45
UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ Rafael de Oliveira Gogola O DIREITO DE PROPRIEDADE COMO MENTALIDADE E A INFLUÊNCIA DO CAPITALISMO CURITIBA 2010

UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ Rafael de Oliveira Gogolatcconline.utp.br/wp-content/uploads/2012/06/O-DIREITO-DE... · transcorrer do tempo pudesse ser motivo suficiente para a mudança

  • Upload
    vanngoc

  • View
    223

  • Download
    1

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ Rafael de Oliveira Gogolatcconline.utp.br/wp-content/uploads/2012/06/O-DIREITO-DE... · transcorrer do tempo pudesse ser motivo suficiente para a mudança

UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ

Rafael de Oliveira Gogola

O DIREITO DE PROPRIEDADE COMO MENTALIDADE E A

INFLUÊNCIA DO CAPITALISMO

CURITIBA

2010

Page 2: UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ Rafael de Oliveira Gogolatcconline.utp.br/wp-content/uploads/2012/06/O-DIREITO-DE... · transcorrer do tempo pudesse ser motivo suficiente para a mudança

O DIREITO DE PROPRIEDADE COMO MENTALIDADE E A

INFLUÊNCIA DO CAPITALISMO

CURITIBA

2010

Page 3: UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ Rafael de Oliveira Gogolatcconline.utp.br/wp-content/uploads/2012/06/O-DIREITO-DE... · transcorrer do tempo pudesse ser motivo suficiente para a mudança

Rafael de Oliveira Gogola

O DIREITO DE PROPRIEDADE COMO MENTALIDADE E A

INFLUÊNCIA DO CAPITALISMO

Trabalho de conclusão de curso apresentadoao Curso de Direito da Faculdade de Ciências Jurídicas da Universidade Tuiuti do Paraná, como requisito parcial à obtenção de título de Bacharel em Direito.

Orientador: Prof. Dr. Sérgio Said Staut Júnior

CURITIBA

2010

Page 4: UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ Rafael de Oliveira Gogolatcconline.utp.br/wp-content/uploads/2012/06/O-DIREITO-DE... · transcorrer do tempo pudesse ser motivo suficiente para a mudança

TERMO DE APROVAÇÃO

Rafael de Oliveira Gogola

O DIREITO DE PROPRIEDADE COMO MENTALIDADE E A

INFLUÊNCIA DO CAPITALISMO

Esta monografia foi julgada e aprovada para a obtenção do título de Bacharel em Direito pela Faculdade de Ciências Jurídicas da Universidade Tuiuti do Paraná.

Curitiba, 31 de agosto de 2010.

Prof. Dr. Eduardo de Oliveira Leite

Faculdade de Ciências Jurídicas

Universidade Tuiuti do Paraná.

Orientador: Prof. Dr. Sérgio Said Staut Júnior

Departamento

Prof. _______________________________________

Departamento _______________________________

Prof. ______________________________________

Departamento ______________________________

Page 5: UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ Rafael de Oliveira Gogolatcconline.utp.br/wp-content/uploads/2012/06/O-DIREITO-DE... · transcorrer do tempo pudesse ser motivo suficiente para a mudança

RESUMO

O presente trabalho busca compreender o direito de propriedade inserido na

mentalidade capitalista e a construção jurídica do instituto da propriedade como reflexo

e garantidor desse sistema econômico. Para evidenciar as características do moderno

direito de propriedade, foi realizada uma análise da mentalidade do direito de

propriedade em outras épocas – Roma clássica e Idade Média. Constatou-se as

influências dos contextos sociais (mentalidades) sobre as estruturas jurídicas, que assim

se mostram relativizadas e ligadas a cada momento histórico.

Palavras chave: direito de propriedade, capitalismo, história.

Page 6: UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ Rafael de Oliveira Gogolatcconline.utp.br/wp-content/uploads/2012/06/O-DIREITO-DE... · transcorrer do tempo pudesse ser motivo suficiente para a mudança

SUMÁRIO

1. INTRODUÇÃO ............................................................................................. 72. O ITINERÁRIO HISTORICO DO DIREITO DE PROPRIEDADE........ 152.1. ALGUNS ASPECTOS DA PROPRIEDADE NO DIREITO ROMANO ..... 152.2. A VISÃO DE PROPRIEDADE NO MEDIEVO.......................................... 193. O ADVENTO DA MODERNIDADE .......................................................... 263.1. A MENTALIDADE DA IDADE MODERNA ............................................ 263.2. O SURGIMENTO DO CAPITALISMO...................................................... 314. O CAPITALISMO E A MENTALIDADE PROPRIETÁRIA ................... 375. CONSIDERAÇÕES FINAIS ....................................................................... 42REFERÊNCIAS ................................................................................................. 44

Page 7: UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ Rafael de Oliveira Gogolatcconline.utp.br/wp-content/uploads/2012/06/O-DIREITO-DE... · transcorrer do tempo pudesse ser motivo suficiente para a mudança

7

1. INTRODUÇÃO

A propriedade é um dos direitos mais relevantes da modernidade. Essa

importância pode ser evidenciada pela comparação entre aqueles direitos

fundamentais previstos na Constituição Federal de 1988. Observando o caput do

art. 5° da CR, inserido no Título II – Dos direitos e garantias fundamentais, tem-

se:

“Art. 5°. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade (...)”

A inserção desse direito em tal rol não foi, ao que parece, mero acaso, mas

reflexo de um pensamento jurídico fortemente consolidado na idade moderna.

Pois, nas linhas de Amaral:

“A propriedade é um dos institutos jurídicos fundamentais e o mais importante dos direitos privados. Por sua ligação com os demais institutos civis é elemento básico do direito patrimonial. Protegido pela Constituição como direito fundamental (CR, art. 5°, XXII) e como princípio da Ordem Econômica e Financeira (CR, art. 170, II), é regulada, como categoria unitária, pelo Código Civil (arts. 1.228 a 1.368). Juntamente com a autonomia privada, é projeção imediata, na ordem jurídica, do individualismo que o marcou o direito civil dos séculos passados. Como reação do iluminismo aos privilégios e do sistema feudal, permitia ao indivíduo isolar-se dos demais no uso, gozo e fruição dos seus bens, de modo absoluto e exclusivo.” (2008, p. 179),

Page 8: UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ Rafael de Oliveira Gogolatcconline.utp.br/wp-content/uploads/2012/06/O-DIREITO-DE... · transcorrer do tempo pudesse ser motivo suficiente para a mudança

8

A compreensão desse importante status de que dispõe o direito de

propriedade, tão importante ao ponto de estar ao lado, v.g., do direito à vida, à

liberdade, à igualdade, depende da investigação sobre o surgimento desse

moderno direito de propriedade, sobre a sua efetiva importância na sociedade

contemporânea. É o que sugere Gomes:

“Se é certo, como ensina Lafayette, que, tomado nos seus lineamentos fundamentais, o Direito das Coisas se resume em definir o poder do homem, no aspecto jurídico, sobre a natureza física, nas suas variadas manifestações, e em regular a aquisição, o exercício, a conservação, a reivindicação e a perda daquele poder, à luz dos princípios consagrados nas leis positivas, dúvida não se pode ter de que o seu estudo incide num dos aspectos de maior relevo da vida social. (2004, p. 9)

No presente trabalho, considerando o papel exercido pelo direito de

propriedade em nossa organização social, decidiu-se investigar o surgimento e

fortalecimento desse direito moderno, buscando analisá-lo e entendê-lo a partir

da mentalidade jurídica1 em um momento específico da cultura ocidental

moderna: a ascensão do capitalismo.

Para a consecução do objetivo proposto, é necessário ter em mente que o

direito é um fenômeno marcadamente histórico. Assim, não há como concebê-lo

senão inserido em certo ambiente (espaço físico) e momento (lapso temporal).

1 Foi acompanhado, nessa pesquisa, Paolo Grossi, que entende o direito de propriedade como mentalidade - profunda - das coisas. Pois, para o professor a “propriedade não consistirá jamais em uma regrinha técnica mas em uma resposta ao eterno problema da relação entre o homem e coisas, da fricção entre mundo dos sujeitos e mundo dos fenômenos” e, nesse caminho, “aquele que se propõe a reconstruir sua história, longe de ceder a tentações isolacionistas, deverá, ao contrário, tentar colocá-la sempre no interior de uma mentalidade e de um sistema fundiário com função eminentemente interpretativa.” (2006, p. 16).

Page 9: UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ Rafael de Oliveira Gogolatcconline.utp.br/wp-content/uploads/2012/06/O-DIREITO-DE... · transcorrer do tempo pudesse ser motivo suficiente para a mudança

9

Cada povo, no decorrer da história, sempre demonstrou distinções,

idiossincrasias, nas mais diferentes atividades. Não seria diferente com o direito.

A importância de lembrar essa característica essencial do direito é que

sempre se deve buscar compreendê-lo em conjunto com as demais manifestações

da sociedade que ele busca ordenar. É pouco provável que apenas o simples

transcorrer do tempo pudesse ser motivo suficiente para a mudança do direito,

assim como não parece muito acertado basear os fundamentos da ordem jurídica

em determinada localização geográfica. Quer-se, com isso, salientar que o

decorrer do tempo e o ambiente trazem novas perspectivas e necessidades para as

populações, modificando seus anseios, necessidades de organização,

manifestações econômicas, etc, e por isso, indiretamente causam modificações

no ordenamento jurídico.

