26
USO E ABUSO DA SÚMULA 323 DO STF: UMA ANÁLISE CRÍTICA À LUZ DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988 Tese elaborada para apresentação no XXXVIII Congresso Nacional de Procuradores do Estado, a ser realizado no período de 16 a 19 de outubro de 2012, na cidade de Foz do Iguaçu FOZ DO IGUAÇU 2012

USO E ABUSO DA SÚMULA 323 DO STF: UMA ANÁLISE CRÍTICA À LUZ DA ...anape.org.br/site/wp-content/uploads/2014/07/Arquivo_tese-54.pdf · Constituição Federal de 1988, da Lei Complementar

Embed Size (px)

Citation preview

USO E ABUSO DA SÚMULA 323 DO STF: UMA ANÁLISE

CRÍTICA À LUZ DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988

Tese elaborada para apresentação no XXXVIII

Congresso Nacional de Procuradores do Estado, a ser

realizado no período de 16 a 19 de outubro de 2012, na

cidade de Foz do Iguaçu

FOZ DO IGUAÇU

2012

RESUMO

O presente trabalho tem como escopo estudar o tema da apreensão de

mercadorias, cuja circulação ocorre sem documentação fiscal idônea, realizada pelos

auditores das Secretarias de Estado da Fazenda de todo o Brasil, com amparo nas Leis do

ICMS editadas pelos estados da federação, com o olhar voltado à Constituição Federal de

1988, apresentando questionamentos sobre o conceito de liberdade nela utilizado e fazendo

reflexões sobre a utilização indiscriminada da Súmula 323 do Supremo Tribunal Federal. O

enfoque é feito, também, tomando como parâmetro a análise do entendimento adotado pelo

STF, no julgamento da ADI 395/SP, do Estado de São Paulo, no sentido de que a apreensão

de mercadorias desacompanhadas de notas fiscais idôneas e sua retenção até a comprovação

da legitimidade da posse pelo proprietário, não configura constrangimento ao contribuinte no

exercício de sua atividade profissional, sendo interpretada essa apreensão como atribuição

inerente ao poder de polícia tributário, ou seja, fiscalização do cumprimento da legislação

tributária. Esse entendimento do STF é um grande exemplo para os Juízes e Tribunais de

Justiça dos Estado da federação, devendo servir como novo paradigma, a fim de que estes

revejam o atual posicionamento de conceder liminares em sede de Mandado de Segurança que

buscam a liberação de mercadorias apreendidas, com base no defasado precedente da Súmula

323 do STF. Busca-se, outrossim, comprovar que a garantia fundamental ao livre exercício de

qualquer trabalho, ofício ou profissão encontra limites nas legislações estaduais e que tais

limites são legítimos, devendo ser observados. Dessa forma, urge a revisão do precedente

criado com a Súmula 323 do STF, a fim de que a atividade vinculada do Estado, prevista nas

mais diversas legislações do ICMS, referente à apreensão de mercadorias, possa ser

efetivamente exercida, revigorando o princípio da separação de poderes, preservando a

República Federativa do Brasil.

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO .....................................................................................................................3

1 ANÁLISE HISTÓRICA DA SÚMULA 323 DO STF.........................................................6

2 COEXISTÊNCIA DA SÚMULA 323 DO STF COM AS LEGISLAÇÕES

ESTADUAIS QUE PREVÊM A APREENSÃO DE MERCADORIAS..............................8

3 INCONSISTÊNCIA DOS ARGUMENTOS CONTRA A APREENSÃO DE

MERCADORIAS ...................................................................................................................17

4 EVIDENTE PREJUÍZO PARA O ESTADO/COLETIVIDADE COM A LIBERAÇÃO

DAS MERCADORIAS ..........................................................................................................23

CONCLUSÃO .....................................................................................................................24

INTRODUÇÃO

A discussão sobre a possibilidade de apreensão de mercadorias é um tema em

relação ao qual há entendimento sumulado no âmbito do Supremo Tribunal Federal, em face

da existência da Súmula 323, segundo a qual é inadmissível a apreensão de mercadorias como

meio coercitivo para pagamento de tributos.

Acontece que os Tribunais de Justiça dos Estados da federação aplicam

indiscriminadamente a referida súmula, sem uma observância dos casos concretos,

concedendo uma série de liminares em Mandado de Segurança em prol da liberação das

mercadorias.

No entanto, a questão não é tão simples como aparenta, existindo situações e

circunstâncias que justificam a apreensão de mercadorias pelos Estados, através dos

competentes auditores fiscais, que exercem sua competência funcional de forma vinculada e

com amparo na legislação tributária dos Estados. É preciso observar, nesse contexto, que a

Súmula 323 do STF fora editada em 13 de dezembro de 1963, de forma que a sua

interpretação conforme a Constituição Federal de 1988 é imperiosa.

As justificativas apresentadas pelos contribuintes para combater a apreensão

fazem alusão à Constituição Federal de 1988, principalmente aos seguintes artigos: artigo 5º,

XIII, referente à liberdade de exercício de qualquer profissão; artigo 5º, LIV, segundo o qual

ninguém será privado de seus bens sem o devido processo legal; artigo 5º, LV, que assegura o

contraditório e ampla defesa, em processo judicial ou administrativo; artigo 150, IV, que trata

da vedação da utilização do tributo com efeito de confisco; artigo 170, parágrafo único que

assegura a liberdade do exercício de qualquer atividade.

Ocorre, porém, que os princípios constitucionais invocados devem ser sopesados,

em uma interpretação sistemática e conforme a constituição, não havendo hierarquia entre as

normas constitucionais, de forma que a liberdade de iniciativa é tão constitucional quanto o

princípio da legalidade.

Nesse diapasão, observe-se que a administração pública dos Estados deve

obediência aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência,

nos termos do art. 37, caput, da CF/881, de forma que a apreensão de mercadorias legitima-se

1 BRASIL. Constituição (1988). Constituição Federal de 1988. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm>. Acesso em: 25 Ag. 2012.

como obediência aos princípios aqui mencionados, além de ser uma manifestação do poder de

polícia tributário para combater a sonegação fiscal.

Há, ainda, que se observar, que o próprio Supremo Tribunal Federal, quando do

julgamento da ADI 395/SP, de relatoria da Ministra Cármen Lúcia, datada de 17.5.2007,

adotou entendimento favorável à apreensão de mercadorias, tendo decidido pela

constitucionalidade do artigo 163, § 7º, da Constituição do Estado de São Paulo, que prevê

expressamente essa possibilidade.

Dessa forma, o presente trabalho tem como escopo fazer uma análise dialética do

uso e abuso da Súmula 323 do STF pelos Juízes e Tribunais, bem como mostrar que a

interpretação da súmula está sendo equivocada no âmbito do Judiciário.

Impõe-se, na verdade, uma nova interpretação da súmula 323 do STF, a fim de

que esta seja adequada aos novos tempos, em especial em face da promulgação da

Constituição Federal de 1988, da Lei Complementar 87/96 (Lei Kandir), das Leis Estaduais

do ICMS e da edição da Lei nº 8.137/1990 que trata dos crimes contra a ordem tributária.

1 ANÁLISE HISTÓRICA DA SÚMULA 323 DO STF

Inicialmente, cumpre destacar que a Súmula 323 do STF, datada de 13 de

dezembro de 1963, teve como precedente o Recurso Extraordinário nº 39.933, de 09.01.612,

no qual se discutiu a inconstitucionalidade do artigo 75 do Código Tributário do Município de

Major Isidoro, em cuja decisão mencionava que os municípios não têm competência para

dispor sobre apreensão de mercadorias e bens como meio de forçar o pagamento de seus

tributos e multas, valendo transcrever o seguinte trecho do acórdão, que cita a decisão do

Tribunal do Estado de Alagoas, com intuito de possibilitar sua reconstrução histórica e um

melhor entendimento da matéria:

É vedado ao município, ainda que sob denominação de taxa, criar imposto não

incluído na sua competência tributária ou expressamente proibido pela Constituição.

