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UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ Guylber Antônio Rodrigues DIREITO & LITERATURA CURITIBA 2011

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UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ Guylber Antônio Rodrigues

DIREITO & LITERATURA

CURITIBA

2011

DIREITO & LITERATURA

CURITIBA

2011

Guylber Antônio Rodrigues

DIREITO & LITERATURA

Monografia apresentada ao Curso de Direito da Faculdade de Ciências Jurídicas da Universidade Tuiuti do Paraná, como requisito parcial para obtenção do grau de bacharel em direito. ________________________________________. Orientador: Prof. André Peixoto de Souza.

CURITIBA

2011

TERMO DE APROVAÇÃO

Guylber Antônio Rodrigues

DIREITO & LITERATURA

Esta monografia foi julgada e aprovada para obtenção do grau de Bacharel em Direito no Curso de Ciências Jurídicas da Universidade Tuiuti do Paraná.

Curitiba, ______ de ___________________ de 2011.

_______________________________________________

Curso de Direito

Universidade Tuiuti do Paraná

Orientador: Prof. André Peixoto de Souza

Universidade Tuiuti do Paraná

Departamento

Prof.

Universidade Tuiuti do Paraná

Departamento

Prof.

Universidade Tuiuti do Paraná

Departamento

DEDICATÓRIA

Dedico este trabalho de conclusão da graduação aos meus pais, irmãs, familiares, esposa e amigos

que de muitas formas me incentivaram e ajudaram para que fosse possível a concretização deste.

AGRADECIMENTOS

Agradeço a Deus, pois sem ele eu não teria forças para concluir essa longa jornada,

agradeço a meus professores e aos meus colegas que me ajudaram na conclusão da monografia.

Agradeço ao mundo por mudar as coisas, por nunca fazê-las serem da mesma forma, pois a

normalidade nos impede de avançar. Agradeço as dificuldades que enfrentei, pois se não fosse por

elas eu não teria saído do lugar.

Agradeço minha família, especialmente aos meus pais, por acreditar incondicionalmente na

minha capacidade, para concluir mais esse ciclo da minha vida, fazendo todo o possível para que eu

não desistisse nunca.

Agradeço a minha esposa, por ser uma pessoa especial na minha vida que me ensinou,

dentre outras coisas, que por mais que o caminho esteja difícil e doloroso, devo prosseguir, pois lá na

frente quando esse caminho já estiver no fim, olharei para trás e me sentirei vitorioso, obrigado por

sempre estar ao meu lado me dando forças, por compreender a importância dessa conquista e aceitar

a minha ausência quando necessário.Eu te amo!

Matar o sonho é matarmo-nos. É mutilar a nossa alma. O sonho é o que temos de realmente nosso, de impenetravelmente e inexpugnavelmente nosso.

Fernando Pessoa

RESUMO

Vivenciamos as relações entre Direito e Literatura como uma proposta interdisciplinar com crescentes estudos sobre a evolução da linguagem jurídica. Enquanto este movimento, que ainda é pouco conhecido no nosso país, cresce vertiginosamente, estamos aprimorando e descobrindo pontos de intersecções, entre as duas temáticas, com o objetivo de repensar o fenômeno jurídico. Palavras-chave: Direito, Literatura, Linguagem, Hermenêutica.

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ........................................................................................... 08

2 REFERENCIAL HISTÓRICO ..................................................................... 10

3 O DIREITO NA LITERATURA ................................................................... 15

4 A LITERATURA NO DIREITO ................................................................... 20

5 A LITERATURA PARA O DIREITO .......................................................... 24

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS ....................................................................... 31

7 BIBLIOGRAFIA ......................................................................................... 34

1. Introdução

Este trabalho visa demonstrar a teoria de que o Direito e a Literatura possuem

diversas facetas com interpretações múltiplas e concomitantemente com conexões

em pontos que vão desde as suas formas até os seus enfoques dogmáticos e

epistemológicos.

Estudos sobre direito e literatura multiplicam-se no Brasil não obstante o fato

de que a forte tradição positivista, analítica e tecnicista tenha sistematicamente

abominado o vínculo de núcleos pretensamente jurídicos com demais campos

epistêmicos.

A literatura, assim como em diversas áreas, teve a sua cota de influência na

formação do Direito Moderno como o conhecemos atualmente, porém essa

congruência já vem de tempos pretéritos.

A delimitação do vasto conteúdo será baseada em três quesitos

articuladores: O direito na literatura, que visa analisar e teorizar as concepções de

justiça, de direito e de estado contidas nas obras literárias, o direito como literatura,

que pretende apresentar um modelo interpretativo do direito empregando para isso

conceitos da teoria da literatura, e a literatura para o direito, que tem por objetivo

verificar a contribuição da literatura para o aprimoramento do ensino jurídico.

Portanto, a proposta deste trabalho consiste em traçar as linhas de raciocínio

acerca do tema, demonstrando que a possibilidade da conexão entre direito e

literatura forma uma base concreta para aprimoramento da resolução das questões

cotidianas, atingindo os liames necessários e tendo um aprofundamento dos valores

sociais para chegar a uma superação da percepção do direito.