Essa compreensão – da especificidade histórica – é uma forma de evitar

a redução da visão do jurista com relação aos fatores que sustentam e conferem

sentido ao ordenamento jurídico, o que, em virtude do constante apelo à tradição,

é comum observar. Parece que a história seria um manto que tornaria sagradas as

fórmulas jurídicas, como se aquilo que fora recebido de tempos remotos devesse

ser tratado sem críticas ou inovações.

Nesse sentido, é importante evitar alguns equívocos comuns em análises

históricas, a saber, a visão da pretensa continuidade da história, que serve para

justificar/legitimar o presente. Considerada uma visão evolucionista, porque vê

na história a caminhada para se chegar à atual evolução do direito, como se o

mundo hodierno fosse o melhor de todos os tempos, visto sempre como uma

Page 10: UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ Rafael de Oliveira Gogolatcconline.utp.br/wp-content/uploads/2012/06/O-DIREITO-DE... · transcorrer do tempo pudesse ser motivo suficiente para a mudança

10

melhoria dos passados. Tal concepção é equívoca e perniciosa, pois obscurece

os sentidos reais dos institutos, inseridos em seu contexto, que lhes dá

sustentação e lógica na organização social e jurídica em que foram concebidos.

Como esclarece Hespanha:

“Realmente, conceitos como pessoa, família, propriedade, roubo homicídio, são conhecidos como construções jurídicas desde os inícios da história do direito europeu. Contudo, se avançarmos um pouco na sua interpretação, logo veremos que, por baixo da superfície da sua continuidade terminológica, existem rupturas decisivas no seu significado semântico. O significado da mesma palavra nas suas diferentes ocorrências históricas, está intimamente ligado aos diferentes contextos, sociais ou textuais, de cada ocorrência.” (1997, p. 18)

A propósito, Hespanha exemplifica a ideia acima transcrita a partir do

instituto da propriedade na seguinte passagem:

“A propriedade já foi definida pelos romanos como uma faculdade de “usar e abusar das coisas”; mas a própria idéia de “abuso” leva consigo esta outra de que existe um uso normal e devido das coisas, que se impõe ao proprietário, o que exclui a plena liberdade de disposição que caracterizou, mais tarde, a propriedade capitalista.” (1997, p. 19)

Eis um ponto fundamental. Deve haver grande atenção para, em análise

histórica, não se deturpar o pensamento da época que é nosso objeto de estudo.

Sobre essa necessária cautela quanto à visão dos institutos em seus contextos

alerta Grossi no que entende relevante na análise da propriedade:

“Sobre isso [a relativização do conceito de propriedade] o historiador do direito não pode não consentir; para ele ‘propriedade’ deve ser somente um artifício verbal para indicar a solução histórica que um ordenamento dá ao problema da relação jurídica mais intensa entre um sujeito e um bem, ou, em outras palavras, a resposta à questão central sobre a consistência mínima do ‘meu’ jurídico; soluções e respostas que são duplamente multíplices, segundo os vários climas históricos e segundo os vários conteúdos que um mesmo clima histórico dá àquele invólucro aberto e disponível que convencionalmente identificamos como propriedade.” (2006, p. 5)

Page 11: UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ Rafael de Oliveira Gogolatcconline.utp.br/wp-content/uploads/2012/06/O-DIREITO-DE... · transcorrer do tempo pudesse ser motivo suficiente para a mudança

11

A ausência de posturas “críticas”2 com relação aos institutos jurídicos

faz com que sejam mantidos sempre inalteráveis, repetindo fórmulas por

décadas, sem qualquer preocupação com as mudanças sociais e as necessidades

de regulação da sociedade atual.

Sobre a importância da função do historiador do direito nessa

relativização dos dogmas jurídicos, escreveu Grossi:

“(...) um dos papeis, e certamente não o último, do historiador do direito junto ao operador do direito positivo seja o de servir como sua consciência crítica, revelando como complexo o que na sua visão unilinear poderia parecer simples, rompendo as suas convicções acríticas, relativizando certezas consideradas absolutas, insinuando dúvidas sobre lugares comuns recebidos sem uma adequada confirmação cultural.” (2004, p. 11)

Como referido acima, o direito é parte de uma realidade social em

determinada época, não tem existência sempiterna. Por isso, sempre apresentará

novas características e funções em cada sociedade analisada.

Alguns fatores influenciam a formação do sistema jurídico, assim como

são influenciados por ele. Um desses fatores é a organização econômica da

sociedade, que determina, em certa medida, as condições de existência do

indivíduo. Seja nas relações cotidianas, seja em sua própria visão sobre as coisas.

É o que afirma Marx:

“O modo de produção da vida material é que condiciona o processo da vida social, política e espiritual. Não é a consciência dos homens que determina o

2 Críticas, para o trabalho, num sentido de inconformadas com aquilo que é sugerido e aceito sem a menor reflexão ou aprofundamento investigativo.

Page 12: UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ Rafael de Oliveira Gogolatcconline.utp.br/wp-content/uploads/2012/06/O-DIREITO-DE... · transcorrer do tempo pudesse ser motivo suficiente para a mudança

12

seu ser, mas, inversamente, o seu ser social que determina a sua consciência.” (1956, p. 337).

Nesse sentido, é possível afirmar que a estrutura econômica da sociedade

– como um dos fatores influentes, e não como único fator3 – tem sua importância

na estruturação das relações sociais e jurídicas nela constituídas. Vale dizer, o

direito será conformado, em parte, pelas relações econômicas. Como explica

Marx:

“Nos meus estudos cheguei à conclusão de que as relações jurídicas, assim como as formas políticas, não podem ser compreendidas nem por si mesmas, nem pela pretensa evolução geral do espírito humano, fundando-se, pelo contrário, nas condições materiais de existência, cuja totalidade é agrupada por Hegel, a exemplo dos ingleses e dos franceses do século XVIII, sob a denominação de ‘sociedade civil’, em razão do que era necessário buscar a anatomia da sociedade civil na economia política. Comecei em Paris a desenvolver esta investigação, prosseguindo-a em Bruxelas, para onde havia emigrado após uma sentença de expulsão de M. Guizot. A conclusão geral a que cheguei e que, uma vez alcançada, serviu de fio condutor aos meus estudos pode resumidamente formulada da seguinte maneira. Na produção social da sua existência, os homens entram em determinadas relações, necessárias, independentes de sua vontade, relações de produção que correspondem a um determinado grau de desenvolvimento de suas forças produtivas materiais. A totalidade dessas relações de produção constitui a estrutura econômica da sociedade, a base real sobre a qual se ergue uma superestrutura jurídica e política e à qual correspondem formas de consciência social determinadas. O modo de produção da vida material determina o processo social, político e intelectual da vida em geral. Não é a consciência do homem que determina o seu ser, mas sim, pelo contrário, seu ser social é que determina sua consciência.” (apud Eros Roberto Grau, p. 45)

3 Sobre essa concepção de influência parcial (e não total) da economia, é interessante notar que, como explica Hobsbawm, “O materialismo histórico foi habitualmente definido – às vezes até por marxistas –como “determinismo econômico”. Além de rejeitar inteiramente a expressão, Marx certamente teria também negado ser ele o primeiro a ressaltar a importância da base econômica do desenvolvimento histórico, ou a escrever a história da humanidade como a de uma sucessão de sistemas socioeconômicos. (1998, p. 158).

Page 13: UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ Rafael de Oliveira Gogolatcconline.utp.br/wp-content/uploads/2012/06/O-DIREITO-DE... · transcorrer do tempo pudesse ser motivo suficiente para a mudança

13

Aliás, do que ficou afirmado acima, pode-se, até aqui, depreender duas

ideias fundamentais ao desenvolvimento do presente estudo. Primeira: o sistema

jurídico é influenciado pelas relações econômicas em determinada sociedade.

Segunda: se o direito se conforma à economia, e se existem vários tipos de

posturas econômicas em diferentes sociedades, podemos observar que o direito

também há de ter organização diversa em cada sociedade.

O pensamento jurídico, como foi dito, tem em conta as relações sociais e

as suas necessidades e, assim, adaptam as fórmulas do direito a cada época em

que novos preceitos jurídicos são necessários para viabilizar e sustentar as novas

mudanças.

A principal e mais reveladora característica dessa mudança é a

mentalidade jurídica e, em especial a visão da propriedade em um ordenamento

jurídico. É um ponto fundamental e revelador que indica a função e a finalidade

do direito em determinado contexto. Como afirma Grossi:

“Acrescente-se um esclarecimento que concerne à propriedade: nela, talvez mais do que em qualquer outro instituto do direito, exalta-se e se exaspera o que se está dizendo agora do jurídico, porque ela, rompendo a trama superficial das formas, liga-se necessariamente, por um lado, a uma antropologia, a uma visão do homem do mundo, por outro, em graça de seu vínculo estreitíssimo com interesses vitais de indivíduos e de classes, a uma ideologia. A propriedade é, por essas insuprimíveis raízes, mais do que qualquer outro instituto, mentalidade, aliás mentalidade profunda.

