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UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ DANIEL MACHADO PIVA A INFLUÊNCIA DAS TORCIDAS ORGANIZADAS NO DESENVOLVIMENTO DO DESPORTO E AS IMPLICÂNCIAS JURÍDICAS CURITIBA 2016

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UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ

DANIEL MACHADO PIVA

A INFLUÊNCIA DAS TORCIDAS ORGANIZADAS NO DESENVOLVIMENTO DO DESPORTO E AS IMPLICÂNCIAS

JURÍDICAS

CURITIBA

2016

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DANIEL MACHADO PIVA

A INFLUÊNCIA DAS TORCIDAS ORGANIZADAS NO DESENVOLVIMENTO DO DESPORTO E AS IMPLICÂNCIAS

JURÍDICAS

Projeto do Trabalho de Conclusão de curso apresentado ao Curso de Direito da Faculdade de Ciências Jurídicas da Universidade Tuiuti do Paraná como requisito parcial para a obtenção do grau de Bacharel em Direito. Orientador: Prof. André Peixoto.

CURITIBA

2016

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TERMO DE APROVAÇÃO

DANIEL MACHADO PIVA

A INFLUÊNCIA DAS TORCIDAS ORGANIZADAS NO DESENVOLVIMENTO DO DESPORTO E AS IMPLICÂNCIAS

JURÍDICAS

Esta monografia foi julgada e aprovada para a obtenção do título de Bacharel no Curso de

Bacharelado em Direito na Universidade Tuiuti do Paraná.

Curitiba, ______ de ___________________ de 2016.

___________________________________________ Professor Doutor Eduardo de Oliveira Leite

Coordenador do Núcleo de Monografia Universidade Tuiuti do Paraná

Banca examinadora: Orientador: _____________________________________________

Professor André Peixoto de Souza Membro da banca: _____________________________________________ Membro da banca: _____________________________________________

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Resumo

Esse trabalho tem como objetivo repercutir a forma como a violência no

esporte é tratada no Brasil. Os casos são corriqueiros, tanto é que pesquisas

apontam o país como o recordista de mortes no mundo há alguns anos. Um dos

principais motivos apontados por especialistas é de que há uma sensação de

impunidade.

Quem são os praticantes destes atos? Como a polícia e a Justiça tratam esse

quesito? Quais as medidas que estão sendo tomadas pelas autoridades? Um dos

tópicos deste projeto é a proibição do consumo e do comércio de bebidas alcoólicas

nos estádios de futebol. Quais sãoos resultado desta medida?

Outro ponto abordado é a respeito da Copa do Mundo de 2014, que ocorreu

no Brasil e teve a autorização para o comércio e o consumo de cerveja, com o

objetivo de atender um dos patrocinadores do evento. Como isso foi possível? Qual

foi o saldo deste período?

O trabalho busca traçar também um comparativo com o fenômeno dos

Hooligans, que assombrou a Europa, especialmente a Inglaterra, durante as

décadas de 70, 80, 90 e 2000. Como eles encararam este caso e quais lições que o

Brasil pode tirar da experiência dos europeus?

Além disso, a obra busca mostrar que tipo de consequências a violência traz

para o desenvolvimento do desporto e até mesmo para a sociedade de um modo

geral.

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Sumário

1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................. 6

2 CONCEITUAÇÃO DOS TEMAS ..................................................................................... 7

2.1 DO DESPORTO .......................................................................................................... 7

2.2 VIOLÊNCIA .............................................................................................................. 10

2.2.1 Torcidas Organizadas ......................................................................................... 14

2.2.2 Hooligans ............................................................................................................ 18

2.3 CONSEQUÊNCIAS DESPORTIVAS E SOCIAIS .................................................. 20

2.3.1 Lei Geral da Copa do Mundo 2014 .................................................................... 24

2.3.2 Punições aos Clubes ........................................................................................... 25

3 CONCLUSÃO .................................................................................................................. 29

REFERÊNCIAS ....................................................................................................................... 31

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1 INTRODUÇÃO

O objetivo deste trabalho é mostrar como a violência nos esportes,

especialmente no futebol, é tratado no Brasil. Pesquisas revelam números

preocupantes, já que o país foi o recordista de mortes por este motivo em anos

recentes. Quais são as medidas das autoridades nestes casos?

No capítulo 1, vamos mostrar um pouco quais são os princípios que tangem a

Justiça Desportiva. Ela tem autonomia? Qual o grau de competência dela? Quais

são os princípios que a norteiam? Quais são as influências dos outros ramos do

direito nela?

No capítulo 2 o tema tratado é a violência no esporte. Quais são os números

revelados por pesquisas? Como os especialistas neste assunto analisam essa

questão aqui no Brasil? Quem são as pessoas que estão envolvidas nesses casos?

Em subcapítulos, serão decorridos os assuntos torcida organizada e os Hooligans. É

possível comparar o que estamos vivendo aqui no país com o caso que assombrou

a Europa por décadas? Quais foram as principais medidas dos europeus para

combate-los?

Já no capítulo 3 o assunto discutido é a consequência social e desportiva que

esses casos geram. Um dos tópicos discutidos é a proibição do consumo e do

comércio de bebidas alcoólicas nos estádios de futebol. Dentro desta discussão, é

abordado o procedimento na Copa do Mundo de 2014, que tinha uma lei específica

para o evento, que permitia a venda de cervejas durante os jogos para atender

patrocinadores da organização. Mas além disso, é tratada algumas outras diferenças

de tratamento que o evento recebeu.

Outro tema abordado dentro do capítulo número 3 são as punições impostas

aos clubes, o que gera uma repercussão no âmbito desportivo. Algumas partidassão

disputadas sem público ou são realizadas em outra cidade, em decisões tomadas

pela Justiça Desportiva. Será que essa medida gera algum resultado no quesito

violência?

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2 CONCEITUAÇÃO DOS TEMAS

2.1 DO DESPORTO

No que tange as bases teóricas em que fundamentam este estudo, as

primeiras produções encontradas cuidam da análise da autonomia do desporto.

Embora possua garantia constitucional dos entes desportivos quanto a sua

organização e funcionamento, não possui o alcance da independência, como é

atribuída, por exemplo, aos poderes do Estado.

Porém, esses fatos não minimizam a força do princípio desportivo, conforme é

destacado na obra de FILHO (2012).

A autonomia desportiva foi elevada ao patamar constitucional visando a propiciar às entidades desportivas dirigentes e associações uma plástica organização e um flexível mecanismo funcional que permitam o eficiente alcance de seus objetivos, a exigir “unas disposicionesla suficientemente flexibles para acogerfecundamenelosfactores de unidad y diversidad”. Em outras palavras, com a autonomia os entes desportivos estão aptos a buscar fórmulas capazes de resolver seus problemas, enriquecendo a convivência e acrescentando aos entes desportivos ideais criativas e soluções inovativas mais adequadas às suas peculiaridades da sua conformação (organização).(FILHO, pg. 42)

A ideia com isso é demonstrar que a autonomia desportiva é ínsita ao próprio

desporto e cada entidade tem, dentro de certos limites, plenos poderes de

autoregulamentação, resguardadasas áreas que são de responsabilidade estatal,

como segurança e a ordem pública.

Defende-se que o Direito Desportivo deve ser entendido como uma ciência do

Direito, cuja função é descrever o direito positivo relacionado desporto. Este é o

plexo de normas (proposições descritivas), que tem o princípio a verdade real como

um dos principais pontos.

Sobre a doutrina do direito desportivo, há uma divisão quando trata de

estudar o tema da autonomia do direito desportivo. Além do pensamento de Álvaro

Melho Filho, existe a corrente de autores que entendem que não há essa autonomia

e também a ala que defendem um “direito desportivo puro”. Mas o entendimento de

todas as alas é de que o direito desportivo não pode ser tratado como ramo

autônomo do direito – exceto para fins didáticos.