A reciprocidade entre direito e literatura permite ao direito assimilar as

características da literatura, em especial a criatividade, a crítica e a inovação,

permitindo um renovado olhar sobre as certezas e convencionalismos próprios do

fenômeno jurídico, ampliando o espaço da crítica ou nos dizeres, permitindo aos

juristas enfrentarem questões éticas e morais, cujas respostas não se encontram

nos manuais e muito menos nos códigos.

A tentativa de aproximação entre o direito e outras áreas do conhecimento é

ensejada pelo movimento antipositivista que de maneira geral pretende reconstruir o

papel do estudo jurídico para além das categorias estritamente dogmáticas e

tecnicistas.

2. Referencial Histórico

O estudo interdisciplinar intitulado Law and Literature teve sua origem nos

Estados Unidos e hoje configura uma área de pesquisa consolidada e fecunda na

doutrina anglo-americana.

O ensaio “A List Of Legal Novels”, de John Henry Wigmore publicado em

1908, é apontada como o marco inaugural do movimento. Há, no referido ensaio, a

sugestão de leituras de obras literárias com fundo jurídico como instrumento para

aprender o direito, prevalecendo uma função pedagógica do estudo comparativo

entre o direito e a literatura. Benjamin Nathan Cardozo, ao seu turno, publicou em

1925 o ensaio Law and Literature firmando em tese de que o direito é construído

literariamente.

A proximidade entre literatura e direito revelou-se na antiguidade

principalmente no ocidente, a distinção entre direito e literatura não existia, pois o

mesmo homem das leis era também o das letras. Três motivos principais fizeram

com que houvesse a separação entre o direito e a literatura; são eles: a

racionalização do direito, a burocratização superlativa do judiciário e a busca de

objetividade por meio dos formalismos.

Ao direito reservou-se o entorno técnico, rígido, fático. À literatura outorgou-se

a aura estética, mirabolante, ficcional. E, contudo, as nossas expectativas quanto ao

Direito e quanto à Literatura são diversas: pedimos a um ordem, decisão, medida; à

outra beleza, sonho, transgressão, ou pelo menos ludismo, em muitos casos.

Segundo Umberto Eco:

A leitura de obras literárias nos obriga a um exercício de fidelidade e de respeito na liberdade da interpretação. Há uma perigosa heresia crítica, típica de nossos dias, para a qual de uma obra literária pode-se fazer o que se queira, nelas lendo aquilo que nossos mais incontroláveis impulsos nos sugerirem. Não é verdade. As obras literárias nos convidam à liberdade da interpretação, pois propõem um discurso com muitos planos de leitura e nos

colocam diante das ambigüidades e da linguagem e da vida. (ECO, Sobre a Literatura, p. 12)

Segundo Godoy1, o movimento Law and Literature ganhou novo impulso a

partir da publicação de The Legal Imagination, obra em que James Boyd White

discute o Direito com base em algumas peças literárias de autores como Henry

Adams, Ésquilo, Jane Austen, William Blake, Geofrey Chaucer, D.H. Lawrence,

George Orwell, Alexander Pope, Proust, Shakespeare, Shaw, Shelley, Thoreau,

Tolstoy e Mark Twain.

O movimento surgiu com o foco em dois grandes desenvolvimentos na

história intelectual do direito. Primeiramente a crescente dúvida se o direito isolado é

uma fonte de valores e significados, ou se deve ser conectado a um contexto sócio-

cultural para dar-lhe o valor e significado, e em segundo sobre a crescente

mutabilidade do sentido em todos os textos, seja literário ou legal. Aqueles que

trabalham no campo se deparam com perspectivas complementares a lei em

literatura (entendimento sobre questões exploradas em grandes textos literários) e o

direito como literatura (compreensão de textos legais, por referência aos métodos de

interpretação literária, análise, e crítica).

O movimento começou atrair maior atenção nos anos 1970 e na década de

1980 ganhou terreno substancial nos Estados Unidos. Os defensores da teoria da lei

na literatura, tais como Richard Weisberg e Robert Weisberg, acreditam que as

obras literárias, especialmente narrativas centradas em um conflito legal, vai

oferecer a advogados e juízes insight para a "natureza da lei" que de outra forma

vão faltar no estudo tradicionalmente rigoroso de retórica legal.

1 GODOY, Arnaldo Sampaio de Moraes. Direito e Literatura: Ensaio de Síntese Teórica. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2008. p. 17

Em seus estágios iniciais, o movimento da lei e da literatura mantiveram-se

estritamente à lei na teoria da literatura, no entanto, no final de 1970 a lei vista com a

perspectiva da literatura começou a ganhar popularidade. Esta perspectiva visa

melhorar estudos jurídicos, examinando e interpretando textos legais, usando as

técnicas de críticos literários.

Os primeiros a vislumbrarem esse movimento foram John Henry Wigmore e

Benjamim Nathan Cardozo. Parafraseando Godoy2, estes foram os pioneiros na

exploração da problemática entre direito na literatura, direito como literatura e da

literatura como possibilidade de expressão do direito.

John Wigmore estudioso do direito norte-americano ficou amplamente

conhecido por ser especialista em assuntos relativos às provas judiciais. Neste

campo, Wigmore desenvolveu método próprio que consistia em pormenorizado

roteiro analítico, que a literatura especializada nominou de Wigmore Chart. Wigmore

nasceu no estado de Califórnia, em 1863, e faleceu em 1943. Lecionou direito no

Japão e publicou textos sobre direito comparado. Lecionou também na faculdade

Northwestern Law School, a qual também dirigiu, ao todo foram cinqüenta anos

lecionando direito de 1892 a 1943, lutou incansavelmente para viver o ensino do

direito.

