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UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ Willians Schiestl da Silva A INFLUÊNCIA DO DIREITO PENAL DO INIMIGO NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO CURITIBA 2011

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UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ

Willians Schiestl da Silva

A INFLUÊNCIA DO DIREITO PENAL DO INIMIGO NO

ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

CURITIBA 2011

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A INFLUÊNCIA DO DIREITO PENAL DO INIMIGO NO

ORDENAMENTO JURÍDCO BRASILEIRO

CURITIBA 2011

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Willians Schiestl da Silva

A INFLUÊNCIA DO DIREITO PENAL DO INIMIGO NO

ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Direito da Faculdade de Ciências Jurídicas da Universidade Tuiuti do Paraná, como requisito parcial para a obtenção do grau de Bacharel em Direito. Orientador: Murilo Henrique Pereira Jorge.

CURITIBA

2011

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TERMO DE APROVAÇÃO

Willians Schiestl da Silva

A INFLUÊNCIA DO DIREITO PENAL DO INIMIGO NO

ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

Esta monografia foi julgada e aprovada para a obtenção do título de Bacharel em Direito no Curso de

Direito da Universidade Tuiuti do Paraná.

Curitiba, ....... de ........................... de 2011.

_____________________________

Coordenador do Núcleo de Monografias Profº. Eduardo de Oliveira Leite

____________________________ Orientador: Prof. Murilo Henrique Pereira Jorge

__________________________ Prof.

__________________________ Prof.

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RESUMO

O objeto do presente trabalho é o estudo do direito penal do inimigo, teoria fundada no direito penal de autor, e sua influência no ordenamento jurídico brasileiro, especificamente no Regime Disciplinar Diferenciado. Será trazido à discussão sua origem, fundamentos filosóficos, características, bem como seu reflexo na Lei 10.792/2003, que trouxe elementos não concebíveis em um Estado Democrático de Direito. Por derradeiro,será feita análise dos pontos controvertidos sobre a constitucionalidade deste regime prisional.

Palavra-chave: direito penal do inimigo, regime disciplinar diferenciado,

constitucionalidade.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 6

1. CONTRATUALISMO. ............................................................................................. 7

2. ESCOLA POSITIVISTA. ......................................................................................... 9

3. TEORIA DO DIREITO PENAL DO INIMIGO – GÜNTER JAKOBS ..................... 11

3.1 DIREITO PENAL DO CIDADÃO E DIREITO PENAL DO INIMIGO .................... 11

3.2 FUNDAMENTOS FILOSÓFICOS. ....................................................................... 12

3.3 CARACTERÍSTICAS. .......................................................................................... 13

4. DIREITO PENAL DO INIMIGO COMO DIREITO PENAL DE TERCEIRA VELOCIDADE. .......................................................................................................... 15

5. ANÁLISE CONSTITUCIONAL DO DIREITO PENAL DO INIMIGO. .................... 16

5.1 DIREITO PENAL DE AUTOR X DIREITO PENAL DE FATO. ............................. 16

5.2 O EXPANSIONISMO DO DIREITO PENAL. ....................................................... 17

5.2.2. A Função da Pena no Direito Penal do Inimigo. .............................................. 18

6. REGIME DISCIPLINAR DIFERENCIADO NO DIREITO BRASILEIRO. .............. 20

6.1 ORIGEM. ............................................................................................................. 20

6.2. CARACTERÍSTICAS. ......................................................................................... 22

6.3 HIPÓTESES DE APLICAÇÃO. ........................................................................... 23

6.4 REGIME DISCIPLINAR DIFERENCIADO COMO DIREITO PENAL DO INIMIGO. .................................................................................................................................. 25

7. REGIME DISCIPLINAR DIFERENCIADO FRENTE AO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO. ......................................................................................... 27

7.1. PRINCÍPIO DA HUMANIDADE DAS PENAS. .................................................... 27

CONCLUSÃO ........................................................................................................... 35

REFERÊNCIAS ......................................................................................................... 37

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INTRODUÇÃO

O presente trabalho tem por objetivo analisar os aspectos da teoria

contratualista, bem como da escola positivista adotados por Günther Jakobs em sua

teoria do direito penal do inimigo, baseada no direito penal de autor e a sua

influência no ordenamento jurídica brasileira consubstanciada na Lei que estatui o

Regime Disciplinar Diferenciado, trazendo em seu bojo características do direito

penal de autor, fundamento contrário ao disposto em nosso ordenamento jurídico.

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1. CONTRATUALISMO.

Para se entender a forma de legitimação da atuação estatal frente a

indivíduos que visam à desorganização e atentam contra a ordem estabelecida para

o convívio pacífico entre os cidadãos em um determinado Estado, há de se fazer

uma breve reflexão de como surgiu esta unidade, e de que forma deve-se agir

frente àquele que descumpre o que fora preceituado no contrato social através das

leis emanadas dentro daquele Estado.

O convívio entre os homens no meio social no decorrer dos tempos

necessitou uma forma de legitimação do poder para que houvesse a harmonia entre

os cidadãos que compõe determinados grupos sociais, surgindo como objeto à

criação de um Estado comunitário, deixando o estado de “natureza”, onde não são

regidos por leis, entrando em um estado social, encontrando leis que lhe impõe

limites.

A concepção do contrato social traz o Estado como um todo, formado

pelos cidadãos que possuem um objetivo comum, abandonando o estado de

natureza, desprovido de qualquer ordem social estruturada, e entrando em um

estado social, regido por leis criadas para conter desvios de conduta de seus

membros.

O contrato social trouxe a idéia do fim do estado de natureza, impondo

sanções àqueles que descumprissem as leis, também no que tange ao Direito

Penal, onde nos casos de inobservância das leis, poderia ser aplicada uma pena,

através de um processo judicial. Neste plano, ainda há de se demonstrar o senso de

culpabilidade à época, entendido como juízo de reprovação, onde a culpa se

caracteriza pelo descumprimento da norma imperativa, por se esperar conduta

diversa da praticada, concebida na legislação como reprovável.

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Thomas Hobbes em sua obra O leviatã, aduz que no estado de natureza,

os homens têm direito a tudo, sendo que por não haver o suficiente para todos,

acabam entrando em guerra constante na busca da satisfação do seu direito

(bellum omnia omnes). No entanto, também é objetivo comum entre todos os

homens à harmonia com os demais e, desta forma, submete-se a um contrato que

tem por finalidade a satisfação deste interesse comum, abdicando de sua liberdade

natural em prol deste interesse.

Jean-Jacques Rousseau (1757, P. 31) estabelece o contrato social

como objeto do convívio pacífico entre as pessoas que tem um objetivo comum, no

qual o Estado é a unidade, e seus membros são todos aqueles alcançados pelas

leis promulgadas. As leis surgem para estabelecer os limites que devem ser

respeitados pelos cidadãos que participam do estado, e também como forma de

coerção àqueles que as descumprirem.