Neste sentido, considerando que o direito desportivo sofre influência dos mais

variados ramos do direito, com relação com quatro ramos do Direito.

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- DIREITO DESPORTIVO E O DIREITO CONSTITUCIONAL

Esta ligação se deve muito ao artigo 217 da Constituição Federal. Devido a

ele, podemos destacar alguns princípios que tangem a Justiça Desportiva:

Princípio da pluralidade da atividade desportiva: conforme o caput do artigo 217,

da CF, o estado deve incentivar o desporto de participação e de lazer, assim como o

educacional e o de rendimento, não importando se a modalidade profissional ou não

profissional. Assim o Estado acomoda os mais variados interesses, pois o desporto

é fenômeno da massa.

Princípio da proteção da Justiça Desportiva: está previsto no parágrafo único do

artigo 217. Defende que as questões disciplinares relacionadas ao desporto serão

julgadas por uma Justiça especializada, constituída de órgãos julgadores e

procedimentos próprios para esclarecimentos das questões a ela levadas pelo

julgamento. Como efeito disso, o Poder Judiciário só poderá ser acionado para julgar

as questões relativas à disciplina e às competições após serem esgotadas todas as

instâncias da Justiça Desportiva.

Princípio da diferenciação esportiva:é obrigação do Estado, na promoção do

desporto, levar em consideração as diferenças existentes entre as práticas

desportivas profissionais e não profissionais. São estruturas e formas de práticas

distintas.

– DIREITO DESPORTIVO E O DIREITO CIVIL

Um exemplo da relação entre o direito esportivo e o civil é a norma que rege o

contrato de licença de uso de imagem. É muito utilizado para tecer planejamentos

tributários para reduzir a carga tributária na relação da práticas desportiva-atleta.

- DIREITO DESPORTIVO E O DIREITO TRABALHISTA

Todos os jogadores são registrados pela Lei Trabalhista. Uns pela CLT,

outros pela Consolidação das Leis do Trabalho.Algumaspeculiaridades destes

contratos: o artigo 443 da CLT diz que o contrato pode ser expresso ou tácito, já o

artigo 31 da Lei Pelé diz que tem que ser expresso; o contrato tem prazo

determinado e nunca pode ser inferior a três meses ou superior a cinco anos; o

acordo pode ser prorrogado várias vezes.

- DIREITO DESPORTIVO E O DIREITO TRIBUTÁRIO

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As entidades e os atletas se submetem ao comando de normas tributárias em

suas relações com as administrações pública federal, estadual e municipal. Tem que

considerar o agente a ser tributado, como, por exemplo, os impostos sobre a renda e

proventos de qualquer natureza.

Após galgar o status constitucional, o desporto foi contemplado com um

microssistema judicante. Essa categorização recorre de duas condições

substanciais: a prerrogativa de criar as próprias regras e o exercício do poder da

sanção.

Embora tenha lugar reservado na Constituição, a Justiça Desportiva

desempenha apenas uma função quase estatal, ou público não estatal, como

destaca a ministra Carmen Lúcia, relatora no processo MS 25.9381/DF, julgado pelo

STF.

As ações relativas à disciplina e às competições desportivas somente

poderão ser submetidas à apreciação do Poder Judiciário após o esgotamento das

instâncias da Justiça Desportiva, que tem prazo mínimo de 60 dias. Diante dos

parágrafos 1º e 2º do artigo 217 da Mater Legis há uma dúvida persistente: o juiz

ordinário estará vinculado à decisão proferida na Justiça Desportiva ou cabe a ele

reexaminar o mérito da causa desportiva?

Alguns autores defendem que não é permitido adentrar no mérito das

demandas esportivas, pois as decisões são atos administrativos, cabendo ao Poder

Judiciário a aferição da legalidade e legitimidade do ato. Para isso baseiam-se em

MEIRELLES (2005).

A competência do Judiciário para a revisão dos atos administrativos restringe-se ao controle da legalidade e da legitimidade do ato impugnado. Por legalidade, entende-se a conformidade com princípios básicos da administração pública, em especial os de interesse público. (MEIRELES, pg. 689).

Do outro lado, em processo julgado pelo Supremo Tribunal Federal (MS

25.983/DF), a Ministra Carmen Lúcia realça em seu acórdão. “Nos termos do artigo

217, parágrafos 1º e 2º da Constituição Federal, o Poder Judiciário poderá conhecer,

ainda que subsidiária e sucessivamente ao exercício das funções da Justiça

Desportiva, de controvérsias postas à decisão desta”.

Os parágrafos citados do artigo 217 da Constituição Federal corporificam dois

princípios do Direito Desportivo: o princípio do exaurimento da Justiça Desportiva e o

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princípio da jurisdicionalidade temporária da Justiça Desportiva (prazo de 60 dias).

Ou seja: pela possibilidade de afetar direitos e interesses que transcendem a esfera

da Justiça Desportiva torna-se possível o ingresso no âmbito Jurídico, conforme

aponta FILHO (2012), mas com algumas importantes ressalvas, já que não há uma

rediscussão do tema.

De toda sorte, este recurso ao Poder Judiciário não pode, na concepção de muitos autores, viabilizar uma (re)discussão do conteúdo ou do méritodesportivo envolvendo os campos da disciplina e competição desportivas, após decisão da Justiça Desportiva, cujos membros estão melhor preparados para conhecer e apreciar as demandas desportivas sujeitas a normas tão distintas e peculiares . (FILHO, pg. 58).

Para ter esse esperado respaldo, o artigo 34 da Lei 10.671/2003, que trata

sobre o Estatuto do Torcedor, exige a independência da Justiça Desportiva. A

intençãoé deixar os tribunais desportivos desvinculados das entidades desportivas,

para evitar qualquer tipo de influência, conforme destacado por FILHO (2012).

A partir do próprio sentido e alcance jurídico da autonomia e independência da Justiça Desportiva, tornam-se desarrazoadas eventuais imputações de responsabilidade aos entes de administração do desporte decorrentes de decisórios na esfera da Justiça Desportiva, porquanto Federações e Confederações estão despidas de qualquer pode de ingerência ou de interferência nas decisões da Justiça Desportiva. (FILHO, pg. 233).

Em cima disso, pode-se afirmar que entidades como a Confederação

Brasileiro de Futebol (CBF) ou a Confederação Brasileira de Vôlei (CBV) não

possuem poder algum sobre as decisões do Superior Tribunal de Justiça Desportiva,

que possui um patamar hierárquico superior à Assembleia Geral de cada entidade,

inclusive para penalizar os desvincular um filiado desta federação.

Assim, FILHO (2012) define o Direito Desportivo da seguinte forma: “Compete

à Justiça Desportiva agir com autonomia e independência para proteger o equilíbrio

competitivo e a credibilidade das disputas desportivas em face de atos e

comportamentos desviantes do mundussportivus”.

2.2 VIOLÊNCIA

Devido a essa posição de destaque que tem a Justiça Desportiva, ela é a

responsável por julgamentos que ocorrem durante o evento inclusive atos de

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violência, seja ela física ou verbal. No esporte, há vários tipos de violência, segundo

MURAD (2007).

Há a violência física “dentro de campo” e outros três tipos mais comuns (não únicos) de violência no universo global. Do futebol: com os atletas – agressão, mutilação, doping; com as torcidas organizadas – tóxico, conflito, morte; com os torcedores em geral – assalto, intimidação e insegurança. (MURAD, p.78).

Muitos desses casos são oriundos das torcidas organizadas, conforme é

destacado na monografia “Violência e futebol: uma análise da legislação e políticas

públicas ligadas a violência no futebol”, do autor Jefferson de Macedo Motter, que

reconhece o surgimento destas entidades no fim da década de 60 e início de 70,

com expansão no início dos anos 80.

Esses grupos mudaram a forma de torcer e acompanhar o esporte,

especialmente o futebol, no Brasil, de acordo com MURAD (2012), no livro “Para

entender a violência no futebol”.

