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UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE Centro de Educação, Filosofia e Teologia CEFT Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião ANDERSON CARLOS GOMES CARDOSO MISSÕES EM ATOS DOS APÓSTOLOS: DO PENTECOSTES ÀS PROPOSTAS EVANGELÍSTICAS DO APÓSTOLO PAULO São Paulo 2018

UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE …tede.mackenzie.br/jspui/bitstream/tede/3676/2/ANDERSON...poderia vencer mais esta etapa da minha vida. A 2ª Igreja Presbiteriana em Petrópolis

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UNIVERSIDADE PRESBITERIANA MACKENZIE

Centro de Educação, Filosofia e Teologia – CEFT

Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião

ANDERSON CARLOS GOMES CARDOSO

MISSÕES EM ATOS DOS APÓSTOLOS: DO PENTECOSTES ÀS PROPOSTAS EVANGELÍSTICAS DO APÓSTOLO PAULO

São Paulo 2018

ANDERSON CARLOS GOMES CARDOSO

MISSÕES EM ATOS DOS APÓSTOLOS: DO PENTECOSTES ÀS PROPOSTAS EVANGELÍSTICAS DO APÓSTOLO PAULO

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião, como requisito parcial a obtenção de título de Mestre em Ciências da Religião.

ORIENTADORA: Prof.ª Dra. Lidice Meyer Pinto Ribeiro

São Paulo 2018

Bibliotecário Responsável: Eliezer Lírio dos Santos – CRB/8 6779

C268m Cardoso, Anderson Carlos Gomes Missőes em Atos dos Apóstolos: do Pentecostes ás propostas evangelísticas do apóstolos Paulo / Anderson Carlos Gomes Cardoso – 2018. 120 f.: il.; 30 cm Dissertação (Mestrado em Ciências da Religião) – Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2018. Orientador: Profa. Dra. Lidice Meyer Pinto Ribeiro Bibliografia: f. 117-120

1. Missões 2. Ações evangelísticas 3. Missiologia I. Paulo (Apóstolo) II. Ribeiro, Lidice Meyer Pinto, orientador III. Título LC BS2625.5

Dedico esta pesquisa a Deus em quem descanso o meu ser e a minha alma, a minha esposa, Selma Moura da Silva Cardoso, que está ao meu lado me incentivando desde o dia em que me conheceu, sempre acreditando. À minha filha Caroline, o meu maior bem precioso presenteado por Deus, ao meu saudoso Pai (in memorian) Pb. Paulo Cardoso da Silva que foi um exemplo para a minha vida com o seu testemunho de vida, à minha mãe Maria Ruth Gomes da Silva por tudo que me ensinou durante a minha caminhada, aos meus Avós (in memorian) Pb. Osmar da Silva Gomes, Luzia da Silva Soares e Maria Cornélia Soares que exerceram um papel fundamental na minha vida cristã como referencia e, que, certamente, estariam muito felizes com este momento, e, finalmente à minha orientadora, Dra. Profª Lidice Meyer Pinto Ribeiro que fez por mim, muito mais do que eu poderia esperar, aos professores do curso e aos amigos de caminhada.

AGRADECIMENTOS

Registro aqui, minha gratidão a Deus Pai que me elegeu antes da fundação do

mundo para a vida eterna por meio da justificação da Fé em Cristo Jesus, seu único

Filho, recebida através da graça derramada pelo Espírito Santo.

À minha família, a começar pela minha esposa Selma Moura da Silva Cardoso,

amor da minha vida, que está ao meu lado me dando força em todo o momento que

precisei para a realização deste trabalho, à minha mãe, Maria Ruth, peça fundamental

para que eu chegasse até aqui, ao meu saudoso Pai, Paulo Cardoso (in memorian),

um sábio homem de quem sinto muita falta, aos meus saudosos avós (in memorian),

aos meus irmãos, cunhada, sobrinhos, minha sobrinha neta, Helena, aos meus

enteados, e como não poderia deixar de citar o maior presente que Deus me deu,

minha linda filha Caroline Cardoso, meu tesouro.

Ao casal de amigos Rev. Luiz Otavio Nogueira e sua esposa Janete Nogueira

pela recepção em sua casa com todo carinho a mim dispensado durante um ano em

meio as viagens entre Petrópolis e São Paulo.

Ao meu amigo Rev. José Mirabeau que me ajudou num momento impar da

minha caminhada.

Ao Pastor Natalino Rogelio Oliveira Soares, um grande amigo e companheiro

de caminhada.

Aos amigos confrades que sempre me apoiaram neste desafio acreditando que

poderia vencer mais esta etapa da minha vida.

A 2ª Igreja Presbiteriana em Petrópolis que entendeu o meu projeto de vida e

me apoiou quando iniciei o curso de Ciências da Religião.

Aos Casais Lawrence e Hulda Louzada, Luiz e Marcia Firmino que nos últimos

tempos foram e são bênçãos na minha vida e de minha esposa.

Ao Rev. Romer Cardoso, Diretor do Seminário Presbiteriano Rev. Ashbell

Green Simonton do Rio de Janeiro pela a atenção e carinho a mim dispensado.

Aos amigos Pb. Paulo Sá e o Dc. Mauricio de Paula que sempre acreditaram

em mim incentivando-me na vida eclesiástica e acadêmica.

Ao casal de amigos, Rev. Almir Henrique e sua esposa Rosa, pelos conselhos

sábios que sempre me deram nos momentos que mais precisei.

Ao casal de amigos Gilberto Correa e Ludmila Reis pelo apoio que sempre me

deram na minha caminhada, amigos mais chegados do que irmãos.

A Prof.ª Dra. Lidice Meyer Pinto Ribeiro, orientadora, professora, amiga dos

tempos de mocidade, vocacionada para o ensino, fazendo com excelência para o que

foi chamada, tendo na sua genealogia seus pais Rev. Javan Pinto Ribeiro (in

memorian) e Sua Mãe Mathilde Meyer Pinto Ribeiro (in memorian), os quais tive a

honra de conhecer e por ver sua filha dar continuidade ao que ensinaram e praticaram

com seus exemplos de vida.

Ao Corpo Docente do Programa de Pós-Graduação em Ciências da Religião

da Universidade Presbiteriana Mackenzie que ampliou com certeza a percepção na

atividade da pesquisa acadêmica, o comprometimento com os referenciais teóricos, o

distanciamento necessário e o envolvimento imprescindível, na busca de excelentes

resultados.

Aos colegas de curso, pela companhia, discussões e incentivos, em meio a

falta de tempo, recursos, distâncias, tornando tudo mais leve e interessante.

Ando devagar porque já tive pressa e levo este sorriso porque já chorei demais. Hoje me sinto mais forte, mais feliz quem sabe, eu só levo a certeza de que muito pouco sei ou nada sei. [...]É preciso amor para poder pulsar, é preciso paz para sorrir, é preciso chuva para florir.

(Almir Sater e Renato Teixeira)

RESUMO

O presente trabalho Reflete sobre às propostas evangelísticas do Apóstolo Paulo,

buscando analisar como estas iniciativas podem se aplicar as contingencias da

contemporaneidade. Esta análise das missões no livro de Atos dos Apóstolos

ressaltada o papel do maior missionário do Novo Testamento, a saber o Apóstolo

Paulo. Este tem sua relevância na sociedade na qual vive, exercendo o seu

protagonismo para o que foi chamado, cumprindo o seu mandato missional através

das suas viagens missionárias, as quais foram essenciais para a expansão do

Evangelho no início da Igreja Primitiva. Como problema central elegeu-se a seguinte

questão: Qual a contribuição paulina em Atos através de suas ações evangelísticas,

para a construção de uma consciência missiologica na cristandade? O objetivo do

trabalho é analisar quais ações evangelísticas utilizadas por Paulo ainda podem ser

utilizados hoje pela cristandade em sua missão anunciadora das Boas Novas. A

pesquisa qualifica-se, metodologicamente, como levantamento bibliográfico através

da consulta de diversas fontes bibliográficas além da própria Bíblia Sagrada. A

pesquisa contextualiza-se como contribuição e incentivo para outros trabalhos sobre

o assunto, como também, sirva de contribuição à comunidade acadêmica. Diante do

proposto pelo pesquisador, o trabalho indica que as ações evangelísticas paulinas

podem ser utilizadas como base para a missão anunciadora da igreja atual, servindo

de fundamentação teológica e motivação missional.

Palavras-chave: Missões; Paulo; Ações Evangelísticas; Missiologia.

ABSTRACT

The present work Reflects on the evangelistic proposals of the Apostle Paul, trying to

analyze how these initiatives can apply the contingencies of contemporaneity. This

analysis of the missions in the book of Acts of the Apostles underscored the role of the

greatest New Testament missionary, namely the Apostle Paul. It has its relevance in

the society in which it lives, exercising its protagonism for what it has been called,

fulfilling its missionary mandate through its missionary trips, which were essential for

the expansion of the Gospel in the beginning of the Primitive Church. As a central

problem, the following question was raised: What is the Pauline contribution in Acts

through his evangelistic actions, to the construction of a missiological consciousness

in Christendom? The purpose of the work is to analyze what evangelistic actions used

by Paul can still be used today by Christendom in its Good News announcing mission.

The research qualifies, methodologically, as a bibliographical survey through the

consultation of several bibliographical sources besides the Holy Bible itself. The

research contextualizes itself as contribution and incentive for other works on the

subject, as well as, it serves as contribution to the academic community. In view of the

researcher's proposal, the work indicates that the Pauline evangelistic actions can be

used as a basis for the current mission of the church, serving as a theological

foundation and missionary motivation.

Keywords: Missions; Paulo; Evangelistic Actions; Missiology

ÍNDICE DE ILUSTRAÇÕES

FIGURA 1 – MAPA DA PRIMEIRA VIAGEM MISSIONÁRIA DE PAULO .............. 64

FIGURA 2 MAPA DA SEGUNDA VIAGEM MISSIONÁRIA DE PAULO ................. 70

FIGURA 3 – MAPA DA TERCEIRA VIAGEM MISSIONÁRIA DE PAULO .............. 75

ÍNDICE DE ABREVIATURAS

Abreviação do Livro Livro Bíblico

1 Co 1 Coríntios

1 Tm 1 Timóteo

1 Ts 1 Tessalonicenses

2 Co 2 Coríntios

2 Tm 2 Timóteo

2 Ts 2 Tessalonicenses

At Atos dos Apóstolos

Fl Filipenses

Gl Gálatas

Hb Hebreus

Is Isaías

Jl Joel

Jl Joel

Jo João

Lc Lucas

Mt Mateus

Rm Romanos

Sl Salmos

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO................................................................................................ 12

2 MISSÕES EM ATOS DOS APÓSTOLOS....................................................... 15

2.1 A GRANDE RELEVÂNCIA DO ESPÍRITO SANTO NA MISSÃO EM ATOS DOS APÓSTOLOS............................................................................................

21

2.2 O PROTAGONISMO DE PEDRO COM O SEU DISCURSO NO CUMPRIMENTO NA MISSÃO EM ATOS DOS APÓSTOLOS...........................

31

2.3 A IMPORTÂNCIA DOS MISSIONÁRIOS E DAS MULHERES NA MISSÃO EM ATOS DOS APÓSTOLOS............................................................................

35

3 PAULO E SUA SOCIEDADE ......................................................................... 43

3.1 O PROTAGONISMO DE PAULO EM ATOS DOS APÓSTOLOS................. 50 3.2 AS ESTRATÉGIAS DE PAULO EM ATOS DOS APÓSTOLOS ................... 58 3.3 AS VIAGENS MISSIONÁRIAS DE PAULO EM ATOS DOS APÓSTOLOS. 64 4 AS PROPOSTAS EVANGELÍSTICAS DE PAULO........................................ 79

4.1. A PROPOSTA EVANGELÍSTICA DE PAULO EM TESSALÔNICA............. 88 4.2. A PROPOSTA EVANGELÍSTICA DE PAULO EM ATENAS ....................... 94 4.3. A PROPOSTA EVANGELÍSTICA DE PAULO EM CORINTO ..................... 106 CONSIDERAÇÕES FINAIS .............................................................................. 117

REFERÊNCIAS................................................................................................. 118

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1 INTRODUÇÃO

Partindo da hipótese de que as estratégias missionária do apostolo Paulo pode

ser aplicada as grandes cidades dos dias atuais, objetivou-se realizar um

levantamento bibliográfico que trouxesse à luz a realidade vivenciada por Paulo no

primeiro século a fim de verificar sua aplicabilidade ás missões urbanas hoje.

Esta pesquisa justifica-se em face da necessidade de um debate equilibrado

sobre a missão em Atos dos Apóstolos tendo seu início no Pentecostes e terminando

nas propostas evangelísticas do Apóstolo Paulo em Atos 17 e 18. .

Como problema central elegeu-se a seguinte questão: Qual a contribuição

paulina em Atos para a construção de uma consciência missiologica na cristandade?

O objetivo do trabalho é analisar quais propostas evangelísticas utilizadas por

Paulo ainda podem ser utilizados hoje pela cristandade em sua missão anunciadora

das Boas Novas.

Como objetivos específicos pretendeu-se fazer uma análise sobre a ação

missionária em Atos dos Apóstolos do Pentecostes; as propostas ações

evangelísticas do apóstolo Paulo em Atos Capítulo 17 e 18, assim observa-se o início

da missão a partir do grande fato histórico e muito relevante que foi a descida do

Espirito Santo o qual foi denominado de Pentecostes. A intenção não é esgotar o

tema, mas contribuir de forma a ressaltar este diálogo entre Ciências da Religião e

Teologia dando a possibilidade de resgatar dados sobre a segurança e a certeza

quanto ao anúncio do Evangelho, de posse de instrução bíblica e acadêmica,

mantendo-se firme nesta diversidade inter-religiosa dos dias atuais.

Como problema central elegeu-se a seguinte questão: Qual a contribuição

paulina em Atos para a construção de uma consciência missiologica na cristandade?

Desta forma, em face da sua relevância, espera-se que essa pesquisa se

preste como incentivo para outros trabalhos sobre o assunto, como também, sirva de

contribuição à comunidade acadêmica por mostrar que a missão em Atos dos

Apóstolos é de grande importância para a o diálogo entre Teologia e Ciências da

Religião

Metodologicamente, as informações necessárias ao conteúdo da pesquisa

foram levantadas em fontes de materiais histórico-teológicos, considerando apenas

as obras que tratem das ênfases que se pretende abordar. A pesquisa seguirá a

abordagem metodológica histórico-teológica-social, buscando, quando possível,

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valer-se das fontes primárias, por sua proximidade dos fatos, e na falta dessas, por

fontes secundárias coerentes com a proposta do assunto.

É importante apontar, reconhecer e valorizar a importância da prática

missionária realizada por Pedro e, principalmente, Paulo, o primeiro missionário da

história da Igreja no Novo Testamento; o apóstolo que transcendeu todas as esferas

da sociedade e que através das estruturas abordadas por ele. A pesquisa em

discussão é realizada na área da Ciências da Religião dialogando com a Teologia

tendo como norte o termo missões, dando destaque a partir do Pentecoste até as

propostas do apóstolo Paulo em Atos 17-18.

Observa-se na primeira seção do trabalho que a missão em Atos dos apóstolos

teve a sua importância dentro do contexto abordado quando através do Pentecostes,

o apóstolo Pedro começa a exercer a sua grande liderança com o seu discurso tendo

um papel de grande relevância no início da Igreja Primitiva, pois nesta etapa da

pesquisa, ressalta-se que o conceito de missão em Atos se deu em função do

cumprimento do mandato missional decorrido de outro evento chamado ressurreição

de Jesus Cristo, pois foi através do evento morte e ressurreição de Cristo Jesus que

foi possível ocorrer o Pentecostes.

Na segunda seção aborda-se o grande protagonismo de Paulo onde seu

trabalho começa a ser observado como um apóstolo nascido fora de tempo tendo a

sua figura ressaltada de perseguidor a perseguido quando a caminho de Damasco

tem um encontro com Cristo tendo a partir deste evento uma mudança radical na sua

história, pois foi através deste encontro que Paulo começou a exercer o seu

protagonismo em meio a missão a ele atribuída, assim tratamos pois esse

protagonismo se dá em meio a sua missão, suas origens. Ainda neste capítulo,

tratamos, principalmente, a sua história, a sociedade a qual ele convive, pois é nesta

sociedade em que Paulo, ao anunciar o evangelho, utiliza-se de algumas estratégias

que abordamos e, dentre os quais, ressalta-se as viagens missionárias na a expansão

do Reino.

Na terceira seção são apresentadas as propostas do apóstolo Paulo na missão

em Atos dos Apóstolos, propostas estas que tem o seu ponto culminante em Atos 17

e 18, onde o Apóstolo Paulo as apresenta em três cidades de muita relevância no

início das comunidades cristãs, a saber Tessalônica, Atenas e Corinto, pois nestas

cidades Paulo sofre perseguição, é contestado, se submete as mais diversas

dificuldades, mas não desiste e caminha sem duvidar do seu chamado missionário,

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apresentando suas propostas evangelísticas a estas cidades, sendo estas,

Tessalônica, Atenas e por fim, Corinto.

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2 MISSÕES EM ATOS DOS APÓSTOLOS

O objeto desta seção é a forma nasceu o conceito de missão no Livro dos

Atos dos Apóstolos e de que forma o mandato missional decorreu do evento da

ressurreição de Jesus Cristo. Ao final deste capítulo, poder-se-á observar como esse

mandato missional era realizado

Enviados, pois, pelo Espírito Santo, desceram a Selêucia e dali navegaram para Chipre. 5 Chegados a Salamina, anunciavam a palavra de Deus nas sinagogas judaicas; tinham também João como auxiliar. [...] 15 Depois da leitura da lei e dos profetas, os chefes da sinagoga mandaram dizer-lhes: Irmãos, se tendes alguma palavra de exortação para o povo, dizei-a. [...] 26 Irmãos, descendência de Abraão e vós outros os que temeis a Deus, a nós nos foi enviada a palavra desta salvação. [...] 34 E, que Deus o ressuscitou dentre os mortos para que jamais voltasse à corrupção, desta maneira o disse: E cumprirei a vosso favor as santas e fiéis promessas feitas a Davi. [...] 38 Tomai, pois, irmãos, conhecimento de que se vos anuncia remissão de pecados por intermédio deste; 39 e, por meio dele, todo o que crê é justificado de todas as coisas das quais vós não pudestes ser justificados pela lei de Moisés. [...] 48 Os gentios, ouvindo isto, regozijavam-se e glorificavam a palavra do Senhor, e creram todos os que haviam sido destinados para a vida eterna. 49 E divulgava-se a palavra do Senhor por toda aquela região. [...] 52 Os discípulos, porém, transbordavam de alegria e do Espírito Santo. (At. 13, 4-52).

O programa da missão universal da comunidade cristã é apresentado no texto

do evangelista Lucas.

A seguir, Jesus lhes disse: São estas as palavras que eu vos falei, estando ainda convosco: importava se cumprisse tudo o que de mim está escrito na Lei de Moisés, nos Profetas e nos Salmos. 45 Então, lhes abriu o entendimento para compreenderem as Escrituras; 46 e lhes disse: Assim está escrito que o Cristo havia de padecer e ressuscitar dentre os mortos no terceiro dia 47 e que em seu nome se pregasse arrependimento para remissão de pecados a todas as nações, começando de Jerusalém. 48 Vós sois testemunhas destas coisas. 49 Eis que envio sobre vós a promessa de meu Pai; permanecei, pois, na cidade, até que do alto sejais revestidos de poder”. (Lc 24, 44-49).

Lucas retrata em seu Evangelho as palavras de Jesus sendo cumpridas

através de suas promessas feitas aos seus discípulos, começando por Jerusalém,

antecipando o seu ministério à comunidade cristã no Livro dos Atos quando, de fato,

tem início o mandato missional. E, assim, o alcance, a estrutura e o conteúdo dos Atos

dos Apóstolos são conduzidos pelo tema da missão universal, ou seja, o ministério do

Reino de Jesus, que chegou ao seu ápice com a sua morte, ressurreição e retorno

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triunfante ao Pai será continuado por meio da direção do Cristo ressuscitado e pelo

poder do Espírito na própria história da comunidade.

O Novo Testamento fornece muitos detalhes concernentes ao início,

organização e execução apropriada do ministério da igreja:

Ao longo do livro de Atos, o crescimento da igreja é indicado pela frase: “e a palavra de Deus se espalha”, juntamente com o relato de batismos de adultos convertidos com toda a sua casa. Os cristãos se reuniam regularmente para o ministério público de pregação e ensino, da comunhão, da Ceia e das orações [...] com base na Grande Comissão, as igrejas da Reforma afirmam que a verdadeira igreja é visível onde quer que a palavra seja corretamente pregada e os sacramentos sejam corretamente administrados. (HORTON, 2014, p. 182-183).

Senior afirma que a missão universal foi iniciada pelo ministério de Jesus e

agora deve ser executada pela sua igreja; a liderança apostólica da igreja (os Doze e

Paulo) levarão a missão até as extremidades da terra. (2010, p. 406)

E, como figura predominante na missão de Jerusalém. O evento do Espirito

Santo e o sermão subsequente de Pedro no Pentecostes comovem os judeus de

Jerusalém que se reuniram “de todas as nações que há debaixo do céu” (At. 2,5-11).

Horton afirma que embora os sinais tenham mudado e o Espírito seja

derramado tanto sobre mulheres como sobre homens, o Novo Testamento afirma que

pertencemos à aliança da graça que os crentes usufruíram no Antigo Testamento.

(HORTON, 2014, p. 190)

Senior, porém, afirma que:

Mesmo que a concentração seja ainda sobre judeus e não gentios, a ênfase de Lucas sobre a diáspora neste texto confirma o fato de que o evento salvador iniciado aí levará, conforme sugere a citação de Joel, o Espirito de Deus a “toda carne” conforme Atos 2,17 e que a dimensão universal análoga e subentendida no discurso de Pedro no pórtico de Salomão, onde ele lembra aos Jerosolimitamos que “vós sois os filhos dos profetas e da aliança que Deus estabeleceu com os vossos pais, quando disse a Abraão: Na tua descendência serão abençoadas todas as famílias da terra.” (SENIOR, 2010, p. 407)

Tendo esta afirmação constatada em (At.3,25). É importante ressaltar que a

eclesiologia decorre da missão que começa a se organizar com a experiência da

comunidade primitiva no dia de Pentecostes, até o tempo em que o autor dos Atos faz

entrar na sua narrativa os que são escolhidos pelo Espírito, para presidirem e

acompanharem o seu “Rebanho” na igreja, dentro do qual o Espírito os constitui

pastores. E, sendo assim, para nós, a presente consideração apresenta alguns sinais

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importantes a serem destacados ao confrontar a íntima relação que existe entre

espírito e comunidade, a experiência pessoal de fé em Cristo Jesus, antecedendo o

nascimento da Igreja Primitiva como um evento do Espírito. Este anúncio é,

especificamente, a comunicação de uma notícia de uma pessoa para outra, ou seja,

quanto mais a notícia é um fato que o porta voz experimenta em si mesmo, mais esta

comunicação significa um encontro interpessoal e determinante para a comunidade

que hora se inicia.

Esta novidade da ação de Cristo Jesus na igreja primitiva consiste,

precisamente, na atuação pessoal e no interior desta realizada pelo Espírito Santo,

portanto, a vida da igreja está toda alicerçada numa relação íntima com o Espírito de

Cristo Jesus, entendendo assim que a atuação do Espírito no meio da igreja inaugura

uma nova relação de cada membro com o Espírito Santo, ou seja, podemos chamar

esta relação de uma relação interligada com a Trindade.

Ressalta-se que todo este processo do nascimento da igreja primitiva como

comunidade da fé, não se pode ignorar, pois, os quais segundo o nosso parecer crítico

caracterizam a igreja dos Atos dos Apóstolos. Assim, Boff destaca dois fatos

importantes nesse argumento.

Desta forma, Boff afirma o seguinte:

O primeiro fato é o da expansão do cristianismo, que tinha como base a família, as casas, filhos, escravos, criadagem e os agregados, os que serviam e viviam dos bens da casa, tendo á frente o “patriarca da família” ou a “matriarca da família”. O segundo fato é o dos diferentes cruzamentos que se davam entre os membros de cada comunidade, tornando a vida de cada uma bastante complexa na sua relação com as outras. Este fato nos dá a entender de que tais comunidades não eram tão perfeitas, sobretudo quando são vistas em seu conjunto. (BOFF, 1995, p. 141).

É observado que a experiência de fé das comunidades, descritas por Lucas

no Livro dos Atos dos Apóstolos, são apresentadas de várias maneiras com suas

diferentes estruturas. Mesmo com essas complexidades, essas comunidades

expandiram o cristianismo pelo mundo servindo de inspiração para os dias de hoje.

Ampliando este debate, observa-se que um, discipulado verdadeiro, envolve

homens e mulheres de diversas camadas sociais, independente, de suas raças,

aumentando o amor e serviço no ensino da Palavra.

Horton também afirma que, quando Jesus incluiu em sua comissão

“ensinando-os a guardar todas as coisas que vos tenho ordenado”, ele salienta de que

18

o discípulo é antes de tudo um aprendiz. É por isso que a igreja primitiva perseverava

“na doutrina dos apóstolos”. (HORTON, 2014, p. 194).

Fica evidente a advertência no tocante ao relacionamento entre espírito e

comunidade por intermédio de movimentos, palavras e do exercício de fé da

comunidade a partir do evento Pentecostes, pois se a fé no Cristo ressuscitado

antecede o nascimento da igreja, a mesma, contudo, é o componente crucial para a

intervenção do Espírito Santo, pois é a manifestação do Espírito Santo que coloca em

atividade a ação de cada pessoa dando um novo rumo e entusiasmo a vida da igreja,

dando a esta a oportunidade de anunciar publicamente aos ouvintes de todos os

povos e nações o Cristo Ressuscitado. .

Ressalta-se aqui que essa experiência torna-se uma experiência coletiva do

Espírito dos “últimos dias” (At. 2,17), criando assim, na comunidade cristã, um ânimo

que possibilitou a cada um, quer sejam homens e mulheres, colocar em pratica a

proclamação da Palavra buscando imaginar que as primeiras comunidades de fé se

caracterizam por serem agradáveis, transmitindo ânimo a seus membros após

assistirem a ação do Espirito Santo. Provavelmente, só mais tarde a comunidade

passa a tomar consciência da missão dada pelo espírito a ela, do impulso para tal

missão e da sua continuidade não como chegada dos “últimos dias”, mas como

começo de uma época mais prolongada de ação pelo Reino a época da igreja. É

importante observar que a missão em Atos dos Apóstolos tem seu início na

comunidade cristã, missão e comunidade caminham lado a lado na proclamação do

evangelho. Lucas está consciente de que a comunidade criada pelo derramamento

do Espírito se inscreve no movimento missionário inaugurado por Cristo Jesus.

Ao falar da vida, da obra e do mistério de Cristo Jesus, ele fala também da

comunidade dos discípulos que o acompanharam, pois Lucas ao falar no seu

Evangelho, falou da missão de Cristo Jesus como proclamação e exercício nos Atos

dos Apóstolos, sendo assim, esta comunidade representa o início das futuras

comunidades cristãs, cuja completude só acontecerá com a vinda do Espírito Santo.

A igreja que nasce no período pré-pascal, nasce de todo o mistério de Cristo Jesus,

ou seja, da Mensagem do Reino, das obras, da morte-ressurreição e do envio do

Espírito Santo.

Lucas não só apresenta o testemunho e o anúncio da comunidade primitiva a

todos os ouvintes, mas também fala de seus trabalhos e de sua prática para tornar o

evangelho conhecido de todos. Desta forma, ao relatar sobre essa comunidade, o

19

autor de Atos apresenta em seus destaques alguns pontos que afloram da vida e da

lida missionária de seus membros: a identidade, a fidelidade e a unidade. Enfim, o que

o autor dos Atos apresenta uma espécie de “carta de identidade” da igreja primitiva,

ou seja, uma comunidade inspirando outras comunidades que se formam depois dela,

sendo assim, apresenta-se um estilo de vida cristã aberto ao mundo, independente

das várias diferenças nas quais vive e das muitas interseções que se dão entre elas.

Assim, podemos afirmar que todo o livro dos Atos oferece vários modelos de formação

das comunidades cristãs como o evento do Pentecostes. Elas só se tornam “modelo”

das comunidades cristãs com o evento do Espírito, ou seja, quando oferecem

subsídios básicos que têm sua fonte no mistério de Cristo Jesus. E, assim, dois

aspectos importantes a destacam-se, a saber: a identificação com o Espírito e a

identificação com a prática de Cristo.

O primeiro aspecto faz da comunidade um lugar onde o Espírito desenvolve

sua atividade na história, culturas, religiões e no mundo. Assim, podemos observar

que quando o evangelista Lucas retrata a vida diária da primeira comunidade, ele a

faz pela prática e seu testemunho mesmo tendo uma realidade diferente. Assim

sendo, esta comunidade de fé guiada pelo espírito refaz os atos de Cristo Jesus

quando o mesmo realizava os seus sinais e prodígios; anunciando com intrepidez a

palavra quando essas eram ensinadas em recintos fechados como em casas e nas

sinagogas, afirmando ser Cristo o Filho de Deus, anunciando aos gregos e judeus o

significado da ação de graças, do partir do pão, buscando manter comunhão uns com

os outros, na comunhão e na fé com um só coração e uma só alma adequando o

mistério de Cristo.

O segundo aspecto a ser abordado é que a comunidade cristã retratada por

Lucas assemelha-se a uma grande quantidade de pessoas que são conhecidas por

suas experiências de fé no mistério da vida de Jesus. Tendo inclusive os apóstolos

conhecidos de todos contando com Tiago, os discípulos, Matias, alguns diáconos,

Paulo, Maria, a mãe de Jesus e as mulheres mais próximas, ou seja, em palavras

mais simples, conclui-se que a comunidade de fé descrita no Livro dos Atos apresenta

dois aspectos que nascem do Espírito de Jesus e da sua missão no meio dos povos

e do mundo.

Conforme observa-se aqui, os escolhidos são pessoas próximas de Jesus,

pessoas que foram testemunhas de sua vida e de sua prática missionária, pois com

ele comeram juntos e neste momento através do Espirito Santo garantem o

20

prosseguimento da prática de Jesus através desta comunidade cristã. Desta forma,

esta prática não seria possível não fosse em função das características de cada

pessoa com o Espírito doado por Cristo Jesus, característica esta, principal da

comunidade cristã.

É importante também salientar que a fidelidade à tradição deixada por Cristo

Jesus, e segundo Lucas, ensinada pelas ações e palavras dele é mencionada a partir

da experiência da ressurreição realizada pelas pessoas da comunidade cristã. Uma

explicação para o testemunho apostólico, buscando transmitir as palavras e os ditos

impecáveis de Jesus sendo uma compreensão fidedigna do que Jesus disse dos seus

atos e seus ensinamentos. A partir desse pressuposto surge uma nova situação que

se constitui com a ressurreição. A fidelidade da iniciante comunidade a Jesus

enquanto comunidade visível e instituída pelo Espirito Santo sustentando-se

fundamentalmente pela tradição da palavra de Jesus fazendo com que essa

comunidade se refaça através dos séculos e, tendo como norte dessa tradição, a

proclamação da palavra e a prática do Senhor Jesus realizada durante sua vida

terrena. E, assim, observamos neste ponto fundamentos da comunidade primitiva que

nos permitem abordar dois elementos que podem exemplificar a composição da

tradição cristã e transmissão:

a) No primeiro elemento vemos o envio dos discípulos em sua missão. Desta

forma, após um tempo na prática do ministério, Jesus os envia em missão

dando-lhes poder de proclamar o reino de Deus, curar, praticando o mesmo

que ele fazia.

b) No segundo elemento é levado em conta na comunidade, que se inicia neste

mandato missional, uma vida no Espirito. É indiscutível que os discípulos

viveram uma vida comunitária de dedicação total a Cristo e ao seu Reino, pois

foi através desses requisitos que Lucas afirma para aqueles que querem seguir

Jesus, abandonar famílias, bens e profissão para unir-se a um pregador

itinerante. E, fazendo uma reflexão a despeito dos fatos da obra salvadora de

Jesus e à experiência do Espírito Santo no dia de Pentecostes observamos que

tais experiências foram propagadas e recebidas por meio da história e por meio

das testemunhas da palavra e lealdade da comunidade primitiva, pois devido a

essa propagação, a proclamação, os gestos e a palavra atualiza e renova a

fidelidade à tradição ensinada por Cristo.

21

Portanto, o envio para a missão e o “indo” de Jesus vivido como prática em

uma comunidade que se direciona na força e na luz do espírito são elementos que se

comprometem a fidelidade, a tradição passada por Jesus, sem deixar que esta se

torne uma simples recorrência do passado, ou seja, este envio e seguimento que

nascem do Espirito permanecem como uma força inovadora cuja habilidade direciona

para uma comunhão entre homens e mulheres de fé que, enquanto não se

assentarem a mesa com os publicanos e prostitutas da sociedade, não será realizada

a missão histórica escatológica do Espírito. Sendo assim, fica claro que Lucas se

dirige à comunidade formada através do Pentecostes e o mesmo continua a descrever

como o Espírito Santo se dirige a comunidade. Sendo de fato, o Espírito Santo, o

entendimento da cada integrante desta comunidade.

Outro fator importante no envio de missionários são os presbíteros, colocados

pelo Espírito Santo como guardiães da comunidade cristã de Éfeso para apascentar

o rebanho, como se vê no texto: “Estai atentos a vós mesmos e a todo o rebanho:

nele o Espírito Santo vos constituiu guardiães, para apascentardes a Igreja de Deus,

que ele adquiriu para si, pelo sangue de seu próprio Filho”. (At.20,28).

É importante ressaltar que os presbíteros têm a responsabilidade humana de

preocupar-se para que Espírito exerça o seu papel em cada um dos membros da

comunidade cristã sendo exemplo para a comunidade cristã.

Para Fabris (1991, p.369) o encargo dos presbíteros deriva do Espírito Santo,

que por meio de mediações humanas os coloca como guardiães do rebanho.

Neste olhar de Lucas, a extensão comunitária da missão do Espírito se faz

presente e operante na comunidade de fé confirmando, assim, o grande destaque do

Espírito Santo na missão em Atos dos Apóstolos.

2.1 A GRANDE RELEVÂNCIA DO ESPÍRITO SANTO NA MISSÃO EM ATOS DOS APÓSTOLOS.

A relevância do Espírito Santo na missão em Atos dos Apóstolos através da

ação do espírito pelas Escrituras do Novo Testamento é elencada em três partes por

Boff, a começar com o primeiro discurso de Pedro.

“Então, se levantou Pedro, com os onze; e, erguendo a voz, advertiu-os nestes termos: Varões judeus e todos os habitantes de Jerusalém, tomai conhecimento disto e atentai nas minhas palavras. 15 Estes homens não estão embriagados, como vindes pensando, sendo esta a terceira hora do dia. 16 Mas o que ocorre é o que foi dito por

22

intermédio do profeta Joel: 17 E acontecerá nos últimos dias, diz o Senhor, que derramarei do meu Espírito sobre toda a carne; vossos filhos e vossas filhas profetizarão, vossos jovens terão visões, e sonharão vossos velhos; [...] 37 Ouvindo eles estas coisas, compungiu-se-lhes o coração e perguntaram a Pedro e aos demais apóstolos: Que faremos, irmãos? 38 Respondeu-lhes Pedro: Arrependei-vos, e cada um de vós seja batizado em nome de Jesus Cristo para remissão dos vossos pecados, e recebereis o dom do Espírito Santo[...] 41 Então, os que lhe aceitaram a palavra foram batizados, havendo um acréscimo naquele dia de quase três mil pessoas”. (At. 2,14-41).

De acordo com esta relevância do Espírito Santo, após a experiência do

Pentecostes, o Espírito de Deus continua a inspirar a ação de homens que se

destacam pelo o seu trabalho.

