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UNIVERSIDADE SÃO FRANCISCO Ricardo da Silva Borri RA 003200600681 OS DIREITOS FUNDAMENTAIS À VIDA E LIBERDADE RELIGIOSA: TESTEMUNHAS DE JEOVÁ PODEM RECUSAR TRATAMENTOS HOMOTERÁPICOS? São Paulo 2010

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UNIVERSIDADE SÃO FRANCISCO

Ricardo da Silva Borri

RA 003200600681

OS DIREITOS FUNDAMENTAIS À VIDA E LIBERDADE RELIGIO SA:

TESTEMUNHAS DE JEOVÁ PODEM RECUSAR TRATAMENTOS

HOMOTERÁPICOS?

São Paulo 2010

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Ricardo da Silva Borri

RA 003200600681

OS DIREITOS FUNDAMENTAIS À VIDA E LIBERDADE RELIGIO SA:

TESTEMUNHAS DE JEOVÁ PODEM RECUSAR TRATAMENTOS

HOMOTERÁPICOS?

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à Coordenação do Curso de Direito da Universidade São Francisco, como requisito parcial para a obtenção do Título de Bacharel em Direito, orientado pela Professora Doutora Eunice Aparecida de Jesus Prudente.

São Paulo 2010

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B744d* Borri, Ricardo da Silva

Os direitos fundamentais à vida e liberdade religiosa. Testemunhas de Jeová podem recusar tratamentos homoterápicos?/ Ricardo da Silva Borri – São Paulo: USF, 2010. 58 pp.

Monografia (graduação) – Universidade São Francisco, 2010

Orientadora: Doutora Eunice Aparecida de Jesus Prudente

1. Dos direitos fundamentais; 2. Do direito à vida e à liberdade religiosa; 3. Da religião Testemunhas de Jeová; 4. Tratamentos alternativos a transfusão de Sangue; 5. A responsabilidade médica e o código de ética médica. Universidade São Francisco.

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Ricardo da Silva Borri

RA 003200600681

OS DIREITOS FUNDAMENTAIS À VIDA E LIBERDADE RELIGIO SA:

TESTEMUNHAS DE JEOVÁ PODEM RECUSAR TRATAMENTOS

HOMOTERÁPICOS?

Trabalho de Conclusão de Curso aprovado no curso de Direito, da Universidade São Francisco, como requisito parcial para obtenção do título de Bacharel em Direito. Data da Aprovação___ /___ /2010

Banca Examinadora ....................................................................................................................................................

Profª Doutora Eunice Aparecida de Jesus Prudente Universidade São Francisco

.................................................................................................................................................... Profº Me. Cícero Germano da Costa

Universidade São Francisco

................................................................................................................................................... Profº Especialista Cleusa Guimarães

Universidade São Francisco

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Primeiramente ao “Grande Criador”, sem o qual nada surtiria o seu devido efeito. A grande professora Eunice Aparecida de Jesus Prudente, exemplo de superação e determinação que muito me ajudou e apoiou neste trabalho. Aos demais professores que sempre me apoiaram e estimularam as minhas escolhas. Aos meus amigos que inconscientemente me proporcionaram a força e o exemplo para lutar.

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Aos meus familiares, especialmente a minha mãe, exemplo de garra e superação, a qual nunca reservou em sua vida tempo para o sofrimento. Ao meu amado avô Luis Ferreira de Melo (in memoriam) que por injustiça da vida, não presencia as minhas vitórias.

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“Se não houver frutos, valeu a beleza das flores; se não houver flores, valeu a sombra das folhas; se não houver folhas, valeu a intenção da semente”. (Henfil) “Não conheço nenhuma fórmula infalível para obter o sucesso, mas conheço uma forma infalível de fracassar: tentar agradar a todos”. - (John F. Kenndey)

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BORRI, Ricardo da Silva. Os Direitos Fundamentais à Vida e Liberdade Religiosa. Testemunhas de Jeová podem recusar a Tratamentos Homoterápicos? 58 pp., TCC, Curso de Direito, São Paulo: USF, 2010.

RESUMO

O presente trabalho a partir de uma pesquisa bibliográfica apresentou um estudo sobre a negativa a tratamentos homoterápicos feita pelos adeptos da religião Testemunhas de Jeová. O estudo propôs uma análise dos direitos fundamentais, mais precisamente dos direitos fundamentais de primeira geração, como a liberdade religiosa, o direito a vida, a privacidade e intimidade do indivíduo, todos sob o prisma do princípio da dignidade da pessoa humana, considerado como princípio basilar. No mais, analisamos a ciência médica, através da Bioética, expondo os seus princípios, suas problemáticas e demonstrando os tratamentos alternativos a transfusão de sangue. Não procuramos propor uma solução ao caso concreto, mas sim apresentar todas as suas vertentes a fim de proporcionar uma reflexão a respeito do tema. A problemática foi abordada sob o prisma do paciente maior e capaz. Elucidando a importância dos direitos fundamentais já consagrados, especialmente os aplicados ao caso. Demonstrando que cabe ao Estado propor instrumentos a fim de efetivá-los. No mais, frisa que tal problemática reluz nos direitos fundamentais de primeira geração, os quais são oponíveis ao Estado, não cabendo a sua ingerência e sim, um não fazer.

Palavras - chave: Testemunhas de Jeová. Transfusão de Sangue. Tratamentos Alternativos. Direitos Fundamentais. Liberdade Religiosa. Direito à vida.

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LISTA DE SIGLAS

Siglas

A.C.: Antes de Cristo

CC: Código Civil

CF: Constituição Federal

CFM: Conselho Federal de Medicina

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ..................................................................................................................... 10

SEÇÃO 1 DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS ............................................................... 12

1.1. Conceitos e fundamentos........................................................................................... 12

1.2.Evolução histórica....................................................................................................... 13

1.3. Gerações de direitos fundamentais............................................................................. .......................................................................................................................

17

1.4. Características............................................................................................................ 18

SEÇÃO 2 DO DIREITO À VIDA E À LIBERDADE RELIGIOSA .............................. 20

2.1. Da dignidade da Pessoa humana................................................................................ 20

2.2. Direito à vida.............................................................................................................. 21

2.3. Do direito à liberdade................................................................................................. 23

2.3.1. Da liberdade religiosa.............................................................................................. 25

2.3.2. Da liberdade religiosa subdividida.......................................................................... 26

2.4. Direito à privacidade e à intimidade..........................................................................

28

2.5. Da colisão e concorrência dos direitos fundamentais................................................ 30

2.5.1. Considerações iniciais............................................................................................. 30

2.5.2. Âmbito de proteção dos direitos fundamentais....................................................... 30

2.5.3. Elementos solucionadores....................................................................................... 31

2.5.4. Princípios da unidade da Constituição e da concordância prática..........................

32

2.5.5. Princípio da proporcionalidade............................................................................... 32

2.5.6. Da aplicação do princípio da dignidade da pessoa humana.................................... 33

2.5.7. Considerações finais................................................................................................ 34

SEÇÃO 3 DA RELIGIÃO TESTEMUNH AS DE JEOVÁ.............................................. 35

3.1. Considerações iniciais................................................................................................ 35

3.2. Esboço histórico das Testemunhas de Jeová – Quando surgiram?............................ 35

3.3. Da fundamentada recusa religiosa à transfusão de sangue........................................ 37

SEÇÃO 4 TRATAMENTOS ALTERNATIVOS À TRANSFUSÃO DE SA NGUE..... 40

4.1. Riscos inerentes à transfusão de sangue..................................................................... 40

4.2. Tratamentos alternativos à transfusão de sangue....................................................... 41

4.3. Bioética e seus princípios........................................................................................... 42

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4.3.1. Princípio da beneficência........................................................................................ 43

4.3.2. Princípio da autonomia do paciente........................................................................ 44

4.3.3. Princípio do consentimento informado................................................................... 45

4.3.4. Princípio da justiça.................................................................................................. 46

SEÇÃO 5 A RESPONSABILIDADE MÉDICA E O CÓDIGO DE ÉTI CA MÉDICA 47

5.1. A responsabilidade médica e o “iminente perigo de vida”........................................ 47

CONCLUSÃO...................................................................................................................... 51

REFERÊNCIAS................................................................................................................... 53

ANEXO ................................................................................................................................. 57

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INTRODUÇÃO

A religião é uma forma de exteriorização da fé do indivíduo. Muitas vezes, esta

referida exteriorização provoca repulsa/intolerância nos demais indivíduos. Assim, são

os adeptos da crença denominada Testemunhas de Jeová, as quais por convicções

religiosas recusam tratamentos homoterápicos. Nesse prisma, atualmente, o tema clama

por uma análise mais pormenorizada, devido a sua grande controvérsia doutrinária e

jurisprudencial. E consequentemente contribuir para o desenvolvimento e efetivação dos

direitos fundamentais.

O objetivo principal do presente trabalho é apresentar um estudo sobre a negativa

a tratamentos homoterápicos feita pelos adeptos da crença denominada Testemunhas de

Jeová.

Convém notar, que a problemática é arraigada de grandes divergências e de certa

forma polêmica.

Assim, o estudo desenvolvido propõe uma análise dos direitos fundamentais, mais

precisamente dos direitos fundamentais de primeira geração, como a liberdade religiosa,

o direito à vida, todos sob o prisma do princípio da dignidade da pessoa humana,

considerado o princípio basilar. No mais, analisa a ciência médica, através da Bioética,

expondo os seus princípios e suas problemáticas. Por fim, arrola tratamentos

alternativos à transfusão de sangue.

Ademais, todos são iguais perante a lei. E todos carecem de uma vida digna.

Todavia, a fim de estudarmos melhor toda a problemática, este trabalho divide-se

em cinco seções e inclui um último tópico destinado à conclusão.

A seção 1 inicia o estudo pelos direitos fundamentais, apresentando seus

conceitos, fundamentos, sua evolução histórica, as gerações que os compõem e suas

características.

Na seção 2 analisa-se o princípio da dignidade da pessoa humana, os direitos

fundamentais aplicados ao caso, com enfoque no direito a vida, na liberdade religiosa,

na privacidade e a intimidade. E ao final, dispõe sobre os elementos saneadores à

colisão/concorrência dos direitos fundamentais.

Já a seção 3 trata da religião Testemunhas de Jeová, analisando o seu esboço

histórico, surgimento e a fundamentação religiosa para a negativa da transfusão de

sangue.

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A seção 4 demonstra os riscos inerentes ao tratamento homoterápico, os

tratamentos alternativos à transfusão de sangue, e, por fim, estuda a Bioética sob a luz

dos seus princípios.

Por derradeiro, a última seção trata da responsabilidade médica e o Código de

ética Médica.

No mais, frisamos que não buscamos solucionar o caso em tela. Mas, de forma

humilde, tentamos proporcionar uma reflexão.

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SEÇÃO 1 DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

1.1 Conceitos e fundamentos

Conceituar algo, não é tarefa das mais fáceis, uma vez que cada um possui uma própria

definição, e senão um conceito próprio.

No tocante às expressões empregadas aos direitos fundamentais arrolaremos as que são

constantemente empregadas para o tema, como: direitos naturais, direitos humanos, direitos

do homem, direitos individuais, direitos públicos subjetivos, liberdades fundamentais, direitos

humanos fundamentais, liberdades públicas, direitos fundamentais do homem e direitos

fundamentais.

Ademais, apesar de toda divergência existente entre as diversas expressões, verificamos

que estas buscam amparadas pelo princípio da dignidade da pessoa humana, conceder ao

indivíduo uma vida digna em seu aspecto físico e moral. Pois, do que adiantaria a proteção

física, se a psíquica estivesse ultrajada?

Segundo as lições de Sarlet (1998, p. 109) “os direitos fundamentais, ao menos de

forma geral, podem ser considerados concretizações das exigências do princípio da dignidade

da pessoa humana”.

Aliás, com intuito de fortalecer o entendimento acima, destacaremos os seguintes

autores:

Para Rodrigo César Rebello Pinho:

Direitos fundamentais são os indispensáveis à pessoa humana, necessários para assegurar a todos uma existência digna, livre e igual. Não basta ao Estado reconhecê-los formalmente; deve buscar concretizá-los, incorporá-los no dia-a-dia dos cidadãos e de seus agentes. (2000, p.60)

Alexandre de Moraes:

O conjunto institucionalizado de direitos e garantias do ser humano que tem por finalidade básica o respeito a sua dignidade, por meio de sua proteção contra o arbítrio do poder estatal e o estabelecimento de condições mínimas de vida e desenvolvimento da personalidade da pessoa humana [...]. (2000, p. 39)

[...] considerando-os um conjunto de faculdades e instituições que, em cada momento histórico, concretizam as exigências da dignidade, da liberdade e da igualdade humanas, as quais devem ser reconhecidas positivamente pelos

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ordenamentos jurídicos em nível nacional e internacional. (LUÑO apud MORAES, 2000, p. 39)

A respeito da historicidade dos direitos fundamentais se posiciona Bobbio:

Do ponto de vista teórico, sempre defendi – continuo a defender, fortalecido por novos argumentos – que os direitos do homem, por mais fundamentais que sejam, são direitos históricos, ou seja, nascidos em certas circunstâncias, caracterizadas por lutas em defesa de novas liberdades contra velhos poderes, e nascidos de modo gradual, não todos de uma vez e nem de uma vez por todas. (1992, p. 05)

Ademais, no tocante às correntes filosófico-jurídicas abordadas, Paulo Gustavo Gonet

Branco afirma da seguinte forma:

[...] para os jusnaturalistas, os direitos do homem são imperativos do direito natural, anteriores e superiores à vontade do Estado. Já para os positivistas, os direitos do homem são faculdades outorgadas pela lei e reguladas por ela. Para os idealistas, os direitos humanos são idéias, princípios abstratos que a realidade vai acolhendo ao longo do tempo, ao passo que, para os realistas, seriam o resultado direto de lutas sociais e políticas. (2002, p. 113)

Segundo Bobbio (1992, p. 24), ocorre uma crise dos fundamentos dos direitos do

homem, sendo que "deve-se reconhecê-la, mas não tentar superá-la, buscando outro

fundamento absoluto para o que se perdeu”, considerando que "o problema fundamental em

relação aos direitos do homem, hoje, não é tanto de justificá-los, mas o de protegê-los”.