O processo levou de dez a quinze anos, até o reconhecimento público desses grupos de torcedores como segmentos preocupantes e perigosos. A presença deles no noticiário policial de revistas e jornais e nas imagens da televisão foi crescente e assustadora. E, o que é pior, praticamente nada foi feito, por parte das forças de segurança, para neutralizá-los. De carnavalizadas, as torcidas passaram a ser e a atuar como coletivos militarizados, seguindo as doutrinas e os padrões do militarismo então vigente, que aparecia em quase toda a sociedade, mesmo quando de modo indireto. O futebol e as torcidas organizadas não ficaram fora desse jogo político. Para reforçar a ideia de que a situação do país num determinado momento influencia também o esporte, passemos em revista a estrutura de várias torcidas, em particular dos grupos mais violentos, os que estão entre 5% e 7% dos “organizados” (MURAD, pg.49).

Murad ainda destaca que aos poucos os estádios de futebol passaram a ser

vistos como um dos cenários ideais para atos de vandalismo, já que não havia

medidas por parte das autoridades para frear essas ações.

A equação pode funcionar mais ou menos assim: se a impressão dominante que fica é a de que os estádios são lugares de “porradaria”, os vândalos, mesmo que não se interessem pelo futebol, passam a procurar os estádios para encontrar ali o que buscam em qualquer espaço (boates, praias, shows), ou seja, a “porradaria”. Por outro lado, os torcedores pacíficos se afastam dos campos, deixando-os, exatamente, por isso, entregues ais arruaceiros. As pesquisas demonstram que o afastamento do público dos estádios de futebol é causado, essencialmente pela sensação de segurança. (MURAD, pg.37/38).

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Em cima disso, PIMENTA (1997), no livro “Torcidas organizadas de futebol:

violência e autoafirmação”, também destaca que os estádios passam a ser

visualizados como ambientes que favorecem atitudes agressivas e violentas, pois

geram uma reprovação social menor, já que muitos encaram tudo como fatos do

mundo do futebol.

Dentro de uma praça desportiva, as regras sociais se afrouxam, propiciando momentos de transgressões não permitidas nas relações grupais fora do campo do jogo, surgindo, então, as trocas de ofensas morais e físicas entre os protagonistas do espetáculo. Desde que o futebol existe, até na sua ancestralidade, a agressividade está presente. (PIMENTA, pg.53).

Assim, a violência no futebol trespassou os limites dos estádios e passou a

ser visto como problemas do Estado e da Justiça. A primeira legislação que tratou

de forma especifica a violência no futebol foi a Lei 10.671/2003, o Estatuto do

Torcedor. Até então as relações eram previstas pelo Código Civil e o Código de

Defesa do Consumidor.

O Estatuto de Defesa do Torcedor criou a figura jurídica do torcedor e trouxe

um capítulo acerca da segurança, destacando esse ponto inclusiva no pré e pós

jogo. Para completar, esta lei ainda passou a responsabilizar o clube que detém o

mando do jogo pela ocorrência, bem como os dirigentes e as entidades que

organizam os eventos esportivos em casos de falhas no esquema de segurança.

Os pontos da segurança pré e após os eventos estão previstos no artigo 13

do Estatuto do Torcedor. Já o inciso I do artigo 14 aponta quais são as medidas que

o clube mandante deve adotar.

Art. 14 – I – Solicitar ao Poder Público competente a presença de

agentes públicos de segurança, devidamente identificados,

responsáveis pela seguranças dos torcedores dentro e fora dos

estádios e demais locais da realização de eventos esportivos.

Já o artigo 17 do Estatuto de Defesa do Torcedor discorre sobre a segurança

fora do evento.

Art. 17 – É direito do torcedor a implementação de planos de ação

referentes a segurança, transporte e contingências que possam

ocorrer durante a realização de eventos esportivos.

I – Serão elaborados pela entidade responsável pela organização da

competição, com a participação das entidades de prática desportiva

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que a disputarão;

II – Deverão ser apresentados previamente aos órgãos responsáveis

pela segurança pública das localidades que se realizarão as partidas

da competição.

Há ainda o artigo 19, que inclui a entidade organizadora do evento em casos

que houver galhas de segurança. É a chamada responsabilidade objetiva. No livro

“Direitos do torcedor e temas polêmicos do futebol”, RODRIGUES (2003) defineisso

da seguinte forma:

Quando se fala em responsabilidade independentemente de culpa, estamos diante da responsabilidade objetiva, que se caracteriza pela ocorrência do evento, do fato ou do prejuízo independentemente de alguém ter causado isso por sua vontade (dolo) ou por imprudência ou imperícia (culpa). (RODRIGUES, 2003. p. 24)

Para exemplificar isso: se um torcedor está assistindo o jogo e cai da

arquibancada há a responsabilidade objetiva, pois foi uma falha na segurança.

Agora se o torcedor cai da arquibancada porque foi se envolver em uma briga e foi

atingido por um soco de um rival não há essa responsabilidade objetiva.

O torcedor que cair por se envolver em confusões desse tipo responderá pelo

artigo 41-B, do Estatuto do Torcedor, que ficou denominado como “rixa esportiva” e

prevê o seguinte:

Art. 41-B – Promover tumulto, praticar ou incitar a violência, ou invadir

local restrito aos competidores em eventos esportivos: § 1º–

Incorrerá nas mesmas penas o torcedor que: I - promover

tumulto, praticar ou incitar a violência num raio de 5.000 (cinco mil) metros ao redor do local de realização do evento esportivo, ou durante o trajeto de ida e volta do local da realização do evento;II– portar, deter ou transportar, no interior do estádio, em suas imediações ou no seu trajeto, em dia de realização de evento esportivo, quaisquer instrumentos que possam servir para a prática de violência; § 2

o

Na sentença penal condenatória, o juiz deverá converter a pena de reclusão em pena impeditiva de comparecimento às proximidades do estádio, bem como a qualquer local em que se realize evento esportivo, pelo prazo de 3 (três) meses a 3 (três) anos, de acordo com a gravidade da conduta, na hipótese de o agente ser primário, ter bons antecedentes e não ter sido punido anteriormente pela prática de condutas previstas neste artigo. § 3

o A pena

impeditiva de comparecimento às proximidades do estádio, bem como a qualquer local em que se realize evento esportivo, converter-se-á em privativa de liberdade quando ocorrer o descumprimento injustificado da restrição imposta. § 4

o Na conversão de

pena prevista no § 2o, a sentença deverá determinar, ainda, a

obrigatoriedade suplementar de o agente permanecer em estabelecimento indicado pelo juiz, no período compreendido entre as

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2 (duas) horas antecedentes e as 2 (duas) horas posteriores à realização de partidas de entidade de prática desportiva ou de competição determinada. § 5

o Na hipótese de o

representante do Ministério Público propor aplicação da pena restritiva de direito prevista no art. 76 da Lei n

o 9.099, de 26 de

setembro de 1995, o juiz aplicará a sanção prevista no § 2o.

No entanto, essas proibições não têm sido eficientes, conforme destaca o

advogado e secretário da Comissão de Direito Desportivo do Conselho Federal da

OAB, Eduardo Carlezzo, em artigo publicado no blog do jornalista Juca Kfouri, do

portal UOL, no dia 06 de setembro de 2013.

Ocorre que tais proibições de frequentar estádios têm se mostrado absolutamente ineficazes e desprovidos de sentido prático. Primeiro, porque as penas não estão sendo aplicadas e quando são aplicadas são brandas. Exemplo: o “torcedor” que invadiu o gramado em Recife em um jogo entre Fluminense e Botafogo levou 90 dias de proibição. Segundo, porque na maior parte dos casos os punidos não estão respeitando tal pena. Exemplo: o caso desse “torcedor” citado e de vários outros que postam suas fotos nos estádios nas redes sociais, mesmo banidos. E terceiro, não existe comunicação entre Judiciário e polícia para a fiscalização do cumprimento de tais penas (CARLEZZO, 2013).

