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UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ PRISCILA PARAIZO MARINHO VIEIRA O CONJUGE COMO HERDEIRO NO CODIGO CIVIL DE 2002 CURITIBA 2014

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UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ

PRISCILA PARAIZO MARINHO VIEIRA

O CONJUGE COMO HERDEIRO NO CODIGO CIVIL DE 2002

CURITIBA

2014

PRISCILA PARAIZO MARINHO VIEIRA

O CONJUGE COMO HERDEIRO NO CODIGO CIVIL DE 2002

Monografia apresentada junto a Faculdade de Ciências Jurídicas da Universidade Tuiuti do Paraná, como requisito parcial à obtenção do título de Bacharel. Orientador: Prof. Marcos Aurelio de Lima Junior

CURITIBA

2013

TERMO DE APROVAÇÃO

PRISCILA PARAIZO

O CONJUGE COMO HERDEIRO NO CODIGO CIVIL DE 2002

Esta Monografia foi julgada e aprovada para a obtenção do título de Bacharel no Curso de Direito da Universidade Tuiuti do Paraná.

Curitiba, .... de .........................de 2014.

--------------------------------------------------------------------------------------

Bacharel em Direito

Universidade Tuiuti do Paraná.

Orientador: Prof. Marcos Aurelio de Lima Junior

Universidade Tuiuti do Paraná

Prof. ...................................................................

Prof. ...................................................................

RESUMO

O objetivo deste estudo é a análise da situação do cônjuge do de cujus como

herdeiro frente às inovações decorrentes do novo Código Civil, instituído pela Lei

10.406 de janeiro de 2002 e vigente até a presente data. O novo Código trouxe

várias inovações e, entre elas, estabeleceu uma nova ordem de vocação hereditária,

alterando e estabelecendo o cônjuge no rol dos herdeiros. Entretanto, o legislador

não o fez com a clareza necessária, um dos motivos pelo qual se fazem tão

importantes os estudos e os debates sobre o tema. Por si só, o cônjuge como

herdeiro já é bastante polêmico, portanto, não será apreciada em maiores detalhes,

a sucessão entre companheiros ou conviventes no presente trabalho.

Palavras-chave: cônjuge; sucessão; regime de bens; código civil.

ABSTRACT

The aim of this study is to examine the situation of the spouse of the deceased as

heir front of innovations under the new Civil Code, introduced by Law 10,406 of

January 10, 2002 and in force to date. The new Code has brought several

innovations and among them, established a new order of hereditary vocation,

changing and setting the spouse in the list of heirs. However, the legislature did not

do so with the requisite clarity, one of the reasons why the studies and discussions

on the theme are so important. By itself, the spouse as heir is already quite

controversial, reason, will not be examined in greater detail, the succession between

partners or cohabitants in this work.

Keywords: spouse; succession; regime; civil code.

SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO....................................................................................... 06

1.1 DO DIREITO SUCESSÓRIO................................................................. 07

1.1.1 Conceito de sucessão............................................................................ 08

1.1.2 Espécies de sucessão........................................................................... 09

1.1.2.1 Sucessão legítima.................................................................................. 09

1.1.2.2 Sucessão testamentária........................................................................ 10

1.1.2.3 Sucessão a título universal e a título singular........................................ 11

1.1.3 Espécies de sucessores........................................................................ 12

1.1.3.1 Herdeiros legítimos................................................................................ 12

1.1.3.2 Herdeiros necessários........................................................................... 13

1.1.3.3 Herdeiros testamentários....................................................................... 14

1.1.3.4 Legatários.............................................................................................. 14

2 ESPÉCIES DE REGIMES DE CASAMENTO....................................... 16

2.1 REGIME DA COMUNHÃO UNIVERSAL DE BENS.............................. 17

2.2 REGIME DA COMUNHÃO PARCIAL DE BENS................................... 18

2.3 REGIME DA SEPARAÇÃO DE BENS................................................... 22

2.4 REGIME DA SEPARAÇÃO OBRIGATÓRIA DE BENS......................... 23

2.5 REGIME DE PARTICIPAÇÃO FINAL NOS AQUESTOS...................... 24

3 O CÔNJUGE COMO HERDEIRO NO CÓDIGO CIVIL DE 2002....... 27

3.1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA...................................................................... 29

3.2 ORDEM DE VOCAÇÃO HEREDITÁRIA............................................... 30

3.3 CONCORRÊNCIA DO CÔNJUGE........................................................ 32

3.3.1 Concorrência com descendentes comuns. ........................................... 35

3.3.2 Concorrência com descendentes do autor da herança......................... 37

3.3.3 Concorrência com ascendentes............................................................ 39

3.3.4 Os colaterais.......................................................................................... 40

4 CONCLUSÃO........................................................................................ 41

REFERÊNCIAS...................................................................................................... 43

ANEXO I................................................................................................................. 44

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1 INTRODUÇÃO

O fim do direito é a paz, o meio de que se serve para conseguí-lo é a luta. Enquanto o direito estiver sujeito às ameaças da injustiça – e isso perdurará enquanto o mundo for mundo -, ele não poderá prescindir da luta. A vida do direito é a luta: luta dos povos, das classes sociais, dos indivíduos. Rudolf Von Ihering – A Luta pelo Direito.

Estaríamos fugindo da realidade social se o Direito vivesse em um plano

puramente ideal, dos conceitos abstratos, esquivando-se dos conflitos humanos,

selecionando por qual direito se deve lutar ou o que justifica a luta por um direito.

O Direito como norma de conduta, regra de comportamento e sem os

excessos do positivismo jurídico deve tentar realizar a expressão de Ulpiano – dar a

cada um aquilo que lhe deve caber.

Fato é que, sem a necessidade de menosprezar os demais ramos do Direito,

o da sucessão atende a uma necessidade social e, vencendo objeções, se impôs,

ganhou garantias constitucionais e projeta princípios e regras da família e da

propriedade, ocupando seu importante espaço para os que dele necessitam, pois

cada pessoa luta frente às agressões que a vida lhe apresenta.

Apesar de ser um grande avanço, historicamente demonstrado, a posição do

cônjuge sobrevivente no novo código trouxe muitas discussões, principalmente nos

casos em que o cônjuge supérstite é herdeiro em concorrência com os

descendentes do de cujos.

A redação do texto legal, em especial do artigo 1.829, I do novo Código Civil

é ambígua, gerando dúvidas hermenêuticas.

Procuramos apresentar uma pesquisa doutrinária e artigos sobre o tema, ilustrando

às vezes com exemplos para demonstrar a problemática, além de trazer um pouco

da jurisprudência, indicando o rumo dos tribunais frente as dificuldades e desafios do

tema.

A adequação do Código Civil aos princípios constitucionais, direitos

fundamentais e à evolução social é um grande desafio aos juristas, doutrinadores e

operadores do Direito, e na argumentação e contra-argumentação refina-se o

pensamento jurídico que, embora considerado conservador, deve aprofundar-se nas

questões essenciais para a compreensão dos conflitos em busca das melhores

soluções.

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1.1 DO DIREITO SUCESSÓRIO

Desde a antiguidade o direito sucessório é ligado à ideia de continuidade da

religião e da família. Em Roma, na Grécia e na Índia, a religião agregava a família,

fato demonstrado pelo culto aos antepassados que desenvolvia-se diante do altar

doméstico, não havendo castigo maior para uma pessoa do que falecer sem deixar

quem lhe cultue a memória, como nos explica Gonçalves (2010, p. 21).

Mas o direito das sucessões se faz perceber melhor a partir no direito

romano, sendo que a Lei das XII Tábuas concedia toda liberdade ao pater famílias

para dispor dos seus bens. Caso falecesse sem testamento, a sucessão se daria

pelas três classes de herdeiros: sui (heredi sui et necessarii: filhos, netos e esposa);

agnati (parentes mais próximos do falecido) e gentiles (na ausência das classes

anteriores, os membros da gens ou grupo familiar no sentido lato). (GONÇALVES,

2010 p.21)

Para o direito germânico os únicos herdeiros eram os reconhecidos pelo

vínculo de sangue (heredes gignuntur, non scribuntur), e era desconhecida a

sucessão testamentária (GONÇALVES, 2010 p.22).

A Revolução Francesa aboliu o direito, de primogenitura e o privilégio da

masculinidade de origem feudal; o Código de Napoleão manteve a unidade

sucessória e a igualdade de herdeiros do mesmo grau, porém distinguiu os

herdeiros (parentes do morto) e sucessíveis.

No Brasil, a legislação sofreu forte influência da codificação francesa do

início do século XIX, sendo que a Constituição Federal de 1988 trouxe disposições e

princípios importantes ao direito sucessório (por exemplo, art 5º, XXX e art. 227,

§6º), além das demais importantes Leis, tais como Lei 8.971 de 29 de dezembro de

1994 e Lei 9.278 de 10 de maio de 1996 – que regulam o direito de sucessão entre

companheiros - e a Lei 10.406 de 10 de janeiro de 2002 - que instituiu o novo

Código Civil.

De acordo com Pereira (2009, p. 3-4), a propriedade “[...] é assegurada aos

membros do grupo familiar, não porque a todos pertença em comum, mas em razão

do princípio da solidariedade, que fundamenta deveres de assistência do pai aos

filhos e por extensão a outros membros da família [ ..].”

Finalmente, Rodrigues (2002, apud GONÇALVES, 2010, p. 25) nos ensina

que:

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Malgrado as antigas regras sobre a sucessão, quer inspiradas em motivos religiosos, quer fundadas no anseio de fortalecer a família, não levassem em consideração o sentimento de equidade, que recomenda a igualdade de tratamento entre herdeiros da mesma classe e grau, foi nesse sentido que o direito hereditário evoluiu.

O novo código civil veio com a tentativa de trazer esse sentimento de

equidade, igualando os herdeiros em suas classes e graus.

1.1.1 Conceito de sucessão

O presente trabalho consiste no estudo do cônjuge como herdeiro no Código

Civil de 2002, e como é fundamental, a sucessão hereditária gira em torno da morte,

que vem a ser o fato jurídico que determina a sucessão do patrimônio.

Para tanto, é necessário que se entenda um pouco sobre o direito

hereditário e o direito de suceder regido pelo Livro V do Código Civil Brasileiro de

2002.

Ensina Venosa (2008, p. 1) que: Suceder é substituir, tomar o lugar de

outrem no campo dos fenômenos jurídicos. Na sucessão, existe uma substituição do

titular de um direito. Esse é o conceito mais amplo de sucessão no direito.

Segundo Gonçalves (2010, p. 19) „sucessão‟, em sentido amplo, significa o

ato pelo qual uma pessoa assume o lugar de outra, substituindo-a na titularidade de

determinados bens. Enquanto que sucessão em sentido estrito é utilizada para

designar aquela decorrente da morte de alguém, ou seja, sucessão causa mortis.

Sobre o mesmo assunto explica Diniz (2008, p.3):

O direito das sucessões vem a ser o conjunto de normas que disciplinam a transferência do patrimônio de alguém, depois de sua morte, ao herdeiro, em virtude de lei ou de testamento (CC, art. 1786). Consiste, portanto, no complexo de disposições jurídicas que regem a transmissão de bens ou valores e dívidas do falecido, ou seja, a transmissão do ativo e do passivo do de cujus ao herdeiro.

Sucessão é, portanto a substituição do titular do patrimônio mortis causa, é a

continuação da relação jurídica que findou para o de cujus, e agora continua para

seus sucessores.

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1.1.2 Espécies de sucessão

O Código Civil de 2002 (BRASIL, 2014, p. única) estabelece no seu artigo

1.786 que “a sucessão dá-se por lei ou por disposição de última vontade”.

A sucessão pode ser classificada quanto a fonte de que deriva, podendo ser

testamentária ou sucessão legítima e quanto aos seus efeitos, dividindo-se em a

titulo universal e a titulo singular. Cada espécie será estuda em tópicos, a seguir.

1.1.2.1 Sucessão legítima

Em conformidade com o art. 1788 do Código Civil (BRASIL, 2014, p. única),

não havendo testamento, ou havendo bens que não são mencionados no

testamento, transmitir-se-á aos herdeiros legítimos.

Segundo Nader (2009 p. 29):

Tem-se a sucessão legítima, à vista do art. 1.788 do Código Civil, em três situações: a) quando não houver testamento; b) havendo testamento, quanto aos bens por ele não alcançados; c) em caso de caducidade, rompimento ou nulidade do testamento.

Pereira (2009, p. 67) ensina que:

Denomina-se, então, sucessão legítima a que é deferida por determinação da lei. Atendendo ao que ocorre quando o sucedendo morre sem testamento (intestado), diz-se também ab-intestato. E tendo em consideração que se processa sob o império exclusivo da lei, sem a participação da vontade, pode também designar-se como sucessão legal. Em nossos meios, é a mais frequente, tendo em vista a menor difusão do testamento e, da sucessão testada.

No artigo 1.784 do Código Civil (BRASIL, 2014, p. única) temos o então

chamado princípio da saisine, onde acontece automaticamente a transmissão da

herança aos seus sucessores.

No atual Código Civil, o cônjuge sobrevivente passa em algumas ocasiões a

concorrer com os descendentes e ascendentes do de cujus.

Gonçalves (2010, p. 43) ensina que, “a sucessão poderá ser, também,

simultaneamente legítima e testamentária quando o testamento não compreender

todos os bens do de cujus, pois os não incluídos passarão a seus herdeiros

legítimos (CC, art. 1788, 2ª parte)."

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Quando o falecido não dispõe de todos os seus bens em testamento os não

incluídos neste, entrarão na partilha com os seus herdeiros legítimos.

1.1.2.2 Sucessão testamentária

A última vontade do falecido poderá ser feita por meio de testamento, daí a

sucessão testamentária.

O direito anterior ao Código Civil de 1916 consagrou nas Ordenações as

velhas modalidades testamentárias adotadas; aberto ou público, cerrado ou místico,

particular ou ológrafo, nuncupativo ou por palavras, ente outras acrescidas pelos

juristas.

O Código de 1916 procurou dar à sucessão testamentária uma orientação

simples e segura, e o Código de 2002 procurou manter, de forma geral, os mesmos

princípios.

De acordo com Gonçalves (2010, p. 43)

A sucessão testamentária dá-se por disposição de última vontade. Havendo herdeiros necessários (ascendentes, descendentes ou cônjuge), divide-se a herança em duas partes iguais e o testador só poderá dispor livremente da metade, denominada porção disponível, para outorgá-la ao cônjuge sobrevivente, a qualquer de seus herdeiros ou mesmo a estranhos, pois a outra constitui a legítima, àqueles assegurada do art. 1.846 do Código Civil.

Para Diniz (2008, p. 174)

A sucessão testamentária é aquela em que a transmissão hereditária se opera por ato de última vontade, revestido da solenidade requerida por lei, prevalecendo as disposições normativas naquilo que for ius cogens, bem como no que for omisso o testamento

Diniz (2008, p. 174) continua ensinando que as normas reguladoras da

sucessão testamentária são:

a) Lei vigente no momento da facção testamentária, que regula a capacidade testamentária ativa e a forma extrínseca do ato de última vontade. b) Lei que vigora ao tempo da abertura da sucessão, que rege a capacidade testamentária passiva (CC, art. 1.787) e a eficácia jurídica do conceito das disposições testamentárias (CC, arts. 1.897 e 1.911).

