1981) que passou a albergar 434 deputados, com a adesão da Grécia à CEE; - Parlamento dos Doze (1.1.1986) com 518 deputados, na seqüência da adesão de Espanha e de Portugal à CEE; - nova ampliação devido à unificação alemã, por ocasião das quartas eleições européias e que se traduziu na eleição de 567 deputados (junho de 1994); - fixação em 626 deputados, com a adesão da Áustria, da Finlândia e da Suécia à União Européia, a 1.1.1995; Nas eleições para a VI legislatura, com data marcada para o período de 10 a 13 de junho de 2004, os cidadãos de 25 Estados-Membros elegeram 732 deputados, num ato eleitoral sem precedentes na história da União, conseqüência do maior alargamento efetuado até a data (SOBRINHO, António; MARTINS, José António. op.cit., p. 8).

138 BRUXELAS. O Parlamento Europeu. Serviço das Publicações do Parlamento Europeu. Direção-Geral de Informação e Relações Públicas do Parlamento Euroepu. Gabinete de informação: Bruxelas, 2006, p. 7. 139 Ibid., p. 7.

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como deputados “Não Inscritos”. Por outro lado, os deputados trabalham em comissões e em

delegações parlamentares, de que podem ser membros titulares ou suplentes.140

Os deputados europeus reúnem-se em sessão plenária uma vez por mês em

Estrasburgo. Em Bruxelas, tem lugar um determinado número de sessões suplementares de

dois dias. O Secretariado-Geral do Parlamento está instalado no Luxemburgo. Duas semanas

por mês, os deputados europeus participam nas reuniões das comissões parlamentares em

Bruxelas, sendo a semana restante dedicada às reuniões dos grupos políticos.141

O trabalho dos deputados europeus divide-se entre a participação nas sessões

plenárias, nas reuniões das comissões parlamentares e delegações, nas reuniões dos grupos

políticos a que pertencem, no trabalho de preparação de relatórios, na apresentação de

propostas de resolução, nas intervenções nos debates e no trabalho político junto dos seus

constituintes. Toda esta atividade é distribuída pelos três locais de trabalho do Parlamento

Europeu – Estrasburgo, Bruxelas e Luxemburgo – e ainda, essencialmente, pelo seu país de

origem, ou outro onde seja reclamada a sua presença. A cada deputado compete representar

os interesses comuns e não usar o exercício da sua influência no interesse exclusivo do seu

país de origem. Embora o desígnio “interesse comum” deva prevalecer, nem sempre isso

acontece, havendo uma forte tendência para colocar os interesses nacionais acima dos

interesses comuns.142

140 BRUXELAS. O Parlamento Europeu. Serviço das Publicações do Parlamento Europeu. Direção-Geral de Informação e Relações Públicas do Parlamento Euroepu. Gabinete de informação: Bruxelas, 2006, p. 9. 141 Ibid., p. 9. 142 SOBRINHO, António; MARTINS, José António. O Parlamento Europeu. Um Parlamento diferente dos outros. Publicação do Gabinete em Portugal do Parlamento Europeu: Lisboa, 2004, p. 43-44.

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4.3. Os grupos políticos

A maior parte dos deputados está inscrita num grupo político143. Existe, contudo,

um determinado número de parlamentares que não pertence a qualquer grupo político. São os

deputados “Não Inscritos”. Um grupo político deve ser plurinacional e possuir um número

mínimo de membros. Diversos grupos políticos fazem parte de partidos políticos organizados

a nível europeu. Cada grupo político possui um presidente, uma mesa e um secretariado.

Antes da votação em sessão plenária, os grupos políticos examinam os relatórios das

comissões parlamentares, tendo em conta a sua orientação política e, freqüentemente,

apresentam propostas de alterações. Desempenham também um importante papel na fixação

da ordem do dia das sessões plenárias.144

No Parlamento Europeu não há verdadeiramente uma oposição sistemática por

parte de uma coligação ou grupo político, porque o sistema institucional, tal como foi criado,

dificulta tal procedimento. De fato, quem o concebeu pensou, sobretudo, em privilegiar o

consenso em lugar de facilitar a confrontação. Este é mais um dos aspectos interessantes que

faz da União Européia um sistema ímpar no relacionamento entre as instituições.145

Os grupos políticos representados no Parlamento Europeu integram deputados de

um ou mais Estados-Membros de acordo com as suas afinidades políticas. As disposições do

regimento do Parlamento Europeu, que definem as regras de funcionamento da Instituição,

incluem alguns artigos exclusivamente dedicados aos grupos políticos, e que a seguir se

transcrevem:

143 Partido Popular Europeu: fundado em 1976, em Bruxelas-Luxemburgo, enquanto federação dos partidos democratas-cristãos dos Estados-Membros da Comunidade, sucedendo à Comissão Política dos Partidos Democratas-Cristãos da Comissão Européia, criada em 1972 (secretariado permanente em Bruxelas); Partido dos Socialistas Europeus: criado em 1992, tendo sucedido à Confederação dos Partidos Socialistas da Comunidade Européia, desenvolveu-se a partir de um gabinete de coordenação instalado em Roma tendo o seu secretariado efetivo em Bruxelas. A condição fundamental para aderir a este partido é a de ser filiado na Internacional Socialista; Partido Europeu dos Liberais, Democratas e Reformistas: criado em 1993, resulta da federação dos partidos liberais e democratas da Comunidade Européia que foi fundada em 1976, em Estugarda. As idéias políticas dos liberais expostas na Declaração de Estugarda baseiam-se no Manifesto de Oxford elaborado pela Internacional Liberal em 1947; Federação Européia dos Partidos dos Verdes: criado em 1993, resulta da Coordenação dos Verdes Europeus que foi fundada em 1984, em Bruxelas, tendo fixado o seu ideário político numa declaração comum sobre os seus objetivos. Em 21 de fevereiro de 2004, em Roma, aquela federação deu origem ao Partido Europeu dos Verdes; Federação dos Partidos Regionalistas-Federalistas: A Federação foi fundada em julho de 1981 em Estrasburgo, tendo fixado o seu ideário político na declaração comum de 1981 (SOBRINHO, António; MARTINS, José António. O Parlamento Europeu. Um Parlamento diferente dos outros. Publicação do Gabinete em Portugal do Parlamento Europeu: Lisboa, 2004, p. 42). 144 BRUXELAS. O Parlamento Europeu. Serviço das Publicações do Parlamento Europeu. Direção-Geral de Informação e Relações Públicas do Parlamento Euroepu. Gabinete de informação: Bruxelas, 2006, p. 11. 145 SOBRINHO, António; MARTINS, op.cit., p. 34-35.

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CAPÍTULO 4 – GRUPOS POLÍTICOS Artigo 29º - Constituição dos Grupos Políticos

1. Os deputados podem constituir-se em grupos por afinidades políticas.146 2. Cada grupo político integrará deputados eleitos em pelo menos um quinto dos Estados-Membros. O número mínimo de deputados requerido para a constituição de um grupo político é de vinte. 3. Cada deputado só pode pertencer a um grupo político.

4. A constituição dos grupos políticos deverá ser declarada ao presidente. Dessa declaração deve constar a denominação do grupo, o nome dos deputados que o integram e a composição da respectiva mesa.

5. As declarações de constituição dos grupos políticos serão publicadas no Jornal Oficial da União Européia.

Artigo 31º - Deputados não-inscritos

1. Os deputados que não pertençam a qualquer grupo político disporão de um secretariado. Para esse efeito, a Mesa tomará, sob proposta do Secretário-Geral, as medidas adequadas.

2.Compete à Mesa regulamentar o estatuto e os direitos parlamentares destes deputados.

3. A Mesa adotará igualmente regulamentação relativa à disponibilização, à execução e ao controle das dotações inscritas no orçamento do parlamento para cobrir as despesas de secretariado e das estruturas administrativas dos deputados não-inscritos.

146 Normalmente, o Parlamento não necessita de avaliar a afinidade política dos membros de um grupo. Ao constituírem um grupo ao abrigo deste artigo, os deputados envolvidos aceitam por definição que existe entre eles afinidade política. Só quando isso for posto em causa pelos deputados envolvidos é que é necessário que o Parlamento avalie se o grupo se encontra constituído em conformidade com o Regimento (SOBRINHO, António; MARTINS, José António. O Parlamento Europeu. Um Parlamento diferente dos outros. Publicação do Gabinete em Portugal do Parlamento Europeu: Lisboa, 2004, p. 37).

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III. O PARLAMENTO NO DIREITO BRASILEIRO 1. O Parlamento Brasileiro 1.1. A história do Parlamento nas constituições brasileiras A leitura das constituições brasileiras é uma excelente forma de estudar a história

do Brasil, permitindo-nos conhecer o nosso passado, bem como compreender melhor a

realidade contemporânea. Como conseqüência natural desse estudo, é possível identificar os

avanços e retrocessos que tivemos em nosso sistema representativo. O Brasil teve 7

constituições (1824, 1891, 1934, 1937, 1946, 1967 e 1988). É certo que, cada constituição,

refletiu o cenário político, social e econômico de sua época.

Dessa forma, o nosso Parlamento já recebeu algumas denominações nos textos

constitucionais: Assembléia Geral (1824), Poder Legislativo (1934), Parlamento Nacional

(1937) e Congresso Nacional (1891, 1946, 1967 e 1988). Quase todas as constituições

estabeleceram uma legislatura de 4 anos, sendo que somente a de 1891 dispôs de forma

diferente (3 anos). O mandato dos senadores era vitalício na constituição de 1824. Passou para

9 anos no texto constitucional seguinte (1891). Já em 1934, nova alteração para 8 anos, que

passou a valer nas constituições que se seguiram, com exceção da de 1937, que criou o

Conselho Federal (mandato de 6 anos), que formava o Parlamento Nacional com a Câmara

dos Deputados.

Por fim, os critérios de elegibilidade e as regras de composição e escolha dos

representantes também se modificaram ao longo da história. Vejamos os pontos principais que

cada constituição estabeleceu em relação ao Parlamento.

1.1.1. Constituição Política do Império do Brasil de 1824

A Constituição do Império é caracterizada pela colisão entre o liberalismo e o

autoritarismo do monarca. Esse desencontro tornou-se fatal, tanto para o destino da própria

Assembléia Constituinte – que foi dissolvida pelo Imperador – como para o próprio destino

político do país, ao longo de quase 7 décadas de sua história. Quando da abertura dos

trabalhos constituintes, Dom Pedro pronunciou essas palavras: “Espero que a Constituição

que façais mereça a minha real aprovação.” Isso revela bem a medida da situação ambígua

que marcou não apenas aqueles anos, bem como todo o período do 1º e 2º Império,

contradição que se mostrará evidente na figura do Poder Moderador. 147

147 BONAVIDES, Paulo; ANDRADE, Paes de. História Constitucional do Brasil. 3.ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1991, p. 89-90.

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Um bom exemplo disso era que o pedido de sanção de um projeto de lei ao

Imperador, deveria ser feito nos seguintes termos: “A Assembléia Geral dirige ao Imperador

o Decreto incluso, que julga vantajoso e útil ao Império, e pede a Sua Majestade Imperial, se

digne dar a sua sanção (art. 62)”. Caso o Imperador não consentisse, a resposta se dava da

seguinte forma: “O Imperador quer meditar sobre o Projeto de Lei, para a seu tempo se

resolver.” Ao que a Câmara teria que responder que “Louva a sua Majestade Imperial o

interesse, que toma pela Nação (art. 64)”.

De acordo com a Constituição Imperial, os representantes da “Nação Brasileira”

eram o Imperador e a Assembléia Geral (art. 11). O Poder Legislativo era delegado à

Assembléia Geral, com a sanção do Imperador (art. 13). A Assembléia Geral era composta de

duas Câmaras: Câmara de Deputados, e Câmara de Senadores, ou Senado (art. 14).148

Já em relação à legislatura, a sua duração era de 4 anos, e cada sessão anual tinha 4

meses (art. 17). Na reunião das duas Câmaras, o Presidente do Senado dirigia o trabalho. Os

deputados e senadores tomavam lugar indistintamente (art. 22). Não se podia celebrar sessão

em cada uma das Câmaras, sem que estivesse reunida a metade, e mais um dos seus

respectivos Membros (art. 23).

É interessante destacar o artigo 29, que estabelecia que os senadores e deputados

poderiam ser nomeados para o cargo de Ministro de Estado, ou Conselheiro do Estado. Art. 10. Os Poderes Políticos reconhecidos pela Constituição do Império do Brasil são quatro: o Poder Legislativo, o Poder Moderador, o Poder Executivo, e o Poder Judicial. Art. 98. O Poder Moderador é a chave de toda a organização política, e é delegado privativamente ao Imperador, como Chefe Supremo da Nação, e seu Primeiro Representante, para que incessantemente vele sobre a manutenção da independência, equilibrio, e harmonia dos mais Poderes Politicos. Art. 99. A Pessoa do Imperador é inviolável, e sagrada: Ele não está sujeito à responsabilidade alguma. Art. 100. Os seus títulos são "Imperador Constitucional, e Defensor Perpétuo do Brazil" e tem o Tratamento de Majestade Imperial. Art. 101. O Imperador exerce o Poder Moderador: I. Nomeando os Senadores, na forma do art. 43. II. Convocando a Assembléia Geral extraordinariamente nos intervalos das Sessões, quando assim o pede o bem do Império. III. Sancionando os Decretos, e Resoluções da Assembléia Geral, para que tenham força de Lei: art. 62. IV. Aprovando, e suspendendo interinamente as Resoluções dos Conselhos Provinciais: arts. 86, e 87. V. Prorrogando, ou adiando a Assembléia Geral, e dissolvendo a Câmara dos Deputados, nos casos, em que o exigir a salvação do Estado; convocando imediatamente outra, que a substitua. VI. Nomeando, e demitindo livremente os Ministros de Estado. VII. Suspendendo os Magistrados nos casos do art. 154. VIII. Perdoando, e moderando as penas impostas e os réus condenados por sentença. IX. Concedendo anistia em caso urgente, e que assim aconselhem a humanidade, e bem do Estado. 148 Art. 16. Cada uma das Câmaras terá o Tratamento de Augustos, e Digníssimos Senhores Representantes da Nação.

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Entretanto, os Senadores continuavam a ter assento no Senado, e o deputado deixaria vago o

seu lugar na Câmara, e se procedia a uma nova eleição, na qual podia ser reeleito e então,

acumular as duas funções.

A Câmara dos Deputados era eletiva e temporária (art. 35) e possuía iniciativa

privativa sobre impostos, recrutamentos e escolha da nova dinastia, em caso de extinção da

imperante (art. 36).

O Senado era composto de membros vitalicios, e era organizado por eleição

provincial (art. 40). A composição da Casa se dava da seguinte forma: Cada Província dará tantos senadores, quantos forem a metade de seus respectivos deputados, com a diferença, que, quando o número dos deputados da Província for ímpar, o número dos seus senadores será metade do número imediatamente menor, de maneira que a Província que houver de dar onze deputados, dará cinco senadores (art. 41).

A Província, que tiver um só deputado, elegerá todavia o seu senador, não obstante a regra acima estabelecida (art. 42).

As eleições para o Senado eram feitas da mesma maneira que as dos deputados,

mas em listas tríplices, sobre as quais o Imperador escolhia o terço na totalidade da lista (art.

43). Para ser senador, era necessário ter no mínimo, 40 anos. Além disso, outros requisitos

eram necessários, como por exemplo, uma renda anual de oitocentos mil réis.149 Entretanto, os

príncipes da Casa Imperial eram Senadores por Direito, e tinham assento no Senado, logo que

chegassem à idade de 25 anos.

A Constituição reconhecia e garantia o direito de intervir de todo o cidadão nos

negócios da sua província. Esse direito era exercido pelas Câmaras dos Distritos e pelos

Conselhos, com o título de Conselho Geral da Província. Cada um dos Conselhos Gerais era

composto de 21 membros nas províncias mais populosas150e nas outras 13. A sua eleição era

feita na mesma ocasião e da mesma maneira que a dos “representantes da Nação”, e pelo

tempo de cada legislatura. Para ser membro desses Conselhos, era necessária a idade mínima

de 25 anos, probidade e “decente subsistência” (arts. 71 a 75).

Entretanto, havia limitações para deliberação nesses Conselhos. É o que se extrai

da leitura do artigo 83: Não se podem propor, nem deliberar nestes Conselhos projetos: I. Sobre interesses gerais da Nação.

149 Art. 45. Para ser Senador, requer-se: I. Que seja Cidadão Brasileiro, e que esteja no gozo dos seus Direitos Políticos. II. Que tenha de idade quarenta anos para cima. III. Que seja pessoa de saber, capacidade, e virtudes, com preferência os que tiverem feito serviços à Pátria. IV. Que tenha de rendimento anual por bens, indústria, comércio, ou empregos, a soma de oitocentos mil réis. 150 Pará, Maranhão, Ceará, Pernambuco, Bahia, Minas Gerais, São Paulo, e Rio Grande do Sul.

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II. Sobre quaisquer ajustes de umas com outras províncias. III. Sobre imposições, cuja iniciativa é da competência particular da Câmara dos Deputados. IV. Sobre execução de leis, devendo porém, dirigir a esse respeito representações motivadas à Assembléia Geral, e ao Poder Executivo conjuntamente. As Resoluções dos Conselhos Gerais de Província eram remetidas diretamente ao

Poder Executivo, pelo intermédio do Presidente da Provincia (art. 84). Caso a Assembléia

Geral se achasse a esse tempo reunida, lhe seriam imediatamente enviadas pela respectiva

Secretaria de Estado, para serem propostas como Projetos de Lei, e obter a aprovação da

Assembléia por uma única discussão em cada Câmara (art. 85). Mas se a Assembléia não se

achasse a esse tempo reunida, o Imperador as mandaria provisoriamente executar, se julgasse

que elas eram dignas de pronta providência, pela utilidade, que de sua observância resultaria o

bem geral da província (art. 86).

Se não ocorressem essas circunstâncias, o Imperador declararia que: “Suspende o

seu juízo a respeito daquele negócio”, ao que o Conselho responderia que: “Recebeu mui

respeitosamente a resposta de Sua Majestade Imperial (art. 87)”.

Logo que a Assembléia Geral se reunisse, lhe seriam enviadas as resoluções

suspensas e as que estivessem em execução, para serem discutidas, e deliberadas (art. 88).

Cabia, também, à Assembléia Geral, regular os Conselhos Gerais de Província por meio de

regimento (art. 89).

As nomeações dos deputados e senadores para a Assembléia Geral, e dos

Membros dos Conselhos Gerais das Províncias, eram feitas por eleições indiretas, elegendo a

massa dos cidadãos ativos em Assembléias Paroquiais os eleitores de província, e estes os

representantes da Nação, e provincia (art. 90).

Destaquem-se as limitações para o voto: Art. 92. São excluídos de votar nas Assembléias Paroquiais: I. Os menores de vinte e cinco anos, nos quais se não compreendem os casados, e oficiais militares, que forem maiores de vinte e um anos, os bacharéis formados, e Clérigos de Ordens Sacras. II. Os filhos famílias, que estiverem na companhia de seus pais, salvo se servirem ofícios públicos. III. Os criados de servir, em cuja classe não entram os guarda-livros, e primeiros caixeiros das casas de comércio, os Criados da Casa Imperial, que não forem de galão branco, e os administradores das fazendas rurais, e fábricas. IV. Os religiosos, e quaisquer, que vivam em comunidade claustral. V. Os que não tiverem de renda líquida anual cem mil réis por bens de raiz, indústria, comércio, ou empregos. Os que não podiam votar nas Assembléias Primárias de Paróquia, não podiam ser

Membros, nem votar na nomeação de alguma autoridade eletiva nacional, ou local (art. 93).

Podiam ser eleitores e votar na eleição dos deputados, senadores e membros dos Conselhos de

Província, todos os que podiam votar na Assembléia Paroquial, com exceção dos que não

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tivessem renda líquida anual de duzentos mil réis por bens de raiz, industria, comércio, ou

emprego; os libertos; e os criminosos pronunciados em querela, ou devassa (art. 94). Todos os

que podiam ser eleitores, eram hábeis para serem nomeados deputados, exceto os que não

tivessem quatrocentos mil réis de renda líquida, na forma dos arts. 92 e 94; os estrangeiros

naturalizados; e os que não professassem a religião do Estado (art. 95).

Podemos concluir, do exame de todos esses institutos, que a Constituição do

Império trazia diversas limitações ao Parlamento (Assembléia Geral). Por outro lado, ao

Imperador era conferido superpoderes. Conforme assinalam Bonavides e Paes de Andrade, o

Poder Moderador da Carta do Império é literalmente a constitucionalização do absolutismo, se

isso fora possível.151

1.1.2. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 1891

De um ponto de vista ideológico, a Primeira República foi o coroamento do

liberalismo no Brasil. Suas bases constitucionais contrapuseram o absolutismo do Império,

estampado pela singular criação do Poder Moderador, que feria a concepção de contenção de

poderes formulada por Montesquieu e Constant. Mas a fidelidade do texto constitucional aos

princípios e valores ideológicos proclamados não guardava, porém, correspondência com a

realidade. A figura do Presidente da República era um monarca sem coroa, um rei sem trono.

As instituições se revelavam impotentes para romper a tradição, o costume, a menoridade

cívica, os vícios sociais. Extraía-se a seguinte lição: não era possível suprimir a história e a

realidade com lápis e papel, ao abrigo macio das antecâmaras do poder. Por outro lado, não se

pode deixar de reconhecer que a proclamação da República, os decretos do Governo

Provisório e a promulgação da Constituição de 1891 representaram, pelo aspecto formal, uma

ruptura completa da ordem política anteriormente estabelecida no país. Mas uma coisa foi a

ordem constitucional formalmente estabelecida pela vontade da Assembléia Constituinte – e

outra coisa era a realidade e a organização social da nação republicana, originada da crise do

cativeiro e da derrubada das instituições imperiais. 152

O Poder Legislativo era exercido pelo Congresso Nacional, com a sanção do

Presidente da República. O Congresso Nacional era formado pela Câmara dos Deputados e o

Senado Federal (art. 16). Cada Legislatura tinha a duração de três anos (§ 2º, art. 17). A

Câmara dos Deputados e o Senado Federal trabalhavam separadamente e, quando não se 151 BONAVIDES, Paulo; ANDRADE, Paes de. História Constitucional do Brasil. 3.ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1991, p. 96. 152 Ibid., p. 249-250.

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resolvesse o contrário, por maioria de votos, em sessões públicas. As deliberações eram

tomadas por maioria de votos, achando-se presente, em cada uma, a maioria absoluta de seus

membros (art. 18).

As condições de elegibilidade para o Congresso Nacional estavam previstas no

artigo 26:

1 º ) estar na posse dos direitos de cidadão brasileiro e ser alistado como eleitor; 2 º ) para a Câmara, ter mais de quatro anos de cidadão brasileiro, e para o Senado mais de seis. Esta disposição não compreende os cidadãos a que se refere o nº IV do art. 69.153 A Câmara dos Deputados era formada por representantes do povo, eleitos pelos

Estados e pelo Distrito Federal, mediante o sufrágio direto, garantida a representação da

minoria. O número dos Deputados era fixado por lei em proporção que não excedesse de um

por setenta mil habitantes, não devendo esse número ser inferior a quatro por Estado (art. 28).

Competia à Câmara a iniciativa do adiamento da sessão legislativa e de todas as leis de

impostos, das leis de fixação das forças de terra e mar, da discussão dos projetos oferecidos

pelo Poder Executivo e a declaração da procedência, ou improcedência da acusação contra o

Presidente da República, e contra os Ministros de Estado nos crimes conexos com os do

Presidente da República (art. 29).

Quanto ao Senado, o mesmo era composto de cidadãos elegíveis nos termos do art.

26 e maiores de 35 anos, em número de três senadores por Estado e três pelo Distrito Federal,

eleitos pelo mesmo modo por que o fossem os deputados (art. 30). O mandato dos senadores

durava nove anos, renovando-se o Senado pelo terço trienalmente (art. 31).

Incumbia, ainda, ao Congresso, mas não privativamente, velar na guarda da

Constituição e das leis e providenciar sobre as necessidades de caráter federal; animar no País

o desenvolvimento das letras, artes e ciências, bem como a imigração, a agricultura, a

indústria e comércio, sem privilégios que tolham a ação dos Governos locais; criar

instituições de ensino superior e secundário nos Estados; e prover a instrução secundária no

Distrito Federal (art. 35).

153 Art 69 - São cidadãos brasileiros: 1º) os nascidos no Brasil, ainda que de pai estrangeiro, não residindo este a serviço de sua nação; 2º) os filhos de pai brasileiro e os ilegítimos de mãe brasileira, nascidos em país estrangeiro, se estabelecerem domicílio na República; 3º) os filhos de pai brasileiro, que estiver em outro país ao serviço da República, embora nela não venham domiciliar-se; 4º) os estrangeiros, que achando-se no Brasil aos 15 de novembro de 1889, não declararem, dentro em seis meses depois de entrar em vigor a Constituição, o ânimo de conservar a nacionalidade de origem; 5º) os estrangeiros que possuírem bens imóveis no Brasil e forem casados com brasileiros ou tiverem filhos brasileiros contanto que residam no Brasil, salvo se manifestarem a intenção de não mudar de nacionalidade; 6º) os estrangeiros por outro modo naturalizados.

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1.1.3. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 1934

Em 1934, a situação é diversa daquela que deu origem à Constituição anterior. As

preocupações sociais ganham prioridade. Em rigor, 1934 é fruto do movimento de 1930, das

mudanças efetuadas pelo Governo Provisório e da Revolução Constitucionalista de 1932. A

Assembléia Constituinte reunida em 1933 contrasta com a de 1891, inicialmente pelo

entusiasmo com que a população a acolheu, ao contrário da indiferença que envolveu a

primeira constituinte republicana. Os constituintes eram em número de 214, entre os quais

uma inovação e peculiaridade: 40 deputados classistas, 18 representantes dos empregados, 17

dos empregadores, 3 dos profissionais liberais e 2 dos funcionários públicos. As correntes de

pensamento mais diversas estavam aí representadas. As preocupações parecem adquirir

âmbito nacional. Todos esses fatores apontam para o sentido eminentemente social da

Constituição de 1934.154

Em seu texto, um liberalismo manifestado no capítulo das liberdades e garantias

individuais, nas eleições livres, no voto universal, na livre organização dos partidos, na

autonomia dos poderes, dos estados e municípios. Mas há, também, por outro lado, uma forte

tendência centralizadora – marcada pela ampliação das atribuições do Poder Executivo - que

vem aliada a um desejo de regular todas as instâncias do corpo social, a uma maciça

intervenção do Estado na economia.155

A dose de socialismo inoculada em nosso Estado Liberal para reformá-lo de alto a

baixo foi, porém, forte demais. Pereceu a Constituição submersa nas agitações que abalaram o

país, efeito de uma efervescência ideológica de cunho revolucionário, da qual colheu a contra-

reforma ensejo para desferir o golpe de Estado de 1937.156

O Poder Legislativo era exercido pela Câmara dos Deputados com a colaboração

do Senado Federal. Cada Legislatura tinha duração de quatro anos (art. 22). De acordo com o

artigo 23, a Câmara dos Deputados era composta de representantes do povo, eleitos mediante

sistema proporcional e sufrágio universal, igual e direto, e de representantes eleitos pelas

organizações profissionais na forma que a lei indicasse. O número dos deputados seria fixado

por lei: os do povo, proporcionalmente à população de cada Estado e do Distrito Federal, não

podendo exceder de um por 150 mil habitantes até o máximo de vinte, e deste limite para

cima, de um por 250 mil habitantes; os das profissões, em total equivalente a um quinto da

154 BONAVIDES, Paulo; ANDRADE, Paes de. História Constitucional do Brasil. 3.ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1991, p. 319. 155 Ibid., p. 320. 156 Ibid., p. 325.

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representação popular. Os Territórios elegeriam dois Deputados (§ 1º). Os deputados das

profissões eram eleitos na forma da lei ordinária por sufrágio indireto das associações

profissionais compreendidas para esse efeito, e com os grupos afins respectivos, nas quatro

divisões seguintes: lavoura e pecuária; indústria; comércio e transportes; profissões liberais e

funcionários públicos (§ 3º). O total dos deputados das três primeiras categorias era no

mínimo de seis sétimos da representação profissional, distribuídos igualmente entre elas,

dividindo-se cada uma em círculos correspondentes ao número de deputados que lhe

coubesse, dividido por dois, a fim de garantir a representação igual de empregados e de

empregadores. O número de círculos da quarta categoria correspondia ao dos seus deputados

(§ 4º). Excetuada a quarta categoria, havia em cada círculo profissional dois grupos eleitorais

distintos: um, das associações de empregadores, outro, das associações de empregados (§ 5º).

Os grupos eram constituídos de delegados das associações, eleitos mediante sufrágio secreto,

igual e indireto por graus sucessivos (§ 6º). Na discriminação dos círculos, a lei assegurava a

representação das atividades econômicas e culturais do País (§ 7º). Ninguém poderia exercer o

direito de voto em mais de uma associação profissional (§ 8º). Nas eleições realizadas em tais

associações não votavam os estrangeiros (§ 9º).

A elegibilidade para a Câmara dos Deputados estava disposta no artigo 24: “São

elegíveis para a Câmara dos Deputados os brasileiros natos, alistados eleitores e maiores de

25 anos; os representantes das profissões deverão, ainda, pertencer a uma associação

compreendida na classe e grupo que os elegerem”.

Durante o prazo das suas sessões, a Câmara dos Deputados funcionava todos os

dias úteis, com a presença de um décimo pelo menos dos seus membros e, salvo se resolvesse

o contrário, em sessões públicas. As deliberações, a não ser nos casos expressos na

Constituição, eram tomadas por maioria de votos, presente a metade e mais um dos seus

membros (art. 27).

Competia exclusivamente ao Senado Federal a iniciativa das leis sobre a

intervenção federal, e, em geral das que interessem determinadamente a um ou mais Estados

(artigo 41, § 3º). Ao Senado Federal, nos termos dos artigos 90, 91 e 92, incumbia promover a

coordenação dos Poderes federais entre si, manter a continuidade administrativa, velar pela

Constituição, colaborar na feitura de leis e praticar os demais atos da sua competência (artigo

88). O Senado Federal era composto de dois representantes de cada Estado e do Distrito

Federal, eleitos mediante sufrágio universal, igual e direto por oito anos, dentre brasileiros

natos, alistados eleitores e maiores de 35 anos (artigo 89). O parágrafo primeiro desse mesmo

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artigo estabelecia que a representação de cada Estado e do Distrito Federal, no Senado,

renovar-se-ia pela metade, conjuntamente com a eleição da Câmara dos Deputados.

As disposições transitórias da constituição de 1934 estabeleciam: Art. 2º - Empossado o Presidente da República, a Assembléia Nacional Constituinte se transformará em Câmara dos Deputados e exercerá cumulativamente as funções do Senado Federal, até que ambos se organizem nos termos do art. 3º, § 1º. Nesse intervalo elaborará as leis mencionadas na mensagem do Chefe do Governo Provisório, de 10 de abril de 1934, e outras porventura reclamadas pelo interesse público.

Art. 3º - Noventa dias depois de promulgada esta Constituição, realizar-se-ão as eleições dos membros da Câmara dos Deputados e das Assembléias Constituintes dos Estados. Uma vez inauguradas, estas últimas passarão a eleger os Governadores e os representantes dos Estados no Senado Federal, a empossar aqueles e a elaborar, no prazo máximo de quatro meses, as respectivas Constituições, transformando-se, a seguir, em Assembléias ordinárias, providenciando, desde logo, para que seja atendida a representação das profissões.

§ 3º - No mesmo prazo deste artigo serão realizadas as eleições para a Câmara Municipal do Distrito Federal, que elegerá o Prefeito e os representantes do Senado Federal.

1.1.4. Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 1937

O golpe de 10 de novembro de 1937 impôs uma Carta constitucional que encerrou

o rápido período de vigência da constituição de 1934, nascida da Assembléia Nacional

Constituinte. Pode-se afirmar que até então as constituições haviam sido resultantes de

debates e decisões constituintes. Mesmo a constituinte de 1824, outorgada por D. Pedro I,

deve ser considerada como fruto do trabalho dos constituintes. Quando o texto já estava

concluído, o Imperador dissolveu a Assembléia, mas a Carta que outorgou foi na sua quase

integralidade. A constituição de 1937 foi a primeira que dispensou o trabalho de

representação popular constituinte. No capítulo referente às “Emendas Constitucionais”,

dispunha a Carta outorgada que a mesma poderia ser emendada, modificada ou reformada por

iniciativa do Presidente da República (artigo 174) ou da Câmara dos Deputados, aliás, fechada

com o golpe de 10 de novembro157.

