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UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE
ALEXANDRE BENTO DAMACENA
A FUNÇÃO REPRESENTATIVA DO PARLAMENTO NA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL
São Paulo Dezembro 2007
1
Alexandre Bento Damacena
A Função Representativa do Parlamento na República Federativa do Brasil
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação da Universidade Presbiteriana Mackenzie, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Direito Político e Econômico. Orientadora: Profª. Drª. Monica Herman S. Caggiano
São Paulo Junho 2007
2
ALEXANDRE BENTO DAMACENA
A FUNÇÃO REPRESENTATIVA DO PARLAMENTO NA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação da Universidade Presbiteriana Mackenzie, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Direito Político e Econômico. Orientadora: Profª. Drª. Monica Herman S. Caggiano Aprovado em
BANCA EXAMINADORA
Drª. Monica Herman Salem Caggiano Universidade Presbiteriana Mackenzie
Dr. Milton Paulo de Carvalho Universidade Presbiteriana Mackenzie
Dr. Dircêo Torrecillas Ramos Universidade de São Paulo
3
Aos meus pais, Maria e Aurino. Tão perto e tão longe ...
À Camila, pela nossa história e por cada segundo do nosso infinito amor.
4
AGRADECIMENTOS A Deus, pelo presente da vida.
À Drª. Monica Herman Salem Caggiano, por toda a atenção e orientações que me foram dadas. E também por ter me mostrado a maravilha do Direito Parlamentar.
Ao Dr. Dircêo Torrecillas Ramos e ao Dr. Milton Paulo de Carvalho, pelos valiosos comentários sobre este trabalho.
Ao professor Dr. Felipe Chiarello, pelas aulas inesquecíveis, pelo incentivo à minha carreira acadêmica e por me inspirar na “arte de ensinar”.
Ao professor Dr. André Ramos Tavares, por me mostrar que o Direito Constitucional é mais belo do que eu conhecia.
Ao professor Dr. Paulo Adib Casseb, por me ajudar nos primeiros passos do estudo da Constituição.
À Professora Drª. Susana Mesquita Barbosa, por me motivar no ingresso ao Mestrado e por tantas perguntas respondidas.
Aos professores da Universidade Mackenzie do programa de Pós-Graduação Lato Sensu: Dr. João Antônio Wiegerinck, Dr. Vicente Bagnoli, Dr. Evandro Capano, Drª. Claudia Márcia Costa, Drª. Tatiana Penharrubia Fagundes, Drª. Christina de Almeida Pedreira e Drª Zélia Luiza Pierdoná.
Aos professores da Universidade Mackenzie do programa de Pós-Graduação Stricto Sensu: Dr. Gilberto Bercovici, Dr. Gabriel Chalita, Drª. Márcia Cristina de Souza Alvim, Dr. Ari Marcelo Sólon, Dr. Hélcio Ribeiro, Dr. Allysson Leandro Mascaro, Dr. Gianpaolo Smanio e Dr. Alexandre de Moraes.
À vó Josina, Gorete, Arnaldo, Pedro, Tânia, Andréa, Lucas, João, Bel, Paula, Karine, Denise, Roberto, Roberta, Renan, Marlene, Joãozinho, Arthur, Natália, Izabelle, Julia, Amália, Toninho, Paola, Giulia, Luiz, Luzia, Fernando, Fabiano, Lidiane, Oulival, Estelina, Sueli, Wesley, Nilse, Milton, Divina, Geraldo, Cleide, André, Thaciane, José Humberto, Sebastião e Lerinda, por todos os momentos que passamos.
Ao Caffarena, Rui, Marcelo, Zé Rocco, Cristian, Gustavo, Junior, Ana Carolina, Marcelo Mello, Madre Barros e o Casa Pia, pela amizade de tantos anos.
5
À Camila, Augusto, Maria Helena, Carol, Beto, Sônia, Simone e Bruno, minha “Grande Família”.
Ao Dr. Diogo de Freitas, pela valiosíssima obra do professor Canotilho.
Ao Waldir Andrade, por ter feito a diferença em minha vida, ao Torres e a todos os amigos da Orbitall, por serem uma história inesquecível.
À Claudia Ajaj, por me ajudar no Mestrado e nos seminários.
Ao Renato Santiago, grande companheiro na Pós-Graduação.
Aos amigos da escola Hampstead em Londres, que estiveram comigo nas horas difíceis.
Ao José António Martins, do Gabinete em Portugal do Parlamento Europeu, e ao grupo da
Assembléia da República em Lisboa, pelos livros que me presentearam.
À toda equipe do Parlamento Europeu em Bruxelas e aos funcionários da British Library em
Londres, pela receptividade e atenção.
À Célia e ao Nilton, da papelaria Roca, por sempre me ajudarem em meus trabalhos
acadêmicos.
À Celi, Joelma, Cintia e todos os meus novos amigos da BV Financeira, pelo novo começo.
À Juliana da escola de inglês One by One, pela força e incentivo.
6
Deixe que uma pessoa não faça nada por seu país, e ela não se interessará por ele (John Stuart Mill).
7
RESUMO
Quando o rei tinha questões graves a tratar ou queria ouvir a opinião dos homens
mais importantes sobre um determinado assunto, mandava chamar os grandes senhores da
nobreza e os membros mais destacados do clero para uma reunião. Em Portugal e nos reinos
da Espanha, a essas reuniões foi dado o nome de “Cortes”. Na França denominou-se “Estados
Gerais”. E na Inglaterra, chamou-se “Parlamento”.
Cada Parlamento se desenvolveu e conheceu diversas fases até chegarmos aos
modelos do século XXI. Aos Parlamentos foram atribuídas diversas “funções”, como por
exemplo legislar e efetuar o controle do Executivo. Mas, de todas as suas atribuições, a
“função representativa” é fundamental, pois torna o Parlamento uma instituição indispensável
para a realização da democracia.
Representar a vontade do povo não é fácil, e fazer a escolha dos representantes
também não é tarefa das mais simples. Ser governante ou governado produz direitos e deveres
para os dois lados. O parlamentar deverá seguir a vontade do eleitor, do seu partido ou suas
próprias convicções?
Este trabalho busca respostas para essas questões por meio da análise da
representação política em ambiente democrático. De forma mais específica, examina o Brasil
e o seu Parlamento Federal.
O estudo da complexa relação governante-governado e da função representativa do
Parlamento contribuem para apontar possíveis caminhos e alternativas para o aperfeiçoamento
do sistema representativo brasileiro.
Palavras-chave: Representação, Parlamento, Governante, Governado, Democracia, Partido.
8
ABSTRACT
When the king had issues to deal with or wanted to hear the opinion of the most
important men regarding any certain subject, he would gather lords and the most important
members of the clergy for a meeting. In Portugal and in the kingdoms of Spain, these
meetings were named “Courts”. In France, they were called “General States”. And in
England, they were called “Parliament”.
Each Parliament evolved and went through several stages until we got to the
models of the 21st century. Several “functions” were attributed to the Parliaments, such as, for
instance, to legislate and control the Executive Branch. However, amongst all its attributions,
the “representative function” is fundamental, because it turns the Parliament into an institution
that is essential for democracy.
Representing the people’s will is not easy, and choosing the representatives is not
something simple to be done as well. Being a ruler or ruled brings about rights and duties for
both sides. Should the congressman comply with the voter’s will, his political party or his
own beliefs?
This study looks for answers for these questions by means of the analysis of the
political representation in a democratic environment. More specifically, it examines Brazil
and its Federal Parliament.
The study of the complex relationship ruler-ruled and of the representative
function of the Parliament contributes to point out possible paths and alternatives for the
improvement of the Brazilian representative system.
Key words: Representation, Parliament, Ruler, Ruled, Democracy, Political Party.
9
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO 12 I. REPRESENTAÇÃO POLÍTICA 15 1. O poder e sua origem 15 1.1. As doutrinas teocráticas
1.1.1. A doutrina da natureza divina dos governantes 15 1.1.2. A doutrina da investidura divina 15 1.1.3. A doutrina da investidura providencial 15 1.2. As doutrinas democráticas 16
1.2.1. A doutrina da soberania popular 16 1.2.2. A doutrina da soberania nacional 16
2. Democracia 16 2.1. A democracia antiga 17 2.2. A democracia moderna 18 2.3. A democracia contemporânea 19 3. Representação Política 20 3.1. Conceito 20 3.2. Técnicas de escolha de representantes 21
3.2.1. Hereditariedade 22 3.2.2. Conquista 22 3.2.3. Cooptação 22 3.2.4. Sorteio 23 3.2.5. Eleição 23
3.3. John Locke e o Segundo Tratado sobre o Governo 24 3.4. Do Espírito das Leis de Montesquieu 27 3.5. A crítica da representação no Contrato Social de Rousseau 30 3.6. Sieyés e o Terceiro Estado (Qu’est-ce que le Tiers État) 31 3.7. A doutrina dos mandatos 33
3.7.1. O mandato livre 34 3.7.2. O mandato imperativo 35 3.7.3. O mandato partidário 36
II. O PARLAMENTO NO DIREITO COMPARADO 39
1. O Parlamento 39 1.1. Conceito 39 1.2. A origem do Parlamento 40 1.3. Aspectos estruturais do Parlamento 42 1.4. Funções do Parlamento 45
2. O Parlamento do Reino Unido 46 2.1. A Câmara dos Lordes 48
10
2.2. A Câmara dos Comuns 50 2.3. Partidos Políticos no Parlamento do Reino Unido 51
3. O Parlamento Português 52 3.1. A Assembléia da República 52 3.2. Funcionamento da Assembléia da República 53 3.3. O Parlamento na história constitucional portuguesa 54
4. O Parlamento Europeu 56 4.1. A organização e o funcionamento do Parlamento Europeu 56 4.2. Os deputados 60 4.3. Os grupos políticos 62
III. O PARLAMENTO NO DIREITO BRASILEIRO 64
1. O Parlamento Brasileiro 64 1.1. A história do Parlamento nas constituições brasileiras 64
1.1.1. Constituição Política do Império do Brasil de 1824 64 1.1.2. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 1891 68 1.1.3. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 1934 70 1.1.4. Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 1937 72 1.1.5. Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 1946 76 1.1.6. Constituição da República Federativa do Brasil de 1967 78 1.1.7. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 80
1.2. A Câmara dos Deputados 81 1.2.1. A Comissão de Legislação Participativa 82 1.3. O Senado Federal 83 2. A função representativa do Parlamento na República Federativa do Brasil 86 2.1. Sistemas Eleitorais 86 2.1.1. Sistema majoritário 87 2.1.2. Sistema proporcional 88 2.1.3. Sistema proporcional e a Constituição Federal de 1988 89 2.1.4. Código Eleitoral e o preenchimento de cargos de representação proporcional 92 2.2. A relação governante governado 93 2.3. O “Estado Espetáculo” de Schwarzenberger 95 2.4. Corrupção 98 2.5. Os partidos políticos no Brasil 99 2.6. Grupos de pressão 102 2.7. Minoria e Oposição 103 2.8. Instrumentos de participação direta X representação parlamentar 106
2.8.1. Plebiscito e referendo 107 2.8.2. Iniciativa Popular 108
11
IV. REFORMA POLÍTICA NO BRASIL 109 1. Parlamento e Reforma Política 109 1.1. Campanhas eleitorais 109 1.2. Listas preordenadas 111 1.3. Financiamento público de campanhas 113 1.4. Fim do voto secreto no Congresso 119 1.5. Voto facultativo para o povo 120 1.6. Eleição de suplentes para senador 122 1.7. Federação partidária 123 1.8. Prazos para filiação partidária 125 1.9. Mudança do sistema eleitoral 126 2. Poder Judiciário e Reforma Política 129 2.1. Verticalização 129
2.2. Fidelidade Partidária 130 2.3. Cláusula de barreira 143 CONCLUSÕES 145
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 153 ANEXOS 157
12
INTRODUÇÃO
A partir do momento em que os homens começaram a conviver uns com os outros,
tornou-se necessário encontrar formas de organização para a vida em grupo. Ao longo do
tempo, os modelos de organização social evoluíram. No início, a humanidade vivia em
bandos. E a partir do momento em que os homens começaram a domesticar os animais, a
cultivar a terra e escolher locais fixos para habitação, formaram-se as primeiras tribos. Muitas
etapas foram percorridas até atingirmos as formas complexas de organização existentes no
século XXI. E, nesse caminho, conhecemos a democracia em Atenas e a monarquia, a
república e o império na história de Roma. O território que durante séculos fora dominado e
governado pelos romanos dividiu-se em vários reinos. Surgiu na Europa um novo modelo de
organização social: a monarquia feudal. Quando o rei tinha questões graves a tratar ou queria
ouvir a opinião dos homens mais importantes sobre um determinado assunto, mandava
chamar os grandes senhores da nobreza e os membros mais destacados do clero para uma
reunião. Em Portugal e nos reinos da Espanha, a essas reuniões foi dado o nome de “Cortes”.
Na França denominou-se “Estados Gerais”. E na Inglaterra, chamou-se “Parlamento”.1
Cada Parlamento se desenvolveu de acordo com suas condições históricas,
econômicas e sociais. Aos Parlamentos foram conferidas diversas “funções”, como por
exemplo, legislar e efetuar o controle do Executivo. Mas, de todas as suas atribuições, a
“função representativa” é fundamental, pois torna o Parlamento uma instituição indispensável
para a realização da soberania popular.
Representar a vontade do povo não é fácil, e fazer a escolha dos representantes
também não é tarefa das mais simples. Ser governante ou governado produz direitos e deveres
para os dois lados. Muitos estudos e teorias foram produzidos sobre a representação política,
sendo este um dos temas mais difíceis da Ciência Jurídica e Política. A respeito dessa
complexidade, Manoel Gonçalves Ferreira Filho assinala: A representação, esse vínculo entre os governados e governantes pelo qual estes agem em nome daqueles e devem trabalhar pelo bem dos representados e não pelo próprio, constitui um dos mais difíceis problemas do Direito Público e da Ciência Política.2
1 ALÇADA, Isabel; MAGALHÃES, Ana Maria, A longa história do poder. 2.ed. Lisboa: Assembléia da República, 2006, p.7-25. 2 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 84.
13
Como ponto de partida, é preciso destacar que o sistema representativo não é
característica exclusiva de regimes democráticos, bem como de nenhuma forma de governo.
Nesse sentido, podemos observar a análise de Maria D’Alva Gil Kinzo: O conceito de representação política tem sido usado nos mais diferentes sentidos, assumindo tão ampla conotação que tem servido para justificar o poder em regimes dos mais diferentes matizes. Desde estadistas que galgaram o poder pela via eleitoral até aqueles sustentados por regimes de força, diziam-se (e dizem-se) representantes do povo de sua nação, de modo que o conceito e a prática da representação política nem sempre tem sido relacionados com democracia e liberdade.3 Diante desse cenário, torna-se necessário delimitar o objeto de estudo deste
trabalho. Esta pesquisa científica4 propõe uma análise sobre a representação política em
ambiente democrático. De forma mais específica, analisa o Brasil e o seu Parlamento Federal.
O tema será dividido em quatro partes, da seguinte forma: Inicialmente, será
apresentada uma análise histórica da representação política. Compõem essa primeira etapa os
conceitos fundamentais, as teorias sobre o poder, as diversas técnicas de escolha de
representantes e a natureza do mandato. Na segunda parte, é examinado o Parlamento: sua
origem e funcionamento no século XXI. Para isso, utiliza-se como fonte o Direito Comparado
(Reino Unido, Portugal e o Parlamento Europeu). O terceiro capítulo é dedicado ao
Parlamento brasileiro. Por último, são examinados pontos da reforma política que podem
significar mudanças relevantes no sistema representativo.
Justifica-se essa pesquisa pela fase de profundo descontentamento e decepção da
sociedade brasileira com a classe política. O Parlamento encontra-se desvalorizado. Este fato
pode ser fundamentado nos resultados de pesquisas realizadas pelo DATAFOLHA e IBOPE5,
que identificaram, entre outros resultados, insatisfação com o Congresso Nacional, vergonha
dos parlamentares, e desconfiança nos políticos e nos partidos. José Murilo Carvalho, já
apontava esse cenário: “As eleições legislativas sempre despertam menor interesse do que as
3 KINZO, Maria D’Alva Gil. Representação política e sistema eleitoral no Brasil. São Paulo: Símbolo, 1980, p. 21. 4 Em relação à metodologia de trabalho: 1) A busca de conhecimentos, dar-se-á principalmente pela leitura das referências bibliográficas selecionadas, de importância teórica e política; 2) Outras fontes a serem utilizadas serão jornais, revistas e internet, sempre que contiverem informações relacionadas ao tema e que possam agregar valor à pesquisa; 3) A abordagem adotada é a hipotético-dedutiva; 4) Será utilizada linguagem científica, com adoção das normas da ABNT (Associação Brasileira de Normas Técnicas); 5) As obras estrangeiras, sempre que contarem com tradução para o português ou língua acessível terão a preferência; 6) Citações em idioma diferente do português serão transcritas na língua original e traduzidas; 7) Para a escolha da professora-orientadora, observou-se o critério de ministério de matéria relacionada ao tema; 8) Foram realizadas visitas ao Parlamento Europeu (Bruxelas), Assembléia da República (Lisboa) e British Library (Londres). 5 ANEXO A.
14
do Executivo. [...] O desprestígio generalizado dos políticos perante a população é mais
acentuado quando se trata de vereadores, deputados e senadores”6 .
As reflexões de Locke7, Montesquieu8, Rousseau9 e Sieyès10 formam a base para
a análise da complexa relação governante-governado. Qual a finalidade da função
representativa do Parlamento? O parlamentar deverá seguir a vontade do eleitor, do seu
partido ou suas próprias convicções?
Em busca das respostas à essas questões, desenvolve-se este trabalho, que tem
por objetivo apontar possíveis caminhos e alternativas para o aperfeiçoamento do sistema
representativo no Brasil, demonstrando assim, sua relevância social e científica.
6 CARVALHO, José Murilo. A cidadania no Brasil – o longo caminho. São Paulo: Civilização Brasileira, 2003, p. 222. 7 Cf. Segundo Tratado sobre o Governo Civil, p. 13. 8 Cf. Do Espírito das Leis, p.16. 9 Cf. Do contrato social , p. 19. 10 Cf. Que é o Terceiro Estado? p. 20.
15
I. REPRESENTAÇÃO POLÍTICA
1. O poder e sua origem
Para tratarmos do tema da representação política, faz-se necessário, inicialmente,
examinarmos as doutrinas sobre o poder e sua origem. Nas lições de Paulo Bonavides11,
verificamos que existem duas grandes divisões: as doutrinas teocráticas (que sustentam o
direito divino do rei) e as doutrinas democráticas (que conferem ao povo a soberania).
1.1. As doutrinas teocráticas
1.1.1. A doutrina da natureza divina dos governantes
Por essa doutrina, os governantes são deuses vivos, sendo-lhes reconhecidos
características e qualidade de divindade. Os monarcas, titulares do poder soberano, são seres
divinos, objeto de culto e veneração. A história é cheia de exemplos de reis que fielmente
seguiam essa doutrina e se julgavam divindades, como os faraós do Egito, os imperadores
romanos e os príncipes orientais.
1.1.2. A doutrina da investidura divina
Pelo preceito da investidura divina, os reis conservam o grau mais alto de
eminência e majestade. Entretanto, não se supõem fora da condição humana, e sim partícipes
na divindade. São delegados diretos e imediatos de Deus, recebendo deste a investidura para o
exercício de um poder que, por sua natureza, se concebe como divino. São os monarcas na
terra os executores da vontade de Deus. Cumpre aos povos prestar-lhes cega obediência, dada
a origem divina do poder. Os monarcas são responsáveis unicamente perante Deus, jamais
perante os homens. Essa modalidade do pensamento teocrático entende o poder como
instituído por Deus para conservação da sociedade, e faz da escolha dos governantes, um ato
da vontade divina.
1.1.3. A doutrina da investidura providencial
Admite-se, por esse pensamento, apenas a origem divina do poder. Torna-se
menos intensa a intervenção da divindade em questões políticas, cuja legitimidade se resume
na observância do bem comum. A designação dos governantes é obra dos homens e não da
divindade. A teoria da investidura providencial alcançou um importante e imediato resultado, 11 BONAVIDES, Paulo. Ciência Política. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 128-132.
16
que a separou das duas correntes antecedentes da doutrina teocrática: a possibilidade de
participação dos governados na escolha dos governantes.
1.2. As doutrinas democráticas
1.2.1. A doutrina da soberania popular
Essa doutrina fortalece a igualdade política dos cidadãos e o sufrágio universal. A
soberania popular corresponde à soma das diferentes frações de soberania, que pertencem e
são atribuídas a cada indivíduo, que, como membro do Estado e possuidor dessa parcela do
poder soberano fragmentado, participa ativamente na escolha dos governantes.
1.2.2. A doutrina da soberania nacional
O povo tinha sido conduzido à plenitude do poder político. Como conseqüência à
esse poder absoluto, sem freio e à onipotência das multidões, era necessário dar uma solução
jurídica, política e social, que concebesse uma participação limitada da vontade popular,
evitando assim, por um lado, a continuidade do regime monárquico autocrático e de outra
parte, que se impedisse os excessos da autoridade popular.
A idéia do indivíduo titular de uma fração da soberania, com milhões de soberanos
em cada coletividade, confere espaço à concepção de uma pessoa privilegiadamente soberana:
a Nação, destinatária única e exclusiva da autoridade soberana.
A Nação12, ser novo, distinto e abstratamente personificado, dotado de vontade
própria, superior às vontades individuais que o compõem, se apresenta nessa doutrina como
um corpo político vivo, real, atuante, que detém a soberania e a exerce através de seus
representantes.
2. Democracia
O objeto de estudo neste capítulo é a representação política em ambiente
democrático. Por essa razão, é importante observar algumas considerações sobre
“democracia”. É possível encontrarmos diversas definições de democracia. Nesse momento,
12 Artigo 3º da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão: “O princípio de toda a soberania reside essencialmente na Nação e nenhuma corporação, nenhum indivíduo pode exercer autoridade que dela não emane expressamente”.
“A soberania é una, indivisível, inalienável e imprescritível. Pertence à Nação; nenhuma seção do povo, nenhum indivíduo pode atribuir-se-lhe o exercício”. (art. 1º do Título III da Constituição Francesa de 1791).
17
faz-se necessário então, como ponto de partida, selecionar um conceito para o
desenvolvimento de nossa pesquisa. Maurice Duverger aponta a seguinte conceituação:
“Regime em que os governantes são escolhidos pelos governados, por intermédio de eleições
honestas e livres”13.
Mas como se desenvolveu a democracia? Podemos afirmar que ela se concretiza
na prática?14 Nesses pontos, assinala Manoel Gonçalves Ferreira Filho: “A implantação de um
regime verdadeiramente democrático, é tarefa delicada e difícil”.15
E ainda: “Distinguem-se três democracias. A dos antigos, de que Atenas é o
grande exemplo. A dos modernos, que se identifica com o”governo representativo”. E a
contemporânea, que apresenta aspectos originais em relação às formulações anteriores”16.
2.1. A democracia antiga
Na cidade de Atenas, na Grécia, nasceu uma forma de organização totalmente
nova e original, que colocava o poder nas mãos de um número maior de pessoas - a
democracia. Naquele tempo, a Grécia não formava um Estado único. Cada cidade grega era
um pequeno Estado, denominada Cidade-Estado. No início, as Cidades-Estado, assim como
os outros Estados do mundo, eram monarquias, ou seja, possuíam um rei. Algumas
substituíram o rei por um grupo de cidadãos de prestígio. Esse regime é conhecido como
oligarquia. Em Atenas foi colocado em prática um sistema diferente: decidiu-se que o povo
devia governar-se a si próprio. Esse modelo foi chamado “democracia”, que é resultado da
união de duas palavras: demos (povo), e kratos (poder). De acordo com os historiadores, na
Antigüidade, nenhuma outra Cidade-Estado grega, nenhum outro Estado do mundo, ousou a
utilizar a democracia. Mas a idéia de que o povo podia e devia governar-se não morreu. Foi
criação dos atenienses, ficou suspensa por séculos e depois foi considerada pela maioria das
pessoas, como a melhor, a mais justa e a mais digna forma de organização de um Estado17.
13 DUVERGER, Maurice. Partidos Políticos. Rio de Janeiro: Zahar, 1970, p. 387. 14 A democracia está em toda parte. [...] Contudo, a democracia não existe em parte alguma. Por detrás das constituições e das leis, ou mesmo nas constituições e nas leis, a realidade se entremostra: em parte alguma, nem ao norte, nem ao sul, nem a leste, nem a oeste, o povo se governa. Sempre o povo é governado (FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. A democracia possível. São Paulo: Saraiva, 1974, p.1). 15 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. A democracia no limiar do século XXI. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 217. 16 Ibid., p. 1. 17 Hoje pode-se compreender que a democracia ateniense era imperfeita porque excluía do poder as mulheres, os escravos, os estrangeiros e os homens menores de 30 anos. Entretanto, é preciso considerar
18
Os cidadãos, reunidos em assembléia, podiam usar da palavra, fazer propostas,
inclusive propor leis. E as decisões eram tomadas por maioria de votos dos presentes. Através
do voto, escolhiam-se não só os governantes, mas também se decidiam questões sociais, como
por exemplo, a guerra, a paz, as leis, os impostos, etc. O voto era por aclamação. Quem
conseguisse obter dos votantes um barulho maior, mais vibrante, era eleito. Como nos
programas de auditório, vencia o candidato a melhor cantor ou melhor cantora que recebesse
da platéia mais aplausos. Era, guardadas as devidas proporções, uma democracia direta18.
2.2. A democracia moderna
No século XVIII, as novas idéias produzidas pelo Iluminismo, a “filosofia das
luzes”, inspirou as revoluções liberais. Consagrava-se o princípio da igualdade de direitos19.
Por esse motivo, nos Estados onde havia o governo representativo com sufrágio censitário,
havia freqüentes e não raro agressivas manifestações em defesa do sufrágio universal. Assim,
na Inglaterra, e também na França, reduziram-se, paulatinamente as exigências para a
participação política. Implantou-se, com o tempo, o sufrágio universal (masculino, pois a
plena participação feminina ainda demorou). Nesse momento, essa forma de governo passou a
ser denominada “democracia representativa”. A partir da metade do século XIX, já se aceitava
como democracia o governo representativo, desde que aberto à participação de todos, ou da
maioria. Assim, em contraposição à democracia direta (a antiga), em que o povo se governaria
diretamente, tomando em assembléia as decisões fundamentais, reconhece-se um modelo
moderno, o único possível nas condições da época – a democracia representativa, em que o
povo se governaria indiretamente, por meio de representantes que elegeria. Essa democracia
indireta é a democracia moderna20 .
que esse sistema surgiu há 2.500 anos atrás e que o pensamento daquele tempo era muito diferente do de hoje (ALÇADA, Isabel; MAGALHÃES, Ana Maria, A longa história do poder. 2.ed. Lisboa: Assembléia da República, 2006, p. 17-19). 18 Uma vez aclamado, o feliz eleito corria ao templo para agradecer aos deuses. Era então coroado de flores e louros rumando depois ao templo seguido por uma claque ruidosa de moças e rapazes que entoavam hinos em seu louvor, mérito e triunfo. A jornada do candidato eleito, na democracia grega, não se encerrava no templo. O roteiro seguinte incluía obrigatoriamente as casas dos parentes e depois o salão dos banquetes públicos, onde tinha direito a comer até dois pratos (VIDIGAL, Edson de Carvalho et al. Direito Eleitoral contemporâneo: doutrina e jurisprudência. Coord. Sálvio de Figueiredo Teixeira. Belo Horizonte, Del Rey, 2003, p. 76 a 79). 19 “Os homens nascem e são livres e iguais em direitos”, proclamava, por exemplo, o art. 1º da Declaração dos Direitos do Homem e do cidadão, de 1789. 20 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. A democracia no limiar do século XXI. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 9 – 23.
19
Outras propostas de aperfeiçoamento da democracia representativa apresentaram
alguns meios de participação direta do povo na tomada de decisões, como por exemplo o
referendo, a iniciativa popular, o plebiscito e o veto popular. Com esses instrumentos,
formou-se então a democracia semidireta21.
2.3. A democracia contemporânea
Ao analisarmos a evolução da democracia e observando-a na Idade
Contemporânea, podemos destacar a importância das eleições, o surgimento da democracia
participativa22 e a perspectiva de uma possível democracia eletrônica no futuro. Assim, expõe
Manoel Gonçalves Ferreira Filho, em sua obra “A democracia no limiar do século XXI”: Numa visão empírica, a democracia contemporânea, ou poliarquia, consiste numa
forma de governo em que o povo participa decisivamente da escolha de seus governantes (eleição), todos os seus integrantes estando em pé de igualdade quanto ao peso de sua participação (voto) e à elegibilidade. É este o traço fundamental: o governo pelo povo (dentro do possível), ou seja, o governo por meio de representantes que o povo elege, a fim de servirem os seus interesses.23
Mas, para atingir a sua finalidade, ele adverte, a eleição deve ser livre – one man,
one vote24 -, implicando assim, na honestidade da tomada dos votos e na sua apuração. Isso
requer ampla informação, liberdade de propaganda e defesa de idéias, o que reclama partidos,
e, por outro lado, o gozo por todos das liberdades, dos direitos fundamentais. Soma-se a isso
tudo uma condição técnica, um sistema eleitoral adequado.
Por último, o que no passado poderia ser considerado ficção científica, já não é
mais: a possibilidade de uma democracia direta eletrônica. O voto poderia ser conferido por
telefone, como nos programas de televisão, ou pela Internet. Essa é uma idéia que possui seus
defensores e críticos (que argumentam sobre a sua impossibilidade e insegurança). De
21 É preciso ter presente que instrumentos como o referendo ou plebiscito (que não raro são confundidos) podem desservir à democracia. Ou melhor, podem servir para que o detentor do poder (que é o mais das vezes quem pode convocá-los) deles use para implantar em seu favor, com o aparente consentimento popular, um regime autoritário. Isto se viu com os Bonapartes, Napoleão e seu sobrinho Luís Napoleão (Napoleão III), que deles se serviram para implantar os seus Impérios (FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. A democracia no limiar do século XXI. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 23). 22 Em relação à democracia participativa, o que a diferencia da democracia semidireta é na verdade, o acréscimo, a insistência de que os interessados numa decisão sejam ouvidos pelos órgãos encarregados de tomá-la. Usa-se para isso dos inquéritos, das audiências públicas, da inquirição de experts, o que pode influir na deliberação, mas de modo algum mudam o fato de que esta é adotada por outros que não os interessados, ou o povo (Ibid., p. 33-34). 23 Ibid., p. 24 – 36. 24 Um homem, um voto.
20
qualquer forma, medidas que visem ao aprimoramento da democracia não eliminam a
necessidade da representação política25.
3. Representação Política
3.1. Conceito
Nos dias de hoje, é cada vez mais comum o uso da representação. Assim, temos,
por exemplo, os atores que “representam” os seus personagens; os “representantes de sala”
nas escolas, e o Papa, que, pela religião católica, é o “representante de Deus” na Terra.
Nas sociedades primitivas, as pessoas reuniam-se para resolver os problemas da
comunidade. Juntos, tomavam decisões que afetavam a todos. A sociedade cresceu, se
modernizou, e ficou impossível juntar todo mundo num lugar só. Surgiu então a necessidade
de escolher, entre as pessoas de um grupo, aquelas que iriam representá-las na hora da tomada
de decisões.
No Dicionário de Política de BOBBIO, MATTEUCCI e PACCINO26, encontra-se
o seguinte conceito de representação por Maurizio Cotta: Substituir; agir no lugar de ou em
nome de alguém ou alguma coisa, personificar.
Para SOUSA27, os homens têm o direito de comunicar-se com o poder, tornar
conhecidos e respeitados os seus interesses, e, no bom sentido da palavra, os seus privilégios.
Os representantes devem reproduzir a imagem28 da sociedade, fazendo da representação um
espelho dessa realidade. A representação configura-se como um processo de conexão entre a
sociedade e o poder, permitindo a este conhecer o estado real daquela, e oferecendo à
sociedade um instrumento para acautelar-se dos desmandos dos governantes.
25 A democracia representativa tornou-se uma realidade efetiva e, por ora, insuperável. As decisões são tomadas pelo demos, porém, por intermédio de seus representantes reunidos nos Parlamentos (CAGGIANO, Monica Herman Salem. Direito parlamentar e direito eleitoral. Barueri: Manole, 2004, p. 2). 26 Dicionário de política. Tradução Carmen C. Varrialle, Caetano Lo Monaco, J. Ferreira, Luiz G. Pinto Caçais e Renzo Dini. 2.ed. Brasília: UNB, 1986, p. 1102. 27 SOUSA, José Pedro Galvão. Da representação política. São Paulo: Saraiva, 1971. 28 Nesse mesmo sentido, John Adams, in: Letter to John Penn, apud KINZO, Maria D’Alva Gil. Representação política e sistema eleitoral no Brasil. São Paulo: Símbolo, 1980, p.28: [...] uma legislatura representativa, “deveria ser um retrato exato, em miniatura, do povo em geral, de modo que ela deveria pensar, sentir, raciocinar e agir como ele”.
21
Hanna Fenichel Pitkin, em “The concept of representation”29, assinala as origens
do termo representação: In the Middle Ages the word is extended in the literature of Christianity to a kind of mystical embodiment, “applied to the Christian community in its most incorporeal aspects”. But its real expansion begins in the thirteenth and early fourteenth centuries, when the Pope and the cardinals are often said to represent the persons of Christ and the Apostles. [...] At the same time, medieval jurists begin to use the term for the personification of collective life. A community, although not a human being, is to be regarded as a person - persona repraesentata, repraesentat unam personam, unium personae repraesentat vicem30.
O conceito de representação tem sido utilizado em diversos significados31. É
preciso não esquecer que uma longa tradição de pensamento político, que inclui Thomas
Hobbes, viu no soberano absoluto “o representante do país”, entendendo por tal aquele que,
tendo recebido um país em confiança, é o responsável e curador de seus interesses.
Substancialmente se incluem na mesma concepção os modernos chefes carismáticos, os
ditadores, os partidos únicos que se proclamam representantes dos “verdadeiros” interesses
do povo.32
3.2. Técnicas de escolha de representantes
Muitas são as fórmulas criadas e conhecidas para a designação dos governantes,
como por exemplo a força, a hereditariedade, as crenças religiosas e o sorteio.33 A Sociologia
29 PITKIN, Hanna F. The concept of representation. Berkeley: University of California Press, 1972, p. 241-242. 30 “Na Idade Média, a palavra é extendida na literatura do cristianismo para um tipo de incorporação mística, aplicada para a comunidade cristã em seu aspecto mais imaterial. Mas sua real expansão começa no século XIII e início do século XIV, quando o Papa e os cardeais eram freqüentemente chamados de representantes das pessoas de Cristo e os apóstolos. [...] Ao mesmo tempo, juristas medievais começaram usar o termo para a personificação da vida coletiva. Uma comunidade, embora não seja um ser humano, é considerada como uma pessoa - persona repraesentata, repraesentat unam personam, unium personae repraesentat vicem (tradução nossa)”. 31 Em todas as línguas européias, o verbo representar e o substantivo representação se aplicam a um universo muito vasto e variado de experiências empíricas. É compreensível, portanto, dada a polivalência da palavra, que, tratando-se daquela representação específica que é a representação política, se evoque automaticamente uma multiplicidade de significados (BOBBIO, MATTEUCCI e PACCINO, Dicionário de política. Tradução Carmen C. Varrialle, Caetano Lo Monaco, J. Ferreira, Luiz G. Pinto Caçais e Renzo Dini. 2.ed. Brasília: UNB, 1986). 32 O Leviatã, de Thomas Hobbes assinala que a primeira lei natural do homem é a “autopreservação”, que o induz a impor-se sobre os demais, gerando a conhecida “guerra de todos contra todos”. Os homens podem executar suas ações por eles próprios ou autorizar alguém a fazê-las em seu nome. O estado de natureza e a luta permanente de uns contra outros gera a necessidade de um “pacto social” para possibilitar a convivência entre os homens. Assim, os homens criam o Estado e “autorizam” um entre eles a representá-los (HOBBES, Thomas. Leviatã. São Paulo: Martin Claret, 2005. passim). 33 O sufrágio, por sorte, diz Montesquieu, é próprio à democracia. Concordo; mas por quê? A sorte, continua ele, é um modo de eleger que não aflige ninguém, deixando a cada cidadão a razoável esperança de servir a Pátria (ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do Contrato Social. Tradução Pietro Nassetti. São Paulo: Martin Claret, 2005, p. 103).
22
da Política, de Maurice Duverger34, apresenta um estudo das técnicas de designação das
autoridades. Elas foram descobertas muito cedo e encontramos, quase todas, nas sociedades
arcaicas, sob processos e modalidades variadas, as quais passamos a analisar.
3.2.1. Hereditariedade
Nas sociedades mais modernas, um exemplo de hereditariedade pode ser
encontrado na sucessão de propriedade nas empresas capitalistas. No regime monárquico, a
transmissão do poder se dá de forma hereditária.
3.2.2. Conquista
Quando se fala de conquista do poder, quer-se dizer que o seu titular dele se
apodera pela força. O mugabe, soberano do território de Ankolé, na África, chega ao poder
depois de uma guerra civil ritual entre todos os filhos do mugabe falecido, que pode durar
vários meses: aquele que dela sai vencedor, depois de ter matado todos os irmãos, é
proclamado mugabe.
Outro exemplo é no Buganda, o kabaka designa o seu sucessor, entre os príncipes
da sua descendência, mas um príncipe não designado pode lançar um desafio a este e abre-se
uma batalha entre facções, cujo vencedor é proclamado kabaka.
3.2.3. Cooptação
A cooptação consiste no fato de o predecessor designar o seu sucessor (cooptação
individual) ou de os sobreviventes designarem o sucessor do membro falecido de um comitê
ou de uma assembléia (cooptação coletiva). A cooptação individual funcionou durante um
longo período do Império Romano, durante o qual o imperador designava o seu sucessor. Um
tipo intermediário de cooptação é apresentado pela designação do Papa, a qual é feita pelo
Sacro Colégio dos Cardeais, cujos membros foram designados, vitaliciamente, pelos papas
precedentes.
Karl Loewnstein, em obra específica sobre cooptação assinala que Quem faz parte desse procedimento acredita que a técnica de seleção que é realizada com a cooptação interna é muito funcional para o objetivo. Na realidade, está cheia de elementos de casualidade e arbitrariedade. Em termos de funcionalidade para o objetivo, pode ser superior à eleição popular, mas não oferece qualquer garantia de que só os mais capazes cheguem a posições elevadas. Clientelismo e nepotismo podem naturalmente se insinuar em cada procedimento
34 DUVERGER, Maurice. Sociologia da política. Elementos de ciência política. Coimbra: Almedina, 1983. passim.
23
de designação para um cargo; mas em todas as outras técnicas de investimento são mais fáceis de serem descobertas e eventualmente corrigidas do que na cooptação.35
3.2.4. Sorteio
Maurice Duverger vê a eleição e o sorteio terem em comum o processo
democrático e igualitário, ainda que se possa deformá-los, limitando-os a certas pessoas
selecionadas devido à sua riqueza ou ao seu prestígio. Se forem aplicados a todos os membros
de uma coletividade, dão a cada um a possibilidade de exercer o poder. O sorteio inicialmente
apresentou um caráter quase religioso: remetia-se para os deuses o cuidado de designar o mais
digno de exercer o poder. Mas havia o risco de designar-se um incapaz ou perigoso. A
eleição era para os gregos um instrumento aristocrático de escolha; o instrumento democrático
era o sorteio.
3.2.5. Eleição
No sistema moderno de designação das autoridades por eleição, faz-se legitimar
pelo voto dos cidadãos, ao mesmo tempo em que lhes tira a possibilidade de recusar a sua
aprovação. A eleição tornou-se o meio de designação de autoridades supremas mais
expandido hoje: consiste em fazer designar os titulares do poder pelo conjunto dos membros
da coletividade36.
Giovanni Sartori destaca a participação dos monges37 na formação das eleições:
condução do processo eleitoral, o voto secreto, a maioria simples versus a maioria qualificada,
tudo isso e mais um pouco foi virtualmente reinventado e transmitido a nós por eles.
35 La tecnica di selezione che si realizza con la cooptazione interna può apparire a coloro che prendono parte a questo procedimento del tutto funzionale allo scopo. In realtà è tutt’altro che priva di elementi di casualità e di arbitrarietà. In termini di funzionalità allo scopo può essere superiore all’elezione popolare, ma non offre alcuna garanzia che soltanto i più capaci giungano alle posizioni di vertice. Clientelismo e nepotismo possono naturalmente insinuarsi in ogni procedimento di designazione ad una carica; tuttavia in tutte le altre tecniche di investidura sono più facili da scoprire ed eventualmente da correggere che non nella cooptazione (LOEWENSTEIN. Karl. La cooptazione. Milano: Giuffrè Editore, 1990. p.282 - tradução nossa). 36 A eleição é a chave do regime, porque ela é o instrumento pelo qual se exprimem os desejos dos governados, pelo qual formulam estes a sua escolha quanto à atribuição do poder (FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. A democracia no limiar do século XXI. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 29). 37 Desde o século VIII, as ordens monásticas enfrentam o problema de escolher seus superiores. Como os monges não podiam recorrer ao princípio da hereditariedade, nem à força bruta, tiveram de descobrir uma forma de escolher seus “dirigentes”, através de eleições. Em conseqüência da experiência e dos experimentos realizados durante séculos, o constitucionalismo eleitoral das várias ordens religiosas alcançou um refinamento e uma complexidade insuperáveis. Apesar do fato das ordens religiosas gozarem de condições ótimas, os monges sabiam muito bem que nem eles eram anjos e, por isso, nunca deixaram de aperfeiçoar a forma de escolher os mais capazes e os mais adequados, a forma de garantir que uma maioria dos piores não suplantasse a minoria dos melhores (SARTORI, Giovanni. A teoria de democracia revisitada. Tradução de Dinah de Abreu Azevedo. Ática, 1994).
24
Para o autor italiano, o antigo regime desintegrou-se sobretudo porque o povo não
aceitava mais uma sociedade cujo princípio organizador era o privilégio herdado – privilégio
divorciado da capacidade e do mérito. Nosso mundo liberal-democrático nasceu da afirmação
do princípio de que o poder injusto dos que não foram eleitos – daqueles que exercem o poder
pelo direito de hereditariedade ou de conquista – fosse substituído pelo poder dos
“escolhidos”. Os homens queriam escolher quem devia governá-los e exigiam o direito de
substituir o mérito e a capacidade autoproclamados pela sua percepção do mérito e da
capacidade.38
Assim, as eleições foram ganhando espaço e preferência por ser um modelo que se
adapta melhor ao sistema representativo. Além disso, conforme expressado por CAGGIANO
promovem o “controle do governo” e conferem legitimidade aos eleitos, contribuindo ainda
para a formação da vontade comum e conscientização política. 39
3.3. John Locke e o Segundo Tratado sobre o Governo As idéias desenvolvidas por John Locke em seu Segundo Tratado sobre o Governo
sustentam que o estado de sociedade e, conseqüentemente, o poder político nascem de um
pacto entre os homens. Antes desse acordo, os homens viveriam em estado natural. Vivendo
em perfeita liberdade e igualdade no estado natural, o homem, contudo, estaria exposto a
certos inconvenientes. Como conseqüência, o gozo da propriedade e a conservação da vida,
liberdade e da igualdade ficariam ameaçados. Para evitar a concretização dessas ameaças, o
homem teria abandonado o estado natural e criado a sociedade política, através de um trato,
não entre governantes e governados, mas entre homens igualmente livres. O objetivo do pacto
seria a preservação da vida, da liberdade e da propriedade, bem como a repressão às violações
desses direitos naturais. De fato, no estado de natureza faltam muitas condições para tanto40.
38 SARTORI, Giovanni. A teoria de democracia revisitada. Tradução de Dinah de Abreu Azevedo. Ática, 1994. 39 CAGGIANO, Monica Herman Salem. Sistemas Eleitorais X Representação política. Brasília: Senado Federal, 1990, p. 74. 40 Primeiro, falta uma lei estabelecida, firmada, conhecida, recebida e aceita pelo consentimento comum, que defina o que é justo e injusto e a medida comum para resolver as controvérsias entre os homens; Em segundo lugar, falta um juiz equânime e indiferente com autoridade reconhecida para ajuizar sobre as controvérsias de acordo com a lei estabelecida; sabemos que, nesse estado, todo homem é juiz e executor da lei, e sendo os homens obviamente parciais, a paixão e a vingança podem levá-los a excessos nos casos em que estejam envolvidos, enquanto a negligência os torna por demais descuidados nos negócios dos outros. Em terceiro lugar, falta quase sempre o poder que sustente a justa sentença, garantindo-lhe a devida execução. Por isso, os homens, apesar dos privilégios do estado de natureza, nele permanecendo em condições precárias, são rapidamente induzidos a se associar (LOCKE, John. Segundo Tratado sobre o Governo. Trad. Alex Marins. São Paulo: Martin Claret, 2006, p. 92-93, cap IX).
25
Locke acredita que, através do pacto social, os homens não renunciam aos seus próprios
direitos naturais em favor do poder dos governantes41.
Para Dalmo Dallari, As afirmações de Locke representavam a sistematização teórica de fatos políticos que estavam transformando a Inglaterra em seu tempo, tais como a publicação da Declaração Inglesa de Direitos, de 1688, que proclamava os direitos e as liberdades dos súditos, e a aprovação do documento que se tornou conhecido como Bill of Rights, através do qual se fez a ratificação daquela declaração, além de se afirmar a supremacia do Parlamento.42
As idéias de Locke defendem a supremacia do Poder Legislativo. O poder dos
governantes seria outorgado pelos participantes do pacto social e, portanto, revogável. A
liberdade do indivíduo na sociedade não deve estar subordinada a qualquer poder legislativo
que não aquele estabelecido pelo consentimento na comunidade, nem sob o domínio de
qualquer vontade ou restrição de qualquer lei, a não ser aquele promulgado por tal legislativo
conforme o crédito que lhe foi confiado.43
A segurança e tranqüilidade na sociedade civil se concretizariam quando o poder
legislativo fosse posto nas mãos de grupos de homens: chamem-se estes “senado”, “parlamento”, ou o que se quiser. Assim, cada homem de destaque ficou sujeito, tanto quanto o mais modesto, às leis que ele próprio, como parte do legislativo, ajudara a estabelecer; nem podia qualquer um, pela autoridade própria, subtrair- se à força da lei uma vez promulgada, nem, em virtude de alguma pretensão de superioridade, pleitear isenção da lei, facultando com isso os próprios deslizes ou de qualquer dos seus apaniguados.44 Nas assembléias que têm poderes para agir mediante leis positivas, a decisão da
maioria considera-se como sendo de todos e, sem dúvida, decide, investida do poder de todos
pela lei da natureza e da razão. E assim, o indivíduo, concordando com outros em formar um
corpo político sob um governo, assume a obrigação para com os demais membros dessa
sociedade de submeter-se à resolução que a maioria decidir.45
Locke analisa as formas de governo de acordo com a atribuição do poder
legislativo (poder supremo): [...] leis destinadas à comunidade, leis estas executadas por funcionários por ela nomeados. Nesse caso, a forma de governo é uma perfeita democracia; pode também colocar o poder de legislar nas mãos de alguns homens escolhidos, seus
41 LOCKE, John. Segundo Tratado sobre o Governo. Trad. Alex Marins. São Paulo: Martin Claret, 2006, p. 19 - Introdução. 42 DALLARI, Dalmo de Abreu. Elementos da Teoria Geral do Estado. São Paulo: Saraiva, 1995, p. 126. 43 LOCKE, op.cit., p. 35, cap. IV. 44 Ibid., p. 74, cap.VII. 45 Ibid., p. 77, cap.VIII.
26
herdeiros e sucessores, e nesse caso teríamos uma oligarquia. O poder pode ser posto nas mãos de um único homem, e neste caso constitui-se uma monarquia; esta pode ser estendida aos herdeiros do soberano, e será hereditária; se for restrita apenas a ele durante sua vida, e à sua morte o poder for devolvido à comunidade, teremos uma monarquia eletiva. E assim, segundo tais modalidades, a comunidade pode determinar formas compostas ou mistas de governo, conforme achar conveniente. E se o poder legislativo tiver sido cedido pela maioria apenas a uma pessoa, para sempre, ou por um prazo limitado, para retornar depois às mãos dela – quando a comunidade o reassume, pode dispor dele novamente e colocá-lo nas mãos de quem quiser, constituindo até uma nova forma de governo. Como a forma de governo depende da condição do poder supremo, que é o legislativo – pois é inconcebível que o poder inferior prescreva ao superior, ou que outro poder que não supremo faça as leis -, o modo de se estabelecer o poder legislativo será a forma da comunidade.46 Embora o Legislativo, na visão de Locke, fosse o poder supremo, essa condição
não lhe permitia abusos, principalmente em relação à propriedade: [...] quem detém o poder não pode tirar de qualquer homem sua propriedade ou parte dela sem o seu consentimento; [...] cabe aos homens tal direito aos bens que lhes pertencem, que ninguém tem o direito de lhos tirar, em todo ou em parte, sem o seu consentimento; sem isso, não haveria nenhuma propriedade verdadeira, uma vez que outros tivessem o direito de tirá-la quando lhe aprouvesse, sem consentimento. Por isso, é errôneo supor que o poder legislativo ou supremo de uma comunidade possa fazer o que bem entenda e dispor arbitrariamente das propriedades dos cidadãos, ou tirar-lhes qualquer parte delas à vontade.
Locke assinala quatro atribuições do poder legislativo de qualquer comunidade,
em todas as formas de governo, que são: primeiro: governar por meio de leis estabelecidas e
promulgadas, que não poderão variar em certos casos, valendo a mesma regra para ricos e
pobres, para favoritos na corte ou camponeses no arado. Segundo: tais leis devem ter o único
fim do bem do povo, excluindo todos os demais. Terceiro: não devem lançar impostos sobre a
propriedade do povo sem o consentimento deste, dado diretamente ou através dos deputados
eleitos. E essa imposição se refere somente aos governos quando o legislativo é permanente
ou quando o povo não reservou nenhuma porção do poder legislativo para deputados a serem
por ele escolhidos de tempos em tempos. Quarto: o legislativo não deve nem pode transferir o
poder de legislar a quem quer que seja, ou fazer dele outra coisa que não o indicado pelo
povo47.
Cabia ainda ao povo, na análise de Locke, [...] o poder supremo para afastar ou modificar o legislativo, se constatar que age contra a intenção do encargo que lhe confiaram. [...] a comunidade sempre conserva o poder supremo de se salvaguardar contra os maus propósitos e atentados de quem quer que seja, até dos legisladores, quando se mostrarem levianos ou maldosos para tramar contra a liberdade e propriedades dos cidadãos.48 46 LOCKE, John. Segundo Tratado sobre o Governo. Trad. Alex Marins. São Paulo: Martin Claret, 2006, p.96, cap. X. 47 Ibid., p. 104-105, cap. XI. 48 Ibid., p. 109, cap. XIII.