2.2.1 Torcidas Organizadas

Outra dificuldade existente é de identificar todos os torcedores presentes

quando há uma confusão generalizada. Desta feita, o artigo 39 do Estatuto do

Torcedor indica que nesses casos a responsabilidade é coletiva pelo ocorrido.

Assim, a denúncia cai nas torcidas organizadas.

Art. 39 – A: A torcida organizada que, em evento esportivo, promover tumulto; praticar ou incitar a violência; ou invadir local restrito aos competidores, árbitros, fiscais, dirigentes, organizadores ou jornalistas será impedida, assim como seus associados ou membros, de comparecer a eventos esportivos pelo prazo de até 3 (três anos). Art. 39 – B: A torcida organizada responde civilmente, de forma objetiva e solidária, pelos danos causados por qualquer dos seus associados ou membros no local do evento esportivo, em suas imediações, ou no trajeto de ida e volta para o evento.

Para isso, vale destacar que o artigo 2º-A do Estatuto do Torcedor define

também o que é torcida organizada, para evitar generalização e uma confusão ainda

maior a cerca disso.

Art. 2º - A. Considera-se torcida organizada, para os efeitos

desta Lei, a pessoa jurídica de direito privado ou existente de

fato, que se organize para o fim de torcer e apoiar entidade de

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prática esportiva de qualquer natureza ou modalidade.

Parágrafo único. A torcida organizada deverá manter cadastro

atualizado de seus associados ou membros, o qual deverá conter,

pelo menos, as seguintes informações:

I - nome completo;

II - fotografia;

III - filiação;

IV - número do registro civil;

V - número do CPF;

VI - data de nascimento;

VII - estado civil; VIII -

profissão; IX -

endereço completo; e X -

escolaridade.

Embora seja regularizada e cobre até mensalidade dos associados, contendo

todos os dados necessários deles, a torcida organizada não possui um controle

completo de todos que podem estar envolvidos em confusões. O motivo,

teoricamente, é simples: a pessoa pode frequentar a organização, ter materiais

delae não ser associado, conforme aponta o artigo “Impunidade para a violência

entre torcidas organizadas. Até quando?”, escrito por LIMA e RIOS (2016).

Apesar de ser uma norma, muitas torcidas organizadas não têm o total controle dos seus membros. A maioria delas cobra mensalidade para que a pessoa se torne sócio. Muitos torcedores abrem mão de uma carteirinha oficial da torcida, mas não são impedidos de comprar uniformes da torcida. Isso significa que qualquer pessoa pode comprar um uniforme de torcida organizada, ir ao estádio, incitar a violência e sair impune, sem identificação. (LIMA E RIOS, pg.06).

Desta forma, o que se vê muitas vezes é apenas a punição à torcida

organizada. Muito por conta da dificuldade de identificar os infratores, o que impede

a denúncia aos envolvidos nas confusões. Assim, a pena para a organização acaba

sendo a medida para dizer que o fato não passou impune, mas na realidade a opção

não traz nenhum resultado prático, conforme aponta LIMA e RIOS (2016).

No entanto, assim como no caso já citado na introdução do presente artigo, do dia 25/03 em São Paulo, apenas acessórios que identificam a torcida são proibidos. Os verdadeiros infratores quase nunca são proibidos de entrar nos estádios. Sobre a punição para quem incitar a violência ou promover tumultos, o Estatuto prevê pena de um a dois anos. (LIMA E RIOS, pg. 07).

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Em cima disso, novamente vale citar a monografia de MOTTER (2016), que

também destaca a ineficácia de punir apenas a instituição torcida organizada, mas

não os integrantes.

Ainda em relação a torcidas organizadas, a alteração vital foi a responsabilização destas pelos atos de tumulto ou violência gerando uma pena de até três anos sem que possa comparecer a eventos esportivos. Esta política pública ganhou muita notoriedade, mas, não foi muito dotada de eficácia, tendo em vista a dificuldade de barrar todos os membros de uma torcida organizada, a qual pode chegar a ter milhões de associados (MOTTER, pg. 24).

Assim,alguns – para não falar a maior parte - dos responsáveis pela confusão

ficam sem nem serem denunciados, o quegera uma sensação de impunidade, de

que tudo é tolerado, conforme destaca o juiz coordenador do Juizado do Torcedor,

SOUZA (2012), no artigo “Futebol, violência urbana e impunidade”:

Todas essas manifestações de violência explícita recebiam, apenas, o tratamento da polícia ostensiva, leia-se: Batalhão de Choque da Polícia Militar, que fazia muitas “detenções” de torcedores infratores e, logo após o término da partida, liberava os infratores, os quais, já no próximo evento desportivo, voltavam a delinquir e recebiam, mais uma vez, apenas o tratamento policial. Raros são os casos de violência em espécie em comento que foram levados à Justiça. (SOUZA, pg. 10).

Para exemplificar isso, novamente cito o artigo “Impunidade para a violência

entre torcidas organizadas. Até quando?”, é publicado um levantamento do portal

LanceNet, em 07 de abril de 2012, que de 155 casos de mortes, provocados por

confusões de torcidas organizadas, apenas 17,4% resultaram em prisões, conforme

apontam LIMA e RIOS (2016).

Para ilustrar a falta de punição para quem comete esse tipo de crime, a revista eletrônica LanceNet divulgou um dossiê em 07/04/2012. Ele revela que, das 155 mortes causadas por violência envolvendo o futebol nos últimos anos, apenas 27 acabaram em prisão. Em 108 casos, sequer o assassino foi identificado. Em 18 casos, o assassino foi identificado, mas receberam penas alternativas, fugiram ou responderam em liberdade. (LIMA E RIOS, pg. 08).

Outro problema diagnosticado é o seguimento do processo, já que são ações

penais públicas condicionadas, ou seja, precisam de representação para ter

seguimento. Em artigo publicado no site Conjur, o delegado Francisco Sannini Neto,

do Estado de São Paulo, o autor usa como exemplo o episódio que envolveu

torcedores do Atlético-PR e do Vasco da Gama, na Arena Joinville, em jogo válido

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pela 38ª rodada do Campeonato Brasileiro de 2014, e ele demonstrou as

dificuldades de conseguir a punição.

No caso de Santa Catarina, por exemplo, os torcedores que eventualmente foram identificados responderão, em regra, pelo crime de lesão corporal, previsto no artigo 129, caput, do Código Penal. Destaque-se, ainda, que, por se tratar de um crime de ação penal pública condicionada à representação da vítima, nenhum procedimento investigativo – ao menos em teoria – poderia ser iniciado sem a sua manifestação. Considerando que a maioria das vítimas também estão envolvidas na briga, dificilmente elas demonstrarão interesse no início da persecução penal.É claro que, a depender do caso, poderia restar caracterizado um crime de lesão corporal grave ou até uma tentativa de homicídio, sendo que, nessas condições, por se tratar de crimes de ação pública penal incondicionada, a punição dos agressores seria mais viável. (NETO, 2014)

Um outro exemplo disso ocorreu neste ano, em São Paulo, quando ocorreram

quatro confrontos entre torcedores do Corinthians e do Palmeiras na região

metropolitana da capital paulista. O resultado foi um trem depredado e a morte de

um homem – que não estava envolvido com a confusão – devido a uma bala perdida

e outros dois torcedores foram espancados. Aproximadamente 27 torcedores foram

detidos por causa das brigas, deram depoimento, assinaram um termo e foram

liberados pelo delegado. A decisão foi criticado pelo Secretário de Segurança

Pública de São Paulo, Alexandre de Moraes, que em uma entrevista ao site ESPN

Brasil apontou que deveria ter sido tipificado de outra maneira.

Dentro da autonomia funcional do delegado, ele tipificou de uma forma [artigo 41 do Estatuto do Torcedor]. Eu faria de outra forma. Direito não é uma ciência exata. Quem tem autoridade pra tipificar um crime é o delegado. Por isso que a tipificação do boletim de ocorrência não é a mesma utilizada no inquérito, assim como não será a mesma que o promotor vai usar na denúncia. Eu, Alexandre, não como secretário, mas alguém da área jurídica, tipificaria como participação de homicídio em dolo eventual. (MORAES, 2016).