A Carta de 1937, exceção feita aos dispositivos autoritários que serviam aos

interesses imediatos do poder, não teve aplicação. No aspecto político, tornaram-se

importantes o recesso e a dissolução do Legislativo (artigo 13), a livre expedição dos

decretos-leis (artigo 14), do que a manutenção do Poder Legislativo previsto, aliás inutilmente

nos artigos 38 e seguintes. A Câmara dos Deputados era mantida apenas nominalmente,

enquanto a Constituição criava um Conselho Federal com critérios de composição semelhante

157 BONAVIDES, Paulo; ANDRADE, Paes de. História Constitucional do Brasil. 3.ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1991, p. 339.

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ao do Senado com nada menos que 10 de seus integrantes indicados pelo próprio Chefe do

Governo e, portanto, por ele substituídos. E com um presidente, Ministro de Estado, também

designado pelo Presidente da República158.

A competência dos três poderes na Constituição de 1937 era meramente formal.

Os artigos 38 a 49 que tratavam do Poder Legislativo esboroavam-se com o conjunto do texto

e, mesmo, com a coexistência de um Conselho Federal criado pelos artigos 50 a 56,

usurpando faculdades legislativas com 10 dos seus membros escolhidos pelo Presidente da

República e os restantes pelas Assembléias Legislativas dos Estados. Era o Senado sem voto

popular, constituído já à época, dos senadores biônicos, que recebiam a designação de

“conselheiros”. A competência dos três poderes ficou limitada ao centralismo do Executivo e

condicionada aos interesses do chefe supremo da administração – o Presidente da

República159.

Vejamos alguns exemplos que demonstram a predominância do Poder Executivo: Art 11 - A lei, quando de iniciativa do Parlamento, limitar-se-á a regular, de modo geral, dispondo apenas sobre a substância e os princípios, a matéria que constitui o seu objeto. O Poder Executivo expedirá os regulamentos, complementares. Art 12 - O Presidente da República pode ser autorizado pelo Parlamento a expedir decretos-leis, mediante as condições e nos limites fixados pelo ato de autorização. Art 13 - O Presidente da República, nos períodos de recesso do Parlamento ou de dissolução da Câmara dos Deputados, poderá, se o exigirem as necessidades do Estado, expedir decretos-leis sobre as matérias de competência legislativa da União, excetuadas as seguintes: a) modificações à Constituição; b) legislação eleitoral; c) orçamento; d) impostos; e) instituição de monopólios; f) moeda; g) empréstimos públicos; h) alienação e oneração de bens imóveis da União. Parágrafo único - Os decretos-leis para serem expedidos dependem de parecer do Conselho da Economia Nacional, nas matérias da sua competência consultiva. Art 14 - O Presidente da República, observadas as disposições constitucionais e nos limites das respectivas dotações orçamentárias, poderá expedir livremente decretos- leis sobre a organização do Governo e da Administração federal, o comando supremo e a organização das forças armadas.

Na Carta de 37, o Poder Legislativo era exercido pelo Parlamento Nacional, com a

colaboração do Conselho da Economia Nacional e do Presidente da República, daquele

158 BONAVIDES, Paulo; ANDRADE, Paes de. História Constitucional do Brasil. 3.ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1991, p. 343. 159 Ibid., p. 345.

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mediante parecer nas matérias da sua competência consultiva e deste pela iniciativa e sanção

dos projetos de lei e promulgação dos decretos-leis autorizados pela Constituição (artigo 38).

O Parlamento Nacional era composto de duas Câmaras: a Câmara dos Deputados e

o Conselho Federal e o prazo de cada legislatura era de 4 anos. As vagas que ocorressem,

eram preenchidas por eleição suplementar, se tratasse da Câmara dos Deputados, e por eleição

ou nomeação, conforme o caso, em se tratando do Conselho Federal. O artigo 40 estabelecia

que a Câmara dos Deputados e o Conselho Federal funcionariam separadamente, e, quando

não se resolvesse o contrário, por maioria de votos, em sessões públicas. Em uma e outra

Câmara, as deliberações seriam tomadas por maioria de votos, presente a maioria absoluta dos

seus membros.

O sufrágio indireto para a Câmara dos Deputados estava previsto no artigo 46: “A

Câmara dos Deputados compõe-se de representantes do povo, eleitos mediante sufrágio

indireto”.O número de Deputados por Estado era proporcional à população e fixado por lei,

não podendo ser superior a dez nem inferior a três por Estado (artigo 48).

Já em relação ao Conselho Federal, este era composto de representantes dos

Estados e dez membros nomeados pelo Presidente da República. A duração do mandato era

de seis anos (artigo 50). O parágrafo único desse dispositivo estabelecia que cada Estado, por

sua Assembléia Legislativa, elegeria um representante. O Governador do Estado tinha o

direito de vetar o nome escolhido pela Assembléia; em caso de veto, o nome vetado só se teria

por escolhido definitivamente se confirmada a eleição por dois terços de votos da totalidade

dos membros da Assembléia.

As condições de elegibilidade estavam dispostas nos artigos 51: “Só podem ser

eleitos representantes dos Estados os brasileiros natos maiores de trinta e cinco anos,

alistados eleitores e que hajam exercido, por espaço nunca menor de quatro anos, cargo de

governo na União ou nos Estados” e 52: “A nomeação feita pelo Presidente da República só

pode recair em brasileiro nato, maior de trinta e cinco anos e que se haja distinguido por sua

atividade em algum dos ramos da produção ou da cultura nacional”.

Ao Conselho Federal, cabia legislar para o Distrito Federal e para os Territórios,

no que se referisse aos interesses peculiares dos mesmos (artigo 53). Teria inicio no Conselho

Federal a discussão e votação dos projetos de lei sobre: a) tratados e convenções

internacionais; b) comércio internacional e interestadual; c) regime de portos e navegação de

cabotagem (artigo 54).

Competia ainda ao Conselho Federal (artigo 55): a) aprovar as nomeações de

Ministros do Supremo Tribunal Federal e do Tribunal de Contas, dos representantes

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diplomáticos, exceto os enviados em missão extraordinária; b) aprovar os acordos concluídos

entre os Estados. O Conselho Federal era presidido por um Ministro de Estado, designado

pelo Presidente da República (artigo 56).

As Câmaras tinham limitações legislativas. É o que se extrai da leitura dos

dispositivos: Artigo 64: A iniciativa dos projetos de lei cabe, em princípio, ao Governo. Em todo caso, não serão admitidos como objeto de deliberação projetos ou emendas de iniciativa de qualquer das Câmaras, desde que versem sobre matéria tributária ou que de uns ou de outras resulte aumento de despesa. § 1º - A nenhum membro de qualquer das Câmaras caberá a iniciativa de projetos de lei. A iniciativa só poderá ser tomada por um terço de Deputados ou de membros do Conselho Federal. § 2º - Qualquer projeto iniciado em uma das Câmaras terá suspenso o seu andamento, desde que o Governo comunique o seu propósito de apresentar projeto que regule o mesmo assunto. Se dentro de trinta dias não chegar à Câmara a que for feita essa comunicação, o projeto do Governo, voltará a constituir objeto de deliberação o iniciado no Parlamento. Art 65 - Todos os projetos de lei que interessem à economia nacional em qualquer dos seus ramos, antes de sujeitos à deliberação do Parlamento, serão remetidos à consulta do Conselho da Economia Nacional. Parágrafo único - Os projetos de iniciativa do Governo, obtendo parecer favorável do Conselho da Economia Nacional, serão submetidos a uma só discussão em cada uma das Câmaras. A Câmara, a que forem sujeitos, limitar-se-á a aceitá-los ou rejeitá-los. Antes da deliberação da Câmara legislativa, o Governo poderá retirar os projetos ou emendá-los, ouvido novamente o Conselho da Economia Nacional se as modificações importarem alteração substancial dos mesmos.

Ainda em relação ao excesso de Poderes do Executivo, destacam-se: Art 75 - São prerrogativas do Presidente da República: a) indicar um dos candidatos à Presidência da República; b) dissolver a Câmara dos Deputados no caso do parágrafo único do art. 167.160

Em suas disposições transitórias e finais, foram dissolvidos a Câmara dos

Deputados, o Senado Federal, as Assembléias Legislativas dos Estados e as Câmaras

Municipais. As eleições ao Parlamento Nacional seriam marcadas pelo Presidente da

República, depois de realizado o plebiscito previsto (artigo 178).

Enquanto não se reunisse o Parlamento Nacional, o Presidente da República teria o poder de

expedir decretos-leis sobre todas as matérias da competência legislativa da União (artigo 180).

Foi declarado em todo o país o estado de emergência (artigo 186).

160 Art 167 - Cessados os motivos que determinaram a declaração do estado de emergência ou do estado de guerra, comunicará o Presidente da República à Câmara dos Deputados as medidas tomadas durante o período de vigência de um ou de outro. Parágrafo único - A Câmara dos Deputados, se não aprovar as medidas, promoverá a responsabilidade do Presidente da República, ficando a este salvo o direito de apelar da deliberação da Câmara para o pronunciamento do País, mediante a dissolução da mesma e a realização de novas eleições.

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Por fim, dispunha o artigo 187: “Esta Constituição entrará em vigor na sua data e

será submetida ao plebiscito nacional na forma regulada em decreto do Presidente da

República”. Nem o plebiscito, nem o decreto, jamais se efetivaram.

1.1.5. Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 1946

A Carta de 46 recuperou com decisão o princípio federativo, estabelecendo uma

valiosa autonomia para os Estados e Municípios. Ela buscava devolver ao Legislativo e ao

Judiciário a dignidade e as prerrogativas características de um regime efetivamente

democrático. A Constituição, mais conservadora em alguns aspectos, teve, contudo, recuos e

avanços que nada comprometeram a estrutura já formalmente implantada do Estado Social

brasileiro. A Carta Política de 18 de setembro de 1946, que redemocratizou o país, pôs termo

à ordem jurídica de exceção, vigente desde o golpe de Estado de 1937, desferido por

Vargas.161

Uma das preocupações mais freqüentes no ânimo dos constituintes de 1946 foi a

restauração do federalismo brasileiro nos moldes clássicos da tradição republicana de 1891,

em linhas mestras ao equilíbrio e harmonia dos poderes, consoante decorria do texto, posto

que a realidade se apresentasse de modo distinta. O Poder Legislativo estivera prostado e

ausente por todo aquele período. De sorte que a debilidade da ordem federativa vinha somar-

se ao declínio do órgão mais diretamente representativo da vontade participativa do cidadão.

A Constituição de 1946 teve caráter manifestamente restaurador. Ficou, contudo, aquém da de

1934 na introdução de novidades institucionais. Mas o que ali se colocou como renovação foi

basicamente preservado pelos nossos primeiros constituintes de pós-guerra, sem embargo de

todas as cautelas e reservas conservadoras de que se rodeou a lei maior, revogadora da ordem

ditatorial estabelecida com o golpe de 1937.162

Esteve a constituição de 1946 formalmente em vigor até 1967, posto que bastante

mutilada desde 1964. Com referência aos seus aspectos de todo construtivos, é de assinalar

haver a constituição de 1946 filtrado os pontos negativos de reconstitucionalização de 1934

nas matérias que foram nesta objeto de modificação mais profunda, tais como o sistema

representativo e o sistema federativo. Com efeito, em relação às formas políticas, uma das

novidades mais significativas foi a introdução da bancada classista no Congresso, ao instituir-

se a chamada representação profissional, sem dúvida um enxerto antidemocrático nas 161 BONAVIDES, Paulo; ANDRADE, Paes de. História Constitucional do Brasil. 3.ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1991, p. 409-412. 162 Ibid., p. 418.

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instituições, do qual a Constituição de 1946 louvavelmente se desfez, escarmentada no

malogro completo daquele princípio por ensejo da curta experiência constitucional de 1934.163

A constituição também se mostrou positiva refluindo às suas origens republicanas

e federativas de 1891 no tocante à reinserção do Senado como segunda Câmara legislativa na

estrutura congressual do sistema. Recobrava assim o mesmo quadro de competências gravado

na Lei Fundamental da Primeira República.164

Em seu artigo 1º, declarava a constituição: “Os Estados Unidos do Brasil mantêm,

sob o regime representativo, a Federação e a República. Todo poder emana do povo e em

seu nome será exercido”.

Já o parágrafo único do artigo 38 estabelecia as condições de elegibilidade para o

Congresso Nacional: I - ser brasileiro (art. 129, nºs. I e II); II - estar no exercício dos direitos

políticos; III - ser maior de vinte e um anos para a Câmara dos Deputados e de trinta e cinco

para o Senado Federal.

Em cada uma das Câmaras, salvo disposição constitucional em contrário, as

deliberações seriam tomadas por maioria de votos, presente a maioria dos seus membros

(artigo 42). O voto era secreto nas eleições e nos casos estabelecidos nos arts. 45, § 2º, 63, nº

i, 66, nº VIII, 70, § 3, 211 e 213 (artigo 43).

A Câmara dos Deputados era composta por representantes do povo, eleitos,

segundo o sistema de representação proporcional, pelos Estados, pelo Distrito Federal e pelos

Territórios. Cada Legislatura tinha a duração de quatro anos (artigos 56 e 57).

O número de deputados era fixado por lei, em proporção que não excedesse um

para cada cento e cinqüenta mil habitantes até vinte deputados, e, além desse limite, um para

cada duzentos e cinqüenta mil habitantes (artigo 58). O parágrafo primeiro desse dispositivo

estabelecia que cada Território teria um deputado, e seria de sete deputados o número mínimo

por Estado e pelo Distrito Federal. A representação fixada não poderia ser reduzida (§ 2º).

Em relação ao Senado Federal, a regra de composição foi disposta no artigo 60: O Senado Federal compõe-se de representantes dos Estados e do Distrito Federal, eleitos segundo o princípio majoritário. § 1º - Cada Estado, e bem assim o Distrito Federal, elegerão três Senadores, § 2º - o mandato de Senador será de oito anos. § 3º - A representação de cada Estado e a do Distrito Federal renovar-se-ão de quatro em quatro anos, alternadamente, por um e por dois terços.

163 BONAVIDES, Paulo; ANDRADE, Paes de. História Constitucional do Brasil. 3.ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1991, p. 419. 164 Ibid., p. 420.

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Por fim, o Ato das Disposições Constitucionais Transitórias trazia mais uma regra

de elegibilidade: Art 19 - São elegíveis para cargos de representação popular, salvo os de Presidente e Vice-Presidente da República e o de Governador, os que, tendo adquirido a nacionalidade brasileira na vigência de constituições anteriores, hajam exercido qualquer mandato eletivo.

1.1.6. Constituição da República Federativa do Brasil de 1967

O período de abril de 64 a dezembro de 66 registra nada menos do que a edição de

quatro atos institucionais e quinze emendas constitucionais. Entre essas últimas estão as que

determinavam reformas nos poderes legislativo e judiciário, no sistema financeiro e ainda no

campo tributário. O AI-1 já enunciava: “A revolução vitoriosa necessita de se

institucionalizar e se apressa pela sua institucionalização”. Essa é uma constante no

pensamento dos integrantes do movimento de 64, e é por isso que havia tanta preocupação

com a edição de uma nova constituição e com a manutenção do Congresso. Castello Branco

preocupava-se intensamente com a recepção e repercussão deste ou daquele ato, desta ou

daquela constituição “lá fora”, na Europa e nos Estados Unidos, pois a caracterização do

golpe colocaria mal o Brasil no mundo democrático. Mas essa preocupação não nos impede

de constatar que a verdadeira constituição daqueles anos foram os Atos Institucionais.165

A elaboração da constituição de 1967 era, pois, um dos estágios do processo

institucionalizador do movimento de 1964. A Constituição de 1946 mesmo adotada, estava

superada praticamente pelo uso dos poderes excepcionais que foram atribuídos ao Marechal

Castello Branco pelo ato Institucional de 1964 e reforçado pelo de 1965.166 Entre 1965 e

1966, o presidente Castello Branco baixou nada menos que 3 Atos Institucionais, 36

Complementares, 312 Decretos-leis e 3.746 Atos Punitivos. A determinação de preparar uma

carta constitucional que procurasse institucionalizar o Estado conseqüente do golpe, levou o

presidente Castello Branco a decidir-se pelo que se convencionou chamar de o Poder

Constituinte Congressual. Era uma adaptação do Legislativo para que, transformado em

reformador ou redator de um texto novo para o país, evitasse a convocação de uma assembléia

popular e, de outra parte, também evitasse mais um ato de força com a imposição de um texto

165 BONAVIDES, Paulo; ANDRADE, Paes de. História Constitucional do Brasil. 3.ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1991, p. 430. 166 Ibid., p. 431.

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originário do Executivo. Caminhou o governo para atribuir essa faculdade constituinte ao

Congresso, que não a recebera na ocasião da coleta dos votos populares.167

Costa e Silva, Presidente da República, em 13 de dezembro de 1968, assina o Ato

Institucional nº 5, reforçando o estado de exceção. A junta de Ministros Militares, composta

de três membros, outorga em 17 de outubro de 1969 a Emenda nº 1 que foi antecipada pelo

Ato Institucional nº 16, de 14 de outubro do mesmo ano, que deu nova redação ao colégio

eleitoral para a eleição indireta de presidente e vice-presidente da República, prevista na

constituição de 1967. A emenda nº 1, de 1969, ao substituir a constituição de 1967, tornou-se

de fato a nova Carta, adaptando os vários atos institucionais e complementares.168

Em seu artigo 1º, a constituição de 1967 trazia a seguinte redação: “O Brasil é

uma República Federativa, constituída sob o regime representativo, pela união indissolúvel

dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios. § 1º - Todo poder emana do povo e em seu

nome é exercido”.

O Poder Legislativo era exercido pelo Congresso Nacional, que era composto pela

Câmara dos Deputados e o Senado Federal (artigo 29). As condições de elegibilidade foram

definidas no parágrafo único do artigo 30: São condições de elegibilidade para o Congresso Nacional: I - ser brasileiro nato; II - estar no exercício dos direitos políticos; III - ser maior de vinte e um anos para a Câmara dos Deputados e de trinta e cinco para o Senado.

A cada uma das Câmaras competia dispor, em Regimento Interno, sobre sua

organização, polícia, criação e provimento de cargos (artigo 32). Na constituição das

Comissões, era assegurado, tanto quanto possível, a representação proporcional dos Partidos

nacionais que participassem da respectiva Câmara (parágrafo único).

As regras de composição da Câmara dos Deputados foram dispostas no artigo 41: A Câmara dos Deputados compõe-se de representantes do povo, eleitos por voto direto e secreto, em cada Estado e Território.

§ 1º - Cada Legislatura durará quatro anos. § 2º - O número de deputados será fixado em lei, em proporção que não exceda de

um para cada trezentos mil habitantes, até vinte e cinco deputados, e, além desse limite, um para cada milhão de habitantes.

§ 3º - A fixação do número de deputados a que se refere o parágrafo anterior não poderá vigorar na mesma Legislatura ou na seguinte.

§ 4º - Será de sete o número mínimo de deputados por Estado. § 5º - Cada Território terá um deputado. § 6º - A representação de deputados por Estado não poderá ter o seu número

reduzido.

167 BONAVIDES, Paulo; ANDRADE, Paes de. História Constitucional do Brasil. 3.ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1991, p. 432. 168 Ibid., p. 443.

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Já o Senado Federal, era composto de representantes dos Estados, eleitos pelo voto

direto e secreto, segundo o principio majoritário. Cada Estado elegia 3 senadores, com

mandato de oito anos, renovando-se a representação, de quatro em quatro anos,

alternadamente, por um e por dois terços. Cada senador era eleito com seu suplente (artigo 43,

parágrafos 1º e 2º).

1.1.7. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988

Em 5 de outubro de 1988, foi promulgada a atual constituição do Brasil, fato que,

nas palavras de Paes de Andrade e Bonavides, representou a extinção do regime do decreto-

lei e a maioridade da democracia representativa.169 Assim como nas constituições de 1891,

1946 e 1967, o Parlamento Brasileiro é denominado Congresso Nacional, composto de duas

Casas, a Câmara dos Deputados e o Senado Federal (sistema bicameral170). Dá-se o nome de

legislatura ao período de funcionamento do Congresso, correspondente ao prazo de duração

do exercício do mandato dos integrantes da sua Casa mais efêmera. No caso brasileiro, a

duração da legislatura é de 4 anos, eis que é este o prazo de duração do mandato dos

deputados.171 O bicameralismo do Legislativo Federal está intimamente relacionado à escolha

pelo legislador constituinte da forma federativa de Estado, pois no Senado Federal encontram-

169 BONAVIDES, Paulo; ANDRADE, Paes de. História Constitucional do Brasil. 3.ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1991, p. 489. 170 O legislador constituinte brasileiro concedeu ao Senado Federal a mesma relevância e força dada à Câmara dos Deputados, adotando o bicameralismo norte-americano e contrariando, assim, a tendência britânica do bicameralismo. MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil interpretada. São Paulo: Atlas, 2006, p. 1048. 171 Não se deve confundir sessão legislativa com legislatura. A sessão legislativa é o período anual de funcionamento do órgão legislativo, que não é um poder de funcionamento permanente como acontece com o poder executivo. O legislativo somente funciona nos momentos previstos pela Constituição, art. 57: “O Congresso Nacional reunir-se-á, anualmente, na Capital Federal, de 15 de fevereiro a 30 de junho e de 1º de agosto a 15 de dezembro”. Esta duração anual do Congresso chama-se sessão, sofrendo uma interrupção no mês de junho, o que dá lugar à divisão da sessão em dois períodos de funcionamento. Há casos de convocação extraordinária em que estes prazos previstos para recesso podem ser tomados, por uma convocação dessa natureza. Entretanto, o funcionamento normal do Congresso pressupõe a sua interrupção e cada ano denomina-se sessão legislativa. A nossa legislatura é composta de quatro sessões legislativas. Começam, como vimos, no dia 15 de fevereiro até 30 de junho e em 1º de agosto até 15 de dezembro, salvo por ocasião do primeiro ano de uma nova legislatura, hipótese em que a sessão é antecipada para o 1º dia de fevereiro, conforme dispõe o §4º do art. 57. Esta antecipação é para possibilitar a posse dos membros e a eleição das respectivas Mesas, cujo mandato é de dois anos, vedada a recondução para o mesmo cargo na eleição imediatamente subseqüente. Embora a Câmara se renove de dois em dois anos, a antecipação para 1º de fevereiro somente se dá no primeiro ano da legislatura; portanto, só ocorre no início da legislatura e não no começo de todas as sessões legislativas (BASTOS, Celso Ribeiro; Martins, Ives Gandra. Comentários à Constituição do Brasil. v.4. t.1. 3.ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 10-11).

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se, de forma paritária, representantes de todos os Estados-Membros e do Distrito Federal,

consagrando o equilíbrio entre as partes contratantes da Federação172.

1.2. A Câmara dos Deputados

O deputado federal é o cidadão eleito para a Câmara dos Deputados para ser o

representante do povo. No Brasil, o deputado federal representa o povo do Estado que o elege.

A Câmara dos Deputados, representante do povo brasileiro, exerce atividades que viabilizam

a realização dos anseios da população, mediante discussão e aprovação de propostas

referentes às áreas econômicas e sociais, como educação, saúde, transporte, habitação, entre

outras. Assim, a Câmara dos Deputados compõe-se de representantes de todos os Estados e do

Distrito Federal, o que resulta em um Parlamento com diversidade de idéias, revelando-se

uma Casa legislativa plural, a serviço da sociedade brasileira173. A Câmara dos Deputados

compõe-se de representantes do povo, eleitos, pelo sistema proporcional, em cada Estado e no

Distrito Federal (artigo 45). O número total de Deputados, bem como a representação por

Estado e pelo Distrito Federal, é estabelecido por lei complementar, proporcionalmente à

população, procedendo-se aos ajustes necessários, no ano anterior às eleições, para que

nenhuma das unidades da Federação tenha menos de 8 ou mais de 70 Deputados (parágrafo

único). O Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, no parágrafo 2º do artigo 4º ainda

estabeleceu que é assegurada a irredutibilidade da atual representação dos Estados e do

Distrito Federal na Câmara dos Deputados. RELAÇÃO DE DEPUTADOS

POR ESTADO

AC 8 MA 18 RJ 46

AL 9 MG 53 RN 8

AM 8 MS 8 RO 8

AP 8 MT 8 RR 8

BA 39 PA 17 RS 31

CE 22 PB 12 SC 16

DF 8 PE 25 SE 8

ES 10 PI 10 SP 70

GO 17 PR 30 TO 8

172 MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil interpretada. São Paulo: Atlas, 2006, p.1037-1038. 173 Disponível em http://www2.camara.gov.br/. Acesso em 20/06/2007.

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CÂMARA DOS DEPUTADOS

BANCADA DOS PARTIDOS

PT 82 PMDB 93

PSDB 57 PSB 29

DEM 57 PDT 23

PP 42 PCdoB 13

PR 41 PSC 7

PTB 24 PMN 5

PPS 14 PTC 2

PV 14 PHS 2

PSOL 3 PRB 1

PTdoB 1 Sem partido 3

513

1.2.1. A Comissão de Legislação Participativa

A Comissão de Legislação Participativa (CLP174) da Câmara dos Deputados foi

criada em 2001 com o objetivo de facilitar a participação da sociedade no processo de

elaboração legislativa. Através da CLP, a sociedade, por meio de qualquer entidade civil

organizada, ONGs, sindicatos, associações, órgãos de classe, apresenta à Câmara dos

Deputados suas sugestões legislativas. Essas sugestões vão desde propostas de leis

complementares e ordinárias, até sugestões de emendas ao Plano Plurianual (PPA), à Lei de

Diretrizes Orçamentárias (LDO) e à Lei Orçamentária Anual (LOA).

174 A CLP é composta por 18 membros titulares e igual número de suplentes e tem como Presidente o Deputado Eduardo Amorim (PSC/SE). E-mail: [email protected] Site: www.camara.gov.br/clp Tel.: (61) 3216-6692/6693 &mdash Fax: (61) 3216-6699 Disque Câmara: 0800 619-619 Existe CLP na Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo, Câmara Municipal de Guarulhos, Assembléia Legislativa de Alagoas, Assembléia Legislativa da Paraíba, Assembléia Legislativa de Mato Grosso do Sul, Assembléia Legislativa de Minas Gerais, Assembléia Legislativa do Acre, Assembléia Legislativa do Maranhão, Assembléia Legislativa do Rio Grande do Sul, Assembléia Legislativa de Santa Catarina, Câmara Municipal de Campinas/SP, Câmara Municipal de Campos do Jordão, Câmara Municipal de Conselheiro Lafaiete, Câmara Municipal de Curitiba, Câmara Municipal de Guarulhos, Câmara Municipal de João Pessoa, Câmara Municipal de São Bernardo do Campo, Câmara Municipal de São José dos Campos, Câmara Municipal de São Paulo, Câmara Municipal de Tibagi, Câmara Municipal de Unaí, Câmara Municipal de Manaus, Câmara Municipal de Guaratinguetá, Câmara Municipal de Americana, Câmara Municipal de Belém, Câmara Municipal de Juiz de Fora, Câmara Municipal de Uberaba, Câmara Municipal de Gravataí. Disponível em: http://www2.camara.gov.br/comissoes/clp/comissao.html. Acesso em 24/11/2007.

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83

Para ampliar o acesso da população ao Poder Legislativo, a CLP também

disponibiliza um Banco de Idéias, formado por sugestões apresentadas ao Parlamento

pelos cidadãos e cidadãs brasileiros. “Por meio desta Comissão, a Câmara dos Deputados abre à sociedade civil um portal de acesso ao sistema de produção das normas que integram o ordenamento jurídico do País, chamando o cidadão comum, os homens e mulheres representados pelos Deputados Federais, a levar diretamente ao Parlamento sua percepção dos problemas, demandas e necessidades da vida real e cotidiana".175 1.3. O Senado Federal

O Senado Federal desempenha o papel de Câmara Alta dentro do sistema

bicameral que adotamos. O bicameralismo não é de aceitação majoritária no

constitucionalismo moderno, mas mantém ainda resíduos importantes, constituídos por

Estados, sobretudo de natureza federal, em que a necessidade de uma segunda Câmara se

impõe por força do próprio sistema de distribuição geográfica do poder. O surgimento de

uma segunda Casa tem raízes históricas remotas, que na evolução do federalismo logo se

fizeram presentes, ao lado das castas nobres e do clero, também os representantes do que se

poderia chamar hoje de burguesia, o que originou a divisão do Parlamento em duas Câmaras

ou Casas diferentes. No segundo pós-guerra, ou durante o século XX, assistiu-se ao gradual

enfraquecimento do bicameralismo que hoje é sentido não só pela supressão total desse

segundo órgão legislativo, como também, em alguns casos, pelo exercício de poderes

menores por parte da segunda Casa. É o que ocorre sobretudo na Inglaterra, onde a Câmara

dos Lordes detém poderes nítida e sensivelmente enfraquecidos relativamente à Câmara dos

representantes. O nosso bicameralismo é igual porque a vontade de ambas as Casas é

imprescindível e insubstituível. Não há possibilidade de rejeição do veto de uma delas por

uma maioria, ainda que qualificada, da outra Casa. O nosso Senado ainda é composto de

uma representação paritária de todos os Estados-membros e do Distrito Federal. De quatro

em quatro anos renova-se uma parte do Senado, sendo na primeira vez um terço e na outra

dois terços. O mandato é de oito anos, mas a renovação se dá, ainda que parcialmente, a cada

quatro anos. O voto majoritário é aquele que despreza a filiação partidária. Não se elege um

número de representantes segundo a votação recebida pelos partidos, isoladamente ou em

coligação. Embora seja necessária a filiação partidária, esta, contudo, não é levada em conta

para efeito de escolha do senador eleito, uma vez que o será aquele que, em confronto com os

demais candidatos, obtiver a maior votação. O Senado Federal apresenta, no caso brasileiro,

175 Disponível em: http://www2.camara.gov.br/comissoes/clp/comissao.html. Acesso em 24/11/2007.

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algumas características particularizadas das quais a mais veemente é, exatamente, a de

constituir-se um órgão integrante do Congresso Nacional com poderes idênticos aos da

Câmara Baixa. O ponto alto, que tem sido invocado em defesa dessas Casas, é o fato de haver

necessidade de um jogo de freios e contrapesos no interior do Legislativo. Nesse sentido, não

há de negar-se a valia de uma segunda Casa na medida em que pela reiteração da votação se

pode, eventualmente, obter a correção de algum excesso praticado pela Câmara, que

inicialmente votou a matéria. O questionamento é a qual desses valores vai-se dar a primazia,

se à ponderação e moderação que implica esse processo de duplicidade de Casas, ou se à

celeridade e destreza na elaboração legislativa, para que o Legislativo unicameral é mais

adequado. O nosso bicameralismo acabou por assumir sentido diverso do bicameralismo da

maioria dos países que seguem a influência britânica, no sentido de enfraquecimento da

segunda Casa. No caso brasileiro, ao contrário, o que se nota é até um gradual fortalecimento

desta, pois as sucessivas constituições têm aumentado o número de matérias que levam ou

que necessitam da manifestação privativa do Senado176. Não no caso da feitura das leis

porque, por ocasião da elaboração destas, há uma igualdade de situações entre ambas as

Casas. Mas o Congresso não exerce somente funções legislativas, também realiza funções de

colaboração com o governo. O Senado transformou-se, à vista do constituinte – inclusive por

força do caráter mais restrito da sua composição – no órgão mais ouvido em importantes

questões177.