Além de lecionar direito, Wigmore escrevia textos críticos utilizando-se para

isso livros como a própria bíblia, onde na época, ele atacava a atitude de Pilatos que

negligenciou a sua função, delegando a multidão uma função que era dele, e

indelegável. A crítica tinha como destinatário os juízes que se curvavam a massa

para que a mesma julgasse fatos e direitos, o que para ele era um ato relapso, e que

não traria nenhum progresso judicial. Wigmore insistia que o direito é complexo e

2 Godoy, op cit. p. 27 e 59

que a função judicante é complicada o que por sua vez não deve ser deixada a

mercê do clamor público.

Benjamin Nathan Cardozo nasceu em 1870 e faleceu em 1938. De

ascendência judaico-sefardita, foi jurista norte-americano que já na década de 1920,

discutia a natureza do discurso jurídico, inclusive esboçando tentativa de taxonomia.

Cardozo foi juiz em Nova Iorque e posteriormente ocupou uma vaga na Suprema

Corte em Washington. Estudou direito em Columbia e depois estagiou no escritório

do seu pai. O pai foi juiz em Nova Iorque, e ao que parece fora afastado por suspeita

de corrupção.

Cardozo adaptava os comandos normativos aos deslindes da vida, tendo

como característica um realismo profundo na sua visão sobre os acontecimentos

sociais. Seu voto no caso MacPherson v. The Buick Co. (217 N.Y., 382, III N.E.

1050), ainda em 1916, quando era juiz em Nova Iorque, é paradigmático em termos

de responsabilidade civil. Cardozo percebia o Direito como servo das necessidades

humanas e não dos desejos de mandarins e poderosos. Sua decisão foi redigida em

impressionante estilo narrativo e tato retórico.

Cardozo foi um dos mais importantes juízes ao longo da administração

Franklin Delano Roosevelt, que na década de 1930 tentou aprovar a legislação que

implementou o programa anti-recessivo, o New Deal, fortemente inspirado no

intervencionismo de John Maynard Keynes. Cardozo materializou o realismo

jurídico, em momento de fortíssima interferência judicial na vida nacional, votando

por uma abordagem mais liberal na aplicação do direito vigente nos Estados Unidos.

A afinidade de Cardozo com o programa de Roosevelt, com os objetivos

sociais que oxigenavam as medidas tomadas, bem como a convicção de que os

tempos estavam mudando e de que a constituição necessitava de um modelo

interpretativo mais flexível, marcaram suas opções jurisprudenciais.

As mudanças de perspectivas e o avanço das pesquisas tornaram ainda mais

consolidados os estudos do movimento direito e literatura. Há, portanto, o

surgimento de novos departamentos universitários e a firmação de uma série de

instituições que se voltaram especificamente para esta temática, tentando aliar, cada

uma a seu modo e dentro de sua perspectiva, o Direito à Literatura ou a Literatura

ao Direito.

3. DIREITO NA LITERATURA

O direito na literatura trata sobre as formas de como o direito é abordado na

literatura, suas formas de tratamento, o mundo simbólico, a ordem, o caos, o

artificialismo, ou o substancialismo, do direito natural.

Nesse sentido a investigação do direito nos textos literários fazem com que

possamos identificar discursos moralistas, circunstâncias de referências éticas, o

efeito retórico, pedagógico, que seduz, simula cultura que impressiona, e que

comprova a trajetória humanista. Tenta-se encontrar o jurídico no literário, explícita e

subliminarmente.

Segundo Wigmore3, citado por Godoy, a literatura permite desfiles de

espécies sociais, textos literários descrevem soldados, operários, mercadores,

marinheiros, poetas, mendigos, clérigos, com a mesma propriedade, afinal de

contas, os problemas que preocupam os juristas são questões de caráter humano,

as mesmas quais, enfrentadas pela literatura de ficção.

Wigmore inquietava-se na sua busca de precisar onde escritores

encontravam material jurídico para os enredos que desenvolviam. E nessa pesquisa

constatou que muitos escritores eram juristas ou tinham vivenciado experiências

pessoais desagradáveis e marcantes do ponto de vista jurídico.

Conforme cita Godoy4 podemos tomar como referencial na literatura

brasileira, as Memórias do Cárcere, de Graciliano Ramos, como indicativo de

experiência pessoal amarga, como experiência jurista podemos citar Monteiro

Lobato, que era formado em direito e foi promotor por alguns anos no interior do

estado de São Paulo, o qual denunciou em sua literatura para adultos,

3 Godoy, op. cit. p. 32 4 Idem

especialmente a revelada nos contos que escreveu, um profundo mal estar para

com a prática judiciária.

E entre os que estudaram direito entre nós, brasileiros, Jorge Amado, Cláudio

Manoel da Costa, Tomás Antonio Gonzaga, Gonçalves Dias, Álvares Azevedo,

Castro Alves, José de Alencar, Raul Pompéia, Raimundo Correia, Alphonsus de

Guimaraens, Augusto dos Anjos, Graça Aranha, Godofredo Rangel, Oswald de

Andrade, Alcântara Machado, José Lins do Rego, Clarice Lispector, Lygia Fagundes

Telles. Embora, bem entendido, a formação jurídica não signifique vocação para o

direito. É da história da educação brasileira o bacharelismo, e a busca da faculdade

de direito como porta de entrada para as humanidades e para a política, esta última

no sentido pragmático, aquela primeira como adorno protuberante.