E um número que comprova que as medidas tomadas pouco estão

resolvendo são as de que em 2014 o Brasil foi o país recordista de mortes por causa

do futebol. Esse levantamento foi feito pelo sociólogo Maurício Murad e divulgado

pelo jornal O Globo, do Rio de Janeiro, no dia 28 de dezembro de 2014. De acordo

com os dados, foram 18 mortes comprovadamente motivadas por rivalidades

clubísticas.

Apesar de ter sido o recorde no mundo, o número foi inferior a outras

18

temporadas, já que segundo Murad em 2013 ocorreram 30 mortes e em 2012 foram

23, todas comprovadamente provocadas por conta de brigas entre torcedores de

futebol.

Nesta matéria, Murad responsabiliza mais uma vez a falta de medidas para

buscar a resolução deste problema. Como exemplo, ele menciona o já citado

episódio ocorrido em Joinville, entre Atlético-PR e Vasco da Gama. Após aquele

episódio, o governo federal anunciou nove medidas para acalmar a situação, no

entanto somente uma saiu do papel: o cadastro de torcidas organizadas.

As outras oito seguem no mundo da teoria (criação de um guia de

procedimento de segurança para atividades esportivas; juizados de torcedores e

delegacias especiais; segurança integrada; qualificação dos estádios; câmara

técnica e estatuto da segurança privada nos estádios; e maior responsabilização dos

clubes.

2.2.2 Hooligans

No meio de tantos problemas, fica inevitável a lembrança e a comparação

com os Hooligans, que assombraram a Europa – especialmente a Inglaterra – por

décadas. Para se ter ideia do tamanho do fenômeno, em um dos casos mais

famosos, morreram 39 pessoas e ficaram centenas de feridos em maio de 1985, em

um jogo disputado em Bruxelas, capital da Bélgica, entre o Liverpool, da Inglaterra, e

a Juventus, da Itália.

Foi a partir deste episódio que a Inglaterra passou, oficialmente, a combater

os Hooligans, conforme destaca MURAD (2007), no livro “A violência e o futebol”.

Tais fatos motivaram um veemente discurso da primeira-ministra inglesa, a sra. Margareth Thatcher, no Parlamento britânico, o qual aproveitou o ensejo, a sugestão e o pedido formal da chefe do governo para criar o Gabinete de Guerra, um gabinete com as tarefas específicas de combater a violência nos esportes, particularmente os distúrbios dos hooligans, em estádios de futebol, e isso para “preservar o futebol e repercutir pela sociedade, devido à importância socializadora e pedagógica dessa modalidade esportiva. (MURAD, pg.55).

Os levantamentos deste gabinete mostraram que a média de idade dos

Hooligans variava de 17 a 33 anos e que aproximadamente 10% eram mulheres.

19

Desde 2000 uma nova lei entrou em vigor, que em 13 anos prendeu 46 mil

torcedores, em uma média de 3.500 prisões por ano. Em entrevista do promotor

Nick Hawkins, chefe da Procuradoria britânica que investiga violência no futebol

inglês, concedeu uma entrevista para o jornal Folha de São Paulo no dia 22 de

dezembro de 2013 e apontou quais foram as principais medidas adotadas para eles

reverterem o quadro.

Nos últimos dez anos, nós tivemos uma significante redução da violência. Eu acho que vários fatores contribuíram para isso. Primeiro, temos policiais nos jogos identificando de diferentes maneiras quem causa os problemas. Segundo, conseguimos muito beM coletar evidências das pessoas que cometem delitos. Temos muitos promotores usando a legislação com eficácia, banindo torcedores de jogos, impedindo que viagem para fora para assistir a partidas de times ingleses por no mínimo três anos. No momento, há em volta de 2,5 mil torcedores banidos como resultado de delitos dentro e em volta dos estádios. (HAWKINS, 2013).

Questionado sobre qual conselho daria para as autoridades brasileiras na

busca de combater a violência no futebol, o promotor inglês apontou que tudo passa

pela coleta de provas e na denúncia para gerar o processo, pois sem isso de nada

adianta criar leis severas.

O que é preciso é ter sucesso para coletar provas e processar. Um exemplo aqui, minha experiência pessoal: nós conseguimos que um jornal local colocasse fotos dos procurados. Se todos trabalharem juntos, no Brasil, na Inglaterra, em qualquer país, isso é muito fácil de ser atacado. A maioria dos torcedores não quer a violência no estádio ou fora dele. A maioria se comporta bem e considera bem-vinda a punição à violência. E algumas das acusações que temos vêm de torcedores que reportam esses comportamentos para a polícia. (HAWKINS, 2013).

Além desses pontos levantados pelo promotor inglês na entrevista concedida

ao jornal Folha de São Paulo, podemos destacar também algumas outras medidas

adotadas pela Europa, especialmente na Inglaterra, no combate aos hooligans.

Conforme destacou o artigo “Futebol: esporte é saúde e educação ou dinheiro e

violência?”, escrito pelo promotor de Justiça de Defesa dos Direitos Humanos,

CUNHA (2013).

Mesmo na realidade europeia e inglesa viu-se que a resposta somente deu resultados após atuação contínua, sem data para

20

terminar. Os “hooligans”, torcedor ingleses, atormentam o futebol inglês desde a década de 60, com violência corriqueiras no final dos anos 70 e o começo dos 80, durante, após, e até mesmo nas ruas antes dos jogos. No começo dos anos 80 a polícia inglesa infiltrou agentes entre grupos de torcedores mais violentos, para identificar, prender e levar a julgamentos os responsáveis por brigas.Uma outra medida foi exigir dos clubes ingleses que identificassem seus fãs. A polícia passou a ter uma lista dos “hooligans” e manteve vigilância atenta sobre eles. Quem provocava confusões era julgado e tinha de ir a um posto policial nos dias em que seu clube jogava. Em 1992, pouco mais de 2 anos após a implantação do programa, a polícia inglesa já contava com 6.000 nomes de “hooligans”, em seus arquivos. (CUNHA, pg.01).

Porém, é importante ressaltar que apesar das medidas ainda há problemas

de violência na Inglaterra e nos demais países europeus. O fato que mais evidenciou

isso foi a Eurocopa disputada neste ano na França.

Na ocasião, especialistas dispararam críticas contra a polícia francesa, que

não havia se preparado para isso e o que se viu foi um altíssimo número de

ocorrências. Para se ter ideia, em apenas dez dias de competição 557 torcedores

envolvidos em brigas foram presos, segundo levantamento segundo o ministro do

Interior da França, Bernard Cazeneuve, e publicado aqui no Brasil pelo jornal

Estadão, de São Paulo, no dia 20 de junho.

2.3 CONSEQUÊNCIAS DESPORTIVAS E SOCIAIS

Na busca de solucionar esses problemas, as autoridades brasileiras, inclusive

o Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD), adotam medidas que afetam o

esporte e até mesmo a sociedade. Para evitar confrontos entre torcedores, é comum

acompanharmos clássicos com torcida única em boa parte do país. Ou para punir

clubes após episódios de vandalismo no estádio ou nos arredores das arenas

algumas partidas são disputadas a 100 quilômetros de distância. Além disso, houve

a medida mais polêmica de todas, que foi a proibição do consumo e da

comercialização de cervejas dentro dos estádios de futebol.

A decisão de proibir o consumo e o comércio de cervejas nos estádios de

futebol ocorreu em 2008, no estado de Minas Gerais.O intuito da nova lei era claro:

uma nova estratégia para coibir a violência nas arenas e nos eventos esportivos aqui

no Brasil.

21

No dia 27 de julho de 2010, a determinação feita pela Lei 12.299, foi aderida ao

Estatuto do Torcedor, estando presente no inciso II do artigo 13-A.