Assim, verificamos que a grande problemática dos direitos fundamentais é sua proteção

e não a sua justificação. Todavia, para a agregação do entendimento acima necessária se faz a

análise de sua evolução, conforme a seguir.

1.2 Evolução histórica

Apresentados por vários autores como fruto de reivindicações sociais em determinadas

épocas, os direitos fundamentais sempre se vinculam à imposição de limites à arbitrariedade

do poder governante e seus agentes, no intuito de resguardar os direitos dos seres humanos

individualmente considerados.

José Afonso da Silva fortalece a afirmativa acima da seguinte maneira: "mais que

conquista, o reconhecimento desses direitos caracteriza-se como reconquista de algo que, em

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termos primitivos, se perdeu, quando a sociedade se dividira entre proprietários e não

proprietários". (2009, p. 149)

Aliás, desde épocas remotas, já se cogitava proteção aos direitos fundamentais, como no

Antigo Egito e Mesopotâmia, no terceiro milênio antes de Cristo.

Os direitos individuais de igualdade e liberdade do homem entendem-se influenciados

pela filosofia religiosa, ao considerar a propagação da doutrina Budista (500 A.C.) e

posteriormente, os estudos desenvolvidos na Grécia.

Nesse sentido, aduz Alexandre de Moraes:

[...] foi o direito Romano que estabeleceu um complexo mecanismo de interditos visando tutelar os direitos individuais em relação aos arbítrios estatais". A lei das doze tábuas pode ser considerada a origem dos textos escritos consagradores da liberdade, da propriedade e da proteção aos direitos do cidadão. (2000, pp. 24-25)

Ainda, Alexandre de Moraes afirma "tais mecanismos de proteção individual em

relação ao Estado podem ser apontadas como a origem dos direitos individuais do homem,

apesar de apresentarem uma concepção muito diferente da atual sobre tais direitos". (2000,

pp. 24-25)

No entanto, Ingo Wolfgan Sarlet (1998, p. 38), entende que os primeiros direitos

fundamentais não se consagraram na antiguidade, porém, foi nesta época que apareceram

algumas das idéias-chaves que, posteriormente, vieram a influenciar diretamente o

pensamento jusnaturalista e a sua concepção de que o ser humano, pelo simples fato de

existir, é titular de alguns direitos naturais e inalienáveis.

Segundo Gonet Branco, (BRANCO apud MENDES, 2002, p. 123) “a concepção de que

os homens, por serem criados à imagem e semelhança de Deus, possuem alto valor intrínseco

e uma liberdade inerente à sua natureza anima a idéia de que eles dispõem de direitos que

devem ser respeitados por todos e pela sociedade política”.

Inúmeros documentos podem ser destacados ao longo da história, como antecedentes

das declarações de direitos fundamentais. A Inglaterra foi pioneira neste sentido, com

documentos como a Magna Charta Libertatum, em 1215, outorgada por João-sem-Terra, que

assegurava alguns privilégios feudais ao nobres, mas não chegava a alcançar o conjunto da

população. Posteriormente, renomadas declarações vieram consagrar direitos que

reconheciam aos indivíduos uma esfera autônoma de atuação frente ao poder soberano,

destacando-se a Petition of Rights de 1628, o Habeas Corpus Act de 1679, o Bill of Rights de

1689 e o Act of Seattlemente de 1701.

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Entretanto, a Revolução dos Estados Unidos detém de alto relevo histórico no tocante a

evolução dos direitos fundamentais, uma vez que documentos de grande valor histórico e

jurídico surgiram após esta revolução, tais como: a Declaração de Direitos da Virgínia (1776),

a qual proclamava o direito à vida, à liberdade e à propriedade; a declaração de Independência

dos Estados Unidos da América, também de 1776 e realizada basicamente por Thomas

Jefferson, a qual limitava o poder estatal; a Constituição dos Estados Unidos da América de

1787, que visou limitar o poder do Estado, estabelecendo a separação dos poderes estatais e

também diversos direitos fundamentais.

[...] situa-se o ponto fulcral do desenvolvimento dos direitos fundamentais na segunda metade do século XVIII, sobretudo com o Bill of Rigths de Virgínia (1776), quando se dá a positivação dos diretos tidos como inerentes ao homem, até ali mais afeiçoados a reivindicações políticas e filosóficas do que a normas jurídicas obrigatórias, exigíveis juridicamente. (BRANCO apud MENDES, 2002, p. 106)

Todavia, para Moraes e Bonavides:

A consagração normativa dos direitos fundamentais, porém, coube à França, quando, em 26-8-1789, a Assembléia Nacional promulgou a Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, com 17 artigos. Dentre as inúmeras e importantíssimas previsões, podemos destacar os seguintes diretos humanos fundamentais: princípio da igualdade, liberdade, propriedade, segurança, resistência á opressão, associação política, princípio da legalidade, princípio da reserva legal e anterioridade em matéria penal, princípio da presunção de inocência; liberdade religiosa, livre manifestação de pensamento. (MORAES, 2000, p. 28) Constatou-se então com irrecusável veracidade que as declarações antecedentes de ingleses e americanos podia talvez ganhar em concretude, mas perdiam em espaço de abrangência, portanto se dirigiam a uma camada social privilegiada (os barões feudais), quando muito a um povo ou a uma sociedade que se libertava politicamente, conforme era o caso das antigas colônias americanas, ao passo que a Declaração Francesa de 1789 tinha por destinatário o gênero humano. Por isso mesmo, e pelas condições da época, foi a mais abstrata de todas as formulações solenes já feitas acerca da liberdade. (BONAVIDES, 2000, p. 516)

A França em 1793 por meio de sua Constituição incluiu os direitos ao devido processo

legal, à ampla defesa, à proporcionalidade entre delitos e penas à liberdade de profissão, ao

direito de petição e aos direitos políticos, normatizando assim, os direitos fundamentais

consagrados na Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão.

No entanto, convém notar, que foi a Declaração de Direitos da Constituição Francesa de

1848 que expandiu os direitos fundamentais, agregando aos direitos humanos tradicionais, os

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direitos à liberdade do trabalho e da indústria, e à assistência aos desempregados, às crianças

abandonadas, aos enfermos e aos velhos sem recursos.

Não obstante, a organização das Nações Unidas, a fim de redigir um documento

declaratório que servisse de referência aos vinte um países da América, criou a Comissão dos

Direitos do Homem. Essa comissão aprovou em 10 de dezembro de 1948, em Assembléia da

ONU em Paris, a Declaração Universal dos Direitos do Homem.

A Declaração Universal dos Direitos do Homem contém trinta artigos, precedidos, de um Preâmbulo com sete considerandos, em que reconhece solenemente: a dignidade da pessoa humana, como base da liberdade da justiça e da paz; o ideal democrático com fulcro no progresso econômico, social e cultural; o direito de resistência à opressão; finalmente, a concepção comum desses diretos. Constitui o Preâmbulo com a proclamação, pela Assembléia Geral da ONU, da referida Declaração, "o ideal comum a ser atingido por todos os povos e todas as nações, a fim de que todos os indivíduos e todos os órgãos da Sociedade, tendo esta declaração constantemente no espírito, se esforcem, pelo ensinamento e pela educação, a desenvolver o respeito desses direitos e liberdades e assegurar-lhes, por medidas progressivas de ordem nacional e internacional, o reconhecimento e a aplicação universais e efetivos [...]". (SILVA, 2009, p. 163)

Ainda, José Afonso da Silva (2009, pp. 165-166), no que se refere à criação de

instrumentos para assegurar a efetividade dos direitos do homem reconhecidos na Declaração

Universal de 1948, a Europa deu passos largos e importantes através do Conselho da Europa,

o qual elaborou diversos documentos, culminando na Carta Social Européia, aprovada em

1961 em Turim. A Carta é composta por normas sobre os direitos e garantias econômicos e

sociais do homem europeu.

Antes de todos estes documentos internacionais e multinacionais citados, o primeiro, em nível multinacional, destacando os direitos do homem foi a Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem, cujo texto agasalha a maiorias dos direitos individuais e sociais inscritos na Declaração Universal de 1948. Ela foi aprovada pela IX Conferencia Internacional Americana, reunida em Bogotá, de 30 de março a 2 de maio de 1948, antecedendo, assim, à da ONU cerca de 8 meses. Na mesma Conferência foi aprovada também a Carta Internacional Americana de Garantias Sociais, consubstanciando os direitos sociais do homem americano. Mais importante, no entanto, é a Convenção Americana de Direitos Humanos, chamada Pacto de San José de Costa Rica, adotada nesta cidade em 22.11.69, e também institucionalizada, como meios de proteção daqueles direitos, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, prevista na Resolução VIII, da V Reunião de Consulta dos Ministros das Relações Exteriores (Santiago do Chile, agosto de 1959), e a Corte Interamericana de Direitos Humanos, que vigora desde 18.6.78, mas no Brasil, só entrou em vigor em 1992, por via de adesão, já que nem tinha sido assinada ainda por nós. (SILVA, 2009, p. 167)

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Aliás, a falta de eficácia jurídica de documentos que declaravam direitos humanos

motivou a inserção destes direitos no texto das constituições, conferindo caráter concreto ao

que, até então, se considerava abstrato, elevando-se de plano, sendo que são fundamentais

para qualquer estado que se declare democrático.

1.3. Gerações de direitos fundamentais

Os direitos fundamentais são classificados em gerações ou segundo alguns autores, em

dimensões.

Nesse sentido, aduz Ingo Wolfgang Sarlet (1998, p. 47) que a divergência entre as

expressões gerações e dimensões não ultrapassa a esfera terminológica.

Aliás, a divergência ocorre devido ao fato de um número de autores acreditarem que o

termo "gerações" faz subentender uma sobreposição de direitos fundamentais, sendo que o

termo "dimensões" os coloca em situação de cumulatividade e não de alternância.

Num primeiro momento, é de se ressaltar as fundadas criticas que vêm sendo dirigidas contra o próprio termo "gerações", por parte da doutrina alienígena e nacional. Com efeito, não há como negar que o reconhecimento progressivo de novos direitos fundamentais tem o caráter de um processo cumulativo, de complementaridade, e não de alternância, de tal sorte que o uso da expressão "gerações" pode ensejar a falsa impressão da substituição gradativa de uma geração por outra, razão pela qual há quem prefira o termo "dimensões" [...]. (SARLET, 1998, p. 47)

Os direitos fundamentais são divididos em quatro gerações ou dimensões, que já estão

consolidadas, e a quarta está em fase de desenvolvimento e reconhecimento.

Os direitos de primeira geração têm como titular o indivíduo e são oponíveis contra o

Estado. Aliás, foram os primeiros a serem reconhecidos em instrumentos normativos

constitucionais e são recepcionados como direitos de liberdade, ou seja, direitos civis e

políticos. Desta forma, pede-se, uma prestação negativa do poder estatal, no sentido de que

este não interfira na autonomia individual do cidadão. Segundo Bonavides, (2000, p. 517) "já

se consolidaram em sua projeção de universalidade formal, não havendo constituição digna

desse nome que os não reconheça em toda extensão".

No tocante, a segunda geração ou dimensão de direitos fundamentais verificamos que a

mesma é considerada como direitos sociais, culturais e econômicos, bem como os direitos

coletivos ou de coletividades. A base dos direitos desta geração é o direito de igualdade. Esses

direitos são oriundos de lutas de uma classe social nova, os trabalhadores. Esta geração, ao

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contrário da anterior, declara direitos que visam obter uma prestação positiva do Estado em

favor dos que vivem à margem da ordem social e econômica.

Os direitos de terceira geração são reconhecidos como os de fraternidade e não se

destinam especificamente à proteção dos interesses de um indivíduo, de um grupo ou de um

determinado Estado, tendo como destinatário o gênero humano. No rol, também são

considerados direitos de terceira geração os relacionados com a proteção ao consumidor, à

infância e à juventude, ao idoso, ao deficiente físico, à saúde e à educação pública.

Aliás, ainda no que se refere aos direitos de terceira geração, afirma Bonavides, (2000,

p. 523) "emergiram da reflexão sobre temas referentes ao desenvolvimento, à paz, ao meio-

ambiente, à comunicação a ao patrimônio comum da humanidade".

Todavia, no tocante ao surgimento de uma quarta geração ou dimensão de direitos

fundamentais, destacamos que a mesma está em fase de consolidação. Contudo, Bonavides

apresenta o tema de forma cautelosa, apostando no desenvolvimento de uma globalização

política que venha a reconhecer universalmente, no campo institucional, o direito à

democracia, à informação e ao pluralismo. No entanto, para que esses direitos de quarta

geração ganhem concretude jurídica, existe a necessidade do reconhecimento no direito

positivo interno e internacional garantindo, assim, a almejada democracia positivada e

globalizada.