(...) O historiador da cultura e da sociedade em geral não deveria perder a ocasião para uma reflexão realista: que no universo jurídico as formas são frequentemente somente as pontas emergentes de um gigantesco edifício submerso, um edifício construído sobre valores e que a esses valores pede antes de mais nada o seu ser direito, regra observada e respeitada porque aderente às fontes mais vivas de um costume, de crenças religiosas, de certeza sociais.” (2006, p. 31)

Page 14: UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ Rafael de Oliveira Gogolatcconline.utp.br/wp-content/uploads/2012/06/O-DIREITO-DE... · transcorrer do tempo pudesse ser motivo suficiente para a mudança

14

O objeto de trabalho escolhido – o direito de propriedade como

mentalidade - talvez seja um dos mais sugestivos para avaliar essas relações entre

direito e sistema econômico, tendo em vista a sua importância em todas as

sociedades, considerada a necessária relação entre pessoas e coisas.

Também é necessário especificar tal objeto. A concentração da análise

especificamente na influência do capitalismo sobre a mentalidade que envolve o

direito de propriedade moderno no pensamento jurídico ocidental.

Para analisar essa influência, é necessário primeiramente ter uma visão

geral da ideia de propriedade em diferentes épocas e espaços, analisando rupturas

nessa ideia geral de propriedade.

Pois, segundo Lopes:

“Quais as mudanças pelas quais passou a propriedade ao longo da história? Especialmente, considerada a tradição ocidental de estudo do direito desde o século XII, quais as diferenças observáveis? Uma primeira intuição pode levar qualquer à ideia de que a propriedade é uma categoria do espírito, uma categoria jurídica sempre igual a si mesma. Aí começam as armadilhas. Certamente uma distinção entre o meu e o teu pode ser universal. Mas a propriedade, como regime jurídico, tem formas muito distintas ao longo da história.” (2000, P. 401)

Nesse itinerário, é necessário analisar algumas ideias presentes no direito

romano e fazer também algumas observações o sobre o período anterior ao

surgimento de desenvolvimento do capitalismo, a idade média.

Page 15: UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ Rafael de Oliveira Gogolatcconline.utp.br/wp-content/uploads/2012/06/O-DIREITO-DE... · transcorrer do tempo pudesse ser motivo suficiente para a mudança

15

2. O ITINERÁRIO HISTÓRICO DO DIREITO DE PROPRIEDADE

2.1. ALGUNS ASPECTOS DA PROPRIEDADE NO DIREITO ROMANO

Para perceber qual era a mentalidade que imperava no direito romano

acerca da ideia de propriedade em sua origem entre aqueles povos, é útil

conhecer um pouco da mentalidade social que estava constante naquela época.

Conforme ficou afirmado acima, o direito está em relação com os demais

institutos, e em certa medida é influenciado por eles.

Segundo Coulanges,

“Há três coisas que desde os tempos mais antigos se encontram conexas e firmemente estabelecidas nas sociedades grega e italiana: a religião doméstica, a família e o direito de propriedade4; três coisas que mostram manifesta relação entre si em sua origem e que parece terem sido inseparáveis.” (2005, p. 66)

Tal referência alerta sobre o contexto em que estava inserida a

mentalidade proprietária, profundamente ligada à religião e à família, e como

necessidade de manutenção do conjunto familiar.

Dado que o direito romano antigo é profundamente ligado à religião, não

há como compreendê-lo sem entender a importância das crenças religiosas para

aquele povo.

4 Entendida nesse trabalho, em sentido amplo, como relação de pertencimento, e não propriedade no sentido moderno do termo.

Page 16: UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ Rafael de Oliveira Gogolatcconline.utp.br/wp-content/uploads/2012/06/O-DIREITO-DE... · transcorrer do tempo pudesse ser motivo suficiente para a mudança

16

Num primeiro olhar, todo o sistema jurídico romano carece de sentido,

apesar de muito bem manuseado pelos jurisconsultos. É que falta analisar essa

construção a partir de um fundamento muito importante: a crença religiosa.

Os cultos da religião eram exercidos separadamente em cada família. Não

havia deuses comuns entre famílias ou comunidades. Por isso, cada família tinha

por obrigação dedicar uma área da casa em que era mantida uma espécie de

fogueira, que deveria permanecer sempre acessa, representando o deus lar,

antepassado que protegia a família.

Tal fogo não poderia ser apagado, pois significaria a “morte” dos seus

antepassados5 e por isso era inconcebível, em termos práticos, pensar numa

eventual troca de domicílio da família.

Além disso, devido ao caráter essencialmente familiar do culto, nenhum

membro estranho à família poderia presenciar os cultos ao deus familiar - ou

sequer observar o fogo sagrado -, motivo pelo qual dedicavam um cômodo de

acesso mais restrito para a permanência do altar.

Pode-se afirmar, assim, que a mentalidade jurídica de pertencimento

estava associada, em grande parte, a essa realidade do grupo familiar que

permanecia intensamente ligado à sua tradição religiosa.

5 Importante assinalar que, para aqueles povos, depois da morte física o homem continuava “vivo” sob a terra. A morte corporal era apenas uma transição.

Page 17: UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ Rafael de Oliveira Gogolatcconline.utp.br/wp-content/uploads/2012/06/O-DIREITO-DE... · transcorrer do tempo pudesse ser motivo suficiente para a mudança

17

Nesse sentido, afirma Surgik (1999):

“Nos primeiro séculos de Roma, a propriedade privada restringia-se tão-somente à casa, ao campo que a circundava e à sepultura familiar, de sorte que nem se utilizava propriamente a palavra ‘propriedade’ no sentido em que hoje a empregamos para dar a entender a titularidade do poder sobre a terra, porém, dominium, que deriva de domus (casa), de onde vem também o vocábulo dominus (dono), tudo intimamente ligado à religião, que consistia basicamente no culto aos deuses lares. Assim, ao invés de a propriedade se concentrar individualmente em uma pessoa, diluía-se no grupo familiar, o qual tinha por representante o pater famílias e assumia desta forma, nitidamente, um sentido mais social do que individual.”

É interessante notar, ainda, que os antepassados do pater famílias

deveriam ser enterrados no campo adjacente à casa, o que tornava o vínculo com

aquele terreno algo muito mais intenso do que a sua mera utilização para a

colheita de subsistência ou de pequeno comércio.

Dessa intensa correlação entre direito e religião, é possível observar as

prescrições jurídicas acerca da disponibilidade da terra. De acordo com a lição de

Segurado,

“Como tudo girava ao redor do culto dos mortos, a terra em que repousam os mortos é sagrada – inalienável e imprescritível. Em geral, o romano não vende jamais a sua propriedade. Caso venda a casa, conserva o campo onde estão enterrados os antepassados. Cada casa tinha o seu cemitério particular, onde o romano enterrava o avô, a avó, os pais, os ascendentes. A lei romana exige que se a família vende o campo onde está o túmulo do antepassado, continua proprietária do túmulo e conserva eternamente este direito.” (1989, p. 42)

É também interessante notar que a ideia de titularidade exclusiva e

absoluta – que tão fortemente marcou o instituto da propriedade na era moderna

– cede, em várias épocas, ao ideal comum de utilização, fruição efetiva das

Page 18: UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ Rafael de Oliveira Gogolatcconline.utp.br/wp-content/uploads/2012/06/O-DIREITO-DE... · transcorrer do tempo pudesse ser motivo suficiente para a mudança

18

terras. E aqui há grande diferença entre o que modernamente se entende por

propriedade e pelo que entendiam os juristas romanos.

Não concebiam os romanos um direito abstrato de propriedade, muito

mais ligado à titularidade – à subjetividade do direito, tal qual disseminada na

modernidade – que à utilização inteligente e profícua daquele bem, que antes de

tudo deveria dar frutos, cumprindo uma espécie de “função social”6 da

propriedade.

É o que demonstra a experiência histórica, conforme a análise de Surgik

(1999):

“A longa trajetória histórica de Roma, sobretudo o período republicano, oferece-nos as mais valiosas lições de aplicação concreta da função social da propriedade. Assim, por ocasião das conquistas territoriais dos romanos, os terrenos lavradios que não fossem vendidos eram distribuídos entre os cidadãos romanos ou arrendados mediante pagamento de um cânone, foro ou renda (uectigal) em pagamento da posse (agrum fruendem locatio). Os pastos e os bosques (pascua, ager scripturarius) eram destinados ao uso comum, mediante o pagamento de uma quota (scriptura) proporcional ao número de cabeças de gado que cada cidadão aí mandasse pastar. Quanto aos terrenos vagos e incultos, o poder público concedia-os aos cidadão (agri occupatores ou arficinales) mediante o pagamento do dízimo das colheitas e do quinto do fruto das árvores, sem, entretanto, alienar o domínio ou propriedade.”

Pode-se depreender do exposto que, em linhas gerais, havia grande

diferença de mentalidade entre o modelo romano de propriedade e o modelo

consolidado na idade moderna.

6 Aqui é necessário fazer ressalva. Refere-se a uma função social em sentido amplo, pois, conforme pressupostos metodológicos acima delineados, não se pode confundir as ideias a partir de sua expressão vernácula apenas. É importante respeitar as fontes em seu sentido próprio.