Fabris afirma que o Espírito Santo chama e envia em missão figuras que a

narrativa dos Atos destaca pela sua atuação missionária dentro e fora do povo de

Israel. Dentre essas figuras, abordamos a atuação missionária de Filipe, que explica

o sentido da Escritura ao ministro da rainha de Candace, o eunuco da Etiópia, com

quem atua como instrumento a serviço do Espírito, o qual dirige os seus passos nesta

catequese. (FABRIS, 1991, p.175)

Greenway trata este assunto de forma detalhada explicando existir a

importância do Espírito Santo na missão da igreja em Atos dos Apóstolos.

É comum reconhecer que a apresentação da missão feita por Lucas em Atos tem menos a ver com “Atos dos Apóstolos” do que com “atos do Espírito Santo”, tem menos a ver com a missão da igreja do que com a missão de Deus, sendo cada pessoa da divindade como “enviador”, comissionado à missão, cada pessoa da Trindade é também um é “enviado”, um agente missionário bem como um participante trabalhando por meio dos agentes humanos. Finalmente Lucas não hesita em enfatizar que os resultados da missão são divinos. (GREENWAY, 2001, p. 57)

Ao final do encontro, que se conclui com o batismo do eunuco, é ainda o

Espírito que desloca Filipe e o encaminha na estrada da nova missão ao longo da

costa mediterrânea, terminando em Cesaréia. “Quando saíram da água, o Espírito do

Senhor arrebatou a Filipe, não o vendo mais o eunuco; e este foi seguindo o seu

caminho, cheio de júbilo” (At. 8,39).

A ressurreição, o mandato missionário, a pregação dos Doze, dos setenta e

das mulheres, bem como dos discípulos e das discípulas que vão crescendo em

número, são renovados, segundo ela: “a pregação é compreendida pela fé no Senhor

23

ressuscitado, que constitui a plenitude do Kérygma da comunidade primitiva.”

(FRIEDRICH, 1967, p. 464).

Greenway trata deste assunto ressaltando a importância em que os primeiros

cristãos tinham com a linguagem do evangelho.

Os primeiros cristãos tinham que “traduzir” as palavras e ideias do evangelho em linguagens e atitudes que todos os tipos de pessoas pudessem entender. Os evangelistas e missionários levavam o evangelho a livres e escravos, homens e mulheres, intelectuais e incultos, astrólogos, supersticiosos e seguidores de outras religiões. Cada um desses grupos representava um desafio particular Todos precisavam ouvir o evangelho de modo que pudessem compreendê-lo, ou seja, os primeiros missionários insistiam em que todos aqueles que desejassem se tornar discipulos de Cristo fossem convertidos. Isto significa crer somente em Cristo como Salvador e Senhor, abandonando todos os outros deuses e práticas religiosas e mudando a maneira de viver para se conformar aos ensinamentos de Cristo. Os primeiros missionários insistiam que a conversão era necessária, mesmo não sendo esta uma ideia popular. Os missionários confiavam que, quando era recebida, a mensagem se tornava uma força transformadora no coração das pessoas e da sociedade. (GREENWAY, 2001, P. 60 -61)

Proclamar o Jesus ressuscitado significa anunciar a plenitude do Reino de

Deu, ou seja, o critério que domina o pensamento teológico de Lucas, ao conceber a

missão como anuncio do Ressuscitado, é o da continuidade da história da salvação,

obra do Espirito em Jesus e na comunidade. Em ambos age o mesmo espirito de Deus

que atuou no povo de Israel. Nisto consiste a unidade e continuidade da ação de Deus

no meio de todas as nações da terra.

Jesus é o ápice da história de Israel, e os que ele chamou e elegeu são a

ligação entre o Jesus terrestre e o Senhor Jesus professado pela fé da comunidade

primitiva. (MÜHLEN, 1974, p. 110).

Em função disso, Boff retrata o seguinte:

Cada membro dessa comunidade atua pela força do espírito de Deus, que é o mesmo Espírito doado por Jesus no Evento do Pentecostes e nos sucessivos passos dados pela comunidade apostólica, ou seja, os fundamentos da teologia do Espirito a partir do seu protagonismo na missão dos homens e das mulheres que continuam a prática missionaria inaugurada por Jesus no Evangelho. Em todo capítulo primeiro dos Atos dos Apóstolos em que nos dá a entender esta conexão: Jesus ensina pelo Espírito (At. 1,3) promete o batismo no Espírito Santo (At. 1,5) e é com a força deste Espírito que os homens e as mulheres serão testemunhas do Ressuscitado até os confins da terra (At. 1, 8). (BOFF, 1995, p. 106)

24

Boff continua afirmando a respeito do significado e a função do Espírito Santo

na missão em Atos afirmando ser “O Espírito Santo, protagonista da missão. Não

podemos deixar de lembrar que a concepção do Espirito presente no início deste

estudo é evidente no livro dos Atos e desempenha a mesma função de princípio

dinâmico e ativo” (BOFF, 1995, p. 106).

Senior, nesse sentido afirma ser o evento do Espírito no dia do Pentecostes

que domina toda a narrativa do livro dos Atos dos Apóstolos e a sua estrutura e

conteúdo da universalidade da missão. (SENIOR, 2010, p. 369).

Dentro deste contexto, Boff (1990, p. 105) afirma que a comunidade primitiva

descrita por Lucas no Livro dos Atos dos Apóstolos não pode ser considerada como

cópia da comunidade iniciada por Jesus com os Doze e os Setenta por dois motivos:

Primeiro, porque o Espírito de Jesus garante a continuidade da sua presença

nela, através dos gestos, das palavras e da prática de cada um dos membros que

compõem. E segundo, porque é considerado o encontro dos crentes, homens e

mulheres, que “fazem” a Igreja, isto é, ela é uma igreja-ato, no sentido originário de

ekklesia no Novo Testamento.

E, assim, Boff, explica a relação existente entre Espírito e a comunidade

primitiva, segundo ela essa relação se deu através do Pentecostes.

Lucas mostra que o Espírito dinamiza a missão da comunidade, e esta traduz

para história aquilo que “viu” e “ouviu”. É o que Boff (BOFF, 1995, p. 135) chama de

consciência missionária da fé. De acordo com os argumentos que vimos acima

observamos a grande relevância dos autores da Evangelização nas missões em Atos

dos Apóstolos.

Segundo Kuiper, a pessoa do Pai se destaca como autor da Evangelização.

O Pai é o Autor da evangelização, Ele concebeu a evangelização na eternidade. Igualmente na eternidade Ele comissionou o Filho para se fazer merecedor da salvação em favor dos pecadores. Faria isso mediante sua morte vicária na cruz que era objeto da maldição, e mediante o oferecimento ao Pai – em favor dos pecadores – daquela obediência perfeita que tem por recompensa a vida eterna. Deus o Filho é o Autor da evangelização. Embora “subsistindo em forma de Deus”, Ele “não julgou como usurpação o ser igual a Deus”; contudo, voluntariamente “assim mesmo se esvaziou, tomando a forma de servo, tornando-se semelhante aos homens” cf. Filipenses 2.6-7. Para que pudesse realizar a obra salvadora para a qual tinha sido comissionado pelo Pai, quando veio ao mundo afirmou: “Eis aqui estou (no rolo do livro está escrito a meu respeito), para fazer ó Deus, a tua vontade”. Hb 10,7. Afirmando que Cristo se tornou obediente até à morte e morte de cruz cf. Fl 2.8. (KUIPER, 2013, p.10-12).

25

Foi no Pentecostes que o Espírito Santo foi derramado. Ele operou

poderosamente, tanto nos que falaram como nos que ouviram. Os discípulos

receberam, então, poder para serem testemunhas de Cristo no mundo inteiro. “Mas

recebereis poder, ao descer sobre vós o Espírito Santo, e sereis minhas testemunhas

tanto em Jerusalém como em toda a Judéia e Samaria e até aos confins da terra.” (At.

1.8). E daqueles que estavam ouvindo, uns três mil foram convertidos e batizados. Foi

o Filho de Deus que, tendo conquistado o merecimento do Espírito em favor da Igreja,

nessa ocasião o derramou sobre a igreja. No sermão que Pedro pregou no dia do

Pentecostes (At. 2.33) “Exaltado, pois, à destra de Deus, tendo recebido do Pai a

promessa do Espírito Santo, derramou isto que vedes e ouvis”.

Assim, Kuiper afirma que:

Deus na pessoa do Espírito Santo é identificado como autor da evangelização, pois quando os homens santos do passado distante predisseram o nascimento e ministério a morte e a ressurreição do Salvador, e colocaram em forma escrita as suas profecias, de modo que o Antigo Testamento é evangelho tanto quanto o Novo, eles foram “movidos pelo Espírito” (2ª Pe 1,21b).No dia do Pentecostes o Espírito Santo deu poder a um pequeno grupo de homens e mulheres insignificantes, incultos e fracos – mas crentes – para se lançarem a estupenda tarefa de conquistar o mundo para Cristo, seu Senhor. O poder do Espírito foi adequadamente simbolizado por duas das maiores forças da natureza – o vento e o fogo. Esse poder – é bom lembrar – nunca se apartou e nunca se apartará da Igreja, pois, como disse Cristo, o Espirito foi dado “A fim de que esteja para sempre convosco”. (Jo 14.16b). (KUIPER, 2013, p.14)

Para Kuiper um segundo Pentecoste está fora de cogitação. O derramamento

do Espirito Santo no dia de Pentecoste foi um acontecimento único e que se deu uma

vez por todas, como no caso da encarnação do Filho de Deus. (KUIPER, 2013, p.14),

E, seguindo nesta linha de pensamento, Conzelmann afirma que “a função

messiânica de Jesus tem seu efeito pleno depois de sua exaltação, a partir da qual se

apresenta como aquele que foi ungido como Espírito Santo.” (CONZELMANN, 1974,

p. 246).

Ao anúncio da ressurreição segue-se a proclamação do Senhor Glorificado.

Sendo assim, a planificação desse anúncio se dá com a efusão do Espírito, enquanto

obra do senhor assentado á direita do Pai (At. 2,29-36). (CONGAR,1984, p. 58).

As às aparições pascais do Cristo glorioso e a despedida na ascensão

garantem esta fé. O espírito derramado copiosamente sobre a comunidade vai

26

impulsioná-la a tomar decisões importantes e vai prepará-la para a missão além de

suas próprias fronteiras. (LATOURELLE apud. BOFF, 1995, p.136)

Assim, Boff retrata a experiência do Espírito está na base do “ver” e do “ouvir”.

Os efeitos desse mesmo Espírito, ou seja, ninguém pode falar do Espírito se antes não fez a experiência do mesmo. O que os missionários “veem” é que Jesus está vivo, ele ressuscitou e derramou seu Espírito sobre todas as pessoas abertas a esta novidade é ao mesmo tempo espiritual e histórica. E o que os missionários “ouvem” é a palavra da mensagem saída do coração de todas essas pessoas que receberam a força do Espírito e a sabedoria de comunicá-lo aos povos de todas as culturas. Cabe evidenciar que, sobretudo, Lucas que acentua a importância da tangibilidade do encontro com o Espírito através do Ressuscitado, começando pela sua aparição aos apóstolos (Lc 24,39) “Vede minhas mãos e meus pés: sou eu! Apalpai-me e entendei que um espírito não tem carne, nem ossos, como estais vendo que eu tenho!” (BOFF, 1995, p. 136)

Quando Lucas retrata a recepção do Espírito, presume uma experiência

percebida como se deu várias expressões apresentadas por ele em Atos dos

Apóstolos, dentre as quais: o olhar dos apóstolos e a missão em meio aos

samaritanos.

Com relação a todas as manifestações do Espírito, Boff, registra o seguinte:

O aspecto dinâmico do Espírito que não se limita ao “ver” e ao “ouvir” dos apóstolos e dos discípulos, mas a efusão do Espírito constitui o início da nova geração de homens e de mulheres que realizam a profecia de Joel1 em que toda a carne receberá o Espírito, isto é, os filhos e as filhas, os servos e as servas “verão” com seus próprios olhos, o Espírito se derramando sobre eles e sobre elas e “ouvirão” com seus próprios ouvidos que este evento é a experiência profética de todos os homens e de todas as mulheres. Ela se faz presente nas atitudes, nas relações e na prática do dia-a-dia, em que o cotidiano é mostrado de modo que cada instante dele é um acontecimento extraordinário. Neste sentido, o Espírito caracteriza todos os aspectos da vida porque penetra na consciência da pessoa e pervaga as suas dimensões correspondentes. (BOFF, 1995, p. 137)

Outro ponto importante a ser abordado era como se atuava e se decidia com

o Espírito Santo, pois, na teologia lucana não concebe o Espírito separado da

comunidade, mas o coloca como o motor, a energia e a luz que sustentam cada

membro da comunidade de fé. (COMBLIN, 1975, p.140). É na força do Espírito que

se dá o testemunho cristão. (LATOURELLE apud. BOFF, 1995, p.137).

1 Joel 2,28-32.

27

O primeiro testemunho é dado quando a autoridade judaica contesta a prática

missionária nascente comunidade cristã, na pessoa dos acusados João e Pedro e dos

outros apóstolos, pois, para provar a verdade do anúncio que a comunidade proclama

e a torna conhecida de todos, Pedro e os apóstolos citam duas testemunhas: “nós e

o Espírito Santo.”

Eles mostram que a comunidade tem consciência de que o seu testemunho é

o testemunho do Espírito Santo, pois, através deste, a comunidade jamais poderá

deixar de falar daquilo que viu e ouviu.

É uma profissão de fé e de testemunho que mobiliza toda a comunidade para

o anúncio da palavra, cuja origem está na presença do Espírito atuando nela. Lucas

faz uso da expressão “nós e o Espírito Santo” também na redação da carta apostólica

dirigida aos irmãos em Antioquia, na Síria e na Cilícia

“Então, pareceu bem aos apóstolos e aos presbíteros, com toda a

igreja, tendo elegido homens dentre eles, enviá-los, juntamente com Paulo e Barnabé, a Antioquia: foram Judas, chamado Barsabás, e Silas, homens notáveis entre os irmãos,” (At. 15, 22).

Assim, nessa carta oficial, Boff afirma ser a consciência da comunidade que

age com o Espírito Santo é expressa na seguinte fórmula cf. Atos 15,28: “De fato,

pareceu bem ao Espírito Santo e a nós não vos impor a nenhum outro peso além

destas coisas necessárias.” (BOFF, 1995, p.138).

Não é a comunidade, nem quem a preside, que dispõem do Espírito Santo,

mas é o Espírito que guia a comunidade por caminhos novos e impensados, desde

que cada membro se abra à ação do Espírito e conforme suas decisões ás exigências

desse Espírito. É assim que a comunidade de Jerusalém modifica sua interpretação

da lei, na difícil questão dos judaizantes. (At 15). (STÄHLIN,1974, p.352).

Depois de chegar à conclusão na discussão, a igreja toma decisões sobre a

forma de ensinar de Jesus sem obrigar outras formas, resguardando assim o princípio

dos ensinamentos. Ficando estabelecido nesses textos que o espírito e a igreja

constituem os dois elementos do “nós comunitário”. (COMBLIN, 1989, p.56).

E, finalizando este assunto, aplica à comunidade de fé cristã àquilo que santo

Irineu diz da Igreja: “Lá onde está a Igreja, lá está também o Espírito de Deus; e lá

onde está o Espírito de Deus, lá está a Igreja e toda a graça.” (CONGAR,1984, p. 14-

15).

28

Segundo Lucas, esta afirmação significa a profissão pública de fé, na

glorificação de Jesus, que recebeu do Pai o Espírito Santo prometido, e o anúncio de

que Jesus derramou seu Espírito sobre todos, homens e mulheres, sem exceções.

(FABRIS, 1991, p. 170)

Fabris, continua a afirmar que o significado teológico desse acontecimento está

intimamente ligado à exaltação do Cristo ressuscitado; é, portanto, um significado

transcendental que Lucas lhe dá. O Espírito de Pentecostes e a palavra dos Apóstolos

dão início à nova comunidade cristã. Esta se caracteriza pela sua abertura ás

dimensões da humanidade sem distinções de sexo, raça e cultura cf. afirma a obra

Atos dos Apóstolos. (FABRIS, 1985, p. 174).

Dentro da concepção da comunidade aberta ao Espírito e ao mundo a melhor

garantia da universalidade da missão é a iniciativa gratuita e livre do Espírito em favor

de todos os povos, pois só Espírito promove, na liberdade, novas relações e cria novos

espaços alternativos de comunicações. (FABRIS, 1985, p. 369)

É importante ressaltar também que a dimensão universal análoga ao texto

bíblico: “E acontecerá nos últimos dias, diz o Senhor, que derramarei do meu Espírito

sobre toda a carne; vossos filhos e vossas filhas profetizarão, vossos jovens terão

visões, e sonharão vossos velhos.” (At 2,17). Subentendida no discurso de Pedro no

Pórtico de Salomão, no qual lembra ao povo de Jerusalém a sua origem e a sua

descendência. Portanto, a Relação existente entre a exaltação de Jesus e a doação

do Espírito dá a consciência de vislumbrar a “face” do Deus-Amor, que se dá

inteiramente ao comunicar seu Espírito de vida. E, sendo assim, a exaltação de Jesus

era o passo necessário para a nova vida no Espírito, e a entrega pelo resgate de todos

foi o modo com o qual Deus se inseriu na nossa história humana fazendo o nosso

mesmo caminho.

Lucas afirma que o Espírito Santo é essencialmente o princípio dinâmico da

comunidade. Faz esta afirmação em vista da missão e da profecia que a comunidade

deve exercer. Deste modo, é assegurada a expansão do anúncio pelo testemunho e

pela prática missionária da comunidade de fé, e é legitimada a profecia exercida pela

palavra do Espírito.

Não se dispõem de muitos elementos para falar sobre a expansão da

comunidade primitiva, mas segundo o texto de Atos, “A igreja, na verdade, tinha paz

por toda a Judéia, Galileia e Samaria, edificando-se e caminhando no temor do

Senhor, e, no conforto do Espírito Santo, crescia em número. (At 9,31), o que mostra

29

um resumo do êxito da missão de Jerusalém. Lucas emprega a palavra “igreja” ao

mencionar as comunidades das três províncias da palestina: a Judéia, a Galileia e a

Samaria.

Boff, a respeito da relevância do Espírito Santo na missão em Atos dos

Apóstolos chega à seguinte conclusão:

O verdadeiro protagonista da pregação apostólica é o Espírito Santo. O Testemunho de fé professado por todos os que acreditaram na paixão e morte-ressurreição do Senhor Jesus fundam suas raízes no Espírito que foi doado por Jesus, morto e glorificado. [...] Este é o evento decisivo da obra salvífica de Deus. O Espírito funda a missão, prolonga a ação de Jesus na história e estende a salvação até os confins da terra. A obra do Espírito na história é progressiva, e as pessoas que a levam a bom termo são homens e mulheres chamados e enviados por ele. O Espírito não está ligado a lugares ou a pessoas, mas não as transtorna e nem as ignora na sua responsabilidade humana de anunciar o evento do Cristo Ressuscitado, independente de raça, cor ou sexo. [...] A partir dessa relação do Espírito como pessoa com cada missionário e com cada comunidade que abordamos neste segmento, a experiência do Espírito certamente está relacionada ao ver e ao ouvir a plenitude da presença de Deus através do Ressuscitado que doa o Espírito. [...] A objetividade dessas experiências sensíveis do Espírito descritas por Lucas, assim como a ênfase que ele dá á dimensão corporal de Jesus nos relatos da ressurreição, nos forçam a pensar que estes fatores se devem simplesmente a uma expressão característica da própria concepção que Lucas tinha sobre a experiência espiritual. (BOFF, 1995, p. 116-118)

Boff afirma não se querer intervir nos comentários críticos dos exegetas e

teólogos com respeito à diversidade das manifestações do Espírito que se dá no Livro

dos Atos, porem a atenção devida é voltada para visão que Lucas afirma sobre a

missão do Espírito, cuja atuação determina e regula a expansão do anúncio pois, os

apóstolos, por ocasião do primeiro concílio realizado em Jerusalém sentem-se unidos

com o Espírito Santo e se pronunciam formando como que uma só pessoa com ele.

(BOFF, 1995, p. 115)

A parte descritiva da carta desse chamado Primeiro Concílio é introduzida por

uma fórmula solene. “De fato pareceu bem ao Espírito Santo e a nós não vos impor

nenhum outro peso além destas coisas necessárias... Passai Bem”. (At. 15,28-29)

Segundo Fabris, os Atos dos Apóstolos também afirmam que: O

reconhecimento do Papel decisivo do Espírito Santo na comunidade primitiva

corresponde a concepção lucana na qual ele não separa o testemunho do Espírito do

30

testemunho dos apóstolos, mas o primeiro sustenta e ilumina o segundo. (FABRIS,

1991, p. 293-294)

Fabris também corrobora em “Ora, nós somos testemunhas destes fatos, e

bem assim o Espírito Santo, que Deus outorgou aos que lhe obedecem.” (At. 5,32).

Neste contexto, revela-se a ação do Espírito que guia o novo povo de Deus e

fundamenta a sua identidade. (FABRIS, 1991, p. 63)

A descrição lucana é clara ao afirmar a unidade das primeiras comunidades

em torno da Palavra de Deus e da eucaristia. A oração aparece como alimento com

que cada membro se nutre e solidifica a comunhão em todos os níveis, quer material,

quer espiritual. A comunhão fraterna “sororerna” e a unidade de vida são derramadas

na comunidade pelo Espírito de Jesus. Nesta perspectiva, queremos pontuar quatro

elementos de maior significação para o objetivo central da pesquisa de esclarecer

alguns pontos da missão em Atos dos Apóstolos fazendo um contraponto com entre

o teológico e o social.

a) Em primeiro lugar, a teologia lucana associa estreitamente Espírito-

Missão-Comunidade. A comunidade não é apenas uma questão

eclesiológica, mas igualmente cristológica e soteriológica;

b) Em segundo lugar, Lucas não concebe a comunidade sem atividade

missionária, que consiste em testemunhar o cristo Glorificado através da

palavra, do gesto e da prática, assimilados da vida e dos ensinamentos de

Jesus;

c) Em terceiro lugar, cada membro que constitui a comunidade do Espírito

guarda fidelidade a Jesus e à continuidade da tradição iniciada por ele

mesmo, apesar dos conflitos e das diferenças nem sempre trabalhados

com visitas à missão;

d) E, em quarto lugar, a missão lucana se radica na unidade da fé no Cristo

Ressuscitado como Senhor de todos os povos, elemento teológico que dá

à missão de Lucas a universalidade da fé cristã. Como vimos este é o

processo não se dá de forma harmoniosa, mas de maneira dinâmica, que

a torna por vezes bastante complexa e contraditória.

Desta forma, Lucas assume a concepção tipicamente judaica, que reconhece

o Espírito como Espírito de profecia. Para ele, a comunidade do Espírito é uma

comunidade profética, ou seja, o legado profético que o Jesus pré-pascal deixou à

comunidade dos seus é completado mediante as primeiras testemunhas da

31

ressurreição, que foram as mulheres e os apóstolos. Essa comunidade Cristo-

centrada vive o dinamismo do espírito e é extremamente ativa. Contudo, sendo uma

realidade por vezes tendenciosa, seus membros nem sempre conseguem entender a

complexidade dela. Ou seja, nem sempre conseguem viver a fé sem conflitos e

tensões.

O livro dos Atos nos fala de uma comunidade muito próxima a nós hoje. Não

esconde a diversidade de seus membros no modo de escutar e de acolher o Espírito,

nem esconde a complexidade humana e social com que estes se defrontam ao aplicar

na vida prática os ensinamentos de todo o evento-Jesus.

Os elementos teológicos deste segmento estão intimamente conectados o

Espírito que dá sua identidade aos membros e ao projeto da comunidade. Daí o

cuidado que a comunidade tem de guardar fidelidade á tradição deixada por Jesus

enquanto comunidade gerada pelo Espírito de Jesus.

A identidade e a fidelidade são os dois elementos responsáveis pela unidade

interna e externa da comunidade, que deve testemunhar ao mundo a união do pai

com o Filho pelo Espírito Santo.

Essa unidade é tão querida, mas tão difícil de ser vivida, que foi a última coisa

que Jesus pediu ao Pai para os seus seguidores. A oração feita por Jesus com esta

intenção encontra-se no evangelho de (Jo 17, 21-23), “Como tu, Pai estás em mim e

eu em ti, que eles estejam em nós. Para que sejam um, como nós somos um. Eu neles

e tu em mim para que sejam perfeitos na Unidade. ”

Com a tentativa de extrair da nossa reflexão teológica o elemento mais

relevante da missão em Atos do Apóstolos, a saber o Espírito Santo, fica mais claro

algumas linhas sobre a doutrina do Espírito Santo a partir da obra lucana.

A comunidade está vivendo um dos momentos mais críticos. Trata-se de

identificar o primeiro líder da igreja que irá surgir após o Pentecoste, a saber o

Apóstolo Pedro com o seu discurso.

2.2 O PROTAGONISMO DE PEDRO COM O SEU DISCURSO NO CUMPRIMENTO

NA MISSÃO EM ATOS DOS APÓSTOLOS.

O discurso de Pedro feito neste dia dá duas explicações importantes para a

comunidade reunida em Jerusalém e para as multidões que o ouvem, ou seja, aquilo

que todos “veem” e “ouvem” é a realização da promessa do Espírito Santo, doado

pelo Cristo Ressuscitado. E, desta forma, Jesus é o “ungido” de Deus, que recebe o

32

Espírito prometido e o derrama. É o que a comunidade e as multidões estão vendo e

ouvindo. (DUPONT,1974, 64 e 65).

Segundo Greenway, em Atos 10, o Espírito Santo ensina a Pedro e a igreja

que eles deveriam superar seus preconceitos, colocar fim às separações e acolher os

gentios na comunidade de fiéis. O “Pentecostes gentio”, descrito em Atos 10,

“Ainda Pedro falava estas coisas quando caiu o Espírito Santo sobre todos os que ouviam a palavra. 45 E os fiéis que eram da circuncisão, que vieram com Pedro, admiraram-se, porque também sobre os gentios foi derramado o dom do Espírito Santo; 46 pois os ouviam falando em línguas e engrandecendo a Deus. Então, perguntou

Pedro.” (At. 10,44-46)

Para Fabris o primeiro discurso missionário de Pedro constitui a introdução

teológica a todo o livro, afirma Rinaldo Fabris em sua obra Atos dos Apóstolos.

(FABRIS, 1984, p. 66-67).

Em seu discurso, Pedro considera três dados diretamente referidos ao Espírito

Santo, como protagonista da missão e como garantia do testemunho dos apóstolos

que pregara o Cristo ressuscitado a todos os povos como veremos a seguir em

primeiro lugar a efusão do Espírito, pois é na efusão do Espírito, que Pedro toma a

citação de (Jl 3, 1-5) como sinal dos tempos messiânico. Neste discurso, apresentado

em (At. 2,17-21); Pedro confirma o que foi dito profeta (Jl 3,1-5)

Fabris afirma que a Pedro interessa o fato da efusão do Espírito, a qual se

estende a todos os membros do povo de Deus sem discriminações (FABRIS, 1984,

p.68) cf. (At 2,17-18):

“E acontecerá nos últimos dias, diz o Senhor, que derramarei do meu Espírito sobre toda a carne; vossos filhos e vossas filhas profetizarão, vossos jovens terão visões, e sonharão vossos velhos; 18 até sobre os meus servos e sobre as minhas servas derramarei do meu Espírito naqueles dias, e profetizarão”.

Boff também afirma em sua obra que segundo a concepção do autor dos Atos,

Pedro argumenta que a ressurreição de Jesus entra no projeto histórico do Pai, projeto

que, segundo a Escritura, anuncia a ressurreição do Messias. Ora, uma promessa da

escritura deve tornar-se realidade histórica. Portanto, a Ressurreição de Jesus

tornada realidade corresponde à promessa profética de Deus. (DUPONT, 1974, p.

61).

“Varões israelitas, atendei a estas palavras: Jesus, o Nazareno, varão aprovado por Deus diante de vós com milagres, prodígios e sinais, os quais o próprio Deus realizou por intermédio dele entre vós, como vós mesmos sabeis; 23 sendo este entregue pelo determinado desígnio e

33

presciência de Deus, vós o matastes, crucificando-o por mãos de iníquos.” (At. 2,22-23).

Boff continua a afirmar que nesta primeira pregação de Pedro, Lucas

ultrapassa os símbolos clássicos das teofanias ao descrever a experiência do Espírito

e coloca o acento na reação das testemunhas de todas as nações. A universalidade

na qual se insere o testemunho do Cristo ressuscitado tem como sua fonte de origem

o Espírito que cria a nova humanidade. (BOFF, 1995, p. 109).

A concepção teológica lucana sobre a força unificante do espírito que mobiliza

os diferentes povos elencados no discurso de Pedro é feita a partir do horizonte

universal destes. Dentre os elementos que caracterizam a unificação dos diferentes

grupos humanos, o autor dos Atos destaca a língua, expressão da identidade cultural

típica de um povo. (FABRIS, 1991, p. 63).

Neste caso a ação transformadora do Espírito torna-se externamente uma nova

capacidade de comunicação e uma experiência profética que se identifica com o

anúncio inspirado não só de Pedro, mas de todos os missionários que vêm depois

dele. Ainda no discurso de Pedro neste mandato missional, será observado a

exaltação de Jesus, o doador desse Espírito. Desta forma, Pedro oferece a síntese

mais rica da interpretação cristã primitiva da ressurreição como exaltação e

glorificação de Jesus constituído Senhor (Kyrios). (FABRIS, 1991, p. 101-102)

Neste sentido, a citação extraída do discurso de Pedro é clara (At. 2,33)

“Portanto, exaltado pela direita de Deus, ele recebeu do Pai o Espírito Santo prometido

e o derramou, e é isto o que vedes e ouvis”. Podemos observar também que Lucas

considera como resumo do grande discurso programático de Pedro, três elementos

necessários para uma vida nova com a efusão do Espírito: o Arrependimento, o

batismo de Deus e o Perdão dos pecados.

Boff vai afirmar em sua obra que nesses três elementos o discurso de Pedro é

uma excelente lição, pois não se pode compreender a experiência do Espírito sem

colocá-la em estreita relação com a mudança integral de vida, a conversão. O espírito

do qual o pregador fala nesse discurso é de ordem da salvação e atua dentro dela

assumindo todos os passos da vida, da história e do contexto de cada pessoa e

comunidade. (BOFF, 1995, p. 112)

Boff continua dizendo que as palavras de Pedro acentuam sim a centralidade

do Espírito posta em relação com Jesus de Nazaré Glorificado, mas sem ofuscar a

atuação de Deus, que aprova este Jesus exaltando e o constituindo Senhor e Messias

34

exaltado por Deus, Jesus recebe o Espírito e o derrama com efusão (BOFF, 1995, p.

113) cf. (At 2,33): “Exaltado, pois, à destra de Deus, tendo recebido do Pai a promessa

do Espírito Santo, derramou isto que vedes e ouvis”.

E, assim, se pode observar Pedro sair de cena para dar lugar a figura

predominante de Paulo na missão em Atos dos Apóstolos. Porém, Pedro é o primeiro

a fazer o discurso referente a ação do Espírito Santo no nascimento da missão em

Atos dos Apóstolos. A comunidade de Jerusalém permanece para Lucas o lugar onde

os apóstolos moram.

Essa comunidade exerce o serviço de presidir, assegurando a unidade das

demais comunidades que se formam em outros lugares, como se dá com a

evangelização da Samaria, sendo ainda à comunidade de Jerusalém que Pedro

presta contas da iniciativa assumida em Cesaréia de haver se sentado à mesa com

os incircuncisos; é dessa comunidade que Antioquia aguarda uma decisão a fim de

resolver o conflito criado pelos judaizantes vindos de Jerusalém.

Os protagonistas da missão Lucas priorizam a iniciativa divina, mas realçam

também os protagonistas da missão. Na primeira parte dos Atos dos Apóstolos, Lucas

dá grande destaque a Pedro e na segunda parte dá destaque à Paulo. Pedro atua no

ambiente judaico de Jerusalém e da Judéia e presença de João ao seu lado confirma

e reconhece a sua autoridade de representante dos Doze. Trata-se de uma

responsabilidade eclesial que deve ser exercida em sintonia com a comunidade em

que residem os outros apóstolos.

O grupo dos “Sete” também possui seus representantes na figura de Estêvão

e de Filipe. Depois da morte de Estêvão, Filipe evangeliza a Samaria, a costa ao longo

do Mediterrâneo até se estabelecer em Cesaréia, onde anima uma comunidade

contando com a ajuda de suas 4 filhas “profetisas”.

É claro que Filipe não tem a envergadura nem de Pedro, nem de Paulo, mas

Lucas não quer deixar cair no esquecimento este missionário de segundo plano, e lhe

atribui o título de “evangelista”. Cristãos Helenistas e que atuam de forma anônima,

percorrem as cidades da Fenícia e anunciam o Evangelho aos pagãos de Antioquia.

Também esta experiência missionária iniciada casualmente recebe o reconhecimento

da igreja de Jerusalém mediante o envio de Barnabé como delegado oficial.

Segundo esta trajetória a afirmação de Pedro no seu discurso em Cesaréia

ocupa realmente um lugar central: “Na verdade estou me dando conta de que Deus

não é parcial, mas em toda nação, quem o teme e pratica a justiça lhe é aceito”. Na

35

base de tudo está o Ressuscitado, o Senhor de todos; é ele que provoca a superação

das barreiras nacionais judaicas. É a fé nele que dá novo alento à missão que tem

sua referência principal na missão histórica de Jesus de Nazaré.

Tais atitudes, peculiares ás primeiras comunidades cristãs, são assim

resumidas por Lucas: os membros eram perseverantes no ensinamento dos

apóstolos, na partilha do pão, na oração e na comunhão fraterna. E assim abordamos

como se deu a importância dos missionários enviados e das mulheres na missão em

Atos dos Apóstolos.

2.3 A IMPORTÂNCIA DOS MISSIONÁRIOS E DAS MULHERES NA MISSÃO EM

ATOS DOS APÓSTOLOS

De acordo com o que vimos até aqui sobre a relevância do Espírito Santo nos

Atos dos Apóstolos, não podemos deixar de observar esta relevância missionária do

Espírito Santo na vida dos discípulos.

Greenway apresenta cinco argumentos para corroborar essa relevância.

Nos dois primeiros argumentos, Greenway, afirma que o Espírito Santo

desperta um interesse em missões nos corações dos discípulos. Pois o zelo

missionário, em seu nível mais profundo, é um santo ciúme pela honra e glória de

Jesus Cristo. Plantando nas mentes nas mentes dos discípulos uma compaixão pelas

pessoas que estão perecendo. (GREEMWAY, 2001, p.66).

Nos três argumentos restantes, Greenway, continua a afirmar que o Espirito

Santo constrói a fé na promessa de Deus de que a pregação do evangelho não será

em vão criando nos discípulos um desejo de obedecer ao mandamento missionário

de Cristo quebrando os nossos preconceitos sociais e raciais e nos tornando pessoas

amorosas aos que são diferentes, os quais são acolhidos no reino de Cristo.

(GREENWAY, 2001, p.67).

É importante ressaltar que é desejo de todas as pessoas exaltar o único e

verdadeiro Deus na atividade missionária a que a cristandade foi chamada por meio

da ação do Espírito Santo.

Deus ama os pecadores e para alcança-los usa os seus fiéis através de meios

de proclamar o evangelho às pessoas de todos os confins da terra através das

missões em busca de um reavivamento da Igreja. Sem esta ação do Espírito anunciar

a Boa Nova seria impossível, pois a promessa de Deus é que a sua palavra através

dos seus discípulos nunca voltaria vazia. “Assim será a palavra que sair da minha

36

boca: não voltará para mim vazia, mas fará o que me apraz e prosperará naquilo para

que a designei”. (Isaias 55.11).