O próprio princípio da representação paritária, isto é, a determinação de igual

número de senadores para todos os Estados, não é encontrável em todas as Federações. Os

Estados são tidos no Federalismo clássico por iguais. Ainda assim, encontram-se exemplos

de Federações com representação desparificada dos Estados, levando estas em consideração

outros aspectos tais como tamanho, população e desenvolvimento. Todavia, na tradição de

176 No Império os senadores eram vitalícios. Com a implantação da República, por decorrência até do próprio caráter do regime, desaparecem os cargos desta natureza e a duração do mandato do senador passa a ser de nove anos, tornando-se, sem dúvida, um dos mais longos que se conhece. No decorrer da nossa história, tem variado o tempo de duração do mandato de senador, e o direito comparado também oferece nesse sentido soluções diferentes. Nada obstante isso, é importante notar que a duração deste mandato é sempre mais longa, normalmente, chegando a alcançar até o dobro do período previsto para o mandato de deputado. Isto mercê do caráter do próprio mandato, pela sua vocação constitucional para representar os Estados federados e não propriamente o povo. A maioria das federações prefere a solução americana, que é adotada no Brasil. É dizer, a eleição direta do senador. Contudo, não se pode deixar de mencionar a experiência alemã, muito bem-sucedida, que consiste em determinar a escolha dos representantes dos Estados pelos Governos desses mesmos Estados-Membros. Sem dúvida nenhuma, esse tipo de recrutamento confere mais nitidamente à Câmara Alta o caráter de representação dos Estados, devido à fidelidade do senador que tem de estar afinada com a do governo que o nomeou (BASTOS, Celso Ribeiro; Martins, Ives Gandra. Comentários à Constituição do Brasil. v.4. t.1. 3.ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 37-38). 177 Ibid. p. 33-35.

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nosso direito, a regra tem sido a da representação paritária dos Estados Federados, inspirada

no direito norte-americano e que é tida como um dos traços marcantes do Federalismo.

O Distrito Federal também é representado no Senado, sobretudo na atual

Constituição, em que a sua equiparação ao Estado-Membro é quase total. Não obstante,

algumas das Constituições anteriores, como as de 1891, 1934 e 1946, também contemplaram

representantes do Distrito Federal no Senado. As Constituições de 1937 e 1967 excluíram os

senadores do Distrito Federal. No entanto, esta última alterada pela emenda constitucional nº

25, passou também a contemplar a representação do Distrito Federal.

Outra nota particularizada do Senado consiste na duração mais longa do mandato

senatorial. Isso tem precisamente por objetivo tornar o órgão mais distante das pressões das

bases eleitorais. Como não há necessidade de os senadores comparecerem freqüentemente

diante do eleitor, tem-se um processo decisório em princípio mais frio e isento das paixões do

momento.

Não há dúvida de que esse princípio, que prestigia o equilíbrio do Senado, o papel

de equilíbrio que lhe é conferido, vai de encontro ao princípio democrático que exige o

contrário: o de uma renovação mais constante ou periódica possível. O objetivo da

alternância é manifesto. Trata-se de imprimir uma certa continuidade aos trabalhos da Casa,

mediante a transmissão da experiência e dos conhecimentos de uma parte da legislatura

anterior para outra nova. Com a permanência de uma parte da legislatura antiga, esta

remanesce como transmissora dos conhecimentos e da experiência haurida no período

legislativo anterior. E, do ponto de vista político, representa também uma estabilidade maior

da Casa, que não fica inteiramente exposta à vontade dominante numa determinada eleição,

mas se sujeita sempre à conjugação da vontade dos dois períodos eleitorais dos quais

resultam sempre alguma parte da sua composição.178

Pelo artigo 46, o Senado Federal compõe-se de representantes dos Estados e do

Distrito Federal, eleitos segundo o princípio majoritário. Cada Estado e o Distrito Federal

elegerão três Senadores, com mandato de oito anos (parágrafo primeiro). A representação de

cada Estado e do Distrito Federal será renovada de quatro em quatro anos, alternadamente,

por um e dois terços (parágrafo segundo). Cada Senador será eleito com dois suplentes

(parágrafo terceiro). Salvo disposição constitucional em contrário, as deliberações de cada

178 BASTOS, Celso Ribeiro; Martins, Ives Gandra. Comentários à Constituição do Brasil. v.4. t.1. 3.ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 37-41.

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Casa e de suas Comissões serão tomadas por maioria dos votos, presente a maioria absoluta

de seus membros (artigo 47).

OS PARTIDOS NO SENADO

DEM 14 PR 4PMDB 20 PRB 2PSDB 13 PSB 2

PT 12 PP 1PTB 6 PC DO B 1PDT 5 PSOL 1

81

2. A função representativa do Parlamento na República Federativa do Brasil

2.1. Sistemas Eleitorais

O estudo dos sistemas eleitorais e sua influência sobre a representação política e

sobre a estrutura e o funcionamento dos diversos complexos sistemas políticos é inerente ao

próprio estudo da democracia, pois, como salientou Montesquieu, “disciplinar como, por

quem, sobre o que serão dados os sufrágios, nele, é tão importante quanto saber, numa

monarquia, qual é o monarca, e de qual maneira deve governar, afinal, como afirmou

Madison, “a definição do direito de sufrágio é muito justamente considerada um artigo

fundamental do governo republicano” (The Federalist Papers nº. LII). Dessa forma, a adoção

de determinado sistema eleitoral representa a idéia política da maneira de escolher o Chefe do

Poder Executivo, os representantes do povo que preencherão as cadeiras parlamentares ou os

delegados partidários que escolherão, indiretamente, o Presidente da República, devendo suas

regras básicas, portanto, constar da própria Constituição. 179

A adoção do sistema eleitoral deve levar em conta, além dos fatores históricos e

políticos de cada país, o sistema de partidos. A evolução histórica e política das diversas

sociedades democráticas apontaram duas formas básicas de escolha dos representantes em

uma democracia representativa (sistema majoritário e sistema proporcional). O sistema

majoritário encontra-se mais ligado à concepção de democracia representativa (modelo de

Westminster ou inglês), enquanto o sistema proporcional relaciona-se com a idéia de

democracia participativa (modelo consensual). A Constituição de 1988 adotou o sistema

179 MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil interpretada. São Paulo: Atlas, 2006, p. 1038.

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majoritário para os cargos executivos (presidente, governadores e prefeitos) e para o cargo de

senador da República e o sistema proporcional para os demais mandatos parlamentares

(deputados federais, deputados estaduais e distritais e vereadores).180

Nos sistemas majoritários, o candidato vitorioso é o único a ganhar a eleição; nos

sistemas proporcionais, a vitória eleitoral é partilhada e exige-se apenas uma quota suficiente,

um número mínimo de votos (geralmente o quociente eleitoral). Nos sistemas majoritários, a

escolha do candidato é canalizada e, por fim, condensada em uma alternativa; nos sistemas

proporcionais, os eleitores não são obrigados a concentrar os seus votos; sua gama de opção

pode ser ampla. De outro lado, os sistemas majoritários propõem candidatos individuais –

pessoas; os sistemas proporcionais geralmente oferecem listas organizadas pelos partidos.

Mas há grande variedade nesses sistemas”.181

2.1.1. Sistema majoritário

Historicamente, o princípio majoritário firmou-se como o método de escolha dos

representantes, tanto na Grécia quanto na República Romana, por constituir à época reflexo da

igualdade democrática, somente passando a sofrer comparações com o sistema proporcional a

partir do final do século XIX. Trata-se, pois, do sistema eleitoral mais antigo e utilizado

historicamente. O sistema majoritário está ligado ao sistema presidencialista, pois é o método

que busca um “vencedor” e, conseqüentemente, a formação de um governo centrado na figura

do presidente da República (força derivada da legitimidade popular), porém é o método por

excelência para a escolha dos senadores da República. O sistema majoritário apresenta

importantes características, tais como a formação de governos funcionais (em face da

obtenção da maioria), a alternância do poder (pois facilita a existência de um sistema

bipartidário) e o fortalecimento do partido de oposição. Todavia, seu grande inconveniente é

não espelhar fiel e proporcionalmente a vontade popular, em detrimento das minorias, que,

não raro, acabam sub-representadas nos órgãos políticos, além de personificar as eleições, em

detrimento de propostas partidárias. Essa importante constatação foi analisada por Maurice

Duverger, ao expor, em relação às eleições parlamentares, que a característica comum dos

sistemas majoritários é que não asseguram mais que uma representação indireta e aproximada

das minorias. O candidato que encabeçar a lista é eleito; os que seguem são derrotados.

180 MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil interpretada. São Paulo: Atlas, 2006, p. 1039. 181 SARTORI, apud MORAES, Ibid., p. 1039.

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Assim, os votos dos eleitores que tenham sido derrotados não têm nenhuma representação no

Parlamento.182

Essa advertência é feita por Giovanni Sartori, ao ensinar que “os sistemas

majoritários não têm por objetivo um parlamento que reflita a distribuição dos votos;

buscam, sim, um vencedor”. Sua intenção não é só eleger um parlamento, mas ao mesmo

tempo eleger (pelo menos de forma implícita) um governo. O sistema majoritário personaliza

o candidato vencedor e não o seu partido ou a ideologia defendida por ambos, o que, não

raramente, acaba por enfraquecer a democracia representativa de partidos.183

2.1.2. Sistema proporcional

O sistema é proporcional quando a distribuição dos mandatos ocorre de maneira

que o número de representantes em cada circunscrição eleitoral seja dividido em relação com

o número de eleitores, de sorte que resulte uma proporção. O sistema proporcional consiste,

portanto, no procedimento eleitoral que visa assegurar no Parlamento uma representação

proporcional ao número de votos obtidos por cada uma das legendas políticas. Nas palavras

de Mirabeau, como recorda Dieter Nohlen, o Parlamento deveria ser um mapa reduzido do

povo. A finalidade básica do sistema de representação proporcional, portanto, é garantir a

representação das minorias nas diversas circunscrições eleitorais, segundo o número de votos

recebidos, ou seja, pretende-se reproduzir na divisão do número de cadeiras do Parlamento, de

maneira mais próxima e fiel possível da realidade, as diversas facções políticas.184

A idéia básica do sistema proporcional, portanto, como salienta Robert Dahl,

consiste em ter sido “deliberadamente criado para produzir uma correspondência bastante

aproximada entre a proporção total de votos lançados para um partido nas eleições e a

proporção de assentos que o partido obtém na legislatura. Por exemplo, um partido com 53%

dos votos, ganhará 53% dos assentos”.

É certo que o sistema proporcional não goza hoje do mesmo entusiasmo com que

foi aceito no início do século. É que a experiência demonstrou que o voto proporcional,

embora muito eficiente para estabelecer ou retratar as diversas sutilezas do espectro político

de um país, acaba por reforçar esta dispersão. [...] A outra conseqüência, digamos, perversa do

sistema proporcional, é a não-facilitação do processo tendente à formação de um governo

182 MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil interpretada. São Paulo: Atlas, 2006, p. 1047. 183 Ibid., p. 1048. 184 Ibid., p. 1041.

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estável, uma vez que a multiplicidade partidária implica a fragilidade desses mesmos partidos,

o que, por sua vez, vai conduzir à necessidade de coligações e, conseqüentemente, acarreta

um elemento de instabilização no governo. Daí por que a preocupação moderna seja

simultaneamente com a representação proporcional dos Estados, na medida em que se procura

fazer com que os eleitos representem a vontade nacional, sem se olvidar, contudo, a

necessidade de que as maiorias daí resultantes sejam aptas a formar um governo estável.185

2.1.3. Sistema proporcional e a Constituição Federal de 1988

A Constituição Federal de 1988 atenuou o critério puro da proporcionalidade da

população (representados) / deputados (representantes), pois determinou a realização dos

ajustes necessários, no ano anterior às eleições, para que nenhuma das unidades da Federação

tenha menos de 8 ou mais de 70 deputados. Além disso, fixa, independentemente da

população, o número de 4 deputados para cada Território. Essa atenuação perpetuou a

existência de graves distorções em relação à citada proporcionalidade, favorecendo Estados-

membros com menor densidade demográfica em prejuízo dos mais populosos, e acabando por

contradizer a regra prevista no art. 14, caput, da Constituição Federal da igualdade do voto

(One man one vote). A aplicação do sistema proporcional deve ser disciplinada pela

legislação ordinária, que adotou o método do quociente eleitoral consistente na divisão do

total de votos válidos dados em candidatos pelo número de cargos em disputa. O resultado

dessa operação aritmética denomina-se quociente eleitoral. A partir disso, divide-se o total de

votos obtidos por cada uma das legendas pelo quociente, chegando-se, conseqüentemente, ao

número de cadeiras obtidas por cada legenda.186

A Constituição não fixou o número total de deputados. Este número resulta do

estabelecido em lei complementar. Esta lei complementar187, por sua vez, não goza de um

185 BASTOS, Celso Ribeiro; Martins, Ives Gandra. Comentários à Constituição do Brasil. v.4. t.1. 3.ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 20-22. 186 MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil interpretada. São Paulo: Atlas, 2006, p. 1043. 187 A Lei Complementar nº 78, de 30 de dezembro de 1993 (DOU 5 jan. 1994), disciplina a fixação do número de deputados, nos termos do art. 45, § 1º, da Constituição Federal: Art. 1º. Proporcional à população dos Estados e do Distrito Federal, o número de deputados federais não ultrapassará quinhentos e treze representantes, fornecida, pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, no ano anterior às eleições, a atualização estatística demográfica das unidades da Federação. Parágrafo único. Feitos os cálculos da representação dos Estados e do Distrito Federal, o Tribunal Superior Federal fornecerá aos Tribunais Regionais Eleitorais e aos partidos políticos o número de vagas a serem disputadas. Art.2º. Nenhum dos Estados-membros da Federação terá menos de oito deputados federais. Parágrafo único. Cada Território Federal será representado por quatro deputados federais. Art. 3º. O Estado mais populoso será representado por setenta deputados federais.

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livre-arbítrio; ela se vê parametrizada pelos índices que a Constituição determina quando

estabelece que tem que ser proporcional à população e que nenhuma das unidades tenha

menos de 8 ou mais de 70 deputados. Ora, a aplicação deste critério da proporcionalidade,

acompanhado de um piso e de um teto, leva necessariamente a que a determinação do

número exato decorra de uma operação aritmética de aplicação dessa proporcionalidade à

população existente, segundo as estatísticas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística

(IBGE).

O primeiro dos critérios oferecidos pela Constituição é, sem dúvida, impositivo e

plenamente legítimo: que o número de deputados seja proporcional à população. Entretanto,

nos dois limites a seguir indicados, ocorre uma violência desta proporcionalidade, ou, melhor

dizendo, trata-se de uma proporcionalidade enfraquecida, uma vez que ela só pode funcionar

dentro de certas balizas. Partindo de um mínimo até um teto, é dentro deste espaço que

deverão ser representados os Estados e o Distrito Federal. A existência destas balizas impede

que vigore o princípio pleno da proporcionalidade, já que, de um lado, os Estados-membros

pouco populosos ficarão super-representados, dado que eles têm um mínimo. E, de outra

parte, como também há um máximo estabelecido, não é possível estender-se ao número

proporcionalmente exato de parlamentares correspondentes à população de um Estado

superpopuloso em virtude do limite máximo ser de setenta; isto origina um sufoco, uma

compressão do número de deputados que caberá dentro de uma proporcionalidade simples

aos Estados de maior população. Esse fenômeno tem sido fartamente criticado por todos os

estudiosos do direito constitucional, uma vez que ele nega o princípio da representatividade,

o princípio da igualdade, máxime levando-se em consideração que se trata de representantes

do povo e não representantes dos Estados para os quais, até certo ponto, a teoria da Federação

fornece legitimação para uma representação igualitária.188

Com relação ao número de deputados da Câmara, o critério fixado pela

Constituição é o da determinação proporcional de seu número de acordo com a população.

Trata-se de um processo de votação em que os mandatos parlamentares são alcançados não

pela maioria simples de votos, mas por quocientes eleitorais, representativos das correntes de

Art. 4º. Esta Lei Complementar entra em vigor na data de sua publicação. Art. 5º Revogam-se as disposições em contrário. É por isso que o Texto Constitucional determina que se proceda aos ajustes necessários, no ano anterior às eleições, sempre; é óbvio, por via de lei complementar. 188 BASTOS, Celso Ribeiro; Martins, Ives Gandra. Comentários à Constituição do Brasil. v.4. t.1. 3.ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 27-28.

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opinião organizadas, quais sejam os partidos políticos. O objetivo é a obtenção proporcional

entre o número de representantes e o número de habitantes (não de eleitores).

O voto proporcional visa evitar esta distorção. Procurando uma correspondência

tão fidedigna quanto possível entre os representantes e as correntes político-partidárias

existentes no país. Assim, o voto é simultaneamente a escolha de um candidato e de um

partido político, pois a vitória do candidato depende também da votação conferida ao partido.

Na medida em que se apuram os votos de cada partido, obtém-se o coeficiente ou

percentagem de cadeiras a serem ocupadas pelo respectivo partido na Câmara dos Deputados.

Ou seja, o candidato sai vitorioso somente se, antes de tudo, seu partido possuir uma cadeira

para ocupar.

A determinação de quais os candidatos representantes do partido que ocuparão as

cadeiras conquistadas pelo mesmo recebe duas soluções diferentes: uma consiste em haver

uma lista prévia dos candidatos que compõem a chapa daquele partido. A outra consiste,

como é o caso brasileiro, em atribuir a determinação dos parlamentares representativos de

cada partido em função, aí sim, da maioria de votos de cada um ou, em outras palavras,

segundo a votação obtida por cada um. De tal sorte, que se o partido tiver dez candidatos

eleitos, ele os escolherá entre os dez candidatos mais votados do seu partido.

O §1º do artigo 45 da Constituição Federal, que estabelece a obrigação de que a

representação de cada Estado na Câmara Federal seja estabelecida proporcionalmente à

população, jamais foi levado a efeito desde a promulgação da Carta, em 1988. A situação é de

sobre-representação de vários Estados da Federação, e sub-representação de outros,

notadamente o Estado de São Paulo189. Esse déficit de representação ou a sobra de

representação, proporcionalmente à população de cada uma das unidades da Federação, fica

claro no quadro abaixo190:

Distrito População Cadeiras Cadeiras segundo a A - B

Eleitoral (A) regra proporcional

(B) São Paulo 21,6 70 111 -41

Minas Gerais 10,6 53 54 -1 Rio de Janeiro 8,5 46 44 +2

Bahia 8,1 39 42 -3 Rio Grande do Sul 6,1 31 32 -1

Paraná 5,6 30 29 +1

189 CARVALHO, João Fernando Lopes. Reforma Política. Uma visão prática. Alberto Rollo org. São Paulo: Iglu, 2007. 190 Fonte: Tabela publicada no artigo “A reforma da representação proporcional no Brasil”, in Reforma Política e Cidadania, de BENEVIDES, Maria Victoria, VANNUCHI, Paulo & KERCHE, Fábio (orgs.). São Paulo: Fundação Perseu Abramo, p. 209, apud CARVALHO, João Fernando Lopes de. p. 113.

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Pernambuco 4,8 25 25 0 Ceará 4,3 22 22 0 Pará 3,5 17 18 -1

Maranhão 3,4 18 17 +1 Sta. Catarina 3,1 16 16 0

Goiás 2,8 17 14 +3 Paraíba 2,1 12 11 +1

Espírito Santo 1,8 10 9 +1 Piauí 1,7 10 9 +1

Alagoas 1,7 9 9 0 Rio Grande do Norte 1,7 8 9 -1

Amazonas 1,5 8 8 0 Mato Grosso 1,5 8 8 0

Mato Grosso do Sul 1,2 8 6 +2 Distrito Federal 1,1 8 6 +2

Sergipe 1 8 5 +3 Rondônia 0,9 8 4 +4 Tocantins 0,6 8 3 +5

Acre 0,3 8 1 +7 Amapá 0,2 8 1 +7

Roraima 0,2 8 1 +7

2.1.4. Código Eleitoral e o preenchimento de cargos de representação proporcional

A Lei nº 4.737/65 (Código Eleitoral) estabelece as regras para o preenchimento de

cargos de representação proporcional. O primeiro ponto a ser considerado é o “quociente

eleitoral”, que é determinado pela divisão do número de votos válidos191 apurados pelo

número de lugares a preencher em cada circunscrição eleitoral, desprezando-se a fração se

igual ou inferior a meio, e equivalendo a 1, se superior (artigo 106).

É determinado para cada partido ou coligação o “quociente partidário”, por meio

da divisão do quociente eleitoral pelo número de votos válidos dados sob a mesma legenda ou

coligação de legendas, desprezada a fração (art. 107). Dessa forma, estarão eleitos tantos

candidatos registrados por um partido ou coligação quantos o respectivo quociente partidário

indicar, na ordem da votação nominal que cada um tenha recebido (art. 108).

Os lugares não preenchidos com a aplicação dos quocientes partidários serão

distribuídos mediante a observância das regras do artigo 109: I – Dividir-se-á o número de votos válidos atribuídos a cada partido ou coligação de partido pelo número de lugares por ele obtido, mais um, cabendo ao partido ou coligação que apresentar a maior média um dos lugares a preencher; II – repetir-se-á a operação para a distribuição de cada um dos lugares. § 1º - O preenchimento dos lugares com que cada partido ou coligação for contemplado far-se-á segundo a ordem de votação recebida pelos seus candidatos.

191 Nas eleições proporcionais, contam-se como votos válidos apenas os votos dados aos candidatos regularmente inscritos e às legendas partidárias (Lei nº 9.504/97, art. 5º).

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§ 2º - Só poderão concorrer à distribuição dos lugares os partidos e coligações que tiverem obtido quociente eleitoral.

A Resolução do TSE nº 16.844/90 definiu que para o cálculo da média deverá ser

considerada a fração, até a 14ª casa decimal. Na situação de empate, será considerado eleito o

candidato mais idoso (artigo 110). Se nenhum partido ou coligação alcançar o quociente

eleitoral, considerar-se-ão eleitos, até serem preenchidos todos os lugares, os candidatos mais

votados (artigo 111). O Código Eleitoral ainda determina a regra para os suplentes (artigo

112): I – Os mais votados sob a mesma legenda e não eleitos efetivos das listas dos respectivos partidos; II – Em caso de empate na votação, na ordem decrescente de idade.

No caso de empate na média entre dois ou mais partidos ou coligações,

considerar-se-á o partido ou coligação com maior votação, não se aplicando o artigo 110 do

Código Eleitoral; no caso de empate na média e no número de votos, deve ser usado como

terceiro critério de desempate o número de votos nominais (Res. TSE nº 16.844/90 e Ac. TSE

nºs 11.778/94 e 2.895/2001.

Por último, na ocorrência de vagas e se não houver suplente para preenchê-la, far-

se-á eleição, salvo se faltarem menos de 15 meses para findar o período de mandato, tanto

para deputado como para senador (CF/88, art. 56, § 2º).

2.2. A relação governante governado

A quem deve o representante fidelidade? Ao povo, à nação, ao partido, à

circunscrição eleitoral? Até onde deve ir sua independência e conseqüente capacidade de

divergir de seus eleitores e de sua agremiação partidária? É a problemática da relação

governante-governado.

A sociedade brasileira vive uma fase de profundo descontentamento e decepção

com a classe política192. O simples fato de existir um sistema representativo não é suficiente

192 Pesquisas do Datafolha revelam que se o voto não fosse obrigatório, 49% dos eleitores não votariam; 18% dos eleitores pretendem anular o voto para deputado federal; 67% sentem mais vergonha do que orgulho dos atuais Deputados Federais e em relação aos Senadores o resultado é de 63%; e 42% consideram o desempenho do Congresso Nacional ruim ou péssimo. Já Pesquisas do IBOPE indicam o grau de confiança dos brasileiros nas instituições nacionais. O estudo vem sendo realizado desde 1989 e esta última edição mostra que 90% dos brasileiros não confiam nos políticos. Outras instituições em que os brasileiros não confiam são partidos políticos (88%), Câmara dos deputados (81%) e Senado Federal (76%). Já entre as instituições em que os brasileiros mais confiam estão médicos (81%), igreja católica (71%) e forças armadas (69%). As referidas pesquisas, na íntegra, estão disponíveis em http://datafolha.folha.uol.com.br/folha/datafolha/tabs/orgulho_vergonha_21072005_tb1.pdf e http://www.ibope.com.br/opp/pesquisa/opiniaopublica/download/opp098_confianca_portalibope_ago05.pdf. Acesso em 17/12/2007.

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para atender às necessidades sociais. Em uma passagem da obra de John Mill193,

encontramos a seguinte afirmação: “Deixar as coisas para o governo, como deixá-las ao

acaso, é sinônimo de não se preocupar com elas, e aceitar os resultados, quando

desagradáveis, como caprichos da natureza”. Dessa forma, não podemos apenas transferir a

responsabilidade aos governantes. É necessária uma atitude por parte dos governados, que

eles se sintam parte do problema e também da solução.

“Em relação às eleições legislativas, elas despertam menor interesse do que as do

Executivo. O desprestígio generalizado dos políticos perante a população é mais acentuado

quando se trata de vereadores, deputados e senadores” 194. Por outro lado, a contrapartida da

desvalorização do Legislativo é a valorização do Executivo. Tal afirmação pode ser

confirmada em pesquisa citada do DATAFOLHA (vide nota de rodapé nº 192). Os resultados

mostram que os ocupantes de cargos executivos despertam mais orgulho do que os que atuam

no Legislativo.

Reforçando essa idéia, temos ainda a seguinte análise de José Murilo Carvalho195: A fascinação com um Executivo forte está sempre presente, e foi ela sem dúvida uma das razões da vitória do presidencialismo sobre o parlamentarismo, no plebiscito de 1993. Ligada à preferência pelo Executivo está a busca por um messias político, por um salvador da pátria. Os progressos feitos são inegáveis, mas foram lentos e não escondem o longo caminho que ainda falta percorrer. Pobres, desempregados, analfabetos, vítimas de violência, perdeu-se a crença de que a democracia política resolveria com rapidez os problemas da pobreza e da desigualdade. Como a experiência de governo democrático tem sido curta e os problemas sociais têm persistido e mesmo se agravado, cresce também a impaciência popular com o funcionamento geralmente mais lento do mecanismo democrático de decisão. Daí a busca de soluções mais rápidas por meio de lideranças carismáticas e messiânicas.

E também: A representação política não funciona para resolver os grandes problemas da maior parte da população. O papel dos legisladores reduz-se, para a maioria dos votantes, ao de intermediários de favores pessoais perante o Executivo. O eleitor vota no deputado em troca de promessas de favores pessoais; o deputado apóia o governo em troca de cargos e verbas para distribuir entre seus eleitores. Os eleitores desprezam os políticos, mas continuam votando neles na esperança de benefícios pessoais. Há ainda entre nós muito espaço para o aperfeiçoamento dos mecanismos institucionais de representação. 196

193 MILL, John Stuart. Considerações sobre o governo representativo. Pensamento político. Tradução de Manoel Innocêncio de Lacerda Santos Jr. Brasília: UNB, 1981, p.29. 194 CARVALHO, José Murilo. A cidadania no Brasil – o longo caminho. São Paulo: Civilização Brasileira, 2003, p. 219. 195 Ibid., p. 221-222. 196 Ibid., p. 223-227.

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Nas palavras de Sartori197, encontramos a questão da “qualidade”: Nunca ouvi falar de uma sociedade interessada em ter um governo dos piores. As eleições foram concebidas, então, como um instrumento de seleção no sentido qualitativo do termo. Um instrumento quantitativo destinado a fazer uma escolha qualitativa. Nem sempre dão o resultado esperado. O princípio da maioria é acusado de ter-se tornado um mero princípio da quantidade, governado pela máxima: obtenha tantos votos quantos puder, da forma que puder.

Sartori198 afirma que “tais os representados, tais os representantes. Antes de se

declararem insatisfeitos porque são “mal representados”, isto é, antes de culpar os

delegados, será necessário verificar como são e como se conduzem os delegantes”. Os

eleitores não permitem que se faça funcionar o Estado representativo muito melhor do que

funciona. Se não devemos esperar e pretender demasiado das democracias representativas, é

em primeiro lugar porque o eleitorado é o que é, porque não participa muito e interessa-se

ainda menos, porque suas motivações e seus comportamentos de voto são extremamente

rudimentares, rústicos e desarticulados. A lei da quantidade desvaloriza a qualidade. Se as

eleições têm o objetivo de selecionar, na verdade selecionam mal ou erradamente, isto é,

selecionam ao inverso.

2.3. O “Estado Espetáculo” de Schwartzenberger

Roger-Gerard Schwartzenberger, em 1977, retratou o “Espetáculo” produzido

pelo Estado. Nos parece que esse retrato reflete bem alguns aspectos da política brasileira.

Vejamos seu pensamento.

“A política, outrora, eram as idéias. Hoje, são as pessoas. Ou melhor, as

personagens. Pois cada dirigente parece escolher um emprego e desempenhar um papel.

Como num espetáculo”. Doravante, o próprio Estado se transforma em empresa de

espetáculos, em produtor de espetáculos. A política se faz, agora, encenação. Hoje em dia, o

espetáculo está no poder. Agora, é a superestrutura da sociedade, é o próprio Estado que se

transforma em empresa teatral, em “Estado Espetáculo”. De uma forma sistemática e

organizada. Para melhor divertir e iludir o público de cidadãos.199

197 A teoria de democracia revisitada. Tradução de Dinah de Abreu Azevedo. Ática, 1994, p. 193. 198 SARTORI, Giovanni. A teoria da representação no Estado representativo moderno. Tradução Ernesta Gaetani e Rosa Gaetani. Belo Horizonte: Revista Brasileira de Estudos Políticos, 1962, p. 137. 199 SCHWARTZENBERG, Roger-Gérard. O Estado Espetáculo. Ensaio sobre e contra o Star System em política. São Paulo: Círculo do Livro, 1977, p. 9.

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“O homem político vem procurando cada vez mais impor uma imagem200 de si

mesmo que capte e fixe a atenção do público”201 . De que se trata? De manipular a opinião, para levá-la a comprar uma certa marca, desta política. De vender uma imagem no mercado eleitoral. Ainda que seja necessário enganar e iludir. Indo além da verdade, ou falseando-a. A verdade já não tem valor. Transforma-se num conceito obsoleto para certos profissionais que confundem a imagem e a imaginação. Com eles, a arte política comporta uma parte cada vez maior de composição e de maquiagem. Como a arte dramática. [...] Ocupando o cenário político e cativando o público graças ao seu desempenho202.

Schwartzenberger destaca ainda os papéis dos políticos: Temos o herói: distante,

remoto, é o homem fora do comum, o salvador, o chefe providencial e muitas vezes o ídolo.

Em suma: o equivalente do monstro sagrado ou do Deus ex machina do teatro. O herói: um

tríplice ofício: ele faz o espetáculo, proporciona o sonho e confere a certeza. O herói é um

showman, um homem de espetáculo. Com ele, o “palco político” é realmente um palco. Para

estabelecer uma relação teatral face a face com o público.

Temos o homem ordinário, o common man, o sr. Fulano de Tal. Vindo de uma

classe B da política. Resumindo: o segundo papel promovido ao primeiro plano. Temos o

líder “charmoso”, que se empenha mais em seduzir que em convencer. Em suma: o jovem

galã. Temos o pai da pátria, afigura tutelar compulsória. Em suma: o homólogo do pai nobre

no teatro. Surgem finalmente stars políticas femininas. Algumas delas lembram a diva, a

prima donna. Outras se atribuem papéis mais modestos203.

“Todo homem é uma exceção”, dizia Kierkegaard. Hoje, porém, todo homem

político parece transformar-se em estereótipo204.

Por último, nos parece que, no Brasil, a tática do mistério e do silêncio, tão bem

retratada por Schwartzenberg, é muito adotada. Basta lembrar o “mistério” feito pelo Partido

dos Trabalhadores e o PSDB referente às candidaturas de Luis Inácio Lula da Silva e Geraldo

Alckmin, respectivamente, na última eleição presidencial. O primeiro aguardou para declarar

200 Hannah Arendt (APUD SWARTZENBERGER, p.11) denuncia essas práticas: “A política é feita, em parte, da fabricação de uma certa “imagem” e, em parte, da arte de levar a acreditar na realidade dessa imagem”. 201 SCHWARTZENBERG, Roger-Gérard. O Estado Espetáculo. Ensaio sobre e contra o Star System em política. São Paulo: Círculo do Livro, 1977, p. 11. 202 Ibid., p. 14-15. 203 Nos Estados Unidos, o “herói” Roosevelt precede o Common Man Truman ou o “homem ordinário” Eisenhower, que antecede o “líder charmoso” Kennedy, que precede o “pai” Johnson. Durante a V República, o “herói” De Gaulle precede o “homem ordinário” Pompidou, que antecede o “líder charmoso” Giscard d’ Estaing, que precede o “pai” Barre ou talvez, em 1978, algum outro “pai” extraído da atual maioria (Ibid., p. 18). 204 Ibid., p. 17-18.