Page 19: UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ Rafael de Oliveira Gogolatcconline.utp.br/wp-content/uploads/2012/06/O-DIREITO-DE... · transcorrer do tempo pudesse ser motivo suficiente para a mudança

19

2.2. A VISÃO DE PROPRIEDADE NO MEDIEVO

A ordem feudal, que teve como início a queda do império romano do

ocidente7 baseava-se em princípios muito mais brandos política e juridicamente,

qualificada pela ausência de poderes concentrados. Na Idade Média, a

organização não partia de um centro de governo – como temos nos Estados

soberanos modernos –, mas dos feudos, que administravam toda a vida social da

comunidade.

O fim do grande Império Romano fez com que as pequenas

comunidades tivessem importância muito maior. A economia era praticamente

voltada à subsistência do feudo. Para Jessua (2009), o foco da comunidade era a

proteção contra os invasores bárbaros, por esse motivo, aliás, o início da reunião

das pessoas em pequenas comunidades mantidas pelo senhor feudal que oferecia,

em primeiro lugar, a segurança mínima para a existência do indivíduo. Nesse

meio em que não havia espaço para o desenvolvimento e fortalecimento da

economia, a produção deveria apenas preocupar-se em manter as necessidades do

feudo. Por isso, também há uma significativa retração no uso das rotas de

comércio, dada a insegurança que havia fora dos muros do feudo.

Esse recrudescimento determina o surgimento de novos padrões sociais de

organização – tão diferentes daqueles que prosperavam durante o largo território

7 Trata-se evidentemente de um marco que não revela uma abrupta mudança na mentalidade, pois esta se constrói e se altera aos poucos, fruto de variações contínuas na sociedade.

Page 20: UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ Rafael de Oliveira Gogolatcconline.utp.br/wp-content/uploads/2012/06/O-DIREITO-DE... · transcorrer do tempo pudesse ser motivo suficiente para a mudança

20

garantido pelo antigo Império romano. Agora é necessário organizar as relações

sociais de outra forma.

Interessante notar que, nesse esquema, toda a produção econômica

encontra-se profundamente ligada a vínculos pessoais. Tais vínculos, aliás, são

essenciais à utilização da terra.

Nas palavras de Jessua:

“Os principais traços desse sistema podem ser descritos como uma rede de prestações, contraprestações e sujeições em que cada indivíduo estava inserido. A autarquia das unidades rurais, a diminuição dos intercâmbios comerciais e o desaparecimento quase completo da moeda devido à tendência ao entesouramento fizeram com que o escambo se tornasse a modalidade típica de trocas e transações. Em outras palavras, podemos dizer que a época dos mercadores – portanto dos mercados – havia terminado.” (2009, p. 16)

Então, os senhores feudais, que detinham certo poder local, ofereciam

serviços de proteção àqueles que aceitassem constituir com eles um vínculo de

vassalagem, dando início a vários deveres pessoais recíprocos.

Os benefícios que decorriam desse laço “...eram muito variados, mas com

o correr do tempo concentraram-se na concessão de terras para o plantio.”

(CORTIANO Jr., 2002, p. 23).

Nessa relação de apropriação e uso das coisas, é importante verificar as

várias e concomitantes relações dos sujeitos com a coisa. Assim, é muito difícil

falar em exclusividade no uso do bem. Tal conceito parece não fazer sentido

naquela época.

Page 21: UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ Rafael de Oliveira Gogolatcconline.utp.br/wp-content/uploads/2012/06/O-DIREITO-DE... · transcorrer do tempo pudesse ser motivo suficiente para a mudança

21

Pois, conforme aponta Cortiano Jr.:

“A ordem feudal firma-se, então, na concessão de terra para que o vassalo dali tirasse seu sustento, devendo prestar serviços – inclusive militares – ao seu senhor. Daí falar-se em parcelamento da propriedade: surgiam direitos do senhor e do vassalo sobre o solo, como surgiam obrigações pessoais entre eles. Por conseqüência do parcelamento da propriedade, surge uma hierarquia dos direitos sobre a terra, que corresponde à hierarquia dos laços de dependência pessoal. A terra vai configurar-se como o elemento real nas relações pessoais feudo-vassálicas. (2002, p. 24)

Como é possível verificar, as concessões de terras, na ordem feudal, são

conseqüências da vassalagem e estão profundamente ligadas aos vínculos

pessoais entre senhor e vassalo.

Dessa premissa, é possível notar, mesmo vagamente, que a mentalidade

proprietária estava então profundamente ligada não apenas ao poder sobre a terra,

mas necessariamente entre o uso da terra e as relações sociais que decorriam das

condições para se obter a terra para o cultivo. Não era possível alienar ou adquirir

terras sem qualquer consentimento ou restrição. O poder sobre a coisa mantinha

intrínseca relação com o papel exercido naquela sociedade e as relações de que se

fazia parte.

Há, nesse momento histórico, uma grande mudança de mentalidade na

organização social que é importante observar, pois causará muita influência na

organização dos institutos jurídicos dessa época.

Essa mudança de mentalidade é essencial para compreender as demais

relações e ideais daquela época.

Page 22: UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ Rafael de Oliveira Gogolatcconline.utp.br/wp-content/uploads/2012/06/O-DIREITO-DE... · transcorrer do tempo pudesse ser motivo suficiente para a mudança

22

Tal mentalidade determinará os institutos jurídicos. Como explica

Grossi:

“A parte da ordem jurídica das relações reais que convencionalmente poderíamos chamar de medieval se delineia com nitidez quando, ao ruir do velho edifício estatal romano e da cultura jurídica que lhe era simbioticamente conexa, ao esfacelo social, à crise da produção econômica, ao encolher-se do comércio, ao esvaziar-se das cidades; quando, nesse vazio que a nascente civilização demora a preencher, inverte-se a relação homem-natureza e novos valores fundantes começam a deixar sua marca no mundo jurídico.” (2006, p. 42)

Outro ponto fundamental. Pode-se observar, na Idade Média, uma

preocupação muito maior com a comunidade do que com o indivíduo. A

sociedade era um todo – havia constante referência à imagem do corpo -, e não

um conjunto de individualidades como percebemos no advento da Idade

Moderna. De acordo com a lição de Staut Jr.:

“A sociedade medieval européia ocidental, em linhas muito gerais, é identificada como uma sociedade de ordens em que cada integrante de uma comunidade possui o seu papel dentro da estrutura social, como um órgão desempenhando uma função em um corpo. (...). Nesse tempo e espaço, cada indivíduo ocupava um lugar indispensável e específico na sociedade, contribuindo para a manutenção da ordem e para a realização dos seus fins últimos.

(...) O que se verifica é uma forma de organização social que valoriza o coletivo e que, por isso, atribui sentido ao todo e não ao individual. Inexiste a figura do indivíduo livre e autônomo, construtor e senhor do seu mundo. No imaginário medieval domina a ideia de ordem e, conforme observado, cada qual deve cumprir com a sua função na comunidade, e esta função será determinada pela posição ou condição (status) de cada entidade na ordem do mundo.” (2009, p. 30)

Page 23: UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ Rafael de Oliveira Gogolatcconline.utp.br/wp-content/uploads/2012/06/O-DIREITO-DE... · transcorrer do tempo pudesse ser motivo suficiente para a mudança

23

Nesse sentido, a mentalidade muda de tal forma que as relações entre o

homem e o meio onde vive apresentarão novo aspecto. Predomina a ideia de

integrante do todo, e não a de um sujeito livre e autônomo.

Dessa forma, percebe-se que falta aquela ideia fundamental ao

pensamento proprietário moderno: o sujeito de direitos, enquanto ente abstrato e

livre, em grande parte independente dos demais componentes da sociedade para

qualquer escolha ou exercício de direitos.

Além da carência da ideia de sujeito, também é conferida uma certa

importância aos objetos apropriados. E isso é fundamental na construção da

mentalidade jurídica medieval.

Como ensina Grossi:

“As coisas, antes oprimidas pela vontade dominadora do sujeito, agigantam-se e tornam-se os elementos essenciais de uma paisagem que apresenta sempre menores traços da ação humana; coisas inacessíveis nas suas enormes proporções, mas que devem ser respeitadas a todo custo porque condições elementares de sobrevivência em um mundo onde a sobrevivência é o duro problema de cada dia. O sujeito, desprovido de vontade incisiva, encolhido no interior da realidade cósmica como tessela de um grande mosaico, sepultado na concha protetora de sufocantes ordens micro-comunitárias, depõe toda veleidade imperativa e sofre o complexo de forças que do exterior se projetam sobre ele.” (2006, p. 42)

Pela ausência total de um Estado forte e capaz de garantir a ordem, houve

uma grande retração se observamos, por exemplo, as relações econômicas de

períodos anteriores à queda do império romano ocidental.

Page 24: UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ Rafael de Oliveira Gogolatcconline.utp.br/wp-content/uploads/2012/06/O-DIREITO-DE... · transcorrer do tempo pudesse ser motivo suficiente para a mudança

24

Essa retração no crescimento econômico se deve, em parte, ao

enfraquecimento do poder político central, pois agora não havia como garantir a

segurança e a tranquilidade em rotas comerciais, tão necessárias às operações

econômicas.

Aliás, até mesmo a ideia de alienar terras não parecia resultar em grandes

vantagens, pois o uso das terras para a agricultura seria voltado essencialmente à

subsistência do feudo.