Portanto, a obediência gerada pelo Espirito pode levar homens e mulheres a

arriscar suas vidas sofrendo sendo perseguidos por ataques preconceituosos de

origem racial e social existente entre os primeiros fiéis, desta forma, é observado que

na ação missionária dos homens e mulheres escolhidos para esta obra o elo entre os

cristãos com o seu coração direcionado as missões é realizado através de uma

experiência ímpar, pois seja qual fosse o lugar onde eles se encontravam, a sua

comunhão lhes fazia entender e sentir que eram uma “família” entendendo que o

espírito missionário os unia em torno de interesses comuns abrindo-lhes passagem

onde ninguém podia imaginar, ou seja, o Espírito Santo propicia o intelecto dos

descrentes para almejarem Cristo em suas vidas deixando de duvidar da fé em Cristo

Jesus sendo persuadido sobre o pecado entendendo que é necessário ser salvo em

Cristo Jesus.

E, em função disso é importante entender o que significa, de fato, o trabalho

missionário dos discípulos realizado através do Espírito Santo, pois entendemos que

só Ele é capaz de convencer o homem do pecado fazendo entender que precisam

confessar Jesus Cristo como seu único Salvador oferecendo a esse homem uma nova

vida através da fé em Cristo. Sempre houve resistência e frustações nas ações dos

missionários, porém nunca foram em vão.

Nas atividades missionárias, o evangelista evidencia as instruções dadas aos

apóstolos, a ordem de não se afastarem de Jerusalém e a recomendação de que

aguardem o cumprimento da promessa do Pai, a de serem batizados com o Espírito

Santo. (COMBLIN,1989 ,p.83).

Em seguida Lucas se refere aos componentes deste núcleo originário: os

apóstolos, as mulheres, Maria, a mãe de Jesus e os “irmãos” de Jesus.

(KÜRZINGER,1984, p. 38)

Para Boff, a fé no Senhor Ressuscitado e a adesão ao seu projeto de vida são

o princípio que cria esta comunidade de fé constituída por mulheres e por homens.

A comunhão que une os membros não é simplesmente uma realidade querida por eles, mas é, antes de tudo, obra do Espírito atuante em cada membro, que, ao comunicar o evento da ressurreição, determina profundamente o perfil da pessoa que anuncia e daquela que escuta e acolhe o anúncio. (BOFF, 1995, p. 118-119).

37

No trabalho iniciado pelas primeiras comunidades cristãs, a participação, a

escuta atenta da palavra, o ensino e o testemunho de fé no Senhor Ressuscitado

formam o trabalho missionário das Mulheres em Atos dos apóstolos, pois a narrativa

de Atos dos apóstolos nos apresenta cada uma das características dos traços da

contribuição das mulheres nas atividades que dizem respeito a obra do Senhor Jesus.

Sendo assim, Boff afirma que em muitas comunidades descritas por Lucas no Livro

dos Atos vemos a participação das Mulheres como podemos ver:

No trabalho missionário, e muitas delas se destacam pelo testemunho de fé e pela incansável dedicação nas atividades missionárias das comunidades cristãs. A participação dessas Mulheres funda suas raízes na experiência de fé que elas fizeram ao se encontrarem com o Jesus da ressurreição na manhã da páscoa, como foi visto quando tratamos da missão referente ás Mulheres no Evangelho de Lucas. (BOFF, 1995, p. 119)

Estas participam realizando a prática da Palavra que ouvem, na liberdade;

rompendo com a velha prática da submissão e da desigualdade; e se antecipando ao

movimento do Reino de Deus inaugurado por Jesus durante sua vida terrena, com

seu anúncio na manhã da páscoa. Observamos que esta participação das Mulheres

da comunidade primitiva se dá de três modos:

Primeiro através da escuta e do acolhimento da mensagem da palavra da vida (do Jesus “vivente”); segundo, através do ensinamento daquilo que as escrituras dizem a respeito de Jesus e sua obra. E, terceiro, através da função do dom da profecia entendida como serviço a comunidade da fé. (BOFF, 1995, p.120).

Em particular cada um desses modos de participação na ótica feminista,

significa colocar em destaque também a “ausência” da mulher e as “interrupções” que

o autor do Livro dos Atos deixa transparecer na sua elaboração teológica. Sendo

assim, as mulheres apenas referidas pelo autor do livro dos Atos mostram profunda

capacidade de escutar atentamente a mensagem que é proclamada e grande abertura

em acolher a Boa Nova do Jesus “vivente”, como quem acolhe em sua casa um

hóspede muito esperado e muito querido. No Livro dos Atos, algumas mulheres

destacam-se, considerando sua participação através da escuta e da acolhida da

mensagem que as leva a tomar uma decisão.

Fabris, afirma que dentro deste quadro, pode-se falar das mulheres da Samaria

que, junto com os homens, pedem o batismo após terem ouvido a pregação de Filipe

nesta tumultuada missão. (FABRIS, 1991, p. 159)

38

Em um lugar governado pelo exercício da magia, deve-se respeitar a

possibilidade das mulheres de entender sobre os fatos do cenário, valorizando a

possibilidade confrontando-a com a declaração de salvação realizada por Filipe. No

entanto, deve-se dar importância de igual forma, outrossim, o sucesso desta missão,

que apresenta a também o sucesso dessa missão, que mostra o crescimento da

comunidade de fé tal qual o propósito inicial de Cristo, propósito que insere homens e

mulheres. “E sereis minhas testemunhas até os confins da terra.” (At 1.8).

Conforme Boff nos afirma, pode-se dizer que, desde os primeiros momentos

em que o anúncio do Reino de Deus e do nome de Jesus Cristo se expandem além

das fronteiras de Jerusalém, as Mulheres marcam presença ativa e tem participação

consciente no processo da universalidade da missão em diferentes níveis da

sociedade da época. (DUPONT,1974, p.245).

Neste contexto da expansão missionária da comunidade de fé, destaca-se no

mundo Greco-macedónio, a conversão de Lídia. (BOFF, 1995, p.121).

Uma personagem importante no âmbito das missionárias mulheres é Lídia,

Lídia integra o grupo de Mulheres da colônia romana de Filipos e através da sua

atividade sabe-se que o espírito de Deus já atuava nela. No seu encontro com Paulo

e colaboradores, Lídia abre-se a escuta ampla e generosa da palavra que anunciam

e acolhe sem restrições a dinâmica do Espírito que atua dentro dela e faz tomar várias

iniciativas. A negociante de púrpura escutou a palavra e se deixou tocar no coração e

na prática pelo Espírito que a ela se revelava naquele momento: “Certa mulher,

chamada Lídia, da cidade de Tiatira, vendedora de púrpura, temente a Deus, nos

escutava; o Senhor lhe abriu o coração para atender às coisas que Paulo dizia.” (At

16,14).

Ela se converte quando Paulo e seu grupo de colaboradores visitam as

comunidades cristãs de fundação recente na Ásia menor. Cabe ressaltar também, a

conversa informal de Paulo e seus companheiros de missão com este grupo de

Mulheres. É uma conversa que se conclui com a conversão de Lídia. Este fato dá uma

nova característica ao modo de evangelizar, rompendo com o clássico discurso

missionário e a solene pregação dirigida a grandes assembleias ou multidões de

pessoas. Não menos importante é a adesão à fé das Mulheres de condição, que

figuram entre as conversões havidas em Tessalônica e na Beréia cuja participação na

comunidade de fé exaspera os judeus. Elas religiosa judaica. Sem o apoio dessas

39

mulheres, os judeus sinedritas corriam os riscos de perder força e autoridade junto à

Sinagoga.

De acordo com o texto acima, Boff nos informa que:

Em Atenas, Paulo se dirige á intelligentsia da cidade com o clássico discurso de anúncio que Lucas lhe atribui. Em um ambiente hostil, criado pela alta intelectualidade pagã, polarizada pelo grupo dos epicureus e dos estólicos, o autor dos Atos cita o nome da mulher Dâmaris, um dos membros do ínfimo grupo que adere á proposta de salvação anunciada por Paulo. (BOFF, 1995, p.122)

Damaris deixa de lado a sabedoria pagã da autossuficiência para escutar a

pregação de Paulo e acolher a proposta do plano salvifico de Deus, que a ilumina para

uma opção de fé consciente. Não se intimidade diante das ideologias da cultura grega,

ideologias da cultura grega, ideologias que se abalam com o anúncio da ressurreição.

Essa mulher acolhe o novo e o diferente com coragem e liberdade de consciência.

Neste contexto, veremos o papel de Priscila, uma mulher missionaria no que

se refere ao ensino. Ou seja, a participação da mulher no ministério da didáskalos é

referida explicitamente nos Atos uma única vez. É o caso de Priscila na comunidade

cristã de Éfeso. (At. 18,26) “Ele, pois, começou a falar ousadamente na sinagoga.

Ouvindo-o, porém, Priscila e Áquila, tomaram-no consigo e, com mais exatidão, lhe

expuseram o caminho de Deus”.

Boff destaca o papel muito importante Priscila e Áquila no trabalho missionário

da comunidade a que eles pertencem, segundo Boff:

A inciativa de Priscila no trabalho missionário dessa comunidade, não consegue ser silenciada pelo estilo redacional usado por Lucas ao narrar o episódio de Apolo. Junto com seu marido aquilo, Priscila exerce uma função importante reservada ás pessoas que ensinam, que instruem. Ou seja, ela possui uma formação teológica que a torna capaz de integrar a tradição cristã, as pessoas necessitadas de conhecer a mensagem por meio da ciência sagrada, e completar com o ensinamento, a fé e a própria missão na comunidade e no mundo. Priscila e Áquila assumem este serviço e tornam sob sua responsabilidade a formação de Apolo, que precisa de um conhecimento maior da fé cristã. Só assim terá condições de pregar com exatidão o que diz respeito a vida, á obra e ao mistério de Jesus. Sendo assim, ao considerar o ministério da didáskalos, Lucas estabelece uma relação desse serviço com o exercício do dom da profecia atribuído ás mulheres. Mas aqui também silencia o seu ministério (BOFF, 1995, p. 123).

É importante ressaltar a narrativa de Paulo referente a viagem de volta para

Jerusalém, onde Paulo passando por Cesaréia como hóspede da casa de Filipe,

missionário da Samaria, e encontrando-se num ambiente caracterizado por um clima

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carismático, Lucas transmite a Paulo a notícia de que Filipe tinha quatro filhas virgens

que profetizavam, sem nada mais dizer a respeito.

Neste caso, a função de profetizar exercida por mulheres era um ministério

importante na comunidade primitiva, que guarda íntima relação com o ministério da

didáskalos. Esta é a função de quem instrui na ciência sagrada é abrir a mente da

mulher e do homem e iluminar os fatos concretos da história com a fé. A função de

quem profetiza é deixar que o Espírito de Deus fale pela boca da profetisa ou do

profeta, das coisas antigas que Deus quer lembrar à comunidade, no que diz respeito

ao seu plano salvifíco.

Lucas não discorre a ação que essas mulheres sentiram diante dos

acontecimentos sucedidos pela resposta de fé dada mediante as situações que

exigiram delas, ou seja, mulheres com personalidade firme e determinada.

Boff, de acordo com o texto acima afirma que:

A ação do Espírito pode nos parecer até “ignota” ou invisível dentro do contexto descritivo feito por Lucas, onde enfatiza a sua tangibilidade. Mas é próprio da missão do Espírito permanecer invisível para exaltar a personalidade humana. Com isto se afirma a pessoa como manifestação daquele Espírito doado por Jesus Cristo. As primeiras testemunhas de Jesus na manhã da páscoa são as Mulheres, que acreditaram no Senhor Ressuscitado como o “vivente” de Deus. Pela sua fé são acreditadas por muitos, e pela sua participação na vida e no mistério pascal de Jesus são colocadas na medida das “grandes obras de Deus”, nas quais elas mesmas se tornam testemunhas insubstituíveis. (BOFF, 1995, p. 124-125)

Sênior, porém, aborda este assunto através do ponto e vista em que a função

das Mulheres que testemunham a ressurreição do Senhor é colocada em evidência

no Livro dos Atos, quando estas enfrentam perseguição e cativeiro junto com os

homens por aderirem à pregação do ministério de Jesus, que é o ministério do Cristo

morto e glorificado. (SENIOR, 2010. p. 379)

Contudo, o testemunho de fé dessas mulheres adota uma expressão ainda

mais notória quando, juntamente com os homens, encaram o plano de sofre o risco

de arcar com a própria liberdade por se apresentarem fiéis ao encontro do Senhor

Jesus, fator importante atentado por Paulo em sua mensagem de defesa pessoal a

frente dos judeus de Jerusalém. E, tão somente, por ensinar as pessoas a irem de

encontro consoante ao chamado e o envio do Espírito Santo.

Boff, portanto, afirma ser:

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O testemunho do Senhor Ressuscitado dado pelas mulheres nasce dessas atitudes e dessas ações suscitadas pelo Espírito como por exemplo: da escuta atenta da palavra na história; do acolhimento generoso do Espírito, que pronuncia esta palavra por meio de mediações humanas; da transmissão do conhecimento que gera a sabedoria do coração e a fé; do exercício do dom da profecia como serviço; da penetração do mistério de Jesus morto e ressuscitado; da prática missionária como confissão de fé. (BOFF, 1995, p. 125)

Portanto, ao concluir este argumento, Boff, aborda três afirmações sobre a

atuação das mulheres à frente da comunidade que se encontra em expansão pelo

mundo todo.

Em primeiro lugar, a pequena comunidade que aguarda na concórdia e em oração o Espírito Santo representa o novo povo de Deus, sem discriminações e privilégios, u seja, mulheres e homens participam desse Povo; em segundo lugar, a participação das Mulheres no anúncio da ressurreição significa que elas estão associadas ao projeto do Reino de Deus inaugurado por Jesus durante sua vida terrena, levado a termo na sua morte-ressurreição; e continuado pelo seu Espírito que se derrama sobre cada membro da comunidade originária sem nenhuma exceção. E, em terceiro lugar, a igreja é o evento que une mulheres e homens em torno do anúncio do Senhor vivo, o qual realiza a comunhão humana e divina, na fé, e envia em missão cada membro da comunidade cristã, fundada no Espírito. (BOFF, 1995, p. 126).

Em função destas três afirmativas acima, observamos que a missão do Espírito

não invalida nenhuma outra missão, nem a dos seguidores, nem a de Cristo e muito

menos a do Pai. Sendo assim, olhando por esse lado, podemos observar que Boff

entende que no âmbito desta concepção é necessário que:

Reconheçamos o Espírito como pessoa de comunhão seja reconhecido como o Espírito de comunhão na prática das Mulheres que se reúnem com os apóstolos em comunidade para receberem a força do Alto prometido pelo Ressuscitado. [...] Resumindo, podemos dizer que o Espírito como Pessoa de comunhão, de escuta e de profecia, no nível dos conteúdos teológicos, se manifesta através destas formas: na união das pessoas com Deus e entre si; na força que estas pessoas têm de se tornarem sujeitos da própria história integrada na história salvífica e na consciência de serem criadoras de uma nova cultura, de novas relações, novos espaços do exercício dos diferentes ministérios, sobretudo no que se refere ao ensinamento e ao exercício da profecia na comunidade originada do Espírito. (BOFF, 1995, p.126-127)

Neste capítulo foram abardadas as missões em Atos dos Apóstolos onde teve

início o grande evento histórico chamado Pentecostes onde é observado a grande

42

relevância da descida do Espírito Santo na terra onde pode-se entender que este

evento marca de forma convincente o início do místico na humanidade trazendo um

diálogo inter-religioso transcendendo todas religiões.

É ressaltado neste capítulo a importância do protagonismo de Pedro e o seu

discurso no cumprimento da missão dos Atos dos Apóstolos, Pedro hoje considerado

o primeiro grande líder da Igreja teve o seu papel preponderante nesta história.

Não menos importante, os missionários juntamente com as mulheres tiveram

o seu papel na expansão do evangelho na sociedade da época enfrentando todo tipo

de embate com os defensores das outras religiões,

Esses personagens antecederam o Apóstolo Paulo que teve um papel de

extrema importância como o grande missionário no início da Igreja no primeiro século

d.C.

43

3 PAULO E SUA SOCIEDADE

Paulo de Tarso, o apóstolo Paulo, sem dúvida é um dos personagens bíblicos

mais conhecidos por todos os cristãos. Ele considerado como sendo o maior líder do

cristianismo. Neste texto, nós conheceremos mais sobre a história de Paulo, autor de

treze epístolas presentes na Bíblia.

Paulo, nome romano de Saulo, nasceu em Tarso na Cilícia,

“Paulo, porém, lhes replicou: Sem ter havido processo formal contra nós, nos açoitaram publicamente e nos recolheram ao cárcere, sendo nós cidadãos romanos; querem agora, às ocultas, lançar-nos fora? Não será assim; pelo contrário, venham eles e, pessoalmente, nos ponham em liberdade, (At 21,39) “Respondeu-lhe Paulo: Eu sou judeu, natural de Tarso, cidade não insignificante da Cilícia; e rogo-te que me permitas falar ao povo”. e (At 22,25) “Quando o estavam amarrando com correias, disse Paulo ao centurião presente: Ser-vos-á, porventura, lícito açoitar um cidadão romano, sem estar condenado?” (At 16, 37).

Tarso não era um lugar insignificante. “Respondeu-lhe Paulo: Eu sou judeu,

natural de Tarso, cidade não insignificante da Cilícia; e rogo-te que me permitas falar

ao povo”. (At 21, 39). Ao contrário, era um centro de cultura grega. Tarso era uma

cidade universitária que ficava próxima da costa nordeste do Mar Mediterrâneo.

Embora tenha nascido um cidadão romano, Paulo era um judeu da Dispersão, um

israelita circuncidado da tribo de Benjamin, e membro zeloso do partido dos Fariseus:

“Pergunto, pois: terá Deus, porventura, rejeitado o seu povo? De modo nenhum!

Porque eu também sou israelita da descendência de Abraão, da tribo de Benjamim”.

(Rm 11.1).

A infância e adolescência de Paulo tem sido tema de grande debate entre os

estudiosos. Alguns defendem que Paulo passou toda sua infância em Tarso, indo

apenas durante sua adolescência para Jerusalém. Outros defendem que Paulo foi

para Jerusalém ainda bem pequeno. Nesse caso, ele teria passado sua infância longe

de Tarso. Na verdade, desde seu nascimento até seu aparecimento em Jerusalém

como perseguidor dos cristãos, conforme os relatos do livro de Atos dos Apóstolos há

pouca informação sobre a vida de Paulo.

Embora não se saiba ao certo com quantos anos Paulo saiu de Tarso, sabe-se

com certeza que ele foi educado em Jerusalém, sob o ensino do renomado doutor da

lei, Gamaliel, neto de Hillel.

44

Paulo conhecia profundamente a cultura grega. Ele também falava o aramaico,

era herdeiro da tradição do farisaísmo, estrito observador da Lei e mais avançado no

judaísmo do que seus contemporâneos (Gl 1, 14).

“E, na minha nação, quanto ao judaísmo, avantajava-me a muitos da minha idade, sendo extremamente zeloso das tradições de meus pais”. e Filipenses 3, 5-6: “Circuncidado ao oitavo dia, da linhagem de Israel, da tribo de Benjamim, hebreu de hebreus; quanto à lei, fariseu, 6 quanto ao zelo, perseguidor da igreja; quanto à justiça que há na lei, irrepreensível.”

Considerando todos estes aspectos, pode-se afirmar que sua família possuía

alguns recursos e desfrutava de posição proeminente na sociedade.

É importante observar que que não existe uma forma de começar a escrever

sobre um assunto que envolva a trajetória de Paulo na sociedade a qual ele, nasceu,

cresceu e conviveu sem debruçar sobre a literatura disponível, e, perceber os muitos

desafios enfrentados diante de sua mudança de vida após o seu encontro com Cristo

a caminho de Damasco. Pois foi nesta sociedade que Paulo exerceu o seu

protagonismo na expansão missionária usando seus métodos através do ensino e de

suas viagens missionárias.

Assim algumas experiências vividas por Paulo narradas no Novo Testamento

através de conceitos referentes a pregação do evangelho mostram como a missão

acontecia de forma concreta entendendo que sua estratégia missionária podia ser

realizada de várias maneiras. Portanto, o primeiro ambiente para o desenvolvimento

de uma estratégia missionária em Paulo se insere no contexto das Igrejas conhecidas

como primitivas. Pois nelas deu-se o início a missão Paulina que foi através da

proclamação do evangelho para os gentios.

Importante destacar como se dava esse ambiente para a inserção dos cristãos

através da anunciação da Palavra. Estes cristãos se reuniam no templo para orar e

adorar ao Senhor. (At 2, 46).

“Diariamente perseveravam unânimes no templo, partiam pão de casa em casa

e tomavam as suas refeições com alegria e singeleza de coração” (At 2, 42-46) e,

também começaram a partilhar a Ceia do Senhor em seus próprios lares

Falavam com as pessoas e aprendiam sobre elas. E, assim iam de casa em

casa anunciando o Evangelho de Cristo, sendo esta uma estratégia da pregação da

Palavra de Deus. É interessante observar que antes de tudo, os cristãos aprendiam

os costumes locais e se adaptavam à nova cultura, adequando sua mensagem para

45

que os moradores entendessem e começassem a testemunhar e ganhar os novos

crentes que formariam uma nova igreja. As circunstâncias eram ideais para a

propagação da fé considerando as oportunidades de mudança e facilidades

estruturais oferecidas pelo Império Romano. Além do mais, eles não eram forçados a

estudar uma nova língua, pois o grego era o idioma universal do Império Romano e

os cristãos podiam comunicar o evangelho. Outro fato que ajudou o testemunho

público foi a disponibilidade das sinagogas. Contudo, apesar dessas aparentes

facilidades, assim como Jesus, a comunidade primitiva evangelizava no meio de forte

perseguição. Esta perseguição seria o primeiro desafio da Igreja; o governo romano

começou a hostilizar o cristianismo, tentando eliminar os cristãos de modo cruel e

vigoroso.

Nichols afirma que essa perseguição variava de intensidade de acordo com

quem estivesse no poder. Porém, o fato é que, durante a segunda metade do século

1º, o Cristianismo enfrentou o poder oficial como seu inimigo rancoroso. Muitos

cristãos, dentre eles Paulo, receberam a coroa do martírio, afirma (NICHOLS, 1997.

p. 33). E, em função desta perseguição, esses cristãos passaram a se organizar,

buscando métodos de evangelização respaldados pela Palavra de Deus, visando

desviar desta perseguição sem se intimidar com ela.

É neste sentido que Paulo faz questão de evidenciar que está em jogo a

“verdade do Evangelho”

“Quando, porém, vi que não procediam corretamente segundo a verdade do evangelho, disse a Cefas, na presença de todos: se, sendo tu judeu, vives como gentio e não como judeu, por que obrigas os gentios a viverem como judeus? ” (Gl 2,14).

E os Gálatas, ameaçados pela atividade dos judaizantes são repreendidos por

terem passado depressa para um outro evangelho conforme está escrito em.

“Admira-me que estejais passando tão depressa daquele que vos chamou na graça de Cristo para outro evangelho, 7 o qual não é outro, senão que há alguns que vos perturbam e querem perverter o evangelho de Cristo. 8 Mas, ainda que nós ou mesmo um anjo vindo do céu vos pregue evangelho que vá além do que vos temos pregado,

seja anátema”. (Gl 1,6- 8).

É importante ressaltar também que o livro dos Atos pode dar a impressão de

que Paulo seja quase exclusivamente um pregador itinerante, mas levando em conta

46

também as informações das cartas paulinas, ele não só funda, mas também

acompanha o crescimento cristão das comunidades. E, assim como método

missionário ele escolhe os grandes centros urbanos onde se desenvolve a cultura, o

comércio, a religião, e onde se formam as opiniões e as filosofias.

Nesses centros Paulo funda comunidades cristãs, e dentro delas suscita as

lideranças de modo que o evangelho se irradie pelas redondezas alcançando os

povoados vizinhos. A partir dos centros de Corinto e de Éfeso funda as comunidades

de Cencréia “Recomendo-vos a nossa irmã Febe, que está servindo à igreja de

Cencréia, para que a recebais no Senhor como convém aos santos e a ajudeis em

tudo que de vós vier a precisar; porque tem sido protetora de muitos e de mim

inclusive.” (Rm16,1-2).

E aquelas de Colossos e de Laodicéia no vale do Lico,

“Segundo fostes instruídos por Epafras, nosso amado conservo e, quanto a vós outros, fiel ministro de Cristo.... E, uma vez lida esta epístola perante vós, providenciai por que seja também lida na igreja dos laodicenses; e a dos de Laodicéia, lede-a igualmente perante vós”. (Cl 1,7; 4,16).

A missão de Paulo é abrangente e quer alcançar a todos. Para não criar

problemas aos outros ele faz questão de trabalhar com as próprias mãos conforme

está escrito em 1ª Coríntios: “E nos afadigamos, trabalhando com as nossas próprias

mãos. Quando somos injuriados, bendizemos; quando perseguidos, suportamos”

(4,12) e “Porque, vos recordais, irmãos, do nosso labor e fadiga; e de como, noite e

dia labutando para não vivermos à custa de nenhum de vós, vos proclamamos o

evangelho de Deus.” (1ª Ts 2,9).

Nisso ele encontra um ponto de apoio para a difusão da mensagem cristã, mas

leva adiante a sua missão inclusive no lugar de trabalho,

“Porque, vos recordais, irmãos, do nosso labor e fadiga; e de como, noite e dia labutando para não vivermos à custa de nenhum de vós, vos proclamamos o evangelho de Deus. 10 Vós e Deus sois testemunhas do modo por que piedosa, justa e irrepreensivelmente procedemos em relação a vós outros, que credes. 11 E sabeis, ainda, de que maneira, como pai a seus filhos, a cada um de vós”. (1ª Ts 2, 9.11).

Cercando-se de muitos colaboradores organizando o seu trabalho de forma

articulada e eficiente.

47

Alguns colaboradores são mais próximos de Paulo, como Barnabé, Silas e

Timóteo, um e outro grupo de ajudadores goza de mais autonomia como Áquila e

Priscila, Tito e outros ainda são representantes das várias comunidades. Contudo, no

caso da grande coleta para os pobres de Jerusalém, incentiva as suas comunidades

para que sejam solidárias e manifestem concretamente a unidade da Igreja.

O livro de Atos pode ser compreendido como o caminho da experiência

missionária que leva a mensagem cristã da Palestina, província periférica do império,

até Roma, o seu centro. Já as cartas de Paulo mostram o nascimento, a formação e

o desenvolvimento das comunidades que são fruto deste anúncio evangélico. De

forma sucinta registra-se aqui apenas os aspectos mais significativos que em Atos

marcam o caminho da missão, pois, a força da Palavra e do Espírito, o testemunho e

a abertura universal servem como a fonte da missão quando Lucas escreve o livro de

Atos nos grandes centros urbanos do império já existem grupos ou comunidades

cristãs.

Para poder reconstruir sua difusão ele realça três elementos importantes: em

primeiro lugar: a iniciativa divina é a fonte da expansão do movimento cristão; em

segundo lugar: ela se manifesta especialmente nos momentos cruciais da história,

pois no início os Apóstolos recebiam solenemente a missão fazendo a passagem do

mundo judaico ao mundo pagão tendo desenvolvendo a missão de Paulo tendo como

meta Roma, o centro do império. E, em terceiro lugar: O projeto a ser desenvolvido é

anunciado em (At 1,8) “Mas recebereis a força do Espírito Santo que descerá sobre

vós, e sereis minhas testemunhas em Jerusalém e em toda a Judéia e Samaria e até

as extremidades da terra”. Estas Palavras de Jesus antes da Ascensão serão

confirmadas pelo Espírito Santo no dia de Pentecostes, dessa forma os apóstolos

recebem a habilitação e a missão de anunciar o evangelho a todos os povos. Para

Paulo não é diferente, pois na origem da sua missão está a iniciativa gratuita do Jesus

ressuscitado e lhe entrega a tarefa de ser servo e testemunha apontando para o

verdadeiro protagonista da missão, Deus. Ele é a fonte que sustenta e acompanha o

caminho de seus apóstolos, e que habilita Paulo para a missão universal.

Uma das implicações da teologia paulina é a necessidade de transformar a

sociedade da época através da Palavra de Deus. Paulo é frequentemente citado como

o principal exemplo de alguém que realmente não se envolveu com questões políticas.

O raciocínio de Paulo foi simplesmente focado em "pregar o evangelho" e não passar

o tempo tentando mudar a cultura ou a sociedade.

48

Paulo descreveu a essência de sua pregação como Jesus Cristo crucificado,

"E eu, irmãos, quando fui ter convosco, não fui com sublimidade de palavras ou de

sabedoria, anunciando-vos o testemunho de Deus. Porque decidi nada saber entre

vós, senão a Jesus Cristo e este crucificado". (1 Co 2,1-2).

Usando a analogia da fé, sabe-se que Paulo não quis dizer com isso que ele

não estava interessado em outras coisas. Paulo ensinou claramente sobre ética

sexual, ordem da igreja, dons espirituais, qualificações de presbíteros e diáconos,

relacionamentos entre maridos e esposas, famílias e crianças, o governo, a oração, a

escatologia, e muito mais. No versículo um Paulo está contrastando o seu discurso

com a dos oradores gregos que se concentraram na eloquência e persuasão. Paulo

não confiava na retórica extravagante, mas sim sobre a verdade de Deus e sua

pregação era "em demonstração do Espírito e de poder", (1ª Co 2:4) “A minha palavra

e a minha pregação não consistiram em linguagem persuasiva de sabedoria, mas em

demonstração do Espírito e de poder”. Quando Paulo disse que decidiu nada saber,

mas somente sobre "Jesus Cristo, e este crucificado", ele estava se referindo ao

núcleo e substância de todos os seus ensinamentos.

Tudo que ele ensinou foi enraizado em Jesus Cristo e sua obra de redenção.

Seu desejo de mudar a cultura também foi enraizado em Cristo crucificado. Dentro de

várias instituições que Paulo aborda na sociedade, o indivíduo é ser central para

desenvolver todas as outras instituições, pois a fundação verdadeira e natural da

sociedade são os desejos e medos dos indivíduos. Paulo ensinou que "Deus... manda

que todos os homens em todo lugar se arrependam", (At 17, 30), “Ora, não levou Deus

em conta os tempos da ignorância; agora, porém, notifica aos homens que todos, em

toda parte, se arrependam”. Paulo procurou trazer a mudança mais fundamental na

sociedade: o coração mudado do indivíduo. A mudança do indivíduo é a base para

qualquer mudança que acontecerá na sociedade. Não há dúvida de que a pregação

do Evangelho e seu apelo para a obediência muda radicalmente indivíduos “Tais

fostes alguns de vós; mas vós vos lavastes, mas fostes santificados, mas fostes

justificados em o nome do Senhor Jesus Cristo e no Espírito do nosso Deus. ” (1 Co

6, 11).

A primeira instituição e a mais importante da sociedade é a família. Paulo

ensinou muito sobre a família, buscando mudar a forma como as pessoas operam no

reino do governo da família .

49

“Esposas, sede submissas ao próprio marido, como convém no Senhor. 19 Maridos, amai vossa esposa e não a trateis com amargura. 20 Filhos, em tudo obedecei a vossos pais; pois fazê-lo é grato diante do Senhor. 21 Pais, não irriteis os vossos filhos, para que não fiquem desanimados”. (Cl 3,18-21).

A segunda instituição, que também tem o seu papel muito importante na

sociedade, é a Igreja. Claramente, Paulo ensinou em profundidade sobre o ensino da

Igreja sobre anciãos, diáconos, a disciplina da igreja, a Ceia do Senhor, o batismo,

cuidar das viúvas na igreja, e assim por diante.

A terceira instituição que exerce o se papel na sociedade pode ser rotulada

como o governo civil. Esta é a única área que muitos cristãos dizem que Paulo não

fez nada para procurar mudar. No entanto, Paulo fez ensinamento especificamente

sobre o governo civil.

“Todo homem esteja sujeito às autoridades superiores; porque não há autoridade que não proceda de Deus; e as autoridades que existem foram por ele instituídas. 2 De modo que aquele que se opõe à autoridade resiste à ordenação de Deus; e os que resistem trarão sobre si mesmo condenação. 3Porque os magistrados não são para temor, quando se faz o bem, e sim quando se faz o mal. Queres tu não temer a autoridade? Faze o bem e terás louvor dela, 4 visto que a autoridade é ministro de Deus para teu bem. Entretanto, se fizeres o mal, teme; porque não é sem motivo que ela traz a espada; pois é ministro de Deus, vingador, para castigar o que pratica o mal. 5É necessário que lhe estejais sujeitos, não somente por causa do temor da punição, mas também por dever de consciência. 6 Por esse motivo, também pagais tributos, porque são ministros de Deus, atendendo, constantemente, a este serviço. 7 Pagai a todos o que lhes é devido: a quem tributo, tributo; a quem imposto, imposto; a quem respeito, respeito; a quem honra, honra”. (Rm 13:1-7).

Ele ensinou que o governo civil foi ordenado por Deus para "castigar o que

pratica o mal”; “Visto que a autoridade é ministro de Deus para teu bem. Entretanto,

se fizeres o mal, teme; porque não é sem motivo que ela traz a espada; pois é ministro

de Deus, vingador, para castigar o que pratica o mal” (Rm 13, 4).

É inegável que a referência de Paulo sobre o mal é aquilo que é contrário à lei

moral de Deus (1 Tm 1:8-11).

“Sabemos, porém, que a lei é boa, se alguém dela se utiliza de modo legítimo, 9 tendo em vista que não se promulga lei para quem é justo, mas para transgressores e rebeldes, irreverentes e pecadores, ímpios e profanos, parricidas e matricidas, homicidas, 10 impuros, sodomitas, raptores de homens, mentirosos, perjuros e para tudo quanto se opõe à sã doutrina, 11 segundo o evangelho da glória do Deus bendito, do qual fui encarregado”.

50

É claro que Paulo não sabia os detalhes do que aconteceria nos anos

seguintes. No entanto, não é anacrônico dizer que Paulo procurava ver nações

transformadas. Afinal de contas, seu Senhor e Salvador ordenou aos cristãos a "Ide,

pois, ensinai todas as nações" (Mt 28, 19) “Ide, portanto, fazei discípulos de todas as

nações, batizando-os em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo.” Não só Paulo

tentou transformar a sociedade, ele foi realmente bem-sucedido como evidenciado

pela notável transformação da cultura que tem ocorrido desde o tempo de Cristo até

hoje. Paulo não estava sozinho; a transformação inspirou-se em muitos outros

trabalhadores. Deus tem usado cristãos para proclamar fielmente a verdade e ensinar

todas as nações a obedecer. Há mais trabalho a ser feito.

No entanto, o argumento de que Paulo não tentou transformar a sociedade

deve ser silenciado por uma consideração cuidadosa das implicações da sua doutrina

e a irrefutavelmente enorme influência do cristianismo na cultura ocidental.

Ao ensinar isso, Paulo estava tentando mudar a opinião de que o governo civil

não é necessário para governar de acordo com o padrão de Deus sobre o bem e o

mal. Portanto, quando Paulo ensina sobre o governo civil ele está tentando

transformar a visão da sociedade. Cada nível da sociedade dirigido por Paulo foi

realizado por ele tentando mudar a sociedade através do indivíduo, da família, da

Igreja e do governo civil e, com certeza não se pode mensurar o sucesso de Paulo

apenas em termos de resultados imediatos durante sua vida. Quando se aplica uma

visão de longo prazo sobre a missão e a mensagem paulina, no que se refira a

civilização ocidental, é inegável que Paulo, através do poder do Espírito Santo, foi

bem-sucedido em transformar drasticamente a sociedade de sua época.

