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USO E ABUSO DA SÚMULA 323 DO STF: UMA ANÁLISE
CRÍTICA À LUZ DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988
Tese elaborada para apresentação no XXXVIII
Congresso Nacional de Procuradores do Estado, a ser
realizado no período de 16 a 19 de outubro de 2012, na
cidade de Foz do Iguaçu
FOZ DO IGUAÇU
2012
RESUMO
O presente trabalho tem como escopo estudar o tema da apreensão de
mercadorias, cuja circulação ocorre sem documentação fiscal idônea, realizada pelos
auditores das Secretarias de Estado da Fazenda de todo o Brasil, com amparo nas Leis do
ICMS editadas pelos estados da federação, com o olhar voltado à Constituição Federal de
1988, apresentando questionamentos sobre o conceito de liberdade nela utilizado e fazendo
reflexões sobre a utilização indiscriminada da Súmula 323 do Supremo Tribunal Federal. O
enfoque é feito, também, tomando como parâmetro a análise do entendimento adotado pelo
STF, no julgamento da ADI 395/SP, do Estado de São Paulo, no sentido de que a apreensão
de mercadorias desacompanhadas de notas fiscais idôneas e sua retenção até a comprovação
da legitimidade da posse pelo proprietário, não configura constrangimento ao contribuinte no
exercício de sua atividade profissional, sendo interpretada essa apreensão como atribuição
inerente ao poder de polícia tributário, ou seja, fiscalização do cumprimento da legislação
tributária. Esse entendimento do STF é um grande exemplo para os Juízes e Tribunais de
Justiça dos Estado da federação, devendo servir como novo paradigma, a fim de que estes
revejam o atual posicionamento de conceder liminares em sede de Mandado de Segurança que
buscam a liberação de mercadorias apreendidas, com base no defasado precedente da Súmula
323 do STF. Busca-se, outrossim, comprovar que a garantia fundamental ao livre exercício de
qualquer trabalho, ofício ou profissão encontra limites nas legislações estaduais e que tais
limites são legítimos, devendo ser observados. Dessa forma, urge a revisão do precedente
criado com a Súmula 323 do STF, a fim de que a atividade vinculada do Estado, prevista nas
mais diversas legislações do ICMS, referente à apreensão de mercadorias, possa ser
efetivamente exercida, revigorando o princípio da separação de poderes, preservando a
República Federativa do Brasil.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO .....................................................................................................................3
1 ANÁLISE HISTÓRICA DA SÚMULA 323 DO STF.........................................................6
2 COEXISTÊNCIA DA SÚMULA 323 DO STF COM AS LEGISLAÇÕES
ESTADUAIS QUE PREVÊM A APREENSÃO DE MERCADORIAS..............................8
3 INCONSISTÊNCIA DOS ARGUMENTOS CONTRA A APREENSÃO DE
MERCADORIAS ...................................................................................................................17
4 EVIDENTE PREJUÍZO PARA O ESTADO/COLETIVIDADE COM A LIBERAÇÃO
DAS MERCADORIAS ..........................................................................................................23
CONCLUSÃO .....................................................................................................................24
INTRODUÇÃO
A discussão sobre a possibilidade de apreensão de mercadorias é um tema em
relação ao qual há entendimento sumulado no âmbito do Supremo Tribunal Federal, em face
da existência da Súmula 323, segundo a qual é inadmissível a apreensão de mercadorias como
meio coercitivo para pagamento de tributos.
Acontece que os Tribunais de Justiça dos Estados da federação aplicam
indiscriminadamente a referida súmula, sem uma observância dos casos concretos,
concedendo uma série de liminares em Mandado de Segurança em prol da liberação das
mercadorias.
No entanto, a questão não é tão simples como aparenta, existindo situações e
circunstâncias que justificam a apreensão de mercadorias pelos Estados, através dos
competentes auditores fiscais, que exercem sua competência funcional de forma vinculada e
com amparo na legislação tributária dos Estados. É preciso observar, nesse contexto, que a
Súmula 323 do STF fora editada em 13 de dezembro de 1963, de forma que a sua
interpretação conforme a Constituição Federal de 1988 é imperiosa.
As justificativas apresentadas pelos contribuintes para combater a apreensão
fazem alusão à Constituição Federal de 1988, principalmente aos seguintes artigos: artigo 5º,
XIII, referente à liberdade de exercício de qualquer profissão; artigo 5º, LIV, segundo o qual
ninguém será privado de seus bens sem o devido processo legal; artigo 5º, LV, que assegura o
contraditório e ampla defesa, em processo judicial ou administrativo; artigo 150, IV, que trata
da vedação da utilização do tributo com efeito de confisco; artigo 170, parágrafo único que
assegura a liberdade do exercício de qualquer atividade.
Ocorre, porém, que os princípios constitucionais invocados devem ser sopesados,
em uma interpretação sistemática e conforme a constituição, não havendo hierarquia entre as
normas constitucionais, de forma que a liberdade de iniciativa é tão constitucional quanto o
princípio da legalidade.
Nesse diapasão, observe-se que a administração pública dos Estados deve
obediência aos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência,
nos termos do art. 37, caput, da CF/881, de forma que a apreensão de mercadorias legitima-se
1 BRASIL. Constituição (1988). Constituição Federal de 1988. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm>. Acesso em: 25 Ag. 2012.
como obediência aos princípios aqui mencionados, além de ser uma manifestação do poder de
polícia tributário para combater a sonegação fiscal.
Há, ainda, que se observar, que o próprio Supremo Tribunal Federal, quando do
julgamento da ADI 395/SP, de relatoria da Ministra Cármen Lúcia, datada de 17.5.2007,
adotou entendimento favorável à apreensão de mercadorias, tendo decidido pela
constitucionalidade do artigo 163, § 7º, da Constituição do Estado de São Paulo, que prevê
expressamente essa possibilidade.
Dessa forma, o presente trabalho tem como escopo fazer uma análise dialética do
uso e abuso da Súmula 323 do STF pelos Juízes e Tribunais, bem como mostrar que a
interpretação da súmula está sendo equivocada no âmbito do Judiciário.
Impõe-se, na verdade, uma nova interpretação da súmula 323 do STF, a fim de
que esta seja adequada aos novos tempos, em especial em face da promulgação da
Constituição Federal de 1988, da Lei Complementar 87/96 (Lei Kandir), das Leis Estaduais
do ICMS e da edição da Lei nº 8.137/1990 que trata dos crimes contra a ordem tributária.
1 ANÁLISE HISTÓRICA DA SÚMULA 323 DO STF
Inicialmente, cumpre destacar que a Súmula 323 do STF, datada de 13 de
dezembro de 1963, teve como precedente o Recurso Extraordinário nº 39.933, de 09.01.612,
no qual se discutiu a inconstitucionalidade do artigo 75 do Código Tributário do Município de
Major Isidoro, em cuja decisão mencionava que os municípios não têm competência para
dispor sobre apreensão de mercadorias e bens como meio de forçar o pagamento de seus
tributos e multas, valendo transcrever o seguinte trecho do acórdão, que cita a decisão do
Tribunal do Estado de Alagoas, com intuito de possibilitar sua reconstrução histórica e um
melhor entendimento da matéria:
É vedado ao município, ainda que sob denominação de taxa, criar imposto não
incluído na sua competência tributária ou expressamente proibido pela Constituição.