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Assim, no testamento permite-se apenas a disposição da metade dos bens,

sendo a outra metade reservado aos herdeiros necessários.

Não se admite a pessoa do procurador no testamento, visto que, é ato

personalíssimo, sendo possível somente com a presença do testador.

É negócio jurídico unilateral, pois deve ser feito única e exclusivamente por

uma pessoa, ou seja, o testador.

Sobre a unilateralidade do testamento, Maria Helena Diniz explica:

Unilateralidade, porque somente pode ser feito pelo testador, isoladamente, daí ser ato personalíssimo (CC, art. 1.858, 1ª parte), dado que afasta sua realização por representante legal ou convencional, embora nada impeça a participação indireta de terceiro em sua elaboração, como o parecer de um jurista consultado o auxílio do notário na sua redação, etc.

Outra característica é a gratuidade, pois, de acordo com Pereira (2009, p.

177), “Não comporta correspectivo. A disposição que o contenha é invalida. A

gratuidade e da essência do ato. E a liberalidade existe, ainda nos legados com

encargo”.

A solenidade do testamento, nas palavras de Nader (2009, p. 205) é “A

formalidade exigida é ad solemnitatem, ou seja, essencial à validade do ato negocial

e não para efeitos meramente probatórios. O descumprimento de formalidades

legais torna o testamento nulo”.

Sobre a revogabilidade do testamento, vale a posição de Gonçalves (2010,

p. 231), que diz que [...] "é da essência do testamento, não estando o testador

obrigado a declinar os motivos de sua ação. Pode o testador, pois, usar do direito de

revogá-lo, total ou parcialmente, quantas vezes quiser”.

1.1.2.3 Sucessão a título universal e a título singular

A sucessão poderá ser a titulo universal ou a título singular.

A sucessão a título universal se dá quando o herdeiro é chamado a suceder

a totalidade dos bens ou a uma parte alíquota deste.

Oliveira Leite (2012, p. 37) ensina que “A sucessão legítima é sempre a título

universal, já que os herdeiros herdam a totalidade dos bens do de cujus ou uma

fração ideal de seu patrimônio”.

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Sobre o assunto, o mesmo doutrinador1 continua afirmando que “Na

sucessão a título universal, a transmissão do patrimônio opera-se como um todo

orgânico, compreendendo o ativo e passivo. O sucessor universal substitui

integralmente o de cujus, sub-rogando-se em seus direitos e obrigações”.

Na sucessão a título singular se transfere apenas determinada parte dos

bens.

Gonçalves (2010, p. 44) posiciona-se da seguinte forma: “Na sucessão a

título singular, o testador deixa ai beneficiário um bem certo e determinado,

denominado legado, como um veículo ou um terreno por exemplo”.

Vale destacar que a sucessão a testamentária poderá ser a título universal

ou a título singular, visto que, será a título singular quando o testador indicar coisa

certa, conforme disposição de última vontade.

1.1.3 Espécies de sucessores

As regras sobre vocação hereditária são segundo Nader (2009, p. 137), de

ordem pública, insuscetíveis de alteração por iniciativa de quem quer que seja, dado

a matéria sucessória está ligada à proteção a família e esta é uma instituição

fundamental da sociedade.

Para o Direito brasileiro, aqueles que recebem a herança do falecido são

denominados: herdeiros legítimos, necessários, testamentários e legatários.

Veremos então, a definição de cada um deles.

1.1.3.1 Herdeiros legítimos

Para Leite (2012, p. 111) herdeiros legítimos “São as pessoas indicadas na

lei (art. 1829) como sucessores, na sucessão legal, a quem se transmite a totalidade

ou cota-parte da herança”.

No artigo 1.829 do Código Civil (BRASIL, 2014, p. única), está estabelecida

a ordem de vocação hereditária dos herdeiros legítimos.

Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte:

1 Ibid, p. 37

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I – aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado esta com o falecido no regime da comunhão universal de bens, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança houver deixados bens particulares; II – aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge; III – ao cônjuge sobrevivente; IV – aos colaterais

Ensina Pereira (2009, p.67) que "Denomina-se então, sucessão legítima a

que é deferida por determinação da lei. Atendendo ao que ocorre quando o

sucedendo morre sem testamento (intestato), diz-se também ab intestato)".

Herdeiro legítimo então é aquele chamado de herdeiro natural, aquele

reconhecido em lei e que partilha da herança.

1.1.3.2 Herdeiros necessários

Segundo Gonçalves (2010, p. 470):

Herdeiro necessário, legitimário ou reservatório é o descendente ou ascendente sucessível e o cônjuge (CC, art. 1.845), ou seja, todo parente em linha reta não excluído da sucessão por indignidade ou deserção, bem como o cônjuge , que só passou a desfrutar dessa qualidade no Código Civil de 2002, constituindo tal fato importante inovação.

No artigo 1.845 do Código Civil (BRASIL, 2014, p. única), encontra-se

estabelecida a ordem de vocação hereditária dos herdeiros necessários: “Art. 1.845.

São herdeiros necessários os descendentes, os ascendentes e o cônjuge.”

Já para Rodrigues (2003, p. 123):

Herdeiros necessários, segundo o art. 1.845 do Código Civil, são os descendentes, os ascendentes e o cônjuge. Fazem jus a tal denominação em virtude de não poderem ser afastados, inteiramente, da sucessão, a não ser nas hipóteses excepcionais de deserdação ou indignidade.

Herdeiro necessário é aquela classe de pessoas que a lei protege e obriga a

reserva da metade do patrimônio que o falecido tinha antes de sua morte.

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1.1.3.3 Herdeiros testamentários

Herdeiros testamentários são aqueles contemplados no testamento pela

declaração de ultima vontade do testador.

Gonçalves (2010, p. 46) define herdeiro testamentário como aquele que “é

beneficiado pelo testador no ato de ultima vontade com uma parte ideal do acervo,

sem individuação de bens”.

O testador pode dispor livremente da metade de seus bens, disposição esta

que pode ser feita ao cônjuge, a qualquer de seus herdeiros ou até mesmo a

estranhos, devendo deixar a outra metade, ou seja, a legítima, àqueles assegurados

em lei.

O caput do artigo 1.799 do Código Civil (BRASIL, 2014, p. única) relaciona

as pessoas que podem ser chamadas a suceder na sucessão testamentária:

Art. 1.799. Na sucessão testamentária podem ainda ser chamados a suceder: I – os filhos, ainda não concebidos, de pessoas indicadas pelo testador, desde que vivas estas ao abrir-se a sucessão; II – as pessoas jurídicas; III – as pessoas jurídicas, cuja organização for determinada pelo testador sob a forma de fundação.

De acordo com Diniz (2008, p. 182):

A capacidade para adquirir por testamento ou capacidade testamentária passiva rege-se pela regra genérica de que são capazes de receber por testamento todas as pessoas físicas ou jurídicas, existentes ao tempo da morte do testador, não havidas como incapazes (CC, arts. 1.798 e 1.799);

assim sendo, a capacidade é a regra, e a incapacidade, a exceção.

Vê-se então que para ser chamado a sucessão testamentária, salvo nos

casos em que a lei o proíbe, a pessoa deve existir ao tempo da abertura da

sucessão.

1.1.3.4 Legatários

Legatários são aqueles beneficiados pelo legado, que consiste em coisa

certa e determinada deixada a alguém.

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Leite (2012, p. 195), explica que: “O legado é negócio jurídico. É a

disposição testamentária a título particular, destinada a conceder a alguém uma

determinada vantagem econômica”.

Contribui Venosa (2008, p. 248) afirmando que “Só há legado por via do

testamento, já que sem ele só existem os herdeiros da ordem de vocação

estabelecida em lei, que recolhem a herança”.

Como o legatário recebe a título singular, pode também coincidir, com a

pessoa do herdeiro legítimo ou testamentário.

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2 ESPÉCIES DE REGIMES DE CASAMENTO

A evolução histórica do direito sucessório dos cônjuges teve seu merecido

destaque no novo Código Civil brasileiro, e que coloca em evidência o cônjuge

dentro do direito sucessório.

A aplicação do artigo 1829, I do Código Civil de 2002 quanto a concorrência

do consorte sobrevivo com os descendentes depende do regime de bens do

casamento: o cônjuge sobrevivente não concorrerá com os descendentes do de

cujus se o regime de bens for o da comunhão universal ou o da separação

obrigatória; ou ainda se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não

houver deixado bens particulares.

Podemos entender regime de bens como um complexo de normas que

estabelecem as relações patrimoniais entre marido e mulher, enquanto durar o

matrimônio.

Com relação à concorrência do cônjuge com os descendentes se subordinar

ao regime de bens, observe-se que, na vigência do Código Civil de 1916, este

começava a vigorar desde a data do casamento, e era irrevogável. Mas, em muitos

países como a França, Itália e Espanha entre outros, a regra da imutabilidade foi

sendo alterada, permitindo a possibilidade de alteração.

No Brasil, o Código Civil de 2002 resolveu a questão estabelecendo no

artigo 1639, § 2º, a possibilidade de alteração no regime de bens, que poderá ser

feita mediante alteração judicial, com pedido motivado de ambos os cônjuges e

ressalvados os direitos de terceiros.

Dessa nova ordem deriva o fato de que se determinará se o cônjuge

concorre ou não com os descendentes de acordo com o regime de bens do

casamento que vigorar na época da morte do autor da sucessão.

Neste ponto, vale ressaltar as diferenças entre meação e herança, evitando

confusões que podem levar a conclusões equivocadas.

A meação decorre dos chamados regimes comunitários: comunhão parcial e

comunhão universal. Pertence ao cônjuge por direito próprio, pré-existente à morte,

portanto, não integra o direito sucessório.

A herança é o objeto da sucessão causa mortis, o conjunto de bens

materiais, direitos e obrigações que se transmitem aos herdeiros. Desta forma, a

herança vai para os sucessores, abatida a meação do cônjuge herdeiro.

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Portanto, seguindo o princípio de que “onde há meação não existe herança”,

o cônjuge concorre em igualdade de condições com os descendentes do falecido,

salvo quando já tinha direito à meação.

Na falta de descendentes concorre com os ascendentes em 1º grau, tendo

direito a um terço da herança e no caso de concorrer com ascendente de maior

grau, terá direito a metade de toda a herança deixada pelo de cujus. Como herdeiro

necessário tem direito à legítima, assistindo-lhe também o direito real de habitação,

sob qualquer regime de bens.

Vejamos agora como fica o cônjuge diante de algumas peculiaridades de

cada regime de bens.

2.1 REGIME DA COMUNHÃO UNIVERSAL DE BENS

Este regime está regulamentado no Código Civil 2002 nos artigos 1.667 a

1.671 (BRASIL, 2014, p. única), e a seguir transcreve-se os principais artigos que

mais interessam ao presente trabalho:

Art. 1.667. O regime de comunhão universal importa a comunicação de todos os bens presentes e futuros dos cônjuges e suas dívidas passivas, com as exceções do artigo seguinte. Art. 1.668. São excluídos da comunhão: I - os bens doados ou herdados com a cláusula de incomunicabilidade e os sub-rogados em seu lugar; II - os bens gravados de fideicomisso e o direito do herdeiro fideicomissário, antes de realizada a condição suspensiva; III - as dívidas anteriores ao casamento, salvo se provierem de despesas com seus aprestos, ou reverterem em proveito comum; IV - as doações antenupciais feitas por um dos cônjuges ao outro com a cláusula de incomunicabilidade; V - Os bens referidos nos incisos V a VII do art. 1.659.

Conforme já exposto, não há concorrência do cônjuge supérstite com os

descendentes do de cujus sob este regime. O legislador entende que já há a

garantia da proteção necessária pela meação, não havendo razões para que o (a)

viúvo (a) seja também herdeiro.

Equivocado, porém, o pensamento de que o cônjuge casado sob este

regime de bens estaria sempre amparado, pois no caso do falecido só possuir bens

particulares, o consorte sobrevivo não seria nem meeiro nem herdeiro.

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Esta particularidade, sendo questionada nos Tribunais, poderia gerar

soluções diversas: utilizando o espírito da legislação de que, havendo meação não

há concorrência com os descendentes porque o cônjuge estaria amparado, a

conclusão lógica seria a de que - havendo apenas bens particulares - não houve

meação ficando o cônjuge desamparado, logo deveria haver a concorrência

sucessória. Apesar de parecer uma argumentação justa, não há um respaldo legal, e

as interpretações divergem.

2.2 REGIME DA COMUNHÃO PARCIAL DE BENS

A comunhão parcial é o regime obrigatório, quando não há convenção entre

os nubentes no processo de habilitação, de acordo com o artigo 1.640 do Código

Civil (BRASIL, 2014, p. única), in verbis:

Art. 1.640. Não havendo convenção, ou sendo ela nula ou ineficaz, vigorará, quanto aos bens entre os cônjuges, o regime da comunhão parcial. Parágrafo único. Poderão os nubentes, no processo de habilitação, optar por qualquer dos regimes que este código regula. Quanto à forma, reduzir-se-á a termo a opção pela comunhão parcial, fazendo-se o pacto antenupcial por escritura pública, nas demais escolhas.

Aos que se casam sob este regime, todos os bens adquiridos após a data do

casamento serão comuns ao casal. Em contrapartida, os bens adquiridos por cada

um individualmente anteriormente a data do casamento permanecem de

propriedade individual do mesmo, e está regulamentado pelos artigos 1.658 a 1.666

do atual Código Civil. Vê-se abaixo transcrito, os principais dispositivos:

Art. 1.658. No regime de comunhão parcial, comunicam-se os bens que sobrevierem ao casal, na constância do casamento, com as exceções dos artigos seguintes. Art. 1.659. Excluem-se da comunhão: I - os bens que cada cônjuge possuir ao casar, e os que lhe sobrevierem, na constância do casamento, por doação ou sucessão, e os sub-rogados em seu lugar; II - os bens adquiridos com valores exclusivamente pertencentes a um dos cônjuges em sub-rogação dos bens particulares; III - as obrigações anteriores ao casamento; IV - as obrigações provenientes de atos ilícitos, salvo reversão em proveito do casal; V - os bens de uso pessoal, os livros e instrumentos de profissão; VI - os proventos do trabalho pessoal de cada cônjuge; VII - as pensões, meios-soldos, montepios e outras rendas semelhantes. (BRASIL, 2014, p. única)

19

Como exemplifica o artigo acima transcrito, os bens adquiridos antes do

casamento, bens recebidos em doação ou herança, não se comunicam entre os

cônjuges, bem como os de uso pessoal ou como instrumento de profissão, estes

também não se comunicam.

Para Venosa (2008, p.130) “a maior dificuldade interpretativa do art. 1.829, I,

reside justamente na hipótese do casamento sob o regime de comunhão parcial de

bens”.

A esse respeito, Leite (2003:219, apud VENOSA, 2008) alega que

Na comunhão parcial de bens, o legislador cria duas hipóteses de incidência da regra de concorrência. Primeiro (regra geral), o cônjuge sobrevivente não concorre com os demais descendentes, porque já meeiro, quando o autor da herança não houver deixado bens particulares. Segunda hipótese, se o autor da herança houver deixado bens particulares, a contrariu sensu, da regra geral, conclui-se que o cônjuge sobrevivente concorre com os descendentes.