3.1 O PROTAGONISMO DE PAULO EM ATOS DOS APÓSTOLOS

A importância da pregação do evangelho desenvolvida através de métodos e

estratégias bíblicas não poderia ser diferente no início da Igreja. Paulo usou alguns

métodos que lhe valeram o sucesso para a expansão da pregação das Boas Novas

de Jesus Cristo fazendo dele um protagonista na missão em Atos dos Apóstolos.

Sendo assim o projeto de missão apresentado pela evangelista Lucas.

“A seguir, Jesus lhes disse: São estas as palavras que eu vos falei, estando ainda convosco: importava se cumprisse tudo o que de mim está escrito na Lei de Moisés, nos Profetas e nos Salmos. 45 Então, lhes abriu o entendimento para compreenderem as Escrituras; 46 e lhes disse: Assim está escrito que o Cristo havia de padecer e ressuscitar

51

dentre os mortos no terceiro dia 47 e que em seu nome se pregasse arrependimento para remissão de pecados a todas as nações, começando de Jerusalém. 48 Vós sois testemunhas destas coisas. 49Eis que envio sobre vós a promessa de meu Pai; permanecei, pois, na cidade, até que do alto sejais revestidos de poder. ” (Lc 24.44-49).

Através das Palavras de Jesus, é um prenuncio do que haveria de ser o início

do mandato missional através do Pentecoste, passando pela atuação soberana do

Espírito Santo, sendo este o principal protagonista desta missão iluminando a Pedro,

aquele que seria escolhido como líder deste movimento chamado pentecoste até

chegar ao protagonismo de Paulo que foi quem usado pelo Espírito Santo para

expandir essa missão em suas três viagens cumprindo a missão a ele atribuída.

Senior afirma que a imagem do evangelho sobre o ministério de Jesus é tão

levada a cabo pelos apóstolos e pela comunidade no livro de Atos que:

O alcance, a estrutura e o conteúdo de Atos são dominados pelo problema da missão universal. O ministério do reino de Jesus, o qual chegou ao seu ponto culminam com a sua morte, em Jerusalém, ressurreição e retorno triunfante ao Pai será continuado por meio da direção do Cristo ressuscitado e pelo poder do Espírito na própria história da comunidade tornando esse evangelho evidente na missão universal de uma salvação anunciada por Simeão e por João Batista, iniciada pelo ministério de Jesus e que agora deve ser executada pela sua Igreja. A liderança apostólica da Igreja, Pedro, os Doze e Paulo, levando a missão até as extremidades da terra. (SENIOR, 2010, P. 406).

Outro fator muito relevante no protagonismo de Paulo na missão em Atos dos

Apóstolos e que nos chama bastante atenção é a sua vocação. Neste sentido o

acontecimento de Damasco foi fundamental para compreender e definir a sua missão.

“Deus me enviou para proclamá-lo entre os Gentios” (Gl 1,16). Sendo assim, para

expressar a sua vocação na missão. Na experiência a caminho de Damasco ele

descobre Jesus não só como Ressuscitado, mas como Soberano universal, que

oferece a sua salvação a todos, judeus e pagãos. Esta convicção está na origem de

sua missão universal. Missão esta para a qual Paulo se apresenta como “servo de

Jesus Cristo, apóstolo escolhido para o Evangelho de Deus” (Rm 1,1). E, logo mais

adiante afirma ser “devedor a gregos e a bárbaros” (Rm 1,14), colocando o evangelho

no centro de toda a sua existência e de toda a sua atividade (Rm 1,16), “Pois não me

envergonho do evangelho, porque é o poder de Deus para a salvação de todo aquele

que crê, primeiro do judeu e também do grego”. Nesse sentido ele se considera

apóstolo entre judeus e gentios, mostrando que a sua missão depende totalmente da

52

iniciativa divina. Segundo Paulo, a partir da soberania divina conforme ele afirma em

(Rm 10,12) “Não há distinção entre judeu e grego, uma vez que o mesmo é o Senhor

de todos, rico para com todos os que o invocam”.

E, para corroborar com o texto acima, Senior afirma que:

Mesmo que a concentração seja ainda sobre judeus e não gentio, a ênfase de Lucas sobre a diáspora neste texto confirma o fato de que o evento salvador iniciado aí levará, conforme sugere a citação de Joel, o Espirito de Deus a “toda carne” (At 2,17), “E acontecerá nos últimos dias, diz o Senhor, que derramarei do meu Espírito sobre toda a carne; vossos filhos e vossas filhas profetizarão, vossos jovens terão visões, e sonharão vossos velhos,” esta Dimensão universal análoga e subentendida no discurso de Pedro no pórtico de Salomão, onde ele lembra aos Jerosolimitamos que “vós sois os filhos dos profetas e da aliança que Deus estabeleceu com os vossos pais, quando disse a Abraão: Na tua descendência serão abençoadas todas as famílias da terra” (At 3,25), “Vós sois os filhos dos profetas e da aliança que Deus estabeleceu com vossos pais, dizendo a Abraão: Na tua descendência, serão abençoadas todas as nações da terra.” (SENIOR, 2010, P. 407).

Além dos evangelhos e dos Atos dos Apóstolos, o Novo Testamento contém

uma série de escritos em forma de carta, e o Apocalipse de João. As cartas que

iniciam com o nome de Paulo como autor totalizam quase três quintos dessa parte,

não narrativa do Novo Testamento. Essa simples relação numérica já desperta no

leitor a impressão de que Paulo foi o mais importante e influente pensador do

cristianismo primitivo. A impressão é aumentada pelo fato de Paulo ser o único dos

autores de escritos neo-testamentários de cuja pessoa e história temos maiores

informações também de fora dos seus escritos. No entanto as cartas paulinas

permitem-nos conhecer um importante período da atuação de Paulo como

missionário. Assim a amplitude do acervo das epistolas paulinas e o caráter único de

nosso conhecimento a respeito da pessoa de Paulo faz ressaltar as cartas paulinas

do restante do Novo Testamento e provocam a opinião de que o pensamento teológico

de Paulo constitui não apenas o centro do Novo Testamento, mas também determina

decisivamente a evolução do pensamento cristão primitivo. É este o “Evangelho” que

Paulo anuncia em sua atividade missionária: a graça de Deus é a fundamento da

missão,

“Pois o amor de Cristo nos constrange, julgando nós isto: um morreu por todos; logo, todos morreram. 15 E ele morreu por todos, para que os que vivem não vivam mais para si mesmos, mas para aquele que por eles morreu e ressuscitou. 16 Assim que, nós, daqui por diante, a ninguém conhecemos segundo a carne; e, se antes conhecemos Cristo segundo a carne, já agora não o conhecemos deste modo. 17 E,

53

assim, se alguém está em Cristo, é nova criatura; as coisas antigas já passaram; eis que se fizeram novas. 18 Ora, tudo provém de Deus, que nos reconciliou consigo mesmo por meio de Cristo e nos deu o ministério da reconciliação, 19 a saber, que Deus estava em Cristo reconciliando consigo o mundo, não imputando aos homens as suas transgressões, e nos confiou a palavra da reconciliação. 20 De sorte que somos embaixadores em nome de Cristo, como se Deus exortasse por nosso intermédio. Em nome de Cristo, pois, rogamos que vos reconcilieis com Deus. 21 Aquele que não conheceu pecado, ele o fez pecado por nós; para que, nele, fôssemos feitos justiça de Deus. (2 Co 5,14-21).

E assim, Paulo apresenta a missão como ministério de reconciliação. Algumas

expressões podem iluminar o modo de Paulo entender a missão a partir de dois

aspectos.

No primeiro aspecto, Paulo realça a importância da morte e da ressurreição

de Jesus: ele morreu e ressuscitou por todos. Nisso ele encontra o mais profundo

motivo da missão, pois é a experiência do amor de Cristo que o impulsiona a anunciar

o Evangelho. No segundo aspecto, Paulo mostra como isso o transformou em

“embaixador de Cristo” ou “ministro da reconciliação”. Em decorrência disso Paulo não

tem uma autoridade e uma mensagem própria, tudo isso lhe foi entregue: o

protagonista de tudo é Deus que age em Jesus Cristo.

E, assim, surge a necessidade de anunciar o Evangelho, “Se anuncio o

evangelho, não tenho de que me gloriar, pois sobre mim pesa essa obrigação; porque

ai de mim se não pregar o evangelho!” (1 Co 9,16). Ou seja, para Paulo “Anunciar o

Evangelho é uma necessidade que se se impõe: segundo ele, ai de dele se não

evangelizar”. Ou seja, livre em relação a todos, Paulo se faz servo de todos e se torna

tudo para todos e tudo faz por causa do evangelho. Ele se dedica totalmente ao

evangelho indo ao encontro dos outros lá onde eles estão e respeitando o que eles

são: judeus, pagãos e fracos com a finalidade de “ganhá-los” ao evangelho,

“Porque, sendo livre de todos, fiz-me escravo de todos, a fim de ganhar o maior número possível. 20Procedi, para com os judeus, como judeu, a fim de ganhar os judeus; para os que vivem sob o regime da lei, como se eu mesmo assim vivesse, para ganhar os que vivem debaixo da lei, embora não esteja eu debaixo da lei. 21 Aos sem lei, como se eu mesmo fosse não estando sem lei para com Deus, mas debaixo da lei de Cristo, para ganhar os que vivem fora do regime da lei. 22Fiz-me fraco para com os fracos, com o fim de ganhar os fracos. Fiz-me tudo para com todos, com o fim de, por todos os modos, salvar alguns. 23 Tudo faço por causa do evangelho, com o fim de me tornar cooperador com ele”. (1 Co 9,19-23).

54

É interessante notar o contraste entre “livre” e “servo”: se ele sendo livre se

faz servo é porque tem como modelo o próprio Cristo “Aos sem lei, como se eu mesmo

fosse não estando sem lei para com Deus, mas debaixo da lei de Cristo, para ganhar

os que vivem fora do regime da lei” (1ª Co 9.21). Por trás disso ele deixa transparecer

que na base do seu modo de agir está o “amor de Deus”. Na exortação aos Gálatas

ele se expressa de maneira semelhante (Gl 2,6): “Carregai o peso uns dos outros e

assim cumprireis a Lei de Cristo”. Para Paulo o evangelho de Jesus é destinado a

todos indistintamente e pode ser proclamado com eficácia sem se impor a ninguém.

Dessa forma Paulo não paganiza os judeus nem judaíza os pagãos, mas leva a ambos

ao encontro com Cristo.

Entretanto Paulo está bem consciente de que diante de sua pregação pode

haver rejeição. Para evitar que o Evangelho seja confundido com uma ideologia, ou

seja, considerado como simples propaganda religiosa, toma as devidas distâncias do

judaísmo e do paganismo, porque os primeiros “pedem sinais” e os pagãos “buscam

sabedoria”, os dois nesse sentido não passam de autossuficiência humana. Com

efeito, para o egocentrismo religioso judaico, o crucificado é escândalo, e para o

egocentrismo intelectual grego é realmente uma loucura.

Portanto, Paulo anuncia que Deus tomou a iniciativa de se revelar através da

cruz do seu Filho, pois o conteúdo essencial da missão de Paulo é o mesmo que

recebeu da tradição das primeiras testemunhas: Jesus morto e ressuscitado:

“Irmãos, venho lembrar-vos o evangelho que vos anunciei, o qual recebestes e no qual ainda perseverais; 2 por ele também sois salvos, se retiverdes a palavra tal como vo-la preguei, a menos que tenhais crido em vão. 3 Antes de tudo, vos entreguei o que também recebi: que Cristo morreu pelos nossos pecados, segundo as Escrituras, 4 e que foi sepultado e ressuscitou ao terceiro dia, segundo as Escrituras. 5 E apareceu a Cefas e, depois, aos doze”. (1 Co 15,1-5).

Aqui ele fala do “seu evangelho” para desvincular o anúncio cristão do

condicionamento judaico, não no sentido de abolir todas as diferenças culturais,

sociais e antropológicas, porém, no sentido de indicar que elas não determinam mais

o sentido e o destino da vida cristã. Deus não discrimina ninguém e trata todo mundo

com absoluta imparcialidade: “Então, falou Pedro, dizendo: Reconheço, por verdade,

que Deus não faz acepção de pessoas; 35 pelo contrário, em qualquer nação, aquele

que o teme e faz o que é justo lhe é aceitável” (At 10,34-35)

Portanto, uma análise mais exata confirma a impressão de que Paulo constitui

o centro do Novo Testamento e influenciou decisivamente a evolução do cristianismo

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primitivo tardio. Não obstante, é indubitável que Paulo exerceu uma função

fundamental na evolução do cristianismo primitivo. Isso é válido sem restrições para

a atividade missionária de Paulo, porque, ainda que o cristianismo tenha se propagado

em muitas partes do Império Romano independente de Paulo, ele foi, o missionário

do cristianismo primitivo.

Numa resolução clara, trouxe o Evangelho aos não-judeus, tirando dessa tarefa

as consequências teológicas e práticas. Caso pudermos levar a sério o princípio

missionário externado por ele, a saber, de pregar apenas em lugares em que Cristo

ainda não foi mencionado “esforçando-me, deste modo, por pregar o evangelho, não

onde Cristo já fora anunciado, para não edificar sobre fundamento alheio”, (Rm 15,20),

foi ele o primeiro a fundar comunidades cristãs na Ásia Menor, Macedônia e Grécia.

Preocupou-se com o crescimento correto dessas comunidades também depois de sua

partida, enviando cartas e, em parte, seus companheiros.

Paulo foi capaz desse feito decisivo para a história da Igreja, porque - e isso é

o ponto mais importante neste contexto - havia sido um aluno de rabinos judaicos,

razão pela qual se tornou o primeiro pensador teológico do cristianismo. Se, pois, o

significado de Paulo no contexto da evolução dos pensamentos do cristianismo

primitivo reside em que ele foi o primeiro teólogo cristão, tal fato inegável, no entanto,

não deve fazer com que leiamos as cartas paulinas como textos dogmáticos e as

abordemos com perguntas teológicas que lhes são estranhas. Paulo foi um teólogo,

mas como missionário. Por isso seu pensar teológico é determinado em grande escala

pela confrontação com suas comunidades e com opiniões divergentes que se faziam

ouvir nas comunidades. Para nosso conhecimento do pensamento de Paulo,

acrescenta-se a isso que sua reflexão não nos foi conservada numa apresentação

sistemática, mas em cartas escritas para determinados leitores e para dentro de

determinada situação. Por um lado, isso significa que Paulo conta com leitores que

conhecem as premissas da argumentação apresentada, sendo por isso também

capazes de entender alusões que não é possível aos leitores de hoje interpretar com

suficiente exatidão.

Os protagonistas da missão são apresentados por Lucas e são priorizados

pela iniciativa divina. Na primeira parte de Atos, Lucas dá grande destaque a Pedro e

na segunda parte dá destaque a Paulo. Pedro atua no ambiente judaico de Jerusalém

e da Judéia e tem a presença de João ao seu lado confirmando e reconhecendo a sua

56

autoridade de representante dos Doze. Trata-se de uma responsabilidade eclesial que

deve ser exercida em sintonia com a comunidade em que residem os outros apóstolos.

O grupo dos “Sete” também possui seus representantes na figura de Estêvão

e de Filipe. Depois da morte de Estêvão, Filipe evangeliza a Samaria, a costa ao longo

do Mediterrâneo até se estabelecer em Cesaréia, onde anima uma comunidade

contando com a ajuda de suas quatro filhas. É claro que Filipe não tem a envergadura

nem de Pedro, nem de Paulo, mas Lucas não quer deixar cair no esquecimento este

missionário de segundo plano, e lhe atribui o título de “evangelista”. Cristãos

helenistas e que atuam de forma anônima, percorrem as cidades da Fenícia e

anunciam o Evangelho aos pagãos de Antioquia.

Também esta experiência missionária iniciada casualmente recebe o

reconhecimento da Igreja de Jerusalém mediante o envio de Barnabé como delegado

oficial. Barnabé é um cristão da “primeira hora” que recebe a função de ser animador

da comunidade cristã de Antioquia, e em seguida juntamente com Paulo se torna

protagonista da primeira atividade missionária da diáspora. A partir desse momento

surgem outros colaboradores: basta mencionar João Marcos, cristão de Jerusalém,

filho de Maria que hospeda em sua casa um grupo de cristãos; Silas também de

Jerusalém, Timóteo de Listra. Além do mais, Paulo encontra novos colaboradores nas

comunidades que ele funda. Lucas admira a Paulo que, em uma década, consegue

criar uma rede de comunidades cristãs, alcançando os principais centros urbanos do

império.

A finalidade e o método de toda atividade missionária encontra a sua expressão

mais clara e profunda nas palavras que Jesus dirige a Paulo:

“Mas levanta-te e firma-te sobre teus pés, porque por isto te apareci, para te constituir ministro e testemunha, tanto das coisas em que me viste como daquelas pelas quais te aparecerei ainda, 17 livrando-te do povo e dos gentios, para os quais eu te envio, 18 para lhes abrires os olhos e os converteres das trevas para a luz e da potestade de Satanás para Deus, a fim de que recebam eles remissão de pecados e herança entre os que são santificados pela fé em mim”. (At 26,16-18).

Aqui consiste em anunciar a salvação entendida como passagem das trevas à

luz, da idolatria à fé, do poder de Satanás à soberania de Deus. Pela fé em Jesus se

obtém a remissão dos pecados e a herança eterna.

O método evangelístico apresentado por Lucas, e utilizado por Paulo, é antes

de tudo, o anúncio da Palavra que parte de fatos e expectativas das pessoas ouvintes,

57

em seguida elas interpretam estes fatos à luz do evento chamado Cristo. Tudo isso

ajuda a construir uma comunidade que seja estável e sólida em sua adesão de fé.

Este método missionário em que Paulo revela ser eficaz, cria uma sintonia com as

expectativas e os problemas das pessoas e do ambiente de modo que a proposta da

mensagem cristã dá um novo significado à vida humana. Nesse sentido o estilo de

vida dos missionários e das comunidades se caracteriza como o caminho que oferece

uma nova esperança a todos os homens.

Com diferentes protagonistas e campos de ação missionária. Não se pode

deixar de destacar ao longo de dois capítulos a figura de Estevão, um líder dos sete

diáconos, eleitos como grupo dirigente dos judeu-cristãos de língua grega. Animado

pela força do Espírito e por uma extraordinária capacidade dialética. Estevão debate

seus ex-colegas judeu-helenistas, acusando as instituições sagradas do templo e da

lei de Moisés com o seu conjunto de observâncias judaicas. O confronto entre Estevão

e o judaísmo institucional conclui-se com a supressão violenta do primeiro líder cristão

e a dispersão do seu grupo, obrigado a deixar Jerusalém. Com a onda de

“perseguição” e com a fuga dos cristãos helenistas, se relaciona a missão de Felipe,

um dos “Sete”, que leva com êxito o anuncio do evangelho aos samaritanos. Sua

missão é o início da nova Igreja na Samaria e são oficialmente reconhecidos pela

Igreja-mãe de Jerusalém, mediante o envio de dois delegados, Pedro e João, e a nova

efusão do Espírito. Depois, Felipe prossegue sua atividade missionária ao longo da

costa mediterrânea, onde batiza o primeiro pagão, o eunuco etíope. O episódio de

Estevão está relacionado também com a conversão de Saulo, que, de inquisidor dos

cristãos, é chamado a ser testemunha de Cristo, que lhe apareceu no caminho de

Damasco, suas primeiras experiências missionárias em Damasco e Jerusalém

desencadeiam violentas reações dos judeus. Esta é somente a antecipação daquilo

que será a grande aventura missionaria de Paulo. Mas, o primeiro gesto de abertura

oficial ao mundo pagão, é Pedro quem o faz, guiado pelo Espirito a Cesaréia, até a

casa do oficial romano Cornélio. A este ele anuncia o evangelho e reconhece a ação

do Espírito Santo descendo aos pagãos como acontecera no início da Igreja em

Jerusalém.

É o nascimento da primeira Igreja entre os gentios, por iniciativa de Deus, como

devem reconhecer Pedro, os outros apóstolos e os primeiros cristãos de Jerusalém.

Com este gesto programático de Pedro, ou melhor, do Espirito Santo, a missão está

58

aberta oficialmente: de fato, agora se narra a missão cristã em Antioquia, onde surge

a primeira comunidade cristã mista, formada de ex-pagãos.

O autor apresenta a cisão definitiva com autoridade judaica através de uma

“perseguição” desencadeada em Jerusalém por Herodes Agripa I fazendo o segundo

mártir cristão, agora entre os “doze”, Tiago, irmão de João. Pedro que consegue fugir

da prisão e esconder-se em lugar seguro; e após uma rápida aparição no concilio de

Jerusalém, desaparece definitivamente de cena, para deixar o campo livre ao novo

protagonista chamado Paulo.

3.2 AS ESTRATÉGIAS DE PAULO EM ATOS DOS APÓSTOLOS

Segundo Green percebe-se que os métodos evangelísticos dos primeiros

cristãos são bem diferentes dos dias de hoje segundo ele:

Atualmente, quando pensamos em métodos evangelísticos, pode vir à mente conferências em dependências de uma igreja, ou, talvez, em um grande estádio. É preciso fugir de preconceitos quando voltamos o nosso olhar para o processo de evangelização exercido pelos primeiros cristãos. Eles não sabiam nada sobre pregações de acordo com certos padrões homiléticos. (GREEN, 2000, p. 239).

Assim como Paulo, eles começaram a evangelização nas sinagogas, onde se

destacou a pregação da Palavra de Deus como meio de evangelizar publicamente. A

sinagoga foi o canteiro de sementes da evangelização entre os judeus, onde havia

judeus, havia sinagogas e esperava-se que todos os israelitas fiéis a frequentassem

semanalmente. Além disso, os métodos evangelísticos atraíam grande número de

“tementes a Deus” entre os gentios zelosos. Isto formava uma congregação pronta, a

qual os missionários cristãos podiam dirigir-se e sem dúvida, no princípio, este foi um

dos fatores mais importante para a difusão da fé. As sinagogas eram organizadas para

promover a devoção, a disciplina e os estudos.

Meeks concorda com Green, afirmando em sua obra missionária, que Paulo

procurou a sinagoga judaica, onde teve a possibilidade de falar e debater durante os

cultos regulares do sábado. (MEEKS, 1992. p. 47). Contudo Paulo anunciava o

evangelho não só nas sinagogas locais, mas também em casas privadas, praças

públicas e na prisão. Ele alugava salas públicas além de aproveitar seu trabalho

artesanal para atuar como missionário.

Cunha faz uma afirmação em relação aos métodos.

59

Não existe apenas um método, o que seria o melhor de todos. Antes, diferentes métodos são usados em diferentes contextos. O uso dos caminhos para a realização dos métodos de evangelismo era feito por mar e terra, nos limites do velho Império Romano. O Império Romano controlava a Europa, o Oriente Médio e o norte da África, interligando-se por uma extensa rede de estradas e rotas comerciais marítimas, que contava com uma frota de navios e muitos aquedutos. Até os dias de hoje, as rotas de terra e mar criadas pelos romanos são utilizadas. O uso dos caminhos por terra e mar era originalmente militar, embora também servisse as atividades civis, como a troca de correspondência, lazer ou escambo. Esses lugares e caminhos foram igualmente utilizados pelos missionários de Deus. Os discípulos e os apóstolos usaram tanto o caminho por terra quanto os por mar para plantar Igrejas. (CUNHA, 2006, p. 81).

Os métodos aqui apresentados usados por Paulo e os primeiros missionários

remetem a um pensamento muito importante: a Palavra de Deus se espalhou por

todos os lugares, não ficou presa somente em um lugar e tomou proporções

gigantescas. Pois pregava-se o evangelho não somente através das sinagogas locais,

mas em casas, praças e salas públicas, na prisão e até com os trabalhos artesanais.

Ao tentar discernir os contornos da abordagem missionária Paulina, é preciso

reconhecer que Paulo não era, de modo algum, a única pessoa de seu tempo

dedicada à propagação religiosa; no entanto, ele soube fazer essa tarefa com

dedicação e zelo.

Outro aspecto importante, nos primeiros métodos evangelístico dos cristãos

missionários residia no fato de que qualquer membro da congregação podia ser

convocado para ler as Escrituras, e qualquer um podia fazer a explanação,

oportunidade que Paulo utilizou, diversas vezes, com eficácia. Não era privilégio de

uma classe sacerdotal. Na verdade, o único elemento sacerdotal em todo culto era a

benção, que era dispensada quando não havia nenhum sacerdote presente. Esta

liberdade de ministério é responsável pelo fato de Jesus ter sido convidado a ler os

profetas em sua sinagoga natal em Nazaré, e Paulo ter sido convidado, muitas vezes,

como fariseu distinto que era, a ler e fazer explanação à congregação durante as suas

viagens missionárias.

Os sermões, na sinagoga de Antioquia da Pisídia são modelos de abordagem

missionária de Paulo, pois ele usava esse modelo para relatar a história do povo judeu

destacando a vinda do Messias e como Deus a cumpriu plenamente a nós, seus filhos,

ressuscitando a Jesus. E assim, ao sair da sinagoga, os ouvintes rogavam a Paulo

que, no sábado seguinte, lhe falasse estas mesmas palavras.

60

Em função disso, Paulo tinha muito cuidado em pregar as Boas Novas onde o

nome de Cristo ainda não era conhecido e, assim sendo, não evangelizava em cima

de palavras ditas por outros pregadores. Ele não media esforços para cumprir o “indo”

de Jesus.

Allen afirma que Paulo estabelece algumas características na abordagem dos

judeus na pregação na sinagoga. (ALLEN, apud GREEN, 2000, p. 241).

Green afirma que,

É possível ver em Paulo a simpatia e a conciliação com as sensibilidades dos ouvintes, conforme afirma ele: A apresentação é clara, ele está disposto a aceitar o que há de bom na posição deles, simpatiza com suas dificuldades, mostrando que ele os aborda com sabedoria e tato; reconhece abertamente as dificuldades, de proclamar verdades não sendo muito fáceis de engolir, e de recusar-se inapelavelmente a fazer coisas difíceis parecerem fáceis; respeitando os seus ouvintes, suas capacidades intelectuais e suas necessidades espirituais; e, mantendo uma confiança inabalável na verdade e no poder da mensagem do evangelho. Assim, ele diz que não estaremos longe da verdade ao supormos que estas eram características típicas da pregação na sinagoga, nos primeiros tempos da missão, em que as oportunidades ainda estavam abertas. (GREEN, 2000, p. 241).

Os primeiros missionários tinham encontros desafiadores, pois atraiam as

multidões, ousando pregar-lhes a Palavra de Deus. E era assim que os missionários

se dispunham a anunciar sua mensagem. Pois eles, a exemplo do seu Mestre,

pregavam ao ar livre. Os encontros improvisados deste tipo só eram possíveis em

lugares em que muitas pessoas passavam ou se reuniam naturalmente. A área do

templo era um lugar favorito. Por esta razão, todos estes engajamentos precisavam

ser movimentados e desafiadores. (GREEN, 2000, p. 241-242).

E, assim, Paulo começa a entrar em um momento difícil de sua missão,

chegando a ser jogado contra o rei, sendo acusado de opositor ao Imperador. Mesmo

tendo estes problemas de perseguição, Paulo e os missionários não se intimidavam

com esse movimento. Assim, Paulo inicia a sua missão de maneira bem simples,

procurando aprender e se estabelecer como um novo missionário, objetivando

enfrentar futuras provações. Estas perseguições causavam efeito contrário,

estimulavam e valorizavam a pregação na sinagoga, na reunião dos cristãos ou ao ar

livre, em condições normais ou sob inspiração direta, mostrando-se um elemento

importante entre os métodos da missão. Todavia, o aumento da perseguição e a

inexistência de prédios para o culto cristão impediam a proclamação formal do

61

evangelho. Porém, Paulo não se dava por vencido e, em função de sua coragem, não

deixava de cumprir sua missão. Além disso, investia na evangelização através do

ensino, pois entendia que a pregação da palavra e o ensino tinham que andar juntos,

num trabalho bem prático - visitar prisioneiros, animar os que estavam condenados à

morte por sua fé e prover o sustento de uma vida muito abstinente em termos de

comida, bebida, sono, dinheiro e roupas, supervisionar escolas onde os cristãos se

ocupavam do ensino e da filosofia. (GREEN, 2000, p. 249-250).

Paulo era um visionário e não media esforços para evangelizar nas cidades.

Ele conseguia ver o que as outras pessoas não viam, conseguindo obter resultados

de maneira bem expressiva, com suas abordagens, revolucionários para a época. Ele

também gostava de interagir com as questões evangelísticas de sua época, não

admitia deixar de se envolver com as questões do evangelho e não se acovardava

com suas posições teológicas. Ele, também, obtinha muitas vantagens, o número

relativamente pequeno de pessoas envolvidas tornava possível uma troca de ideias

proveitosa e um debate geral entre os participantes. O pregador não era isolado

artificialmente dos seus ouvintes.

A atmosfera informal e descontraída do lar, sem esquecer a hospitalidade

desfrutada, tudo contribuía para fazer com que este tipo de evangelização baseada

na empatia e na convivência, tivesse um sucesso especial. É importante ressaltar que,

na antiguidade, a casa - como o lugar central da vida religiosa, tinha uma longa

tradição. As associações culticas privadas, os círculos de mistério e escolas filosóficas

escolhiam esse lugar como referência para a anunciação de suas verdades. Além

disso, as comunidades judaicas também se encontravam em sinagogas domésticas.

Foi assim que a missão cristã teve início no âmbito da sinagoga.

Green concorda com esta afirmação destacando a importância do significado

sociológico da casa. A ênfase no lar como unidade fundamental da sociedade tinha

uma história longa, tanto na cultura israelita como na romana. (GREEN, 2000, p. 253).

Não se sabe de nenhuma influência exercida sobre um lar através da

conversão de crianças, mas, certamente, a convivência com escravos e libertos

evangelizados era uma maneira de penetrar nas grandes famílias da aristocracia

romana. No tempo em que o Ap. Paulo escreveu aos Filipenses havia membros da

casa de César que eram cristãos: “Todos os santos vos saúdam, especialmente os

da casa de César”. (Fl 4, 22).

62

Parece que Paulo havia causado uma forte impressão entre os membros da

guarda pretoriana, destacados em grupos de quatro para guardá-lo durante seu

período de prisão. Os seus testemunhos e suas pregações eram suas principais

credenciais, pois, o Cristianismo penetrou no mundo romano através de cinco vias

principais: a pregação e o ensino dos missionários, o testemunho pessoal dos crentes,

atos de bondade e caridade, a fé mostrada na perseguição e morte e o raciocínio

intelectual dos primeiros apologistas.

Uma forma muito importante para a propagação do evangelho da época cristã

era a visitação, pois segundo a história de Ananias, por exemplo, mostra este tipo de

método utilizado pelos cristãos da época, em muitos sentidos Ananias foi o resumo

do visitar relutante, e mesmo assim foi muito útil. Deus queria usar Ananias para esta

tarefa, e o chamou. Ele deveria ir a certa casa, porém Deus lhe deixou claro que o

homem a quem ele deveria visitar era Saulo de Tarso, que precisava de algo de que

Ananias poderia dar-lhe, mas ele obedeceu, sua conversa foi simples, amiga e direta.

Ele o chamou de irmão Saulo, numa atitude impressionante de fé. Sua mensagem era

clara e adequada a situação de Saulo. Ele falou do Senhor Jesus, que poderia abrir

seus olhos cegos para preencher sua vida vazia, e sua obediência foi recompensada

com a adesão de um convertido notável a Igreja.

Neste ponto abordamos vários métodos de Paulo na pregação do evangelho,

mostrando a diversidade e criatividade dos missionários da época e as formas simples

empregadas, expandindo a Palavra para todos os lugares. Assim, veremos a seguir

os métodos de evangelismo através do ensino, um grande pilar na pregação do

Evangelho de Cristo Jesus, realizado pelos primeiros missionários.

Paulo também usava o ensino como forma de anunciar sua mensagem. Para

Paulo, o ensino também teve fundamental importância na proclamação da palavra de

Deus. Ele é parte inerente da grande Comissão, “Ensinando-os a guardar todas as

coisas que vos tenho ordenado. E eis que estou convosco todos os dias até a

consumação do século.” (Mt 28, 20). E, assim, o ensino serviu para incentivar e

motivar os missionários que pregavam a Palavra de Deus e tinham essa forma de

pregação. Por isso, a pesquisa destaca, nessa parte, o presente método. Desta forma,

o evangelismo realizado através do ensino, demonstra o quanto o mesmo foi de vital

importância no processo de evangelização e para o seu êxito. Isso causava nos

cristãos da época um forte sentimento de gratidão e não poderia haver dúvidas de que

a principal motivação para a evangelização era teológica.

63

Eles evangelizavam pela experiência extraordinária do amor de Deus, que

Jesus Cristo lhes proporcionara. Deus, em sua essência, precisava estabelecer

alguns critérios para a expansão de Sua Palavra. Ele precisava de uma estratégia

evangelística para que o Evangelho, ou seja, o nome de Jesus fosse espalhado por

toda a terra, cumprindo a sua missão de ter enviado o seu Filho Único para morrer por

todos os homens. O desafio da prática missionária consiste em aceitar pregar a

Palavra de Deus a tempo e fora de tempo.

Assim as forma que Paulo utilizou-as para pregar ao evangelho foram aqui

demonstradas, tanto aos judeus quanto aos gentios, sem esquecer de mencionar a

percepção de Paulo na estratégia que ele adotou para pregar a Palavra de Deus, isto

porque ele conhecia os dois lados da moeda, tanto tinha acesso ao judeu quanto aos

gentios. E, assim, fortalecia sua estratégia para ganhar as almas perdidas, resgatando

o maior número de pessoas possível, para a salvação no Senhor Jesus.

Paulo delimita as suas estratégias, a fim de traçar o objetivo de sua missão nas

cidades, ele traçava suas estratégias de acordo com o que tinha em suas mãos para

a pregação da Palavra. Portanto, se de um local ele usava palavras simples, em outro

empregava um grego fluente, sentindo-se cada vez mais à vontade com a linguagem

urbana. Desta forma, Paulo desenvolveu também, através do ensino, a pregação da

Palavra de Deus, despertando em seus ouvintes o interesse pela leitura desta Palavra

que transforma o homem, contribuindo significativamente para uma evolução nos

métodos acima mencionados, auxiliando-nos a desenvolver, em nosso tempo, outros

métodos para a pregação da Palavra de Deus, sem esquecer que esses métodos

desenvolvidos por nós, hoje, precisam estar alicerçados na Palavra de Deus. Pois, se

não for assim, não teremos êxito na execução dos mesmos ou banalizaremos a

pregação do evangelho.

64

3.3 AS VIAGENS MISSIONÁRIAS DE PAULO EM ATOS DOS APÓSTOLOS

Figura 1 – Mapa da Primeira viagem missionária de Paulo

Fonte: Bíblia de Genebra. Mapa 13.

Também no caso da primeira missão oficial na diáspora judaica, em Antioquia

fora da Palestina, a iniciativa é do Espírito Santo que escolhe Barnabé e Paulo. No

episódio de Cornélio, a presença divina atua em profundidade na vida dos

personagens envolvidos. O testemunho gratuito do Espírito provoca uma “conversão”

também em Pedro que deve abandonar algumas resistências que o prendem à

religião judaica para poder encontrar o pagão Cornélio.

Esta nova realidade deverá ser reconhecida publicamente pela Igreja de

Jerusalém, pois aos pagãos, Deus concedeu a conversão para a vida, ou seja, a

reviravolta histórica que produz a passagem da missão cristã do mundo judaico ao

mundo pagão é atribuída unicamente à iniciativa de Deus. Assim Paulo e Barnabé

voltando da primeira atividade missionária relatam à comunidade de Antioquia e a de

Jerusalém, confirmando tudo aquilo que Deus tinha feito com eles abrindo aos pagãos

a porta da fé.