Neste plano, portanto, o contrato social surge como um conjunto de regras

estabelecidas que visem a convivência em sociedade, e o crime aparece como uma

forma de quebra deste contrato por vontade própria do cidadão.

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2. ESCOLA POSITIVISTA.

Em contrapartida aos fundamentos da Escola Clássica, a teoria positivista é

fundada em argumentos que traziam o criminoso como alguém que já é

predestinado à prática delituosa por fatores alheios à sua própria vontade, desta

forma negando o livre arbítrio.

A escola positivista do direito penal surgiu no século XIX, em contraposição

à escola clássica, sustentando basicamente que o homem não toma suas decisões

de forma livre, sendo influenciado por fatores biológicos, psicológicos, físicos e

sociais que atuam sobre sua vontade.

Cesare Lombroso, em sua obra O homem delinquente (1876), baseado no

empirismo e na análise de delinquentes em prisões européias, observando,

sobretudo sua personalidade, dividindo-os em grupos por afinidade e fazendo

comparações entre o comportamento de criminosos e crianças.

Decorre do atavismo a predisposição a tendências criminosas, apontado

pelas pesquisas realizadas por Lombroso (1876, P. 47) no corpo de criminosos

natos que assim chamava, em características peculiares como cabeça sue generis,

com pronunciada assimetria craniana, fronte baixa e fugidia, orelhas em forma de

asa, zigomas, lóbulos occipitais e arcadas superciliares salientes, maxilares

proeminentes (prognatismo), face longa e larga, apesar do crânio pequeno, cabelos

abundantes, mas barba escassa e rosto pálido, além de insensibilidade à dor,

preguiça, vaidade, impulsividade e epilepsia.

Sua contribuição, além de ter sido o marco inicial da Antropologia criminal,

pode ser vista como precursora da escola positivista no direito penal, mesmo com

as limitações técnico-científicas existentes à época, dado o minucioso estudo

realizado, atualizado entre as edições de sua obra.

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Mais tarde, Enrico Ferri criou a Sociologia Criminal, apresentada em sua

obra I nuovi orizzonti del diritto e della procedura penale (1880), buscando entender

o crime sob o prisma sociológico, onde nesta escola também apresentava oposição

ao livre arbítrio, justificando a criminalidade em fatores sociológicos e físicos.

Já Rafael Garofalo, publicou sua obra Criminologia (1885), dando início á

fase jurídica da Escola Positivista, incluindo a esta o aspecto da sanção penal.

Mirabete define Lombroso, seguido de Enrico Ferri e Rafael Garofalo como

os criadores da Escola Positivista, resumindo seus princípios na seguinte forma:

O crime é fenômeno natural e social, sujeito às influências do meio e de

múltiplos fatores, exigindo o estudo pelo método experimental; a responsabilidade

penal é responsabilidade social, por viver o criminoso em sociedade, e tem por base

a sua periculosidade; a pena é medida de defesa social, visando à recuperação do

criminoso ou à sua neutralização; o criminoso é sempre, psicologicamente, um

anormal, de forma temporária ou permanente (MIRABETE, 2000, p.40).

Neste sentido, denota-se a total negação ao livre arbítrio, onde a principal

finalidade é punir o sujeito pela periculosidade que ele apresenta à sociedade, e não

o crime que ele cometeu.

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3. TEORIA DO DIREITO PENAL DO INIMIGO – GÜNTER JAKOBS

Em sua obra Direito Penal do Inimigo, Günther Jakobs sustenta a tese de

diferenciação entre sujeitos que devem ser vistos como cidadãos, e outros, que

devem ser encarados como inimigos do Estado, em virtude de suas condutas,

apresentando formas de identificar tais sujeitos, e o tratamento que lhes deve ser

dispensado, trazendo no bojo de seu estudo elementos que legitimam e justificam o

direito penal do inimigo como forma de manutenção da paz social e punição a

criminosos que se distanciam do meio social.

3.1 DIREITO PENAL DO CIDADÃO E DIREITO PENAL DO INIMIGO

Günther Jakobs em sua teoria definindo como cidadão todo aquele sujeito

capaz de oferecer garantias cognitivas de que se conduzirá conforme o

ordenamento, não cometendo crimes e, quando comete tais “deslizes”, retornará ao

convívio social normalmente. A estes sujeitos, seriam proporcionadas todas as

garantias processuais existentes em um Estado Democrático de Direito.

O autor cita como inimigos aqueles criminosos econômicos, terroristas,

delinqüentes organizados, autores de delitos sexuais e outras infrações perigosas

(JAKOBS, 2009, P.34), que devem ser repreendidos de forma mais severa, por

serem considerados crimes mais graves.

Além desta definição objetiva em face das leis, pode-se entender como

inimigos aqueles que se distanciam do convívio social, aqueles que visam destruir o

ordenamento jurídico. Desta forma, o autor segue sustentando que aquele que não

oferece garantias cognitivas em relação ao ordenamento jurídico, por sua conduta

reiteradamente delituosa, não deve ser tratado como pessoa, pois desta forma o

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Estado estaria deixando de forma vulnerável a segurança das demais pessoas, que

não atentam o ordenamento jurídico, que por sua vez, oferecem garantias de

respeito á norma.

Por não compactuar com o convívio social ordenado, respeitando a lei, os

inimigos do Estado não podem ter os mesmos benefícios que as pessoas comuns

que cometem crimes de formas não habituais. Cabe ao Estado negar vigência de

garantias processuais a estes indivíduos, pois os mesmos são vistos como sujeitos

processuais, não sendo merecedores de tais garantias.

A destituição do inimigo de sua qualidade de pessoa chega a tal ponto, que

Jakobs defende que seja dispensado um verdadeiro tratamento de guerra a estes

sujeitos, onde no processo judicial que figurassem como réus, não seriam

observadas garantias processuais dadas a cidadãos comuns, pois quando estes

não adentram um estado de cidadania, não podem participar dos benefícios do

conceito de pessoa (JAKOBS, 2009, P. 35).

Neste procedimento de guerra perante o inimigo, Jakobs argumenta que

devem ser aplicadas medidas de segurança de forma que sejam afastados do meio

social.

3.2 FUNDAMENTOS FILOSÓFICOS.

Dentro da concepção do contrato social para Günther Jakobs, encontramos

fundamento para conceber como inimigos aqueles sujeitos que refutam o convívio

em um grupo social por delinqüirem de forma reiterada contra o Estado, atentando

contra as leis vigentes neste meio social, como se pode entender na visão de

Rousseau, que quanto mais todo mal feitor insulta o direito social, torna-se por seus

crimes rebeldes, traidor da Pátria, de que cessa de ser membro por violar suas leis

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e à qual até faz guerra, a conservação do Estado não é compatível então com a

sua, deve um dos dois morrer, e é mais como inimigo que se condena à morte que

como cidadão (JAKOBS, 2009, p. 46).