Os municípios não têm competência para dispor sobre apreensão de

mercadorias ou bens como meio de forçar o pagamento de seus tributos e

multas. Inconstitucionalidade manifesta dos arts. 75, 25, § 1º e 26 do Código

Tributário de Major Isidoro relativos à taxa de Melhoria e a apreensão de

mercadorias ou bens para arrecadar dívidas fiscais. (destacamos)

2Disponível em: <http://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/693682/segundo-recurso-extraordinario-re-

segundo-39933-al-stf.>

No mesmo acórdão, cita-se também o parecer da Procuradoria Geral da

República, o qual entendeu não ser inconstitucional a taxa de melhoramentos, porém, em

relação à apreensão de mercadorias posicionou-se pela sua inconstitucionalidade:

(...)

No que diz à apreensão, como forma de cobrança de dívida fiscal, é manifesta a

ilegalidade do ato da corrente. Não lhe cabe, na espécie, fazer justiça de mão

própria se a lei estabelece a ação executiva fiscal para a cobrança da dívida ativa da

Fazenda Pública em geral. (destaque nosso)

Analisando o caso concreto, objeto do Recurso Extraordinário nº 39.933/61,

verifica-se que este não trata de apreensão de mercadorias em razão do seu trânsito

desacobertado de notas fiscais idôneas, mas, sim, apreensão de mercadorias pelo município,

como meio de forçar o pagamento de tributos e multas, daí porque é importante sua análise

histórica.

Seguindo o precedente acima citado, foi editada a Súmula 323 do STF, em

13/12/1963, com o seguinte teor: “É inadmissível a apreensão de mercadorias como meio

coercitivo para pagamento de tributos.”

É importante esclarecer, logo de início, seguindo o entendimento do Mestre

Marcelo Colombelli Mezzomo3 que a apreensão de mercadorias, quando da atividade de

fiscalização do ICMS, pelos auditores fiscais, traduz-se no exercício do poder de polícia

tributário, poder este que embasa as atividades administrativas da Fazenda, revelando-se em

um variado conjunto de medidas que objetivam viabilizar de forma eficaz os procedimentos

de fiscalização e apuração dos tributos.

No âmbito dos Estados, a legislação é cristalina e não permite a apreensão de

mercadorias como meio coercitivo para pagamento de tributos, mas, sim, apreensão, no

exercício do poder de polícia tributário, em decorrência de encontrar-se o contribuinte na

posse de mercadorias em situação irregular, ilegal, sem documento fiscal idôneo, de forma

que outra alternativa não resta à fiscalização senão a sua apreensão, até que a situação seja

regularizada e/ou esclarecida pelo contribuinte. Trata-se de um flagrante, onde o contribuinte

é encontrado sem os documentos que legitimam a posse das mercadorias em seu poder. Nessa

situação, a não apreensão dessas mercadorias pelo Auditor Fiscal contrariaria os princípios da

legalidade, moralidade e eficiência da administração pública, além de possibilitar a sonegação

3 MEZZOMO, Marcelo Colombelli. A Súmula nº 323 do STF e a apreensão de mercadorias nas autuações

tributárias. [on-line] Disponível na internet via <http://jus.com.br/revista/texto/7563/a-sumula-no-323-do-stf-e-

a-apreensao-de-mercadorias-nas-autuacoes-tributarias> Arquivo capturado em 22.08.2012.

fiscal porque não haveria como descobrir para onde as mercadorias estariam indo, nem,

tampouco, de onde teriam vindo.

Outra situação bem diversa é o caso de o contribuinte estar na posse de

mercadorias, com documentação fiscal idônea e estas serem objeto de apreensão em razão de

outros débitos para com o Estado, hipótese essa que não encontra amparo para a apreensão.

Ou seja, a apreensão de mercadorias qualifica-se como constrangimento e meio coercitivo

para pagamento de tributo, por exemplo, quando o contribuinte em débito tem suas

mercadorias apreendidas, mesmo quando acompanhadas de notas fiscais idôneas.

Analisando o argumento utilizado no Recurso Extraordinário nº 39.933, de

09.01.61, verifica-se que ele se concentra no fato de que o ente, no caso o Município de Major

Isidoro, possui outras alternativas para a cobrança do crédito tributário, através da ação

executiva fiscal.

Pois bem, a apreensão de mercadorias, no âmbito da fiscalização estadual, ocorre,

em geral, quando há um transporte desacobertado de nota fiscal idônea. Dessa forma, não há

como o Fisco Estadual formalizar a constituição do crédito tributário porque, muitas vezes,

não há como descobrir o remetente e o destinatário. As notas fiscais que apresentam esses

problemas, em muitos casos, provêm de contribuintes que tiveram suas inscrições estaduais

canceladas, ou contribuintes inexistentes, de forma que a futura ação de execução fiscal fica

comprometida, dando ensejo à sonegação fiscal.

Se em um momento inicial firmou-se o entendimento de que não poderia haver a

apreensão de mercadorias como meio coercitivo para pagamento de tributo, isso no ano de

1963, por outro lado, não se pode desconsiderar a evolução em termos de legislação tributária,

após a Constituição Federal de 1988, com especial destaque para a edição da Lei nº 8.137/90,

que em seu artigo 1º qualifica os crimes contra a ordem tributária, na modalidade de

supressão ou omissão de tributo, através da utilização de documentos falsos, entre eles nota

fiscal, de forma que a apreensão de mercadorias também se justifica como prova material do

referido crime, na forma aqui tipificada. Nesse caso, o tipo é claro: utilizar documento falso,

entre eles a nota fiscal.

É relevante destacar, outrossim, que a apreensão de mercadorias é ato vinculado

de autoridade, no exercício do poder de polícia tributário, acobertado pelo manto da

legalidade. É sob esse aspecto que se considera a manutenção da atual interpretação da

Súmula 323 do STF um atraso para a realização da justiça fiscal, apresentando-se como um

obstáculo ao combate à sonegação fiscal.

2 COEXISTÊNCIA DA SÚMULA 323 DO STF COM AS LEGISLAÇÕES

ESTADUAIS QUE PREVÊM A APREENSÃO DE MERCADORIAS

A reflexão trazida nesse tópico parte da observação do disposto no artigo 163, § 7º

da Constituição do Estado de São Paulo4, que representa um grande avanço na análise dessa

matéria, in verbis:

Artigo 163 - Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado

ao Estado:

V - estabelecer limitações ao tráfego de pessoas ou bens, por meio de tributo,

ressalvada a cobrança de pedágio pela utilização de vias conservadas pelo Poder

Público estadual;

§7º - Para os efeitos do inciso V, não se compreende como limitação ao tráfego de

bens a apreensão de mercadorias, quando desacompanhadas de documentação

fiscal idônea, hipótese em que ficarão retidas até a comprovação da legitimidade de

sua posse pelo proprietário. (destacamos)

O artigo 163, § 7º da Constituição do Estado de São Paulo foi objeto de Ação

Direta de Inconstitucionalidade, interposta pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados

do Brasil, ADI 395/SP, com relatoria da Ministra Carmen Lúcia. Com essa decisão, publicada

em 17 de maio de 2007, ficou evidenciada a possibilidade de apreensão de mercadorias,

demonstrando que a Súmula 323 do STF5 não pode ser aplicada indiscriminadamente:

EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ART. 163, § 7º,

DA CONSTITUIÇÃO DE SÃO PAULO: INOCORRÊNCIA DE SANÇÕES

POLÍTICAS. AUSÊNCIA DE AFRONTA AO ART. 5º, INC. XIII, DA

CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA.

1. A retenção da mercadoria, até a comprovação da posse legítima daquele que

a transporta, não constitui coação imposta em desrespeito ao princípio do

devido processo legal tributário.