Os municípios não têm competência para dispor sobre apreensão de
mercadorias ou bens como meio de forçar o pagamento de seus tributos e
multas. Inconstitucionalidade manifesta dos arts. 75, 25, § 1º e 26 do Código
Tributário de Major Isidoro relativos à taxa de Melhoria e a apreensão de
mercadorias ou bens para arrecadar dívidas fiscais. (destacamos)
2Disponível em: <http://www.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/693682/segundo-recurso-extraordinario-re-
segundo-39933-al-stf.>
No mesmo acórdão, cita-se também o parecer da Procuradoria Geral da
República, o qual entendeu não ser inconstitucional a taxa de melhoramentos, porém, em
relação à apreensão de mercadorias posicionou-se pela sua inconstitucionalidade:
(...)
No que diz à apreensão, como forma de cobrança de dívida fiscal, é manifesta a
ilegalidade do ato da corrente. Não lhe cabe, na espécie, fazer justiça de mão
própria se a lei estabelece a ação executiva fiscal para a cobrança da dívida ativa da
Fazenda Pública em geral. (destaque nosso)
Analisando o caso concreto, objeto do Recurso Extraordinário nº 39.933/61,
verifica-se que este não trata de apreensão de mercadorias em razão do seu trânsito
desacobertado de notas fiscais idôneas, mas, sim, apreensão de mercadorias pelo município,
como meio de forçar o pagamento de tributos e multas, daí porque é importante sua análise
histórica.
Seguindo o precedente acima citado, foi editada a Súmula 323 do STF, em
13/12/1963, com o seguinte teor: “É inadmissível a apreensão de mercadorias como meio
coercitivo para pagamento de tributos.”
É importante esclarecer, logo de início, seguindo o entendimento do Mestre
Marcelo Colombelli Mezzomo3 que a apreensão de mercadorias, quando da atividade de
fiscalização do ICMS, pelos auditores fiscais, traduz-se no exercício do poder de polícia
tributário, poder este que embasa as atividades administrativas da Fazenda, revelando-se em
um variado conjunto de medidas que objetivam viabilizar de forma eficaz os procedimentos
de fiscalização e apuração dos tributos.
No âmbito dos Estados, a legislação é cristalina e não permite a apreensão de
mercadorias como meio coercitivo para pagamento de tributos, mas, sim, apreensão, no
exercício do poder de polícia tributário, em decorrência de encontrar-se o contribuinte na
posse de mercadorias em situação irregular, ilegal, sem documento fiscal idôneo, de forma
que outra alternativa não resta à fiscalização senão a sua apreensão, até que a situação seja
regularizada e/ou esclarecida pelo contribuinte. Trata-se de um flagrante, onde o contribuinte
é encontrado sem os documentos que legitimam a posse das mercadorias em seu poder. Nessa
situação, a não apreensão dessas mercadorias pelo Auditor Fiscal contrariaria os princípios da
legalidade, moralidade e eficiência da administração pública, além de possibilitar a sonegação
3 MEZZOMO, Marcelo Colombelli. A Súmula nº 323 do STF e a apreensão de mercadorias nas autuações
tributárias. [on-line] Disponível na internet via <http://jus.com.br/revista/texto/7563/a-sumula-no-323-do-stf-e-
a-apreensao-de-mercadorias-nas-autuacoes-tributarias> Arquivo capturado em 22.08.2012.
fiscal porque não haveria como descobrir para onde as mercadorias estariam indo, nem,
tampouco, de onde teriam vindo.
Outra situação bem diversa é o caso de o contribuinte estar na posse de
mercadorias, com documentação fiscal idônea e estas serem objeto de apreensão em razão de
outros débitos para com o Estado, hipótese essa que não encontra amparo para a apreensão.
Ou seja, a apreensão de mercadorias qualifica-se como constrangimento e meio coercitivo
para pagamento de tributo, por exemplo, quando o contribuinte em débito tem suas
mercadorias apreendidas, mesmo quando acompanhadas de notas fiscais idôneas.
Analisando o argumento utilizado no Recurso Extraordinário nº 39.933, de
09.01.61, verifica-se que ele se concentra no fato de que o ente, no caso o Município de Major
Isidoro, possui outras alternativas para a cobrança do crédito tributário, através da ação
executiva fiscal.
Pois bem, a apreensão de mercadorias, no âmbito da fiscalização estadual, ocorre,
em geral, quando há um transporte desacobertado de nota fiscal idônea. Dessa forma, não há
como o Fisco Estadual formalizar a constituição do crédito tributário porque, muitas vezes,
não há como descobrir o remetente e o destinatário. As notas fiscais que apresentam esses
problemas, em muitos casos, provêm de contribuintes que tiveram suas inscrições estaduais
canceladas, ou contribuintes inexistentes, de forma que a futura ação de execução fiscal fica
comprometida, dando ensejo à sonegação fiscal.
Se em um momento inicial firmou-se o entendimento de que não poderia haver a
apreensão de mercadorias como meio coercitivo para pagamento de tributo, isso no ano de
1963, por outro lado, não se pode desconsiderar a evolução em termos de legislação tributária,
após a Constituição Federal de 1988, com especial destaque para a edição da Lei nº 8.137/90,
que em seu artigo 1º qualifica os crimes contra a ordem tributária, na modalidade de
supressão ou omissão de tributo, através da utilização de documentos falsos, entre eles nota
fiscal, de forma que a apreensão de mercadorias também se justifica como prova material do
referido crime, na forma aqui tipificada. Nesse caso, o tipo é claro: utilizar documento falso,
entre eles a nota fiscal.
É relevante destacar, outrossim, que a apreensão de mercadorias é ato vinculado
de autoridade, no exercício do poder de polícia tributário, acobertado pelo manto da
legalidade. É sob esse aspecto que se considera a manutenção da atual interpretação da
Súmula 323 do STF um atraso para a realização da justiça fiscal, apresentando-se como um
obstáculo ao combate à sonegação fiscal.