A subsistência do feudo era garantida, pois os vassalos deveriam cultivar

as terras e utilizar instrumentos e estruturas do senhor, p. ex., seus moinhos,

pagando com parte da colheita por esse uso a fim de garantir a manutenção do

feudo.

Aqui surge um ponto interessante: não havia uma ideia de “sistema de

mercado”, enquanto necessidade de produção voltada ao comércio. Nos feudos

somente a quantidade excedente da colheita seria comercializada e não haveria

jamais produção com o especial fim da comercialização.

A mentalidade de apropriação durante essa época revela os fundamentos

em que se sustenta. Sobre essa ideia de domínio das coisas, afirma Grossi:

“A propriedade medieval é uma entidade complexa e composta, tanto que parece ate mesmo indevido o uso daquele singular: tantos poderes autônomos e imediatos sobre a coisa, diversos em qualidade segundo as dimensões da coisa que os provocou e legitimou, cada um dos quais encarna um conteúdo proprietário, um domínio (útil e o direto), e cujo feixe compreensivo reunido por acaso em um só sujeito pode fazer dele o titular da propriedade sobre a coisa. Fique bem claro que essa propriedade não é

Page 25: UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ Rafael de Oliveira Gogolatcconline.utp.br/wp-content/uploads/2012/06/O-DIREITO-DE... · transcorrer do tempo pudesse ser motivo suficiente para a mudança

25

porém uma realidade monolítica, a sua unidade é ocasional e precária, e cada fração leva em si a tensão a tornar-se autônoma e a força para realizar o desmembramento; nem são necessários somente atos de disposição para provocá-lo, mas frequentemente mesmo simples atos de administração do proprietário (por exemplo, em certas condições, até um contrato agrário) podem levar à divisão em frações da unidade composta. Essa relativa subjetividade, essa unidade tão frágil, têm motivações precisas, e nós as conhecemos: vêm à tona na vontade do ordenamento de construir o pertencimento partindo da coisa e de condicioná-lo às exigências desta.” (2006, 66)

Pode-se dizer que, em linhas gerais, não há necessidade de simplificar a

relação do homem com as coisas. Essas relações, aliás, encontram-se

profundamente ligadas à posição de cada sujeito na comunidade, e esse fato

revela o quanto está ligada a propriedade ao meio e à sua utilização em benefício

dos demais, mesmo daqueles que não a possuem. E, além disso, observa-se que a

relação entre os homens e bens não está condicionado à presunção de

superioridade do homem sobre a coisa. O antropocentrismo, tão importante para

se entender a atribuição do status abstrato de proprietário, ressurgirá apenas na

Idade Moderna.

Page 26: UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ Rafael de Oliveira Gogolatcconline.utp.br/wp-content/uploads/2012/06/O-DIREITO-DE... · transcorrer do tempo pudesse ser motivo suficiente para a mudança

26

3. O ADVENTO DA MODERNIDADE

3.1. A MENTALIDADE DA IDADE MODERNA

Costuma-se designar o início da modernidade no século XV, porém, é

necessário ter em mente que a Idade Moderna não começa em um momento

específico, mas que é fruto de pequenas e constantes alterações na mentalidade

que prevaleceu na época medieval. Nesse sentido é esclarecedora a lição de

Marías:

“La Edad Moderna no comienza de uma vez en Europa. Desde que se rompe la unidad del mundo medieval, allá en el siglo XV, hasta que la modernidad llega a ser efectivamente dueña de si misma, transcurren doscientos años. Es un plazo bastante largo para que la expresión ‘Edad Moderna’ resulte un tanto ambigua: los elementos que la han constituído han ido apareciendo lentamente sobre la haz de la historia europea, y en cada instante han coexistido estratos de claro linaje medieval com otras capas posteriores, de indudable filiación moderna; hasta tal punto, que em algunos países, como España, ha parecido problemática la existencia del Renacimiento y se há pensado que la Edad Media perduraba allí casi hasta el siglo XVIII; lo cual no es verdad sino en medida muy escasa y en algunas dimensiones parciales de la vida.8 (1956, p.199)

Costuma-se associar o advento da modernidade com alguns fatos que

provocaram mudanças significativas na sociedade medieval: o descobrimento do

8 Tradução livre: A Idade Moderna não começa de uma vez na Europa. Desde que se rompe a unidade do mundo medieval, lá no século XV, até que a modernidade chegue a ser dona de si mesma, transcorrem duzentos anos. É um prazo bastante largo para que a expressão “Idade Moderna” seja um tanto ambígua: os elementos que a constituem vão aparecendo lentamente na história européia, e em cada instante coexistiram estratos de linhagem claramente medieval com formas posteriores, de indubitável filiação moderna; até tal ponto, que em alguns países, como na Espanha, pareceu problemática a existência do Renascimento e pensava-se que a Idade Média perdurava ali até o século XVIII; o que não é verdade senão em medida muito escassa e em algumas dimensões parciais da vida.

Page 27: UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ Rafael de Oliveira Gogolatcconline.utp.br/wp-content/uploads/2012/06/O-DIREITO-DE... · transcorrer do tempo pudesse ser motivo suficiente para a mudança

27

“Novo Mundo”, as reformas religiosas, a ascensão do capitalismo e o surgimento

dos Estados nacionais soberanos, foram acontecimentos que provocaram

profundas alterações nas sociedades daquela época9.

Aliada a essas mudanças, há uma importante alteração no paradigma

filosófico dessa época. Surgem, nesse momento, novas concepções culturais que

serão determinantes na formação do pensamento moderno. São movimentos

expressivos dessa nova mentalidade o Humanismo e o Renascimento, que,

conforme ensina Moncada:

“(...) Restauração erudita dos textos e das letras antigas, o primeiro – logo seguido, pouco depois, duma restauração mais geral de todas as formas da arte da Antiguidade clássica de gregos e romanos, tomados como modelos, que foi o segundo – tais factos não nos interessariam sobremaneira se com eles não estivessem no mesmo passo associadas uma nova forma mental e uma nova concepção da vida que, em oposição à Idade-Média, inauguraram uma época também inteiramente nova na história do homem ocidental. E este facto fundamental, combinado com outros igualmente muito conhecidos (os descobrimentos, o alvorecer do capitalismo moderno, a investigação da imprensa, os primeiros passos na investigação científica da natureza, a tentativa de uma nova interpretação do Cristianismo, o desenvolvimento do poder real, etc.), não podia deixar de criar uma ‘situação histórica’ originalíssima, a partir da qual as concepções filosóficas do mundo, do direito e do Estado, não podiam também deixar de ser tornar outras muito diferentes.” (s.d., p. 93)

Esse novo ideal levou os pensadores modernos em direção àquilo que fora

produzido na Antiguidade Greco-romana. Filosofia, arte, literatura, e direito

foram temas amplamente estudados e “revigorados”, passados pelo crivo da

razão moderna.

9 Veja-se, entre outros, José Reinaldo de Lima Lopes (2000, p. 178)

Page 28: UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ Rafael de Oliveira Gogolatcconline.utp.br/wp-content/uploads/2012/06/O-DIREITO-DE... · transcorrer do tempo pudesse ser motivo suficiente para a mudança

28

Assim, o direito romano, através das leituras do Corpus Iuris Civilis, foi

recepcionado como um monumento importantíssimo na cultura do continente

europeu.

É interessante observar a oportuna relação entre o “resurgimento” do

direito romano na modernidade e as necessidades do desenvolvimento do sistema

de trocas. Em primeiro lugar, porque, não havendo um direito flexível na criação

de novos institutos, alegavam - aqueles que aspiravam a um sistema jurídico mais

livre – que se tratava de normas reconhecidas e valorizadas pela tradição, e não

de criações casuais.

Conforme ensinam Tigar e Levy:

“Os homens e mulheres que lutavam pela instituição de preceitos jurídicos compatíveis com o comércio mais livre não alegavam haver inventado os princípios que procuravam aplicar. O respeito pela tradição vetava tal alegação. (...) Em vez disso, os burgueses valeram-se de velhas formas e princípios jurídicos, sobretudo romanos, investindo-os de um novo conteúdo comercial. (1978, p. 21)

Aqui notamos a releitura e a adaptação dos textos antigos pelos

interessados no desenvolvimento capitalista. Aliás, várias características da

ciência jurídica romana serão absolutamente propícias à viabilidade do

desenvolvimento econômico capitalista.

Como ensina Hespanha:

“Na perspectiva de uma história ‘social’ do direito, costuma dizer-se que a recepção do direito romano estava de acordo com as formas de vida

Page 29: UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ Rafael de Oliveira Gogolatcconline.utp.br/wp-content/uploads/2012/06/O-DIREITO-DE... · transcorrer do tempo pudesse ser motivo suficiente para a mudança

29

econômica em desenvolvimento na Europa de então. Os séculos da recepção (XIII – XVI) são, de facto, os do desenvolvimento inicial da economia mercantil e monetária europeia. A este novo tipo de relações económicas seriam necessárias três coisas no plano jurídico – um direito estável, que garantisse a segurança jurídica e institucional necessária à previsão e ao cálculo mercantil, um direito único, que possibilitasse o estabelecimento de um comércio intereuropeu, e um direito individualista, que fornecesse uma base jurídica adequada à actividade do empresário, livre das limitações comunitaristas que os ordenamentos jurídicos medievais tinham herdado do direito germânico. O direito romano constituiria, precisamente um ordenamento jurídico dotado de todas estas características: a sua abstracção (i. e., o facto de as situações visadas pelas normas estarem nelas descritas através de formas muito estilizadas e, portanto, gerais) opor-se-ia ao casuísmo dos direitos Alta Idade Média;” (1997, p. 81)

Na modernidade, outro movimento importantíssimo à analise da

construção do moderno direito de propriedade é a filosofia liberal, representada,

dentre outros, pelo filósofo inglês John Locke (1632-1704).