27
Como conseqüência, nenhum governo pode exigir obediência a um povo que não a
consentiu livremente; e não é de supor que o façam até que gozem de inteira liberdade para
escolher governo e governantes, ou pelo menos até que tenham leis a que tenham dado
assentimento, por si mesmos ou por seus representantes. E até que lhe permitam a propriedade
devida, cuja posse seja tão clara e pacífica que ninguém os possa privar de qualquer parte sem
o seu consentimento e, se assim não for, sob qualquer governo, os homens não serão homens
livres, mas escravos diretos sob o poder da espada.49
Quando a sociedade depositou o poder legislativo numa assembléia de homens,
para que continue neles e em seus sucessores, com legislação e autoridade para indicar tais
sucessores, o legislativo não pode retornar ao povo enquanto durar o governo, porque criado
um legislativo com poder de perpetuidade, o povo entregou o poder político ao legislativo,
não podendo reassumi-lo. Contudo, se estabeleceu limites à duração do legislativo e tal poder
supremo em qualquer pessoa ou assembléia for temporário, ou então se vier a ser perdido
pelas faltas dos investidos da autoridade, volta à sociedade por ocasião da perda ou findo o
prazo combinado, ficando o povo com direito de agir como supremo, conservar o legislativo
em si mesmo, criar nova forma ou, na forma anterior, colocá-lo em novas mãos, conforme
achar mais conveniente.50
Por fim, Locke questiona quem julgará se o príncipe ou o legislativo agirem
contrariamente ao encargo recebido: [...] A isto respondo: O povo será o juiz; porque quem poderá julgar se o depositário da confiança ou o deputado age bem e consoante ao encargo a ele confiado senão aquele que o elege, e a quem cabe, por isso mesmo, o poder para afastá-lo quando não agir dentro do combinado? 51 3.4. Do Espírito das Leis de Montesquieu
Montesquieu destacou em sua obra Do Espírito das Leis, no capítulo Da
Constituição da Inglaterra, a conveniência da representação, argumentando que o povo não
era capaz de discutir os negócios públicos, sendo aptos para isso os representantes. Sendo
assim, o povo só deveria tomar parte no governo para escolhê-los. Isso era tudo o que poderia
fazer.
49 LOCKE, John. Segundo Tratado sobre o Governo. Trad. Alex Marins. São Paulo: Martin Claret, 2006, p. 132, cap. XVI. 50 Ibid., p. 163, cap. XIX. 51 Ibid., p. 162, cap. XIX.
28
Essa idéia defende que os homens em geral não têm a capacidade de debater e bem
analisar os problemas, suas causas e conseqüências, e encontrar boas soluções. Somente
alguns têm essa capacidade: a eles, como representantes de todos os outros, é que deve ser
dado o papel de elaborar a lei. Tais representantes, porém – e nisto está o ponto fundamental –
devem ser escolhidos pelos representados. Sim, porque se os representados não têm a
capacidade de bem decidir as questões concretas de governo, têm eles em compensação a
capacidade de identificar os mais capazes de exercer a função de seus representantes. O
representante, neste modelo, não é um porta-voz que transmite a vontade preexistente de uma
autoridade ou de um grupo, mas alguém que, mais sábio do que o grupo representado, fala por
ele. Montesquieu manifestou o seu pensamento nos seguintes termos: Uma vez que, em um Estado livre, todo homem que supõe possuir uma alma livre deve ser governado por si próprio, é necessário que o povo, em seu conjunto, exerça o poder legislativo; mas como isso é impossível nos grandes Estados, e nos Estados pequenos estaria sujeito a muitos inconvenientes, é preciso que o povo exerça pelos seus representantes tudo o que não pode exercer por si mesmo.52
E ainda:
A grande vantagem dos representantes é que estes são capazes de discutir as questões públicas. O povo não é, de modo algum, apto para isso, fato que constitui um dos grandes inconvenientes da democracia.53
No entendimento de Montesquieu, os representantes recebiam uma instrução geral
dos que os escolheram, não sendo necessário uma instrução particular sobre cada uma das
questões. É certo que, dessa maneira, a palavra do deputado expressaria melhor a voz da
nação; entretanto, isso acarretaria infinitas delongas, e tornaria cada deputado senhor de todos
os outros; e nas ocasiões mais prementes, toda a força da nação poderia ser anulada por um
capricho.54
Dizia Montesquieu, que o povo era excelente para escolher, mas péssimo para
governar. Precisava o povo, portanto, de representantes, que iriam decidir e querer em nome
do povo. Nesse sentido:
Havia um grande vício na maioria das antigas repúblicas: o povo tinha o direito de tomar resoluções ativas que requerem certa execução, coisa de que ele de modo algum é capaz. Ele só deve tomar parte no governo para escolher seus representantes, e isso é tudo o que pode fazer. Porque, se há poucos indivíduos que conhecem o grau preciso da capacidade dos homens, cada um será, porém, capaz de
52 MONTESQUIEU. Do espírito das leis. Tradução Jean Melville. São Paulo: Martin Claret, 2005, Livro XI, Capítulo VI, p. 168. 53 Ibid., Livro XI, Capítulo VI, p. 168. 54 Ibid., Livro XI, Capítulo VI, p. 168-169.
29
saber, em geral, se aquele a quem escolheu é mais esclarecido do que a maior parte dos outros.55 Também o corpo representativo não deveria ser escolhido para tomar qualquer
resolução ativa, coisa que ele não executaria bem, mas sim para criar leis ou examinar se
foram bem executadas aquelas que criou, tarefa que saberia desempenhar muito bem, e
ninguém mais é capaz de desempenhá-la melhor que ele.56
Quanto à participação dos nobres no Poder Legislativo, Montesquieu adverte que
sempre há, em um Estado, indivíduos que se distinguem pelo nascimento, pelas riquezas, ou
pelas honras; mas se eles se confundissem com o povo e só tivessem direito a um voto, como
os outros, a liberdade comum seria sua própria escravidão, e eles não teriam nenhum interesse
em defendê-la, já que a maioria das resoluções seria contrária a eles. A participação deles na
legislação, portanto, deveria ser proporcional às outras vantagens que possuem no Estado; e é
o que ocorrerá se eles formarem um corpo que tenha o direito de impedir os empreendimentos
do povo, tal como o povo tem o direito de impedir o deles. Dessa maneira, o poder legislativo
seria confiado tanto ao corpo dos nobres quanto ao corpo que for escolhido para representar o
povo, cada qual com suas assembléias e deliberações à parte, e objetivos e interesses
separados. O corpo dos nobres deveria ser hereditário. Entretanto, como um poder hereditário
poderia ser induzido a seguir seus interesses particulares e a esquecer os do povo, é preciso
que nas coisas em que há um supremo interesse em corromper, como nas leis concernentes à
arrecadação de dinheiro, ele só tome parte na legislação por sua faculdade de impedir, e não
por sua faculdade de estatuir.57
Já em relação ao Poder Executivo, aos olhos de Montesquieu, este deve
permanecer nas mãos de um monarca, porque essa parte do governo, é mais bem administrada
por um só do que por vários; enquanto o que depende do Poder Legislativo é, não raro, mais
bem ordenada por muitos do que por um só. Se não houvesse monarca, e se o poder executivo
fosse conferido a um certo número de pessoas tiradas do corpo legislativo, não haveria mais
55 MONTESQUIEU. Do espírito das leis. Tradução Jean Melville. São Paulo: Martin Claret, 2005, Livro XI, Capítulo VI, p. 169. 56 Ibid., Livro XI, Capítulo VI, p. 169. 57 Montesquieu chama faculdade de estatuir o direito de ordenar por si próprio ou de corrigir o que foi ordenado por outro. E chama faculdade de impedir o direito de anular uma resolução tomada por qualquer outro. E não obstante aquele que tem a faculdade de impedir possa ter também o direito de aprovar, essa aprovação será nada mais que uma declaração de que ele não usará sua faculdade de impedir e, portanto, a faculdade de aprovar decorre da de impedir (Ibid., Livro XI, Capítulo VI, p. 169-170).
30
liberdade, pois os dois poderes ficariam unidos, neles tomando parte, às vezes ou sempre, as
mesmas pessoas.58
Montesquieu ainda assinala que, se o corpo legislativo ficasse sem se reunir por
um longo período, não haveria mais liberdade, pois ocorreria uma de duas coisas: ou não
haveria mais resolução legislativa e o Estado cairia na anarquia, ou essas resoluções seriam
tomadas pelo Poder Executivo, e ele tornar-se-ia absoluto.59
Por último, destaca-se a questão da temporariedade do mandato e a opinião do
povo sobre o Legislativo, expressa nesses termos por Montesquieu: Quando diversos corpos legislativos se sucedem mutuamente, o povo que tiver má opinião do corpo legislativo em exercício, transferirá, e com razão, as suas esperanças para o que virá depois. Entretanto, se permanecesse sempre o mesmo corpo, o povo, vendo-o uma vez corrompido, nada mais esperaria de suas leis; ficaria furioso ou cairia na indolência.
3.5. A crítica da representação no Contrato Social de Rousseau
Uma leitura do Contrato Social de Rousseau nos permite compreender o seu
pensamento em relação ao sistema representativo. Todos nascem livres e iguais e, para que
todos continuem assim, é necessário que ninguém esteja sujeito a outro, mas que todos
estejam subordinados, apenas e tão-somente a todos. A associação dos homens resultará que
cada um, ao se unir a todos, só obedecerá a si próprio, e permanecerão dessa forma tão livres
como antes. Todo homem só se subordinaria ao povo e nunca a um homem em particular.
Não seria governado por um ou por alguns homens, mas pela vontade impessoal do todo, de
que faz parte e em cujas deliberações intervém.60
Com liberdade e igualdade de direitos, os homens não iriam associar-se para viver
em condições piores do que viveriam em estado de natureza. Desse modo, não haveria
associações que pudessem gerar perda de liberdade ou dos direitos naturais. Só o fariam para,
sem perder nada, ganhar a força produzida pela associação. Isto é o objeto do pacto social.
Cada indivíduo se coloca sob a direção suprema da vontade geral. Todos se associam,
sujeitando-se – todos, à vontade geral. Nesse modelo rousseauniano, não haveria diferença 58 MONTESQUIEU. Do espírito das leis. Tradução Jean Melville. São Paulo: Martin Claret, 2005, Livro XI, Capítulo VI, p. 170. 59 Ibid., Livro XI, Capítulo VI, p. 170. 60 Os homens teriam vantagem em se associar para atividades de interesse comum. A sociedade, todavia, tal como se implantou, especialmente em razão da propriedade, gerou as desigualdades e, numa palavra, o perverteu. Famoso é o texto: “O primeiro que, tendo cercado um terreno, cuidou de dizer: isto é meu, e encontrou gente bastante simplória para crer nisso, foi o verdadeiro fundador da sociedade civil. E aí está a raiz de crimes, guerras, assassínios, misérias, horrores, dos males sociais, enfim (ROUSSEAU, Jean-Jacques. Discurso sobre a origem da desigualdade entre os homens, Martins Fontes: São Paulo, 1999, p. 203).
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entre governante(s) e governado(s). Todos são, ao mesmo tempo, governantes (não se
subordinam a ninguém, ou seja, continuam livres) e governados. Mas, cada um deveria
sujeitar-se a uma vontade impessoal – conseqüente da participação de todos, a vontade geral,
que é expressa pela lei.
Rousseau não admitia outro modo de expressão da vontade que não fosse da
deliberação direta de todos os cidadãos e não aceitava de modo algum a idéia de que a
vontade pudesse ser representada, como podemos observar nessas passagens de sua obra: O poder se pode transmitir, não a vontade. O soberano pode bem dizer: eu quero agora o que quer este homem, contudo não pode dizer: o que este homem quererá amanhã, eu o quererei ainda.61 Se houvesse um povo de deuses, esse povo se governaria democraticamente. Um governo tão perfeito não convém a seres humanos.62
A soberania não pode ser representada pela mesma razão que não pode ser alienada; consiste ela essencialmente na vontade geral e a vontade não se representa: ou é ela mesma ou algo diferente; não há meio termo. Os deputados do povo não são nem podem ser seus representantes, eles não são senão comissários; nada podem concluir em definitivo. Toda lei que o povo não haja pessoalmente ratificado é nula; não é lei. O povo inglês cuida que é livre, mas se engana bastante, pois unicamente o é quando elege os membros do Parlamento: tanto que os elege, é escravo, não é nada.63
A idéia de representantes, assinala Rousseau, é moderna. Nas antigas repúblicas, e
até nas monarquias, o povo não tinha representantes; tal palavra era desconhecida. No
momento em que um povo estabelece representantes, deixa de existir, já não é mais livre. Mas
Rousseau compreendia a impossibilidade de reunir todos os cidadãos para deliberação. Diante
disso, ele advertia que esse sistema democrático ideal somente conviria a Estados pequenos.
Portanto, um pressuposto para o funcionamento desse modelo era que os Estados se
fracionassem, formando Estados menores, com pequena população e território, como algumas
regiões de sua terra, a Suiça.
3.6. Sieyés e o Terceiro Estado (Qu’est-ce que le Tiers État)
Para Emmanuel Joseph Sieyès, a representação política tem como ponto de partida
a teoria da soberania nacional e a soberania nacional conduz ao governo representativo. É que
a soberania reside indivisivelmente na Nação, não podendo qualquer indivíduo ou grupo de
61 ROUSSEAU, Jean-Jacques. Do Contrato Social. Tradução Pietro Nassetti. São Paulo: Martin Claret, 2005, Livro II, Capítulo I, p. 39. 62 Ibid., Livro III, Capítulo IV, p. 72. 63 Ibid., Livro III, Capítulo XV, p. 91-92.
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indivíduos invocar, por direito próprio, o exercício da soberania nacional. Mas a Nação, a
quem era atribuída a origem do poder, só poderia exercê-lo delegando-o a seus representantes.
A partir desse raciocínio, desenvolve-se a teoria do governo representativo, no qual o povo
governa através dos seus representantes eleitos, isto por oposição quer ao regime autoritário
ou despótico quer ao governo direto, baseado na identidade entre governantes e governados.
É preciso entender como Terceiro Estado o conjunto dos cidadãos que pertencem à
ordem comum. Tudo o que é privilegiado pela lei, de qualquer forma, sai da ordem comum,
constitui uma exceção à lei comum e, conseqüentemente, não pertence ao Terceiro Estado. O
Terceiro Estado abrange, pois, tudo o que pertence à Nação. E tudo o que não é Terceiro
Estado não pode ser olhado como pertencente à Nação. Quem é o Terceiro Estado? Tudo. É
completamente impossível que o corpo da Nação, ou mesmo alguma ordem em particular,
venha a se tornar livre, se o Terceiro Estado não é livre. Não somos livres por privilégios, mas
por direitos, direitos que pertencem a todos os cidadãos. A partir do instante em que um
cidadão adquire privilégios contrários ao direito comum, já não faz mais parte da ordem
comum64. Seu novo interesse se opõe ao interesse geral. Ele não pode votar pelo povo. Todo
privilégio se opõe ao direito comum. Portanto, todos os privilegiados, sem distinção, formam
uma classe diferente e oposta ao Terceiro Estado. O povo quer ser alguma coisa e, na
verdade, muito pouco. Quer ter verdadeiros representantes nos Estados Gerais, ou seja,
deputados oriundos de sua ordem, hábeis em interpretar sua vontade e defender seus
interesses65.
Na visão de Sieyès, os abusos na França favoreciam alguém. Não era ao Terceiro
Estado que eles traziam vantagens, mas é a ele sobretudo que prejudicavam. As leis, que, pelo
menos, deveriam estar livres de parcialidade, também se mostravam cúmplices dos
privilegiados. Para quem pareciam ter sido feitas? Para os privilegiados. Contra quem? Contra
o povo. Em toda nação livre – e toda nação deve ser livre, adverte Sieyès, só há uma forma de
acabar com as diferenças, que se produzem com respeito à Constituição. Não é aos notáveis
que se deve recorrer, é a própria Nação. Se for preciso uma constituição, deve-se fazê-la. Só a
Nação tem direito de fazê-la. Desse modo, se se quiser reunir, na França, as três ordens numa 64 Para pertencer realmente ao Terceiro Estado, era necessário não possuir nenhuma espécie de privilégio. Os privilegiados são para o grande corpo dos cidadãos o que as exceções são para a lei. Toda sociedade deve ser regulada por leis e submetida a uma ordem comum (SIEYÈS. Emmanuel Joseph. A Constituinte Burguesa (Qu’est-ce que le Tiers État?) 4.ed. Tradução Norma Azevedo. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2001, p. 16). 65 Sieyès apresenta três petições do Terceiro Estado: 1) Que os representantes do Terceiro Estado sejam escolhidos apenas entre os cidadãos que realmente pertençam ao Terceiro Estado; 2) Que seus deputados sejam em número igual ao da nobreza e do clero; 3) Que os Estados Gerais votem não por ordens mas por cabeças (Ibid., p. 16-27).
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só, deve-se começar pela abolição de qualquer privilégio66. É preciso que nobres e sacerdotes
tenham como interesse somente o interesse comum, e que só gozem, por força da lei, dos
direitos de simples cidadãos. Sem isso, não adianta reunir as três ordens sob a mesma
denominação. Elas continuarão a ser três matérias heterogêneas impossíveis de se misturar.
O corpo dos representantes, a quem está confiado o poder legislativo ou o
exercício da vontade comum, só existe na forma que a Nação quiser lhe dar. A Nação existe
antes de tudo, ela é a origem de tudo. Sua vontade é sempre legal, é a própria lei. Antes dela e
acima dela só existe o direito natural. Por fim, o pensamento de Sieyès defende que uma
Nação é independente de qualquer formalização positiva, basta que sua vontade apareça para
que todo direito político cesse, como se estivesse diante da fonte e do mestre supremo de todo
direito positivo.
3.7. A doutrina dos mandatos
A doutrina dos mandatos nos traz duas teorias: a identidade e a duplicidade. Pela
teoria da duplicidade, o representante é tomado politicamente por nova pessoa, portadora de
uma vontade distinta do representado, e com iniciativa, reflexão e criação. É o representante
senhor absoluto de sua capacidade decisória – para o bem comum. Dessa concepção, extrai-se
a total independência do representante67.
Por outro lado, a regra da identidade retira a vontade autônoma do
representante, subordinando-o à vontade dos governados, criando, assim, uma espécie de
“fidelidade” ao mandante. Consiste, em sua essência, no estabelecimento da máxima
harmonia entre a vontade dos governantes e a dos governados. Assim, a soberania popular,
tanto na titularidade como no exercício, se torna uma peça única, sem contradições e oposição
entre os que mandam e os que são mandados. “É a vontade deste que ele em primeiro lugar se
acha no dever de reproduzir, como se fora fita magnética ou simples folha de papel
carbono”.68
66 Para Sieyès, privilegiado era todo homem que sai do direito comum, porque não pretende estar completamente submetido à lei comum, ou porque pretende direitos exclusivos. Uma classe privilegiada é prejudicial, não só pelo espírito de corpo, mas por sua própria existência. Quanto mais ela obtém favores necessariamente contrários à liberdade comum, mais importante se toma afastá-la da Assembléia Nacional (SIEYÈS. Emmanuel Joseph. A Constituinte Burguesa (Qu’est-ce que le Tiers État?) 4.ed. Tradução Norma Azevedo. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2001, p.73). 67 Um exemplo é a Constituição de Weimar, de 1919, artigo 21, quando afirmava que “os deputados são os representantes de todo o povo”: “Os deputados são os representantes de todo o povo, não obedecem senão a sua consciência e não se acham presos a nenhum mandato (art. 21)”. 68 BONAVIDES, Paulo. Ciência Política. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 215.
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3.7.1. O mandato livre
A idéia principal do mandato livre (representativo) é a independência do
representante em relação ao eleitor. Deste último, bastava ao representante trazer uma
orientação geral, no entendimento de Montesquieu.
A teoria do mandato representativo requer a adoção da doutrina da soberania
nacional. O comportamento político do representante, seus atos, seus votos, sua vontade são
imputáveis à nação soberana. Presume-se rigorosa conformidade ou coincidência da vontade
representativa com a vontade nacional, de modo que o pensamento dos representantes será o
legítimo pensamento da nação. A nação se exprime portanto, através dos representantes,
invioláveis no exercício de suas prerrogativas soberanas como legisladores que são; titulares
de um mandato que não fica preso às limitações ou dependência de nenhum colégio eleitoral
particular ou circunscrição territorial. São traços característicos do mandato representativo: a
generalidade, a liberdade, a irrevogabilidade, a independência69.
Edmund Burke, no seu célebre discurso aos eleitores de Bristol, desenvolveu o
seguinte argumento em favor do mandato livre: Meu importante colega afirma que a sua vontade deve ser subserviente à de vocês. Se todo o problema fosse este, a coisa seria fácil. Se o governo fosse uma questão de vontade de cada lado, a sua sem dúvida deveria ser superior. Mas governo e legislação são assuntos de inteligência e escolha, e não de inclinação; e que tipo de razão é esta na qual a decisão antecede a discussão, na qual um conjunto de homens delibera e outros decidem, e aonde aqueles que chegam a uma conclusão estão, talvez, a 300 milhas de distância daqueles que ouvem as opiniões? Dar uma opinião é um direito de todos os homens; a dos constituintes é uma opinião de peso e respeitável, que deve ser sempre ouvida com satisfação pelo representante e que se deve considerar seriamente. Mas instruções autorizadas, mandatos emitidos, pelos quais os membros são obrigados a obedecer, cega e implicitamente, a votar, a defender, ainda que contrários à mais evidente convicção do seu julgamento e consciência, essas são coisas inteiramente desconhecidas pelas leis desta terra e que surgem de um erro fundamental de toda a ordem e sentido de nossa Constituição. O Parlamento não é um congresso de embaixadores de interesses hostis e diferentes, que devem manter-se como agente e advogado contra outros agentes e advogados: o Parlamento é uma assembléia deliberativa de uma Nação, com um interesse,
69 Por generalidade, entende-se que o mandatário não representava o território, a população, o eleitorado ou o partido político, no seu todo ou de forma fracionária. Ele representava a própria Nação em seu conjunto.
Quanto à liberdade, reconhecido como titular da vontade nacional soberana, o representante exerce o mandato com inteira autonomia de vontade, não podendo ser coagido nem ficar sujeito a qualquer pressão externa, capaz de atrapalhar ou impedir a sua livre ação.
O princípio da irrevogabilidade permite o representante exprimir-se livremente, sem o receio de que os eleitores possam destituí-lo de seu mandato.
A independência permite que os atos do mandatário se achem a salvo de qualquer ratificação por parte do mandante, presumindo-se que a vontade representativa seja a mesma vontade nacional (doutrina jurídica da representação política dominante em fins do século XVIII), a vontade popular ou a vontade do colégio eleitoral, conforme a linha de desenvolvimento histórico com que se veio gradativamente atenuado o rigor e a generalidade mesma do princípio representativo (BONAVIDES, Paulo. Ciência Política. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 260-262).
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aquele do todo – onde os objetivos locais não devem servir de guia, mas o bem geral, resultante da razão geral do todo. Vocês de fato escolhem um membro; mas quando vocês escolheram, ele não é um membro de Bristol, mas é um membro do Parlamento”.70
3.7.2. O mandato imperativo
O mandato imperativo sujeita os atos do mandatário à vontade do mandante. Pelo
mandato imperativo, o representante contrai a obrigação de sempre atuar em conformidade
com a vontade do mandante, subordinado às suas instruções. Nos governos de democracia
semidireta, assinala BONAVIDES71 é possível sustentar que o mandato se faz imperativo, não
somente por exigências morais ou políticas, que atuam de forma poderosa sobre o ânimo do
representante, obrigando-o a considerar sempre a posição, os interesses, as convicções e os
compromissos eleitorais partidários. Há que se falar ainda na determinação jurídica, como a
que decorre da regra constitucional que prescreve a revogação do mandato em certos casos,
como por exemplo, nos Estados Unidos e na Suiça, mediante o Recall72 e o
Abberufungsrecht73, respectivamente. Onde existe o direito de revogação, a democracia
70 BASTOS, Celso Ribeiro; Martins, Ives Gandra. Comentários à Constituição do Brasil. v.4. t.1. 3.ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 18. 71 BONAVIDES, Paulo. Ciência Política. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 264. 72 Com o recall, revoga-se o mandato do representante, antes de expirar o prazo legal de seus poderes, desde que determinada parcela de eleitores tomasse iniciativa a esse respeito, daí resultando eventualmente a cessação ou a renovação do mandato que se questionou.
O recall é forma de revogação individual. Capacita o eleitorado a destituir funcionários, cujo comportamento, por qualquer motivo, não lhe esteja agradando. Determinado número de cidadãos, em geral a décima parte do corpo de eleitores, formula, em petição assinada, acusações contra o deputado ou magistrado que decaiu da confiança popular, pedindo sua substituição no lugar que ocupa, ou intimidando-o a que se demita do exercício de seu mandato. Decorrido certo prazo, sem que haja a demissão requerida, faz-se votação, à qual, aliás, pode concorrer, ao lado de novos candidatos, a mesma pessoa objeto do procedimento popular. Aprovada a petição, o magistrado ou funcionário tem o seu mandado revogado. Rejeitada, considera-se eleito para novo período. Doze Estados-membros da União americana aplicam o recall, que tem mais voga na esfera municipal do que na estadual. Cerca de mil municípios americanos o adotam. A instituição inexiste no plano federal. Na órbita estadual, conforme assinala Duverger, são modestos os seus resultados: um único governador, o de Oregon, em 1821, caiu pelo recall, justamente naquele Estado que Lowell batizou como o maior dos laboratórios da experiência popular. As constituições do Oregon e da Califórnia contém disposições que estendem até mesmo aos juízes a aplicação do recall. Em vários Estados da União americana emprega-se esse princípio de revogação, que é dos mais controversos com respeito aos membros do poder judiciário (Ibid., p. 292). Implica, de fato, numa função censora cometida aos eleitores, vinculando profundamente os governantes ao corpo eleitoral, impondo-lhes o respeito à opinião pública através da ameaça psicológica permanente de sua destituição (CAGGIANO, Monica Herman Salem. Sistemas Eleitorais X Representação política. Brasília: Senado Federal, 1990, p. 30). 73 Com o Abberufungsrecht, que a natureza do mandato representativo igualmente repele, chegar-se-ia ao mesmo resultado, ocorrendo desta feita não a revogação individual, mas a revogação coletiva. Extinto ou renovado ficaria o mandato de uma assembléia e não somente o de um representante mediante a aplicação deste instituto
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representativa, transformada em democracia semidireta, já admite juridicamente o mandato
imperativo. Nos demais sistemas democráticos, repousa em solo político e moral, a um passo
de sua institucionalização jurídica.74
3.7.3. O mandato partidário
Paulo Bonavides, após examinar diversos conceitos de partido político, assim o
define: O partido político, a nosso ver, é uma organização de pessoas que inspiradas por idéias ou movidas por interesses, buscam tomar o poder, normalmente pelo emprego de meios legais, e nele conservar-se para realização dos fins propugnados. Das definições expostas, deduz-se sumariamente que vários dados entram de maneira indispensável na composição dos ordenamentos partidários: a) um grupo social; b) um princípio de organização; c) um acervo de idéias e princípios, que inspiram a ação do partido; d) um interesse básico em vista: a tomada do poder; e e) um sentimento de conservação desse mesmo poder ou domínio do aparelho governativo quando este lhe chega às mãos.75 O crescimento do partido político, bem como sua importância pública,
acompanham o crescimento da democracia e suas instituições. A história dos partidos
políticos nos revela que, de início, eles foram reprimidos, hostilizados e desprezados, tanto na
doutrina como na prática das instituições. Não havia lugar para o partido político na
democracia. Hoje, entende-se precisamente o contrário: a democracia é impossível sem os
partidos políticos.76
O comportamento de alguns parlamentares que estariam mais preocupados com
interesses pessoais, passaram a demonstrar algumas deficiências no sistema representativo,
exigindo a busca de modos de aperfeiçoamento do mesmo. A necessidade principal era
aumentar o grau de democracia no sistema. Surge, assim, um modelo que, em teoria, adverte
FERREIRA FILHO77 ampliaria a influência dos eleitores sobre o governo. Esse novo modelo
proporcionaria, além da escolha dos governantes, a orientação política a ser praticada. Trata- do regime representativo semidireto. O Abberufungsrecht é a forma de revogação coletiva. Aqui não se trata, como no Recall, de cassar o mandato de um indivíduo, mas o de toda uma assembléia. Requerida a dissolução, por determinada parcela do corpo eleitoral, a assembléia só terá findado seu mandato após votação da qual resulte patente pela participação de apreciável percentagem constitucional de eleitores que o corpo legislativo decaiu realmente da confiança popular. Sete cantões na Suiça e um semicantão desse mesmo país admitem em suas instituições o Abberufungsrecht (BONAVIDES, Paulo. Ciência Política. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 293-294). 74 Ibid., p. 264. 75 Ibid., p. 346. 76 Ibid, p. 350. 77 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. A democracia no limiar do século XXI. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 21.
37
se da democracia criada em volta dos partidos, baseada em programas de governo
(realizáveis). Os militantes e candidatos do partido, uma vez eleitos, colocariam em prática o
programa de governo. A disputa eleitoral passa a se dar entre partidos. Os eleitores
manifestam a sua preferência, em primeiro lugar, à um programa/partido. Secundariamente,
escolhiam-se os governantes. Teoricamente, o povo estaria governando porque elegeria os
representantes e junto com eles a orientação e política de governo. Os partidos tornam-se
elementos indispensáveis à democracia.
Constituiu-se, então, o modelo da democracia partidária. É neste o partido político
a peça essencial. Os verdadeiros candidatos passam a ser os partidos com seus programas e
não os indivíduos que postulam os cargos eletivos. Resulta desse modelo o chamado mandato
partidário. Como os partidos disputam o poder para a realização de uma política geral, os seus
eleitos o foram por essa causa política, para servi-la. Desse modo, os mandatos pertencem ao
partido e seus titulares devem obedecer à disciplina deste, sob pena de serem destituídos e
substituídos. É a fidelidade partidária78.
O mandato partidário pode, a princípio, apresentar-se como uma boa alternativa,
uma vantagem e até mesmo um aperfeiçoamento79 do modelo anterior. Mas Manoel
78 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 29.ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 91-92. A experiência mostra que os programas partidários são sempre vagos, genéricos, girando em torno de pontos de aceitação comum, como justiça, liberdade, igualdade, sem jamais descer a concretizações que precisem o que efetivamente farão se alcançarem o poder. A razão disso é simples. Não é a malícia dos partidos, mas a elementar necessidade de somar votos. Ora, para tanto, cumpre não desagradar: as generalidades agradam, ou pelo menos não desagradam, as concretizações ferem interesses, conseqüentemente provocam desagrado em certos grupos que assim se afastariam do partido. Surgem alguns aspectos complexos: por exemplo, a necessidade do eleito manter uma fidelidade ao partido, com a possibilidade de perder a sua posição se abandonar o partido pelo qual se elegeu, ou descumprir as diretrizes programáticas por este adotadas. Esse sistema de democracia pelos partidos, para obter êxito presume um bipartidarismo que dificilmente ocorre. Quando existem apenas dois partidos, o governo ficará sob a responsabilidade de um deles, que poderá executar totalmente a sua proposta programática. Por outro lado, onde há multipartidarismo, o governo sempre sofrerá a influência de vários partidos. Como conseqüência, o seu programa será semelhante ao de muitos. Nessa situação, o povo não terá escolhido a linha do governo (FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. A democracia no limiar do século XXI. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 22). 79 Esse modelo só representaria um aperfeiçoamento se, realmente, os partidos pudessem estabelecer programas suficientemente precisos para que sirvam de guia à ação governamental. Então se poderá dizer que a maioria eleitoral tem por conseqüência a definição de uma política. Do contrário, a preferência por este ou aquele agrupamento não significará mais do que uma mera e vaga inclinação. Os indivíduos que compõem os partidos, não recebem a mesma formação e nem vivem nas mesmas condições. Daí não sofrerem nem encararem do mesmo modo os problemas que surgem no dia-a-dia. As diferenças individuais, somadas às trazidas pela educação, pela divisão do trabalho, pela vinculação a classes sociais, separam os homens em grupos diversos, cujos interesses imediatos se contrapõem quando não estão de tal forma afastados que deixam de ser percebidos por vastas camadas da população. Disto resulta que os problemas concretos que afligem diretamente certos grupos são ignorados pela maioria, que com eles não se sensibiliza, enquanto sua solução importa em ferir outros interesses de grupos que a eles se antagonizam. Assim, sendo imprescindível para os partidos obter o máximo de votos, têm eles de procurar o que soma e não o que divide. Portanto, o partido consciente de seu próprio interesse eleitoral tem de estabelecer o seu programa em torno de generalidades e questões de princípio que agradam e
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Gonçalves Ferreira Filho nos destaca também alguns inconvenientes que os partidos políticos
podem produzir: Um de seus inconvenientes é o seu caráter oligárquico. Poucos o dominam e esses poucos por terem em mãos a formulação das opções eleitorais têm uma influência desproporcionada. Por outro lado são eles facilmente corrompidos pelo suborno ou comprados por “doações”. Outro é o de poderem servir de ponta de lança para o poder econômico. De fato, precisando de vultosos recursos para a propaganda, mormente hoje com as técnicas sofisticadas que, ao mesmo tempo, reclamam e propiciam os meios de comunicação de massa, podem ser “comprados” pelos seus financiadores. E assim usados para a defesa de interesses particulares.80
De fato, assinala CAGGIANO81, sob o impulso da agremiação partidária ganha a
representação política nova dimensão, girando sempre em torno daquela figura, à qual,
portanto, restam reservados significativos papéis no cenário político. Ao partido, no novo
contexto, compete: não só o enquadramento dos eleitores e representados como, o dos
eleitos e representantes, os dois pólos da equação que se estabelece no jogo da conquista e
do exercício do poder no ambiente das sociedades.
Como conseqüência do mandato partidário, a vontade una e soberana do povo, que
deveria ser produto de um sistema representativo de índole e inspiração totalmente popular, se
decompôs em nossos dias na vontade dos partidos e grupos de pressão. Apresentam-se
interesses cada vez menos do povo e cada vez mais de grupos e classes. Ao final de sua
análise, FERREIRA FILHO conclui: “Até mesmo o cidadão que Rousseau fizera rei na ordem
política, como titular de um poder soberano e inalienável, acabou se alienando no partido ou
no grupo, a que vinculou seus interesses”.82
atraem, e nunca em função de opções que desagradam e geram oposição. Daí darem eles, em seus programas, preferência a questões abstratas e ideológicas, as quais, o mais das vezes, nada significam para a solução de problemas concretos. Assinala-se, por outro lado, que os meios de comunicação de massa desencadearam um fenômeno de personalização do poder. Tornando de todos conhecida a imagem dos governantes, permitindo que estes se dirijam, como que imediatamente, a todos, têm eles ensejado que prevaleçam as personalidades e seu carisma sobre as idéias e os programas. Isto igualmente milita contra o modelo da democracia partidária (FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 29.ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 93-94). 80 A democracia no limiar do século XXI. São Paulo: Saraiva, 2001. 81 CAGGIANO, Monica Herman Salem. Sistemas Eleitorais X Representação política. Brasília: Senado Federal, 1990, p. 17-18. 82 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. A democracia no limiar do século XXI. São Paulo: Saraiva, 2001.
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II. O PARLAMENTO NO DIREITO COMPARADO
Na primeira parte deste trabalho, foi examinada a representação política. Cabe,
nesse momento, analisar o lugar onde a vontade popular é representada, ou seja, o
Parlamento. Conforme CAGGIANO, “A democracia representativa tornou-se uma realidade
efetiva e, por ora, insuperável. As decisões são tomadas pelo demos, porém, por intermédio
de seus representantes reunidos nos Parlamentos”.83
Numa etapa inicial, serão abordados o conceito de Parlamento, sua origem, suas
características e funções. Logo em seguida, desenvolve-se um estudo de Direito Comparado.
1. O Parlamento
1.1. Conceito
Uma análise histórica dos Parlamentos antigos aos atuais nos permite enxergar
uma variedade de formas parlamentares. Há várias razões que explicam isso, como por
exemplo, a proliferação das instituições parlamentares em grande número de novos Estados
surgidos no século XX e as diferentes realidades políticas (democracia de massa, partidos
organizados, regimes totalitários, etc.) neste período.
Para nos orientarmos no meio desta variedade de formas, precisamos, como ponto
de referência, de uma definição, certamente ampla e elástica, mas capaz de individualizar
alguns elementos comuns que não sejam meramente nominais. Parlamento pode definir-se
assim:
Uma assembléia ou um sistema de assembléias baseadas num princípio representativo, que é diversamente especificado, mas determina os critérios de sua composição. Estas assembléias gozam de atribuições funcionais variadas, mas todas elas se caracterizam por um denominador comum: a participação direta ou indireta, muito ou pouco relevante, na elaboração e execução das opções políticas, a fim de que elas correspondam à vontade popular. Convém precisar que, ao dizermos “assembléia”, queremos indicar uma estrutura colegial organizada, baseada não num princípio hierárquico, mas, geralmente, num princípio igualitário. Trata-se, por isso, de uma estrutura de tendência policêntrica.84
83 Direito parlamentar e direito eleitoral. Barueri: Manole, 2004, p. 2. 84 BOBBIO, MATTEUCCI e PACCINO. Dicionário de política. Tradução Carmen C. Varrialle, Caetano Lo Monaco, J. Ferreira, Luiz G. Pinto Caçais e Renzo Dini. 2.ed. Brasília: UNB, 1986. p. 879 - 880.
40
1.2. A origem do Parlamento
Em quase todos os países europeus houve instituições políticas genericamente
denominadas Parlamentos85. O exame das características estruturais e das modalidades de
desenvolvimento das funções específicas revela uma grande distância entre os Parlamentos
medievais e os Parlamentos modernos, distância que reflete a diferença igualmente clara que
existe entre o Estado medieval e o Estado moderno. Contudo, se descermos aos princípios
fundamentais e ao núcleo funcional (representação, controle, elaboração de normas) que
caracterizam as instituições parlamentares tanto velhas como novas, poderemos descobrir
elementos de continuidade. Entre os Parlamentos medievais e modernos há enormes
diferenças, quer se considere sua composição, seus poderes ou duração.
O desenvolvimento dos Parlamentos não se deu de forma uniforme, por exemplo,
na Inglaterra em relação aos demais países do continente europeu. Na verdade, a primeira teve
uma evolução singular que a distinguiu sensivelmente entre as experiências dos demais
países, o que acaba por justificar a singularidade e originalidade da evolução política inglesa.
A partir do ano de 1066, a Inglaterra, passou a apresentar uma organização
político-social muito diferente do resto da Europa, onde reinava, na sua plenitude, o sistema
feudal e a grande descentralização do poder. Enquanto na Europa o poder real foi
gradativamente impondo-se sobre o poder da nobreza, vencendo-a em lutas ou atraindo-a
mediante aparentes concessões, na Inglaterra a nobreza preferiu aliar-se aos comerciantes
numa luta em busca de limitações das atribuições do poder régio.
Já no século XII, o rei inglês era auxiliado por um órgão denominado concilium,
do que faziam parte barões e vassalos importantes da coroa86. Esse órgão, como o nome
85 Os Parlamentos eram conhecidos por nomes diferentes, conforme o país (Estados Gerais, na França e no Piamonte; Estamentos, na Sardenha; Parlamentos, na Sicília e em Nápoles; Cortes, na Espanha). Embora num primeiro momento fossem constituídos pela nobreza e pelo alto-clero, num segundo momento, sobretudo para compensar o predomínio dessas duas ordens, os príncipes tiveram que intervir passando a convocar também o terceiro estado, mas este só por intermédio de seus representantes, enquanto os dois primeiros se faziam representar em si mesmos pela totalidade dos seus estamentos. O terceiro estado, por ser muito mais numeroso, só se fazia representar por seus escolhidos-eleitos que vinham, como era usual na época, munidos de mandatos imperativos (BASTOS, Celso Ribeiro; Martins, Ives Gandra. Comentários à Constituição do Brasil. v.4. t.1. 3.ed. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 4-5). 86 Na Idade Média o Rei da Inglaterra tinha, como todos os demais reis europeus, a sua Cúria ou Corte. Um dos deveres dos vassalos era aconselhar o seu senhor e ajudá-lo no desempenho das obrigações do mando. Mas quando o governo se tornou mais complexo deu-se uma diferenciação: havia certos nobres e clérigos que estavam sempre junto do Rei e o acompanhavam por toda parte, auxiliando-o a despachar os negócios públicos e a julgar os processos judiciais, enquanto a maioria dos barões e dos prelados residia nas suas terras e só vinha a ter com o Rei quando este os convocava para se pronunciarem sobre questões importantes e decidirem causas judiciais de maior vulto. Os que andavam sempre com o rei formavam o seu Conselho (CAETANO, Marcello. Manual de ciência política e direito constitucional. Tomo I. Almedina, 1996, p. 50-51).
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indica, era meramente opinativo, não tendo poder decisório, salvo em matéria judicial, quando
funcionava como Corte Superior. Esse concilium era conhecido também como Parlamento87.
O desenvolvimento do Parlamento inglês prosseguiu no tempo e atingiu a
evolução para a bicameralidade (duas câmaras), conforme dá explicação Marcello Caetano: Aconteceu, porém, que o médio e o baixo clero se desinteressou da intervenção no Parlamento, preferindo reunir-se em assembléia própria. Ficaram unicamente os bispos e abades dos grandes mosteiros que acorriam às reuniões na qualidade de senhores de vastos domínios e que, por esse motivo, se juntaram aos nobres, visto terem interesses análogos, reunindo com eles em separado dos comuns: em 1332 já as reuniões do Parlamento se faziam em duas salas (câmaras ou casas, houses), a dos lordes espirituais e temporais e a dos comuns, embora as petições e resoluções fossem apresentadas ao rei, em nome de todos, pelo Lord Chanceler. Ora em 1377 os Comuns, em vez de irem pedir ao Lord que servisse de intermediário entre eles e o monarca, elegeram de entre si um Speaker, isto é, um representante que fosse falar ao rei em nome deles, conquistando deste modo a autonomia. A estrutura do Parlamento, a regularidade do seu funcionamento e outras prerrogativas resultam assim do costume e ainda hoje o presidente da Câmara dos Comuns se chama Speaker.88
No século XIII, ocorreram modificações importantes. O Parlamento, composto de
prelados e barões, passou a se reunir periodicamente e ficou a seu critério atender ou não ao
rei nas suas solicitações de aumentos de impostos. Já na Magna Carta, extraída do rei João
Sem Terra, fica claro que nenhum subsídio ou auxílio seria imposto no reino a não ser com a
aprovação do seu Conselho. Esse Magnum Concilium mais tarde transformou-se num dos
ramos do sistema representativo da Inglaterra, qual seja, a Câmara dos Lordes, enquanto a
representação popular identificada no início com a burguesia iria centrar-se na Câmara dos
Comuns.
Durante a segunda metade do século XIII, o Parlamento tornou-se cada vez mais
representativo, nele incluindo representantes de toda a nação segundo as camadas sociais em
que estava dividida: nobreza, clero e burguesia. De outra parte, a Câmara dos Comuns
87 A certidão de nascimento do Parlamento, no entanto, pode ser identificada no ano de 1265, em que Simon de Monfort convoca dois cavalheiros de cada condado para participar do Grande Concilium, ao lado dos prelados e barões, procedimento que ingressa numa linha de regularidade com Eduardo I (1295). Já no fim do século XIII, nos termos dos registros constantes dos anais ingleses, há referência à convocação da assembléia nos moldes de parliament model. A seu turno, o ano de 1351 constitui relevante marco: o da configuração bicameral do parlamento britânico. Assim, consolida-se a separação entre Câmara dos Comuns, a abrigar os deputados, representantes dos condados, e Câmara dos Lordes, reservada aos prelados e eclesiásticos (CAGGIANO, Monica Herman Salem. Direito parlamentar e direito eleitoral. Barueri: Manole, 2004.p. 7). As assembléias gerais dos barões do reino e dos prelados, abades e representantes dos cabidos, constituíam o Magnum Concilium que já no século XII o rei convocava para pedir dinheiro, concedido sob a forma de imposto, mas só por um ano, o que forçava à reunião freqüente com tendência para a anualidade. A votação dos impostos era muitas vezes condicionada à aceitação pelo rei dos bills ou pedidos de providências legislativas, equivalentes aos agravamentos das nossas Cortes medievais (CAETANO, Marcello. Manual de ciência política e direito constitucional. Tomo I. Coimbra: Almedina, 2003, p. 50-51). 88 Ibid., p. 50-51.
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fortalecia-se cada vez mais, processo esse que era o reflexo da crescente participação da
burguesia na economia da época. No final do século XIII, consagra-se definitivamente o
princípio básico do Estado Liberal, que exigia para instituição do imposto a autorização do
órgão representativo (no taxation without representation). A partir de então, o sistema
representativo foi consolidando-se gradativamente com a constante transferência de poderes
do rei para o Parlamento. O controle sobre o primeiro por parte deste último consagrou-se
definitivamente com a Revolução de 1688, quando ficou certo que as despesas autorizadas
pelos Comuns o seriam para um fim certo e determinado. Os princípios básicos de regime
representativo resultaram estatuídos para sempre: a transferência de poderes do povo para os
governantes mediante eleições; a representação integral do povo por parte dos eleitos ainda
que o tenham sido por uma zona eleitoral apenas; a liberdade dos mandatários no exercício do
seu mandato; a temporariedade destes.89
O século XIX é o grande período do desenvolvimento dos novos Parlamentos. Na
Inglaterra, na França (excetuados os períodos imperiais), na Bélgica, na Holanda e na Itália, o
Parlamento constitui-se o centro do debate político, estendendo progressivamente a sua
influência ao governo. A monarquia constitucional cede o lugar ao regime parlamentar, que
tem como fulcro a responsabilidade do governo perante o Parlamento. Naturalmente, esta
transição não acontece sem inquietações e conflitos: suas etapas estão marcadas por votos de
censura parlamentar, por dissoluções antecipadas das câmaras por parte do rei com o fim de
lhes bloquear o desenvolvimento, e por verdadeiras crises constitucionais. Mas no começo do
século XX, o conflito entre o Parlamento e a monarquia já se havia resolvido, em quase todos
os países europeus, a favor do primeiro.90
“Essa lenta, porém contínua, trajetória preordena a idéia vetorial a acompanhar
a formatação dos parlamentos até os nossos dias, no sentido de identificá-los como cenários
a albergar os representantes do povo”. 91
1.3. Aspectos estruturais do Parlamento
As características estruturais do Parlamento são relevantes, uma vez que delas
depende, em grande parte, a funcionalidade do Parlamento e a possibilidade dele ter uma 89 BASTOS, Celso Ribeiro; Martins, Ives Gandra. Comentários à Constituição do Brasil. v.4. t.1. 3.ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 14-15. 90 BOBBIO, MATTEUCCI e PACCINO. Dicionário de política. Tradução Carmen C. Varrialle, Caetano Lo Monaco, J. Ferreira, Luiz G. Pinto Caçais e Renzo Dini. 2.ed. Brasília: UNB, 1986. p. 879. 91 CAGGIANO, Monica Herman Salem. Direito parlamentar e direito eleitoral. Barueri: Manole, 2004. p. 8.
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participação significativa no processo político. Em linhas gerais, os Parlamentos
caracterizados por escassa diversificação política e baixo grau de articulação operativa interna
não podem aspirar a um papel político de grande peso, quando não ficam reduzidos, sem
mais, a uma função puramente aclamatória.92
Em relação à estrutura dos Parlamentos, podemos destacar: a) sua forma de
eleição93, b) seus elementos configuradores, c) sua duração, d) o número de assembléias, e e)
sua organização interna.
À idéia de Parlamento, sinaliza Monica Caggiano94, vêm se alinhando três
diferentes elementos configuradores: 1) A questão representativa, revelando o Parlamento
como um lócus próprio a albergar os representantes da comunidade social, um espaço
preordenado à participação política. 2) O processo deliberativo referente aos amplos debates
e discussões antes de qualquer decisão. 3) O instituto da responsabilidade política, que
introduz um especial vínculo de dependência entre o governo e o Parlamento, porquanto tem
por mecânica operativa a possibilidade de destituição do chefe de governo pela maioria
parlamentar. A introdução da responsabilidade política acabou por coroar a estrutura do
sistema parlamentar de governo.
A duração temporária do mandato é uma das características fundamentais dos
Parlamentos contemporâneos: A duração média das assembléias parlamentares gira em torno de 4, 5 anos. A Câmara dos Representantes americana, com um mandato de apenas dois anos, é uma exceção. A duração é um fator que influi particularmente na capacidade de atividade política das assembléias; de fato, parlamentares continuamente sujeitos à obsessão da reeleição têm dificuldades em esboçar um trabalho de longo prazo, que pode trazer consigo também uma impopularidade momentânea. Ela influi igualmente nas reações do Parlamento aos estímulos políticos externos e, em último termo, na sua independência política. Mas a duração de uma assembléia não depende, substancialmente, apenas da extensão do intervalo entre duas eleições sucessivas, mas quiçá mais ainda da presença de um núcleo mais ou menos grande de parlamentares que não mudam de uma eleição para outra. Este núcleo, quando dotado de uma certa consistência, constitui fator significativo de continuidade, já
92 BOBBIO, MATTEUCCI e PACCINO. Dicionário de política. Tradução Carmen C. Varrialle, Caetano Lo Monaco, J. Ferreira, Luiz G. Pinto Caçais e Renzo Dini. 2.ed. Brasília: UNB, 1986. 93 O nível competitivo do processo eleitoral pode muito bem ser definido como elemento discriminante entre duas categorias de Parlamentos: Parlamentos que assumem um papel fundamental na vida política e Parlamentos reduzidos a um papel de adorno ou de fachada. O Parlamento reproduz, com efeito, se bem que com certa distorção, prolongando-a pelo período da sua duração, a dialética das forças políticas que o momento eleitoral pôs em relevo; é a forma dessa dialética e sua vivacidade que caracterizam a ação política do Parlamento. A diferença, por exemplo, entre oposição responsável e oposição irresponsável está ligada não só a fatores de tradição histórica, como também ao espaço e às possibilidades de afirmação que o momento eleitoral atribui às várias forças políticas (Ibid., p. 880-883). 94 CAGGIANO, Monica Herman Salem. Direito parlamentar e direito eleitoral. Barueri: Manole, 2004. p. 10-11.
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que assegura a transmissão de toda aquela bagagem de costumes, convenções e regras não escritas que tanta importância têm na caracterização de um Parlamento.95
Outra característica significativa está no número das assembléias. Os
Parlamentos contemporâneos são geralmente monocamerais ou bicamerais, isto é, são
compostos de uma ou duas câmaras.96
Os Parlamentos possuem elementos organizativos internos, que são responsáveis
por permitir e facilitar o desenvolvimento das atividades parlamentares, como por exemplo, a
presidência, principal órgão de arbitragem e regulamentação dos trabalhos parlamentares (o
speaker britânico).
