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UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ LUCILENE NEVES DE FREITAS FERRAZ LIMITES E JOGOS DE REGRAS – RESGATANDO VALORES CURITIBA 2009

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UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ LUCILENE NEVES DE FREITAS FERRAZ

LIMITES E JOGOS DE REGRAS – RESGATANDO VALORES

CURITIBA

2009

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UNIVERSIDADE TUIUTI DO PARANÁ LUCILENE NEVES DE FREITAS FERRAZ

LIMITES E JOGOS DE REGRAS – RESGATANDO VALORES

Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao Curso de Pós- Graduação em Psicopedagogia da Universidade Tuiuti do Paraná como requisito para obtenção do titulo de especialista em Psicopedagogia Orientadora: Profª. Laura Bianca Monti

CURITIBA

2009

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RESUMO Ao observar as mudanças sociais ocorridas na atualidade, como a industrialização, o avanço das tecnologias, a globalização, que derrubaram as distâncias e as fronteiras entre os homens, percebe-se como essas mudanças influenciaram a dinâmica das relações familiares, entre elas destaca-se a dificuldade na educação dos valores e limites aos filhos por seus pais, aspectos esses importantes nos relacionamentos interpessoais. Deste modo o presente artigo tem por propósito entender a maneira que os jogos de regras podem auxiliar as crianças e aos jovens na aquisição de valores e limites, que não foram assimilados em virtude da conjuntura social e familiar. O método aplicado refere-se a revisão de literatura sobre o tema e uma reflexão sobre alguns pontos da teoria que fossem capazes de embasar a prática do psicopedagogo, com perspectivas de atuação no campo social. Uma vez que cabe a esse profissional intervir em situações de dificuldade de aprendizagem. Partindo dessa aproximação teoria e prática propõe-se uma intervenção levando-se em conta os valores e limites, dentro da proposta dos jogos de regras, para que a criança através do lúdico possa assimilar as condições e estruturas necessárias para a convivência social, afetiva e familiar harmoniosa, tão necessárias para o desenvolvimento biopsicossocial ajustado.

Palavras Chave: Valores, Limites, Jogos de regra, Psicopedagogia, Trabalho social.

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1- INTRODUÇÃO

Ao observar a dinâmica de várias comunidades, constata-se que os pais se

ausentam por longos períodos de casa, pela necessidade de trabalhar e sustentar

sua família. Por um lado, tanto o pai quanto a mãe precisam trabalhar para

complementar a renda familiar e por não terem com quem deixar seus filhos, muitas

vezes os deixam sozinhos ou com pessoas que permitem que eles façam o que

querem, para que não dêem tanto trabalho. De outro lado, as crianças ficam sem um

referencial de normas e regras, que são essenciais à convivência em sociedade e ao

desenvolvimento biopsicosocial do sujeito. Há ainda, a possibilidade de estarem na

rua sem a supervisão de um responsável, o que também pode contribuir para que

essa noção de valores e princípios fique cada vez menos elaborada. Muitas dessas

crianças, por essa falta da apropriação de princípios e valores repassados por seus

pais, podem estar mais vulneráveis do que outras crianças, a se envolverem com a

marginalidade ou comportamentos antissociais. A violência tem crescido de maneira

generalizada e em consequência disso, tem interferido até mesmo no contexto da

escola, no aprendizado formal e também no aprendizado para a vida. A figura de

autoridade tem sido banalizada, perdendo seu referencial em casa e na sociedade

de maneira geral, com isso, os limites e parâmetros sociais tem se tornado motivo

para serem transgredidos. Há um referencial de valores e conduta que precisam ser

instaurados, pelos pais e também pela escola, que a princípio parece impositiva,

porém faz parte da constituição do sujeito, chamada de violência simbólica. Se ela

não é internalizada, pode acontecer como vemos, em tantas situações, essa

violência se apresentar no real, numa busca por essa marca que lhe falta.

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A falta de apropriação da lei, da figura paterna, das normas sociais, e que

nessa geração, os filhos tem sido criados para viver tudo aquilo que os pais não

conseguiram, vemos aqui um afrouxamento dos limites para a obtenção de maior

liberdade. Isso tudo, tem sido ocasionado pela mudança cultural dos nossos tempos,

e que Melmann (1992) atribui como um dos fatores responsáveis pela “Dependência

Química”, contribuindo com a relação do sujeito com a droga e sua dificuldade em

livrar-se dela. Podemos analisar então, que a aquisição de valores e princípios

repassados dentro do núcleo familiar é saudável para as crianças, podendo auxiliá-

las a não se envolverem com situações de risco, trazendo melhoria na sua qualidade

de vida.

Este artigo tem por objetivo, entender como os jogos de regras podem auxiliar

na internalização de valores e limites, com crianças e jovens sem esse referencial.

Levando-se em conta a dificuldade dos dias atuais, em se estabelecer limites e

regras na família, percebe-se a necessidade de um trabalho social educativo

específico na escola ou em comunidades, que possibilite através do lúdico a

assimilação dessas regras, tão necessárias para seu desenvolvimento

biopsicossocial.