Em se tratando de casamento regido pela comunhão parcial, o cônjuge já é

meeiro dos bens comuns, e não concorrerá com os descendentes, quando não há

bens particulares. Se o de cujus deixar bens particulares, a concorrência ocorrerá

apenas em relação a esses bens. Neste sentido corroboram, entre outros, as

decisões do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, in verbis:

Ementa: AGRAVO DE INSTRUMENTO. SUCESSÃO DE CÔNJUGE SOBREVIVENTE CASADA PELO REGIME DA COMUNHÃO PARCIAL DE BENS. EXISTÊNCIA DE DOIS FILHOS APENAS DO VARÃO, DE RELACIONAMENTO ANTERIOR AO CASAMENTO. Sendo ambígua a redação do art. 1.829, I, existindo diversas correntes em relação ao dispositivo, a melhor interpretação é aquela que entende que o cônjuge sobrevivente deve ser herdeiro apenas dos bens comuns, sendo os bens particulares partilhados apenas entre os descendentes. Interpretação que mais se harmoniza com o regime da comunhão parcial escolhidos pelos cônjuges. Precedente do STJ. Na hipótese dos autos, entretanto, considerando que a decisão determinou a concorrência da viúva com relação aos bens particulares, em atenção à proibição da reformatio in pejus, no presente caso deve ser mantida a partilha também desses bens, afastando-se a regra do art. 1.790 que disciplina a sucessão do(a) companheiro(a) e não se aplica na hipótese. Tratando-se a sub-rogação dos bens e quitação com recursos do FGTS questões de alta indagação, deve ser mantida a remessa às vias ordinárias. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. (Agravo de Instrumento Nº 70035286681, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Claudir Fidelis Faccenda, Julgado em 20/05/2010)

O Egrégio Superior Tribunal de Justiça, por sua vez, também entende que “o

cônjuge sobrevivente não concorre com os descendentes em relação aos bens

20

integrantes da meação do falecido”. Nesse sentido, Resp. n. 974241/DF, Relator

Des. Honildo Amaral de Mello Castro (Desembargador Convocado do TJ/AP) Relator

p/ acórdão Ministra Maria Isabel Gallotti, 4ª Turma, julgado em 07/06/2011, DJE

05/10/2011, assim ementado:

Ementa CIVIL. SUCESSÃO. CÔNJUGE SOBREVIVENTE E FILHA DO FALECIDO. CONCORRÊNCIA. CASAMENTO. COMUNHÃO PARCIAL DE BENS. BENS PARTICULARES. CÓDIGO CIVIL, ART. 1829, INC. I. DISSÍDIO NÃO CONFIGURADO. 1. No regime da comunhão parcial de bens, o cônjuge sobrevivente não concorre com os descendentes em relação aos bens integrantes da meação do falecido. Interpretação do art. 1829, inc. I, do Código Civil. 2. Tendo em vista as circunstâncias da causa, restaura-se a decisão que determinou a partilha, entre o cônjuge sobrevivente e a descendente, apenas dos bens particulares do falecido. 3. Recurso especial conhecido em parte e, nesta parte, provido. (Recurso Especial nº 974241/DF, Quarta Turma, Superior Tribunal de Justiça, Relator: Honildo Amaral de Mello Castro. Julgado em 07/06/2011).

Na III jornada de Direito Civil, promovida pelo Conselho de Justiça

Federal/Centro de Estudos Judiciários, aprovou-se o Enunciado nº 270 (REVISTA

DE DIREITO IMOBILIÁRIO, 2012, p. 214), in verbis:

O art. 1,829, inc. I, só assegura ao cônjuge sobrevivente o direito de concorrência com os descendentes do autor da herança quando casados no regime da separação convencional de bens ou, se casados nos regimes da comunhão parcial ou final nos aquestos, o falecido possuísse bens particulares, hipótese em que a concorrência se restringe a tais bens, devendo os bens comuns (meação) ser partilhados exclusivamente entre os

descendentes.

Entretanto, esta não é uma posição pacífica, e alguns autores como Maria

Helena Diniz, Guilherme Calmon Nogueira da Gama, Inácio de Carvalho Neto entre

outros, defendem que a participação do cônjuge se dará sobre todo o acervo.

Sobre o tema, Diniz (2008, p. 122) argumenta que o cônjuge que preencher

os requisitos legais gerais (ausência de separação extrajudicial ou judicial, ou

separação de fato há mais de dois anos) e os especiais (regime de comunhão

parcial havendo bens particulares, separação convencional ou de participação final

nos aquestos) terá sua quota sobre todo o acervo, justificando sua posição ao

afirmar que "a lei não diz que a herança do cônjuge só recai sobre os bens

particulares; a herança é indivisível; o cônjuge supérstite é herdeiro necessário –

tendo direito à quota legitimária, entre outros argumentos".

21

Todavia, reconhecer que o direito recai sobre a totalidade dos bens pode ser

um critério um pouco aleatório, criando resultados muitas vezes absurdos, uma vez

que não estipula uma proporcionalidade entre os bens particulares e os comuns.

Citamos a título de exemplificação, o falecimento de um cônjuge casado pelo

regime da comunhão parcial, e que só houvesse patrimônio comum: o consorte

sobrevivente teria direito à meação; mas caso houvesse um único bem particular, o

cônjuge supérstite receberia, além da meação, uma parcela sobre todo o acervo

(bens particulares e nos bens comuns).

A doutrina majoritária, fundada na interpretação teleológica, entende que o

quinhão hereditário corresponde à meação do falecido repartido exclusivamente

entre os descendentes, e o cônjuge somente será sucessor nos bens particulares.

Corroborando com a esta linha, Veloso (2010, p. 46) argumenta que, sob

este regime, o cônjuge já é meeiro dos bens comuns, e não seria justo que ainda

viesse a ser herdeiro, concorrendo com os descendentes do de cujus sobre estes

bens comuns.

Outro fato a se considerar é o confronto entre os artigos 1.829, I e 1.790

caput e inciso I do CC 2002. Inicialmente, os dois artigos in verbis:

Art. 1.790. A companheira ou o companheiro participará da sucessão do outro, quanto aos bens adquiridos onerosamente na vigência da união estável, nas condições seguintes: I - se concorrer com filhos comuns, terá direito a uma quota equivalente à que por lei for atribuída ao filho; Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte: I - aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares.” (BRASIL, 2014, P. única)

Vejamos um exemplo de aplicação prática deste confronto, encontrado no

livro de Veloso (2010, p. 43 e 44), o qual transcreve-se a seguir:

1) um casal, civilmente casado, no regime parcial, tem dois filhos, adquiriu onerosamente bens no valor de 20.000; não há bens com particulares; o marido morreu; a viúva é meeira, portanto, dona de 10.000, e não é herdeira, não concorre com os filhos, pois não há bens particulares; a herança (10.000) é toda dos dois filhos; 2) um casal vive em união estável, sob o regime da comunhão parcial, tem dois filho, adquiriu onerosamente bens no valor de 20.000, não há bem particulares; o companheiro morreu; a companheira sobrevivente é meeira, portanto, dona de 10.000, e é herdeira sobre os outros 10.000, concorrendo com os dois filhos.

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O exemplo demonstra uma situação onde é mais vantajoso não se casar do

ponto de vista da sucessão, estabelecendo um sistema sucessório isolado, no qual,

de acordo com Sílvio de Salvo Venosa (2008, p.136), o companheiro supérstite nem

é equiparado ao cônjuge nem se estabelecem regras claras para a sucessão.

Vejamos então uma jurisprudência do TJRS acerca do tema:

Ementa: AGRAVO DE INSTRUMENTO. SUCESSÕES. EXCLUSÃO DA COMPANHEIRA DO ROL DE HERDEIROS. BEM ADQUIRIDO ONEROSAMENTE NA CONSTÂNCIA DA UNIÃO. INCIDÊNCIA DO ART. 1790, I DO CÓDIGO CIVIL. 1. Não se trata de atribuir maiores direitos ao companheiro do que ao cônjuge, mas sim direitos diferentes. Embora o tratamento sucessório desigual estabelecido pelo Código Civil tenha sido alvo de inúmeras críticas da doutrina especializada, e alguns dispositivos aplicados com certo temperamento pela jurisprudência, o fato é que o Código estabelece direitos diferentes ao regular a sucessão dos cônjuges e dos companheiros. 2. Pela atual disciplina do Código Civil, enquanto o cônjuge, no regime da comunhão parcial, ostenta a condição de herdeiro sobre os bens particulares do autor da herança, excluindo a meação (art. 1829), os companheiros têm direito sucessório incidente sobre o mesmo universo patrimonial sobre o qual incide a meação, qual seja, os bens adquiridos onerosamente na constância da união (art. 1790). 3. Em suma, no caso: além de meeira, a companheira é herdeira e concorre com os descendentes na forma do inciso I do art. 1790 do CCB. AGRAVO PROVIDO EM DECISÃO MONOCRÁTICA. (Agravo de Instrumento Nº 70039409149, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Luiz Felipe Brasil Santos, Julgado em 20/10/2010)

O legislador poderia ter equiparado a união estável ao casamento em

matéria sucessória, mas ao não o fazer, trazendo insegurança social, levantando

questões complexas, e dando muito trabalho à doutrina e jurisprudência, que devem

tratar as dúvidas com ponderação para dar a interpretação mais adequada aos

problemas oriundos da matéria.

2.3 REGIME DA SEPARAÇÃO DE BENS

Este regime estabelece as seguintes regras para o casamento de acordo

com o Código Civil:

Art. 1.687. Estipulada a separação de bens, estes permanecerão sob a administração exclusiva de cada um dos cônjuges, que os poderá livremente alienar ou gravar de ônus real. Art. 1.688. Ambos os cônjuges são obrigados a contribuir para as despesas do casal na proporção dos rendimentos de seu trabalho e de seus bens, salvo estipulação em contrário no pacto antenupcial. (BRASIL, 2014, p. única)

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Diferente do regime da separação obrigatória de bens que será estudado no

próximo item, o regime da separação de bens poderá ser livremente adotado pelos

nubentes, salvo nos casos em que a lei o proíbe. Todos os bens adquiridos

anteriormente ou na constância do casamento permanecerão sob a administração

exclusiva de quem o adquiriu, poderá inclusive, alienar ou gravar de ônus os bens

imóveis.

Por outro lado, os cônjuges tem obrigação mutua de ajudar no provento e

administração do lar.

Este regime depende de escritura pública de pacto antenupcial, qualquer resalva

com relação aos bens dos cônjuges devem ser feitas na escritura pública, do

contrario aplica-se a regra geral descrita nos artigos acima

Sobre a sucessão do cônjuge sobrevivente casado sob este regime, ensina

Diniz (2008, p. 119-120):

Portanto, o cônjuge supérstite em concorrência com os descendentes herdará apenas se for casado pelo regime da comunhão parcial de bens, em caso de ter o de cujus deixado bens particulares, pelo regime da separação convencional de bens (CC, arts. 1.687 e 1.688) e pelo regime de participação final nos aquestos (CC, arts. 1.672 a 1.685). (...) Se concorrer com descendentes do falecido cônjuge, terá direito a um quinhão igual ao dos que sucederem por cabeça, não podendo a sua quota ser inferior a quarta parte da herança, se for ascendente dos herdeiros com que concorrer (CC, art.1.842)..

Vê-se então que em caso de falecimento de um dos cônjuges, ao que

sobrevir terá as mesmas garantias daquele casado sob o regime da comunhão

parcial de bens, ou seja, terá direito a partilhar dos bens particulares do de cujus

juntamente com dos descendentes, não podendo a sua parte ser inferior a quarta

parte da herança.

2.4 REGIME DA SEPARAÇÃO OBRIGATÓRIA DE BENS

A Lei não permite a livre escolha de regime de bens aos que se

enquadrarem nas situações previstas no artigo 1.641 CC/02 in verbis:

Art. 1.641. É obrigatório o regime da separação de bens no casamento: I - das pessoas que o contraírem com inobservância das causas suspensivas da celebração do casamento; II – da pessoa maior de 70 (setenta) anos; (Redação dada pela Lei nº 12.344, de 2010)

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III - de todos os que dependerem, para casar, de suprimento judicial. (BRASIL, 2014, p. única)

O cônjuge nada herdará se casado sob este regime, pois o contrário seria,

em tese, fraude ao regime imposto por lei. Sobre este aspecto, Venosa (2008, p.

129) opina que “não se mostrará justa, em muitas oportunidades, a exclusão do

cônjuge da herança nessa hipótese legal, quando o casamento foi realizado sob o

regime de separação obrigatória.”

Para Veloso (2010, p. 55), embora o cônjuge sobrevivente não concorra com

os descendentes no regime de separação obrigatória, poderá pleitear a meação dos

bens adquiridos com o esforço comum após o casamento, sob o fundamento de

evitar o enriquecimento sem justa causa, invocando a Súmula 377 do STF, a qual

trata que “No regime de separação legal de bens, comunicam-se os adquiridos na

constância do casamento”, uma vez que a idéia de que esta não tem mais

aplicabilidade não foi aprovada.

2.5 REGIME DE PARTICIPAÇÃO FINAL NOS AQUESTOS

Pelo regime de participação final nos aquestos os bens que os cônjuges

possuíam antes do casamento e os que adquiriram na constância do casamento,

permanecem próprios de cada um, da mesma forma que é na separação total de

bens. Porém, se houver a dissolução do casamento (divórcio ou óbito), os bens que

foram adquiridos na constância do casamento será partilhado em comum. Neste

regime também é necessário fazer uma Escritura de Pacto Antenupcial. Abaixo,

transcreve-se os principais artigos do Código Civil a respeito:

Art. 1.672. No regime de participação final nos aqüestos, cada cônjuge possui patrimônio próprio, consoante disposto no artigo seguinte, e lhe cabe, à época da dissolução da sociedade conjugal, direito à metade dos bens adquiridos pelo casal, a título oneroso, na constância do casamento. Art. 1.673. Integram o patrimônio próprio os bens que cada cônjuge possuía ao casar e os por ele adquiridos, a qualquer título, na constância do casamento. Parágrafo único. A administração desses bens é exclusiva de cada cônjuge, que os poderá livremente alienar, se forem móveis. (BRASIL, 2014, p. única)

Cuida a legislação no caso deste regime, dos bens que integram o

montante, que deve ser necessariamente levantado na dissolução do matrimônio:

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Art. 1.674. Sobrevindo a dissolução da sociedade conjugal, apurar-se-á o montante dos aqüestos, excluindo-se da soma dos patrimônios próprios: I - os bens anteriores ao casamento e os que em seu lugar se sub-rogaram; II - os que sobrevieram a cada cônjuge por sucessão ou liberalidade; III - as dívidas relativas a esses bens. Parágrafo único. Salvo prova em contrário, presumem-se adquiridos durante o casamento os bens móveis. (BRASIL, 2014, p. única)

Cuida a norma também, na determinação do montante dos aquestos, dos

valores das doações feitas por um dos cônjuges, sem a necessária autorização do

outro, ressalva as dívidas e outras providências:

Art. 1.675. Ao determinar-se o montante dos aquestos, computar-se-á o valor das doações feitas por um dos cônjuges, sem a necessária autorização do outro; nesse caso, o bem poderá ser reivindicado pelo cônjuge prejudicado ou por seus herdeiros, ou declarado no monte partilhável, por valor equivalente ao da época da dissolução. Art. 1.676. Incorpora-se ao monte o valor dos bens alienados em detrimento da meação, se não houver preferência do cônjuge lesado, ou de seus herdeiros, de os reivindicar. Art. 1.677. Pelas dívidas posteriores ao casamento, contraídas por um dos cônjuges, somente este responderá, salvo prova de terem revertido, parcial ou totalmente, em benefício do outro. Art. 1.678. Se um dos cônjuges solveu uma dívida do outro com bens do seu patrimônio, o valor do pagamento deve ser atualizado e imputado, na data da dissolução, à meação do outro cônjuge. Art. 1.679. No caso de bens adquiridos pelo trabalho conjunto, terá cada um dos cônjuges uma quota igual no condomínio ou no crédito por aquele modo estabelecido. Art. 1.680. As coisas móveis, em face de terceiros, presumem-se do domínio do cônjuge devedor, salvo se o bem for de uso pessoal do outro. Art. 1.681. Os bens imóveis são de propriedade do cônjuge cujo nome constar no registro. Parágrafo único. Impugnada a titularidade, caberá ao cônjuge proprietário

provar a aquisição regular dos bens. (BRASIL, 2014, p. única)

Como regra de conteúdo protetivo aos interesses de ambos os cônjuges no

regime da participação final nos aquestos o artigo 1.682 restringe alguns direitos à

meação, como a renúncia, cessão ou penhora, enquanto vigente o regime

matrimonial:

Art. 1.682. O direito à meação não é renunciável, cessível ou penhorável na vigência do regime matrimonial. Art. 1.683. Na dissolução do regime de bens por separação judicial ou por divórcio, verificar-se-á o montante dos aqüestos à data em que cessou a convivência. Art. 1.684. Se não for possível nem conveniente a divisão de todos os bens em natureza, calcular-se-á o valor de alguns ou de todos para reposição em dinheiro ao cônjuge não-proprietário.