2 COEXISTÊNCIA DA SÚMULA 323 DO STF COM AS LEGISLAÇÕES
ESTADUAIS QUE PREVÊM A APREENSÃO DE MERCADORIAS
A reflexão trazida nesse tópico parte da observação do disposto no artigo 163, § 7º
da Constituição do Estado de São Paulo4, que representa um grande avanço na análise dessa
matéria, in verbis:
Artigo 163 - Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado
ao Estado:
V - estabelecer limitações ao tráfego de pessoas ou bens, por meio de tributo,
ressalvada a cobrança de pedágio pela utilização de vias conservadas pelo Poder
Público estadual;
§7º - Para os efeitos do inciso V, não se compreende como limitação ao tráfego de
bens a apreensão de mercadorias, quando desacompanhadas de documentação
fiscal idônea, hipótese em que ficarão retidas até a comprovação da legitimidade de
sua posse pelo proprietário. (destacamos)
O artigo 163, § 7º da Constituição do Estado de São Paulo foi objeto de Ação
Direta de Inconstitucionalidade, interposta pelo Conselho Federal da Ordem dos Advogados
do Brasil, ADI 395/SP, com relatoria da Ministra Carmen Lúcia. Com essa decisão, publicada
em 17 de maio de 2007, ficou evidenciada a possibilidade de apreensão de mercadorias,
demonstrando que a Súmula 323 do STF5 não pode ser aplicada indiscriminadamente:
EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ART. 163, § 7º,
DA CONSTITUIÇÃO DE SÃO PAULO: INOCORRÊNCIA DE SANÇÕES
POLÍTICAS. AUSÊNCIA DE AFRONTA AO ART. 5º, INC. XIII, DA
CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA.
1. A retenção da mercadoria, até a comprovação da posse legítima daquele que
a transporta, não constitui coação imposta em desrespeito ao princípio do
devido processo legal tributário.
2. Ao garantir o livre exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão, o art.
5º, inc. XIII, da Constituição da República não o faz de forma absoluta, pelo
que a observância dos recolhimentos tributários no desempenho dessas
atividades impõe-se legal e legitimamente.
3. A hipótese de retenção temporária de mercadorias prevista no art. 163, § 7º,
da Constituição de São Paulo é providência para a fiscalização do cumprimento
da legislação tributária nesse território e consubstancia exercício do poder de
polícia da Administração Pública Fazendária, estabelecida legalmente para os
casos de ilícito tributário. Inexiste, por isso mesmo, a alegada coação indireta
do contribuinte para satisfazer débitos com a Fazenda Pública.
4. Ação Direta de Inconstitucionalidade julgada improcedente. (destacamos)
4 BRASIL. Constituição (1989). Constituição do Estado de São Paulo. Disponível em:
http://www.al.sp.gov.br/repositorio/legislacao/constituicao/1989/constituicao%20de%2005.10.19, 89.htm
Acesso em: 26 Ag. 2012 5 BRASIL. Supremo Tribunal. Disponível em:
<http://www.stf.jus.br/portal/processo/verProcessoAndamento.asp> Acesso em: 26 Ag. 2012
Nesse contexto, é importante ressaltar que vários Estados da federação possuem,
no texto da legislação tributária estadual, relativa ao ICMS, dispositivo expresso referente à
possibilidade de apreensão de mercadorias por parte dos Auditores Fiscais, valendo trazer
aqui alguns exemplos:
A Lei nº 6.374/896, do Estado de São Paulo, prevê a possibilidade de apreensão de
mercadorias e documentos fiscais, nos artigos 77 a 80, valendo destacar aqui o texto do artigo
77:
Artigo 77 - Ficam sujeitos à apreensão os bens e mercadorias que constituam
prova material de infração à legislação tributária.
§ 1º - A apreensão pode ser feita, ainda, nos seguintes casos:
1 - quando transportadas ou encontradas mercadorias sem as vias dos
documentos fiscais ou de qualquer outro documento exigido pela legislação, que
devam acompanhá-las, inclusive na hipótese do § 2º do artigo 75, ou quando
encontradas em local diverso do indicado na documentação fiscal;
2 - quando haja evidência de fraude, relativamente aos documentos que as
acompanhem no seu transporte;
3 - quando estejam em poder de contribuinte que não prove a regularidade de
sua inscrição no cadastro de contribuintes;
4 - quando estejam em poder de contribuinte habitualmente inadimplente com
o recolhimento do imposto, conforme disposto em regulamento.
§ 2º - Havendo prova ou suspeita fundada de que o bem ou mercadoria que objetive
a comprovação da infração se encontre em residência particular ou em outro local a
que a fiscalização não tenha livre acesso, devem ser promovidas buscas e apreensões
judiciais, sem prejuízo das medidas necessárias para evitar sua remoção sem
anuência do fisco.
O Estado de Minas Gerais, através da Lei nº 6.763/757, atualizada até a Lei nº
19.999, de 30/12/2011, traz previsão expressa de apreensão em seu artigo 42, com o seguinte
teor:
Das Mercadorias e Efeitos Fiscais em Situação Irregular
Art. 42 - Dar-se-á a apreensão de mercadorias quando:
I - transportadas ou encontradas sem os documentos fiscais;
(234) II - acobertadas por documentação fiscal falsa ou ideologicamente falsa;
(186) III - transportadas ou encontradas com documento fiscal que indique
remetente ou destinatário que não estejam no exercício regular de suas
atividades; (negritamos)
6BRASIL. Lei nº 6.374/89 . Disponível em:
<http://info.fazenda.sp.gov.br/NXT/gateway.dll?f=templates&fn=default.htm&vid=sefaz_tributaria:vtribut>
Acesso em: 22 Ag. 2012 7BRASIL. Lei nº 6.763/75. Disponível em:
<http://www.fazenda.mg.gov.br/empresas/legislacao_tributaria/leis/lei_6763_1975_seca.pdf> Acesso em: 22
Ag. 2012
O Estado da Bahia, através da Lei nº 7.014, de 04 de dezembro de 19968 prevê a
apreensão de mercadorias em situação irregular no território baiano, da seguinte forma:
Art. 40 - Constitui infração relativa ao ICMS a inobservância de qualquer
disposição contida na legislação deste tributo, especialmente das previstas no art. 42
desta Lei.
§ 1º - (...)
(...)
§ 5º - A mercadoria, bem, livro ou documento em situação irregular serão
apreendidos pelo fisco, mediante emissão de termo próprio, destinado a
documentar a infração cometida, para efeito de constituição de prova material do
fato. (negrito nosso)
No Estado de Sergipe, a lei nº 3.796/969 (Lei estadual do ICMS), dispõe sobre a
apreensão de mercadorias, livros e documentos, em seu art. 58, in verbis:
Art. 58. Os Funcionários do Fisco Estadual, no exercício dos respectivos cargos,
poderão apreender mercadorias, livros e documentos, como prova material de
infração, lavrando termo de apreensão e de depósito (...) (grifamos).