Como quase sempre é elevado o número dos seus componentes, devido às
exigências da representatividade e o volume crescente do trabalho, as assembléias
parlamentares tendem a articular-se em comissões97, isto é, em organismos mais restritos e,
por isso, mais eficazes no plano operativo. Também compõem a organização interna do
Parlamento os grupos políticos. São elementos importantes o número dos partidos98, as
95 BOBBIO, MATTEUCCI e PACCINO. Dicionário de política. Tradução Carmen C. Varrialle, Caetano Lo Monaco, J. Ferreira, Luiz G. Pinto Caçais e Renzo Dini. 2.ed. Brasília: UNB, 1986, p. 880-883. 96 A coexistência de duas câmaras não está isenta de problemas: a presença da segunda câmara adquire uma conotação negativa, se provocar uma injustificada lentidão nos trabalhos parlamentares e der lugar a uma situação de xeque, devido ao fato de se afirmarem nas duas câmaras maiorias politicamente inconciliáveis. Por isso, para uma avaliação da forma bicameral, são particularmente importantes as relações que existem entre ambas as câmaras no desenrolar das várias funções parlamentares. Tais relações podem apresentar aspecto de divisão do trabalho, de cooperação e de oposição moderada ou intransigente. Estas relações dependem tanto de fatores institucionais constantes (como a atribuição a cada uma das câmaras de competências específicas), quanto da mutável situação política - relações de força política, consistência das maiorias, clima dialético maioria-oposição (Ibid., p. 880-883). 97 Os critérios segundo os quais é organizado o sistema das comissões, variam de um Parlamento para outro. Relativamente ao critério de distribuição do trabalho, há comissões especializadas e comissões não especializadas; quanto à duração, há comissões permanentes e comissões ad hoc, criadas unicamente para o desempenho de uma determinada tarefa (BOBBIO, MATTEUCCI e PACCINO. Dicionário de política. Tradução Carmen C. Varrialle, Caetano Lo Monaco, J. Ferreira, Luiz G. Pinto Caçais e Renzo Dini. 2.ed. Brasília: UNB, 1986, (Ibid., p. 880-883). 98 O pluripartidarismo oferece uma complexa amálgama de formas de conflito e acordo entre as variadas forças políticas. Assim, a par dos Parlamentos onde a relação maioria-minoria é equilibrada, há também aqueles onde ela pende a favor da maioria que goza de uma superioridade esmagadora, ou então de uma minoria que está em condições de reduzir a maioria à impotência. São todos estes elementos da morfologia parlamentar que concorrem para a formação do complexo sistema de oportunidades e limitações, de recompensas e punições, de motivações e desestímulos, dentro do qual se define a ação do ator parlamentar individual. A ação parlamentar, entretanto, é resultado não só destes elementos ambientais, como também das características pessoais dos que compõem as assembléias. A classe de onde provém, a qualificação profissional, a carreira política já vivida e, finalmente, no plano psicológico, o tipo de percepção do próprio papel são as características que podem ter um significado político. Fenômenos como a ampliação do sufrágio, o alargamento da base política, a expansão da intervenção estatal na vida social e o advento dos partidos organizados de massa, tiveram todos clara repercussão em tais características (Ibid., p. 880-883).
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possibilidades de alianças e coalizões interpartidárias, o grau de coesão interna, ou seja,
aqueles fatores que são a base da dinâmica interpartidária.
1.4. Funções do Parlamento
O Parlamento, aos poucos, porém de forma firme e cumulativa, assumiu muitas
tarefas99, tão relevantes quanto à originária. Os Parlamentos, de uma forma geral, são
instituições multifuncionais. A variedade de funções desempenhadas tem uma explicação no
papel característico dos Parlamentos, que faz dela os instrumentos políticos do princípio da
soberania popular. É deste papel que nasce para o Parlamento o direito e o dever de intervir,
embora de formas diversas, em todos os estágios do processo político. Segundo o estágio e as
modalidades de tal intervenção, haverá atividades de estímulo e de iniciativa legislativa, de
discussão e de deliberação, de inquérito e de controle, de apoio e de legitimação. Tão variadas
atividades podem ser globalmente compreendidas no quadro das quatro funções
parlamentares fundamentais: representação, legislação, controle do Executivo e
legitimação. É natural que, conforme a posição que cada Parlamento ocupa no sistema
político, varie a importância das diversas funções; certamente há funções que, em
determinadas situações políticas, podem se atrofiar e ficar reduzidas ao simples aspecto
formal.
Dentre as funções parlamentares, é a representativa a que possui uma posição que
poderíamos chamar preliminar. Isso porque, em primeiro lugar, ela é uma constante histórica
em meio das transformações sofridas pelas atribuições do Parlamento, e, em segundo lugar,
porque nela se baseiam todas as demais funções parlamentares, cujas características
dependem, em boa parte, das formas do seu desenvolvimento. Por ser fundamental, esta
função assume um significado discriminante entre um Parlamento e outro. Neste campo da
função representativa, são também elementos importantes a sensibilidade às transformações
do clima político e a receptividade a novas demandas.
99 Ainda no século XIII, o Parlamento conquista o poder tributário, fenômeno bem definido na Magna Carta de João Sem Terra99, documento de 1215 (parágrafo 12). Já em 1462, passa o parlamento britânico a contar com a possibilidade de apresentar, diretamente por seus membros, as Bills (leis), as quais, à medida que houvesse acordo entre as duas casas, deveriam ser aprovadas pelo rei. É o início da incorporação da faculdade de legislar no rol das tarefas parlamentares. A elas, de forma paulatina, vão se alinhando outras, deflagrando o inchaço do órgão legislativo, ao qual, o quadro político foi reconhecendo funções de controle, de investigação, eleitorais, jurisdicionais, deliberativas, administrativas, de orientação política e de comunicação (BOBBIO, MATTEUCCI e PACCINO. Dicionário de política. Tradução Carmen C. Varrialle, Caetano Lo Monaco, J. Ferreira, Luiz G. Pinto Caçais e Renzo Dini. 2.ed. Brasília: UNB, 1986, p. 880-883).
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Aqui se revela de particular importância o espaço político que o Parlamento atribui
à oposição, já que é esta a força institucionalmente mais adequada ao desenvolvimento de
uma ação estimuladora em tal sentido.
O Parlamento, que limitasse a sua intervenção apenas à fase legislativa, deixaria
escapar uma importantíssima parcela do processo político. O real peso político do órgão
representativo deveria ser avaliado, portanto, tendo também em conta a eficácia da sua
atividade de controle100.
2. O Parlamento do Reino Unido
O órgão supremo do governo da Grã-Bretanha é, hoje em dia, o Parlamento.
Teoricamente é nele que reside todo o poder, competindo-lhe alterar a Constituição, fazer as
leis e orientar os ministros que formam o gabinete e que tem de dirigir a sua política de
acordo com a maioria parlamentar. O Parlamento é composto por três elementos: a Coroa101, a
Câmara dos Lordes e a Câmara dos Comuns.
Até o começo do século XIV, o Parlamento inglês era ainda o Magnum Commune
Consilium Regni, o Grande Conselho, onde dominava o poder feudal da alta aristocracia, dos
grandes barões feudais em luta com o soberano. O Parlamento verdadeiramente só se forma
com a aparição da Câmara dos Comuns, ramo resultante da associação da burguesia
ascendente com a pequena e média nobreza rural. Ocorre, pois, a fusão dos deputados dos
burgos com os deputados dos condados; estes de início mais influentes, aqueles porém mais
numerosos. Quando a nação feudal se cindiu em duas no curso do século XIX, ficando de
uma parte os grandes barões feudais agrupados, gravitando ao redor do rei, e de outra parte, a
média aristocracia da feudalidade de mãos dadas com a burguesia, em defesa de suas
liberdades, estava consumado, segundo Guizot, um dos momentos supremos na história das
instituições políticas da Inglaterra: o advento de uma Câmara dos Comuns, começo
verdadeiro do Parlamento com a implantação, já a esta altura incontestável, do sistema
representativo.102
100 São vários os instrumentos por meio dos quais o Parlamento exerce esta função. Nos regimes parlamentares, a negação da confiança é a forma mais drástica de ação do Parlamento sobre o Governo. Mas é uma forma bastante rara, primeiro, por sua própria gravidade, depois, por causa dos vínculos partidários que ligam o Executivo à maioria parlamentar. 101 A Coroa é a instituição que individualiza a unidade do Estado. O seu titular é a Rainha.
102 BONAVIDES, Paulo. Ciência Política. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 319.
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Daí por diante declina e corrói-se o poder da alta aristocracia, que deixa de ser o
temível adversário que havia sido do poder absoluto, passando então a escrever-se a história
política do regime representativo através dos combates que o poder real terá que ferir com um
Parlamento, onde cresce e se avigora rápida e dominadoramente a influência dos Comuns. Do
século XV ao século XVII, o sistema representativo porfia com os abusos, o arbítrio e a
vocação absolutista da Coroa. Ao longo de largo período que se estende por cerca de trezentos
anos, até a Revolução Gloriosa (1688), o Parlamento inglês adquire o sentimento de sua força,
toma consciência de seu prestígio, apresenta-se resolutamente como o poder nacional diante
do rei, discute com energia os assuntos de seu governo, faz do imposto o grande instrumento
de sujeição do poder, sustenta nas afamadas petições do século XVII os princípios básicos de
garantia das liberdades, direitos e franquias já auferidas pelas camadas economicamente mais
ponderáveis do povo inglês. Atravessadas, pois, as revoluções do século XVII, que
decapitaram um rei e baniram uma dinastia, a Inglaterra surge com o sistema representativo
inabalavelmente consolidado, de trilha aberta já para a implantação do sistema parlamentar,
segundo momento importantíssimo na vida das instituições políticas daquele país.103
Dessa forma, no exemplo inglês, a força, prestígio, influência e poder do
Parlamento se originam de causas “históricas”, fazendo com que este prepondere
definitivamente sobre o poder da Coroa. Nesse sentido, podemos citar ainda o exemplo da
chamada série de “reis impossíveis”, os reis alemães, da dinastia de Hannover (1714-1837)104.
103 BONAVIDES, Paulo. Ciência Política. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 320. 104 Os “reis impossíveis”, os reis alemães, da dinastia de Hannover (1714-1837) foram: Jorge I, um estrangeiro que não esquecia o lugar de origem, jamais aprendeu a falar inglês, e teve sempre dificuldade de comunicar-se em latim com os seus ministros, em suma, um rei completamente alheio dos negócios públicos, propiciando ao gabinete reunir-se na ausência do monarca; Jorge II, um rei fraco, que não forceja por recuperar a influência perdida pelo antecessor; Jorge III, obstinado, cego, demente, autoritário e irresponsável, faz de sua existência “uma espécie de museu de defeitos de um rei constitucional”, Jorge IV, monarca desidioso e depravado, um roi fainéant, cuja vida conjugal escandalizou a sociedade inglesa e desprestigiou a Coroa (Ibid., p. 321).
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2.1. A Câmara dos Lordes
A Câmara dos Lordes105, onde têm assento os senhores nobres e eclesiásticos e
que, herdeira das funções judiciais do Magnum Concilium, ainda hoje exerce a jurisdição de
Supremo Tribunal de Apelação do Reino Unido, embora efetivamente tais atribuições sejam
desempenhadas pelos lordes judiciais.A Câmara é presidida pelo Lord Chanceler, membro do
Governo que não tem de fazer parte dela e cujas funções o tornam um Ministro da Justiça. Ao
Rei pertence criar os Lordes, em número ilimitado, conferindo títulos de nobreza com
atribuição do pariato106 aos cidadãos que mais tenham se distinguido na política, na
administração pública, na guerra, nas ciências, nas letras, nas artes, na vida econômica ou nas
profissões liberais.
É certo que hoje a Câmara tem funções legislativas muito reduzidas. De 1688 a
1832 pode dizer-se que constituiu o centro da política inglesa preponderando na legislação, e
formando e fazendo cair os governos, visto nela terem assento os homens mais ilustrados e
representativos do país, geralmente grandes proprietários rurais com considerável influência
eleitoral e nessa qualidade chefes de partido e manipuladores dos deputados: é a época do
regime aristocrático. Mas pouco a pouco o eixo do poder foi passando, em virtude do
alargamento o sufrágio e do progresso das idéias democráticas, para a Câmara eletiva, de tal
modo que, quando em 1909 a Câmara dos Lordes pretendeu quebrar a velha praxe de não 105 A Câmara dos Lordes compreende um número ilimitado de pares temporais, e lordes espirituais. São pares dos reinos temporais: a) os titulares de títulos nobiliárquicos ingleses, escoceses ou da Grã-Bretanha em conseqüência de neles haverem sucedido hereditariamente ou de terem sido agraciados pelo rei. Os títulos da Grã-Bretanha são posteriores à união entre a Inglaterra e a Escócia, verificada em 1707; os outros anteriores. Até ao último Peerages Act, os pares da Escócia não tinham todos assento na Câmara possuíam apenas o direito de, cada vez que era eleita a Câmara dos Comuns, escolher 16 Lordes que os representassem). B) até 9 lordes judiciais (Lords of Appeal in Ordinary ou Law Lords), juízes aos quais é conferido o pariato vitalício para, na Câmara, exercerem as funções que a ela pertencem de supremo tribunal de apelação do Reino Unido; c) os pares vitalícios, nomeados em número indefinido e sem discriminação de sexo pela Coroa nos termos do Life Peerages Act, 1958. Os lordes espirituais são arcebispos e bispos da Igreja anglicana (CAETANO, Marcello. Manual de ciência política e direito constitucional. Tomo I. Coimbra: Almedina, 2003, p. 49-50). 106 O pariato é a dignidade de par do reino - Inerente à nobreza o pariato é hereditário, fazendo da Câmara uma instituição aristocrática muito combatida hoje em dia por, no dizer de um crítico, não se conceber que alguém seja legislador apenas por ser filho de seu pai. Por isso, embora já houvesse na Câmara alguns Lordes não hereditários – os lordes espirituais, os judiciais e até a pouco os da Escócia -, a lei de 1957 veio permitir que a Coroa nomeie pares cujo título é apenas vitalício, não se transmitindo portanto a herdeiros, e que são escolhidos pelas suas aptidões pessoais podendo mesmo ser do sexo feminino (ladies). E, no discurso da Coroa de 1967, o governo (Partido Trabalhista) anunciou a intenção de reformar novamente a Câmara dos Lordes. Nesse sentido foi apresentada uma proposta de lei que pretende restringir o direito de voto dos pares hereditários. Até 1963 não era permitido ao herdeiro de um título renunciar ao pariato. Como os lordes não podem ser eleitos para a Câmara dos Comuns e está estabelecido que nesta deve ser escolhido o Primeiro Ministro, isto significava ficarem vedadas aos lordes as atividades políticas mais significativas. Mas, nesse ano, a necessidade que o Partido Conservador teve de confiar a chefia do Gabinete a LORD HOME fez com que o Parlamento aprovasse a lei que permite aos lordes renunciar ao título e ao pariato. Assim pôde o sr. Douglas-HOME, já despojado dos atributos da nobreza, fazer-se eleger membro dos comuns e exercer as funções de Primeiro-Ministro. Outros lordes o seguiram na renúncia (Ibid., p. 54).
49
alterar as leis financeiras votadas pelos Comuns e rejeitou o Orçamento apresentado pelo
governo de LLOYD GEORGE, não teve outro remédio senão aceitar, sob ameaça de extinção
ou de profunda reforma, a limitação expressa dos seus poderes pelo Parliament Act de 1911,
depois modificado em 1949.107
Quanto a qualquer outro projeto aprovado pelos Comuns, se os Lordes o
rejeitarem pode o governo submetê-lo uma segunda vez aos Comuns na sessão legislativa
seguinte e, obtida nova aprovação da Câmara eletiva, o projeto será convertido em lei mesmo
que os Lordes tornem a rejeitá-lo desde que haja passado um ano sobre a data da primeira
aprovação nos Comuns.
As propostas ou projetos de lei sobre matérias judiciais têm, porém, sempre de
começar a serem discutidos na Câmara dos Lordes, dada a qualidade desta de órgão judiciário
supremo. Como se vê, a Câmara dos Lordes está reduzida a um mero papel retardador. Só a
autoridade de alguns dos seus membros, antigos políticos, jurisconsultos insignes, altos
funcionários aposentados, faz com que sejam ouvidas as opiniões que emitem e aceites certas
emendas que propõem. A Câmara funciona como tribuna política e como conselho técnico:
mas não já como órgão de governo. Normalmente apenas um pequeno número dos seus
membros, mais ligados à política, assiste às reuniões, que assim revestem o caráter discreto de
sessões de trabalho.108
Dois eventos mudaram a forma pela qual os Membros da Câmara dos Lordes são
apontados: O Ato da Câmara dos Lordes de 1999, o qual extinguiu a posição hereditária, ou
seja, de transferir a qualidade de Lorde através da família, e a introdução da Comissão de
Apontamentos da Câmara dos Lordes. Agora há alguns procedimentos a serem observados
para se tornar um membro desta Casa109.
107 Em conseqüência do Parliament Act, a Câmara não pode evitar a conversão em leis dos projetos que hajam sido aprovados pelos comuns desde que contenham matéria financeira (money bills), pois que será enviada a sanção real independentemente da votação dos lordes se estes as não houverem votado dentro de um mês a contar da data em que forem recebidos na Câmara e à qual devem ser enviados com um mês, pelo menos, de antecedência em relação ao final da sessão legislativa - isto é, do período anual de trabalho (CAETANO, Marcello. Manual de ciência política e direito constitucional. Tomo I. Coimbra: Almedina, 2003, p. 53-56). 108 Ibid., p. 53-56. 109 Disponível em: http://www.parliament.uk/. Acesso em 20/06/2007.
50
2.2. A Câmara dos Comuns
A preponderância no Parlamento pertence hoje à Câmara dos Comuns110 visto que:
1) Tem o direito de fazer passar as leis mesmo contra o voto dos Lordes e na certeza de que a
Coroa não negará a sanção; 2) Só ela pode efetivar a responsabilidade política do gabinete e
fazer tombar o Ministério; 3) É no seu seio que se manifesta a força dos partidos políticos e se
define a maioria de onde sai o gabinete. Esta preponderância afirma o atual caráter
democrático do regime britânico e nasceu do alargamento do direito de sufrágio.111
Assim, na história constitucional britânica podem distinguir-se nitidamente três
períodos, segundo a preponderância dos órgãos do poder supremo: desde a Idade Média até
1689 é o período da preponderância da Coroa, ou sistema monocrático; de 1689 a 1832 é o da
preponderância da Câmara dos Lordes, ou do sistema aristocrático; de 1832 aos nossos dias é
o da preponderância do sufrágio e da Câmara dos Comuns, ou sistema democrático.112
A Câmara funciona em reunião plenária (sob a presidência do Speaker) ou em
comissão (Committee). Há quatro comissões para o estudo de projetos. Mas a comissão de
Ways and Means (Finanças) é constituída por toda a Câmara que, ao passar a funcionar nessa
qualidade, é presidida pelo Chairman of Ways and Means, deixando de figurar a maça de
prata, símbolo da jurisdição da Câmara, no lugar da presidência. Esta comissão ocupa-se dos
money bills, isto é, projetos sobre matérias financeiras, competindo ao Speaker qualificar
como tal os projetos que, como atrás se disse, gozam depois de processo especial quanto à
intervenção da Câmara dos Lordes. Os Comuns são eleitos pelo povo. O partido com o maior
número de membros formam o governo. A eleição para MP (Membro do Parlamento) se dá da
seguinte forma: O Reino Unido é dividido em 646 áreas chamados distritos. Durante uma
eleição todos elegíveis votam em um candidato para ser o MP do seu distrito. O candidato
mais votado se torna o MP daquela área até a próxima eleição. Trata-se, portanto, de voto
distrital, sistema majoritário. Na eleição geral, todos MPs podem concorrer para reeleição ao
Parlamento e todos os distritos do Reino fazem suas escolhas entre os candidatos disponíveis.
110 A Câmara dos Comuns é formada por 630 membros (abreviadamente designados por M.P., Member of the Parliament), eleitos mediante sufrágio direto e universal por círculos territoriais (constituencies). Cada círculo elege um membro. As eleições gerais devem realizar-se de cinco em cinco anos, no máximo, de acordo com o Parliament Act, 1911. Mas o gabinete pode antecipá-las obtendo da Coroa a dissolução da Câmara (CAETANO, Marcello. Manual de ciência política e direito constitucional. Tomo I. Coimbra: Almedina, 2003, p. 49-50). 111 Ibid., p. 56. 112 Ibid., p. 56-57.
51
As eleições gerais geralmente ocorrem a cada 4 anos. Se um MP morre ou se
aposenta, há uma eleição naquele distrito específico para substituí-lo113.
2.3. Partidos Políticos no Parlamento do Reino Unido
O Reino Unido tem muitos partidos políticos. Os três principais são o Partido
Trabalhista (Labour Party) - atualmente no governo - , Conservador (Conservative Party) e
Democrata Liberal (Liberal Democrats). Estes três atuam em ambas as casas, dos Lordes e
dos Comuns. Somam-se aos maiores partidos, outros grupos políticos também eleitos pelo
povo. Isso inclui organizações nacionalistas como o Plaid Cymru (País de Gales) e o Partido
Nacional Escocês (Scottish National Party), e alguns partidos políticos da Irlanda do Norte, e
partidos menores como o Respect.
Há um pequeno número de membros que não são filiados a um partido político
principal e aqueles que pertencem a grupos minoritários. Há ainda um número limitado de
bispos e arcebispos da Igreja Anglicana e o Grupo Crossbench Peers, que é atualmente o
segundo maior grupo na Câmara dos Lordes (depois do Partido Trabalhista); e é formado por
membros independentes, ou seja, que não recebem orientação de nenhum partido referente à
alguma votação.114 PARTIDOS - CÂMARA DOS COMUNS Membros
Labour Party 352 Conservative Party 196 Liberal Democrats 63
Democratic Unionist Party 9 Scottish National Party 6
Sinn Féin 5 Speaker and Deputies 4
Plaid Cymru 3 Social Democratic & Labour Party 3
Independent 2 Independent Labour 1
Respect 1 Ulster Unionist Party 1
646 PARTIDOS - CÂMARA DOS LORDES Membros
Labour Party 211 Crossbench 206
Conservative Party 203 Liberal Democrats 77
Bishops 26 Outros 12
735
Fonte: Escritório de Informações da Câmara dos Comuns. Atualizado em 27.03.2007.
113 Disponível em: http://www.parliament.uk/. Acesso em 20/06/2007. 114 Disponível em: http://www.parliament.uk/. Acesso em 20/06/2007.
52
3. O Parlamento Português
3.1. A Assembléia da República
O Parlamento Português consiste de uma Câmara única, chamada Assembléia da
República. É um dos órgãos de soberania estabelecidos na Constituição, ao lado do Presidente
da República, o Governo e os Tribunais115. Como assembléia representativa de todos cidadãos
portugueses, é responsável pela aprovação das leis básicas da República, e tem poderes
exclusivos para rever a Constituição. É também responsável por monitorar e assegurar a
conformidade com a Constituição, leis e os atos do Governo e das autoridades
administrativas. A Constituição, as regras procedimentais e o estatuto dos deputados definem
os poderes e as regras de funcionamento da Assembléia da República e também os direitos e
deveres dos deputados, garantindo a separação dos poderes e a interdependência entre os
outros órgãos de soberania. A quarta revisão constitucional, aprovada em setembro de 1997,
estabeleceu um mínimo de 180 e o máximo de 230 deputados. Se nós olharmos a composição
da Assembléia da República desde a Primeira Legislatura, nós verificamos uma tendência
para uma relativa redução do número de deputados.116
A Assembléia da República117 ou Parlamento tem duas funções fundamentais:
fazer as leis do país e fiscalizar a ação do governo. Podem candidatar-se a deputados118, para
115 Constituição da República Portuguesa, art. 110 – Órgãos de Soberania – 1. São órgãos de soberania o Presidente da República, a Assembléia da República, o Governo e os Tribunais. 116 The Portuguese Parliament consists of a single chamber, called the Assembléia da República (Assembly of the Republic). The Assembly of the Republic is one of the organs of sovereignty enshrined in the Constitution, alongside the President of the Republic, the Government and the Courts. As the “assembly representing all Portuguese citizens”, it is responsible for approving the basic laws of the Republic, and has exclusive powers to review the Constitution. It is also responsible for monitoring and ensuring compliance with the Constitution, laws and the acts of the Government and the administrative authorities. The Constitution, the rules of procedure and the statute of deputies define the powers and procedural rules of the Assembly of the Republic and also the rights and duties of deputies, guaranteeing separation of powers and interdependence between the other organs of sovereignty. The 4th constitutional review, approved in September 1997, laid down a minimum of 180 and a maximum of 230 deputies. If we look at the composition of the Assembly of the Republic since the 1st Legislature we find that the tendency is for a relative reduction in the number of deputies (SANTOS, Maria José Silva. The Portuguese Parliament – tradução nossa – Assembléia da República – Departamento de publicações - Lisboa – Portugal, 2006, p. 39). 117 Os Passos Perdidos da Assembléia da República – Chama-se Passos Perdidos a uma sala que fica junto à Sala das Sessões, onde é freqüente haver conversas e encontros entre deputados, membros do Governo e jornalistas. Por isso, muitos portugueses já viram este espaço na televisão. Pensa-se que o nome surgiu porque era freqüente as pessoas que queriam falar com os deputados esperarem ali imenso tempo. E, para matar o tempo, caminhavam de um lado para o outro, dando passos pequenos ou grandes passadas conforme a impaciência.
Ao longo do Plenário, foram colocadas seis estátuas de gesso, figuras femininas cada uma com o seu significado, representando alguns “valores” celebrados pelo Parlamento: Constituição, Lei, Jurisprudência, Eloqüência, Justiça e Diplomacia (visita à Assembléia da República em 11/04/2007).
53
um mandato de quatro anos, todos os cidadãos com direito a voto. Apresentam-se às eleições
integrados em listas de partidos políticos ou de coligações de partidos. Concorrem por
círculos eleitorais - há 18 círculos eleitorais no continente que correspondem aos distritos; há
um círculo eleitoral na Madeira, um nos Açores, um para portugueses residentes na Europa e
um para os portugueses residentes no resto do mundo.
3.2. Funcionamento da Assembléia da República
A Mesa da Assembléia da República é um órgão composto pelo Presidente da
Assembléia, por quatro Vice-Presidentes, quatro Secretários e quatro Vice-Secretários. Os
deputados não se sentam ao acaso nas bancadas; têm lugar marcado na zona destinada ao
grupo parlamentar do seu partido ou da sua coligação. As atividades dos deputados incluem:
1) Reuniões plenárias ou Plenários, que se realizam na Sala das Sessões. As decisões tomadas
nessas reuniões só são válidas se estiver presente pelo menos um quinto da totalidade dos
deputados; 2) Comissões especializadas permanentes, que são constituídas por deputados
indicados pelos vários partidos com assento na Assembléia, numa proporção que corresponde
à do Plenário. Como o nome indica, cada comissão debruça-se sobre uma área específica, por
exemplo, Educação, Ciência e Cultura; 3) Contatos diretos com os eleitores do respectivo
círculo eleitoral a realizar quinzenalmente; 4) Comissões permanentes, que são constituídas
pelo Presidente da Assembléia, pelos quatro Vice-Presidentes e outros deputados indicados
pelos partidos. Assegura o funcionamento da Assembléia entre 15 de junho e 15 de setembro,
período em que não há reuniões plenárias; 5) Comissões eventuais, que se organizam quando
surgem questões temporárias.119
As questões para discussão em Plenário são apresentadas com antecedência. Quem
dá início aos trabalhos é o Presidente da Assembléia. Antes de se abordarem os assuntos
previstos, há um período a que se chama “Período de antes da ordem do dia” (PAOD) que, em
geral, tem a duração de uma hora. Os deputados podem fazer declarações políticas, colocar
algumas questões que não façam parte da agenda ou propor um debate sobre assuntos
urgentes. A seguir entra-se no “Período da ordem do dia” (POD), ou seja, debatem-se as
118 “Os deputados exercem livremente o seu mandato, sendo-lhes garantidas condições adequadas ao eficaz exercício das suas funções, designadamente ao indispensável contato com os cidadãos eleitores e à sua informação regular” (art. 155, 1, da Constituição da República Portuguesa). “Os deputados representam todo o país e não os círculos porque são eleitos” (art. 152, 2 da Constituição da República Portuguesa). 119 ALÇADA, Isabel; MAGALHÃES, Ana Maria, A longa história do poder. 2.ed. Lisboa: Assembléia da República, 2006, p. 85-87).
54
questões agendadas e procede-se às votações. No momento de cada votação, o Presidente
pede que se levantem os deputados que votam a favor e registra-se o número de votos obtidos.
Depois se utiliza o mesmo processo para quem vota contra e para quem se abstém. O
Governo, ou alguns membros do Governo, podem assistir às sessões plenárias e intervir nos
debates, mas não podem votar. As reuniões plenárias são públicas e geralmente há três por
semana. Tudo o que acontece numa sessão plenária fica gravado para ser publicado no Diário
da Assembléia da República. Além disso, as sessões são transmitidas pela televisão “Canal
Parlamento”. As reuniões das comissões não são públicas, mas estão abertas à presença de
membros do Governo e, de uma maneira geral, também se admite a presença de jornalistas.120
Na Assembléia da República há um corpo permanente de funcionários
coordenados pelo Secretário Geral da Assembléia da República. Existe ainda um Conselho de
Administração, constituído por sete deputados, pelo Secretário-Geral e por um representante
dos funcionários. Compete-lhe fazer a gestão financeira e a gestão do pessoal.121
As formas de votação são as seguintes: 1) por levantados e sentados (é a forma
mais utilizada), 2) por recurso ao voto eletrônico, 3) por votação nominal, 4) por escrutínio
secreto.122
3.3. O Parlamento na história constitucional portuguesa123
As raízes históricas da Assembléia da República remontam às Cortes consagradas
na primeira Constituição portuguesa, a Constituição de 1822. As Cortes de 1822 eram
formadas por uma só Câmara eleita por sufrágio direto, secreto e sem caráter universal. O
poder legislativo é atribuído às Cortes em exclusivo, embora dependente da “sanção real” que
é equivalente ao atual instituto da promulgação exercido pelo Presidente da República. O rei
tinha o poder de devolver, uma só vez, a lei às Cortes, bastando a sua confirmação por uma
maioria igual à que tinha aprovado. A iniciativa da lei pertencia exclusivamente aos
deputados. O rei não tinha o poder de dissolver o Parlamento nem o de protesto contra suas
decisões.
120 ALÇADA, Isabel; MAGALHÃES, Ana Maria, A longa história do poder. 2.ed. Lisboa: Assembléia da República, 2006, p. 89-90. 121 Ibid., p. 90. 122 Artigo 104º do Regimento da Assembléia da República. 123 ASSEMBLÉIA DA REPÚBLICA. Manual do deputado. 4.ed. Assembléia da República – Divisão de edições: Lisboa, 2005, p. 13-15.
55
A Carta constitucional de 1826 estatuiu um sistema bicameralista para as Cortes
Gerais. É criada a Câmara dos Pares onde têm assento as “forças feudais-clericais”, composta
por “membros vitalícios e hereditários, nomeados pelo rei e sem número fixo”. A Câmara dos
Deputados passa a ser eleita por sufrágio censitário e estatui-se, claramente, um sistema de
eleição indireta. A iniciativa legislativa pertencia indistintamente às duas Câmaras e,
indiretamente, ao Poder Executivo. O rei tinha o poder de veto efetivo e o poder de dissolver a
Câmara dos Deputados.
A Constituição de 1838 é uma Constituição compromisso entre as teses liberais de
1822 e as conservadoras expressas na Carta de 1826. Manteve-se o sistema de duas Câmaras
na composição das Cortes. A Câmara Alta – Câmara dos Senadores – passa a ser eletiva e
temporária. A eleição dos deputados e dos senadores passa a ser feita por sufrágio direto,
continuando a manter-se, no entanto, o sufrágio censitário. O poder de iniciativa legislativa
volta a ser prerrogativa exclusiva dos parlamentares. O rei, por sua vez, mantém o poder de
sanção das leis e de dissolução da Câmara dos Deputados. Com o advento da República, a
soberania da Nação manifesta-se através dos representantes eleitos, vincando-se a sua
independência em relação aos eleitores que os elegem.
Na Constituição de 1911, o Congresso era formado por duas Câmaras – a dos
Deputados e o Senado. Consagra-se o sufrágio direto, mas não a universalidade. O Poder
Legislativo pertence exclusivamente ao Parlamento, sem a possibilidade de veto por parte do
Presidente da República. Previa-se, no entanto, uma forma de promulgação tácita caso o
Chefe de Estado não se pronunciasse no prazo de 15 dias. O Presidente da República era
eleito pelo Congresso, não tinha o poder de dissolver a Câmara. Só em 1919 lhe foi atribuído
este poder, condicionado à prévia audiência do Conselho Parlamentar.
Com a Constituição de 1933, a Assembléia Nacional tinha uma estrutura
monocameral e era o único órgão de soberania diretamente eleito. Inicialmente caracterizado
como órgão legislativo, a sua competência foi seriamente diminuída pela atribuição ao
Governo da competência legislativa normal. O Presidente da República tinha o poder de
dissolver o Parlamento sempre que o entendesse, bastando para isso ouvir o Conselho de
Estado. Surge a Câmara Corporativa, composta por representantes das autarquias locais e dos
interesses sociais. Competia-lhe relatar e dar parecer por escrito sobre todas as propostas ou
projetos de lei apresentados à Assembléia Nacional, antes de ser nesta iniciada a discussão.
A Constituição de 1976 instituiu um sistema misto parlamentar presidencial. O
Presidente da República e a Assembléia são eleitos por sufrágio eleitoral direto. Retoma a
solução monocameralista. A Assembléia da República é composta por deputados eleitos por
56
sufrágios universais, diretos e secretos, com candidaturas reservadas aos partidos e segundo o
sistema proporcional. Tem vastos poderes e competências tanto em matéria política como
legislativa.
4. O Parlamento Europeu
4.1. A organização e o funcionamento do Parlamento Europeu
O Parlamento Europeu é hoje uma instituição dinâmica e respeitada. O
Parlamento Europeu, assembléia eleita pelos cidadãos europeus, é uma instituição
relativamente jovem que se reclama herdeira da antiga Assembléia Comum da Comunidade
Européia do Carvão e do Aço (CECA). Esta assembléia reuniu pela primeira vez em 10 de
setembro de 1952 sendo os seus membros designados pelos respectivos Parlamentos
nacionais124. Com efeito, em pouco mais de meio século de existência, o órgão que hoje
conhecemos por Parlamento Europeu iria percorrer um longo caminho125 vindo,
sucessivamente, a reforçar os seus poderes, o que lhe permitiu tornar-se num órgão co-
legislador, em parceria com o Conselho, em muitas áreas das políticas da União, ao mesmo
tempo em que se reclama como o principal intérprete do interesse geral europeu.
Conseqüência das várias revisões dos tratados, mas também da estratégia que
seguiu, o Parlamento Europeu foi reforçando os seus poderes ao longo do tempo.126
Trata-se de uma instituição sui generis dotada de regras de funcionamento que a
diferenciam de um Parlamento nacional. A criação e a forma de evolução do Parlamento
Europeu é muito distinta da que se verifica nos Parlamentos nacionais. Saliente-se um
124 O Parlamento Europeu passa a assumir uma nova configuração, deixando de surgir perante a opinião pública como um mero agrupamento de delegações de deputados designados pelos Parlamentos nacionais, em virtude dos resultados dos escrutínios que passaram a ter lugar de cinco em cinco anos, em cada Estado-Membro (SOBRINHO, António; MARTINS, José António. O Parlamento Europeu. Um Parlamento diferente dos outros. Publicação do Gabinete em Portugal do Parlamento Europeu: Lisboa, 2004, p. 7). 125 Em síntese, a evolução da assembléia parlamentar foi a seguinte: 1952-1957: Criação da Assembléia Comum que representava a CECA e os seis Estados fundadores (Bélgica, França, Itália, Luxemburgo, Países Baixos e República Federal da Alemanha). Número de deputados: 78. 1958-1979: Com a entrada em vigor dos Tratados que instituem a CEE e a CEEA, em 1 de janeiro de 1958, a atividade parlamentar passou a abranger todos os domínios da economia, bem como a investigação no âmbito da energia nuclear. Durante este período, a assembléia parlamentar ficou conhecida por Parlamento dos Seis. (1958-1972), contando com 142 deputados e, posteriormente, por Parlamento dos Nove. (1973-1979), com 198 deputados, conseqüência das adesões da Dinamarca, Irlanda e Reino Unido às Comunidades Européias. 1979-2004: Em julho de 1979, foi constituído o primeiro Parlamento Europeu, eleito por sufrágio universal direto. A instituição parlamentar, agora sufragada pelo voto popular, revestia-se de maior legitimidade e iniciava verdadeiramente o seu percurso na conquista de poder, enquanto intérprete das diferentes expressões dos vários povos da Europa (Ibid., p. 7-8). 126 Ibid., p. 9.
57
aspecto particularmente relevante: enquanto os Parlamentos nacionais começaram por
exercer importantes funções legislativas, evoluindo para funções de controle parlamentar do
Executivo, o Parlamento Europeu seguiu o trajeto inverso, ou seja, desprovido de quaisquer
funções legislativas, e fazendo uso das suas competências de controle do Executivo, partiu à
conquista de novas competências, de natureza legislativa.127
Como todos os Parlamentos, o Parlamento Europeu exerce três poderes
fundamentais: o poder legislativo, o poder orçamental e o poder de controle do Executivo. O
Parlamento aprova, com o Conselho, as leis européias.128
Nas sessões parlamentares, realizam-se regularmente debates sobre a atualidade
internacional e sobre questões no âmbito dos Direitos do Homem129, que estão na origem de
resoluções respeitantes à política externa. A influência que o Parlamento Europeu pode
exercer através de sua ação no domínio das relações externas confere-lhe o estatuto de uma
tribuna internacional. Assim, ao longo dos anos, foram convidados a intervir perante o
Parlamento Europeu diversas personalidades, entre as quais se contam o Secretário-Geral das
Nações Unidas, o Presidente dos Estados Unidos da América, o Papa João Paulo II, os
Presidentes portugueses Mário Soares e Jorge Sampaio ou o Rei da Jordânia, para referir
apenas alguns.
O Parlamento trabalha, graças aos seus tradutores e intérpretes, nas línguas
oficiais da União: alemão, checo, dinamarquês, eslovaco, esloveno, espanhol, estônio,
127 SOBRINHO, António; MARTINS, José António. O Parlamento Europeu. Um Parlamento diferente dos outros. Publicação do Gabinete em Portugal do Parlamento Europeu: Lisboa, 2004, p. 15. 128 Qualquer nova adesão de um Estado à União Européia, bem como a maior parte dos acordos internacionais exigem, a aprovação do Parlamento Europeu. No caso de um acordo internacional ou de um Tratado de Adesão, o Parlamento Europeu deve estar integralmente informado sobre o mandato e o andamento das negociações. Quanto ao conhecimento, devido à tramitação comunitária, o tempo que medeia entre a apresentação de uma proposta legislativa e a sua correspondente aprovação e entrada em vigor nos Estados-Membros é por norma bastante longo. Esta situação, que pode parecer um entrave, não é invulgar nos Parlamentos nacionais, mas aí o debate político é aceso, está próximo do cidadão e a pressão mediática faz com que o tema em debate se prolongue e se mantenha vivo na ordem do dia. Existe ainda a convicção de que aquilo que se passa no “nosso” Parlamento é algo que nos vai afetar de imediato, enquanto essa consciência não existe em relação ao Parlamento Europeu, talvez por estar mais distante (BRUXELAS. O Parlamento Europeu. Serviço das Publicações do Parlamento Europeu. Direção-Geral de Informação e Relações Públicas do Parlamento Europeu. Gabinete de informação: Bruxelas, 2006, p. 19). 129 No âmbito de proteção aos direitos humanos no mundo, o Parlamento Europeu criou, em 1988, o prêmio Sakharov, anualmente atribuído a uma ou a diversas personalidades, ou a um grupo, que se tenham particularmente distinguido na luta em prol dos Direitos do Homem. Entre os nomes já premiados, encontram-se Nelson Mandela e Kofi Annan (BRUXELAS. O Parlamento Europeu. Serviço das Publicações do Parlamento Europeu. Direção-Geral de Informação e Relações Públicas do Parlamento Europeu. Gabinete de informação: Bruxelas, 2006, p. 27-28).
58
finlandês, francês, grego, húngaro, inglês, italiano, letão, lituano, maltês, neerlandês, polaco,
português e sueco.130
O Parlamento Europeu dispõe de três locais de trabalho (Estrasburgo, Bruxelas e
Luxemburgo), por razões históricas. São as três cidades onde as instituições européias se
instalaram após a sua criação. Um protocolo anexo ao Tratado de Amsterdã de 1997 salienta
nomeadamente: “O Parlamento Europeu tem sede em Estrasburgo, onde se realizam as doze
sessões plenárias mensais, incluindo a sessão orçamental. As sessões plenárias
suplementares realizam-se em Bruxelas. As Comissões do Parlamento Europeu reúnem-se em
Bruxelas. O Secretariado-Geral do Parlamento Europeu e os seus serviços permanecem no
Luxemburgo.” No entanto, por razões funcionais, um certo número de funcionários e de
colaboradores dos grupos políticos do Parlamento Europeu trabalha em Bruxelas.131
Todas as atividades do Parlamento, bem como as dos seus órgãos, são dirigidas
pelo Presidente, que dirige as sessões plenárias, as reuniões da Mesa e a Conferência dos
Presidentes132.
A evolução política na União Européia permite afirmar da existência de um
sistema político europeu, a qual se justifica pelo fato de: - os cidadãos nos vários Estados-Membros gozarem do direito à cidadania européia; - terem lugar eleições para o Parlamento Europeu por sufrágio universal e direto; - terem sido criadas as bases de um sistema eleitoral uniforme; - grupos políticos terem assento no Parlamento Europeu; - serem reconhecidos partidos políticos a nível europeu.133
As vinte comissões do Parlamento Europeu preparam os trabalhos das sessões
plenárias. Cada Comissão designa um Presidente e Vice-Presidentes e dispõe de um 130 BRUXELAS. O Parlamento Europeu. Serviço das Publicações do Parlamento Europeu. Direção-Geral de Informação e Relações Públicas do Parlamento Europeu. Gabinete de informação: Bruxelas, 2006, p. 9. 131 Ibid., p. 10. 132 O Presidente representa o Parlamento Europeu em todas as suas relações externas e, nomeadamente, nas relações internacionais (Ibid., p. 10). O atual Presidente do Parlamento Europeu é HANS-GERT POETTERING. A duração do mandato do Presidente é de dois anos e meio.
A Mesa é o órgão de direção regulamentar da instituição, competente em matéria de orçamento do Parlamento, de questões administrativas, de pessoal e de organização. A Mesa é constituída pelo Presidente, por catorze Vice-Presidentes e por cinco Questores com funções consultivas. Os Questores têm a seu cargo as questões administrativas diretamente relacionadas com os deputados.
A Conferência dos Presidentes é composta pelo Presidente do Parlamento Europeu e pelos Presidentes dos grupos políticos. Enquanto órgão de direção política do Parlamento, fixa as competências e o número de membros das comissões e das delegações parlamentares, decide a repartição dos lugares no hemiciclo e elabora o calendário e a ordem do dia das sessões plenárias. Examina as recomendações da Conferência dos Presidentes das Comissões relativas aos trabalhos destas e a ordem do dia das sessões.
133 SOBRINHO, António; MARTINS, José António. O Parlamento Europeu. Um Parlamento diferente dos outros. Publicação do Gabinete em Portugal do Parlamento Europeu: Lisboa, 2004, p. 47.
59
secretariado. As Comissões elaboram e aprovam os relatórios sobre propostas legislativas e
relatórios de iniciativa. Preparam também pareceres destinados a outras comissões
parlamentares. Para além destas comissões permanentes, o Parlamento pode igualmente
constituir comissões temporárias e comissões de inquérito. As comissões parlamentares
mistas mantém relações com os parlamentos dos países candidatos à adesão e as delegações
interparlamentares com os parlamentos de outros países terceiros. O Parlamento Europeu
conta com cerca de 4.000 funcionários, que são recrutados, através de concurso, em todos os
países da União Européia e estão sob a autoridade de um Secretário-Geral. Os grupos
políticos têm os seus colaboradores próprios e os deputados dispõem de assistentes
parlamentares.134
Elencam-se oito características particulares que fazem do Parlamento Europeu
uma instituição distinta, conforme observam Richard Corbett, Francis Jacobs e Michael
Schackleton, nomeadamente: 1) por se tratar da experiência mais aprofundada de democracia transnacional, em que esta substitui, ou pelo menos complementa, a diplomacia internacional; 2) por fazer parte de um sistema institucional único e sem precedentes como a União Européia, com a sua mescla de poderes legislativos supranacionais e instrumentos de cooperação intergovernamental; 3) por ser controversa a sua existência, ao terem sido registradas reações de oposição à sua criação e desenvolvimento; 4) pela sua evolução particularmente rápida, fato esse traduzido pelo sucessivo reforço de poderes que se tem vindo a registrar desde 1979; 5) pela sua dispersão geográfica, que o obriga a desenvolver a sua atividade em três locais distintos – Bruxelas, Luxemburgo e Estrasburgo - , devido ao consignado nos Tratados; 6) pelo desenvolvimento do multilinguismo a um nível extraordinário, que a vai obrigar, a partir de 1º de maio de 2004, a utilizar 20 línguas oficiais, o que acarreta a interpretação das reuniões e a tradução de todos os documentos de sessão; 7) pelo resultado das eleições européias não determinar a nomeação de um executivo – Comissão Européia – nem tão pouco a sua eleição implicar mudanças naquele órgão, à semelhança do que sucede com o Congresso dos EUA, e contrariamente ao que se verifica com os Parlamentos dos Estados-Membros; 8) continuar a expandir-se em número de deputados, tendo passado de 410 membros de 9 Estados-Membros, resultantes das eleições de 1979, para 626, conforme se verifica atualmente, com os representantes dos povos de 15 Estados-Membros. O número de deputados ascenderá a 732, em conseqüência da adesão de mais 10 Estados-Membros à União Européia.135
As distâncias a que estão as instituições, por vezes grandes em relação aos
Estados periféricos, fazem com que os cidadãos não se apercebam do seu verdadeiro papel e,
no caso concreto do Parlamento Europeu, podem conduzir a níveis elevados de abstenção
134 BRUXELAS. O Parlamento Europeu. Serviço das Publicações do Parlamento Europeu. Direção-Geral de Informação e Relações Públicas do Parlamento Euroepu. Gabinete de informação: Bruxelas, 2006, p. 12. 135 CORBETT, Richard; JACOBS, Francis; SCHACKLETON, Michael. The European Parliament. 5.ed. John Harper Publishing: London, 2003, p. 363.
60
por ocasião da realização de eleições européias por se considerar a instituição longínqua e
burocrática, muito embora a instituição influencie cada vez mais o cotidiano de cada um.136
4.2. Os deputados
Os deputados137 do Parlamento Europeu são eleitos por sufrágio universal direto
desde 1979, com modalidades de escrutínio diferente, conforme os Estados-Membros.
Atualmente, a eleição ocorre de 5 em 5 anos.138 Os deputados exercem o seu mandato com
independência e não podem ser sujeitos a quaisquer ordens ou instruções. Durante o período
de 2004-2009, o Parlamento Europeu é composto por 785 deputados, repartidos de modo
diferente pelos 27 Estados-Membros. O número de deputados que representam cada um dos
Estados-Membros varia em função do número de habitantes; cada país tem um número fixo
de mandatos, que vai de 99, no caso da Alemanha, a 5, no caso de Malta.
Em todos os países são aplicadas regras democráticas comuns: direito de voto aos
18 anos, igualdade entre mulheres e homens e voto por escrutínio secreto. Os deputados
europeus recebem salário idêntico aos deputados nacionais do país em que foram eleitos, que
é pago por esse mesmo Estado-Membro.139
O Parlamento Europeu reúne e delibera em público. As suas resoluções, pareceres
e debates são publicados no Jornal Oficial da União Européia. No hemiciclo, os deputados
não estão agrupados por delegações nacionais, mas sim em função do grupo político a que
pertencem. Atualmente, o Parlamento Europeu integra não somente grupos políticos, bem 136 SOBRINHO, António; MARTINS, José António. O Parlamento Europeu. Um Parlamento diferente dos outros. Publicação do Gabinete em Portugal do Parlamento Europeu: Lisboa, 2004, p. 35. 137 Eleitos pelos cidadãos da União Européia, por sufrágio universal direto, para serem os seus representantes na tomada de decisões no processo legislativo da União, os deputados ao Parlamento Europeu “gozam de independência no exercício do seu mandato, não se encontrando sujeitos a quaisquer ordens ou instruções” (artigo 2º do Regimento). O número de deputados ao Parlamento Europeu, ao longo do período 1979-2004, evoluiu do seguinte modo: - constituição da primeira assembléia eleita por sufrágio universal direto (410 deputados); - Parlamento dos Dez (1.1.1981) que passou a albergar 434 deputados, com a adesão da Grécia à CEE; - Parlamento dos Doze (1.1.1986) com 518 deputados, na seqüência da adesão de Espanha e de Portugal à CEE; - nova ampliação devido à unificação alemã, por ocasião das quartas eleições européias e que se traduziu na eleição de 567 deputados (junho de 1994); - fixação em 626 deputados, com a adesão da Áustria, da Finlândia e da Suécia à União Européia, a 1.1.1995; Nas eleições para a VI legislatura, com data marcada para o período de 10 a 13 de junho de 2004, os cidadãos de 25 Estados-Membros elegeram 732 deputados, num ato eleitoral sem precedentes na história da União, conseqüência do maior alargamento efetuado até a data (SOBRINHO, António; MARTINS, José António. op.cit., p. 8).
138 BRUXELAS. O Parlamento Europeu. Serviço das Publicações do Parlamento Europeu. Direção-Geral de Informação e Relações Públicas do Parlamento Euroepu. Gabinete de informação: Bruxelas, 2006, p. 7. 139 Ibid., p. 7.
61
como deputados “Não Inscritos”. Por outro lado, os deputados trabalham em comissões e em
delegações parlamentares, de que podem ser membros titulares ou suplentes.140
Os deputados europeus reúnem-se em sessão plenária uma vez por mês em
Estrasburgo. Em Bruxelas, tem lugar um determinado número de sessões suplementares de
dois dias. O Secretariado-Geral do Parlamento está instalado no Luxemburgo. Duas semanas
por mês, os deputados europeus participam nas reuniões das comissões parlamentares em
Bruxelas, sendo a semana restante dedicada às reuniões dos grupos políticos.141
O trabalho dos deputados europeus divide-se entre a participação nas sessões
plenárias, nas reuniões das comissões parlamentares e delegações, nas reuniões dos grupos
políticos a que pertencem, no trabalho de preparação de relatórios, na apresentação de
propostas de resolução, nas intervenções nos debates e no trabalho político junto dos seus
constituintes. Toda esta atividade é distribuída pelos três locais de trabalho do Parlamento
Europeu – Estrasburgo, Bruxelas e Luxemburgo – e ainda, essencialmente, pelo seu país de
origem, ou outro onde seja reclamada a sua presença. A cada deputado compete representar
os interesses comuns e não usar o exercício da sua influência no interesse exclusivo do seu
país de origem. Embora o desígnio “interesse comum” deva prevalecer, nem sempre isso
acontece, havendo uma forte tendência para colocar os interesses nacionais acima dos
interesses comuns.142
140 BRUXELAS. O Parlamento Europeu. Serviço das Publicações do Parlamento Europeu. Direção-Geral de Informação e Relações Públicas do Parlamento Euroepu. Gabinete de informação: Bruxelas, 2006, p. 9. 141 Ibid., p. 9. 142 SOBRINHO, António; MARTINS, José António. O Parlamento Europeu. Um Parlamento diferente dos outros. Publicação do Gabinete em Portugal do Parlamento Europeu: Lisboa, 2004, p. 43-44.