2. Ao garantir o livre exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, o art.

5º, inc. XIII, da Constituição da República não o faz de forma absoluta, pelo

que a observância dos recolhimentos tributários no desempenho dessas

atividades impõe-se legal e legitimamente.

3. A hipótese de retenção temporária de mercadorias prevista no art. 163, § 7º,

da Constituição de São Paulo é providência para a fiscalização do cumprimento

da legislação tributária nesse território e consubstancia exercício do poder de

polícia da Administração Pública Fazendária, estabelecida legalmente para os

casos de ilícito tributário. Inexiste, por isso mesmo, a alegada coação indireta

do contribuinte para satisfazer débitos com a Fazenda Pública.

4. Ação Direta de Inconstitucionalidade julgada improcedente. (destacamos)

4 BRASIL. Constituição (1989). Constituição do Estado de São Paulo. Disponível em:

http://www.al.sp.gov.br/repositorio/legislacao/constituicao/1989/constituicao%20de%2005.10.19, 89.htm

Acesso em: 26 Ag. 2012 5 BRASIL. Supremo Tribunal. Disponível em:

<http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp> Acesso em: 26 Ag. 2012

Nesse contexto, é importante ressaltar que vários Estados da federação possuem,

no texto da legislação tributária estadual, relativa ao ICMS, dispositivo expresso referente à

possibilidade de apreensão de mercadorias por parte dos Auditores Fiscais, valendo trazer

aqui alguns exemplos:

A Lei nº 6.374/896, do Estado de São Paulo, prevê a possibilidade de apreensão de

mercadorias e documentos fiscais, nos artigos 77 a 80, valendo destacar aqui o texto do artigo

77:

Artigo 77 - Ficam sujeitos à apreensão os bens e mercadorias que constituam

prova material de infração à legislação tributária.

§ 1º - A apreensão pode ser feita, ainda, nos seguintes casos:

1 - quando transportadas ou encontradas mercadorias sem as vias dos

documentos fiscais ou de qualquer outro documento exigido pela legislação, que

devam acompanhá-las, inclusive na hipótese do § 2º do artigo 75, ou quando

encontradas em local diverso do indicado na documentação fiscal;

2 - quando haja evidência de fraude, relativamente aos documentos que as

acompanhem no seu transporte;

3 - quando estejam em poder de contribuinte que não prove a regularidade de

sua inscrição no cadastro de contribuintes;

4 - quando estejam em poder de contribuinte habitualmente inadimplente com

o recolhimento do imposto, conforme disposto em regulamento.

§ 2º - Havendo prova ou suspeita fundada de que o bem ou mercadoria que objetive

a comprovação da infração se encontre em residência particular ou em outro local a

que a fiscalização não tenha livre acesso, devem ser promovidas buscas e apreensões

judiciais, sem prejuízo das medidas necessárias para evitar sua remoção sem

anuência do fisco.

O Estado de Minas Gerais, através da Lei nº 6.763/757, atualizada até a Lei nº

19.999, de 30/12/2011, traz previsão expressa de apreensão em seu artigo 42, com o seguinte

teor:

Das Mercadorias e Efeitos Fiscais em Situação Irregular

Art. 42 - Dar-se-á a apreensão de mercadorias quando:

I - transportadas ou encontradas sem os documentos fiscais;

(234) II - acobertadas por documentação fiscal falsa ou ideologicamente falsa;

(186) III - transportadas ou encontradas com documento fiscal que indique

remetente ou destinatário que não estejam no exercício regular de suas

atividades; (negritamos)

6BRASIL. Lei nº 6.374/89 . Disponível em:

<http://info.fazenda.sp.gov.br/NXT/gateway.dll?f=templates&fn=default.htm&vid=sefaz_tributaria:vtribut>

Acesso em: 22 Ag. 2012 7BRASIL. Lei nº 6.763/75. Disponível em:

<http://www.fazenda.mg.gov.br/empresas/legislacao_tributaria/leis/lei_6763_1975_seca.pdf> Acesso em: 22

Ag. 2012

O Estado da Bahia, através da Lei nº 7.014, de 04 de dezembro de 19968 prevê a

apreensão de mercadorias em situação irregular no território baiano, da seguinte forma:

Art. 40 - Constitui infração relativa ao ICMS a inobservância de qualquer

disposição contida na legislação deste tributo, especialmente das previstas no art. 42

desta Lei.

§ 1º - (...)

(...)

§ 5º - A mercadoria, bem, livro ou documento em situação irregular serão

apreendidos pelo fisco, mediante emissão de termo próprio, destinado a

documentar a infração cometida, para efeito de constituição de prova material do

fato. (negrito nosso)

No Estado de Sergipe, a lei nº 3.796/969 (Lei estadual do ICMS), dispõe sobre a

apreensão de mercadorias, livros e documentos, em seu art. 58, in verbis:

Art. 58. Os Funcionários do Fisco Estadual, no exercício dos respectivos cargos,

poderão apreender mercadorias, livros e documentos, como prova material de

infração, lavrando termo de apreensão e de depósito (...) (grifamos).

No Estado do Paraná, a Lei nº 11.580/9610

, atualizada pela Lei nº 16.370, de

29/12/2009, dispõe sobre a possibilidade de apreensão, em seu art. 56, inciso II, nos seguintes

termos:

II - INÍCIO DO PROCEDIMENTO FISCAL

O procedimento fiscal considera-se iniciado:

a) por termo de início de fiscalização, cientificado o sujeito passivo, seu

representante ou preposto;

b) pelo ato de apreensão de quaisquer bens ou mercadorias, ou de retenção de

documentos ou livros comerciais e fiscais;

c) por qualquer outro ato escrito, praticado por servidor competente, no exercício de

sua atividade funcional, desde que cientificado do ato o sujeito passivo, seu

representante ou preposto; (destacamos)

No Estado de Santa Catarina, através da Lei nº 10.297/9611

utilizando-se o termo

“retenção”, observa-se também a previsão de apreensão de mercadorias, em seu art. 96, o qual

expressa, in literis:

Art. 96. As mercadorias transportadas ou estocadas sem documentação fiscal

ou com documentação fraudulenta poderão ser retidas em depósito até a

8BRASIL. Lei nº 7.014/1996 Disponível em:

<http://www.jusbrasil.com.br/legislacao/85871/lei-7014-96-bahia-ba> Acesso em: 22 Ag. 2012 9 BRASIL. Lei nº 3.796/1996 Disponível em:

<http://www.sefaz.se.gov.br/> Acesso em: 22 Ag. 2012 10

BRASIL. Lei nº 11.580/1996 Disponível em:

< http://www.sefanet.pr.gov.br/dados/SEFADOCUMENTOS/7200511580.pdf> Acesso em: 22 Ag. 2012 11

BRASIL. Lei nº 10.297/1996 Disponível em:

http://200.19.215.13/legtrib_internet/index.html Acesso em: 22 Ag. 2012

identificação do seu proprietário, que poderá levantá-las, mediante assunção de

responsabilidade pelo crédito tributário, caso em que contra ele será lavrada a

notificação. (destaque nosso)

A citação expressa dos referidos dispositivos legais, todos eles integrantes das

respectivas Leis do ICMS, editadas nos Estados da federação acima mencionados, após a

edição da Constituição Federal de 1988, tem como escopo demonstrar que o instituto da

apreensão de mercadorias, tal como foi desenhado pelos Estados, não atenta contra os

princípios constitucionais, mas, em contrapartida, fazem parte de toda uma conjuntura

nacional que visa o combate à sonegação fiscal.

Os referidos dispositivos legais encontram-se em plena eficácia, nunca foram

objeto de ação de inconstitucionalidade, nem tampouco a tiveram incidentalmente declarada,

de forma que a sua não observância acarretaria a responsabilidade funcional da autoridade

fiscal.