Nessa democracia, a fiscalização de constitucionalidade daqueles direitos enunciados – direitos, conforme vimos, de quatro dimensões distintas – será obra do cidadão legitimado, perante uma instância constitucional suprema, à propositura da ação de controle, sempre em moldes compatíveis com a índole e o exercício da democracia direta. (2000, p. 526)

No que tange aos direitos fundamentais, devido a sua característica de historicidade,

conforme estudaremos adiante, e assim decorrentes da evolução humana, não podem

considerá-los por encerrados, uma vez que outros poderão surgir no decorrer da história.

1.4. Características

Os direitos fundamentais do homem são considerados direitos subjetivos inatos,

absolutos, invioláveis, intransferíveis e imprescritíveis. Assim, é necessário destacar a

importância de conhecermos as diversas características apresentadas por esses, uma vez que

através delas identificaremos sua elevada posição no ordenamento jurídico.

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Assim, as principais características dos direitos fundamentais são: a historicidade, a

imprescritibilidade, a irrenunciabilidade, a inviolabilidade, a indisponibilidade, a

universalidade, a efetividade, a interdependência, a concorrência, a complementaridade.

A historicidade deriva do contexto histórico e, posteriormente, ao serem inseridos na

Constituição, tornam-se Direitos Fundamentais positivados;

Já imprescritibilidade deriva do fato dos direitos fundamentais não prescreverem, ou

seja, não se perdem com o passar do tempo;

A irrenunciabilidade caracteriza-se pelo fato de o direito fundamental ser um direito que

não pode ser objeto de renúncia.

Contudo a inviolabilidade advém da força dos direitos fundamentais, ou seja, não

podem ser desrespeitados por normas infraconstitucionais ou por atos das autoridades

públicas, havendo as possibilidades de responsabilização civil, criminal e administrativa

quando desrespeitados;

A indisponibilidade decorre dos direitos que visam resguardar a vida biológica ou

intentem preservar as condições normais de saúde física e mental, bem como a liberdade de

tomar decisões sem coerção externa. (BRANCO apud MENDES, 2002, pp. 123-124).

No tocante a universalidade, verificamos que os direitos fundamentais são dirigidos ao

todo, ou seja, ao ser humano em geral, não podendo ficar restritos a um grupo, categoria ou

classe de pessoas;

A efetividade aduz que os direitos fundamentais, são e devem ser garantidos e

plenamente efetivados pelo Poder Público, sendo, se necessários forem, à utilização de

mecanismos coercitivos para tanto.

Já a interdependência aduz que os direitos fundamentais são de alguma forma

interligada entre si, apesar de autônomos.

A Concorrência aduz que podem ser exercidos vários Direitos Fundamentais ao mesmo

tempo;

Por fim, a Complementaridade aduz que os direitos fundamentais devem ser

interpretados de forma conjunta, de maneira a atingir os objetivos previstos na Constituição.

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SEÇÃO 2 DO DIREITO À VIDA E À LIBERDADE RELIGIOSA

2.1 Da dignidade da pessoa humana

O princípio da dignidade da pessoa humana está previsto no artigo 1º, inciso III da

Constituição Federal. Sendo, considerado o ápice do sistema jurídico. Na verdade é um

superprincípio, do qual decorre a necessidade de respeito à integridade física, psíquica e

intelectual do indivíduo, relacionando-se, também, à proteção da igualdade e da liberdade do

ser humano.

Para Ingo Wolfgang Sarlet:

[...] a dignidade da pessoa humana é simultaneamente limite e tarefa dos poderes estatais e, no nosso sentir, da comunidade em geral, de todos e de cada um, condição dúplice esta que também aponta para uma paralela e conexa dimensão defensiva e prestacional de dignidade. Como limite, a dignidade implica não apenas que a pessoa não pode ser reduzida à condição de mero objeto da ação própria e de terceiros, mas também o fato de a dignidade gerar direitos fundamentais (negativos) contra atos que a violem ou a exponham a graves ameaças. Como tarefa, da previsão constitucional (explícita ou implícita) da dignidade da pessoa humana, dela decorrem deveres concretos por parte de tutela por parte dos órgãos estatais, no sentido de proteger a dignidade de todos, assegurando-lhe também por meio de medidas positivas (prestações) o devido respeito e promoção”. (2005, p. 32)

O direito fundamental à vida não encontra limites no princípio da dignidade da pessoa

humana, que, afinal, é o alicerce de todo e qualquer direito. Note-se que é a dignidade da

pessoa humana – e não a vida - um dos fundamentos da República (CF/88, art. 1º, inciso III).

Ainda, um dos objetivos fundamentais da República é justamente promover o bem de todos,

sem qualquer forma de discriminação, inclusive religiosa.

Assim, impor uma transfusão de sangue contra a vontade do paciente da religião

Testemunhas de Jeová, seria um desrespeito à dignidade do aderente dessa religião.

Analisou esse ponto com extrema propriedade Ana Carolina Dode Lopez, em trecho

que merece detida reflexão:

Não há dignidade quando os valores morais e religiosos mais arraigados do espírito da pessoa lhe são desrespeitados, desprezados. [...] A pergunta que se faz é a seguinte. Adianta viver sem dignidade ou com a dignidade profundamente ultrajada? Se a própria pessoa prefere a morte é porque o

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desrespeito às suas convicções espirituais configura uma morte pior: a morte de seu espírito, de sua moral. 1

Ainda, Maria de Fátima Freire de Sá e Maíla Mello Campolina fazem a aguda

afirmação de que erigir a vida como um "bem coletivo" ou como pertencente ao Estado é tirar

do ser humano a única coisa que deveras possui: ele próprio. (2008, p.190)

Portanto, verificamos que antes de ponderar um direito fundamental frente ao outro,

devemos através do princípio da dignidade da pessoa humana, buscar um equilíbrio entre

estes. Não podemos majorar um direito fundamental, necessitamos buscar amparo no

princípio da dignidade da pessoa humana.

Aliás, conforme já visto, o princípio da dignidade da pessoa humana está previsto no

artigo 1º, inciso III da CF, aduzindo que a Constituição Federal será regida pelos seguintes

princípios, o qual denomina a dignidade da pessoa humana.

O referido princípio é apresentado como superprincípio. Ora, se os direitos

fundamentais discutidos no caso em tela amparam-se pela dignidade da pessoa humana e,

sendo estes direitos de primeira geração, não cabe a ingerência do Estado.

Assim, toda vez que uma testemunha de Jeová é coagidamente submetida à transfusão,

além de uma grande afronta ao seu direito fundamental denominado de liberdade de crença,

haverá uma grande afronta ao principio basilar dos direitos fundamentais denominado de

dignidade da pessoa humana.

2.2 Do direito à vida

O direito à vida é contemplado na Constituição Federal, no título dos Direitos e

Garantias Fundamentais, art. 5º caput: "Todos são iguais perante a lei, sem distinção de

qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a

inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à segurança e à propriedade, nos termos

seguintes: [...]".

Reconhecendo a dificuldade para definir o vocábulo vida, o autor tece a seguinte

consideração: "Não intentaremos dar uma definição disto que se chama vida, porque é aqui

1 LOPES, Ana Carolina Dode. Jus Navigandi. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=7977>. Acesso em: 15.09.2010

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que se corre o grave risco de ingressar no campo da metafísica supra-real, que não nos levará

a nada". (2009, p. 197)

Pautado pelo receio de iniciar uma divagação filosófica sobre o assunto, o autor

cautelosamente apresenta a seguinte definição:

Vida, no texto constitucional (art. 5o, caput) não será considerada apenas no seu sentido biológico de incessante auto-atividade funcional, peculiar à matéria orgânica, mas na sua acepção biográfica mais compreensiva. Sua riqueza significativa é de difícil apreensão porque é algo dinâmico, que se transforma incessantemente sem perder sua própria identidade. É mais um processo (processo vital), que se instaura com a concepção (ou germinação vegetal), transforma-se, progride, mantendo sua identidade, até que muda de qualidade, deixando então de ser vida para ser morte. Tudo que interfere em prejuízo deste fluir espontâneo e incessante contraria a vida. (2009, p. 197) [...] A vida humana, que é objeto do direito assegurado no art. 5º, caput, integra-se de elementos materiais (físicos e psíquicos) e imateriais (espirituais). (2009, p.198)

Todavia, ao Estado cumpre o papel de assegurar o direito à vida tanto no sentido

fisiológico quanto na dignidade à sua subsistência.

Aliás, o direito a vida é defendido por grande parte da doutrina como o primeiro e mais

importante de todos os direitos fundamentais, pois, se assim não fosse, de nada adiantaria

assegurar os outros direitos fundamentais.

A fim de fortalecer o entendimento acima, Pinho aduz: "O direito à vida é o principal

direito individual, o bem jurídico de maior relevância tutelado pela ordem constitucional, pois

o exercício dos demais direitos depende de sua existência". (2000, p. 72)

O direito á vida é inato, quem nasce com vida tem direito a ela. (...) Com o nascimento da personalidade (= entrada do nascimento do ser humano no mundo jurídico), nasce o direito à vida como irradiação de eficácia do fato jurídico stricto sensu do nascimento do ser humano com vida (art. 4º, 1º parte). Nas leis penais e policiais, muitas são as regras jurídicas que protegem a vida. Antes do nascimento, resguarda-se. (MIRANDA, 2000, p. 40)

Ademais, o Estado deve propor condições a fim de efetivar o seu pleno exercício,

agindo através de medidas legais, por meio do seu poder de polícia, ou através da não

intervenção na seara dos direitos individuais.

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2.3 Do direito à liberdade

A Constituição da República Federativa do Brasil, em seu artigo 5º, no seu caput,

apresenta de forma expressa o direito fundamental à liberdade na seguinte redação: "Todos

são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e

aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à segurança

e à propriedade[...].

O termo liberdade deriva do latim libertas, de leber (livre), indicando genericamente a

condição de livre ou estado de liberdade. Significa, no conceito jurídico, a faculdade ou o

poder outorgado à pessoa para que possa agir segundo sua própria determinação, respeitadas,

no entanto, as regras legais instituídas. (SILVA, 2002, p. 490).

Apresentar um conceito uno e abrangente para o termo "liberdade", é quase impossível,

uma vez que o termo assumiu diferentes nuances no decorrer da história até chegar ao dias de

hoje. Segundo J. A. da Silva, (2009, p. 232) "[...] a História mostra que o conteúdo da

liberdade se amplia com a evolução da humanidade. Fortalece-se, estende-se, à medida que a

atividade humana se alarga. Liberdade é conquista constante". Aliás, devemos nos atentar que

a história se constrói diariamente e com ela surgem novos contextos, novos questionamentos e

novos valores sociais.

Ademais, considerando a evolução dos direitos fundamentais e o fato de vivermos em

um Estado Democrático de Direito, não cabe mais nos apegarmos ao conceito antigo de

liberdade, uma vez que o termo autoridade, que até então se resistia, assumiu um novo nuance

novo significado.

[...] Nesse sentido, autoridade e liberdade são situações que se completam. É que a autoridade é tão indispensável à ordem social – condição mesma da liberdade – como esta é necessária à expansão individual. Um mínimo de coação há sempre que existir. ‘O problema está em estabelecer, entre a liberdade e a autoridade, um equilíbrio tal que o cidadão médio possa sentir que dispõe de campo necessário à perfeita expressão de sua personalidade’. Portanto não é correta a definição de liberdade como ausência de coação. O que é válido afirmar é que a liberdade consiste na ausência de coação anormal, ilegal e imoral. Daí se conclui que toda lei que limita a liberdade precisa ser lei normal, moral e legítima, no sentido de que seja consentida por aqueles cuja liberdade restringe. (SILVA, 2009, p. 232)

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Ainda o autor, no que se refere à visão moderna de liberdade, em que a realização

pessoal é o objetivo maior, aduz: "Liberdade consiste na possibilidade de coordenação

consciente dos meios necessários à realização da felicidade pessoal". (SILVA, 2009, p. 233)

No entanto, amparado pela democracia a qual é fator imprescindível para a coordenação

dos meios necessários à realização da felicidade pessoal e, uma vez que a liberdade aplicada a

esse regime encontra campo para se expandir e, assim, quanto maior a elevação do grau de

democratização, maior é a conquista de liberdade. (SILVA, 2009, p. 234)

Aliás, devido à singularização do homem observamos que a expansão ou multiplicação

de direitos, desenvolve-se dentro dos próprios direitos tradicionais. Assim, notório efeito

ocorre em relação ao direito à liberdade, quando dividido em várias espécies pela doutrina da

seguinte maneira: liberdade da pessoa física; liberdade de pensamento; liberdade de expressão

coletiva; liberdade de ação profissional; liberdade de conteúdo econômico e social.

A liberdade da pessoa física compreende a liberdade de locomoção e circulação.

Já a liberdade de pensamento compreende a liberdade de opinião, religião, informação,

artística e comunicação do conhecimento;

A liberdade de expressão coletiva, se manifestada pela liberdade de reunião e

associação.

A liberdade de ação profissional é aquela desenvolvida por meio da livre escolha e de

exercício de trabalho, ofício e profissão.

No que se refere à liberdade de conteúdo econômico e social, verificamos que ela

compreende a liberdade econômica, a livre iniciativa, a liberdade de comércio, a liberdade ou

autonomia contratual, a liberdade de ensino e a liberdade de trabalho.

Ademais, é importante frisar sobre a divisão do direito à liberdade a qual se subdivide

em interna e externa.