No Estado do Paraná, a Lei nº 11.580/9610
, atualizada pela Lei nº 16.370, de
29/12/2009, dispõe sobre a possibilidade de apreensão, em seu art. 56, inciso II, nos seguintes
termos:
II - INÍCIO DO PROCEDIMENTO FISCAL
O procedimento fiscal considera-se iniciado:
a) por termo de início de fiscalização, cientificado o sujeito passivo, seu
representante ou preposto;
b) pelo ato de apreensão de quaisquer bens ou mercadorias, ou de retenção de
documentos ou livros comerciais e fiscais;
c) por qualquer outro ato escrito, praticado por servidor competente, no exercício de
sua atividade funcional, desde que cientificado do ato o sujeito passivo, seu
representante ou preposto; (destacamos)
No Estado de Santa Catarina, através da Lei nº 10.297/9611
utilizando-se o termo
“retenção”, observa-se também a previsão de apreensão de mercadorias, em seu art. 96, o qual
expressa, in literis:
Art. 96. As mercadorias transportadas ou estocadas sem documentação fiscal
ou com documentação fraudulenta poderão ser retidas em depósito até a
8BRASIL. Lei nº 7.014/1996 Disponível em:
<http://www.jusbrasil.com.br/legislacao/85871/lei-7014-96-bahia-ba> Acesso em: 22 Ag. 2012 9 BRASIL. Lei nº 3.796/1996 Disponível em:
<http://www.sefaz.se.gov.br/> Acesso em: 22 Ag. 2012 10
BRASIL. Lei nº 11.580/1996 Disponível em:
< http://www.sefanet.pr.gov.br/dados/SEFADOCUMENTOS/7200511580.pdf> Acesso em: 22 Ag. 2012 11
BRASIL. Lei nº 10.297/1996 Disponível em:
http://200.19.215.13/legtrib_internet/index.html Acesso em: 22 Ag. 2012
identificação do seu proprietário, que poderá levantá-las, mediante assunção de
responsabilidade pelo crédito tributário, caso em que contra ele será lavrada a
notificação. (destaque nosso)
A citação expressa dos referidos dispositivos legais, todos eles integrantes das
respectivas Leis do ICMS, editadas nos Estados da federação acima mencionados, após a
edição da Constituição Federal de 1988, tem como escopo demonstrar que o instituto da
apreensão de mercadorias, tal como foi desenhado pelos Estados, não atenta contra os
princípios constitucionais, mas, em contrapartida, fazem parte de toda uma conjuntura
nacional que visa o combate à sonegação fiscal.
Os referidos dispositivos legais encontram-se em plena eficácia, nunca foram
objeto de ação de inconstitucionalidade, nem tampouco a tiveram incidentalmente declarada,
de forma que a sua não observância acarretaria a responsabilidade funcional da autoridade
fiscal.
A ação fiscal empreendida pelos auditores fiscais, nos mais diversos Estados
brasileiros, é normalmente efetivada de forma criteriosa, seguindo rigidamente os ditames
legais, não podendo ser dispensada a exigência do crédito fiscal respectivo, sob pena de
responsabilidade funcional, conforme prevê literalmente o Código Tributário Nacional12
, em
seus artigos 141 e 142, parágrafo único.
Quando os Auditores Fiscais, no exercício de suas competências fiscalizadoras,
deparam-se com fatos tais como as hipóteses descritas nas respectivas leis estaduais, as quais
impõem a atitude de apreender as mercadorias em situação irregular, não podem agir de forma
diferente, sob pena de violar os princípios da legalidade, bem como o princípio da igualdade.
O princípio da legalidade constitui um direito fundamental do cidadão o qual se
encontra entre as garantias fundamentais constantes do art. 5º, II, da CF/8813
, segundo o qual
“ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”.
Deve-se lembrar que todos os contribuintes do ICMS que tiverem uma das condutas descritas
nas leis, ensejadoras de apreensão de mercadorias, estarão enquadrados nos referidos
12
BRASIL. Código Tributário Nacional. Disponível em:
<http://www.receita.fazenda.gov.br/legislacao/codtributnaci/ctn.htm> Acesso em: 26 Ag. 2012.
Art. 141- O crédito tributário regularmente constituído somente se modifica ou se extingue, ou tem sua
exigibilidade suspensa ou excluída, nos casos previstos nesta Lei, fora dos quais não podem ser dispensadas, sob
pena de responsabilidade funcional na forma da lei, a sua efetivação ou as respectivas garantias.
Art. 142- ...
(...)
Parágrafo único- A atividade administrativa de lançamento é plenamente vinculada e obrigatória, sob pena de
responsabilidade administrativa. 13
BRASIL. Constituição Federal de 1988. Ob. Cit.
dispositivos legais e sujeitos às conseqüências previstas, entre elas a apreensão de
mercadorias.
Além de ser um direito, a legalidade é um dos princípios norteadores da
administração pública, como já mencionado acima, consubstanciado no art. 37, caput, da
Carta Magna de 1988. Dessa forma, em estrita obediência ao princípio da legalidade,
especificamente a legislação tributária dos Estados, os Auditores Fiscais têm obrigação de
efetivar a apreensão, uma vez que outra conduta não seria possível. Não se trata de uma
faculdade, tampouco do poder discricionário da administração, mas, sim, de uma atividade
vinculada, como se verifica do art. 142, parágrafo único do CTN, de forma que outra conduta
não se pode esperar do Auditor Fiscal. Nesse sentido os ensinamentos do Insigne Mestre José
dos Santos Carvalho Filho14
, quando leciona:
ATIVIDADES VINCULADAS – Há atividades administrativas cuja execução
fica inteiramente definida na lei. Dispõe esta sobre todos os elementos do ato a
ser praticado pelo agente. A este não é concedida qualquer liberdade quanto à
atividade a ser desempenhada e, por isso, deve submeter-se por inteiro ao
mandamento legal.
O desempenho de tal tipo de atividade é feito através da prática de atos
vinculados, diversamente do que sucede no poder discricionário, permissivo da
prática de atos discricionários. O que se distingue é a liberdade de ação. Ao
praticar atos vinculados, o agente limita-se a reproduzir os elementos da lei que
os compõem, sem qualquer avaliação sobre a conveniência e oportunidade da
conduta. O mesmo já não ocorre quando pratica atos discricionários, como visto
anteriormente. (destacamos)
Sobre o tema, vale ressaltar, também, que o controle judicial, quando se trata de
atos discricionários, não permite que o Juiz substitua o legislador, no dizer do mestre já
citado, José dos Santos Carvalho Filho, muito menos quando se trata de atos vinculados, em
que há expressa previsão legal. A exacerbação desse tipo de controle, tal como feito através
da súmula 323 do STF, ofende o princípio republicano da separação de Poderes, cujo axioma
fundamental é o do equilíbrio entre eles, através do sistema de freios e contra pesos15
.
Como já mencionado no tópico anterior, a Constituição Federal de 1988 é
cristalina ao consagrar os princípios da legalidade e igualdade, em relação ao direito
tributário, de forma que a atividade vinculada, exercida pela fiscalização dos Estados, no
sentido de promover a apreensão de mercadorias, quando objeto de circulação sem
14
CARVALHO FILHO, José dos Santos. MANUAL DE DIREITO ADMINISTRATIVO, 19ª EDIÇÃO. Rio
de Janeiro: Lumen Juris, 2008. p. 44. 15
CARVALHO FILHO, José dos Santos, ob. cit. p. 45.
documentação fiscal idônea, é uma atitude legítima, legal, que busca evitar a evasão de
tributos e o próprio enriquecimento ilícito.