62
4.3. Os grupos políticos
A maior parte dos deputados está inscrita num grupo político143. Existe, contudo,
um determinado número de parlamentares que não pertence a qualquer grupo político. São os
deputados “Não Inscritos”. Um grupo político deve ser plurinacional e possuir um número
mínimo de membros. Diversos grupos políticos fazem parte de partidos políticos organizados
a nível europeu. Cada grupo político possui um presidente, uma mesa e um secretariado.
Antes da votação em sessão plenária, os grupos políticos examinam os relatórios das
comissões parlamentares, tendo em conta a sua orientação política e, freqüentemente,
apresentam propostas de alterações. Desempenham também um importante papel na fixação
da ordem do dia das sessões plenárias.144
No Parlamento Europeu não há verdadeiramente uma oposição sistemática por
parte de uma coligação ou grupo político, porque o sistema institucional, tal como foi criado,
dificulta tal procedimento. De fato, quem o concebeu pensou, sobretudo, em privilegiar o
consenso em lugar de facilitar a confrontação. Este é mais um dos aspectos interessantes que
faz da União Européia um sistema ímpar no relacionamento entre as instituições.145
Os grupos políticos representados no Parlamento Europeu integram deputados de
um ou mais Estados-Membros de acordo com as suas afinidades políticas. As disposições do
regimento do Parlamento Europeu, que definem as regras de funcionamento da Instituição,
incluem alguns artigos exclusivamente dedicados aos grupos políticos, e que a seguir se
transcrevem:
143 Partido Popular Europeu: fundado em 1976, em Bruxelas-Luxemburgo, enquanto federação dos partidos democratas-cristãos dos Estados-Membros da Comunidade, sucedendo à Comissão Política dos Partidos Democratas-Cristãos da Comissão Européia, criada em 1972 (secretariado permanente em Bruxelas); Partido dos Socialistas Europeus: criado em 1992, tendo sucedido à Confederação dos Partidos Socialistas da Comunidade Européia, desenvolveu-se a partir de um gabinete de coordenação instalado em Roma tendo o seu secretariado efetivo em Bruxelas. A condição fundamental para aderir a este partido é a de ser filiado na Internacional Socialista; Partido Europeu dos Liberais, Democratas e Reformistas: criado em 1993, resulta da federação dos partidos liberais e democratas da Comunidade Européia que foi fundada em 1976, em Estugarda. As idéias políticas dos liberais expostas na Declaração de Estugarda baseiam-se no Manifesto de Oxford elaborado pela Internacional Liberal em 1947; Federação Européia dos Partidos dos Verdes: criado em 1993, resulta da Coordenação dos Verdes Europeus que foi fundada em 1984, em Bruxelas, tendo fixado o seu ideário político numa declaração comum sobre os seus objetivos. Em 21 de fevereiro de 2004, em Roma, aquela federação deu origem ao Partido Europeu dos Verdes; Federação dos Partidos Regionalistas-Federalistas: A Federação foi fundada em julho de 1981 em Estrasburgo, tendo fixado o seu ideário político na declaração comum de 1981 (SOBRINHO, António; MARTINS, José António. O Parlamento Europeu. Um Parlamento diferente dos outros. Publicação do Gabinete em Portugal do Parlamento Europeu: Lisboa, 2004, p. 42). 144 BRUXELAS. O Parlamento Europeu. Serviço das Publicações do Parlamento Europeu. Direção-Geral de Informação e Relações Públicas do Parlamento Euroepu. Gabinete de informação: Bruxelas, 2006, p. 11. 145 SOBRINHO, António; MARTINS, op.cit., p. 34-35.
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CAPÍTULO 4 – GRUPOS POLÍTICOS Artigo 29º - Constituição dos Grupos Políticos
1. Os deputados podem constituir-se em grupos por afinidades políticas.146 2. Cada grupo político integrará deputados eleitos em pelo menos um quinto dos Estados-Membros. O número mínimo de deputados requerido para a constituição de um grupo político é de vinte. 3. Cada deputado só pode pertencer a um grupo político.
4. A constituição dos grupos políticos deverá ser declarada ao presidente. Dessa declaração deve constar a denominação do grupo, o nome dos deputados que o integram e a composição da respectiva mesa.
5. As declarações de constituição dos grupos políticos serão publicadas no Jornal Oficial da União Européia.
Artigo 31º - Deputados não-inscritos
1. Os deputados que não pertençam a qualquer grupo político disporão de um secretariado. Para esse efeito, a Mesa tomará, sob proposta do Secretário-Geral, as medidas adequadas.
2.Compete à Mesa regulamentar o estatuto e os direitos parlamentares destes deputados.
3. A Mesa adotará igualmente regulamentação relativa à disponibilização, à execução e ao controle das dotações inscritas no orçamento do parlamento para cobrir as despesas de secretariado e das estruturas administrativas dos deputados não-inscritos.
146 Normalmente, o Parlamento não necessita de avaliar a afinidade política dos membros de um grupo. Ao constituírem um grupo ao abrigo deste artigo, os deputados envolvidos aceitam por definição que existe entre eles afinidade política. Só quando isso for posto em causa pelos deputados envolvidos é que é necessário que o Parlamento avalie se o grupo se encontra constituído em conformidade com o Regimento (SOBRINHO, António; MARTINS, José António. O Parlamento Europeu. Um Parlamento diferente dos outros. Publicação do Gabinete em Portugal do Parlamento Europeu: Lisboa, 2004, p. 37).
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III. O PARLAMENTO NO DIREITO BRASILEIRO 1. O Parlamento Brasileiro 1.1. A história do Parlamento nas constituições brasileiras A leitura das constituições brasileiras é uma excelente forma de estudar a história
do Brasil, permitindo-nos conhecer o nosso passado, bem como compreender melhor a
realidade contemporânea. Como conseqüência natural desse estudo, é possível identificar os
avanços e retrocessos que tivemos em nosso sistema representativo. O Brasil teve 7
constituições (1824, 1891, 1934, 1937, 1946, 1967 e 1988). É certo que, cada constituição,
refletiu o cenário político, social e econômico de sua época.
Dessa forma, o nosso Parlamento já recebeu algumas denominações nos textos
constitucionais: Assembléia Geral (1824), Poder Legislativo (1934), Parlamento Nacional
(1937) e Congresso Nacional (1891, 1946, 1967 e 1988). Quase todas as constituições
estabeleceram uma legislatura de 4 anos, sendo que somente a de 1891 dispôs de forma
diferente (3 anos). O mandato dos senadores era vitalício na constituição de 1824. Passou para
9 anos no texto constitucional seguinte (1891). Já em 1934, nova alteração para 8 anos, que
passou a valer nas constituições que se seguiram, com exceção da de 1937, que criou o
Conselho Federal (mandato de 6 anos), que formava o Parlamento Nacional com a Câmara
dos Deputados.
Por fim, os critérios de elegibilidade e as regras de composição e escolha dos
representantes também se modificaram ao longo da história. Vejamos os pontos principais que
cada constituição estabeleceu em relação ao Parlamento.
1.1.1. Constituição Política do Império do Brasil de 1824
A Constituição do Império é caracterizada pela colisão entre o liberalismo e o
autoritarismo do monarca. Esse desencontro tornou-se fatal, tanto para o destino da própria
Assembléia Constituinte – que foi dissolvida pelo Imperador – como para o próprio destino
político do país, ao longo de quase 7 décadas de sua história. Quando da abertura dos
trabalhos constituintes, Dom Pedro pronunciou essas palavras: “Espero que a Constituição
que façais mereça a minha real aprovação.” Isso revela bem a medida da situação ambígua
que marcou não apenas aqueles anos, bem como todo o período do 1º e 2º Império,
contradição que se mostrará evidente na figura do Poder Moderador. 147
147 BONAVIDES, Paulo; ANDRADE, Paes de. História Constitucional do Brasil. 3.ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1991, p. 89-90.
65
Um bom exemplo disso era que o pedido de sanção de um projeto de lei ao
Imperador, deveria ser feito nos seguintes termos: “A Assembléia Geral dirige ao Imperador
o Decreto incluso, que julga vantajoso e útil ao Império, e pede a Sua Majestade Imperial, se
digne dar a sua sanção (art. 62)”. Caso o Imperador não consentisse, a resposta se dava da
seguinte forma: “O Imperador quer meditar sobre o Projeto de Lei, para a seu tempo se
resolver.” Ao que a Câmara teria que responder que “Louva a sua Majestade Imperial o
interesse, que toma pela Nação (art. 64)”.
De acordo com a Constituição Imperial, os representantes da “Nação Brasileira”
eram o Imperador e a Assembléia Geral (art. 11). O Poder Legislativo era delegado à
Assembléia Geral, com a sanção do Imperador (art. 13). A Assembléia Geral era composta de
duas Câmaras: Câmara de Deputados, e Câmara de Senadores, ou Senado (art. 14).148
Já em relação à legislatura, a sua duração era de 4 anos, e cada sessão anual tinha 4
meses (art. 17). Na reunião das duas Câmaras, o Presidente do Senado dirigia o trabalho. Os
deputados e senadores tomavam lugar indistintamente (art. 22). Não se podia celebrar sessão
em cada uma das Câmaras, sem que estivesse reunida a metade, e mais um dos seus
respectivos Membros (art. 23).
É interessante destacar o artigo 29, que estabelecia que os senadores e deputados
poderiam ser nomeados para o cargo de Ministro de Estado, ou Conselheiro do Estado. Art. 10. Os Poderes Políticos reconhecidos pela Constituição do Império do Brasil são quatro: o Poder Legislativo, o Poder Moderador, o Poder Executivo, e o Poder Judicial. Art. 98. O Poder Moderador é a chave de toda a organização política, e é delegado privativamente ao Imperador, como Chefe Supremo da Nação, e seu Primeiro Representante, para que incessantemente vele sobre a manutenção da independência, equilibrio, e harmonia dos mais Poderes Politicos. Art. 99. A Pessoa do Imperador é inviolável, e sagrada: Ele não está sujeito à responsabilidade alguma. Art. 100. Os seus títulos são "Imperador Constitucional, e Defensor Perpétuo do Brazil" e tem o Tratamento de Majestade Imperial. Art. 101. O Imperador exerce o Poder Moderador: I. Nomeando os Senadores, na forma do art. 43. II. Convocando a Assembléia Geral extraordinariamente nos intervalos das Sessões, quando assim o pede o bem do Império. III. Sancionando os Decretos, e Resoluções da Assembléia Geral, para que tenham força de Lei: art. 62. IV. Aprovando, e suspendendo interinamente as Resoluções dos Conselhos Provinciais: arts. 86, e 87. V. Prorrogando, ou adiando a Assembléia Geral, e dissolvendo a Câmara dos Deputados, nos casos, em que o exigir a salvação do Estado; convocando imediatamente outra, que a substitua. VI. Nomeando, e demitindo livremente os Ministros de Estado. VII. Suspendendo os Magistrados nos casos do art. 154. VIII. Perdoando, e moderando as penas impostas e os réus condenados por sentença. IX. Concedendo anistia em caso urgente, e que assim aconselhem a humanidade, e bem do Estado. 148 Art. 16. Cada uma das Câmaras terá o Tratamento de Augustos, e Digníssimos Senhores Representantes da Nação.
66
Entretanto, os Senadores continuavam a ter assento no Senado, e o deputado deixaria vago o
seu lugar na Câmara, e se procedia a uma nova eleição, na qual podia ser reeleito e então,
acumular as duas funções.
A Câmara dos Deputados era eletiva e temporária (art. 35) e possuía iniciativa
privativa sobre impostos, recrutamentos e escolha da nova dinastia, em caso de extinção da
imperante (art. 36).
O Senado era composto de membros vitalicios, e era organizado por eleição
provincial (art. 40). A composição da Casa se dava da seguinte forma: Cada Província dará tantos senadores, quantos forem a metade de seus respectivos deputados, com a diferença, que, quando o número dos deputados da Província for ímpar, o número dos seus senadores será metade do número imediatamente menor, de maneira que a Província que houver de dar onze deputados, dará cinco senadores (art. 41).
A Província, que tiver um só deputado, elegerá todavia o seu senador, não obstante a regra acima estabelecida (art. 42).
As eleições para o Senado eram feitas da mesma maneira que as dos deputados,
mas em listas tríplices, sobre as quais o Imperador escolhia o terço na totalidade da lista (art.
43). Para ser senador, era necessário ter no mínimo, 40 anos. Além disso, outros requisitos
eram necessários, como por exemplo, uma renda anual de oitocentos mil réis.149 Entretanto, os
príncipes da Casa Imperial eram Senadores por Direito, e tinham assento no Senado, logo que
chegassem à idade de 25 anos.
A Constituição reconhecia e garantia o direito de intervir de todo o cidadão nos
negócios da sua província. Esse direito era exercido pelas Câmaras dos Distritos e pelos
Conselhos, com o título de Conselho Geral da Província. Cada um dos Conselhos Gerais era
composto de 21 membros nas províncias mais populosas150e nas outras 13. A sua eleição era
feita na mesma ocasião e da mesma maneira que a dos “representantes da Nação”, e pelo
tempo de cada legislatura. Para ser membro desses Conselhos, era necessária a idade mínima
de 25 anos, probidade e “decente subsistência” (arts. 71 a 75).
Entretanto, havia limitações para deliberação nesses Conselhos. É o que se extrai
da leitura do artigo 83: Não se podem propor, nem deliberar nestes Conselhos projetos: I. Sobre interesses gerais da Nação.
149 Art. 45. Para ser Senador, requer-se: I. Que seja Cidadão Brasileiro, e que esteja no gozo dos seus Direitos Políticos. II. Que tenha de idade quarenta anos para cima. III. Que seja pessoa de saber, capacidade, e virtudes, com preferência os que tiverem feito serviços à Pátria. IV. Que tenha de rendimento anual por bens, indústria, comércio, ou empregos, a soma de oitocentos mil réis. 150 Pará, Maranhão, Ceará, Pernambuco, Bahia, Minas Gerais, São Paulo, e Rio Grande do Sul.
67
II. Sobre quaisquer ajustes de umas com outras províncias. III. Sobre imposições, cuja iniciativa é da competência particular da Câmara dos Deputados. IV. Sobre execução de leis, devendo porém, dirigir a esse respeito representações motivadas à Assembléia Geral, e ao Poder Executivo conjuntamente. As Resoluções dos Conselhos Gerais de Província eram remetidas diretamente ao
Poder Executivo, pelo intermédio do Presidente da Provincia (art. 84). Caso a Assembléia
Geral se achasse a esse tempo reunida, lhe seriam imediatamente enviadas pela respectiva
Secretaria de Estado, para serem propostas como Projetos de Lei, e obter a aprovação da
Assembléia por uma única discussão em cada Câmara (art. 85). Mas se a Assembléia não se
achasse a esse tempo reunida, o Imperador as mandaria provisoriamente executar, se julgasse
que elas eram dignas de pronta providência, pela utilidade, que de sua observância resultaria o
bem geral da província (art. 86).
Se não ocorressem essas circunstâncias, o Imperador declararia que: “Suspende o
seu juízo a respeito daquele negócio”, ao que o Conselho responderia que: “Recebeu mui
respeitosamente a resposta de Sua Majestade Imperial (art. 87)”.
Logo que a Assembléia Geral se reunisse, lhe seriam enviadas as resoluções
suspensas e as que estivessem em execução, para serem discutidas, e deliberadas (art. 88).
Cabia, também, à Assembléia Geral, regular os Conselhos Gerais de Província por meio de
regimento (art. 89).
As nomeações dos deputados e senadores para a Assembléia Geral, e dos
Membros dos Conselhos Gerais das Províncias, eram feitas por eleições indiretas, elegendo a
massa dos cidadãos ativos em Assembléias Paroquiais os eleitores de província, e estes os
representantes da Nação, e provincia (art. 90).
Destaquem-se as limitações para o voto: Art. 92. São excluídos de votar nas Assembléias Paroquiais: I. Os menores de vinte e cinco anos, nos quais se não compreendem os casados, e oficiais militares, que forem maiores de vinte e um anos, os bacharéis formados, e Clérigos de Ordens Sacras. II. Os filhos famílias, que estiverem na companhia de seus pais, salvo se servirem ofícios públicos. III. Os criados de servir, em cuja classe não entram os guarda-livros, e primeiros caixeiros das casas de comércio, os Criados da Casa Imperial, que não forem de galão branco, e os administradores das fazendas rurais, e fábricas. IV. Os religiosos, e quaisquer, que vivam em comunidade claustral. V. Os que não tiverem de renda líquida anual cem mil réis por bens de raiz, indústria, comércio, ou empregos. Os que não podiam votar nas Assembléias Primárias de Paróquia, não podiam ser
Membros, nem votar na nomeação de alguma autoridade eletiva nacional, ou local (art. 93).
Podiam ser eleitores e votar na eleição dos deputados, senadores e membros dos Conselhos de
Província, todos os que podiam votar na Assembléia Paroquial, com exceção dos que não
68
tivessem renda líquida anual de duzentos mil réis por bens de raiz, industria, comércio, ou
emprego; os libertos; e os criminosos pronunciados em querela, ou devassa (art. 94). Todos os
que podiam ser eleitores, eram hábeis para serem nomeados deputados, exceto os que não
tivessem quatrocentos mil réis de renda líquida, na forma dos arts. 92 e 94; os estrangeiros
naturalizados; e os que não professassem a religião do Estado (art. 95).
Podemos concluir, do exame de todos esses institutos, que a Constituição do
Império trazia diversas limitações ao Parlamento (Assembléia Geral). Por outro lado, ao
Imperador era conferido superpoderes. Conforme assinalam Bonavides e Paes de Andrade, o
Poder Moderador da Carta do Império é literalmente a constitucionalização do absolutismo, se
isso fora possível.151
1.1.2. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 1891
De um ponto de vista ideológico, a Primeira República foi o coroamento do
liberalismo no Brasil. Suas bases constitucionais contrapuseram o absolutismo do Império,
estampado pela singular criação do Poder Moderador, que feria a concepção de contenção de
poderes formulada por Montesquieu e Constant. Mas a fidelidade do texto constitucional aos
princípios e valores ideológicos proclamados não guardava, porém, correspondência com a
realidade. A figura do Presidente da República era um monarca sem coroa, um rei sem trono.
As instituições se revelavam impotentes para romper a tradição, o costume, a menoridade
cívica, os vícios sociais. Extraía-se a seguinte lição: não era possível suprimir a história e a
realidade com lápis e papel, ao abrigo macio das antecâmaras do poder. Por outro lado, não se
pode deixar de reconhecer que a proclamação da República, os decretos do Governo
Provisório e a promulgação da Constituição de 1891 representaram, pelo aspecto formal, uma
ruptura completa da ordem política anteriormente estabelecida no país. Mas uma coisa foi a
ordem constitucional formalmente estabelecida pela vontade da Assembléia Constituinte – e
outra coisa era a realidade e a organização social da nação republicana, originada da crise do
cativeiro e da derrubada das instituições imperiais. 152
O Poder Legislativo era exercido pelo Congresso Nacional, com a sanção do
Presidente da República. O Congresso Nacional era formado pela Câmara dos Deputados e o
Senado Federal (art. 16). Cada Legislatura tinha a duração de três anos (§ 2º, art. 17). A
Câmara dos Deputados e o Senado Federal trabalhavam separadamente e, quando não se 151 BONAVIDES, Paulo; ANDRADE, Paes de. História Constitucional do Brasil. 3.ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1991, p. 96. 152 Ibid., p. 249-250.
69
resolvesse o contrário, por maioria de votos, em sessões públicas. As deliberações eram
tomadas por maioria de votos, achando-se presente, em cada uma, a maioria absoluta de seus
membros (art. 18).
As condições de elegibilidade para o Congresso Nacional estavam previstas no
artigo 26:
1 º ) estar na posse dos direitos de cidadão brasileiro e ser alistado como eleitor; 2 º ) para a Câmara, ter mais de quatro anos de cidadão brasileiro, e para o Senado mais de seis. Esta disposição não compreende os cidadãos a que se refere o nº IV do art. 69.153 A Câmara dos Deputados era formada por representantes do povo, eleitos pelos
Estados e pelo Distrito Federal, mediante o sufrágio direto, garantida a representação da
minoria. O número dos Deputados era fixado por lei em proporção que não excedesse de um
por setenta mil habitantes, não devendo esse número ser inferior a quatro por Estado (art. 28).
Competia à Câmara a iniciativa do adiamento da sessão legislativa e de todas as leis de
impostos, das leis de fixação das forças de terra e mar, da discussão dos projetos oferecidos
pelo Poder Executivo e a declaração da procedência, ou improcedência da acusação contra o
Presidente da República, e contra os Ministros de Estado nos crimes conexos com os do
Presidente da República (art. 29).
Quanto ao Senado, o mesmo era composto de cidadãos elegíveis nos termos do art.
26 e maiores de 35 anos, em número de três senadores por Estado e três pelo Distrito Federal,
eleitos pelo mesmo modo por que o fossem os deputados (art. 30). O mandato dos senadores
durava nove anos, renovando-se o Senado pelo terço trienalmente (art. 31).
Incumbia, ainda, ao Congresso, mas não privativamente, velar na guarda da
Constituição e das leis e providenciar sobre as necessidades de caráter federal; animar no País
o desenvolvimento das letras, artes e ciências, bem como a imigração, a agricultura, a
indústria e comércio, sem privilégios que tolham a ação dos Governos locais; criar
instituições de ensino superior e secundário nos Estados; e prover a instrução secundária no
Distrito Federal (art. 35).
153 Art 69 - São cidadãos brasileiros: 1º) os nascidos no Brasil, ainda que de pai estrangeiro, não residindo este a serviço de sua nação; 2º) os filhos de pai brasileiro e os ilegítimos de mãe brasileira, nascidos em país estrangeiro, se estabelecerem domicílio na República; 3º) os filhos de pai brasileiro, que estiver em outro país ao serviço da República, embora nela não venham domiciliar-se; 4º) os estrangeiros, que achando-se no Brasil aos 15 de novembro de 1889, não declararem, dentro em seis meses depois de entrar em vigor a Constituição, o ânimo de conservar a nacionalidade de origem; 5º) os estrangeiros que possuírem bens imóveis no Brasil e forem casados com brasileiros ou tiverem filhos brasileiros contanto que residam no Brasil, salvo se manifestarem a intenção de não mudar de nacionalidade; 6º) os estrangeiros por outro modo naturalizados.
70
1.1.3. Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil de 1934
Em 1934, a situação é diversa daquela que deu origem à Constituição anterior. As
preocupações sociais ganham prioridade. Em rigor, 1934 é fruto do movimento de 1930, das
mudanças efetuadas pelo Governo Provisório e da Revolução Constitucionalista de 1932. A
Assembléia Constituinte reunida em 1933 contrasta com a de 1891, inicialmente pelo
entusiasmo com que a população a acolheu, ao contrário da indiferença que envolveu a
primeira constituinte republicana. Os constituintes eram em número de 214, entre os quais
uma inovação e peculiaridade: 40 deputados classistas, 18 representantes dos empregados, 17
dos empregadores, 3 dos profissionais liberais e 2 dos funcionários públicos. As correntes de
pensamento mais diversas estavam aí representadas. As preocupações parecem adquirir
âmbito nacional. Todos esses fatores apontam para o sentido eminentemente social da
Constituição de 1934.154
Em seu texto, um liberalismo manifestado no capítulo das liberdades e garantias
individuais, nas eleições livres, no voto universal, na livre organização dos partidos, na
autonomia dos poderes, dos estados e municípios. Mas há, também, por outro lado, uma forte
tendência centralizadora – marcada pela ampliação das atribuições do Poder Executivo - que
vem aliada a um desejo de regular todas as instâncias do corpo social, a uma maciça
intervenção do Estado na economia.155
A dose de socialismo inoculada em nosso Estado Liberal para reformá-lo de alto a
baixo foi, porém, forte demais. Pereceu a Constituição submersa nas agitações que abalaram o
país, efeito de uma efervescência ideológica de cunho revolucionário, da qual colheu a contra-
reforma ensejo para desferir o golpe de Estado de 1937.156
O Poder Legislativo era exercido pela Câmara dos Deputados com a colaboração
do Senado Federal. Cada Legislatura tinha duração de quatro anos (art. 22). De acordo com o
artigo 23, a Câmara dos Deputados era composta de representantes do povo, eleitos mediante
sistema proporcional e sufrágio universal, igual e direto, e de representantes eleitos pelas
organizações profissionais na forma que a lei indicasse. O número dos deputados seria fixado
por lei: os do povo, proporcionalmente à população de cada Estado e do Distrito Federal, não
podendo exceder de um por 150 mil habitantes até o máximo de vinte, e deste limite para
cima, de um por 250 mil habitantes; os das profissões, em total equivalente a um quinto da
154 BONAVIDES, Paulo; ANDRADE, Paes de. História Constitucional do Brasil. 3.ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1991, p. 319. 155 Ibid., p. 320. 156 Ibid., p. 325.
71
representação popular. Os Territórios elegeriam dois Deputados (§ 1º). Os deputados das
profissões eram eleitos na forma da lei ordinária por sufrágio indireto das associações
profissionais compreendidas para esse efeito, e com os grupos afins respectivos, nas quatro
divisões seguintes: lavoura e pecuária; indústria; comércio e transportes; profissões liberais e
funcionários públicos (§ 3º). O total dos deputados das três primeiras categorias era no
mínimo de seis sétimos da representação profissional, distribuídos igualmente entre elas,
dividindo-se cada uma em círculos correspondentes ao número de deputados que lhe
coubesse, dividido por dois, a fim de garantir a representação igual de empregados e de
empregadores. O número de círculos da quarta categoria correspondia ao dos seus deputados
(§ 4º). Excetuada a quarta categoria, havia em cada círculo profissional dois grupos eleitorais
distintos: um, das associações de empregadores, outro, das associações de empregados (§ 5º).
Os grupos eram constituídos de delegados das associações, eleitos mediante sufrágio secreto,
igual e indireto por graus sucessivos (§ 6º). Na discriminação dos círculos, a lei assegurava a
representação das atividades econômicas e culturais do País (§ 7º). Ninguém poderia exercer o
direito de voto em mais de uma associação profissional (§ 8º). Nas eleições realizadas em tais
associações não votavam os estrangeiros (§ 9º).
A elegibilidade para a Câmara dos Deputados estava disposta no artigo 24: “São
elegíveis para a Câmara dos Deputados os brasileiros natos, alistados eleitores e maiores de
25 anos; os representantes das profissões deverão, ainda, pertencer a uma associação
compreendida na classe e grupo que os elegerem”.
Durante o prazo das suas sessões, a Câmara dos Deputados funcionava todos os
dias úteis, com a presença de um décimo pelo menos dos seus membros e, salvo se resolvesse
o contrário, em sessões públicas. As deliberações, a não ser nos casos expressos na
Constituição, eram tomadas por maioria de votos, presente a metade e mais um dos seus
membros (art. 27).
Competia exclusivamente ao Senado Federal a iniciativa das leis sobre a
intervenção federal, e, em geral das que interessem determinadamente a um ou mais Estados
(artigo 41, § 3º). Ao Senado Federal, nos termos dos artigos 90, 91 e 92, incumbia promover a
coordenação dos Poderes federais entre si, manter a continuidade administrativa, velar pela
Constituição, colaborar na feitura de leis e praticar os demais atos da sua competência (artigo
88). O Senado Federal era composto de dois representantes de cada Estado e do Distrito
Federal, eleitos mediante sufrágio universal, igual e direto por oito anos, dentre brasileiros
natos, alistados eleitores e maiores de 35 anos (artigo 89). O parágrafo primeiro desse mesmo
72
artigo estabelecia que a representação de cada Estado e do Distrito Federal, no Senado,
renovar-se-ia pela metade, conjuntamente com a eleição da Câmara dos Deputados.
As disposições transitórias da constituição de 1934 estabeleciam: Art. 2º - Empossado o Presidente da República, a Assembléia Nacional Constituinte se transformará em Câmara dos Deputados e exercerá cumulativamente as funções do Senado Federal, até que ambos se organizem nos termos do art. 3º, § 1º. Nesse intervalo elaborará as leis mencionadas na mensagem do Chefe do Governo Provisório, de 10 de abril de 1934, e outras porventura reclamadas pelo interesse público.
Art. 3º - Noventa dias depois de promulgada esta Constituição, realizar-se-ão as eleições dos membros da Câmara dos Deputados e das Assembléias Constituintes dos Estados. Uma vez inauguradas, estas últimas passarão a eleger os Governadores e os representantes dos Estados no Senado Federal, a empossar aqueles e a elaborar, no prazo máximo de quatro meses, as respectivas Constituições, transformando-se, a seguir, em Assembléias ordinárias, providenciando, desde logo, para que seja atendida a representação das profissões.
§ 3º - No mesmo prazo deste artigo serão realizadas as eleições para a Câmara Municipal do Distrito Federal, que elegerá o Prefeito e os representantes do Senado Federal.
1.1.4. Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 1937
O golpe de 10 de novembro de 1937 impôs uma Carta constitucional que encerrou
o rápido período de vigência da constituição de 1934, nascida da Assembléia Nacional
Constituinte. Pode-se afirmar que até então as constituições haviam sido resultantes de
debates e decisões constituintes. Mesmo a constituinte de 1824, outorgada por D. Pedro I,
deve ser considerada como fruto do trabalho dos constituintes. Quando o texto já estava
concluído, o Imperador dissolveu a Assembléia, mas a Carta que outorgou foi na sua quase
integralidade. A constituição de 1937 foi a primeira que dispensou o trabalho de
representação popular constituinte. No capítulo referente às “Emendas Constitucionais”,
dispunha a Carta outorgada que a mesma poderia ser emendada, modificada ou reformada por
iniciativa do Presidente da República (artigo 174) ou da Câmara dos Deputados, aliás, fechada
com o golpe de 10 de novembro157.
A Carta de 1937, exceção feita aos dispositivos autoritários que serviam aos
interesses imediatos do poder, não teve aplicação. No aspecto político, tornaram-se
importantes o recesso e a dissolução do Legislativo (artigo 13), a livre expedição dos
decretos-leis (artigo 14), do que a manutenção do Poder Legislativo previsto, aliás inutilmente
nos artigos 38 e seguintes. A Câmara dos Deputados era mantida apenas nominalmente,
enquanto a Constituição criava um Conselho Federal com critérios de composição semelhante
157 BONAVIDES, Paulo; ANDRADE, Paes de. História Constitucional do Brasil. 3.ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1991, p. 339.
73
ao do Senado com nada menos que 10 de seus integrantes indicados pelo próprio Chefe do
Governo e, portanto, por ele substituídos. E com um presidente, Ministro de Estado, também
designado pelo Presidente da República158.
A competência dos três poderes na Constituição de 1937 era meramente formal.
Os artigos 38 a 49 que tratavam do Poder Legislativo esboroavam-se com o conjunto do texto
e, mesmo, com a coexistência de um Conselho Federal criado pelos artigos 50 a 56,
usurpando faculdades legislativas com 10 dos seus membros escolhidos pelo Presidente da
República e os restantes pelas Assembléias Legislativas dos Estados. Era o Senado sem voto
popular, constituído já à época, dos senadores biônicos, que recebiam a designação de
“conselheiros”. A competência dos três poderes ficou limitada ao centralismo do Executivo e
condicionada aos interesses do chefe supremo da administração – o Presidente da
República159.
Vejamos alguns exemplos que demonstram a predominância do Poder Executivo: Art 11 - A lei, quando de iniciativa do Parlamento, limitar-se-á a regular, de modo geral, dispondo apenas sobre a substância e os princípios, a matéria que constitui o seu objeto. O Poder Executivo expedirá os regulamentos, complementares. Art 12 - O Presidente da República pode ser autorizado pelo Parlamento a expedir decretos-leis, mediante as condições e nos limites fixados pelo ato de autorização. Art 13 - O Presidente da República, nos períodos de recesso do Parlamento ou de dissolução da Câmara dos Deputados, poderá, se o exigirem as necessidades do Estado, expedir decretos-leis sobre as matérias de competência legislativa da União, excetuadas as seguintes: a) modificações à Constituição; b) legislação eleitoral; c) orçamento; d) impostos; e) instituição de monopólios; f) moeda; g) empréstimos públicos; h) alienação e oneração de bens imóveis da União. Parágrafo único - Os decretos-leis para serem expedidos dependem de parecer do Conselho da Economia Nacional, nas matérias da sua competência consultiva. Art 14 - O Presidente da República, observadas as disposições constitucionais e nos limites das respectivas dotações orçamentárias, poderá expedir livremente decretos- leis sobre a organização do Governo e da Administração federal, o comando supremo e a organização das forças armadas.
Na Carta de 37, o Poder Legislativo era exercido pelo Parlamento Nacional, com a
colaboração do Conselho da Economia Nacional e do Presidente da República, daquele
158 BONAVIDES, Paulo; ANDRADE, Paes de. História Constitucional do Brasil. 3.ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1991, p. 343. 159 Ibid., p. 345.
74
mediante parecer nas matérias da sua competência consultiva e deste pela iniciativa e sanção
dos projetos de lei e promulgação dos decretos-leis autorizados pela Constituição (artigo 38).
O Parlamento Nacional era composto de duas Câmaras: a Câmara dos Deputados e
o Conselho Federal e o prazo de cada legislatura era de 4 anos. As vagas que ocorressem,
eram preenchidas por eleição suplementar, se tratasse da Câmara dos Deputados, e por eleição
ou nomeação, conforme o caso, em se tratando do Conselho Federal. O artigo 40 estabelecia
que a Câmara dos Deputados e o Conselho Federal funcionariam separadamente, e, quando
não se resolvesse o contrário, por maioria de votos, em sessões públicas. Em uma e outra
Câmara, as deliberações seriam tomadas por maioria de votos, presente a maioria absoluta dos
seus membros.
O sufrágio indireto para a Câmara dos Deputados estava previsto no artigo 46: “A
Câmara dos Deputados compõe-se de representantes do povo, eleitos mediante sufrágio
indireto”.O número de Deputados por Estado era proporcional à população e fixado por lei,
não podendo ser superior a dez nem inferior a três por Estado (artigo 48).
Já em relação ao Conselho Federal, este era composto de representantes dos
Estados e dez membros nomeados pelo Presidente da República. A duração do mandato era
de seis anos (artigo 50). O parágrafo único desse dispositivo estabelecia que cada Estado, por
sua Assembléia Legislativa, elegeria um representante. O Governador do Estado tinha o
direito de vetar o nome escolhido pela Assembléia; em caso de veto, o nome vetado só se teria
por escolhido definitivamente se confirmada a eleição por dois terços de votos da totalidade
dos membros da Assembléia.
As condições de elegibilidade estavam dispostas nos artigos 51: “Só podem ser
eleitos representantes dos Estados os brasileiros natos maiores de trinta e cinco anos,
alistados eleitores e que hajam exercido, por espaço nunca menor de quatro anos, cargo de
governo na União ou nos Estados” e 52: “A nomeação feita pelo Presidente da República só
pode recair em brasileiro nato, maior de trinta e cinco anos e que se haja distinguido por sua
atividade em algum dos ramos da produção ou da cultura nacional”.
Ao Conselho Federal, cabia legislar para o Distrito Federal e para os Territórios,
no que se referisse aos interesses peculiares dos mesmos (artigo 53). Teria inicio no Conselho
Federal a discussão e votação dos projetos de lei sobre: a) tratados e convenções
internacionais; b) comércio internacional e interestadual; c) regime de portos e navegação de
cabotagem (artigo 54).
Competia ainda ao Conselho Federal (artigo 55): a) aprovar as nomeações de
Ministros do Supremo Tribunal Federal e do Tribunal de Contas, dos representantes
75
diplomáticos, exceto os enviados em missão extraordinária; b) aprovar os acordos concluídos
entre os Estados. O Conselho Federal era presidido por um Ministro de Estado, designado
pelo Presidente da República (artigo 56).
As Câmaras tinham limitações legislativas. É o que se extrai da leitura dos
dispositivos: Artigo 64: A iniciativa dos projetos de lei cabe, em princípio, ao Governo. Em todo caso, não serão admitidos como objeto de deliberação projetos ou emendas de iniciativa de qualquer das Câmaras, desde que versem sobre matéria tributária ou que de uns ou de outras resulte aumento de despesa. § 1º - A nenhum membro de qualquer das Câmaras caberá a iniciativa de projetos de lei. A iniciativa só poderá ser tomada por um terço de Deputados ou de membros do Conselho Federal. § 2º - Qualquer projeto iniciado em uma das Câmaras terá suspenso o seu andamento, desde que o Governo comunique o seu propósito de apresentar projeto que regule o mesmo assunto. Se dentro de trinta dias não chegar à Câmara a que for feita essa comunicação, o projeto do Governo, voltará a constituir objeto de deliberação o iniciado no Parlamento. Art 65 - Todos os projetos de lei que interessem à economia nacional em qualquer dos seus ramos, antes de sujeitos à deliberação do Parlamento, serão remetidos à consulta do Conselho da Economia Nacional. Parágrafo único - Os projetos de iniciativa do Governo, obtendo parecer favorável do Conselho da Economia Nacional, serão submetidos a uma só discussão em cada uma das Câmaras. A Câmara, a que forem sujeitos, limitar-se-á a aceitá-los ou rejeitá-los. Antes da deliberação da Câmara legislativa, o Governo poderá retirar os projetos ou emendá-los, ouvido novamente o Conselho da Economia Nacional se as modificações importarem alteração substancial dos mesmos.
Ainda em relação ao excesso de Poderes do Executivo, destacam-se: Art 75 - São prerrogativas do Presidente da República: a) indicar um dos candidatos à Presidência da República; b) dissolver a Câmara dos Deputados no caso do parágrafo único do art. 167.160
Em suas disposições transitórias e finais, foram dissolvidos a Câmara dos
Deputados, o Senado Federal, as Assembléias Legislativas dos Estados e as Câmaras
Municipais. As eleições ao Parlamento Nacional seriam marcadas pelo Presidente da
República, depois de realizado o plebiscito previsto (artigo 178).
Enquanto não se reunisse o Parlamento Nacional, o Presidente da República teria o poder de
expedir decretos-leis sobre todas as matérias da competência legislativa da União (artigo 180).
Foi declarado em todo o país o estado de emergência (artigo 186).
160 Art 167 - Cessados os motivos que determinaram a declaração do estado de emergência ou do estado de guerra, comunicará o Presidente da República à Câmara dos Deputados as medidas tomadas durante o período de vigência de um ou de outro. Parágrafo único - A Câmara dos Deputados, se não aprovar as medidas, promoverá a responsabilidade do Presidente da República, ficando a este salvo o direito de apelar da deliberação da Câmara para o pronunciamento do País, mediante a dissolução da mesma e a realização de novas eleições.
76
Por fim, dispunha o artigo 187: “Esta Constituição entrará em vigor na sua data e
será submetida ao plebiscito nacional na forma regulada em decreto do Presidente da
República”. Nem o plebiscito, nem o decreto, jamais se efetivaram.
1.1.5. Constituição dos Estados Unidos do Brasil de 1946
A Carta de 46 recuperou com decisão o princípio federativo, estabelecendo uma
valiosa autonomia para os Estados e Municípios. Ela buscava devolver ao Legislativo e ao
Judiciário a dignidade e as prerrogativas características de um regime efetivamente
democrático. A Constituição, mais conservadora em alguns aspectos, teve, contudo, recuos e
avanços que nada comprometeram a estrutura já formalmente implantada do Estado Social
brasileiro. A Carta Política de 18 de setembro de 1946, que redemocratizou o país, pôs termo
à ordem jurídica de exceção, vigente desde o golpe de Estado de 1937, desferido por
Vargas.161
Uma das preocupações mais freqüentes no ânimo dos constituintes de 1946 foi a
restauração do federalismo brasileiro nos moldes clássicos da tradição republicana de 1891,
em linhas mestras ao equilíbrio e harmonia dos poderes, consoante decorria do texto, posto
que a realidade se apresentasse de modo distinta. O Poder Legislativo estivera prostado e
ausente por todo aquele período. De sorte que a debilidade da ordem federativa vinha somar-
se ao declínio do órgão mais diretamente representativo da vontade participativa do cidadão.
A Constituição de 1946 teve caráter manifestamente restaurador. Ficou, contudo, aquém da de
1934 na introdução de novidades institucionais. Mas o que ali se colocou como renovação foi
basicamente preservado pelos nossos primeiros constituintes de pós-guerra, sem embargo de
todas as cautelas e reservas conservadoras de que se rodeou a lei maior, revogadora da ordem
ditatorial estabelecida com o golpe de 1937.162
Esteve a constituição de 1946 formalmente em vigor até 1967, posto que bastante
mutilada desde 1964. Com referência aos seus aspectos de todo construtivos, é de assinalar
haver a constituição de 1946 filtrado os pontos negativos de reconstitucionalização de 1934
nas matérias que foram nesta objeto de modificação mais profunda, tais como o sistema
representativo e o sistema federativo. Com efeito, em relação às formas políticas, uma das
novidades mais significativas foi a introdução da bancada classista no Congresso, ao instituir-
se a chamada representação profissional, sem dúvida um enxerto antidemocrático nas 161 BONAVIDES, Paulo; ANDRADE, Paes de. História Constitucional do Brasil. 3.ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1991, p. 409-412. 162 Ibid., p. 418.
77
instituições, do qual a Constituição de 1946 louvavelmente se desfez, escarmentada no
malogro completo daquele princípio por ensejo da curta experiência constitucional de 1934.163
A constituição também se mostrou positiva refluindo às suas origens republicanas
e federativas de 1891 no tocante à reinserção do Senado como segunda Câmara legislativa na
estrutura congressual do sistema. Recobrava assim o mesmo quadro de competências gravado
na Lei Fundamental da Primeira República.164
Em seu artigo 1º, declarava a constituição: “Os Estados Unidos do Brasil mantêm,
sob o regime representativo, a Federação e a República. Todo poder emana do povo e em
seu nome será exercido”.
Já o parágrafo único do artigo 38 estabelecia as condições de elegibilidade para o
Congresso Nacional: I - ser brasileiro (art. 129, nºs. I e II); II - estar no exercício dos direitos
políticos; III - ser maior de vinte e um anos para a Câmara dos Deputados e de trinta e cinco
para o Senado Federal.
Em cada uma das Câmaras, salvo disposição constitucional em contrário, as
deliberações seriam tomadas por maioria de votos, presente a maioria dos seus membros
(artigo 42). O voto era secreto nas eleições e nos casos estabelecidos nos arts. 45, § 2º, 63, nº
i, 66, nº VIII, 70, § 3, 211 e 213 (artigo 43).
A Câmara dos Deputados era composta por representantes do povo, eleitos,
segundo o sistema de representação proporcional, pelos Estados, pelo Distrito Federal e pelos
Territórios. Cada Legislatura tinha a duração de quatro anos (artigos 56 e 57).
O número de deputados era fixado por lei, em proporção que não excedesse um
para cada cento e cinqüenta mil habitantes até vinte deputados, e, além desse limite, um para
cada duzentos e cinqüenta mil habitantes (artigo 58). O parágrafo primeiro desse dispositivo
estabelecia que cada Território teria um deputado, e seria de sete deputados o número mínimo
por Estado e pelo Distrito Federal. A representação fixada não poderia ser reduzida (§ 2º).
Em relação ao Senado Federal, a regra de composição foi disposta no artigo 60: O Senado Federal compõe-se de representantes dos Estados e do Distrito Federal, eleitos segundo o princípio majoritário. § 1º - Cada Estado, e bem assim o Distrito Federal, elegerão três Senadores, § 2º - o mandato de Senador será de oito anos. § 3º - A representação de cada Estado e a do Distrito Federal renovar-se-ão de quatro em quatro anos, alternadamente, por um e por dois terços.
163 BONAVIDES, Paulo; ANDRADE, Paes de. História Constitucional do Brasil. 3.ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1991, p. 419. 164 Ibid., p. 420.
78
Por fim, o Ato das Disposições Constitucionais Transitórias trazia mais uma regra
de elegibilidade: Art 19 - São elegíveis para cargos de representação popular, salvo os de Presidente e Vice-Presidente da República e o de Governador, os que, tendo adquirido a nacionalidade brasileira na vigência de constituições anteriores, hajam exercido qualquer mandato eletivo.
1.1.6. Constituição da República Federativa do Brasil de 1967
O período de abril de 64 a dezembro de 66 registra nada menos do que a edição de
quatro atos institucionais e quinze emendas constitucionais. Entre essas últimas estão as que
determinavam reformas nos poderes legislativo e judiciário, no sistema financeiro e ainda no
campo tributário. O AI-1 já enunciava: “A revolução vitoriosa necessita de se
institucionalizar e se apressa pela sua institucionalização”. Essa é uma constante no
pensamento dos integrantes do movimento de 64, e é por isso que havia tanta preocupação
com a edição de uma nova constituição e com a manutenção do Congresso. Castello Branco
preocupava-se intensamente com a recepção e repercussão deste ou daquele ato, desta ou
daquela constituição “lá fora”, na Europa e nos Estados Unidos, pois a caracterização do
golpe colocaria mal o Brasil no mundo democrático. Mas essa preocupação não nos impede
de constatar que a verdadeira constituição daqueles anos foram os Atos Institucionais.165
A elaboração da constituição de 1967 era, pois, um dos estágios do processo
institucionalizador do movimento de 1964. A Constituição de 1946 mesmo adotada, estava
superada praticamente pelo uso dos poderes excepcionais que foram atribuídos ao Marechal
Castello Branco pelo ato Institucional de 1964 e reforçado pelo de 1965.166 Entre 1965 e
1966, o presidente Castello Branco baixou nada menos que 3 Atos Institucionais, 36
Complementares, 312 Decretos-leis e 3.746 Atos Punitivos. A determinação de preparar uma
carta constitucional que procurasse institucionalizar o Estado conseqüente do golpe, levou o
presidente Castello Branco a decidir-se pelo que se convencionou chamar de o Poder
Constituinte Congressual. Era uma adaptação do Legislativo para que, transformado em
reformador ou redator de um texto novo para o país, evitasse a convocação de uma assembléia
popular e, de outra parte, também evitasse mais um ato de força com a imposição de um texto
165 BONAVIDES, Paulo; ANDRADE, Paes de. História Constitucional do Brasil. 3.ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1991, p. 430. 166 Ibid., p. 431.
79
originário do Executivo. Caminhou o governo para atribuir essa faculdade constituinte ao
Congresso, que não a recebera na ocasião da coleta dos votos populares.167
Costa e Silva, Presidente da República, em 13 de dezembro de 1968, assina o Ato
Institucional nº 5, reforçando o estado de exceção. A junta de Ministros Militares, composta
de três membros, outorga em 17 de outubro de 1969 a Emenda nº 1 que foi antecipada pelo
Ato Institucional nº 16, de 14 de outubro do mesmo ano, que deu nova redação ao colégio
eleitoral para a eleição indireta de presidente e vice-presidente da República, prevista na
constituição de 1967. A emenda nº 1, de 1969, ao substituir a constituição de 1967, tornou-se
de fato a nova Carta, adaptando os vários atos institucionais e complementares.168
Em seu artigo 1º, a constituição de 1967 trazia a seguinte redação: “O Brasil é
uma República Federativa, constituída sob o regime representativo, pela união indissolúvel
dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios. § 1º - Todo poder emana do povo e em seu
nome é exercido”.
O Poder Legislativo era exercido pelo Congresso Nacional, que era composto pela
Câmara dos Deputados e o Senado Federal (artigo 29). As condições de elegibilidade foram
definidas no parágrafo único do artigo 30: São condições de elegibilidade para o Congresso Nacional: I - ser brasileiro nato; II - estar no exercício dos direitos políticos; III - ser maior de vinte e um anos para a Câmara dos Deputados e de trinta e cinco para o Senado.
A cada uma das Câmaras competia dispor, em Regimento Interno, sobre sua
organização, polícia, criação e provimento de cargos (artigo 32). Na constituição das
Comissões, era assegurado, tanto quanto possível, a representação proporcional dos Partidos
nacionais que participassem da respectiva Câmara (parágrafo único).
As regras de composição da Câmara dos Deputados foram dispostas no artigo 41: A Câmara dos Deputados compõe-se de representantes do povo, eleitos por voto direto e secreto, em cada Estado e Território.
§ 1º - Cada Legislatura durará quatro anos. § 2º - O número de deputados será fixado em lei, em proporção que não exceda de
um para cada trezentos mil habitantes, até vinte e cinco deputados, e, além desse limite, um para cada milhão de habitantes.
§ 3º - A fixação do número de deputados a que se refere o parágrafo anterior não poderá vigorar na mesma Legislatura ou na seguinte.
§ 4º - Será de sete o número mínimo de deputados por Estado. § 5º - Cada Território terá um deputado. § 6º - A representação de deputados por Estado não poderá ter o seu número
reduzido.
167 BONAVIDES, Paulo; ANDRADE, Paes de. História Constitucional do Brasil. 3.ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1991, p. 432. 168 Ibid., p. 443.
80
Já o Senado Federal, era composto de representantes dos Estados, eleitos pelo voto
direto e secreto, segundo o principio majoritário. Cada Estado elegia 3 senadores, com
mandato de oito anos, renovando-se a representação, de quatro em quatro anos,
alternadamente, por um e por dois terços. Cada senador era eleito com seu suplente (artigo 43,
parágrafos 1º e 2º).
1.1.7. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988
Em 5 de outubro de 1988, foi promulgada a atual constituição do Brasil, fato que,
nas palavras de Paes de Andrade e Bonavides, representou a extinção do regime do decreto-
lei e a maioridade da democracia representativa.169 Assim como nas constituições de 1891,
1946 e 1967, o Parlamento Brasileiro é denominado Congresso Nacional, composto de duas
Casas, a Câmara dos Deputados e o Senado Federal (sistema bicameral170). Dá-se o nome de
legislatura ao período de funcionamento do Congresso, correspondente ao prazo de duração
do exercício do mandato dos integrantes da sua Casa mais efêmera. No caso brasileiro, a
duração da legislatura é de 4 anos, eis que é este o prazo de duração do mandato dos
deputados.171 O bicameralismo do Legislativo Federal está intimamente relacionado à escolha
pelo legislador constituinte da forma federativa de Estado, pois no Senado Federal encontram-
169 BONAVIDES, Paulo; ANDRADE, Paes de. História Constitucional do Brasil. 3.ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1991, p. 489. 170 O legislador constituinte brasileiro concedeu ao Senado Federal a mesma relevância e força dada à Câmara dos Deputados, adotando o bicameralismo norte-americano e contrariando, assim, a tendência britânica do bicameralismo. MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil interpretada. São Paulo: Atlas, 2006, p. 1048. 171 Não se deve confundir sessão legislativa com legislatura. A sessão legislativa é o período anual de funcionamento do órgão legislativo, que não é um poder de funcionamento permanente como acontece com o poder executivo. O legislativo somente funciona nos momentos previstos pela Constituição, art. 57: “O Congresso Nacional reunir-se-á, anualmente, na Capital Federal, de 15 de fevereiro a 30 de junho e de 1º de agosto a 15 de dezembro”. Esta duração anual do Congresso chama-se sessão, sofrendo uma interrupção no mês de junho, o que dá lugar à divisão da sessão em dois períodos de funcionamento. Há casos de convocação extraordinária em que estes prazos previstos para recesso podem ser tomados, por uma convocação dessa natureza. Entretanto, o funcionamento normal do Congresso pressupõe a sua interrupção e cada ano denomina-se sessão legislativa. A nossa legislatura é composta de quatro sessões legislativas. Começam, como vimos, no dia 15 de fevereiro até 30 de junho e em 1º de agosto até 15 de dezembro, salvo por ocasião do primeiro ano de uma nova legislatura, hipótese em que a sessão é antecipada para o 1º dia de fevereiro, conforme dispõe o §4º do art. 57. Esta antecipação é para possibilitar a posse dos membros e a eleição das respectivas Mesas, cujo mandato é de dois anos, vedada a recondução para o mesmo cargo na eleição imediatamente subseqüente. Embora a Câmara se renove de dois em dois anos, a antecipação para 1º de fevereiro somente se dá no primeiro ano da legislatura; portanto, só ocorre no início da legislatura e não no começo de todas as sessões legislativas (BASTOS, Celso Ribeiro; Martins, Ives Gandra. Comentários à Constituição do Brasil. v.4. t.1. 3.ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 10-11).