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se concorreria à reeleição. E o PSDB, demorou a definir o seu candidato, em disputa entre

ALCKMIN e SERRA. Quanto ao silêncio, basta lembrar a ausência do candidato LULA no

último debate do primeiro turno. Agora, comparemos estes exemplos recentes com algumas

passagens de Schwartzenberger e vejamos as semelhanças: A eleição presidencial de 1965, quando De Gaulle recorreu a dois procedimentos “heróicos”: o mistério e o silêncio. Para manter a distância entre ele e os outros. Todos os outros. Inclusive os eleitores. O primeiro escrutínio se faria no dia 5 de dezembro. O general seria ou não candidato? Ninguém sabia. Até novembro, usou-se a tática do mistério e do suspense. Para desnortear a opinião pública e captar sua atenção, De Gaulle adia ao máximo a divulgação de sua decisão.205 O mistério de De Gaulle prosseguiu, tal qual os capítulos de uma novela:

No dia 27 de outubro, ao encerrar-se a reunião do Conselho de Ministros, o Ministro da Informação anuncia uma fala do general para o dia 4 de novembro. Aos jornalistas sequiosos de descobrir as intenções do presidente, confidenciou Peyrefitte: “É o que estamos a nos perguntar, tanto quanto vocês (Le Monde, 28 de outubro de 1965). No dia 3 de novembro, à saída do Conselho, quando tornam a perguntar a Peyrefitte se haviam sido fornecidas maiores indicações, este comenta: “No fim da reunião, o General de Gaulle repetiu que se dirigiria à nação amanhã, que os ministros fazem parte da nação” (Le Monde, de 4 de novembro de 1965). De modo que, no dia 4 de novembro, a França inteira estava a postos. Para ouvir uma fala radiotelevisionada durante oito minutos. De Gaulle faz aí apelo à “adesão franca e maciça dos cidadãos” para compeli-lo a continuar a exercer suas funções. Daí em diante, uma vez desfeito o mistério, aplica-se a tática do silêncio. Após aquela curtíssima intervenção – resumida pela imprensa nos seguintes termos: “eu ou o caos” - , o general considera ter dito o suficiente. Para continuar acima da balbúrdia, para não descer ao nível dos outros candidatos ao Eliseu, ele não usa o tempo a que tem direito na radiotelevisão.206

Essa atitude distante, afastada da discussão democrática, choca os franceses. De

modo que, in extremis, De Gaulle reformula sua posição e grava duas falas, transmitidas nos

dias 30 de novembro e 3 de dezembro. Por conseguinte, durante a campanha do primeiro

escrutínio, ele só tinha usado vinte e três minutos das duas horas de radiotelevisão concedidas

a cada candidato. E essa tática altiva teve grande influência no resultado negativo do dia 5 de

dezembro. De maneira que, para o segundo escrutínio, o chefe do Estado finalmente

concorda em agir como candidato, e utiliza todo o tempo que lhe é concedido para falar.

Assim, nos dias 13, 14 e 15 de dezembro, a radiotelevisão transmite três entrevistas, de meia

hora cada uma, entre o general e Michel Droit. O cenário: duas poltronas frente a frente num

recanto no Eliseu. Nova linguagem, nova personagem: o herói transformou-se em homem

comum, o guia transmudou-se em Presidente-Cidadão. O ser à parte se tornou um de nós.

Para garantir sua reeleição207.

205 SCHWARTZENBERG, Roger-Gérard. O Estado Espetáculo. Ensaio sobre e contra o Star System em política. São Paulo: Círculo do Livro, 1977, p. 26. 206 Ibid., p. 26-27. 207 Ibid. p. 26-28.

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Este fato histórico da política francesa assemelha-se com a história de nossas

eleições presidenciais de 2006. O candidato LULA se ausentou do debate, e a sua reeleição,

já dada como certa, teve de ser confirmada em um segundo turno. Diante desse cenário,

LULA compareceu aos debates do segundo turno, com o objetivo de confirmar sua reeleição.

2.4. Corrupção

Para FERREIRA FILHO208, varia de civilização para civilização, de época para

época, de classe para classe na mesma sociedade, o que se entende por corrupção. De fato, o

que para nós, hoje, é corrupção, pode não ter sido assim considerado há séculos, nem o ser,

mesmo atualmente, noutra civilização. E numa mesma sociedade, o que para a elite o é, para

outros grupos não tem esse caráter, e vice-versa.

Em termos gerais, a corrupção209 consiste num desvio de conduta aberrante em

relação ao padrão moral consagrado pela comunidade. Não apenas um desvio, mas um desvio

pronunciado, grave, insuportável. Em sentido mais restrito, o termo se refere à conduta de

autoridade que exerce o poder de modo indevido, em benefício de interesse privado, em troca

de uma retribuição de ordem material. Nesse sentido, esse conceito – note-se, só se pode

aplicar a propósito de sociedades modernas, em que existe a distinção entre o público e o

privado. Em sociedades outras, não tem ele sentido, é inaplicável, exatamente porque é

normal que a autoridade pública sirva a interesses particulares, seus ou dos seus.

Para John Noonan, em livro bem documentado, a corrupção, embora sua feição

mude de época para época, é um fenômeno presente em todos os tempos. Dela, não escapa

regime algum. Igualmente, ela existe no mundo inteiro, conquanto em níveis diversos. A

corrupção está presente na história desde a remota Antiguidade (desde 3.000 a.C., pelo

menos), segundo se apreende no estudo da vida egípcia. Ela se registra por todo o mundo. É

ideologicamente “neutra”, não estando ausente nem do mundo capitalista, nem do socialista,

nem do mundo protestante, nem do católico, etc. Apenas é mais visível em certos “mundos”

do que noutros. A prova cabal da corrupção é raramente feita. Do que resulta ser infreqüente

a punição judicial do corrupto. Por isso, é de ordem moral, sobretudo, a sanção que colhe o

corrompido. Colhem ricos e pobres, nobres e plebeus, inclusive grandes homens, como 208 A democracia no limiar do século XXI. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 86-90. 209 Um estudo realizado pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) revela que o custo médio anual da corrupção para o Brasil, em valores correntes de 2005, é de R$ 26,2 bilhões, valor equivalente a 1,35% do Produto Interno Bruto (PIB). A quantia é superior ao orçamento de sete ministérios para o ano de 2007. Disponível em: http://contasabertas.uol.com.br/noticias/detalhes_noticias.asp?auto=1738. Acesso em 20/06/2007.

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Francis Bacon, o famoso filósofo, que, comprovadamente, recebeu dinheiro e presentes

valiosos de vários interessados, para decidir, em seu favor, quando era Chanceler do Rei da

Inglaterra.

É assim um mal que todo regime tem de estar preparado para enfrentar. Ela é

particularmente grave numa democracia. Esta, com efeito, confia na representação para

realizar o interesse geral. Se ela é corrupta e persegue o seu bem particular, o regime fica

totalmente desfigurado. Além disso, na democracia, rapidamente a corrupção desmoraliza o

poder, além de ser um fator de ineficiência. Por isso, pode levar facilmente à perda de

legitimidade do regime.

Entretanto, desde os seus primeiros passos, padeceu da corrupção, o governo

representativo, de que deriva a democracia contemporânea. Há quem diga ironicamente

tratar-se isso de mais uma herança, ao lado do parlamentarismo, do regime inglês do século

XVIII. Os relatos históricos sobre o período demonstram que, por um lado, os gabinetes

compravam, com dinheiro, os votos de que necessitavam, por outro, os candidatos

compravam, em moeda sonante, os votos dos eleitores. E uma vez eleitos, muitos se

prestavam a tudo, desde que fossem pagos. A corrupção era também a regra na

Administração. O funcionário que podia, cobrava propinas; quem precisava de algo da parte

da burocracia, tinha de suborná-la.

Para Huntington (apud FERREIRA FILHO), “o Brasil é um país de corrupção

democrática” (quer dizer disseminada em todos os níveis, dos mais aos menos elevados da

Administração e da política).210

2.5. Os partidos políticos no Brasil

O homem, centro da vida social e, portanto, da sociedade juridicamente

organizada, necessita reunir-se em grupos nos quais haja identidade de objetivos, idéias e

opiniões.211 Por intermédio dos partidos políticos a ação política dos cidadãos se

materializa.212 O Brasil se apresenta despido de um compromisso ideológico, prevalecendo o

fisiologismo partidário, de acordo com os interesses personalíssimos de cada filiado.213

210 A democracia no limiar do século XXI. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 90. 211 RABELLO FILHO, Benjamin Alves. Partidos Políticos no Brasil. Doutrina e Legislação. Belo Horizonte: Del Rey, 2001, p. 129. 212 Ibid., p. 130. 213 Ibid., p. 132.

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As duas primeiras constituições brasileiras, de 1824 e 1891, não cogitaram sobre

partidos políticos. Desde o Primeiro Reinado encontramos os partidos políticos, embora sem

forma definida. O Decreto nº 21.076, de 1932, que criou a Justiça Eleitoral, estabeleceu a

representação proporcional (art. 56 e 58) e conceituou os partidos políticos, admitindo-os em

caráter permanente e provisório e a eles equiparando “as associações de classe legalmente

constituídas” (art. 99). Portanto, reconhecia-lhes a existência, mesmo antes da

constitucionalização. Somente em 1934 houve um princípio de admissão, e isso se deveu,

única e exclusivamente, ao objetivo de punir judicialmente o funcionário que se valer de sua

autoridade em favor de partidos políticos ou exercer a pressão partidária sobre seus

subordinados (art. 170, §9º). Entretanto, a superveniência do golpe de 1937 impediu a

projeção dos partidos, suspendendo-lhes a existência e atuação. A primeira constituição que

verdadeiramente cuidou do assunto foi a de 1946 (art. 119, I), que vedava a organização,

registro e funcionamento de qualquer partido político ou associação cujo programa

contrariasse o regime democrático. Já previa a pluralidade de partidos, dando-lhes

configuração nacional e assegurando-lhes representação proporcional, inclusive nas

comissões parlamentares. A partir de 1967, passou a existir um capítulo próprio referente aos

partidos, inclusive atribuindo-lhes personalidade jurídica mediante o registro no TSE

(Tribunal Superior Eleitoral). O texto de 1969 manteve mais ou menos a mesma linha do

anterior, alternando alguns critérios quanto à criação de novos partidos e no que se refere à

fidelidade. E o direito complementar às nossas constituições tem estabelecido a estrutura e

disciplina geral dos partidos políticos mediante leis orgânicas. Atualmente, pelo disposto na

Constituição Federal brasileira e na Lei nº 9.096\95, o partido político é considerado “pessoa

jurídica de direito privado”, destinada a assegurar, no interesse do regime democrático, a

autenticidade do sistema representativo e a defender os direitos fundamentais definidos na

constituição federal. Confere-lhes a liberdade de criação, fusão, incorporação e extinção,

desde que respeitem a soberania nacional, o regime democrático, o pluripartidarismo e os

direitos fundamentais da pessoa humana, além de terem assegurada total autonomia para

definir sua estrutura interna, organização e funcionamento.214

No Brasil, a criação de partidos políticos é livre, observados os termos

constitucionais, vigorando o pluripartidarismo. Atualmente, nosso país possui 27 partidos

214 RABELLO FILHO, Benjamin Alves. Partidos Políticos no Brasil. Doutrina e Legislação. Belo Horizonte: Del Rey, 2001, p. 97-99.

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políticos215 registrados no Tribunal Superior Eleitoral. A Constituição Federal de 1988

dedicou um capítulo aos partidos políticos (Título II, Capítulo V, artigo 17)216. A legislação

infraconstitucional também cuidou da questão partidária, por meio de lei nº 9.096/95 (Lei

Orgânica dos Partidos Políticos).

Maurice Duverger, em sua obra Partidos Políticos faz algumas considerações que,

em nosso entendimento, se aplicam às agremiações partidárias brasileiras. Vejamos alguns

pontos: Geralmente, considera-se o sistema de partidos que existem num país como o resultado da estrutura da sua opinião pública. Mas o inverso é, igualmente, verdadeiro: a estrutura da opinião pública é, em larga medida, a conseqüência do sistema dos partidos, tal qual resulta das circunstâncias históricas, da evolução política e de um conjunto de fatores complexos, no qual o regime eleitoral desempenha um papel preponderante. As relações entre opinião e partidos não são de sentido único, mas constituem uma tessitura de ações e reações recíprocas, estreitamente entretecidas.217 E em relação à estrutura interna dos partidos:

215 PMDB (PARTIDO DO MOVIMENTO DEMOCRÁTICO BRASILEIRO), PTB (PARTIDO TRABALHISTA BRASILEIRO), PDT (PARTIDO DEMOCRÁTICO TRABALHISTA), PT (PARTIDO DOS TRABALHADORES), DEM (DEMOCRATAS), PC do B (PARTIDO COMUNISTA DO BRASIL), PSB (PARTIDO SOCIALISTA BRASILEIRO), PSDB (PARTIDO DA SOCIAL DEMOCRACIA BRASILEIRA), PTC (PARTIDO TRABALHISTA CRISTÃO), PSC (PARTIDO SOCIAL CRISTÃO), PMN (PARTIDO DA MOBILIZAÇÃO NACIONAL), PRP (PARTIDO REPUBLICANO PROGRESSISTA), PPS (PARTIDO POPULAR SOCIALISTA), PV ( PARTIDO VERDE), PT do B (PARTIDO TRABALHISTA DO BRASIL), PP (PARTIDO PROGRESSISTA), PSTU (PARTIDO SOCIALISTA DOS TRABALHADORES UNIFICADO (ANTIGO PRT), PCB (PARTIDO COMUNISTA BRASILEIRO), PRTB (PARTIDO RENOVADOR TRABALHISTA BRASILEIRO), PHS (PARTIDO HUMANISTA DA SOLIDARIEDADE), PSDC (PARTIDO SOCIAL DEMOCRATA CRISTÃO), PCO (PARTIDO DA CAUSA OPERÁRIA), PTN (PARTIDO TRABALHISTA NACIONAL), PSL (PARTIDO SOCIAL LIBERAL), PRB (PARTIDO REPUBLICANO BRASILEIRO), PSOL (PARTIDO SOCIALISMO E LIBERDADE), PR (PARTIDO DA REPÚBLICA). 216 Art. 17. É livre a criação, fusão, incorporação e extinção de partidos políticos, resguardados a soberania nacional, o regime democrático, o pluripartidarismo, os direitos fundamentais da pessoa humana e observados os seguintes preceitos: I - caráter nacional; II - proibição de recebimento de recursos financeiros de entidade ou governo estrangeiros ou de subordinação a estes; III - prestação de contas à Justiça Eleitoral; IV - funcionamento parlamentar de acordo com a lei. § 1º É assegurada aos partidos políticos autonomia para definir sua estrutura interna, organização e funcionamento e para adotar os critérios de escolha e o regime de suas coligações eleitorais, sem obrigatoriedade de vinculação entre as candidaturas em âmbito nacional, estadual, distrital ou municipal, devendo seus estatutos estabelecer normas de disciplina e fidelidade partidária. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 52, de 2006) § 2º - Os partidos políticos, após adquirirem personalidade jurídica, na forma da lei civil, registrarão seus estatutos no Tribunal Superior Eleitoral. § 3º - Os partidos políticos têm direito a recursos do fundo partidário e acesso gratuito ao rádio e à televisão, na forma da lei. § 4º - É vedada a utilização pelos partidos políticos de organização paramilitar. 217 DUVERGER, Maurice. Partidos Políticos. Rio de Janeiro: Zahar, 1970, p. 406-407.

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A respectiva estrutura interna é, essencialmente, autocrática e oligárquica; os chefes não são, de fato, designados pelos adeptos, apesar da aparência, mas cooptados ou nomeados pelo centro; tendem a formar uma classe dirigente, isolada dos militantes, casta mais ou menos fechada sobre si mesma. Na medida em que eles são eleitos, a oligarquia partidária amplia-se, mas não se transforma em democracia, pois a eleição é feita pelos adeptos, que são uma minoria em relação aos que dão os seus votos ao partido, quando das eleições gerais.218

Para Duverger, vivemos de noções absolutamente irreais da democracia, forjadas

pelos juristas com base nos filósofos do século XVIII. “Governo do povo pelo povo”,

“governo da nação pelos seus representantes”: bonitas fórmulas, próprias para despertar

entusiasmo e facilitar os jogos oratórios; bonitas fórmulas que nada significam. Nunca se

viu, nunca se verá um povo governar-se a si mesmo. Todo governo é oligárquico,

comportando, necessariamente, o domínio de um grande número por um pequeno.219 Nesse

sentido: Um povo não se coage; é coagido; não se governa; é governado. Proclamar a identidade dos governantes e dos governados, dos que coagem e dos que são coagidos, constitui um meio admirável de justificar a obediência dos segundos em relação aos primeiros. Tudo isso é um puro jogo de construção e de espírito. 2.6. Grupos de pressão

O Grupo de Pressão é todo e qualquer grupo que procure influir no governo em

defesa de um interesse. Não quer para si o governo, contenta-se com que este sirva a seus

interesses. Não luta por idéias, salvo na medida em que estas se tornem interesses.220 Segundo

J.H. Kaiser, são organizações da esfera intermediária entre o indivíduo e o Estado, nas quais

um interesse se incorporou e se tornou politicamente relevante. Ou são grupos que procuram

fazer com que as decisões dos poderes públicos sejam conformes com os interesses e as idéias

de uma determinada categoria. O grupo de pressão se define em verdade pelo exercício de

influência sobre o poder político para obtenção eventual de uma determinada medida de

governo que lhe favoreça os interesses.

Duverger sinaliza que os partidos políticos procuram conquistar o poder e exercê-

lo: eleger conselheiros municipais, conselheiros gerais, prefeitos, senadores, deputados;

colocar ministros no governo, eleger o chefe de Estado. Os grupos de pressão, pelo contrário,

218 DUVERGER, Maurice. Partidos Políticos. Rio de Janeiro: Zahar, 1970, p. 455. 219 Ibid, p. 457. 220 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 29.ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 89.

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não participam diretamente da conquista do poder e de seu exercício: agem sobre o poder,

mas permanecendo fora dele, fazem “pressão” sobre ele.221

Hoje a importância dos grupos tomou tal dimensão que não viu nenhum exagero

em afirmar que são parte da Constituição viva ou da Constituição material tanto quanto os

partidos políticos e independente de toda institucionalização ou reconhecimento formal nos

textos jurídicos. Tanto os partidos políticos como os grupos de pressão têm em comum a nota

característica de constituírem categorias interpostas entre o cidadão e o Estado, servindo de

laço de união e ponte ou canal entre ambos. O partido político do mesmo modo que o grupo

de pressão conduz interesses de seus membros até as regiões do poder aonde vão em busca de

uma decisão política favorável. São instrumentos representativos ambos e os mais modernos

que entram no quadro da democracia social de nosso século. Foram em larga parte

desconhecidos ou combatidos pelas antigas instituições do Estado liberal.222

São numerosos e variados os grupos de pressão, ensina Duverger. Entre eles, as

organizações profissionais, organizações patronais da indústria e comércio, as organizações

camponesas, as organizações de assalariados, os grupos públicos e privados. Cabe destacar,

no cenário atual brasileiro a pressão exercida por jornais e órgãos de informação. Não se trata

de uma regra, pois em muitas situações, quando há um escândalo grave, há a obrigação de

informar o público a respeito. E isso pode ser feito com máxima precaução, de modo a ajudar

o governo, em vez de exercer sobre ele uma verdadeira “pressão”. Não se consideram aqui,

evidentemente, os jornais de “escândalos”.223

2.7. Minoria e Oposição

No estudo da representação política, é interessante o exame de dois elementos que

compõem o sistema representativo: as minorias e a oposição. Minoria, será,

fundamentalmente, um grupo de cidadãos de um Estado, em minoria numérica ou em posição

não dominante nesse Estado, dotado de características étnicas, religiosas ou lingüísticas que

diferem das da maioria da população, solidários uns com os outros e animados de uma

vontade de sobrevivência e de afirmação da igualdade de fato e de direitos com a maioria. No

campo dos direitos fundamentais, existem 2 grupos diferentes: 1) direitos dos indivíduos

pertencentes às minorias; 2) direitos das minorias propriamente ditas. Indivíduo e grupo e

221 DUVERGER, Maurice. Sociologia Política. Forense: Rio de Janeiro, 1977, p. 442. 222 BONAVIDES, Paulo. Ciência Política. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 460-463. 223 DUVERGER, op.cit., p. 451.

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grupo/indivíduo surgem estreitamente relacionadas. Como pessoas, não podem reivindicar

outra coisa senão a do tratamento como igual quanto aos direitos fundamentais. Enquanto

grupo, põe-se o problema de direitos coletivos especiais, dada a sua identidade e forte

sentimento de pertença e de partilha (língua, religião, família, escola). Nesse sentido se fala

em minorias que atribuem valor à sua diferença e especificidade relativamente à maioria,

exigindo a proteção e garantia efetiva desta diferença e especificidade.224

O conceito de minoria aceito pelas Nações Unidas é: grupos distintos dentro da população do Estado, possuindo características étnicas, religiosas ou lingüísticas estáveis, que diferem daquelas do resto da população; em princípio numericamente inferiores ao resto da população; em uma posição de não dominância; vítima de discriminação.

No Brasil, isso compreende os índios; os ciganos; as comunidades negras

remanescentes de quilombos; comunidades descendentes de imigrantes; membros de

comunidades religiosas.225 Relevante então, se torna o papel do Parlamento em relação às

minorias. Nessa direção, Pinto Ferreira demonstra igual percepção do tema quando considera

que a essência democrática de qualquer regime de governo apóia-se na existência de uma

imprescindível harmonia entre a “Majority rule” e os “Minority rights” (Regra da maioria e

os direitos da minoria).226

A relevância da minoria também é expressa por Celso de Mello: A constituição verdadeiramente democrática há de garantir todos os direitos das minorias e impedir toda prepotência, todo arbítrio, toda opressão contra elas. Mais que isso, por mecanismos que assegurem representação proporcional, deve atribuir um relevante papel institucional às correntes minoritárias mais expressivas. E ainda: Daí a necessidade de garantias amplas, no próprio texto constitucional, de existência, sobrevivência, liberdade de ação e influência da minoria, para que se tenha verdadeira república.

Para que o regime democrático não se reduza a uma categoria político-jurídica

meramente conceitual, torna-se necessário assegurar, às minorias que atuam no meio social, o

direito de exercer, de modo efetivo, mediante representantes por elas eleitos, um direito

fundamental que vela ao pé das instituições democráticas: o direito de oposição.

Canotilho adverte que o direito de oposição democrática é um direito

imediatamente decorrente da liberdade de opinião e da liberdade de associação partidária. 224 CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. Coimbra: Almedina, 2003, p. 387. 225 Disponível em: http://www.dhnet.org.br/direitos/militantes/lucianomaia/luciano102.html. Acesso em

26.11.2007.

226 FERREIRA, Pinto. Princípios Gerais do Direito Constitucional Moderno. Tomo I, p. 195-196, item nº 8, 5.ed. 1971, RT. Ver voto do ministro Celso de Mello no MS 26.603-1 DF.

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Precisamente por isso, o direito de oposição não se limita à oposição parlamentar, antes

abrange o direito à oposição extraparlamentar, desde que exercido nos termos da

Constituição. A Lei Fundamental portuguesa, no caso, traz a seguinte redação em seu artigo

114: Artigo 114 – Partidos Políticos e direito de oposição

2. É reconhecido às minorias o direito de oposição democrática, nos termos da constituição e da lei.

3. Os partidos políticos representados na Assembléia da República e que não façam parte do Governo, gozam, designadamente, do direito de serem informados regular e diretamente pelo Governo sobre o andamento dos principais assuntos de interesse público, de igual direito gozando os partidos políticos representados nas Assembléias Legislativas das regiões autônomas e em quaisquer outras assembléias designadas por eleição direta relativamente aos correspondentes executivos de que não façam parte.

Nos ensina o autor português que a interpretação restritiva do direito à oposição,

no sentido de uma simples oposição parlamentar ao governo, conduziria, desde logo, a que as

forças políticas não representadas no Parlamento vissem a sua liberdade política, o seu direito

de participação na vida pública, o seu direito fundamental de associação e a sua liberdade de

expressão, indiretamente restringidos. A idéia de oposição extraparlamentar conexiona-se, de

resto, com outros direitos fundamentais como, por exemplo, os direitos de reunião e

manifestação, e com o próprio princípio democrático.227

No Brasil, muitas vezes, o cenário político destaca 2 grandes partidos: governo e

oposição. E assim, são realizados as negociações e acordos. Mas, por outro lado, há vezes em

que não há entendimento.228 O principal papel da oposição é o de formular propostas

alternativas às idéias e ações do governo da maioria que o sustenta. Correlatamente, critica,

fiscaliza, aponta falhas e censura a maioria, propondo-se, à opinião pública, como

alternativa.

Na democracia, governa a maioria, mas, em virtude do postulado constitucional

fundamental da igualdade de todos os cidadãos, ao fazê-lo, não pode oprimir a minoria. Esta

exerce também função política importante, decisiva mesmo: a de oposição institucional, a que

227 CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. Coimbra: Almedina, 2003, p. 327. 228 GABRIELA GUERREIRO, da Folha On-line, em Brasília: “Oposição retoma obstrução e mantém pauta do Senado trancada por MPs”.A oposição impediu mais uma vez, nesta segunda-feira, a votação das duas medidas provisórias que trancam a pauta de votações do Senado. Na tentativa de evitar a contagem de prazo da proposta que prorroga a CPMF (Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira) até 2011, o PSDB obstruiu a votação após um embate com o presidente interino da Casa, Tião Viana (PT-AC). Descompasso: A obstrução do PSDB mostrou um racha entre dentro da oposição no Senado. Enquanto o DEM quer acelerar a tramitação da CPMF porque calcula que o governo não tem votos para aprovar a matéria, o PSDB reluta em aderir a essa estratégia. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u348851.shtml. Acesso em 26.11.2007.

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cabe relevante papel no funcionamento das instituições republicanas. Pela proteção e

resguardo das minorias e sua necessária participação no processo político, a república faz da

oposição instrumento institucional do governo.

Esse “destaque” na função atribuída à oposição foi tema de decisão do Tribunal de

Justiça do Estado do Paraná (RT 442/193-210, 195): A atuação de um governo democrático e responsável ante o povo requer, pois o concurso de uma oposição que desempenhe a dupla função do princípio motor e de órgão de proteção da constituição. Se um dos vários setores da coletividade está descontente, nada serve melhor, nem com mais eficácia, para expressão desse descontentamento, que a conduta da oposição parlamentar. [...] Não há, na realidade, regime democrático sem oposição e que a esta se assegure o pleno direito de fiscalizar os atos do grupo majoritário e contribuir para o aperfeiçoamento das instituições.

Por fim, a idéia de minoria e oposição devem se relacionar. Sob esse aspecto,

sinaliza o professor Geraldo Ataliba: É que só há verdadeira república democrática onde se assegure que as minorias possam atuar, erigir-se em oposição institucionalizada e tenham garantidos seus direitos de dissensão, crítica e veiculação de sua pregação. Onde, enfim, as oposições possam usar de todos os meios democráticos para tentar chegar ao governo. Há república onde, de modo efetivo, a alternância no poder seja uma possibilidade juridicamente assegurada, condicionada só a mecanismos políticos dependentes da opinião pública.229 2.8. Instrumentos de participação direta X representação parlamentar

Como salientado por Maurice Hauriou, “certamente, o regime representativo

oferece vantagens sobre a pura democracia direta, sobretudo nas grandes populações, porém

isto não é razão para que não se corrija com uma dose de sufrágio direto. A soberania dos

Parlamentos não é um dogma”.230 A Constituição Federal de 1988 estabeleceu em seu artigo

14, que trata dos direitos políticos: “A soberania popular será exercida pelo sufrágio

universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei,

mediante: I) plebiscito; II) referendo; III) iniciativa popular”. A lei nº 9.709, de 18 de

novembro de 1998 regulamentou a matéria. Em seu artigo 2º, § 1º, a lei define que “o

plebiscito é convocado com anterioridade a ato legislativo ou administrativo, cabendo ao

povo, pelo voto, aprovar ou denegar o que lhe tenha sido submetido”, e em seu artigo 2º, § 2º,

que “o referendo é convocado com posterioridade a ato legislativo ou administrativo,

cumprindo ao povo a respectiva ratificação ou rejeição”. 231

229 Apud MELLO, Celso. Ver voto do MS 26.603-1 – DF. 230 MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil Interpretada. São Paulo: Atlas, 2006, p. 1039. 231 Ibid., p. 550.

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Cabe, exclusivamente, ao Congresso Nacional, autorizar referendos e convocar

plebiscitos (CF, artigo 49), salvo, por óbvio, quando a própria constituição expressamente

determinar (por exemplo, artigo 18, §§ 3º e 4º, artigo 2º do Ato Constitucional das

Disposições Transitórias).

2.8.1. Plebiscito e Referendo

O plebiscito é uma consulta prévia que se faz aos cidadãos no gozo de seus

direitos políticos, sobre determinada matéria a ser, posteriormente, discutida pelo Congresso

Nacional. Na vigência da Constituição de 1988, foi realizado o plebiscito sobre monarquia ou

república e presidencialismo ou parlamentarismo (artigo 2º do ADCT).

O referendo consiste em uma consulta posterior sobre determinado ato

governamental para ratificá-lo, ou no sentido de conceder-lhe eficácia (condição suspensiva),

ou, ainda para retirar-lhe a eficácia (condição resolutiva). No dia 23 de outubro de 2005,

milhões de brasileiros participaram de um referendo para decidir se o comércio de armas de

fogo e munição em território nacional devia ou não ser proibido. A realização da consulta

popular foi definida pelo Estatuto do Desarmamento (Lei 10.826/2003) e autorizada por

decreto legislativo. De acordo com a legislação, a posição vencedora por maioria simples

(NÃO) entrou em vigor no mesmo dia que o TSE divulgou o resultado oficial do referendo. O

referendo sobre o desarmamento é o primeiro que ocorre no Brasil, mas em nosso país já

houve dois plebiscitos: em 1963 e 1993.

A palavra plebiscito se originou na Roma Antiga quando os plebeus conquistaram,

por meio da Lei Hortênsia, no ano de 287 a.C., o direito a que suas decisões tivessem validade

para todos os romanos. A Assembléia de Plebeus, ou seja, a reunião da plebe, ficou conhecida

como plebiscito, originando então o termo que até hoje utilizamos para consultas populares.

Alguns plebiscitos marcaram a história, como é o caso do ocorrido no dia 2 de agosto de

1804, que tornou Napoleão Bonaparte imperador dos franceses, transformando a França

novamente em Império. Napoleão obteve nesse plebiscito 3,5 milhões de votos de apoio e

apenas 2,5 mil contrários.Em 1969, ainda na França, o presidente Charles de Gaulle tentou

reformar a Constituição e, para isso, buscou apoio da população realizando um plebiscito, mas

foi derrotado e, logo depois, renunciou ao cargo de presidente da República, que ocupava

havia dez anos. Outros plebiscitos importantes aconteceram a partir de 1993, em vários países

da Europa, para se decidir sobre a ratificação ou não do Tratado de Maastricht, que criou a

União Européia.

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No Brasil, em 6 de janeiro de 1963, a consulta à população representou um marco

na história política brasileira em virtude da grande instabilidade política vivida pelo país nas

décadas de 1950 e 1960 por causa da renúncia do presidente eleito Jânio Quadros, em 25 de

agosto de 1961. O vice-presidente era João Goulart, mais conhecido como Jango, político que

tinha como característica apoiar os movimentos sociais e de trabalhadores e que, portanto, era

considerado “suspeito” pelas forças militares da época. Com a renúncia de Jânio, os militares

impuseram a transformação do sistema de governo presidencialista em parlamentarista. Jango

tornou-se presidente, e o plebiscito sobre a manutenção ou não do parlamentarismo ficou

marcado para 1965. Mas a consulta popular acabou sendo adiantada, ocorrendo em 1963. O

resultado foi amplamente favorável ao presidencialismo. Do total de 18 milhões de eleitores,

mais de 11,5 milhões votaram e, destes, 9,4 milhões votaram a favor do presidencialismo.

A atual Constituição brasileira, promulgada em 5 de outubro de 1988, determinou

a realização de um plebiscito, em 21 de abril de 1993, para se decidir sobre a forma de

governo (república ou monarquia constitucional) e o sistema de governo (parlamentarista ou

presidencialista) de nosso país. O resultado da votação foi uma vitória impressionante da

república presidencialista, nossa atual forma e sistema de governo.