Trata-se da utilização de uma prerrogativa típica do ente público, consubstanciada
no poder de polícia previsto no CTN, que consiste em limitar relativamente o uso de
determinados bens, com fundamento no interesse público da arrecadação, incumbindo aos
Estados proceder às apreensões de mercadorias que transitam irregularmente. Essa ação não
se identifica com a pretensão de confisco de bens, mas, sim, com a busca de medidas judiciais
garantidoras da eficácia da fiscalização dos tributos estaduais e combate à sonegação fiscal.
A apreensão de mercadorias tem como principal objetivo identificar os sujeitos
envolvidos na operação de transporte de mercadorias, objeto de fiscalização: remetente,
destinatário, transportador, de forma que esta não viola o princípio constitucional do livre
exercício do comércio.
O que se verifica, na prática, é que alguns Juízes e Desembargadores entendem ser
a apreensão ilegal por se limitarem a uma interpretação e aplicação impensada, irrefletida e
automática da Súmula 323 do STF. No entanto, a medida extrema de apreensão das
mercadorias, pelos auditores fiscais dos Estados, só ocorre em casos excepcionais, a exemplo
de mercadoria desacompanhada de documentação fiscal idônea, como se verifica dos textos
legais acima transcritos. Vê-se, portanto, que os motivos determinantes da apreensão residem
na necessidade de provar a materialidade do fato ilícito, não se constituindo, portanto, meio
coercitivo para pagamento do tributo. No ato de apreender mercadorias, a autoridade fiscal
procede de acordo e no estrito cumprimento da lei, mais especificamente, em obediência à lei
instituidora do ICMS.
Observa-se que muitos contribuintes ingressam com ação de Mandado de
Segurança objetivando a liberação das mercadorias apreendidas e freqüentemente são
beneficiados com a concessão de liminares. Apesar de não ser o Mandado de Segurança a via
adequada para discutir e abrir dilação de provas, apesar de as mercadorias serem apreendidas
apenas com o objetivo de materialização da infração, em função de serem transportadas sem
documentação fiscal idônea, ainda assim os magistrados e, por vezes, os próprios tribunais
estaduais concedem liminares e julgam procedentes as referidas ações.
A concessão de liminar para liberação de mercadorias apreendidas, com base na
Súmula 323 do STF, é um verdadeiro desastre para a atuação fiscal, uma vez que as
mercadorias devem ser imediatamente liberadas, sob pena de pagamento de multa diária, fato
este que inviabiliza a fiscalização do cumprimento da legislação tributária nos territórios dos
estados e impede o exercício do poder de polícia da Administração Pública Fazendária,
estabelecida legalmente para os casos de ilícito tributário.
Além das legislações tributárias estaduais, a Lei Complementar 87/96, em seu
artigo 11, inciso I, alínea b16
, define como local da operação ou prestação, para os efeitos da
cobrança do imposto e definição do estabelecimento responsável, onde esta se encontre,
quando em situação irregular, pela falta de documentação fiscal ou quando acompanhada de
documentação inidônea, situação esta que enseja a apreensão de mercadorias por parte dos
auditores fiscais dos Estados. Ou seja, mesmo não havendo dispositivo expresso na lei
estadual, a lei complementar 87/96, no em seu art. 11, acoberta essa possibilidade.
A previsão da Lei Complementar constitui uma prerrogativa da fiscalização dos
estados no sentido de proceder à fiscalização das mercadorias onde elas se encontrem, a fim
de possibilitar a correta realização da operação de circulação de mercadorias. Subtrair da
fiscalização estadual o seu poder de polícia tributário, consubstanciado na apreensão de
mercadorias em situação irregular, seria o mesmo que desarmar a polícia que realiza a
segurança pública.
Dessa forma, a Súmula 323 do STF não pode ser interpretada no sentido de coibir
a apreensão de mercadorias quando existe na Constituição do Estado e/ou na legislação
tributária estadual a sua expressa previsão. Havendo na lei do ICMS dispositivo expresso
relativo à apreensão de mercadorias, esta deve ser albergada pelo Poder Judiciário, sob pena
de flagrante violação aos princípios da legalidade e da separação de poderes. Não se pode
olvidar que a lei advém do Poder Legislativo, cuja origem democrática se encontra no próprio
povo, que elegeu seus representantes através do voto popular. Nesse sentido os ensinamentos
do Mestre Canotilho17
quando analisa o princípio da legalidade em seu aspecto democrático:
O princípio da legalidade da administração, sobre o qual insistiu sempre a teoria do
direito público e a doutrina da separação dos poderes, foi erigido, muitas vezes, em
<cerne essencial> do Estado de direito. Postulava, por sua vez, dois princípios
fundamentais: o princípio da supremacia ou prevalência da lei (Vorrang des
Gesetzes) e o princípio da reserva da lei (Vorbehalt des Gesetzes). Estes princípios
16
Art. 11. O local da operação ou da prestação, para os efeitos da cobrança do imposto e definição do
estabelecimento responsável, é:
I - tratando-se de mercadoria ou bem:
a) ...
b) onde se encontre, quando em situação irregular pela falta de documentação fiscal ou quando acompanhado de
documentação inidônea, como dispuser a legislação tributária; BRASIL, Lei Complementar 87/96 Disponível
em: <http://www.sefaz.se.gov.br/> Acesso em: 27 Ag. 2012 17
CANOTILHO, J. J. Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição. 3ª edição. Coimbra:
Almedina, 1999. p. 251.
permanecem válidos, pois num Estado democrático-constitucional a lei
parlamentar é, ainda, a expressão privilegiada do princípio democrático (daí a
sua supremacia) e o instrumento mais apropriado e seguro para definir os
regimes de certas matérias, sobretudo dos direitos fundamentais e da
vertebração democrática do Estado (daí a reserva da lei). (destacamos)
A ideia da lei como expressão da democracia remete-nos ao princípio da
separação dos Poderes, que inclusive constitui cláusula pétrea, consubstanciada no art. 60, §
4º, inciso III, da Carta Magna de 1988. Os Poderes da União encontram-se expressamente
previstos no artigo 2º da CF/88, quais sejam, o Legislativo, o Executivo e o Judiciário. A
Constituição Federal de 1988 dedica o Título IV à Organização dos Poderes, nele destacando
o capítulo I ao Poder Legislativo. A iniciativa das leis é competência do Congresso Nacional e
Senado, a nível federal, das Assembléias Legislativas, a nível estadual e das Câmaras de
Vereadores, a nível municipal.
A composição das Assembléias Legislativas dos Estados é fruto da soberania
popular, que através do voto direto e secreto elege os seus representantes, dando vida ao
estado democrático de direito que constitui a República Federativa do Brasil. Esses aspectos
do processo legislativo estão sendo aqui lembrados com o escopo de ressaltar a legitimidade
das leis e, no caso concreto, das leis do ICMS aqui citadas, que preveem a apreensão de
mercadorias, dentro de casos específicos, como forma de realizar o poder de polícia tributário.