A ação fiscal empreendida pelos auditores fiscais, nos mais diversos Estados

brasileiros, é normalmente efetivada de forma criteriosa, seguindo rigidamente os ditames

legais, não podendo ser dispensada a exigência do crédito fiscal respectivo, sob pena de

responsabilidade funcional, conforme prevê literalmente o Código Tributário Nacional12

, em

seus artigos 141 e 142, parágrafo único.

Quando os Auditores Fiscais, no exercício de suas competências fiscalizadoras,

deparam-se com fatos tais como as hipóteses descritas nas respectivas leis estaduais, as quais

impõem a atitude de apreender as mercadorias em situação irregular, não podem agir de forma

diferente, sob pena de violar os princípios da legalidade, bem como o princípio da igualdade.

O princípio da legalidade constitui um direito fundamental do cidadão o qual se

encontra entre as garantias fundamentais constantes do art. 5º, II, da CF/8813

, segundo o qual

“ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”.

Deve-se lembrar que todos os contribuintes do ICMS que tiverem uma das condutas descritas

nas leis, ensejadoras de apreensão de mercadorias, estarão enquadrados nos referidos

12

BRASIL. Código Tributário Nacional. Disponível em:

<http://www.receita.fazenda.gov.br/legislacao/codtributnaci/ctn.htm> Acesso em: 26 Ag. 2012.

Art. 141- O crédito tributário regularmente constituído somente se modifica ou se extingue, ou tem sua

exigibilidade suspensa ou excluída, nos casos previstos nesta Lei, fora dos quais não podem ser dispensadas, sob

pena de responsabilidade funcional na forma da lei, a sua efetivação ou as respectivas garantias.

Art. 142- ...

(...)

Parágrafo único- A atividade administrativa de lançamento é plenamente vinculada e obrigatória, sob pena de

responsabilidade administrativa. 13

BRASIL. Constituição Federal de 1988. Ob. Cit.

dispositivos legais e sujeitos às conseqüências previstas, entre elas a apreensão de

mercadorias.

Além de ser um direito, a legalidade é um dos princípios norteadores da

administração pública, como já mencionado acima, consubstanciado no art. 37, caput, da

Carta Magna de 1988. Dessa forma, em estrita obediência ao princípio da legalidade,

especificamente a legislação tributária dos Estados, os Auditores Fiscais têm obrigação de

efetivar a apreensão, uma vez que outra conduta não seria possível. Não se trata de uma

faculdade, tampouco do poder discricionário da administração, mas, sim, de uma atividade

vinculada, como se verifica do art. 142, parágrafo único do CTN, de forma que outra conduta

não se pode esperar do Auditor Fiscal. Nesse sentido os ensinamentos do Insigne Mestre José

dos Santos Carvalho Filho14

, quando leciona:

ATIVIDADES VINCULADAS – Há atividades administrativas cuja execução

fica inteiramente definida na lei. Dispõe esta sobre todos os elementos do ato a

ser praticado pelo agente. A este não é concedida qualquer liberdade quanto à

atividade a ser desempenhada e, por isso, deve submeter-se por inteiro ao

mandamento legal.

O desempenho de tal tipo de atividade é feito através da prática de atos

vinculados, diversamente do que sucede no poder discricionário, permissivo da

prática de atos discricionários. O que se distingue é a liberdade de ação. Ao

praticar atos vinculados, o agente limita-se a reproduzir os elementos da lei que

os compõem, sem qualquer avaliação sobre a conveniência e oportunidade da

conduta. O mesmo já não ocorre quando pratica atos discricionários, como visto

anteriormente. (destacamos)

Sobre o tema, vale ressaltar, também, que o controle judicial, quando se trata de

atos discricionários, não permite que o Juiz substitua o legislador, no dizer do mestre já

citado, José dos Santos Carvalho Filho, muito menos quando se trata de atos vinculados, em

que há expressa previsão legal. A exacerbação desse tipo de controle, tal como feito através

da súmula 323 do STF, ofende o princípio republicano da separação de Poderes, cujo axioma

fundamental é o do equilíbrio entre eles, através do sistema de freios e contra pesos15

.

Como já mencionado no tópico anterior, a Constituição Federal de 1988 é

cristalina ao consagrar os princípios da legalidade e igualdade, em relação ao direito

tributário, de forma que a atividade vinculada, exercida pela fiscalização dos Estados, no

sentido de promover a apreensão de mercadorias, quando objeto de circulação sem

14

CARVALHO FILHO, José dos Santos. MANUAL DE DIREITO ADMINISTRATIVO, 19ª EDIÇÃO. Rio

de Janeiro: Lumen Juris, 2008. p. 44. 15

CARVALHO FILHO, José dos Santos, ob. cit. p. 45.

documentação fiscal idônea, é uma atitude legítima, legal, que busca evitar a evasão de

tributos e o próprio enriquecimento ilícito.

Trata-se da utilização de uma prerrogativa típica do ente público, consubstanciada

no poder de polícia previsto no CTN, que consiste em limitar relativamente o uso de

determinados bens, com fundamento no interesse público da arrecadação, incumbindo aos

Estados proceder às apreensões de mercadorias que transitam irregularmente. Essa ação não

se identifica com a pretensão de confisco de bens, mas, sim, com a busca de medidas judiciais

garantidoras da eficácia da fiscalização dos tributos estaduais e combate à sonegação fiscal.

A apreensão de mercadorias tem como principal objetivo identificar os sujeitos

envolvidos na operação de transporte de mercadorias, objeto de fiscalização: remetente,

destinatário, transportador, de forma que esta não viola o princípio constitucional do livre

exercício do comércio.

O que se verifica, na prática, é que alguns Juízes e Desembargadores entendem ser

a apreensão ilegal por se limitarem a uma interpretação e aplicação impensada, irrefletida e

automática da Súmula 323 do STF. No entanto, a medida extrema de apreensão das

mercadorias, pelos auditores fiscais dos Estados, só ocorre em casos excepcionais, a exemplo

de mercadoria desacompanhada de documentação fiscal idônea, como se verifica dos textos

legais acima transcritos. Vê-se, portanto, que os motivos determinantes da apreensão residem

na necessidade de provar a materialidade do fato ilícito, não se constituindo, portanto, meio

coercitivo para pagamento do tributo. No ato de apreender mercadorias, a autoridade fiscal

procede de acordo e no estrito cumprimento da lei, mais especificamente, em obediência à lei

instituidora do ICMS.

Observa-se que muitos contribuintes ingressam com ação de Mandado de

Segurança objetivando a liberação das mercadorias apreendidas e freqüentemente são

beneficiados com a concessão de liminares. Apesar de não ser o Mandado de Segurança a via

adequada para discutir e abrir dilação de provas, apesar de as mercadorias serem apreendidas

apenas com o objetivo de materialização da infração, em função de serem transportadas sem

documentação fiscal idônea, ainda assim os magistrados e, por vezes, os próprios tribunais

estaduais concedem liminares e julgam procedentes as referidas ações.

A concessão de liminar para liberação de mercadorias apreendidas, com base na

Súmula 323 do STF, é um verdadeiro desastre para a atuação fiscal, uma vez que as

mercadorias devem ser imediatamente liberadas, sob pena de pagamento de multa diária, fato

este que inviabiliza a fiscalização do cumprimento da legislação tributária nos territórios dos

estados e impede o exercício do poder de polícia da Administração Pública Fazendária,

estabelecida legalmente para os casos de ilícito tributário.

Além das legislações tributárias estaduais, a Lei Complementar 87/96, em seu

artigo 11, inciso I, alínea b16

, define como local da operação ou prestação, para os efeitos da

cobrança do imposto e definição do estabelecimento responsável, onde esta se encontre,

quando em situação irregular, pela falta de documentação fiscal ou quando acompanhada de

documentação inidônea, situação esta que enseja a apreensão de mercadorias por parte dos

auditores fiscais dos Estados. Ou seja, mesmo não havendo dispositivo expresso na lei

estadual, a lei complementar 87/96, no em seu art. 11, acoberta essa possibilidade.