Segue Jakobs fazendo ressalvas à exclusão do sujeito do ordenamento

jurídico de forma arbitrária, por contra própria, para que o delinqüente possa em

outro ajustar-se com a sociedade e retomar o seu status de cidadão (JAKOBS,

2009, P. 24).

Hobbes aduz que o sujeito não pode por si só eliminar seu status de

cidadão, ressalvados os crimes de alta traição, onde haveria a quebra na submissão

ao Estado, não devendo ser castigados como súditos, e sim, como inimigos.

Em seu entendimento acerca do contrato social em sua teoria, Jakobs

reconhece a existência de dois tipos de sujeitos no Estado, sendo o cidadão aquele

que não delinqüe de modo persistente por princípio, e por inimigo aquele que se

desvia por princípio (JAKOBS, 2009, P.28).

Portanto, o objetivo do direito penal do cidadão, entendido como aquele

direito de todos, é manter a vigência da norma, e o direito penal do inimigo visa

combater perigos. Jakobs em sua teoria busca fundamentos nas escolas Clássica e

Positivista, onde sujeitos que afrontar o estado social são punidos por sua

periculosidade iminente, e não pelas suas condutas delituosas.

3.3 CARACTERÍSTICAS.

A teoria do direito penal do inimigo desenvolvida por Günther Jakobs

apresenta características como a antecipação da tutela penal, onde a lei alcançará

os atos preparatórios, e não apenas os já executados pelo agente, onde à estes

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crimes serão atribuídas penas desproporcionais aos crimes cometidos pelos

inimigos frente aos praticados pelos cidadãos.

Neste plano, Luiz Flávio Gomes (2004) apresenta quadro explicativo das

características do direito penal do inimigo:

a) o inimigo não pode ser punido com pena, sim, com medida de segurança; b) não deve ser punido de acordo com sua culpabilidade, senão consoante sua periculosidade; c) as medidas contra o inimigo não olham prioritariamente o passado (o que ele fez), sim, o futuro (o que ele representa de perigo futuro); d) não é um direito penal retrospectivo, sim, prospectivo; e) o inimigo não é um sujeito de direito, sim, objeto de coação; f) o cidadão, mesmo depois de delinqüir, continua com o status de pessoa; já o inimigo perde esse status (importante só sua periculosidade); g) o direito penal do cidadão mantém a vigência da norma; o direito penal do inimigo combate preponderantemente perigos; h) o direito penal do inimigo deve adiantar o âmbito de proteção da norma (antecipação de tutela), para alcançar os atos preparatórios; i) mesmo que a pena seja intensa (e desproporcional), ainda assim, justifica-se a antecipação da proteção penal; j) quanto ao cidadão (autor de um homicídio ocasional), espera-se que ele exteriorize um fato para que incida a reação (que vem confirmar a vigência da norma); em relação ao inimigo (terrorista, por exemplo), deve ser interceptado prontamente, no estágio prévio, em razão de sua periculosidade.

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4. DIREITO PENAL DO INIMIGO COMO DIREITO PENAL DE TERCEIRA

VELOCIDADE.

A teoria do direito penal do inimigo tem repercussão no mundo acadêmico

sendo considerada a terceira velocidade do direito penal.

Como primeira velocidade do direito penal, fundada no modelo clássico, em

que traduz a idéia de um Direito Penal da prisão por excelência, com manutenção

rígida dos princípios político-criminais iluministas (MORAES, 2006, P. 200)

baseando-se principalmente na pena privativa de liberdade.

A segunda velocidade do direito penal, advém da flexibilização de garantias

processuais e processuais, que tem por objetivo adotar as penas restritivas de

direito e pecuniárias. No Brasil, a segunda velocidade do direito penal resta

caracterizada na Lei 9.099/1995, que estabeleceu os juizados especiais cíveis e

criminais, que visa a adoção de penas restritivas de direitos à determinados crimes

de menor potencial ofensivo.

O direito penal do inimigo, idealizado por Jakobs é então concebido como a

terceira velocidade do direito penal, representaria um direito penal da pena de

prisão concorrendo com uma ampla relativização de garantias político-criminais,

regras de imputação e critérios processuais (MORAES, 2006, P. 200).

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5. ANÁLISE CONSTITUCIONAL DO DIREITO PENAL DO INIMIGO.

A concepção do direito penal do inimigo no sistema penal brasileiro deve

ser observada diante de vários aspectos onde, como fora exposto, torna-se

terminantemente inconcebível, pois ferem princípios e garantias fundamentais

materiais e processuais do cidadão, que compõe um Estado Democrático de Direito,

tornando este direito um direito penal ilegítimo.

Em primeira instância, nota-se que o direito penal do inimigo viola o

princípio da igualdade, previsto no artigo 5º, caput1, da Constituição da República,

pois se baseia na diferente valoração de sujeitos, e não se dirige à sociedade em

geral, tendo em vista que a teoria desenvolvida por Jakobs aponta a existência de

um direito penal direcionado aos cidadãos comuns e outro direito penal, direcionado

àqueles certos grupos de autores que atentam de modo contínuo o Estado e,

negam o status de pessoa a estes indivíduos, aplicando medidas de segurança,

visando excluí-los da sociedade de modo permanente.

Mais adiante, o autor cita a relativização de garantias processuais daqueles

indivíduos aos quais deve ser aplicado o direito penal do inimigo, chegando a

sustentar que lhes deve ser dispensado tratamento de guerra, onde o Estado

elimina direitos de modo juridicamente ordenado (JAKOBS, 2009, P. 38).

5.1 DIREITO PENAL DE AUTOR X DIREITO PENAL DE FATO.

O direito penal do inimigo tem por objetivo principal a punição atribuída a

sujeitos pela sua personalidade, e não pelos crimes que cometeu, onde a regulação

tem, desde o início, uma direção centrada na identificação de um determinado

1 “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos

brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: ...”

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grupo de sujeitos (JAKOBS, 2009, P.109), deixando em segundo plano as condutas

praticadas, restando caracterizado o direito penal de autor.

O direito penal de fato é entendido pela punição dada aos autores,

quaisquer que sejam, pelos atos praticados previstos em lei, gerando segurança

entre os cidadãos membros de um Estado Democrático de Direito.

5.2 O EXPANSIONISMO DO DIREITO PENAL.

O direito penal nos últimos tempos vem sendo objeto de grande atividade

legislativa, onde passou a abranger cada vez mais bens jurídicos, se contrapondo a

idéia do direito penal em si, pautado no princípio da intervenção mínima, perdendo

sua legitimidade e eficácia perante a sociedade.