Lucas mostra que todos os protagonistas da missão atuam segundo um

projeto guiado pela iniciativa divina. A difusão do cristianismo primitivo é fruto da

resposta pronta e generosa dos que foram enviados pelo Jesus ressuscitado, os quais

atuam sob o impulso do Espírito Santo.

65

Segundo Fabris, as etapas do desenvolvimento missionário são outro critério

que preside a narração dos Atos, segundo ele:

Jerusalém e Antioquia são os dois polos de expansão na primeira parte dos Atos, passando pelos centros intermediários ou de ligação, representados pelas cidades de Samaria e Cesaréia, onde pela primeira vez um grupo de cristãos batizados é reconhecido como “igreja” de pleno direito. Depois, o centro de gravidade se desloca para fora da Palestina, embora sempre se centralizando em Jerusalém e Antioquia; vez por outra se localiza nos grandes centros urbanos da macedônia, quais são Felipos e Tessalônica, e da Grécia, quais são Atenas e Corinto, ou da Ásia proconsular, como Troâde e Éfeso. (FABRIS, 1984, p. 29-30)

Objetivando abordar as viagens missionárias, Fabris ressalta a primeira

viagem missionária através da missão extrapalestinense que começa na comunidade

cristã de Antioquia e tem por protagonista Paulo e Barnabé.

Estes dois se associou como ajudante João Marcos que deixará o grupo antes de passar para Anatólia, onde Paulo toma direção e iniciativa. A atividade missionária dos dois cristãos se dirige aos judeus da diáspora ou emigração, que vivem nas cidades do planalto Anatólio, aproveitando da assembleia sinagogal em Antioquia da Pisídia, Paulo faz o seu primeiro discurso oficial aos judeus, proclamando que a espera deles se cumpre em Jesus, morto pelos de Jerusalém, mas ressuscitado por Deus. (FABRIS, 1984, p.38)

Diante da recusa dos judeus, Fabris também afirma que Paulo faz amadurecer

a decisão de dirigir-se aos pagãos que gravitam em torno da sinagoga judaica como

convertidos ou simpatizantes.

A reação violenta dos judeus obriga os missionários a se dirigirem para outras localidades como Icônio, Listra e Derbe; aí eles tem a possibilidade de reunir alguns grupos de convertidos, na maioria pagãos. Essa primeira missão conclui-se em Antioquia da Síria, na comunidade de onde haviam partido, e agora retornam relatando o que Deus fez, “abrindo a porta da fé aos gentios” conforme Atos 14,27. Desta forma, prepara-se o terreno para nova grande missão de Paulo nas cidades da bacia oriental do mediterrâneo. (FABRIS, 1984, p.38-39)

Fabris também afirma que esta nova grande missão é denominada a grande

viagem missionária de Paulo, sendo realizada em duas etapas sucessivas.

Levando em primeiro lugar a Macedônia-Grécia; ficando em Corinto durante um ano e meio; depois segue para a Ásia, onde permanece por cerca de três anos, fazendo sede em Éfeso. Ou seja, uma rápida interrupção não marca propriamente um rompimento nessa grande missão extrapalestinense entre os gentios. Assim idealmente a viagem missionária de Paulo se inicia em Jerusalém e termina no areópago de Atenas, Paulo desmascara o caminho errado da idolatria, e ao

66

mesmo tempo acolhe a busca autentica de Deus, busca que desabrocha na adesão de fé a Jesus ressuscitado. Diante do fanatismo em que o povo aclama a deusa-mãe Artemis em Éfeso, os missionários cristãos recebem o atestado e a confirmação sobre a verdade e a força do anuncio cristão. O último ato dos Atos relata a “paixão” de Paulo, quando ele chega a Jerusalém, após a longa e frutífera viagem missionária na Diáspora. (FABRIS, 1984, p.39-40)

E, assim, Fabris conclui o seu pensamento afirmando que O próprio Espírito

e a Palavra fizeram surgir e ainda animam, através de uma corrente ininterrupta de

missionários, as várias comunidades com sede nos grandes centros urbanos fora da

palestina.

A salvação de Deus, anunciada pela primeira vez em terras da Palestina em favor de todos os homens, realiza-se a partir dessas comunidades, que se conservam unidas pela trama de relações cristãs mediadas por novos protagonistas encarregados por Paulo; haja vista um discurso programático aos presbíteros de Éfeso. Na realidade, trata-se do mesmo anuncio que pela primeira vez ressoou na sinagoga de Nazaré e se tornou história de salvação proclamada pelas testemunhas autorizadas de Jesus ressuscitado. Uma história de salvação, cuja iniciativa está no desígnio divino profeticamente antecipado nas Escrituras que se realizou no evento histórico de Jesus ressuscitado, o qual vive na comunidade cristã convocada pela força do Espírito. (FABRIS, 1984, p.39-40)

Destaca-se aqui que as viagens missionárias de Paulo. É importante atentar

que tais viagens foram o ápice da expansão do mandato missional no início da igreja

primitiva, onde o evangelho pode ser estabelecido num caminho sem volta. A primeira

viagem missionária de Paulo (At 13,1-52;14,1-28) foi ao mesmo tempo inspiradora e

aterrorizante, uma bênção e uma provação. Quando Paulo e Barnabé voltaram de sua

jornada, relataram com entusiasmo tudo que havia acontecido. Deus havia feito coisas

tremendas: muitos haviam se tornado cristãos, Igrejas se estabelecido, presbíteros

designados, a mensagem confirmada por milagres e a Palavra de Deus espalhada.

Eles também relataram a oposição feita pelos líderes religiosos, a expulsão de cidades

e os apedrejamentos, às vezes quase fatais. Mas através disso tudo eles sabiam que

não seriam parados porque os Espírito Santo os enviara e estava com eles

De acordo com a Palavra do Senhor ressuscitado, o testemunho tinha sido

dado em Jerusalém e em toda a Judeia e Samaria. Agora, o horizonte se amplia aos

confins da terra. Até este momento, a evangelização tinha se limitado a Palestina e

Síria. Ninguém ainda havia tido a visão de levar as boas novas para as várias nações.

Não é provável que o Espírito Santo tenha revelado sua vontade apenas para o

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pequeno grupo de cinco líderes, porque isso significaria três deles sendo instruídos a

respeito dos outros dois.

De acordo com a citação acima referente aos cinco líderes, o autor dos Atos,

que na tradição é considerado originário de Antioquia, fala da presença na

comunidade de Antioquia de “profetas e mestres”, e assim, Fabris elenca um grupo

de cinco, são eles:

Barnabé, Simeão, chamado o Negro, Lucio, da cidade de Cirene, Manaém, companheiro de infância do governador Herodes e Saulo cf. Atos 13,1. “Havia na igreja de Antioquia profetas e mestres: Barnabé, Simeão, por sobrenome Níger, Lúcio de Cirene, Manaém, colaço de Herodes, o tetrarca, e Saulo”. O primeiro e o ultimo nome desse grupo, Barnabé e Saulo, são duas personagens conhecidas por sua atividade de anúncio, instrução e animação da comunidade cristã de Antioquia. Isso poderia contribuir para dar o significado mas preciso e concreto aos dois títulos “profetas e mestres”, que servem de cabeçalho para a lista dos cinco nomes. Trata-se de pessoas que, por suas qualidades carismáticas, como Barnabé, ou por sua competência doutrinal, como Paulo, são capazes de estimular o crescimento e a expansão da Igreja local de Antioquia. (FABRIS, 2008, p.197).

É mais provável que o texto se refira aos membros da Igreja como um todo,

uma vez que tanto eles quanto os líderes são mencionados juntamente no verso um.

Da mesma forma, quando Paulo e Barnabé retornaram, eles reuniram a Igreja.

Prestaram contas a Igreja, pois haviam sido comissionados pela Igreja. E, assim,

Rinaldo Fabris continua afirmando que os outros três são cristãos de Antioquia

representativos do ambiente compósito e rico da comunidade cristã.

Segundo Fabris: Simeão, chamado o Negro – Niger é um adjetivo latino grecizado – é um africano. Lucio tem um nome correspondente ao latim Lucius. Ele provém da diáspora judaica da cidade africana de Cirene. Os judeus da cirenaica também uma sinagoga em Jerusalém e a primeira evangelização dos gregos pagãos de Antioquia é provida pelo grupo de judeu-cristãos helenistas ligados a diáspora dessa cidade do norte da África (At 6,9) “Levantaram-se, porém, alguns dos que eram da sinagoga chamada dos Libertos, dos cireneus, dos alexandrinos e dos da Cilícia e Ásia, e discutiam com Estêvão”, e (At 11,20) “Alguns deles, porém, que eram de Chipre e de Cirene e que foram até Antioquia, falavam também aos gregos, anunciando-lhes o evangelho do Senhor Jesus.” Manaem é um judeu que pode ostentar o titulo honorífico sýntrophos, “companheiro de infância” de um dos filhos e sucessores de Herodes Magno. Ele provém de família nobre, aparentada ou próxima ao ambiente dos príncipes herodianos, pois foi educado na corte juntamente com Herodes Antipas, Tetrarca da Galiléia e da Peréia. (FABRIS, 2008, p.197).

68

Essa primeira viagem missionária ilustra a versatilidade extraordinária dos

apóstolos em adaptar-se a situações diferentes. Paulo parecia estar igualmente a

vontade com indivíduos ou multidões, judeus ou gentios, religiosos ou sem religião,

letrados ou iletrados, amistosos ou hostis. Desta forma, o aspecto mais notável na

primeira viagem missionária foi a consciência apostólica da direção divina. Foi o

próprio Espirito Santo de Deus que disse a Igreja de Antioquia para que separasse

Barnabé e Paulo; foi ele quem os enviou, os conduziu de um lugar para o outro e lhes

deu poder em sua pregação, de modo que muitos foram convertidos e Igrejas foram

estabelecidas. A Igreja que os enviou os havia recomendado a graça de Deus, e ao

voltar eles relataram “quantas coisas fizera Deus com eles e como abrira aos gentios

a porta da Fé”. É verdade que o Espírito realizara o trabalho “com eles” em

cooperação e parceria, mas ele fizera o trabalho e eles lhes deram crédito. A graça

viera dele; a glória deveria a ele.

Todavia, afirma Fabris, que para a primeira missão além das fronteiras da

província Síria são escolhidos Barnabé e Saulo: Essa eleição é atribuída a iniciativa de Deus, que se manifesta no clima de oração preparada e acompanhada pela pratica do jejum. É o Espirito Santo que, segundo o autor dos Atos, diz: “Separem para mim Barnabé e Saulo, a fim de fazerem o trabalho para o qual eu os chamei”. (At 13.2). Num segundo momento, a comunidade, numa reunião toda ela caracterizada pela oração e pelo jejum, impõe as mãos sobre so dois escolhidos para expressar de modo visível não só a invocação dos dons de Deus, mas também a confirmação do encargo deles e a sua participação na obra do Senhor. Lucas, que evita atribuir a Barnabé a a Saulo o título de “Apóstolos”, ao apresentar a investidura missionária deles na Igreja de Antioquia recorre a todos os elementos da ordenação apostólica. De fato, não é por acaso que ele começa a narrativa da missão de Chipre nesta frase solene: “enviados pelo Espírito Santo, Barnabé e Saulo desceram a Selêucia e daí navegaram para Chipre” (At 13,4). (FABRIS, 2008, p.198).

Stott afirma que Lucas chegou a um ponto decisivo em sua narrativa. Segundo

ele, Paulo ao cumprir a profecia do Senhor ressurreto, seu nome foi testemunhado em

Jerusalém e toda Judeia e Samaria.

O horizonte se alarga até os confins da terra. Os dois diáconos evangelistas prepararam o caminho. Estevão através do seu ensino martírio, Filipe através de sua evangelização ousada junto aos samaritanos e ao etíope. Mesmo efeito tiveram as duas principais conversões relatadas por Lucas, a de Saulo, [...] agora, cumprida a sua missão, voltaram de Jerusalém. É verdade que a leitura melhor é para Jerusalém. Nesse caso, o verso indicaria que retornaram após terem cumprido a sua missão em Jerusalém. Mas essa construção é desajeitada e a evidência textual deve ser ignorada devido as

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exigências do contexto, ou seja, que Barnabé e Saulo, que tinham viajado de Antioquia para Jerusalém, com a sua oferta, agora voltavam de Jerusalém para Antioquia depois de entrega-la. E mais, levaram consigo a João, apelidado Marcos, que os acompanharia quando partiram para a primeira expedição missionária. (STOTT, 1990, p. 241).

O primeiro alvo da viagem dos dois missionários Barnabé e Saulo é a ilha de

Chipre. Para esta ilha tinham chegado alguns judeu-cristãos helenistas banidos de

Jerusalém, depois da morte de Estevão. É importante ressaltar que a escolha de

Chipre é compreensível não só pelo fato de Barnabé ser originário da ilha, mas porque

é o alvo mais fácil de ser atingido, partindo de Selêucia, um pouco distante de

Antioquia. Desta forma, outros judeu-cristãos, que chegaram em Antioquia como

Barnabé, também eram originários de Chipre, sendo a maior e mais importante ilha

do Mediterrâneo oriental.

Para Bosch em Antioquia já havia bastante gente que trabalhava na mesma

direção. Acompanhando Barnabé, Paulo embarca rumo a Chipre e indo depois para

a Ásia menor passando por Perge de Panfília, Antioquia da Psídia, Icônio, Derbe e

Listra, realizando em grande escala a vocação que tinha recebido. E, continua Jordi

afirmando que na volta desta viagem, o cristianismo “Antioqueno” está talvez mais

difundido do que o judeu-cristianismo de Jerusalém. (Isso dará todo o relevo). (BOSH,

1997, p. 70),

Catorze anos depois, subi outra vez a Jerusalém com Barnabé, levando também a Tito. 2 Subi em obediência a uma revelação; e lhes expus o evangelho que prego entre os gentios, mas em particular aos que pareciam de maior influência, para, de algum modo, não correr ou ter corrido em vão.3 Contudo, nem mesmo Tito, que estava comigo, sendo grego, foi constrangido a circuncidar-se.4 E isto por causa dos falsos irmãos que se entremeteram com o fim de espreitar a nossa liberdade que temos em Cristo Jesus e reduzir-nos à escravidão; [...] 7 antes, pelo contrário, quando viram que o evangelho da incircuncisão me fora confiado, como a Pedro o da circuncisão [...] 9 e, quando conheceram a graça que me foi dada, Tiago, Cefas e João, que eram reputados colunas, me estenderam, a mim e a Barnabé, a destra de comunhão, a fim de que nós fôssemos para os gentios, e eles, para a circuncisão; 10 recomendando-nos somente que nos lembrássemos dos pobres, o que também me esforcei por fazer. (Gl 2, 1-10).

A missão Paulina em Chipre tem o ambiente urbano de Antioquia e o know-

how inter-religioso da recém iniciada comunidade cristã na cidade Síria são a origem

do primeiro plano missionário de grande alcance. Ele amadurece no clima de

70

entusiasmo espiritual favorecido por algumas personalidades carismáticas e

culturalmente preparadas.

Segundo Bosch, a primeira viagem apostólica termina com a perseguição por

parte dos judeus, pois em Listra apedrejaram-no até crerem que estivesse morto

“Sobrevieram, porém, judeus de Antioquia e Icônio e, instigando as multidões e

apedrejando a Paulo, arrastaram-no para fora da cidade, dando-o por morto”. (At

14,19). (BOSCH, 1997, p. 72).

Não se sabe exatamente quanto tempo durou essa primeira viagem. O ponto

de partida foi Antioquia, um lugar que havia se tornado um tipo de centro do

Cristianismo entre os gentios. Basicamente a viagem foi concentrada na Ilha de Chipre

e na parte sudeste da província romana da Galácia. Barnabé foi o líder até um

determinado momento da viagem, e Paulo era o pregador principal. João Marcos

servia como auxiliador dos missionários principais. Entretanto, João Marcos os deixou

e retornou para Jerusalém. A partir desse ponto, o apóstolo Paulo assumiu a liderança

da missão.

Figura 2 Mapa da segunda viagem missionária de Paulo

Fonte: Bíblia de Genebra, Mapa 14.

A segunda viagem missionária de Paulo está registrada em Atos 15, 36-

41;16;18,1-23.

71

O propósito dessa viagem, conforme o próprio Paulo, era visitar os irmãos por

todas as cidades em que a Palavra do Senhor já havia sido anunciada “Alguns dias

depois, disse Paulo a Barnabé: Voltemos, agora, para visitar os irmãos por todas as

cidades nas quais anunciamos a palavra do Senhor, para ver como passam. ” (At

15,36).

Paulo, que está em Antioquia, tem o desejo de visitar as cidades em que eles

pregaram durante a primeira viagem missionária. Ele chama Barnabé novamente para

ir, e esse aconselha Paulo a chamar João Marcos também para a viagem com eles.

Porém, Paulo, receoso, não aceita, pois na primeira missão, João Marcos voltou para

casa no meio da viagem. Desse modo, Barnabé não aceita ir com Paulo e decide

pregar a Palavra de Deus com João Marcos, e eles vão para Chipre. Já Paulo escolhe

Silas, também chamado de Silvano, para o acompanhar na viagem, e os primeiros

lugares que eles vão são a Síria e a Cilícia. Depois, Paulo e Silas partem para Derbe

e Listra; ali os dois encontram um discípulo de Paulo chamado Timóteo, que dava bom

testemunho de fé.

Segundo Fabris, nesta segunda viagem após uma divergência com Barnabé

por causa de João Marcos, Paulo leva consigo Silas e, futuramente, Timóteo, segundo

ele:

Depois da assembleia de Jerusalém, que restabelece a paz na Igreja Antioquena, o autor dos Atos retorna a narrativa da atividade missionária itinerante de Paulo. Após a separação de Barnabé, por causa de João Marcos, Paulo escolhe Silas como um novo colaborador que fora um dos dois delegados da Igreja de Jerusalém encarregados de levar a carta do concílio a Igreja de Antioquia. Lucas o apresenta como uma pessoa muito estimada na Igreja de Jerusalém e dotada de carisma profético, capaz de falar com eficácia para animar as comunidades cristãs. O seu nome Silás é transcrição grecizada do original Shei’la, forma aramaica do nome hebraico Sha’ul. Essa afinidade com o nome hebraico-aramaico de Paulo já o predispõe a colaboração com o Apóstolo dos pagãos. Em suas cartas, Paulo o menciona com o nome latinizado Silouanôs, “Silvanus/Silvano” (2ª Co 1,19) “Porque o Filho de Deus, Cristo Jesus, que foi, por nosso intermédio, anunciado entre vós, isto é, por mim, e Silvano, e Timóteo, não foi sim e não; mas sempre nele houve o sim.” e, (2ª Ts 1.1) “Paulo, Silvano e Timóteo, à igreja dos tessalonicenses, em Deus, nosso Pai, e no Senhor Jesus Cristo.” (FABRIS, 2008, p. 277)

Desta forma, Paulo junto com Silas, deixa Antioquia da Síria e segue em

direção a Cílicia. Eles atravessam a planície de Cilícia e chegam a Tarso. E, assim,

efetivamente o percurso da nova viagem pode ser reconstruído porque a intenção de

Paulo era fazer uma visita aos irmãos em todas as cidades. “Alguns dias depois, disse

72

Paulo a Barnabé: Voltemos, agora, para visitar os irmãos por todas as cidades nas

quais anunciamos a palavra do Senhor, para ver como passam” (At 15,36). Onde

havia anunciado anteriormente, junto com Barnabé, a Palavra do Senhor. As únicas

localidades que Lucas informa são Derbe e Listra.

Em Listra, onde Paulo correu o risco de ser agredido a ponto de ser dado como

morto após ter realizado a cura de um coxo de nascença, ele resolve escolher mais

um colaborador, a saber, Timóteo. Timóteo é um cristão da Igreja local de Listra,

nascido de um matrimônio misto. É importante ressaltar que a mãe de Timóteo é uma

judia que se tornou cristã, e o pai é grego, isto é, um pagão (At 16,1) “Chegou também

à Derbe e a Listra. Havia ali um discípulo chamado Timóteo, filho de uma judia crente,

mas de pai grego; essa informação é confirmada pelo que se diz na segunda carta

pastoral, colocada sob o nome de Paulo e endereçada ao “amado filho Timóteo”. O

Apóstolo se lembra dele com grande afeto e recorda a fé sincera de seu discípulo, “a

mesma que havia antes na sua vó Loide, depois em sua mãe Eunice”, (2 Tm 1,5) “pela

recordação que guardo de tua fé sem fingimento, a mesma que, primeiramente,

habitou em tua avó Lóide e em tua mãe Eunice, e estou certo de que também, em ti;

Ele sabe que Timóteo, desde menino, foi educado no conhecimento das Escrituras

judaicas (2ª Tm 3,14-15) “Tu, porém, permanece naquilo que aprendeste e de que

foste inteirado, sabendo de quem o aprendeste 15 e que, desde a infância, sabes as

sagradas letras, que podem tornar-te sábio para a salvação pela fé em Cristo Jesus;

Segundo o autor dos Atos, “os irmãos de Listra e Icônio davam bom testemunho de

Timóteo” (At 16,2) “dele davam bom testemunho os irmãos em Listra e Icônio”; assim

como Silas era muito respeitado pelos irmãos em Jerusalém (At 15,22) “Então,

pareceu bem aos apóstolos e aos presbíteros, com toda a igreja, tendo elegido

homens dentre eles, enviá-los, juntamente com Paulo e Barnabé, a Antioquia: foram

Judas, chamado Barsabás, e Silas, homens notáveis entre os irmãos”;

Para Fabris “o fato de que Timóteo seja conhecido e estimado não só em Listra,

onde vive com sua família, mas também pelos cristãos de Icônio, leva a supor que ele

tenha uma função de animador, ou seja, coordenador dos diversos grupos cristãos

das localidades da licaônia. (FABRIS, 2008, p.279)

Após esses acontecimentos, eles vão para Trôade, onde Paulo tem uma visão:

“um homem macedônio pede ajuda”. Então Paulo percebe que o Senhor mostrava

que deveria anunciar o evangelho na Macedônia. E, a partir deste evento, eles

decidem ir para lá, mas antes passam por Filipos, uma colônia que fazia parte da

73

Macedônia. Ao anunciarem a Palavra de Deus lá, certa mulher, chamada Lídia, abre

o coração e se atenta às palavras de Paulo. Ela se converte e é batizada, sendo assim

a primeira pessoa da Europa, conforme a Bíblia, convertida ao Evangelho,

“Tendo, pois, navegado de Trôade, seguimos em direitura a Samotrácia, no dia seguinte, a Neápolis 12 e dali, a Filipos, cidade da Macedônia, primeira do distrito e colônia. Nesta cidade, permanecemos alguns dias. 13No sábado, saímos da cidade para junto do rio, onde nos pareceu haver um lugar de oração; e, assentando-nos, falamos às mulheres que para ali tinham concorrido. 14 Certa mulher, chamada Lídia, da cidade de Tiatira, vendedora de púrpura, temente a Deus, nos escutava; o Senhor lhe abriu o coração para atender às coisas que Paulo dizia. 15 Depois de ser batizada, ela e toda a sua casa, nos rogou, dizendo: Se julgais que eu sou fiel ao Senhor, entrai em minha casa e aí ficai. E nos constrangeu a isso”. (At 16,11-15)

Essa segunda viagem cobriu um território bem maior do que a primeira,

estendendo-se até a Europa. A obra evangelística foi concluída na Macedônia e Acaia,

e as cidades visitadas foram: Filipos, Tessalônica, Beréia, Atenas e Corinto. O

apóstolo Paulo permaneceu em Corinto um longo tempo,

“E ali permaneceu um ano e seis meses, ensinando entre eles a palavra de Deus. 12 Quando, porém, Gálio era procônsul da Acaia, levantaram-se os judeus, concordemente, contra Paulo e o levaram ao tribunal, 13 dizendo: Este persuade os homens a adorar a Deus por modo contrário à lei. 14 Ia Paulo falar, quando Gálio declarou aos judeus: Se fosse, com efeito, alguma injustiça ou crime da maior gravidade, ó judeus, de razão seria atender-vos; 15 mas, se é questão de palavra, de nomes e da vossa lei, tratai disso vós mesmos; eu não quero ser juiz dessas coisas! 16 E os expulsou do tribunal. 17 Então, todos agarraram Sóstenes, o principal da sinagoga, e o espancavam diante do tribunal; Gálio, todavia, não se incomodava com estas coisas. 18 Mas Paulo, havendo permanecido ali ainda muitos dias, por fim, despedindo-se dos irmãos, navegou para a Síria, levando em sua companhia Priscila e Áquila, depois de ter raspado a cabeça em Cencréia, porque tomara voto”. (At 18,11-18)

Ainda em Filipos, uma jovem com um espírito de adivinhação que dava muito

lucro aos seus senhores passa a perturbar Paulo e Silas afirmando a todo momento

que eram servos do Deus Altíssimo. Em uma ocasião, Paulo, já enfadado com a

situação, expulsa o demônio da menina, e quando os seus senhores descobrem que

ela não podia adivinhar mais, mandam açoitá-los e prendê-los. Na prisão, mesmo

feridos, Paulo e Silas oram e louvam ao Senhor, e até os outros prisioneiros ouvem.

Perto da meia-noite, um terremoto atinge o lugar, os alicerces se movem e as portas

dos cárceres se abrem. O carcereiro acorda assustado com a situação, mas Paulo o

74

acalma. Então ele se prostra perante Paulo e Silas e decide crer no Senhor Jesus.

Anuncia aos seus familiares e todos se convertem e são batizados no nome de Jesus

Cristo. Diante disso, Paulo e Silas se recusam a sair secretamente como criminosos

comuns. Nisso, pela manhã, os magistrados mandam soltá-los.

De Filipos, os missionários vão para Tessalônica, onde fundam uma Igreja. Eles

expõem, explicam e demonstram a Palavra de Deus, principalmente sobre o plano de

salvação de Cristo. De Tessalônica para Beréia, as pessoas recebem a Palavra de

Deus de bom grado e examinam tudo o que os missionários dizem sobre as Escrituras.

Muitas pessoas passam a crer nas palavras de Paulo e Silas, mulheres gregas da

classe nobre e homens. De Beréia, os dois partem para Atenas, onde Paulo vê que o

povo se encontra entregue à idolatria. Ele decide ir ao Areópago, onde vê um santuário

dedicado “Ao Deus Desconhecido”; Paulo afirma ser esse o Deus que prega. Em

seguida, inicia um sermão, dizendo que Deus fez o mundo, e tudo o que nele há.

Combate a idolatria dos atenienses e afirma que Deus não habita em templos feitos

por mãos humanas. Alguns são tocados e creem nas palavras de Paulo, entre eles

Dionísio e Dâmaris. De Atenas, Paulo vai para Corinto, e ali conhece um judeu

chamado Áquila e sua mulher, Priscila. Eles, todos os sábados, iam nas sinagogas

combater os antigos costumes dos judeus e convenciam muitos judeus e gregos.

Diante disso, alguns judeus que não aceitam as palavras de Paulo o prendem e o

levam a Gálio, o procônsul da Grécia, porém este manda soltarem-no. De Corinto,

Paulo vai para Éfeso, onde prega e deixa Áquila e Priscila cuidando dos irmãos.

Paulo vai à Jerusalém para saudar a igreja de lá e, em seguida volta para

Antioquia, terminando assim a chamada segunda viagem missionária. Essa segunda

viagem alcançou os povos da Europa, principalmente Filipos, Tessalônica e Atenas.

Ali ele pregou o Evangelho e exerceu sua atividade profissional de fazer tendas.

Foi dessa cidade que ele enviou a Epístola aos Gálatas e, provavelmente, um pouco

depois, também enviou as Epístolas aos Tessalonicenses. Paulo também parou

brevemente em Éfeso, e ao partir prometeu retornar em outra ocasião, “Rogando-lhe

eles que permanecesse ali mais algum tempo, não acedeu. 21 Mas, despedindo-se,

disse: Se Deus quiser, voltarei para vós outros. E, embarcando, partiu de Éfeso.” (At

18:20,21)

75

Figura 3 – Mapa da Terceira Viagem missionária de Paulo

Fonte: Bíblia de Genebra, Mapa 15

A terceira viagem missionária de Paulo está registrada em Atos 18,24-28;21,1-

16. O apóstolo Paulo atravessou a região da Galácia e Frígia e depois prosseguiu em

direção a Ásia e à sua principal cidade, Éfeso.

Segundo Marshall Éfeso era a cidade principal da província romana da Ásia,

segundo ele:

Ela ficava situada na foz do rio Caister numa importante rota comercial para o interior. Era uma cidade livre com sua própria assembleia, e tinha um templo famoso da deusa Artemis (Diana). A cidade era um ponto de encontro entre vários tipos de influências culturais, e tinha uma grande população judaica que desfrutava de privilégios especiais. (1999, p. 283)

Ali Paulo ficou por um longo período, cumprindo a promessa anteriormente

feita:

“Durante três meses, Paulo frequntou a sinagoga, onde falava ousadamente, dissertando e persuadindo com respeito ao reino de Deus. 9Visto que alguns deles se mostravam empedernidos e descrentes, falando mal do Caminho diante da multidão, Paulo, apartando-se deles, separou os discípulos, passando a discorrer diariamente na escola de Tirano. 10 Durou isto por espaço de dois anos, dando ensejo a que todos os habitantes da Ásia ouvissem a palavra do Senhor, tanto judeus como gregos”. (At 19:8-10)

É provável que todas, se não pelo menos a maioria das sete igrejas da Ásia,

tenha sido fundada durante esse período. Parece que antes de Paulo escrever a

Primeira Epístola aos Coríntios, ele fez uma segunda visita à cidade de Corinto,

76

regressando logo depois para Éfeso. Quando deixou Éfeso, Paulo partiu para a

Macedônia. Sendo assim, o resultado das viagens missionárias de Paulo foi

extraordinário. O Evangelho se espalhou consideravelmente. Estima-se que perto do

final do período apostólico, o número total de cristãos no mundo era em torno de

quinhentos mil. Apesar de esse resultado ter sido fruto de um árduo trabalho que

envolveu um enorme número de pessoas, conhecidas e anônimas, o obreiro que mais

se destacou nessa missão certamente foi o Apóstolo Paulo.

Paulo quando chega em Éfeso com seus colaboradores Áquila e Priscila para

continuar a sua viagem, pois, não havia dúvida que Paulo realmente visitou Éfeso e é

altamente impossível que não houvesse aproveitado a oportunidade para a

evangelização.

Segundo Marshall:

Esta visita, porém, foi rápida, e Paulo recusou-se a estendê-la em função da recepção favorável dada a sua mensagem. Pois Paulo queria chegar em Jerusalém a tempo para a festa, cf. Atos 20,16; “Porque Paulo já havia determinado não aportar em Éfeso, não querendo demorar-se na Ásia, porquanto se apressava com o intuito de passar o dia de Pentecostes em Jerusalém, caso lhe fosse possível”. É possível que tenha acertado a verdade. Se a festa era a páscoa, Paulo deve ter se apressado, pois era curto o período entre o recomeço da navegação após o inverso e o festival. Desta forma, Paulo despediu-se com uma promessa no sentido de que voltaria, se fosse esta a vontade de Deus. às palavras refletem uma formula pagã retomada pelos cristãos conforme Atos 21,14; “Como, porém, não o persuadimos, conformados, dissemos: Faça-se a vontade do Senhor!” e Tiago 4,15; “Em vez disso, devíeis dizer: Se o Senhor quiser, não só viveremos, como também faremos isto ou aquilo.” (MARSHAL, 1999, p, 283-284)

Paulo segue agora de Corínto a Éfeso, Cesaréia, Jerusalém, Antioquia e

novamente para Éfeso, atravessando a Galácia. A sua narrativa é muito resumida ou

por falta de informação, ele ainda estava em Filipos, ou porque o seu propósito era

levar Paulo da Acaia a Ásia, onde o Espírito lhe havia proibido de pregar conforme

Atos 16,6; E, percorrendo a região frígio-gálata, tendo sido impedidos pelo Espírito

Santo de pregar a palavra na Ásia, nos seus dois anos em Corínto aos seus três anos

em Éfeso, sem demorar-se com seus meses de viagem.

A estada de Paulo em Éfeso por ocasião da terceira viagem missionária mostra

que Paulo, ao chegar na cidade com Áquila e Priscila, resolve deixá-los ali, e, porém,

entrando na sinagoga, pregava aos judeus:

77

“Mas Paulo, havendo permanecido ali ainda muitos dias, por fim, despedindo-se dos irmãos, navegou para a Síria, levando em sua companhia Priscila e Áqüila, depois de ter raspado a cabeça em Cencréia, porque tomara voto. 19Chegados a Éfeso, deixou-os ali; ele, porém, entrando na sinagoga, pregava aos judeus. 20Rogando-lhe eles que permanecesse ali mais algum tempo, não acedeu. 21 Mas, despedindo-se, disse: Se Deus quiser, voltarei para vós outros. E, embarcando, partiu de Éfeso”. (At 18,18-21)

E, desta forma, a missão de Paulo foi muito mais aceita pelos judeus em Éfeso

do que em Corinto a ponto de lhe pedirem para ficar. Rogando-lhe eles que

permanecessem ali mais algum tempo, porque precisava ele de participar da próxima

festa em Jerusalém de qualquer forma, pois se entendia ser esta festa a festa da

Páscoa. Qualquer que fosse o motivo da pressa de Paulo, despedindo-se disse: se

Deus quiser, voltarei para vós outros. E, embarcando, partiu de Éfeso (At 18,21) “Mas,

despedindo-se, disse: Se Deus quiser, voltarei para vós outros. E, embarcando, partiu

de Éfeso”. E, chegando a Cesaréia, o porto principal da Palestina, desembarcou

subindo a Jerusalém e, tendo saudado a Igreja, desceu para Antioquia. “Chegando a

Cesaréia, desembarcou, subindo a Jerusalém; e, tendo saudado a igreja, desceu para

Antioquia.” (At 18,22)

Desta forma, Stott faz suas considerações dizendo que:

A Igreja que saudou ao desembarcar certamente não foi a de Cesaréia, mas a de Jerusalém, a cerca de cento e quatro quilômetros o litoral, pois “os termos subir e descer são usados com tanta frequência para indicar uma viagem para dentro e para fora de Jerusalém, que esse uso se consagrou” pois, havendo passado algum tempo em Antioquia, provavelmente do início do verão doa no 52 ao início da primavera do ano 53, e tendo, sem dúvida, relatado a Igreja toda a sua segunda viagem missionária, saiu, iniciando aquela que seria sua terceira e última viagem. Primeiro, ele deve ter ido em direção ao norte, depois para o oeste, passando pelos Portões da Cilícia, vencendo a cordilheira de Taurus, atravessando sucessivamente a região da Galácia e Frígia, confirmando todos os discipulos cf. Atos 18,23; “Havendo passado ali algum tempo, saiu, atravessando sucessivamente a região da Galácia e Frígia, confirmando todos os discípulos”. Isso significa que ele revisitou as Igrejas de Antioquia da Psídia, Icônio, Listra e Derbe, que ele havia restabelecido em sua primeira viagem missionária e consolidado na segunda. (STOTT, 1994, p. 339).

E, Fabris, faz suas afirmações a respeito da terceira viagem de Paulo com sua

chegada a Éfeso, O novo centro da missão de Paulo, depois de Corinto, é a cidade

de Éfeso.