José Afonso da Silva (2009, p. 231) aduz:

Liberdade interna (chamada também de liberdade subjetiva, liberdade psicológica ou moral e especialmente liberdade de indiferença) é o livre-arbítrio, como simples manifestação da vontade no interior do homem. Por isso chamada igualmente liberdade do querer. Significa que a decisão entre duas possibilidades opostas pertence, exclusivamente, à vontade do indivíduo; vale dizer, é poder de escolha, de opção, entre fins contrários. E daí outro nome que se lha dá: liberdade dos contrários (...) A questão fundamental, contudo, é saber se, feita a escolha, é possível determinar-se em função dela. Isto é, se se têm condições objetivas para atuar no sentido da escolha feita, e aí se põe a questão da liberdade externa.

Liberdade externa:

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Esta que é também denominada liberdade objetiva, consiste na expressão externa do querer individual, e implica o afastamento de obstáculo ou de coações, de modo que o homem possa agir livremente. Por isso é que também se fala em liberdade de fazer, "poder de fazer tudo o que se quer. Mas um tal poder [como observa R-M. Mossé-Bastide] se não tiver freio, importará no esmagamento dos fracos pelos fortes e na ausência de toda liberdade dos primeiros". É nesse sentido que se fala em liberdades no plural, liberdades públicas (sentido estrito) e liberdades políticas.(SILVA, 2009, 231 e 232)

No tocante à liberdade, devemos indagar até que ponto a liberdade interna do ser

humano, a qual reluz ao seu poder de escolha, pode influenciar os acontecimentos sem entrar

em conflito com a liberdade externa, conhecida como o poder de fazer.

2.3.1 Da liberdade religiosa

As religiões apresentam-se como forma pacificadora de conflitos e questionamentos

interpessoais do homem. E muitas vezes, é considerada como fonte de alimento para o

espírito.

Nesse sentido, aduz Manoel Gonçalves Ferreira Filho (2002, pp. 83-89), "a religião

constitui um dos mais fortes componentes das diferentes civilizações. Não é por outra razão

que os estudiosos das civilizações o mais das vezes as caracterizam em função desse elemento

religioso: civilização cristã; civilização muçulmana etc".

O princípio moderno de liberdade religiosa, através do qual os governos declaram sua neutralidade sobre questões religiosas, permitindo a cada cidadão individual, com base na sua própria dignidade humana, adotar suas crenças religiosas sem medo de represália, é conseqüência natural do esclarecimento. Ele recebeu reconhecimento universal na Declaração de 1948, sem dúvida o maior marco da evolução da liberdade religiosa internacional. (2002, pp. 83-89) [...] O autor destaca que, além da Declaração Universal de 1948, três outros documentos internacionais significativos foram desenvolvidos no século XX com o propósito de promover princípios de liberdade religiosa: a Convenção Internacional sobre Direitos Civis e Políticos (1966); a Declaração das Nações Unidas sobre a Eliminação de Todas as Formas de Intolerância e Discriminação com base na Religião ou Crença (1981); e o Documento Final de Viena (1989). (2002, pp. 83-89) [...]

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As proteções à liberdade religiosa contidas nos documentos internacionais não possuem efeito de lei: elas estão somente moldando a legislação de direitos humanos nas nações participantes e são característica fundamental de uma ordem mundial em desenvolvimento. (2002, pp. 83-89)

Podemos destacar a liberdade religiosa como um dos mais importantes direitos

individuais previstos na Constituição da República. Para Alexandre de Moraes, essa liberdade

significa a demonstração da "verdadeira consagração de maturidade de um povo". (2000, p.

125)

Este direito está gravado no art. 5º, inciso VI, de nossa atual Constituição, que

textualmente diz: "é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o

livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto

e a suas liturgias".

A liberdade religiosa é um direito fundamental de primeira geração, impõe-se

precipuamente ao Estado, como "um dever de não-fazer, de não-atuar, de abster-se, enfim,

naquelas áreas reservadas ao indivíduo". (BASTOS apud SORIANO, 2002, p. 6.) Para

Moraes, "a abrangência do preceito constitucional é ampla, pois sendo a religião o complexo

de princípios que dirigem os pensamentos, ações e adoração do homem para com Deus, acaba

por compreender a crença, o dogma, a moral, a liturgia e o culto”. (2000, p. 125)

Para Pontes de Miranda, a liberdade religiosa é uma especialidade da liberdade de

pensamento, por ser vista somente no que concerne à religião. (MIRANDA, apud SORIANO,

2002, p. 8)

Soriano, contudo, destaca a dificuldade de se reconhecer sua importância e alcance, sem

que haja uma provocação direta e material. O autor utiliza as sábias palavras de Rui Barbosa

para ilustrar tal consideração:

A liberdade religiosa, como a liberdade de consciência, é um diâmetro de natureza tão elevada, tão difíceis de palpar são, em teoria, as suas relações com os interesses individuais e sociais do homem, que o povo não se pode apaixonar por ela, compreender-lhe o alcance, tentar-lhe a reivindicação enquanto o não despertam com uma provocação direta e material. (BARBOSA apud SORIANO, 2002, p. 9).

2.3.2. Da liberdade religiosa subdividida

Segundo José Afonso da Silva, a liberdade religiosa, se subdivide em três partes: a

liberdade de crença, a liberdade de culto e a liberdade de organização religiosa. (2009, p. 248)

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A liberdade de crença assegura a liberdade de escolha da religião que se deseja seguir, a

liberdade para aderir a seita ou denominação qualquer, a liberdade para se alterar de religião e

ainda a liberdade de não seguir religião alguma, optando pelo ateísmo. Tal liberdade é

considerada de cunho interno, pois diz respeito ao poder de escolha do ser humano em

conformidade às suas convicções pessoais.

A fim de fortalecer o entendimento acima, aduz Celso Ribeiro Bastos, a separação de

liberdade de consciência e de crença, é uma forma de melhor proteger ambas:

É esta sem dúvida a melhor técnica, pois a liberdade de consciência não se confunde com a de crença. Em primeiro lugar, porque uma consciência livre pode determinar-se no sentido de não ter crença alguma. Deflui, pois, da liberdade de consciência uma projeção jurídica que inclui os próprios ateus e os agnósticos. (2002. p. 334)

Com a proclamação da República, e com a separação da igreja do estado é que se teve

início a liberdade de crença no Brasil. A neutralidade religiosa adotada pelo Estado Brasileiro

e a separação político-religiosa fundamentaram o exercício da liberdade de crença.

A liberdade de culto compreende a de expressar-se em casa ou em público quanto às

tradições religiosas, os ritos, os cerimoniais e todas as manifestações que integrem a doutrina

da religião escolhida. É a exteriorização da escolha feita através da prática dos atos próprios

de determinada religião.

Nossa atual Constituição assegura o direito à liberdade de culto, mas não o condiciona

mais à observância da ordem pública e dos bons costumes, como acontecia nas anteriores. No

entender de José Afonso Silva, "esses conceitos que importavam em regra de contenção, de

limitação dos cultos já não mais o são. É que, de fato, parece impensável uma religião cujo

culto, por si, seja contrário aos bons costumes e à ordem pública." (2009, p. 249-250)

Da lição de Cretella Junior absorvemos o seguinte:

A liberdade religiosa, pela própria natureza que se reveste, apresenta modalidades diversas; intimamente qualquer um pode adotar o culto ou a fé que mais lhe convier, sem que o Estado possa penetrar ou violar os sentimentos individuais.O mesmo não ocorrerá, porém, quanto às exteriorizações desses sentimentos religiosos, manifestações que se acham vinculadas aos interesses da ordem pública, dos bons costumes, dos direitos da coletividade. Determinadas práticas religiosas, ofensivas à moral e a ordem pública, são necessariamente proibidas porque podem provocar tumultuo que tragam danos ao particular ou à coletividade. (CRETELLA JUNIOR, 1986, p. 91)

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A liberdade de organização religiosa é entendida como sendo a que diz respeito à

faculdade que se dá aos que confessam uma determinada religião, de organizarem-se sob a

forma de pessoa jurídica para a realização de atos de natureza civil em nome da fé professada.

De acordo com J. A. da Silva, "essa liberdade diz respeito à possibilidade de estabelecimento

e organização das igrejas e suas relações com o Estado" (2009, p. 250), relação esta que, como

destaca o autor, observa três formas de manifestação: a confusão, a união e a separação.

Na confusão, o Estado se confunde com determinada religião; é o Estado teocrático, como o Vaticano e os Estados Islâmicos. Na hipótese da união, verificam-se relações jurídicas entre o Estado e determinada Igreja no concernente à sua organização e funcionamento, como, por exemplo, a participação daquele na designação dos ministros religiosos e sua remuneração. Foi o sistema do Brasil Império. (SILVA, 2009, p. 250)

A separação, segundo Celso Ribeiro Bastos, é o sistema no qual o Brasil está

enquadrado desde que se tornou República. Formou-se, assim, um Estado laico ou não-

confessional, indiferente às diversas igrejas que podem livremente constituir-se, adquirindo

personalidade jurídica. (2002, pp. 335-336)

Cientes de que a liberdade de crença refere-se a um direito de foro íntimo, enquanto a

liberdade de culto está relacionada a um direito de exteriorização das crenças. Trataremos

neste trabalho, a liberdade de crença e de culto, em seu termo único, ou seja, liberdade

religiosa.

2.4 Do direito à privacidade e à intimidade

A Constituição Federal, em seu artigo 5º, inciso X, aduz: “São invioláveis a intimidade,

a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito à indenização pelo dano

material ou moral decorrente de sua violação”.

A privacidade e a intimidade são as necessidades mais ìntimas do homem, uma vez que

este precisa deter de uma proteção jurisdicional que vise a ampará-lo.

Ademais, segundo René Ariel Dotti, a intimidade se caracteriza como:

[...] a esfera secreta da vida do indivíduo na qual este tem o poder legal de evitar os demais”, o que é semelhante ao conceito de Adriano de Cupis que define a intimidade (riservatezza) como modo de ser da pessoa que consiste na exclusão do conhecimento de outrem de quando se refira à pessoa mesma. (DOTTI; CUPIS, apud Silva, 2009, p. 207)

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Assim, a intimidade relaciona-se às relações subjetivas e de trato íntimo da pessoa, suas

relações familiares e de amizade, enquanto vida privada envolve todos os demais

relacionamentos humanos, inclusive os objetivos, tais como relações comerciais, de trabalho,

de estudo etc. (FERREIRA FILHO, 1997. p. 35).

No caso em tela, entendemos que há uma invasão em sua intimidade e privacidade,

quando esta é obrigada a submeter-se a tratamentos contrários a sua convicção religiosa. Mais

uma vez, demonstramos que são esses direitos fundamentais de primeira geração, de caráter

subjetivo, aos quais não cabe a ingerência do Estado.

A fim de fortalecer o entendimento acima, Manoel Gonçalvez Ferreira Filho (2002, p.

83-89)aduz:

[...] que o direito à privacidade é o dos que reclamam a não-ingerência do Estado, da coletividade ou de algum indivíduo, impondo um não-fazer, estabelecendo uma fronteira em benefício do titular do direito que não pode ser violada por quem quer que seja. Agrega, com base em famoso julgado da Suprema Corte Americana, que duas são as facetas desse direito: a) evitar a divulgação de questões pessoais, e, b) independência em tomar determinada espécie de decisões importantes.

Ainda, o parecista acima, destaca que a doutrina e jurisprudência americana incluem no

direito à privacidade as decisões relativas ao próprio corpo (vacinações, testes de sangue

obrigatórios); concepção e contracepção; tratamentos médicos e estilos de vida.

O jurista Celso Ribeiro Bastos (2000, p. 19), em parecer:

Quando o Estado determina a realização de transfusão de sangue – ocorrência fenomênica que não pode ser revertida – fica claro que violenta a vida privada e a intimidade das pessoas no plano da liberdade individual. Mascara-se, contudo, a intervenção indevida, com o manto da atividade terapêutica benéfica ao cidadão atingido pela decisão. Paradoxalmente, há também o recurso argumentativo aos ‘motivos humanitários’ da prática, quando na realidade mutila-se a liberdade individual de cada ser, sob múltiplos aspectos.

É notória que há várias fundamentações que fortalecem a recusa a tratamentos médicos,

mais precisamente a transfusão de sangue, por parte das Testemunhas de Jeová. Talvez, haja

antes de tudo, poeiras do preconceito aos olhos daqueles que tristemente não procuram

enxergar a verdade, e conceder o que é de direito a esta minoria, uma vez que todos são iguais

perante a lei.

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2.5. Colisão e concorrência dos direitos fundamentais

2.5.1 Considerações iniciais

Os direitos fundamentais podem entrar em conflito. Essas situações especiais acoplam

duas hipóteses: nas hipóteses de concorrência de direitos fundamentais e de colisão de direitos

fundamentais.

Há concorrência entre direitos fundamentais quando o comportamento de um mesmo

titular preencher os pressupostos de fato de vários direitos fundamentais. Este conflito poderá

derivar do cruzamento de direitos fundamentais, ou seja, o mesmo comportamento de um

titular é incluído no âmbito de proteção de vários direitos, liberdades e garantias.

Colisão entre direitos fundamentais, por sua vez, ocorre quando o exercício de um

direito fundamental de um titular impede ou embaraça o exercício de outro direito

fundamental de outro titular, sendo irrelevante, para tanto, a coincidência dos direitos

envolvidos.

Em sentido estrito, a colisão entre direitos fundamentais sucede a partir do momento em

que o exercício ou realização de um direito fundamental de um titular irradia efeitos negativos

sobre direitos fundamentais de outros titulares de direitos fundamentais idênticos ou diversos.

Aliás, cumpri salientar, que se está diante de um dos temas de maior envergadura na

dogmática dos direitos fundamentais, que, ao longo dos tempos, vem desafiando os estudiosos

nesta seara.