Neste contexto, Nilo Batista, citando Claus Roxin (1990, p.84) entende que

“o Estado não deve recorrer ao direito penal e sua gravíssima sanção se existir a

possibilidade de garantir uma proteção suficiente com outros instrumentos jurídicos

não penais”.

5.2.1. Punitivismo e Direito Penal Simbólico.

O punitivismo é um fenômeno que vem ocorrendo no direito penal, onde

através de legislações irracionais busca-se tranqüilizar a população através da

criminalização consistente na introdução de normas penais ou mesmo deixando

mais rígidas as penas para normas já existentes, trazendo a antecipação exagerada

da tutela pena, bens jurídicos indeterminados, desproporcionalidade das penas

(2009), entre outros aspectos.

Já o direito penal simbólico aparece como a edição de inúmeras normas

penais sem eficácia, que tem por único fim a persuasão da população em que o

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Estado estaria protegendo de modo efetivo os bens jurídicos que tais normas

tutelam.

O direito penal deve ser utilizado para prevenção de práticas criminosas,

punindo aquele que afronta o sistema normativo, e não apenas como um meio

simbólico, onde há a ilusão de que a criação legislativa vem para solucionar os

problemas sociais, que não surgem para resguardar pelos bens jurídicos essenciais

à sociedade. O direito penal se legitima perante a população quando é pautado no

respeito à vida, à liberdade, patrimônio, entre outros bens jurídicos essenciais.

Como conseqüência do combate a especiais tipos de autor, pode se

identificar a evolução do direito penal simbólico, que não só identifica um

determinado fato, mas também (ou: sobretudo) um específico tipo de autor, que é

definido não como igual, mas como outro (JAKOBS, 2009, P.88), tendo por

conseqüência a criação de inúmeras disposições penais, que a princípio formam um

sistema rígido, porém, de impossível cumprimento, que acaba por tornar

desacreditado o sistema punitivo.

Nessa relação entre punitivismo exacerbado e o simbolismo penal

evidenciado na perseguição de determinados tipos de autores, recai-se na idéia

dessas duas correntes, o direito penal do inimigo.

5.2.2. A Função da Pena no Direito Penal do Inimigo.

Em sua teoria, Jakobs defende a aplicação de medidas de segurança

àqueles indivíduos compreendidos como inimigos, tendo por finalidade única tão

somente o afastamento dessas pessoas do meio social, para que não apresentem

perigos aos cidadãos comuns, e pelo fato de serem afastadas da sociedade por sua

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periculosidade, fundamentada no direito penal do inimigo, dificultam-se os meios

para que este indivíduo retorne ao convívio social.

Como explica Luiz Régis Prado, de conseguinte, “a finalidade primordial da

pena não é mais a reafirmação da vigência normativa, e sim de assegurar a

existência da sociedade em face desses indivíduos”.

Continua o autor supracitado trazendo a relevância da prevenção geral,

onde esta tem como destinatária a totalidade de todos os indivíduos que integram a

sociedade, e se orienta para o futuro, com o escopo de evitar a prática de delitos

por qualquer integrante do corpo social (PRADO, 2008, P. 490), e a prevenção

especial, direcionada ao infrator tendo por objetivo que o mesmo não volte a

cometer crimes.

Deste conceito, pode-se de plano entender que não é concebível a

aplicação das medidas de segurança defendidas por Jakobs, onde o único objetivo

é afastar de modo permanente o inimigo.

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6. REGIME DISCIPLINAR DIFERENCIADO NO DIREITO BRASILEIRO.

6.1 ORIGEM.

O regime disciplinar diferenciado surgiu no ordenamento jurídico brasileiro

inicialmente pela Resolução sob nº. 026 de 4 de maio de 2001, apresentado por

Nagashi Furukawa, então Secretário de Administração Penitenciária de São Paulo,

regulamentando a inclusão, permanência e exclusão dos presos neste regime,

como forma de resposta às rebeliões em massa que ocorreram em 2001,

envolvendo 29 unidades prisionais no Estado de São Paulo, arquitetada por

organizações criminosas existentes naqueles presídios.

Posteriormente, foi novamente proposto, através da Medida Provisória nº.

28 de 4 de fevereiro de 2002, sendo mais tarde rejeitada pelo Congresso nacional

em 24 de abril de 2002, pois mesmo alegando dispor tal medida sobre direito

penitenciário, em verdade legislava em matéria de execução penal, o que é vedado

pelo artigo 62, §1º, “b” da Constituição da República2. Após a rejeição desta Medida

Provisória, sobreveio o Projeto de lei nº. 5.073/2001, apresentado pelo Poder

Executivo, que resultou na edição da Lei 10.792/2003, que alterou o disposto no

artigo 52 da Lei de Execuções Penais:

Art. 52. A prática de fato previsto como crime doloso constitui falta grave e,

quando ocasione subversão da ordem ou disciplina internas, sujeita o preso

provisório, ou condenado, sem prejuízo da sanção penal, ao regime disciplinar

diferenciado, com as seguintes características:

2 Art. 62. Em caso de relevância e urgência, o Presidente da República poderá adotar medidas

provisórias, com força de lei, devendo submetê-las de imediato ao Congresso Nacional. § 1º É vedada a edição de medidas provisórias sobre matéria: b) direito penal, processual penal e processual civil;

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I - duração máxima de trezentos e sessenta dias, sem prejuízo de repetição da

sanção por nova falta grave de mesma espécie, até o limite de um sexto da pena

aplicada;

II - recolhimento em cela individual;

III - visitas semanais de duas pessoas, sem contar as crianças, com duração

de duas horas;

IV - o preso terá direito à saída da cela por 2 horas diárias para banho de sol.

§ 1o O regime disciplinar diferenciado também poderá abrigar presos

provisórios ou condenados, nacionais ou estrangeiros, que apresentem alto risco

para a ordem e a segurança do estabelecimento penal ou da sociedade.

§ 2o Estará igualmente sujeito ao regime disciplinar diferenciado o preso

provisório ou o condenado sob o qual recaiam fundadas suspeitas de envolvimento

ou participação, a qualquer título, em organizações criminosas, quadrilha ou bando.

Paulo César Busato (2011) compreende a aplicação deste regime gravoso

aos presos, em seus infundados motivos, quando, segundo o julgamento dos

responsáveis pelas instâncias de controle penitenciário, representam um risco social

e/ou administrativo ou são “suspeitas” de participação em bandos ou organizações

criminosas, onde esta iniciativa remete ao direito penal de autor, no qual não

importa o que se faz ou omite (o fato) e sim quem - personalidade, registros e

características do autor (a pessoa do autor).

Esta imposição de um regime diferenciado de execução de pena não é

mais que o apontado direito penal do inimigo, quando dá tratamento desigual a

determinados tipos de autores em determinadas circunstâncias, representando o

tratamento desumano que lhes dispensam pela rigorosidade do regime,

evidentemente distinguindo cidadãos e “inimigos” do Estado.