Em nível regional, é mais freqüente a realização de plebiscitos no Brasil.232 2.8.2. Iniciativa popular

A iniciativa para apresentação de projetos de leis foi conferida ao povo, nos

termos do artigo 61, § 2º da Constituição Federal de 1988:

232 TRE-AP: Domingo tem plebiscito nas Comunidades do Curiaú e Curralinho - 23 de outubro de 2007 - No próximo domingo (28), será realizada uma consulta plebiscitária nas comunidades do Curiaú e Curralinho sobre a transformação das mesmas em distritos de Macapá. A atividade está sob a coordenação do Cartório Eleitoral da 10ª Zona Eleitoral, cujo titular é o Marconi Marinho Pimenta e prefeitura de Macapá. O plebiscito terá início às 8 horas com encerramento às 17 horas. Fonte: Assessoria de Comunicação Social do TRE do Amapá. Disponível em: http://agencia.tse.gov.br/sadAdmAgencia/index.jsp?null. Resultado do plebiscito em Itapeva (MG) dá vitória ao "Não" - 1° de outubro de 2007 - A cidade de Itapeva, a 450 km de Belo Horizonte e a 126 km de São Paulo, vai continuar com o mesmo nome. Essa foi a decisão dos 4.675 eleitores que compareceram às 18 seções do município, no plebiscito realizado pela Justiça Eleitoral neste domingo (30). A opção vencedora pelo "Não" teve 3.080 votos, representando 70,21%. Já a opção de mudar o nome para Itapeva de Minas obteve a preferência de 1.307 votantes (29,79%). O resultado da votação foi divulgado às 18h. Houve 1.994 abstenções (29,9%), 236 votos nulos (5,38%) e 52 votos brancos (1,19%). O plebiscito, que utilizou 18 urnas eletrônicas, foi presidido pelo juiz eleitoral de Camanducaia (zona eleitoral à qual pertence Itapeva), André Luiz Polydoro. A realização do plebiscito foi solicitada pela prefeita em exercício, Sílvia Antônia Ferreira Santiago (PPS), em junho deste ano, quando protocolou um pedido no Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais (TRE-MG) em que constava a Resolução 6/2005 da Câmara Municipal local, que estabelecia a realização da consulta plebiscitária naquela cidade. Segundo a prefeita, o pedido fora motivado pelo fato de a cidade de Itapeva ser freqüentemente confundida com o município homônimo pertencente ao estado de São Paulo, o que gerava "transtornos aos órgãos públicos locais". Este é o segundo plebiscito realizado pelo TRE-MG, neste ano. Em julho, os eleitores da cidade de Bueno Brandão (sul de Minas) decidiram, por 63,30%, que o município continua com o mesmo nome (a outra opção - Campo Místico - foi a preferida por 31,97% dos votantes).FONTE: Assessoria de Comunicação Social do TRE de Minas Gerais. Disponível em: XXX

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A iniciativa popular pode ser exercida pela apresentação à Câmara dos Deputados de projeto de lei subscrito por, no mínimo, um por cento do eleitorado nacional, distribuído pelo menos por cinco Estados, com não menos de três décimos por cento dos eleitores de cada um deles.

Interessante ressaltar que as constituições estaduais devem prever, nos termos do

§ 4º do artigo 27 da Constituição Federal, a iniciativa popular de lei estadual. Assim, por

exemplo, a constituição do Estado de São Paulo admite a possibilidade de sua alteração por

proposta de cidadãos, mediante iniciativa popular assinada, no mínimo, por 1% dos eleitores.

Tendo em vista a dificuldade de conferência dos dados dos signatários do projeto,

a solução encontrada é a inclusão da assinatura de um Deputado, passando a proposição a ser

de autoria do Parlamentar. Essa dificuldade se confirma, ao verificarmos no Anuário

Estatístico do Processo Legislativo da Câmara dos Deputados, que, no ano de 2006 houve

ZERO de apresentação de proposições de iniciativa popular.

A partir de 2001, com a criação da Comissão de Legislação Participativa - CLP,

abriu-se mais uma possibilidade de participação popular no processo legislativo, por

intermédio da apresentação de uma sugestão de lei à CLP. No entanto, a apresentação dessas

sugestões está restrita a associações e órgãos de classe, sindicatos e entidades organizadas da

sociedade civil, exceto partidos políticos. A CLP não pode receber sugestões individuais.

IV. REFORMA POLÍTICA NO BRASIL

1. Parlamento e Reforma Política

Nunca se ouviu tanto falar em reforma política no Brasil como agora. Na Câmara,

destaca-se o Projeto de Lei 1210/07, do deputado Regis de Oliveira (PSC-SP), que substitui

mais de 100 propostas que tratavam da reforma política e foram rejeitadas pelo Plenário. O

texto é idêntico ao substitutivo aprovado pela Comissão Especial da Reforma Política, na qual

o deputado Ronaldo Caiado (DEM-GO) foi relator. A proposta estabelece, entre outras

medidas, voto em lista fechada, financiamento público de campanha, cláusula de barreira e

proibição de coligação nas eleições proporcionais (para vereador e deputado).

1.1. Campanhas eleitorais

Uma das reformas já realizadas pelo Parlamento teve sede na lei nº 11.300, de 10

de maio de 2006, que dispõe sobre propaganda, financiamento e prestação de contas das

despesas com campanhas eleitorais, alterando a lei no 9.504, de 30 de setembro de 1997.

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A cada eleição caberá à lei, observadas as peculiaridades locais, fixar até o dia 10

de junho de cada ano eleitoral o limite dos gastos de campanha para os cargos em disputa; não

sendo editada lei até a data estabelecida, caberá a cada partido político fixar o limite de

gastos, comunicando à Justiça Eleitoral, que dará a essas informações ampla publicidade

(acrescido o artigo 17-A à lei nº 9.504). Por decisão do TSE, este artigo não se aplicou às

eleições de 2006.

No pedido de registro de seus candidatos, os partidos e coligações comunicarão

aos respectivos Tribunais Eleitorais os valores máximos de gastos que farão por cargo eletivo

em cada eleição a que concorrerem, observados os limites estabelecidos, nos termos do art.

17-A (artigo 18 da lei 9.504). Por decisão do TSE, este artigo também não se aplicou às

eleições de 2006. Tratando-se de coligação, cada partido que a integra fixará o valor máximo

de gastos de que trata este artigo (§ 1º). O gasto de recursos além dos valores declarados nos

termos deste artigo sujeita o responsável ao pagamento de multa no valor de cinco a dez vezes

a quantia em excesso (§ 2º).

O candidato é solidariamente responsável com a pessoa indicada na forma do art.

20 da lei 9.504 233 pela veracidade das informações financeiras e contábeis de sua campanha,

devendo ambos assinar a respectiva prestação de contas (nova redação do artigo 21 da lei

9.504).

Foram acrescidos dois parágrafos ao artigo 22 da lei 9.504: Art. 22 - É obrigatório para o partido e para os candidatos abrir conta bancária específica para registrar todo o movimento financeiro da campanha. § 3º- O uso de recursos financeiros para pagamentos de gastos eleitorais que não provenham da conta específica de que trata o caput deste artigo implicará a desaprovação da prestação de contas do partido ou candidato; comprovado abuso de poder econômico, será cancelado o registro da candidatura ou cassado o diploma, se já houver sido outorgado.

§ 4º - Rejeitadas as contas, a Justiça Eleitoral remeterá cópia de todo o processo ao Ministério Público Eleitoral para os fins previstos no art. 22 da Lei Complementar nº. 64, de 18 de maio de 1990.

Qualquer partido político ou coligação poderá representar à Justiça Eleitoral

relatando fatos e indicando provas e pedir a abertura de investigação judicial para apurar

condutas em desacordo com as normas desta Lei, relativas à arrecadação e gastos de recursos

(artigo 30-A, acrescido à lei 9.504). Comprovados captação ou gastos ilícitos de recursos,

233 Art. 20 - O candidato a cargo eletivo fará, diretamente ou por intermédio de pessoa por ele designada, a administração financeira de sua campanha, usando recursos repassados pelo comitê, inclusive os relativos à cota do Fundo Partidário, recursos próprios ou doações de pessoas físicas ou jurídicas, na forma estabelecida nesta Lei.

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para fins eleitorais, será negado diploma ao candidato, ou cassado, se já houver sido

outorgado (§ 2º).

As pesquisas eleitorais, por qualquer meio de qualquer meio de comunicação,

foram vedadas, a partir do décimo quinto dia anterior até as 18 (dezoito) horas do dia do

pleito (artigo 35-A acrescido à lei 9.504). Entretanto, o Supremo Tribunal Federal declarou

este dispositivo inconstitucional, por meio da ADI nº 3.741.

Nos bens cujo uso dependa de cessão ou permissão do Poder Público, ou que a ele

pertençam, e nos de uso comum, inclusive postes de iluminação pública e sinalização de

tráfego, viadutos, passarelas, pontes, paradas de ônibus e outros equipamentos urbanos, é

vedada a veiculação de propaganda de qualquer natureza, inclusive pichação, inscrição a tinta,

fixação de placas, estandartes, faixas e assemelhados (nova redação do artigo 37 da lei 9.504).

Cabe ainda, destacar os incisos e parágrafos acrescidos ao artigo 39 da lei 9.504: § 5º - Constituem crimes, no dia da eleição, puníveis com detenção, de seis meses a um ano, com a alternativa de prestação de serviços à comunidade pelo mesmo período, e multa no valor de cinco mil a quinze mil UFIR: II - a arregimentação de eleitor ou a propaganda de boca de urna; III - a divulgação de qualquer espécie de propaganda de partidos políticos ou de seus candidatos, mediante publicações, cartazes, camisas, bonés, broches ou dísticos em vestuário. § 6º - É vedada na campanha eleitoral a confecção, utilização, distribuição por comitê, candidato, ou com a sua autorização, de camisetas, chaveiros, bonés, canetas, brindes, cestas básicas ou quaisquer outros bens ou materiais que possam proporcionar vantagem ao eleitor. § 7º - É proibida a realização de showmício e de evento assemelhado para promoção de candidatos, bem como a apresentação, remunerada ou não, de artistas com a finalidade de animar comício e reunião eleitoral. § 8º - É vedada a propaganda eleitoral mediante outdoors, sujeitando-se a empresa responsável, os partidos, coligações e candidatos à imediata retirada da propaganda irregular e ao pagamento de multa no valor de 5.000 (cinco mil) a 15.000 (quinze mil) UFIR.

1.2. Listas preordenadas

Conforme essa proposta, os eleitores não mais elegerão individualmente seus

candidatos a vereador, deputado estadual e federal, mas votarão em listas previamente

ordenadas pelos partidos. A distribuição de cadeiras seria semelhante à que se processa hoje:

cada partido continuaria recebendo o número de lugares que lhe corresponde pela proporção

de votos que obteve. Assim, se um partido tem direito a oito cadeiras, entram os oitos

primeiro colocados da lista.

Em defesa dessa reforma, apresentam-se os seguintes argumentos234: a) a escolha eleitoral passa a ser por partido. Não se elimina, porém, a escolha entre líderes, pois estes encabeçam as listas.

234 CINTRA, Antônio Octávio. A proposta de reforma política. Prós e Contras. Brasília: Consultoria Legislativa da Câmara dos Deputados, 2005, p. 3-6.

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b) A disputa política passa a orientar-se, mais, por diferenças entre propostas partidárias com relação aos vários temas do debate público, e menos por pleitos clientelistas, ou seja, pelo voto no candidato porque este presta favores particulares, qualquer que seja a sua posição política sobre os temas que serão objetos de decisão. A lista preordenada tem como subproduto a disciplina partidária e a fidelidade, na medida em que a eleição do parlamentar torna-se dependente do partido, via posição dele na lista partidária. c) As trocas maciças de partido deixarão de ocorrer. d) O processo político adquire maior clareza e segurança, pois são organizações estáveis e não arranjos episódicos, ad hoc, que conduzem as negociações e acordos. e) Como conseqüência dos pontos anteriores, o relacionamento entre os poderes muda de caráter, pois passa a conduzir-se num outro patamar. A cooptação maciça de parlamentares pelo governo perderá terreno, forçando-se negociação mais institucional para a tomada de decisões. f) A elaboração das listas forçará os partidos a discutirem, internamente, a democracia de procedimentos. Em vez da solução fácil de agora – “os incomodados que se retirem” – haverá debate interno, questionamentos e contestações de métodos. g) A sistemática brasileira do voto em lista aberta, com escolha de candidato, burla o eleitor, ao transferir seu voto para outros, quando sua votação supera o quociente eleitoral. Esses outros podem, até mesmo, ser de outro partido, por força das coligações.235

Em contrapartida, há pontos considerados desfavoráveis em relação a lista

preordenada. São eles: a) O voto em lista quebra uma tradição nacional, que é, desde a implantação do sistema proporcional entre nós, a do voto pessoal. Está-se retirando do eleitor o direito de escolher a pessoa, obrigando-a a votar numa organização burocrática e impessoal, simbolizada numa lista partidária fechada. Há quem argumente que se está ferindo a cláusula pétrea do voto direto, substituindo-o pelo voto em lista. b) É importante ter representantes com vínculos com seus eleitores. O voto pessoal é mais propício a fortificar esses vínculos. c) O voto em lista reforçará as oligarquias partidárias, subjugando lideranças inovadoras ao arbítrio dos caciques. Novas vocações políticas serão desestimuladas. d) O atual sistema não inibe as votações disciplinadas em plenário, conforme tem sido demonstrado pelas pesquisas da ciência política. A proposta do voto em lista fechada parte de visão equivocada e eivada de preconceito sobre como funcionam os partidos no Congresso. e) As convenções tornar-se-ão palco de disputas ferozes, pois em vez de deixar o eleitor decidir quem é primeiro, quem é segundo, e assim por diante, conforme o número de votos, o sistema de lista fechada vai passar essa função à convenção partidária. f) O sistema de lista fechada pura, conforme proposto, é praticado em número ínfimo de países, o que sugere ser um sistema problemático, que não se deve adotar por puro mimetismo.236

1.3. Financiamento público de campanhas

O problema de financiamento partidário e de campanhas políticas assumiu grande

evidência nos últimos decênios e ainda não teve um equacionamento satisfatório, pelo menos

a julgar pelas críticas que sempre surgem nas democracias contemporâneas quando das

235 CINTRA, Antônio Octávio. A proposta de reforma política. Prós e Contras. Brasília: Consultoria Legislativa da Câmara dos Deputados, 2005, p. 3-6. 236 Ibid., p. 3-6.

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eleições. Atacam-se não apenas os custos astronômicos que as campanhas políticas vêm

apresentando, mas também as formas censuráveis de financiamento, que desigualam

fortemente os competidores e levam ao risco de uma representação política subjugada aos

interesses econômicos, lícitos ou ilícitos. Assim, os escândalos ligados às fontes e usos dos

recursos nas campanhas estão sempre explodindo, atingindo até líderes de alto coturno. A

existência de projetos em tramitação no Congresso revela a consciência, no meio político

brasileiro, da gravidade do problema.237

Jairo Nicolau, cientista político do IUPERJ238, chama a atenção para três

características do sistema de financiamento de campanhas em vigor no Brasil239. A primeira é

o alto custo das campanhas eleitorais240. Um segundo fator a destacar é que as campanhas são

fortemente dependentes das doações de empresários241. Um último aspecto a chamar a

atenção é que a arrecadação ilícita é uma prática corriqueira242. Para que possamos discutir

esse tema, faz-se necessário examinar as propostas de alteração legislativa em debate, e

analisar os seus pontos favoráveis e desfavoráveis.

a) Proposta de reforma

A opção proposta pela comissão de reforma política é proibir que os candidatos

recebam recursos privados e passem a fazer campanhas exclusivamente com os recursos

públicos. O Brasil já oferece um generoso subsídio de campanha, o horário eleitoral gratuito,

que custa aos cofres públicos cerca de 1 bilhão, pois as redes de rádio e televisão recebem

237 CINTRA, Antônio Octávio. A proposta de reforma política. Prós e Contras. Brasília: Consultoria Legislativa da Câmara dos Deputados, 2005, p. 7-11. 238 IUPERJ = Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro. 239 NICOLAU, Jairo – texto publicado em O Globo, seção opinião em 4 de março de 2004, apud CINTRA, Antônio Octávio. A proposta de reforma política. Prós e Contras. Brasília: Consultoria Legislativa da Câmara dos Deputados, 2005, p. 7-11. 240 Na última eleição, os quatro candidatos mais importantes na disputa presidencial declararam ter gastado cerca de 60 milhões de reais. A comparação com outros países é difícil, mas só para se ter uma idéia: na França, um candidato a presidente pode gastar no máximo 22 milhões de reais no primeiro turno e 30 milhões no segundo (Ibid., p. 10). 241 Nas eleições presidenciais de 2002, 80% dos recursos declarados pelos candidatos vieram de doações nas empresas (Ibid., p. 10). 242 É impossível saber quanto é arrecadado, mas as diversas denúncias revelam que o fenômeno é generalizado. Um agravante neste caso é que os recursos não são somente do caixa dois de empresas tradicionais, mas de redes conectadas ao crime organizado e à informalidade (bicheiros, empresários de bingo, igrejas, narcotráfico). Ibid., p.11.

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isenção fiscal pelo tempo ocupado pelos candidatos. O projeto propõe que seja criado um

fundo para financiar também os gastos de campanha.243

O projeto submetido à apreciação legislativa visa regulamentar o artigo 79 da lei nº

9.504/97. Prevê a parte do orçamento público que deve ser destinada aos partidos, ampliando

o valor previsto pela lei 9.096/95, de trinta e cinco centavos de real, multiplicado pelo número

de eleitores do país, que é direcionado ao fundo partidário. O projeto em trâmite aumenta essa

quantia e fixa o valor de sete reais multiplicado pelo número de eleitores alistados pela Justiça

Eleitoral em 31 de dezembro do ano anterior. O eleitorado nacional é superior a cento e vinte

milhões de pessoas, o que representaria mais de oitocentos e quarenta milhões de reais do

orçamento público reservado para o financiamento partidário.244

O Tesouro Nacional depositará os recursos no Banco do Brasil em conta especial,

à disposição do Tribunal Superior Eleitoral, até o dia 1º de maio do ano do pleito. Caberá ao

Tribunal Superior Eleitoral (TSE) fazer a distribuição dos recursos aos diretórios nacionais

dos partidos políticos, dentro de dez dias, contados da data do depósito, obedecendo aos

seguintes critérios: - 1%, dividido igualitariamente entre todos os partidos com estatutos registrados no TSE; - 14%, divididos igualitariamente entre os partidos e federações com representação na Câmara dos Deputados; - 85%, divididos entre os partidos e federações, proporcionalmente ao número de representantes que elegeram na última eleição geral para a Câmara dos Deputados.

b) Pontos favoráveis ao financiamento público das campanhas

O primeiro argumento em defesa do financiamento público das campanhas

eleitorais é em relação à possibilidade de se estabelecer um maior controle em relação aos

gastos eleitorais. Com efeito, a idéia de financiamento público das campanhas, seguindo a matriz alemã, tem conquistado um número considerável de adeptos, principalmente, em razão da ampla possibilidade de controle (pelo Tribunal de Contas da União) e, portanto, em face da idéia de garantia de maior transparência que oferece.245

243 NICOLAU, Jairo – texto publicado em O Globo, seção opinião em 4 de março de 2004, apud CINTRA, Antônio Octávio. A proposta de reforma política. Prós e Contras. Brasília: Consultoria Legislativa da Câmara dos Deputados, 2005, p. 11. 244 CASSEB, Paulo Adib. Financiamento público de campanha. In: Reforma Política. Uma visão prática. Alberto Rollo (org.). São Paulo: Iglu, 2007, p. 63. 245 CAGGIANO, Monica Herman Salem. Direito parlamentar e direito eleitoral. Barueri: Manole, 2004, p. 142.

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Outro argumento favorável ao financiamento público dos partidos é a tentativa de

assegurar a independência dos candidatos, especialmente dos eleitos, em face do poder

econômico daqueles que custeiam as campanhas. Em muitos casos, esse auxílio financeiro

não é realizado por mero ideal, mas com o intuito de firmar um compromisso, com a intenção

de gerar uma contraprestação do eleito, devolvendo, em forma de favorecimentos diversos, o

dinheiro recebido durante a campanha. “Esse modelo de financiamento permitiria a

aplicabilidade do princípio inserido no artigo 14, §9º da constituição brasileira, que prevê a

prevalência da legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico”.246

Também em defesa desse tipo de financiamento partidário é o argumento do

princípio da igualdade. O sistema público de financiamento das campanhas propiciaria

condições igualitárias aos candidatos no momento da disputa eleitoral, favorecendo a busca

pela vitória com base no convencimento do eleitorado, a partir de suas propostas e programa

partidário, e não em decorrência de uma campanha mais rica e volumosa, por ter o candidato

auferido um montante elevado de donativos privados.247 Trata-se de sistema mais

democrático. Iguala as chances dos candidatos, pobres e ricos.248

Por fim, em defesa do financiamento público das campanhas, vejamos a análise de

Jairo Nicolau: Um aspecto que tem que ficar claro é que nenhuma proposta tem como garantir o fim do caixa dois. O financiamento ilícito de campanhas é hoje um problema nas principais democracias. Escândalos recentes atingiram importantes lideranças políticas na Alemanha, na Itália, no Japão e na França. Não há como inventar um sistema que não seja vulnerável à corrupção eleitoral, sobretudo em economias com o grau de informalidade da brasileira. Mas o financiamento público, acompanhado por rigoroso sistema de fiscalização e de severas punições, é a melhor opção que temos para sair do péssimo sistema de financiamento em vigor no país. Os benefícios para a democracia brasileira compensam em muito as possíveis imperfeições. Até mesmo a pior delas, a continuidade residual do caixa dois.249

Em estudo realizado pela Câmara dos Deputados, foram identificados ainda os

seguintes benefícios250:

1) A influência eleitoral dos financiadores será reduzida, cujo apoio implica

reciprocidade da parte de candidato eleito.

246 CASSEB, Paulo Adib. Financiamento público de campanha. In: Reforma Política. Uma visão prática. Alberto Rollo (org.). São Paulo: Iglu, 2007, p. 57. 247 Ibid., p. 57. 248 CINTRA, Antônio Octávio. A proposta de reforma política. Prós e Contras. Brasília: Consultoria Legislativa da Câmara dos Deputados, 2005, p. 18. 249 Ibid., p. 11-12. 250 Ibid., p. 19-20.

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2) A tarefa de fiscalização de gastos de campanha pela Justiça Eleitoral é

praticamente impossível na atual sistemática, dadas as prestações de contas individuais por

milhares de candidatos. Contas partidárias serão em número infinitamente menor,

perfeitamente administrável pelos auditores, e trarão veracidade ao processo eleitoral.

3) Eliminar-se-á a necessidade de pulverizar recursos, para atender aos pleitos

individuais dos parlamentares, e permitir-se-ão despesas planejadas mais racionalmente, em

projetos de maior impacto regional, negociadas não individualmente, mas pelos partidos.

c) Pontos desfavoráveis ao financiamento público das campanhas

Paulo Adib Casseb adverte que antes de qualquer coisa é preciso lembrar que nem

sempre as doações financeiras privadas são feitas na expectativa de uma contraprestação de

favores pessoais: Em primeiro lugar, não se pode colocar a sociedade sob suspeição. É preciso reconhecer que existem motivos legítimos e até louváveis, ensejadores de doação de verbas para campanhas eleitorais. Ademais, a sua proibição legal e sua substituição pelo financiamento público não impediria a continuidade do financiamento privado, que passaria a concretizar-se no plano da informalidade, da clandestinidade.251

Assim, a vedação ao financiamento privado provocaria, ainda mais, a falta de

transparência das doações eleitorais, diante de um panorama muito mais sério, pois

continuaria havendo a pressão do poder econômico com as agravantes das operações ocultas,

obscuras e descontroladas. Paralelamente a isso, os cofres públicos ainda teriam que arcar

com o ônus da reserva de considerável verba para o financiamento partidário.252

Destacam-se ainda, na reflexão do professor Casseb, o problema da efetividade

dos direitos sociais, que poderia ser agravado com destinação de parte do orçamento para

financiar as campanhas: No caso de países como o Brasil, o financiamento público das campanhas ainda conta com mais um sério opositor: a permanente situação de crise social e econômica. As verbas públicas disponibilizadas pelo governo para a prestação de serviços públicos mal conseguem atenuar os dramáticos problemas sociais que atormentam a população, e este quadro pioraria se o orçamento público sofresse mais uma mutilação, com a reserva de volumosa importância para o financiamento de campanhas eleitorais. Entende-se que em países como este a destinação das verbas públicas tem escopos mais urgentes que envolvem a própria sobrevivência da sociedade, a efetividade dos direitos sociais.253

251 CASSEB, Paulo Adib. Financiamento público de campanha. In: Reforma Política. Uma visão prática. Alberto Rollo (org.). São Paulo: Iglu, 2007, p. 59. 252 Ibid., p. 59. 253 Ibid., p. 60.

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Ainda nesse sentido: É de se perguntar se os cofres públicos da União encontram-se aptos para reservar a citada quantia para financiar os partidos, num país em que a efetividade dos direitos sociais está longe de ser atingida, verdadeiros direitos de crédito da sociedade e, portanto, deveres de prestação do Estado, incumbido de oferecer à sociedade, de forma eficiente, serviços públicos nos campos da saúde, educação, previdência, assistência social, moradia, entre outros.254

Para Casseb, não se concebe que o Brasil se encontre em condições econômicas de

esbanjar mais de oitocentos e quarenta milhões de reais para custear campanhas eleitorais,

com o utópico fim de tentar reduzir o índice de corrupção na política. Certamente, seria uma

tentativa cara, arriscada e, muito provavelmente, proporcionaria resultados pouco animadores.

O projeto que tramita no Congresso Nacional contempla apenas o financiamento público do

alistamento e das campanhas eleitorais, não dispondo sobre custeio público da atividade

regular dos partidos, fora do período de campanha. Presume-se, então, que a atividade regular

dos partidos será financiada por verba privada. Ora, se o objetivo da proposta é acabar com a

corrupção acarretada pelos compromissos entre candidatos, partidos e financiadores privados,

conclui-se que tal meta seria inatingível, pois persistiria a pressão do poder econômico, que

continuaria mantendo a atuação partidária. Caso prevaleça esse modelo, os financiadores

poderão fazer doações aos partidos em períodos anteriores aos anos eleitorais e os partidos

usarão parte desses valores durante as campanhas.255

Outro ponto em destaque é a violação das normas constitucionais de direitos

fundamentais que asseguram a liberdade política, filosófica e ideológica, haja vista que o financiamento público de campanhas eleitorais pressupõe a remessa, aos partidos, de verbas públicas, provenientes dos tributos pagos pela sociedade, o que implica dizer que as pessoas seriam obrigadas a contribuir para os partidos que contrariassem suas convicções políticas, ideológicas e programáticas.256

Em relação ao problema da corrupção, constantes episódios de atos ilícitos

praticados no seio da Administração Pública na Europa e nos Estados Unidos servem como

provas incontestáveis de que o financiamento público das campanhas eleitorais não o evita.

Casseb 66. “Se hoje a sociedade já desconfia do paradeiro das verbas tributárias, certamente

desconfiará do destino das verbas cedidas para as campanhas” - afirma Casseb.257

254 CASSEB, Paulo Adib. Financiamento público de campanha. In: Reforma Política. Uma visão prática. Alberto Rollo (org.). São Paulo: Iglu, 2007, p. 63. 255 Ibid., p. 64. 256 Ibid., p. 66. 257 Ibid., p. 68.

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Jairo Nicolau dá destaque para o problema de que hoje, a Justiça Eleitoral não tem

como fiscalizar em detalhes se os candidatos realmente gastam o que declaram, pois falta

pessoal e muitos processos se acumulam sem serem julgados. Para ele, o financiamento

público deve ser acompanhado por medidas que capacitem os tribunais eleitorais com pessoal

e recursos para fiscalizar os gastos.258

Vejamos mais algumas desvantagens do modelo de financiamento público de

campanhas, identificados em estudo realizado pela Câmara dos Deputados259:

1) A vedação completa de qualquer outra fonte de financiamento poderá resultar

numa legislação de fachada. Era assim antes de 1993, quando a lei proibia qualquer

financiamento de campanha por empresas.

2) O financiamento público exclusivo não muda nada em relação à prática do

caixa dois em campanhas.

3) A exclusividade dos recursos públicos aumenta a responsabilidade sobre a

forma de distribuição desses recursos. Os que ganharam a última eleição também terão mais

recursos disponíveis para o próximo pleito. No limite, essa fórmula pode levar a um círculo

vicioso, tanto enfraquecendo sucessivamente a oposição, como fortalecendo os vencedores.

4) O poder conferido à Justiça Eleitoral seria enorme. O possível corte de recursos

decidiria sobre o sucesso eleitoral de partidos ou candidatos. Conseqüentemente, a Justiça

Eleitoral sofreria pressões políticas para implementar punições financeiras.

d) Alternativas

As distorções do sistema de financiamento privado das campanhas políticas devem

ser corrigidas não pela sua supressão, mas sim pela criação de mecanismos de controle mais

eficientes e transparentes; pela atuação mais incisiva dos meios de comunicação, divulgando

ostensivamente os valores arrecadados pelos partidos, e também pela implementação de

vedações, limites de despesas e de vinculação entre as despesas e a prova documental da

doação recebida.260

258 CINTRA, Antônio Octávio. A proposta de reforma política. Prós e Contras. Brasília: Consultoria Legislativa da Câmara dos Deputados, 2005, p. 11. 259 Ibid., p. 18 – 20.

260 CASSEB, Paulo Adib. Financiamento público de campanha. In: Reforma Política. Uma visão prática. Alberto Rollo (org.). São Paulo: Iglu, 2007, p. 60.

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Jairo Nicolau entende que – Uma possível alternativa é adotar o sistema público

inicialmente para as eleições majoritárias. A vantagem é que essas são as campanhas mais

caras e de maior visibilidade. Neste caso, deve-se pensar em estabelecer tetos de gastos e

controles mais rígidos nas campanhas proporcionais.261

Destaca-se por fim, a análise de Monica Caggiano: [...] Diante da ausência de um financiamento público – de difícil prática num país com um erário deficitário e onde o voto tem um elevado preço – a imposição de transparência é que deveria ser merecedora de maior atenção a privilégio, idealizando-se mecanismos de incentivo às doações destinadas a partidos políticos ou candidatos, de molde ao menos aclarar ao eleitor quem ou que potência econômica encontra-se nos bastidores da candidatura objeto de sua opção política.262

1.4. Fim do voto secreto no Congresso

Trata-se do fim das votações secretas no Congresso. A Câmara dos Deputados

aprovou emenda constitucional estabelecendo a mudança. A medida vale para as eleições da

Mesa Diretora da Câmara e do Senado, para a votação de vetos presidenciais, para a cassação

de mandato e a indicação de embaixadores. A proposta ainda depende de votação no

Senado.263

Hoje, por exemplo, a cassação de mandato é decidida, sem que se saiba como cada

parlamentar se posicionou. Com essa reforma, o eleitor ficará sabendo como cada parlamentar

votou. Além disso, com o voto aberto, ficará mais difícil estabelecer acordos para evitar

punições a parlamentares processados pelo Conselho de Ética.

O grande argumento contrário a essa modificação é que é preciso proteger o direito

do parlamentar votar de acordo com a sua consciência, sem pressão da opinião pública, que

nem sempre está certa. Também se contrapõe à essa mudança a independência do parlamentar

em relação ao governo e ao poder econômico, que é protegida pelo voto secreto.

A Proposta de Emenda Constitucional 349264, de 2001, de autoria do deputado

Luiz Antônio Fleury, propõe a alteração da redação dos artigos 52, 53, 55 e 66 da

261 CINTRA, Antônio Octávio. A proposta de reforma política. Prós e Contras. Brasília: Consultoria Legislativa da Câmara dos Deputados, 2005, p. 11. 262 CAGGIANO, Monica Herman Salem. Direito parlamentar e direito eleitoral. Barueri: Manole, 2004, p. 143. 263 ASSOCIAÇÃO DOS MAGISTRADOS BRASILEIROS. Reforma Política. Conhecendo, você pode ser o juiz dessa questão. AMB: Brasília, 2007, p. 15. 264 Disponível em: http://www2.camara.gov.br/proposicoes/loadFrame.html?link=http://www.camara.gov.br/internet/sileg/prop_lista.asp?fMode=1&btnPesquisar=OK&Ano=2001&Numero=349&sigla=PEC, Acesso em: 09.12.2007. Secretaria Especial de Editoração e Publicações do Senado Federal – Brasília, DF.