Para tal, buscou-se uma reflexão teórica, utilizando como método a pesquisa

bibliográfica para que nos respaldasse nesse trabalho. Citamos Cia tratando das

influências paternas e na mudança cultural da relação de pais e filhos; Coley na

transformação do conceito de paternidade; Engle & Breaux; Brandth & Kvande;

Rodrigues, Assmar & Jablonski, quando tratam que um bom suporte produz melhoria

no desenvolvimento do indivíduo; Mellmann no trato do indivíduo na relação com os

outros, a mutação cultural e os limites; Rosa/Teixeira na conseqüência do

enfraquecimento do discurso familiar e a situação de crianças de rua; Volnovich na

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queda do significante do pai e Aquino no papel do professor na formação de valores

e limites. Ainda neste caminho vimos a violência simbólica na estruturação da

subjetividade com Kupfer e no estabelecimento das regras e normas sociais; Lopes

fala da mudança de comportamento das crianças através de jogos; Vigotsky

contribui que toda brincadeira está ligada de alguma maneira às regras, Piaget e

Taille falam dos limites e regras e como se dá a assimilação moral na criança, e

ainda Claparède, Winnicott, Huizinga, Kanii. E por fim como a aplicação de jogos de

regras e sua atuação no processo de reeducação foram utilizadas por Olivier como

ferramenta de combate à indisciplina e agressividade na escola. Descrevemos ainda

como poderá se desdobrar o papel do psicopedagogo nesta conjuntura e que os

jogos de regras podem ser aplicados em instituições sociais, escolas como

ferramenta psicopedagógica para auxiliar o indivíduo na internalização de valores e

limites que não foram assimilados em seu desenvolvimento, possibilitando um maior

ajustamento social.

2- DESENVOLVIMENTO

2. 1 - MUDANÇA CULTURAL NA RELAÇÃO DE PAIS E FILHOS

Cia (2005) considerando as influências paternas no desenvolvimento infantil,

cita Coley (2001) que as mudanças sociais, econômicas e culturais tem sido

responsáveis pela transformação drástica do conceito de paternidade na atualidade.

Essas mudanças vieram a partir da industrialização e a urbanização que alteraram

as relações, pois os pais ficavam mais tempo próximos dos filhos por trabalharem no

campo. A partir daí, com as jornadas de trabalho cada vez maiores, houve redução

do convívio familiar, ficando a cargo das mães a maior parte dos cuidados com os

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filhos. Por volta dos anos 70, essa mudança alcançou as mulheres com a revolução

feminista, abrindo-lhes a oportunidade de trabalho, o que beneficiou a família, porém

foi responsável por uma transformação dos papéis, tanto profissional, quanto no

âmbito familiar. (Engle & Breaux, 1998; Brandth & Kvande, 2002; Rodrigues, Assmar

& Jablonski, 2002 citado por Cia 2005). Em sua pesquisa, Cia (2005) constata que

quando a criança é privada da relação com o pai por motivo de separação ou

ausência deste, mesmo morando na mesma casa, ela poderá apresentar problemas

no seu desenvolvimento. Se a criança tem um bom suporte há melhoria no

desenvolvimento cognitivo e diminui a propensão para problemas de comportamento

e sintomas depressivos.

Melmann (1992) discorre sobre o caminho que tem tomado nossa sociedade

e o que considera como uma mutação cultural. Segundo ele, nossa cultura tem

raízes judaico-cristãs e nossa relação com o objeto de satisfação está ligada a uma

instância terceira, que podemos chamar de Deus, figura paterna, lei, moral ou a

razão. Essa instância dita a norma, regula e traz temperança, ou seja, agimos de

acordo a não ferir as suas regras e isso exige de nós uma dose de sacrifício. A

cultura é o que normatiza as relações numa sociedade, porém com o correr dos

anos tem havido uma evolução nos costumes, fazendo com que a moda proponha

uma mudança de comportamento: não temer essa instância terceira ou os limites

impostos por ela. Essa evolução produzida pela cultura tem levado ao que Melmann

chama de “delinquência generalizada”, onde o sacrifício e a renúncia foram abolidos.

Para ele, essa evolução sugere que o ideal para as nossas crianças seja “aquilo que

nós, velhos, medrosos, não tivemos a coragem de fazer”. (pág.107) Como

fracassamos em ir até o fim nos nossos desejos, por causa do limite posto, estimula-

se essa geração a buscar cada vez mais liberdade.

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Segundo Melmann (1992), o lugar do limite é instaurado pela perda. Não é o

objeto e sim a falta dele, que é organizadora da especificidade humana. O apego

com a mãe na tenra idade deve ser perdido para que o humano possa emergir,

neste momento a função paterna deve ser, privar a criança da mãe e com isso,

inseri-la nas leis de troca, que serão como organizadores de sua vida psíquica.

Rosa (1999, apud Teixeira, 1994) num trabalho com crianças em situação de

rua, diz que o discurso social referente a elas está baseado no apagamento do

discurso familiar. Aponta ainda, que na atualidade a liderança do pai tem se

enfraquecido, preocupação já abordada por Freud sobre como seria o avanço da

modernidade e o efeito disso na constituição de uma subjetividade onde a liderança

do pai desaparece, quer dizer, reconhece-se que as normas, os ideais e os traços

identificatórios apoiam-se nas insígnias paternas, repassadas pela função paterna e

que são fundamentais para a constituição subjetiva do sujeito. Cita ainda Volnovich

(1991) que também reafirma o pensamento de Freud de que houve a queda do

significante pai e sua substituição por outros saberes, causando uma mudança no

próprio indivíduo.