81
se, de forma paritária, representantes de todos os Estados-Membros e do Distrito Federal,
consagrando o equilíbrio entre as partes contratantes da Federação172.
1.2. A Câmara dos Deputados
O deputado federal é o cidadão eleito para a Câmara dos Deputados para ser o
representante do povo. No Brasil, o deputado federal representa o povo do Estado que o elege.
A Câmara dos Deputados, representante do povo brasileiro, exerce atividades que viabilizam
a realização dos anseios da população, mediante discussão e aprovação de propostas
referentes às áreas econômicas e sociais, como educação, saúde, transporte, habitação, entre
outras. Assim, a Câmara dos Deputados compõe-se de representantes de todos os Estados e do
Distrito Federal, o que resulta em um Parlamento com diversidade de idéias, revelando-se
uma Casa legislativa plural, a serviço da sociedade brasileira173. A Câmara dos Deputados
compõe-se de representantes do povo, eleitos, pelo sistema proporcional, em cada Estado e no
Distrito Federal (artigo 45). O número total de Deputados, bem como a representação por
Estado e pelo Distrito Federal, é estabelecido por lei complementar, proporcionalmente à
população, procedendo-se aos ajustes necessários, no ano anterior às eleições, para que
nenhuma das unidades da Federação tenha menos de 8 ou mais de 70 Deputados (parágrafo
único). O Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, no parágrafo 2º do artigo 4º ainda
estabeleceu que é assegurada a irredutibilidade da atual representação dos Estados e do
Distrito Federal na Câmara dos Deputados. RELAÇÃO DE DEPUTADOS
POR ESTADO
AC 8 MA 18 RJ 46
AL 9 MG 53 RN 8
AM 8 MS 8 RO 8
AP 8 MT 8 RR 8
BA 39 PA 17 RS 31
CE 22 PB 12 SC 16
DF 8 PE 25 SE 8
ES 10 PI 10 SP 70
GO 17 PR 30 TO 8
172 MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil interpretada. São Paulo: Atlas, 2006, p.1037-1038. 173 Disponível em http://www2.camara.gov.br/. Acesso em 20/06/2007.
82
CÂMARA DOS DEPUTADOS
BANCADA DOS PARTIDOS
PT 82 PMDB 93
PSDB 57 PSB 29
DEM 57 PDT 23
PP 42 PCdoB 13
PR 41 PSC 7
PTB 24 PMN 5
PPS 14 PTC 2
PV 14 PHS 2
PSOL 3 PRB 1
PTdoB 1 Sem partido 3
513
1.2.1. A Comissão de Legislação Participativa
A Comissão de Legislação Participativa (CLP174) da Câmara dos Deputados foi
criada em 2001 com o objetivo de facilitar a participação da sociedade no processo de
elaboração legislativa. Através da CLP, a sociedade, por meio de qualquer entidade civil
organizada, ONGs, sindicatos, associações, órgãos de classe, apresenta à Câmara dos
Deputados suas sugestões legislativas. Essas sugestões vão desde propostas de leis
complementares e ordinárias, até sugestões de emendas ao Plano Plurianual (PPA), à Lei de
Diretrizes Orçamentárias (LDO) e à Lei Orçamentária Anual (LOA).
174 A CLP é composta por 18 membros titulares e igual número de suplentes e tem como Presidente o Deputado Eduardo Amorim (PSC/SE). E-mail: [email protected] Site: www.camara.gov.br/clp Tel.: (61) 3216-6692/6693 &mdash Fax: (61) 3216-6699 Disque Câmara: 0800 619-619 Existe CLP na Assembléia Legislativa do Estado de São Paulo, Câmara Municipal de Guarulhos, Assembléia Legislativa de Alagoas, Assembléia Legislativa da Paraíba, Assembléia Legislativa de Mato Grosso do Sul, Assembléia Legislativa de Minas Gerais, Assembléia Legislativa do Acre, Assembléia Legislativa do Maranhão, Assembléia Legislativa do Rio Grande do Sul, Assembléia Legislativa de Santa Catarina, Câmara Municipal de Campinas/SP, Câmara Municipal de Campos do Jordão, Câmara Municipal de Conselheiro Lafaiete, Câmara Municipal de Curitiba, Câmara Municipal de Guarulhos, Câmara Municipal de João Pessoa, Câmara Municipal de São Bernardo do Campo, Câmara Municipal de São José dos Campos, Câmara Municipal de São Paulo, Câmara Municipal de Tibagi, Câmara Municipal de Unaí, Câmara Municipal de Manaus, Câmara Municipal de Guaratinguetá, Câmara Municipal de Americana, Câmara Municipal de Belém, Câmara Municipal de Juiz de Fora, Câmara Municipal de Uberaba, Câmara Municipal de Gravataí. Disponível em: http://www2.camara.gov.br/comissoes/clp/comissao.html. Acesso em 24/11/2007.
83
Para ampliar o acesso da população ao Poder Legislativo, a CLP também
disponibiliza um Banco de Idéias, formado por sugestões apresentadas ao Parlamento
pelos cidadãos e cidadãs brasileiros. “Por meio desta Comissão, a Câmara dos Deputados abre à sociedade civil um portal de acesso ao sistema de produção das normas que integram o ordenamento jurídico do País, chamando o cidadão comum, os homens e mulheres representados pelos Deputados Federais, a levar diretamente ao Parlamento sua percepção dos problemas, demandas e necessidades da vida real e cotidiana".175 1.3. O Senado Federal
O Senado Federal desempenha o papel de Câmara Alta dentro do sistema
bicameral que adotamos. O bicameralismo não é de aceitação majoritária no
constitucionalismo moderno, mas mantém ainda resíduos importantes, constituídos por
Estados, sobretudo de natureza federal, em que a necessidade de uma segunda Câmara se
impõe por força do próprio sistema de distribuição geográfica do poder. O surgimento de
uma segunda Casa tem raízes históricas remotas, que na evolução do federalismo logo se
fizeram presentes, ao lado das castas nobres e do clero, também os representantes do que se
poderia chamar hoje de burguesia, o que originou a divisão do Parlamento em duas Câmaras
ou Casas diferentes. No segundo pós-guerra, ou durante o século XX, assistiu-se ao gradual
enfraquecimento do bicameralismo que hoje é sentido não só pela supressão total desse
segundo órgão legislativo, como também, em alguns casos, pelo exercício de poderes
menores por parte da segunda Casa. É o que ocorre sobretudo na Inglaterra, onde a Câmara
dos Lordes detém poderes nítida e sensivelmente enfraquecidos relativamente à Câmara dos
representantes. O nosso bicameralismo é igual porque a vontade de ambas as Casas é
imprescindível e insubstituível. Não há possibilidade de rejeição do veto de uma delas por
uma maioria, ainda que qualificada, da outra Casa. O nosso Senado ainda é composto de
uma representação paritária de todos os Estados-membros e do Distrito Federal. De quatro
em quatro anos renova-se uma parte do Senado, sendo na primeira vez um terço e na outra
dois terços. O mandato é de oito anos, mas a renovação se dá, ainda que parcialmente, a cada
quatro anos. O voto majoritário é aquele que despreza a filiação partidária. Não se elege um
número de representantes segundo a votação recebida pelos partidos, isoladamente ou em
coligação. Embora seja necessária a filiação partidária, esta, contudo, não é levada em conta
para efeito de escolha do senador eleito, uma vez que o será aquele que, em confronto com os
demais candidatos, obtiver a maior votação. O Senado Federal apresenta, no caso brasileiro,
175 Disponível em: http://www2.camara.gov.br/comissoes/clp/comissao.html. Acesso em 24/11/2007.
84
algumas características particularizadas das quais a mais veemente é, exatamente, a de
constituir-se um órgão integrante do Congresso Nacional com poderes idênticos aos da
Câmara Baixa. O ponto alto, que tem sido invocado em defesa dessas Casas, é o fato de haver
necessidade de um jogo de freios e contrapesos no interior do Legislativo. Nesse sentido, não
há de negar-se a valia de uma segunda Casa na medida em que pela reiteração da votação se
pode, eventualmente, obter a correção de algum excesso praticado pela Câmara, que
inicialmente votou a matéria. O questionamento é a qual desses valores vai-se dar a primazia,
se à ponderação e moderação que implica esse processo de duplicidade de Casas, ou se à
celeridade e destreza na elaboração legislativa, para que o Legislativo unicameral é mais
adequado. O nosso bicameralismo acabou por assumir sentido diverso do bicameralismo da
maioria dos países que seguem a influência britânica, no sentido de enfraquecimento da
segunda Casa. No caso brasileiro, ao contrário, o que se nota é até um gradual fortalecimento
desta, pois as sucessivas constituições têm aumentado o número de matérias que levam ou
que necessitam da manifestação privativa do Senado176. Não no caso da feitura das leis
porque, por ocasião da elaboração destas, há uma igualdade de situações entre ambas as
Casas. Mas o Congresso não exerce somente funções legislativas, também realiza funções de
colaboração com o governo. O Senado transformou-se, à vista do constituinte – inclusive por
força do caráter mais restrito da sua composição – no órgão mais ouvido em importantes
questões177.
O próprio princípio da representação paritária, isto é, a determinação de igual
número de senadores para todos os Estados, não é encontrável em todas as Federações. Os
Estados são tidos no Federalismo clássico por iguais. Ainda assim, encontram-se exemplos
de Federações com representação desparificada dos Estados, levando estas em consideração
outros aspectos tais como tamanho, população e desenvolvimento. Todavia, na tradição de
176 No Império os senadores eram vitalícios. Com a implantação da República, por decorrência até do próprio caráter do regime, desaparecem os cargos desta natureza e a duração do mandato do senador passa a ser de nove anos, tornando-se, sem dúvida, um dos mais longos que se conhece. No decorrer da nossa história, tem variado o tempo de duração do mandato de senador, e o direito comparado também oferece nesse sentido soluções diferentes. Nada obstante isso, é importante notar que a duração deste mandato é sempre mais longa, normalmente, chegando a alcançar até o dobro do período previsto para o mandato de deputado. Isto mercê do caráter do próprio mandato, pela sua vocação constitucional para representar os Estados federados e não propriamente o povo. A maioria das federações prefere a solução americana, que é adotada no Brasil. É dizer, a eleição direta do senador. Contudo, não se pode deixar de mencionar a experiência alemã, muito bem-sucedida, que consiste em determinar a escolha dos representantes dos Estados pelos Governos desses mesmos Estados-Membros. Sem dúvida nenhuma, esse tipo de recrutamento confere mais nitidamente à Câmara Alta o caráter de representação dos Estados, devido à fidelidade do senador que tem de estar afinada com a do governo que o nomeou (BASTOS, Celso Ribeiro; Martins, Ives Gandra. Comentários à Constituição do Brasil. v.4. t.1. 3.ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 37-38). 177 Ibid. p. 33-35.
85
nosso direito, a regra tem sido a da representação paritária dos Estados Federados, inspirada
no direito norte-americano e que é tida como um dos traços marcantes do Federalismo.
O Distrito Federal também é representado no Senado, sobretudo na atual
Constituição, em que a sua equiparação ao Estado-Membro é quase total. Não obstante,
algumas das Constituições anteriores, como as de 1891, 1934 e 1946, também contemplaram
representantes do Distrito Federal no Senado. As Constituições de 1937 e 1967 excluíram os
senadores do Distrito Federal. No entanto, esta última alterada pela emenda constitucional nº
25, passou também a contemplar a representação do Distrito Federal.
Outra nota particularizada do Senado consiste na duração mais longa do mandato
senatorial. Isso tem precisamente por objetivo tornar o órgão mais distante das pressões das
bases eleitorais. Como não há necessidade de os senadores comparecerem freqüentemente
diante do eleitor, tem-se um processo decisório em princípio mais frio e isento das paixões do
momento.
Não há dúvida de que esse princípio, que prestigia o equilíbrio do Senado, o papel
de equilíbrio que lhe é conferido, vai de encontro ao princípio democrático que exige o
contrário: o de uma renovação mais constante ou periódica possível. O objetivo da
alternância é manifesto. Trata-se de imprimir uma certa continuidade aos trabalhos da Casa,
mediante a transmissão da experiência e dos conhecimentos de uma parte da legislatura
anterior para outra nova. Com a permanência de uma parte da legislatura antiga, esta
remanesce como transmissora dos conhecimentos e da experiência haurida no período
legislativo anterior. E, do ponto de vista político, representa também uma estabilidade maior
da Casa, que não fica inteiramente exposta à vontade dominante numa determinada eleição,
mas se sujeita sempre à conjugação da vontade dos dois períodos eleitorais dos quais
resultam sempre alguma parte da sua composição.178
Pelo artigo 46, o Senado Federal compõe-se de representantes dos Estados e do
Distrito Federal, eleitos segundo o princípio majoritário. Cada Estado e o Distrito Federal
elegerão três Senadores, com mandato de oito anos (parágrafo primeiro). A representação de
cada Estado e do Distrito Federal será renovada de quatro em quatro anos, alternadamente,
por um e dois terços (parágrafo segundo). Cada Senador será eleito com dois suplentes
(parágrafo terceiro). Salvo disposição constitucional em contrário, as deliberações de cada
178 BASTOS, Celso Ribeiro; Martins, Ives Gandra. Comentários à Constituição do Brasil. v.4. t.1. 3.ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 37-41.
86
Casa e de suas Comissões serão tomadas por maioria dos votos, presente a maioria absoluta
de seus membros (artigo 47).
OS PARTIDOS NO SENADO
DEM 14 PR 4PMDB 20 PRB 2PSDB 13 PSB 2
PT 12 PP 1PTB 6 PC DO B 1PDT 5 PSOL 1
81
2. A função representativa do Parlamento na República Federativa do Brasil
2.1. Sistemas Eleitorais
O estudo dos sistemas eleitorais e sua influência sobre a representação política e
sobre a estrutura e o funcionamento dos diversos complexos sistemas políticos é inerente ao
próprio estudo da democracia, pois, como salientou Montesquieu, “disciplinar como, por
quem, sobre o que serão dados os sufrágios, nele, é tão importante quanto saber, numa
monarquia, qual é o monarca, e de qual maneira deve governar, afinal, como afirmou
Madison, “a definição do direito de sufrágio é muito justamente considerada um artigo
fundamental do governo republicano” (The Federalist Papers nº. LII). Dessa forma, a adoção
de determinado sistema eleitoral representa a idéia política da maneira de escolher o Chefe do
Poder Executivo, os representantes do povo que preencherão as cadeiras parlamentares ou os
delegados partidários que escolherão, indiretamente, o Presidente da República, devendo suas
regras básicas, portanto, constar da própria Constituição. 179
A adoção do sistema eleitoral deve levar em conta, além dos fatores históricos e
políticos de cada país, o sistema de partidos. A evolução histórica e política das diversas
sociedades democráticas apontaram duas formas básicas de escolha dos representantes em
uma democracia representativa (sistema majoritário e sistema proporcional). O sistema
majoritário encontra-se mais ligado à concepção de democracia representativa (modelo de
Westminster ou inglês), enquanto o sistema proporcional relaciona-se com a idéia de
democracia participativa (modelo consensual). A Constituição de 1988 adotou o sistema
179 MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil interpretada. São Paulo: Atlas, 2006, p. 1038.
87
majoritário para os cargos executivos (presidente, governadores e prefeitos) e para o cargo de
senador da República e o sistema proporcional para os demais mandatos parlamentares
(deputados federais, deputados estaduais e distritais e vereadores).180
Nos sistemas majoritários, o candidato vitorioso é o único a ganhar a eleição; nos
sistemas proporcionais, a vitória eleitoral é partilhada e exige-se apenas uma quota suficiente,
um número mínimo de votos (geralmente o quociente eleitoral). Nos sistemas majoritários, a
escolha do candidato é canalizada e, por fim, condensada em uma alternativa; nos sistemas
proporcionais, os eleitores não são obrigados a concentrar os seus votos; sua gama de opção
pode ser ampla. De outro lado, os sistemas majoritários propõem candidatos individuais –
pessoas; os sistemas proporcionais geralmente oferecem listas organizadas pelos partidos.
Mas há grande variedade nesses sistemas”.181
2.1.1. Sistema majoritário
Historicamente, o princípio majoritário firmou-se como o método de escolha dos
representantes, tanto na Grécia quanto na República Romana, por constituir à época reflexo da
igualdade democrática, somente passando a sofrer comparações com o sistema proporcional a
partir do final do século XIX. Trata-se, pois, do sistema eleitoral mais antigo e utilizado
historicamente. O sistema majoritário está ligado ao sistema presidencialista, pois é o método
que busca um “vencedor” e, conseqüentemente, a formação de um governo centrado na figura
do presidente da República (força derivada da legitimidade popular), porém é o método por
excelência para a escolha dos senadores da República. O sistema majoritário apresenta
importantes características, tais como a formação de governos funcionais (em face da
obtenção da maioria), a alternância do poder (pois facilita a existência de um sistema
bipartidário) e o fortalecimento do partido de oposição. Todavia, seu grande inconveniente é
não espelhar fiel e proporcionalmente a vontade popular, em detrimento das minorias, que,
não raro, acabam sub-representadas nos órgãos políticos, além de personificar as eleições, em
detrimento de propostas partidárias. Essa importante constatação foi analisada por Maurice
Duverger, ao expor, em relação às eleições parlamentares, que a característica comum dos
sistemas majoritários é que não asseguram mais que uma representação indireta e aproximada
das minorias. O candidato que encabeçar a lista é eleito; os que seguem são derrotados.
180 MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil interpretada. São Paulo: Atlas, 2006, p. 1039. 181 SARTORI, apud MORAES, Ibid., p. 1039.
88
Assim, os votos dos eleitores que tenham sido derrotados não têm nenhuma representação no
Parlamento.182
Essa advertência é feita por Giovanni Sartori, ao ensinar que “os sistemas
majoritários não têm por objetivo um parlamento que reflita a distribuição dos votos;
buscam, sim, um vencedor”. Sua intenção não é só eleger um parlamento, mas ao mesmo
tempo eleger (pelo menos de forma implícita) um governo. O sistema majoritário personaliza
o candidato vencedor e não o seu partido ou a ideologia defendida por ambos, o que, não
raramente, acaba por enfraquecer a democracia representativa de partidos.183
2.1.2. Sistema proporcional
O sistema é proporcional quando a distribuição dos mandatos ocorre de maneira
que o número de representantes em cada circunscrição eleitoral seja dividido em relação com
o número de eleitores, de sorte que resulte uma proporção. O sistema proporcional consiste,
portanto, no procedimento eleitoral que visa assegurar no Parlamento uma representação
proporcional ao número de votos obtidos por cada uma das legendas políticas. Nas palavras
de Mirabeau, como recorda Dieter Nohlen, o Parlamento deveria ser um mapa reduzido do
povo. A finalidade básica do sistema de representação proporcional, portanto, é garantir a
representação das minorias nas diversas circunscrições eleitorais, segundo o número de votos
recebidos, ou seja, pretende-se reproduzir na divisão do número de cadeiras do Parlamento, de
maneira mais próxima e fiel possível da realidade, as diversas facções políticas.184
A idéia básica do sistema proporcional, portanto, como salienta Robert Dahl,
consiste em ter sido “deliberadamente criado para produzir uma correspondência bastante
aproximada entre a proporção total de votos lançados para um partido nas eleições e a
proporção de assentos que o partido obtém na legislatura. Por exemplo, um partido com 53%
dos votos, ganhará 53% dos assentos”.
É certo que o sistema proporcional não goza hoje do mesmo entusiasmo com que
foi aceito no início do século. É que a experiência demonstrou que o voto proporcional,
embora muito eficiente para estabelecer ou retratar as diversas sutilezas do espectro político
de um país, acaba por reforçar esta dispersão. [...] A outra conseqüência, digamos, perversa do
sistema proporcional, é a não-facilitação do processo tendente à formação de um governo
182 MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil interpretada. São Paulo: Atlas, 2006, p. 1047. 183 Ibid., p. 1048. 184 Ibid., p. 1041.
89
estável, uma vez que a multiplicidade partidária implica a fragilidade desses mesmos partidos,
o que, por sua vez, vai conduzir à necessidade de coligações e, conseqüentemente, acarreta
um elemento de instabilização no governo. Daí por que a preocupação moderna seja
simultaneamente com a representação proporcional dos Estados, na medida em que se procura
fazer com que os eleitos representem a vontade nacional, sem se olvidar, contudo, a
necessidade de que as maiorias daí resultantes sejam aptas a formar um governo estável.185
2.1.3. Sistema proporcional e a Constituição Federal de 1988
A Constituição Federal de 1988 atenuou o critério puro da proporcionalidade da
população (representados) / deputados (representantes), pois determinou a realização dos
ajustes necessários, no ano anterior às eleições, para que nenhuma das unidades da Federação
tenha menos de 8 ou mais de 70 deputados. Além disso, fixa, independentemente da
população, o número de 4 deputados para cada Território. Essa atenuação perpetuou a
existência de graves distorções em relação à citada proporcionalidade, favorecendo Estados-
membros com menor densidade demográfica em prejuízo dos mais populosos, e acabando por
contradizer a regra prevista no art. 14, caput, da Constituição Federal da igualdade do voto
(One man one vote). A aplicação do sistema proporcional deve ser disciplinada pela
legislação ordinária, que adotou o método do quociente eleitoral consistente na divisão do
total de votos válidos dados em candidatos pelo número de cargos em disputa. O resultado
dessa operação aritmética denomina-se quociente eleitoral. A partir disso, divide-se o total de
votos obtidos por cada uma das legendas pelo quociente, chegando-se, conseqüentemente, ao
número de cadeiras obtidas por cada legenda.186
A Constituição não fixou o número total de deputados. Este número resulta do
estabelecido em lei complementar. Esta lei complementar187, por sua vez, não goza de um
185 BASTOS, Celso Ribeiro; Martins, Ives Gandra. Comentários à Constituição do Brasil. v.4. t.1. 3.ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 20-22. 186 MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil interpretada. São Paulo: Atlas, 2006, p. 1043. 187 A Lei Complementar nº 78, de 30 de dezembro de 1993 (DOU 5 jan. 1994), disciplina a fixação do número de deputados, nos termos do art. 45, § 1º, da Constituição Federal: Art. 1º. Proporcional à população dos Estados e do Distrito Federal, o número de deputados federais não ultrapassará quinhentos e treze representantes, fornecida, pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística, no ano anterior às eleições, a atualização estatística demográfica das unidades da Federação. Parágrafo único. Feitos os cálculos da representação dos Estados e do Distrito Federal, o Tribunal Superior Federal fornecerá aos Tribunais Regionais Eleitorais e aos partidos políticos o número de vagas a serem disputadas. Art.2º. Nenhum dos Estados-membros da Federação terá menos de oito deputados federais. Parágrafo único. Cada Território Federal será representado por quatro deputados federais. Art. 3º. O Estado mais populoso será representado por setenta deputados federais.
90
livre-arbítrio; ela se vê parametrizada pelos índices que a Constituição determina quando
estabelece que tem que ser proporcional à população e que nenhuma das unidades tenha
menos de 8 ou mais de 70 deputados. Ora, a aplicação deste critério da proporcionalidade,
acompanhado de um piso e de um teto, leva necessariamente a que a determinação do
número exato decorra de uma operação aritmética de aplicação dessa proporcionalidade à
população existente, segundo as estatísticas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
(IBGE).
O primeiro dos critérios oferecidos pela Constituição é, sem dúvida, impositivo e
plenamente legítimo: que o número de deputados seja proporcional à população. Entretanto,
nos dois limites a seguir indicados, ocorre uma violência desta proporcionalidade, ou, melhor
dizendo, trata-se de uma proporcionalidade enfraquecida, uma vez que ela só pode funcionar
dentro de certas balizas. Partindo de um mínimo até um teto, é dentro deste espaço que
deverão ser representados os Estados e o Distrito Federal. A existência destas balizas impede
que vigore o princípio pleno da proporcionalidade, já que, de um lado, os Estados-membros
pouco populosos ficarão super-representados, dado que eles têm um mínimo. E, de outra
parte, como também há um máximo estabelecido, não é possível estender-se ao número
proporcionalmente exato de parlamentares correspondentes à população de um Estado
superpopuloso em virtude do limite máximo ser de setenta; isto origina um sufoco, uma
compressão do número de deputados que caberá dentro de uma proporcionalidade simples
aos Estados de maior população. Esse fenômeno tem sido fartamente criticado por todos os
estudiosos do direito constitucional, uma vez que ele nega o princípio da representatividade,
o princípio da igualdade, máxime levando-se em consideração que se trata de representantes
do povo e não representantes dos Estados para os quais, até certo ponto, a teoria da Federação
fornece legitimação para uma representação igualitária.188
Com relação ao número de deputados da Câmara, o critério fixado pela
Constituição é o da determinação proporcional de seu número de acordo com a população.
Trata-se de um processo de votação em que os mandatos parlamentares são alcançados não
pela maioria simples de votos, mas por quocientes eleitorais, representativos das correntes de
Art. 4º. Esta Lei Complementar entra em vigor na data de sua publicação. Art. 5º Revogam-se as disposições em contrário. É por isso que o Texto Constitucional determina que se proceda aos ajustes necessários, no ano anterior às eleições, sempre; é óbvio, por via de lei complementar. 188 BASTOS, Celso Ribeiro; Martins, Ives Gandra. Comentários à Constituição do Brasil. v.4. t.1. 3.ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 27-28.
91
opinião organizadas, quais sejam os partidos políticos. O objetivo é a obtenção proporcional
entre o número de representantes e o número de habitantes (não de eleitores).
O voto proporcional visa evitar esta distorção. Procurando uma correspondência
tão fidedigna quanto possível entre os representantes e as correntes político-partidárias
existentes no país. Assim, o voto é simultaneamente a escolha de um candidato e de um
partido político, pois a vitória do candidato depende também da votação conferida ao partido.
Na medida em que se apuram os votos de cada partido, obtém-se o coeficiente ou
percentagem de cadeiras a serem ocupadas pelo respectivo partido na Câmara dos Deputados.
Ou seja, o candidato sai vitorioso somente se, antes de tudo, seu partido possuir uma cadeira
para ocupar.
A determinação de quais os candidatos representantes do partido que ocuparão as
cadeiras conquistadas pelo mesmo recebe duas soluções diferentes: uma consiste em haver
uma lista prévia dos candidatos que compõem a chapa daquele partido. A outra consiste,
como é o caso brasileiro, em atribuir a determinação dos parlamentares representativos de
cada partido em função, aí sim, da maioria de votos de cada um ou, em outras palavras,
segundo a votação obtida por cada um. De tal sorte, que se o partido tiver dez candidatos
eleitos, ele os escolherá entre os dez candidatos mais votados do seu partido.
O §1º do artigo 45 da Constituição Federal, que estabelece a obrigação de que a
representação de cada Estado na Câmara Federal seja estabelecida proporcionalmente à
população, jamais foi levado a efeito desde a promulgação da Carta, em 1988. A situação é de
sobre-representação de vários Estados da Federação, e sub-representação de outros,
notadamente o Estado de São Paulo189. Esse déficit de representação ou a sobra de
representação, proporcionalmente à população de cada uma das unidades da Federação, fica
claro no quadro abaixo190:
Distrito População Cadeiras Cadeiras segundo a A - B
Eleitoral (A) regra proporcional
(B) São Paulo 21,6 70 111 -41
Minas Gerais 10,6 53 54 -1 Rio de Janeiro 8,5 46 44 +2
Bahia 8,1 39 42 -3 Rio Grande do Sul 6,1 31 32 -1
Paraná 5,6 30 29 +1
189 CARVALHO, João Fernando Lopes. Reforma Política. Uma visão prática. Alberto Rollo org. São Paulo: Iglu, 2007. 190 Fonte: Tabela publicada no artigo “A reforma da representação proporcional no Brasil”, in Reforma Política e Cidadania, de BENEVIDES, Maria Victoria, VANNUCHI, Paulo & KERCHE, Fábio (orgs.). São Paulo: Fundação Perseu Abramo, p. 209, apud CARVALHO, João Fernando Lopes de. p. 113.
92
Pernambuco 4,8 25 25 0 Ceará 4,3 22 22 0 Pará 3,5 17 18 -1
Maranhão 3,4 18 17 +1 Sta. Catarina 3,1 16 16 0
Goiás 2,8 17 14 +3 Paraíba 2,1 12 11 +1
Espírito Santo 1,8 10 9 +1 Piauí 1,7 10 9 +1
Alagoas 1,7 9 9 0 Rio Grande do Norte 1,7 8 9 -1
Amazonas 1,5 8 8 0 Mato Grosso 1,5 8 8 0
Mato Grosso do Sul 1,2 8 6 +2 Distrito Federal 1,1 8 6 +2
Sergipe 1 8 5 +3 Rondônia 0,9 8 4 +4 Tocantins 0,6 8 3 +5
Acre 0,3 8 1 +7 Amapá 0,2 8 1 +7
Roraima 0,2 8 1 +7
2.1.4. Código Eleitoral e o preenchimento de cargos de representação proporcional
A Lei nº 4.737/65 (Código Eleitoral) estabelece as regras para o preenchimento de
cargos de representação proporcional. O primeiro ponto a ser considerado é o “quociente
eleitoral”, que é determinado pela divisão do número de votos válidos191 apurados pelo
número de lugares a preencher em cada circunscrição eleitoral, desprezando-se a fração se
igual ou inferior a meio, e equivalendo a 1, se superior (artigo 106).
É determinado para cada partido ou coligação o “quociente partidário”, por meio
da divisão do quociente eleitoral pelo número de votos válidos dados sob a mesma legenda ou
coligação de legendas, desprezada a fração (art. 107). Dessa forma, estarão eleitos tantos
candidatos registrados por um partido ou coligação quantos o respectivo quociente partidário
indicar, na ordem da votação nominal que cada um tenha recebido (art. 108).
Os lugares não preenchidos com a aplicação dos quocientes partidários serão
distribuídos mediante a observância das regras do artigo 109: I – Dividir-se-á o número de votos válidos atribuídos a cada partido ou coligação de partido pelo número de lugares por ele obtido, mais um, cabendo ao partido ou coligação que apresentar a maior média um dos lugares a preencher; II – repetir-se-á a operação para a distribuição de cada um dos lugares. § 1º - O preenchimento dos lugares com que cada partido ou coligação for contemplado far-se-á segundo a ordem de votação recebida pelos seus candidatos.
191 Nas eleições proporcionais, contam-se como votos válidos apenas os votos dados aos candidatos regularmente inscritos e às legendas partidárias (Lei nº 9.504/97, art. 5º).
93
§ 2º - Só poderão concorrer à distribuição dos lugares os partidos e coligações que tiverem obtido quociente eleitoral.
A Resolução do TSE nº 16.844/90 definiu que para o cálculo da média deverá ser
considerada a fração, até a 14ª casa decimal. Na situação de empate, será considerado eleito o
candidato mais idoso (artigo 110). Se nenhum partido ou coligação alcançar o quociente
eleitoral, considerar-se-ão eleitos, até serem preenchidos todos os lugares, os candidatos mais
votados (artigo 111). O Código Eleitoral ainda determina a regra para os suplentes (artigo
112): I – Os mais votados sob a mesma legenda e não eleitos efetivos das listas dos respectivos partidos; II – Em caso de empate na votação, na ordem decrescente de idade.
No caso de empate na média entre dois ou mais partidos ou coligações,
considerar-se-á o partido ou coligação com maior votação, não se aplicando o artigo 110 do
Código Eleitoral; no caso de empate na média e no número de votos, deve ser usado como
terceiro critério de desempate o número de votos nominais (Res. TSE nº 16.844/90 e Ac. TSE
nºs 11.778/94 e 2.895/2001.
Por último, na ocorrência de vagas e se não houver suplente para preenchê-la, far-
se-á eleição, salvo se faltarem menos de 15 meses para findar o período de mandato, tanto
para deputado como para senador (CF/88, art. 56, § 2º).
2.2. A relação governante governado
A quem deve o representante fidelidade? Ao povo, à nação, ao partido, à
circunscrição eleitoral? Até onde deve ir sua independência e conseqüente capacidade de
divergir de seus eleitores e de sua agremiação partidária? É a problemática da relação
governante-governado.
A sociedade brasileira vive uma fase de profundo descontentamento e decepção
com a classe política192. O simples fato de existir um sistema representativo não é suficiente
192 Pesquisas do Datafolha revelam que se o voto não fosse obrigatório, 49% dos eleitores não votariam; 18% dos eleitores pretendem anular o voto para deputado federal; 67% sentem mais vergonha do que orgulho dos atuais Deputados Federais e em relação aos Senadores o resultado é de 63%; e 42% consideram o desempenho do Congresso Nacional ruim ou péssimo. Já Pesquisas do IBOPE indicam o grau de confiança dos brasileiros nas instituições nacionais. O estudo vem sendo realizado desde 1989 e esta última edição mostra que 90% dos brasileiros não confiam nos políticos. Outras instituições em que os brasileiros não confiam são partidos políticos (88%), Câmara dos deputados (81%) e Senado Federal (76%). Já entre as instituições em que os brasileiros mais confiam estão médicos (81%), igreja católica (71%) e forças armadas (69%). As referidas pesquisas, na íntegra, estão disponíveis em http://datafolha.folha.uol.com.br/folha/datafolha/tabs/orgulho_vergonha_21072005_tb1.pdf e http://www.ibope.com.br/opp/pesquisa/opiniaopublica/download/opp098_confianca_portalibope_ago05.pdf. Acesso em 17/12/2007.
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para atender às necessidades sociais. Em uma passagem da obra de John Mill193,
encontramos a seguinte afirmação: “Deixar as coisas para o governo, como deixá-las ao
acaso, é sinônimo de não se preocupar com elas, e aceitar os resultados, quando
desagradáveis, como caprichos da natureza”. Dessa forma, não podemos apenas transferir a
responsabilidade aos governantes. É necessária uma atitude por parte dos governados, que
eles se sintam parte do problema e também da solução.
“Em relação às eleições legislativas, elas despertam menor interesse do que as do
Executivo. O desprestígio generalizado dos políticos perante a população é mais acentuado
quando se trata de vereadores, deputados e senadores” 194. Por outro lado, a contrapartida da
desvalorização do Legislativo é a valorização do Executivo. Tal afirmação pode ser
confirmada em pesquisa citada do DATAFOLHA (vide nota de rodapé nº 192). Os resultados
mostram que os ocupantes de cargos executivos despertam mais orgulho do que os que atuam
no Legislativo.
Reforçando essa idéia, temos ainda a seguinte análise de José Murilo Carvalho195: A fascinação com um Executivo forte está sempre presente, e foi ela sem dúvida uma das razões da vitória do presidencialismo sobre o parlamentarismo, no plebiscito de 1993. Ligada à preferência pelo Executivo está a busca por um messias político, por um salvador da pátria. Os progressos feitos são inegáveis, mas foram lentos e não escondem o longo caminho que ainda falta percorrer. Pobres, desempregados, analfabetos, vítimas de violência, perdeu-se a crença de que a democracia política resolveria com rapidez os problemas da pobreza e da desigualdade. Como a experiência de governo democrático tem sido curta e os problemas sociais têm persistido e mesmo se agravado, cresce também a impaciência popular com o funcionamento geralmente mais lento do mecanismo democrático de decisão. Daí a busca de soluções mais rápidas por meio de lideranças carismáticas e messiânicas.
E também: A representação política não funciona para resolver os grandes problemas da maior parte da população. O papel dos legisladores reduz-se, para a maioria dos votantes, ao de intermediários de favores pessoais perante o Executivo. O eleitor vota no deputado em troca de promessas de favores pessoais; o deputado apóia o governo em troca de cargos e verbas para distribuir entre seus eleitores. Os eleitores desprezam os políticos, mas continuam votando neles na esperança de benefícios pessoais. Há ainda entre nós muito espaço para o aperfeiçoamento dos mecanismos institucionais de representação. 196
193 MILL, John Stuart. Considerações sobre o governo representativo. Pensamento político. Tradução de Manoel Innocêncio de Lacerda Santos Jr. Brasília: UNB, 1981, p.29. 194 CARVALHO, José Murilo. A cidadania no Brasil – o longo caminho. São Paulo: Civilização Brasileira, 2003, p. 219. 195 Ibid., p. 221-222. 196 Ibid., p. 223-227.
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Nas palavras de Sartori197, encontramos a questão da “qualidade”: Nunca ouvi falar de uma sociedade interessada em ter um governo dos piores. As eleições foram concebidas, então, como um instrumento de seleção no sentido qualitativo do termo. Um instrumento quantitativo destinado a fazer uma escolha qualitativa. Nem sempre dão o resultado esperado. O princípio da maioria é acusado de ter-se tornado um mero princípio da quantidade, governado pela máxima: obtenha tantos votos quantos puder, da forma que puder.
Sartori198 afirma que “tais os representados, tais os representantes. Antes de se
declararem insatisfeitos porque são “mal representados”, isto é, antes de culpar os
delegados, será necessário verificar como são e como se conduzem os delegantes”. Os
eleitores não permitem que se faça funcionar o Estado representativo muito melhor do que
funciona. Se não devemos esperar e pretender demasiado das democracias representativas, é
em primeiro lugar porque o eleitorado é o que é, porque não participa muito e interessa-se
ainda menos, porque suas motivações e seus comportamentos de voto são extremamente
rudimentares, rústicos e desarticulados. A lei da quantidade desvaloriza a qualidade. Se as
eleições têm o objetivo de selecionar, na verdade selecionam mal ou erradamente, isto é,
selecionam ao inverso.
2.3. O “Estado Espetáculo” de Schwartzenberger
Roger-Gerard Schwartzenberger, em 1977, retratou o “Espetáculo” produzido
pelo Estado. Nos parece que esse retrato reflete bem alguns aspectos da política brasileira.
Vejamos seu pensamento.
“A política, outrora, eram as idéias. Hoje, são as pessoas. Ou melhor, as
personagens. Pois cada dirigente parece escolher um emprego e desempenhar um papel.
Como num espetáculo”. Doravante, o próprio Estado se transforma em empresa de
espetáculos, em produtor de espetáculos. A política se faz, agora, encenação. Hoje em dia, o
espetáculo está no poder. Agora, é a superestrutura da sociedade, é o próprio Estado que se
transforma em empresa teatral, em “Estado Espetáculo”. De uma forma sistemática e
organizada. Para melhor divertir e iludir o público de cidadãos.199
197 A teoria de democracia revisitada. Tradução de Dinah de Abreu Azevedo. Ática, 1994, p. 193. 198 SARTORI, Giovanni. A teoria da representação no Estado representativo moderno. Tradução Ernesta Gaetani e Rosa Gaetani. Belo Horizonte: Revista Brasileira de Estudos Políticos, 1962, p. 137. 199 SCHWARTZENBERG, Roger-Gérard. O Estado Espetáculo. Ensaio sobre e contra o Star System em política. São Paulo: Círculo do Livro, 1977, p. 9.
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“O homem político vem procurando cada vez mais impor uma imagem200 de si
mesmo que capte e fixe a atenção do público”201 . De que se trata? De manipular a opinião, para levá-la a comprar uma certa marca, desta política. De vender uma imagem no mercado eleitoral. Ainda que seja necessário enganar e iludir. Indo além da verdade, ou falseando-a. A verdade já não tem valor. Transforma-se num conceito obsoleto para certos profissionais que confundem a imagem e a imaginação. Com eles, a arte política comporta uma parte cada vez maior de composição e de maquiagem. Como a arte dramática. [...] Ocupando o cenário político e cativando o público graças ao seu desempenho202.
Schwartzenberger destaca ainda os papéis dos políticos: Temos o herói: distante,
remoto, é o homem fora do comum, o salvador, o chefe providencial e muitas vezes o ídolo.
Em suma: o equivalente do monstro sagrado ou do Deus ex machina do teatro. O herói: um
tríplice ofício: ele faz o espetáculo, proporciona o sonho e confere a certeza. O herói é um
showman, um homem de espetáculo. Com ele, o “palco político” é realmente um palco. Para
estabelecer uma relação teatral face a face com o público.
Temos o homem ordinário, o common man, o sr. Fulano de Tal. Vindo de uma
classe B da política. Resumindo: o segundo papel promovido ao primeiro plano. Temos o
líder “charmoso”, que se empenha mais em seduzir que em convencer. Em suma: o jovem
galã. Temos o pai da pátria, afigura tutelar compulsória. Em suma: o homólogo do pai nobre
no teatro. Surgem finalmente stars políticas femininas. Algumas delas lembram a diva, a
prima donna. Outras se atribuem papéis mais modestos203.
“Todo homem é uma exceção”, dizia Kierkegaard. Hoje, porém, todo homem
político parece transformar-se em estereótipo204.
Por último, nos parece que, no Brasil, a tática do mistério e do silêncio, tão bem
retratada por Schwartzenberg, é muito adotada. Basta lembrar o “mistério” feito pelo Partido
dos Trabalhadores e o PSDB referente às candidaturas de Luis Inácio Lula da Silva e Geraldo
Alckmin, respectivamente, na última eleição presidencial. O primeiro aguardou para declarar
200 Hannah Arendt (APUD SWARTZENBERGER, p.11) denuncia essas práticas: “A política é feita, em parte, da fabricação de uma certa “imagem” e, em parte, da arte de levar a acreditar na realidade dessa imagem”. 201 SCHWARTZENBERG, Roger-Gérard. O Estado Espetáculo. Ensaio sobre e contra o Star System em política. São Paulo: Círculo do Livro, 1977, p. 11. 202 Ibid., p. 14-15. 203 Nos Estados Unidos, o “herói” Roosevelt precede o Common Man Truman ou o “homem ordinário” Eisenhower, que antecede o “líder charmoso” Kennedy, que precede o “pai” Johnson. Durante a V República, o “herói” De Gaulle precede o “homem ordinário” Pompidou, que antecede o “líder charmoso” Giscard d’ Estaing, que precede o “pai” Barre ou talvez, em 1978, algum outro “pai” extraído da atual maioria (Ibid., p. 18). 204 Ibid., p. 17-18.
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se concorreria à reeleição. E o PSDB, demorou a definir o seu candidato, em disputa entre
ALCKMIN e SERRA. Quanto ao silêncio, basta lembrar a ausência do candidato LULA no
último debate do primeiro turno. Agora, comparemos estes exemplos recentes com algumas
passagens de Schwartzenberger e vejamos as semelhanças: A eleição presidencial de 1965, quando De Gaulle recorreu a dois procedimentos “heróicos”: o mistério e o silêncio. Para manter a distância entre ele e os outros. Todos os outros. Inclusive os eleitores. O primeiro escrutínio se faria no dia 5 de dezembro. O general seria ou não candidato? Ninguém sabia. Até novembro, usou-se a tática do mistério e do suspense. Para desnortear a opinião pública e captar sua atenção, De Gaulle adia ao máximo a divulgação de sua decisão.205 O mistério de De Gaulle prosseguiu, tal qual os capítulos de uma novela:
No dia 27 de outubro, ao encerrar-se a reunião do Conselho de Ministros, o Ministro da Informação anuncia uma fala do general para o dia 4 de novembro. Aos jornalistas sequiosos de descobrir as intenções do presidente, confidenciou Peyrefitte: “É o que estamos a nos perguntar, tanto quanto vocês (Le Monde, 28 de outubro de 1965). No dia 3 de novembro, à saída do Conselho, quando tornam a perguntar a Peyrefitte se haviam sido fornecidas maiores indicações, este comenta: “No fim da reunião, o General de Gaulle repetiu que se dirigiria à nação amanhã, que os ministros fazem parte da nação” (Le Monde, de 4 de novembro de 1965). De modo que, no dia 4 de novembro, a França inteira estava a postos. Para ouvir uma fala radiotelevisionada durante oito minutos. De Gaulle faz aí apelo à “adesão franca e maciça dos cidadãos” para compeli-lo a continuar a exercer suas funções. Daí em diante, uma vez desfeito o mistério, aplica-se a tática do silêncio. Após aquela curtíssima intervenção – resumida pela imprensa nos seguintes termos: “eu ou o caos” - , o general considera ter dito o suficiente. Para continuar acima da balbúrdia, para não descer ao nível dos outros candidatos ao Eliseu, ele não usa o tempo a que tem direito na radiotelevisão.206
Essa atitude distante, afastada da discussão democrática, choca os franceses. De
modo que, in extremis, De Gaulle reformula sua posição e grava duas falas, transmitidas nos
dias 30 de novembro e 3 de dezembro. Por conseguinte, durante a campanha do primeiro
escrutínio, ele só tinha usado vinte e três minutos das duas horas de radiotelevisão concedidas
a cada candidato. E essa tática altiva teve grande influência no resultado negativo do dia 5 de
dezembro. De maneira que, para o segundo escrutínio, o chefe do Estado finalmente
concorda em agir como candidato, e utiliza todo o tempo que lhe é concedido para falar.
Assim, nos dias 13, 14 e 15 de dezembro, a radiotelevisão transmite três entrevistas, de meia
hora cada uma, entre o general e Michel Droit. O cenário: duas poltronas frente a frente num
recanto no Eliseu. Nova linguagem, nova personagem: o herói transformou-se em homem
comum, o guia transmudou-se em Presidente-Cidadão. O ser à parte se tornou um de nós.
Para garantir sua reeleição207.
205 SCHWARTZENBERG, Roger-Gérard. O Estado Espetáculo. Ensaio sobre e contra o Star System em política. São Paulo: Círculo do Livro, 1977, p. 26. 206 Ibid., p. 26-27. 207 Ibid. p. 26-28.
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Este fato histórico da política francesa assemelha-se com a história de nossas
eleições presidenciais de 2006. O candidato LULA se ausentou do debate, e a sua reeleição,
já dada como certa, teve de ser confirmada em um segundo turno. Diante desse cenário,
LULA compareceu aos debates do segundo turno, com o objetivo de confirmar sua reeleição.
2.4. Corrupção
Para FERREIRA FILHO208, varia de civilização para civilização, de época para
época, de classe para classe na mesma sociedade, o que se entende por corrupção. De fato, o
que para nós, hoje, é corrupção, pode não ter sido assim considerado há séculos, nem o ser,
mesmo atualmente, noutra civilização. E numa mesma sociedade, o que para a elite o é, para
outros grupos não tem esse caráter, e vice-versa.
Em termos gerais, a corrupção209 consiste num desvio de conduta aberrante em
relação ao padrão moral consagrado pela comunidade. Não apenas um desvio, mas um desvio
pronunciado, grave, insuportável. Em sentido mais restrito, o termo se refere à conduta de
autoridade que exerce o poder de modo indevido, em benefício de interesse privado, em troca
de uma retribuição de ordem material. Nesse sentido, esse conceito – note-se, só se pode
aplicar a propósito de sociedades modernas, em que existe a distinção entre o público e o
privado. Em sociedades outras, não tem ele sentido, é inaplicável, exatamente porque é
normal que a autoridade pública sirva a interesses particulares, seus ou dos seus.
Para John Noonan, em livro bem documentado, a corrupção, embora sua feição
mude de época para época, é um fenômeno presente em todos os tempos. Dela, não escapa
regime algum. Igualmente, ela existe no mundo inteiro, conquanto em níveis diversos. A
corrupção está presente na história desde a remota Antiguidade (desde 3.000 a.C., pelo
menos), segundo se apreende no estudo da vida egípcia. Ela se registra por todo o mundo. É
ideologicamente “neutra”, não estando ausente nem do mundo capitalista, nem do socialista,
nem do mundo protestante, nem do católico, etc. Apenas é mais visível em certos “mundos”
do que noutros. A prova cabal da corrupção é raramente feita. Do que resulta ser infreqüente
a punição judicial do corrupto. Por isso, é de ordem moral, sobretudo, a sanção que colhe o
corrompido. Colhem ricos e pobres, nobres e plebeus, inclusive grandes homens, como 208 A democracia no limiar do século XXI. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 86-90. 209 Um estudo realizado pela Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) revela que o custo médio anual da corrupção para o Brasil, em valores correntes de 2005, é de R$ 26,2 bilhões, valor equivalente a 1,35% do Produto Interno Bruto (PIB). A quantia é superior ao orçamento de sete ministérios para o ano de 2007. Disponível em: http://contasabertas.uol.com.br/noticias/detalhes_noticias.asp?auto=1738. Acesso em 20/06/2007.
99
Francis Bacon, o famoso filósofo, que, comprovadamente, recebeu dinheiro e presentes
valiosos de vários interessados, para decidir, em seu favor, quando era Chanceler do Rei da
Inglaterra.
É assim um mal que todo regime tem de estar preparado para enfrentar. Ela é
particularmente grave numa democracia. Esta, com efeito, confia na representação para
realizar o interesse geral. Se ela é corrupta e persegue o seu bem particular, o regime fica
totalmente desfigurado. Além disso, na democracia, rapidamente a corrupção desmoraliza o
poder, além de ser um fator de ineficiência. Por isso, pode levar facilmente à perda de
legitimidade do regime.
Entretanto, desde os seus primeiros passos, padeceu da corrupção, o governo
representativo, de que deriva a democracia contemporânea. Há quem diga ironicamente
tratar-se isso de mais uma herança, ao lado do parlamentarismo, do regime inglês do século
XVIII. Os relatos históricos sobre o período demonstram que, por um lado, os gabinetes
compravam, com dinheiro, os votos de que necessitavam, por outro, os candidatos
compravam, em moeda sonante, os votos dos eleitores. E uma vez eleitos, muitos se
prestavam a tudo, desde que fossem pagos. A corrupção era também a regra na
Administração. O funcionário que podia, cobrava propinas; quem precisava de algo da parte
da burocracia, tinha de suborná-la.
Para Huntington (apud FERREIRA FILHO), “o Brasil é um país de corrupção
democrática” (quer dizer disseminada em todos os níveis, dos mais aos menos elevados da
Administração e da política).210
2.5. Os partidos políticos no Brasil
O homem, centro da vida social e, portanto, da sociedade juridicamente
organizada, necessita reunir-se em grupos nos quais haja identidade de objetivos, idéias e
opiniões.211 Por intermédio dos partidos políticos a ação política dos cidadãos se
materializa.212 O Brasil se apresenta despido de um compromisso ideológico, prevalecendo o
fisiologismo partidário, de acordo com os interesses personalíssimos de cada filiado.213
210 A democracia no limiar do século XXI. São Paulo: Saraiva, 2001, p. 90. 211 RABELLO FILHO, Benjamin Alves. Partidos Políticos no Brasil. Doutrina e Legislação. Belo Horizonte: Del Rey, 2001, p. 129. 212 Ibid., p. 130. 213 Ibid., p. 132.