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Parágrafo único. Não se podendo realizar a reposição em dinheiro, serão avaliados e, mediante autorização judicial, alienados tantos bens quantos bastarem. Art. 1.685. Na dissolução da sociedade conjugal por morte, verificar-se-á a meação do cônjuge sobrevivente de conformidade com os artigos antecedentes, deferindo-se a herança aos herdeiros na forma estabelecida neste Código. Art. 1.686. As dívidas de um dos cônjuges, quando superiores à sua

meação, não obrigam ao outro, ou a seus herdeiros. (BRASIL, 2014, p.

única)

Com relação ao regime da participação final dos aquestos, a legislação não

se expressou quanto à sucessão, mesmo havendo previsão deste regime no

anteprojeto, como explica Bruno José Berti Filho in Revista de Direito Imobiliário

(2012, p. 220). O mesmo autor completa que, havendo herança para estes casos, o

enunciado 270 da III Jornada de Direito Civil previu a mesma regra da comunhão

parcial de bens: herda sobre os bens em que não haja meação.

Portanto, com a morte de um cônjuge, o outro será meeiro de tudo o que se

adquiriu na constância do casamento a titulo oneroso e o montante dos aquestos

será apurado excluindo-se da soma dos patrimônios próprios os bens anteriores ao

casamento e os que em seu lugar se sub-rogaram, os que sobrevieram a cada

cônjuge por sucessão ou liberalidade e as dívidas relativas a esses bens.

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3 O CÔNJUGE COMO HERDEIRO NO CÓDIGO CIVIL DE 2002

O termo sucessão é comumente empregado sem distinção de herança.

Entretanto, é necessário fazer sempre a distinção, retomando resumidamente alguns

conceitos do primeiro capítulo deste trabalho. Suceder é substituir e, sempre que

uma pessoa toma o lugar de outra em uma relação jurídica, há uma sucessão. A

sucessão pode ocorrer de duas formas: a que deriva de um ato entre vivos, e a que

tem como causa a morte (causa mortis).

A herança é o conjunto de direitos e obrigações que se transmitem, em

razão da morte do titular, a uma ou mais pessoas que sobrevivem ao falecido.

O herdeiro recebe a herança toda ou quota-fração dela, sem a determinação

de bens, o que só ocorre na partilha. O herdeiro ganha esta condição por estar na

ordem de vocação hereditária, conforme o artigo 1829 CC/02, ou por obediência ao

testamento.

Se a pessoa falecer sem testamento (ab intestato), a lei determinará a

ordem pela qual serão chamados os herdeiros, sendo a posição do cônjuge nesta

ordem, uma novidade em relação à legislação anterior. Pelo Código Civil de 2002, o

direito hereditário do (a) viúvo (a) recebeu um tratamento inovador e avançado,

sendo ele agora não apenas herdeiro necessário, mas herdeiro necessário que

ocupa todas as classes sucessórias.

Porém, o CC não erigiu o cônjuge à condição de herdeiro necessário apenas, mas à de herdeiro necessário privilegiado, pois concorre com os descendentes e com os ascendentes do de cujus. Portanto, ora está na 1ª classe dos herdeiros legítimos, concorrendo com os descendentes, ora na 2ª classe sucessória, concorrendo com os ascendentes, e ocupa, sozinho, a 3ª classe dos sucessíveis. A posição sucessória reconhecida ao cônjuge sobrevivente é um dos grandes avanços do Código Civil. Veloso (2010, p. 32)

O artigo 1.829 do Código Civil de 2002 foi o grande marco no avanço da

posição sucessória do cônjuge sobrevivente. Arnaldo Rizzardo in Revista de Direito

Imobiliário (2008, apud BRUNO JOSÉ BERTI FILHO, 2012, p. 213) explica a

mudança:

No pertinente ao cônjuge, à semelhança do Código Civil português, deu-se a sua inclusão como herdeiro concorrente com os descendentes pelo Código de 2002, rompendo uma tradição secular, e refletindo uma tendência que vinha se fazendo sentir fazia algum tempo, especialmente a

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partir da adoção do regime de comunhão parcial como o oficial. Passou a se levar em conta que normalmente, em face do regime de comunhão parcial, que predomina, fica o cônjuge mais sujeito à debilidade econômica, se não resultar patrimônio durante a vigência do casamento.

O artigo 1.831 do novo código ampliou o direito real de habitação2 sobre o

imóvel residencial familiar, mantendo a condição de que seja o único daquela

natureza, mas reconhecendo-o em favor do cônjuge independentemente do regime

de bens. E ainda, não impôs a restrição de que, cessado o estado de viuvez,

extinguiria-se o direito. Vejamos o artigo na íntegra:

Art. 1.831. Ao cônjuge sobrevivente, qualquer que seja o regime de bens, será assegurado, sem prejuízo da participação que lhe caiba na herança, o direito real de habitação relativamente ao imóvel destinado à residência da família, desde que seja o único daquela natureza a inventariar.

O artigo supra citado visa proteger o cônjuge sobrevivente e favorecer a

continuidade do ambiente do lar, mas por ser um direito real sobre coisa alheia, para

que lhe assista este direito, é indispensável que o imóvel não lhe caiba na partilha,

caso em que haverá então, direito de propriedade e não de habitação.

Ainda sobre o mesmo artigo, Veloso (2003 apud NADER, 2009, p.146)

observa que “há uma perda substancial do direito dos demais herdeiros”, que só se

justifica enquanto o cônjuge permanecer no estado de viuvez e não constituir união

estável.

Apesar de tantos avanços, o texto legal deixou muito a desejar, como aduz

Venosa (2008, p. 129)

Em matéria de direito hereditário do cônjuge e também do companheiro, o Código Civil brasileiro de 2002 representa verdadeira tragédia, um desprestígio e um desrespeito para nosso meio jurídico e para a sociedade, tamanhas são as impropriedades que desembocam em perplexidades interpretativas. Melhor seria que fosse, nesse aspecto, totalmente reescrito e que se apagasse o que foi feito, como uma mancha na cultura jurídica nacional. É incrível que pessoas presumivelmente cultas como os legisladores pudessem praticar tamanhas falhas estruturais no texto legal.

2 Direito Real de habitação: a nova lei previu, ainda, com maior extensão, o direito real de habitação sobre o imóvel residencial familiar (art. 1.831): este continua sujeito a uma das condições do direito anterior (“desde que seja o único daquela natureza a inventariar”), mas passa a ser reconhecido em favor do cônjuge “qualquer que seja o regime de bens” (e não somente no de comunhão universal). Diferentemente do Código de 1916, o novo não reproduziu a cláusula restritiva “enquanto vivo e permanecer viúvo”, daí se extraindo que a cessação do estado de viuvez (ou a constituição de união estável) não mais extingue aquele direito (Eduardo de Oliveira Leite, Comentários ao Novo Código Civil, comentário ao art. 1831). (PEREIRA, 2009, p. 113).

29

Mas o mal está feito e a lei está vigente. Que a apliquem de forma mais justa possível nossos tribunais

Denota-se que a finalidade da lei foi no sentido de proteger o cônjuge, em

especial quando nada recebe a título de meação, tornando-o herdeiro. Entretanto,

nem todas as situações previstas nestes artigos oferecerá a almejada proteção,

merecendo o texto aprimoramento e oportunidades para a doutrina e jurisprudência

apararem as arestas em busca de justiça.

3.1 EVOLUÇÃO HISTÓRICA

Importante a análise da evolução histórica do Direito sucessório entre os

cônjuges, ainda que breve, pois nos auxiliará a perceber a grande inovação do novo

Código Civil Brasileiro.

Quando do descobrimento do Brasil, as Ordenações de Portugal passaram a

vigorar também aqui, sendo que as Afonsinas foram as primeiras. Estas

consolidaram leis gerais, mas logo foram substituídas pelas Manuelinas.

Em 1603 foram editadas as Ordenações Filipinas, aplicadas no Brasil até a

Independência, por meio das quais o cônjuge sobrevivente só seria chamado à

sucessão caso o falecido não deixasse parentes até o 10º grau da linha colateral,

conforme Título XCIV in verbis:

Como o marido e a mulher sucedem hum a outro. Fallecendo o homem casado adintestado, e não tendo parente até o décimo grão contado segundo Direito Civil, que seus bens deva herdar, e ficando sua mulher viva, a qual juntamente com ele estava e vivia em casa teúda e manteúda, como mulher com seu marido, ella será sua universal herdeira. E pela mesma maneira será o marido herdeiro da mulher, com que estava em casa manteúda, como marido e mulher, se ella primeiro falecer sem herdeiro até o dito décimo grão. E Nestes casos não terão que fazer em taes bens os nossos Almoxarife.

Esta situação prolongou-se, passando pela Independência até a

Proclamação da República, sendo ratificada na Consolidação as Leis Civis em 1858

em seus artigos 959 e 973.

Diante dessa rigorosa legislação, o cônjuge era praticamente excluído da

herança, pois raramente chegaria sua vez para suceder “ab intestato”. Apesar disto,

devemos ressaltar que o regime legal supletivo da época era o da comunhão

universal de bens. O que se critica a essa vocação dos colaterais, conforme Clovis

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Beviláqua, é que não há mais consciência da unidade familiar, nem afeição

simpática dos parentes entre si.

O marco da alteração quanto a ordem da vocação hereditária ocorreu no

começo do século XX, por meio do Decreto nº 1.839 de 31 de dezembro de 1907,

conhecido como Lei Feliciano Pena – Senador mineiro, seu autor.

Com o decreto, foi corrigida a distorção, colocando o cônjuge sobrevivente em 3º

lugar: antes dos colaterais e depois dos descendentes e ascendentes, ficando os

colaterais em 4º lugar. A Lei ainda limitou a vocação dos colaterais ao 6º grau, o que

foi para a época, uma grande inovação, e ficou assim redigido “in verbis”:

Art. 1º. Na falta de descendentes e ascendentes, defere-se a successão ab intestato ao cônjuge sobrevivo, si ao tempo da morte do outro não estavam desquitados; na falta deste, aos collateraes até o sexto grão por direito civil; na falta destes, aos Estados, ao Distrito Fedral, si o de cujus for domicilido nas respectivas circumscripções, ou à União, si tiver o domicílio em território não incorporado a qualquer delas.

Em Portugal a posição do cônjuge na sucessão hereditária passou por um

processo semelhante, e o nosso Código Civil de 1916 manteve a mesma regra.

Desta forma, o Código Civil Brasileiro de 1916, que vigorou até sua

revogação pelo atual Código Civil, manteve a vocação hereditária da Lei Feliciano

pena através do artigo1603. No mesmo diploma legal, o artigo 1611 estabelecia o

deferimento da sucessão ao cônjuge sobrevivente, à falta de descendentes ou

ascendentes, se ao tempo da morte do outro não estavam desquitados – o que foi

alterado com a Lei do Divórcio, passando-se a dizer “se não estava dissolvida a

sociedade conjugal”. O artigo 1612, que em sua versão original previa - no caso de

não haver cônjuge sobrevivente ou no caso de sua incapacidade - o chamamento à

sucessão dos colaterais até o 6º grau, foi alterado em 1939 limitando o direito

hereditário dos colaterais ao 2º grau (irmãos) e, novamente alterado em 1945, a

vocação dos colaterais ficou fixada e 4º grau (tio-avô, sobrinho-neto, primos), e

assim se manteve até o novo Código Civil de 2002, conforme o artigo 1839.

3.2 ORDEM DE VOCAÇÃO HEREDITÁRIA

Ao sucessor será deferida a herança consoante testamento ou mandamento

da lei, sendo os herdeiros chamados pela ordem do testamento ou da lei. Desta

31

forma, com a morte de uma pessoa, inicialmente deve-se buscar se o falecido

deixou testamento, indicando como será partilhado seu patrimônio. Serão então

verificadas todas as possíveis alterações que impeçam ou alterem a última vontade,

tais como ineficácia ou nulidade, respeito à quota reservatória, disposição de apenas

parte dos bens entre outros, convocando-se então certas pessoas para receber a

herança, distribuída conforme a vontade do autor da herança, desde que na

conformidade das normas que presidem à facção testamentária. Se o testamento

não for válido, a sucessão aberta será a legal; se o testamento for válido, mas não

contemplar a totalidade da herança, serão abertas, concorrentemente, a legítima e a

testamentária, já que não vigora nenhuma incompatibilidade das duas espécies. No

caso de não haver testamento (ab intestato) a lei determinará a ordem pela qual

serão chamados os herdeiros, sendo que a indicação dos herdeiros se faz ex vi

legis.

Tal ordem de vocação hereditária está estabelecida no art. 1.829 do Código

Civil de 2002, e o transcrevemos a seguir:

Art. 1.829. A sucessão legítima defere-se na ordem seguinte: I – aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado esta com o falecido no regime da comunhão universal de bens, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança houver deixados bens particulares; II – aos ascendentes, em concorrência com o cônjuge; III – ao cônjuge sobrevivente; IV – aos colaterais (BRASIL, 2014, p. única)

Observe-se para todo este trabalho que a referência ao artigo 1.640,

parágrafo único, expresso no inciso I do artigo 1.829 está incorreta, uma vez que o

artigo que remete as hipóteses de casamento sob o regime de separação obrigatória

de bens é o artigo 1.641, conforme adverte Venosa (2008, p. 111), e o Projeto nº

6.960 tenta corrigir esta distorção.

No caso do de cujus ter companheiro, a ordem de vocação hereditária será a

do artigo 1.790 do CC/02, sendo que algumas implicações na alteração da vocação

hereditária deste artigo já foram contempladas no item 2.2 deste trabalho.