A previsão da Lei Complementar constitui uma prerrogativa da fiscalização dos

estados no sentido de proceder à fiscalização das mercadorias onde elas se encontrem, a fim

de possibilitar a correta realização da operação de circulação de mercadorias. Subtrair da

fiscalização estadual o seu poder de polícia tributário, consubstanciado na apreensão de

mercadorias em situação irregular, seria o mesmo que desarmar a polícia que realiza a

segurança pública.

Dessa forma, a Súmula 323 do STF não pode ser interpretada no sentido de coibir

a apreensão de mercadorias quando existe na Constituição do Estado e/ou na legislação

tributária estadual a sua expressa previsão. Havendo na lei do ICMS dispositivo expresso

relativo à apreensão de mercadorias, esta deve ser albergada pelo Poder Judiciário, sob pena

de flagrante violação aos princípios da legalidade e da separação de poderes. Não se pode

olvidar que a lei advém do Poder Legislativo, cuja origem democrática se encontra no próprio

povo, que elegeu seus representantes através do voto popular. Nesse sentido os ensinamentos

do Mestre Canotilho17

quando analisa o princípio da legalidade em seu aspecto democrático:

O princípio da legalidade da administração, sobre o qual insistiu sempre a teoria do

direito público e a doutrina da separação dos poderes, foi erigido, muitas vezes, em

<cerne essencial> do Estado de direito. Postulava, por sua vez, dois princípios

fundamentais: o princípio da supremacia ou prevalência da lei (Vorrang des

Gesetzes) e o princípio da reserva da lei (Vorbehalt des Gesetzes). Estes princípios

16

Art. 11. O local da operação ou da prestação, para os efeitos da cobrança do imposto e definição do

estabelecimento responsável, é:

I - tratando-se de mercadoria ou bem:

a) ...

b) onde se encontre, quando em situação irregular pela falta de documentação fiscal ou quando acompanhado de

documentação inidônea, como dispuser a legislação tributária; BRASIL, Lei Complementar 87/96 Disponível

em: <http://www.sefaz.se.gov.br/> Acesso em: 27 Ag. 2012 17

CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 3ª edição. Coimbra:

Almedina, 1999. p. 251.

permanecem válidos, pois num Estado democrático-constitucional a lei

parlamentar é, ainda, a expressão privilegiada do princípio democrático (daí a

sua supremacia) e o instrumento mais apropriado e seguro para definir os

regimes de certas matérias, sobretudo dos direitos fundamentais e da

vertebração democrática do Estado (daí a reserva da lei). (destacamos)

A ideia da lei como expressão da democracia remete-nos ao princípio da

separação dos Poderes, que inclusive constitui cláusula pétrea, consubstanciada no art. 60, §

4º, inciso III, da Carta Magna de 1988. Os Poderes da União encontram-se expressamente

previstos no artigo 2º da CF/88, quais sejam, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário. A

Constituição Federal de 1988 dedica o Título IV à Organização dos Poderes, nele destacando

o capítulo I ao Poder Legislativo. A iniciativa das leis é competência do Congresso Nacional e

Senado, a nível federal, das Assembléias Legislativas, a nível estadual e das Câmaras de

Vereadores, a nível municipal.

A composição das Assembléias Legislativas dos Estados é fruto da soberania

popular, que através do voto direto e secreto elege os seus representantes, dando vida ao

estado democrático de direito que constitui a República Federativa do Brasil. Esses aspectos

do processo legislativo estão sendo aqui lembrados com o escopo de ressaltar a legitimidade

das leis e, no caso concreto, das leis do ICMS aqui citadas, que preveem a apreensão de

mercadorias, dentro de casos específicos, como forma de realizar o poder de polícia tributário.

No dizer de Gilmar Ferreira Mendes18

:

4.6.2. A separação de Poderes

O desenho da separação de Poderes como concebido pelo constituinte originário é

importante. A emenda que suprimia a independência de um dos Poderes ou que lhe

estorve a autonomia é imprópria.

Dessa forma, a invocação da Súmula 323 do STF, como fundamento na liberação

de mercadorias, através da concessão de liminares em mandado de segurança, configura um

verdadeiro atentado à separação de poderes, uma interferência ilegítima que deve ser

urgentemente repensada e combatida. Nesse contexto, tem relevância a decisão do STF, na

Ação de Inconstitucionalidade nº 395/SP, que se posicionou pela constitucionalidade do

artigo 163, § 7º da Constituição do Estado de São Paulo, segundo o qual não se compreende

como limitação ao tráfego de bens a apreensão de mercadorias, quando desacompanhadas de

documentação fiscal idônea.

18

MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de

Direito Constitucional. 5ª edição. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 299.

É exatamente esse o teor das legislações tributárias estaduais que preveem a

possibilidade de apreensão de mercadorias, quando desacompanhadas de nota fiscal ou sem

nota fiscal idônea, de forma que a Súmula 323 do STF deve ter uma nova interpretação, a fim

de explicitar o novo entendimento do Supremo.

Nesse sentido, havendo previsão na Constituição dos Estados e nas respectivas

leis do ICMS, não há como aplicar a Súmula 323 do STF, na forma como vem sendo

interpretada pelos Juízes e Tribunais, a qual apenas em casos restritos e específicos pode ser

invocada. Daí porque se impõe a revisão da Súmula 323 do STF, como imperativo do

interesse público, não podendo subsistir esse precedente quando o Estado pretende exercer

uma ação séria de combate à sonegação fiscal.

3 INCONSISTÊNCIA DOS ARGUMENTOS CONTRA A APREENSÃO DE

MERCADORIAS

Nesse tópico, analisaremos os principais argumentos utilizados pelos

contribuintes no combate à apreensão de mercadorias. É importante observar que os direitos

invocados para contrapor a possibilidade de apreensão de mercadorias não são absolutos e

ilimitados, embora alguns deles se encontrem nos incisos do artigo 5º da Constituição Federal

de 198819

, referentes aos direitos fundamentais.

Além disso, os princípios constitucionais utilizados pelos contribuintes devem ser

analisados em conformidade com outros princípios, não menos importantes, valendo trazer

aqui os ensinamentos doutrinários de Luís Roberto Barroso20

:

O problema maior associado ao princípio da unidade não diz respeito aos conflitos

que surgem entre as normas infraconstitucionais ou entre estas e a Constituição, mas

sim às tensões que se estabelecem dentro da própria Constituição. De fato, a

Constituição é um documento dialético, fruto do debate e da composição

política. Como conseqüência, abriga no seu corpo valores e interesses

contrapostos. A livre iniciativa é um princípio que entra em rota de colisão, por

exemplo, com a proteção do consumidor ou com restrições ao capital estrangeiro.

Desenvolvimento pode confrontar-se com proteção do meio ambiente. Direitos

fundamentais interferem entre si, por vezes em casos extremos, como ocorre no

choque entre liberdade religiosa e direito à vida ou na hipótese de recusa de certos

tratamentos médicos, como transfusões de sangue, sustentada pelos fiéis de

determinadas confissões. Nesses casos, como intuitivo, a solução das colisões entre

normas não pode beneficiar-se, de maneira significativa, dos critérios tradicionais.