Rosa (1999) relata que as regras do pai e da mãe de rua estabelecem-se pela

força, valores que são determinados no e pelo grupo e não pela lei inserida na

educação feita pelos pais. Há falta para essas crianças da proteção familiar. Aponta

ainda que, o abandono se torna uma conquista, criando um código próprio,

desvalorizando e contestando preceitos jurídicos, familiares e educacionais. O

interessante é que este código entra em contradição porque neles mesmos

persistem os modelos e regras da sociedade, ou seja, a necessidade do vínculo e

pertencimento ao grupo da rua se torna uma condição de sobrevivência promovendo

uma dissociação entre o que fazem e dizem. Pela falta do pai na dinâmica familiar,

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as circunstâncias vividas pelos meninos de rua favorecem que a estrutura social seja

tomada como real e seus atos tornados simbólicos.

Kupfer (2000, pág. 143) explica que o sujeito se constitui na relação com o

outro, capaz de sustentar a “dimensão simbólica do campo social” e que esse sujeito

pode abordar os objetos do mundo de 3 maneiras: registros no real, no simbólico e

no imaginário. Vivemos num mundo onde o que prevalece é o registro imaginário,

onde faltam redes que sustentem e remetam esse sujeito a um passado, a uma

tradição e a significações que possam dar um norte às ressignificações no futuro.

Esse mundo fica reduzido a um mundo de objetos com imagens coladas, sem

articulações. Essas imagens são transferidas também a outras figuras de

autoridade, como a do professor, que não encontra essa rede imaginária e simbólica

que atribui significado à sua prática de educar. O professor não é mais “um

sustentador de uma ordem, de uma posição terceira, de uma referência”. (Kupfer,

2000, pág. 144). No imaginário, o professor na posição destituída de autoridade,

sofre uma violência diária, pequenos ataques, desqualificando-o e por vezes, ele

reage com autoritarismo, reafirmando que lhe falta a autoridade. O reflexo disso

também é visto no comportamento dos alunos, nas depredações às escolas, atos de

pura agressão, sem reinvidicação alguma. Violência no campo real, como que

buscando essa violência simbólica que lhe falta. A autora cita ainda, Calligaris (1995,

pág.29) dizendo que “quando a socialização é para um sujeito ou para um grupo,

sustentada pela força real, ela produz delinqüência, ou seja, tentativas violentas de

instaurar valores simbólicos”. E na tentativa de substituir essa violência simbólica

que lhe falta, institui-se outra ordem, colocando no lugar da figura de autoridade

falida, o traficante de drogas, numa busca desesperada de restituição de uma

ordem. Conclui que as propostas para a educação com vistas a oferecer

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referências, imagens ideais, que estabeleçam essa rede de sustentação simbólica

podem ser bem aceitas pelos jovens.

2. 2 - A VIOLÊNCIA SIMBÓLICA EDUCATIVA

Kupfer (2000, pág. 142) coloca que há uma violência sobre a criança, na

imposição feita pelos pais para estabelecer a lei, mas apesar desse caráter incisivo

é necessário que assim se faça. Ela trata desta intervenção como a Violência da

Educação ou Violência Simbólica, que é inevitável e estruturante. Essa imposição se

mostra ao sujeito a todo o tempo, “em cada situação de aprendizagem, a cada

confronto com o limite, com o não, com a morte.”

Aquino (1998) considerando a violência na escola e a crise vivida pelo

professor, atribui a ação do professor também o teor normativo, confrontativo, que

assume na tentativa de homogeneização no ambiente escolar, estabelecer os

limites, através de normas disciplinares. Com isso, desempenha um papel de certa

forma violento e ambíguo, pois é necessário manter a ordem, mas também a

autonomia para aprender. A intervenção escolar é normativa e confrontativa e a

relação professor-aluno se apresenta na violência escolar.

2.3 O DESENVOLVIMENTO DA MORAL OU DA NOÇÃO DE LIMITES

Piaget (1994) pesquisando sobre os jogos com regras, utiliza o jogo de

bolinhas com o objetivo de entender como se dá a assimilação da moral na criança.

Ele cita que toda moral consiste num sistema de regras, e a essência de toda

moralidade deve ser procurada no respeito que o indivíduo adquire por essas regras.