Essa metrópole, capital da província da Ásia Menor e sede do procônsul romano, devia ser a meta da primeira viagem missionária

78

de Paulo, depois da assembleia o concilio de Jerusalém em companhia de Silas e Timóteo. Os três missionários itinerantes, porém, não puderam realizar esse projeto por causa das circunstâncias adversas interpretadas como sinal da vontade de Deus. o autor dos Atos narra que eles decidiram atravessas as regiões centrais da Anatólia, “uma vez que o Espírito Santo os proibira de pregar a Palavra de Deus na Ásia cf. Atos 16,6; “E, percorrendo a região frígio-gálata, tendo sido impedidos pelo Espírito Santo de pregar a palavra na Ásia,” assim, a difusão dos Evangelho segue outro itinerário, chegando primeiro as províncias do Império Romano da Grécia, a Macedônia e Acaia. (FABRIS, 2008, p. 387)

E Fabris continua afirmando que Paulo, dirigindo-se para a Síria, deixa Corinto

em Companhia de Aquila e Priscila, faz escala no porto Éfeso e ai se detém por alguns

dias. Vai à sinagoga e se põe a discutir com os judeus, que pedem para que fique

mais tempo com eles. Paulo, contudo, se despede da comunidade judaica de Éfeso,

prometendo voltar “se Deus quiser”. (FABRIS, 2008, p. 387)

Em seguida, continua sua viagem até Cesaréia, o porto da Judeia e da Samaria.

Daí sobe para saudar a Igreja de Jerusalém e, depois, desce para Antioquia da Síria.

Entretanto, o casal cristão Áquila e Priscila, permanece é Éfeso, preparando assim de

algum modo o terreno para a próxima missão de Paulo na província da Ásia. De fato,

tendo passado certo tempo na Igreja de Antioquia, ele se pôe de novo em viagem

“percorrendo sucessivamente as regiões da Galácia e da Frígia fortalecendo todos os

discípulos” conforme Atos 18,23: “Havendo passado ali algum tempo, saiu,

atravessando sucessivamente a região da Galácia e Frígia, confirmando todos os

discípulos”. Tem assim a oportunidade de rever e confirmar na fé os pequenos grupos

cristãos que se formaram nas localidades da Anatólia central durante a missão

anterior. Depois de atravessar essas regiões do planalto, Paulo chega finalmente a

Éfeso. (FABRIS, 2008, p. 387)

Não é possível deixar de falar da, importante, figura de Apolo na terceira viagem

de Paulo, pois antes de Lucas retomar a história da volta de Paulo a Éfeso, e da sua

obra ali, inclui um relato da chegada de Apolo naquele cenário.

79

4 AS PROPOSTAS EVANGELÍSTICAS DE PAULO

Segundo Marshall, com a ausência de Paulo em Éfeso, Apolo viria a ser uma

figura importante na Igreja em Corinto, e, na realidade, ficou sendo ponto focal

dalguma rivalidade contra Paulo.

A presente passagem indica que, embora ele pessoalmente não tivesse sido instruído por Paulo, mesmo assim recebeu a sua educação cristã da parte dos colegas de Paulo, de tal modo que pode-se supor que compartilhava dos conceitos teológicos deste, conforme o próprio Paulo da a entender conforme 1ª Coríntios 3,5-9; “Quem é Apolo? E quem é Paulo? Servos por meio de quem crestes, e isto conforme o Senhor concedeu a cada um. 6 Eu plantei, Apolo regou; mas o crescimento veio de Deus. 7 De modo que nem o que planta é alguma coisa, nem o que rega, mas Deus, que dá o crescimento. 8Ora, o que planta e o que rega são um; e cada um receberá o seu galardão, segundo o seu próprio trabalho. 9Porque de Deus somos cooperadores; lavoura de Deus, edifício de Deus sois vós.” Apolo era uma forma abreviada de Apolônio. Era natural de Alexandria, e restante da discrição das suas capacidades se encaixa bem neste detalhe. É bem possível que Apolo devesse a sua eloquência e capacidade para debater a sua criação em Alexandria. Como judeu culto, era poderoso nas Escrituras, e conseguiu fazer bom uso cristão dos seus conhecimentos. (MARSHAL, 1999, p.285)

E, finalizando a terceira viagem missionária de Paulo, o mesmo aparece como

o instrumento do poder de Deus de forma ilustre e relevante. Ele anuncia o Espírito

Santo aos doze discípulos de João, separa os discípulos de Jesus e solenemente

institui a Igreja em Éfeso. Seu testemunho ao Senhor Jesus é seguido em toda a Ásia,

tanto pelos judeus quanto pelos gregos; milagres extraordinários são realizados por

suas mãos e enfermidades curadas de várias pessoas apenas ao tocar as suas

vestes. O poder do inimigo esvazia-se frente ao poder que está em Paulo; o

entendimento dos pagãos é atingido, e o domínio do inimigo sobre eles se vai. O medo

caiu sobre muitos que seguiam artes mágicas, e eles mesmos deram fim a seus livros

de magia, queimando-os. “Assim a Palavra do Senhor crescia poderosamente e

prevalecia”. (At 19,20). Desta forma, o poder do Senhor foi demonstrado na pessoa e

na missão de Paulo, e seu apostolado estabelecido de forma irrepreensível.

Paulo havia agora passado cerca de três anos de incessante trabalho em

Éfeso. E ele mesmo diz, ao se dirigir aos anciãos em Mileto: “Portanto, vigiai,

lembrando-vos de que durante três anos, não cessei, noite e dia, de admoestar com

80

lagrimas a cada um de vós”. (At 20,31). É também suposto que, durante este período,

ele tenha feito uma rápida visita e tenha escrito a Primeira Epístola aos Coríntios.

A proposta evangelística de Paulo tinha como objetivo a aplicação de suas

estratégias e metodologias pastorais nos grandes centros urbanos do seu tempo. E,

desta forma, ao abordarmos suas estratégias e seus métodos evangelísticos,

podemos ver o seu entusiasmo, sonho e seu amor pela missão, pois tudo isso tinha

relação com a forma com que Paulo se relacionava com as pessoas e como as

cativava com a sua prática e a sua forma de ensinar. Paulo, não anunciava a si

mesmo, pelo contrário, anunciava a Jesus Cristo, o ressuscitado dentre os mortos.

Para Paulo, ser um seguidor de Jesus era um privilégio e não via isso como mérito,

pois para ele seguir e falar de Jesus exigia abnegação, clareza e coesão.

Segundo Sayão, o Apóstolo Paulo é, sem dúvida, o maior teólogo do

cristianismo:

A sistematização fundamental da fé cristã primitiva tem na figura de Paulo seu modelo mais importante. Apesar de ter sido um Apóstolo tardio. E de não ser o autor mais prolífico do Novo Testamento, Paulo é de fato o primeiro teólogo sistemático cristão, o sentido básico da palavra. Estamos seguros de que não é demais afirmar que ele foi a pessoa mais importante da história da fé cristã depois do próprio Jesus Cristo. Todavia, uma avaliação do pensamento paulino não é tarefa nada fácil. Muitas questões devem ser enfrentadas no trabalho de tal envergadura. (SAYÃO, 2009, p.97)

As ações pastorais de Paulo podem ser definidas através da forma como ele

utilizava o seu tempo e se relacionava com as pessoas que colaboravam com ele,

como ele as admirava, incentivavas e as honrava. Seus colaboradores faziam parte

integral dos seus planos em suas propostas evangelísticas, pois Paulo dedicava a sua

vida às missões, ele respirava missões, era um apaixonado pela proclamação da

Palavra de Cristo Jesus

Sayão descreve o que foi a relevância de Paulo dentro da proposta

evangelística a partir de sua conversão,

Paulo cresceu em meio à tradição judaica religiosa, muito bem instruído da Torá hebraica, e apendeu o grego, o hebraico e o aramaico, língua comum entre os judeus na época, ainda muito jovem, Paulo foi estudar com o famoso rabino Gamaliel, neto de Hillel. Como fariseu, Paulo tornou-se um estrito seguidor da Lei e da tradição judaica. Depois de tornar-se um dos principais perseguidores da Igreja Cristã incipiente, Paulo converteu-se a Cristo, de forma extraordinária, na famosa estrada de Damasco. Junto com a conversão, Paulo

81

recebeu o chamado apostólico para pregação do evangelho de Cristo ao mundo gentílico. A conversão de Paulo ocorreu provavelmente entre os anos 32-35, sendo seguida por uma viagem à Arábia e a Damasco. É possível que no ano 35 ou 38 Paulo tenha visitado Pedro em Jerusalém. Depois disso, o Apóstolo dirigiu-se as regiões da Cilícia da Síria, onde possivelmente ficou cerca de dez anos (35/38-45/46). Sua segunda visita a Jerusalém deve ter ocorrido em 46. Daí em diante, começam as grandes viagens missionárias de Paulo, o Apóstolo dos gentios. . (SAYÃO, 2009, p.99)

Paulo se movia com muita desenvoltura no ambiente greco-romano. Nascido

em Tarso, Paulo viveu grande parte da sua vida nas cidades greco-romanas. Por isso

devia saber falar muito bem a língua grega e conhecer os meandros desse mundo.

Uma das marcas de Paulo foi a transformação que ele sofreu em sua vida pessoal,

conhecida como a sua conversão. No entanto, a maior mudança que ele sofreu não

foi a de judeu zeloso para cristão fervoroso, mas a sua posição social. De homem

respeitado, da tribo de Benjamim, educado aos pés de Gamaliel, cheio de zelo pela

Lei e possível cidadão romano e membro do Sinédrio, Paulo assumiu uma condição

de desempregado, pobre, perseguido, humilhado, sem segurança, sem casa, membro

de uma seita que vivia à margem da sociedade. Para garantir seu sustento, sujeitou-

se ao trabalho manual relegado aos escravos e considerado vergonhoso pela

mentalidade greco-romana. Enfim, a maior mudança que ele sofreu foi à mudança de

status.

Essa mudança social se dá quando Paulo começa a vivenciar o cristianismo,

de fato, quando Paulo vai morar com as famílias de cristãos, trabalhar com e como

elas, passar por necessidades, vulnerabilidade, descaso, frustração e opressão. E,

assim, começa a haver uma aproximação entre Paulo e seus ouvintes, ou seja,

quando se torna pobre entre os pobres e os excluídos.. Sendo assim, a sabedoria da

linguagem e a cruz não são conciliáveis, pois ele diz: “Cristo me enviou para anunciar

o evangelho sem recorrer à sabedoria do discurso, para não tornar inútil a cruz de

Cristo” (1ª Co 1,17). Para Paulo, pregar o Evangelho não é a sua profissão. Evangelho

e vida é a mesma coisa. O projeto de Deus e seu projeto pessoal são a mesma coisa

e não andam separados. Já estão acontecendo através de seu trabalho e pregação.

Assim, Paulo fala do Reino da Glória.

O Evangelho alimenta e dá vida à ação. É ele que conjuga o esforço para uma

conduta diferente no tempo presente e no mundo. Enquanto os cristãos esperam o

futuro, são chamados, admoestados e exortados a viver no tempo presente de forma

82

digna diante de Deus. Desta forma, Paulo nos apresenta sua conduta que é

considerada digna diante de Deus dentro da situação concreta de sua proposta

evangelística em Atos dos Apóstolos.

Paulo se apresenta como modelo para os cristãos. Fabricava tendas deixando

muito clara a sua intenção de não viver às custas dos outros. Seu bem-estar não

deveria ser resultado ou produto da miséria de outros. Isso não precisa ser dito, mas

é evidente que as comunidades, em suas análises, perceberão e saberão dar valor

àqueles que na sociedade vivem assim. Paulo mostra, com isso, o conflito existente

entre trabalho e vida digna, entre a falsa ética do trabalho, patrocinada pelo império,

e a vida reclamada pelo Evangelho. Paulo não quer ser um peso para com os que

convivem com ele. E, assim se prontifica a trabalhar com afinco, propondo assim uma

mudança de paradigma clerical.

Devido ao embate em Atenas, Paulo passa ver a missão a partir de outro prisma

e assim propõe solidariedade uns para com os outros, ou seja, na prática afirma a

necessidade de exercer o amor de um pelo outro e um trabalho construído em novas

relações, isto é, não depender de ninguém. Paulo sabia, por experiência própria, o

que isso significava. Agora aconselhava os seus ouvintes a buscar e praticar uma vida

com base no relacionamento uns com os outros. Pois, a pratica missionária de Paulo

é posicionada através de uma estrutura em que através das dificuldades em algumas

situações vivida por ele em alguns centros urbanos, Paulo, usa sua sabedoria e seu

conhecimento para proclamar o evangelho aos gentios exercendo o seu papel de

ministro dos a estes cuidando para que os gentios, através da mensagem do

evangelho, suas ofertas fossem aceitáveis. Pois à maioria dos interpretes considera

Paulo missionário tanto dos judeus como dos gentios, em parte baseando-se nas

descrições da sua atividade missionária.

É importante ressaltar que Paulo usou em suas ações evangelísticas, algumas

estratégias essenciais na proclamação da mensagem de Cristo Jesus. E, para o uso

destas estratégias ele dirigiu-se aos grandes centros urbanos de sua época, sendo

esses centros situados junto as principais vias comerciais, marítimas e terrestres, pois

grande parte desses centros localizavam-se nas zonas portuárias viabilizando assim

o abastecimento destes centros urbanos. O que movia essas cidades era o fator

econômico, ou seja, o livre comércio e a intensificação do uso da moeda como

elemento de troca que permitiu esse sistema.

83

Paulo nos apresenta uma forma digna, de viver, diante de Deus e resistir às

pressões socioeconômicas. Entre as muitas pressões recebidas, Paulo menciona

aqui, de forma mais acentuada, a de seus concidadãos, os judeus. Um grupo elitizado,

ligado a Jerusalém e à sinagoga. Muitos são comerciantes e consequentemente

detentores de poder e influência. É compreensível que queriam a continuidade e a

manutenção de todo o sistema político, econômico e religioso que os favorecia. Paulo

não esconde o conflito, que já é velho enfrentando-os ao dizer que é uma questão de

raciocínio afirmando que quem foi capacitado para matar Jesus Cristo e os profetas,

é lógico e claro que o perseguirá e, também, os seus seguidores. Desta forma, as

pressões recebidas não são uma novidade. Já vêm de longa data. Por isso, não são

recebidas com surpresa. Antes, podem ser recebidas como consequência do

testemunho dado. Afinal, é natural esperar oposição à nova proposta de vida que

nasce a partir do confronto com o Evangelho.

Paulo também apresenta alguns pontos importantes em suas ações

evangelísticas em Atos dos Apóstolos e, assim se pode começar a abordar o Mistério

da Graça do Evangelho no serviço, ou seja, o que conduzia e mantinha Paulo na

missão era a sua paixão pela mensagem da graça. Ele era um apaixonado pelo

evangelho, e um apaixonado não mede esforços. É capaz de ir até onde for preciso

para alcançar almas sofrendo privações, fome, frio, humilhações e prisões. Paulo

amava o fazia, estava absolutamente certo de sua missão, não exigia qualquer tipo

de pagamento, nem sequer quando estava em situações de dificuldade extrema ele

permitia que as comunidades o ajudassem, exceto quando os irmãos de Filipos, uma

de suas comunidades predileta,

“Tanto sei estar humilhado como também ser honrado; de tudo e em todas as circunstâncias, já tenho experiência, tanto de fartura como de fome; assim de abundância como de escassez; 13 tudo posso naquele que me fortalece. 14Todavia, fizestes bem, associando-vos na minha tribulação. 15 E sabeis também vós, ó filipenses, que, no início do evangelho, quando parti da Macedônia, nenhuma igreja se associou comigo no tocante a dar e receber, senão unicamente vós outros; 16 porque até para Tessalônica mandastes não somente uma vez, mas duas, o bastante para as minhas necessidades.” (Fl.4, 12-16).,

É importante entender que a comunidade de Filipos passa por uma tensão

interna. Esse era um problema comum nas primeiras comunidades cristãs. Porém, no

caso de Filipos, acontecia principalmente pela influência externa. A competição em

função do nível social estava em voga. Pois, essa dinâmica era introduzia na

comunidade cristã de Filipos, que não conseguia deixar de ser influenciada pelo

84

restante da sociedade de Roma. Paulo chama a sua atenção, apresentando como

exemplo o próprio Cristo ,

Pois ele, subsistindo em forma de Deus, não julgou como usurpação o ser igual a Deus; 7 antes, a si mesmo se esvaziou, assumindo a forma de servo, tornando-se em semelhança de homens; e, reconhecido em figura humana, 8 a si mesmo se humilhou, tornando-se obediente até à morte e morte de cruz. 9 Pelo que também Deus o exaltou sobremaneira e lhe deu o nome que está acima de todo nome, 10 para que ao nome de Jesus se dobre todo joelho, nos céus, na terra e debaixo da terra, 11 e toda língua confesse que Jesus Cristo é Senhor, para glória de Deus Pai. (Fl. 2,6-11)

Esse exemplo de Jesus desarma qualquer argumento. Não há como não

entender isso. Aqui Paulo nos põe em sincronia o Cristo Sofredor. Paulo, além viver o

mistério da graça e do serviço, ele vive o seu martírio. Não é difícil perceber isso nas

entrelinhas de suas cartas. Na carta aos Filipenses, certamente escrita na prisão, ele

manifesta isso claramente em (Fi 1.21-23) “Para mim, pois, o viver é Cristo e o morrer

é lucro. Mas, se o viver na carne é para mim motivo de trabalho frutífero, não sei o

que escolher. Estou entre dois desejos, o de partir e estar com Cristo, que é

incomparavelmente melhor, mas permanecer na carne é mais necessário por causa

de vocês”. Na prisão, Paulo se encontra num dilema: morrer ou viver. De um lado,

encontra-se diante da morte e chega a desejá-la, pois é uma situação real, pois na

prisão, diante das ameaças e torturas, as esperanças vão se dissipando.

A morte parece não abalar suas estruturas, pois para quem busca viver cada

momento em Cristo, o morrer é o encontro absoluto e irrefutável com ele: “se viver é

Cristo, o morrer é lucro”. No entanto, pela causa do evangelho, é mais importante

permanecer vivo e assim continuar a serviço da comunidade. Mas, diz Paulo, “se o

meu sangue for derramado em libação, em sacrifício e serviço de vossa fé, me alegro

e me rejubilo com todos vocês; e vocês também se alegrem e se rejubilem comigo”

cf. (Fi 2,17). Dar a vida por causa Cristo era o testemunho mais digno que um cristão

podia dar.

Paulo ressalta em suas ações evangelísticas que o nascimento da Igreja se

deu nas casas particulares, ele deixa bem claro em suas cartas. É normal ver Paulo

dirigir-se às lideranças das comunidades fazendo a seguinte afirmação: “saudai

igualmente a igreja que se reúne na casa deles” (Rm 16,5). Paulo conhecia bem as

sinagogas e falava a mesma linguagem dos seus pares, iniciando ali a sua mensagem.

85

Paulo, porém, ao perceber que seu trabalho não avançava, direcionou sua estratégia

começando a reunir pessoas nas suas casas. Jesus gostava de frequentar as casas,

pois às sinagogas e aos templos ia para denunciar e enfrentar as autoridades para

depois se retirar e entrar nas casas, onde ensinava, curava, comia e celebrava com

os excluídos. É numa casa onde Jesus celebra a última ceia, na parte superior dela:

No primeiro dia da Festa dos Pães Asmos, vieram os discípulos a Jesus e lhe perguntaram: Onde queres que te façamos os preparativos para comeres a Páscoa? 18 E ele lhes respondeu: Ide à cidade ter com certo homem e dizei-lhe: O Mestre manda dizer: O meu tempo está próximo; em tua casa celebrarei a Páscoa com os meus discípulos. 19 E eles fizeram como Jesus lhes ordenara e prepararam a Páscoa. 20 Chegada a tarde, pôs-se ele à mesa com os doze discípulos. (Mt 26, 17-20)

Nas casas as relações não passam necessariamente pelo poder clerical, mas

pela fraternidade, pela irmandade e pela filiação. Paulo gosta de usar a linguagem da

casa quando se dirige às comunidades. É comum vê-lo chamar as pessoas de irmãos,

irmãs, filhos e pais, assim como o próprio Cristo cf. (Jo 13,33): “Filhinhos, ainda por

um pouco estou convosco; buscar-me-eis, e o que eu disse aos judeus também agora

vos digo a vós outros: para onde eu vou, vós não podeis ir”. É também comum vê-lo

pedir que todos se tratem como irmãos e irmãs. Entre os primeiros cristãos, casa, lar

e Igreja se misturavam.

Paulo também apresenta em suas propostas evangelísticas a participação de

leigos na liderança das primeiras comunidades. O cristianismo nascente, na sua

essência, é leigo, nasce dentro do judaísmo como uma seita. Os primeiros seguidores

de Cristo não pertencem ao clero do judaísmo. São pescadores, em sua maioria.

Quando a Igreja primitiva começa a surgir no seu embrião, tendo a sua frente os

apóstolos, entre eles Tiago, Pedro e João, estes não são as autoridades eclesiásticas

responsáveis pela propagação do evangelho. Segundo o livro dos Atos dos Apóstolos

houve uma divergência entre as duas comunidades cristãs em Jerusalém, a dos

hebreus e a dos helenistas. Estes reclamavam que suas viúvas estavam sendo

esquecidas na distribuição diária

“Ora, naqueles dias, multiplicando-se o número dos discípulos, houve

murmuração dos helenistas contra os hebreus, porque as viúvas deles estavam sendo esquecidas na distribuição diária. 2 Então, os doze convocaram a comunidade dos discípulos e disseram: Não é razoável que nós abandonemos a palavra de Deus para servir às mesas. 3 Mas, irmãos, escolhei dentre vós sete homens de boa reputação, cheios do Espírito e de sabedoria, aos quais encarregaremos deste serviço; 4 e,

86

quanto a nós, nos consagraremos à oração e ao ministério da palavra. 5 O parecer agradou a toda a comunidade; e elegeram Estêvão, homem cheio de fé e do Espírito Santo, Filipe, Prócoro, Nicanor, Timão, Pármenas e Nicolau, prosélito de Antioquia. 6 Apresentaram-nos perante os apóstolos, e estes, orando, lhes impuseram as mãos”. (At 6.1-6)

Para que os apóstolos possam se dedicar exclusivamente à Palavra, são

escolhidos sete homens, todos gregos, para servirem à mesa. Porém eles não se

atêm ao serviço diaconal, mas se dedicam à Palavra, que, aliás, será a causa da morte

de Estêvão, primeiro na lista dos escolhidos e primeiro mártir da Igreja, no entanto,

após a morte de Estêvão, começa uma grande perseguição aos cristãos helenistas

de Jerusalém e todos, menos os apóstolos, se dispersaram

“E Saulo consentia na sua morte. Naquele dia, levantou-se grande perseguição contra a igreja em Jerusalém; e todos, exceto os apóstolos, foram dispersos pelas regiões da Judéia e Samaria. 2Alguns homens piedosos sepultaram Estêvão e fizeram grande pranto sobre ele”. (At 8,1-2)

“Entretanto, os que haviam sido dispersos iam por toda parte anunciando à

Palavra” (At 8,4). E, assim, segundo os Atos dos Apóstolos, com os cristãos helenistas

nascem às comunidades cristãs. E as comunidades vão dando o contorno à Igreja.

Ou seja, os cristãos que se dispersaram, encontraram culturas e religiosidades

diferentes. Isto é, a mensagem de Jesus não veio pronta, mas foi sendo gerada, de

acordo, com as culturas aonde os dispersos chegavam. Sendo assim, as lideranças

leigas tiveram papel decisivo na formação da Igreja primitiva. Paulo foi um dos seus

principais promotores. Pode-se afirmar que contar com leigos e leigas foi uma de suas

principais estratégias pastorais. Paulo andava sempre com muitas pessoas, deixava-

se ajudar por elas na missão, valorizava seu trabalho, incentivava-as e dividia as suas

responsabilidades. Silas, Barnabé, Timóteo, Dâmaris, Tabita e Lídia e o casal Priscila

e Áquila estão entre os seus principais companheiros e companheiras de caminhada.

Em suas cartas, sempre faz questão de saudar muitas lideranças, mencionando seus

nomes. A carta aos Romanos apresenta uma lista de trinta pessoas saudadas por

Paulo (Rm. 16,1-16).

Todas essas pessoas parecem ser conhecidas pelo apóstolo, provavelmente

da comunidade de Éfeso, onde ele morou muito tempo, e mencionadas na carta aos

Romanos. O que chama a atenção é que, das trinta pessoas que Paulo saúda, onze

são mulheres. Além do já conhecido casal de lideranças, Priscila e Áquila, há entre

87

elas uma mulher de nome Febe. Ela é diaconisa da Igreja de Cencreia e é enviada

por Paulo para expor e debater, em seu lugar, o conteúdo da carta com a comunidade.

Na lista ainda chama a atenção um casal, Andrônico e Júnia. Eles são os apóstolos

que antecederam Paulo na fé e foram seus companheiros de prisão.

Paulo ainda apresenta em suas ações evangelísticas em Atos um projeto

alternativo a comunidade cristã, sendo um divisor de águas na ação pastoral de Paulo

e em suas propostas, ou seja, Paulo insiste que no que a comunidade cristã deve

construir um projeto alternativo. Pois, enquanto o modelo do império exclui,

marginaliza, escraviza, divide a sociedade em classes, prioriza o lucro, a luta pelo

poder e o nível social, a comunidade cristã deveria inserir, integrar, partilhar, promover

a igualdade social, a fraternidade, a solidariedade e o amor.

Para Paulo, está muito óbvio que a proposta alternativa do evangelho do Cristo

Crucificado por essas novas relações sociais. Paulo, inclusive, exige uma ruptura com

a sociedade opressora e corrupta. A comunidade de Corinto passava por rixas

internas, e por isso alguns membros denunciavam os seus próprios irmãos nos

tribunais injustos da cidade. “Entretanto, vós, quando tendes a julgar negócios

terrenos, constituís um tribunal daqueles que não têm nenhuma aceitação na igreja.”

(Co 6, 4). Como um tribunal corrupto pode julgar a causa dos santos? Paulo diz à

comunidade que rompa com esses tribunais e ela mesma escolha pessoas entre os

seus para julgar as causas da comunidade.

Por fim, Paulo apresenta a comunidade cristã e parte da sociedade a Ceia do

Senhor, concluindo assim as suas ações de evangelismo em Atos dos Apóstolos, pois,

na Ceia do Senhor todos os membros da comunidade participavam sem distinção e

preferência. Mesmo os que não tinham com que contribuir, como os mais pobres, os

escravos, também sentavam à mesa e partilhavam do alimento, pois por influência de

parte desta sociedade, algumas pessoas da comunidade, que tinham melhores

condições, não queriam participar com os demais e comiam sua própria ceia à parte.

Paulo critica duramente essa atitude, pois a Ceia do Senhor é o momento alto em que

a comunidade vive já a plenitude da fraternidade, da partilha e da fé e todas as

diferenças sociais que devem desaparecer. Por isso Paulo insiste para que os cristãos

não participem dos banquetes oferecidos aos ídolos (1ª Cor.10,14-22).

Para Paulo, se a Ceia do Senhor é a expressão máxima do projeto da

solidariedade e do amor anunciado por Jesus Cristo, os banquetes aos ídolos são a

expressão máxima do sistema opressor que matou Jesus Cristo e persegue às

88

comunidades cristã. Desta forma, o evangelho através, de Paulo, fez muitas

transformações, fez crescer comunidades e impactou a ordem em muitos lugares

como, por exemplo, ele afirma:

“Mas apesar de maltratados e ultrajados em Filipos, como é do vosso

conhecimento, tivemos ousada confiança em nosso Deus, para anunciar o Evangelho

de Deus, em meio a muita luta”. (1ª Ts 2.2).

4.1. A PROPOSTA EVANGELÍSTICA DE PAULO EM TESSALÔNICA

A proposta evangelística de Paulo em Tessalônica é de vital importância para

a expansão do evangelho, em especial na pregação de Paulo, o apóstolo para as

nações.

Fabris, faz um relato sobre a fundação da cidade de Tessalônica informando a

importância desta cidade na expansão do Evangelho na missão em Atos dos

Apóstolos. Segundo Fabris:

A cidade de Tessalônica fundada em 316-315 a.C. pelo general Cassandro, unifica e substitui as locadlidades que surgiam na localidade chamada Therme ela toma o nome da mulher de Cassandro, uma meia irmã de Alexandre, Tiessaloniké, como lembrança da vitória sobre os tessálios. A cidade se ergue na planície da foz formada pelos rios Aliakmonas, Galikós e Axios, que desembocam no golfo Termaico. Aí chegam as estradas que vem do Adriático, como a “Via Egnatia”, e aquelas que provém dos Balcâs. Por isso, Tessalônica se torna principal porto da Macedônia, substituindo o já assoriado porto de Pela. Depois da conquista romana de 146 a.C., é escolhida como capital da grande província macedônia, subdividida em quatro distritos. (FABRIS, 2008, p.317)

Para Paulo e Silas, Tessalônica parece ser um terreno fértil para o Evangelho.

O cristianismo cresce e se desenvolve. Ali os extremos coexistem. Produzem-se

muitas riquezas, que têm como consequência muita pobreza e marginalização. A

proposta cristã não defende e nem reproduz esta lógica. Nesse sentido, ela é

alternativa. Parece que está exatamente ali o grande desafio dos cristãos: levar uma

proposta alternativa para além dos próprios muros. Pois, na luta para pregar as boas

novas em Tessalônica, Paulo e seu companheiro de viagem Silas ao chegarem a

Tessalônica estavam na segunda viagem missionária de Paulo, e essa era a primeira

oportunidade que tinham de levar as boas novas de Cristo à região hoje conhecida

como Europa.

89

E assim, Paulo, procurou primeiro os judeus, porque eles já conheciam as

Escrituras. Isso dava base para conversas e os ajudava a entender as boas novas.

Paulo foi primeiro à sinagoga, onde dialogou com os judeus à base das Escrituras,

buscando explicar e provar com base nelas que era necessário que o Cristo sofresse

e fosse levantado dentre os mortos, e dizendo: “Expondo e demonstrando ter sido

necessário que o Cristo padecesse e ressurgisse dentre os mortos; e este, dizia ele,

é o Cristo, Jesus, que eu vos anuncio. ” (At 17,3). A mensagem central de Paulo era

polêmica, pois a ideia de um Messias que sofreu ia contra o ideal que os judeus tinham

de um vitorioso líder que viria para redimir o povo. Paulo, para convencer os judeus,

pensou, dialogou, expôs e confirmou tudo que falava através das Escrituras

mostrando ser um ótimo conhecedor da Palavra de Deus.

Segundo Fabris, a segunda etapa da missão Paulina na Macedônia é

Tessalônica, sede do procônsul romano.

A “Via Egnatia” que sai de Filipos e se dirige para o ocidente, atravessa rios e terrenos pantanosos. Com efeito, o monte pangeu, separa o mar da planície que se estende a oeste de Filipos e cria uma vasta zona pantanosa. A antiga estrada romana, que estende ao norte do monte, desce para o mar quando atinge o vale do rio Estrimon, atual Struma. Ba margem oriental, numa ilha formada pelo rio, há uns sessenta quilômetros de Filipos, surge a cidade de Anfípolis. A “Via Egnatia” passa por Anfípolis e chega até seu porto, e Eion, há uns 25 estádios, no golfo Estrimun. Seguindo em direção do ocidente, atravessa a parte setentrional da península calcídica, adaptando-se ao terreno ondulado das colinas e costeando a margem meridional do lago Volve e, depois, a do lago Koronia. Depois de uns quarenta quilômetros chega a cidadezinha de Apolônia. (FABRIS, 2008, p.316)

Paulo e Silas não param nem em Anfípolis e nem em Apolônia. Pois eles não

encontraram ali um ponto de apoio como um local para se reunirem onde poderiam

se encontrar com os pagãos adeptos e apreciadores do judaísmo.

Sem dúvida, os dois missionários, ainda se lembravam bem de seu

espancamento e prisão em Filipos, principal cidade da Macedônia. De fato, Paulo mais

tarde disse aos tessalonicenses que, depois do que haviam passado em Filipos,

pregar as boas novas de Deus na cidade deles exigiu muita luta. Mas vamos nos

concentrar agora na visita de Paulo, quando a luta para pregar as boas novas nessa

cidade começou. Mas como os seus ouvintes poderiam aprender esta nova

mensagem que era muito profunda? Através de uma produtiva pregação, certo de

algumas dificuldades que apareceriam durante a caminhada.

90

Paulo ao chegar a Tessalônica, procurou primeiro os judeus, porque eles já

conheciam as Escrituras. Isso dava base para conversas e os ajudava a entender as

boas novas, sugerindo que esse costume talvez indicasse a preocupação com seus

conterrâneos ou um empenho de usar os judeus e outras pessoas tementes a Deus

como trampolim para sua obra entre os gentios. Assim, depois de chegar a

Tessalônica, Paulo foi primeiro à sinagoga, onde dialogou com [os judeus] à base das

Escrituras, buscando explicar e provar com base nas Escrituras que era necessário

que o Cristo sofresse e fosse levantado dentre os mortos, e dizendo: “Expondo e

demonstrando ter sido necessário que o Cristo padecesse e ressurgisse dentre os

mortos; e este, dizia ele, é o Cristo, Jesus, que eu vos anuncio.” (At 17,3).

A mensagem central de Paulo era polêmica, pois a ideia de um Messias que

sofreu ia contra o ideal que os judeus tinham de um vitorioso líder que viria para redimir

o povo. Paulo, para convencer os judeus, pensou, dialogou, expôs e confirmou tudo

que falava através das Escrituras mostrando ser um ótimo conhecedor da Palavra de

Deus. Mas como os seus ouvintes poderiam aprender esta nova mensagem que era

muito profunda? Através de uma produtiva pregação, certo de algumas dificuldades

que apareceriam durante a caminhada.

É importante ressaltar que em Tessalônica, Paulo e Silas encontram uma

comunidade judaica proativa que todos os sábados buscavam reunir-se na sinagoga,

pois Paulo buscava se manter com o próprio trabalho manual confeccionando suas

tendas, mesmo recebendo ajuda da comunidade de Filipos. Durante alguns sábados,

Paulo, conforme o costume, frequentava as reuniões da comunidade judaica, tinha a

oportunidade de apresentar o anúncio cristão. De fato, Paulo debate com os judeus,

baseado nas Escrituras, e “explicava e demonstrava para eles que o Messias devia

morrer e ressuscitar dos mortos. E acrescentava: ‘O Messias é esse Jesus que eu

anúncio a vocês’, “expondo e demonstrando ter sido necessário que o Cristo

padecesse e ressurgisse dentre os mortos; e este, dizia ele, é o Cristo, Jesus, que eu

vos anuncio.” (At 17,3)

Segundo Fabris,

Essa pregação paulina num ambiente da sinagoga não teve muito sucesso. De fato, o balanço lucano, embora lacônico, deixa transparecer algo da situação que acabou se criando algumas semanas depois. Apenas um pequeno grupo de judeus da colônia de Tessalônica adere à mensagem cristã de Paulo Silas. Entre estes, está Jasão que oferece aos dois missionários a hospitalidade em sua

91

casa. Seu nome, faz pensar num judeu helenizado abastado, conhecido e estimado no ambiente da cidade greco-romana de Tessalônica. ( 2008, 318)

Contudo, grande parte dos judeus continuava tímida, começando a observar a

presença dos novos colaboradores, sendo esses, um temor para a sinagoga.

De fato, os que recebem bem a mensagem de Paulo são os pagãos que

frequentam a sinagoga como tementes a Deus e algumas senhoras de classe altas e

abastadas. Ou seja, Paulo e Silas criam, em Tessalônica, uma dinâmica de origem

messiânica que se transforma concorrente em importância ao que a comunidade

judaica realizava no contexto pagão. Segundo Lucas, os judeus não rogaram em

resistir, conforme relata:

Os judeus, porém, movidos de inveja, trazendo consigo alguns homens maus dentre a malandragem, ajuntando a turba, alvoroçaram a cidade e, assaltando a casa de Jasom, procuravam trazê-los para o meio do povo. 6Porém, não os encontrando, arrastaram Jasom e alguns irmãos perante as autoridades, clamando: Estes que têm transtornado o mundo chegaram também aqui, 7 os quais Jasom hospedou. Todos estes procedem contra os decretos de César, afirmando ser Jesus outro rei. (At 17,5-7)

Marshall também corrobora com o texto acima dizendo que mesmo com a

missão sendo bem-sucedida em Tessalônica, quando estes pregavam nas sinagogas

judaicas ganhando convertidos judeus e os aderentes gentios, porém, quando

apareceram os problemas que originaram da inveja dos judeus não se referia ao

sucesso de Paulo entre os gentios, e, por não conseguirem prender Paulo por esta

acusação levaram seus amigos diante das autoridades e o acusaram de traição.