Como regra geral, os herdeiros mais próximos excluem os mais remotos,

com algumas exceções, mas o legislador beneficiou os membros da família, por

entender estarem ali os maiores vínculos afetivos do autor da herança.

32

Finalmente, será chamado o Município, o Distrito Federal ou a União a

receber a herança vacante (art. 1.822 CC/02), entendendo-se, todavia, que o Estado

não é um herdeiro, apenas adquire os bens por direito próprio em virtude destes se

tornarem vacantes. A vocação hereditária não se estende em benefício de outras

pessoas, tais como concubino, pessoas incapazes para o trabalho sob sua

mantença, pessoa jurídica – exceto as de direito público interno.

3.3 CONCORRÊNCIA DO CÔNJUGE

Como mencionado anteriormente, o artigo 1.829 do Código Civil de 2002

estabelece a ordem da vocação hereditária destacando o grau privilegiado do

cônjuge na concorrência com os demais membros da família do falecido.

Diniz (2008, p. 102) conclui que a base da sucessão é o parentesco,

segundo as linhas e os graus próximos ou remotos, respeitando-se a afeição

conjugal, de forma que uma classe só será chamada quando faltarem herdeiro na

classe precedente. Ainda de acordo com a autora, o cônjuge sobrevivente conta

ainda com o direito real de habitação, sob qualquer regime de bens.

O consorte supérstite concorrerá com os descendentes desde que

preenchidas as condições legais, subordinado ao regime de bens do casamento,

como já exposto em maiores detalhes. A legitimidade do cônjuge para suceder é

estabelecida no artigo 1.830 CC/02 in verbis:

Art. 1.830. Somente é reconhecido direito sucessório ao cônjuge sobrevivente se, ao tempo da morte do outro, não estavam separados judicialmente, nem separados de fato há mais de dois anos, salvo prova, neste caso, de que essa convivência se tornara impossível sem culpa do sobrevivente.

A condição de cônjuge herdeiro depende, portanto, do reconhecimento da

legitimidade, que devem ser provadas. Novamente, Venosa (2008, p.133) critica o

texto legislativo, complexo e prolixo, que pode trazer discussões no caso concreto,

como afirma:

Se ao tempo da morte estavam os cônjuges judicialmente separados, não há que se falar em sucessão do sobrevivente. O fato é objetivo e comprova-se documentalmente. No entanto, também não haverá direito sucessório do supérstite se o casal separado de fato há mais de dois anos. Aqui já se abre margem a infindáveis discussões judiciais, porque pode o de cujus ter

33

falecido em união estável, que pode ser reconhecida na separação de fato. A questão será então definir quem será herdeiro; o cônjuge ou o companheiro. Ainda, não bastasse esse aspecto, pode o cônjuge sobrevivente provar que a separação ocorreu porque a separação se tornara impossível sem sua culpa. Neste ponto, poderão se abrir discussões muito mais profundas que o legislador poderia ter evitado. Aliás, este dispositivo, em sua totalidade, será um pomo de discórdias, e terá muita importância o trabalho jurisprudencial.

Na falta de descendentes, o cônjuge concorrerá com os ascendentes, de

acordo com o artigo 1.837 do CC/02. Em continuidade, pela aplicação do artigo

1.838, o cônjuge será herdeiro único e universal na falta de descendentes e

ascendentes. Somente se não houver cônjuge sobrevivente legitimado é que serão

chamados os colaterais até o quarto grau de acordo com o artigo 1.839 CC/02.

Contudo, a maior controvérsia está na interpretação do artigo 1.829, I do

novo código, quando o cônjuge sobrevivente é herdeiro em concorrência com os

descendentes do de cujus, o legislador ao descrever a norma tentou delimitar o alvo

de proteção, trazendo assim ambiguidade ao texto da lei.

Para interpretá-lo é preciso investigar as condições da concorrência e como

calcular o quinhão, e para maior clareza, veremos separadamente cada situação nos

próximos tópicos.

Visando uma melhor apreciação, colacionamos o primeiro julgado sobre o

tema pelo STJ, o REsp 992.749/MS, de relatoria da Ministra Nancy Andrighi,

publicado em 05 de fevereiro de 2010, considerado o leading case, e faz uma boa

síntese da matéria. Segue a Ementa abaixo, e para aprofundamento segue o

relatório da Ministra na íntegra no anexo I.

EMENTA Direito civil. Família e Sucessões. Recurso especial. Inventário e partilha. Cônjuge sobrevivente casado pelo regime de separação convencional de bens, celebrado por meio de pacto antenupcial por escritura pública. Interpretação do art. 1.829, I, do CC⁄02. Direito de concorrência hereditária com descendentes do falecido. Não ocorrência. - Impositiva a análise do art. 1.829, I, do CC⁄02, dentro do contexto do sistema jurídico, interpretando o dispositivo em harmonia com os demais que enfeixam a temática, em atenta observância dos princípios e diretrizes teóricas que lhe dão forma, marcadamente, a dignidade da pessoa humana, que se espraia, no plano da livre manifestação da vontade humana, por meio da autonomia privada e da consequente autorresponsabilidade, bem como da confiança legítima, da qual brota a boa fé; a eticidade, por fim, vem complementar o sustentáculo principiológico que deve delinear os contornos da norma jurídica. - Até o advento da Lei n.º 6.515⁄77 (Lei do Divórcio), vigeu no Direito brasileiro, como regime legal de bens, o da comunhão universal, no qual o cônjuge sobrevivente não concorre à herança, por já lhe ser conferida a meação sobre a totalidade do patrimônio do casal; a partir da vigência da

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Lei do Divórcio, contudo, o regime legal de bens no casamento passou a ser o da comunhão parcial, o que foi referendado pelo art. 1.640 do CC⁄02. - Preserva-se o regime da comunhão parcial de bens, de acordo com o postulado da autodeterminação, ao contemplar o cônjuge sobrevivente com o direito à meação, além da concorrência hereditária sobre os bens comuns, mesmo que haja bens particulares, os quais, em qualquer hipótese, são partilhados unicamente entre os descendentes. - O regime de separação obrigatória de bens, previsto no art. 1.829, inc. I, do CC⁄02, é gênero que congrega duas espécies: (i) separação legal; (ii)separação convencional. Uma decorre da lei e a outra da vontade das partes, e ambas obrigam os cônjuges, uma vez estipulado o regime de separação de bens, à sua observância. - Não remanesce, para o cônjuge casado mediante separação de bens, direito à meação, tampouco à concorrência sucessória, respeitando-se o regime de bens estipulado, que obriga as partes na vida e na morte. Nos dois casos, portanto, o cônjuge sobrevivente não é herdeiro necessário. - Entendimento em sentido diverso, suscitaria clara antinomia entre os arts. 1.829, inc. I, e 1.687, do CC⁄02, o que geraria uma quebra da unidade sistemática da lei codificada, e provocaria a morte do regime de separação de bens. Por isso, deve prevalecer a interpretação que conjuga e torna complementares os citados dispositivos. - No processo analisado, a situação fática vivenciada pelo casal – declarada desde já a insuscetibilidade de seu reexame nesta via recursal – é a seguinte: (i) não houve longa convivência, mas um casamento que durou meses, mais especificamente, 10 meses; (ii) quando desse segundo casamento, o autor da herança já havia formado todo seu patrimônio e padecia de doença incapacitante; (iii) os nubentes escolheram voluntariamente casar pelo regime da separação convencional, optando, por meio de pacto antenupcial lavrado em escritura pública, pela incomunicabilidade de todos os bens adquiridos antes e depois do casamento, inclusive frutos e rendimentos. - A ampla liberdade advinda da possibilidade de pactuação quanto ao regime matrimonial de bens, prevista pelo Direito Patrimonial de Família, não pode ser toldada pela imposição fleumática do Direito das Sucessões, porque o fenômeno sucessório “traduz a continuação da personalidade do morto pela projeção jurídica dos arranjos patrimoniais feitos em vida”. - Trata-se, pois, de um ato de liberdade conjuntamente exercido, ao qual o fenômeno sucessório não pode estabelecer limitações.. - Se o casal firmou pacto no sentido de não ter patrimônio comum e, se não requereu a alteração do regime estipulado, não houve doação de um cônjuge ao outro durante o casamento, tampouco foi deixado testamento ou legado para o cônjuge sobrevivente, quando seria livre e lícita qualquer dessas providências, não deve o intérprete da lei alçar o cônjuge sobrevivente à condição de herdeiro necessário, concorrendo com os descendentes, sob pena de clara violação ao regime de bens pactuado. - Haveria, induvidosamente, em tais situações, a alteração do regime matrimonial de bens post mortem, ou seja, com o fim do casamento pela morte de um dos cônjuges, seria alterado o regime de separação convencional de bens pactuado em vida, permitindo ao cônjuge sobrevivente o recebimento de bens de exclusiva propriedade do autor da herança, patrimônio ao qual recusou,quando do pacto antenupcial, por vontade própria. - Por fim, cumpre invocar a boa fé objetiva, como exigência de lealdade e honestidade na conduta das partes, no sentido de que o cônjuge sobrevivente, após manifestar de forma livre e lícita a sua vontade, não pode dela se esquivar e, por conseguinte, arvorar-se em direito do qual solenemente declinou, ao estipular, no processo de habilitação para o casamento, conjuntamente com o autor da herança, o regime de separação convencional de bens, em pacto antenupcial por escritura pública.

35

- O princípio da exclusividade, que rege a vida do casal e veda a interferência de terceiros ou do próprio Estado nas opções feitas licitamente quanto aos aspectos patrimoniais e extrapatrimoniais da vida familiar, robustece a única interpretação viável do art. 1.829, inc. I, do CC⁄02, em consonância com o art. 1.687 do mesmo código, que assegura os efeitos práticos do regime de bens licitamente escolhido, bem como preserva a autonomia privada guindada pela eticidade. Recurso especial provido. Pedido cautelar incidental julgado prejudicado. (Recurso Especia nº 992.749-MS, Superior Tribunal de Justiça, Relatora: Nancy Andrighi)

No anexo I, tem-se a integra do acórdão onde a Ministra mostra em quadros

sistemáticos as diferentes correntes de interpretação do artigo 1.829, I, do CC/2002,

por fim, a Ministra formula um quarto quadro que foi resultado do julgado, posição

esta que privilegia a livre convenção das partes quanto a opção pelo regime de bens

no momento do casamento, levando em consideração que a escolha pelo regime da

separação convencional de bens depende de escritura pública de pacto antenupcial,

entendendo a mesma que não pode a lei modificar o regime de bens que fora

escolhido em vida pelas partes. Deve-se destacar aqui que o entendimento da

Ministra não é o majoritário, mas sim uma nova interpretação para o artigo de lei.

3.3.1 Concorrência com descendentes comuns

Para a matéria sobre a concorrência do cônjuge com os descendentes,

aplica-se o artigo 1.832 CC/02, que também traz mais discussões. Isso porque a lei

faz distinção se a concorrência é com filhos comuns ou com filhos somente do

cônjuge falecido. Analisando o referido artigo:

Art. 1.832. Em concorrência com os descendentes (art. 1.829, inciso I) caberá ao cônjuge quinhão igual ao dos que sucederem por cabeça, não podendo a sua quota ser inferior à quarta parte da herança, se for ascendente dos herdeiros com que concorrer. (BRASIL, 2014, p. única)

Como regra geral, o cônjuge sobrevivente concorre com os descendentes do

de cujus: filhos, netos, bisnetos, trinetos. Em concorrência com os descendentes, o

cônjuge terá direito a um quinhão igual3 ao dos que sucederam por cabeça, não

podendo sua quota ser inferior à quarta parte da herança se for ascendente dos

herdeiros que concorre, em conformidade com o artigo 1.832 CC/02.

3 Sucessão por cabeça: Quando os herdeiros se encontram no mesmo grau de parentesco com o de

cujus. (LEITE, 2008, p. 112)

36

Vejamos um exemplo de Venosa (2008, p. 131) que nos ajudará a entender

esta regra em relação à garantia da quarta parte ao cônjuge supérstite concorrendo

somente com filhos comuns:

Se concorrer com um filho, a herança será dividida ao meio; se concorrer com dois filhos comuns, o cônjuge receberá um terço da herança. Se concorrer com três ou mais filhos comuns, ser-lhe-á assegurada sempre a quarta parte da herança, sendo o restante dividido entre os demais.

Na linha descendente, os filhos sucedem por cabeça, e os outros

descendentes, por cabeça ou por estirpe, conforme se achem ou não no mesmo

grau (art. 1.835 CC/02).

Explica Diniz (2008, p.108):

Assim, se os descendentes do auctor successionis estão todos no mesmo grau, a sucessão será por direito próprio e por cabeça, recebendo cada u uma quota calculada pela divisão do monte-mor pelo número de herdeiro individualmente considerados, ou seja, quando a herança é dividida em tantas partes iguais quantos são os herdeiros que concorrem com ela em igualdade de grau de parentesco, desde a abertura da sucessão.

Dentro do mesmo grau, os mais próximos excluem os demais, porém não

obste a convocação dos filhos de filho falecido (sucessão por estirpe), por direito de

representação (art. 1.833 CC/02).

Diniz (2008, p. 108 apud RODRIGUES) apresenta o exemplo, in verbis:

se o finado tinha dois filhos vivos e três netos, filhos do filho pré morto, a herança dividir-se-á em três partes. As duas primeiras cabem aos filhos vivos do de cujus, que herdam por cabeça, e a terceira parte aos três netos, que dividem o quinhão entre si e sucedem representando o pai falecido.

Para efeitos sucessórios, o filho adotivo equipara-se ao filho biológico ou

legitimado, e na falta de filhos são convocados os netos e assim, sucessivamente os

descendentes em linha reta ad infinitum, excluindo inclusive o genitor que se

encontra em um grau mais próximo.

Abrimos aqui um pequeno parêntese para lembrar que, com a entrada em

vigor da Carta Magna em 1988, foi preciso dar uma visão diferente para as

interpretações das leis ordinárias, prevalecendo uma constitucionalização do Direito

Privado. Escreve Veloso (2010, p. 37),

37

Já houve tempo – e nem faz tanto tempo! – em que prevalecia em nosso ordenamento civil um conjunto de regras passadistas, preconceituosa, discriminatórias, que não reconheciam direito sucessório de alguns filhos como os então chamados – sem dó nem piedade – incestuosos e adulterinos. O art. 358 do Código velho trazia uma norma de extrema dureza „os filhos incestuosos e os adulterinos não podem ser reconhecidos.‟

Pela necessidade de harmonia com a Constituição de 1988 (“art. 227,§ 6º -

Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os

mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias

relativas à filiação.”BRASIL, 2014, p. única), o Código Civil de 2002 trouxe os

princípios e garantias igualitárias, reparando a injustiça.

3.3.2 Concorrência com descendentes do autor da herança

A lei, tendo feito distinção entre filhos comuns e filhos do de cujus, caso o

cônjuge sobrevivo concorra apenas com descendentes do falecido, dos quais não

seja ascendente, a herança também será dividida em partes iguais com os que

recebam por cabeça, mas não haverá a reserva da quarta parte como visto no item

anterior.