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6.2. CARACTERÍSTICAS.

O Regime Disciplinar Diferenciado tem por características, o previsto nos

incisos do artigo 52 da Lei de Execuções Penais:

I - duração máxima de trezentos e sessenta dias, sem prejuízo de repetição da

sanção por nova falta grave de mesma espécie, até o limite de um sexto da pena

aplicada;

II - recolhimento em cela individual;

III - visitas semanais de duas pessoas, sem contar as crianças, com duração

de duas horas;

IV - o preso terá direito à saída da cela por 2 horas diárias para banho de sol.

Partindo de breve análise à estes dispositivos, denota-se o excessivo

endurecimento no cumprimento de pena imposto ao preso que recair neste regime,

onde há inúmeras limitações, desde o convívio com outros presos até ao contato

com seus familiares.

Ainda há de se observar a redução drástica imposta ao preso com relação

ao recolhimento em cela individual, da qual o mesmo poderá sair por no máximo

duas horas diárias para banho de sol, e nas outras vinte e duas horas permanecer

em outros recintos da unidade prisional, afastado do contato humano, onde Paulo

César Busato citando Bitencourt (2011) remete ao sistema prisional auburniano:

Em 1796 o governador John Jay, de Nova Iorque, enviou uma comissão até a Pensilvânia para estudar o sistema celular. E, 1796 ocorreram trocas importantes nas sanções penais, substituindo a pena de morte e os castigos corporais pela pena de prisão, conseqüência direta das informações obtidas pela comissão já referida. Em 1797 foi inaugurada a prisão de Newgate. Como esse estabelecimento era demasiadamente pequeno, foi impossível tornar o sistema de confinamento em solitário. E diante dos resultados poucos satisfatórios, em 1809 foi proposta a construção de outra carceragem, no interior do Estado para absorver o crescente número de delinqüentes. A autorização definitiva, porém, para a construção da prisão

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de Auburn só ocorreu em 1816. Uma parte do edifício destinou-se ao regime de isolamento. De acordo com uma ordem de 1821, os prisioneiros de Auburn foram divididos em três categorias: 1º) A primeira era composta pelos mais velhos e persistentes delinqüentes, aos quais se destinou um isolamento contínuo; 2º) Na segunda situavam-se os menos incorrigíveis e somente eram destinados às celas de isolamento três dias na semana e tinham permissão para trabalhar; 3º) A terceira categoria era integrada pelos que davam maiores esperanças de serem corrigidos. A estes, somente era imposto o isolamento noturno, permitindo-lhes trabalhar juntos durante o dia, ou sendo destinados às celas individuais um dia na semana. As celas eram pequenas e escuras e não havia possibilidade de trabalhar nelas. Esta experiência de estrito confinamento solitário resultou em grande fracasso: de oitenta prisioneiros em isolamento total contínuo, com duas exceções, resultaram mortos, enlouqueceram ou alcançaram o perdão. Uma comissão legislativa investigou este problema em 1824 e recomendou o abandono do sistema de confinamento solitário durante a noite. Esses são os elementos fundamentais que definem o sistema auburniano, cujas bases, segundo Cuello Calón, foram estabelecidas no Hospício de San Miguel de Roma, na prisão de Gante.

Por derradeiro, é de suma importância relembrar que tal regime pode ser

imposto com duração de até 1/6 da pena aplicada, consubstanciando na imposição

deste regime degradante por um grande lapso temporal.

6.3 HIPÓTESES DE APLICAÇÃO.

As hipóteses de incidência do Regime Disciplinar Diferenciado são

encontradas no caput e nos 1º e 2º parágrafos do artigo 52, a serem analisadas:

Art. 52. A prática de fato prevista como crime doloso constitui falta grave e,

quando ocasione subversão da ordem ou disciplina internas, sujeita o preso

provisório, ou condenado, sem prejuízo da sanção penal, ao regime disciplinar

diferenciado, com as seguintes características:

Nota-se que além da prática de uma conduta delituosa prevista como crime

doloso, também é condição de inserção no RDD que decorra a subversão da ordem

ou disciplina internas, decorrente da possibilidade de haver um estado de

emergência no interior da unidade prisional.

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§ 1o O regime disciplinar diferenciado também poderá abrigar presos

provisórios ou condenados, nacionais ou estrangeiros, que apresentem alto risco

para a ordem e a segurança do estabelecimento penal ou da sociedade.

Paulo César Busato (2011) aponta nesta hipótese o claro retorno ao direito

penal de autor ou de periculosidade, na medida em que o emprego da sanção

decorre da presumível ameaça que a pessoa representa pelo simples fato de existir.

Como bem anota Cezar Roberto Bitencourt, tal hipótese deve ser aplicada

quando o elevado risco mencionado pode ser tanto para o estabelecimento penal

quanto para a sociedade, ou para um ou para outra (2009, P. 509).

Porém, no entendimento do referido doutrinador o comentado dispositivo

legal não possui a melhor redação, visto que se faz necessário interpretar

extensivamente o §1º juntamente do caput do artigo 52, onde haja uma conduta

definida como crime doloso no interior do presídio, somente quando um indivíduo

apresente alto risco para a ordem e a segurança do estabelecimento penal é que

poderia ser submetido ao Regime Disciplinar Diferenciado, pois não seria

concebível inseri-lo em tal regime desumano pela possível e improvável ameaça

que este possa apresentar à sociedade.

§ 2o Estará igualmente sujeito ao regime disciplinar diferenciado o preso

provisório ou o condenado sob o qual recaiam fundadas suspeitas de envolvimento

ou participação, a qualquer título, em organizações criminosas, quadrilha ou bando.

A simples suspeita de participação em quadrilha ou bando gera o poder de

punir o preso que se enquadrar nesta definição, transgredindo o princípio do non bis

in idem, pois, em havendo tais suspeitas, o correto seria a apuração dos fatos feita

pela autoridade policial, e não a aplicação de sanção disciplinar.

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Como aduz Paulo César Busato, a mera suspeita de participação em

bandos ou organizações criminosas justifica o tratamento diferenciado. Porém, se o

juízo é de suspeita, não há certeza a respeito de tal participação e, não obstante, já

aparece a imposição de uma pena diferenciada, ao menos no que se refere á sua

forma de execução (PRADO, 2009, P. 511).

6.4 REGIME DISCIPLINAR DIFERENCIADO COMO DIREITO PENAL DO INIMIGO.

O Regime Disciplinar Diferenciado não surgiu como uma forma de sanção

disciplinar, regulando condutas específicas. Veio à realidade se transformando em

um meio de perseguição à determinados tipos de autores, qualificando-se como

direito penal do inimigo por excelência, quando sua principal característica é punir

pelo que o preso é, e não pelo crime que ele cometeu.