Wigmore percebeu função pedagógica e instrumental na literatura, centrando-

a como auxiliar do direito, vital para uma formação adequada. É, nesse sentido, um

pai fundador do direito e literatura.

Podemos destacar que a identificação de um romance jurídico pode ser visto

de diversas formas. É possível efetuar a conexão pelo simples fato de que no

enredo da obra possuam cenas de julgamentos ou corpo jurídico descritos na trama,

ou possui a narrativa de uma saga de juristas muito bem engendradas descrevendo

atividades profissionais de advogados, juízes ou promotores, ou então, romances

nos quais o enredo marca alguma atividade jurídica, que interfere diretamente nos

direitos e condutas da sociedade, e como conseqüência obriga o interlocutor ao

raciocínio e a absorção dos conceitos morais e éticos, pela identificação com os

personagens

Uma vasta lista de literários norte-americanos engordam as prateleiras das

livrarias cultuando o ambiente dos julgamentos, faz parte da sua cultura. Podemos

citar três autores que tem um grande destaque na literatura jurídica, John Grisham,

Scott Turrow e Sidney Sheldon, todos costumam produzir romances baseados em

apelos comerciais recorrentes da apropriação de temas de direito.

Já no Brasil podemos citar Lima Barreto, Jorge Amado, Manuel Antônio de

Almeida, Franklyn Távora, mas diferentemente dos norte-americanos que

enquadram temas mais específicas de atos processuais, no Brasil cultuamos muito

mais as condutas dos personagens e os seus direitos, ou a falta deles. A literatura

brasileira pode ser encarada de uma forma muito mais como uma denúncia ao

elitismo e ao bacharelismo, baseada em uma supervalorização institucional

teorizada, que nunca foi posta na prática.

Esta supervalorização pode ser vista em obras de todas as épocas, desde os

primeiros textos filosóficos como obras de Cícero, Platão, até “thrillers jurídicos”

atuais.

No mesmo sentido, Arnaldo Sampaio de Moraes Godoy observa:

O estudo do direito na literatura mostra-se marcado por formulações pragmáticas. Justifica-se por percepções que dão conta de que o profissional do direito colheria, na literatura manancial de exemplos, indicações de efeito retórico, tinturas de cultura, demãos de generalidade sistêmica. O jurista conhecedor da literatura seria íntimo com os problemas da alma humana; na linha da advertência de Terêncio, para quem tudo fosse humano não lhe seria estranho. É o caso do advogado do júri, prenhe de exemplos tomados da literatura, que busca efeito retórico, pedagógico, e que simula cultura que impressiona, que seduz, e que comprova trajetória humanista; mas nem sempre humanizante. A prática infelizmente nos indica o abuso, o histriônico, o risível, e a própria literatura nacional flagra essas instâncias, de modo mordaz. (GODOY, Direito e Literatura, p. 10)

Em palavras de François Ost “entre o ‘tudo é possível’ da ficção literária e o

‘não deves’ do imperativo jurídico, há, pelo menos, tanto interação quanto

confronto”. Compreendendo a inspiração comum em ambos é possível ensejar

importantes diálogos.

Para Ost é possível extrair três conclusões para o estudo do direito na literatura; (a) reduz o abismo aberto pelo pensamento analítico, desde Hume, entre os mundos do ser e do dever ser--ou melhor, entre fato e direito--, tendo em vista que o ser sempre aparece já interpretado; (b) a experiência do contar constitui, precisamente, a mediação entre o descrever e o prescrever; (c) a literatura deixa de ser considerada uma ornamentação, gratuita e exterior, passando a ser entendida como “o modo mais significativo de assumir essa estrutura pré-narrativa da experiência comum e suas avaliações implícitas. (OST, Contar a lei, p. 36-37).

Tantos outros pontos de contato podem ser pertinentemente levantados, tal

como a dimensão histórica, os registros culturais e temporais, visualizados na

literatura entre os quais se inscreve a representação do sistema jurídico. Como fonte

de pesquisa histórica a literatura há tempos vem sendo utilizada, para delimitar

parâmetros sociais e contextuais.

As obras literárias partem de um contexto problematizante, ficcional ou

imaginário. Um elemento privilegiado para a compreensão da realidade, pois sem

imaginação é impossível compreender os fatos. Portanto a literatura pode assumir

assim um importante papel na tentativa de examinar os condicionamentos, os

diferentes usos da linguagem e a vocação problematizadora do direito, onde pode se

utilizar a literatura como instrumento e fator para a reforma do direito. Temos então

que os valores e categorias tradicionais do direito necessitam de uma análise textual

mais profunda, e como ferramenta essencial a literatura popular poderia influenciar

movimentos para a mudança da legislação e das práticas judiciárias.

4. LITERATURA NO DIREITO

Outro viés que iremos abordar é como o direito se utiliza dos princípios

literários para regulamentar a sua formalidade e alcançar os conceitos jurídicos

necessários para interagir com a sociedade. Tomaremos conceitos da teoria literária,

como autor, narrador, descrição e tempo ficcional, verificando em que medida esses

conceitos correspondem aos conceitos jurídicos e como podem nos auxiliar a

compreender tais conceitos. O estudo destas técnicas literárias na concepção dos

textos jurídicos, tais como, petições, excertos de doutrina, decisões, nos remetem a

avaliar o direito tanto como técnica discursiva quanto técnica narrativa.