Marshall confirma que:

Os magistrados trataram do assunto ao tomar fiança deles no sentido de manterem a paz, e os cristãos, em vista disso, enviaram Paulo e Silas para a cidade vizinha de Beréia. Aqui, em nada desanimados, voltaram a fazer campanhas nas sinagogas com resultados encorajadores do mesmo tipo, até que uma delegação de judeus de Tessalônica veio incitar as multidões contra os cristãos. Mais uma vez foi julgada conveniente à partida de Paulo, e ele viajou para Atenas. (MARSHAL, 1999, p. 260)

Fabris volta a repetir o que outrora havia ocorrido nas outras cidades da

diáspora judaica, volta a acontecer em Tessalônica,

92

Os judeus, sobre o impulso dos zêlos religioso, procuram impressionar as autoridades locais organizando uma agitação na praça. Eles buscam os acusados inclusive na casa de Jasão, porém, Paulo e Silas já tinham fugido à um tempo. A difícil experiência em Filipos levou-os a não desafiar os opositores da praça, pois a frente da assembleia e “politarcas” da cidade, os judeus conseguem levar apenas Jasão e alguns judeu-cristãos que formam uma pequeníssima comunidade Tessalônissecense. (FABRIS, 2008, p.319)

Esta acusação feita a esses homens foi realizada, de certa forma, perigosa,

pois adquiria uma conotação política como aquela que levou Jesus a condenação

diante de Pilatos.

A mensagem de Paulo na sinagoga, dizendo que o Messias é aquele Jesus

que foi condenado a morte e ressuscitado por Deus, pode derivar para uma acusação

com conotações suspeitas em relação a autoridade romana.

O nome Messias traduzido para o grego significa “rei”, título reservado tão-só ao imperador. Portanto, o anúncio cristão numa cidade que é capital da província sede do procônsul, que goza dos privilégios de cidade livre, não pode deixar de chamar a atenção e as suspeitas das autoridades locais de Tessalônica. Com efeito, pois “politarcas” estão preocupados e procuram resolver a questão de modo administrativo, pedindo a Jasão uma fiança. Não entendemos bem se se contentam com um compromisso verbal ou se exigem um depósito em dinheiro, que deve ser considerado como perdido no caso de se repetir a incriminação. Não obstante essa solução, é muito arriscado para os dois missionárias cristãos permanecer em Tessalônica. Assim, a pequena comunidade cristã de Tessalônica organiza, durante a noite, a partida deles, para a localidade de Berrai, distante 75 quilômetros. (FABRIS, 2008, 320)

Desta forma, encontramos uma documentação importante sobre a missão

paulina em Tessalônica na primeira carta enviada por Paulo a esta comunidade cristã

e escrita algumas semanas depois dos acontecimentos da sua fundação. Sendo

assim, o cabeçalho da carta menciona os três missionários: Paulo, Silvano e Timóteo.

Este último havia se unido a eles partindo pouco tempo depois de Filipos e,

possivelmente, como na situação anterior, não se envolveu tumulto da praça que

havia obrigado Paulo e Silas saírem da cidade. Assim, Timóteo pode voltar a

Tessalônica em cogitar nenhuma suspeita ou correr riscos perigosos naquele

ambiente judaico.

Fabris, também relata que quando Timóteo desce de Beréia e chega em

Atenas, Paulo o envia a Tessalônica para ter notícias sobre a situação dessa Igreja

depois da “tempestade”. Ele teme que os sofrimentos, sobretudo a hostilidade do

93

ambiente, provoquem o desânimo entre os poucos cristãos de origem judaica e

desmoralizem o grupo de fiéis pagãos que são boicotados por seus conterrâneos.

(FABRIS, 2008, 321)

Desta forma, ele teve de fugir, obrigado a abandonar a jovem comunidade, pois

havia se tornado um ambiente perigoso para ele, motivo esse que serviu de base para

algumas suspeitas sustentadas por seus adversários. Eles diziam que Paulo e

seus colaboradores eram iguais a todos os outros propagadores da escolas filosóficas

e pregadores das novas doutrinas e ritos religiosos, que percorriam as grandes

cidades à procura de clientes que pudessem mantê-los. Segundo esses afirmavam

que se serviam do seu discurso de fácil expressão para atrair e chamar a atenção das

pessoas de posse tentando assim, tirar deles algum dinheiro. Pois, mesmo o fato de

Paulo não ter voltado a Tessalônica seria a prova de que ele não se interessa mais

pelos seus cristãos, abandonados ao primeiro sinal de perigo. Desta forma, podemos

observar adiante dois pontos importantes qe refutam essas afirmativas do abandono

de Paulo aos novos convertidos.

Em primeiro lugar, Paulo, em sua carta, se preocupa em responder a esses

boatos e especulações, baseando-se mais na negação dos fatos do que em

argumentos verbais. Paulo se apresenta em Tessalônica após a experiência de

Filipos, protegido somente da coragem que provinha de Deus a fim de anunciar o seu

Evangelho em meio a muitas tribulações.

Em segundo lugar, a prova de que ele não buscou nenhum favor nem ajuda

financeira de ninguém foi provado porque trabalhou com afinco dia e noite a fim de

não ser peso a ninguém, não obstante pudesse fazer valer sua função de Apóstolo

em relação aos novos convertidos. Na verdade, ele se comportou com os cristãos de

Tessalônica como uma mãe “aquecendo os filhos que amamentam”. Paulo escreve:

“Queríamos tanto bem a vocês, que estávamos prontos a dar-lhes não somente o

Evangelho de Deus, mas até a nossa própria vida, de tanto que gostávamos de vocês”

(1ª Ts 2,8). Mais uma vez ele apela para o testemunho deles: “Vocês sabem muito

bem que tratamos a cada um de vocês como um Pai trata seus filhos. Nós exortamos,

encorajamos e admoestamos vocês a viverem de modo digno de Deus, que os chama

para o seu Reino e glória. (1ª Ts 2.11-12).

Fabris, afirma que o diálogo epistolar de Paulo com os tessalonicenses deixa

conjecturar a matriz étnico-cultural desses primeiros convertidos e a situação eclesial

deles. Segundo ele:

94

Na maioria, provém de ambiente pagão, pois Paulo, numa retrospectiva sobre a sua missão em Tessalônica, relembra que eles se converteram, “deixando os ídolos e voltando-se para Deus, a fim de servir ao Deus vivo e verdadeiro. Falam também de como vocês esperam que Jesus venha do céu, o Filho de Deus, a quem Deus ressuscitou dentre os mortos. É Ele que nos liberta da ira futura”. cf. (1ª Ts 1.9-10). Essas expressões são um eco da primeira pregação de Paulo em ambiente pagão, mas familiarizado com o linguajar da fé religiosa bíblica, como o eram os pagãos simpatizantes que frequentavam a sinagoga. Na carta, porém, se reflete o conflito com a comunidade judaica de Tessalônica, pois Paulo diz: “Este [os judeus] mataram o Senhor Jesus e os profetas, e agora nos perseguem. Desagradam a Deus e são inimigos de todo mundo. Eles querem impedir-nos de pregar a salvação aos pagãos”. cf. (1ª Ts 2.15-16). (FABRIS, 2008, p. 323).

É interessante abordar como Paulo encerra sua carta, pois além da oração da

bênção, Paulo exorta os destinatários cristãos a se cumprimentarem mutuamente:

“Saúdem todos os irmãos com o beijo santo”. E antes da tradicional despedida, faz

um último e caloroso convite: “Peço-lhes encarecidamente que esta carta seja lida a

todos os irmãos” (1 Ts 5.26-27). Essas palavras de Paulo abrem uma fresta sobre a

organização e os relacionamentos internos daquela que é chamada de “a Igreja dos

tessalonicenses que está em Deus Pai e no Senhor Jesus Cristo.” (1ª Ts 1.1).

Segundo Fabris, para eles terem à disposição a carta ou várias pequenas

cartas enviadas por Paulo, talvez já tenham sido feitas cópias em Tessalônica. Elas

estão na origem do processo que levará à formação do epistolário paulino. (2008,

p.325)

4.2. A PROPOSTA EVANGELÍSTICA DE PAULO EM ATENAS

A proposta evangelística de Paulo em Atenas tem sua grande importância na

expansão da missão em Atos dos Apóstolos. Paulo ao chegar em Atenas encontra

um cenário novo para a sua proposta evangelística no que se refere a expansão do

evangelho.

Essa mudança geográfica, com certeza, influenciou Paulo em sua forma de

atuaçao pastoral quando se encontra em Atenas e, enquanto espera a chegada de

Silas e Timóteo, percorre a cidade no intuito de anunciar Jesus. Paulo vai primeiro à

sinagoga, como era seu costume, e depois à praça pública ou Ágora, onde os filósofos

debatiam entre si e outros buscavam aí as últimas novidades. Ele também vai à praça

para “transmitir sua mensagem”, à moda dos filósofos. Então estes o convidam a

95

apresentar a sua nova doutrina no areópago, que em outras épocas foi o tribunal de

Atenas, mas nesse momento, ao que parece, se tornou um espaço de debates

filosóficos e religiosos. Paulo, fundamentando bem os seus argumentos, inicia o seu

discurso diante dos magistrados. No entanto, sua estratégia de convencer os cidadãos

atenienses em seu terreno e fazendo uso de suas convicções filosóficas não dá

resultado. Nem lhe permitem terminar o discurso.

Foi um fracasso. Frustrado com Atenas, Paulo se dirige à cidade de Corinto e

vai morar com o casal Priscila e Áquila, exercendo a mesma profissão que eles:

Depois disto, deixando Paulo Atenas, partiu para Corinto. 2Lá, encontrou certo judeu chamado Áqüila, natural do Ponto, recentemente chegado da Itália, com Priscila, sua mulher, em vista de ter Cláudio decretado que todos os judeus se retirassem de Roma. Paulo aproximou-se deles. 3 E, posto que eram do mesmo ofício, passou a morar com eles e ali trabalhava, pois a profissão deles era fazer tendas. (Atos 18,1-3)

Em Atenas, Paulo queria ser filósofo; em Corinto, vai ser fabricante de tendas.

E, desta forma, Paulo tendo aprendido a lição em Atenas, em Corinto ele não se

apresenta com o domínio da oratória ou da sabedoria para proclamar a Boa Nova do

Evangelho. Sua mensagem nada tinha a ver com o discurso persuasivo da sabedoria

que quis usar em Atenas a fim de que a fé da comunidade não se fundasse sobre a

sabedoria dos homens, mas sobre o poder de Deus. Em Corinto, diferentemente do

ocorrido em Atenas, muitos acolhem e entendem a mensagem de Jesus crucificado.

Ali, Paulo consegue organizar uma grande comunidade, algo que não conseguiu em

Atenas. Obviamente, nessa comunidade, não há muitos sábios segundo a carne, nem

muitos poderosos ou de famílias de prestígio, pois, diz Paulo, o que é loucura no

mundo Deus escolheu para confundir os sábios, e o que é fraqueza no mundo Deus

escolheu para confundir os fortes.

Segundo Bosch:

Da Macedônia a Acaia, Paulo empreende uma longa viagem por mar de mais de quinhentos quilômetros sem evangelizar em nenhum lugar. Ia em busca dos grandes centros, a partir dos quais a Boa Nova irradiaria quase automaticamente por todo o território. Deve ter chegado a Atenas, cansado e ansioso de conseguir êxitos apostólicos que compensassem tanto esforço. (BOSH, 1997, p. 133)

Não obstante os atenienses fossem religiosos e ansiosos para discutir questões

religiosas, seu nível espiritual não era nada desejável, visto que viviam mergulhados

96

em ideias meramente humanas e incapazes de salvá-los. “Cuidado que ninguém vos

venha a enredar com sua filosofia e vãs sutilezas, conforme a tradição dos homens,

conforme os rudimentos do mundo e não segundo Cristo. ” (Cl 2.8)

Para Bosch, Atenas era ainda o maior centro cultural do mundo, símbolo de

sabedoria e da piedade gregas. Portanto, era o lugar para que Lucas fizesse com que

seu protagonista pronunciasse ali um discurso arquetípico da proclamação do

evangelho aos gentios.

Primitivamente, designava-se com o nome de Areópago (Areios pagos) um montículo situado ao sul da Acrópole, a colina de ares (Marte). Depois passou a designar também o conselho supremo de Atenas que, na época de Paulo, já tinha seu lugar de reunião noutro lugar, no pórtico de Zeus. Portanto, que Paulo fizesse um discurso no Areópago pode significar que o fez diante de um tribunal ou numa colina já então despovoada. (BOSCH, 1997, p. 135)

O Areópago de Atenas era um lugar a céu aberto num topo rochoso onde o

senado se reunia. Paulo, enquanto aguardava a chegada de Silas e Timóteo; seus

colaboradores de evangelização; passou a reparar os inúmeros templos, estátuas e

altares que o rodeavam, e não pôde se conter: tratou de ir à sinagoga local, e à praças,

onde procurava oportunidade para pregar, pois os frequentadores do Areópago eram

nobres intelectuais chamados areopagitas. É surpreendente imaginar como o Espírito

Santo capacitou Paulo a discursar no Areópago diante de um povo tão ligado à

idolatria. Havia também na cidade, supersticiosos, intelectuais, poetas, e seguidores

de várias correntes filosóficas e éticas dos quais se destacavam os epicureus e

estoicos com quem Paulo teve que se confrontar.

Porém, Bruce, afirma que alguns temas desse discurso já apareceram num

resumo do protesto de Barnabé e Paulo perante os moradores de Listra que se

preparavam para lhes prestar honras divinas, mas a Areopagítica é mais completa,

mais detalhada e adaptada ao ambiente intelectual de Atenas. (BRUCE, 2008, p.230)

Paulo tinha pleno entendimento de que o evangelho não deveria ser pregado à

toa, mas a todos. Mais tarde, Paulo mesmo escreveu aos colossenses: “Portai-vos

com sabedoria para com os que são de fora; aproveitai as oportunidades. A vossa

palavra seja sempre agradável, temperada com sal, para saberdes como deveis

responder a cada um” (Cl 4:5-6).

Segundo Bruce, Lucas conta que Paulo viu os templos, altares e imagens de

Atenas com os olhos de alguém que foi criado no espírito do monoteísmo judaico e

do princípio de não fazer imagens, do segundo mandamento do decálogo. Para ele:

97

“As coisas que [os pagãos] sacrificam”, afirmou Paulo, “é a demônios que as sacrificam e não a Deus”, cf. (1ª Co 10.20), e aqueles que “mudaram a glória do Deus incorruptível e semelhança da imagem de homem corruptível” ou qualquer outra coisa “mudaram a verdade de Deus em mentira”, porque “adoram e servem a criatura em lugar do Criador” cf. (Rm 1,23-25). Na ágora ao pé da Acrópole, onde os cidadãos de Atenas se encontravam para trocar as últimas notícias, não faltavam homens para discutir com ele a natureza do ser divino. Alguns deles professavam ser adeptos das escolas de filosofia dos estoicos ou dos epicureus, mas nenhum conseguia se entender com o estranho visitante, falando, com tal seriedade e paixão, de Jesus, que “foi designado Filho de Deus com poder, [...] pela ressurreição dos mortos” cf. Paulo diz em (Rm 1,4). Para alguns, ele pareceu ser um vendedor de fragmentos aprendidos de segunda mão (um spermologos, como disseram, usando um termo da gíria ateniense); a outros ele pareceu estar recomendando divindades estrangeiras, o que o colocava sob a jurisdição do tribunal do Areópago. (BRUCE, 2008, p.229)

De acordo com Bruce, o discurso de Paulo no Areópago foi perante o tribunal

do Areópago, portanto, Paulo foi levado e convidado a expor seu ensino. Os que

visitam Atenas hoje em dia, podem ver o texto do discurso de Paulo no tribunal, inscrito

em bronze no sopé do monte. (BRUCE, 2008, p.230)

Senhores atenienses! Em tudo vos vejo acentuadamente religiosos; porque, passando e observando os objetos de vosso culto, encontrei também um altar no qual está inscrito: AO DEUS DESCONHECIDO. Pois esse que adorais sem conhecer é precisamente aquele que eu vos anuncio. O Deus que fez o mundo e tudo o que nele existe, sendo ele Senhor do céu e da terra, não habita em santuários feitos por mãos humanas. Nem é servido por mãos humanas, como se de alguma coisa precisasse; pois ele mesmo é quem a todos dá vida, respiração e tudo mais; de um só fez toda a raça humana para habitar sobre toda a face da terra, havendo fixado os tempos previamente estabelecidos e os limites da sua habitação; para buscarem a Deus se, porventura, tateando, o possam achar, bem que não está longe de cada um de nós; pois nele vivemos, e nos movemos, e existimos, como alguns dos vossos poetas têm dito: Porque dele também somos geração. Sendo, pois, geração de Deus, não devemos pensar que a divindade é semelhante ao ouro, à prata ou à pedra, trabalhados pela arte e imaginação do homem. Ora, não levou Deus em conta os tempos da ignorância; agora, porém, notifica aos homens que todos, em toda parte, se arrependam; porquanto estabeleceu um dia em que há de julgar o mundo com justiça, por meio de um varão que destinou e acreditou diante de todos, ressuscitando-o dentre os mortos (Atos 17.22-31).

Bornkamm faz uma afirmação interessante sobre o discurso de Paulo

afirmando que o mesmo, no Areópago, discorre como Sócrates, na ágora, e, como

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este, é contradito com a acusação de querer introduzir “divindades estrangeiras” e de

ser um “bicador de grãos”, um palrador. Bornkamm descreve o discurso da seguinte

forma:

O seu grande discurso no célebre Areópago, nos autos do mercado, sobre o qual se erguia imponente a Acrópole. O próprio lugar onde se desenrola a cena dá à mesma de forma plástica, do seu significado. O discurso é, mais uma vez, um meio ao qual o autor recorreu, com exemplar maestria, para apresentar seu pensamento e, quanto ao conteúdo, é, na verdade, um notável documento da pregação e da teologia pós-apostólica, certamente não do Paulo histórico. O discurso se caracteriza pelo fato de ter o “Paulo” da narração de Lucas, ao ensejo da inscrição de um altar “ao deus desconhecido”, retomado uma série de pensamentos e de ideias que a filosofia e a crítica da religião da antiguidade maiúscula tardia já haviam elaborado e que a teologia judaico-helenística, antes da teologia cristã, já havia assimilado e integrado com noções veterotestámentarias. Deus não tem necessidade de templo e de sacrifício e não pode habitar nas imagens feitas pela mão humana. Ele mesmo, com efeito, dispôs ordenadamente o cosmos, ficando para ele o tempo e os limites, dá a todos vida e respiração e predestinou o ser humano, que é de sua raça e vive nele, a busca-lo e a encontra-lo. (BORNKAMM, 2009, p.131)

No discurso do Areópago, estas ideias são expostas, incialmente, de modo

favorável e não polêmicamente, como, de resto, em documentos judeu-helenistas

semelhantes e de modo ainda mais rico nos escritos dos apologetas cristãos do século

II. Desta forma, o conteúdo deste discurso é especificamente confirmado por uma

citação poética com característica estoicas, uma escola filosófica grega da época.

Somente na parte final aparece o nome de Jesus Cristo designado por Deus para ser

o juiz do universo, e são anunciados o juízo e a ressurreição dos mortos, o que

provoca de imediato o escarnio dos ouvintes.

Dentro do contexto da evangelização de Atenas, onde está evangelização tem

o seu ápice no capítulo 17 do livro dos Atos, ao autor Bosch apresenta de maneira

vivíssima o choque do evangelho com a cultura grega.

Paulo em Atenas, só, rodeado de templos e de ídolos, de gente que quer ouvi-lo todo, mas não quer compreender nada, gente demasiado sábia para crer no próprio pecado e em uma redenção trazida por alguém que foi crucificado na Judeia. Segundo o modo de lerem, os Atos dão a impressão de que Paulo passou somente um dia em Atenas: pela manhã na ágora, até o meio-dia no Areópago e no dia seguinte, em Corinto. Contudo se prestar atenção, não dizem isso: tentando que não seja muito assediado, pressupõem que esteve a certo tempo. (BORNKAMM)1997, p. 133)

99

Essa é precisamente a ênfase de Paulo, quando ele declara que, se Deus

aceita culto do ser humano, não é porque não pode passar sem ele. Longe de ter

suprida alguma necessidade pelo ser humano, é ele quem supre toda necessidade

deste.

Carson) faz uma análise muito interessante sobre a estada de Paulo em Atenas

e, principalmente, sobre o discurso de Paulo no Areópago conforme (At 17,16-34),

contudo, encontra-se o apóstolo Paulo evangelizando atenienses instruídos, mas

completos analfabetos em termos de Bíblia. Sua abordagem aqui é incrível e tem

muito a ensinar. (CARSON, 2016, p. 423)

Sua abordagem aqui é incrivelmente diferente buscando revisitar Atenas

numa análise pós-moderna da chegada de Paulo em Atenas e o seu discurso no

Areópago. Sendo assim, Carson apresenta quatro pontos importantes nessa análise

referente a (At 17,16-34), a saber: as realidades que Paulo enfrenta, as prioridades

que adota, a estrutura que estabelece e o evangelho inegociável que prega.

Em primeiro lugar, Carson aborda as realidades que Paulo enfrenta, essas

realidades são destacas em três aspectos:

No primeiro aspecto, Carson aborda o Império Romano como de fato era

caracterizado, não só por um pluralismo empírico de larga escala como também pelo

pluralismo religioso patrocinado pelo governo.

Os romanos sabiam que um povo cativo tinha mais probabilidade de se rebelar se conseguisse alinhar religião, terra e pessoas. Em parte para romper esse cordão de três pontas, os romanos faziam questão de admitir no próprio panteão alguns dos deuses de qualquer povo recém-subjugado, bem como faziam absoluta questão de que o povo recém-subjugado também adotasse alguns dos deuses romanos. Assim, no caso de uma potencia guerra civil, ficaria bem confuso saber que lado contava com a ajuda dos deuses – e essa política de intercâmbio de deuses fortalecia a probabilidade da paz imperial. Significava ainda que o pluralismo religioso não partia só do Império, mas também era apoiado por força de lei. Afinal de contas, era considerada uma ofensa capital a profanação de um templo – de qualquer deles. Mas que nenhum templo ou deus desafiasse Roma. (CARSON, 2016, p. 424-425).

No segundo aspecto, Carson afirma que, assim como nós, Paulo não estava

lhe dando com pessoas que, pelo fato de serem analfabetos em Bíblia, não tinha

nenhuma cosmovisão, e sim com pessoas que argumentava veementemente em

100

favor de várias cosmovisões concorrentes e poderosas. Dois grupos delas são

mencionados no texto: epicureus e estoico.

O ideal da filosofia epicurista, da cosmovisão epicurista, era a vida serena – uma vida de tranquilidade, inalterada pelo envolvimento indevido com assuntos humanos. Os próprios deuses são compostos de partículas tão finas que vivem sossegados nos espaços entre os mundos. Como os deuses se mantem gentilmente afastados da balbúrdia da vida, os seres humanos deveriam buscar o mesmo ideal. Mas, contra essa visão, como veremos, Paulo apresenta um Deus ativamente envolvido neste mundo na condição de seu Criador, governante, providencial, juiz e salvador que se autorrevela. Ou seja, a filosofia estoica considerava deus um ser que permeava tudo, mais ou menos em um sentido pateísta. De modo que o ideal humano era levar a vida de acordo com o que de fato é real, conduzi-la conforme esse deus/princípio da razão, o qual deve reger a emoção e a paixão. O estoicismo, como alguém já disse caracterizou-se “pela grande seriedade moral e um elevado senso de dever”. Contra essa visão, o Deus que Paulo apresenta, lone de ser panteísta é pessoal, distinto da criação e nosso juiz final. Em vez de se concentrar na “razão universal acessada pelo raciocínio humano”, Paulo contrapõe a vontade e a soberania divinas à dependência e necessidade humanas. Em resumo, há um choque monumental de cosmovisões. (CARSON, 2016, p. 425)

No terceiro aspecto, Carson também afirma que não menos impressionante é

o tom zombeteiro e de superioridade que demonstram no verso 18: “o que este falador

quer dizer?” – esse “catador de semente”, esse pequeno pássaro que voa para lá e

para cá catando fragmentos desconexos de informação incoerente, essa mente de

segunda classe? Para Carson:

Parece ser propagador de deuses estranhos”. Claro, no decorrer dos acontecimentos, algumas dessas pessoas se interessaram de verdade pelo evangelho. O tom desdenhoso, no entanto, é inconfundível quando uma cosmovisão divergente se sente segura em sua maioria irrefletida. Essas, portanto, são as realidades que Paulo enfrenta. (CARSON, 2016, p. 425-426)

Em segundo lugar, Carson aborda as prioridades que Paulo adota.

Dentro dessas prioridades, a resposta mais rápida e fascinante que Paulo dá

diante de tudo que testemunha em Atenas é seu conhecimento bíblico, ele sente

“grande indignação, vendo a cidade cheia de ídolos”. Paulo poderia ter se sentido

humilhado diante dos atenienses. Ele poderia ter se deixado levar pela arquitetura

diante do Partenon. Porém, não se deixou intimidar nem se enganar por Atenas; viu a

idolatria daquele povo.

101

Sendo assim, Carson retrata o evangelismo de Atenas da seguinte forma:

O apóstolo parte então para o evangelismo. Ele tem em vista dois grupos bastante distinto. Como de hábito, da certa prioridade à evangelização de judeus e gentios tementes a Deus, o povo de igreja, pessoas biblicamente instruídas; ele debate na sinagoga com os judeus e os gregos tementes a Deus. Existe uma razão teológica para essas prioridades, que não temos como examinar aqui, mas, de qualquer forma, não devemos nunca nos esquecer de evangelizar essas pessoas. Em segundo lugar, Paulo evangeliza os pagãos comuns, sem qualquer conexão com a Bíblia: ele evangeliza dia após dia na praça, tendo como alvo qualquer um que por acaso se encontre ali, a maioria dos quais devia ser analfabeta em Bíblia. Ele não espera um convite para ir ao Areópago. Simplesmente da continuidade a seu evangelismo, e o convite para o Areópago é apenas consequência disso. (CARSON, 2016, p. 426)

Segundo Carson, são essas as prioridades de Paulo em Atenas: análise

cultural centrada em Deus e o evangelismo persistente tanto os conhecedores das

Escrituras quanto dos que não o são.

Em terceiro lugar, Carson aborda a estrutura que Paulo estabelece em Atenas.

Neste ponto, será útil observar a argumentação do Apóstolo dos versos 21-31 do

capítulo 17 de Atos:

Pois todos os de Atenas e os estrangeiros residentes de outra coisa não cuidavam senão dizer ou ouvir as últimas novidades. 22 Então, Paulo, levantando-se no meio do Areópago, disse: Senhores atenienses! Em tudo vos vejo acentuadamente religiosos; 23 porque, passando e observando os objetos de vosso culto, encontrei também um altar no qual está inscrito: AO DEUS DESCONHECIDO. Pois esse que adorais sem conhecer é precisamente aquele que eu vos anuncio. 24 O Deus que fez o mundo e tudo o que nele existe, sendo ele Senhor do céu e da terra, não habita em santuários feitos por mãos humanas. 25 Nem é servido por mãos humanas, como se de alguma coisa precisasse; pois ele mesmo é quem a todos dá vida, respiração e tudo mais; 26 de um só fez toda a raça humana para habitar sobre toda a face da terra, havendo fixado os tempos previamente estabelecidos e os limites da sua habitação; 27 para buscarem a Deus se, porventura, tateando, o possam achar, bem que não está longe de cada um de nós; 28 pois nele vivemos, e nos movemos, e existimos, como alguns dos vossos poetas têm dito: Porque dele também somos geração. 29 Sendo, pois, geração de Deus, não devemos pensar que a divindade é semelhante ao ouro, à prata ou à pedra, trabalhados pela arte e imaginação do homem. 30 Ora, não levou Deus em conta os tempos da ignorância; agora, porém, notifica aos homens que todos, em toda parte, se arrependam; 31 porquanto estabeleceu um dia em que há de julgar o mundo com justiça, por meio de um varão que destinou e acreditou diante de todos, ressuscitando-o dentre os mortos. (Atos 17.21-31)

102

E, assim, Carson faz uma análise de nove características dessa estrutura que

Paulo estabelece.

Primeira característica, Deus é o criador do “mundo e [de] tudo que nele há”

(v.24). Até que ponto ele se estendeu sobre essa questão não podemos dizer com

certeza, mas sabemos por seus outros escritos como sua mente funcionava. Segundo

Carson:

A Criação estabelece que Deus é diferente da ordem criada; o panteísmo está descartado. Estabelece também a responsabilização humana; devemos tudo ao nosso Criador, e desafiá-lo e colocarmo-nos como centro do Universo é o cerne de todo pecado. Pior, estimar e adorar coisas criadas em vez do Criador é a essência da idolatria. (CARSON, 2016, p. 427)

Segunda característica, Paulo insiste em que Deus é “Senhor do céu e da terra,

não habita em templos feitos por mãos de homens” (v.24). A soberania divina sobre o

Universo inteiro se contrapõe às visões que atribuíam a determinado deus ou

determinada deusa um domínio particular – talvez o mar (Netuno), os deuses tribais

com interesses apenas regionais ou étnicos.

Para Carson, o Deus da Bíblia é soberano sobre tudo. Esse ensino estabelece a doutrina da providencia. Em razão da universalidade do seu Reino, Deus não pode ser domesticado – nem mesmo por templos (v.24). Paulo não nega a importância histórica do templo em Jerusalém, menos ainda que Deus se revela exclusivamente ale. Antes, nega que Deus esteja limitado a templos e que possa ser domesticado, espremido ou alcançado pelo culto em algum templo (o que, claro, ameaça a pratica pagã popular). Ele é muito maior do que isso. (CARSON, 2016, p. 427-428)

Terceira característica é que Deus é o Deus da saciedade: “tão pouco é servido

por mãos humanas, como se necessitasse de alguma coisa” (v.25). Deus é tão

completamente “de si mesmo” que não necessita de nós. Para Carson:

Deus não só é autoexistente (termo que costumamos empregar em relação as suas origens – existência de tudo o mais é teodependente, mas o próprio Deus é autoexistente), como também é absolutamente independente da sua ordem criada, no que diz respeito ao seu bem-estar, satisfação ou existência. Deus não precisa de nós – uma perspectiva muito diferente do politeísmo, em que seres humanos e deuses interagem de todas as maneiras possíveis, interligados pela finitude e pelas necessidades dos deuses. (CARSON, 2016, p. 428)

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Quarta característica da estrutura de Paulo é que a verdade da questão é

inversa: somos absolutamente dependentes de Deus, “pois é ele mesmo quem dá a

todos nós a vida, a respiração e todas as coisas” (v.25b). Isso nos despe de nossa

alardeada independência; é o correlato humano das doutrinas da Criação e da

Providência. (CARSON, 2016, p. 428)

Quinta característica, da teologia, Paulo se volta para a antropologia. Ele insiste

em que todas as nações descendem de um homem (v.26). Isso contradiz não poucas

noções da Antiguidade acerca da descendência humana, as quais pressupunham

diferentes grupos étnicos vindo a existir de maneiras bastante diversas. Porém Carson

afirma que Paulo tem um evangelho universal que se baseia em um problema

universal. cf. (Rm 5) e (1ª Co 15): Para Carson:

Se o pecado e a morte foram introduzidos na única raça humana por um único homem de tal forma que o ato decisivo de outro homem se faz necessário para reverte-los, então é importante para Paulo corrigir a antropologia para que a soteriologia esteja correta. Não concordaremos com a solução se não formos capazes de concordar com o problema. No entanto, a posição de Paulo tem implicações ainda mais amplas; não há nenhum traço de racismo aqui. Além disso, por mais que ele mostre que Deus desfrutou de um relacionamento de aliança peculiar com Israel, por ser monoteísta, Paulo defende a ideia de u Deus deve ser soberano sobre todas as nações. Por acaso ele estava desenvolvendo algumas das linhas de argumentações encontradas em Isaias 40? Se existe um Deus único, esse Deus deve de alguma forma ser o Deus de tudo, quer seu ser status sejam reconhecidos por todos, quer não. (CARSON, 2016, p. 428-429)

Sexta característica, segundo Carson, pela primeira vez é possível

encontrarmos referência explicita a algo errado neste Universo criado por Deus. Seu

governo providencial sobre tudo tinha o propósito de que alguns estendessem a mão

para ele e o encontrasse (v.27) em breve Paulo dirá muito mais sobre o pecado (sem,

de fato, utilizar a palavra). Ele ainda está preparando o caminho. O pressuposto é que

a raça humana como um todo não conhece o Deus que a fez. Alguma coisa saiu muito

errada. (2016, p.429)

Sétima característica, embora seja importante para ele estabelecer a

transcendência de Deus, Paulo não quer que uma ênfase dessas resvale em direção

ao que mais tarde seria chamado de deísmo. Segundo Carson:

O Deus que ele tem em mente “não está longe de cada um de nós” (v.27). Ele é imanente. Paulo não aceitará nenhuma desconfiança de que Deus seja displicente ou indiferente em relação as pessoas; ele

104

nunca está longe de nós. Mas ainda, o apóstolo reconhece que parte dessa verdade é reconhecida por algumas religiões pagãs. Quando o pensamento grego (ou grande parte dele) falava em um “Deus” em oposição a muitos deuses, com grande frequência a hipótese era mais ou menos panteística. Essa estrutura de pensamento Paulo já descartou. Mesmo assim, algumas de suas ênfases não estavam, erradas, se consideradas dentro de uma estrutura melhor. Nós vivemos, nos movemos e temos nosso ser neste Deus, e somos sua geração (v.28) – para Paulo, não em um sentido panteístico qualquer, mas como expressão da preocupação pessoal e imediata de Deus com o nosso bem-estar. (CARSON, 2016, p. 429)

Oitava característica, para Carson, essa teologia e essa antropologia implicam

esclarecer o que é o pecado e tornar a idolatria totalmente condenável (v.29). Sem

dúvida Paulo ampliou muito essa questão em termos, pois ele não pode apresentar

Jesus e seu papel como Salvador da forma correta enquanto não definir qual é o

problema; não pode deixar claras as boas-novas até elucidar as más-novas das quais

as boas nos resgatam. (CARSON, 2016, p. 429)

Nona Característica é que Paulo introduz também o que poderia ser chamada

de filosofia da história, ou talvez melhor, certa visão do tempo. Pois quanto a visão de

tempo e mundo, Carson afirma:

No mundo antigo, muitos gregos achavam que o tempo dava voltas e mais voltas em círculos. Paulo estabelece uma estrutura de tempo linear: a criação em um ponto fixo; um longo período passado em relação ao presente de Paulo em que Deus agiu de determinada maneira (“Deus não levou em conta os tempos da ignorância”); um agora cheio de transformações monumentais; e um futuro (*v.31) que é o termino desta ordem mundial, um tempo de juízo final. As mudanças monumentais do dramático agora de Paulo estão interligadas com a vinda de Jesus e a revelação do evangelho. Paulo preparou o palco para apresentar Jesus. (CARSON, 2016, p. 429)

Desta forma, Carson (2000, p. 430) apresenta, portanto, o que Paulo

estabelece. Ou seja, ele construiu uma cosmovisão bíblica. Mas não o fez pelo simples

prazer de criar uma cosmovisão. Nesse sentido, a fim de oferecer um quadro em que

o próprio Cristo, sem deixar de mencionar sua morte e ressurreição, fizesse sentido.