Essas regras são recebidas desde cedo pelas crianças e vem, na maioria das vezes,

dos adultos, o que dificulta entender se o respeito é pela regra em si ou aos seus

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pais. Por isso, Piaget elegeu os jogos sociais, onde as regras são elaboradas pelas

próprias crianças, para fazer a pesquisa. Mesmo antes de falar, as crianças são

influenciadas pelos pais, e pelas regras do seu círculo de convivência. Nos

resultados que obteve, foi observado que do ponto de vista da prática das regras

tem-se 4 estágios: No primeiro, a criança estabelece esquemas mais ou menos

ritualizados, permanece o jogo individual, onde as regras são mais motoras e não

regras coletivas. Segue um rito, sem esforço de adaptação. Conclui-se que aqui,

existem regularidades e esquemas ritualizados, porém é uma ação da própria

criança, não provocando uma submissão a outros, o que tipifica o surgimento da

regra. No segundo estágio, acontece o egocentrismo, por volta de 2 a 5 anos, as

regras vem de fora, já codificadas, a criança faz então, mais uma imitação e uma

utilização individual das mesmas. O interesse da criança não é ganhar dos outros,

mas em desenvolver sua habilidade e conseguir acertar, joga para si mesma, apesar

de fazê-lo em grupo. Seu prazer não é social, mas motor, ela imita o mais velho

dotado dessas habilidades que deseja obter, não dissocia o “ego” do socius. No

terceiro estágio, dos 7 aos 8 anos, é o estágio da cooperação, onde busca o

entendimento mútuo das regras. Aqui, já se faz presente a competição entre as

crianças, observando as regras comuns, apesar de desconhecerem os pormenores

das regras, jogam de maneira simplificada. Sua preocupação passa a ser mais

social que psicomotora, portanto dá início a uma reciprocidade entre os jogadores.

Aqui começa a se formar uma moral provisória, para mais tarde se constituir um

código e uma jurisprudência. Elas tem uma opinião pessoal sobre as regras, não

podendo legislar sobre o conjunto dos casos. No quarto estágio, a partir dos 11

anos, acontece a codificação das regras, não somente assimiladas no jogo

individual, mas por toda sociedade. São capazes de um conhecimento mais

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profundo sobre os códigos, podem discutir e tirar dúvidas com convicção das regras.

Tem prazer em prever situações futuras e codificá-las.

Piaget defende que não pode haver um isolamento entre a consciência das

regras no jogo e do conjunto da vida moral da criança. Questiona neste ponto, se os

regulamentos individuais poderiam dar ou não origem a uma consciência da regra e

se essa consciência seria indiretamente influenciada pelos ensinamentos dos

adultos. Quanto à consciência das regras: Em primeiro lugar, a regra ainda não tem

poder de coerção, por ser ainda motora (estágio motor) e de maneira inconsciente,

suportada como exemplo e não com a obrigatoriedade de realidade (no início do

estágio egocêntrico). A criança apenas brinca e na brincadeira não há regras,

apenas satisfaz seus interesses motores ou sua fantasia simbólica. A criança

mesmo tendo seu primeiro contato com o jogo, já tem uma bagagem de regras e

imposições feitas pelos adultos e sabe que há coisas permitidas e outras não e

assimila isso através de determinações feitas com relação à hora de dormir, de se

alimentar, não tocar isso, não mexer naquilo, entre outras. Então, não podemos

deixar de observar que a aquisição da consciência das regras recebe

condicionamento do conjunto da vida moral da criança. Assim, rapidamente começa

a adquirir hábitos como que regras individuais. Em segundo lugar, (estágio

egocêntrico e estágio da cooperação na primeira metade), a regra vem dos adultos,

de fora e sua essência é sagrada, intocável e qualquer mudança é tida como uma

violação. Há um incontestável respeito místico pela regra como se fosse vinda da

autoridade paterna, ou de Deus e há uma proibição da sua mudança, mesmo que

tivesse um consentimento geral. Nessa fase, destacam-se 2 tipos de relações

sociais: a coação e a cooperação. A coação está relacionada ao respeito unilateral,

de autoridade, de prestígio. A criança se ilude que há um contrato estabelecido com

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o adulto, porém isso não ocorre. O adulto abusa de sua situação, não buscando uma

relação de iguais. Na relação com as regras morais, a criança se submete

imediatamente, porém na seqüência essas regras permanecem exteriores à

consciência, não mudam seu comportamento. A regra é sagrada, mas não faz parte

de sua realidade. Já a cooperação, é uma simples troca entre iguais. Somente a

cooperação é capaz de socializar o indivíduo, porque só pode nascer entre iguais,

fazendo desaparecer esse caráter sagrado. No terceiro estágio, a regra é uma lei,

mas com consentimento de todos, então há uma obrigatoriedade no respeito a elas.

Se desejarem mudá-las, a negociação deve ser feita pelo consentimento mútuo.

Neste estágio, a consciência das regras se transforma por completo. Passam a ver a

regra, não mais como imposta pelo adulto, exterior à criança e sagrada, mas resulta

da livre decisão, que se baseia no respeito ao consentimento mútuo. Pode-se

observar nessa etapa, que a criança passa a aceitar que as regras podem ser

mudadas, há flexibilidade. Há uma união entre a cooperação e a autonomia. Piaget

conclui que, quando a regra de coação dá lugar à regra de cooperação, ela se torna

em lei moral. A criança toma consciência da razão de ser da regra.