Ademais, não se pode ignorar que existem presos com maior grau de

periculosidade em relação à outros, mas incumbe à Administração separá-los

conforme tal grau e espécie de crimes, reincidência, entre outros aspectos, que

tenham por fim o retorno daquele à sociedade não visando mais cometer crimes,

valorizando os princípios que tenha afrontado em sua conduta criminosa. Este é o

fim da pena, e não a mera retribuição do mal causado através desta perseguição

articulada, que se justifica pela incapacidade de o Estado como um todo em

combater a criminalidade de fora para dentro dos presídios, e não o contrário.

Segundo Paulo César Busato, as restrições previstas no Regime Disciplinar

Diferenciado não estão dirigidas aos fatos e sim à determinada classe de autores.

Busca-se claramente dificultar a vida destes condenados no interior do cárcere, mas

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não porque cometeram um delito, e sim porque, segundo o julgamento dos

responsáveis pelas instâncias de controle penitenciário, representam um risco social

e/ou administrativo ou são “suspeitos” de participação em bandos ou organizações

criminosas, refutando os princípios constitucionais garantidores a todos os

cidadãos, sem exceção, desta forma, trazendo o preso como objeto de pena, e não

como sujeito de Direitos em um Estado Democrático.

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7. REGIME DISCIPLINAR DIFERENCIADO FRENTE AO ORDENAMENTO

JURÍDICO BRASILEIRO.

. O Regime Disciplinar Diferenciado no ordenamento jurídico brasileiro

desde sua concepção vem sendo debatido quanto às sanções desumanas trazidas

em seu bojo, bem como a afronta à princípios fundamentais garantidores inerentes

a um Estado Democrático de Direito.

7.1. PRINCÍPIO DA HUMANIDADE DAS PENAS.

Quando se refere a criação do Regime Disciplinar Diferenciado, sendo um

regime alusivo ao Direito Penal de autor, trazendo em seu dispositivo sanções

disciplinares severas, faz-se necessário analisar suas afrontas aos princípios

fundamentais garantidores em nossa Constituição, Lei máxima em um Estado

Democrático de Direito,além dos tratados internacionais3 aos quais o Brasil adere, e

que devem ser observados obrigatoriamente nas criações legislativas

infraconstitucionais, sob risco de serem declaradas inconstitucionais

Em sua aplicação incide em colapso com princípios constitucionais

fundamentais, quando retira do sujeito seu status de pessoa, passando a lhe

considerar um inimigo do Estado. Como fora mencionado, esta sendo uma

característica do Direito Penal do Inimigo, nesta situação resta clara a inobservância

do princípio da dignidade da pessoa humana, vertente do princípio da humanidade

das penas.

3 Declaração Universal dos Direitos Humanos:

art.5º. Ninguém será submetido a tortura, nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante. Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos: Art.7º. Ninguém poderá ser submetido a tortura, nem a penas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes. Convenção Americana de Direitos: Art.5º, II, Ninguém será submetido a torturas, nem a penas ou tratos cruéis, desumanos ou degradantes.

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O princípio da humanidade das penas decorre da Declaração Universal dos

Direitos do Homem, dispondo que ninguém será submetido à tortura, nem a

tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante. Desta forma, busca-se

através do princípio da humanidade das penas, que o sujeito seja amparado por

tratamento humano, tendo por finalidade sua recuperação e reintegração ao meio

social, quando a própria privação de sua liberdade já é concebida por si só como

um tratamento desumano, porém esta por ser uma característica da prevenção

geral deve ser observada. Como anota Nilo Batista, (p. 99,), o princípio da

humanidade estabelece que a pena não deve visar o sofrimento do condenado, tão

pouco desconhecer o réu enquanto pessoa humana.

Luiz Flávio Gomes (2003, P.16) cita um depoimento de Luiz Fernando da

Costa, o Fernandinho Beira-mar, sujeito a este regime prisional, na reportagem

realizada pelo “Fantástico” da TV Globo:

“-O serviço que é feito aqui, nunca vi em outra cadeia. Assistente psicológica, social, tratamento dos funcionários é perfeito. Quanto a isso não tem o que reclamar, mas a situação humana que a gente fica aqui é uma coisa absurda, completamente absurda. (...) - Aqui o lugar é horrível, é horrível. É o pior lugar que eu já tive na minha vida. Eu estou bem fisicamente. Psicologicamente é que eu estou um bagaço. Esta é que é a verdade. (...)-Toda semana eu estou saindo uma hora para conversar com a psicóloga. A assistente social tem me dado uma assistência aí com um remédio, mas eu não quero me viciar. Mas está complicado. (...)-Isso aqui é horrível. Nada se compara com isso aqui. É uma fábrica de fazer maluco, sinceramente. (...) -Eu já estou chamando formiga de meu louro. Olha o ponto que eu cheguei. Sinceramente, são sete meses numa situação completamente... Eu não desejo para o meu pior inimigo passar pelo que estou passando”

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Observando o relato de um dos criminosos mais famosos no nosso país,

resta claro que um regime prisional duro afeta a pessoa do criminoso, perdendo a

efetividade na ressocialização, que deve ser o objetivo do Estado na aplicação de

uma pena.

O Regime Disciplinar Diferenciado não merece prosperar quanto às

sanções disciplinares que prevê, pois se demonstram severas, e não tem por

objetivo a ressocialização do preso e sim, vingança estatal frente a seus inimigos.

A aplicação de tais medidas têm se justificado pela proporcionalidade entre

a segurança e a periculosidade, onde, a favor do interesse público haveria

possibilidade de restringir direitos fundamentais do cidadão.

7.2 A REPERCUSSÃO DO REGIME DISCIPLINAR DIFERENCIADO NO BRASIL.

A criação do Regime Disciplinar Diferenciado decorreu da grande clamor

social, em resposta à crescente criminalidade, a qual o Estado não conseguiu

conter mesmo com a recorrente criação de leis para tutelarem cada vez mais bens

jurídicos.

Porém, imbuídos por esta pressão proveniente do meio social, os

legisladores esqueceram de observar princípios básicos inerentes ao Estado

Democrático de Direito em que vivemos, respondendo a criminalidade, no caso da

ineficácia do instituto, alterações na Lei de Execuções Penais, onde Cezar Roberto

Bitencourt, refere-se à edição da lei 10.792/2003 como “criadora entre outras

monstruosidades, o denominado regime disciplinar diferenciado”, sustentando que a

“adoção deste regime representa o tratamento desumano de determinado tipo de

autor de delito, distinguindo evidentemente entre cidadãos e “inimigos.” ·”.