No dizer de Gilmar Ferreira Mendes18
:
4.6.2. A separação de Poderes
O desenho da separação de Poderes como concebido pelo constituinte originário é
importante. A emenda que suprimia a independência de um dos Poderes ou que lhe
estorve a autonomia é imprópria.
Dessa forma, a invocação da Súmula 323 do STF, como fundamento na liberação
de mercadorias, através da concessão de liminares em mandado de segurança, configura um
verdadeiro atentado à separação de poderes, uma interferência ilegítima que deve ser
urgentemente repensada e combatida. Nesse contexto, tem relevância a decisão do STF, na
Ação de Inconstitucionalidade nº 395/SP, que se posicionou pela constitucionalidade do
artigo 163, § 7º da Constituição do Estado de São Paulo, segundo o qual não se compreende
como limitação ao tráfego de bens a apreensão de mercadorias, quando desacompanhadas de
documentação fiscal idônea.
18
MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de
Direito Constitucional. 5ª edição. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 299.
É exatamente esse o teor das legislações tributárias estaduais que preveem a
possibilidade de apreensão de mercadorias, quando desacompanhadas de nota fiscal ou sem
nota fiscal idônea, de forma que a Súmula 323 do STF deve ter uma nova interpretação, a fim
de explicitar o novo entendimento do Supremo.
Nesse sentido, havendo previsão na Constituição dos Estados e nas respectivas
leis do ICMS, não há como aplicar a Súmula 323 do STF, na forma como vem sendo
interpretada pelos Juízes e Tribunais, a qual apenas em casos restritos e específicos pode ser
invocada. Daí porque se impõe a revisão da Súmula 323 do STF, como imperativo do
interesse público, não podendo subsistir esse precedente quando o Estado pretende exercer
uma ação séria de combate à sonegação fiscal.
3 INCONSISTÊNCIA DOS ARGUMENTOS CONTRA A APREENSÃO DE
MERCADORIAS
Nesse tópico, analisaremos os principais argumentos utilizados pelos
contribuintes no combate à apreensão de mercadorias. É importante observar que os direitos
invocados para contrapor a possibilidade de apreensão de mercadorias não são absolutos e
ilimitados, embora alguns deles se encontrem nos incisos do artigo 5º da Constituição Federal
de 198819
, referentes aos direitos fundamentais.
Além disso, os princípios constitucionais utilizados pelos contribuintes devem ser
analisados em conformidade com outros princípios, não menos importantes, valendo trazer
aqui os ensinamentos doutrinários de Luís Roberto Barroso20
:
O problema maior associado ao princípio da unidade não diz respeito aos conflitos
que surgem entre as normas infraconstitucionais ou entre estas e a Constituição, mas
sim às tensões que se estabelecem dentro da própria Constituição. De fato, a
Constituição é um documento dialético, fruto do debate e da composição
política. Como conseqüência, abriga no seu corpo valores e interesses
contrapostos. A livre iniciativa é um princípio que entra em rota de colisão, por
exemplo, com a proteção do consumidor ou com restrições ao capital estrangeiro.
Desenvolvimento pode confrontar-se com proteção do meio ambiente. Direitos
fundamentais interferem entre si, por vezes em casos extremos, como ocorre no
choque entre liberdade religiosa e direito à vida ou na hipótese de recusa de certos
tratamentos médicos, como transfusões de sangue, sustentada pelos fiéis de
determinadas confissões. Nesses casos, como intuitivo, a solução das colisões entre
normas não pode beneficiar-se, de maneira significativa, dos critérios tradicionais.
Em primeiro lugar, e acima de tudo, porque inexiste hierarquia entre normas
constitucionais. Embora se possa cogitar de certa hierarquia axiológica, tendo em
vista determinados valores que seriam, em tese, mais elevados – como a dignidade
19
BRASIL. Constituição Federal de 1988. Ob. Cit. 20
BARROSO, Luís Roberto. Direito Constitucional Contemporâneo. 2ª Edição. Rio de Janeiro: Saraiva,
2010. p. 303-304.
da pessoa humana ou o direito à vida – a Constituição contém previsões de privação
da liberdade (art. 5º XLVI, a) e até a pena de morte (art. 5º, XLVII, a). Não é
possível, no entanto, afirmar a inconstituicionalidade dessas disposições, frutos da
mesma vontade constituinte originária. Por essa razão, uma norma constitucional
não pode ser inconstitucional em face de outra. (destaques nossos)
Passemos agora à análise dos dispositivos mencionados com maior freqüência:
Artigo 5º, XIII, da CF/88, referente à liberdade de exercício de qualquer
profissão. Em relação a esse artigo, deve-se analisar que a apreensão de mercadorias que
circulam sem documentação fiscal idônea em nada atenta à liberdade de exercício
profissional. É evidente que o contribuinte, o empresário, o dono de mercadorias não tem o
direito, tampouco a liberdade de transitar com esses bens sem as respectivas notas fiscais. A
própria Constituição Federal de 1988, em seu art. 155, inciso XII, alínea d, dispõe que cabe à
lei complementar fixar, para efeitos de cobrança do ICMS e definição do estabelecimento
responsável, o local das operações relativas à circulação de mercadorias e das prestações de
serviços e foi justamente isso que fez a Lei Complementar 87/96, no artigo 11, alínea b, acima
mencionado, em relação às mercadorias que se encontrem em situação irregular pela falta de
documentação fiscal ou quando acompanhadas de documentação inidônea, como dispuser a
legislação tributária dos Estados.
Vê-se, portanto, que a liberdade de exercício de qualquer profissão deve ser
interpretada em consonância com outros dispositivos da própria Constituição Federal, em
especial o princípio da legalidade, de forma que no exercício do comércio, ao efetivar a
circulação de mercadorias, o contribuinte está sujeito à emissão dos documentos fiscais e ao
pagamento do imposto, de competência estadual, o ICMS, previsto no art. 155, II, da CF/88,
obedecendo, via de conseqüência, às disposições constantes da Lei Complementar 87/96, bem
como às exigências das respectivas legislações estaduais.
No dizer de Konrad Hesse21
, quando estuda a Lei Fundamental Alemã, no
capítudo dos “Direitos de liberdade”, o limite à liberdade é admissível com base na existência
de lei formal sobre a matéria e é justamente o que acontece com o caso da apreensão de
mercadorias, em que as leis tributárias dos Estados da federação prevêem expressamente essa
limitação. Em suas palavras:
A importância principal dessa determinação está em ambas as primeiras alíneas.