Pois, caso contrário, nada do que Paulo quis dizer sobre Jesus faria sentido.

Carson também enfatiza o evangelho inegociável que Paulo prega.

Em primeiro lugar, destaca-se a importância extraordinária de notar que Paulo

estabeleceu a estrutura da meta narrativa bíblica antes de apresentar Jesus. Se a

meta física é uma espécie de grande física que explica todos os outros ramos dessa

105

ciência, de modo semelhante a meta narrativa é a grande história que explica todas

as outras.

Para Carson, em geral,

os pós-modernistas adoram histórias, mais ainda as que são ambíguas ou carregadas de simbologia. Odeiam, contudo, a meta narrativa, a grande história que torna coerentes todas as pequenas. Mas o que Paulo oferece é a meta narrativa bíblica. Essa é a grande história da Bíblia que emoldura e explica todas as pequenas histórias. Sem a grande história, os relatos sobre Jesus não fariam qualquer sentido. (CARSON, 2016, p. 429)

Em segundo lugar, impressiona o fato de Paulo não se esquivar de declarar a

ressurreição de Jesus dos mortos. Isso é algo que ofende tanto a ponto de Paulo ser,

interrompido e seu discurso no Areópago terminar. Certamente ele tinha plena

consciência de que a maioria dos gregos adotava alguma forma de dualismo. Para

Carson:

A matéria é má, pelo menos em termos relativo; o espírito é bom. Imaginar alguém voltando dos mortos em forma corpórea comunicava algo nada desejável, menos ainda crível. A ressurreição corpórea dos mortos era irracional, um oximoro, como imaginar uma lesma inteligente ou gelo fervido. Tanto assim que alguns dos ouvintes de Paulo não aguentam mais e zombam dele, pondo fim a reunião (v.32). Se, no lugar deste assunto, Paulo tivesse discorrido sobre a imortalidade de Jesus, sua longevidade espiritual eterna bem apartada de qualquer corpo, não teria causado nenhum ressentimento. Mas ele não recuou. Em outra ocasião, ele argumenta que, se Cristo não ressuscitou dentre os mortos, então os apóstolos são mentirosos e continuamos mortos em nossas transgressões e pecados (1ª Cor. 15). Ele permanece fiel a essa visão aqui. Não enfeita o evangelho para torná-lo aceitável à cosmovisão dos ouvintes. (CARSON, 2016, p. 431).

Para Paulo, existe um conteúdo irredutível e inegociável do evangelho, que

jamais deve ser abandonado, por mais inaceitável que seja para alguma outra

cosmovisão. Segue-se, especialmente quando nos esforçamos muito para tentar

estabelecer conexão com outra cosmovisão diferente da nossa, não devemos dedicar

menor atenção e cuidado aos pontos inegociáveis do evangelho, a fim de que, na

tentativa de transmiti-lo com sabedoria e relevância, não sacrifiquemos sem querer o

que pretendemos comunicar. (CARSON, 2016, p. 431)

Atenas representou, para Paulo, tão-somente uma efêmera etapa intermediária

na sua viagem para Corinto, conforme ele escreveu numa de suas epistolas.: “Pelo

106

que, não podendo suportar mais o cuidado por vós, pareceu-nos bem ficar sozinhos

em Atenas;” (1ª Ts 3,1), o autor dos Atos dos Apóstolos foi o primeiro a amplificar a

recordação da estadia do apóstolo em Atenas, decorando-a com a grandiosa em bem

conhecida cena que culmina com o discurso no Areópago e que devia representar, de

maneira digna do nome ilustre da cidade, coração do espírito grego, o encontro solene

da mensagem cristã com os representantes do saber e cultura da Antiguidade.

Lucas soube dar expressão também ao genius loci da cidade e transmitir ao

leitor uma vívida impressão da atmosfera cultural e religiosa que ali reinava: dos seus

templos e imagens divinas, das suas escolas filosóficas e do seu público

proverbialmente curioso, ávido de saber, amante da discussão, mas também

sarcástico e petulante. (BORNKAMM, 2009, p.130)

4.3. A PROPOSTA EVANGELÍSTICA DE PAULO EM CORINTO

A proposta evangelística de Paulo em Corinto também tem sua grande

importância na expansão da missão em Atos dos Apóstolos.

Paulo parece ter viajado sozinho a Corinto. Se Timóteo foi ter com ele quando

em Atenas, ele foi enviado de volta a Tessalônica, lugar pelo qual, Paulo tinha grande

afeição no coração. Logo após sua chegada ele inesperadamente encontrou dois

amigos e companheiros na obra: Áquila e sua esposa Priscila. Nesta época em

particular deveria haver um número maior de judeus em Corinto do que o normal, “pois

Cláudio tinha mandado que todos os judeus saíssem de Roma” cf. (Atos 18.2). O

Senhor usou, assim, o banimento de Áquila e Priscila para fornecer um lugar para seu

solitário servo ficar. Eles eram da sua terra (Israel), do seu mesmo ramo de negócio,

e do mesmo coração e espírito. Quão graciosos e maravilhosos são os caminhos do

Senhor para seu servo.

Paulo ao chegar em Corinto, chega deixando frutos na Macedônia; ele deixara

pequenos grupos de convertidos em Filipos, Tessalônica e Berèia. O coração de

Paulo estava cheio de temores quanto ao bem-estar deles. E, em função desta

preocupação de Paulo com os convertidos da Macedônia, Bruce afirma que:

Atenas ele não sofrera violência, mas a gentileza divertida com que tinham recebido o seu testemunho lá, talvez tivesse sido mais difícil de aceitar do que a violência; pelo menos a violência demonstrava que algum impacto fora causado. No que dizia respeito aos efeitos positivos da sua pregação, Atenas fora bem menos encorajadora do que as cidades da Macedônia. Assim ele chegou a Corinto, diz ele,

107

“em fraqueza, temor e grande tremor” cf. 1ª Coríntios 2,3. Não havia motivos para supor que Corinto lhe oferecia menos problemas do que as cidades da Macedônia. Qualquer viajante no mundo egeu daqueles dias devia saber da reputação da cidade; ela, certamente, não era um solo preparado para a semente do evangelho. No fim, Paulo passou dezoito meses em Corinto – mais tempo do que em qualquer outra cidade, desde que partira em companhia de Barnabé de Antioquia da Síria – e, quando partiu, havia ali uma Igreja grande e forte, apesar de instável. (BRUCE, 2008, p. 241)

Para Fabris, com exceção de um pequeno grupo de convertidos, que se reúne

em torno de Dionísio e da senhora Dâmaris, não surgiu em Atenas nenhuma

comunidade cristã organizada.

De fato, Paulo não escreverá nenhuma carta aos cristãos de Atenas, nem parece que ele tenha voltado para visitar aos cristãos locais. Nas duas cartas escritas aos Coríntios, nas quais fala de suas repetidas viagens pela Grécia, nunca faz aceno a uma eventual parada em Atenas. A cidade, símbolo da cultura e da religiosidade gregas, desaparece também no horizonte da narrativa lucana. Quando o autor dos Atos menciona a Grécia e a Acaia sempre fala de Corinto. Com efeito, é para ali que se dirige o alexandrino Apolo, colaborador de Paulo, recomendado pela comunidade cristã de Éfeso. Em suma, na geografia mssionária de Paulo, Atenas permanece num cone de sombra. (FABRIS, 2008, p. 346)

Segundo Quesnel, a primeira visita de Paulo a Corinto aconteceu durante a sua

segunda viagem missionária, mais ou menos por volta do ano 50 de nossa era cf. (At

18,1-18), pois mediante os Atos, ficamos sabendo que ela durou de um ano e meio a

dois anos. (QUESNEL, 2004, p.37)

Para Bruce, Paulo viajou de Atenas para Corinto muito abatido. Provavelmente

não fora parte do seu programa, quando atravessou o mar até a Macedônia, virar para

o sul, para a província da Acaia. Mas ele fora corrido de uma cidade Macedônia para

outra, e parecia que, por enquanto, não havia lugar para ele naquela província, apesar

da sua certeza anterior de que Deus o chamara para evangeliza-la. (BRUCE, 2008,

p. 241).

Fabris afirma que sem esperar a chegada de Timóteo, que fora enviado a

Tessalônica, Paulo deixa Atenas e se dirige a Corinto. Parece ter pressa de deixar a

cidade que permaneceu refratária ao anúncio do Evangelho. Segundo ele:

O centro que atrai Paulo é Corinto, capital da Acaia e sede do procônsul romano. A viagem de Atenas a Corinto pode ser realizada de maneia ágil pelo mar, partindo do ponto de Falero e desembarcando no de Cencréia, sempre no golfo Sarônico. Contudo, é provável que Paulo, sem muitos recursos tenha preferido percorrer

108

a pé os quase setenta quilômetros que separam as duas cidades. A estrada que liga Atenas a Corinto acompanha o itinerário da ”Via Sacra”. (FABRIS, 2008, p. 346-347).

Corinto, era uma grande cidade mercantil, em conexão imediata com Roma e

com o oeste do mediterrâneo, com Tessalônica e Éfeso no mar Egeu, e com a

Antioquia e Alexandria a leste. Assim, por meio de seus dois notáveis portos, a cidade

recebia embarcações tanto dos mares ocidentais quando dos mares orientais.

A posição favorável de Corinto às margens de uma planície produtiva, que

seguia ao longo da costa, cruzando vias comerciais importantes. Historiadores falam

da cidade de Corinto como uma grande e magnifica cidade, segundo o testemunho

de Estrabão:

Fabris afirma que Corinto ficava situada numa posição estratégica no istmo.

Corinto controla a um só tempo as comunicações entre a Grécia continental e o Peloponeso, e os tráficos dos dois mares que a colocam em comunhão com a Ásia ao oriente e com a Itália ao ocidente, é chamada de opulenta por causa de seus comércios marítimos; de fato, ela se encontra no istmo e é dona de dois portos, dos quais um está ao lado da Ásia e o outro da Itália, facilitando o intercâmbio de mercadorias entre essas duas partes tão distantes uma da outra [...] vão também para Corinto os impostos de todos aqueles que exportam mercadorias do Peloponeso e dos que as importam. Essa situação se estendeu ininterruptamente, ou melhor, depois se acrescentaram até outras vantagens para os Coríntios; com efeito, os jogos ístmicos, que aí eram celebrados, atraíram multidões. (FABRIS, 2008, p. 352-353).

Para Bruce, Corinto era uma cidade grega antiga; seu nome, pelo menos, é

anterior à chegada dos gregos dóricos, no começo do primeiro milênio a.C., Porém

graças as suas vantagens comerciais, Corinto gozou de grande prosperidade na

época clássica da Grécia. Ela tinha reputação de intemperança e seu nome se tornou

sinônimo de lassidão moral. (BRUCE, 2008, p. 242)

Corinto era uma cidade que tinha sua importância na era Antiga, pois era a

terceira cidade do império romano depois de Roma e Alexandria; sua população

girava em torno de 500 mil habitantes. Bruce, relata uma característica importante da

cidade de Corinto, segundo ele:

Corinto era uma colônia Romana, seus cidadãos eram romanos, provavelmente libertos da Itália, mas a população aumentou muito com gregos e orientais, entre os quais uma comunidade considerável de judeus. O museu que há no sítio da Corinto Romana contem parte de uma verga de porta, de pedra, com a inscrição em Grego: “Sinagoga dos Hebreus”. O estilo das letras indicam uma data posterior á época dos apóstolos, mas a sinagoga de que tratam, talvez

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fosse a que Paulo visitou pouco depois de chegar a Corinto. (2008, p. 243)

Desta forma, em uma cidade rica e com um comércio cercado de gregos

nativos, colonos romanos, e judeus vindo de todos os cantos, Paulo começa o seu

trabalho de forma silenciosa através do seu próprio trabalho a fim de não ser peso

para nenhum dos seus irmãos. Observamos que, Paulo, dá um exemplo de profunda

e grande espiritualidade aliada com o seu trabalho secular, pois este trabalho não lhe

criava impedimento à sua comunhão com Deus. Paulo expressa esse sentimento

quando fala do mesmo,

“E, estando entre vós, ao passar privações, não me fiz pesado a ninguém; pois os irmãos, quando vieram da Macedônia, supriram o que me faltava; e, em tudo, me guardei e me guardarei de vos ser pesado. 10 A verdade de Cristo está em mim; por isso, não me será tirada esta glória nas regiões a Acaia” . (2ª Co 11:9-10).

A atitude de Paulo em não ser pesado aos santos, como aqui ele exemplifica e

afirma que isto aplica, se não for, somente à Igreja de Corinto. Paulo, desta forma,

reconhece as ofertas das outras Igrejas da maneira agradável que se podia fazer.:

Alegrei-me, sobremaneira, no Senhor porque, agora, uma vez mais, renovastes a meu favor o vosso cuidado; o qual também já tínheis antes, mas vos faltava oportunidade. 11Digo isto, não por causa da pobreza, porque aprendi a viver contente em toda e qualquer situação. 12Tanto sei estar humilhado como também ser honrado; de tudo e em todas as circunstâncias, já tenho experiência, tanto de fartura como de fome; assim de abundância como de escassez; 13 tudo posso naquele que me fortalece. 14Todavia, fizestes bem, associando-vos na minha tribulação. 18 Recebi tudo e tenho abundância; estou suprido, desde que Epafrodito me passou às mãos o que me veio de vossa parte como aroma suave, como sacrifício aceitável e aprazível a Deus. 19 E o meu Deus, segundo a sua riqueza em glória, há de suprir, em Cristo Jesus, cada uma de vossas necessidades. (Fp 4,10-19).

E, assim, Paulo ao escrever aos Coríntios, ele diz:

Despojei outras igrejas, recebendo salário, para vos poder servir, 9 e, estando entre vós, ao passar privações, não me fiz pesado a ninguém; pois os irmãos, quando vieram da Macedônia, supriram o que me faltava; e, em tudo, me guardei e me guardarei de vos ser pesado. . (2ª Co 11,8-9).

Paulo, com certeza, tinha a melhor das razões para não aceitar, desta forma a

comunhão com a Igreja em Corinto. Ele também sabia que havia falsos apóstolos e

muitos inimigos do evangelho naquela cidade dos quais com toda a sua autoridade

110

repreendeu, exortando e corrigindo-os, pois, essas circunstâncias serviram para que

não fosse mal visto pelos santos, buscando assim trabalhar com suas próprias mãos

do que receber apoio da Igreja em Corinto. “Por que razão? É porque não vos amo?

Deus o sabe. 12Mas o que faço e farei é para cortar ocasião àqueles que a buscam

com o intuito de serem considerados iguais a nós, naquilo em que se gloriam.” (2ª

Co 11,11-12).

Nos meados do século I d.C., Quando Paulo chega a Corinto, ele entra numa

grande cidade que há uns vinte anos, desde 27 d.C., era capital da província de Acaia

e sede do procônsul romano.

Segundo Fabris a nova Corinto, refundada por Júlio Cesar, é uma cidade rica

e movimentada, onde povos, religiões e culturas diferentes se encontram.

Em Corinto, Paulo entra em contato com os Judeus que tem uma sinagoga com a relativa estrutura organizativa de uma comunidade da diáspora. A inscrição grega incompleta (syna) gogê hebr (áion), encontrada num pedaço de arquitrave da estrada pavimentada que liga Corinto ao porto ocidental do Leque, embora remonte a um período posterior – século III-IV d.C. – é um documento sobre a presença judaica em Corinto. Temos uma confirmação disso na documentação literária relativa á diáspora judaica na Grécia, em que se menciona explicitamente a cidade de Corinto. (FABRIS, 2008, p. 357).

A chegada de Silas e Timóteo pode ter dado coragem e fortalecido Paulo. O

seu zelo e energia no evangelho são claramente fortalecido. Pois, quando Silas e

Timóteo chegam da Macedônia, Paulo se entrega integralmente à palavra, dando

testemunho aos judeus que o Cristo é Jesus,

Mas eles se opuseram à sua doutrina e blasfemaram. Isto levou Paulo a tomar o seu curso com grande ousadia e decisão. Ele sacode a roupa, como sina de estar limpo do sangue deles, e declara que dali em diante passará a tratar com os gentios. Ele em tudo isto foi conduzido por Deus, e agiu de acordo com um Sua mente. (At 18, 5).

E, quando era possível, Paulo dirigia-se a sinagoga para anunciar a Palavra,

porém, quando ele era impedido era forçado a usar o lugar mais conveniente que ele

podia encontrar, ou seja, um prosélito chamado Justo que abriu sua casa ao rejeitado

apóstolo Paulo.

Nessa peculiar instabilidade na vida de Paulo, ele foi favorecido com outra

revelação especial do próprio Senhor.

Teve Paulo durante a noite uma visão em que o Senhor lhe disse: Não temas; pelo contrário, fala e não te cales; 10 porquanto eu estou contigo, e ninguém ousará fazer-te mal, pois tenho muito povo nesta

111

cidade. 11 E ali permaneceu um ano e seis meses, ensinando entre eles a palavra de Deus. (At 18,9-11).

De acordo o exposto acima, Bruce, faz a seguinte afirmação:

Lucas conta como, pouco depois da chegada de Paulo a Corinto, ele teve uma visão à noite, em que o Senhor lhe disse: “não temas; pelo contrário, fala a não te cales; porquanto eu estou contigo, e ninguém ousará fazer-te mal, pois tenho muito povo nesta cidade” (Atos 18,9s). Paulo foi fortalecido e a promessa foi cumprida: ele acabou reconhecendo, apesar de Corinto não ter constado dos seus planos, ela ocupava um lugar de destaque nos planos de Deus para ele. Seu tempo em Corinto, e suas experiências com a Igreja de Corinto durante os anos depois da sua partida, contribuíram em muito para aprofundar sua compaixão com as pessoas e aumentar sua maturidade pastoral. (BRUCE, 2008, p. 241-242)

Paulo se sustentou em Corinto com seu próprio trabalho, e encontrou o mesmo

em empresas que fabricavam barracas, cujos donos eram um judeu originário do

Ponto, de nome Áquila, e sua esposa Priscila.

Segundo Bruce:

Este casal morava até pouco tempo em Roma, provavelmente a cidade natal de Priscila, mas foram obrigados a deixar a cidade, por causa do edito de Claudio, expulsando a colônia judaica de Roma. Este casal parecia ser um casal bem de vida, e sua fábrica de barracas podia ter tido filiais em vários centros, com um gerente nos lugares em que eles não residiam. Eles podiam locomover-se facilmente entre Roma, Corinto e Éfeso. Depois de se encontrarem em Corinto, Paulo não teve amigos ou ajudantes mais leais do que Priscila e Áquila, aos quais “agradeço”, diz ele alguns anos mais tarde, e “não somente eu, mas também todas as igrejas dos gentios” (Romanos 16,4): os serviços que eles prestaram à causa cristã evidentemente excediam em muito os serviços prestados pessoalmente a Paulo. Eles são sempre mencionados juntos, e o mais das vezes Priscila é mencionada antes do marido; isso pode indicar que ela era a personalidade mais forte dos dois. Em nenhuma das referências de Paulo a eles há alguma indicação de tinham sido convertidos por ele; tudo indica que eles eram cristãos antes de o encontrarem, ou seja, enquanto viviam em Roma - o que pode lançar luz sobre a declaração de Suetônio de que os judeus foram expulsos por Claudio, por causa das suas constantes dissenções. “Por instigação de Chresto”. (BRUCE, 2008, p. 243)

Já Fabris destaca este encontro de Paulo com o Casal Áquila e Priscila num

ambiente judaico de Corinto.

Paulo se depara com este casal vindo da Itália, o marido se chama Áquila, judeu originário do Ponto, a região que toma o nome de sua posição nas costas do mar Negro, designado na Antiguidade como “Ponto Euxino”. A mulher Priscila – ou Prisca, como escreve Paulo em suas cartas – tem o nome latino bem comum. Ficando com a informação dada por Lucas sobre a chegada de Paulo em Corinto, o havia deixado há pouco a Itália, “pois o Imperador Cláudio tinha

112

decretado que todos os judeus saíssem de Roma” cf. Atos 18, 2: “Lá, encontrou certo judeu chamado Áquiila, natural do Ponto, recentemente chegado da Itália, com Priscila, sua mulher, em vista de ter Cláudio decretado que todos os judeus se retirassem de Roma. Paulo aproximou-se deles.” (FABRIS, 2008, p. 358).

Desta forma, Paulo encontra o casal romano Áquila e Priscila em Corinto e

hospeda na casa deles, sendo este o primeiro contato com o casal judeu-cristão em

Corinto, pois esse contato acontece graças ao trabalho que permite a Paulo se

sustentar. Segundo Fabris:

Os deslocamentos contínuos e rápidos de uma localidade para outra, nos últimos meses, reduziram os seus recursos financeiros. Ele gastou até mesmo os auxílios que lhe foram enviados por duas vezes para Tessalônica pelos cristãos de Filipos. Além disso, nem em Beréia e muito menos em Atenas Paulo teve a possibilidade de trabalhar para se manter, como fizera em Tessalônica. Por isso, em Corinto, desde os primeiros contatos com o ambiente judaico, Paulo procura trabalho. Aí ele vem a saber da presença dos dois judeu-cristãos que vieram de Roma. Eles se inseriram na comunidade judaica de Corinto, bastante numerosa e bem organizada. Graças aos conhecidos que tem entre os latinos de Corinto, puderam retomar logo suas atividades no campo da produção e do comércio de tendas. Paulo, que está buscando um ponto de apoio (359) em Corinto, tem a sorte de se encontrar com esse casal abastado e empreendedor. Começa assim, entre Paulo e essa família judeu-cristã uma intença colaboração e uma amizade cordial que acabarão se solidificando com o tempo. (FABRIS, 2008, p.360).

Todavia, é na casa de Áquila e Priscila, que Paulo prepara o material que serve

para montar as tendas. Pois desde jovem, em Tarso, ele aprendeu com seus

familiares profissão de tecelão e a exerceu quando precisou de recursos para

sobreviver. Porém, a família de Áquila e Priscila oferecem a Paulo o mínimo de

segurança humana e social que lhe permite realizar uma atividade missionária tímida

em Corinto. Pois, como sempre, Paulo aproveitou o momento do encontro semanal

na sinagoga de Corinto para proclamar a mensagem cristã aos judeus e aos pagãos

que para ali são atraídos pelo interesse deles pelo judaísmo.

Portanto, ao se estabelecer na casa e na oficina de Áquila e Priscila, Paulo

tentou começar um diálogo com a comunidade judaica. O embate e a cisão, foram

imprescindíveis por dois motivos: o primeiro, Paulo apresenta Cristo Jesus, um

messias crucificado que parece contradizer a esperança judaica; o segundo motivo:

sua proposta de experiência religiosa, livre das obediências das judaicas, atraindo os

pagãos que já estão propensos ao ideal religioso e ético do judaísmo.

Em suma, Fabris, afirma que:

113

Paulo abre uma perigosa concorrência com a comunidade judaica de Corinto. De fato, aqueles que aderem à mensagem cristã de Paulo se afastam da sinagoga. Ele mesmo, embora continuando a morar junto a Áquila e Priscila, faz suas reuniões num local adjacente à sinagoga. O caso de Crispo, chefe da sinagoga, se torna contagioso não apenas para os fiéis judeus, mas sobretudo para os pagãos prosélitos ou tementes a Deus. Depois da ruptura oficial com a comunidade judaica, a ação de Paulo vai se apoiar justamente sobre estes. É compreensível, então, a tentativa dos judeus de Corinto de se opor à ação corrosiva de Paulo, buscando a intervenção do representante da administração romana da cidade, diante da qual eles podem fazer valer seu estatuto de comunidade religiosa reconhecida. (FABRIS, 2008, p. 365-366).

Em Corinto, Paulo, também, participou dos cultos de sábado na sinagoga por

muitas semanas e usou-a como seu primeiro ponto na proclamação da Palavra.

Bruce, afirma que Paulo em suas mensagens, anunciava que Jesus havia

cumprido as profecias hebraicas, “inseria o nome do Senhor Jesus” nos lugares

favoráveis as leituras das Escrituras (Atos 18,4). Segundo Bruce

Muitos judeus e gentios tementes a Deus foram convencidos por suas mensagens; entre os primeiros estavam um dos líderes da sinagoga, de nome Crispo, e entre os últimos, o dono de uma casa ao lado da sinagoga, que Lucas chama de Ticio Justo. Se, como é provável, ele é o mesmo cristão coríntio que Paulo descreve como “Gaio, meu hospedeiro e de toda a Igreja” cf. Romanos 16,32, então seu nome completo Gaio Ticio Justo o identifica como cidadão romano. Paulo menciona Crispo e Gaio, junto com certo Estéfanas e sua família, como as “primícias da Acaia”, os únicos convertidos em Corinto que ele batizou pessoalmente. Isso confirmaria que eles foram seus primeiros convertidos em Corinto. (BRUCE, 2008, p. 244)

É importante ressaltar que entre os novos convertidos do paganismo devemos

incluir Erasto de Corinto. Erasto de Corinto, porém, é citado em Romanos 16,23

“Saúda-vos Gaio, meu hospedeiro e de toda a igreja. Saúda-vos Erasto, tesoureiro da

cidade, e o irmão Quarto.” Junto com o hospedeiro de Paulo, Gaio (Ticio Justo), como

alguém que envia saudações aos destinatários da carta, e é chamado de tesoureiro

da cidade.

Bruce, registra que a insistência de Paulo em “nada saber” entre os coríntios

“se não a Jesus Cristo e este crucificado” (1ª Co 2,2), tem alguma relação com o

ambiente intelectual da cidade. Assim, ele afirma que:

Como ficou sabendo sobre a reverência dos coríntios pela sabedoria da época, ele sublinhou o elemento do evangelho para o qual a sabedoria dos intelectuais não podia ter lugar: que espetáculo mais abjeto de estupidez e impotência poderia ser imaginado do que um homem crucificado? Um libertador crucificado era para os gregos uma absurda contradição de termos, assim como para os judeus um Messias crucificado era uma blasfêmia escandalosa. Mas a medida

114

que Paulo persistiu em pregar Jesus como o salvador crucificado que levou sobre si nossos pecados, acontecia o inesperado: os pagãos, assim como os judeus e os tementes a Deus, acreditavam na mensagem e viam sua vida ser transformada por um poder novo e libertador, que quebrava as armaduras do egoísmo e da maldade de dentro. A mensagem do Cristo crucificado realizara, assim, o que nenhum ensino da filosofia grega poderia ter feito por eles. (BRUCE, 2008, p. 245).

Depois de algumas semanas, Silas e Timóteo se juntaram a ele, após

completar sua missão na Macedônia, e puderam aliviá-lo de parte de seu trabalho,

incluindo o batismo dos convertidos. Eles, provavelmente, trouxeram a Paulo um

presente dos seus amigos macedônios, o que lhe permitiu parar de fabricar barracas,

por algum tempo, para dedicar-se totalmente à pregação e ao ensino.

Contudo, chegou a hora em Corinto, como nos outros lugares, de as

autoridades judaicas decidirem que já o tinham suportado o suficiente, e não lhe

permitiram mais usar a sinagoga. Muito conveniente para Paulo, seu amigo e filho na

fé Ticio Justo pôs sua casa a disposição, de modo que pode continuar o trabalho que

começara na sinagoga ao lado. Essa casa, ao que parece, se tornou não só o quartel-

general de Paulo, mas também o primeiro local de reunião da igreja de Corinto. Aqui

Paulo continuou a proclamar a salvação por meio do Cristo crucificado, e o número

de convertidos cresceu rapidamente; incluía agora não só judeus e tementes, porém

também uma proporção crescente de pagãos.

Quesnel afirma que nesse trabalho missionário, Paulo era acompanhado por

dois colaboradores:

Silas e Timóteo. Ademais, em sua pregação, ele conto com a ajuda de um casal de fabricante de tendas com quem trabalhava – Áquila e Priscila -, originários de Roma e que tiveram de fugir da Cidade Eterna em consequência de um edito do imperador Claúdio que expulsava os judeus da cidade. (QUESNEL, 2004, p.37)

Mas, os seus cruéis inimigos se irrompem contra Paulo, pois o grande sucesso

do evangelho entre os pagãos despertou a raiva dos judeus contra Paulo, que

procuraram usar a vida de Gálio, um novo governador, para realizar suas más

intenções. De acordo com o exposto, Michel Quesnel informa de maneira precisa o

despertar dessa fúria dos judeus para com Paulo e seus colaboradores apresentando

e datando de forma histórica esta perseguição:

O texto dos Atos permite saber que o procônsul da província romana da Acaia, que residia em Corinto, era, então, Galião, irmão filósofo latino Sêneca, que provavelmente exerceu essa função de primeiro de

115

julho de 51 a 30 de junho de 52. E evangelização não se deu sem dificuldades, nessa imensa cidade muito cosmopolita onde se juntavam todas as atividades de um grande porto, até mesmo a devassidão. Lucas, o autor dos Atos dos Apóstolos, conta que os judeus se opuseram a Paulo, e que o Apóstolo, acusado de provocar problemas, foi levado a julgamento; que um dos chefes da sinagoga, certo Sóstenes, que se deixara convencer pela pregação dos missionários cristãos, foi moído de pancadas. É provável, posto que o texto não o precise diretamente, que o próprio Paulo tenha passado ao menos alguns dias na prisão. (QUESNEL, 2004, p.37-38)

Para Fabris, o edito do imperador Cláudio,nas fontes históricas latinas que

falam dele, diz respeito à expulsão dos responsáveis de uma ou mais comunidades

judaicas da capital. De fato, parece que as tensões criadas na colônia judaica de

Roma depois da difusão do novo momento messiânico levaram as autoridades a toma

providências restritivas. (FABRIS, 2008, p. 358),

A reação da comunidade judaica logo se faz sentir. Os responsáveis da

sinagoga de Corinto se opõem decididamente a Paulo. Contestam o conteúdo do seu

anúncio e a sua intepretação messiânica da Escritura. Paulo proclama que Jesus

crucificado é o Messias prometido por Deus. Os seus ouvintes judeus lhe objetam que

um homem “crucificado” é um amaldiçoado por Deus. Proclamar como “Messias” um

crucificado é um insulto ao poder de Deus, que libertou os antepassados da

escravidão do Egito, manifestando-se como Senhor e Salvador mediante grandes

sinais e prodígios. Deus prometeu pelos profetas que enviaria o Messias para libertar

todos os filhos de Israel e reuni-los na unidade na terra deles, por isso, esse Jesus,

condenado pelos romanos à morte infame da cruz e que Paulo está por aí

proclamando como o Messias enviado por Deus, só pode ser um pseudo-messias.

Fabris nos diz que Paulo, no final, Paulo é obrigado a deixar a sinagoga.

E o faz dentro do estilo dos profetas bíblicos com um gesto simbólico de separação. Sacudindo as vestes, ele declara aos judeus de Corinto: “Vocês são responsáveis pelo o que acontecer, não tenho nada a ver com isso. De agora em diante, vou me dirigir aos pagãos” cf. Atos 18,6. É uma opção decisiva de campo (362) de ação, parecida com a que se deu em Antioquia da Psídia, durante a primeira viagem misisonária. O novo contato com não-judeus é favorecido pelo fato de que Paulo aluga uma sala junto á casa de um certo Ticio Justo, que mora perto da sinagoga. O nome – Titios Loústos – indica a sua pertença à população de origem latina. Trata-se de um pagão “temente a Deus” que coloca sua casa à disposição para os encontros de Paulo. A partir desse momento, a maior parte daqueles que aderem ao anúncio cristão de Paulo em Corinto provém do mundo pagão. (FABRIS, 2008, p. 363)

116

Segundo Bruce a primavera de 52 d.C. Paulo saiu de Corinto com seus amigos

Priscila e Áquila e atravessou o mar Egeu até Éfeso. Segundo Bruce:

Paulo visitou a sinagoga ali, e os judeus ficaram tão interessados no que ele tinha a dizer, que pediram para ouvir mais, mas ele se desculpou por causa de um compromisso urgente em Jerusalém. De acordo com o texto oriental de Atos 18,21, ele tinha de estar em Jerusalém para a próxima festa – ou Páscoa ou Pentecoste. Seu compromisso em Jerusalém pode ter tido a ver com um voto de nazireu que fizera em Corinto – provavelmente em resposta á promessa de proteção que recebera do Senhor em uma visão noturna. Quando partiu de Corinto, cumpriu parte do seu voto, cortando o seu cabelo curto antes de embarcar no porto de Cencréia, mas o cumprimento completo exigia uma visita ao templo em Jerusalém. Por isso (246) ele deixou Priscila e Áquila em Éfeso e navegou dali para Cesaréia na Palestina. Ele cumpriu suas obrigações em Jerusalém e fez uma visita à igreja-mãe; depois seguiu para o norte, até Antioquia da Síria, refazendo o contato com seus velhos amigos ali, antes de retornar a Éfeso. (BRUCE, 2008, p. 247).

Lucas resume numa linha a intensa e prolongada atividade missionária e

pastoral de Paulo em Corinto, “Assim, Paulo ficou uma ano e meio entre eles,

ensinando a Palavra de Deus”. (At 18,11).

Esta citação afirma que foi a primeira vez que Paulo se dedicou há um tempo

bastante longo á pregação do Evangelho numa certa cidade. Só em Antioquia da Síria

ele havia ficado um ano todo, junto com Barnabé, para a formação daquela

comunidade cristã. Pois, em Corinto, Paulo decidiu como deveria fazer suas escolhas

e como deixa entrever a experiência de revelação referida pouco antes por Lucas,

amadurecendo num contexto de oração.

Segundo Quesnel, quando partiu, cerca de dois anos depois, Paulo deixou em

Corinto uma Igreja de certa importância numérica, mas muito jovem e certamente

frágil. É essa fragilidade que se revela na correspondência entre Paulo e a

comunidade de Corinto. Correspondência que pode ser datada dos anos 54-55, ou

seja, 4 ou 5 anos, apenas, depois da primeira chegada de Paulo a cidade. (2004, p.37-

38)

117

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente trabalho buscou refletir sobre as ações evangelística do apóstolo

Paulo em Atos capítulos 17 e 18 começando por analisar o início das missões em Atos

dos Apóstolos abordando em primeiro lugar a grande relevância da descida do

Espírito Santo através do Pentecoste e, assim, ressaltando a figura do primeiro líder

da Igreja chamado Pedro e o seu discurso no cumprimento do início desta missão que

através desta liderança abre-se campo para muitos missionários dentre os quais as

mulheres possuem um papel preponderante.

Porém, todo esse papel preponderante no início histórico das missões, Pedro

dá lugar ao maior missionário do Novo Testamento, a saber o apóstolo Paulo que que

tem sua relevância na sociedade a qual ele vive exercendo o seu protagonismo para

o que foi chamado, ou seja, um pregador da Palavra de Deus, exercendo o seu

mandato missional através das suas viagens missionárias, as quais foram

preponderantes para a expansão do Evangelho no início da Igreja Primitiva onde as

ações evangelísticas do apóstolo Paulo em Atos dos Apóstolos tem seu ápice quando

ele visita as cidades de Tessalônica, Atenas e Corinto, onde, de fato, o Evangelho de

consolidou na história da humanidade até os dias de hoje.

Percebe-se desta forma a grande relevância da contribuição da estratégia de

Paulo para o desenvolvimento da Igreja Cristã do primeiro século até os dias de hoje.

Sendo muitos dos desafios enfrentados por Paulo encontrados também nas

grandes cidades hodiernas, a missiologia atual pode e deve se utilizar das mesmas

estratégias visando também alcançar resultados igualmente extraordinários.

Este trabalho não se encerra com uma “receita” ou método evangelístico.

Espera-se que possa contribuir para futuros estudos que tenham este fim.

118

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