Entretanto, a legislação não se expressou no caso híbrido, ou seja, quando o

cônjuge supérstite concorre com descendentes comuns e descendentes apenas do

autor hereditário, e a doutrina não chega a um acordo. Para Venosa (2008, p.131),

se aplica a garantia mínima da quarta parte em favor do cônjuge, por parecer ser

este o espírito da lei.

Para problematizar um pouco mais esta situação híbrida e omissa, Diniz

(2008, p. 127) enfatiza que:

surge aqui uma lacuna normativa, a ser preenchida pelo critério apontado no art. 4º da Lei de Introdução ao Código Civil, que é o do princípio da igualdade de todos os filhos (CF, art. 227, § 6º; CC, arts. 1.596 a 1.629), consagrado pelo nosso direito positivo. Se assim é, só importa para fins sucessórios, a relação de filiação com o de cujus (autor da herança) e não a existente com o cônjuge supérstite. Por isso, para que não haja quotas diferentes entre os filhos do falecido, diante da omissão legal, parece-nos, que este deveria receber o quinhão igual ao dos filhos exclusivos, que herdam por cabeça, não se aplicando a quota hereditária mínima de ¼. Acatar-se ia, assim, além do princípio da isonomia, o da operabilidade (LICC, art 5º).

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No parecer Diniz (2008, p. 124), em regra, o cônjuge supérstite concorre

com os descendentes do falecido, e tem direito à meação dependendo do regime de

casamento, e terá quinhão igual aos que sucederem por cabeça sobre todo o acervo

hereditário no caso do regime de comunhão parcial de bens. Ainda segue a autora:

“Nada mais justo do que garantir uma parcela da herança se o casal não tiver filhos

comuns, pois poderia ser o viúvo privado da sucessão pela existência de filho do

leito anterior ou extramatrimonial do falecido.”

Pela interpretação do artigo 1.829, I, do CC/02, obtemos as situações em

que não há concorrência sucessória entre descendentes e o cônjuge. Pode-se

concluir então, que haverá a concorrência do cônjuge sobrevivente com os

descendentes do falecido, quando o regime de bens em vigor for o de separação

convencional de bens (arts. 1.687 e 1.688 CC/02).

Segundo Euclides de Oliveira (apud GONÇALVES, 2010, p. 173):

a dominante interpretação doutrinária de que, por não constar das ressalvas do art.1.829, inc. I, do Código Civil, o regime da separação de bens decorrente de pacto antenupcial leva, inexoravelmente, ao direito de concorrência do cônjuge sobre a quota hereditária dos descendentes.

Considerando que a regra é aplicável às uniões anteriores ao Código, e que

tiveram a sucessão aberta posteriormente, a inovação foi criticada como explica

Gonçalves (2010, p. 174):

a inovação provocou críticas daqueles que se casaram no aludido regime e foram surpreendidos com a possibilidade, agora existente, de o cônjuge, que se imaginava afastado da sucessão, concorrer com os filhos do falecido. Alguns chegaram a afirmar que o legislador teria invadido a autonomia privada a abalado um dos pilares do regime de separação, por permitir a comunicação post mortem do patrimônio.

O mesmo autor pondera que na vigência anterior, por tal regime o cônjuge

poderia herdar a totalidade da herança no caso de não haver descendentes ou

ascendentes. Acrescentou-se apenas a possibilidade de concorrer com os

descendentes ou ascendentes, na realidade um direito sucessório, e não

propriamente comunicação de bens.

Neste sentido, a jurisprudência já se manifestou:

Ementa: AGRAVO DE INSTRUMENTO. PARTILHA. REGIME DE BENS. INEXISTÊNCIA DE MEAÇÃO SOBRE BEM CLAUSULADO. REGIME DE

39

SEPARAÇÃO TOTAL DE BENS. HERANÇA. CONCORRÊNCIA SUCESSÓRIA DO CÔNJUGE VIVO COM OS DESCENDENTES DO FALECIDO SOBRE OS BENS PARTICULARES DEIXADOS. No casamento realizado pelo regime da separação total de bens, com pacto antenupcial, há a incomunicabilidade total dos bens anteriores e posteriores ao matrimônio. O bem doado com cláusula de incomunicabildade não integra a meação do cônjuge, seja qual for o regime de bens. Ademais, o gravame que incide sobre o bem o torna bem particular, afastando-o da meação, admitindo-se, contudo, que sobre ele concorra na sucessão o cônjuge sobrevivente com os herdeiros descendentes, na esteira do que dispõe o artigo 1.829 inc. I do Código Civil. Agravo desprovido. (Agravo de Instrumento Nº 70021504923, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: José Ataídes Siqueira Trindade, Julgado em 11/12/2007).

Veloso (2010, p. 71) esclarece para bem fixar o entendimento:

Não se misturam os dois planos, os dois momentos: o regime de bens, que perdura enquanto vivos marido e mulher e presente a sociedade conjugal, e a sucessão mortis causa, que tem suas próprias regras e princípios. Em suma: não é pelo fato de o regime de bens ser o da separação, tornando incomunicáveis os bens de cada cônjuge, fazendo com que os patrimônios sejam autônomos, apartados, desligados, enquanto persiste o casamento, que se deve esticar esta situação além da vida, para que, na sucessão por causa da morte, a solução seja a mesma. Sem uma lei que determine expressamente, não se pode afirmar que o cônjuge cujo regime foi o da separação convencional vai deixar de ser, por isso, herdeiro necessário de outro, e não irá concorrer com os herdeiros.

Vê-se aqui a clara separação nos dois momentos em que o casamento pode

acabar, os bens não se comunicarão em caso de separação ou divorcio dos

cônjuges, porém, no caso da morte de um destes, a situação muda completamente,

o cônjuge sobrevivente passa a ser herdeiro necessário do outro.

3.3.3 Concorrência com ascendentes

Não havendo herdeiro da classe dos descendentes, o cônjuge supérstite,

sempre que estiver de conformidade com as exigências do art. 1.830, concorrerá

com os ascendentes do de cujus, independentemente do regime de bens.

Na classe dos ascendentes, o mais próximo também exclui o mais remoto,

sem distinção de linhas, pois não há direito de representação neste caso. Desta

forma, se o autor deixou pai e mãe, a herança será deferida em partes iguais entre

eles; mas se apenas um deles for vivo, receberá a totalidade do acervo hereditário.

Sobre o assunto, ensina Nader (2009, p. 144):

40

Se ao cônjuge couber a sucessão em conjunto com os pais do de cujus, caberlhe-á um terço da herança, mas o seu quinhão será equivalente a metade se concorrer apenas co pai ou a mãe. Também será nesta proporção se concorrer com outros ascendentes do falecido (avós, bisavós, trisavós), independentemente de ser uma pessoa ou o casal.

A situação do cônjuge em concorrência com os ascendentes será a de 1/3

se concorrer com pai e mãe, ou de 1/2 se concorrer com apenas um ascendente de

primeiro grau (ou pai, ou mãe do falecido) bem como se for concorrer com um grau

maior (avô, bisavô) na conformidade do artigo 1.837 CC/02.

3.3.4 Os colaterais

Os colaterais até quarto grau só serão chamados à sucessão na falta de

descendentes, ascendentes, cônjuge sobrevivente e companheiro, ou seja, o

cônjuge supérstite exclui os colaterais, e não concorre. Estão em último lugar na

sucessão e sem a qualidade de herdeiros necessários.

Ainda nesta classe, o mais próximos excluem os mais remotos, portanto

sucederão em escala de proximidade: irmãos (segundo grau), tios e sobrinhos

(terceiro grau), primos, tios-avós e sobrinhos-netos (quarto grau).

Diniz (2008, p. 150) explica que:

Na falta de descendentes, ascendentes, convivente (CC, art. 1.790, III) e de cônjuge sobrevivente, inclusive nas condições estabelecidas no art. 1830 do Código Civil, são chamados a suceder os colaterais até o quarto grau (CC, art. 1.839; RJTJSP, 50:256), atendendo-se ao principio cardeal de que os mais próximos excluem os mais remotos (proximior excludit remotiorem).

Não existindo, descendente, ascendeste, convivente ou cônjuge, ai então os

colaterais herdarão os bens deixadas pelo autor da herança.

Os herdeiros colaterais por serem herdeiros legítimos e não necessários,

poderão ser excluídos da sucessão, isso pode ocorrer quando no testamento o autor

da herança dispõe de todo o seu patrimônio em favor de outro.

O direito de representação para esta classe é concedido estritamente a

filhos de irmãos – os quais sucederão por estirpe se concorrerem com irmão do

falecido (art. 1.840 CC/02).

41

4 CONCLUSÃO

Houve um grande avanço com o Código Civil de 2002, e uma das mais

significativas foi em relação ao cônjuge sobrevivente, que passou a herdeiro

necessário, em concorrência com os descendentes (na forma da lei), ou com os

ascendentes na falta de descendentes. Além da ordem na vocação hereditária, outra

garantia foi prevista: o direito real de habitação em relação ao único imóvel

destinado à residência da família, sendo que o direito ao usufruto da quarta parte

dos bens não foi repetido na nova legislação.

Aparentemente simples, as alterações em relação ao cônjuge supérstite

repercute no Direito e na sociedade, na medida em que altera a concepção de

família, dá novos destinos à habitação, propriedade e à liberdade das pessoas em

dispor livremente seus bens após a morte.

Para que o cônjuge sobrevivente tenha direito sucessório é preciso que

preencha os requisitos do art. 1.830 do Código Civil e sua participação no montante

se dará submetida aos limites do regime de bens. Dada a possibilidade de alteração

no regime de bens, se determinará se o cônjuge concorre ou não com os

descendentes de acordo com o regime de bens do casamento que vigorar na época

da morte do autor da sucessão.

Resumidamente, o cônjuge deixa de herdar em concorrência com os

descendentes se judicialmente separado do de cujus; se separado de fato há mais

de dois anos, não provar que a convivência se tornou insuportável sem culpa sua; se

casado pelo regime da comunhão universal de bens; se casado pelo regime da

separação obrigatória de bens; se, casado pelo regime da comunhão parcial, o de

cujus não houver deixado bens particulares.

Portanto, o cônjuge sobrevivente concorrerá com os descendentes quando:

casado no regime de separação convencional; no regime da comunhão parcial e

tendo o de cujus bens particulares; casado no regime da participação final dos

aquestos. Se concorrer com ascendentes, o cônjuge sempre herdará,

independentemente do regime de bens, bem como não havendo descendentes nem

ascendentes será o herdeiro universal.

Parece claro que o sentido da lei foi proteger o cônjuge quando nada recebe

a título de meação, entretanto o texto legal gerou muitas discussões, tanto por haver

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incorreções, lacunas, bem como por usar uma linguagem complexa e ambígua que

deixa margem à várias interpretações.

A doutrina aponta que o mais correto e simples seria adotar como regra que

o cônjuge não herda quando recebe meação, e herdará quanto aos bens sobre os

quais não haja meação, minimizando as discussões. Que os tribunais apliquem as

leis , os princípios e regras da forma mais justa possíveis.

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REFERÊNCIAS BRASIL. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Constituição da República Federativa do Brasil, Brasília, DF. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 23 nov 2013. ______. Presidência da República. Casa Civil. Subchefia para Assuntos Jurídicos. Lei no 10.406, de 10 de Janeiro de 2002. Institui o Código Civil, Brasília, DF. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/L10406compilada .htm>. Acesso em 23 nov 2013 às 13:52h. ______. Tribunal Superior de Justiça. Recurso Especial, Quarta Turma. Relator: Ministra Nancy Andrighi. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sSeq=888680&sReg=200702295979&sData=20100205&formato=PDF> DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro: direito das sucessões, 6º volume: – 22. Ed. rev. atual. e ampl. de acordo com a reforma do CPC e com o Projeto de Lei n. 276/2007. São Paulo: Saraiva, 2008. GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito Civil brasileiro: direito das sucessões, volume 7, 4. Ed. São Paulo: Saraiva, 2010. LEITE, Eduardo de Oliveira. Direito das sucessões, volume 6. 2 ed. São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2012. NADER, Paulo. Curso de direito civil: direito das sucessões, v. 6. Rio de Janeiro: Forense, 2009. PEREIRA, Caio Mario da Silva. Instituições de direito civil. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2009. REVISTA DE DIREITO IMOBILIÁRIO. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2012, Ano 35, vol. 73, jul.-dez./2012. RIO GRANDE DO SUL. Tribunal Regional do Rio Grande do Sul Disponível em: <http://www.tjrs.gov.br > Acesso 26 nov 13 às 10:23 h. RODRIGUES, Silvio, Direito Civil: direito das sucessões, volume 7, 26. ed rev. e atual. por Zeno Veloso; de acordo com o Código Civil (Lei 10.406, de 10-1-2002). São Paulo : Saraiva, 2003. VELOSO, Zeno. Direito hereditário do cônjuge e do companheiro. São Paulo : Saraiva, 2010. VENOSA, Silvio de Salvo. Direito civil: direito das sucessões, volume 7, 8 ed. São Paulo : Atlas, 2008.

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ANEXO I

Superior Tribunal de Justiça Revista Eletrônica de Jurisprudência RECURSO ESPECIAL Nº 992.749 - MS (2007⁄0229597-9) RECORRENTE : GUSTAVO ALVES DE SOUZA E OUTROS ADVOGADO : PAULO BENEDITO NETO COSTA JUNIOR E OUTRO(S) RECORRIDO : PAULA ROSA DE SOUZA ADVOGADO : JORGE AUGUSTO BERTIN E OUTRO(S) Relatora: MINISTRA NANCY ANDRIGHI RELATÓRIO Recurso especial interposto por GUSTAVO ALVES DE SOUZA, IVAN FERREIRA DE SOUZA FILHO e FLÁVIO ALVES DE SOUZA, com fundamento na alínea “a” do permissivo constitucional, contra acórdão exarado pelo TJ⁄MS. Procedimento especial de jurisdição contenciosa (fls. 15⁄16): inventário sob o rito de arrolamento dos bens de IVAN FERREIRA DE SOUZA, requerido pelos recorrentes, filhos e herdeiros do autor da herança, cujo óbito ocorreu em 17⁄1⁄2006. Declaram que o falecido deixou bens imóveis a inventariar e que era casado, pelo regime de separação convencional de bens, com PAULA ROSA DE SOUZA, conforme certidão de casamento, ocorrido em 5⁄3⁄2005, e escritura pública de convenção antenupcial com separação de bens, à fl. 24. Prestadas as primeiras declarações às fls. 30⁄47. Petições de PAULA ROSA DE SOUZA (fls. 83⁄84 e 87⁄89): com fundamento nos arts. 1.829, I, 1.832 e 1.845, do CC⁄02, na qualidade de cônjuge sobrevivente do inventariado, deu-se por citada para requerer vista dos autos e, manifestando discordância no que se refere à partilha, postulou sua habilitação no processo de inventário, como herdeira necessária do falecido. Decisão interlocutória (fl. 92): deferido o pedido de habilitação da viúva na qualidade de herdeira necessária, determinou o i. Juiz a manifestação dos demais herdeiros, filhos do falecido. Manifestação dos recorrentes (fls. 99⁄102): alegam os filhos do falecido que à viúva somente seria conferido o status de herdeira necessária e concorrente no processo de inventário, na hipótese de casamento pelo regime de comunhão parcial de bens, ou de separação de bens, sem pacto antenupcial. Ocorre que o regime de separação de bens, adotado pelo casal, foi lavrado em escritura pública de pacto antenupcial, com todas as cláusulas de incomunicabilidade, permanecendo a recorrida, conforme entendem os recorrentes, fora do rol de herdeiros do processo de inventário sob a forma de arrolamento de bens.