Neste prisma, resta clara a inconstitucionalidade deste regime prisional,

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pode-se constatar facilmente que a inobservância propositada aos princípios da

dignidade da pessoa humana, humanidade das penas e da igualdade dos cidadãos

perante a Lei, valendo frisar que tal instituto afronta a égide do Estado garantidor de

direitos em que vivemos.

Fernando Capez (CAPEZ, 2010, P. 376) cita um estudo a respeito da

flagrante inconstitucionalidade do Regime Disciplinar Diferenciado, realizado pelo

Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária, onde o relator do estudo, o

Conselheiro Carlos Weis, apresentou a seguinte conclusão:

“Diante do quadro examinado, do confronto das regras instituídas pela Lei

n. 10.792/2003 atinentes ao Regime Disciplinar Diferenciado, com aquelas da Constituição Federal, dos Tratados Internacionais de Direitos Humanos e das Regras Mínimas das Nações Unidas para o Tratamento de Prisioneiros, ressalta a incompatibilidade da nova sistemática em diversos e centrais aspectos, como a falta de garantia para a sanidade do encarcerado e duração excessiva, implicando violação à proibição do estabelecimento de penas, medidas ou tratamentos cruéis, desumanos ou degradantes,prevista nos instrumentos citados. Ademais, a falta de tipificação clara das condutas e a ausência de correspondência entre a suposta falta disciplinar praticada e a punição decorrente relevam que o RDD não possui natureza jurídica de sanção administrativa, sendo,antes,uma tentativa de segregar presos do restante da população carcerária, em condições não permitidas pela legislação”.

Sob outro aspecto, os cidadãos podem exigir do Estado uma administração

eficiente, de modo a lhes oferecer segurança, sendo este o fundamento adotado

para que seja concebida a aplicação do Regime Disciplinar Diferenciado, mesmo à

luz de sua inconstitucionalidade, onde são diminuídos direitos fundamentais de

alguns sujeitos em prol de outros.

Neste sentido, encontramos o entendimento apresentado por Fernando

Capez (CAPEZ, 2010, p. 376):

“Entendemos não existir nenhuma inconstitucionalidade em implementar regime penitenciário mais rigoroso para membros de organizações criminosas ou de alta periculosidade, os quais, de dentro dos presídios, arquitetam ações delituosas e até terroristas. É dever constitucional do Estado proteger a sociedade e tutelar com um mínimo de eficiência o bem

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jurídico, pelo qual os interesses relevantes devem ser protegidos de modo eficiente. O cidadão tem o direito constitucional a uma administração eficiente (CF, art.37, caput.). Diante da situação de instabilidade institucional provocada pelo crescimento do crime organizado, fortemente infiltrado no sistema carcerário brasileiro, de onde provém grande parte de crimes contra a vida, a liberdade e o patrimônio de uma sociedade cada vez mais acuada, o Poder Público tem a obrigação de tomar medidas, no âmbito legislativo e estrutural, capazes de garantir a ordem constitucional e o Estado Democrático de Direito. Provada importância que nossa CF confere a tais valores encontra-se no seu art.5º, caput, garantindo a todos a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e á propriedade, bem como no inciso XLIV desse mesmo artigo, o qual considera imprescritíveis as ações de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático. Assim, cediço de que não existem garantias constitucionais absolutas, e que essas devem harmonizar-se formando um sistema equilibrado. Nessa esteira, já decidiu o STJ: “1. Considerando-se que os princípios fundamentais consagrados na Carta Magna não são ilimitados (princípio da relatividade ou convivência das liberdades públicas), vislumbra-se que o legislador, ao instituir o Regime Disciplinar Diferenciado, atendeu ao princípio da proporcionalidade. 2. Legítima a atuação estatal, tendo em vista que a Lei n. 10.792/2003, que alterou a redação do art.52 da LEP, busca dar efetividade à crescente necessidade de segurança nos estabelecimentos penais, bem como resguardar a ordem pública, que vem sendo ameaçada por criminosos que, mesmo encarcerados continuam comandando ou integrando facções criminosas que atuam no interior do sistema prisional - liderando rebeliões que não raro culminam com fugas e mortes de reféns, agentes penitenciários e/ou outros detentos – e também, no meio social”.

Ainda nesta corrente, claramente observando apenas a punição exacerbada

como forma de combate ao crime organizado, tem-se a lição de Guilherme de

Souza Nucci (NUCCI, 2009, p. 405), em análise sobre a constitucionalidade do

Regime Disciplinar Diferenciado em sua obra:

“Em face do princípio constitucional da humanidade, sustentando ser inviável, no Brasil, a existência de penas cruéis, debate-se a admissibilidade do regime disciplinar diferenciado. Diante das características do mencionado regime, em especial, do isolamento imposto ao preso durante 22 horas por dia, situação que pode perdurar por até 360 dias, há argumentos no sentido de ser essa prática uma pena cruel. Pensamos, entretanto, que não se combate o crime organizado, dentro ou fora dos presídios, com o mesmo tratamento destinado ao delinqüente comum. Se todos os dispositivos do Código Penal e da lei de Execução Penal fossem fielmente cumpridos, há muitos anos, pelo Poder Executivo, encarregado de construir, sustentar e administrar os estabelecimentos penais, certamente o crime não estaria, hoje, organizado, de modo que não haveria necessidade de regimes como o estabelecido pelo art.52 da Lei de Execução Penal. A realidade distanciou-se da lei, dando margem à estruturação do crime, em todos os níveis. Mas, pior, organizou-se a marginalidade dentro do cárcere, o que é situação inconcebível, mormente se pensarmos que o preso deve estar,no regime fechado, à noite, isolado em sua cela, bem como, durante o dia, trabalhando ou desenvolvendo atividades

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de lazer ou aprendizado. Diante da realidade, oposta ao ideal, criou-se o RDD. Tanto quanto a pena privativa de liberdade, é denominado mal necessário, mas não se trata de uma pena cruel. Proclamar a inconstitucionalidade desse regime, fechando os olhos aos imundos cárceres aos quais estão lançados muitos presos no Brasil é, com a devida vênia, uma imensa contradição. Constitui situação muito pior ser inserido em uma cela coletiva, repleta de condenados perigosos, com penas elevadas, muitos deles misturados aos presos provisórios, sem qualquer regramento e completamente insalubre, do que ser colocado em cela individual , longe da violência de qualquer espécie, com mais higiene e asseio, além de não se submeter a nenhum tipo de assédio de outros criminosos. Há presídios brasileiros onde não existe o RDD, mas presos matam outros, rebeliões são uma atividade constante, fugas ocorrem a todo momento, a violência sexual não é contida e condenados contraem doenças gravíssimas. Pensamos ser essa situação mais séria e penosa que o regime disciplinar diferenciado. Obviamente, poder-se-ia argumentar, que um erro não justifica outro, mas é fundamental que o erro essencial provém, primordialmente, do descaso de décadas com o sistema penitenciário, gerando e possibilitando o crescimento do crime organizado dentro dos presídios. Ora, essa situação necessita de controle imediato, sem falsa utopia. Ademais, não há direito absoluto, como vimos defendendo em todos os nossos estudos, razão pela qual a harmonia entre direitos e garantias é fundamental. Se o preso deveria estar inserido em um regime fechado ajustado à lei, o que não é regra, mas exceção, a sociedade também tem direito à segurança pública. Por isso, o RDD tornou-se uma alternativa viável para conter o avanço da criminalidade descontrolada, constituindo meio adequado para o momento vivido pela sociedade brasileira. Em lugar de combater, idealmente, o regime disciplinar diferenciado, pensamos ser mais ajustado defender, por todas as formas possíveis, o fiel cumprimento às leis penais e de execução penal, buscando implementar, na prática, os regimes fechado, semi-aberto e aberto, que, em muitos lugares, constituem meras ficções. A jurisprudência encontra-se dividida, porém, a maioria,dos julgados tem admitido a constitucionalidade do regime disciplinar diferenciado.”