2.5.2 Âmbito de proteção

Primeiro, a solução de aplicabilidade de direitos fundamentais em aparente conflito,

deve ser a fixação do que a doutrina denomina de “âmbito de proteção do direito fundamental.

Trata-se da parcela da realidade que o constituinte houve por bem definir como objeto da proteção da garantia fundamental. É interessante, pois, fixar o bem jurídico protegido pela norma e os limites estabelecidos pelo constituinte a estes direitos fundamentais para que se tenha uma noção mais

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clara do âmbito de proteção. Este, em outras palavras, será fixado pela identificação dos bens jurídicos protegidos e pela amplitude desta proteção.2

A fixação do âmbito de atuação dos direitos fundamentais é complexa, uma vez que

esses direitos fundamentais se apresentam em formas diversas, conforme já demonstrado,

além de apresentarem conteúdo bastante aberto.

Não raro, a definição do âmbito de proteção de determinado direito depende de uma interpretação sistemática, abrangente de outros direitos e disposições constitucionais. Muitas vezes, a definição do âmbito de proteção somente há de ser obtida em conflito com eventual restrição a esse direito. (MENDES, 2002, p.212)

Aliás, no tocante a efetivação da segurança jurídica é que surgem os elementos

solucionadores de conflitos, os quais fornecem critérios mais seguros a solução de casos de

efetivas colisões de direitos fundamentais, colidindo a possibilidade de interpretações

puramente subjetivas e atentatórias ao princípio da segurança jurídica.

2.5.3 Elementos solucionadores

Frente à colisão de direitos fundamentais, os interpretes impossibilitados de recorrerem

às técnicas tradicionais de hermenêutica, se valem de um raciocínio que a doutrina denomina

de ponderação.

A ponderação, observado os parâmetros demonstrados, aparece como técnica destinada

a garantir certa uniformidade das decisões.

Afirma Ana Paula de Barcellos:

O propósito da ponderação é solucionar esses conflitos normativos da maneira menos traumática para o sistema como um todo, de modo que as normas em oposição continuem a conviver, sem a negação de qualquer delas, ainda que em determinado caso concreto elas possam ser aplicadas em intensidades diferentes. (2003, p.57)

São três as fases da ponderação:

2 BESSA, Leandro Sousa. Colisões de Direitos Fundamentais: Propostas de solução. Disponível em: <http://www.conpedi.org.br/manaus/arquivos/anais/Leandro%20Sousa%20Bessa.pdf>. Acesso em 03.11.2010

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Primeiramente, o aplicador identifica as normas veiculadoras de direitos fundamentais que estão em conflito. Depois, passa a examinar a situação fática e sua repercussão sobre as normas conflitantes. Na última fase, que é a da decisão, deve haver uma apreciação conjunta dos diferentes grupos de normas e a repercussão dos fatos sobre eles, com o desiderato de atribuir “pesos” aos diferentes elementos em colisão, determinando quais devem prevalecer e em que intensidade. É o que se chama de sopesamento.3

2.5.4 Princípios da unidade da constituição e da concordância prática

O princípio da unidade da constituição é aquele que exige a contemplação da

constituição como um todo.

Ademais, quando há colisão de direitos fundamentais, deve o intérprete harmonizar sua

decisão com o sistema constitucional, de forma geral, como um todo. Os direitos

fundamentais em conflito não devem ser visualizados individualizadamente, mas como o

conjunto o qual fazem parte.

No tocante ao princípio da concordância prática ensina Edilsom Pereira de Farias (1996,

p. 98), que “de acordo com o princípio da concordância prática, os direitos fundamentais e

valores constitucionais deverão ser harmonizados (...) por meio de juízo de ponderação que

vise preservar e concretizar ao máximo os direitos e bens constitucionalmente protegidos”.

2.5.5 Princípio da proporcionalidade

O princípio da proporcionalidade é a maneira ponderada e razoável para equilibrar dois

interesses que se encontram em conflito perante um caso concreto. Busca uma relação

proporcional entre o fim que se busca e o meio utilizado.

Todavia, não havendo disposição expressa sobre a matéria no Brasil, há crescente

aplicação de seus postulados, apresentado o princípio da proporcionalidade como uma norma

esparsa do texto da Constituição, derivado do próprio conceito do Estado de Direito.

Poder-se-á enfim dizer, a esta altura, que o princípio da proporcionalidade é hoje axioma do Direito Constitucional, corolário da constitucionalidade e cânone do Estado de direito, bem como regra que tolhe toda a ação ilimitada do poder do Estado no quadro de juridicidade de cada sistema legítimo de autoridade. A ele não poderia ficar estranho o Direito Constitucional

3 BESSA, Leandro Sousa. Colisões de Direitos Fundamentais: Propostas de solução. Disponível em: <http://www.conpedi.org.br/manaus/arquivos/anais/Leandro%20Sousa%20Bessa.pdf>. Acesso em 03.11.2010

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brasileiro. Sendo, como é, princípio que embarga o próprio alargamento dos limites do Estado ao legislar sobre matéria que abrange direta ou indiretamente o exercício da liberdade e dos direitos fundamentais, mister se faz proclamar a força cogente de sua normatividade.4

O princípio da razoabilidade, que se subdividi entre três subprincípios. São eles:

adequação, da necessidade e proporcionalidade em sentido estrito.

A adequação é um meio empregado para vedar o arbítrio, através da ponderação entre o

meio empregado e o fim que se deve atingir.

A necessidade determina os limites indispensáveis à consecução do fim legitimo

almejado, a fim de que a medida não os exceda, buscando a solução que cause o menor

gravame possível.

O princípio da proporcionalidade em sentido estrito, também denominado de

razoabilidade, exigibilidade ou de justa medida, é aquele que exige uma ponderação da

relação entre os danos causados por determinada medida e os resultados obtidos.

Pelo exposto, verificamos que o princípio da proporcionalidade é um eficaz instrumento

para a solução de colisão de direitos fundamentais.

2.5.6. A aplicação do princípio da dignidade da pessoa humana

Conforme já estudado anteriormente, o princípio da dignidade da pessoa humana dispõe

de grande destaque no ordenamento jurídico e é considerado como um superprincípio, do qual

decorre a necessidade de respeito à integridade física, psíquica e intelectual do indivíduo,

relacionando-se, também, à proteção da igualdade e da liberdade do ser humano.

Aliás, sobre a relevante importância do princípio da dignidade da pessoa humana.

Edilsom Pereira de Farias aduz:

O princípio fundamental da dignidade da pessoa humana cumpre um relevante papel na arquitetura constitucional: o de fonte jurídico-positiva dos direitos fundamentais. Aquele princípio é o valor que dá unidade e coerência ao conjunto dos direitos fundamentais. Dessarte, o extenso rol de direitos e garantias fundamentais consagrados pelo título II da Constituição Federal de

4 BONAVIDES apud BESSA, Leandro Sousa. Colisões de Direitos Fundamentais: Propostas de solução. Disponível em: <http://www.conpedi.org.br/manaus/arquivos/anais/Leandro%20Sousa%20Bessa.pdf>. Acesso em 03.11.2010

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1988 traduz uma especificação e densificação do princípio fundamental da dignidade da pessoa humana (Art. 1º, III).5

Ademais, o princípio da dignidade da pessoa humana é considerado um poderoso

instrumento para a solução prática da colisão de direitos fundamentais. Pois, se os direitos

fundamentais, representam concretizações e exigências do princípio da dignidade da pessoa

humana, é óbvio que na devida interpretação prática, a dignidade da pessoa humana é o ponto

de apoio e a finalidade a ser alcançada.

Como se sabe, os princípios constitucionais – e em especial o princípio da dignidade da pessoa humana – manifestam as decisões fundamentais do constituinte, que deverão vincular o intérprete em geral e o Poder Público em particular.(...) Em suma: o princípio da dignidade da pessoa humana há de ser o vetor interpretativo geral, pelo qual o intérprete deverá orientar-se em seu ofício. (BARCELLOS, 2002, p. 146)

Desta forma, verificada a colisão de direitos fundamentais, deverá prevalecer aquela que

mais se aproxime a efetivação e respeito à dignidade da pessoa humana.

2.5.7. Considerações finais

Salientamos nosso entendimento na concorrência dos direitos fundamentais, uma vez

que os direitos fundamentais colididos se referem à mesma pessoa.

Entendemos, ainda, que por tratarmos de direitos fundamentais de primeira geração ou

dimensão como preferem alguns doutrinadores, estes exigem a ingerência do Estado, uma vez

que são direitos subjetivos, oriundos da esfera mais íntima do indivíduo.

No mais, no presente caso, verificamos que essas pessoas respeitam a vida em sua

primazia, mas não aceitam por suas convicções religiosas um único tratamento médico.

Necessitam e lutam pela vida, sinônimo dessa situação é a exigência a tratamentos

alternativos. E que se há um embaraço no exercício de seus direitos fundamentais, esse advém

da prática intolerante do Estado, que não busca a efetivação que lhe é devida, mas exerce de

sua autoridade quando obriga e autoriza a transfusão sanguínea.

5 BONAVIDES apud BESSA, Leandro Sousa. Colisões de Direitos Fundamentais: Propostas de solução. Disponível em: <http://www.conpedi.org.br/manaus/arquivos/anais/Leandro%20Sousa%20Bessa.pdf>. Acesso em 03.11.2010

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SEÇÃO 3 DA RELIGIÃO TESTEMUNHAS DE JEOVÁ

3.1. Considerações iniciais

As Testemunhas de Jeová são consideradas por muitos como protestantes. Ocorre que

devido às divergências doutrinárias, essas são classificadas como cristãs de fronteira.

O cristianismo de fronteira advém de religiões predominantemente ditas como "cristãs",

as quais rejeitam depreciativamente como sendo "seitas". Isto ocorre devido ao fato de esses

grupos divergirem do entendimento das coisas de Deus e de seu filho Jesus Cristo conforme

examinam as Escrituras Sagradas.

A religião Testemunha de Jeová, é classificada como cristã de fronteira, uma vez que é um grupo religioso independente do catolicismo e do protestantismo, atribuindo a sua doutrina uma revelação divina especial. As principais igrejas dessa corrente no Brasil são as Mórmons, Adventistas e Testemunhas de Jeová. 6

Exemplo notório é o fato de alguns grupos entenderem que Deus possui um nome,

Jeová ou Javé. Que Deus não é uma trindade, mas que Jesus é Filho de Deus, fazendo prova

das referida alegações através de textos relacionados a este entendimento contido nas próprias

Escrituras.

3.2. Do esboço histórico das Testemunhas de Jeová – Quando surgiram?

O fundador da religião que conhecemos hoje como Testemunhas de Jeová, foi Charles

Taze Russel. Russel nasceu em 1852, e teve ensinamento religioso numa Igreja

Congregacional. Russel, porém, ainda bem jovem, discordava de muitos dos ensinamentos da

época, como o castigo eterno (inferno), a doutrina da trindade e outros.

6 ANIBAL, Bruno. Religiões Cristianismo de Fronteira. Portal do Brasil. Disponível em: <http://www.portalbrasil.net/novoportal/index.php/comportamento/religiao/1321-cristianismo-de-fronteira> Acesso: 29/08/2010.

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Assim, Charles Taze Russell e alguns amigos decidiram iniciar um estudo da Bíblia a

fim de obter esclarecimento bíblico sem a influência de qualquer grupo religioso existente na

época. Sendo este o marco inicial das atividade das Testemunhas de Jeová. 7

Então, no começo da década de 1870, surge à religião Testemunhas de Jeová em

Allegheny, Pensilvânia, EUA, através de um pequeno grupo de estudo bíblico coordenado por

Charles Taze Russell.

Esse grupo entendia que a doutrina da Trindade não era bíblica, mas que somente Jeová era o Deus e Criador Todo-poderoso, que Jesus Cristo foi a sua primeira criação e o seu Filho unigénito e que o espírito santo não é uma pessoa, mas é a força ativa, invisível, de Deus. Também defendia que a alma não é imortal, mas mortal, sendo que a esperança dos mortos está na ressurreição, e que a punição pela maldade impenitente não seria um tormento eterno, mas o aniquilamento. Professavam que um ensino básico da Bíblia é que Jesus deu a sua vida em resgate pela humanidade. Consideravam que primeiro seriam remidos da terra 144.000 homens e mulheres, para serem co-herdeiros de Cristo no reino celestial. Criam ainda que, por meio do resgate de Jesus, muitos outros, incluindo os ressuscitados dentre os mortos, atingiriam a perfeição humana, com a perspectiva de vida eterna na Terra, sob o governo do Reino. Russell e seus associados afirmavam também que a presença de Cristo seria invisível, em espírito. Os Tempos dos Gentios, durante os quais a soberania de Deus não estava sendo expressa por meio de algum governo na Terra, terminariam em 1914. Então seria estabelecido no céu o Reino de Deus. Estes ensinos básicos ainda identificam hoje as Testemunhas de Jeová. 8

[...]