Segundo a alínea 1, limitações de liberdade são admissíveis somente com base
21
HESSE, Kornad. Elementos de Direito Constitucional da Repúbica Federal da Alemanha. Tradução de
Luís Afonso Heck. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 1998. p. 292.
em uma lei formal e somente sob consideração das formas nela previstas. Para
cada prejuízo à liberdade de movimento corporal, não só para a privação da
liberdade, é necessária, por conseguinte, uma lei decidida pelos corpos
legislativos. Ela mesma deve determinar modo e medida da restrição de liberdade,
enquanto especificações do tipo legal podem ficar a cargo da regulação por
regulamento; o recurso a direito costumeiro é inadmissível. Se esses pressupostos,
todavia, estão cumpridos, então podem, tanto órgãos do poder judiciário como tais
do poder executivo, restringir a liverade de movimento corporal. (negritamos)
Dessa forma, a invocação do referido dispositivo constitucional não tem o condão
de afastar a possibilidade de apreensão de mercadorias, quando feita dentro dos próprios
limites estabelecidos nas legislações dos Estados.
Artigo 5º, XXII, da CF/88, que garante o direito de propriedade. A propriedade
de bens é um direito constitucionalmente garantido, mas isso não dá ensejo a legalizar, por
exemplo, a propriedade de bens objeto de furto, roubo ou apropriação indébita. Também o
direito à propriedade sofre limitações previstas no próprio texto constitucional, que deverá
atender à sua função social. Observa-se que esse dispositivo é citado de forma genérica pelos
contribuintes levando os juízes e desembargadores a aceitarem-nos sem a devida
fundamentação. Em todos os comentários sobre o direito de propriedade, não se vê a
abordagem do direito de propriedade em relação a bens que não estejam acobertados pelos
respectivos documentos, de forma que esse inciso não pode e não deve ser invocado em
relação a mercadorias que estejam sem documentação idônea.
Deixar de apreender as mercadorias que não se encontram acobertadas pelas
respectivas notas fiscais é abdicar do poder de polícia tributário e incorrer em
responsabilidade funcional, inteligência do acima citado artigo 142, parágrafo único do
CTN22
. Para demonstrar que o direito de propriedade não é absoluto e não se relaciona ao
caso específico de mercadorias em trânsito, trazemos as reflexões do Mestre Pedro Lenza23
:
Como regra geral, assegura-se o direito de propriedade, que deverá atender à sua
função social, nos exatos termos dos arts. 182, § 2º, e 186 da CF/88.
Esse direito não é absoluto, visto que a propriedade poderá ser desapropriada
por necessidade ou utilidade pública e, desde que esteja cumprindo sua função
social, será paga justa e prévia indenização em dinheiro (art. 5º, XXIV).
(destacamos)
É evidente que o artigo citado pelos contribuintes em suas defesas refere-se muito
mais à propriedade imóvel do que aos bens que circulam e são objeto de apreensão pelos
auditores fiscais. O referido dispositivo constitucional é trazido pelos contribuintes, em seus
22
BRASIL. Código Tributário Nacional. Ob. Cit. 23
LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 15ª edição. São Paulo: Saraiva, 2011. p. 895.
Mandados de Segurança, sendo um argumento frágil e genérico, aceito por magistrados e
desembargadores quando não procedem a uma análise cuidadosa do caso concreto.
Artigo 5º, LIV, da CF/88, segundo o qual ninguém será privado da liberdade ou
de seus bens sem o devido processo legal e Artigo 5º, LV, da CF/88, que assegura o
contraditório e a ampla defesa, em processo judicial ou administrativo, também invocado
equivocadamente. Analisaremos as disposições constantes dos dois incisos conjuntamente,
em razão de sua grande intimidade.
É evidente que a privação dos bens da pessoa deve obedecer ao devido processo
legal e quanto a isso não se discute. Ocorre, porém, que a invocação do Devido Processo
Legal é totalmente equivocada, uma vez que o procedimento de apreensão é um ato
administrativo vinculado, anterior à existência de um processo judicial, utilizado
exclusivamente no exercício do poder de polícia tributário e que não retira do contribuinte o
direito de se levar a questão à análise do Judiciário. O Devido Processo Legal caracteriza-se
por ser um direito de se poder levar uma questão aos tribunais com base em leis ou normas
constitucionais e não o direto de tê-la reconhecida, como pretendem os contribuintes.
É relevante destacar que em situações excepcionais, encontra amparo legal a
privação temporária dos bens, quando estes são objeto de circulação sem documentação fiscal
idônea. A apreensão de mercadorias é uma atitude extrema e excepcional, utilizada na
hipótese de flagrante de circulação de mercadoria sem a devida documentação fiscal. O
contribuinte do ICMS tem conhecimento de que a circulação de mercadorias obedece a regras
próprias, com o cumprimento de obrigações principais e acessórias, entre as quais a emissão
de nota fiscal para acobertar a circulação e o respectivo pagamento do tributo devido.
Vê-se, portanto, que a linha de raciocínio utilizada pelo contribuinte tem como
escopo unicamente confundir o órgão julgador, afastando-se de uma interpretação coerente
em relação a um princípio constitucional que possui grande relevância, como bem esclarece o
Dr. Gilmar Ferreira Mendes24
, ao comentar suas hipóteses configuradoras:
É provável que a garantia do devido processo legal configure uma das mais amplas e
relevantes garantias do direito constitucional, se considerarmos a sua aplicação nas
relações de caráter processual e nas relações de caráter material (princípio da
proporcionalidade/direito substantivo). Todavia, no âmbito das garantias do
processo é que o devido processo legal assume uma amplitude inigualável e um
significado ímpar como postulado que traduz uma série de garantias hoje
devidamente especificadas e especializadas nas várias ordens jurídicas. Assim,
cogita-se de devido processo legal quando se fala de (1) direito ao contraditório e à
24
MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Ob. Cit. p. 745.
ampla defesa, de (2) direito ao juiz natural, de (3) direito a não ser processado e
condenado com base em prova ilícita, de (4) direito a não ser preso senão por
determinação da autoridade competente e na forma estabelecida pela ordem jurídica.
(negrito nosso)
Vê-se que as hipóteses destacadas pelo Insigne Mestre não se identificam com a
apreensão de mercadorias em trânsito. É relevante destacar que o contribuinte tem todo o
direito assegurado de apresentar os documentos fiscais idôneos e terá imediatamente suas
mercadorias liberadas. Acontece que quando a apreensão ocorre, o contribuinte não tem
documentação idônea, de forma que ele mesmo não tem como exercer sua ampla defesa,
tampouco o contraditório. Dessa forma, utiliza-se do remédio constitucional do Mandado de
Segurança e é beneficiado com a concessão de liminares, em prejuízo aos outros contribuintes
que emitem documentação fiscal e promovem a circulação das mercadorias, acompanhadas
das respectivas notas fiscais. Dessa forma, verifica-se que essa atitude do contribuinte
configura, também, uma violação à livre concorrência, que tem regras próprias e encontra
amparo constitucional no artigo 170, IV, da Carta Magna.
Destarte, a apreensão de mercadorias não viola o devido processo legal, que é
devidamente observado, tanto no processo administrativo fiscal, quanto judicialmente.