De acordo com o filósofo, o direito à propriedade figura entre os mais

importantes direitos do cidadão. O direito à vida, à liberdade e à propriedade

formariam um trio indissociável, necessário à existência digna de qualquer ser

humano. Dificilmente haveria possibilidade de garantir um desses direitos sem o

necessário respeito aos demais.

Importa, à presente pesquisa, qual é a fundamentação da possibilidade

de constituir a propriedade privada, excluindo os demais de seu uso, e, além

disso, admitir o acúmulo da riqueza, motivo pelo qual será considerado um dos

grandes filósofos que apoiaram o liberalismo.

Locke argumenta que o trabalho é o motivo determinante do direito à

propriedade do bem, uma vez que a natureza coloca as coisas à disposição de

Page 30: UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ Rafael de Oliveira Gogolatcconline.utp.br/wp-content/uploads/2012/06/O-DIREITO-DE... · transcorrer do tempo pudesse ser motivo suficiente para a mudança

30

todos e que ao homem restaria o trabalho de se apropriar das coisas e torná-las

úteis para suprir suas necessidades. Conforme as linhas de Locke:

“Parece-me pois fácil entender como o trabalho pôde, de início, dar início ao direito de propriedade sobre o que havia de comum na natureza, e como este direito era limitado pelo próprio uso. De sorte que não havia motivo para controvérsia quanto ao direito, nem qualquer dúvida quanto à extensão da posse que ele conferia. O direito e a conveniência eram inseparáveis.” (2006, p. 50)

Assim, num primeiro momento, o direito de propriedade deveria estar

limitado àquela quantidade de coisas que o homem efetivamente pudesse usar,

sendo vedado qualquer desperdício.

No entanto, os homens encontraram uma forma de tornar o fruto de seu

trabalho imperecível: através do uso da moeda. Assim, o homem pode acumular

o fruto de seu trabalho em dinheiro, que poderá ser utilizado em momentos

futuros e não pressupõe um consumo próximo, como um alimento, por exemplo.

É que o filósofo expõe nas seguintes linhas:

“E uma que o ouro e a prata têm pouco utilidade para a vida humana, se comparados com o alimento, vestuário e transporte, sendo seu valor apenas consensual entre os homens, enquanto é o trabalho que dá em grande parte a medida das coisas, é evidente que os homens concordaram com a posse desigual e assimétrica da terra, tendo descoberto, pela aceitação tácita e espontânea, a maneira de alguém possuir licitamente mais terra do que aquela cujo produto pode utilizar, recebendo em troca, pelo excesso de produto, ouro e prata que pode guardar sem causar dano aos outros, uma vez que estes metais não se deterioram nem se estragam.” (2006, p. 50)

Esses são alguns pressupostos que permitirão a justificativa para a

organização jurídica da propriedade no sistema capitalista.

Page 31: UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ Rafael de Oliveira Gogolatcconline.utp.br/wp-content/uploads/2012/06/O-DIREITO-DE... · transcorrer do tempo pudesse ser motivo suficiente para a mudança

31

3.2. O SURGIMENTO DO CAPITALISMO

O que se entende por Capitalismo? Muito comum ouvir falar do

capitalismo, dos seus impactos na sociedade, das suas mazelas, das suas

vantagens etc. Mas afinal o que significa essa palavra?

Segundo Braudel, “Capital (palavra do baixo latim, de caput, cabeça)

emerge ao redor dos séculos XII-XIII com o sentido de fundos, de estoque de

mercadorias, de massa monetária ou de dinheiro que rende juros. (2009, p. 201)”.

De acordo com o autor, a palavra “capitalismo”, por sua vez, é utilizada

com precisão apenas no início do séc. XX por W. Sombart, em 1902, na obra Der

Moderne Kapitalismus (2009, p. 206).

É essencial compreender que o capitalismo não existiu desde épocas

antigas, mas que é fruto relativamente recente. De fato, é inegável que os homens

têm as trocas econômicas como parte socialmente importante através da história,

porém, com os atributos exigidos pelo capitalismo só poderemos observar na

transição da idade média para a idade moderna. É interessante mesmo notar que,

ainda na época medieval, segundo Heilbroner e Thurow, “o próprio ato de ganhar

dinheiro não era muito valorizado. As pessoas ambiciosas das camadas mais

privilegiadas procuravam fama e fortuna nos feitos militares, a serviço da corte

ou nas hierarquias da religião.” (2001, p. 15)

Nesse sentido, observam Heilbroner e Thurow que:

Page 32: UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ Rafael de Oliveira Gogolatcconline.utp.br/wp-content/uploads/2012/06/O-DIREITO-DE... · transcorrer do tempo pudesse ser motivo suficiente para a mudança

32

“Muita gente fala do capitalismo com se ele fosse tão velho quanto as montanhas, antigo como a Bíblia, deixando implícito que há algo nele que estaria de acordo com a natureza humana. No entanto, pensando bem, fica claro que não é assim. Ninguém nunca chamou os faraós egípcios de capitalistas. Os gregos sobre os quais Homero escreveu não formavam uma sociedade de negócios, embora houvesse mercadores e negociantes na Grécia. A Europa medieval com certeza não era capitalista, e ninguém usaria a palavra para descrever as brilhantes civilizações da Índia e da China sobre as quais Marco Polo escreveu, nem os grandes impérios da África antiga, nem as sociedades islâmicas que vislumbramos nas Mil e uma noites.” (2001, p. 13)

Como frisado acima, a sociedade capitalista não é toda aquela em que há

atividade comercial tão-somente. A atividade econômica é constante nas

sociedades, surgindo em diferentes contextos. Porém, o sistema econômico

capitalista exige alguns requisitos específicos para a sua estruturação, de forma

que, conforme os autores “o que tornava essas sociedades não-capitalistas não

era alguma coisa que tivessem em comum, pois eram tão diferentes entre si

quanto as civilizações podem ser, mas alguns elementos de que careciam em

comum” (2001, p. 14).

Esses elementos que caracterizam o sistema capitalista são, basicamente,

três: a propriedade privada, o sistema de mercado e a livre contratação da mão-

de-obra, consoante Robert e Thurow (2001).

A propriedade privada é uma condição para o exercício da produção

voltada para o mercado. Assim, o capitalista tem a garantia de que poderá utilizar

Page 33: UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ Rafael de Oliveira Gogolatcconline.utp.br/wp-content/uploads/2012/06/O-DIREITO-DE... · transcorrer do tempo pudesse ser motivo suficiente para a mudança

33

seus bens de acordo com os seus interesses, sem qualquer ingerência alheia sobre

o seu bem.

Essa relação de respeito à propriedade privada é uma das mais importantes

características da propriedade moderna. O traço fundamental dessa nova

construção proprietária será não a sua possibilidade de abstração do conteúdo em

que recaem os direitos do proprietário, mas sobre essa independência do

proprietário na utilização de seu bem. De acordo com Barcellona

“Anzitutto, un nuovo regime della proprietà. Si tratta non solo di ridefinire il contenuto della proprietà, ma anche di ridefinire i rapporti tra proprietari privati e potere pubblico, e di rifondare l’attribuzione della proprietà. In altre parole, il processo riguarda non tanto la proprietà come contenuto, cioè come possibilita di concreta utilizzazione del bene, quanto il fondamento e la legittimazione dell’attribuzione dei poteri al proprietario. La proprietà moderna si costituisce in ‘proprietà privata’ perché designa la posizione di assoluta libertà del soggetto che ha il potere di mettere a profitto il bene e il carattere individuale dell’appartenenza della res.”10

(s.d., p. 47)

Além da instituição da propriedade privada, é necessário que haja um

sistema de mercado como força motriz da economia. Podemos conceituar

sistema de mercado, conforme Heilbroner e Thurow, como sendo:

“(...) aquele em que as atividades econômicas estão nas mãos de homens e mulheres que reagem livremente às oportunidades e dificuldades do mercado, e não às rotinas estabelecidas pela tradição ou aos ditames de algum senhor. Assim, em um sistema de mercado, a maioria dos indivíduos não só tem a liberdade de procurador trabalho onde quiser, mas também

10 Tradução livre: Antes de mais nada, um novo regime da propriedade. Não se trata apenas de redefinir o conteúdo da propriedade, mas também de redefinir as relações entre proprietários e poder público, e de restabelecer as qualidades (atributos) da propriedade. Em outras palavras, o processo revisa não tanto a propriedade como conteúdo, isso é, como possibilidade de utilização concreta do bem, quanto o fundamento e legitimidade da atribuição dos poderes ao proprietário. A propriedade moderna se constitui em propriedade “propriedade privada” porque indica a posição de absoluta liberdade do sujeito que detém o poder de aproveitar-se do bem e o caráter individual de pertencimento da res (coisa).