Afim de divulgar os ensinos bíblicos em que acreditava, em Julho de 1879, Russell começou a publicar em inglês a revista A Torre de Vigia de Sião e Arauto da Presença de Cristo, hoje mundialmente conhecida como A Sentinela — Anunciando o Reino de Jeová. Em 16 de Fevereiro de 1881, junto com outros associados, ele fundou uma sociedade bíblica sem fins lucrativos. Foi chamada de Sociedade Torre de Vigia de Tratados de Sião (Zion’s Watch Tower Tract Society), tendo sido registada legalmente no Estado de Pensilvânia, Estados Unidos da América, em 15 de Dezembro de 1884. Após o registo legal, Charles Taze Russel torna-se o seu primeiro Presidente. O nome foi mudado em 1896 para Sociedade Torre de Vigia de Bíblias e Tratados (Watch Tower Bible and Tract Society). Desde 1955, tem

7 WIKIPEDIA. A enciclopédia Livre. Sociedade Torre de Vigia de Bíblias e Tratados. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org>. Acesso em 07.10.2010

8 WIKIPEDIA. A enciclopédia Livre. Sociedade Torre de Vigia de Bíblias e Tratados. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org>. Acesso em 07.10.2010

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sido conhecida por Sociedade Torre de Vigia de Bíblias e Tratados da Pensilvânia (Watch Tower Bible and Tract Society of Pennsylvania). 9

A crença em epígrafe é introduzida no Brasil, no estado do Rio de Janeiro em 1923 por

um grupo de marinheiros norte-americanos. Sendo sua sede nacional localizada em Cesário

Lange, em São Paulo.

No mais, as Testemunhas de Jeová crêem que a Bíblia é a Palavra de Deus. Consideram

seus 66 (sessenta e seis) livros como inspirados e historicamente corretos. O que comumente

se conhece por Novo Testamento, elas chamam de Escrituras Gregas Cristãs e, o Velho

Testamento, de Escrituras Hebraicas. Baseiam-se em ambas, tanto nas Escrituras Gregas

como nas Hebraicas, e tomam-nas literalmente, exceto quando as expressões ou o contexto

obviamente indicam que o sentido é figurado ou simbólico. Entendem que muitas das

profecias da Bíblia já se cumpriram e que outras se estão cumprindo e outras ainda se

cumprirão. 10

A denominação Testemunhas de Jeová, é um nome descritivo, indicando que dão testemunho a respeito de Jeová, Sua Divindade e Seus propósitos. Por que acreditam que “Deus”, “Senhor”, “Criador” — assim como “Presidente”, “Rei”, “General” — são títulos e podem ser aplicados a diversas personalidades distintas. 11

3.3. Da fundamentada recusa religiosa à transfusão de sangue

As testemunhas de Jeová reconhecem que o sangue é vital à vida. Essas prezam e

respeitam profundamente a vida. E esta é uma das razões pelas quais não fumam, não usam

tóxicos, nem praticam abortos. Aprenderam, pela bíblia, a considerar a vida como sendo

sagrada, algo a ser protegido, tanto para elas mesmas como para seus filhos.

As Testemunhas de Jeová dizem basear na Bíblia a sua recusa na utilização e consumo

de sangue, humano ou animal. Entendem que esta proibição foi dada à humanidade em geral

9 WIKIPEDIA. A enciclopédia Livre. Sociedade Torre de Vigia de Bíblias e Tratados. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org>. Acesso em 07.10.2010. 10 TESTEMUNHAS de Jeová – quem são? Em que crêem? Sua organização e Obra em todo mundo. Disponível em: < http://www.watchtower.org/t/jt/index.htm>. Acesso em: 29.08.2010.

11 TESTEMUNHAS de Jeová – quem são? Em que crêem? Sua organização e Obra em todo mundo. Disponível em: < http://www.watchtower.org/t/jt/index.htm>. Acesso em: 29.08.2010.

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visto que foi transmitida por Deus a um homem que a Bíblia apresenta como ancestral de

todos os homens, Noé. Além disso, reforçando essa aplicação geral, a ordem teria sido dada

na ocasião em que Noé, tal como o primeiro homem Adão, iria dar um novo início à

sociedade humana.12

Assim, as testemunhas de Jeová baseando-se na sua singular interpretação da Bíblia,

entendem que o uso de transfusões de sangue total ou dos seus componentes primários é

proibido pela lei divina. A utilização de sangue ou dos seus componentes em medicamentos

ou procedimentos médicos é usualmente conhecida por hemoterapia. 13

Aliás, as Testemunhas de Jeová alegam que aceitam tratamentos médicos e cirúrgicos.

Com efeito, aduzem que há entre elas dezenas de médicos, e até mesmo cirurgiões. Mas as

Testemunhas são pessoas profundamente religiosas e acreditam que a transfusão de sangue

lhes é proibida por passagens bíblicas como estas:

GENESIS CAPÍTULO 9, VERSÍCULO 3 e 4: (...). V.3. Tudo quanto se move, que é vivente, será para vosso mantimento; tudo que vos tenho dado como a erva verde. V.4. A carne, porém, com sua vida, isto é, com seu sangue, não comereis. [...] LEVÍTICO CAPÍTULO 17, VERSÍCULO 10 a 14: (...). V.10. E qualquer homem da casa de Israel, ou dos estrangeiros que peregrinam entre eles, que comer algum sangue, contra aquela alma porei a minha face, e a extirparei do seu povo. V. 11. Porque a vida da carne está no sangue; pelo que vo-lo tenho dado sobre o altar, para fazer expiação pelas vossas almas; porquanto é o sangue que fará expiação pela alma. V.12. Portanto tenho dito aos filhos de Israel: Nenhum dentre vós comerá sangue, nem o estrangeiro, que peregrine entre vós, comerá sangue. V.13. Também qualquer homem dos filhos de Israel, ou dos estrangeiros que peregrinem entre eles, que caçar animal ou ave que se come, derramará o seu sangue, e o cobrirá com pó. V.14. Porquanto a vida de toda carne é o seu sangue: por isso tenho dito aos filhos de Israel: Não comereis o sangue de nenhuma carne, porque a vida de toda carne é o seu sangue; qualquer que o comer será extirpado. [...]

12 WIKIPEDIA. A enciclopédia Livre. Testemunhas de Jeová e a questão do sangue. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Testemunhas_de_Jeov%C3%A1_e_a_quest%C3%A3o_do_sangue>. Acesso em: 07.10.2010.

13 WIKIPEDIA. A enciclopédia Livre. Testemunhas de Jeová e a questão do sangue. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Testemunhas_de_Jeov%C3%A1_e_a_quest%C3%A3o_do_sangue>. Acesso em: 07.10.2010.

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ATOS CAPÍTULO 15, VERSÍCULO 28 e 29: (...). V.28. Na verdade pareceu bem ao Espírito Santo e a nós, não vos impor mais encargo algum, senão estas coisas necessárias: V.29. Que vos abstenhais das coisas sacrificadas aos ídolos, e do sangue, e da carne, e da carne sufocada, e da prostituição, das quais coisas bem fazeis se vos guardardes. Bem vos vá.

Em harmonia com os textos bíblicos acima expostos, é que as Testemunhas de Jeová

fundamentam a sua recusa. Acreditam que tal ensinamento equivale tanto a doar como

receber sangue.

Aliás, várias questões de ordem médica, ética e legal são levantadas a respeito da recusa

a hemoterapia por parte das Testemunhas de Jeová. Assim, demonstrados os fundamentos

arguidos pelas testemunhas de Jeová, passaremos à análise do tratamento transfusional.

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SEÇÃO 4 TRATAMENTOS ALTERNATIVOS A TRANSFUSÃO DE SA NGUE

4.1 Riscos inerentes à transfusão de sangue

Antigamente, as questões e decisões médicas eram resolvidas e coercitivamente

aplicadas pelo médico. Toda ciência que provém de uma evolução e, o fato de estarmos

vivenciando numa era democrática onde em regra, respeita-se a particularidade do indivíduo,

as diversidades, nada mais justo que respeitar a vontade do indivíduo.

Nesse, sentido notória é a lição de Wilson Ricardo Ligiera:

As decisões sobre tratamento de saúde eram outrora tidas como questões meramente técnicas, tomadas naturalmente pelo conhecedor das ciências médicas. Tal prática, embora cerceasse por completo qualquer possibilidade de exercício de autonomia pelo doente, não era vista como nociva. Naquele contexto, ambas as partes da relação médico–paciente aceitavam que quem sabia o que era “melhor” para o doente era sempre o médico, único e exclusivo detentor do conhecimento científico”. (2005, p. 410) [...] Com o aumento do tecnicismo, o médico deve estar sempre alerta para não se transformar em mero operador de máquinas e aparelhos. Ao olhar para um paciente apenas como um conjunto de órgãos, o profissional negligencia seus aspectos emocionais, podendo causar malefícios consideráveis à pessoa que necessita de sua ajuda. (2005, p. 410)

Aliás, a rejeição à transfusão de sangue é cada vez menos uma questão religiosa, e sim,

uma questão médica. Nos dias atuais, poucas não são as literaturas médicas que demonstram

que as transfusões de sangue envolvem inúmeros riscos, muitas vezes letais.

Ademais, o médico Luiz Gastão Rosenfield, hematologista, disse que apesar de toda a

evolução tecnológica, diante dos conhecimentos atuais, as transfusões de sangue não eram

totalmente seguras no que diz respeito à transmissão de moléstias infecciosas.

Wilson Ricardo Ligiera faz esclarecedora síntese dos riscos decorrentes das transfusões

de sangue:

Ela (a transfusão) também pode reduzir a probabilidade de o paciente continuar vivo. Em recente e conceituado trabalho científico, Herbert et al comprovaram uma correlação direta, estatisticamente significativa, entre as transfusões sanguíneas e a mortalidade de pacientes graves internados em unidades de terapia intensiva. “Os efeitos adversos das transfusões podem ser classificados em duas categorias. Primeiro, as doenças infecciosas transmitidas pelo sangue ou hemoderivados; segundo, as chamadas reações

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transfusionais, que podem ser de natureza imunológicas, imediatas ou tardias e não imunológicas, como reações febris ou reações hemolíticas. Alguns exemplos de doenças infecciosas e parasitárias, transmitidas por transfusões de sangue ou hemoderivados, que podem ser muito graves ou até mesmo fatais são: a AIDS (sigla, em inglês, para ‘síndrome da imunodeficiência adquirida’, causada pelo vírus HIV), algumas formas de hepatites virais, como as causadas pelos vírus B ou C, a tripanossomíase (Doença de Chagas), a malária, a citomegalovirose e as infecções produzidas pelos vírus de Epstein-Barr, HTLV-I e HTLV-II (vírus da leucemia e linfoma de células T Humano) e por outros protozoários e bactérias. [...] Acrescente-se à lista outros riscos e complicações relacionados com a terapêutica transfusional, tais como, erros humanos operacionais (por exemplo transfusão da tipagem errada do sangue) e a imunomodulação, por exemplo, a supressão do sistema imunológico do paciente, aumentando as chances de contrair infecções pós-operatórias e de recidiva de tumores. Concordemente, Roger Y. Dodd, chefe do Laboratório de Doenças Transmissíveis, da Cruz Vermelha Americana, comenta: atualmente, o único meio de assegurar a completa ausência de risco é evitar totalmente as transfusões”. (2002, p. 165-167)

No mais, a fim de fortalecer o posicionamento acima, há de se fazer menção aqui aos

imensos riscos diante da chamada ‘janela imunológica’, que corresponde ao lapso temporal

que o organismo humano necessita para produzir, após a infecção, a quantidade necessária de

anticorpos que possa ser detectada através de exames de sangue específico. Exemplo notório é

o caso da pessoa que foi infectada pelo vírus HIV (AIDS). Se esta doar sangue até 11 dias

após a infecção, os exames feitos nesse sangue não detectarão o vírus, ou seja, obter-se-á um

falso resultado negativo.

Aliás, é importante frisar que as Testemunhas de Jeová não rejeitam todos os

tratamentos médicos. Recusam, apenas, uma terapia que, conforme é admitido pelas próprias

autoridades em saúde acarreta muitos riscos graves.

4.2 Tratamentos alternativos à transfusão de sangue

Atualmente, há alternativas médicas a transfusão de sangue. Assim, de forma sucinta,

mencionar-se-ão algumas alternativas médicas às transfusões de sangue. Essas alternativas

experimentaram grande desenvolvimento nos últimos trinta anos, podendo-se conjecturar,

com boa dose de razoabilidade, que em poucas décadas os progressos técnicos acabarão

totalmente com a necessidade de transfundir sangue.

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a) Dispositivos cirúrgicos para minimizar a perda sanguínea:

eletrocautério/eletrocirurgia; cirurgia a laser; coagulador com raio de argônio.

b) Técnicas e dispositivo para controlar hemorragias: pressão direta; agentes

hemostáticos; hipotensão controlada.

c) Técnicas cirúrgicas e anestésicas para limitar a perda sanguínea: hipotermia induzida;

hemodiluição hiperrvolêmica, redução de fluxo sanguíneo para a pele; recuperação sanguínea

intraoperatória.

d) Dispositivos e técnicas que limitam a perda sanguínea iatrogênica: oxímetro

transcutâneo; uso de equipamento de microcoletagem.

e) expansores de volume: lactato de Ringer; solução salina hipertônica; colóide Dextran.

Com o uso de alternativas médicas já foram feitas, sem sangue: cirurgias de coração

aberto; cirurgias ortopédicas e oncológicas; transplantes de fígado, rim, coração e pulmão;

transplantes de células-tronco periféricas.

De bom alvitre salientar, no entanto, que quando o paciente perde de 25% a 30% do

volume sanguíneo, está em iminente perigo de vida face ao risco de choque hipovolêmico.

Assim, a transfusão de sangue seria imperiosa para restabelecer o volume intravascular e

restaurar a capacidade de transporte de oxigênio, não podendo, atualmente, ser suprida por

alternativa médica.

4.3 Bioética e os seus princípios

O vocábulo bioética provém da junção do antepositivo “bio” (do grego bíos, vida) e da

palavra “ética” (do latim ethìca, derivado do grego éthikê). Bioética é, assim, literalmente, a

ética da vida. Constitui “parte da Ética, ramo da filosofia, que enfoca as questões referentes à

vida humana”. (SEGRE apud COHEN, 1999, p. 23-29)

A bioética é um campo amplo, uma vez que trata de assuntos variados, os quais

envolvem administração da vida e a morte em todos os seus aspectos, quais sejam: pesquisa

com seres humanos e animais; direitos reprodutivos/reprodução assistida; engenharia

genética; aborto; eutanásia; transplante de órgãos e tecidos, etc.