Alguns causídicos possuem a tendência de incorrer nos seus laudos, ou

peças processuais, o excesso de “juridiquês”, famoso por frivolidades verbais em um

mundo onde cada vez mais busca-se a simplicidade e contornos cristalinos. O

trabalho em si é avaliado de acordo com a utilização dos mesmos no futuro, sendo o

bom trabalho alicerce para construções de novos pensamentos e o mau trabalho

será rejeitado e relegado às críticas.

Segundo Ronald Dworkin5, a convergência entre a literatura e o direito é de

caráter interpretativo, pois a prática jurídica é um exercício de interpretação que não

se limita a compreensão de textos normativos ou documentos particulares, logo

conclui-se que a utilização da interpretação jurídica e da interpretação literária possa

melhorar a compreensão do direito em si.

Em “Uma Questão de Princípio”, Dworkin expressa:

“Proponho que podemos melhorar nossa compreensão do Direito comparando a interpretação jurídica com a interpretação em outros campos do conhecimento, especialmente a literatura. (...) A maior parte da literatura presume que a interpretação de um documento consiste em descobrir o que seus autores (legisladores ou constituintes) queriam dizer ao usar as

5 DWORKIN, Ronald. Uma Questão de Princípio. 2ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 2005. p. 217

palavras que usaram. (...) Os estudantes de literatura fazem muitas coisas sob os títulos de interpretação e hermenêutica, e a maioria delas é também chamada de descobrir o significado de um texto. (...) A interpretação de um texto tenta mostrá-lo como a melhor obra de arte e transformá-la em outra.” (DWORKIN, Uma Questão de Princípio, p. 217/249)

Várias correntes do movimento Law and Literature têm proposto a adoção de

uma concepção narrativa de direito como solução para esse problema, em especial

uma corrente intitulada legal storytelling. Durante muito tempo, o direito ocidental

assumiu uma estrutura narrativa. Se pensarmos nos princípios norteadores do

direito e os mitos fundadores elaborados na modernidade, como por exemplo, as

teorias do Contrato Social de Rousseau, veremos que o jusracionalismo sempre

assumiu a função narrativa como doadora de significado para o direito.

A narrativa está na origem do direito. No entanto se retomarmos a história do

pensamento jurídico nos últimos 200 anos, ou seja, se considerarmos a evolução do

Positivismo Jurídico e sua elevação a modelo compreensivo dominante do

fenômeno jurídico, veremos que a função descritiva tem prevalecido sobre a função

narrativa do direito.

Segundo Kelsen6, a função da ciência do direito é somente descrever o

direito. Podemos apontar que a maior diferença entre descrição e narração é o ponto

de vista de um espectador, com uma intenção de imparcialidade, de completude e

de precisão científica, quase taxonômica. Isso pressupõe que o observador seja

externo à trama, ou seja, idealiza uma cisão entre o sujeito e o objeto, a qual

corresponde na literatura a separação entre as funções do autor, de narrador, de

personagem, e de leitor. Mas no caso do Direito essa separação é evidentemente

artificial.

6 KELSEN, Hans. Teoria Pura do Direito. 6ª ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998. p. 103

Admitindo a literatura como para-realidade, ou seja, a imitação da realidade,

resta examinar o modo como a realidade paralela se organiza. O mundo jurídico em

que o texto legal se constitui é latente, o texto em si não contém, evoca-o, não

encerra, sugere-o. O universo jurídico não está somente no texto, e sim em suas

diversas facetas como a interpretação e cumplicidade do leitor.

O direito possui uma fala própria e autônoma no seu contexto social, por isso

o intérprete pode e deve buscar em outras ciências e na realidade de elementos

para conseguir uma criatividade interpretativa. A partir da leitura dos textos jurídicos,

sejam eles doutrinários, jurisprudenciais ou meramente normativos, há

inevitavelmente, um intercâmbio das informações apreendidas com a experiência

vivida e real. Essa relação processa-se pela intuição deste leitor, o qual acolherá o

texto segundo sua subjetividade. Trata-se da plurisignificação que encontra em cada

sujeito um espaço diferente. Temos este aspecto muito claro nos textos jurídicos,

pois mesmo que não ilustrem fatos particulares do sujeito receptor, explora sempre

assuntos inerentes ao ser humano, tornando-se assim atrativo por sua própria

natureza. E por mais que o leitor se esforce para manter-se fiel a linha de raciocínio

do autor, sempre haverá espaços para a criatividade interpretativa.

A tradição positivista apontaria plausibilidade na aceitação da definição de

prescrições normativas como dotadas de fundo descritivo. O positivismo e a escola

analítica identificam prescrições normativas como fragmentos da história, esta visão

pode ser válida quando testada em circunstâncias muito simples. Proposições

jurídicas são, em geral, juízos interpretativos da história do direito, contém

indicativos de decisão e de avaliação.

A corrente majoritária voltada para a investigação das relações entre direito e

literatura afirma que após a elaboração do texto legal, a interpretação passa a ser o

fenômeno predominante das decisões judiciais, e neste ato interpretativo, os juízes

são condicionados pelas mais diferentes variantes, inclusive políticas e literárias.