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Sentença (fls. 105⁄109): o pedido foi julgado procedente, para forte no art. 1.829, I, do CC⁄02, declarar PAULA ROSA DE SOUZA habilitada como herdeira de IVAN FERREIRA DE SOUZA, e determinar que o inventariante apresente novo esboço de partilha, no qual seja ela incluída e contemplada em igualdade de condições com os demais sucessores do autor da herança. Assim decidiu o i Juiz, ao entendimento de que “provado está que a requerente era casada com o 'de cujus' sob o regime de separação de bens convencional, ou seja, foi feito um pacto antenupcial, não sendo o caso de separação obrigatória de bens, onde o cônjuge não seria considerado herdeiro necessário, daí resultando que concorre com os requeridos em partes iguais” (fl. 109). Decisão nos embargos de declaração (fls. 118⁄124): rejeitou os embargos de declaração opostos pelos recorrentes. Agravo de instrumento (fls. 2⁄14): sustentam violação ao próprio regime de separação convencional de bens, que rege a situação patrimonial do casal não só durante a vigência do casamento, mas também quando da sua dissolução, seja por separação, divórcio ou falecimento de um dos cônjuges. Informam que o “o autor da herança, foi casado, pela primeira vez com F. A. de S., falecida tragicamente em um acidente automobilístico no carnaval de 1999, sendo os Agravantes filhos desta primeira união (fls. 07⁄09). Veio ele, posteriormente, mais exatamente em 5 de março de 2005 a contrair novas núpcias com a Agravada, 31 (trinta e um) anos mais jovem, no regime da separação convencional de bens, inclusive dos aquestos, tal como está declarado expressamente na escritura do pacto antenupcial (fl.0010 do anexo). Quando do segundo casamento o falecido contava com 51 anos e a Agravada com 21 (vinte e um). Dessa segunda união não advieram filhos, até porque o quadro de poliartrite de que sofria o autor da herança, e cujos primeiros sinais surgiram nos idos de 1974, evoluía grave e seriamente, exigindo, inclusivamente, no ano de 2004 delicada intervenção cirúrgica para fixação da coluna cervical, somando-se a isso tudo a psoríase de difícil controle (fl. 0015 e 0115 verso)” (fls. 5⁄6 – grifos conforme o original). Acórdão em agravo de instrumento (fls. 168⁄171): negou provimento ao recurso, ao entendimento de que “a regra do artigo 1.829 do CC aplica-se ao cônjuge sobrevivente casado sob o regime da separação convencional” (fl. 168). Acórdão nos embargos de declaração (fls. 182⁄184): rejeitou os embargos de declaração interpostos pelos recorrentes. Recurso especial (fls. 186⁄203): interposto sob alegação de ofensa aos arts. 535 do CPC; 884, 1.639, §§ 1º e 2º, 1.687, do CC⁄02. Contrarrazões: às fls. 210⁄217. Admissibilidade recursal: às fls. 218⁄219. Parecer do MPF (fls. 224⁄227): da lavra do i. Subprocurador-Geral da República, Durval Tadeu Guimarães, em que opinou pelo conhecimento parcial e, nessa parte, pelo não provimento do recurso especial.

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Pedido cautelar formulado incidentalmente pelos recorrentes (fls. 230⁄234): deduzem, os recorrentes, pedido de atribuição de efeito suspensivo ao recurso especial, ao argumento de que a viúva requereu, nos autos do inventário, a remessa do processo ao partidor para que “seja feita uma partilha destinando à requerente o seu quinhão a fim de que este inventário tenha fim, recebendo cada um o seu quinhão” (fl. 231). Asseveram que o requerimento da viúva foi acolhido pelo i. Juiz, o que resultou no esboço de partilha sobre o qual já foram instados a se manifestar. Sustentam, assim, que a entrega de eventual quinhão para a recorrida, enquanto não decidida definitivamente a questão relativa à sua qualidade de herdeira, é medida que deve ser sobrestada, quer pelo fundado receio de dano irreparável ou de difícil reparação, quer para evitar futura nulidade da partilha, na hipótese de eventual exclusão da viúva. É o relatório. RECURSO ESPECIAL Nº 992.749 - MS (2007⁄0229597-9) RELATORA : MINISTRA NANCY ANDRIGHI RECORRENTE : GUSTAVO ALVES DE SOUZA E OUTROS ADVOGADO : PAULO BENEDITO NETO COSTA JUNIOR E OUTRO(S) RECORRIDO : PAULA ROSA DE SOUZA ADVOGADO : JORGE AUGUSTO BERTIN E OUTRO(S) VOTO A EXMA. SRA. MINISTRA NANCY ANDRIGHI (Relatora): Destina-se a lide a definir se o cônjuge sobrevivente – que fora casado com o autor da herança sob o regime da separação convencional de bens – participa ou não da sucessão como herdeiro necessário, em concorrência com os descendentes do falecido. I. Da violação ao art. 535 do CPC. Sustentam os recorrentes, filhos do falecido, que houve negativa de prestação jurisdicional ao deixar de apreciar o TJ⁄MS questões jurídicas fundamentais ao deslinde da controvérsia, deduzidas nas razões recursais, a respeito da violação aos arts. 884, 1.639, §§ 1º e 2º, 1.687, do CC⁄02, temas que serão discutidos neste voto, porquanto verificado o prequestionamento. Dessa forma, não padece de violação o art. 535 do CPC, porquanto o TJ⁄MS apreciou fundamentadamente e debateu os temas concernentes aos dispositivos legais destacados, sem, portanto, haver omissão no julgado. II - A sucessão do cônjuge (art. 1.829 do CC⁄02).

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Muito se tem discutido a respeito da exata interpretação do art. 1.829, inc. I, do CC⁄02, segundo o qual a sucessão legítima cabe, em primeira linha: “aos descendentes, em concorrência com o cônjuge sobrevivente, salvo se casado este com o falecido no regime da comunhão universal, ou no da separação obrigatória de bens (art. 1.640, parágrafo único); ou se, no regime da comunhão parcial, o autor da herança não houver deixado bens particulares”. A redação ambígua dessa norma tem suscitado muitas dúvidas na doutrina, e três correntes se estabeleceram, interpretando o dispositivo legal de maneira completamente diferente. São elas: II.1 - Primeira corrente: Enunciado 270, da III Jornada de Direito Civil. A primeira corrente deriva do Enunciado 270, da III Jornada de Direito Civil, organizada pelo Conselho da Justiça Federal, que dispõe: “Enunciado 270 Art. 1.829: O art. 1.829, inc. I, só assegura ao cônjuge sobrevivente o direito de concorrência com os descendentes do autor da herança quando casados no regime da separação convencional de bens ou, se casados nos regimes da comunhão parcial ou participação final nos aqüestos, o falecido possuísse bens particulares, hipóteses em que a concorrência se restringe a tais bens, devendo os bens comuns (meação) ser partilhados exclusivamente entre os descendentes.” De acordo com esse entendimento, a sucessão do cônjuge obedeceria as seguintes regras: (i) se os cônjuges se casaram pelo regime da comunhão universal, o sobrevivente não concorre com os filhos na sucessão, já que recebeu suficiente patrimônio em decorrência da meação (incidente, nesta hipótese, sobre todo o patrimônio do casal, independentemente da data de aquisição); (ii) se o casamento se deu pela separação obrigatória, entendida essa como a separação legal de bens, também não concorrem cônjuge e filhos, porque isso burlaria o sistema legal; (iii) finalmente, se o casamento tiver sido realizado na comunhão parcial (ou nos demais regimes de bens), há duas possibilidades: (iii.1) se o falecido deixou bens particulares, o cônjuge sobrevivente participa da sucessão, porém só quanto a tais bens, excluindo-se os bens adquiridos na constância do matrimônio, porque eles já são objeto da meação; (iii.2) se não houver bens particulares, o cônjuge sobrevivente não participa da sucessão (porquanto sua meação seria suficiente e se daria, aqui, hipótese semelhante à da comunhão universal de bens). Para maior clareza, pode-se elaborar um quadro, demonstrativo das regras gerais de sucessão legítima, conforme a 1ª corrente estudada, nas hipóteses em que o falecido tenha deixado descendentes e cônjuge: Regimes Meação Cônjuge herda bens particulares? Cônjuge herda bens comuns? Comunhão universal Sim Não Não Comunhão parcial Sim Sim, em concurso com os descendentes. Não Separação obrigatória Não definido Não Não Separação convencional Não, em princípio Sim, em concurso com descendentes. Não há, em princípio, bens comuns.

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Também corroboram esse entendimento ANA CRISTINA DE BARROS MONTEIRO FRANÇA PINTO (atualizadora do Curso de Direito Civil de WASHINGTON DE BARROS MONTEIRO, Vol. 6 – 37ª Ed. – São Paulo: Saraiva, 2009, p. 97), NEY DE MELLO ALMADA (Sucessões, São Paulo: Malheiros, 2006, p. 175), entre outros. Frise-se que esse quadro tem, como objetivo, apenas pinçar orientações gerais sobre a matéria, sem pretensão de debruçar-se sobre as peculiaridades de cada um dos regimes de bens, ou esgotar discussões doutrinárias e jurisprudenciais que cada um deles pode suscitar. É de conhecimento geral que a interpretação das novas regras de sucessão, notadamente o art. 1.829, I, do CC⁄02, tem gerado intensa controvérsia que, por não ser objeto especificamente deste processo, não será, aqui, esgotada. II.2 - Segunda corrente: Majoritária. A segunda e majoritária corrente doutrinária acerca da interpretação do art. 1.829, I, do CC⁄02, defende uma ideia substancialmente diferente. Os partidários dessa corrente, a exemplo dos defensores do Enunciado 270 das Jornadas, separam, no casamento pela comunhão parcial, a hipótese em que o falecido tenha deixado bens particulares, e a hipótese em que ele não tenha deixado bens particulares (sempre considerando a existência de descendentes). Se o cônjuge pré-morto não tiver deixado bens particulares, o sobrevivente não recebe nada, a título de herança. Contudo, se o autor da herança tiver deixado bens particulares, o cônjuge herda, nas proporções fixadas pela Lei (arts. 1.830, 1.832 e 1.837), não apenas os bens particulares, mas todo o acervo hereditário. MARIA HELENA DINIZ defende essa tese com os seguintes fundamentos (Curso de Direito Civil Brasileiro, v. 6: direito das sucessões – 20a ed. rev. e atual. de acordo com o Novo Código Civil – São Paulo: Saraiva, 2006, p. 124 e ss.): a herança é indivisível, deferindo-se como um todo unitário (art. 1.791). Assim, não há sentido em dividi-la apenas nas hipóteses em que o cônjuge concorre, na sucessão; se o cônjuge sobrevivente for ascendente dos demais herdeiros, terá a garantia de 1⁄4 da herança. Essa garantia é incompatível com sua quase-exclusão, na hipótese em que o falecido tiver deixado poucos bens; o cônjuge supérstite é herdeiro necessário, e não há sentido em lhe garantir a legítima se ele não herdará, no futuro, esse patrimônio; em um regime de separação convencional, as partes podem firmar pacto antenupcial disciplinando a comunicação dos aquestos, e não obstante o cônjuge sobrevivente os herdará. Não há sentido em restringir tal direito apenas na comunhão parcial; meação e herança são institutos diversos. No falecimento, a meação do falecido passa a integrar seu patrimônio, não havendo razão para destacá-la para fins de herança. Para os defensores dessa corrente, o quadro supra referido ficaria da seguinte forma (sempre na hipótese de o falecido ter deixado bens particulares e filhos):

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Regimes Meação Cônjuge herda bens particulares? Cônjuge herda bens comuns? Comunhão universal Sim Não Não Comunhão parcial Sim Sim, em concurso com os descendentes. Sim, em concurso com os descendentes Separação obrigatória Não definido Não Não Separação convencional Não, em princípio Sim, em concurso com os descendentes. Sim, se os houver, em concurso com os descendentes II.3 - Terceira corrente: Interpretação invertida. A terceira corrente que se formou para a interpretação do art. 1.829, I, do CC⁄02, inverte as ideias defendidas pelas anteriores. Encabeçada por MARIA BERENICE DIAS, defende que a sucessão do cônjuge fica excluída na hipótese de o falecido ter deixado bens particulares (“Ponto final”. Disponível em: <http:⁄⁄www.mariaberenicedias.com.br⁄site⁄content.php?cont_id=108&isPopUp=true>, acesso em 22 set. 2009). Enquanto os defensores da primeira e da segunda correntes apenas reconheciam, ao cônjuge casado pelo regime de comunhão parcial de bens, o direito à sucessão na hipótese de o falecido ter deixado bens particulares, esta terceira linha de pensamento defende que só há sucessão na hipótese em que ele não os deixou, concorrendo o cônjuge sobrevivente com os descendentes, na herança dos bens comuns. Quanto ao regime de separação de bens, destaca que a restrição somente é imposta aos cônjuges casados pelo regime da separação legal de bens, concluindo que na separação convencional, o cônjuge sobrevivente herdará em concorrência com os descendentes. Pelo sistema defendido por esta corrente, o quadro, para as hipóteses em que o falecido deixou bens particulares e filhos, ficaria da seguinte forma: Regimes Meação Cônjuge herda bens particulares? Cônjuge herda bens comuns? Comunhão universal Sim Não Não Comunhão parcial Sim Não há herança do cônjuge, se houver bens particulares. Sim, em concurso com os descendentes. Separação legal Não definido Não Não Separação convencional Não, em princípio Sim, em concurso com os descendentes Sim, se os houver, em concurso com os descendentes II.4 – A doutrina e a sucessão do cônjuge casado no regime da separação de bens. No tocante à separação de bens, muito embora a doutrina predominante, por meio das três correntes especificadas, posicione-se no sentido de que o cônjuge sobrevivente casado pelo regime da separação convencional de bens ostenta a condição de herdeiro concorrente, há entendimento em sentido contrário, que tem à testa o saudoso Prof. MIGUEL REALE (in Estudos Preliminares do Código Civil. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2003, p. 61⁄64), que assevera serem “duas são as hipóteses de separação obrigatória: uma delas é a prevista no parágrafo único do art. 1.641, abrangendo vários casos; a outra resulta da estipulação feita pelos

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nubentes, antes do casamento, optando pela separação de bens. A obrigatoriedade da separação de bens é uma consequência necessária do pacto concluído pelos nubentes, não sendo a expressão 'separação obrigatória' aplicável somente nos casos relacionados no parágrafo único do art. 1.641.” Dessa forma, a separação obrigatória a que se refere o art. 1.829, I, do CC⁄02, é gênero do que são espécies a separação convencional e a legal. Com base nisso, conclui que em hipótese alguma, seja na separação legal, seja na separação convencional, o cônjuge será herdeiro necessário do autor da herança. II.5 – Interpretando o inc. I do art. 1.829 do CC⁄02. De início, torna-se impositiva a análise do art. 1.829, I, do CC⁄02, dentro do contexto do sistema jurídico, interpretando o dispositivo em harmonia com os demais que enfeixam a temática, em atenta observância dos princípios e diretrizes teóricas que lhe dão forma, marcadamente, a dignidade da pessoa humana, que se espraia, no plano da livre manifestação da vontade humana, por meio da autonomia da vontade, da autonomia privada e da consequente autorresponsabilidade, bem como da confiança legítima, da qual brota a boa fé. A eticidade, por fim, vem complementar o sustentáculo principiológico que deve delinear os contornos da norma jurídica. Até o advento da Lei n.º 6.515⁄77 (Lei do Divórcio), considerada a importância dos reflexos do elemento histórico na interpretação da lei, vigeu no Direito brasileiro, como regime legal de bens, o da comunhão universal, no qual o cônjuge sobrevivente não concorre à herança, por já lhe ser conferida a meação sobre a totalidade do patrimônio do casal. A partir da vigência da Lei do Divórcio, contudo, o regime legal de bens no casamento passou a ser o da comunhão parcial, o que foi referendado pelo art. 1.640 do CC⁄02. Assim, quando os nubentes silenciam a respeito de qual regime de bens irão adotar, a lei presume que será o da comunhão parcial, pelo qual se comunicam os bens que sobrevierem ao casal, na constância do casamento, consideradas as exceções legais previstas no art. 1.659 do CC⁄02. Se em vida os cônjuges assumiram, por vontade própria, o regime da comunhão parcial de bens, na morte de um deles, deve essa vontade permanecer respeitada, sob pena de ocorrer, por ocasião do óbito, o retorno ao antigo regime legal: o da comunhão universal, em que todo acervo patrimonial, adquirido na constância ou anteriormente ao casamento, é considerado para efeitos de meação. A permanecer a interpretação conferida pela doutrina majoritária de que o cônjuge casado sob o regime da comunhão parcial herda em concorrência com os descendentes, inclusive no tocante aos bens particulares, teremos no Direito das Sucessões, na verdade, a transmutação do regime escolhido em vida –comunhão parcial de bens – nos moldes do Direito Patrimonial de Família, para o da comunhão universal, somente possível de ser celebrado por meio de pacto antenupcial por escritura pública. Não se pode ter após a morte o que não se queria em vida. A adoção do entendimento de que o cônjuge sobrevivente casado pelo regime da comunhão parcial de bens concorre com os descendentes do falecido a todo o acervo hereditário, viola, além do mais, a essência do próprio regime estipulado.