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Constituição Federal para abolir o voto secreto nas decisões da Câmara dos Deputados e

Senado Federal. Nas suas justificativas, o deputado afirma: Mais do que atual pela repercussão na opinião pública, urgente e inadiável a abolição do voto secreto nas decisões do Poder Legislativo Federal.Pode-se afirmar, sem risco teórico, que o princípio da representatividade popular é incompatível com a votação secreta, impondo ao representante a transparência de seus atos.Mesmo que se afaste a doutrina de simples mandato, não se desfaz na apuração dos votos a relação e a responsabilidade do parlamentar para com o seu eleitor e só a transparência de seus atos permitirá o juízo apropriado sobre sua conduta e seus compromissos políticos. Será julgado, sim – e o somos todos os dias por nossos atos e palavras – por seu eleitor e pela opinião pública. Assumir posição, a favor ou contra, mas assumindo a responsabilidade pública dessa decisão e não se escondendo atrás de um sigilo que não mais se justifica.265

1.5. Voto facultativo para o povo

Essa reforma implica na possibilidade que teria o cidadão de comparecer, ou não, à

votação. Opõe-se ao voto obrigatório, adotado no Brasil, acabando com a punição para o

eleitor que não votar. Em defesa dessa idéia, há o argumento de que não se pode transformar

um direito (o voto) em dever. O cidadão não pode ser penalizado se, voluntariamente, não

quiser votar. Entretanto, há diversas posições contrárias à essa mudança, dentre as quais: a) o

constrangimento ao eleitor é mínimo, comparado aos benefícios que oferece ao processo

político-eleitoral; b) o voto obrigatório aumenta a responsabilidade social e confere dimensão

histórica ao cidadão; c) ao votar, o cidadão assume papel ativo na determinação do destino da

coletividade a que pertence, influindo nas prioridades da administração pública; d) a omissão

do eleitor pode tornar ainda mais grave o atraso socioeconômico das áreas pobres do país.266

O Projeto de Decreto Legislativo 384, de 2007, de autoria do deputado Geraldo

Magela, dispõe sobre a realização de plebiscito para decidir sobre a adoção do voto

facultativo no Brasil: Artigo 1º - É convocado, com fundamento no art. 49, inciso XV, combinado com o artigo 1º, parágrafo único e com o artigo 14, inciso I, da Constituição Federal, plebiscito de âmbito nacional, a ser realizado pelo Tribunal Superior Eleitoral, nos termos da Lei nº. 9.709, de 18 de novembro de 1998, para consultar o eleitorado brasileiro sobre adoção do voto facultativo no Brasil. Art. 2º, parágrafo único - O eleitorado de todo o país será chamado a responder “Sim” ou “Não”, à seguinte questão: “Você é a favor da adoção do voto facultativo no Brasil?”.

Neste projeto, para justificar a adoção do voto obrigatório no Brasil, diversos

motivos foram elencados. Dentre eles motivos, o mais forte era o reduzido número de

eleitores existente na época em que o voto foi instituído como obrigatório (1932), uma vez

265 PEC 349/2001. 266 ASSOCIAÇÃO DOS MAGISTRADOS BRASILEIROS. Reforma Política. Conhecendo, você pode ser o juiz dessa questão. AMB: Brasília, 2007, p. 15-16.

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que o Brasil era um país eminentemente rural. Esta realidade contribuiu para que as

autoridades receassem que uma diminuta participação pudesse deslegitimar o processo

eleitoral. Diferente de 1932, hoje, o Brasil é um país eminentemente urbano, já que 78% da

sua população vive nas cidades e o número de eleitores, segundo o Tribunal Superior

Eleitoral, é de aproximadamente cento e vinte e cinco milhões de eleitores. Com o advento da

Constituição de 1988, diversas conquistas foram adquiridas por parte do eleitorado brasileiro,

dentre estas, o direito ao voto facultativo para o eleitor analfabeto, para os maiores de setenta

e para os que possuem entre dezesseis e dezoito anos. Porém, e apesar destas conquistas e das

alterações no perfil da sociedade brasileira, o direito legítimo de decidir se deseja ou não

participar do processo eleitoral, ainda não foi outorgado aos demais eleitores, pois, o voto

continua sendo obrigatório no Brasil, o que não se justifica, uma vez que o voto é um direito

do cidadão e não uma obrigação, passiva de punição, como continua a vigorar no nosso

sistema eleitoral. Nesse sentido, e diante das transformações da sociedade brasileira e

consolidação da nossa democracia, onde o eleitor voltou a escolher seus representantes e

governantes de forma livre e soberana, através do sufrágio do voto direto e secreto, com igual

valor para todos, o deputado Magela acredita ser este o momento oportuno para que seja

aprovada a proposta de realização de plebiscito, para que os eleitores brasileiros possam

decidir se o voto facultativo deve ser adotado no Brasil ou não.

Também podem ser citadas as justificativas apresentadas na Proposta de Emenda

Constitucional 578, de 2006, de autoria do deputado Mendonça Prado: Nos últimos anos, um descontentamento mais difuso do que bem definido voltou-se contra a obrigatoriedade do voto e, embora poucos partidos tenham tomado posição contra ela, o fato é que muitos indivíduos – e boa parte da imprensa e de seus colunistas – criticam, às vezes com veemência o voto obrigatório. Uma discussão acerca do caráter obrigatório ou facultativo do voto já há muito tempo deveria começar nesta Casa Legislativa. Diante de uma imposição que está na Constituição Federal desde 1934. Relativo ao voto obrigatório ou facultativo, é relevante destacar que nas principais democracias representativas o voto é facultativo, por ser, sem dúvida, mais democrático e demonstrar melhor a vontade do eleitor. Contribui com a tese do voto facultativo o fato de que o exercício da cidadania é um direito fundamental do cidadão na democracia representativa e, assim sendo, o povo deve exercer o supremo poder por vontade própria e não por força da lei. Destarte, pretende a presente Emenda à Constituição tornar o sistema eleitoral brasileiro mais próximo da vontade do povo, que, por meio de várias pesquisas, tem preferência pelo voto facultativo, independentemente do grau de instrução e idade, como atualmente impera no Brasil.

José Afonso da Silva analisa a natureza jurídica do voto, de modo a esclarecer se o

voto é um direito, uma função ou um dever. E conclui que o voto é um direito público

subjetivo, uma função social (função da soberania popular na democracia representativa) e um

dever, ao mesmo tempo. Mas se trata de um dever social e político, e não um dever jurídico.

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Esse dever sócio-político do voto independe de sua obrigatoriedade jurídica. Ocorre também

onde o voto seja facultativo. A constituição declara, contudo, que o alistamento e o voto são obrigatórios para os maiores de dezoito anos (art. 14, §1º, I). Por isso, a legislação eleitoral impõe sanções ao eleitor que deixe de votar sem justificação perante a Justiça Eleitoral, incorrendo em multa e ficando privado de vários direitos dependentes do gozo dos direitos políticos. Convém entender bem o sentido da obrigatoriedade do voto, prevista no citado dispositivo constitucional, para conciliar essa exigência com a concepção da liberdade do voto. Aquela obrigatoriedade não impõe ao eleitor o dever jurídico de emitir necessariamente o seu voto. Significa apenas que ele deverá comparecer à sua seção eleitoral e depositar sua cédula de votação na urna, assinando a folha individual de votação. Pouco importa se ele votou ou não votou, considerado o voto não o simples depósito da cédula na urna, mas a efetiva escolha de representantes, dentre os candidatos registrados. A rigor, o chamado voto em branco não é voto. Mas, com ele, o eleitor cumpre seu dever jurídico, sem cumprir o seu dever social e político, porque não desempenha a função instrumental da soberania popular, que lhe incumbia naquele ato.267

Em defesa da manutenção do voto obrigatório, cite-se a análise de Alberto

Rollo268: Em um país como o nosso, em fase de progresso social, com muita dificuldade para atingir parâmetros culturais mais adequados, o voto obrigatório ainda é uma necessidade. [...] quem não vota tem 60 dias para justificar-se perante a Justiça Eleitoral, podendo fazê-lo no primeiro dia após a reabertura dos cartórios eleitorais. Ademais, não tendo justificativas a apresentar, estará o eleitor omisso sujeito ao pagamento de multa ínfima, sem qualquer outra conseqüência além do pagamento de tal multa. Não é justo que se decida tema importante para a cidadania, como são as decisões sobre quem vai dirigir o país, com participação menor, de forma a tirar o valor da consulta popular. Portanto, qualquer alteração nessa situação de obrigatoriedade do voto não representará nenhuma evolução, nem homenagem ao princípio da liberdade. Há que participar ajudando a tomar a decisão sobre o comando do país, ainda que seja de forma obrigatória, como homenagem à cidadania.

1.6. Eleição de suplentes para senador

Cada senador é eleito com dois substitutos (suplentes). O voto nos dois suplentes é

chamado de “voto cego”, porque os candidatos são desconhecidos e não aparecem na

campanha eleitoral. Como resultado, o eleitor não se pronuncia diretamente sobre os nomes

dos candidatos a suplentes, mas acaba surpreendido pela presença deles no Senado. Há

algumas alternativas que podem modificar essa situação. São elas: a) transformar em

suplentes os candidatos ao Senado que receberam menos votos; b) criar uma candidatura

específica para o cargo de suplente; c) possibilitar uma nova eleição para senador em caso de

substituições prolongadas. Essas mudanças extinguiriam a situação atual, onde são garantidas

267 SILVA, José Afonso. Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 357-358. 268 ROLLO, Alberto. Reforma política. Uma visão prática. São Paulo: Iglu, 2007, p. 275.

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vagas no Senado para suplentes que não têm votação alguma, pois o eleitor vota no candidato

ao Senado e não no suplente.269

Tramitam no Senado Federal diversas propostas sobre este tema, como por exemplo: - PEC 55/2007, de autoria do senador Eduardo Suplicy, que propõe alterar a Constituição Federal para instituir eleições diretas para os suplentes de candidatos ao Senado Federal; - PEC 18/2007, de autoria do senador Tião Viana, que estabelece nova redação aos artigos 46 e 56 da Constituição Federal, de modo a introduzir novas regras para a suplência de senador. - PEC 12/2007, de autoria do senador Expedito Júnior, que propõe alterar a redação do §1º do artigo 56 da Constituição Federal, para vedar a convocação de suplente quando restarem menos de cento e vinte dias para o encerramento do mandato. - PEC 42/2004, de autoria do senador Valdir Raupp, que propõe alterar o artigo 46 da Constituição Federal, para disciplinar a eleição e substituição de senador. - PEC 08/2004, de autoria do senador Jefferson Peres, que propõe alterar os artigos 46 e 56 da Constituição Federal, para estabelecer novas normas referentes à sucessão de Senador, na hipótese de ocorrer vaga no transcurso do mandato. - PEC 11/2003, de autoria do senador Sibá Machado, que propõe alteração da Constituição Federal para disciplinar a candidatura do suplente de senador e a eleição para o Senado Federal em caso de vacância. 1.7. Federação partidária

Sistema proposto para substituir as coligações partidárias nas eleições

proporcionais (para vereador, deputado estadual e deputado federal)270. A federação permite

que os partidos com maior afinidade ideológica e programática se unam para atuar de maneira

uniforme em todo o País e, ao mesmo tempo, contribui para que os pequenos partidos

ultrapassem a cláusula de barreira. Ela funciona como uma forma de agremiação partidária, 269 ASSOCIAÇÃO DOS MAGISTRADOS BRASILEIROS. Reforma Política. Conhecendo, você pode ser o juiz dessa questão. AMB: Brasília, 2007, p. 17. 270 Projeto de Lei 1210, de 2007: Art. 3º - Fica acrescido, à Lei nº 9.096, de 19 de setembro de 1995, o artigo 11-A, com a seguinte redação: Art. 11-A - Dois ou mais partidos políticos poderão reunir-se em federação, a qual, após a sua constituição e respectivo registro perante o Tribunal Superior Eleitoral, atuará como se fosse uma única agremiação partidária, inclusive no registro de candidatos e no funcionamento parlamentar, com a garantia da preservação da identidade e da autonomia dos partidos que a integrarem. §1º - A federação de partidos políticos deverá atender, no seu conjunto, às exigências do artigo 13, obedecidas as seguintes regras para sua criação: I – só poderão integrar a federação os partidos com registro definitivo no Tribunal Superior Eleitoral; II – os partidos reunidos em federação deverão permanecer a ela filiados, no mínimo, por três anos; III – nenhuma federação poderá ser constituída nos quatro meses anteriores às eleições. §2º - O descumprimento do disposto no §1º deste artigo acarretará ao partido a perda do funcionamento parlamentar. §3º - Na hipótese de desligamento de um ou mais partidos, a federação continuará em funcionamento, até a eleição seguinte, desde que nela permaneçam dois ou mais partidos.

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formada até quatro meses antes das eleições. Durante três anos, eles deixarão de atuar como

partidos isolados e passarão a agir como se fosse um único partido. Hoje um partido pode se

coligar com outro para uma eleição e desfazer a união logo em seguida. As coligações nas

eleições majoritárias (para prefeito, governador, senador e presidente da República)

continuarão a valer.271

Um quadro partidário fragmentado, com inúmeras agremiações, oferece ao eleitor

um panorama confuso, que dificulta um dos papéis que se espera da organização partidária, a

saber, uma simplificação do processo de escolha pelo eleitor. Trata-se, na democracia

representativa, de ter pessoas que falem pelas outras – os representantes – e se estas se

organizam em partidos, mais fácil fica para o eleitor fazer a delegação. Se o

monopartidarismo preclui escolha, pois só se abre uma opção, demasiada fragmentação

partidária, por outro lado, leva ao que os franceses chamam “embarras du choix”, a

perplexidade na escolha pela superabundância de oferta.272

No caso brasileiro, o problema se complica pela existência de pequenas legendas

cuja existência parece justificar-se apenas em termos de negociação de tempo de rádio e

televisão. Contudo, como outras pequenas legendas veiculam opções ideológicas legítimas,

qualquer legislação legislativa com relação às primeiras legendas, afetará também as

segundas, o que tem dificultado regular a matéria. O país tem número excessivo de legendas

partidárias, quase três dezenas registradas. Mesmo que algumas sejam insignificantes no

plano eleitoral, o número de partidos que elegem parlamentares é enorme. O excessivo

número de partidos no plano eleitoral gera confusão na cabeça do eleitor, que, diante da

balbúrdia, mais reforça os preconceitos contra os partidos políticos. O horário eleitoral

gratuito e o horário partidário, que representam financiamento público, ficam mal utilizados,

perdendo-se a função pedagógica do instituto, que é a apresentação de plataformas e

programas, para esclarecimento do eleito. Muitos partidos, dada a permissividade da

legislação, constituem-se para ter acesso aos recursos do Fundo Partidário, ao horário gratuito

em rádio e televisão, negociar seu apoio a este ou aquele candidato, ou servir de veículo a

candidaturas apartidárias, de populistas e demagogos.273

A excessiva fragmentação partidária reflete-se no plano parlamentar. Produzir

maioria e oposição requer negociações que dão aos partidos nanicos excessivo poder de

271 CINTRA, Antônio Octávio. A proposta de reforma política. Prós e Contras. Brasília: Consultoria Legislativa da Câmara dos Deputados, 2005, p. 12-15. 272 Ibid., p. 12-15. 273 Ibid., p. 12-15.

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barganha. A discussão e as deliberações tornam-se mais demoradas, em função dos direitos

que na prática se conferem a essas agremiações no plenário. A fragmentação partidária

repercute no relacionamento entre Executivo e Legislativo. Em vez de relacionamento

institucional, em que os partidos negociam e selam seus compromissos, passa-se à cooptação

individual de apoio dos parlamentares, distribuídos por inúmeras legendas de mínimo

tamanho e que não têm condição de existir enquanto partido. São abrigos de

personalidades.274

O sistema presidencial convive precariamente com excessiva fragmentação do

quadro partidário, pois lhe faltando sólida maioria parlamentar, tem de valer-se de política

plebiscitária ou do governo por decretos (do tipo medidas provisórias). Estas permitem omitir

as negociações e criar fatos consumados. O Brasil adota o sistema eleitoral proporcional, que

assenta no pressuposto de que a representação política deve espelhar as reais divisões do

eleitorado. É uma truculência política tentar encaixar a diversidade de interesses presentes no

país a um quadro partidário artificialmente enxuto. Ademais, omite-se o fato de que o sistema

partidário brasileiro, apesar do grande número de partidos registrados, em verdade tem-se

concentrado em torno de um número bem menor de legendas. As associações entre

estabilidade de governo e número de legendas mostram-se mais complicadas do que se

pensava inicialmente. Pesquisas com número maior de casos e períodos mais extensos

mostram a fragilidade de afirmações anteriores de que fragmentação produz instabilidade.275

1.8. Prazos para filiação partidária

O Projeto de Lei 1712/03276 estabelece prazos para a filiação partidária exigindo

que o candidato esteja filiado ao partido um ano antes da realização do pleito, ou dois anos,

274 CINTRA, Antônio Octávio. A proposta de reforma política. Prós e Contras. Brasília: Consultoria Legislativa da Câmara dos Deputados, 2005, p. 12-15. 275 Ibid., p. 12-15. 276 Projeto de Lei 1712, de 2003, que propõe a alteração dos artigos 9º e 47 da Lei nº 9.504, de 30 de setembro de 1997 e acrescenta o artigo 9º-A à mesma lei, dispondo sobre prazos de filiação partidária e de domicílio eleitoral: Art. 2º - O art. 9º da Lei nº 9.504, de 30 de setembro de 1997, passa a vigorar com a seguinte redação: Art. 9º - Para concorrer às eleições, o candidato deverá estar com a filiação deferida pelo partido no prazo mínimo de: I – um ano antes do pleito, em se tratando de sua primeira filiação partidária; II – dois anos antes do pleito, quando já se tenha filiado a outro partido anteriormente. Parágrafo único. Sendo o partido objeto de fusão, incorporação a outro ou extinção, ou na hipótese de o candidato vir a participar da fundação de novo partido, dentro dos prazos previstos nos incisos I e II, considerar-se-á, para os efeitos deste artigo, a data da filiação partidária imediatamente antecedente.

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caso já tenha sido filiado a outro partido. Para concorrer às eleições, o candidato deverá ainda

possuir domicílio eleitoral na circunscrição, pelo menos, um ano antes do pleito.

A atual legislação prevê o período mínimo único de um ano. A proposta, que altera

a Lei Eleitoral, estabelece ainda critérios para distribuição do horário eleitoral gratuito entre

os partidos. Será considerado o número de deputados eleitos por cada legenda no último pleito

para a Câmara.

1.9. Mudança do sistema eleitoral

A mudança do sistema eleitoral consiste na adoção do voto distrital. Por esse

sistema, o eleitor não pode votar em qualquer candidato. Pode votar apenas nos candidatos

inscritos pelo seu distrito. O país é dividido em pequenas circunscrições, e cada uma delas

elege um candidato, sendo vencedor aquele que obtiver mais votos. As vantagens desse

modelo são: a) permite um alto grau de controle, fiscalização e influência do eleitor sobre o

deputado eleito; b) o parlamentar presta contas periodicamente aos eleitores de seu distrito; c)

o voto distrital produz amplas maiorias e, ainda que artificialmente, ele favorece a

governabilidade e a estabilidade na ação governamental.277

O sistema de voto distrital pertence à família dos sistemas majoritários de votação.

Na sua adoção, o eleitorado é dividido em distritos geograficamente definidos, dentro dos

quais os partidos disputam eleição para escolha de representantes ao Parlamento. Assim, se

há, por exemplo, 30 vagas parlamentares a serem preenchidas, pode-se pensar, inicialmente,

na divisão territorial em 30 distritos, cada qual elegendo um representante através de eleições

majoritárias dentro dos respectivos limites geográficos preestabelecidos. De maneira geral,

esta é a idéia passada com a adoção do voto distrital (puro): a divisão do território em tantos

distritos quantas forem as vagas a serem preenchidas, cabendo a cada distrito a escolha de um

representante, eleito de forma majoritária. Mas, essa não é a única forma de voto distrital

praticada no mundo. Os distritos eleitorais podem eleger representantes de diversas formas.

Chamam-se distritos uninominais aqueles que elegem apenas um representante para o

Parlamento, e de plurinominais os que elegem mais de um representante (os dois ou três mais

Art. 3º - É acrescentado o seguinte art. 9º-A à Lei nº 9.504, de 30 de setembro de 1997: Art. 9º-A. Para concorrer às eleições, o candidato deverá possuir domicílio eleitoral na respectiva circunscrição pelo prazo de, pelo menos, um ano antes do pleito. 277 ASSOCIAÇÃO DOS MAGISTRADOS BRASILEIROS. Reforma Política. Conhecendo, você pode ser o juiz dessa questão. AMB: Brasília, 2007, p. 18.

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votados, por exemplo). De modo geral, a escolha do eleito se dá pela obtenção da maioria

simples dos votos, em um único turno de votação (Inglaterra e Estados Unidos), mas há

sistemas que exigem maioria absoluta, em dois turnos de votação (França), e há ainda os que

contam com métodos de transferência de votos para alcançar a maioria absoluta em um só

turno de votação, caso em que o eleitor não apenas indica, na cédula eleitoral, o seu candidato

favorito, mas também ordena todos os demais disputantes de acordo com sua preferência, de

modo que, se um candidato não obtiver a maioria absoluta com preferência dos primeiros

votos dos eleitores, poderá contar com os demais votos, de segunda preferência, para eleger-

se (modelo aplicado na Austrália).278

Diferencia-se o sistema majoritário do proporcional, pois neste as vagas são

divididas entre os partidos proporcionalmente aos votos obtidos nas eleições. Assim, para

dividir 30 vagas parlamentares pelo sistema majoritário distrital, seriam realizadas 30 eleições

nos distritos, cada uma para escolha de um representante eleito, ou ainda, 15 eleições em

distritos, cada uma indicando dois eleitos, por exemplo. Apenas os partidos vencedores das

eleições teriam representantes eleitos. Um partido que recebesse 10% dos votos distritais

provavelmente não lograria eleger representantes em nenhum dos distritos, e permaneceria

fora do Parlamento.279

O voto distrital puro é praticado na Inglaterra, país que concebeu tal sistema e

passou a empregá-lo desde o século XIII. Atualmente, mantém grande aceitação nos países

culturalmente ligados ao Reino Unido (EUA, Canadá, Índia), mas também é praticado em

outros países, em sua forma pura ou mista, casos de França e da Alemanha,

respectivamente.280

Por outro lado, o voto distrital apresenta também desvantagens, pois ele acaba

favorecendo os grandes partidos e conduzindo o país para o bipartidarismo, não garantindo

espaço para as minorias, que acabam sem representação política no Congresso. E no exemplo

das Câmaras de Vereadores, onde há proximidade dos eleitores com seus representantes, não

se identificam as vantagens apontadas, tais como alto grau de controle, fiscalização e

influência do eleitor sobre os eleitos.281

278 CARVALHO, João Fernando Lopes de. Voto Distrital. In: Reforma Política. Uma visão prática. Alberto Rollo (org.). São Paulo: Iglu, 2007, p. 95-96. 279 Ibid., p. 96. 280 Ibid., p. 97. 281 ASSOCIAÇÃO DOS MAGISTRADOS BRASILEIROS. Reforma Política. Conhecendo, você pode ser o juiz dessa questão. AMB: Brasília, 2007, p. 18.

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Uma alternativa é o sistema misto de votação, que combina os modelos majoritário

e proporcional para a escolha dos representantes parlamentares, procurando amenizar as

respectivas desvantagens. Nesse sistema, uma parte dos cargos eletivos será preenchida

através de um critério, e o restante, através de outro. Assim, por exemplo, numa eleição para a

escolha de 70 parlamentares, 35 seriam eleitos pelo método majoritário (em 35 distritos

uninominais, por exemplo), e a parcela restante (os outros 35 parlamentares) seriam

escolhidos em uma só eleição disputada em todos os distritos pelo método proporcional, com

utilização de listas fechadas. Assim, mesclando-se as técnicas, seria possível garantir a

presença de importantes vantagens do sistema majoritário distrital, sem o perigo de suas

desvantagens. Essa divisão pode funcionar de maneira independente, de modo que o resultado

da eleição majoritária não afete a eleição proporcional, ou, ao contrário, pode se dar que o

resultado da eleição proporcional seja afetado pela eleição distrital-majoritária, hipótese em

que será procedida uma “correção” de resultados.282

A principal desvantagem do sistema distrital misto é a sua complexidade. E assim

como no sistema puro, permanecem as dificuldades práticas pertinentes à criação de distritos

eleitorais no Brasil.283 A divisão desigual dos distritos é uma prática conhecida como

gerrymandering284.

Para João Fernando Lopes de Carvalho, não há sistemas infalíveis ou isentos de

críticas, não se pode apresentar a adoção de um novo sistema eleitoral como a cura para todos

os males que grassam na administração pública brasileira, senão como mero instrumento para

a construção lenta, progressiva, de uma maturidade política mais alargada, espraiada em todas

as classes sociais desta imensa população. Para Carvalho, parece mais aceitável o distrital misto, já que o sistema puro despreza a efetiva realidade das votações obtidas por correntes minoritárias, e pode conduzir a representação política a uma excessiva concentração partidária. O sistema distrital misto supera o original por assegurar a representação das minorias, sem abrir mão da proximidade entre o eleitor e eleito, típica do método distrital. Mas também carrega em si sérias dificuldades de implementação. Dificuldades que, se mal

282 CARVALHO, João Fernando Lopes de. Voto Distrital. In: Reforma Política. Uma visão prática. Alberto Rollo (org.). São Paulo: Iglu, 2007, p.117-118. 283 Ibid, p. 122. 284 Na língua inglesa, o verbo gerrymander significa mudar o tamanho ou limite de uma área para votação, de forma a dar uma injusta vantagem para um partido em uma eleição. Trata-se de uma prática de remapeamento de distritos eleitorais, de forma a facilitar a eleição de certos partidos e/ou candidatos. Dessa forma, as áreas de votação são divididas desigualmente (para dar preferência a determinado partido/candidato). Essa técnica foi introduzida por Elbridge Gerry, governador de Massachussets, que em 1842 dividiu o estado em forma de salamandra com o escopo definido de favorecer o seu partido. A alteração dos contornos das circunscrições eleitorais concorreria para assegurar a vitória ao seu partido. O gerrymandering é conhecido na política dos Estados Unidos da América; sua conseqüência é um crescimento eleitoral de maneira ilícita.

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resolvidas, podem levar a distorções do sistema maiores do que as atuais, criando verdadeiros “feudos” eleitorais institucionalizados, que certamente não contribuiriam para o desenvolvimento do país como um todo.A demarcação dos distritos eleitorais, aliás, é uma das questões que despertam permanente polêmica nos países que adotam o sistema distrital, não sendo raros os casos de acusação de manipulação das fronteiras das circunscrições visando a beneficiar determinado agente político.285

2. Poder Judiciário e Reforma Política 2.1. Verticalização

Verticalização é um processo político recente (surgiu em 1998) de alianças que

ocorre no Brasil. Os partidos políticos ficam obrigados a reproduzir nas eleições estaduais as

mesmas alianças partidárias que tiverem feito na eleição presidencial.

O Congresso Nacional aprovou a Emenda Constitucional n. 52286, de 08 de março

de 2006 (PEC nº 548/2002), que assegura aos partidos autonomia para “adotar os critérios de

escolha e o regime de suas coligações eleitorais, sem obrigatoriedade de vinculação entre

candidaturas em âmbito nacional, estadual, distrital ou municipal...” Esta autonomia

reconhecida em favor da figura partidária é reflexo do fenômeno da verticalização,

determinado pelo TSE em 2002, com o advento da Resolução n. 20.993287, e que foi

reaplicado às eleições gerais de 2006, sob o entendimento de que o § 1º, do artigo 17, da

Constituição Federal, com a redação dada pela já assinalada E.C. n. n. 52/2006, não se

aplicaria em razão do prazo de carência de um ano previsto no preceito imediatamente

anterior, o art. 16 do Estatuto Fundamental288. Hoje, porém, a garantia de autodeterminação

285 CARVALHO, João Fernando Lopes de. Voto Distrital. In: Reforma Política. Uma visão prática. Alberto Rollo (org.). São Paulo: Iglu, 2007, p. 124. 286 Com base na EC nº 52\2006, deixou de ser aplicado o princípio da verticalização em nosso sistema eleitoral, porém, em face da proteção do art. 16 da CF, somente a partir das eleições gerais de 2010 (MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil Interpretada. São Paulo: Atlas, 2006, p. 629). 287 A Resolução n. 20.993, de 26.02.2002, do TSE, preconizava: “Os partidos políticos que lançarem, isoladamente ou em coligação, candidato à eleição de Presidente da República não poderão formar coligações para eleição de Governador (a) de Estado ou do Distrito Federal, Senador (a), Deputado (a) Federal e Deputado (a) Estadual ou Distrital com partido político que tenha, isoladamente ou em aliança diversa, lançado candidato (a) à eleição presidencial” (CAGGIANO, Mônica Herman Salem. Legislação eleitoral e hermenêutica política X segurança jurídica, Barueri: Manole, 2006, p. 2). 288 Por cinco votos a dois, o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) manteve a verticalização para as eleições de 2006. Os ministros do TSE argumentaram que, para que valessem para as eleições deste ano, as mudanças deveriam ter sido feitas em 2005.Os únicos ministros que votarem pelo fim da verticalização nas eleições de 2006 foram Marco Aurélio e Cesar Asfor Rocha. Os outros cinco ministros argumentaram que a alteração nas regras do jogo, sem respeito ao princípio da anualidade (que determina que mudanças nas eleições devem ser feitas com um ano de antecedência ao pleito), criaria uma insegurança jurídica e prejudicaria candidatos que mudaram de partido ou permaneceram em suas legendas na expectativa de que a verticalização fosse mantida. "Não tendo havido qualquer mudança legal [contra a verticalização], muitos cidadãos e até parlamentares tinham

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dos partidos em relação ao instituto da coligação assume estatura constitucional e, de certo,

será penoso retirar-lhes esta faculdade que, nas eleições municipais de 2008, pela primeira vez

viria a ser acionada. O tópico coligações partidárias, de sua parte, já se encontra fora do

catálogo das alterações anunciadas. Em sua fórmula, a figura da verticalização proibia a

efetivação de coligações autônomas e independentes no âmbito dos pleitos eletivos previstos

para a eleição da Presidência da República, que ocorre em esfera nacional, e para todos os

estados-membros.289

2.2. Fidelidade Partidária

A palavra fidelidade possui diversos significados: “característica, atributo do que é

fiel, do que demonstra zelo; respeito quase venerável por alguém ou algo; lealdade;

constância nos compromissos assumidos com outrem; constância de hábitos, de atitudes. 290

Em cenário partidário, a fidelidade impõe ao candidato vitorioso na eleição, o dever de respeitar e atender as coordenadas partidárias, sob pena de ser destituído por infidelidade, ou seja, o desrespeito às diretrizes e propostas que serviram de base à opção do eleitor. Dessa forma, é assegurada a credibilidade das propostas de campanha, e possibilita-se que as idéias sustentadas no momento pré-eleitoral sejam mantidas, caso seja necessário assumir o suplente.291

a) Histórico Legislativo

No Brasil, a fidelidade partidária foi introduzida pela Emenda Constitucional nº 1,

de 1969 (artigo 152). Em 1971, a lei nº 5.682 – Lei Orgânica dos Partidos Políticos, regulava

a matéria e impunha, como a norma constitucional, a cassação do mandato do parlamentar

que deixasse o partido pelo qual se elegera ou descumprisse as diretrizes e programas

estabelecidos pela direção partidária. O instituto se manteve, alterado pela Emenda

Constitucional nº 11, de 1978, até a sua extinção, pela Emenda Constitucional nº 25, de 1985.

A Constituição de 1988 trouxe de volta o instituto da fidelidade partidária, porém

com importante mudança em relação ao texto de 1969, porque, principalmente, não impõe

penalidades se houver o descumprimento da regra. Destacam-se os artigos 14, 17 da Lei a expectativa que a regra da verticalização valeria", afirmou o ministro Caputo Bastos. "Que fique bem claro que não estamos aqui para contrariar ou aplaudir as decisões do Congresso Nacional", acrescentou. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u76212.shtml. Acesso em: 01\12\2007. 289 CAGGIANO, Monica Herman Salem. Disponível em: http://cepes.org.br/index.php?option=com_content&task=view&id=169&Itemid=33. Acesso em 20/11/2007. 290 Disponível em: http://houaiss.uol.com.br/busca.jhtm?verbete=fidelidade&stype=k&x=17&y=11. Acesso em

30.09.2007.