Taille (2002) ao estudar sobre a questão dos limites, considera o tema uma

das maiores queixas no âmbito familiar e escolar. Ele se refere ao limite em dois

sentidos: um restritivo e outro de superação. Em termos morais, o limite restritivo

tem haver com a moral: o dever positivo (de fazer algo bom) ou o dever negativo (de

deixar de fazer algo ruim). Não há sociedade que viva sem esses valores e que

esse seria o preço a pagar para se viver em sociedade. Esses limites restritivos

estão presentes na educação de crianças e jovens desde a antiguidade e hoje as

novas gerações tem enfrentado dificuldades quanto a eles, tanto na família quanto

na escola. Ele cita possíveis causas desse afrouxamento dos limites: falta de limites

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e valores pelos próprios adultos refletindo nos filhos e alunos, crise geral de valores,

fragilização das relações sociais, despotencialização da família, o medo do

autoritarismo e individualismo (cada um por si). Alega que os limites podem ser

construídos pelas crianças e que há uma predisposição especial para essa

aceitação dos deveres. Porém, chama a atenção para o que Piaget dizia sobre as 2

morais: heterogênea, que diz respeito à obediência e respeito vindos dos

mandamentos da autoridade (pais e professores) e a autônoma, que baseia-se na

igualdade, respeito mútuo, no reconhecimento da dignidade humana, justiça

baseada na equidade. A criança participa de forma ativa na construção do seu

universo moral e é nas relações entre seus iguais, ou seja, de cooperação que

promovem os ideais igualitários de justiça. Para que haja então, o desenvolvimento

das noções de moralidade ou dos limites restritivos, é necessário aceitar o restringir

da própria liberdade. A criança na fase heterônoma tem senso moral, aceita limites

impostos pelos adultos, já na autônoma, continua tendo senso moral, porém, faz

referência apenas aos limites que condizem com a justiça e o respeito mútuo. Para o

desenvolvimento do senso de moral, é necessário que primeiro haja relações

assimétricas , exercício de autoridade pelos educadores, sem a qual a criança não é

inserida no mundo moral. Assim da heteronomia, a criança passa para a autonomia,

através das relações de cooperação. O autor supõe que, o que pode estar

acontecendo nos dias de hoje, é que pela dificuldade em colocar limites, medo do

autoritarismo, falta de valores nos próprios adultos, crise geral de valores, as

crianças e jovens não estão desenvolvendo o senso moral, assim tem dificuldade

em aceitar limites, recusando qualquer restrição de liberdade. Logo, não chegam a

heteronomia, nem à autonomia, desenvolvem uma anomia, que é na fase adulta, a

ausência do respeito às regras, às pessoas e às normas. Se os limites não forem

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postos de maneira clara pelos adultos para a criança, é possível que haja uma

lacuna no desenvolvimento do senso moral. Termina dizendo, que a tarefa dos

educadores deve ser ativa nesse processo, conduzindo os alunos na aceitação da

participação de uma comunidade moral, pois a autonomia é a superação do estado

de heteronomia e não uma alternativa. Mas, se pensarmos os limites no sentido de

superação, esforço, vitória, podemos conduzir o indivíduo na superação das suas

dificuldades em outros âmbitos, elevando-o de níveis inferiores a outros mais

superiores. Na relação entre a moral e os limites a serem superados há 3 pontos a

serem considerados: um, ligado à idéia de crescimento, excelência, auto-

aperfeiçoamento, outro, as virtudes necessárias para a felicidade, não apenas

contenção dos afetos e da razão, mas uma superação dos mesmos (superação do

medo-coragem, do egoísmo-generosidade, etc.), e ainda, a superação e

aprimoramento dos sentimentos positivos.

2. 4 - A IMPORTÂNCIA DO LÚDICO NO PROCESSO EDUCATIVO

Claparède (1932) diz que a educação dos sentidos é a condição do

aparecimento do juízo para que se possa aprender a pensar, ou seja, exercitando os

órgãos que são instrumentos de nossa inteligência. Para ele, a condição mais

importante do ponto de vista pedagógico, é colocar a criança em condições tais para

que a ação se produza por si só. Antes de ensinar algo, criar uma necessidade

intelectual e a criança tenderá por si mesma a resolvê-la. O melhor método para

mobilizar na criança esse interesse interior próprio para produção da ação, é coloca-

la em atividade. A Educação Funcional (Claparède, 1932) se fundamenta no desejo

da criança, mas há uma diferenciação entre atraí-la superficialmente e causar um

despertar de interesse mais profundo capaz de dirigir sua conduta e ativar sua

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vontade. O ensino deve ser ativo e por isso cita o jogo, como estimulante máximo da

atividade infantil, capaz de captar seu interesse e transformar a dificuldade de

vislumbrar a utilidade futura de certos ensinamentos em algo prático que pode levá-

la a observar as questões propostas, levantar hipóteses para solução. Enquanto a

criança brinca, trabalha e se desenvolve para o futuro.

Para Winnicott (1975) entre o brincar da criança e o brincar da outra pessoa

existe a possibilidade de enriquecimentos. Segundo ele, o professor visa com o

brincar o enriquecimento, o terapeuta se interessa nos processos internos de

crescimento da criança e remoção de possíveis bloqueios, então o brinquedo por si

só pode ser considerado terapêutico.

Kamii (1991) define jogo como espaço onde há atitudes pré-estabelecidas,

regras, penalidades para quem as desobedece, e que evolui a um clímax com a

vitória de uma habilidade, tempo ou força. Cita que Piaget afirma, que sem interação

social entre colegas não se pode construir a sua própria lógica, valores sociais e

morais. Reconhece o valor educacional dos jogos, podendo potencializar a

aprendizagem de maneira geral. O jogo deve possibilitar a elaboração de

estratégias.