Art 13- A – São condições de acesso e permanência do torcedor no recinto esportivo, sem prejuízo de outras condições previstas em lei: I – estar em posse de ingresso válido; II – não portar objetos, bebidas ou substâncias proibidas ou suscetíveis de gerar ou possibilitar a prática de atos violentos.

Junto com a nova determinação, os clubes e a Confederação Brasileira de

Futebol (CBF) assinaram um Termo de Ajustamento de Condutas (TAC). Aqui no

estado do Paraná, neste documento,em determinado trecho, há exposto o termo que

aponta que “os eventos esportivos atraem grandes públicos aos estádios, sendo que

a rivalidade entre as torcidas constitui fator natural e sadio de competição, mas que,

devido à ingestão de bebida alcoólica por um grande número de torcedores, o que

poderia ser um embate saudável transforma-se em rivalidade violenta que afronta a

ordem pública, de modo a necessitar maior atenção dos órgãos responsáveis pela

segurança do Estado”.

Cláusula 7ª - As entidades desportivas comprometem-se a impedir a comercialização e o consumo de bebidas alcoólicas, de qualquer natureza, tanto no interior quanto na área externa de seus estádios, antes e durante as partidas, em dias de realização de eventos esportivos decorrentes de competições organizadas ou coordenadas pela Federação Paranaense de Futebol, mesmo como delegatária da Confederação Brasileira de Futebol, visando a diminuição no nível de violência, propiciando assim maior segurança e bem-estar aos torcedores partícipes. § 1º– A proibição prescrita no caput terá por validade o lapso temporal compreendido entre as 02 (duas) horas que antecedem o evento esportivo, encerrando-se 02 (duas) horas após o seu término.§ 2

o -

Para efetivação desta medida, será proibida a entrada do torcedor que porventura esteja consumindo ou trazendo consigo qualquer bebida alcoólica; § 3

o -O

torcedor que for flagrado fazendo uso de bebida no interior do Estádio será, com o apoio da autoridade policial, imediatamente retirado de suas dependências, bem como aquele flagrado trazendo consigo bebida alcoólica, para consumo ou comercialização.

Como era muito comum nos estádios e arenas esportivas terem bares que

comercializavam as bebidas alcoólicas nos estádios, foi necessária a inclusão de

uma determinação para que isso fosse interrompido imediatamente, conforme

destaca a Cláusulas 8ª do Termo de Ajustamento de Condutas:

Cláusula 8ª –As entidades esportivas comprometem-se, na eventualidade de descumprimento da venda de bebidas alcoólicas, a

22

revogar/rescindir as licenças, concessões, contratos ou similares, existentes com os quais mantêm vínculo para exploração de bares (ou congêneres) no interior na área externa de seus estádios sob sua administração.

Já a Cláusula 9ª do TAC prevê casos de vendas clandestinas, sem serem os

fornecedores credenciados pelos estádios e arenas esportivas.

Cláusula 9ª – No caso de eventuais fornecedores flagrados desobedecendo a proibição de venda de bebida alcoólica, mas que não tenham vínculo com a entidade desportiva, se no interior do estádio, serão imediatamente retirados pelas entidades esportivas; e, se na área externa, serão retirados da área de administração das entidades desportivas e proibidos de ali permanecerem, sem prejuízo da provocação dos fiscais da Prefeitura Municipal para dar cumprimento às disposições contidas na legislação municipal vigente quanto ao comércio de bebidas alcoólicas.

No entanto, a medida gera muita polêmica. Conforme já foi ressaltado

anteriormente, por intermédio do levantamento do sociólogo Maurício Murad, o

Brasil foi o recordista mundial de mortes por conta de brigas de torcidas – 23 no ano

de 2014 e 30 em 2013. Dados como esse impulsionaram diversos movimentos para

a liberação da comercialização das cervejas.

Em Curitiba, por exemplo, o vereador PierpaoloPetruzziello levou a discussão

até a Câmara dos Vereadores no ano passado. O projeto de lei 005.00034.2015

proposto pelo vereador defendia o comércio e o consumo das bebidas alcoólicas

com algumas peculiaridades, como por exemplo sendo vedado durante os 90

minutos de jogo.

Art 1º – Ficam a venda e o consumo de bebidas alcoólicas em arenas e estádios esportivos permitidos, exclusivamente: I – em bares e lanchonetes; a) antes do início, durante os períodos de intervalo, e após o término das partidas; b) quando servidas em copos ou garrafas plásticas; e c) com teor alcoólico, no caso de cervejas industrializadas ou artesanais, de até 14%; II – em camarotes e áreas VIP.

Como justificativa para buscar a aprovação do projeto de lei, o autor usou

como exemplo a Copa do Mundo (que teve o comércio e o consumo liberados) e

outros eventos de entretenimento, como shows, feiras e outros eventos públicos.

Além disso, chegou a ser citado que o Estatuto de Defesa do Torcedor não chega a

proibir explicitamente a venda e o consumo de bebidas alcoólicas nos estádios e

23

arenas esportivas, mas sim o porte de garrafas de cervejas, que podem sim gerar

consequências de violência.

Por fim, o projeto afirmava que não buscava apenas a liberação, mas sim

uma regulamentação do comércio e do consumo da cerveja nos recintos esportivos.

Estudos alheios ao projeto, publicados na Inglaterra, no ano de 2011, por

Geoff Pearson e Ariana Salle, e trazido ao Brasil pelo doutor e mestre em Direito

Desportivo e diretor do Instituto Brasileiro de Direito Desportivo, Gustavo Lopes Pires

de Souza, e pelo delegado Anderson Resende Kopke, da Polícia Civil de Minas

Gerais, no artigo “Bebidas Alcoólicas nos Estádios de Futebol”, apontam problemas

causados pela proibição (SOUZA e KOPKE, 2015)

1) Os torcedores aumentam a quantidade ingerida de bebida antes

de entrar no estádio e passam a ingerir bebidas mais fortes;

2) Entram no estádio em cima da hora do jogo, dificultando o

esquema de segurança e gerando tumulto;

3) Os torcedores se concentram nos bares arredores, aumentando a

chance de encontro entre torcedores rivais, em espaços sem

esquemas de segurança.

5) Concentra a entrada do público em cima da hora do jogo,

gerando: Aumento de filas; Aumento de catracas utilizadas;

Aumento de custos; Aumento de tumulto e violência no acesso ao

Estádio;

6) Estádio perde receita (restaurantes, lojas, eventos antes do

jogo…);

7) Torcedor consome ainda mais bebida, com maior velocidade,

inclusive bebidas quentes, sabendo que a bebida é proibida dentro

do estádio;

8) Pessoas circulando na rua, dificultando o tráfego e o acesso ao

estádio (SOUZA e KOPKE, pg. 10).

A proposta do vereador PierpaoloPetruzziellopassou no primeiro turno, mas

acabou rejeitada no segundo turno. Alguns dos pontos determinantes para a

reviravoltaforam os posicionamentos da Polícia Militar e do Ministério Público do

Paraná, que asseguravam que os números de registros de ocorrências caíram

desde que a proibição entrou em vigor, conforme assegurou o major da Polícia

Militar do Paraná, Alex ErnoBreunig, em discurso realizado na Câmara dos

Vereadores, que foi publicado pelo jornal Gazeta do Povo no dia 26 de agosto de

2015. “Desde a proibição houve redução de 51% dos crimes relacionados à bebida

alcoólica nos estádios. É estatisticamente comprovado”, declarou.

24

Os números divulgados pelo major, embora seja uma consideração restrita a

cidade de Curitiba e Região Metropolitana, colidem com o levantamento do

sociólogo Maurício Murad, citado nas páginas 17 e18 deste trabalho

2.3.1 Lei Geral da Copa do Mundo 2014

Conforme citado no projeto de lei proposto por Petruzziello, está como

exemplo a Copa do Mundo de 2014, que ocorreu no Brasil e teve a liberação do

consumo e do comércio de bebidas alcoólicas. Foi uma lei específica (12.663/2012)

e que atendeu também outros megaeventos, como a Copa das Confederações de

2013 e a Jornada Mundial da Juventude, que ocorreu em 2013.