291 CAGGIANO, Monica Herman Salem. Direito parlamentar e direito eleitoral. Barueri: Manole, 2004, p. 113.

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Magna de 1988. O primeiro, ao dispor das condições de elegibilidade, estabelece a

necessidade de filiação partidária (artigo 14, § 3º, inciso V). Já o artigo 17, trata dos partidos

políticos, assegurando-os autonomia para definir sua estrutura interna, organização e

funcionamento, e determinando que os seus estatutos deverão obedecer a normas de

fidelidade e disciplina partidárias. Ao conferir essa atribuição aos partidos políticos, a

Constituição outorgou-lhes ampla margem de autonomia para disciplinar as situações

jurídicas que envolverem fidelidade e disciplina partidária, o que pode originar, nos estatutos

partidários e em suas normas programáticas e organizacionais um maior ou menor rigor na

aplicação da regra. Dessa forma, para se candidatar, o cidadão deve estar filiado à partido

político, cuja disciplina deverá orientar o seu desempenho parlamentar, depois de eleito. A

constituição atual não exige a permanência do parlamentar no partido, bem como não

estabelece medidas para impedir a troca de partidos. Em seu artigo 55, estão previstas as

situações que implicam em perda do mandato parlamentar. Trata-se de um rol taxativo, onde

não está incluída a troca de partido. Além disso, é vedada a cassação dos direitos políticos nos

termos do artigo 15.292

A lei nº 9.096, de 1995, que dispõe sobre os partidos políticos, estabelece em seu

capítulo V, normas sobre fidelidade e disciplina partidárias, nos artigos 23 a 26, in verbis: Art. 23. A responsabilidade por violação dos deveres partidários deve ser apurada e punida pelo competente órgão, na conformidade do que disponha o estatuto de cada partido. § 1º Filiado algum pode sofrer medida disciplinar ou punição por conduta que não esteja tipificada no estatuto do partido político. § 2º Ao acusado é assegurado amplo direito de defesa. Art. 24. Na Casa Legislativa, o integrante da bancada de partido deve subordinar sua ação parlamentar aos princípios doutrinários e programáticos e às diretrizes estabelecidas pelos órgãos de direção partidários, na forma do estatuto.

Art. 25. O estatuto do partido poderá estabelecer, além das medidas disciplinares básicas de caráter partidário, normas sobre penalidades, inclusive com desligamento temporário da bancada, suspensão do direito de voto nas reuniões internas ou perda de todas as prerrogativas, cargos e funções que exerça em decorrência da representação e da proporção partidária, na respectiva Casa Legislativa, ao parlamentar que se opuser, pela atitude ou pelo voto, às diretrizes legitimamente estabelecidas pelos órgãos partidários.

Art. 26. Perde automaticamente a função ou cargo que exerça, na respectiva Casa Legislativa, em virtude da proporção partidária, o parlamentar que deixar o partido sob cuja legenda tenha sido eleito. 292 Art. 15 - É vedada a cassação de direitos políticos, cuja perda ou suspensão só se dará nos casos de: I - cancelamento da naturalização por sentença transitada em julgado; II - incapacidade civil absoluta; III - condenação criminal transitada em julgado, enquanto durarem seus efeitos; IV - recusa de cumprir obrigação a todos imposta ou prestação alternativa, nos termos do art. 5º, VIII; V - improbidade administrativa, nos termos do art. 37, § 4º.

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No Direito comparado, destaque para a constituição tchecoslovaca de 1920, que

continha cláusula precisa a respeito da vinculação dos representantes eleitos ao respectivo

partido, outorgando ao Tribunal Constitucional competência para examinar e sancionar a

infidelidade com a perda do mandato parlamentar. A cláusula tchecoslovaca, como passou a

ser conhecida, encontrou até acolhimento na Constituição portuguesa de 1982/RC 1997, que

preconiza: “Art. 160º, c (antigo art. 163º) - Perdem o mandato os deputados que: “c” - Se

inscrevam em partido diverso daquele pelo qual foram apresentados a sufrágio.” Até hoje, só

a Constituição portuguesa mantém no seu bojo a proibição de abandono do partido – rotulada

como a cláusula tchecoslovaca. De modo geral, as constituições modernas293 optam por vedar

o mandato imperativo, conformando-o nos moldes representativos.294

b) Relevância da questão

Diante desse histórico legislativo, a questão da fidelidade partidária adquire

relevância por várias razões. Inicialmente, a troca de partidos prejudica o sistema

representativo, a democracia, e por conseqüência, a vontade do eleitor. O voto dado a um

partido, é transferido para outra agremiação, sem consulta ao eleitor. Por exemplo, numa

determinada eleição, o partido A elege 10 deputados e o partido B elege 5. Após algum

tempo, um deputado transfere-se do partido A para o B. Assim, o partido A possuirá 9

representantes, enquanto o B terá 6 parlamentares. Como efeito, houve alteração na

representatividade do Parlamento. Esse fato muda o resultado das urnas, fora das urnas, como

num passe de mágica. Outros pontos que dão relevância ao problema, é o fato de que esse

293 Lei Fundamental de Bonn (1949) Art. 38.1 - Os deputados da Assembléia Federal Alemã ... representam ao povo inteiro e não estarão vinculados por mandato nem por instruções e somente estão subordinados a sua própria consciência. Constituição Italiana (1947) Art. 67 - Todo membro do Parlamento representa a Nação e exerce suas funções sem estar ligado a mandato algum. Constituição francesa (1958) Art. 27 – Todo mandato imperativo é nulo. Constituição espanhola (1978) Art. 67.2 - Os Membros das Cortes Gerais não estarão ligados por mandato imperativo. Constituição da Romênia (1991) Art. 66 - (1) No exercício de seus mandatos, os deputados e senadores estão a serviço do povo. (2) Todo mandato imperativo é nulo. (CAGGIANO, Monica Herman Salem. Disponível em: http://cepes.org.br/index.php?option=com_content&task=view&id=169&Itemid=33. Acesso em 20/11/2007). 294 Ibid.

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fenômeno dos trânsfugas295 é visto de forma negativa pela imprensa, pela população e pelos

próprios parlamentares, além de enfraquecer as agremiações partidárias.

Monica Caggiano assinala que, no Brasil, identifica-se uma peculiar tendência à ação denominada crossing the floor por parte dos parlamentares. Estes vão caminhando de partido em partido, uma verdadeira peregrinação entre as diversas agremiações, movimento que tem por símbolo João Caldas ao trocar 8 vezes de partido. Este fluxo interpartidário de parlamentares não se apresenta como privilégio do atual ciclo democrático.296 É também relevante considerar, na reflexão de Caggiano, que a representação

política, envolve dois momentos distintos: a) o eleitoral, que corresponde à operação de

seleção dos representantes – daqueles que irão tomar as decisões políticas em nome do povo

que os escolheu – e, superada esta etapa, b) alcança a figura do parlamentar eleito e, implica

na responsabilidade que este, o representante, assume diante da vitória nas urnas

(responsiveness).297

c) A primeira decisão judicial sobre o tema no Brasil

Para o ministro Celso de Mello, a primeira vez que se discutiu o tema da fidelidade

partidária foi no Estado do Rio Grande do Sul. Logo depois de uma eleição, o primeiro

suplente do Partido Libertador transferiu-se para outra agremiação. Quando foi aberta a vaga

na bancada do partido Libertador, aquele primeiro suplente que tinha mudado de partido,

pretendeu a sua convocação e, então, surgiu o problema. A questão foi colocada em termos

judiciais porque a Mesa não acolheu a indicação do Líder (a Mesa era do outro partido) e 295 O fenômeno dos trânsfugas - parlamentares que mudam inopinadamente de partido, desligando-se da agremiação que os elegeu, não constitui particularidade do cenário político brasileiro, mas rompe o padrão democrático, introduzindo um sentimento de insegurança e incerteza para o eleitor, titular do direito de sufrágio ativo (CAGGIANO, Monica Herman Salem. Disponível em: http://cepes.org.br/index.php?option=com_content&task=view&id=169&Itemid=33. Acesso em 20/11/2007). 296 Com efeito, a história político – partidária denota que 80% (oitenta por cento) dos nossos parlamentares já pertenceram a alguma outra legenda, diferente daquela que os elegeu na última eleição. O atual PSDB é composto por parlamentares oriundos do antigo MDB e do PMDB, sendo este, a seu turno, resultante da reunião de antigos militantes do PSD e do PTB anteriores a 1964. O PFL (atual Democrata) e o PDS detêm vínculos com a UDN e PDS. A antiga ARENA, do período bipartidário compreendido entre 1966-1979, deu origem ao PTB, PDC, PL e PRN (estes últimos já extintos). Por sua vez o PDT resultou da reunião de parlamentares anteriormente filiados ao PTB, MDB e PMDB. Enfim, o período imediatamente subseqüente ao fim do modelo bipartidário, ensejou um avanço expansionista do quadro de partidos e uma verdadeira explosão dos denominados nanicos (Ibid.). 297 Os parlamentares – representantes, respondem politicamente pelo exercício do mandato, sendo sua atuação apreciada, quando do próximo pleito, pelo povo que lhes conferiu este mesmo mandato. É o instituto conhecido como responsiveness, ou a responsività dos italianos, o que implica, não em um vínculo com os eleitores, porém na exigência de que as condutas e decisões destes representantes venham a se alinhar às expectativas do eleitorado (da comunidade social) e na possibilidade de, em apreciando, a ação desenvolvida por esses, possa o corpo eleitoral não mais sufragá-los, retirando-os do Parlamento e, portanto, do pólo decisional. A idéia de “responsiveness” importa na capacidade de os representantes/governantes oferecerem a resposta adequada às expectativas dos destinatários do poder (Ibid).

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contra o ato da Mesa foi impetrado Mandado de Segurança, pelo partido alegando o direito

líquido e certo de ter na Assembléia do Rio Grande do Sul, naquela legislatura, tantos

deputados. E o candidato que ficara como segundo suplente dizia ao Tribunal:“Sou eu o

primeiro suplente e não o segundo, porque o primeiro se desligou do partido, emigrou. Eu

tenho o direito líquido e certo.” O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul concedeu o

mandado de segurança ao partido e ao suplente. Votaram nesse sentido três desembargadores

que vieram a ser ministros do Supremo Tribunal Federal: o ministro Eloy José da Rocha,

ministro Carlos Thompson Flores e o ministro Pedro Soares Muñoz.298

d) Razões de “infidelidade”

Para Monica Caggiano, o movimento de turismo interpartidário ou a dança das

cadeiras, emerge da carência de um disciplinamento constitucional adequado e,

essencialmente, pela fragilidade e plasticidade dos partidos brasileiros. 299

Também o eleitor tem a sua participação, por fazer suas escolhas em favor do

candidato e não do partido300. Além disso, avalia o desempenho do seu candidato de forma

individual, qualquer que seja a postura do partido. Muitas vezes, o eleitor acompanha seu

candidato para qualquer partido que ele venha a ingressar.301

Outra razão é o sistema de listas abertas. A eleição é determinada, primeiro, pelo

número de votos recebidos pelo partido, mas depende, para o candidato, de sua capacidade de

obter votos para si, individualmente. Esse modelo acaba incentivando o individualismo nas

campanhas em detrimento do partido. Tal sistema, associado à ausência de regras que

fortaleçam a coesão interna nos partidos, e a permanência dos parlamentares nos mesmos,

acabam por estimular a autonomia dos representantes eleitos, que consideram os seus 298 Cf. voto do ministro Celso de Mello no MS 26.603-1 – DF. 299 Direito parlamentar e direito eleitoral. Barueri: Manole, 2004, p. 112. 300 Pesquisa feita na cidade do Rio de Janeiro pelo IUPERJ, em 1994, mostrou que 74% dos eleitores escolhem os seus deputados federais independentemente do partido. Pesquisados pelo IBGE em 1996, 68% dos entrevistados consideram o candidato mais importante do que o partido, na hora de votar. Outra pesquisa, realizada em janeiro de 2003 nas principais capitais do país, pelo Instituto Brasmarket – Análise e Investigação de Mercado, demonstrou que o eleitor brasileiro não concorda com o instituto da fidelidade partidária. Dos 2.637 eleitores consultados, 49,5% se manifestaram contra o conceito básico da fidelidade partidária. Para eles, o mandato é dos eleitores e dos eleitos, e, por isso, os políticos com mandato só devem acatar as orientações partidárias se concordarem com elas, o que lhes dá direito de mudar de partido sem a perda dos cargos eletivos. Um número expressivo de eleitores (36,9%) se manifestou favorável às regras atuais de fidelidade partidária, inclusive quanto à expulsão do partido e quanto à mudança nas regras atuais, para cassação do mandato, hoje vedada pela constituição. (MACIEL, Eliane C. Barros de Almeida. Fidelidade partidária. Um panorama institucional. Brasília: Consultoria Legislativa do Senado Federal, 2004, p. 14). 301 CAGGIANO, op.cit. 114.

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mandatos como decorrentes dos seus esforços pessoais, mais do que uma boa campanha do

partido. Para os eleitores, a troca de partido reforça uma situação de falta de identidade

partidária, percebida principalmente nas eleições, pois não existe identificação do candidato

com partidos e programas, e o eleitor acaba votando no indivíduo de sua preferência. Com

exceção dos partidos de esquerda, o que se verifica, entre os eleitores, é uma baixa

identificação com uma agremiação partidária e com a filiação partidária de um candidato, na

hora de votar.302

e) Parlamento e fidelidade partidária

Diante desse cenário, há várias propostas legislativas que tem por objetivo

fortalecer os partidos políticos. A fidelidade partidária faz parte da reforma política, em

discussão no Congresso. Cabe destacar, em especial, o projeto de emenda constitucional

apresentado pelo Senador Marco Maciel. Por tratar-se de uma emenda constitucional, a

perspectiva é, portanto, de conferir à penalidade o soberano status constitucional. A proposta

do Senador envolve a modificação dos arts. 17 e 55 da Constituição Federal, da seguinte

forma: Art. 1º - Os arts. 17 e 55 da Constituição Federal passam a vigorar com as seguintes alterações: Art.17....................................................V – titularidade dos mandatos parlamentares ........................ § 5º Perderá automaticamente o mandato o membro do Poder Legislativo que se desligar do partido pelo qual tenha concorrido à eleição, salvo no caso de extinção, incorporação ou fusão do partido político. Art. 55. ............................................................................. VII - que se desligar do partido pelo qual tenha concorrido à eleição, salvo no caso de extinção, incorporação ou fusão do partido político................................................................. § 5º No caso previsto no inciso VII, a perda do mandato será declarada pela Mesa da Casa respectiva, no prazo máximo de três sessões ordinárias ou extraordinárias, mediante comunicação da mais alta instância do partido político titular do mandato, acompanhada de documento comprobatório da desfiliação. Art. 2º - Esta Emenda Constitucional entra em vigor em 1º de janeiro de 2010.

f) Poder Judiciário e fidelidade partidária

Em razão do aumento das trocas partidárias e devido à ausência de uma solução

pelo Parlamento, apesar de vários projetos e propostas a respeito, o Tribunal Superior

Eleitoral buscou oferecer solução, in concreto, decretando a possibilidade de perda do

mandato eletivo na hipótese de abandono da legenda que suportou a candidatura.

302 MACIEL, Eliane C. Barros de Almeida. Fidelidade partidária. Um panorama institucional. Brasília: Consultoria Legislativa do Senado Federal, 2004, p. 11.

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No dia 1º de março, o então PFL, atual DEM, protocolou uma consulta no

Tribunal Superior Eleitoral (TSE) questionando se, no caso das eleições proporcionais

(deputados estaduais, federais e vereadores), os partidos podiam preservar o direito à vaga em

razão da troca de legenda. Em 27 de março, o TSE entendeu que sim, uma vez que nesses

casos é utilizado o quociente eleitoral, que considera a votação total dos partidos. PPS, PSDB

e DEM fizeram requerimento ao presidente da Câmara dos Deputados, Arlindo Chinaglia,

pedindo a vacância da cadeira dos 23 deputados que mudaram de partido a partir das eleições

de 2006 até maio deste ano e a posse imediata de suplentes para essas vagas. Chinaglia negou

os pedidos, e os partidos decidiram então entrar com mandados de segurança no Supremo

Tribunal Federal (STF) para obrigar o presidente da Câmara a declarar 23 cadeiras como

vagas e dar posse aos suplentes. Como conseqüência dessa decisão (Resolução nº 22.526),

iniciou-se uma intensa atividade partidária, no sentido de buscar a devolução dos assentos

mantidos pelos infiéis.303

Em decisão unânime, os sete ministros do Tribunal Superior Eleitoral (TSE)

decidiram, em 16 de outubro de 2007, que os mandatos de senadores, prefeitos, governadores

e do presidente da República pertencem aos partidos e não aos políticos, estendendo aos

eleitos pelo sistema majoritário as restrições ao troca-troca partidário.

Uma consulta não tem efeito prático imediato. Mas serve de orientação para

julgamentos futuros. “A consulta é uma diretriz. O que vão fazer os partidos interessados?

Vão atrás de decisões judiciais”, comentou o relator da consulta, ministro Carlos Ayres

Britto. “A soberania do voto popular é exercitada para sufragar candidatos partidários, não

candidatos avulsos”, disse o ministro Ayres Britto, relator da consulta. Ele foi seguido pelos

outros seis ministros que integram o TSE. “O número do candidato é o número da sigla

partidária. Evidentemente, há uma razão de ser nessa identificação. A razão de ser é um elo

inafastável durante o mandato entre o candidato e o partido”, disse o presidente do TSE,

Marco Aurélio Mello.304

A Justiça Eleitoral recebeu em todo o país 1.773 pedidos de partidos que querem

obter de volta os mandatos de políticos por infidelidade partidária. O TSE definiu a matéria na

Resolução 22.610 de 2007, publicada no dia 30 de outubro. O prazo para apresentação de

pedidos de decretação de perda de cargo eletivo por partidos políticos, com base na

303 Disponível em: http://g1.globo.com/Noticias/Politica/0,,MUL151408-5601,00.html. Acesso em 30.11.2007. 304 Disponível em: http://www.jornaldehoje.com.br/novo/navegacao/ver_noticias.php?id_ce=1355. Acesso em 01/12/2007.

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Resolução, terminou na quinta-feira (29/11), para aqueles que trocaram de partido antes da

publicação da Resolução. A partir desta sexta-feira (30/11), começa a contar o prazo para

apresentação dos pedidos de decretação de perda de mandato pelo MPE (Ministério Público

Eleitoral) ou por pessoa que tenha interesse jurídico. O prazo é de 30 dias.305

A resolução do TSE disciplina as condições de perda do cargo eletivo para

parlamentares que trocaram de partido. No caso de eleitos para cargos proporcionais –

deputado federal, estadual, distrital e vereador -, a data-limite é o dia 27 de março deste ano.

Para os eleitos a cargos majoritários – Presidente da República, senador306, governador,

prefeito – o prazo é o dia 16 de outubro. As hipóteses de “justa causa” previstas no artigo 1º

da Resolução 22.610/07 são incorporação ou fusão do partido, criação de novo partido,

mudança substancial ou desvio reiterado do programa partidário e grave discriminação

pessoal. O mandatário que se desfiliou ou pretenda desfiliar-se pode pedir a declaração da

existência de justa causa, fazendo citar o partido, na forma desta Resolução.307

No dia 4 de outubro, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que os mandatos

conquistados em eleições proporcionais (vereadores, deputados estaduais e federais)

pertencem aos partidos e não aos candidatos eleitos. Definiu-se que os "infiéis" que mudaram

de legenda após 27 de março (data da resposta dada pelo TSE à consulta 1.398, formulada

pelo então Partido da Frente Liberal, atual Democratas) estão sujeitos à perda de mandato. E

anistiou quem fez a troca antes dessa data. Caberá ao TSE a palavra final: se cabe ou não

punição para o "infiel". O tribunal vai editar uma resolução com normas para a tramitação dos

processos. O Supremo seguiu o entendimento do TSE e decidiu que os mandatos, no caso das

eleições proporcionais, pertencem aos partidos pelos quais eles foram eleitos. Entre os 23

“infiéis” relacionados nos três mandados de segurança (de PSDB, PPS e DEM), apenas a

deputada Jusmari de Oliveira (BA) corre o risco de perder o mandato. Ela foi a única a trocar

de partido após 27 de março (do DEM para o PR). Outros 15 deputados que trocaram de

legenda após a data também estão ameaçados. Nos casos de mudança de partido após 27 de

março, as legendas terão de encaminhar ao TSE um pedido de investigação para comprovar o

305 Disponível em: http://www.paranaeleitoral.gov.br/noticia.php?cod_noticia=1823. Acesso em 01/12/2007. 306 A decisão do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) de aplicar a regra da fidelidade partidária para cargos majoritários --prefeitos, governadores, senadores e presidente da República-- a partir de 16 de outubro livra quatro senadores da perda de mandato. Os senadores Romeu Tuma (PTB-SP), César Borges (PR-BA) e Edison Lobão (PMDB-MA) --que deixaram o DEM--, além de Patrícia Saboya (PDT-CE), que deixou o PSB, mudaram de partido antes de 16 de outubro e se livraram da cassação. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u340009.shtml. Acesso em 01/12/2007. 307 Ibid.

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ato de infidelidade. E o tribunal decidirá, então, se isso ocorreu. Como o tribunal já votou pela

fidelidade, é possível que essa seja a tendência. Caso percam os mandatos, os suplentes ou

vice deles assumirão os cargos.308

Os ministros Celso de Mello, Carmen Lúcia, Menezes Direito, Cezar Peluso,

Gilmar Mendes e a presidente, ministra Ellen Gracie, formaram a maioria vencedora, votando

pelo indeferimento dos MS 26602 e 26603 e pelo deferimento parcial do MS 26604, neste

caso para que a questão da deputada Jusmari Oliveira, que se desfiliou do DEM após a

resposta do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) à Consulta 1398, seja encaminhada pelo

presidente da Câmara dos Deputados para o Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Para o ministro Joaquim Barbosa, a Constituição não prevê perda de mandato por

infidelidade partidária. Ao indeferir os mandados de segurança em que o PPS, o DEM e o

PSDB pretendem vincular o mandato parlamentar ao partido, ele acolheu a opinião do

procurador-geral da República, Antonio Fernando Souza, sobre a matéria. Para Antonio

Fernando, a Constituição Federal tem, em seu artigo 55, um rol taxativo de hipóteses de perda

de mandato, e a troca de partido não está incluída.“A meu ver, o Constituinte de 1988

disciplinou conscientemente a matéria, e fez a opção deliberada de abandonar o regime de

fidelidade partidária que existia no sistema constitucional anterior, que previa a perda do

mandato nesses casos”, afirmou Barbosa. Ele disse que outro “obstáculo de peso” contra os

pedidos do PPS, do DEM e do PSDB é a dificuldade de se garantir o cumprimento do devido

processo legal. “Por mais que eu comungue dos anseios generalizados em prol de uma

moralização da vida político-partidária do nosso país, não vejo como fazê-lo nos termos

propostos na impetração [dos mandados de segurança]”. Barbosa acrescentou que, caso o

STF decida que o cargo é do partido, deve-se aplicar a sugestão do procurador-geral, para

quem a decisão não deve retroagir. Ou seja, a decisão valeria a partir de hoje, e não a partir da

resposta do TSE, que no dia 27 de março disse que o mandato pertence ao partido, e não ao

parlamentar. Essa última solução foi proposta pelo ministro Celso de Mello.O ministro

Joaquim Barbosa salientou, ao final de seu voto, que os parlamentares trocavam de partido

amparados na jurisprudência do STF e, se esse entendimento for alterado hoje, a validade

dessa nova decisão deve se dar a partir deste julgamento.309

308 Disponível em: http://g1.globo.com/Noticias/Politica/0,,MUL144965-5601,00.html. Acesso em 01/12/2007. 309Disponível em: http://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=visualiza_noticia&id_caderno=20&id_noticia=20584&pagina=13_78__ . Acesso em 01/12/2007.

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g) O voto do ministro Celso de Mello

O ministro Celso de Mello, em seu voto no Mandado de Segurança 26.603,

assinalou que, quando o eleitor vota, ele vota primeiro no partido, depois no candidato. Isso

porque o voto dado ao candidato pode não ser aproveitado pelo e para o candidato, mas o voto

dado ao partido, este é aproveitado em primeiro lugar, ainda que em benefício de outro

candidato. Na hipótese em que um parlamentar, durante o exercício do mandato, decide sair

do partido, sem motivo legítimo, a força política da agremiação é enfraquecida na casa

legislativa e no governo. A mudança imotivada de partido se afigura como ato abusivo que

não se coaduna com a ordem democrática, tendo em vista que, além da filiação ser requisito

prévio de elegibilidade, poucos são os concorrentes nas eleições proporcionais que

conseguem obter votos suficientes para atender ao quociente eleitoral e se elegerem. Dessa

forma, O ato de infidelidade, seja ao partido político, seja, com maior razão, ao próprio cidadão-eleitor, mais do que um desvio ético-político, representa um inadmissível ultraje ao princípio democrático e ao exercício legítimo do poder, na medida em que migrações inesperadas, nem sempre motivadas por razões justas, não só surpreendem o próprio corpo eleitoral e as agremiações partidárias de origem – desfalcando-as da representatividade conquistadas por elas nas urnas, mas culminam por gerar um arbitrário desequilíbrio de forças no Parlamento, vindo, até, em clara fraude à vontade popular, e em frontal transgressão ao sistema eleitoral proporcional, a asfixiar, em face de súbita redução numérica, o exercício pleno da oposição política.

Para o ministro, é necessário ressaltar as concepções em torno do mandato

representativo. Assim, no moderno constitucionalismo, deve-se vislumbrar a existência de um

duplo vínculo: o de caráter popular e o de índole partidária. Portanto, o mandato decorrente da

investidura político-eleitoral constitui a expressão formal tanto de uma representação popular

como de uma representação partidária. Esse novo sentido do mandato representativo conduziu

ao fortalecimento da vinculação partidária, cuja realidade não pode ser desconhecida na

análise do tema do mandato eletivo. Vejamos seus argumentos: O tema suscitado na presente causa, portanto, deve ser examinado sob uma dupla perspectiva – a) a da fidelidade do representante eleito ao partido político sob cuja legenda se elegeu e b) a da fidelidade daquele que se elegeu aos cidadãos integrantes do corpo eleitoral, de modo a se reconhecer que o ato de infidelidade, quer à agremiação partidária, quer, sobretudo, aos eleitores, traduz um gesto de intolerável desrespeito à vontade soberana do povo, fraudado em suas justas expectativas e frustrado pela conduta desviante daquele que, pelo sufrágio popular e por intermédio da filiação a determinado partido, foi investido no alto desempenho do mandato eletivo.

h) Judiciário X Parlamento

A grande crítica às decisões do Poder Judiciário (TSE e STF) é a de que o Tribunal

Superior Eleitoral e Supremo Tribunal Federal legislaram de forma a sancionar a atitude de

infidelidade do parlamentar para com a sigla que concorreu para a conquista da vaga.

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Não nos parece possa o legislador infra-constitucional impor óbices ao exercício do direito de postular cargos eletivos, criando hipóteses de inelegibilidade não sustentadas pela Lei Maior, ou o intérprete promover exercícios de hermenêutica a flexibilizar a natureza do mandato representativo estabelecida pelo constituinte. Caberá ao poder reformador indicar os limites do exercício do mandato parlamentar. Ao constituinte compete expurgar a idéia do monopólio do partido em relação à apresentação dos candidatos, viabilizando a candidatura independente. Ora, na qualidade de representante do povo, o parlamentar, só e tão somente pelo povo, pode vir a ser julgado quanto a sua atuação ou, em outras palavras, a ser apreciada sua conduta no sentido de atender ou não à exigência de responsiveness. E isto por ocasião da próxima consulta eleitoral.310

Em entrevista à folha on-line311, o presidente do TSE, Marco Aurélio Mello, disse

que o Congresso vai desafiar o Judiciário caso aprove o projeto de decreto legislativo, em

tramitação na Câmara, que prevê a suspensão dos efeitos da resolução que regula os processos

de perda de mandado por infidelidade partidária. Se aprovado, “o ato desafiará o controle de

constitucionalidade, concentrado no Supremo Tribunal Federal”, afirma Marco Aurélio, que

além de presidir o TSE é ministro do STF. Ao ser questionado sobre o referido projeto de

decreto legislativo que propõe a suspensão dos efeitos da resolução do TSE, o ministro

respondeu:

Penso que há, aí sim, uma tentativa de invasão de área. Não se respeita a divisão de tarefas dos poderes. Vamos ter que aguardar. Caso seja aprovado, o que não acredito, o ato desafiará o controle concentrado de constitucionalidade no Supremo. O TSE não pode fazer nada. Mas, possivelmente, teremos o ajuizamento de uma ação direta de inconstitucionalidade para o Supremo pronunciar-se.

E, ao ser indagado sobre se o Judiciário estaria legislando, ele se posicionou da

seguinte maneira: Realmente, há quem diga que o Supremo e o TSE estão legislando. Não é verdade. Estamos apenas dando eficácia às normas legais. Normas aprovadas pelo próprio Congresso. Nessa matéria da fidelidade houve da parte do Supremo uma leitura da Constituição, percebendo-se o objetivo do texto constitucional. Há o aspecto formal.Mas acima do aspecto formal está a concretude da própria norma.

Para o ministro Marco Aurélio, se alguém achar que o TSE extrapolou de suas

prerrogativas, o caminho adequado é o Supremo. “Qualquer partido pode ingressar com uma

ação direta de inconstitucionalidade e dizer: ‘olha, o TSE simplesmente substituiu-se ao

Congresso”.

É esse o meio para atacar a resolução do TSE. Mas questionar um outro Poder

mediante decreto legislativo e, no campo da opção política, cassar a resolução, para ele, seria

um passo demasiado largo. Na sua análise, uma interferência, aí sim, indevida. “Que ajuízem

a ação. Paga-se um preço por viver no estado democrático de direito. E o preço é o respeito

310 CAGGIANO, Monica Herman Salem. Disponível em: http://cepes.org.br/index.php?option=com_content&task=view&id=169&Itemid=33. Acesso em 20/11/2007. 311 Disponível em: http://josiasdesouza.folha.blog.uol.com.br/. Acesso em 30.11.2007.

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às balizas estabelecidas. É um preço módico, qualquer um pode satisfazer”, finalizou o

ministro.

Os partidos dispõem de liberdade para a tipificação das condutas consideradas

manifestações de infidelidade partidária, devendo respeitar os ditames constitucionais (em

especial os direitos fundamentais) e legais (lei nº 9.096, principalmente) para a imposição das

penalidades. O mandato no Brasil é representativo, não imperativo, de onde decorre que a

fidelidade partidária deve ser utilizada de forma moderada, jamais agredindo os direitos

fundamentais do parlamentar, em especial a liberdade de consciência.