Page 34: UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ Rafael de Oliveira Gogolatcconline.utp.br/wp-content/uploads/2012/06/O-DIREITO-DE... · transcorrer do tempo pudesse ser motivo suficiente para a mudança

34

precisam procurar emprego; para fazer uma comparação, os servos ou os artesãos presos à tradição nasciam com um emprego e só com grandes dificuldades podiam trocá-lo por outro. Em um sistema de mercado, todos são livres para comprar ou vender terras; uma fazenda pode virar um centro comercial.” (2001, p. 16)

Na idade média havia um sistema de trocas, evidentemente. Porém, não

havia a ideia de sistema de mercado – como liberdade de se produzir

principalmente para o comércio. No medievo era inconcebível a ideia de sistema

de mercado, pois, havia uma gama de relações que direcionavam a produção para

a subsistência em primeiro lugar. Conforme explica Jessua:

“(...) todos os relacionamentos entre amos e subordinados são regidos por redes de direitos e deveres naturais, e não por meio de transações livres. Em conseqüência, a noção de mercado torna-se totalmente ausente dessa organização; a economia rural fechada é regida pelas necessidades da hierarquia. Desse modo, a ordem feudal que estava se estabelecendo por toda parte parecia satisfazer todas as condições da estabilidade. (2009, p. 17)

Como terceiro requisito, é necessário que haja liberdade na contratação da

mão-de-obra, para que possam utilizar dos trabalhadores sem qualquer vínculo

pessoal mais profundo.

Assim, propriedade privada, liberdade de contratação dos trabalhadores e

sistema de mercado são conhecidos como fatores de produção. É da conjugação

desses elementos que é possível determinar como funciona o sistema econômico

capitalista.

Page 35: UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ Rafael de Oliveira Gogolatcconline.utp.br/wp-content/uploads/2012/06/O-DIREITO-DE... · transcorrer do tempo pudesse ser motivo suficiente para a mudança

35

Conforme explicam Heilbroner e Thurow, esses fatores de produção

aparecem como condição de existência do capitalismo:

“Não havia fatores de produção antes do capitalismo. Decerto, a mão-de-obra humana, a terra e os recursos naturais proporcionados pela natureza e as ferramentas da sociedade sempre existiram. Mas a mão-de-obra, a terra e o capital não eram mercadorias à venda. O trabalho era realizado como parte dos deveres sociais do servo ou do escravo, que não eram pagos por ele. Na verdade, o servo pagava ao senhor taxas pelo uso dos equipamentos deste, e nunca esperava ser remunerado quando lhe entregava obrigatoriamente uma parte de sua colheita. Por isso, também, a terra era vista como a base do poder militar ou da administração civil, do mesmo modo que um município ou um estado nos dias de hoje, e não como um imóvel a ser comprado e vendido. E pensava-se no capital como um tesouro ou como o equipamento necessário de um artesão, não como uma soma abstrata de riqueza com um valor de mercado.” (2001, p. 17)

Percebe-se, assim, o quanto era inimaginável a possibilidade de reunir

esses fatores de produção durante o feudalismo. Os profundos vínculos pessoais

que se constituíam nos feudos afastavam a ideia de propriedade livre,

desvinculada, submetida a único dono. O caráter de subsistência da produção

agrícola e baixo rendimento da agricultura tornavam inviável a produção

econômica que pudesse contar com excedente.

Era uma série de vínculos que mantinham o retraído sistema econômico

medieval, conforme assinala Cortiano Jr.:

“A característica estamental da ordem feudal, com suas ligações quase

orgânicas entre senhores, vassalos e servos, e também a composição do mundo em comunidades sem individualidades autônomas, diminuía a presença de agentes econômicos que pudessem fazer parte da cadeia de circulação de bens, pela total ausência de autonomia nas suas ações, vinculados que estavam à terra e aos senhores feudais.

O parcelamento do direito à terra dificultava, de outra parte, que ela fosse objeto de compra e venda, isto é, que fosse considerada mercadoria. Como

Page 36: UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ Rafael de Oliveira Gogolatcconline.utp.br/wp-content/uploads/2012/06/O-DIREITO-DE... · transcorrer do tempo pudesse ser motivo suficiente para a mudança

36

sua importância socioeconômica era fundamental e se configurava em elemento de libertação dos indivíduos em face dos privilégios da nobreza e do clero, foi necessária a liberação da terra dos múltiplos ônus que sobre ela incidiam, para que plenos poderes proprietários fossem atribuídos a um só indivíduo.” (2002,, p. 32)

Conforme o exposto, podemos perceber que os fatores de produção, no

sistema capitalista, precisam ser organizados com certa liberdade garantida pelo

direito.

Page 37: UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ Rafael de Oliveira Gogolatcconline.utp.br/wp-content/uploads/2012/06/O-DIREITO-DE... · transcorrer do tempo pudesse ser motivo suficiente para a mudança

37

4. O CAPITALISMO E A MENTALIDADE PROPRIETÁRIA

Depois de compreender os traços básicos do sistema capitalista, é

necessário analisar as características da propriedade moderna que atendem as

condições do sistema capitalista.

Num primeiro momento, a transformação de paradigmas quanto à visão

proprietária tem raízes na mudança de visão antropológica renascentista, em que

o homem assume a posição principal no universo, deixando de ser “parte” da

natureza, acredita que ela existe para lhe servir.

Conforme ensina Grossi:

“A operação ‘propriedade moderna’ (...) tem uma natural sincronia com a mais ampla renovação antropológica que dá vida a uma civilização ‘moderna’; sincronia óbvia depois das premissas nas quais temos repetidamente insistido. E tem seu começo naquele século tão repleto de

antecipações que é, para o historiador e para o jurista, o século XIV.” (2006, p. 63)

Com a mudança do paradigma antropológico, e com as novas tendências

filosóficas de considerar o indivíduo como fundamento da realidade (por

exemplo, o subjetivismo cartesiano11), o sujeito assume um papel eminente.

11 Segundo Franklin Leopoldo e Silva, (1993. p. 8) Descartes é defensor do subjetivismo porquanto entende que “o sujeito tem uma função pelo menos ordenadora do conhecimento. É ele a sede da certeza de todos os objetos. Subjetivismo não significa, obviamente, que a mente de cada um detenha os critérios que orientarão o conhecimento. Subjetivismo quer dizer apenas primado da subjetividade, da precedência do sujeito no processo de conhecimento, e essa é, seguramente, a grande modificação introduzida por Descartes na filosofia.

Page 38: UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ Rafael de Oliveira Gogolatcconline.utp.br/wp-content/uploads/2012/06/O-DIREITO-DE... · transcorrer do tempo pudesse ser motivo suficiente para a mudança

38

Desaparece aquele respeito pelas coisas e aquele senso de pertencer a um corpo

social.

Assim, o fundamento da propriedade moderna não estará centrado na

coisa (ou utilização dela), mas será visto como uma gama de poderes de que

dispõe o sujeito proprietário.

Conforme Grossi

“A propriedade, que renega as soluções medievais do pertencimento e que podemos convencionalmente qualificar como moderna, é desenhada a partir do observatório privilegiado de um sujeito presunçoso e dominador, é emanação das suas potencialidades, é instrumento da sua soberania sobre a criação: uma marca rigorosamente subjetiva a distingue, e o mundo dos fenômenos, na sua objetividade, é somente o terreno sobre o qual a soberania se exercita; não uma realidade condicionante com as suas pretensões estruturais, mas passivamente condicionada.” (2006, p. 67)

Esse moderno direito de propriedade, como conjunto de direitos sobre a

coisa, é conhecido por várias qualidades abstratas. Como explica Amaral, a

propriedade privada:

“(...) consagrou-se como um direito unitário, absoluto, perpétuo, exclusivo e ilimitado. Unitário no sentido de haver um só tipo de propriedade, ou domínio, embora passível de conteúdos diversos. Absoluto, por deixar ao arbítrio do seu titular a decisão sobre a conveniência e modo de seu aproveitamento. Perpétuo, por não se extinguir pelo não uso. É a duração física da coisa que determina a permanência do direito. Exclusivo, porque com eficácia erga omnes, tendo o proprietário direito de impedir qualquer invasão na esfera do seu poder. Ilimitado, no sentido da indeterminação do exercício das faculdades que o compõem, e por isso mesmo elástica, porque suscetível de contração e distensão, conforme seja privada ou não, de qualquer das suas faculdades. Assim sendo, a propriedade era considerada projeção da personalidade individual e, consequentemente, protegida por ser um de seus atributos.” (2009, p. 180)

Page 39: UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ Rafael de Oliveira Gogolatcconline.utp.br/wp-content/uploads/2012/06/O-DIREITO-DE... · transcorrer do tempo pudesse ser motivo suficiente para a mudança

39

Essas características acima apontadas são construídas a partir da

necessidade de uma economia liberal em que o proprietário possa utilizar o seu

bem como entender melhor para os seus interesses, sem qualquer intervenção de

terceiros – particulares ou mesmo o Estado.

O proprietário deve escolher como empregar a coisa que detém. Pode

recorrer à venda, à locação, enfim, a quantas possibilidades imaginar. Afinal, o

importante é que ele tenha a liberdade de escolher como administrará a sua

riqueza.