Porém, algumas ressalvas precisam ser feitas a respeito disso.

Primeiramente, em entrevista já mencionada ao Jornal O Globo, o sociólogo

Maurício Murad defende a tese de que o número de mortes provocadas pelo futebol

em 2014 foi de 23 por conta da Copa do Mundo, que paralisou o Campeonato

Brasileiro por 45 dias. Se não fosse isso a estatística seria ainda maior, embora o

Brasil já tenha liderado esse ranking mundial.

Para Murad, além da interrupção dos jogos dos clubes brasileiros, o público

que acompanhou a Copa do Mundo tinha outro perfil, por isso a queda de

ocorrências. Mas vale destacar também que a liberação do consumo e comércio de

bebidas alcoólicas não foi a única alteração que a lei específica trouxe em relação

ao Estatuto do Torcedor, conforme é destacado por MOTTER (2016).

A primeira alteração é a responsabilização civil de atos decorrentes de incidentes ou falhas de segurança, nestes casos a União deverá responder civilmente perante a FIFA, entidade que organiza o evento. Esse dispositivo contraria o estabelecido no estatuto do torcedor, visto que, preliminarmente, a União não é responsável civilmente por nenhuma falha de segurança que ocorra nos eventos futebolísticos no país, tendo em vista que a segurança é de dever dos clubes, os quais, juntamente com a entidade organizadora e os dirigentes, são os responsáveis caso ocorram falhas. Assim, a influência de um agente externo fez que a lei fosse alterada de forma a atender aos interesses deste agente externo, indo na contramão do que a agenda pública anteriormente ditava. Outra alteração foram nas condições para o torcedor permanecer no estádio, a lei exclui a restrição à bebidas que possam incitar a violência, notadamente, conforme foi amplamente divulgado pela mídia, a questão envolveu os patrocinadores do evento que exigiam a liberação da venda de bebidas alcoólicas para poderem ter

25

garantido seu lucro decorrente do valor investido no patrocínio.(MOTTER, pg.25).

Ou seja: foram adotadas mudanças radicais nas políticas públicas de controle

da violência nos estádios, conforme destaca MOTTER.

Estas alterações podem ser explicadas pela análise do marxismo feita por Hil e Ham ao analisarem as políticas públicas, conforme demonstra a teoria marxista instrumentalista, a funcionalidade do Estado é propiciar a acumulação de capitais, assim, fazendo com que este ceda a interesses particulares para que obtenha lucro com determinadas ações ou omissões. No presente caso, a ação de permitir uma responsabilização do Estado por um serviço que deveria ser contratado pelo agente particular, no caso a FIFA, demonstra como este cedeu aos interesses do capital privado, desfavorecendo ao proletariado. (MOTTER, pg. 26).

2.3.2 Punições aos Clubes Como já foi destacado, pelo Estatuto do Torcedor, lei que rege o esporte no

Brasil, o clube mandante é o responsável por questões de segurança no estádio e

nos arredores. Isso implica dizer que as entidades que sedem o jogo são passíveis

de punições pelo Superior Tribunal de Justiça Desportiva (STJD).

Essas sanções são previstas no Código Brasileiro de Justiça Desportiva

(CBJD) no artigo 213, que tem a seguinte redação:

Art. 213. Deixar de tomar providências capazes de prevenir e reprimir: (Redação dada pela Resolução CNE nº 29 de 2009). I - desordens em sua praça de desporto; II - invasão do campo ou local da disputa do evento desportivo; III - lançamento de objetos no campo ou local da disputa do evento desportivo. PENA: multa, de R$ 100,00 (cem reais) a R$ 100.000,00 (cem mil reais). § 1º Quando a desordem, invasão ou lançamento de objeto for de elevada gravidade ou causar prejuízo ao andamento do evento desportivo, a entidade de prática poderá ser punida com a perda do mando de campo de uma a dez partidas, provas ou equivalentes, quando participante da competição oficial.

Quando ocorre a punição da perda do mando de campo, há algumas

possibilidades: o time pode jogar em uma outra cidade, a cem quilômetros de

distância da cidade sede da entidade, o que significa em muitos casos um jogo com

poucas receitas na bilheteria, conforme está previsto no artigo 60 do Regulamento

Geral de Competições da CBF.

26

Art. 60 – Se um clube for punido com perda de mando de

campo, conforme previsto na Lei nº 9.615/98 e no artigo

213 do CBJD, caberá exclusivamente à DCO determinar

o local no qual a partida deverá ser disputada.

§ 1º – A cidade do estádio substituto deverá estar situada

à distância superior a 100 km da cidade sede do clube e

de onde ocorreu o incidente que gerou a punição, caso

não seja a mesma cidade, observados os padrões

rodoviários oficiais do IBGE.

§ 2º – A critério da DCO o estádio substituto poderá

situar-se em outro estado, desde que a federação local

que estiver recebendo a partida esteja de acordo.

§ 3º – A DCO somente executará a pena de perda de

mando de campo na partida que venha a ocorrer após

decorridos dez (10) dias do recebimento de comunicação

da Justiça Desportiva que a impuser, tendo em vista os

prazos exigíveis para as ações logísticas relacionadas

com a mudança do local da partida, inclusive emissão e

venda de ingressos, considerando os prazos estabelecidos

pela Lei nº 10.671/03 , e, ainda, a necessidade de

reservas de voos e hospedagem das delegações dos

clubes envolvidos.

§ 4º – A DCO deverá comunicar formalmente o novo

local da partida resultante do cumprimento da pena da

perda do mando de campo, no prazo de três (3) dias

decorridos do recebimento de comunicação do

julgamento.

§ 5º – O cumprimento de pena de perda de mando de

campo, nos casos de mais de um (1) jogo, dar-se-á de

forma necessariamente sequenciada na mesma

competição sem quaisquer descontinuidades na tabela de

jogos.

§ 6º – A pena de perda de mando de campo deverá ser

cumprida independentemente da possível emissão e

venda de ingressos para as partidas.

Uma outra possibilidade é do jogo ocorrer no próprio estádio em que houve o

incidente, mas com a proibição da presença do público, conforme está previsto no

artigo 64 do Regulamento Geral da CBF.

Art. 64 – Nos casos de violência e distúrbios graves, com

fundamento no artigo 175, § 2º do CBJD, e artigos 7º e

12 do Código Disciplinar da FIFA, as partidas

correspondentes à pena de perda de mando de campo

poderão ser realizadas, por determinação do STJD, no

27

mesmo estádio em que o clube manda seus jogos com

portões fechados ao público, vedada a venda de

ingressos.

Além disso, há outra medida sendo tomada pelas autoridades: jogos com

apenas uma torcida presente. A Secretaria de Segurança Público do Estado de São

Paulo determinou em abril de 2016 que os clássicos não terão torcedores dos times

visitantes.

Outras duas estratégias foram adotadas: proibir que os clubes repassem

ingressos para as torcidas organizadas, forçando assim os integrantes desses

grupos a comprar por meio online mediante cadastro com CPF, e impedir os

integrantes desses grupos de entrarem nos estádios com qualquer adereço que faça

alusão ao nome das torcidas organizadas.

No entanto, todas essas medidas são alvos de muitas críticas. Mais uma vez

recorremos ao doutor em sociologia do esporte, Maurício Murad, que em duas

oportunidades foi contrário a essas decisões tomadas. Primeiramente, em entrevista

concedida ao site BBC Brasil, ele afirmou põe em xeque a eficácia dessas medidas.

“O problema é que eles têm atacado pelo secundário, não pelo principal. Fazer

torcida única não vai resolver. Precisa atacar o problema. Precisa ter um plano

estratégico nacional para resolver isso, que reúna todas as entidades envolvidas”,

apontou.