100
As duas primeiras constituições brasileiras, de 1824 e 1891, não cogitaram sobre
partidos políticos. Desde o Primeiro Reinado encontramos os partidos políticos, embora sem
forma definida. O Decreto nº 21.076, de 1932, que criou a Justiça Eleitoral, estabeleceu a
representação proporcional (art. 56 e 58) e conceituou os partidos políticos, admitindo-os em
caráter permanente e provisório e a eles equiparando “as associações de classe legalmente
constituídas” (art. 99). Portanto, reconhecia-lhes a existência, mesmo antes da
constitucionalização. Somente em 1934 houve um princípio de admissão, e isso se deveu,
única e exclusivamente, ao objetivo de punir judicialmente o funcionário que se valer de sua
autoridade em favor de partidos políticos ou exercer a pressão partidária sobre seus
subordinados (art. 170, §9º). Entretanto, a superveniência do golpe de 1937 impediu a
projeção dos partidos, suspendendo-lhes a existência e atuação. A primeira constituição que
verdadeiramente cuidou do assunto foi a de 1946 (art. 119, I), que vedava a organização,
registro e funcionamento de qualquer partido político ou associação cujo programa
contrariasse o regime democrático. Já previa a pluralidade de partidos, dando-lhes
configuração nacional e assegurando-lhes representação proporcional, inclusive nas
comissões parlamentares. A partir de 1967, passou a existir um capítulo próprio referente aos
partidos, inclusive atribuindo-lhes personalidade jurídica mediante o registro no TSE
(Tribunal Superior Eleitoral). O texto de 1969 manteve mais ou menos a mesma linha do
anterior, alternando alguns critérios quanto à criação de novos partidos e no que se refere à
fidelidade. E o direito complementar às nossas constituições tem estabelecido a estrutura e
disciplina geral dos partidos políticos mediante leis orgânicas. Atualmente, pelo disposto na
Constituição Federal brasileira e na Lei nº 9.096\95, o partido político é considerado “pessoa
jurídica de direito privado”, destinada a assegurar, no interesse do regime democrático, a
autenticidade do sistema representativo e a defender os direitos fundamentais definidos na
constituição federal. Confere-lhes a liberdade de criação, fusão, incorporação e extinção,
desde que respeitem a soberania nacional, o regime democrático, o pluripartidarismo e os
direitos fundamentais da pessoa humana, além de terem assegurada total autonomia para
definir sua estrutura interna, organização e funcionamento.214
No Brasil, a criação de partidos políticos é livre, observados os termos
constitucionais, vigorando o pluripartidarismo. Atualmente, nosso país possui 27 partidos
214 RABELLO FILHO, Benjamin Alves. Partidos Políticos no Brasil. Doutrina e Legislação. Belo Horizonte: Del Rey, 2001, p. 97-99.
101
políticos215 registrados no Tribunal Superior Eleitoral. A Constituição Federal de 1988
dedicou um capítulo aos partidos políticos (Título II, Capítulo V, artigo 17)216. A legislação
infraconstitucional também cuidou da questão partidária, por meio de lei nº 9.096/95 (Lei
Orgânica dos Partidos Políticos).
Maurice Duverger, em sua obra Partidos Políticos faz algumas considerações que,
em nosso entendimento, se aplicam às agremiações partidárias brasileiras. Vejamos alguns
pontos: Geralmente, considera-se o sistema de partidos que existem num país como o resultado da estrutura da sua opinião pública. Mas o inverso é, igualmente, verdadeiro: a estrutura da opinião pública é, em larga medida, a conseqüência do sistema dos partidos, tal qual resulta das circunstâncias históricas, da evolução política e de um conjunto de fatores complexos, no qual o regime eleitoral desempenha um papel preponderante. As relações entre opinião e partidos não são de sentido único, mas constituem uma tessitura de ações e reações recíprocas, estreitamente entretecidas.217 E em relação à estrutura interna dos partidos:
215 PMDB (PARTIDO DO MOVIMENTO DEMOCRÁTICO BRASILEIRO), PTB (PARTIDO TRABALHISTA BRASILEIRO), PDT (PARTIDO DEMOCRÁTICO TRABALHISTA), PT (PARTIDO DOS TRABALHADORES), DEM (DEMOCRATAS), PC do B (PARTIDO COMUNISTA DO BRASIL), PSB (PARTIDO SOCIALISTA BRASILEIRO), PSDB (PARTIDO DA SOCIAL DEMOCRACIA BRASILEIRA), PTC (PARTIDO TRABALHISTA CRISTÃO), PSC (PARTIDO SOCIAL CRISTÃO), PMN (PARTIDO DA MOBILIZAÇÃO NACIONAL), PRP (PARTIDO REPUBLICANO PROGRESSISTA), PPS (PARTIDO POPULAR SOCIALISTA), PV ( PARTIDO VERDE), PT do B (PARTIDO TRABALHISTA DO BRASIL), PP (PARTIDO PROGRESSISTA), PSTU (PARTIDO SOCIALISTA DOS TRABALHADORES UNIFICADO (ANTIGO PRT), PCB (PARTIDO COMUNISTA BRASILEIRO), PRTB (PARTIDO RENOVADOR TRABALHISTA BRASILEIRO), PHS (PARTIDO HUMANISTA DA SOLIDARIEDADE), PSDC (PARTIDO SOCIAL DEMOCRATA CRISTÃO), PCO (PARTIDO DA CAUSA OPERÁRIA), PTN (PARTIDO TRABALHISTA NACIONAL), PSL (PARTIDO SOCIAL LIBERAL), PRB (PARTIDO REPUBLICANO BRASILEIRO), PSOL (PARTIDO SOCIALISMO E LIBERDADE), PR (PARTIDO DA REPÚBLICA). 216 Art. 17. É livre a criação, fusão, incorporação e extinção de partidos políticos, resguardados a soberania nacional, o regime democrático, o pluripartidarismo, os direitos fundamentais da pessoa humana e observados os seguintes preceitos: I - caráter nacional; II - proibição de recebimento de recursos financeiros de entidade ou governo estrangeiros ou de subordinação a estes; III - prestação de contas à Justiça Eleitoral; IV - funcionamento parlamentar de acordo com a lei. § 1º É assegurada aos partidos políticos autonomia para definir sua estrutura interna, organização e funcionamento e para adotar os critérios de escolha e o regime de suas coligações eleitorais, sem obrigatoriedade de vinculação entre as candidaturas em âmbito nacional, estadual, distrital ou municipal, devendo seus estatutos estabelecer normas de disciplina e fidelidade partidária. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 52, de 2006) § 2º - Os partidos políticos, após adquirirem personalidade jurídica, na forma da lei civil, registrarão seus estatutos no Tribunal Superior Eleitoral. § 3º - Os partidos políticos têm direito a recursos do fundo partidário e acesso gratuito ao rádio e à televisão, na forma da lei. § 4º - É vedada a utilização pelos partidos políticos de organização paramilitar. 217 DUVERGER, Maurice. Partidos Políticos. Rio de Janeiro: Zahar, 1970, p. 406-407.
102
A respectiva estrutura interna é, essencialmente, autocrática e oligárquica; os chefes não são, de fato, designados pelos adeptos, apesar da aparência, mas cooptados ou nomeados pelo centro; tendem a formar uma classe dirigente, isolada dos militantes, casta mais ou menos fechada sobre si mesma. Na medida em que eles são eleitos, a oligarquia partidária amplia-se, mas não se transforma em democracia, pois a eleição é feita pelos adeptos, que são uma minoria em relação aos que dão os seus votos ao partido, quando das eleições gerais.218
Para Duverger, vivemos de noções absolutamente irreais da democracia, forjadas
pelos juristas com base nos filósofos do século XVIII. “Governo do povo pelo povo”,
“governo da nação pelos seus representantes”: bonitas fórmulas, próprias para despertar
entusiasmo e facilitar os jogos oratórios; bonitas fórmulas que nada significam. Nunca se
viu, nunca se verá um povo governar-se a si mesmo. Todo governo é oligárquico,
comportando, necessariamente, o domínio de um grande número por um pequeno.219 Nesse
sentido: Um povo não se coage; é coagido; não se governa; é governado. Proclamar a identidade dos governantes e dos governados, dos que coagem e dos que são coagidos, constitui um meio admirável de justificar a obediência dos segundos em relação aos primeiros. Tudo isso é um puro jogo de construção e de espírito. 2.6. Grupos de pressão
O Grupo de Pressão é todo e qualquer grupo que procure influir no governo em
defesa de um interesse. Não quer para si o governo, contenta-se com que este sirva a seus
interesses. Não luta por idéias, salvo na medida em que estas se tornem interesses.220 Segundo
J.H. Kaiser, são organizações da esfera intermediária entre o indivíduo e o Estado, nas quais
um interesse se incorporou e se tornou politicamente relevante. Ou são grupos que procuram
fazer com que as decisões dos poderes públicos sejam conformes com os interesses e as idéias
de uma determinada categoria. O grupo de pressão se define em verdade pelo exercício de
influência sobre o poder político para obtenção eventual de uma determinada medida de
governo que lhe favoreça os interesses.
Duverger sinaliza que os partidos políticos procuram conquistar o poder e exercê-
lo: eleger conselheiros municipais, conselheiros gerais, prefeitos, senadores, deputados;
colocar ministros no governo, eleger o chefe de Estado. Os grupos de pressão, pelo contrário,
218 DUVERGER, Maurice. Partidos Políticos. Rio de Janeiro: Zahar, 1970, p. 455. 219 Ibid, p. 457. 220 FERREIRA FILHO, Manoel Gonçalves. Curso de Direito Constitucional. 29.ed. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 89.
103
não participam diretamente da conquista do poder e de seu exercício: agem sobre o poder,
mas permanecendo fora dele, fazem “pressão” sobre ele.221
Hoje a importância dos grupos tomou tal dimensão que não viu nenhum exagero
em afirmar que são parte da Constituição viva ou da Constituição material tanto quanto os
partidos políticos e independente de toda institucionalização ou reconhecimento formal nos
textos jurídicos. Tanto os partidos políticos como os grupos de pressão têm em comum a nota
característica de constituírem categorias interpostas entre o cidadão e o Estado, servindo de
laço de união e ponte ou canal entre ambos. O partido político do mesmo modo que o grupo
de pressão conduz interesses de seus membros até as regiões do poder aonde vão em busca de
uma decisão política favorável. São instrumentos representativos ambos e os mais modernos
que entram no quadro da democracia social de nosso século. Foram em larga parte
desconhecidos ou combatidos pelas antigas instituições do Estado liberal.222
São numerosos e variados os grupos de pressão, ensina Duverger. Entre eles, as
organizações profissionais, organizações patronais da indústria e comércio, as organizações
camponesas, as organizações de assalariados, os grupos públicos e privados. Cabe destacar,
no cenário atual brasileiro a pressão exercida por jornais e órgãos de informação. Não se trata
de uma regra, pois em muitas situações, quando há um escândalo grave, há a obrigação de
informar o público a respeito. E isso pode ser feito com máxima precaução, de modo a ajudar
o governo, em vez de exercer sobre ele uma verdadeira “pressão”. Não se consideram aqui,
evidentemente, os jornais de “escândalos”.223
2.7. Minoria e Oposição
No estudo da representação política, é interessante o exame de dois elementos que
compõem o sistema representativo: as minorias e a oposição. Minoria, será,
fundamentalmente, um grupo de cidadãos de um Estado, em minoria numérica ou em posição
não dominante nesse Estado, dotado de características étnicas, religiosas ou lingüísticas que
diferem das da maioria da população, solidários uns com os outros e animados de uma
vontade de sobrevivência e de afirmação da igualdade de fato e de direitos com a maioria. No
campo dos direitos fundamentais, existem 2 grupos diferentes: 1) direitos dos indivíduos
pertencentes às minorias; 2) direitos das minorias propriamente ditas. Indivíduo e grupo e
221 DUVERGER, Maurice. Sociologia Política. Forense: Rio de Janeiro, 1977, p. 442. 222 BONAVIDES, Paulo. Ciência Política. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 460-463. 223 DUVERGER, op.cit., p. 451.
104
grupo/indivíduo surgem estreitamente relacionadas. Como pessoas, não podem reivindicar
outra coisa senão a do tratamento como igual quanto aos direitos fundamentais. Enquanto
grupo, põe-se o problema de direitos coletivos especiais, dada a sua identidade e forte
sentimento de pertença e de partilha (língua, religião, família, escola). Nesse sentido se fala
em minorias que atribuem valor à sua diferença e especificidade relativamente à maioria,
exigindo a proteção e garantia efetiva desta diferença e especificidade.224
O conceito de minoria aceito pelas Nações Unidas é: grupos distintos dentro da população do Estado, possuindo características étnicas, religiosas ou lingüísticas estáveis, que diferem daquelas do resto da população; em princípio numericamente inferiores ao resto da população; em uma posição de não dominância; vítima de discriminação.
No Brasil, isso compreende os índios; os ciganos; as comunidades negras
remanescentes de quilombos; comunidades descendentes de imigrantes; membros de
comunidades religiosas.225 Relevante então, se torna o papel do Parlamento em relação às
minorias. Nessa direção, Pinto Ferreira demonstra igual percepção do tema quando considera
que a essência democrática de qualquer regime de governo apóia-se na existência de uma
imprescindível harmonia entre a “Majority rule” e os “Minority rights” (Regra da maioria e
os direitos da minoria).226
A relevância da minoria também é expressa por Celso de Mello: A constituição verdadeiramente democrática há de garantir todos os direitos das minorias e impedir toda prepotência, todo arbítrio, toda opressão contra elas. Mais que isso, por mecanismos que assegurem representação proporcional, deve atribuir um relevante papel institucional às correntes minoritárias mais expressivas. E ainda: Daí a necessidade de garantias amplas, no próprio texto constitucional, de existência, sobrevivência, liberdade de ação e influência da minoria, para que se tenha verdadeira república.
Para que o regime democrático não se reduza a uma categoria político-jurídica
meramente conceitual, torna-se necessário assegurar, às minorias que atuam no meio social, o
direito de exercer, de modo efetivo, mediante representantes por elas eleitos, um direito
fundamental que vela ao pé das instituições democráticas: o direito de oposição.
Canotilho adverte que o direito de oposição democrática é um direito
imediatamente decorrente da liberdade de opinião e da liberdade de associação partidária. 224 CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. Coimbra: Almedina, 2003, p. 387. 225 Disponível em: http://www.dhnet.org.br/direitos/militantes/lucianomaia/luciano102.html. Acesso em
26.11.2007.
226 FERREIRA, Pinto. Princípios Gerais do Direito Constitucional Moderno. Tomo I, p. 195-196, item nº 8, 5.ed. 1971, RT. Ver voto do ministro Celso de Mello no MS 26.603-1 DF.
105
Precisamente por isso, o direito de oposição não se limita à oposição parlamentar, antes
abrange o direito à oposição extraparlamentar, desde que exercido nos termos da
Constituição. A Lei Fundamental portuguesa, no caso, traz a seguinte redação em seu artigo
114: Artigo 114 – Partidos Políticos e direito de oposição
2. É reconhecido às minorias o direito de oposição democrática, nos termos da constituição e da lei.
3. Os partidos políticos representados na Assembléia da República e que não façam parte do Governo, gozam, designadamente, do direito de serem informados regular e diretamente pelo Governo sobre o andamento dos principais assuntos de interesse público, de igual direito gozando os partidos políticos representados nas Assembléias Legislativas das regiões autônomas e em quaisquer outras assembléias designadas por eleição direta relativamente aos correspondentes executivos de que não façam parte.
Nos ensina o autor português que a interpretação restritiva do direito à oposição,
no sentido de uma simples oposição parlamentar ao governo, conduziria, desde logo, a que as
forças políticas não representadas no Parlamento vissem a sua liberdade política, o seu direito
de participação na vida pública, o seu direito fundamental de associação e a sua liberdade de
expressão, indiretamente restringidos. A idéia de oposição extraparlamentar conexiona-se, de
resto, com outros direitos fundamentais como, por exemplo, os direitos de reunião e
manifestação, e com o próprio princípio democrático.227
No Brasil, muitas vezes, o cenário político destaca 2 grandes partidos: governo e
oposição. E assim, são realizados as negociações e acordos. Mas, por outro lado, há vezes em
que não há entendimento.228 O principal papel da oposição é o de formular propostas
alternativas às idéias e ações do governo da maioria que o sustenta. Correlatamente, critica,
fiscaliza, aponta falhas e censura a maioria, propondo-se, à opinião pública, como
alternativa.
Na democracia, governa a maioria, mas, em virtude do postulado constitucional
fundamental da igualdade de todos os cidadãos, ao fazê-lo, não pode oprimir a minoria. Esta
exerce também função política importante, decisiva mesmo: a de oposição institucional, a que
227 CANOTILHO, J.J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. Coimbra: Almedina, 2003, p. 327. 228 GABRIELA GUERREIRO, da Folha On-line, em Brasília: “Oposição retoma obstrução e mantém pauta do Senado trancada por MPs”.A oposição impediu mais uma vez, nesta segunda-feira, a votação das duas medidas provisórias que trancam a pauta de votações do Senado. Na tentativa de evitar a contagem de prazo da proposta que prorroga a CPMF (Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira) até 2011, o PSDB obstruiu a votação após um embate com o presidente interino da Casa, Tião Viana (PT-AC). Descompasso: A obstrução do PSDB mostrou um racha entre dentro da oposição no Senado. Enquanto o DEM quer acelerar a tramitação da CPMF porque calcula que o governo não tem votos para aprovar a matéria, o PSDB reluta em aderir a essa estratégia. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u348851.shtml. Acesso em 26.11.2007.
106
cabe relevante papel no funcionamento das instituições republicanas. Pela proteção e
resguardo das minorias e sua necessária participação no processo político, a república faz da
oposição instrumento institucional do governo.
Esse “destaque” na função atribuída à oposição foi tema de decisão do Tribunal de
Justiça do Estado do Paraná (RT 442/193-210, 195): A atuação de um governo democrático e responsável ante o povo requer, pois o concurso de uma oposição que desempenhe a dupla função do princípio motor e de órgão de proteção da constituição. Se um dos vários setores da coletividade está descontente, nada serve melhor, nem com mais eficácia, para expressão desse descontentamento, que a conduta da oposição parlamentar. [...] Não há, na realidade, regime democrático sem oposição e que a esta se assegure o pleno direito de fiscalizar os atos do grupo majoritário e contribuir para o aperfeiçoamento das instituições.
Por fim, a idéia de minoria e oposição devem se relacionar. Sob esse aspecto,
sinaliza o professor Geraldo Ataliba: É que só há verdadeira república democrática onde se assegure que as minorias possam atuar, erigir-se em oposição institucionalizada e tenham garantidos seus direitos de dissensão, crítica e veiculação de sua pregação. Onde, enfim, as oposições possam usar de todos os meios democráticos para tentar chegar ao governo. Há república onde, de modo efetivo, a alternância no poder seja uma possibilidade juridicamente assegurada, condicionada só a mecanismos políticos dependentes da opinião pública.229 2.8. Instrumentos de participação direta X representação parlamentar
Como salientado por Maurice Hauriou, “certamente, o regime representativo
oferece vantagens sobre a pura democracia direta, sobretudo nas grandes populações, porém
isto não é razão para que não se corrija com uma dose de sufrágio direto. A soberania dos
Parlamentos não é um dogma”.230 A Constituição Federal de 1988 estabeleceu em seu artigo
14, que trata dos direitos políticos: “A soberania popular será exercida pelo sufrágio
universal e pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos da lei,
mediante: I) plebiscito; II) referendo; III) iniciativa popular”. A lei nº 9.709, de 18 de
novembro de 1998 regulamentou a matéria. Em seu artigo 2º, § 1º, a lei define que “o
plebiscito é convocado com anterioridade a ato legislativo ou administrativo, cabendo ao
povo, pelo voto, aprovar ou denegar o que lhe tenha sido submetido”, e em seu artigo 2º, § 2º,
que “o referendo é convocado com posterioridade a ato legislativo ou administrativo,
cumprindo ao povo a respectiva ratificação ou rejeição”. 231
229 Apud MELLO, Celso. Ver voto do MS 26.603-1 – DF. 230 MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil Interpretada. São Paulo: Atlas, 2006, p. 1039. 231 Ibid., p. 550.
107
Cabe, exclusivamente, ao Congresso Nacional, autorizar referendos e convocar
plebiscitos (CF, artigo 49), salvo, por óbvio, quando a própria constituição expressamente
determinar (por exemplo, artigo 18, §§ 3º e 4º, artigo 2º do Ato Constitucional das
Disposições Transitórias).
2.8.1. Plebiscito e Referendo
O plebiscito é uma consulta prévia que se faz aos cidadãos no gozo de seus
direitos políticos, sobre determinada matéria a ser, posteriormente, discutida pelo Congresso
Nacional. Na vigência da Constituição de 1988, foi realizado o plebiscito sobre monarquia ou
república e presidencialismo ou parlamentarismo (artigo 2º do ADCT).
O referendo consiste em uma consulta posterior sobre determinado ato
governamental para ratificá-lo, ou no sentido de conceder-lhe eficácia (condição suspensiva),
ou, ainda para retirar-lhe a eficácia (condição resolutiva). No dia 23 de outubro de 2005,
milhões de brasileiros participaram de um referendo para decidir se o comércio de armas de
fogo e munição em território nacional devia ou não ser proibido. A realização da consulta
popular foi definida pelo Estatuto do Desarmamento (Lei 10.826/2003) e autorizada por
decreto legislativo. De acordo com a legislação, a posição vencedora por maioria simples
(NÃO) entrou em vigor no mesmo dia que o TSE divulgou o resultado oficial do referendo. O
referendo sobre o desarmamento é o primeiro que ocorre no Brasil, mas em nosso país já
houve dois plebiscitos: em 1963 e 1993.
A palavra plebiscito se originou na Roma Antiga quando os plebeus conquistaram,
por meio da Lei Hortênsia, no ano de 287 a.C., o direito a que suas decisões tivessem validade
para todos os romanos. A Assembléia de Plebeus, ou seja, a reunião da plebe, ficou conhecida
como plebiscito, originando então o termo que até hoje utilizamos para consultas populares.
Alguns plebiscitos marcaram a história, como é o caso do ocorrido no dia 2 de agosto de
1804, que tornou Napoleão Bonaparte imperador dos franceses, transformando a França
novamente em Império. Napoleão obteve nesse plebiscito 3,5 milhões de votos de apoio e
apenas 2,5 mil contrários.Em 1969, ainda na França, o presidente Charles de Gaulle tentou
reformar a Constituição e, para isso, buscou apoio da população realizando um plebiscito, mas
foi derrotado e, logo depois, renunciou ao cargo de presidente da República, que ocupava
havia dez anos. Outros plebiscitos importantes aconteceram a partir de 1993, em vários países
da Europa, para se decidir sobre a ratificação ou não do Tratado de Maastricht, que criou a
União Européia.
108
No Brasil, em 6 de janeiro de 1963, a consulta à população representou um marco
na história política brasileira em virtude da grande instabilidade política vivida pelo país nas
décadas de 1950 e 1960 por causa da renúncia do presidente eleito Jânio Quadros, em 25 de
agosto de 1961. O vice-presidente era João Goulart, mais conhecido como Jango, político que
tinha como característica apoiar os movimentos sociais e de trabalhadores e que, portanto, era
considerado “suspeito” pelas forças militares da época. Com a renúncia de Jânio, os militares
impuseram a transformação do sistema de governo presidencialista em parlamentarista. Jango
tornou-se presidente, e o plebiscito sobre a manutenção ou não do parlamentarismo ficou
marcado para 1965. Mas a consulta popular acabou sendo adiantada, ocorrendo em 1963. O
resultado foi amplamente favorável ao presidencialismo. Do total de 18 milhões de eleitores,
mais de 11,5 milhões votaram e, destes, 9,4 milhões votaram a favor do presidencialismo.
A atual Constituição brasileira, promulgada em 5 de outubro de 1988, determinou
a realização de um plebiscito, em 21 de abril de 1993, para se decidir sobre a forma de
governo (república ou monarquia constitucional) e o sistema de governo (parlamentarista ou
presidencialista) de nosso país. O resultado da votação foi uma vitória impressionante da
república presidencialista, nossa atual forma e sistema de governo.
Em nível regional, é mais freqüente a realização de plebiscitos no Brasil.232 2.8.2. Iniciativa popular
A iniciativa para apresentação de projetos de leis foi conferida ao povo, nos
termos do artigo 61, § 2º da Constituição Federal de 1988:
232 TRE-AP: Domingo tem plebiscito nas Comunidades do Curiaú e Curralinho - 23 de outubro de 2007 - No próximo domingo (28), será realizada uma consulta plebiscitária nas comunidades do Curiaú e Curralinho sobre a transformação das mesmas em distritos de Macapá. A atividade está sob a coordenação do Cartório Eleitoral da 10ª Zona Eleitoral, cujo titular é o Marconi Marinho Pimenta e prefeitura de Macapá. O plebiscito terá início às 8 horas com encerramento às 17 horas. Fonte: Assessoria de Comunicação Social do TRE do Amapá. Disponível em: http://agencia.tse.gov.br/sadAdmAgencia/index.jsp?null. Resultado do plebiscito em Itapeva (MG) dá vitória ao "Não" - 1° de outubro de 2007 - A cidade de Itapeva, a 450 km de Belo Horizonte e a 126 km de São Paulo, vai continuar com o mesmo nome. Essa foi a decisão dos 4.675 eleitores que compareceram às 18 seções do município, no plebiscito realizado pela Justiça Eleitoral neste domingo (30). A opção vencedora pelo "Não" teve 3.080 votos, representando 70,21%. Já a opção de mudar o nome para Itapeva de Minas obteve a preferência de 1.307 votantes (29,79%). O resultado da votação foi divulgado às 18h. Houve 1.994 abstenções (29,9%), 236 votos nulos (5,38%) e 52 votos brancos (1,19%). O plebiscito, que utilizou 18 urnas eletrônicas, foi presidido pelo juiz eleitoral de Camanducaia (zona eleitoral à qual pertence Itapeva), André Luiz Polydoro. A realização do plebiscito foi solicitada pela prefeita em exercício, Sílvia Antônia Ferreira Santiago (PPS), em junho deste ano, quando protocolou um pedido no Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais (TRE-MG) em que constava a Resolução 6/2005 da Câmara Municipal local, que estabelecia a realização da consulta plebiscitária naquela cidade. Segundo a prefeita, o pedido fora motivado pelo fato de a cidade de Itapeva ser freqüentemente confundida com o município homônimo pertencente ao estado de São Paulo, o que gerava "transtornos aos órgãos públicos locais". Este é o segundo plebiscito realizado pelo TRE-MG, neste ano. Em julho, os eleitores da cidade de Bueno Brandão (sul de Minas) decidiram, por 63,30%, que o município continua com o mesmo nome (a outra opção - Campo Místico - foi a preferida por 31,97% dos votantes).FONTE: Assessoria de Comunicação Social do TRE de Minas Gerais. Disponível em: XXX
109
A iniciativa popular pode ser exercida pela apresentação à Câmara dos Deputados de projeto de lei subscrito por, no mínimo, um por cento do eleitorado nacional, distribuído pelo menos por cinco Estados, com não menos de três décimos por cento dos eleitores de cada um deles.
Interessante ressaltar que as constituições estaduais devem prever, nos termos do
§ 4º do artigo 27 da Constituição Federal, a iniciativa popular de lei estadual. Assim, por
exemplo, a constituição do Estado de São Paulo admite a possibilidade de sua alteração por
proposta de cidadãos, mediante iniciativa popular assinada, no mínimo, por 1% dos eleitores.
Tendo em vista a dificuldade de conferência dos dados dos signatários do projeto,
a solução encontrada é a inclusão da assinatura de um Deputado, passando a proposição a ser
de autoria do Parlamentar. Essa dificuldade se confirma, ao verificarmos no Anuário
Estatístico do Processo Legislativo da Câmara dos Deputados, que, no ano de 2006 houve
ZERO de apresentação de proposições de iniciativa popular.
A partir de 2001, com a criação da Comissão de Legislação Participativa - CLP,
abriu-se mais uma possibilidade de participação popular no processo legislativo, por
intermédio da apresentação de uma sugestão de lei à CLP. No entanto, a apresentação dessas
sugestões está restrita a associações e órgãos de classe, sindicatos e entidades organizadas da
sociedade civil, exceto partidos políticos. A CLP não pode receber sugestões individuais.
IV. REFORMA POLÍTICA NO BRASIL
1. Parlamento e Reforma Política
Nunca se ouviu tanto falar em reforma política no Brasil como agora. Na Câmara,
destaca-se o Projeto de Lei 1210/07, do deputado Regis de Oliveira (PSC-SP), que substitui
mais de 100 propostas que tratavam da reforma política e foram rejeitadas pelo Plenário. O
texto é idêntico ao substitutivo aprovado pela Comissão Especial da Reforma Política, na qual
o deputado Ronaldo Caiado (DEM-GO) foi relator. A proposta estabelece, entre outras
medidas, voto em lista fechada, financiamento público de campanha, cláusula de barreira e
proibição de coligação nas eleições proporcionais (para vereador e deputado).
1.1. Campanhas eleitorais
Uma das reformas já realizadas pelo Parlamento teve sede na lei nº 11.300, de 10
de maio de 2006, que dispõe sobre propaganda, financiamento e prestação de contas das
despesas com campanhas eleitorais, alterando a lei no 9.504, de 30 de setembro de 1997.
110
A cada eleição caberá à lei, observadas as peculiaridades locais, fixar até o dia 10
de junho de cada ano eleitoral o limite dos gastos de campanha para os cargos em disputa; não
sendo editada lei até a data estabelecida, caberá a cada partido político fixar o limite de
gastos, comunicando à Justiça Eleitoral, que dará a essas informações ampla publicidade
(acrescido o artigo 17-A à lei nº 9.504). Por decisão do TSE, este artigo não se aplicou às
eleições de 2006.
No pedido de registro de seus candidatos, os partidos e coligações comunicarão
aos respectivos Tribunais Eleitorais os valores máximos de gastos que farão por cargo eletivo
em cada eleição a que concorrerem, observados os limites estabelecidos, nos termos do art.
17-A (artigo 18 da lei 9.504). Por decisão do TSE, este artigo também não se aplicou às
eleições de 2006. Tratando-se de coligação, cada partido que a integra fixará o valor máximo
de gastos de que trata este artigo (§ 1º). O gasto de recursos além dos valores declarados nos
termos deste artigo sujeita o responsável ao pagamento de multa no valor de cinco a dez vezes
a quantia em excesso (§ 2º).
O candidato é solidariamente responsável com a pessoa indicada na forma do art.
20 da lei 9.504 233 pela veracidade das informações financeiras e contábeis de sua campanha,
devendo ambos assinar a respectiva prestação de contas (nova redação do artigo 21 da lei
9.504).
Foram acrescidos dois parágrafos ao artigo 22 da lei 9.504: Art. 22 - É obrigatório para o partido e para os candidatos abrir conta bancária específica para registrar todo o movimento financeiro da campanha. § 3º- O uso de recursos financeiros para pagamentos de gastos eleitorais que não provenham da conta específica de que trata o caput deste artigo implicará a desaprovação da prestação de contas do partido ou candidato; comprovado abuso de poder econômico, será cancelado o registro da candidatura ou cassado o diploma, se já houver sido outorgado.
§ 4º - Rejeitadas as contas, a Justiça Eleitoral remeterá cópia de todo o processo ao Ministério Público Eleitoral para os fins previstos no art. 22 da Lei Complementar nº. 64, de 18 de maio de 1990.
Qualquer partido político ou coligação poderá representar à Justiça Eleitoral
relatando fatos e indicando provas e pedir a abertura de investigação judicial para apurar
condutas em desacordo com as normas desta Lei, relativas à arrecadação e gastos de recursos
(artigo 30-A, acrescido à lei 9.504). Comprovados captação ou gastos ilícitos de recursos,
233 Art. 20 - O candidato a cargo eletivo fará, diretamente ou por intermédio de pessoa por ele designada, a administração financeira de sua campanha, usando recursos repassados pelo comitê, inclusive os relativos à cota do Fundo Partidário, recursos próprios ou doações de pessoas físicas ou jurídicas, na forma estabelecida nesta Lei.
111
para fins eleitorais, será negado diploma ao candidato, ou cassado, se já houver sido
outorgado (§ 2º).
As pesquisas eleitorais, por qualquer meio de qualquer meio de comunicação,
foram vedadas, a partir do décimo quinto dia anterior até as 18 (dezoito) horas do dia do
pleito (artigo 35-A acrescido à lei 9.504). Entretanto, o Supremo Tribunal Federal declarou
este dispositivo inconstitucional, por meio da ADI nº 3.741.
Nos bens cujo uso dependa de cessão ou permissão do Poder Público, ou que a ele
pertençam, e nos de uso comum, inclusive postes de iluminação pública e sinalização de
tráfego, viadutos, passarelas, pontes, paradas de ônibus e outros equipamentos urbanos, é
vedada a veiculação de propaganda de qualquer natureza, inclusive pichação, inscrição a tinta,
fixação de placas, estandartes, faixas e assemelhados (nova redação do artigo 37 da lei 9.504).
Cabe ainda, destacar os incisos e parágrafos acrescidos ao artigo 39 da lei 9.504: § 5º - Constituem crimes, no dia da eleição, puníveis com detenção, de seis meses a um ano, com a alternativa de prestação de serviços à comunidade pelo mesmo período, e multa no valor de cinco mil a quinze mil UFIR: II - a arregimentação de eleitor ou a propaganda de boca de urna; III - a divulgação de qualquer espécie de propaganda de partidos políticos ou de seus candidatos, mediante publicações, cartazes, camisas, bonés, broches ou dísticos em vestuário. § 6º - É vedada na campanha eleitoral a confecção, utilização, distribuição por comitê, candidato, ou com a sua autorização, de camisetas, chaveiros, bonés, canetas, brindes, cestas básicas ou quaisquer outros bens ou materiais que possam proporcionar vantagem ao eleitor. § 7º - É proibida a realização de showmício e de evento assemelhado para promoção de candidatos, bem como a apresentação, remunerada ou não, de artistas com a finalidade de animar comício e reunião eleitoral. § 8º - É vedada a propaganda eleitoral mediante outdoors, sujeitando-se a empresa responsável, os partidos, coligações e candidatos à imediata retirada da propaganda irregular e ao pagamento de multa no valor de 5.000 (cinco mil) a 15.000 (quinze mil) UFIR.
1.2. Listas preordenadas
Conforme essa proposta, os eleitores não mais elegerão individualmente seus
candidatos a vereador, deputado estadual e federal, mas votarão em listas previamente
ordenadas pelos partidos. A distribuição de cadeiras seria semelhante à que se processa hoje:
cada partido continuaria recebendo o número de lugares que lhe corresponde pela proporção
de votos que obteve. Assim, se um partido tem direito a oito cadeiras, entram os oitos
primeiro colocados da lista.
Em defesa dessa reforma, apresentam-se os seguintes argumentos234: a) a escolha eleitoral passa a ser por partido. Não se elimina, porém, a escolha entre líderes, pois estes encabeçam as listas.
234 CINTRA, Antônio Octávio. A proposta de reforma política. Prós e Contras. Brasília: Consultoria Legislativa da Câmara dos Deputados, 2005, p. 3-6.
112
b) A disputa política passa a orientar-se, mais, por diferenças entre propostas partidárias com relação aos vários temas do debate público, e menos por pleitos clientelistas, ou seja, pelo voto no candidato porque este presta favores particulares, qualquer que seja a sua posição política sobre os temas que serão objetos de decisão. A lista preordenada tem como subproduto a disciplina partidária e a fidelidade, na medida em que a eleição do parlamentar torna-se dependente do partido, via posição dele na lista partidária. c) As trocas maciças de partido deixarão de ocorrer. d) O processo político adquire maior clareza e segurança, pois são organizações estáveis e não arranjos episódicos, ad hoc, que conduzem as negociações e acordos. e) Como conseqüência dos pontos anteriores, o relacionamento entre os poderes muda de caráter, pois passa a conduzir-se num outro patamar. A cooptação maciça de parlamentares pelo governo perderá terreno, forçando-se negociação mais institucional para a tomada de decisões. f) A elaboração das listas forçará os partidos a discutirem, internamente, a democracia de procedimentos. Em vez da solução fácil de agora – “os incomodados que se retirem” – haverá debate interno, questionamentos e contestações de métodos. g) A sistemática brasileira do voto em lista aberta, com escolha de candidato, burla o eleitor, ao transferir seu voto para outros, quando sua votação supera o quociente eleitoral. Esses outros podem, até mesmo, ser de outro partido, por força das coligações.235
Em contrapartida, há pontos considerados desfavoráveis em relação a lista
preordenada. São eles: a) O voto em lista quebra uma tradição nacional, que é, desde a implantação do sistema proporcional entre nós, a do voto pessoal. Está-se retirando do eleitor o direito de escolher a pessoa, obrigando-a a votar numa organização burocrática e impessoal, simbolizada numa lista partidária fechada. Há quem argumente que se está ferindo a cláusula pétrea do voto direto, substituindo-o pelo voto em lista. b) É importante ter representantes com vínculos com seus eleitores. O voto pessoal é mais propício a fortificar esses vínculos. c) O voto em lista reforçará as oligarquias partidárias, subjugando lideranças inovadoras ao arbítrio dos caciques. Novas vocações políticas serão desestimuladas. d) O atual sistema não inibe as votações disciplinadas em plenário, conforme tem sido demonstrado pelas pesquisas da ciência política. A proposta do voto em lista fechada parte de visão equivocada e eivada de preconceito sobre como funcionam os partidos no Congresso. e) As convenções tornar-se-ão palco de disputas ferozes, pois em vez de deixar o eleitor decidir quem é primeiro, quem é segundo, e assim por diante, conforme o número de votos, o sistema de lista fechada vai passar essa função à convenção partidária. f) O sistema de lista fechada pura, conforme proposto, é praticado em número ínfimo de países, o que sugere ser um sistema problemático, que não se deve adotar por puro mimetismo.236
1.3. Financiamento público de campanhas
O problema de financiamento partidário e de campanhas políticas assumiu grande
evidência nos últimos decênios e ainda não teve um equacionamento satisfatório, pelo menos
a julgar pelas críticas que sempre surgem nas democracias contemporâneas quando das
235 CINTRA, Antônio Octávio. A proposta de reforma política. Prós e Contras. Brasília: Consultoria Legislativa da Câmara dos Deputados, 2005, p. 3-6. 236 Ibid., p. 3-6.
113
eleições. Atacam-se não apenas os custos astronômicos que as campanhas políticas vêm
apresentando, mas também as formas censuráveis de financiamento, que desigualam
fortemente os competidores e levam ao risco de uma representação política subjugada aos
interesses econômicos, lícitos ou ilícitos. Assim, os escândalos ligados às fontes e usos dos
recursos nas campanhas estão sempre explodindo, atingindo até líderes de alto coturno. A
existência de projetos em tramitação no Congresso revela a consciência, no meio político
brasileiro, da gravidade do problema.237
Jairo Nicolau, cientista político do IUPERJ238, chama a atenção para três
características do sistema de financiamento de campanhas em vigor no Brasil239. A primeira é
o alto custo das campanhas eleitorais240. Um segundo fator a destacar é que as campanhas são
fortemente dependentes das doações de empresários241. Um último aspecto a chamar a
atenção é que a arrecadação ilícita é uma prática corriqueira242. Para que possamos discutir
esse tema, faz-se necessário examinar as propostas de alteração legislativa em debate, e
analisar os seus pontos favoráveis e desfavoráveis.
a) Proposta de reforma
A opção proposta pela comissão de reforma política é proibir que os candidatos
recebam recursos privados e passem a fazer campanhas exclusivamente com os recursos
públicos. O Brasil já oferece um generoso subsídio de campanha, o horário eleitoral gratuito,
que custa aos cofres públicos cerca de 1 bilhão, pois as redes de rádio e televisão recebem
237 CINTRA, Antônio Octávio. A proposta de reforma política. Prós e Contras. Brasília: Consultoria Legislativa da Câmara dos Deputados, 2005, p. 7-11. 238 IUPERJ = Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro. 239 NICOLAU, Jairo – texto publicado em O Globo, seção opinião em 4 de março de 2004, apud CINTRA, Antônio Octávio. A proposta de reforma política. Prós e Contras. Brasília: Consultoria Legislativa da Câmara dos Deputados, 2005, p. 7-11. 240 Na última eleição, os quatro candidatos mais importantes na disputa presidencial declararam ter gastado cerca de 60 milhões de reais. A comparação com outros países é difícil, mas só para se ter uma idéia: na França, um candidato a presidente pode gastar no máximo 22 milhões de reais no primeiro turno e 30 milhões no segundo (Ibid., p. 10). 241 Nas eleições presidenciais de 2002, 80% dos recursos declarados pelos candidatos vieram de doações nas empresas (Ibid., p. 10). 242 É impossível saber quanto é arrecadado, mas as diversas denúncias revelam que o fenômeno é generalizado. Um agravante neste caso é que os recursos não são somente do caixa dois de empresas tradicionais, mas de redes conectadas ao crime organizado e à informalidade (bicheiros, empresários de bingo, igrejas, narcotráfico). Ibid., p.11.
114
isenção fiscal pelo tempo ocupado pelos candidatos. O projeto propõe que seja criado um
fundo para financiar também os gastos de campanha.243
O projeto submetido à apreciação legislativa visa regulamentar o artigo 79 da lei nº
9.504/97. Prevê a parte do orçamento público que deve ser destinada aos partidos, ampliando
o valor previsto pela lei 9.096/95, de trinta e cinco centavos de real, multiplicado pelo número
de eleitores do país, que é direcionado ao fundo partidário. O projeto em trâmite aumenta essa
quantia e fixa o valor de sete reais multiplicado pelo número de eleitores alistados pela Justiça
Eleitoral em 31 de dezembro do ano anterior. O eleitorado nacional é superior a cento e vinte
milhões de pessoas, o que representaria mais de oitocentos e quarenta milhões de reais do
orçamento público reservado para o financiamento partidário.244
O Tesouro Nacional depositará os recursos no Banco do Brasil em conta especial,
à disposição do Tribunal Superior Eleitoral, até o dia 1º de maio do ano do pleito. Caberá ao
Tribunal Superior Eleitoral (TSE) fazer a distribuição dos recursos aos diretórios nacionais
dos partidos políticos, dentro de dez dias, contados da data do depósito, obedecendo aos
seguintes critérios: - 1%, dividido igualitariamente entre todos os partidos com estatutos registrados no TSE; - 14%, divididos igualitariamente entre os partidos e federações com representação na Câmara dos Deputados; - 85%, divididos entre os partidos e federações, proporcionalmente ao número de representantes que elegeram na última eleição geral para a Câmara dos Deputados.
b) Pontos favoráveis ao financiamento público das campanhas
O primeiro argumento em defesa do financiamento público das campanhas
eleitorais é em relação à possibilidade de se estabelecer um maior controle em relação aos
gastos eleitorais. Com efeito, a idéia de financiamento público das campanhas, seguindo a matriz alemã, tem conquistado um número considerável de adeptos, principalmente, em razão da ampla possibilidade de controle (pelo Tribunal de Contas da União) e, portanto, em face da idéia de garantia de maior transparência que oferece.245
243 NICOLAU, Jairo – texto publicado em O Globo, seção opinião em 4 de março de 2004, apud CINTRA, Antônio Octávio. A proposta de reforma política. Prós e Contras. Brasília: Consultoria Legislativa da Câmara dos Deputados, 2005, p. 11. 244 CASSEB, Paulo Adib. Financiamento público de campanha. In: Reforma Política. Uma visão prática. Alberto Rollo (org.). São Paulo: Iglu, 2007, p. 63. 245 CAGGIANO, Monica Herman Salem. Direito parlamentar e direito eleitoral. Barueri: Manole, 2004, p. 142.
115
Outro argumento favorável ao financiamento público dos partidos é a tentativa de
assegurar a independência dos candidatos, especialmente dos eleitos, em face do poder
econômico daqueles que custeiam as campanhas. Em muitos casos, esse auxílio financeiro
não é realizado por mero ideal, mas com o intuito de firmar um compromisso, com a intenção
de gerar uma contraprestação do eleito, devolvendo, em forma de favorecimentos diversos, o
dinheiro recebido durante a campanha. “Esse modelo de financiamento permitiria a
aplicabilidade do princípio inserido no artigo 14, §9º da constituição brasileira, que prevê a
prevalência da legitimidade das eleições contra a influência do poder econômico”.246
Também em defesa desse tipo de financiamento partidário é o argumento do
princípio da igualdade. O sistema público de financiamento das campanhas propiciaria
condições igualitárias aos candidatos no momento da disputa eleitoral, favorecendo a busca
pela vitória com base no convencimento do eleitorado, a partir de suas propostas e programa
partidário, e não em decorrência de uma campanha mais rica e volumosa, por ter o candidato
auferido um montante elevado de donativos privados.247 Trata-se de sistema mais
democrático. Iguala as chances dos candidatos, pobres e ricos.248
Por fim, em defesa do financiamento público das campanhas, vejamos a análise de
Jairo Nicolau: Um aspecto que tem que ficar claro é que nenhuma proposta tem como garantir o fim do caixa dois. O financiamento ilícito de campanhas é hoje um problema nas principais democracias. Escândalos recentes atingiram importantes lideranças políticas na Alemanha, na Itália, no Japão e na França. Não há como inventar um sistema que não seja vulnerável à corrupção eleitoral, sobretudo em economias com o grau de informalidade da brasileira. Mas o financiamento público, acompanhado por rigoroso sistema de fiscalização e de severas punições, é a melhor opção que temos para sair do péssimo sistema de financiamento em vigor no país. Os benefícios para a democracia brasileira compensam em muito as possíveis imperfeições. Até mesmo a pior delas, a continuidade residual do caixa dois.249
Em estudo realizado pela Câmara dos Deputados, foram identificados ainda os
seguintes benefícios250:
1) A influência eleitoral dos financiadores será reduzida, cujo apoio implica
reciprocidade da parte de candidato eleito.
246 CASSEB, Paulo Adib. Financiamento público de campanha. In: Reforma Política. Uma visão prática. Alberto Rollo (org.). São Paulo: Iglu, 2007, p. 57. 247 Ibid., p. 57. 248 CINTRA, Antônio Octávio. A proposta de reforma política. Prós e Contras. Brasília: Consultoria Legislativa da Câmara dos Deputados, 2005, p. 18. 249 Ibid., p. 11-12. 250 Ibid., p. 19-20.
116
2) A tarefa de fiscalização de gastos de campanha pela Justiça Eleitoral é
praticamente impossível na atual sistemática, dadas as prestações de contas individuais por
milhares de candidatos. Contas partidárias serão em número infinitamente menor,
perfeitamente administrável pelos auditores, e trarão veracidade ao processo eleitoral.
3) Eliminar-se-á a necessidade de pulverizar recursos, para atender aos pleitos
individuais dos parlamentares, e permitir-se-ão despesas planejadas mais racionalmente, em
projetos de maior impacto regional, negociadas não individualmente, mas pelos partidos.
c) Pontos desfavoráveis ao financiamento público das campanhas
Paulo Adib Casseb adverte que antes de qualquer coisa é preciso lembrar que nem
sempre as doações financeiras privadas são feitas na expectativa de uma contraprestação de
favores pessoais: Em primeiro lugar, não se pode colocar a sociedade sob suspeição. É preciso reconhecer que existem motivos legítimos e até louváveis, ensejadores de doação de verbas para campanhas eleitorais. Ademais, a sua proibição legal e sua substituição pelo financiamento público não impediria a continuidade do financiamento privado, que passaria a concretizar-se no plano da informalidade, da clandestinidade.251
Assim, a vedação ao financiamento privado provocaria, ainda mais, a falta de
transparência das doações eleitorais, diante de um panorama muito mais sério, pois
continuaria havendo a pressão do poder econômico com as agravantes das operações ocultas,
obscuras e descontroladas. Paralelamente a isso, os cofres públicos ainda teriam que arcar
com o ônus da reserva de considerável verba para o financiamento partidário.252
Destacam-se ainda, na reflexão do professor Casseb, o problema da efetividade
dos direitos sociais, que poderia ser agravado com destinação de parte do orçamento para
financiar as campanhas: No caso de países como o Brasil, o financiamento público das campanhas ainda conta com mais um sério opositor: a permanente situação de crise social e econômica. As verbas públicas disponibilizadas pelo governo para a prestação de serviços públicos mal conseguem atenuar os dramáticos problemas sociais que atormentam a população, e este quadro pioraria se o orçamento público sofresse mais uma mutilação, com a reserva de volumosa importância para o financiamento de campanhas eleitorais. Entende-se que em países como este a destinação das verbas públicas tem escopos mais urgentes que envolvem a própria sobrevivência da sociedade, a efetividade dos direitos sociais.253
251 CASSEB, Paulo Adib. Financiamento público de campanha. In: Reforma Política. Uma visão prática. Alberto Rollo (org.). São Paulo: Iglu, 2007, p. 59. 252 Ibid., p. 59. 253 Ibid., p. 60.
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Ainda nesse sentido: É de se perguntar se os cofres públicos da União encontram-se aptos para reservar a citada quantia para financiar os partidos, num país em que a efetividade dos direitos sociais está longe de ser atingida, verdadeiros direitos de crédito da sociedade e, portanto, deveres de prestação do Estado, incumbido de oferecer à sociedade, de forma eficiente, serviços públicos nos campos da saúde, educação, previdência, assistência social, moradia, entre outros.254
Para Casseb, não se concebe que o Brasil se encontre em condições econômicas de
esbanjar mais de oitocentos e quarenta milhões de reais para custear campanhas eleitorais,
com o utópico fim de tentar reduzir o índice de corrupção na política. Certamente, seria uma
tentativa cara, arriscada e, muito provavelmente, proporcionaria resultados pouco animadores.
O projeto que tramita no Congresso Nacional contempla apenas o financiamento público do
alistamento e das campanhas eleitorais, não dispondo sobre custeio público da atividade
regular dos partidos, fora do período de campanha. Presume-se, então, que a atividade regular
dos partidos será financiada por verba privada. Ora, se o objetivo da proposta é acabar com a
corrupção acarretada pelos compromissos entre candidatos, partidos e financiadores privados,
conclui-se que tal meta seria inatingível, pois persistiria a pressão do poder econômico, que
continuaria mantendo a atuação partidária. Caso prevaleça esse modelo, os financiadores
poderão fazer doações aos partidos em períodos anteriores aos anos eleitorais e os partidos
usarão parte desses valores durante as campanhas.255
Outro ponto em destaque é a violação das normas constitucionais de direitos
fundamentais que asseguram a liberdade política, filosófica e ideológica, haja vista que o financiamento público de campanhas eleitorais pressupõe a remessa, aos partidos, de verbas públicas, provenientes dos tributos pagos pela sociedade, o que implica dizer que as pessoas seriam obrigadas a contribuir para os partidos que contrariassem suas convicções políticas, ideológicas e programáticas.256
Em relação ao problema da corrupção, constantes episódios de atos ilícitos
praticados no seio da Administração Pública na Europa e nos Estados Unidos servem como
provas incontestáveis de que o financiamento público das campanhas eleitorais não o evita.