Segundo João dos Santos do Carmo e Jusele de Souza Matos:

[...] disciplina que busca discutir, refletir e lançar bases criteriosas para a prática da ética nas pesquisas, nas decisões e nas aplicações biotecnológicas que envolvem seres humanos e outros seres viventes. Para a Encyclopedia of Bioethics, ‘Bioética é definida como o “estudo sistemático das dimensões

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morais – incluindo visão, decisão, conduta e normas morais – das ciências da vida e da saúde, utilizando uma variedade de metodologias éticas num contexto interdisciplinar” e ainda como “estudo sistemático da conduta humana no âmbito das ciências da vida e da saúde, enquanto essa conduta é examinada à luz de valores e princípios éticos. (2003, p. 06)

A bioética dividi-se em quatro pilares ou princípios: o principio da beneficência;

princípio da autonomia; princípio do consentimento informado; princípio da justiça.

Assim, analisaremos a seguir os princípios que regem a bioética a fim de elucidar

melhor o tema.

4.3.1 Princípio da beneficência

O princípio da beneficência inspira o médico a sempre intervir em benefício do

paciente.

O médico deve compartilhar com o paciente a responsabilidade e a análise do melhor

tratamento ao paciente. Mas, não somente no aspecto fisiológico, mas na conjuntura de

valores e aceitações.

Os professores Muñoz e Almeida delineiam com clareza e lógica a relação que há entre

beneficência e autonomia:

Respeitar a autonomia das pessoas competentes pressupõe beneficência: quando as pessoas são competentes para escolher, ainda que a escolha não seja a que faríamos respeitar suas escolhas é um ato beneficente. Isto permite que seus desejos sejam respeitados em circunstâncias que os afetem diretamente. (1995, p. 95)

Assim sendo, longe de haver um conflito, na realidade o Princípio da Beneficência

reforça o respeito à "Autonomia".

O professor Affonso Renato Meira, em um artigo para "O Estado de São Paulo",

raciocinou:

Dentro de sociedades autocratas, com o domínio de uma camada sobre outras, o médico, com seu etnocentrismo profissional e com seu desejo de fazer o bem, determinava o que devia e o que não devia ser feito quando se tratava de saúde... Com as tendências renovadoras da segunda metade do século 20 mostrando o caminho da democracia às sociedades autocratas e, realmente, com o aparecimento do pensamento bioético, o entendimento do papel do médico e dos demais profissionais de saúde se viu modificado... É necessário saber o que é bom, qual o bem que o paciente considera para si.

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Se... não aceita a transfusão de sangue, esta não poderia ser realizada. Do seu ponto de vista, este seria o maior bem para o paciente". 14

Portanto, o pensamento médico atual é procurar conciliar o tratamento adequado às

convicções do paciente.

Fortalecendo o pensamento acima elucida o professor Marco Segre chamando à atenção

do termo "saúde", para a Organização Mundial de Saúde, não se refere apenas à ausência de

doença, mas também o bem-estar do indivíduo no aspecto mental e social, incluindo a não

violação de seus valores éticos – culturais. (1991, p. 01)

Aliás, é de suma importância frisar que o Código de Ética médica não deve sobrepor as

liberdades públicas/direitos fundamentais de primeira dimensão ou geração.

4.3.2 Princípio da autonomia do paciente

O princípio da autonomia também denominado de autodeterminação é aquele que

valoriza a vontade do indivíduo. Reconhece o direito determinação e escolha do paciente.

A fim de elucidar melhor o entendimento acima o Affonso Renato Meira, professor

titular de medicina da USP e presidente da Associação Brasileira de Ética Médica (Abradem),

em seu artigo intitulado "O direito de dizer não", publicado no jornal "O Estado de São

Paulo", define o referido princípio do seguinte modo:

A autonomia se refere a um conjunto de diversas noções, incluindo autogovernança, direito á liberdade, privacidade, escolha individual, liberdade para seguir seus desejos e decidir sobre seu comportamento. Enfim, ser sua própria pessoa.15

O Doutor Marco Segre, também professor titular de medicina da USP, em um Parecer

sobre o assunto em análise, define:

Autonomia, de acordo com sua etimologia grega, significa capacidade de governar a si mesmo... é a capacidade de auto-governo, uma qualidade inerente aos seres racionais que lhes permite escolher e atuar de forma

14 MEIRA, Afonso Renato. "O direito de dizer não". Publicado no jornal: O Estado de São Paulo. 11 de outubro de 1994.

15 MEIRA, Afonso Renato. "O direito de dizer não". Publicado no jornal: O Estado de São Paulo. 11 de outubro de 1994

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pensada, partindo de uma apreciação pessoal das futuras possibilidades, avaliadas em função de seus próprios sistemas de valores... é uma qualidade que emana da capacidade dos seres humanos de pensar, sentir e emitir juízos sobre o que considera bom. (1991, pp. 03-04)

Interessante é o raciocínio do Dr. Volnei Garrafa, pós-doutorado em Bioética pela

Universidade de Roma, professor titular e coordenador do Núcleo de Estudos e Pesquisas em

Bioética da Universidade de Brasília:

Casos, como o de uma Testemunha de Jeová que não deseja que lhe seja administrado sangue sob qualquer hipótese, devem ser considerados a partir do princípio bioético da autonomia do paciente sobre seu corpo e sua integridade moral, e não a partir da fórmula de que a ‘preservação da vida é bem jurídico maior do que a liberdade da própria pessoa’. É aí, exatamente, onde reside a modernidade e o espírito democrático da bioética – livre de paternalismos que se confundem com a beneficência... Para a bioética, o que é ‘bem’ para uma comunidade moral não necessariamente significa ‘bem’ para outra, já que suas moralidades podem ser diversas. (1998, pp. 28-30)

Zelita da Silva Souza e Maria Isabel Dias Miorim de Moraes na introdução do artigo "A

Ética Médica e o Respeito às Crenças Religiosas", raciocinam:

O respeito à autonomia do paciente estende-se aos seus valores religiosos. Tais valores não podem ser desconsiderados ou minimizados por outrem, em particular pelos profissionais de saúde, a despeito dos melhores e mais sinceros interesses destes. Ademais, os valores religiosos podem ser uma força positiva para o conforto e a recuperação do paciente se ele estiver seguro de que os mesmos serão respeitados. (1998, pp. 89-93)

4.3.3. Princípio do consentimento informado

O princípio do consentimento informado também denominado de consentimento

conscientizado decorre, ou melhor, tem como fonte o princípio da autonomia.

A necessidade da captação do consentimento para a atuação médica decorre, na realidade, do direito que o paciente tem de opor-se ao tratamento, optando por outro que lhe pareça menos invasivo, ou até mesmo rejeitando toda e qualquer intervenção em seu corpo. Destarte, se o paciente pode livremente consentir no tratamento, também pode livremente recusá-lo. Afinal, de nada adiantaria assegurar-lhe o direito ao consentimento se, mesmo discordando do tratamento, o paciente fosse obrigado a ele submeter-se. [...]

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Destarte, o direito do paciente ao consentimento informado não se subsume ao direito de simplesmente ouvir do médico as explicações sobre o tratamento ao qual deverá se submeter para em seguida concordar. Inclui, obviamente, o direito de escolha entre diversas opções terapêuticas e, por conseguinte, o direito de recusa de algumas delas. Trata-se, com efeito, da expressão máxima do seu exercício de sujeito autônomo. (LIGEIRA,2005, p.414)

Em consonância com o referido princípio, o médico deve sempre informar ao paciente

antes de uma intervenção médica sobre os riscos e benefícios dos tratamentos disponíveis ao

caso concreto, permitindo ao paciente que expresse o seu consentimento ao tratamento

adequado.

4.3.4. Princípio da justiça

O princípio da Justiça paira na necessidade de promover a todos, dentro de suas

diversidades, um igualitário acesso aos bens da vida.

O tratamento igualitário tendente a proporcionar a aplicação da justiça não significa, porém, tratar a todos de modo exatamente idêntico, sem levar em consideração suas disparidades inerentes. Fazer isso deixaria de constituir tratamento equânime e produziria maior discriminação injusta. As diversidades da natureza física e da estrutura psicológica do ser humano, suas necessidades e tendências, são fatores que precisam ser levados em consideração. (LIGEIRA, 2005, p.415)

Aliás, conforme Bruno Marini, "justiça envolve respeitar as diferenças existentes na

comunidade, e ao invés de discriminá-las ou segregá-las, deve-se buscar meios de

compreendê-las e satisfazê-las”, o que impõe a obrigação de o Estado possibilitar o acesso,

especialmente na rede pública, de tratamentos alternativos às transfusões de sangue para os

objetores de consciência. 16

16 MARINI, Bruno. O caso das testemunhas de Jeová e a transfusão de sangue: uma análise jurídico-bioética. Disponível em: < http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6641>. Acesso em: 02.10.2010

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SEÇÃO 5 A RESPONSABILIDADE MÉDICA E O CÓDIGO DE ÉTI CA MÉDICA

5.1. A responsabilidade médica e o “iminente perigo de vida”

Incontestável é a importância das convicções religiosas na vida do indivíduo. Como já

dito, as religiões apresentam-se como forma pacificadora de conflitos e questionamentos

interpessoais do homem.

Mas, o caso em apreço ganha grande repercussão e imposições, quando, nos deparamos

com o “iminente perigo de vida” e o Código de Ética Médica.

O Código de Ética Médica17 veda ao médico em seus artigos 46 e 56:

Art. 46 - Efetuar qualquer procedimento médico sem o esclarecimento e consentimento prévios do paciente ou de seu responsável legal, salvo iminente perigo de vida. Art. 56 - Desrespeitar o direito do paciente de decidir livremente sobre a execução de práticas diagnósticas ou terapêuticas, salvo em caso de iminente perigo de vida.

Entende-se como iminente perigo de vida, a situação em que existe uma possibilidade

concreta de eficácia letal, a qual exige uma atuação decisiva e inadiável, a fim de evitar a

morte.

O ordenamento jurídico faculta a lesão ao bem jurídico de menor valor com o único

meio de salvaguardar o de maior valor.

Assim, poderá o médico intervir sem a autorização do paciente em casos de iminente

perigo a vida, sendo necessário e imprescindível em razão da urgência e que constitua o único

meio para salvar a vida do paciente.

Em fecundo parecer do Conselho Federal de Medicina - RESOLUÇÃO CFM nº

1.021/80, conclui que:

Em caso de haver recusa em permitir a transfusão de sangue, o médico, obedecendo a seu Código de Ética Médica, deverá observar a seguinte conduta:

17 Conselho Federal de Medicina. Código de Ética Médica. Disponível em: < http://www.cfm.org.br > Acesso em: 16.10.2010

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1º - Se não houver iminente perigo de vida, o médico respeitará a vontade do paciente ou de seus responsáveis. 2º - Se houver iminente perigo de vida, o médico praticará a transfusão de sangue, independentemente de consentimento do paciente ou de seus responsáveis.

A fim de fortalecer o posicionamento acima, aduz Claudio da Silva Leiria:

De outra banda, entende-se que mesmo nos casos em que o médico fizer a transfusão de sangue contra a vontade do paciente (por óbvio, somente nos casos de iminente risco de vida) não poderá derivar a responsabilidade civil ou criminal, pois estará atendendo o que determina o seu Código de Ética, especialmente os artigos 46 e 56. 18

Contudo, o parágrafo único do artigo 1º do Capítulo III sobre Responsabilidade

Profissional, diz que “a responsabilidade médica é sempre pessoal e não pode ser presumida”.

A introdução do conceito de responsabilidade subjetiva do médico preconiza que esta

não se presume, tem que ser provada para que ele possa ser penalizado – por ação ou omissão,

caracterizável como imperícia, imprudência ou negligência. É o reconhecimento de que, na

área médica, não se pode garantir cura ou resultados específicos para ninguém.

Entretanto, existindo outro tratamento alternativo, ainda que lesivo, ou considerado

inviável na opinião médica, deverá este atuar de acordo com a opção eleita pelo enfermo, caso

contrário estará o médico agindo de forma arbitrária violando o direito do individuo de

escolher o melhor para si.

Nesse sentido, imperiosa é a lição do Professor Wilson Ricardo Ligeira:

Quando o médico demonstra respeito e consideração para com os sentimentos e opiniões do enfermo, este se sente como tendo participado das decisões e, conseqüentemente, aceita mais facilmente os resultados do tratamento, ainda que não tão satisfatórios. Todavia, não são poucos os profissionais que encaram como conflitantes os princípios bioéticos da beneficência e da autonomia. Entendem que, se hão de fazer o bem ao paciente, devem pautar-se exclusivamente pelos padrões científicos e pelos ditames de sua consciência. Tais profissionais, porém, acabam por desconsiderar a vontade do paciente, assumindo uma postura autoritária que faz recair sobre eles todo o peso da responsabilidade pelas conseqüências da intervenção. (2005, p. 411)

18 LEIRIA, Cláudio da Silva. Transfusões de sangue contra a vontade de paciente da religião Testemunhas de Jeová: uma gravíssima violação dos direitos humanos. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=12561>. Acesso em: 16/10/2010.