Diante dos argumentos apresentados por estes doutrinadores, pode-se

denotar que a defesa pela constitucionalidade do regime disciplinar diferenciado é

fortemente pautada na segurança da sociedade, justificando a rigorosidade de tal

regime como forma de combate á crescente criminalidade no país, passando á

população esta sensação de segurança e eficiência do Estado frente à sociedade.

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Não merecem prosperar tais fundamentos, que em suma buscam relativizar

direitos fundamentais dos cidadãos, mesmo quando presos, em prol da virtual

eficácia destas leis perante o meio social, onde em nenhum momento se tratou dos

efeitos deste regime cruel sob a pessoa do condenado, sob critérios psicológicos e

médicos. É necessário frisar que a lei em nenhum momento dispõe à pessoa do

preso tal acompanhamento durante sua inserção em tal regime gravoso.

Ainda neste ponto, não há de se conceber este combate à criminalidade

proveniente em linha oposta à realidade, combatendo o crime organizado de dentro

para fora dos estabelecimentos prisionais, onde o mais correto seria buscar a

eficácia das leis penais no meio social, e não apenas dentro de locais onde ela se

executa.

Em que pesem os argumentos apresentados em favor da

constitucionalidade do Regime Disciplinar Diferenciado, ousamos discordar dos

fundamentos utilizados, vez que o cerceamento de direitos fundamentais não deve

ocorrer para amenizar a situação atual, pois não resolve os problemas decorrentes

da má administração do Estado, que há muito tempo a administração de todo o

sistema penitenciário em decadência.

Desta forma, a edição de leis rigorosas, que negam a situação de pessoa

humana aos presos, lhes aplicando sanções severas não é a melhor saída ao Poder

Público em se falando de efetividade. Esta opção é meramente simbólica, voltada à

sociedade, na utopia da eficácia do sistema. Como citou Luiz Flávio Gomes (2003,

P. 31), o Ministro da Justiça à época da criação do Regime Disciplinar Diferenciado,

Márcio Thomaz Bastos, referiu-se à Lei 10.792/2003 nos seguintes termos:

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“Admitimos o endurecimento do regime, mas também o conceito de que só deve ir

para a prisão quem é perigoso”.

Ademais, o Estado reconhecendo os presos como seu verdadeiro inimigo

deixa de observar a finalidade da pena que lhes são impostas vez que perdem o

sentido, tornando-se apenas uma vingança estatal frente à pessoa encarcerada,

valendo-se de Leis que protegem bens jurídicos vagos e que não oferecem

nenhuma segurança efetiva no meio social.

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CONCLUSÃO

O direito penal do inimigo é uma teoria criada por Günther Jakobs, utilizando

fundamentos da filosofia contratualista, consubstanciado no contrato social

estabelecido entre os cidadãos de um Estado, que tem por finalidade o convívio

pacífico dos cidadãos, deixando o livre arbítrio em prol da paz social, e da escola

positivista, que teve como seu precursor Cesare Lombroso, que por sua vez,

apontava as características do criminoso como algo além de sua própria vontade,

devendo ser sancionado com medidas de segurança, a fim de que seja afastado do

convívio social, devido á sua periculosidade.

Jakobs uniu estas características, trazendo em sua fundamentação que o

criminoso é aquele que se nega a este contrato social, atentando de modo

permanente contra o Estado, se afastando da sociedade com esta conduta e,

sustenta que, para que prevaleça a paz social, este sujeito deve ser retirado do meio

social, onde o Estado a fim de garantir sua soberania frente aos cidadãos, retira este

cidadão do meio social, através da aplicação de uma medida de sgurança.

Esta teoria é fundada na periculosidade dos sujeitos, onde não se avalia a

conduta criminosa por eles praticada, e sim, a periculosidade que ele representa

perante a sociedade, fato que justifica sua exclusão deste meio.

No Brasil, o direito penal do inimigo encontra-se caracterizado explicitamente

no Regime Disciplinar Diferenciado, adotado para combater e punir criminosos que

são vistos como inimigos do Estado.

Neste ponto, há grande discussão doutrinária à respeito da

constitucionalidade deste regime prisional, que afronta princípios fundamentais

previstos em nossa Carta Magna.

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Contudo, a concepção deste regime encontra acolhida em decisões nos

Tribunais, que consideram constitucional este regime, onde alegando haver amparo

constitucional quando o Estado aplica sanções diferenciadas a indivíduos que

apresentam elevado grau de periculosidade. Tais decisões têm por fundamento ser

o Regime Disciplinar Diferenciado uma medida proporcional entre a periculosidade

daqueles inimigos e a segurança que deve ser garantida à sociedade, aplicando

sanções excessivas, que vão além dos crimes praticados.

Neste plano, em análise aos fundamentos apresentados para a criação do

Regime Disciplinar Diferenciado, entende-se que é inconstitucional este regime

prisional, pois caracteriza o direito penal de autor, punindo o sujeito pelo que ele é, e

não pelos crimes que cometeu.

Desta forma, não merece prosperar, em que pese seu fundamento de

sanção proporcional à periculosidade dos presos seja acolhido, pois além de

considerar apenas o sujeito frente à sociedade, a incidência do Regime Disciplinar

Diferenciado resulta na aplicação de penas desumanas, que não oferece nenhum

indício de preocupação com a ressocialização do preso, apenas a chamada

vingança estatal.

Por derradeiro, este regime não se trata de hipótese eficaz ao combate à

criminalidade que cresce a cada dia e traz o medo à sociedade, que se encontra

acuada face à ineficiência da administração estatal. Restringir direitos fundamentais

não se pode admitir como a melhor saída para resolver problemas relacionados ao

descaso do Estado frente à sociedade.

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