A mudança surge porque os capitalistas não conseguiam a liberdade para

manipular suas propriedades. Agora eles possuem um direito de propriedade

abstrato, que aceita os mais variados conteúdos, e absoluto, o que lhes garante a

livre escolha de como utilizar seus bens, sem qualquer interferência alheia.

Na Idade Média, contrario sensu, os senhores feudais permaneciam

contrários àquele novo sistema econômico, e tentavam impedir a possibilidade do

capitalista adquirir terras enraizando-as em laços pessoais, por exemplo.

Como explicam Tigar e Levy,

“(...) à medida que o comerciante ampliava seu campo de atividades e criava as instituições de comércio (..) entrava em choque direto com os interesses econômicos e políticos dos senhores feudais de uma ou outra parte do território. A classe mercantil vivia em um estado de irritação contínua contra leis e costumes mantidos com a finalidade de proteger os detentores do poder feudal. De regras proibindo a venda de terras fora da família – o que eficazmente impedia que elas se transformassem em objeto de comércio –até a proibição da maioria das formas de associação burguesa (...)” (1978, p. 21)

Page 40: UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ Rafael de Oliveira Gogolatcconline.utp.br/wp-content/uploads/2012/06/O-DIREITO-DE... · transcorrer do tempo pudesse ser motivo suficiente para a mudança

40

Esses impedimentos à liberdade da propriedade da terra, que a mantinha

atrelada a vínculos pessoais entre os seus detentores, tornavam impossível o seu

manuseio como fator de produção e, consequentemente, inviabilizavam os

anseios capitalistas.

Surge então, a necessidade que os capitalistas têm de pensar em outro

tipo de propriedade, pois, segundo Cortiano Jr:

“Tais possibilidades e construções [medievais] não irão corresponder às necessidades econômicas da nova ordem, cuja pedra de toque está na autonomia do sujeito e na utilização econômica dos bens a partir da circulação de riqueza.” (2002, p. 89)

A partir daí, surge a ideia de propriedade moderna, que tende à

abstração, à simplicidade, à libertação de relações pessoais, à concentração de

poderes sobre o bem na mão de um único sujeito e esses são predicados muito

importantes para o sistema econômico capitalista.

Esse instituto moderno coincidirá com as necessidades da sociedade

capitalista por suas características essenciais. A formação do direito de

propriedade potencializará o pleno desenvolvimento do sistema capitalista,

assegurando simplicidade e garantia do direito de propriedade.

De acordo com Grossi,

“(...) a propriedade se torna a criatura jurídica congenial ao homo oeconomicus de uma sociedade capitalista evoluída: um instrumento ágil, conciso, funcionalíssimo, caracterizado por simplicidade e abstração. Simples como é o sujeito, realidade unilinear sobre a qual se modela e da

Page 41: UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ Rafael de Oliveira Gogolatcconline.utp.br/wp-content/uploads/2012/06/O-DIREITO-DE... · transcorrer do tempo pudesse ser motivo suficiente para a mudança

41

qual é como que a sombra no âmbito dos bens; abstrata como o indivíduo liberado da nova cultura, do qual quer ser uma manifestação e um meio validíssimo de defesa e de ofensa. É nesta transcrição ao sujeito que ela reclama a sua unidade e a sua indivisibilidade: una e indivisível como ele, porque como ele é síntese de virtude, capacidade e poderes. Uma transcrição tão aderente a ponto de parecer quase uma fusão: a propriedade é somente o sujeito em ação, o sujeito à conquista do mundo. Idealmente, as barreiras entre mim e meu caem.” (2006, p. 81)

Dessa forma, é possível como a construção da propriedade moderna

coincide com as necessidades do sistema capitalista, que pressupõe a garantia de

liberdade na manipulação dos fatores de produção.

Page 42: UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ Rafael de Oliveira Gogolatcconline.utp.br/wp-content/uploads/2012/06/O-DIREITO-DE... · transcorrer do tempo pudesse ser motivo suficiente para a mudança

42

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Procurou-se trabalhar com os pressupostos de análise do direito de

propriedade estabelecidos por Grossi, que exalta o direito de propriedade em sua

mentalidade profunda, que reflete e ajuda a sustentar os ideais de uma sociedade

em determinada época.

Foi ressaltada a relativa importância da economia como influência na

organização do sistema jurídico de uma sociedade.

A partir dessa ideia, foi realizada a análise dos fundamentos do moderno

direito de propriedade que foi fomentado pelo capitalismo e, reciprocamente

garantiu o desenvolvimento do sistema capitalista.

Para verificar os fundamentos surgidos na idade moderna, foram

percorridas épocas anteriores – observados as relações e os contextos ligados à

propriedade Roma antiga e no período medieval -, a fim de se encontrar

diferenças de mentalidade e, por consequência, de organização jurídica do

instituto da propriedade.

Procurou-se demonstrar, com isso, a relatividade histórica dos institutos,

considerando a importância do contexto em que o instituto jurídico foi criado

como determinante da sua mentalidade.

Page 43: UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ Rafael de Oliveira Gogolatcconline.utp.br/wp-content/uploads/2012/06/O-DIREITO-DE... · transcorrer do tempo pudesse ser motivo suficiente para a mudança

43

Nesse sentido, tentou-se ressaltar a mentalidade que circundava o direito

de propriedade em cada época, relacionando essas concepções com a forma

jurídica de propriedade em cada momento histórico.

Assim, percebe-se que, por não serem imutáveis e por estarem sempre

atreladas a certas mentalidades, as construções jurídicas não merecem um

respeito “sagrado”, nem devem parecer perfeitas e acabadas, mas que, uma vez

que os institutos estão em constante alteração, sempre haverá liberdade para

pensar inovações no sistema jurídico.

Page 44: UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ Rafael de Oliveira Gogolatcconline.utp.br/wp-content/uploads/2012/06/O-DIREITO-DE... · transcorrer do tempo pudesse ser motivo suficiente para a mudança

44

REFERÊNCIAS

AMARAL, Francisco. Direito civil: introdução. 7ª ed. rev. atual. e aum. Rio de Janeiro: Renovar, 2008.

BARCELLONA, Pietro. Formazione e sviluppo del diritto privato moderno. Napoli: Jovene Editore Napoli, s.d.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil.

BRAUDEL, Fernand. Civilização material, economia e capitalismo: séculos XV-XVIII: os jogos das trocar, Vol. 2. – 2ª Ed. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes. 2009.

CORTIANO JR, Eroulths. O discurso jurídico da propriedade e suas rupturas: uma análise do ensino do direito de propriedade. Rio de Janeiro: Renovar, 2002.

COULANGES, Fustel de. A cidade antiga. São Paulo: Martin Claret, 2005.

GOMES, Orlando. Direitos Reais. 19ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004.

GRAU, Eros Roberto. O direito posto e o direito pressuposto. São Paulo: Malheiros Editores, 2008.

GROSSI, Paolo. História da propriedade e outros ensaios. Rio de Janeiro: Renovar, 2006.

GROSSI, Paolo. Mitologias jurídicas da modernidade. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2004.

HEILBRONER, Robert L.; THUROW, Lester. Entenda a economia: tudo o que você precisa saber sobre como funciona e para onde vai a economia. Rio de Janeiro: Campus, 2001.

HESPANHA, António Manuel. Paranorama histórico da cultura jurídica europeia. Portugal: Publicações Europa-América, 1997.

HOBSBAWM, Eric. Sobre história. São Paulo: Companhia das Letras, 1998.

JESSUA, Claude. Capitalismo. Porto Alegre, RS: L&PM, 2009.

LOCKE, John. Segundo tratado sobre o governo. São Paulo: Martin Claret, 2006.

LOPES, José Reinaldo de Lima. O direito na história – lições introdutórias. São Paulo: Max Limonad, 2000.

MARÍAS, Julián. Biografía de la filosofía. 2ª ed. Buenos Aires: Emecé Editores S.A., 1956.

Page 45: UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ Rafael de Oliveira Gogolatcconline.utp.br/wp-content/uploads/2012/06/O-DIREITO-DE... · transcorrer do tempo pudesse ser motivo suficiente para a mudança

45

MARX, Karl; ENGELS, Friedrich. Obras escolhidas. Rio de Janeiro: Vitória. s.d.

MONCADA, L. Cabral de. Filosofia do direito e do estado. Vol 1. Coimbra: Coimbra Editora, s.d.

SEGURADO, Milton Duarte. Direito Romano. Campinas: Julex Livros Ltda, 1989.

SILVA, Franklin Leopoldo e. Descartes. São Paulo: Moderna, 1993.

STAUT JÚNIOR, Sérgio Said. A posse no direito brasileiro da segunda metade do século XIX ao código civil de 1916. 2009. 220 f. Tese (Doutorado em Direito). Setor de Ciências Jurídicas da Universidade Federal do Paraná.

SURGIK, Aloísio. A luta pela propriedade da terra na história de Roma e no Brasil (Considerações Críticas). Disponível em: http://aloisiosurgik.sites.uol.com.br/index2.htm. Acesso em: 25 jun. 2010.

TIGAR, Michael E.; LEVY, Madeleine R. O direito e a ascensão do capitalismo.Rio de Janeiro: Zahar editores, 1978.