Oliveira (2005) relata que para Winnicott o brincar estabelece um tempo –

espaço para criar e elaborar a realidade subjetiva e objetiva. Neste espaço é

possível expressar os impulsos agressivos por estar num campo conhecido para a

criança, e assim adquirir autodisciplina, controle de suas idéias e impulsos que a

conduzem a sentimentos de angústia, se não forem dominados. Na brincadeira, a

criança experimenta e entra em contato com o mundo interno e externo, se inserindo

no social, podendo assumir papéis, formando relações afetivas, que tenderão a

unificação e integração geral da personalidade. Atua ainda, na formação do ego e na

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adaptação a realidade a sua volta. O brincar por si só é elaborativo podendo trazer

repercussões imediatas e transformadoras, pois a criança pode se situar entre a

realidade psíquica pessoal e a experiência de controlar objetos reais, possibilitando

a legitimação de suas criações e elaborações.

2.5 A UTILIZAÇÃO DOS JOGOS DE REGRAS

Lopes (2005) trabalhando com jogos percebeu resultados por meio de

mudanças de matrizes de comportamento e enquanto as crianças brincavam

incorporavam conteúdos, conceitos e valores. Para ela, é importante levar a criança

a vivenciar a frustração de “interromper a confecção de um jogo, para que possa

experimentar a sensação frustrante e a capacidade que possui para tolerá-la”. Isso

poderá promover a internalização da tolerância aos efeitos da frustração e adiar a

satisfação de desejos sem causar dor, demandando um esforço de espera que

acarrete na valorização do trabalho quando concluído. Adquirir novos hábitos

através dos jogos incorporados pelas crianças pode recriar sua visão de mundo e

como ela atuará nele. Ela constata a dificuldade dos pais em estabelecer limites na

educação dos filhos, ocasionando dificuldades de relacionamento com os colegas e

adultos, onde fazem só o que querem, perturbando as atividades e em

conseqüência não conseguem aprender. Os jogos competitivos e de regras podem

contribuir, levando as crianças a se apropriarem de conceitos básicos da vida, ao se

submeterem às regras, ao respeito para também serem respeitados, podendo

transpor essa vivência para outras situações do dia-a-dia. A regra é importante para

estruturar a confiança básica da criança em si mesma e nos outros. Ao testar a

autoridade, a criança põe em cheque se pode confiar nela, pois precisa de quem a

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oriente e mostre seus limites. Se essa autoridade for permissiva, a criança perde a

confiança e se sente perdida, desorientada.

Huizinga (1971) destaca que uma das características do jogo é que ele cria

ordem e é ordem. É capaz de inserir em meio à confusão da vida, uma ordem,

mesmo que temporária e que a desobediência às regras estraga a brincadeira. O

jogo é dotado de certa tensão que impulsiona o jogador a vencer, colocando a prova

suas qualificações, porém este deve obedecer às regras que determinam o que vale

ou não no jogo e são absolutas, não permitindo discussões. O seu descumprimento

põe fim a esse espaço temporário do jogo. Para ele, a função do jogo é representar

ou lutar por algo. Os valores tanto físicos, como intelectuais, morais e espirituais

podem contribuir para a elevação do jogo até o nível cultural, trazendo mais

intensidade ao cotidiano individual e coletivo, se tornando parte dos costumes da

civilização. A vitória individual tem influência rapidamente no grupo onde esse

indivíduo convive, pois ao ganhar auto-estima e honras, beneficia os demais. Nas

fases primitivas, a cultura é um jogo e como jogo nunca mais perde esse caráter.

Mostra assim, que existe um fator lúdico em todos os processos culturais, como um

criador de várias formas que são fundamentais para a vida social: os rituais, o

espírito de competição lúdica, a poesia, a dança, a música, o conhecimento, a

filosofia, entre outros.

Vygotsky (1991) contribui dizendo que toda brincadeira está ligada de alguma

maneira às regras, pois mesmo brincando de casinha, a criança precisa acessar o

sistema de regras sociais, mesmo que não inseridas no seu contexto, para

reproduzi-la na brincadeira. Isso possibilita ao psicopedagogo direcionar a atividade,

para que ela reconheça as regras e as internalize, com o objetivo de adaptação do

seu convívio na sociedade.

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Lopes (2005) continua dizendo que os jogos de regras lidam com a perda e o

ganho, trabalhando os sentimentos decorrentes: superioridade, inferioridade,

prepotência, agressividade, inveja, levando a criança a reagir de maneira adequada.

Já os jogos competitivos, podem leva- la a internalizar conceitos e lidar com as

emoções no grupo, preparando-a para a convivência em sociedade. Os jogos

também podem auxiliar no trabalho, envolvendo outras habilidades como: a

capacidade de realização, o desenvolvimento da autonomia, aprimorar a

coordenação motora, organização espacial, controle segmentar, atenção,

concentração, desenvolve ainda antecipação e estratégia, discriminação auditiva,

raciocínio lógico, criatividade, figura e fundo, entre outras.