Em primeiro lugar, e acima de tudo, porque inexiste hierarquia entre normas

constitucionais. Embora se possa cogitar de certa hierarquia axiológica, tendo em

vista determinados valores que seriam, em tese, mais elevados – como a dignidade

19

BRASIL. Constituição Federal de 1988. Ob. Cit. 20

BARROSO, Luís Roberto. Direito Constitucional Contemporâneo. 2ª Edição. Rio de Janeiro: Saraiva,

2010. p. 303-304.

da pessoa humana ou o direito à vida – a Constituição contém previsões de privação

da liberdade (art. 5º XLVI, a) e até a pena de morte (art. 5º, XLVII, a). Não é

possível, no entanto, afirmar a inconstituicionalidade dessas disposições, frutos da

mesma vontade constituinte originária. Por essa razão, uma norma constitucional

não pode ser inconstitucional em face de outra. (destaques nossos)

Passemos agora à análise dos dispositivos mencionados com maior freqüência:

Artigo 5º, XIII, da CF/88, referente à liberdade de exercício de qualquer

profissão. Em relação a esse artigo, deve-se analisar que a apreensão de mercadorias que

circulam sem documentação fiscal idônea em nada atenta à liberdade de exercício

profissional. É evidente que o contribuinte, o empresário, o dono de mercadorias não tem o

direito, tampouco a liberdade de transitar com esses bens sem as respectivas notas fiscais. A

própria Constituição Federal de 1988, em seu art. 155, inciso XII, alínea d, dispõe que cabe à

lei complementar fixar, para efeitos de cobrança do ICMS e definição do estabelecimento

responsável, o local das operações relativas à circulação de mercadorias e das prestações de

serviços e foi justamente isso que fez a Lei Complementar 87/96, no artigo 11, alínea b, acima

mencionado, em relação às mercadorias que se encontrem em situação irregular pela falta de

documentação fiscal ou quando acompanhadas de documentação inidônea, como dispuser a

legislação tributária dos Estados.

Vê-se, portanto, que a liberdade de exercício de qualquer profissão deve ser

interpretada em consonância com outros dispositivos da própria Constituição Federal, em

especial o princípio da legalidade, de forma que no exercício do comércio, ao efetivar a

circulação de mercadorias, o contribuinte está sujeito à emissão dos documentos fiscais e ao

pagamento do imposto, de competência estadual, o ICMS, previsto no art. 155, II, da CF/88,

obedecendo, via de conseqüência, às disposições constantes da Lei Complementar 87/96, bem

como às exigências das respectivas legislações estaduais.

No dizer de Konrad Hesse21

, quando estuda a Lei Fundamental Alemã, no

capítudo dos “Direitos de liberdade”, o limite à liberdade é admissível com base na existência

de lei formal sobre a matéria e é justamente o que acontece com o caso da apreensão de

mercadorias, em que as leis tributárias dos Estados da federação prevêem expressamente essa

limitação. Em suas palavras:

A importância principal dessa determinação está em ambas as primeiras alíneas.

Segundo a alínea 1, limitações de liberdade são admissíveis somente com base

21

HESSE, Kornad. Elementos de Direito Constitucional da Repúbica Federal da Alemanha. Tradução de

Luís Afonso Heck. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 1998. p. 292.

em uma lei formal e somente sob consideração das formas nela previstas. Para

cada prejuízo à liberdade de movimento corporal, não só para a privação da

liberdade, é necessária, por conseguinte, uma lei decidida pelos corpos

legislativos. Ela mesma deve determinar modo e medida da restrição de liberdade,

enquanto especificações do tipo legal podem ficar a cargo da regulação por

regulamento; o recurso a direito costumeiro é inadmissível. Se esses pressupostos,

todavia, estão cumpridos, então podem, tanto órgãos do poder judiciário como tais

do poder executivo, restringir a liverade de movimento corporal. (negritamos)

Dessa forma, a invocação do referido dispositivo constitucional não tem o condão

de afastar a possibilidade de apreensão de mercadorias, quando feita dentro dos próprios

limites estabelecidos nas legislações dos Estados.

Artigo 5º, XXII, da CF/88, que garante o direito de propriedade. A propriedade

de bens é um direito constitucionalmente garantido, mas isso não dá ensejo a legalizar, por

exemplo, a propriedade de bens objeto de furto, roubo ou apropriação indébita. Também o

direito à propriedade sofre limitações previstas no próprio texto constitucional, que deverá

atender à sua função social. Observa-se que esse dispositivo é citado de forma genérica pelos

contribuintes levando os juízes e desembargadores a aceitarem-nos sem a devida

fundamentação. Em todos os comentários sobre o direito de propriedade, não se vê a

abordagem do direito de propriedade em relação a bens que não estejam acobertados pelos

respectivos documentos, de forma que esse inciso não pode e não deve ser invocado em

relação a mercadorias que estejam sem documentação idônea.

Deixar de apreender as mercadorias que não se encontram acobertadas pelas

respectivas notas fiscais é abdicar do poder de polícia tributário e incorrer em

responsabilidade funcional, inteligência do acima citado artigo 142, parágrafo único do

CTN22

. Para demonstrar que o direito de propriedade não é absoluto e não se relaciona ao

caso específico de mercadorias em trânsito, trazemos as reflexões do Mestre Pedro Lenza23

:

Como regra geral, assegura-se o direito de propriedade, que deverá atender à sua

função social, nos exatos termos dos arts. 182, § 2º, e 186 da CF/88.

Esse direito não é absoluto, visto que a propriedade poderá ser desapropriada

por necessidade ou utilidade pública e, desde que esteja cumprindo sua função

social, será paga justa e prévia indenização em dinheiro (art. 5º, XXIV).

(destacamos)

É evidente que o artigo citado pelos contribuintes em suas defesas refere-se muito

mais à propriedade imóvel do que aos bens que circulam e são objeto de apreensão pelos

auditores fiscais. O referido dispositivo constitucional é trazido pelos contribuintes, em seus

22

BRASIL. Código Tributário Nacional. Ob. Cit. 23

LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 15ª edição. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 895.

Mandados de Segurança, sendo um argumento frágil e genérico, aceito por magistrados e

desembargadores quando não procedem a uma análise cuidadosa do caso concreto.

Artigo 5º, LIV, da CF/88, segundo o qual ninguém será privado da liberdade ou

de seus bens sem o devido processo legal e Artigo 5º, LV, da CF/88, que assegura o

contraditório e a ampla defesa, em processo judicial ou administrativo, também invocado

equivocadamente. Analisaremos as disposições constantes dos dois incisos conjuntamente,

em razão de sua grande intimidade.

É evidente que a privação dos bens da pessoa deve obedecer ao devido processo

legal e quanto a isso não se discute. Ocorre, porém, que a invocação do Devido Processo

Legal é totalmente equivocada, uma vez que o procedimento de apreensão é um ato

administrativo vinculado, anterior à existência de um processo judicial, utilizado

exclusivamente no exercício do poder de polícia tributário e que não retira do contribuinte o

direito de se levar a questão à análise do Judiciário. O Devido Processo Legal caracteriza-se

por ser um direito de se poder levar uma questão aos tribunais com base em leis ou normas

constitucionais e não o direto de tê-la reconhecida, como pretendem os contribuintes.

É relevante destacar que em situações excepcionais, encontra amparo legal a

privação temporária dos bens, quando estes são objeto de circulação sem documentação fiscal

idônea. A apreensão de mercadorias é uma atitude extrema e excepcional, utilizada na

hipótese de flagrante de circulação de mercadoria sem a devida documentação fiscal. O

contribuinte do ICMS tem conhecimento de que a circulação de mercadorias obedece a regras

próprias, com o cumprimento de obrigações principais e acessórias, entre as quais a emissão

de nota fiscal para acobertar a circulação e o respectivo pagamento do tributo devido.