Casseb 66. “Se hoje a sociedade já desconfia do paradeiro das verbas tributárias, certamente
desconfiará do destino das verbas cedidas para as campanhas” - afirma Casseb.257
254 CASSEB, Paulo Adib. Financiamento público de campanha. In: Reforma Política. Uma visão prática. Alberto Rollo (org.). São Paulo: Iglu, 2007, p. 63. 255 Ibid., p. 64. 256 Ibid., p. 66. 257 Ibid., p. 68.
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Jairo Nicolau dá destaque para o problema de que hoje, a Justiça Eleitoral não tem
como fiscalizar em detalhes se os candidatos realmente gastam o que declaram, pois falta
pessoal e muitos processos se acumulam sem serem julgados. Para ele, o financiamento
público deve ser acompanhado por medidas que capacitem os tribunais eleitorais com pessoal
e recursos para fiscalizar os gastos.258
Vejamos mais algumas desvantagens do modelo de financiamento público de
campanhas, identificados em estudo realizado pela Câmara dos Deputados259:
1) A vedação completa de qualquer outra fonte de financiamento poderá resultar
numa legislação de fachada. Era assim antes de 1993, quando a lei proibia qualquer
financiamento de campanha por empresas.
2) O financiamento público exclusivo não muda nada em relação à prática do
caixa dois em campanhas.
3) A exclusividade dos recursos públicos aumenta a responsabilidade sobre a
forma de distribuição desses recursos. Os que ganharam a última eleição também terão mais
recursos disponíveis para o próximo pleito. No limite, essa fórmula pode levar a um círculo
vicioso, tanto enfraquecendo sucessivamente a oposição, como fortalecendo os vencedores.
4) O poder conferido à Justiça Eleitoral seria enorme. O possível corte de recursos
decidiria sobre o sucesso eleitoral de partidos ou candidatos. Conseqüentemente, a Justiça
Eleitoral sofreria pressões políticas para implementar punições financeiras.
d) Alternativas
As distorções do sistema de financiamento privado das campanhas políticas devem
ser corrigidas não pela sua supressão, mas sim pela criação de mecanismos de controle mais
eficientes e transparentes; pela atuação mais incisiva dos meios de comunicação, divulgando
ostensivamente os valores arrecadados pelos partidos, e também pela implementação de
vedações, limites de despesas e de vinculação entre as despesas e a prova documental da
doação recebida.260
258 CINTRA, Antônio Octávio. A proposta de reforma política. Prós e Contras. Brasília: Consultoria Legislativa da Câmara dos Deputados, 2005, p. 11. 259 Ibid., p. 18 – 20.
260 CASSEB, Paulo Adib. Financiamento público de campanha. In: Reforma Política. Uma visão prática. Alberto Rollo (org.). São Paulo: Iglu, 2007, p. 60.
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Jairo Nicolau entende que – Uma possível alternativa é adotar o sistema público
inicialmente para as eleições majoritárias. A vantagem é que essas são as campanhas mais
caras e de maior visibilidade. Neste caso, deve-se pensar em estabelecer tetos de gastos e
controles mais rígidos nas campanhas proporcionais.261
Destaca-se por fim, a análise de Monica Caggiano: [...] Diante da ausência de um financiamento público – de difícil prática num país com um erário deficitário e onde o voto tem um elevado preço – a imposição de transparência é que deveria ser merecedora de maior atenção a privilégio, idealizando-se mecanismos de incentivo às doações destinadas a partidos políticos ou candidatos, de molde ao menos aclarar ao eleitor quem ou que potência econômica encontra-se nos bastidores da candidatura objeto de sua opção política.262
1.4. Fim do voto secreto no Congresso
Trata-se do fim das votações secretas no Congresso. A Câmara dos Deputados
aprovou emenda constitucional estabelecendo a mudança. A medida vale para as eleições da
Mesa Diretora da Câmara e do Senado, para a votação de vetos presidenciais, para a cassação
de mandato e a indicação de embaixadores. A proposta ainda depende de votação no
Senado.263
Hoje, por exemplo, a cassação de mandato é decidida, sem que se saiba como cada
parlamentar se posicionou. Com essa reforma, o eleitor ficará sabendo como cada parlamentar
votou. Além disso, com o voto aberto, ficará mais difícil estabelecer acordos para evitar
punições a parlamentares processados pelo Conselho de Ética.
O grande argumento contrário a essa modificação é que é preciso proteger o direito
do parlamentar votar de acordo com a sua consciência, sem pressão da opinião pública, que
nem sempre está certa. Também se contrapõe à essa mudança a independência do parlamentar
em relação ao governo e ao poder econômico, que é protegida pelo voto secreto.
A Proposta de Emenda Constitucional 349264, de 2001, de autoria do deputado
Luiz Antônio Fleury, propõe a alteração da redação dos artigos 52, 53, 55 e 66 da
261 CINTRA, Antônio Octávio. A proposta de reforma política. Prós e Contras. Brasília: Consultoria Legislativa da Câmara dos Deputados, 2005, p. 11. 262 CAGGIANO, Monica Herman Salem. Direito parlamentar e direito eleitoral. Barueri: Manole, 2004, p. 143. 263 ASSOCIAÇÃO DOS MAGISTRADOS BRASILEIROS. Reforma Política. Conhecendo, você pode ser o juiz dessa questão. AMB: Brasília, 2007, p. 15. 264 Disponível em: http://www2.camara.gov.br/proposicoes/loadFrame.html?link=http://www.camara.gov.br/internet/sileg/prop_lista.asp?fMode=1&btnPesquisar=OK&Ano=2001&Numero=349&sigla=PEC, Acesso em: 09.12.2007. Secretaria Especial de Editoração e Publicações do Senado Federal – Brasília, DF.
120
Constituição Federal para abolir o voto secreto nas decisões da Câmara dos Deputados e
Senado Federal. Nas suas justificativas, o deputado afirma: Mais do que atual pela repercussão na opinião pública, urgente e inadiável a abolição do voto secreto nas decisões do Poder Legislativo Federal.Pode-se afirmar, sem risco teórico, que o princípio da representatividade popular é incompatível com a votação secreta, impondo ao representante a transparência de seus atos.Mesmo que se afaste a doutrina de simples mandato, não se desfaz na apuração dos votos a relação e a responsabilidade do parlamentar para com o seu eleitor e só a transparência de seus atos permitirá o juízo apropriado sobre sua conduta e seus compromissos políticos. Será julgado, sim – e o somos todos os dias por nossos atos e palavras – por seu eleitor e pela opinião pública. Assumir posição, a favor ou contra, mas assumindo a responsabilidade pública dessa decisão e não se escondendo atrás de um sigilo que não mais se justifica.265
1.5. Voto facultativo para o povo
Essa reforma implica na possibilidade que teria o cidadão de comparecer, ou não, à
votação. Opõe-se ao voto obrigatório, adotado no Brasil, acabando com a punição para o
eleitor que não votar. Em defesa dessa idéia, há o argumento de que não se pode transformar
um direito (o voto) em dever. O cidadão não pode ser penalizado se, voluntariamente, não
quiser votar. Entretanto, há diversas posições contrárias à essa mudança, dentre as quais: a) o
constrangimento ao eleitor é mínimo, comparado aos benefícios que oferece ao processo
político-eleitoral; b) o voto obrigatório aumenta a responsabilidade social e confere dimensão
histórica ao cidadão; c) ao votar, o cidadão assume papel ativo na determinação do destino da
coletividade a que pertence, influindo nas prioridades da administração pública; d) a omissão
do eleitor pode tornar ainda mais grave o atraso socioeconômico das áreas pobres do país.266
O Projeto de Decreto Legislativo 384, de 2007, de autoria do deputado Geraldo
Magela, dispõe sobre a realização de plebiscito para decidir sobre a adoção do voto
facultativo no Brasil: Artigo 1º - É convocado, com fundamento no art. 49, inciso XV, combinado com o artigo 1º, parágrafo único e com o artigo 14, inciso I, da Constituição Federal, plebiscito de âmbito nacional, a ser realizado pelo Tribunal Superior Eleitoral, nos termos da Lei nº. 9.709, de 18 de novembro de 1998, para consultar o eleitorado brasileiro sobre adoção do voto facultativo no Brasil. Art. 2º, parágrafo único - O eleitorado de todo o país será chamado a responder “Sim” ou “Não”, à seguinte questão: “Você é a favor da adoção do voto facultativo no Brasil?”.
Neste projeto, para justificar a adoção do voto obrigatório no Brasil, diversos
motivos foram elencados. Dentre eles motivos, o mais forte era o reduzido número de
eleitores existente na época em que o voto foi instituído como obrigatório (1932), uma vez
265 PEC 349/2001. 266 ASSOCIAÇÃO DOS MAGISTRADOS BRASILEIROS. Reforma Política. Conhecendo, você pode ser o juiz dessa questão. AMB: Brasília, 2007, p. 15-16.
121
que o Brasil era um país eminentemente rural. Esta realidade contribuiu para que as
autoridades receassem que uma diminuta participação pudesse deslegitimar o processo
eleitoral. Diferente de 1932, hoje, o Brasil é um país eminentemente urbano, já que 78% da
sua população vive nas cidades e o número de eleitores, segundo o Tribunal Superior
Eleitoral, é de aproximadamente cento e vinte e cinco milhões de eleitores. Com o advento da
Constituição de 1988, diversas conquistas foram adquiridas por parte do eleitorado brasileiro,
dentre estas, o direito ao voto facultativo para o eleitor analfabeto, para os maiores de setenta
e para os que possuem entre dezesseis e dezoito anos. Porém, e apesar destas conquistas e das
alterações no perfil da sociedade brasileira, o direito legítimo de decidir se deseja ou não
participar do processo eleitoral, ainda não foi outorgado aos demais eleitores, pois, o voto
continua sendo obrigatório no Brasil, o que não se justifica, uma vez que o voto é um direito
do cidadão e não uma obrigação, passiva de punição, como continua a vigorar no nosso
sistema eleitoral. Nesse sentido, e diante das transformações da sociedade brasileira e
consolidação da nossa democracia, onde o eleitor voltou a escolher seus representantes e
governantes de forma livre e soberana, através do sufrágio do voto direto e secreto, com igual
valor para todos, o deputado Magela acredita ser este o momento oportuno para que seja
aprovada a proposta de realização de plebiscito, para que os eleitores brasileiros possam
decidir se o voto facultativo deve ser adotado no Brasil ou não.
Também podem ser citadas as justificativas apresentadas na Proposta de Emenda
Constitucional 578, de 2006, de autoria do deputado Mendonça Prado: Nos últimos anos, um descontentamento mais difuso do que bem definido voltou-se contra a obrigatoriedade do voto e, embora poucos partidos tenham tomado posição contra ela, o fato é que muitos indivíduos – e boa parte da imprensa e de seus colunistas – criticam, às vezes com veemência o voto obrigatório. Uma discussão acerca do caráter obrigatório ou facultativo do voto já há muito tempo deveria começar nesta Casa Legislativa. Diante de uma imposição que está na Constituição Federal desde 1934. Relativo ao voto obrigatório ou facultativo, é relevante destacar que nas principais democracias representativas o voto é facultativo, por ser, sem dúvida, mais democrático e demonstrar melhor a vontade do eleitor. Contribui com a tese do voto facultativo o fato de que o exercício da cidadania é um direito fundamental do cidadão na democracia representativa e, assim sendo, o povo deve exercer o supremo poder por vontade própria e não por força da lei. Destarte, pretende a presente Emenda à Constituição tornar o sistema eleitoral brasileiro mais próximo da vontade do povo, que, por meio de várias pesquisas, tem preferência pelo voto facultativo, independentemente do grau de instrução e idade, como atualmente impera no Brasil.
José Afonso da Silva analisa a natureza jurídica do voto, de modo a esclarecer se o
voto é um direito, uma função ou um dever. E conclui que o voto é um direito público
subjetivo, uma função social (função da soberania popular na democracia representativa) e um
dever, ao mesmo tempo. Mas se trata de um dever social e político, e não um dever jurídico.
122
Esse dever sócio-político do voto independe de sua obrigatoriedade jurídica. Ocorre também
onde o voto seja facultativo. A constituição declara, contudo, que o alistamento e o voto são obrigatórios para os maiores de dezoito anos (art. 14, §1º, I). Por isso, a legislação eleitoral impõe sanções ao eleitor que deixe de votar sem justificação perante a Justiça Eleitoral, incorrendo em multa e ficando privado de vários direitos dependentes do gozo dos direitos políticos. Convém entender bem o sentido da obrigatoriedade do voto, prevista no citado dispositivo constitucional, para conciliar essa exigência com a concepção da liberdade do voto. Aquela obrigatoriedade não impõe ao eleitor o dever jurídico de emitir necessariamente o seu voto. Significa apenas que ele deverá comparecer à sua seção eleitoral e depositar sua cédula de votação na urna, assinando a folha individual de votação. Pouco importa se ele votou ou não votou, considerado o voto não o simples depósito da cédula na urna, mas a efetiva escolha de representantes, dentre os candidatos registrados. A rigor, o chamado voto em branco não é voto. Mas, com ele, o eleitor cumpre seu dever jurídico, sem cumprir o seu dever social e político, porque não desempenha a função instrumental da soberania popular, que lhe incumbia naquele ato.267
Em defesa da manutenção do voto obrigatório, cite-se a análise de Alberto
Rollo268: Em um país como o nosso, em fase de progresso social, com muita dificuldade para atingir parâmetros culturais mais adequados, o voto obrigatório ainda é uma necessidade. [...] quem não vota tem 60 dias para justificar-se perante a Justiça Eleitoral, podendo fazê-lo no primeiro dia após a reabertura dos cartórios eleitorais. Ademais, não tendo justificativas a apresentar, estará o eleitor omisso sujeito ao pagamento de multa ínfima, sem qualquer outra conseqüência além do pagamento de tal multa. Não é justo que se decida tema importante para a cidadania, como são as decisões sobre quem vai dirigir o país, com participação menor, de forma a tirar o valor da consulta popular. Portanto, qualquer alteração nessa situação de obrigatoriedade do voto não representará nenhuma evolução, nem homenagem ao princípio da liberdade. Há que participar ajudando a tomar a decisão sobre o comando do país, ainda que seja de forma obrigatória, como homenagem à cidadania.
1.6. Eleição de suplentes para senador
Cada senador é eleito com dois substitutos (suplentes). O voto nos dois suplentes é
chamado de “voto cego”, porque os candidatos são desconhecidos e não aparecem na
campanha eleitoral. Como resultado, o eleitor não se pronuncia diretamente sobre os nomes
dos candidatos a suplentes, mas acaba surpreendido pela presença deles no Senado. Há
algumas alternativas que podem modificar essa situação. São elas: a) transformar em
suplentes os candidatos ao Senado que receberam menos votos; b) criar uma candidatura
específica para o cargo de suplente; c) possibilitar uma nova eleição para senador em caso de
substituições prolongadas. Essas mudanças extinguiriam a situação atual, onde são garantidas
267 SILVA, José Afonso. Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros, 2005, p. 357-358. 268 ROLLO, Alberto. Reforma política. Uma visão prática. São Paulo: Iglu, 2007, p. 275.
123
vagas no Senado para suplentes que não têm votação alguma, pois o eleitor vota no candidato
ao Senado e não no suplente.269
Tramitam no Senado Federal diversas propostas sobre este tema, como por exemplo: - PEC 55/2007, de autoria do senador Eduardo Suplicy, que propõe alterar a Constituição Federal para instituir eleições diretas para os suplentes de candidatos ao Senado Federal; - PEC 18/2007, de autoria do senador Tião Viana, que estabelece nova redação aos artigos 46 e 56 da Constituição Federal, de modo a introduzir novas regras para a suplência de senador. - PEC 12/2007, de autoria do senador Expedito Júnior, que propõe alterar a redação do §1º do artigo 56 da Constituição Federal, para vedar a convocação de suplente quando restarem menos de cento e vinte dias para o encerramento do mandato. - PEC 42/2004, de autoria do senador Valdir Raupp, que propõe alterar o artigo 46 da Constituição Federal, para disciplinar a eleição e substituição de senador. - PEC 08/2004, de autoria do senador Jefferson Peres, que propõe alterar os artigos 46 e 56 da Constituição Federal, para estabelecer novas normas referentes à sucessão de Senador, na hipótese de ocorrer vaga no transcurso do mandato. - PEC 11/2003, de autoria do senador Sibá Machado, que propõe alteração da Constituição Federal para disciplinar a candidatura do suplente de senador e a eleição para o Senado Federal em caso de vacância. 1.7. Federação partidária
Sistema proposto para substituir as coligações partidárias nas eleições
proporcionais (para vereador, deputado estadual e deputado federal)270. A federação permite
que os partidos com maior afinidade ideológica e programática se unam para atuar de maneira
uniforme em todo o País e, ao mesmo tempo, contribui para que os pequenos partidos
ultrapassem a cláusula de barreira. Ela funciona como uma forma de agremiação partidária, 269 ASSOCIAÇÃO DOS MAGISTRADOS BRASILEIROS. Reforma Política. Conhecendo, você pode ser o juiz dessa questão. AMB: Brasília, 2007, p. 17. 270 Projeto de Lei 1210, de 2007: Art. 3º - Fica acrescido, à Lei nº 9.096, de 19 de setembro de 1995, o artigo 11-A, com a seguinte redação: Art. 11-A - Dois ou mais partidos políticos poderão reunir-se em federação, a qual, após a sua constituição e respectivo registro perante o Tribunal Superior Eleitoral, atuará como se fosse uma única agremiação partidária, inclusive no registro de candidatos e no funcionamento parlamentar, com a garantia da preservação da identidade e da autonomia dos partidos que a integrarem. §1º - A federação de partidos políticos deverá atender, no seu conjunto, às exigências do artigo 13, obedecidas as seguintes regras para sua criação: I – só poderão integrar a federação os partidos com registro definitivo no Tribunal Superior Eleitoral; II – os partidos reunidos em federação deverão permanecer a ela filiados, no mínimo, por três anos; III – nenhuma federação poderá ser constituída nos quatro meses anteriores às eleições. §2º - O descumprimento do disposto no §1º deste artigo acarretará ao partido a perda do funcionamento parlamentar. §3º - Na hipótese de desligamento de um ou mais partidos, a federação continuará em funcionamento, até a eleição seguinte, desde que nela permaneçam dois ou mais partidos.
124
formada até quatro meses antes das eleições. Durante três anos, eles deixarão de atuar como
partidos isolados e passarão a agir como se fosse um único partido. Hoje um partido pode se
coligar com outro para uma eleição e desfazer a união logo em seguida. As coligações nas
eleições majoritárias (para prefeito, governador, senador e presidente da República)
continuarão a valer.271
Um quadro partidário fragmentado, com inúmeras agremiações, oferece ao eleitor
um panorama confuso, que dificulta um dos papéis que se espera da organização partidária, a
saber, uma simplificação do processo de escolha pelo eleitor. Trata-se, na democracia
representativa, de ter pessoas que falem pelas outras – os representantes – e se estas se
organizam em partidos, mais fácil fica para o eleitor fazer a delegação. Se o
monopartidarismo preclui escolha, pois só se abre uma opção, demasiada fragmentação
partidária, por outro lado, leva ao que os franceses chamam “embarras du choix”, a
perplexidade na escolha pela superabundância de oferta.272
No caso brasileiro, o problema se complica pela existência de pequenas legendas
cuja existência parece justificar-se apenas em termos de negociação de tempo de rádio e
televisão. Contudo, como outras pequenas legendas veiculam opções ideológicas legítimas,
qualquer legislação legislativa com relação às primeiras legendas, afetará também as
segundas, o que tem dificultado regular a matéria. O país tem número excessivo de legendas
partidárias, quase três dezenas registradas. Mesmo que algumas sejam insignificantes no
plano eleitoral, o número de partidos que elegem parlamentares é enorme. O excessivo
número de partidos no plano eleitoral gera confusão na cabeça do eleitor, que, diante da
balbúrdia, mais reforça os preconceitos contra os partidos políticos. O horário eleitoral
gratuito e o horário partidário, que representam financiamento público, ficam mal utilizados,
perdendo-se a função pedagógica do instituto, que é a apresentação de plataformas e
programas, para esclarecimento do eleito. Muitos partidos, dada a permissividade da
legislação, constituem-se para ter acesso aos recursos do Fundo Partidário, ao horário gratuito
em rádio e televisão, negociar seu apoio a este ou aquele candidato, ou servir de veículo a
candidaturas apartidárias, de populistas e demagogos.273
A excessiva fragmentação partidária reflete-se no plano parlamentar. Produzir
maioria e oposição requer negociações que dão aos partidos nanicos excessivo poder de
271 CINTRA, Antônio Octávio. A proposta de reforma política. Prós e Contras. Brasília: Consultoria Legislativa da Câmara dos Deputados, 2005, p. 12-15. 272 Ibid., p. 12-15. 273 Ibid., p. 12-15.
125
barganha. A discussão e as deliberações tornam-se mais demoradas, em função dos direitos
que na prática se conferem a essas agremiações no plenário. A fragmentação partidária
repercute no relacionamento entre Executivo e Legislativo. Em vez de relacionamento
institucional, em que os partidos negociam e selam seus compromissos, passa-se à cooptação
individual de apoio dos parlamentares, distribuídos por inúmeras legendas de mínimo
tamanho e que não têm condição de existir enquanto partido. São abrigos de
personalidades.274
O sistema presidencial convive precariamente com excessiva fragmentação do
quadro partidário, pois lhe faltando sólida maioria parlamentar, tem de valer-se de política
plebiscitária ou do governo por decretos (do tipo medidas provisórias). Estas permitem omitir
as negociações e criar fatos consumados. O Brasil adota o sistema eleitoral proporcional, que
assenta no pressuposto de que a representação política deve espelhar as reais divisões do
eleitorado. É uma truculência política tentar encaixar a diversidade de interesses presentes no
país a um quadro partidário artificialmente enxuto. Ademais, omite-se o fato de que o sistema
partidário brasileiro, apesar do grande número de partidos registrados, em verdade tem-se
concentrado em torno de um número bem menor de legendas. As associações entre
estabilidade de governo e número de legendas mostram-se mais complicadas do que se
pensava inicialmente. Pesquisas com número maior de casos e períodos mais extensos
mostram a fragilidade de afirmações anteriores de que fragmentação produz instabilidade.275
1.8. Prazos para filiação partidária
O Projeto de Lei 1712/03276 estabelece prazos para a filiação partidária exigindo
que o candidato esteja filiado ao partido um ano antes da realização do pleito, ou dois anos,
274 CINTRA, Antônio Octávio. A proposta de reforma política. Prós e Contras. Brasília: Consultoria Legislativa da Câmara dos Deputados, 2005, p. 12-15. 275 Ibid., p. 12-15. 276 Projeto de Lei 1712, de 2003, que propõe a alteração dos artigos 9º e 47 da Lei nº 9.504, de 30 de setembro de 1997 e acrescenta o artigo 9º-A à mesma lei, dispondo sobre prazos de filiação partidária e de domicílio eleitoral: Art. 2º - O art. 9º da Lei nº 9.504, de 30 de setembro de 1997, passa a vigorar com a seguinte redação: Art. 9º - Para concorrer às eleições, o candidato deverá estar com a filiação deferida pelo partido no prazo mínimo de: I – um ano antes do pleito, em se tratando de sua primeira filiação partidária; II – dois anos antes do pleito, quando já se tenha filiado a outro partido anteriormente. Parágrafo único. Sendo o partido objeto de fusão, incorporação a outro ou extinção, ou na hipótese de o candidato vir a participar da fundação de novo partido, dentro dos prazos previstos nos incisos I e II, considerar-se-á, para os efeitos deste artigo, a data da filiação partidária imediatamente antecedente.
126
caso já tenha sido filiado a outro partido. Para concorrer às eleições, o candidato deverá ainda
possuir domicílio eleitoral na circunscrição, pelo menos, um ano antes do pleito.
A atual legislação prevê o período mínimo único de um ano. A proposta, que altera
a Lei Eleitoral, estabelece ainda critérios para distribuição do horário eleitoral gratuito entre
os partidos. Será considerado o número de deputados eleitos por cada legenda no último pleito
para a Câmara.
1.9. Mudança do sistema eleitoral
A mudança do sistema eleitoral consiste na adoção do voto distrital. Por esse
sistema, o eleitor não pode votar em qualquer candidato. Pode votar apenas nos candidatos
inscritos pelo seu distrito. O país é dividido em pequenas circunscrições, e cada uma delas
elege um candidato, sendo vencedor aquele que obtiver mais votos. As vantagens desse
modelo são: a) permite um alto grau de controle, fiscalização e influência do eleitor sobre o
deputado eleito; b) o parlamentar presta contas periodicamente aos eleitores de seu distrito; c)
o voto distrital produz amplas maiorias e, ainda que artificialmente, ele favorece a
governabilidade e a estabilidade na ação governamental.277
O sistema de voto distrital pertence à família dos sistemas majoritários de votação.
Na sua adoção, o eleitorado é dividido em distritos geograficamente definidos, dentro dos
quais os partidos disputam eleição para escolha de representantes ao Parlamento. Assim, se
há, por exemplo, 30 vagas parlamentares a serem preenchidas, pode-se pensar, inicialmente,
na divisão territorial em 30 distritos, cada qual elegendo um representante através de eleições
majoritárias dentro dos respectivos limites geográficos preestabelecidos. De maneira geral,
esta é a idéia passada com a adoção do voto distrital (puro): a divisão do território em tantos
distritos quantas forem as vagas a serem preenchidas, cabendo a cada distrito a escolha de um
representante, eleito de forma majoritária. Mas, essa não é a única forma de voto distrital
praticada no mundo. Os distritos eleitorais podem eleger representantes de diversas formas.
Chamam-se distritos uninominais aqueles que elegem apenas um representante para o
Parlamento, e de plurinominais os que elegem mais de um representante (os dois ou três mais
Art. 3º - É acrescentado o seguinte art. 9º-A à Lei nº 9.504, de 30 de setembro de 1997: Art. 9º-A. Para concorrer às eleições, o candidato deverá possuir domicílio eleitoral na respectiva circunscrição pelo prazo de, pelo menos, um ano antes do pleito. 277 ASSOCIAÇÃO DOS MAGISTRADOS BRASILEIROS. Reforma Política. Conhecendo, você pode ser o juiz dessa questão. AMB: Brasília, 2007, p. 18.
127
votados, por exemplo). De modo geral, a escolha do eleito se dá pela obtenção da maioria
simples dos votos, em um único turno de votação (Inglaterra e Estados Unidos), mas há
sistemas que exigem maioria absoluta, em dois turnos de votação (França), e há ainda os que
contam com métodos de transferência de votos para alcançar a maioria absoluta em um só
turno de votação, caso em que o eleitor não apenas indica, na cédula eleitoral, o seu candidato
favorito, mas também ordena todos os demais disputantes de acordo com sua preferência, de
modo que, se um candidato não obtiver a maioria absoluta com preferência dos primeiros
votos dos eleitores, poderá contar com os demais votos, de segunda preferência, para eleger-
se (modelo aplicado na Austrália).278
Diferencia-se o sistema majoritário do proporcional, pois neste as vagas são
divididas entre os partidos proporcionalmente aos votos obtidos nas eleições. Assim, para
dividir 30 vagas parlamentares pelo sistema majoritário distrital, seriam realizadas 30 eleições
nos distritos, cada uma para escolha de um representante eleito, ou ainda, 15 eleições em
distritos, cada uma indicando dois eleitos, por exemplo. Apenas os partidos vencedores das
eleições teriam representantes eleitos. Um partido que recebesse 10% dos votos distritais
provavelmente não lograria eleger representantes em nenhum dos distritos, e permaneceria
fora do Parlamento.279
O voto distrital puro é praticado na Inglaterra, país que concebeu tal sistema e
passou a empregá-lo desde o século XIII. Atualmente, mantém grande aceitação nos países
culturalmente ligados ao Reino Unido (EUA, Canadá, Índia), mas também é praticado em
outros países, em sua forma pura ou mista, casos de França e da Alemanha,
respectivamente.280
Por outro lado, o voto distrital apresenta também desvantagens, pois ele acaba
favorecendo os grandes partidos e conduzindo o país para o bipartidarismo, não garantindo
espaço para as minorias, que acabam sem representação política no Congresso. E no exemplo
das Câmaras de Vereadores, onde há proximidade dos eleitores com seus representantes, não
se identificam as vantagens apontadas, tais como alto grau de controle, fiscalização e
influência do eleitor sobre os eleitos.281
278 CARVALHO, João Fernando Lopes de. Voto Distrital. In: Reforma Política. Uma visão prática. Alberto Rollo (org.). São Paulo: Iglu, 2007, p. 95-96. 279 Ibid., p. 96. 280 Ibid., p. 97. 281 ASSOCIAÇÃO DOS MAGISTRADOS BRASILEIROS. Reforma Política. Conhecendo, você pode ser o juiz dessa questão. AMB: Brasília, 2007, p. 18.
128
Uma alternativa é o sistema misto de votação, que combina os modelos majoritário
e proporcional para a escolha dos representantes parlamentares, procurando amenizar as
respectivas desvantagens. Nesse sistema, uma parte dos cargos eletivos será preenchida
através de um critério, e o restante, através de outro. Assim, por exemplo, numa eleição para a
escolha de 70 parlamentares, 35 seriam eleitos pelo método majoritário (em 35 distritos
uninominais, por exemplo), e a parcela restante (os outros 35 parlamentares) seriam
escolhidos em uma só eleição disputada em todos os distritos pelo método proporcional, com
utilização de listas fechadas. Assim, mesclando-se as técnicas, seria possível garantir a
presença de importantes vantagens do sistema majoritário distrital, sem o perigo de suas
desvantagens. Essa divisão pode funcionar de maneira independente, de modo que o resultado
da eleição majoritária não afete a eleição proporcional, ou, ao contrário, pode se dar que o
resultado da eleição proporcional seja afetado pela eleição distrital-majoritária, hipótese em
que será procedida uma “correção” de resultados.282
A principal desvantagem do sistema distrital misto é a sua complexidade. E assim
como no sistema puro, permanecem as dificuldades práticas pertinentes à criação de distritos
eleitorais no Brasil.283 A divisão desigual dos distritos é uma prática conhecida como
gerrymandering284.
Para João Fernando Lopes de Carvalho, não há sistemas infalíveis ou isentos de
críticas, não se pode apresentar a adoção de um novo sistema eleitoral como a cura para todos
os males que grassam na administração pública brasileira, senão como mero instrumento para
a construção lenta, progressiva, de uma maturidade política mais alargada, espraiada em todas
as classes sociais desta imensa população. Para Carvalho, parece mais aceitável o distrital misto, já que o sistema puro despreza a efetiva realidade das votações obtidas por correntes minoritárias, e pode conduzir a representação política a uma excessiva concentração partidária. O sistema distrital misto supera o original por assegurar a representação das minorias, sem abrir mão da proximidade entre o eleitor e eleito, típica do método distrital. Mas também carrega em si sérias dificuldades de implementação. Dificuldades que, se mal
282 CARVALHO, João Fernando Lopes de. Voto Distrital. In: Reforma Política. Uma visão prática. Alberto Rollo (org.). São Paulo: Iglu, 2007, p.117-118. 283 Ibid, p. 122. 284 Na língua inglesa, o verbo gerrymander significa mudar o tamanho ou limite de uma área para votação, de forma a dar uma injusta vantagem para um partido em uma eleição. Trata-se de uma prática de remapeamento de distritos eleitorais, de forma a facilitar a eleição de certos partidos e/ou candidatos. Dessa forma, as áreas de votação são divididas desigualmente (para dar preferência a determinado partido/candidato). Essa técnica foi introduzida por Elbridge Gerry, governador de Massachussets, que em 1842 dividiu o estado em forma de salamandra com o escopo definido de favorecer o seu partido. A alteração dos contornos das circunscrições eleitorais concorreria para assegurar a vitória ao seu partido. O gerrymandering é conhecido na política dos Estados Unidos da América; sua conseqüência é um crescimento eleitoral de maneira ilícita.
129
resolvidas, podem levar a distorções do sistema maiores do que as atuais, criando verdadeiros “feudos” eleitorais institucionalizados, que certamente não contribuiriam para o desenvolvimento do país como um todo.A demarcação dos distritos eleitorais, aliás, é uma das questões que despertam permanente polêmica nos países que adotam o sistema distrital, não sendo raros os casos de acusação de manipulação das fronteiras das circunscrições visando a beneficiar determinado agente político.285
2. Poder Judiciário e Reforma Política 2.1. Verticalização
Verticalização é um processo político recente (surgiu em 1998) de alianças que
ocorre no Brasil. Os partidos políticos ficam obrigados a reproduzir nas eleições estaduais as
mesmas alianças partidárias que tiverem feito na eleição presidencial.
O Congresso Nacional aprovou a Emenda Constitucional n. 52286, de 08 de março
de 2006 (PEC nº 548/2002), que assegura aos partidos autonomia para “adotar os critérios de
escolha e o regime de suas coligações eleitorais, sem obrigatoriedade de vinculação entre
candidaturas em âmbito nacional, estadual, distrital ou municipal...” Esta autonomia
reconhecida em favor da figura partidária é reflexo do fenômeno da verticalização,
determinado pelo TSE em 2002, com o advento da Resolução n. 20.993287, e que foi
reaplicado às eleições gerais de 2006, sob o entendimento de que o § 1º, do artigo 17, da
Constituição Federal, com a redação dada pela já assinalada E.C. n. n. 52/2006, não se
aplicaria em razão do prazo de carência de um ano previsto no preceito imediatamente
anterior, o art. 16 do Estatuto Fundamental288. Hoje, porém, a garantia de autodeterminação
285 CARVALHO, João Fernando Lopes de. Voto Distrital. In: Reforma Política. Uma visão prática. Alberto Rollo (org.). São Paulo: Iglu, 2007, p. 124. 286 Com base na EC nº 52\2006, deixou de ser aplicado o princípio da verticalização em nosso sistema eleitoral, porém, em face da proteção do art. 16 da CF, somente a partir das eleições gerais de 2010 (MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil Interpretada. São Paulo: Atlas, 2006, p. 629). 287 A Resolução n. 20.993, de 26.02.2002, do TSE, preconizava: “Os partidos políticos que lançarem, isoladamente ou em coligação, candidato à eleição de Presidente da República não poderão formar coligações para eleição de Governador (a) de Estado ou do Distrito Federal, Senador (a), Deputado (a) Federal e Deputado (a) Estadual ou Distrital com partido político que tenha, isoladamente ou em aliança diversa, lançado candidato (a) à eleição presidencial” (CAGGIANO, Mônica Herman Salem. Legislação eleitoral e hermenêutica política X segurança jurídica, Barueri: Manole, 2006, p. 2). 288 Por cinco votos a dois, o TSE (Tribunal Superior Eleitoral) manteve a verticalização para as eleições de 2006. Os ministros do TSE argumentaram que, para que valessem para as eleições deste ano, as mudanças deveriam ter sido feitas em 2005.Os únicos ministros que votarem pelo fim da verticalização nas eleições de 2006 foram Marco Aurélio e Cesar Asfor Rocha. Os outros cinco ministros argumentaram que a alteração nas regras do jogo, sem respeito ao princípio da anualidade (que determina que mudanças nas eleições devem ser feitas com um ano de antecedência ao pleito), criaria uma insegurança jurídica e prejudicaria candidatos que mudaram de partido ou permaneceram em suas legendas na expectativa de que a verticalização fosse mantida. "Não tendo havido qualquer mudança legal [contra a verticalização], muitos cidadãos e até parlamentares tinham
130
dos partidos em relação ao instituto da coligação assume estatura constitucional e, de certo,
será penoso retirar-lhes esta faculdade que, nas eleições municipais de 2008, pela primeira vez
viria a ser acionada. O tópico coligações partidárias, de sua parte, já se encontra fora do
catálogo das alterações anunciadas. Em sua fórmula, a figura da verticalização proibia a
efetivação de coligações autônomas e independentes no âmbito dos pleitos eletivos previstos
para a eleição da Presidência da República, que ocorre em esfera nacional, e para todos os
estados-membros.289
2.2. Fidelidade Partidária
A palavra fidelidade possui diversos significados: “característica, atributo do que é
fiel, do que demonstra zelo; respeito quase venerável por alguém ou algo; lealdade;
constância nos compromissos assumidos com outrem; constância de hábitos, de atitudes. 290
Em cenário partidário, a fidelidade impõe ao candidato vitorioso na eleição, o dever de respeitar e atender as coordenadas partidárias, sob pena de ser destituído por infidelidade, ou seja, o desrespeito às diretrizes e propostas que serviram de base à opção do eleitor. Dessa forma, é assegurada a credibilidade das propostas de campanha, e possibilita-se que as idéias sustentadas no momento pré-eleitoral sejam mantidas, caso seja necessário assumir o suplente.291
a) Histórico Legislativo
No Brasil, a fidelidade partidária foi introduzida pela Emenda Constitucional nº 1,
de 1969 (artigo 152). Em 1971, a lei nº 5.682 – Lei Orgânica dos Partidos Políticos, regulava
a matéria e impunha, como a norma constitucional, a cassação do mandato do parlamentar
que deixasse o partido pelo qual se elegera ou descumprisse as diretrizes e programas
estabelecidos pela direção partidária. O instituto se manteve, alterado pela Emenda
Constitucional nº 11, de 1978, até a sua extinção, pela Emenda Constitucional nº 25, de 1985.
A Constituição de 1988 trouxe de volta o instituto da fidelidade partidária, porém
com importante mudança em relação ao texto de 1969, porque, principalmente, não impõe
penalidades se houver o descumprimento da regra. Destacam-se os artigos 14, 17 da Lei a expectativa que a regra da verticalização valeria", afirmou o ministro Caputo Bastos. "Que fique bem claro que não estamos aqui para contrariar ou aplaudir as decisões do Congresso Nacional", acrescentou. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u76212.shtml. Acesso em: 01\12\2007. 289 CAGGIANO, Monica Herman Salem. Disponível em: http://cepes.org.br/index.php?option=com_content&task=view&id=169&Itemid=33. Acesso em 20/11/2007. 290 Disponível em: http://houaiss.uol.com.br/busca.jhtm?verbete=fidelidade&stype=k&x=17&y=11. Acesso em
30.09.2007.
291 CAGGIANO, Monica Herman Salem. Direito parlamentar e direito eleitoral. Barueri: Manole, 2004, p. 113.
131
Magna de 1988. O primeiro, ao dispor das condições de elegibilidade, estabelece a
necessidade de filiação partidária (artigo 14, § 3º, inciso V). Já o artigo 17, trata dos partidos
políticos, assegurando-os autonomia para definir sua estrutura interna, organização e
funcionamento, e determinando que os seus estatutos deverão obedecer a normas de
fidelidade e disciplina partidárias. Ao conferir essa atribuição aos partidos políticos, a
Constituição outorgou-lhes ampla margem de autonomia para disciplinar as situações
jurídicas que envolverem fidelidade e disciplina partidária, o que pode originar, nos estatutos
partidários e em suas normas programáticas e organizacionais um maior ou menor rigor na
aplicação da regra. Dessa forma, para se candidatar, o cidadão deve estar filiado à partido
político, cuja disciplina deverá orientar o seu desempenho parlamentar, depois de eleito. A
constituição atual não exige a permanência do parlamentar no partido, bem como não
estabelece medidas para impedir a troca de partidos. Em seu artigo 55, estão previstas as
situações que implicam em perda do mandato parlamentar. Trata-se de um rol taxativo, onde
não está incluída a troca de partido. Além disso, é vedada a cassação dos direitos políticos nos
termos do artigo 15.292
A lei nº 9.096, de 1995, que dispõe sobre os partidos políticos, estabelece em seu
capítulo V, normas sobre fidelidade e disciplina partidárias, nos artigos 23 a 26, in verbis: Art. 23. A responsabilidade por violação dos deveres partidários deve ser apurada e punida pelo competente órgão, na conformidade do que disponha o estatuto de cada partido. § 1º Filiado algum pode sofrer medida disciplinar ou punição por conduta que não esteja tipificada no estatuto do partido político. § 2º Ao acusado é assegurado amplo direito de defesa. Art. 24. Na Casa Legislativa, o integrante da bancada de partido deve subordinar sua ação parlamentar aos princípios doutrinários e programáticos e às diretrizes estabelecidas pelos órgãos de direção partidários, na forma do estatuto.
Art. 25. O estatuto do partido poderá estabelecer, além das medidas disciplinares básicas de caráter partidário, normas sobre penalidades, inclusive com desligamento temporário da bancada, suspensão do direito de voto nas reuniões internas ou perda de todas as prerrogativas, cargos e funções que exerça em decorrência da representação e da proporção partidária, na respectiva Casa Legislativa, ao parlamentar que se opuser, pela atitude ou pelo voto, às diretrizes legitimamente estabelecidas pelos órgãos partidários.
Art. 26. Perde automaticamente a função ou cargo que exerça, na respectiva Casa Legislativa, em virtude da proporção partidária, o parlamentar que deixar o partido sob cuja legenda tenha sido eleito. 292 Art. 15 - É vedada a cassação de direitos políticos, cuja perda ou suspensão só se dará nos casos de: I - cancelamento da naturalização por sentença transitada em julgado; II - incapacidade civil absoluta; III - condenação criminal transitada em julgado, enquanto durarem seus efeitos; IV - recusa de cumprir obrigação a todos imposta ou prestação alternativa, nos termos do art. 5º, VIII; V - improbidade administrativa, nos termos do art. 37, § 4º.
132
No Direito comparado, destaque para a constituição tchecoslovaca de 1920, que
continha cláusula precisa a respeito da vinculação dos representantes eleitos ao respectivo
partido, outorgando ao Tribunal Constitucional competência para examinar e sancionar a
infidelidade com a perda do mandato parlamentar. A cláusula tchecoslovaca, como passou a
ser conhecida, encontrou até acolhimento na Constituição portuguesa de 1982/RC 1997, que
preconiza: “Art. 160º, c (antigo art. 163º) - Perdem o mandato os deputados que: “c” - Se
inscrevam em partido diverso daquele pelo qual foram apresentados a sufrágio.” Até hoje, só
a Constituição portuguesa mantém no seu bojo a proibição de abandono do partido – rotulada
como a cláusula tchecoslovaca. De modo geral, as constituições modernas293 optam por vedar
o mandato imperativo, conformando-o nos moldes representativos.294
b) Relevância da questão
Diante desse histórico legislativo, a questão da fidelidade partidária adquire
relevância por várias razões. Inicialmente, a troca de partidos prejudica o sistema
representativo, a democracia, e por conseqüência, a vontade do eleitor. O voto dado a um
partido, é transferido para outra agremiação, sem consulta ao eleitor. Por exemplo, numa
determinada eleição, o partido A elege 10 deputados e o partido B elege 5. Após algum
tempo, um deputado transfere-se do partido A para o B. Assim, o partido A possuirá 9
representantes, enquanto o B terá 6 parlamentares. Como efeito, houve alteração na
representatividade do Parlamento. Esse fato muda o resultado das urnas, fora das urnas, como
num passe de mágica. Outros pontos que dão relevância ao problema, é o fato de que esse
293 Lei Fundamental de Bonn (1949) Art. 38.1 - Os deputados da Assembléia Federal Alemã ... representam ao povo inteiro e não estarão vinculados por mandato nem por instruções e somente estão subordinados a sua própria consciência. Constituição Italiana (1947) Art. 67 - Todo membro do Parlamento representa a Nação e exerce suas funções sem estar ligado a mandato algum. Constituição francesa (1958) Art. 27 – Todo mandato imperativo é nulo. Constituição espanhola (1978) Art. 67.2 - Os Membros das Cortes Gerais não estarão ligados por mandato imperativo. Constituição da Romênia (1991) Art. 66 - (1) No exercício de seus mandatos, os deputados e senadores estão a serviço do povo. (2) Todo mandato imperativo é nulo. (CAGGIANO, Monica Herman Salem. Disponível em: http://cepes.org.br/index.php?option=com_content&task=view&id=169&Itemid=33. Acesso em 20/11/2007). 294 Ibid.
133
fenômeno dos trânsfugas295 é visto de forma negativa pela imprensa, pela população e pelos
próprios parlamentares, além de enfraquecer as agremiações partidárias.
Monica Caggiano assinala que, no Brasil, identifica-se uma peculiar tendência à ação denominada crossing the floor por parte dos parlamentares. Estes vão caminhando de partido em partido, uma verdadeira peregrinação entre as diversas agremiações, movimento que tem por símbolo João Caldas ao trocar 8 vezes de partido. Este fluxo interpartidário de parlamentares não se apresenta como privilégio do atual ciclo democrático.296 É também relevante considerar, na reflexão de Caggiano, que a representação
política, envolve dois momentos distintos: a) o eleitoral, que corresponde à operação de
seleção dos representantes – daqueles que irão tomar as decisões políticas em nome do povo
que os escolheu – e, superada esta etapa, b) alcança a figura do parlamentar eleito e, implica
na responsabilidade que este, o representante, assume diante da vitória nas urnas
(responsiveness).297
c) A primeira decisão judicial sobre o tema no Brasil
Para o ministro Celso de Mello, a primeira vez que se discutiu o tema da fidelidade
partidária foi no Estado do Rio Grande do Sul. Logo depois de uma eleição, o primeiro
suplente do Partido Libertador transferiu-se para outra agremiação. Quando foi aberta a vaga
na bancada do partido Libertador, aquele primeiro suplente que tinha mudado de partido,
pretendeu a sua convocação e, então, surgiu o problema. A questão foi colocada em termos
judiciais porque a Mesa não acolheu a indicação do Líder (a Mesa era do outro partido) e 295 O fenômeno dos trânsfugas - parlamentares que mudam inopinadamente de partido, desligando-se da agremiação que os elegeu, não constitui particularidade do cenário político brasileiro, mas rompe o padrão democrático, introduzindo um sentimento de insegurança e incerteza para o eleitor, titular do direito de sufrágio ativo (CAGGIANO, Monica Herman Salem. Disponível em: http://cepes.org.br/index.php?option=com_content&task=view&id=169&Itemid=33. Acesso em 20/11/2007). 296 Com efeito, a história político – partidária denota que 80% (oitenta por cento) dos nossos parlamentares já pertenceram a alguma outra legenda, diferente daquela que os elegeu na última eleição. O atual PSDB é composto por parlamentares oriundos do antigo MDB e do PMDB, sendo este, a seu turno, resultante da reunião de antigos militantes do PSD e do PTB anteriores a 1964. O PFL (atual Democrata) e o PDS detêm vínculos com a UDN e PDS. A antiga ARENA, do período bipartidário compreendido entre 1966-1979, deu origem ao PTB, PDC, PL e PRN (estes últimos já extintos). Por sua vez o PDT resultou da reunião de parlamentares anteriormente filiados ao PTB, MDB e PMDB. Enfim, o período imediatamente subseqüente ao fim do modelo bipartidário, ensejou um avanço expansionista do quadro de partidos e uma verdadeira explosão dos denominados nanicos (Ibid.). 297 Os parlamentares – representantes, respondem politicamente pelo exercício do mandato, sendo sua atuação apreciada, quando do próximo pleito, pelo povo que lhes conferiu este mesmo mandato. É o instituto conhecido como responsiveness, ou a responsività dos italianos, o que implica, não em um vínculo com os eleitores, porém na exigência de que as condutas e decisões destes representantes venham a se alinhar às expectativas do eleitorado (da comunidade social) e na possibilidade de, em apreciando, a ação desenvolvida por esses, possa o corpo eleitoral não mais sufragá-los, retirando-os do Parlamento e, portanto, do pólo decisional. A idéia de “responsiveness” importa na capacidade de os representantes/governantes oferecerem a resposta adequada às expectativas dos destinatários do poder (Ibid).
134
contra o ato da Mesa foi impetrado Mandado de Segurança, pelo partido alegando o direito
líquido e certo de ter na Assembléia do Rio Grande do Sul, naquela legislatura, tantos
deputados. E o candidato que ficara como segundo suplente dizia ao Tribunal:“Sou eu o
primeiro suplente e não o segundo, porque o primeiro se desligou do partido, emigrou. Eu
tenho o direito líquido e certo.” O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul concedeu o
mandado de segurança ao partido e ao suplente. Votaram nesse sentido três desembargadores
que vieram a ser ministros do Supremo Tribunal Federal: o ministro Eloy José da Rocha,
ministro Carlos Thompson Flores e o ministro Pedro Soares Muñoz.298
d) Razões de “infidelidade”
Para Monica Caggiano, o movimento de turismo interpartidário ou a dança das
cadeiras, emerge da carência de um disciplinamento constitucional adequado e,
essencialmente, pela fragilidade e plasticidade dos partidos brasileiros. 299
Também o eleitor tem a sua participação, por fazer suas escolhas em favor do
candidato e não do partido300. Além disso, avalia o desempenho do seu candidato de forma
individual, qualquer que seja a postura do partido. Muitas vezes, o eleitor acompanha seu
candidato para qualquer partido que ele venha a ingressar.301
Outra razão é o sistema de listas abertas. A eleição é determinada, primeiro, pelo
número de votos recebidos pelo partido, mas depende, para o candidato, de sua capacidade de
obter votos para si, individualmente. Esse modelo acaba incentivando o individualismo nas
campanhas em detrimento do partido. Tal sistema, associado à ausência de regras que
fortaleçam a coesão interna nos partidos, e a permanência dos parlamentares nos mesmos,
acabam por estimular a autonomia dos representantes eleitos, que consideram os seus 298 Cf. voto do ministro Celso de Mello no MS 26.603-1 – DF. 299 Direito parlamentar e direito eleitoral. Barueri: Manole, 2004, p. 112. 300 Pesquisa feita na cidade do Rio de Janeiro pelo IUPERJ, em 1994, mostrou que 74% dos eleitores escolhem os seus deputados federais independentemente do partido. Pesquisados pelo IBGE em 1996, 68% dos entrevistados consideram o candidato mais importante do que o partido, na hora de votar. Outra pesquisa, realizada em janeiro de 2003 nas principais capitais do país, pelo Instituto Brasmarket – Análise e Investigação de Mercado, demonstrou que o eleitor brasileiro não concorda com o instituto da fidelidade partidária. Dos 2.637 eleitores consultados, 49,5% se manifestaram contra o conceito básico da fidelidade partidária. Para eles, o mandato é dos eleitores e dos eleitos, e, por isso, os políticos com mandato só devem acatar as orientações partidárias se concordarem com elas, o que lhes dá direito de mudar de partido sem a perda dos cargos eletivos. Um número expressivo de eleitores (36,9%) se manifestou favorável às regras atuais de fidelidade partidária, inclusive quanto à expulsão do partido e quanto à mudança nas regras atuais, para cassação do mandato, hoje vedada pela constituição. (MACIEL, Eliane C. Barros de Almeida. Fidelidade partidária. Um panorama institucional. Brasília: Consultoria Legislativa do Senado Federal, 2004, p. 14). 301 CAGGIANO, op.cit. 114.