Olivier (2000) utiliza os jogos com regras como intervenção no enfrentamento

da indisciplina na escola. Ele propõe, portanto, explorar o seu uso pela riqueza das

relações de oposição e cooperação, oferecendo à criança uma possibilidade de

troca das brigas de pátio por se confrontar com o outro, porém num contexto que

considere suas motivações, suas possibilidades e a preocupação com a educação.

Por serem freqüentes as reclamações sobre brigas, discussões, imposições e

desejo de possuir o objeto do outro, desde muito cedo, ao invés de negar a violência

destes atos, achou ser mais útil trabalhar com essas questões.

Visca (1996) ao revisar a literatura sobre os jogos também propõe sua

utilização como ferramenta psicopedagógica, pois além de possibilitar a

reestruturação de dificuldades, envolve o fator emocional, que ameniza a

assimilação da criança propondo-o como uma simples brincadeira.

Claparède (1932) vê o jogo como uma ferramenta capaz de unir a

necessidade da criança de aprender e o desejo do professor de ensinar,

satisfazendo as necessidades presentes, mas preparando-a para situações futuras.

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2. 6 ATUAÇÃO DO PSICOPEDAGOGO

Para Barbosa (ABPp), a Psicopedagogia é responsável pela aprendizagem e

suas dificuldades e atua ainda diante do fenômeno da exclusão escolar influenciada

por essas dificuldades. Ela relata que a dificuldade no processo de aprender leva ao

desequilíbrio e à busca de equilíbrio para aprendizagem. A dificuldade só se torna

preocupação, se intensificada causando prejuízos que impeçam ou dificultem o

aprendizado, porém não deve ser causa de exclusão. Outra preocupação do

psicopedagogo é a compreensão do contexto em que se dá essa exclusão e qual é

a visão de mundo, de ser humano e de educação em que estão inseridos. Ressalta

ainda, que deve ser atribuição do psicopedagogo, observar as instituições como a

família e a escola que presenciam este movimento de exclusão devido às

dificuldades e às diferenças, podendo auxiliar no enfrentamento da exclusão e na

luta pela não exclusão, atuando em pesquisas e produções científicas, na orientação

e ação pontual sobre as situações já existentes e na prevenção nos âmbitos familiar

e escolar. O psicopedagogo pode articular, auxiliando a enfrentar as dificuldades

neste processo de inclusão, possibilitar a reflexão na escola, auxiliar a repensar

seus valores e crenças diante da diversidade e da igualdade e também auxiliar os

pais a pensarem sobre as dificuldades de seus filhos, focando nas suas

potencialidades. Conclui que, seu campo de atuação é vasto e que seu papel junto

com a educação, é o de abrir caminhos e diminuir as lacunas entre o saber e o não

saber, o acesso ao conhecimento e a falta dele, a facilidade e a dificuldade, a

rapidez e a lentidão, estabelecendo uma ponte no processo de aprendizagem,

focando o indivíduo, o grupo, a instituição e a comunidade.

Szana (2008, pág.1) chama a atenção para a intervenção com pré-

adolescentes num processo de elaboração que os leva ao desenvolvimento de sua

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crítica, percepção do seu potencial a ser respeitado, de que podem ser, fazer e que

podem acreditar em si mesmos, desenvolvendo autoconfiança e auto-estima e,

assim ressignificar todo o seu processo de aprendizagem. Quando se dá o

desenvolvimento da crítica, se desenvolve juntamente poder de autoria de

pensamento, levando o indivíduo à autonomia e responsabilidade pelo que se faz,

fazendo-o responsável pelos seus atos. Considera importante correlacionar o

estabelecimento das metas a serem alcançadas com a sensação de autonomia do

indivíduo, pois se não tiver um alvo a alcançar não se sentirá responsável por algo,

não “terá o sentimento de gratidão de um ser autônomo; e, conseqüentemente, será

um indivíduo que não se autoriza, e por não se autorizar, não se respeita, advindo

insatisfação, desmotivação e insegurança.”

Bossa (2000) citando Kiguel fala do objeto de estudo da Psicopedagogia que

é o processo de aprendizagem humana, dos padrões evolutivos normais e

patológicos que a influenciam, e ainda do meio, como: a família, escola, sociedade

que também podem interferir no desenvolvimento da criança. A respeito do seu

campo de atuação diz que não se limita ao espaço físico, mas ao lugar onde se

desencadeiam as atividades e como se aborda seu objeto de estudo.

Na sua função preventiva, o psicopedagogo deve observar a dinâmica das relações

da comunidade educativa favorecendo processos de integração e troca, e pode ter

também o caráter assistencial em se tratando de auxiliar na elaboração, direção de

projetos nas áreas da educação, saúde, integrando vários campos de conhecimento.

Bossa (2000, pág.92) continua que a atuação nas instituições deve levar em

conta seus valores, filosofia, ideologia, para o desenvolvimento de projetos e que a

demanda está associada com o sujeito institucional, que pode ser família, escola,

empresa industrial, hospital, creche, ou organização assistencial. Ela coloca que a

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escola, tem como função “preparar a criança para ingressar na sociedade,

promovendo aprendizagens tidas como importantes para o grupo social ao qual esse

sujeito pertence”. Então, é necessário que o psicopedagogo reflita sobre essas

questões, contribuindo na prevenção dos problemas que afetem a escolaridade,

proporcionando um intercambio entre professores, família e meio social.