No que concerne à literatura são notórios três momentos conceituais: a

definição do Romantismo, cuja preocupação se volta para o autor; o New Criticism,

cuja questão central é o texto; e, num momento mais recente, inserido no movimento

denominado ‘virada lingüística’, o leitor adquire papel de destaque.

A teoria do direito, por sua vez, também experimentou este deslocamento de

enfoque dado aos elementos presentes no processo interpretativo com destaque

dado ao autor (intenção do legislador), ao texto (no positivismo jurídico) e mais

recentemente ao intérprete elevado à categoria de co-autor. Uma abordagem lato

sensu do direito e da literatura atende, como dito, ao objetivo de elucidar a relação

entre ambos.

5. LITERATURA PARA O DIREITO

O estudo da contribuição da literatura para o aprimoramento do ensino

jurídico apóia-se em textos ficcionais que problematizam, de uma forma didática,

assuntos quotidianos com alto teor de influência dos princípios norteadores.

Segundo Joana Aguiar é um projeto que explora vários caminhos possíveis a partir

da analogia dos fenômenos jurídicos e literário, fazendo sobressair os movimentos

em que os dois se tocam diretamente.

Ao aproximarmos obras literárias do direito, possibilitamos a abertura de um

novo campo para a realização de estudos e pesquisas jurídicas. É sem dúvida a

perspectiva que mais ilustra a tendência antipositivista e proporciona também ao

estudante a oportunidade para praticar um tipo de reflexão que lhe será exigido ao

longo de toda a sua vida jurídica. Trata-se, antes de mais nada, de despertar a

necessidade da leitura, fomentando a reflexão individual e crítica acerca da

produção de conhecimento e das relações de poder, a promoção da discussão do

papel do cientista e do intelectual na sociedade moderna, bem como a reflexão

sobre o fenômeno jurídico não apenas com base na racionalidade prática, mas

também a partir de uma racionalidade emocional ou empática proporcionada pela

literatura.

Na visão de OST:

Enquanto o direito codifica a realidade, instituindo-a através de uma rede de qualificações convencionadas que o encerra num sistema de obrigações e interdições, a literatura coloca em desordem as convenções suspendendo as nossas certezas. (...) Essa indisciplina literária que se insinua nas falhas das disciplinas excessivamente bem instituídas realiza assim um trabalho de interpelação do jurídico, fragilizando os pretensos saberes positivos sobre os quais o direito tenta apoiar sua própria positividade. (OST, Contar a lei, p. 13;15).

À literatura é atribuído, portanto, um papel criador capaz de provocar

mudanças ao interrogar determinados valores estruturantes do direito, auxiliando no

sentido de redefini-los. Trata-se de lançar sobre o direito, como já mencionado, um

olhar inovador, contribuindo para a reflexão acerca do fenômeno jurídico. Na

essência, a idéia é refletir sobre a possibilidade de recuperar para o direito o diálogo

com novas leituras sobre a realidade.

Segundo André Peixoto de Souza:

O direito é uma disciplina interdependente. Assim, o ensino jurídico deve permear – e priorizar – o estudo das disciplinas co-relacionadas e formativas do Direito, quais sejam a antropologia, a política, a economia, a sociologia, a filosofia, a história e a cultura. (...) Mas é necessário cuidar com a forma de abordagem destas disciplinas formativas: percebemos um estudo descuidado da filosofia e da história, um desinteresse dos estudantes movido pelo despreparo do corpo docente, pela indiferença das instituições e pela errônea alocação ou encadeamento das disciplinas na matriz curricular dos cursos. As disciplinas propedêuticas revelam igual valor ou maior importância às disciplinas dogmáticas e como tais devem ser tratadas. Os acadêmicos de Direito deveriam se deparar com estudos filosóficos, antropológicos, sociológicos, históricos, políticos e econômicos no decorrer do curso, e não de forma concentrada, no início da matriz curricular, como que “para se livrar” do estorvo e “partir para o estudo do Direito propriamente dito”. (SOUZA, Educação como Liberdade: propostas para um novo ensino jurídico no Brasil, p. 5) 7

A literatura ajuda a demonstrar que o Direito não se desvincula da realidade

social que o circunda. O poder colocar-se no lugar do outro é também uma é

também uma das grandes contribuições que a literatura pode dar ao Direito, já que

tal sensibilidade é escassa nos operadores jurídicos “modernos”. Com isso a

literatura pode recuperar a humanidade do Direito, que anda esquecida entre pilhas

de processos, planilhas de metas e fóruns lotados.

Ao verificarmos a contribuição da literatura no âmbito acadêmico, em prol da

humanização quanto ao estudo do direito, podemos verificar que, como nas demais

áreas do direito, há congruências nas matérias lecionadas, como processo civil, 7Souza, André Peixoto. Educação Como Liberdade: Propostas Para Um Novo Ensino Jurídico no Brasil. Disponível em: http://www.oabpr.com.br/revistaeletronica/revista04/1-13.pdf, acessado em 20/08/2011.

direito civil etc..., dever-se-ia desenvolver uma estrutura curricular com a

preocupação em estabelecer um elo entre áreas de conhecimento centrais e a

leitura obrigatória de textos literários.