Vê-se, portanto, que a linha de raciocínio utilizada pelo contribuinte tem como

escopo unicamente confundir o órgão julgador, afastando-se de uma interpretação coerente

em relação a um princípio constitucional que possui grande relevância, como bem esclarece o

Dr. Gilmar Ferreira Mendes24

, ao comentar suas hipóteses configuradoras:

É provável que a garantia do devido processo legal configure uma das mais amplas e

relevantes garantias do direito constitucional, se considerarmos a sua aplicação nas

relações de caráter processual e nas relações de caráter material (princípio da

proporcionalidade/direito substantivo). Todavia, no âmbito das garantias do

processo é que o devido processo legal assume uma amplitude inigualável e um

significado ímpar como postulado que traduz uma série de garantias hoje

devidamente especificadas e especializadas nas várias ordens jurídicas. Assim,

cogita-se de devido processo legal quando se fala de (1) direito ao contraditório e à

24

MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Ob. Cit. p. 745.

ampla defesa, de (2) direito ao juiz natural, de (3) direito a não ser processado e

condenado com base em prova ilícita, de (4) direito a não ser preso senão por

determinação da autoridade competente e na forma estabelecida pela ordem jurídica.

(negrito nosso)

Vê-se que as hipóteses destacadas pelo Insigne Mestre não se identificam com a

apreensão de mercadorias em trânsito. É relevante destacar que o contribuinte tem todo o

direito assegurado de apresentar os documentos fiscais idôneos e terá imediatamente suas

mercadorias liberadas. Acontece que quando a apreensão ocorre, o contribuinte não tem

documentação idônea, de forma que ele mesmo não tem como exercer sua ampla defesa,

tampouco o contraditório. Dessa forma, utiliza-se do remédio constitucional do Mandado de

Segurança e é beneficiado com a concessão de liminares, em prejuízo aos outros contribuintes

que emitem documentação fiscal e promovem a circulação das mercadorias, acompanhadas

das respectivas notas fiscais. Dessa forma, verifica-se que essa atitude do contribuinte

configura, também, uma violação à livre concorrência, que tem regras próprias e encontra

amparo constitucional no artigo 170, IV, da Carta Magna.

Destarte, a apreensão de mercadorias não viola o devido processo legal, que é

devidamente observado, tanto no processo administrativo fiscal, quanto judicialmente.

Utilizar esse argumento é puro sofisma, com o único intuito de praticar a sonegação fiscal.

Permitir a liberação dessas mercadorias é violar o princípio da igualdade, consubstanciado no

art. 150, II, da Carta Magna de 198825

, uma vez que todos os contribuintes do ICMS que

transitam com suas mercadorias são obrigados a apresentar a respectiva nota fiscal quando

abordados.

Artigo 150, IV, da CF/88, que trata da vedação da utilização do tributo com efeito

de confisco. Para ficar bem claro que não há qualquer intenção de confisco, vale transcrever

aqui o significado do termo confisco26

:

CONFISCO. Ou confiscação, é vocábulo que se deriva do latim confiscatio,

de confiscare, tendo o sentido de ato pelo qual se apreendem e se adjudicam

ao fisco bens pertencentes a outrem, por ato administrativo ou por sentença

judiciária, fundados em lei. Em regra, pois, o confisco se indica uma punição.

25

Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao

Distrito Federal e aos Municípios:

I - ...

II - instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida

qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da

denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos; 26

SILVA, DE PLACIDO E. Vocabulário Jurídico, 26ª edição. Atualizadores Nagib Slaibi Filho e Gláucia

Carvalho. Rio de Janeiro: Forense, 2006. p. 342.

Quer isto dizer que sua imposição, ou decretação, decorre da evidência de

crimes ou contravenções praticadas por uma pessoa, em virtude do que, além

de outras sanções, impõe a lei a perda de todos ou parte dos bens em seu

poder, em proveito do erário público. (destacamos)

A apreensão de mercadorias, realizada pelos Estados, através de seus auditores

fiscais, não se identifica com o confisco uma vez que não há a transmissão da propriedade

mas, tão somente, a retirada provisória da esfera do contribuinte, a fim de serem averiguadas

as circunstâncias do caso concreto, a origem, remetente e destinatário, sendo posteriormente

liberadas, após a regularização da documentação. Dessa forma, não há transmissão de

propriedade mas tão somente uma limitação à posse do bem, motivo pelo qual não há que se

falar em confisco.

Artigo 170, parágrafo único da CF/88 que assegura a liberdade do exercício de

qualquer atividade, também não se sustenta, pelas mesmas razões acima apresentadas em

relação ao artigo 5º, XIII, também da CF/88.

Vê-se, portanto, que os direitos acima mencionados, referentes à liberdade, devido

processo legal, contraditório e ampla defesa, encontram limitações em razão de sua

interpretação comparada com outros valores constitucionais, entre os quais se destacam o

princípio da separação de poderes, a legalidade e a igualdade. Nesse sentido os ensinamentos

do Insigne Mestre Gilmar Ferreira Mendes27

:

(...)

Pode-se ouvir, ainda, que os direitos fundamentais são absolutos, no sentido

de se situarem no patamar máximo de hierarquia jurídica de não tolerarem

restrição. Tal ideia tem premissa no pressuposto jusnaturalista de que o

Estado existe para proteger direitos naturais, como a vida, a liberdade e a

propriedade, que, de outro modo, estariam ameaçados. Se é assim, todo poder

aparece limitado por esses direitos e nenhum objetivo estatal ou social teria

como prevalecer sobre eles. Os direitos fundamentais gozariam de prioridade

absoluta sobre qualquer interesse coletivo.

Essa assertiva esbarra em dificuldades para ser aceita. Tornou-se voz

corrente na nossa família do Direito admitir que os direitos

fundamentais podem ser objeto de limitações, não sendo, pois, absolutos.

Tornou-se pacífico que os direitos fundamentais podem sofrer

limitações, quando efrentam outros valores de ordem constitucional,

inclusive outros direitos fundamentais. Prieto Sanchis noticia que a

afirmação de que ‘não existem direitos ilimitados se converteu quase em

cláusula de estilo na jurisprudência de todos os tribunais competentes em

matéria de direitos humanos. (destacamos)

27

MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. ob.cit. p. 316

Além disso, deve-se lembrar que a apreensão realizada pelo Estado, no exercício

do poder de polícia administrativo, tem como pano de fundo a consecução das políticas

públicas, bem como a realização dos interesses sociais e coletivos, os quais somente podem

ser atendidos com os recursos provenientes da tributação. É sob esse prisma que devem ser

interpretadas as disposições constitucionais, valendo citar aqui as lições sempre atuais do

festejado constitucionalista J. J. Gomes Canotilho28

, quando leciona:

O princípio da democracia econômica e social é um elemento essencial de

interpretação na forma de interpretação conforme a constituição.O legislador,

a administração e os tribunais terão de considerar o princípio da democracia

econômica e social como princípio obrigatório de interpretação para avaliar a

conformidade dos actos do poder público com a constituição.

Dessa forma, fica evidenciado que não há como realizar a democracia econômica

e social se o poder público fica impedido de agir em situações de flagrante, quando verifica a

circulação de mercadorias sem documentação idônea.

Conclui-se, desse modo, que os argumentos que fazem alusão aos direitos

fundamentais, invocados pelos contribuintes na tentativa de convencer o Judiciário a liberar as

mercadorias apreendidas pelos auditores fiscais não se sustentam, primeiro porque estes não

são absolutos; segundo, porque ao se fazer um balisamento entre os direitos

constitucionalmente previstos, não há prevalência daqueles, por eles mencionados; e terceiro,

a colisão de direitos fundamentais, nesse caso, é apenas aparente, não resistindo a uma análise

comparativa de cada um dos princípios acima mencionados com o da separação de poderes,

legalidade e igualdade, que fundamentam a apreensão de mercadorias, na formatação

concebida pelos estados.

4 EVIDENTE PREJUÍZO PARA O ESTADO/COLETIVIDADE COM A LIBERAÇÃO

DAS MERCADORIAS

A liberação de mercadorias apreendidas, no exercício do poder de polícia

tributário, pela fiscalização estadual, através de liminares concedidas em Mandado de

Segurança pelo Poder Judiciário, acarreta dano grave ou de difícil reparação para o

Estado/Coletividade.