Já em um artigo publicado pelo jornal Folha de São Paulo, no dia 09 de julho

de 2016, Murad foi mais enfático nas críticas e passou alguns dados relevantes para

embasar a opinião e apontou a impunidade como o grande vilão disso tudo.

Querem acabar com o carrapato matando o gado. Esse disparate descreve bem a situação das torcidas de futebol no Brasil.Os carrapatos, no contexto futebolístico em questão, são os violentos infiltrados nas organizadas, em torno de 5% de seus componentes. Os gados são a própria torcida. Cerca de 2 milhões de brasileiros (85% homens, 15% mulheres) estão agrupados nas quase 700 torcidas organizadas do país, sendo 435 as mais atuantes e 107 as filiadas à Anatorg, associação nacional da categoria.Entre 2014 e 2015, 15% das torcidas foram reincidentes em vandalismo e violência, enquanto só 3% dos delitos foram julgados e punidos até o fim. A impunidade afronta um patrimônio da nossa cultura coletiva, identidade de largo alcance. Nossa Constituição é clara: esporte é direito da cidadania, e segurança é dever do Estado. (MURAD, 2016).

28

A respeito da medida de torcida única, Murad apontou que são poucas as

brigas que ocorrem dentro do estádio e que essa decisão pouco – ou nada –

resolverá essa questão.

Torcida única não resolve, pois hoje 90% dos conflitos e mortes resultantes da rivalidade entre grupos de torcedores acontecem longe dos estádios, em dias e horas bem diferentes dos das partidas. Proibidos de entrar nos estádios, os grupos violentos descontentes se espalham, vandalizam as cidades e ainda atacam os adversários após a partida. Isso aconteceu de fato em Belo Horizonte, em Buenos Aires e na Itália, quando a torcida única foi experimentada. Na última quarta (6), após derrota por 2 a 0 para o Atlético Nacional (Colômbia), pela Libertadores, a torcida do São Paulo entrou em confronto com a Polícia Militar no entorno do Morumbi. Ao menos 19 pessoas ficaram feridas. Embora não fosse uma partida de torcida única, foi mais um exemplo de que não basta excluir um grupo para coibir a violência. A medida, involuntariamente, empurra ainda mais essas facções criminosas para a clandestinidade, tornando bem mais difícil a missão das autoridades de acompanhar e fiscalizar. O problema é complexo e exige enfrentamento complexo. Precisamos de um plano nacional de segurança para o futebol, permanente, renovável, em bases científicas, e não de iniciativas pontuais, mediáticas e milagrosas. Um conjunto de medidas integradas e simultâneas, de curto, médio e longo prazos, de punição, prevenção e de reeducação. Não é favor; é obrigação constitucional. (MURAD, 2016).

29

3 CONCLUSÃO

Conforme destacado nesta pesquisa, os números dos casos de violência

provocados pelo esporte, especialmente o futebol, são preocupantes no Brasil. Em

pesquisas recentes, o país liderava o ranking de mortes oriundos por brigas e

confusões de membros de torcidas organizadas, segundo o sociólogo e especialista

no assunto, Maurício Murad.

Esse número é um reflexo de um dossiê feito pela revista eletrônica Lance!,

que no ano de 2012 apresentou que das 155 mortes que tiveram algum

envolvimento com brigas por conta do futebol, apenas 27 resultaram em prisões. Ou

seja, apenas 17,4% dos casos. Estes dados ilustram a sensação de impunidade que

há nos envolvidos nestes atos de vandalismo.

Assim, fica claro que este nem de longe é apenas um problema que preocupe

somente o desporto, mas sim o Estado, já que é um dos temas referentes a

Segurança Pública.

Em busca de alternativas para diminuir as ocorrências e frear os envolvidos

nestes atos, as autoridades brasileiras adotaram algumas medidas. A principal delas

foi a proibição do consumo e do comércio de bebidas alcoólicas nos estádios de

futebol.

Embora a Polícia Militar do Estado do Paraná alegue que os números de

incidentes caíram, é notório que o caso está longe de ser resolvido. Já que em

Curitiba ocorreu um dos casos mais famosos do Brasil, com a invasão de centenas

de torcedores no gramado do Estádio Major Antônio Couto Pereira quando o

Coritiba foi rebaixado, no ano de 2009, com esta lei, que impede o comércio e o

consumo de cervejas nos estádios, já em vigor.

Além do que, esses números alegados pela Polícia Militar, embora seja

apenas em Curitiba, colida com o levantamento de Murad. Devido a isso, presume-

se que tenham diminuído os casos pequenas ocorrências, mas não as confusões de

grandes proporções, que resultam em mortes.

Outras medidas adotas pelas autoridades são passíveis de críticas, por serem

ineficientes. Primeiramente, não está ocorrendo um levantamento para ver quem

está cumprindo ou não a pena, já que muitos dos torcedores que estariam proibidos

de frequentarem os estádios continuam acompanhando as partidas normalmente.

Além disso, proibições de torcidas organizadas e dos materiais dela também geram

30

um efeito ineficaz, já que não atinge os envolvidos.

Dentro do âmbito desportivo, também há medidas que pouco – ou nada –

resolvem. São os casos de jogos em outras cidades ou com os portões fechados.

São medidas ineficazes, já que há históricos de brigas em partidas realizadas assim

(neste trabalho foi citado o jogo entre Atlético-PR e Vasco da Gama, em Joinville,

em que houve um confronto envolvendo centenas de torcedores nas arquibancadas

da Arena Joinville).

O caminho é apostar na identificação dos infratores e aplicando as devidas

punições, com a comunicação de todas as partes para que as penas sejam

cumpridas. Para isso, precisa haver um trabalho envolvendo os clubes, as torcidas

organizadas, a Polícia e o sistema judiciário.

As entidades desportivas, por exemplo, deveriam ter todos os dados de cada

pessoa que adentre ao estádio em todas as partidas; as torcidas deveriam ser

proibidas de comercializarem qualquer produto vinculado a ela para uma pessoa que

não seja associada da organização; a polícia deve agir, apreender e denunciar os

envolvidos, que podem responder por crimes de rixa esportiva (caso não seja

possível apontar qual foi o papel do cidadão na briga), lesão corporal, tentativa de

homicídio ou homicídio; condenadas, é preciso que haja uma fiscalização severa

para que as penas sejam cumpridas.

Foi desta forma que a Inglaterra conseguiu diminuir consideravelmente o

número dos Hooligans, que são temas até de filmes a respeito da forma como

atuavam. Para combatê-los, os europeus investiram forte na identificação, punição e

fiscalização.

31

REFERÊNCIAS

BREUNIG, Alex Erno. PM faz ameaça a vereadores em caso de liberação da cerveja nos estádios. Disponível em: http://www.gazetadopovo.com.br/esportes/futebol/pmfaz-ameaca-a-vereadores-em-caso-de-liberacao-da-cerveja-nos-estadios-dov0l6iw1p3sx8xutj6tu3uij. Acesso em19 de agosto de 2016. CARLEZZO, Eduardo. Violência x Estatuto do Torcedor: a lei tem que ganhar esta briga! Disponível em: http://blogdojuca.uol.com.br/2013/09/violencia-x-estatuto-do-torcedor-a-lei-tem-que-ganhar-esta-briga/. Acesso em 20 de julho de 2016. CÓDIGO BRASILEIRO DE JUSTIÇA DESPORTIVA. CUNHA, Renoir da Silva. Futebol: esporte é saúde e educação ou dinheiro e sangue? Disponível em: www.mprs.mp.br/areas/imprensa/anexos_noticias/artigotorcidasorganizadas.doc. Acesso em: 05 de setembro de 2016. ESTATUTO DE DEFESA DO TORCEDOR, Lei 10.671/2003.

FILHO, Álvaro Melo. Nova Lei Pelé – Avanços e Imactos. 1.ed.rev., atual.eampl., Rio

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