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Por tudo isso, a melhor interpretação é aquela que prima pela valorização da vontade das partes na escolha do regime de bens, mantendo-a intacta, assim na vida como na morte dos cônjuges. Desse modo, preserva-se o regime da comunhão parcial de bens, de acordo com o postulado da autodeterminação, ao contemplar o cônjuge sobrevivente com o direito à meação, além da concorrência hereditária sobre os bens comuns, haja ou não bens particulares, partilháveis, estes, unicamente entre os descendentes. A separação de bens, que pode ser convencional ou legal, em ambas as hipóteses é obrigatória, porquanto na primeira, os nubentes se obrigam por meio de pacto antenupcial – contrato solene – lavrado por escritura pública, enquanto na segunda, a obrigação é imposta por meio de previsão legal. Sob essa perspectiva, o regime de separação obrigatória de bens, previsto no art. 1.829, inc. I, do CC⁄02, é gênero que congrega duas espécies: (i) separação legal; (ii) separação convencional. Uma decorre da lei e a outra da vontade das partes, e ambas obrigam os cônjuges, uma vez estipulado o regime de separação de bens, à sua observância. Dessa forma, não remanesce, para o cônjuge casado mediante separação de bens, direito à meação, salvo previsão diversa no pacto antenupcial, tampouco à concorrência sucessória, respeitando-se o regime de bens estipulado, que obriga as partes na vida e na morte. Nos dois casos, portanto, o cônjuge sobrevivente não é herdeiro necessário. Entendimento em sentido diverso, suscitaria clara antinomia entre os arts. 1.829, inc. I, e 1.687, do CC⁄02, o que geraria uma quebra da unidade sistemática da lei codificada, e provocaria a morte do regime de separação de bens. Por isso, entre uma interpretação que torna ausente de significado o art. 1.687 do CC⁄02, e outra que conjuga e torna complementares os citados dispositivos, não é crível que seja conferida preferência à primeira solução. Importante mencionar, no tocante ao caráter balizador do regime matrimonial de bens no que concerne ao direito sucessório, julgado desta 3ª Turma, do qual se extraem as seguintes ponderações: “(...) o regime matrimonial de bens atua como elemento direcionador do direito de herança concorrente do cônjuge. (...) O regramento sucessório é de suma importância enquanto complexo de ordem pública, em virtude de seus reflexos no organismo familiar e no âmbito social, que vão além do simples direito individual à pertença de bens.” (RMS 22.684⁄RJ, de minha relatoria, DJ de 28⁄5⁄2007.) Com as considerações acima, inaugura-se uma quarta linha de interpretação, segundo a qual, o quadro, para as hipóteses em que o falecido deixou bens particulares e filhos, ficaria da seguinte forma: Regimes Meação Cônjuge herda bens particulares? Cônjuge herda bens comuns?

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Comunhão universal Sim Não Não Comunhão parcial Sim Não Sim, em concurso com os descendentes. Separação de bens, que pode ser legal ou convencional. Não Não Não Fixadas as diretrizes interpretativas, para o art. 1.829, inc. I, do CC⁄02, passa-se à análise da lide. III. Solução da lide. III. 1 – A separação convencional de bens e a situação sucessória do cônjuge sobrevivente (arts. 884, 1.639, §§ 1º e 2º, 1.687, do CC⁄02). Alegam os recorrentes não ignorar que “o vigente Código Civil procurou dispensar maior e mais ampla proteção ao cônjuge sobrevivente, o que é compreensível e justo. O que não se afigura justo nem compreensível é entender que essa proteção deva ser dada a qualquer custo e sem restrições, como no presente caso em que não há razão jurídica plausível para o Tribunal a quo contemplar aquele que por iniciativa e vontade próprias submete-se a um regime de bens que, quando obrigatório, o excluiria de participar na herança deixada pelo cônjuge falecido” (fl. 202). Abstraindo-se da hipótese em julgamento, para abarcar a percepção de mundo adquirida pelo ser humano contemporâneo, chega-se à constatação de que a humanidade voltou-se para a busca de relacionamentos líquidos, fluidos, de fragilidade ímpar, em que a família deixa de ser o núcleo, dados os sucessivos casamentos e uniões que se iniciam e, considerados os sentimentos descartáveis, logo se rompem, o que tem disseminado a existência de diversas e distintas composições familiares, náufragas de relações fracassadas. ZIGMUNT BAUMAN (in Amor líquido – sobre a fragilidade das relações humanas. Tradução, Carlos Alberto Medeiros. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Ed., 2004. p. 39,), sociólogo polonês, em sua singular perspicácia, afirma que “não se levam relações para o próximo capítulo, advertiria o especialista a seus clientes, fazendo coro às premonições transformadas em certezas de pessoas, ensinadas pela experiência, que tiveram as vidas fatiadas em episódios e que vivem como servas dos episódios futuros”, o que demonstra uma sociedade ávida por amor – ao constituir, uma mesma pessoa, duas ou mais uniões, ao longo da vida – mas temerosa de perder sua liberdade ou, até mesmo, sua identidade. Nesse contexto, o Direito de Família tem regido as relações surgidas do afeto, com o intuito de preservar os vínculos familiares que porventura se perderam em meio a esse caótico modo de vida contemporâneo. E quando a família se biparte, remanescem relações de parentesco por consanguinidade e afinidade, muitas vezes em igual medida, que devem ser tuteladas. Ao volver os olhos para o processo em análise, imprescindível auscultar a situação fática vivenciada pelo casal – declarada desde já a insuscetibilidade de seu reexame nesta via recursal: (i) não houve longa convivência, mas um casamento que durou meses, mais especificamente, 10 meses; (ii) quando desse segundo casamento, o autor da herança já havia formado todo seu patrimônio e padecia de doença incapacitante; (iii) os nubentes escolheram, voluntariamente, casar pelo regime da separação convencional, optando, por meio de pacto antenupcial lavrado em

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escritura pública, pela incomunicabilidade de todos os bens adquiridos antes e depois do casamento, inclusive frutos e rendimentos. Uma vez estipulado o regime de separação de bens expresso no art. 1.687 do CC⁄02, cada cônjuge conservará a integral administração e fruição do que lhe pertence, sendo que nem mesmo dependerá da outorga conjugal para alienar imóveis ou gravar seus bens de ônus real. A distinção de patrimônio dos cônjuges é, pois, absoluta, não se comunicando os frutos e aquisições, afastando inclusive a comunhão de aquestos, porquanto nessa modalidade não existem bens comuns, tampouco bens passíveis de integrar eventual meação. Isolado totalmente o patrimônio de cada um dos cônjuges, são eles livres para dispor e administrar seus bens. A índole da norma legal foi a de conferir maior independência aos cônjuges na disposição e administração de seus bens. Dessa forma, a ampla liberdade advinda da possibilidade de pactuação quanto ao regime matrimonial de bens, prevista pelo Direito Patrimonial de Família, não pode ser toldada pela imposição fleumática do Direito das Sucessões, porque o fenômeno sucessório, nas palavras de MIGUEL REALE e JUDITH MARTINS COSTA (in Casamento sob o regime da separação de bens, voluntariamente escolhido pelos nubentes. Compreensão do fenômeno sucessório e seus critérios hermenêuticos. A força normativa do pacto antenupcial. Revista Trimestral de Direito Civil, Ano 6, vol. 24, outubro a dezembro d 2005. Rio de Janeiro: Ed. Padma, 2005. p. 226) “traduz a continuação da personalidade do morto pela projeção jurídica dos arranjos patrimoniais feitos em vida”. Trata-se, pois, de um ato de liberdade conjuntamente exercido, ao qual o fenômeno sucessório não pode estabelecer limitações. Assim, a regra que confere o direito hereditário de concorrência ao cônjuge sobrevivente não alcança nem pode alcançar os que têm e decidiram ter patrimônios totalmente distintos, sob pena de clara violação ao art. 1.687 do CC⁄02, notadamente quando a incomunicabilidade resulta da estipulação feita pelos nubentes, antes do casamento. Sob a ótica da força normativa do pacto antenupcial, é fundamental o respeito à vontade lícita e livremente manifestada pelos nubentes. Dotado de publicidade e eficácia de oponibilidade perante terceiros, a expressão de autonomia das partes por meio do pacto antenupcial, não pode ser aviltada, sob pena de termos um direito muito volátil. Ressalte-se que o pacto antenupcial é contrato solene, devendo ser lavrado por escritura pública, é dispendioso, poucas são as pessoas que têm informação a respeito e menor ainda é o número de casais que por ele opta, pois o pacto antenupcial pode ser até uma quebra dos próprios sentimentos das pessoas envolvidas afetivamente. Em se tratando de circunstâncias extraordinárias, em que a situação particular dos nubentes exige o pacto, não hesitarão estes em lançar mão de testamento ou de doação em vida ao cônjuge, para protegê-lo financeiramente, se assim o quiserem. Isso significa dizer que, para esses casais, não se aplica a afirmação de que a

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maioria das pessoas é avessa a pactos e testamentos. Diversamente, não estão inseridos na situação fática da maioria, ao celebrarem pacto antenupcial, com observância de todas suas solenidades, para regulamentar sua vida civil. De curial importância o fato de que, se os nubentes pactuaram a separação de bens, muito provavelmente não gostariam que o cônjuge sobrevivente fosse alçado à condição de herdeiro em concorrência com os descendentes. Entendimento em sentido diverso redundará em uma gama de problemas para aqueles que somente podem constituir família mediante pacto antenupcial, consideradas as situações peculiares em que se encontram. Deve, portanto, ser respeitada a vontade das partes, que ao estipularem o regime de bens sabem exatamente o que estão fazendo. Se, no decorrer da vida em comum, resolverem modificar a comunicabilidade do patrimônio, socorrer-lhes-á a previsão legal do art. 1.639, § 2º, do CC⁄02, que permite a alteração do regime de bens inicialmente escolhido, mediante autorização judicial, em pedido motivado de ambos os cônjuges, apurada a procedência das razões invocadas e ressalvados os direitos de terceiros. Dessa forma, se o casal firmou pacto no sentido de não ter patrimônio comum e, se não requereu a alteração do regime estipulado, não houve doação de um cônjuge ao outro durante o casamento, tampouco foi deixado testamento ou legado para o cônjuge sobrevivente, quando seria livre e lícita qualquer dessas providências, não deve o intérprete da lei alçar o cônjuge sobrevivente à condição de herdeiro necessário, concorrendo com os descendentes, sob pena de clara violação ao regime de bens pactuado. Isto porque, se o casamento foi celebrado pelo regime da separação convencional, significa que o casal escolheu – conjuntamente – a separação do patrimônio. Não há como violentar a vontade do cônjuge – o mais grave – após sua morte, concedendo a herança ao sobrevivente com quem ele nunca quis dividir nada, nem em vida. Haveria, induvidosamente, em tais situações, a alteração do regime matrimonial de bens post mortem, ou seja, com o fim do casamento pela morte de um dos cônjuges, seria alterado o regime de separação convencional de bens pactuado em vida, permitindo ao cônjuge sobrevivente o recebimento de bens de exclusiva propriedade do autor da herança, patrimônio ao qual recusou, quando do pacto antenupcial, por vontade própria. Por fim, cumpre invocar a boa fé objetiva, como exigência de lealdade e honestidade na conduta das partes, no sentido de que a recorrida – cônjuge sobrevivente –, após manifestar de forma livre e lícita a sua vontade, não pode dela se esquivar e, por conseguinte, arvorar-se em direito do qual solenemente declinou, ao estipular, no processo de habilitação para o casamento, conjuntamente com o autor da herança, o regime de separação convencional de bens, em pacto antenupcial por escritura pública. O princípio da exclusividade, que rege a vida do casal e veda a interferência de terceiros ou do próprio Estado nas opções feitas licitamente quanto aos aspectos patrimoniais e extrapatrimoniais da vida familiar, robustece a única interpretação

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viável do art. 1.829, inc. I, do CC⁄02, em consonância com o art. 1.687 do mesmo código, que assegura os efeitos práticos do regime de bens licitamente escolhido, bem como preserva a autonomia privada guindada pela eticidade. Em conclusão, o regime de separação de bens fixado por livre convenção entre a recorrida e o falecido, como se vê, está contemplado nas restrições previstas no art. 1.829, I, do CC⁄02, em interpretação conjugada com o art. 1.687 do mesmo código, o que retira da recorrida a condição de herdeira necessária do autor da herança, em concorrência com os recorrentes, descendentes daquele. As demais questões alegadas pelos recorrentes ficam prejudicadas. Forte em tais razões, DOU PROVIMENTO ao recurso especial, para reformar o acórdão, e, por conseguinte, a decisão às fls. 105⁄109, declarando que P. R. de S. não é herdeira necessária em concorrência com os descendentes de I. F. de S., de forma a negar a procedência do pedido por ela formulado, de habilitação no inventário. Por consequência, JULGO PREJUDICADO o pedido cautelar formulado incidentalmente pelos recorrentes, às fls. 230⁄234, de atribuição de efeito suspensivo ao recurso especial. Documento: 5015620 RELATÓRIO E VOTO