Com isto busca-se proporcionar aos alunos e professores instrumentos para

que possam explorar novas habilidades para compreender o Direito. Ao estimular

essas discussões contribui-se para o aprimoramento da formação de opiniões

quanto a temas sociais que na literatura, possuem como característica fantasiosa, a

exaltação de princípios norteadores. A honra, a ética, a honestidade, e demais

virtudes podem ser trabalhadas nos textos literários e em jurisprudências

conflitantes, onde nelas possuam, por exemplo, tragic choices, ou seja, se deparam

com uma difícil decisão tomada pelo judiciário onde aplicar recursos que optam

entre duas situações extremas.

A aproximação entre direito e literatura pode proporcionar ao educador e ao

educando a leitura consciente e reflexiva da literatura, instrumentalizando a

integração entre as disciplinas de cada semestre do curso. Trata-se, antes de mais

nada, de despertá-los para a necessidade da leitura,

fomentando a reflexão individual e crítica acerca da produção de conhecimentos e

das relações de poder, a promoção da discussão do papel do cientista e do

intelectual na sociedade moderna, bem como a reflexão sobre a possibilidade de

refletir sobre o fenômeno jurídico não apenas com base na racionalidade prática,

mas também a partir de uma racionalidade emocional ou empática, proporcionada

pela literatura.

A aproximação entre direito e literatura pode ser, ainda, o momento de

inauguração ou de abertura para a leitura e análise dos textos literários e também o

momento no qual o estudante tem a oportunidade de “treinar” o seu olhar para o tipo

de reflexão que lhe será exigida ao longo do curso de Direito. A temática

desenvolvida em cada semestre deve ser o elemento catalisador das disciplinas que

os compõe, e a escolha de das obras literárias se dá a partir desta lógica.

Como exemplo, podemos citar o título 1984 de George Orwell8, a partir da

qual podem ser abordados temas relacionados ao Estado, o poder, a sociedade, os

regimes totalitários, a supressão da liberdade e do subjetivismo, no âmbito de

disciplinas como Teoria do Estado, Teoria Geral do Direito, Filosofia do Direito,

Ciência Política, Introdução ao Estudo do Direito e Direito Constitucional.

Outro bom exemplo que pode servir de referência para ser abordado nas

faculdades jurídicas é o título Fahrenheit 451 de Ray Bradbury9. Uma obra

considerada distópica que nos leva a analisar pontos importantíssimos sobre a

questão da supressão da liberdade e do papel supostamente “libertador” da

alienação e da ignorância, uso da oralidade como forma de manutenção do literário

e resistência à imposição à censura ideológica. A obra em questão faz uma dura

crítica as formas de controle e repressão, principalmente através da televisão, que

destrói o interesse na leitura. O enredo se passa em um futuro onde as opiniões são

anti-sociais e hedonistas, e o pensamento crítico é suprimido. Conseqüentemente

somos direcionados para uma reflexão que aponta como a literatura é importante na

formação dos seres humanos, a prova disto é a direção que a sociedade atual está

tomando, pelo fato de que a modernidade e o progresso está estipulando uma

verdade absoluta, perdeu-se no meio do caminho o impulso de questionar, que é a

principal característica do livre pensamento, a qual um livro de 1953 estimula a

reconsiderar o estilo de vida atual.

8 ORWELL, George. 1984. Rio de Janeiro: Companhia Editora Nacional, 2003. 9 BRADBURY, Ray. Fahrenheit 451. Rio de Janeiro: Editora Globo, 2009.

Finalmente na obra Ensaio Sobre a Cegueira de Saramago10, os personagens

são reduzidos a essência humana devido à situação da “Treva Branca”. Há o

confinamento inconstitucional, pois não há contraprestação na quarentena imposta

pelo Estado, as pessoas são colocadas em local insalubre e inapropriado sem

qualquer tipo de apoio logístico ou médico. Tais fatos remetem a análise filosófica de

Thomas Hobbes11 eternizada com sua célebre frase: “O Homem é o lobo do

Homem”.

Algo a ser elucidado em Ensaio Sobre a Cegueira é que a diferença entre a

cegueira comum, aquela que deixa a visão escurecida, da “treva branca” de

Saramago, é que a cegueira comum é apenas física, e na outra é a inversão dos

conceitos constitucionais de dignidade, liberdade, igualdade, fraternidade e

solidariedade; trata-se do verdadeiro caos, do menosprezo aos direitos humanos

fundamentais.

Ícones da cultura ocidental se tornam inúteis, e são violados, como a

identidade. No livro o autor não se utiliza de nomes apenas formas de tratamento,

“mulher do médico, primeiro cego, ladrão...” o que corresponde com a nossa

sociedade atual onde as pessoas são chamadas de “elementos” pela polícia ou

idealizam vidas paralelas e criam personagens de si próprios em sites de

relacionamento, perdendo assim suas personalidades. Outro exemplo de ícone

violado é a perda da noção de propriedade privada, de que importa possuir bens se

não pode usufruir os mesmos? A violação da incolumidade física, vida e liberdade,

nenhum destes três direitos fundamentais são preservados no confinamento. A

10 SARAMAGO, José. Ensaio Sobre a Cegueira. 6ª ed. São Paulo: Cia das Letras, 1995. 11 Thomas Hobbes (Malmesbury, 5 de abril de 1588 — Hardwick Hall, 4 de dezembro de 1679) foi um matemático, teórico político, e filósofo inglês, autor de Leviatã (1651) e Do cidadão (1651).

perda da noção de tempo e vilipêndio ao protestantismos de Max Weber12, que nos

ensinou o valor do trabalho e do tempo no trabalho. E por fim o incentivo a vingança

quando a mulher do médico mata o líder do motim da ala vizinha.