Considerando que a apreensão de mercadorias ocorre nos casos expressamente

definidos na legislação tributária dos Estados, relativa ao ICMS, em circunstâncias nas quais o

28

CANOTILHO, J. J. Gomes. Ob. Cit. p. 328.

contribuinte transita com mercadorias sem nota fiscal idônea, a sua liberação traz como

consequência a impossibilidade de o Estado identificar o sujeito passivo das referidas

operações e dá ensejo à sonegação fiscal.

A falta de identificação do sujeito passivo impede a lavratura do auto de infração,

bem como a constituição do crédito tributário, que não será inscrito em dívida ativa, nem

tampouco objeto de execução fiscal, impedindo que os Estados recebam as receitas essenciais

ao atendimento das políticas públicas fundamentais à coletividade.

A cobrança dos tributos estaduais, em especial o ICMS, é de fundamental

importância para os Estados promoverem as políticas públicas essenciais à prestação de

serviços públicos à coletividade. Aqui se vislumbra não o interesse dos Estados, enquanto

entes públicos, mas, sim, o interesse coletivo, social, da comunidade. É uma questão de

interesse público indisponível a viabilização das fontes de recursos para que os Estados

possam cumprir o seu papel social.

Ademais, diferentemente do que entendeu o Judiciário quando da formação do

precedente da Súmula 323 do STF, os processos de execução fiscal em sua maioria são

frustrantes, porque os contribuintes executados mudam constantemente de endereço, na

maioria dos casos não possuem bens e, algumas vezes, fazem acordos de parcelamento,

confessam suas dívidas, porém não cumprem os acordos firmados, deixando os Estados

carentes de recursos essenciais à população.

Pois bem, os motivos ensejadores da Súmula 323 do STF, em especial a

argumentação no sentido de que os Estados teriam outros mecanismos para cobrança de seus

créditos, não se sustentam diante da realidade facilmente constatada na maioria dos Estados

da federação, em que os processos de execução fiscal são, em grande parte, fadados ao

insucesso.

Diante desse quadro, deve-se proceder a uma nova interpretação da referida

súmula, possibilitando a apreensão de mercadorias dentro dos limites previstos em lei

estadual, quando da fiscalização de mercadorias pelos auditores fiscais, atitude essa que

consagrará também o princípio da indisponibilidade do interesse público, a legalidade, a

igualdade, além de garantir a eficácia do princípio da separação de poderes.

CONCLUSÃO

Com o objetivo de contribuir para a recuperação de ativos tributários, essenciais à

consecução das políticas públicas, apresentamos as seguintes conclusões:

1- A Súmula 323 do Supremo Tribunal Federal, datada de 13 de dezembro de 1963,

que teve como precedente o Recurso Extraordinário nº 39.933, de 09.01.61

encontra-se defasada, motivo pelo qual se propõe a sua revisão de acordo com a

Constituição Federal de 1988 e as novas normas legais;

2- Os motivos ensejadores da Súmula 323 do STF, no sentido de que os Estados

teriam outros mecanismos para cobrança de seus créditos, não se sustentam diante

da realidade constatada na maioria dos Estados da federação, em que os processos

de execução fiscal são, em grande parte, fadados ao insucesso, de forma que se

propõe a sua reinterpretação;

3- Havendo previsão na Constituição dos Estados e nas respectivas leis tributárias

estaduais, em relação à apreensão de mercadorias que circulem sem documentação

fiscal idônea, propõe-se que seja afastada a aplicação da Súmula 323 do STF,

através dos recursos apropriados, bem como interlocução com o Judiciário, através

de visitas aos Juízes e Desembargadores;

4- A decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal na ADI 395/SP, pela

constitucionalidade do artigo 163, § 7º da Constituição do Estado de São Paulo,

representa um avanço na discussão do tema, qualificando-se como um importante

precedente para que os Estados possam propor Ação Declaratória de

Constitucionalidade das leis estaduais que prevêem a apreensão de mercadorias,

com fundamento no art. 103, inciso V, da Constituição Federal de 1988.

REFERÊNCIAS

BARROSO, Luís Roberto. Direito Constitucional Contemporâneo. 2ª Edição. Rio de

Janeiro: Saraiva, 2010

BRASIL. Código Tributário Nacional. Disponível em:

<http://www.receita.fazenda.gov.br/legislacao/codtributnaci/ctn.htm> Acesso em: 26 Ag.

2012.

BRASIL. Constituição (1989). Constituição do Estado de São Paulo. Disponível em:

http://www.al.sp.gov.br/repositorio/legislacao/constituicao/1989/constituicao%20de%2005.10

.19, 89.htm Acesso em: 26 Ag. 2012

BRASIL. Constituição (1988). Constituição Federal de 1988. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm>. Acesso em: 25 Ag.

2012.

BRASIL. Lei Complementar 87/96. Disponível em:

<http://www.sefaz.se.gov.br/> Acesso em: 27 Ag. 2012

BRASIL. Lei nº 3.796/1996 Disponível em:

<http://www.sefaz.se.gov.br/> Acesso em: 22 Ag. 2012

BRASIL. Lei nº 6.374/89 . Disponível em:

<http://info.fazenda.sp.gov.br/NXT/gateway.dll?f=templates&fn=default.htm&vid=sefaz_trib

utaria:vtribut> Acesso em: 22 Ag. 2012

BRASIL. Lei nº 6.763/75. Disponível em:

<http://www.fazenda.mg.gov.br/empresas/legislacao_tributaria/leis/lei_6763_1975_seca.pdf>

Acesso em: 22 Ag. 2012

BRASIL. Lei nº 7.014/1996. Disponível em:

<http://www.jusbrasil.com.br/legislacao/85871/lei-7014-96-bahia-ba> Acesso em: 22 Ag.

2012

BRASIL. Lei nº 10.297/1996. Disponível em:

http://200.19.215.13/legtrib_internet/index.html Acesso em: 22 Ag. 2012

BRASIL. Lei nº 11.580/1996. Disponível em:

< http://www.sefanet.pr.gov.br/dados/SEFADOCUMENTOS/7200511580.pdf> Acesso em:

22 Ag. 2012

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Disponível em:

<http://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/693682/segundo-recurso-extraordinario-re-

segundo-39933-al-stf.> Acesso em: 25 Ag. 2012.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Disponível em: http://jus.com.br/revista/texto/7563/a-

sumula-no-323-do-stf-e-a-apreensao-de-mercadorias-nas-autuacoes-tributarias Acesso em: 25

Ag. 2012.

BRASIL. Supremo Tribunal. Disponível em:

<http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp> Acesso em: 26 Ag. 2012

CANOTILHO, J. J. Gomes, Direito Constitucional, 3ª edição, Editora Almedina, 1999.

CARVALHO FILHO, José dos Santos, MANUAL DE DIREITO ADMINISTRATIVO,

19ª EDIÇÃO. Rio de Janeiro: Lumen Juris Editora. 2008.

HESSE, Kornad. Elementos de Direito Constitucional da Repúbica Federal da

Alemanha. Tradução de Luís Afonso Heck. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor,

1998.

LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 15ª edição. São Paulo: Saraiva,

2011.

MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet.

Curso de Direito Constitucional. 5ª edição. São Paulo: Saraiva, 2010.

MEZZOMO, Marcelo Colombelli. A Súmula nº 323 do STF e a apreensão de mercadorias

nas autuações tributárias. [on-line] Disponível na internet via

<http://jus.com.br/revista/texto/7563/a-sumula-no-323-do-stf-e-a-apreensao-de-mercadorias-

nas-autuacoes-tributarias> Arquivo capturado em 22.08.2012.

SILVA, DE PLACIDO E, Vocabulário Jurídico, 26ª edição. Atualizadores Nagib Slaibi

Filho e Gláucia Carvalho. Rio de Janeiro: Forense, 2006.