135
mandatos como decorrentes dos seus esforços pessoais, mais do que uma boa campanha do
partido. Para os eleitores, a troca de partido reforça uma situação de falta de identidade
partidária, percebida principalmente nas eleições, pois não existe identificação do candidato
com partidos e programas, e o eleitor acaba votando no indivíduo de sua preferência. Com
exceção dos partidos de esquerda, o que se verifica, entre os eleitores, é uma baixa
identificação com uma agremiação partidária e com a filiação partidária de um candidato, na
hora de votar.302
e) Parlamento e fidelidade partidária
Diante desse cenário, há várias propostas legislativas que tem por objetivo
fortalecer os partidos políticos. A fidelidade partidária faz parte da reforma política, em
discussão no Congresso. Cabe destacar, em especial, o projeto de emenda constitucional
apresentado pelo Senador Marco Maciel. Por tratar-se de uma emenda constitucional, a
perspectiva é, portanto, de conferir à penalidade o soberano status constitucional. A proposta
do Senador envolve a modificação dos arts. 17 e 55 da Constituição Federal, da seguinte
forma: Art. 1º - Os arts. 17 e 55 da Constituição Federal passam a vigorar com as seguintes alterações: Art.17....................................................V – titularidade dos mandatos parlamentares ........................ § 5º Perderá automaticamente o mandato o membro do Poder Legislativo que se desligar do partido pelo qual tenha concorrido à eleição, salvo no caso de extinção, incorporação ou fusão do partido político. Art. 55. ............................................................................. VII - que se desligar do partido pelo qual tenha concorrido à eleição, salvo no caso de extinção, incorporação ou fusão do partido político................................................................. § 5º No caso previsto no inciso VII, a perda do mandato será declarada pela Mesa da Casa respectiva, no prazo máximo de três sessões ordinárias ou extraordinárias, mediante comunicação da mais alta instância do partido político titular do mandato, acompanhada de documento comprobatório da desfiliação. Art. 2º - Esta Emenda Constitucional entra em vigor em 1º de janeiro de 2010.
f) Poder Judiciário e fidelidade partidária
Em razão do aumento das trocas partidárias e devido à ausência de uma solução
pelo Parlamento, apesar de vários projetos e propostas a respeito, o Tribunal Superior
Eleitoral buscou oferecer solução, in concreto, decretando a possibilidade de perda do
mandato eletivo na hipótese de abandono da legenda que suportou a candidatura.
302 MACIEL, Eliane C. Barros de Almeida. Fidelidade partidária. Um panorama institucional. Brasília: Consultoria Legislativa do Senado Federal, 2004, p. 11.
136
No dia 1º de março, o então PFL, atual DEM, protocolou uma consulta no
Tribunal Superior Eleitoral (TSE) questionando se, no caso das eleições proporcionais
(deputados estaduais, federais e vereadores), os partidos podiam preservar o direito à vaga em
razão da troca de legenda. Em 27 de março, o TSE entendeu que sim, uma vez que nesses
casos é utilizado o quociente eleitoral, que considera a votação total dos partidos. PPS, PSDB
e DEM fizeram requerimento ao presidente da Câmara dos Deputados, Arlindo Chinaglia,
pedindo a vacância da cadeira dos 23 deputados que mudaram de partido a partir das eleições
de 2006 até maio deste ano e a posse imediata de suplentes para essas vagas. Chinaglia negou
os pedidos, e os partidos decidiram então entrar com mandados de segurança no Supremo
Tribunal Federal (STF) para obrigar o presidente da Câmara a declarar 23 cadeiras como
vagas e dar posse aos suplentes. Como conseqüência dessa decisão (Resolução nº 22.526),
iniciou-se uma intensa atividade partidária, no sentido de buscar a devolução dos assentos
mantidos pelos infiéis.303
Em decisão unânime, os sete ministros do Tribunal Superior Eleitoral (TSE)
decidiram, em 16 de outubro de 2007, que os mandatos de senadores, prefeitos, governadores
e do presidente da República pertencem aos partidos e não aos políticos, estendendo aos
eleitos pelo sistema majoritário as restrições ao troca-troca partidário.
Uma consulta não tem efeito prático imediato. Mas serve de orientação para
julgamentos futuros. “A consulta é uma diretriz. O que vão fazer os partidos interessados?
Vão atrás de decisões judiciais”, comentou o relator da consulta, ministro Carlos Ayres
Britto. “A soberania do voto popular é exercitada para sufragar candidatos partidários, não
candidatos avulsos”, disse o ministro Ayres Britto, relator da consulta. Ele foi seguido pelos
outros seis ministros que integram o TSE. “O número do candidato é o número da sigla
partidária. Evidentemente, há uma razão de ser nessa identificação. A razão de ser é um elo
inafastável durante o mandato entre o candidato e o partido”, disse o presidente do TSE,
Marco Aurélio Mello.304
A Justiça Eleitoral recebeu em todo o país 1.773 pedidos de partidos que querem
obter de volta os mandatos de políticos por infidelidade partidária. O TSE definiu a matéria na
Resolução 22.610 de 2007, publicada no dia 30 de outubro. O prazo para apresentação de
pedidos de decretação de perda de cargo eletivo por partidos políticos, com base na
303 Disponível em: http://g1.globo.com/Noticias/Politica/0,,MUL151408-5601,00.html. Acesso em 30.11.2007. 304 Disponível em: http://www.jornaldehoje.com.br/novo/navegacao/ver_noticias.php?id_ce=1355. Acesso em 01/12/2007.
137
Resolução, terminou na quinta-feira (29/11), para aqueles que trocaram de partido antes da
publicação da Resolução. A partir desta sexta-feira (30/11), começa a contar o prazo para
apresentação dos pedidos de decretação de perda de mandato pelo MPE (Ministério Público
Eleitoral) ou por pessoa que tenha interesse jurídico. O prazo é de 30 dias.305
A resolução do TSE disciplina as condições de perda do cargo eletivo para
parlamentares que trocaram de partido. No caso de eleitos para cargos proporcionais –
deputado federal, estadual, distrital e vereador -, a data-limite é o dia 27 de março deste ano.
Para os eleitos a cargos majoritários – Presidente da República, senador306, governador,
prefeito – o prazo é o dia 16 de outubro. As hipóteses de “justa causa” previstas no artigo 1º
da Resolução 22.610/07 são incorporação ou fusão do partido, criação de novo partido,
mudança substancial ou desvio reiterado do programa partidário e grave discriminação
pessoal. O mandatário que se desfiliou ou pretenda desfiliar-se pode pedir a declaração da
existência de justa causa, fazendo citar o partido, na forma desta Resolução.307
No dia 4 de outubro, o Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que os mandatos
conquistados em eleições proporcionais (vereadores, deputados estaduais e federais)
pertencem aos partidos e não aos candidatos eleitos. Definiu-se que os "infiéis" que mudaram
de legenda após 27 de março (data da resposta dada pelo TSE à consulta 1.398, formulada
pelo então Partido da Frente Liberal, atual Democratas) estão sujeitos à perda de mandato. E
anistiou quem fez a troca antes dessa data. Caberá ao TSE a palavra final: se cabe ou não
punição para o "infiel". O tribunal vai editar uma resolução com normas para a tramitação dos
processos. O Supremo seguiu o entendimento do TSE e decidiu que os mandatos, no caso das
eleições proporcionais, pertencem aos partidos pelos quais eles foram eleitos. Entre os 23
“infiéis” relacionados nos três mandados de segurança (de PSDB, PPS e DEM), apenas a
deputada Jusmari de Oliveira (BA) corre o risco de perder o mandato. Ela foi a única a trocar
de partido após 27 de março (do DEM para o PR). Outros 15 deputados que trocaram de
legenda após a data também estão ameaçados. Nos casos de mudança de partido após 27 de
março, as legendas terão de encaminhar ao TSE um pedido de investigação para comprovar o
305 Disponível em: http://www.paranaeleitoral.gov.br/noticia.php?cod_noticia=1823. Acesso em 01/12/2007. 306 A decisão do TSE (Tribunal Superior Eleitoral) de aplicar a regra da fidelidade partidária para cargos majoritários --prefeitos, governadores, senadores e presidente da República-- a partir de 16 de outubro livra quatro senadores da perda de mandato. Os senadores Romeu Tuma (PTB-SP), César Borges (PR-BA) e Edison Lobão (PMDB-MA) --que deixaram o DEM--, além de Patrícia Saboya (PDT-CE), que deixou o PSB, mudaram de partido antes de 16 de outubro e se livraram da cassação. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u340009.shtml. Acesso em 01/12/2007. 307 Ibid.
138
ato de infidelidade. E o tribunal decidirá, então, se isso ocorreu. Como o tribunal já votou pela
fidelidade, é possível que essa seja a tendência. Caso percam os mandatos, os suplentes ou
vice deles assumirão os cargos.308
Os ministros Celso de Mello, Carmen Lúcia, Menezes Direito, Cezar Peluso,
Gilmar Mendes e a presidente, ministra Ellen Gracie, formaram a maioria vencedora, votando
pelo indeferimento dos MS 26602 e 26603 e pelo deferimento parcial do MS 26604, neste
caso para que a questão da deputada Jusmari Oliveira, que se desfiliou do DEM após a
resposta do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) à Consulta 1398, seja encaminhada pelo
presidente da Câmara dos Deputados para o Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Para o ministro Joaquim Barbosa, a Constituição não prevê perda de mandato por
infidelidade partidária. Ao indeferir os mandados de segurança em que o PPS, o DEM e o
PSDB pretendem vincular o mandato parlamentar ao partido, ele acolheu a opinião do
procurador-geral da República, Antonio Fernando Souza, sobre a matéria. Para Antonio
Fernando, a Constituição Federal tem, em seu artigo 55, um rol taxativo de hipóteses de perda
de mandato, e a troca de partido não está incluída.“A meu ver, o Constituinte de 1988
disciplinou conscientemente a matéria, e fez a opção deliberada de abandonar o regime de
fidelidade partidária que existia no sistema constitucional anterior, que previa a perda do
mandato nesses casos”, afirmou Barbosa. Ele disse que outro “obstáculo de peso” contra os
pedidos do PPS, do DEM e do PSDB é a dificuldade de se garantir o cumprimento do devido
processo legal. “Por mais que eu comungue dos anseios generalizados em prol de uma
moralização da vida político-partidária do nosso país, não vejo como fazê-lo nos termos
propostos na impetração [dos mandados de segurança]”. Barbosa acrescentou que, caso o
STF decida que o cargo é do partido, deve-se aplicar a sugestão do procurador-geral, para
quem a decisão não deve retroagir. Ou seja, a decisão valeria a partir de hoje, e não a partir da
resposta do TSE, que no dia 27 de março disse que o mandato pertence ao partido, e não ao
parlamentar. Essa última solução foi proposta pelo ministro Celso de Mello.O ministro
Joaquim Barbosa salientou, ao final de seu voto, que os parlamentares trocavam de partido
amparados na jurisprudência do STF e, se esse entendimento for alterado hoje, a validade
dessa nova decisão deve se dar a partir deste julgamento.309
308 Disponível em: http://g1.globo.com/Noticias/Politica/0,,MUL144965-5601,00.html. Acesso em 01/12/2007. 309Disponível em: http://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=visualiza_noticia&id_caderno=20&id_noticia=20584&pagina=13_78__ . Acesso em 01/12/2007.
139
g) O voto do ministro Celso de Mello
O ministro Celso de Mello, em seu voto no Mandado de Segurança 26.603,
assinalou que, quando o eleitor vota, ele vota primeiro no partido, depois no candidato. Isso
porque o voto dado ao candidato pode não ser aproveitado pelo e para o candidato, mas o voto
dado ao partido, este é aproveitado em primeiro lugar, ainda que em benefício de outro
candidato. Na hipótese em que um parlamentar, durante o exercício do mandato, decide sair
do partido, sem motivo legítimo, a força política da agremiação é enfraquecida na casa
legislativa e no governo. A mudança imotivada de partido se afigura como ato abusivo que
não se coaduna com a ordem democrática, tendo em vista que, além da filiação ser requisito
prévio de elegibilidade, poucos são os concorrentes nas eleições proporcionais que
conseguem obter votos suficientes para atender ao quociente eleitoral e se elegerem. Dessa
forma, O ato de infidelidade, seja ao partido político, seja, com maior razão, ao próprio cidadão-eleitor, mais do que um desvio ético-político, representa um inadmissível ultraje ao princípio democrático e ao exercício legítimo do poder, na medida em que migrações inesperadas, nem sempre motivadas por razões justas, não só surpreendem o próprio corpo eleitoral e as agremiações partidárias de origem – desfalcando-as da representatividade conquistadas por elas nas urnas, mas culminam por gerar um arbitrário desequilíbrio de forças no Parlamento, vindo, até, em clara fraude à vontade popular, e em frontal transgressão ao sistema eleitoral proporcional, a asfixiar, em face de súbita redução numérica, o exercício pleno da oposição política.
Para o ministro, é necessário ressaltar as concepções em torno do mandato
representativo. Assim, no moderno constitucionalismo, deve-se vislumbrar a existência de um
duplo vínculo: o de caráter popular e o de índole partidária. Portanto, o mandato decorrente da
investidura político-eleitoral constitui a expressão formal tanto de uma representação popular
como de uma representação partidária. Esse novo sentido do mandato representativo conduziu
ao fortalecimento da vinculação partidária, cuja realidade não pode ser desconhecida na
análise do tema do mandato eletivo. Vejamos seus argumentos: O tema suscitado na presente causa, portanto, deve ser examinado sob uma dupla perspectiva – a) a da fidelidade do representante eleito ao partido político sob cuja legenda se elegeu e b) a da fidelidade daquele que se elegeu aos cidadãos integrantes do corpo eleitoral, de modo a se reconhecer que o ato de infidelidade, quer à agremiação partidária, quer, sobretudo, aos eleitores, traduz um gesto de intolerável desrespeito à vontade soberana do povo, fraudado em suas justas expectativas e frustrado pela conduta desviante daquele que, pelo sufrágio popular e por intermédio da filiação a determinado partido, foi investido no alto desempenho do mandato eletivo.
h) Judiciário X Parlamento
A grande crítica às decisões do Poder Judiciário (TSE e STF) é a de que o Tribunal
Superior Eleitoral e Supremo Tribunal Federal legislaram de forma a sancionar a atitude de
infidelidade do parlamentar para com a sigla que concorreu para a conquista da vaga.
140
Não nos parece possa o legislador infra-constitucional impor óbices ao exercício do direito de postular cargos eletivos, criando hipóteses de inelegibilidade não sustentadas pela Lei Maior, ou o intérprete promover exercícios de hermenêutica a flexibilizar a natureza do mandato representativo estabelecida pelo constituinte. Caberá ao poder reformador indicar os limites do exercício do mandato parlamentar. Ao constituinte compete expurgar a idéia do monopólio do partido em relação à apresentação dos candidatos, viabilizando a candidatura independente. Ora, na qualidade de representante do povo, o parlamentar, só e tão somente pelo povo, pode vir a ser julgado quanto a sua atuação ou, em outras palavras, a ser apreciada sua conduta no sentido de atender ou não à exigência de responsiveness. E isto por ocasião da próxima consulta eleitoral.310
Em entrevista à folha on-line311, o presidente do TSE, Marco Aurélio Mello, disse
que o Congresso vai desafiar o Judiciário caso aprove o projeto de decreto legislativo, em
tramitação na Câmara, que prevê a suspensão dos efeitos da resolução que regula os processos
de perda de mandado por infidelidade partidária. Se aprovado, “o ato desafiará o controle de
constitucionalidade, concentrado no Supremo Tribunal Federal”, afirma Marco Aurélio, que
além de presidir o TSE é ministro do STF. Ao ser questionado sobre o referido projeto de
decreto legislativo que propõe a suspensão dos efeitos da resolução do TSE, o ministro
respondeu:
Penso que há, aí sim, uma tentativa de invasão de área. Não se respeita a divisão de tarefas dos poderes. Vamos ter que aguardar. Caso seja aprovado, o que não acredito, o ato desafiará o controle concentrado de constitucionalidade no Supremo. O TSE não pode fazer nada. Mas, possivelmente, teremos o ajuizamento de uma ação direta de inconstitucionalidade para o Supremo pronunciar-se.
E, ao ser indagado sobre se o Judiciário estaria legislando, ele se posicionou da
seguinte maneira: Realmente, há quem diga que o Supremo e o TSE estão legislando. Não é verdade. Estamos apenas dando eficácia às normas legais. Normas aprovadas pelo próprio Congresso. Nessa matéria da fidelidade houve da parte do Supremo uma leitura da Constituição, percebendo-se o objetivo do texto constitucional. Há o aspecto formal.Mas acima do aspecto formal está a concretude da própria norma.
Para o ministro Marco Aurélio, se alguém achar que o TSE extrapolou de suas
prerrogativas, o caminho adequado é o Supremo. “Qualquer partido pode ingressar com uma
ação direta de inconstitucionalidade e dizer: ‘olha, o TSE simplesmente substituiu-se ao
Congresso”.
É esse o meio para atacar a resolução do TSE. Mas questionar um outro Poder
mediante decreto legislativo e, no campo da opção política, cassar a resolução, para ele, seria
um passo demasiado largo. Na sua análise, uma interferência, aí sim, indevida. “Que ajuízem
a ação. Paga-se um preço por viver no estado democrático de direito. E o preço é o respeito
310 CAGGIANO, Monica Herman Salem. Disponível em: http://cepes.org.br/index.php?option=com_content&task=view&id=169&Itemid=33. Acesso em 20/11/2007. 311 Disponível em: http://josiasdesouza.folha.blog.uol.com.br/. Acesso em 30.11.2007.
141
às balizas estabelecidas. É um preço módico, qualquer um pode satisfazer”, finalizou o
ministro.
Os partidos dispõem de liberdade para a tipificação das condutas consideradas
manifestações de infidelidade partidária, devendo respeitar os ditames constitucionais (em
especial os direitos fundamentais) e legais (lei nº 9.096, principalmente) para a imposição das
penalidades. O mandato no Brasil é representativo, não imperativo, de onde decorre que a
fidelidade partidária deve ser utilizada de forma moderada, jamais agredindo os direitos
fundamentais do parlamentar, em especial a liberdade de consciência.
No mesmo sentido, em defesa da posição do STF, o ministro Celso de Mello
adverte: [...] não se diga que o Supremo Tribunal Federal, ao reconhecer a procedência da tese acolhida, em consulta, pelo Tribunal Superior Eleitoral, estaria usurpando atribuições do Congresso Nacional. Decididamente, não, pois cabe, ao Supremo Tribunal Federal, em sua condição institucional de guardião da constituição, interpretá-la e, de seu texto, extrair, nesse processo de indagação constitucional, a máxima eficácia possível, em atenção e respeito aos grandes princípios estruturantes que informam, como verdadeiros vetores interpretativos, o sistema de nossa Lei Fundamental.312
Mesmo que obedeça às diretrizes estabelecidas pela direção partidária, o
parlamentar poderá, em determinadas circunstâncias, discordar de alguma orientação ou
decisão, por razões de foro íntimo ou de natureza política, ideológica, ou religiosa. Mudanças
constantes nas orientações de um partido em razão de sua posição com relação ao governo
têm levado a impasses entre parlamentares fiéis à orientação anterior e a direção partidária,
que exige de seus parlamentares fidelidade à nova diretriz partidária, mesmo que ela inove em
relação ao programa original do partido.313
Desde as eleições do ano passado, foram registradas 48 movimentações partidárias
na Câmara dos Deputados. Dois parlamentares que haviam trocado de partido, porém,
voltaram às siglas pelas quais foram eleitos: Lindomar Garçon (PV-RO) e Jurandy Loureiro
(PSC-ES). Dos 48, escaparam da cassação deputados que saíram de PSDB, PPS e DEM antes
de 27 de março, segundo decisão tomada nesta quinta (4) pelo Supremo Tribunal Federal. Nos
casos dos demais, as legendas que se julgam prejudicadas terão de recorrer ao Tribunal
Superior Eleitoral.314
312 Cf. voto do ministro Celso Mello no MS 26.603-1 – DF. 313 MACIEL, Eliane C. Barros de Almeida. Fidelidade partidária. Um panorama institucional. Brasília: Consultoria Legislativa do Senado Federal, 2004, p. 8. 314 http://g1.globo.com/Noticias/Politica/0,,MUL144403-5601,00.html
142
Parlamentar Estado De onde saiu e para onde foi Quando (*)
Manoel Salviano CE Do PSDB para o PMDB (**)
Paulo Rubem Santiago PE Do PT para o PDT 03/10/2007
(**)
Carlos Souza AM Do PP para o PRB 27/9/2007
Clodovil Hernandes SP Do PTC para o PR 25/9/2007
Sérgio Brito BA Do PDT para o PMDB 24/9/2007
Davi Alves Silva Júnior MA Do PDT para o PSC 21/9/2007
Dr. Paulo César RJ Do PTB para o PR 12/9/2007
Gervásio Silva SC Do DEM para o PSDB 21/8/2007
Geraldo Resende MS Do PPS para o PMDB 7/8/2007
Takayama PR Do PMDB para o PAN (atual PTB) e depois para o PSC 11/7/2007
(***)
Cleber Verde MA Do PTB para o PRB 5/7/2007
Marcos Antonio PE Do PSC para o PAN (atual PTB) e depois para o PRB 4/7/2007 (***)
Silas Câmara AM Do PTB para o PAN (atual PTB) e depois para o PSC 3/7/2007 (***)
Damião Feliciano PB Do PR para o PDT 28/6/2007
Jackson Barreto SE Do PTB para o PMDB 2/5/2007
Jusmari Oliveira BA Do PFL para o PR 2/4/2007
Airton Roveda PR Do PPS para o PR 23/3/2007
Cristiano Matheus AL Do PFL (atual DEM) para o PMDB 21/3/2007
Djalma Berger SC Do PSDB para o PSB 15/3/2007
Juvenil Aves MG Saiu do PT e está sem partido 15/3/2007
Angela Portela RR Do PTC para o PT 14/3/2007
Leo Alcântara CE Do PSDB para o PR 12/3/2007
Marcelo Teixeira CE Do PSDB para o PR 12/3/2007
Vicente Arruda CE Do PSDB para o PR 12/3/2007
Paulo Piau MG Do PPS para o PMDB 9/3/2007
Tonha Magalhães BA Do PFL (atual DEM) para o PR 5/3/2007
José Rocha BA Do PFL (atual DEM) para o PR 5/3/2007
Átila Lira PI Do PSDB para o PSB 28/2/2007
Ratinho Junior PR Do PPS para o PSC 13/2/2007
Marcelo Guimarães Filho BA Do PFL (atual DEM) para o PMDB 8/2/2007
Waldir Maranhão MA Do PSB para o PP 2/2/2007
Lúcio Vale PA Do PMDB para o PR 1/2/2007
Homero Pereira MT Do PPS para o PR 1/2/2007
Neilton Mulim RJ Do PPS para o PR 1/2/2007
Laurez Moreira TO Do PFL (atual DEM) para o PSB 31/1/2007
Veloso BA Do PPS para o PMDB 30/1/2007
Colbert Martins BA Do PPS para o PMDB 30/1/2007
Sandro Matos RJ Do PTB para o PR 30/1/2007
Lucenira Pimentel AP Do PPS para o PR 29/1/2007
Jofran Frejat DF Do PTB para o PR 29/1/2007
Nelson Goetten SC Do PFL (atual DEM) para o PR 29/1/2007
Sabino Castelo Branco AM Do PFL (atual DEM) para o PTB 17/1/2007
Maurício Quintella Lessa AL Do PDT para o PL (atual PR) 15/1/2007
Vicentinho Alves TO Do PSDB para o PL (atual PR) 15/1/2007
Zequinha Marinho PA Do PSC para o PMDB 22/12/2006
Armando Abílio PB Do PSDB para o PTB 23/11/2006 (*) Data em que o parlamentar informou a entrada no partido à Câmara dos Deputados (**) Mudança ainda não foi oficializada no site da Câmara dos Deputados (***) Data da entrada no último partido
143
2.3. Cláusula de barreira
Doutrinariamente, entende-se por cláusula de barreira a disposição normativa que
nega, ou existência, ou representação parlamentar, ao partido que não tenha alcançado um
determinado número ou percentual de votos.
Prevista na Lei dos Partidos Políticos, esse dispositivo determina que tem direito a
funcionamento parlamentar, em todas as Casas do Legislativo para as quais tenha elegido
representante, o partido que, na eleição para a Câmara dos Deputados, obtenha no mínimo 5%
dos votos apurados, distribuídos em pelo menos 1/3 dos estados, com um mínimo de 2% do
total de cada um deles. Por funcionamento parlamentar entende-se o conjunto de regras que
definem a atuação dos partidos na Casa, como o direito à liderança e à participação nas
comissões. A Comissão Especial da Reforma Política propôs a redução do percentual para 2%
dos votos apurados nacionalmente, não computados os brancos e nulos, distribuídos em pelo
menos nove estados. O partido também precisaria eleger, no mínimo, um representante em
cinco Estados.
A crítica que se faz à cláusula de barreira pode ser expressa pelo seguinte
pensamento: O pluralismo político, um dos cinco princípios fundamentais insculpidos no artigo 1º da Constituição Federal, e a principal viga de sustentação da democracia representativa, na esfera parlamentar, funda-se não apenas pela convivência entre partidos de significativa densidade eleitoral, mas, sobretudo, pelo respeito ao direito de existência das minorias.315
Já para os seus defensores, a cláusula de exclusão consiste em instrumento
necessário para coibir a pulverização dos representantes em um número elevado de partidos
políticos, o que, de alguma maneira, concorre para o enfraquecimento das agremiações
partidárias, para o surgimento das chamadas “legendas de aluguel”, afetando, em última
análise, a própria “governabilidade”.316
Em estudo realizado pela Consultoria Legislativa da Câmara dos Deputados, a chamada cláusula de barreira, ou cláusula de exclusão, ou ainda cláusula de desempenho, que no Direito Constitucional comparado tem como paradigma a experiência alemã, foi inserida pela primeira vez em nosso ordenamento com o Decreto-Lei nº 8.835\56, art. 5º, e com o Código Eleitoral de 1950, cujo art. 148 previa o cancelamento do registro do partido que não conseguisse eleger ao menos um representante para o Congresso Nacional, ou que não obtivesse ao menos cinqüenta mil votos. Tal disposição legal, como todas as demais normas constitucionais subseqüentes, pelos mais diversos motivos, nunca chegaram a ser aplicadas. A entrada em vigor dessas normas era sempre prevista para eleições
315 Disponível em: http://www2.camara.gov.br/internet/publicacoes/estnottec/tema6/pdf/300188.pdf, p. 11. Acesso em 01/12/2007. 316 Disponível em: http://www2.camara.gov.br/internet/publicacoes/estnottec/tema6/pdf/300188.pdf, p. 3. Acesso em 01/12/2007.
144
subseqüentes, contudo, antes de serem implementadas eram alteradas por outras disposições, também de incidência ulterior.317
O STF (Supremo Tribunal Federal) decidiu no dia 07/12/2006 que a cláusula de
barreira é inconstitucional. Por unanimidade, os ministros presentes acompanharam o voto do
relator, ministro Marco Aurélio Mello, que considerou que a legislação provocaria o
"massacre das minorias". Dessa forma, os ministros do STF acataram a ADIN (ação direta de
inconstitucionalidade) promovida pelo PC do B com o apoio do PDT, PSB, PV, PSC, PSOL,
PRB e PPS (agora MD). O argumento dessas legendas é que a lei 9.096, de 1995, que criou as
regras da cláusula, fere o direito de manifestação política das minorias. A regra, prevista na
Lei dos Partidos Políticos, estabelecia que os partidos que não tivessem 5% dos votos para
deputados federal ficariam com dois minutos por semestre, em rede nacional de rádio e de
TV, e teriam de ratear com todos os demais partidos 1% dos cerca de R$ 120 milhões do
Fundo Partidário. Além disso, esses partidos pequenos não teriam direito a funcionamento
parlamentar: seus deputados e senadores poderiam falar e votar no plenário, mas não teriam
líderes, nem estrutura de liderança. Aprovada em 1995, a cláusula de barreira seria aplicada
pela primeira vez nas eleições de 2006. Pelo resultado dessa eleição, só sete dos 29 partidos
registrados no TSE (Tribunal Superior Eleitoral) conseguiriam atingir os percentuais previstos
pela cláusula de barreira. Outros 22 teriam seus direitos de funcionamento reduzidos pela
nova regra. Ao anunciar sua decisão, Marco Aurélio classificou a regra de "esdrúxula, extravagante e incongruente". "É injusto porque coloca na vala comum partidos como o PPS, o PC do B, o PV e PSOL, que não podem ser tidos como partidos de aluguel".
O relator citou os casos do vice-presidente da República, José Alencar, e do
presidente da Câmara, Aldo Rebelo. Os dois foram eleitos por partidos que não atingiram a
cláusula de barreira, PRB e PC do B, respectivamente. "A partir do momento em que se
admite que o partido sobreviva, mas sem funcionamento parlamentar, se tem a asfixia desses
partidos", afirmou. Segundo ele, a cláusula provocaria o "massacre das minorias, o que não é
bom em termos democráticos". O ministro Carlos Ayres disse que a regra deveria se chamar
"cláusula de caveira" porque levaria à morte os pequenos partidos. A ministra Carmem Lúcia
argumentou que a "minoria de hoje tem que ter espaço para ser maioria amanhã" e que a
cláusula de barreira não permitiria o crescimento dos pequenos partidos. O ministro Ricardo
Lewandowski disse que a cláusula "fere de morte o pluralismo político".318
317 Disponível em: http://www2.camara.gov.br/internet/publicacoes/estnottec/tema6/pdf/300188.pdf, p. 3. Acesso em 01/12/2007. 318 Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u87526.shtml. Acesso em 01/12/2007.
145
CONCLUSÕES
Diante dos estudos realizados, visualizamos as seguintes alternativas para o
aperfeiçoamento do sistema representativo no Brasil:
1. Valorização do Parlamento.
2. Maior utilização dos instrumentos de democracia semidireta.
3. Participação política dos cidadãos brasileiros.
4. Criação de um programa público de combate à corrupção.
5. Reformas políticas.
6. Educação.
Nos parece claro que não há fórmula mágica, que resolva todos os problemas ou
que só traga em si vantagens. Um bom exemplo disso é a questão da reforma política. Cada
tema em debate apresenta pontos favoráveis e desfavoráveis. É possível encontrar seus
defensores e opositores.
Também é certo que muitos problemas atuais, como por exemplo a corrupção, não
são exclusividade brasileira. Diante desse cenário, e pelas características do povo brasileiro,
em nosso entendimento, propostas complexas de solução para a crise da relação governante-
governado não trariam grandes benefícios. Portanto, é preciso usar a regra da simplicidade.
Cumprir as leis primeiro, depois alterá-las e melhorá-las, se necessário. De nada adianta fazer
uma lei se ela não é aplicada e depois é alterada, como foi o caso da cláusula da barreira.
Também não é bom quando uma mesma situação é alterada diversas vezes, de acordo com a
situação. Fatos como esse trazem perda de credibilidade nas instituições.
1. Valorização do Parlamento
O Parlamento cumpre papel importante no Estado e na consolidação da
democracia, principalmente por três de suas atribuições: representar o povo, legislar sobre os
assuntos de interesse nacional e fiscalizar a aplicação dos recursos públicos. Entretanto,
conforme foi demonstrado ao longo dessa pesquisa, o momento atual do Congresso Nacional
no Brasil não é positivo. Por essa razão, faz-se necessário uma valorização do Parlamento. O
caminho para isso passa pela atividade legislativa. Cabe, nesse momento, a lembrança de
Paulo Bonavides, na qual a Lei Magna ainda não acabou de ser elaborada. Resta acrescentar-
lhe uma parte escrita importantíssima: as leis complementares e ordinárias previstas no texto
constitucional. Nesse sentido:
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Compõem essas leis a outra metade da Carta, sem a qual ela dificilmente se aplicará, com sua eficácia diminuída a um grau baixíssimo e insuportável, embargando todas as esperanças postas em tão valioso instrumento de direitos e garantias fundamentais. Operíodo de feitura das leis complementares e ordinárias destinadas a complementar materialmente a nova Carta é por sem dúvida tão crítico e delicado quanto este já rematado.319
A inércia de um Parlamento implica na valorização do Executivo e do Judiciário.
Quando se recorre ao Judiciário para dar uma interpretação à lei, pode ser criado um conflito
entre os poderes. Por outro lado, um Parlamento atuante, forte, se destaca. Um bom
Parlamento faz boas leis, leis que atingem a finalidade do Estado, proporcionando o bem
comum. A conseqüência natural disso será o reconhecimento popular pelo trabalho realizado,
que se for bem feito, mudará a imagem da Casa de representação do povo.
2. Maior utilização dos instrumentos de democracia direta. Nada melhor para aperfeiçoar algo do que a prática. É assim quando aprendemos
a andar de bicicleta ou quando queremos aprender um novo idioma. E isso também vale para
a democracia. A história brasileira de plebiscito e referendo é curta. Faz-se necessário uma
maior utilização dos institutos de democracia semidireta. Temas importantes podem e devem
ser levados à consulta popular, e não restringir o debate ao grupo de parlamentares. É certo
que, conforme avaliamos nesse trabalho, há a interferência dos grupos de pressão, da
oposição, das minorias, da opinião pública, etc. Mas nada melhor do que a voz do povo.
Erros e acertos fazem parte da tomada de decisões. A utilização dos institutos nada mais é do
que aplicar a Constituição.
3. Participação política dos cidadãos brasileiros.
A eleição é instrumento indispensável ao Estado Democrático de Direito. Cabe ao
povo fazer boas escolhas. O exercício contínuo dos direitos políticos fará com que, cada vez
mais, possamos caminhar no sentido de escolher bons representantes, que atendam às
expectativas e necessidades de seus representados. As eleições periódicas e regulares são
formas de controle sobre os representantes. Quem não foi um bom parlamentar corre o risco,
na próxima eleição, de não ser eleito. Mas para isso, é necessário, por parte do eleitor, a
participação, o interesse, a iniciativa e o acesso à informação. Boas escolhas pelo povo
excluem aqueles que não demonstraram ter qualidades suficientes para representá-los.
319 BONAVIDES, Paulo; ANDRADE, Paes de. História Constitucional do Brasil. 3.ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1991, p. 488.
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“Nada se faz sem grandes homens” , disse De Gaulle “Aos exércitos, assim como
aos povos, providos de chefes excelentes, tudo mais será dado por acréscimo. Porque, no
fundo, os homens não dispensam ser dirigidos, assim como não dispensam comer, beber e
dormir” 320.
Em nosso entendimento, a expressão “grandes homens” se aplica não só para os
governantes, mas também aos governados. O papel do representado, seu interesse e
participação são relevantes para a solidificação do Estado Democrático. Caso contrário, as
questões públicas e a política ficam restritas a um pequeno grupo. O interesse que
defendemos é tão intenso que chega a propor a inversão de papéis, ou seja, o representado se
tornar representante, através de filiação partidária e disputa nos pleitos eletivos. Só é
necessário tomar o cuidado para que não ocorra o que George Orwell retratou em sua
“Revolução dos Bichos”321, onde o governado criticava o governante, e, quando chegou ao
poder, agiu da mesma forma ou até pior. O povo deve observar, fiscalizar, participar e
comprometer-se com o sucesso ou o insucesso do Governo. Deve fazer parte da “solução” e
não apenas do “problema”.
Trata-se do “cidadão ativo” destacado por Alexandre Sanson: “aquele agente do
poder, gestor da coisa pública, participante da vida estatal”.322
320 SCHWARTZENBERG, Roger-Gérard. O Estado Espetáculo. Ensaio sobre e contra o Star System em política. São Paulo: Círculo do Livro, 1977, p.24. 321 A fábula de Orwell é retratada na obra “A Revolução dos Bichos”, de George Orwell, pseudônimo literário de Eric Blair (1903-1950), novelista, jornalista e crítico inglês, nascido na Índia e educado na Inglaterra. A Revolução dos Bichos é uma fábula onde os animais de uma granja, revoltados com maus-tratos, se organizam e expulsam o “dono”. De posse da propriedade, seus líderes organizam as atividades e estabelecem algumas leis e princípios de conduta social. Entretanto, o espírito de revolução de quem está no poder transforma-se em ambição, e o movimento torna-se um instrumento de dominação e controle. As leis são alteradas de forma a atender e beneficiar alguns e não todos. Dessa forma, alguns se tornam mais iguais que outros. Os bichos defendem um movimento chamado “animalismo”, onde o homem é “inimigo” e os animais são “camaradas”. Criam algumas leis, entre elas: “Nenhum animal dormirá em cama” (para os bichos a cama representava a figura do “inimigo homem”. Mesmo de posse da casa, os animais não deveriam dormir nas camas). Entretanto, seus líderes são vistos dormindo em camas e a lei é alterada para: - “Nenhum animal dormirá em cama, com lençóis”. Ou seja, houve uma “emenda” à lei, podemos assim dizer, de forma a beneficiar algum interesse. Argumentavam os líderes que o ruim não era a cama, mas sim os lençóis. Então dormiam nas camas sem os lençóis, o que não representava desrespeito à lei. Por fim, uma outra lei dizia que: - “Todos os animais são iguais”. Posteriormente, a lei é “emendada” com a redação: - “Todos os animais são iguais, mas alguns são mais iguais que outros”, referindo-se aos animais líderes, que teriam alguns privilégios (trabalhariam menos, comeriam mais, etc.) 322 SANSON, Alexandre. Dos institutos de democracia semidireta (plebiscito, referendo e iniciativa popular) como fontes de fortalecimento da cidadania ativa. Dissertação (Mestrado em Direito Político e Econômico) - Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2007, p. 212.
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4. Criação de um programa público de combate à corrupção.
Conforme já apontado, a corrupção não é exclusividade brasileira. Mas isso não
pode servir de justificativa para uma acomodação sobre o tema. O valor perdido com práticas
corruptas traz um enorme prejuízo aos cofres públicos, e por conseqüência, à população. A
corrupção gera o desinteresse e a desconfiança nas classes políticas, nas instituições e é
alimentada pela impunidade.
Temos acompanhado diversos escândalos políticos no Brasil nos últimos anos. É
certo que os princípios da ampla defesa, do contraditório, da presunção da inocência, entre
outros, devem sempre ser preservados. Por outro lado, é preciso também ações firmes de
combate à corrupção. Quem for culpado, deve ser punido. Os maus não podem misturar-se
aos bons. Portanto, com o devido respeito às garantias constitucionais, a apuração de
responsabilidades precisa ser mais célere , pois a demora gera incertezas e esquecimento.
Nesse sentido, seria interessante a criação de uma Justiça Especializada para crimes de
corrupção.
Se um parlamentar tiver que ser punido, que seja. E se a punição não for pela
própria Casa ou pelo Poder Judiciário, que seja pelo povo, através da arma mais poderosa: o
voto. A Constituição diz: “Todo poder emana do povo e em nome dele será exercido”. É por
isso que os deputados, nossos representantes, deverão observar sempre o interesse coletivo
quando forem apresentar, discutir e debater projetos de lei importantes para a sociedade
brasileira.
Ainda sobre esse tema, já ouvimos falar de propostas para alterações no número de
deputados ou senadores, e até mesmo propostas de extinção do Senado, com o Parlamento se
tornando unicameral. Se diminuirmos a quantidade de parlamentares, e até mesmo excluirmos
uma Casa, não há garantia que os que ficarem serão bons representantes. O povo, se não se
governa diretamente, fica dependente de seus representantes, que podem ser seduzidos pelo
poder, tal qual o anel de Giges323. Observemos uma reflexão de Platão a respeito do poder, da
pobreza e da riqueza, que se relaciona com a idéia de administração de sua cidade:
323 Platão nos conta em sua República que Giges, estando com o seu anel, deu uma volta para dentro, em direção à parte interna da mão, e, ao fazer isso, tornou-se invisível para os que estavam ao lado. Admirado, passou de novo a mão pelo anel e o virou para fora. Assim que o fez, tornou-se visível novamente. Tendo observado esses fatos, experimentou, a fim de confirmar se o anel tinha aquele poder, e verificou que, se girasse o anel pra dentro, se tornava invisível, se girasse o anel pra fora, ficava visível. Usando esse poder, logo fez com que fosse um dos delegados que iam junto do rei. Uma vez lá chegado, seduziu a mulher do soberano, e com o auxílio dela, atacou-o e matou-o, e assim tomou o poder. Se, portanto, houvesse dois anéis como este, e o homem justo pusesse um, e o injusto o outro, não haveria ninguém, ao que parece, tão inabalável que permanecesse no caminho da justiça, e que fosse capaz de se abster de bens alheios e de não lhes tocar, sendo-lhe dado tirar à vontade o que quisesse do mercado, entrar nas casas e unir-se a quem desejasse, matar ou libertar a quem
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[...] Se um pintor enriquecer, não quererá cuidar da sua arte, tornar-se-á preguiçoso e descuidado, mais do que era. Se, devido à sua pobreza, não tiver à mão utensílios ou qualquer outro objeto para o seu trabalho, executará obras piores, e ensinará a serem piores os filhos ou quaisquer outros que aprendam com ele. Pelas duas razões , a pobreza e a riqueza são as piores obras. Na cidade em que os que têm de governar são os menos empenhados em ter o comando, essa será a melhor e mais pacificamente administrada, e naquela em que os que detém o poder fazem o inverso, sucederá o contrário. Nunca uma pessoa poderia se tornar um homem de bem, se logo, desde a infância, não brincasse no meio de coisas belas e não se dedicasse a todas atividades dessa qualidade [...] 324
5. Reformas Políticas
O remédio para a crise do sistema representativo, para José Murilo Carvalho325,
estaria nas reformas políticas, que poderiam eventualmente reduzir o problema central da
ineficácia do sistema representativo: Mas para isso a frágil democracia brasileira precisa de tempo. Quanto mais tempo ela sobreviver, maior será a probabilidade de fazer as correções necessárias nos mecanismos políticos e de se consolidar. Sua consolidação nos países que são hoje considerados democráticos, incluindo a Inglaterra, exigiu um aprendizado de séculos. O exercício continuado da democracia política, embora imperfeita, permite aos poucos ampliar o gozo dos direitos civis, o que, por sua vez, poderia reforçar os direitos políticos, criando um círculo virtuoso no qual a cultura política também se modificaria. O voto não é tudo, principalmente um voto que além de ser prisioneiro de uma obrigatoriedade que transforma direito em dever, vem sendo deformado por interferências externas.
Em nosso entendimento, a reforma política é necessária. Entretanto, é preciso ter
cuidado com alguns pontos. O primeiro deles é que a importação de modelos estrangeiros e
fórmulas complexas de escrutínio pode não ser uma boa alternativa. Atualmente, os
brasileiros estão acostumados ao voto direto pelo sistema majoritário para Senador (em um
único turno), Prefeito, Governador e Presidente (em um ou dois turnos); e ao voto pelo
princípio da representação proporcional para Deputados (Federais e Estaduais) e Vereadores.
Outro ponto a ser considerado é adaptar a reforma política às características do
Brasil. Conforme adverte o professor Claudio Lembo, os políticos – particularmente aqueles
que conhecem mais de duas línguas – irão se debruçar sobre experiências estrangeiras e,
especialmente a alemã, e aí, vão recolher modelos a serem transportados para estas terras
tropicais. Pouco há a fazer. A grande reforma não necessita de arranjos legais. Ela terá que
começar no interior das agremiações partidárias, onde as exigências éticas, na oportunidade
das filiações aos quadros partidários, necessitam ser mais rígidas, e aos candidatos deverão quisesse, e fazer tudo o mais entre os homens, como se fosse igual aos deuses. Comportando-se dessa maneira, os seus atos nada difeririam dos do outro, mas ambos levariam o mesmo caminho (grifo nosso). – p. 46. 324 Ibid., p. 114. 325 CARVALHO, José Murilo. A cidadania no Brasil – o longo caminho. São Paulo: Civilização Brasileira, 2003, p. 224.
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ser impostas obrigações reais e rígidas para o futuro, especialmente nos aspectos relativos à
fidelidade partidária. Se os políticos deixarem os eleitores caminhar livre e sucessivamente
de eleição em eleição e remodelarem as práticas internas de seus partidos, tudo pode ficar
como está, porque certamente vai melhorar. É só permitir a livre manifestação do eleitor.326
6. Educação
O “interesse” e e a “participação política” se dá por meio da educação. As
crianças de hoje serão os líderes de amanhã, nossos futuros representantes no Parlamento.
Por essa razão, a educação que elas receberem influenciará no futuro do Estado Brasileiro,
tanto no comportamento de “mandante”, como de “mandado”. A educação já era ponto de
destaque para ARISTÓTELES: Considerando que toda a sociedade política constitui-se de homens que ordenam e de homens que obedecem, é necessário examinar se os chefes e comandados precisam ser sempre os mesmos, ou se precisam mudar de função. É claro que a educação precisa responder por essa divisão.327
É preciso escolher bons governantes. Na sua cidade ideal, Platão defendia que a
solução para o problema é a educação, e nos traz a idéia do “sábio governante”. Para o
filósofo, o Estado ideal, deveria ser sustentado no conceito de justiça. Era necessário montar
uma espécie de prova aos guardiões da cidade e observá-los. Quando novos, deviam
transportar-se para o meio de terrores, e depois transferi-los novamente para os prazeres, para
os pôr à prova, a ver se são difíceis de ludibriar e se revelam compostura em todas as
circunstâncias. O comportamento avaliado seria se foram mais úteis a eles mesmos ou à
cidade. E quem tiver sido sempre posto à prova, na infância, na juventude e na idade viril, e
sair dela inalterável, deve ser posto no lugar de chefe e guardião da cidade. Os que não
receberam educação nem experiência da verdade jamais serão capazes de administrar
satisfatoriamente a cidade. Quem assim não for, deve excluir-se. Depois de terem visto o bem
em si, usá-lo-ão para ordenar a cidade, os particulares e a si mesmos para o resto da vida.
Agüentarão os embates da política, e assumirão cada um deles a chefia do governo, por amor
à cidade. Depois ensinarão continuamente outros assim, para serem como eles. Começando
de uma maneira assim tão bela, acabaríamos, como é natural, num belo fim. Na cidade ideal,
o Estado deveria promover e ser responsável pela educação. Os habitantes da cidade passarão
326 LEMBO, Claudio. Eles temem a liberdade. São Paulo: Manole, 2006, p. 28. 327 ARISTÓTELES. Política. Tradução Torrieri Guimarães. São Paulo: Martin Claret, 2005, p. 142.
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a vida em paz e com saúde, morrerão velhos, como é natural, e transmitirão aos seus
descendentes uma vida da mesma qualidade.328
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Conclui-se, portanto, que embora apresente seus problemas, a democracia
representativa é conveniente e necessária, devido à densidade demográfica e extensão
territorial dos Estados no século XXI. Assim, compartilhamos do pensamento de MILL, no
qual evidentemente, só há pois uma saída possível, solução única para o poder consentido,
dentro do Estado moderno: um governo democrático de bases representativas. A
complexidade social, a extensão e a densidade demográfica do Estado moderno, fatores estes
que embaraçam irremediavelmente o exercício da democracia direta. Por conseqüência,
dizem, o remédio para a democracia, fundada e legitimada no consentimento dos cidadãos,
tem que ser, de necessidade, a representação ou o regime representativo: quando muito as
instituições da democracia semidireta. Assim, a forma ideal de governo, segundo MILL329 é aquela que, nas circunstâncias em que é praticável e aplicável, acarreta o maior número de consequências benéficas, imediatas ou futuras. O único governo capaz de satisfazer a todas as exigências do Estado Social é aquele do qual participou o povo inteiro; que toda a participação, por menor que seja, é útil; que a participação deverá ser, em toda a parte, na proporção em que permitir o grau geral de desenvolvimento da comunidade; e que não se pode desejar nada menor do que a admissão de todos a uma parte do poder soberano do Estado. Mas como, nas comunidades que excedem as proporções de um pequeno vilarejo, é impossível a participação pessoal de todos, a não ser numa porção muito pequena dos negócios públicos, o tipo ideal de um governo perfeito só pode ser o representativo.
Domenico Fisichella330, ao analisar o fenômeno da representação política, assinala:
328 PLATÃO. A República. Tradução Pietro Nassetti. São Paulo: Martin Claret, 2005, p. 60. 329 MILL, John Stuart. Considerações sobre o governo representativo. Pensamento político. Tradução de Manoel Innocêncio de Lacerda Santos Jr. Brasília: UNB, 1981, p. 31-38. 330 Dada a natureza da nossa ordem constitucional, que nunca foi concebida para mostrar o legislador como o espelho da opinião pública, e dada a falta de canais de comunicação imparciais entre os cidadãos e as elites, tentar encontrar um amplo acordo entre ambos pode não ser capaz de representar 400.000 pessoas com um mínimo de fidelidade; mas 435 parlamentares poderiam conseguir representar melhor as opiniões de 220 milhões de eleitores. Claro, é importante questionar se certos legisladores estão caminhando no mesmo ritmo de seus colégios, mas esse não é, certamente, o melhor jeito para entender se os representantes representam. Enfim, se admitimos que os cidadãos advirtam o significado da representação coletiva, é mais fácil entender várias atitudes e tipos de comportamento que, à primeira vista, podem deixar muito perplexos. Entre estes, lembramos a apatia popular por ocasião das eleições legislativas, a disponibilidade de tolerar legisladores não respondentes em relação a seus colégios e uma certa aversão contra os partidos parlamentares mais coesivos (FISICHELLA, Domenico. La rappresentanza Politica. Milano: Giuffrè Editore,1983, p. 356-357).
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Não falamos que a representação coletiva quer dizer representação fiel. O que pensamos é que a representação coletiva é, provavelmente, mais fiel, e não perfeitamente fiel. Não queremos dizer que as eleições têm conseqüências não-representativas, mas pensamos que seja possível e, aliás, perfeitamente provável que as preferências dos cidadãos sejam representadas independentemente da relação eleitoral entre um certo membro do Congresso e um certo eleitor. As eleições não são irrelevantes para os fins da fidelidade da representação, mas não constituem o único fator determinante.
Como consequência do modelo representativo, ganha destaque o Parlamento e
entre suas funções a de representação política. No conflito entre suas convicções pessoais, as
orientações partidárias e a determinação do eleitor, o parlamentar deve optar pelas primeiras,
até em virtude da liberdade de expressão e manifestação do pensamento. Entretanto, ao optar
por suas convicções particulares, deve fazê-lo tendo por objetivo alcançar o maior benefício
coletivo, ainda que elas sejam contrárias a determinado grupo de eleitores. Mas sempre deve
visar o bem comum e nunca o individual.
Por fim, no caso brasileiro, as duas últimas décadas do século 20 foram marcadas
pelo retorno à democracia. O regime, após uma seqüência de governos oligárquicos sem
representatividade que se revezaram no poder por 40 anos, experimentou duas ditaduras (a
getulista e a militar) que somadas consumiram mais três décadas e, nos intervalos
democráticos, enfrentou seguidas ameaças à ordem institucional. Não havia, portanto, uma
tradição propriamente democrática à qual se pudesse retornar. Nos anos 80 e 90 o Brasil
conquista a democracia, consolidando-a, aparentemente, como única forma aceitável de
governo. Apesar das turbulências, que incluem um inédito processo de impeachment, o país
chega ao século XXI vivendo o mais longo período sob regras democráticas (deixada de lado
a República Velha, por não atender ao requisito contemporâneo de um eleitorado que
refletisse a composição da sociedade). Se não é tudo o que se poderia desejar, também não é
pouco. A democracia formal pode não ter resultado numa política consistente de inclusão
social, mas esse passo em suspenso não apaga as pegadas do caminho trilhado.
Um olhar retrospectivo sobre esses 20 anos, porém, não dá margem a dúvida: o
saldo é positivo331 .
331 “A História do Brasil no século 20”. 1980-2000. Folha Explica. Disponível em http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u87785.shtml. Acesso em 20/06/2007.
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