No mesmo sentido, em defesa da posição do STF, o ministro Celso de Mello

adverte: [...] não se diga que o Supremo Tribunal Federal, ao reconhecer a procedência da tese acolhida, em consulta, pelo Tribunal Superior Eleitoral, estaria usurpando atribuições do Congresso Nacional. Decididamente, não, pois cabe, ao Supremo Tribunal Federal, em sua condição institucional de guardião da constituição, interpretá-la e, de seu texto, extrair, nesse processo de indagação constitucional, a máxima eficácia possível, em atenção e respeito aos grandes princípios estruturantes que informam, como verdadeiros vetores interpretativos, o sistema de nossa Lei Fundamental.312

Mesmo que obedeça às diretrizes estabelecidas pela direção partidária, o

parlamentar poderá, em determinadas circunstâncias, discordar de alguma orientação ou

decisão, por razões de foro íntimo ou de natureza política, ideológica, ou religiosa. Mudanças

constantes nas orientações de um partido em razão de sua posição com relação ao governo

têm levado a impasses entre parlamentares fiéis à orientação anterior e a direção partidária,

que exige de seus parlamentares fidelidade à nova diretriz partidária, mesmo que ela inove em

relação ao programa original do partido.313

Desde as eleições do ano passado, foram registradas 48 movimentações partidárias

na Câmara dos Deputados. Dois parlamentares que haviam trocado de partido, porém,

voltaram às siglas pelas quais foram eleitos: Lindomar Garçon (PV-RO) e Jurandy Loureiro

(PSC-ES). Dos 48, escaparam da cassação deputados que saíram de PSDB, PPS e DEM antes

de 27 de março, segundo decisão tomada nesta quinta (4) pelo Supremo Tribunal Federal. Nos

casos dos demais, as legendas que se julgam prejudicadas terão de recorrer ao Tribunal

Superior Eleitoral.314

312 Cf. voto do ministro Celso Mello no MS 26.603-1 – DF. 313 MACIEL, Eliane C. Barros de Almeida. Fidelidade partidária. Um panorama institucional. Brasília: Consultoria Legislativa do Senado Federal, 2004, p. 8. 314 http://g1.globo.com/Noticias/Politica/0,,MUL144403-5601,00.html

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Parlamentar Estado De onde saiu e para onde foi Quando (*)

Manoel Salviano CE Do PSDB para o PMDB (**)

Paulo Rubem Santiago PE Do PT para o PDT 03/10/2007

(**)

Carlos Souza AM Do PP para o PRB 27/9/2007

Clodovil Hernandes SP Do PTC para o PR 25/9/2007

Sérgio Brito BA Do PDT para o PMDB 24/9/2007

Davi Alves Silva Júnior MA Do PDT para o PSC 21/9/2007

Dr. Paulo César RJ Do PTB para o PR 12/9/2007

Gervásio Silva SC Do DEM para o PSDB 21/8/2007

Geraldo Resende MS Do PPS para o PMDB 7/8/2007

Takayama PR Do PMDB para o PAN (atual PTB) e depois para o PSC 11/7/2007

(***)

Cleber Verde MA Do PTB para o PRB 5/7/2007

Marcos Antonio PE Do PSC para o PAN (atual PTB) e depois para o PRB 4/7/2007 (***)

Silas Câmara AM Do PTB para o PAN (atual PTB) e depois para o PSC 3/7/2007 (***)

Damião Feliciano PB Do PR para o PDT 28/6/2007

Jackson Barreto SE Do PTB para o PMDB 2/5/2007

Jusmari Oliveira BA Do PFL para o PR 2/4/2007

Airton Roveda PR Do PPS para o PR 23/3/2007

Cristiano Matheus AL Do PFL (atual DEM) para o PMDB 21/3/2007

Djalma Berger SC Do PSDB para o PSB 15/3/2007

Juvenil Aves MG Saiu do PT e está sem partido 15/3/2007

Angela Portela RR Do PTC para o PT 14/3/2007

Leo Alcântara CE Do PSDB para o PR 12/3/2007

Marcelo Teixeira CE Do PSDB para o PR 12/3/2007

Vicente Arruda CE Do PSDB para o PR 12/3/2007

Paulo Piau MG Do PPS para o PMDB 9/3/2007

Tonha Magalhães BA Do PFL (atual DEM) para o PR 5/3/2007

José Rocha BA Do PFL (atual DEM) para o PR 5/3/2007

Átila Lira PI Do PSDB para o PSB 28/2/2007

Ratinho Junior PR Do PPS para o PSC 13/2/2007

Marcelo Guimarães Filho BA Do PFL (atual DEM) para o PMDB 8/2/2007

Waldir Maranhão MA Do PSB para o PP 2/2/2007

Lúcio Vale PA Do PMDB para o PR 1/2/2007

Homero Pereira MT Do PPS para o PR 1/2/2007

Neilton Mulim RJ Do PPS para o PR 1/2/2007

Laurez Moreira TO Do PFL (atual DEM) para o PSB 31/1/2007

Veloso BA Do PPS para o PMDB 30/1/2007

Colbert Martins BA Do PPS para o PMDB 30/1/2007

Sandro Matos RJ Do PTB para o PR 30/1/2007

Lucenira Pimentel AP Do PPS para o PR 29/1/2007

Jofran Frejat DF Do PTB para o PR 29/1/2007

Nelson Goetten SC Do PFL (atual DEM) para o PR 29/1/2007

Sabino Castelo Branco AM Do PFL (atual DEM) para o PTB 17/1/2007

Maurício Quintella Lessa AL Do PDT para o PL (atual PR) 15/1/2007

Vicentinho Alves TO Do PSDB para o PL (atual PR) 15/1/2007

Zequinha Marinho PA Do PSC para o PMDB 22/12/2006

Armando Abílio PB Do PSDB para o PTB 23/11/2006 (*) Data em que o parlamentar informou a entrada no partido à Câmara dos Deputados (**) Mudança ainda não foi oficializada no site da Câmara dos Deputados (***) Data da entrada no último partido

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2.3. Cláusula de barreira

Doutrinariamente, entende-se por cláusula de barreira a disposição normativa que

nega, ou existência, ou representação parlamentar, ao partido que não tenha alcançado um

determinado número ou percentual de votos.

Prevista na Lei dos Partidos Políticos, esse dispositivo determina que tem direito a

funcionamento parlamentar, em todas as Casas do Legislativo para as quais tenha elegido

representante, o partido que, na eleição para a Câmara dos Deputados, obtenha no mínimo 5%

dos votos apurados, distribuídos em pelo menos 1/3 dos estados, com um mínimo de 2% do

total de cada um deles. Por funcionamento parlamentar entende-se o conjunto de regras que

definem a atuação dos partidos na Casa, como o direito à liderança e à participação nas

comissões. A Comissão Especial da Reforma Política propôs a redução do percentual para 2%

dos votos apurados nacionalmente, não computados os brancos e nulos, distribuídos em pelo

menos nove estados. O partido também precisaria eleger, no mínimo, um representante em

cinco Estados.

A crítica que se faz à cláusula de barreira pode ser expressa pelo seguinte

pensamento: O pluralismo político, um dos cinco princípios fundamentais insculpidos no artigo 1º da Constituição Federal, e a principal viga de sustentação da democracia representativa, na esfera parlamentar, funda-se não apenas pela convivência entre partidos de significativa densidade eleitoral, mas, sobretudo, pelo respeito ao direito de existência das minorias.315

Já para os seus defensores, a cláusula de exclusão consiste em instrumento

necessário para coibir a pulverização dos representantes em um número elevado de partidos

políticos, o que, de alguma maneira, concorre para o enfraquecimento das agremiações

partidárias, para o surgimento das chamadas “legendas de aluguel”, afetando, em última

análise, a própria “governabilidade”.316

Em estudo realizado pela Consultoria Legislativa da Câmara dos Deputados, a chamada cláusula de barreira, ou cláusula de exclusão, ou ainda cláusula de desempenho, que no Direito Constitucional comparado tem como paradigma a experiência alemã, foi inserida pela primeira vez em nosso ordenamento com o Decreto-Lei nº 8.835\56, art. 5º, e com o Código Eleitoral de 1950, cujo art. 148 previa o cancelamento do registro do partido que não conseguisse eleger ao menos um representante para o Congresso Nacional, ou que não obtivesse ao menos cinqüenta mil votos. Tal disposição legal, como todas as demais normas constitucionais subseqüentes, pelos mais diversos motivos, nunca chegaram a ser aplicadas. A entrada em vigor dessas normas era sempre prevista para eleições

315 Disponível em: http://www2.camara.gov.br/internet/publicacoes/estnottec/tema6/pdf/300188.pdf, p. 11. Acesso em 01/12/2007. 316 Disponível em: http://www2.camara.gov.br/internet/publicacoes/estnottec/tema6/pdf/300188.pdf, p. 3. Acesso em 01/12/2007.

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subseqüentes, contudo, antes de serem implementadas eram alteradas por outras disposições, também de incidência ulterior.317

O STF (Supremo Tribunal Federal) decidiu no dia 07/12/2006 que a cláusula de

barreira é inconstitucional. Por unanimidade, os ministros presentes acompanharam o voto do

relator, ministro Marco Aurélio Mello, que considerou que a legislação provocaria o

"massacre das minorias". Dessa forma, os ministros do STF acataram a ADIN (ação direta de

inconstitucionalidade) promovida pelo PC do B com o apoio do PDT, PSB, PV, PSC, PSOL,

PRB e PPS (agora MD). O argumento dessas legendas é que a lei 9.096, de 1995, que criou as

regras da cláusula, fere o direito de manifestação política das minorias. A regra, prevista na

Lei dos Partidos Políticos, estabelecia que os partidos que não tivessem 5% dos votos para

deputados federal ficariam com dois minutos por semestre, em rede nacional de rádio e de

TV, e teriam de ratear com todos os demais partidos 1% dos cerca de R$ 120 milhões do

Fundo Partidário. Além disso, esses partidos pequenos não teriam direito a funcionamento

parlamentar: seus deputados e senadores poderiam falar e votar no plenário, mas não teriam

líderes, nem estrutura de liderança. Aprovada em 1995, a cláusula de barreira seria aplicada

pela primeira vez nas eleições de 2006. Pelo resultado dessa eleição, só sete dos 29 partidos

registrados no TSE (Tribunal Superior Eleitoral) conseguiriam atingir os percentuais previstos

pela cláusula de barreira. Outros 22 teriam seus direitos de funcionamento reduzidos pela

nova regra. Ao anunciar sua decisão, Marco Aurélio classificou a regra de "esdrúxula, extravagante e incongruente". "É injusto porque coloca na vala comum partidos como o PPS, o PC do B, o PV e PSOL, que não podem ser tidos como partidos de aluguel".

O relator citou os casos do vice-presidente da República, José Alencar, e do

presidente da Câmara, Aldo Rebelo. Os dois foram eleitos por partidos que não atingiram a

cláusula de barreira, PRB e PC do B, respectivamente. "A partir do momento em que se

admite que o partido sobreviva, mas sem funcionamento parlamentar, se tem a asfixia desses

partidos", afirmou. Segundo ele, a cláusula provocaria o "massacre das minorias, o que não é

bom em termos democráticos". O ministro Carlos Ayres disse que a regra deveria se chamar

"cláusula de caveira" porque levaria à morte os pequenos partidos. A ministra Carmem Lúcia

argumentou que a "minoria de hoje tem que ter espaço para ser maioria amanhã" e que a

cláusula de barreira não permitiria o crescimento dos pequenos partidos. O ministro Ricardo

Lewandowski disse que a cláusula "fere de morte o pluralismo político".318

317 Disponível em: http://www2.camara.gov.br/internet/publicacoes/estnottec/tema6/pdf/300188.pdf, p. 3. Acesso em 01/12/2007. 318 Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u87526.shtml. Acesso em 01/12/2007.

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CONCLUSÕES

Diante dos estudos realizados, visualizamos as seguintes alternativas para o

aperfeiçoamento do sistema representativo no Brasil:

1. Valorização do Parlamento.

2. Maior utilização dos instrumentos de democracia semidireta.

3. Participação política dos cidadãos brasileiros.

4. Criação de um programa público de combate à corrupção.

5. Reformas políticas.

6. Educação.

Nos parece claro que não há fórmula mágica, que resolva todos os problemas ou

que só traga em si vantagens. Um bom exemplo disso é a questão da reforma política. Cada

tema em debate apresenta pontos favoráveis e desfavoráveis. É possível encontrar seus

defensores e opositores.

Também é certo que muitos problemas atuais, como por exemplo a corrupção, não

são exclusividade brasileira. Diante desse cenário, e pelas características do povo brasileiro,

em nosso entendimento, propostas complexas de solução para a crise da relação governante-

governado não trariam grandes benefícios. Portanto, é preciso usar a regra da simplicidade.

Cumprir as leis primeiro, depois alterá-las e melhorá-las, se necessário. De nada adianta fazer

uma lei se ela não é aplicada e depois é alterada, como foi o caso da cláusula da barreira.

Também não é bom quando uma mesma situação é alterada diversas vezes, de acordo com a

situação. Fatos como esse trazem perda de credibilidade nas instituições.

1. Valorização do Parlamento

O Parlamento cumpre papel importante no Estado e na consolidação da

democracia, principalmente por três de suas atribuições: representar o povo, legislar sobre os

assuntos de interesse nacional e fiscalizar a aplicação dos recursos públicos. Entretanto,

conforme foi demonstrado ao longo dessa pesquisa, o momento atual do Congresso Nacional

no Brasil não é positivo. Por essa razão, faz-se necessário uma valorização do Parlamento. O

caminho para isso passa pela atividade legislativa. Cabe, nesse momento, a lembrança de

Paulo Bonavides, na qual a Lei Magna ainda não acabou de ser elaborada. Resta acrescentar-

lhe uma parte escrita importantíssima: as leis complementares e ordinárias previstas no texto

constitucional. Nesse sentido:

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Compõem essas leis a outra metade da Carta, sem a qual ela dificilmente se aplicará, com sua eficácia diminuída a um grau baixíssimo e insuportável, embargando todas as esperanças postas em tão valioso instrumento de direitos e garantias fundamentais. Operíodo de feitura das leis complementares e ordinárias destinadas a complementar materialmente a nova Carta é por sem dúvida tão crítico e delicado quanto este já rematado.319

A inércia de um Parlamento implica na valorização do Executivo e do Judiciário.

Quando se recorre ao Judiciário para dar uma interpretação à lei, pode ser criado um conflito

entre os poderes. Por outro lado, um Parlamento atuante, forte, se destaca. Um bom

Parlamento faz boas leis, leis que atingem a finalidade do Estado, proporcionando o bem

comum. A conseqüência natural disso será o reconhecimento popular pelo trabalho realizado,

que se for bem feito, mudará a imagem da Casa de representação do povo.

2. Maior utilização dos instrumentos de democracia direta. Nada melhor para aperfeiçoar algo do que a prática. É assim quando aprendemos

a andar de bicicleta ou quando queremos aprender um novo idioma. E isso também vale para

a democracia. A história brasileira de plebiscito e referendo é curta. Faz-se necessário uma

maior utilização dos institutos de democracia semidireta. Temas importantes podem e devem

ser levados à consulta popular, e não restringir o debate ao grupo de parlamentares. É certo

que, conforme avaliamos nesse trabalho, há a interferência dos grupos de pressão, da

oposição, das minorias, da opinião pública, etc. Mas nada melhor do que a voz do povo.

Erros e acertos fazem parte da tomada de decisões. A utilização dos institutos nada mais é do

que aplicar a Constituição.

3. Participação política dos cidadãos brasileiros.

A eleição é instrumento indispensável ao Estado Democrático de Direito. Cabe ao

povo fazer boas escolhas. O exercício contínuo dos direitos políticos fará com que, cada vez

mais, possamos caminhar no sentido de escolher bons representantes, que atendam às

expectativas e necessidades de seus representados. As eleições periódicas e regulares são

formas de controle sobre os representantes. Quem não foi um bom parlamentar corre o risco,

na próxima eleição, de não ser eleito. Mas para isso, é necessário, por parte do eleitor, a

participação, o interesse, a iniciativa e o acesso à informação. Boas escolhas pelo povo

excluem aqueles que não demonstraram ter qualidades suficientes para representá-los.

319 BONAVIDES, Paulo; ANDRADE, Paes de. História Constitucional do Brasil. 3.ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1991, p. 488.

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“Nada se faz sem grandes homens” , disse De Gaulle “Aos exércitos, assim como

aos povos, providos de chefes excelentes, tudo mais será dado por acréscimo. Porque, no

fundo, os homens não dispensam ser dirigidos, assim como não dispensam comer, beber e

dormir” 320.

Em nosso entendimento, a expressão “grandes homens” se aplica não só para os

governantes, mas também aos governados. O papel do representado, seu interesse e

participação são relevantes para a solidificação do Estado Democrático. Caso contrário, as

questões públicas e a política ficam restritas a um pequeno grupo. O interesse que

defendemos é tão intenso que chega a propor a inversão de papéis, ou seja, o representado se

tornar representante, através de filiação partidária e disputa nos pleitos eletivos. Só é

necessário tomar o cuidado para que não ocorra o que George Orwell retratou em sua

“Revolução dos Bichos”321, onde o governado criticava o governante, e, quando chegou ao

poder, agiu da mesma forma ou até pior. O povo deve observar, fiscalizar, participar e

comprometer-se com o sucesso ou o insucesso do Governo. Deve fazer parte da “solução” e

não apenas do “problema”.

Trata-se do “cidadão ativo” destacado por Alexandre Sanson: “aquele agente do

poder, gestor da coisa pública, participante da vida estatal”.322

320 SCHWARTZENBERG, Roger-Gérard. O Estado Espetáculo. Ensaio sobre e contra o Star System em política. São Paulo: Círculo do Livro, 1977, p.24. 321 A fábula de Orwell é retratada na obra “A Revolução dos Bichos”, de George Orwell, pseudônimo literário de Eric Blair (1903-1950), novelista, jornalista e crítico inglês, nascido na Índia e educado na Inglaterra. A Revolução dos Bichos é uma fábula onde os animais de uma granja, revoltados com maus-tratos, se organizam e expulsam o “dono”. De posse da propriedade, seus líderes organizam as atividades e estabelecem algumas leis e princípios de conduta social. Entretanto, o espírito de revolução de quem está no poder transforma-se em ambição, e o movimento torna-se um instrumento de dominação e controle. As leis são alteradas de forma a atender e beneficiar alguns e não todos. Dessa forma, alguns se tornam mais iguais que outros. Os bichos defendem um movimento chamado “animalismo”, onde o homem é “inimigo” e os animais são “camaradas”. Criam algumas leis, entre elas: “Nenhum animal dormirá em cama” (para os bichos a cama representava a figura do “inimigo homem”. Mesmo de posse da casa, os animais não deveriam dormir nas camas). Entretanto, seus líderes são vistos dormindo em camas e a lei é alterada para: - “Nenhum animal dormirá em cama, com lençóis”. Ou seja, houve uma “emenda” à lei, podemos assim dizer, de forma a beneficiar algum interesse. Argumentavam os líderes que o ruim não era a cama, mas sim os lençóis. Então dormiam nas camas sem os lençóis, o que não representava desrespeito à lei. Por fim, uma outra lei dizia que: - “Todos os animais são iguais”. Posteriormente, a lei é “emendada” com a redação: - “Todos os animais são iguais, mas alguns são mais iguais que outros”, referindo-se aos animais líderes, que teriam alguns privilégios (trabalhariam menos, comeriam mais, etc.) 322 SANSON, Alexandre. Dos institutos de democracia semidireta (plebiscito, referendo e iniciativa popular) como fontes de fortalecimento da cidadania ativa. Dissertação (Mestrado em Direito Político e Econômico) - Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2007, p. 212.

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4. Criação de um programa público de combate à corrupção.

Conforme já apontado, a corrupção não é exclusividade brasileira. Mas isso não

pode servir de justificativa para uma acomodação sobre o tema. O valor perdido com práticas

corruptas traz um enorme prejuízo aos cofres públicos, e por conseqüência, à população. A

corrupção gera o desinteresse e a desconfiança nas classes políticas, nas instituições e é

alimentada pela impunidade.

Temos acompanhado diversos escândalos políticos no Brasil nos últimos anos. É

certo que os princípios da ampla defesa, do contraditório, da presunção da inocência, entre

outros, devem sempre ser preservados. Por outro lado, é preciso também ações firmes de

combate à corrupção. Quem for culpado, deve ser punido. Os maus não podem misturar-se

aos bons. Portanto, com o devido respeito às garantias constitucionais, a apuração de

responsabilidades precisa ser mais célere , pois a demora gera incertezas e esquecimento.

Nesse sentido, seria interessante a criação de uma Justiça Especializada para crimes de

corrupção.

Se um parlamentar tiver que ser punido, que seja. E se a punição não for pela

própria Casa ou pelo Poder Judiciário, que seja pelo povo, através da arma mais poderosa: o

voto. A Constituição diz: “Todo poder emana do povo e em nome dele será exercido”. É por

isso que os deputados, nossos representantes, deverão observar sempre o interesse coletivo

quando forem apresentar, discutir e debater projetos de lei importantes para a sociedade

brasileira.

Ainda sobre esse tema, já ouvimos falar de propostas para alterações no número de

deputados ou senadores, e até mesmo propostas de extinção do Senado, com o Parlamento se

tornando unicameral. Se diminuirmos a quantidade de parlamentares, e até mesmo excluirmos

uma Casa, não há garantia que os que ficarem serão bons representantes. O povo, se não se

governa diretamente, fica dependente de seus representantes, que podem ser seduzidos pelo

poder, tal qual o anel de Giges323. Observemos uma reflexão de Platão a respeito do poder, da

pobreza e da riqueza, que se relaciona com a idéia de administração de sua cidade:

323 Platão nos conta em sua República que Giges, estando com o seu anel, deu uma volta para dentro, em direção à parte interna da mão, e, ao fazer isso, tornou-se invisível para os que estavam ao lado. Admirado, passou de novo a mão pelo anel e o virou para fora. Assim que o fez, tornou-se visível novamente. Tendo observado esses fatos, experimentou, a fim de confirmar se o anel tinha aquele poder, e verificou que, se girasse o anel pra dentro, se tornava invisível, se girasse o anel pra fora, ficava visível. Usando esse poder, logo fez com que fosse um dos delegados que iam junto do rei. Uma vez lá chegado, seduziu a mulher do soberano, e com o auxílio dela, atacou-o e matou-o, e assim tomou o poder. Se, portanto, houvesse dois anéis como este, e o homem justo pusesse um, e o injusto o outro, não haveria ninguém, ao que parece, tão inabalável que permanecesse no caminho da justiça, e que fosse capaz de se abster de bens alheios e de não lhes tocar, sendo-lhe dado tirar à vontade o que quisesse do mercado, entrar nas casas e unir-se a quem desejasse, matar ou libertar a quem

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[...] Se um pintor enriquecer, não quererá cuidar da sua arte, tornar-se-á preguiçoso e descuidado, mais do que era. Se, devido à sua pobreza, não tiver à mão utensílios ou qualquer outro objeto para o seu trabalho, executará obras piores, e ensinará a serem piores os filhos ou quaisquer outros que aprendam com ele. Pelas duas razões , a pobreza e a riqueza são as piores obras. Na cidade em que os que têm de governar são os menos empenhados em ter o comando, essa será a melhor e mais pacificamente administrada, e naquela em que os que detém o poder fazem o inverso, sucederá o contrário. Nunca uma pessoa poderia se tornar um homem de bem, se logo, desde a infância, não brincasse no meio de coisas belas e não se dedicasse a todas atividades dessa qualidade [...] 324

5. Reformas Políticas

O remédio para a crise do sistema representativo, para José Murilo Carvalho325,

estaria nas reformas políticas, que poderiam eventualmente reduzir o problema central da

ineficácia do sistema representativo: Mas para isso a frágil democracia brasileira precisa de tempo. Quanto mais tempo ela sobreviver, maior será a probabilidade de fazer as correções necessárias nos mecanismos políticos e de se consolidar. Sua consolidação nos países que são hoje considerados democráticos, incluindo a Inglaterra, exigiu um aprendizado de séculos. O exercício continuado da democracia política, embora imperfeita, permite aos poucos ampliar o gozo dos direitos civis, o que, por sua vez, poderia reforçar os direitos políticos, criando um círculo virtuoso no qual a cultura política também se modificaria. O voto não é tudo, principalmente um voto que além de ser prisioneiro de uma obrigatoriedade que transforma direito em dever, vem sendo deformado por interferências externas.

Em nosso entendimento, a reforma política é necessária. Entretanto, é preciso ter

cuidado com alguns pontos. O primeiro deles é que a importação de modelos estrangeiros e

fórmulas complexas de escrutínio pode não ser uma boa alternativa. Atualmente, os

brasileiros estão acostumados ao voto direto pelo sistema majoritário para Senador (em um

único turno), Prefeito, Governador e Presidente (em um ou dois turnos); e ao voto pelo

princípio da representação proporcional para Deputados (Federais e Estaduais) e Vereadores.

Outro ponto a ser considerado é adaptar a reforma política às características do

Brasil. Conforme adverte o professor Claudio Lembo, os políticos – particularmente aqueles

que conhecem mais de duas línguas – irão se debruçar sobre experiências estrangeiras e,

especialmente a alemã, e aí, vão recolher modelos a serem transportados para estas terras

tropicais. Pouco há a fazer. A grande reforma não necessita de arranjos legais. Ela terá que

começar no interior das agremiações partidárias, onde as exigências éticas, na oportunidade

das filiações aos quadros partidários, necessitam ser mais rígidas, e aos candidatos deverão quisesse, e fazer tudo o mais entre os homens, como se fosse igual aos deuses. Comportando-se dessa maneira, os seus atos nada difeririam dos do outro, mas ambos levariam o mesmo caminho (grifo nosso). – p. 46. 324 Ibid., p. 114. 325 CARVALHO, José Murilo. A cidadania no Brasil – o longo caminho. São Paulo: Civilização Brasileira, 2003, p. 224.

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ser impostas obrigações reais e rígidas para o futuro, especialmente nos aspectos relativos à

fidelidade partidária. Se os políticos deixarem os eleitores caminhar livre e sucessivamente

de eleição em eleição e remodelarem as práticas internas de seus partidos, tudo pode ficar

como está, porque certamente vai melhorar. É só permitir a livre manifestação do eleitor.326

6. Educação

O “interesse” e e a “participação política” se dá por meio da educação. As

crianças de hoje serão os líderes de amanhã, nossos futuros representantes no Parlamento.

Por essa razão, a educação que elas receberem influenciará no futuro do Estado Brasileiro,

tanto no comportamento de “mandante”, como de “mandado”. A educação já era ponto de

destaque para ARISTÓTELES: Considerando que toda a sociedade política constitui-se de homens que ordenam e de homens que obedecem, é necessário examinar se os chefes e comandados precisam ser sempre os mesmos, ou se precisam mudar de função. É claro que a educação precisa responder por essa divisão.327

É preciso escolher bons governantes. Na sua cidade ideal, Platão defendia que a

solução para o problema é a educação, e nos traz a idéia do “sábio governante”. Para o

filósofo, o Estado ideal, deveria ser sustentado no conceito de justiça. Era necessário montar

uma espécie de prova aos guardiões da cidade e observá-los. Quando novos, deviam

transportar-se para o meio de terrores, e depois transferi-los novamente para os prazeres, para

os pôr à prova, a ver se são difíceis de ludibriar e se revelam compostura em todas as

circunstâncias. O comportamento avaliado seria se foram mais úteis a eles mesmos ou à

cidade. E quem tiver sido sempre posto à prova, na infância, na juventude e na idade viril, e

sair dela inalterável, deve ser posto no lugar de chefe e guardião da cidade. Os que não

receberam educação nem experiência da verdade jamais serão capazes de administrar

satisfatoriamente a cidade. Quem assim não for, deve excluir-se. Depois de terem visto o bem

em si, usá-lo-ão para ordenar a cidade, os particulares e a si mesmos para o resto da vida.

Agüentarão os embates da política, e assumirão cada um deles a chefia do governo, por amor

à cidade. Depois ensinarão continuamente outros assim, para serem como eles. Começando

de uma maneira assim tão bela, acabaríamos, como é natural, num belo fim. Na cidade ideal,

o Estado deveria promover e ser responsável pela educação. Os habitantes da cidade passarão

326 LEMBO, Claudio. Eles temem a liberdade. São Paulo: Manole, 2006, p. 28. 327 ARISTÓTELES. Política. Tradução Torrieri Guimarães. São Paulo: Martin Claret, 2005, p. 142.

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a vida em paz e com saúde, morrerão velhos, como é natural, e transmitirão aos seus

descendentes uma vida da mesma qualidade.328

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Conclui-se, portanto, que embora apresente seus problemas, a democracia

representativa é conveniente e necessária, devido à densidade demográfica e extensão

territorial dos Estados no século XXI. Assim, compartilhamos do pensamento de MILL, no

qual evidentemente, só há pois uma saída possível, solução única para o poder consentido,

dentro do Estado moderno: um governo democrático de bases representativas. A

complexidade social, a extensão e a densidade demográfica do Estado moderno, fatores estes

que embaraçam irremediavelmente o exercício da democracia direta. Por conseqüência,

dizem, o remédio para a democracia, fundada e legitimada no consentimento dos cidadãos,

tem que ser, de necessidade, a representação ou o regime representativo: quando muito as

instituições da democracia semidireta. Assim, a forma ideal de governo, segundo MILL329 é aquela que, nas circunstâncias em que é praticável e aplicável, acarreta o maior número de consequências benéficas, imediatas ou futuras. O único governo capaz de satisfazer a todas as exigências do Estado Social é aquele do qual participou o povo inteiro; que toda a participação, por menor que seja, é útil; que a participação deverá ser, em toda a parte, na proporção em que permitir o grau geral de desenvolvimento da comunidade; e que não se pode desejar nada menor do que a admissão de todos a uma parte do poder soberano do Estado. Mas como, nas comunidades que excedem as proporções de um pequeno vilarejo, é impossível a participação pessoal de todos, a não ser numa porção muito pequena dos negócios públicos, o tipo ideal de um governo perfeito só pode ser o representativo.

Domenico Fisichella330, ao analisar o fenômeno da representação política, assinala:

328 PLATÃO. A República. Tradução Pietro Nassetti. São Paulo: Martin Claret, 2005, p. 60. 329 MILL, John Stuart. Considerações sobre o governo representativo. Pensamento político. Tradução de Manoel Innocêncio de Lacerda Santos Jr. Brasília: UNB, 1981, p. 31-38. 330 Dada a natureza da nossa ordem constitucional, que nunca foi concebida para mostrar o legislador como o espelho da opinião pública, e dada a falta de canais de comunicação imparciais entre os cidadãos e as elites, tentar encontrar um amplo acordo entre ambos pode não ser capaz de representar 400.000 pessoas com um mínimo de fidelidade; mas 435 parlamentares poderiam conseguir representar melhor as opiniões de 220 milhões de eleitores. Claro, é importante questionar se certos legisladores estão caminhando no mesmo ritmo de seus colégios, mas esse não é, certamente, o melhor jeito para entender se os representantes representam. Enfim, se admitimos que os cidadãos advirtam o significado da representação coletiva, é mais fácil entender várias atitudes e tipos de comportamento que, à primeira vista, podem deixar muito perplexos. Entre estes, lembramos a apatia popular por ocasião das eleições legislativas, a disponibilidade de tolerar legisladores não respondentes em relação a seus colégios e uma certa aversão contra os partidos parlamentares mais coesivos (FISICHELLA, Domenico. La rappresentanza Politica. Milano: Giuffrè Editore,1983, p. 356-357).

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Não falamos que a representação coletiva quer dizer representação fiel. O que pensamos é que a representação coletiva é, provavelmente, mais fiel, e não perfeitamente fiel. Não queremos dizer que as eleições têm conseqüências não-representativas, mas pensamos que seja possível e, aliás, perfeitamente provável que as preferências dos cidadãos sejam representadas independentemente da relação eleitoral entre um certo membro do Congresso e um certo eleitor. As eleições não são irrelevantes para os fins da fidelidade da representação, mas não constituem o único fator determinante.

Como consequência do modelo representativo, ganha destaque o Parlamento e

entre suas funções a de representação política. No conflito entre suas convicções pessoais, as

orientações partidárias e a determinação do eleitor, o parlamentar deve optar pelas primeiras,

até em virtude da liberdade de expressão e manifestação do pensamento. Entretanto, ao optar

por suas convicções particulares, deve fazê-lo tendo por objetivo alcançar o maior benefício

coletivo, ainda que elas sejam contrárias a determinado grupo de eleitores. Mas sempre deve

visar o bem comum e nunca o individual.

Por fim, no caso brasileiro, as duas últimas décadas do século 20 foram marcadas

pelo retorno à democracia. O regime, após uma seqüência de governos oligárquicos sem

representatividade que se revezaram no poder por 40 anos, experimentou duas ditaduras (a

getulista e a militar) que somadas consumiram mais três décadas e, nos intervalos

democráticos, enfrentou seguidas ameaças à ordem institucional. Não havia, portanto, uma

tradição propriamente democrática à qual se pudesse retornar. Nos anos 80 e 90 o Brasil

conquista a democracia, consolidando-a, aparentemente, como única forma aceitável de

governo. Apesar das turbulências, que incluem um inédito processo de impeachment, o país

chega ao século XXI vivendo o mais longo período sob regras democráticas (deixada de lado

a República Velha, por não atender ao requisito contemporâneo de um eleitorado que

refletisse a composição da sociedade). Se não é tudo o que se poderia desejar, também não é

pouco. A democracia formal pode não ter resultado numa política consistente de inclusão

social, mas esse passo em suspenso não apaga as pegadas do caminho trilhado.

Um olhar retrospectivo sobre esses 20 anos, porém, não dá margem a dúvida: o

saldo é positivo331 .

331 “A História do Brasil no século 20”. 1980-2000. Folha Explica. Disponível em http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u87785.shtml. Acesso em 20/06/2007.

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