Contudo, a maior denúncia de Saramago13 nesta obra é a perda da

esperança e da fé, isto fica explicito na cena da igreja onde Jesus Cristo está com

uma venda nos olhos, em termos religiosos fica clara a denúncia, porém trazida ao

mundo jurídico podemos interpretar como os estudiosos de ontem que deveriam

abraçar verdadeiramente a estruturação de um estado justo e as causas sociais,

recusam-se a tornar as leis mais aplicáveis e desburocratizadas, e os

representantes dos três poderes rejeitam o povo e as responsabilidades para as

quais foram designados.

12 Maximilian Carl Emil Weber (Erfurt, 21 de Abril de 1864 — Munique, 14 de Junho de 1920) foi um intelectual alemão, jurista, economista e considerado um dos fundadores da Sociologia. 13 Op. Cit.

6. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A apresentação do encontro entre o direito e a literatura demonstra uma

relação dialogal entre dois conhecimentos que em um primeiro momento podem

parecer distanciados, mas sob um exame mais apurado revelam pontos de contato e

contribuição.

A relação interdisciplinar aqui exposta pode ser inserida num momento de

reavivação dos aspectos humanísticos e filosóficos do direito, uma tentativa de

enfocar novos elementos na teoria jurídica ultrapassando as prerrogativas

dogmáticas do positivismo que ainda são recorrentes nos meios acadêmicos.

Sob este prisma tal estudo insere-se exclusivamente numa dimensão teórica

mais flexível. É importante notar, entretanto, que o direito num primeiro momento de

sua história apresenta uma grande proximidade com a arte. Platão em “A República”

ao recomendar restrições à expressão artística já revelava a dimensão denunciadora

e critica presente nessas obras e seu poder propriamente “constituinte” na origem

das montagens políticas e construções jurídicas. O direito e a poesia partilharam

uma origem comum permeada de retórica e forma. Sob o ponto de vista histórico,

portanto, aproximar direito e literatura é realizar um reencontro de conhecimentos.

Se mudanças estruturais enfeixaram cada qual em distintas dimensões: o direito

tratado como uma possível ciência e a literatura relegada ao domínio das artes; não

é absurdo afirmar que do ponto de vista teórico estes conhecimentos continuam se

comunicando.

O (re) encontro entre o direito e a literatura é no mínimo um excelente

exercício de erudição, que revela aspectos lingüísticos, teóricos, históricos, éticos,

filosóficos, críticos, permitindo, enfim, a configuração do pensamento alargado. Essa

conjugação de conhecimentos pode, todavia, suscitar o avanço de questões práticas

principalmente aquelas inseridas no âmbito hermenêutico.

O ensino do Direito necessita de constantes revisões críticas, no sentido do

seu aprimoramento e a Literatura, neste contexto, exerce um importante papel,

tendo em vista que nem sempre o Direito encontra respostas adequadas para os

seus dilemas, dentro das suas próprias estruturas ou dentro dos seus próprios

códigos e doutrinas.

Ao estudante de Direito não deve ser ocultada esta excepcional oportunidade

de aprendizado, aproximando-o do mundo da literatura, auxiliando-o a compreender

mais e melhor a ciência que estuda. Como já mencionado, apesar de toda a riqueza

teórica já desenvolvida nesta área de relações entre direito e literatura, é na sala de

aula que, ao nosso juízo, ela alcança o seu ponto máximo.

O estudo interdisciplinar entre direito e literatura é o terreno fértil onde

professores e estudantes terão a oportunidade de lidar com situações muitas vezes

relegadas ao segundo plano pelo Direito, vivenciando outros contextos, avaliando

outras variações do fenômeno jurídico, aprimorando inclusive a capacidade de

expressão escrita e oral.

Trata-se, enfim, de possibilitar o desenvolvimento da capacidade para a

humanidade - valor central que deve permear os projetos de desenvolvimento das

instituições de ensino superior - e para a imaginação, qualidades que podem ser

potencializadas pelos hábitos de contato com a literatura.

A experiência acadêmica jurídica não pode confinar-se, desligando-se da

realidade, impedindo o contato e a experiência com outros modelos de interpretação

da vida e do mundo. A literatura, para o jurista, deve ser entendida como algo que

certamente o transformará em um intérprete/aplicador da norma mais crítico e

menos auto-suficiente.

A inclusão da literatura na estrutura curricular do curso de direito é uma forma

de contribuir nesta incessante busca de renovação da ciência jurídica, impedindo o

seu encastelamento e superando o fato de que muitas vezes o estudante se

defronta com definições já acabadas a respeito de tudo, muitas vezes sem conseguir

construir a estrutura daquilo que está apreendendo.

Certamente não serão escassos os problemas a enfrentar, especialmente a

superação da resistência que muitos professores do direito ainda possuem em

relação ao uso da literatura na sala de aula, além das necessárias especificidades

didáticas e metodológicas que os professores deverão dominar minimamente,

barreiras que podem ser enfrentadas e vencidas com o apoio institucional adequado.

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