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[...] Diante de todos esses fatores, há que se perscrutar o que de fato constitui o “bem” para o paciente e como alcançá-lo. Há que se indagar: é possível conciliar o dever do médico de “usar o melhor do progresso científico em benefício do paciente” (consoante determina o art. 5.º do Código de Ética Médica) com a proibição de “exercer sua autoridade de maneira a limitar o direito do paciente de decidir livremente sobre a sua pessoa ou seu bem-estar” (conforme estabelece o art. 48 do mesmo diploma deontológico)? Como harmonizar a vedação de “efetuar qualquer procedimento médico sem o esclarecimento e o consentimento prévios do paciente” (art. 46), com a exceção do dever de atuar em caso de “iminente perigo de vida” (art. 46, in fine)? (2005, p. 411)

No tocante à natureza jurídica da responsabilidade médica, verificamos que esta é

classificada como meramente contratual, uma vez que há entre o médico e o paciente uma

relação de consumo, a qual se apresente no caso em tela como uma obrigação de meio e não

de resultado.

Desta forma, só há base para a responsabilidade civil, se demonstrada à imperícia,

negligência e imprudência.

A fim de fortalecer o entendimento acima, aduz Miguel Kfouri Neto:

Entendemos que em nenhuma hipótese poder-se-ia buscar reparação de eventual dano – de natureza moral –, junto ao médico se este realizasse, p.ex., a transfusão de sangue, contra a vontade do paciente ou de seu responsável, provado o grave e eminente risco de vida. (1994, pp.160-161)

Aliás, as Testemunhas de Jeová temerosas de uma situação inesperada portam um

documento denominado “Diretrizes sobre Tratamento de Saúde e Isenção para a Equipe

Médica”, o qual consta seu aceite para tratamentos alternativos e a recusa a qualquer

transfusão de sangue (total, glóbulos vermelhos, glóbulos brancos, plaquetas ou plasma

sanguíneo), ainda que os médicos julguem necessário para preservar a vida ou a saúde.

Ademais, salientamos que o citado documento acima, isenta os médicos de

responsabilidade por quaisquer resultados adversos resultantes da recusa do tratamento

hemoterápico.

Todavia, é importante frisar que a autonomia do médico lhe permite recusar a

participação num tratamento do qual ele discorde profundamente - salvo na ausência de

qualquer outro profissional, e, logicamente, em casos de iminente risco de vida.

Por fim, acreditamos que muito há de ser discutido nesta seara. Sabemos que

comprovada a situação de risco, o médico deverá agir com a obrigação juramentada ao ofício

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de sua profissão. Mas não podemos esquecer que não se encerra por aqui, há outras

considerações importantes que devemos, por vezes, aplicá-las.

Em decorrência do pensamento acima descrito, devemos levar em conta a questão moral

e psicológica do indivíduo.

Sabemos da importância do bem denominado vida. Mas, sabemos também que a vida

não se resume simplesmente ao estado fisiológico do indivíduo, há pressupostos, às vezes,

maiores como o moral e psicológico.

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CONCLUSÃO

Imaginemos que determinada pessoa enferma ao dirigir-se ao médico descobre que está

em estado avançado de uma doença terminal. Logo, sua mente remete-se a casos conhecidos

de familiares, amigos, que sofreram com os tratamentos e sucumbiram-se. A decisão deste é

de não se submeter ao tratamento, mesmo alegando o médico a importância do mesmo.

Agora, imaginemos que seja uma trombose na perna esquerda, e que o meio adequado

para curar esta enfermidade seja a amputação, mas o indivíduo não autoriza o proposto

tratamento.

Devido à negativa do paciente, o que deve o médico fazer? Deve coercitivamente forçá-

lo ao tratamento?

As duas situações acima, não são raras. Os médicos necessitam da anuência do paciente

para que possam prosseguir com determinados tratamentos. Além disso, essas relações são

regidas por princípios bioéticos como o do consentimento informado, da autonomia do

paciente e outros.

Então, por que uma testemunha de Jeová em eminente perigo de vida deve submeter-se

coercitivamente a uma transfusão de sangue?

Acreditamos que muito há de ser discutido nesta seara. Sabemos que comprovada a

situação de risco, o médico deve agir de acordo com a obrigação juramentada ao ofício de sua

profissão. Mas não podemos esquecer que não se encerra por aqui, há outras considerações

importantes que devemos por vezes aplicá-las.

Portanto, cada vez que o Estado nega aos pacientes Testemunhas de Jeová o direito a

recusa à transfusão de sangue, pratica este uma violação aos direitos fundamentais de primeira

geração ou dimensão, como a liberdade de crença, à vida, a intimidade e a privacidade, uma

vez que esses são direitos subjetivos do indivíduo e não afetam a terceiros. Sem mencionar a

afronta ao princípio da dignidade da pessoa humana.

Aliás, reconhecemos que os direitos fundamentais podem entrar em conflito. Contudo,

no caso em apreço não há que se falar em colisão de direitos fundamentais, e, sim,

concorrência de direitos fundamentais, uma vez que os direitos colididos recaem na mesma

pessoa e não atinge a terceiros.

Todavia, diante da colisão/concorrência de direitos fundamentais, deve prevalecer

aquele que mais se aproxime a efetivação e respeito à dignidade da pessoa humana.

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Entretanto, o Estado por meio de sua função Jurisdicional, deve atuar tendo como meta,

sempre, o respeito e prevalência ao princípio da dignidade da pessoa humana. Aliás, como

será uma vida com sua dignidade ultrajada?

Sabemos da importância do bem denominado vida. Mas, sabemos também que a vida

não se resume simplesmente ao estado fisiológico, há pressupostos, às vezes, maiores como o

moral e psicológico indivíduo.

Entendemos que um paciente maior e capaz tem o direito a recusar o tratamento mesmo

que isto resulte em prejuízo a sua saúde. Aliás, como diria a máxima jurídica: “O meu direito

termina onde começa o do outro”. Assim, conforme já dito esta escolha é subjetiva e não afeta

os direitos de terceiros.

Ademais, a escolha por determinada religião exige a tutela do Estado que não pode

intervir coercitivamente, obrigando o indivíduo a fazer ou deixar de fazer o que não há

disposto em lei. Ainda, mais, no tocante a matéria que versa sobre a autonomia do indivíduo,

o qual é um princípio inerente a todo ser humano, o qual proporciona ao mesmo agir

conforme seus valores e convicções deste que não afete a terceiros.

Convém notar, outrossim, que o estudo em análise é contemplado pelo preconceito,

ainda que de forma discreta.

Contudo, oportuno se torna dizer que o raciocínio lógico aplicado ao caso é conservador

e preconceituoso. Assim, sempre que os corações repletos de preconceitos analisam casos

como estes, utilizam da denominação “assunto/fato polêmico” como forma de não

transparecer o seu arraigado preconceito.

Precisamos de mentes abertas para a nova sociedade. Precisamos aprimorar nossas

normas a fim de entender e atender melhor as complexidades do indivíduo. Para assim,

demonstrar o tão ensinado amor ao próximo... Mesmo que lhe pareça por vezes diferente.

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SÁ, Maria de Fátima Freire de; PONTES, Maílla Mello Campolina. Autonomia privada e biodireito: podemos, legitimamente, pensar em um direito de morrer? In: Revista Jurídica Unijus, 2008, v. 11, n.º 15, p. 190. SEGRE, Marco. Definição de bioética e sua relação com a ética, deontologia e diciologia. In: ________; COHEN, Claudio. Bioética. 2. ed. ampl. São Paulo: EDUSP, 1999, p. 23-29. ______. Parecer "Situação Ético – Jurídica da Testemunha de Jeová e do médico e/ou Instituição Hospitalar que lhe presta atenções de saúde, face à recusa do paciente religioso na aceitação de transfusão de sangue", 4 de julho de 1991, São Paulo, SP. SILVA, José Afonso da. Curso de direito constitucional positivo. 32. ed. rev. e atualizada (até a Emenda Constitucional n.57, 18.12.2008). São Paulo: Malheiros, 2009. SILVA, De Plácido e. Vocabulário Jurídico. 20. ed. Rio de Janeiro: Brasil – Vocábulos, glossários etc. I. títulos, 2002. SORIANO, Aldir Guedes. Liberdade Religiosa no direito constitucional e internacional. São Paulo: J. de Oliveira, 2002. TESTEMUNHAS de Jeová – quem são? Em que crêem? Sua organização e Obra em todo mundo. Disponível em: <http://www.watchtower.org/languages/portuguese/library/jt/index.htm>. Acesso em: 29.08.2010 SOUZA, Zelita da Silva; MORAES, Maria Isabel Dias Miorim. "A Ética Médica e o Respeito às Crenças Religiosas", Revista de Bioética do Conselho Federal de Medicina, Vol.6, nº 1, 1998, pp. 89-93. WIKIPEDIA. A enciclopédia Livre. Testemunhas de Jeová e a questão do sangue. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Testemunhas_de_Jeov%C3%A1_e_a_quest%C3%A3o_do_sangue>. Acesso em: 07.10.2010. WIKIPEDIA. A enciclopédia Livre. Sociedade Torre de Vigia de Bíblias e Tratados. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org>. Acesso em 07.10.2010.

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ANEXO

RESOLUÇÃO CFM nº 1.021/80

O CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA, usando da atribuição que lhe confere a Lei nº 3.268, de 30 de setembro de 1957, regulamentada pelo Decreto nº 44.045, de 19 de julho de 1958, e CONSIDERANDO o disposto no artigo 153, parágrafo 2º da Constituição Federal; no artigo 146 e seu parágrafo 3º, inciso I e II do Código Penal; e nos artigos 1º, 30 e 49 do Código de Ética Médica; CONSIDERANDO o caso de paciente que, por motivos diversos, inclusive os de ordem religiosa, recusam a transfusão de sangue; CONSIDERANDO finalmente o decidido em sessão plenária deste Conselho realizada no dia 26 de setembro de 1980,

RESOLVE:

Adotar os fundamentos do anexo PARECER, como interpretação autêntica dos dispositivos deontológicos referentes a recusa em permitir a transfusão de sangue, em casos de iminente perigo de vida.

Rio de Janeiro, 26 de setembro de 1980.

GUARACIABA QUARESMA GAMA Presidente em Exercício

JOSÉ LUIZ GUIMARÃES SANTOS Secretário-Geral

Publicada no D.O.U.(Seção I - Parte II) de 22/10/80 PARECER PROC. CFM nº 21/80

O problema criado, para o médico, pela recusa dos adeptos da Testemunha de Jeová em permitir a transfusão sangüínea, deverá ser encarada sob duas circunstâncias: 1 - A transfusão de sangue teria precisa indicação e seria a terapêutica mais rápida e segura para a melhora ou cura do paciente. Não haveria, contudo, qualquer perigo imediato para a vida do paciente se ela deixasse de ser praticada. Nessas condições, deveria o médico atender o pedido de seu paciente, abstendo-se de realizar a transfusão de sangue. Não poderá o médico proceder de modo contrário, pois tal lhe é vedado pelo disposto no artigo 32, letra "f" do Código de Ética Médica: "Não é permitido ao médico: f) exercer sua autoridade de maneira a limitar o direito do paciente resolver sobre sua pessoa e seu bem-estar". 2 - O paciente se encontra em iminente perigo de vida e a transfusão de sangue é a terapêutica indispensável para salvá-lo. Em tais condições, não deverá o médico deixar de praticá-la apesar da

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oposição do paciente ou de seus responsáveis em permiti-la. O médico deverá sempre orientar sua conduta profissional pelas determinações de seu Código. No caso, o Código de Ética Médica assim prescreve: "Artigo 1º - A medicina é uma profissão que tem por fim cuidar da saúde do homem, sem preocupações de ordem religiosa..." "Artigo 30 - O alvo de toda a atenção do médico é o doente, em benefício do qual deverá agir com o máximo de zêlo e melhor de sua capacidade profissional". "Artigo 19 - O médico, salvo o caso de "iminente perigo de vida", não praticará intervenção cirúrgica sem o prévio consentimento tácito ou explícito do paciente e, tratando-se de menor incapaz, de seu representante legal". Por outro lado, ao praticar a transfusão de sangue, na circunstância em causa, não estará o médico violando o direito do paciente. Realmente, a Constituição Federal determina em seu artigo 153, Parágrafo 2º que "ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude da lei". Aquele que violar esse direito cairá nas sanções do Código Penal quando este trata dos crimes contra a liberdade pessoal e em seu artigo 146 preconiza: "Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, ou depois de lhe haver reduzido, por qualquer meio, a capacidade de resistência, a não fazer o que a lei permite, ou a fazer o que ela não manda". Contudo, o próprio Código Penal no parágrafo 3º desse mesmo artigo 146, declara: "Não se compreendem na disposição deste artigo: I - a intervenção médica ou cirúrgica sem o consentimento do paciente ou de seu representante legal, se justificada por iminente perigo de vida". A recusa do paciente em receber a transfusão sangüínea, salvadora de sua vida, poderia, ainda, ser encarada como suicídio. Nesse caso, o médico, ao aplicar a transfusão, não estaria violando a liberdade pessoal, pois o mesmo parágrafo 3º do artigo 146, agora no inciso II, dispõe que não se compreende, também, nas determinações deste artigo: "a coação exercida para impedir o suicídio".

CONCLUSÃO

Em caso de haver recusa em permitir a transfusão de sangue, o médico, obedecendo a seu Código de Ética Médica, deverá observar a seguinte conduta: 1º - Se não houver iminente perigo de vida, o médico respeitará a vontade do paciente ou de seus responsáveis. 2º - Se houver iminente perigo de vida, o médico praticará a transfusão de sangue, independentemente de consentimento do paciente ou de seus responsáveis.

Dr. TELMO REIS FERREIRA Relator