Sugestão de algumas atividades e sua aplicação:

• Lutas e embates (OLIVIER, 2000) – como forma de extravasar agressividade,

canalizando a energia dentro dos limites estabelecidos sem violência;

• Capoeira - conscientização de como lidar com o adversário ou oponente.

Para entrar na roda de capoeira, cada oponente deve dar as mãos,

trabalhando o respeito pelo outro, aceitação das diferenças, a importância da

integridade física do oponente, o cuidado com os golpes para não ferir o

adversário, a divergência sem violência, persistência, treino para superação

dos limites. O trabalho possibilita reflexão num campo neutro, diminuindo os

conflitos, baixando as resistências, propiciando aos participantes repensarem

seus conceitos e valores, ampliando sua visão de mundo, assimilando os

limites de se viver em sociedade;

• Outros esportes como futebol, basquete, entre outros – que visam o trabalho

de grupo, mas também a superação das próprias limitações, levando-se em

conta a observância das regras para a obtenção da vitória;

• Oficinas com teatro, dança – possibilitar às crianças trazerem para o contexto

das vivências, seus valores e conflitos permitindo ao facilitador das oficinas

trazer reflexões pertinentes a cada situação;

• Jogos de regras - ao possibilitar a reflexão sem coerção sobre as regras e

sua importância para pertencer ao grupo, mudanças podem acontecer entre

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as crianças e seu ambiente social. Deve-se fazer sempre uma aplicação

pratica e pessoal das regras do jogo para o dia-a-dia da criança, pontuando a

necessidade dos limites para uma boa convivência em sociedade;

• Jogos cooperativos – direcionado a um objetivo, porém considera os outros, a

ênfase não é ganhar, competir, mas estimular a cooperação, a socialização e

valores;

• Jogos de tabuleiro – propicia lidar sentimentos de vitória e derrota, como lidar

com a frustração, e ainda, se submeter às regras para participar do grupo no

jogo, etc.

Vários jogos e brincadeiras podem seu utilizados com um direcionamento

específico, dependendo do contexto do grupo que se vai trabalhar. O importante

será o momento de escuta e reflexão do grupo após cada atividade, trazendo um

fechamento e a possibilidade de cada participante expressar o que observou e

aprendeu com o jogo. Este também será um momento importante para a avaliação

do andamento do trabalho e se será necessário mais alguma intervenção para a

fixação do aprendizado feito.

3 - CONSIDERAÇÕES FINAIS

Considerando a necessidade da intervenção na aprendizagem de conceitos

tão importantes para uma melhor adaptação em sociedade, os jogos de regras

poderão ser usados como um referencial de vivência, utilizando seu caráter lúdico

para mobilizar a criança ao aprendizado. Uma vez feito isso, poderá instaurar

através dos seus códigos, os limites, o estabelecimento de um espaço onde o

indivíduo poderá experenciar frustrações e perdas, sem constrangimentos, sem a

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perda dos vínculos e do sentimento de pertencimento. O indivíduo terá possibilidade

de assimilar essas normas, fazer ressignificações de conceitos a partir de situações

reproduzidas pelo jogo. O papel do psicopedagogo será de estabelecer esse

contato, trazendo as regras não pela força, mas se munindo da energia mobilizada

pelo jogo, levando ao entendimento do valor das regras, até que num outro

momento exista possibilidade de mudança das mesmas, se for do consenso grupal.

Através da vivência dos limites impostos pelos jogos, a criança terá condições

necessárias para adquirir novos hábitos, superar suas dificuldades nas relações com

o outro, superar frustrações e o adiamento das suas satisfações pessoais, auto-

controle, respeito, confiança, admitir perdas para ganhos futuros, entre outros. Ao

possibilitar essa construção de valores e limites tão necessários para se viver de

maneira adequada, o psicopegadogo estará fazendo a mediação entre o sujeito,

família, meio social e a escola. O indivíduo embuido de valores e senso dos seus

limites poderá ter mais chances de ajustamento nos vários âmbitos da sua vida,

podendo superar seus próprios obstáculos, tendo uma significativa melhora na

qualidade de vida.

Tendo em vista, o conceito de Taille, das duas faces do limite: restritiva e de

superação, podemos pensar no social desse indivíduo desajustado em face da não

assimilação de valores e limites e quais as conseqüências dessa lacuna na sua vida

de relacionamentos, trabalho, até mesmo no social. Abre-se uma nova perspectiva

de pensar a atuação do Psicopedagogo em instituições que trabalhem com crianças

em situação de risco, com pendências com a lei, orfanatos, ONG’s com trabalhos

sociais. Cabe aqui, se pensar nas ONGs, sem fins lucrativos, ligadas ao 3º. Setor

que organizam seus projetos voltados para trabalhos assistenciais, desenvolvimento

de comunidades, ou seja, na área social. Hoje há uma gama de organizações que

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em seus trabalhos com as comunidades locais, se deparam com dificuldades

específicas no âmbito familiar e afetam também a escola. Há uma necessidade de

se ampliar a visão do psicopedagogo para esse novo campo.

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