Utilizar esse argumento é puro sofisma, com o único intuito de praticar a sonegação fiscal.
Permitir a liberação dessas mercadorias é violar o princípio da igualdade, consubstanciado no
art. 150, II, da Carta Magna de 198825
, uma vez que todos os contribuintes do ICMS que
transitam com suas mercadorias são obrigados a apresentar a respectiva nota fiscal quando
abordados.
Artigo 150, IV, da CF/88, que trata da vedação da utilização do tributo com efeito
de confisco. Para ficar bem claro que não há qualquer intenção de confisco, vale transcrever
aqui o significado do termo confisco26
:
CONFISCO. Ou confiscação, é vocábulo que se deriva do latim confiscatio,
de confiscare, tendo o sentido de ato pelo qual se apreendem e se adjudicam
ao fisco bens pertencentes a outrem, por ato administrativo ou por sentença
judiciária, fundados em lei. Em regra, pois, o confisco se indica uma punição.
25
Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao
Distrito Federal e aos Municípios:
I - ...
II - instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida
qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da
denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos; 26
SILVA, DE PLACIDO E. Vocabulário Jurídico, 26ª edição. Atualizadores Nagib Slaibi Filho e Gláucia
Carvalho. Rio de Janeiro: Forense, 2006. p. 342.
Quer isto dizer que sua imposição, ou decretação, decorre da evidência de
crimes ou contravenções praticadas por uma pessoa, em virtude do que, além
de outras sanções, impõe a lei a perda de todos ou parte dos bens em seu
poder, em proveito do erário público. (destacamos)
A apreensão de mercadorias, realizada pelos Estados, através de seus auditores
fiscais, não se identifica com o confisco uma vez que não há a transmissão da propriedade
mas, tão somente, a retirada provisória da esfera do contribuinte, a fim de serem averiguadas
as circunstâncias do caso concreto, a origem, remetente e destinatário, sendo posteriormente
liberadas, após a regularização da documentação. Dessa forma, não há transmissão de
propriedade mas tão somente uma limitação à posse do bem, motivo pelo qual não há que se
falar em confisco.
Artigo 170, parágrafo único da CF/88 que assegura a liberdade do exercício de
qualquer atividade, também não se sustenta, pelas mesmas razões acima apresentadas em
relação ao artigo 5º, XIII, também da CF/88.
Vê-se, portanto, que os direitos acima mencionados, referentes à liberdade, devido
processo legal, contraditório e ampla defesa, encontram limitações em razão de sua
interpretação comparada com outros valores constitucionais, entre os quais se destacam o
princípio da separação de poderes, a legalidade e a igualdade. Nesse sentido os ensinamentos
do Insigne Mestre Gilmar Ferreira Mendes27
:
(...)
Pode-se ouvir, ainda, que os direitos fundamentais são absolutos, no sentido
de se situarem no patamar máximo de hierarquia jurídica de não tolerarem
restrição. Tal ideia tem premissa no pressuposto jusnaturalista de que o
Estado existe para proteger direitos naturais, como a vida, a liberdade e a
propriedade, que, de outro modo, estariam ameaçados. Se é assim, todo poder
aparece limitado por esses direitos e nenhum objetivo estatal ou social teria
como prevalecer sobre eles. Os direitos fundamentais gozariam de prioridade
absoluta sobre qualquer interesse coletivo.
Essa assertiva esbarra em dificuldades para ser aceita. Tornou-se voz
corrente na nossa família do Direito admitir que os direitos
fundamentais podem ser objeto de limitações, não sendo, pois, absolutos.
Tornou-se pacífico que os direitos fundamentais podem sofrer
limitações, quando efrentam outros valores de ordem constitucional,
inclusive outros direitos fundamentais. Prieto Sanchis noticia que a
afirmação de que ‘não existem direitos ilimitados se converteu quase em
cláusula de estilo na jurisprudência de todos os tribunais competentes em
matéria de direitos humanos. (destacamos)
27
MENDES, Gilmar Ferreira; COELHO, Inocêncio Mártires; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. ob.cit. p. 316
Além disso, deve-se lembrar que a apreensão realizada pelo Estado, no exercício
do poder de polícia administrativo, tem como pano de fundo a consecução das políticas
públicas, bem como a realização dos interesses sociais e coletivos, os quais somente podem
ser atendidos com os recursos provenientes da tributação. É sob esse prisma que devem ser
interpretadas as disposições constitucionais, valendo citar aqui as lições sempre atuais do
festejado constitucionalista J. J. Gomes Canotilho28
, quando leciona:
O princípio da democracia econômica e social é um elemento essencial de
interpretação na forma de interpretação conforme a constituição.O legislador,
a administração e os tribunais terão de considerar o princípio da democracia
econômica e social como princípio obrigatório de interpretação para avaliar a
conformidade dos actos do poder público com a constituição.
Dessa forma, fica evidenciado que não há como realizar a democracia econômica
e social se o poder público fica impedido de agir em situações de flagrante, quando verifica a
circulação de mercadorias sem documentação idônea.
Conclui-se, desse modo, que os argumentos que fazem alusão aos direitos
fundamentais, invocados pelos contribuintes na tentativa de convencer o Judiciário a liberar as
mercadorias apreendidas pelos auditores fiscais não se sustentam, primeiro porque estes não
são absolutos; segundo, porque ao se fazer um balisamento entre os direitos
constitucionalmente previstos, não há prevalência daqueles, por eles mencionados; e terceiro,
a colisão de direitos fundamentais, nesse caso, é apenas aparente, não resistindo a uma análise
comparativa de cada um dos princípios acima mencionados com o da separação de poderes,
legalidade e igualdade, que fundamentam a apreensão de mercadorias, na formatação
concebida pelos estados.
4 EVIDENTE PREJUÍZO PARA O ESTADO/COLETIVIDADE COM A LIBERAÇÃO
DAS MERCADORIAS
A liberação de mercadorias apreendidas, no exercício do poder de polícia
tributário, pela fiscalização estadual, através de liminares concedidas em Mandado de
Segurança pelo Poder Judiciário, acarreta dano grave ou de difícil reparação para o
Estado/Coletividade.
Considerando que a apreensão de mercadorias ocorre nos casos expressamente
definidos na legislação tributária dos Estados, relativa ao ICMS, em circunstâncias nas quais o
28
CANOTILHO, J. J. Gomes. Ob. Cit. p. 328.
contribuinte transita com mercadorias sem nota fiscal idônea, a sua liberação traz como
consequência a impossibilidade de o Estado identificar o sujeito passivo das referidas
operações e dá ensejo à sonegação fiscal.
A falta de identificação do sujeito passivo impede a lavratura do auto de infração,
bem como a constituição do crédito tributário, que não será inscrito em dívida ativa, nem
tampouco objeto de execução fiscal, impedindo que os Estados recebam as receitas essenciais
ao atendimento das políticas públicas fundamentais à coletividade.
A cobrança dos tributos estaduais, em especial o ICMS, é de fundamental
importância para os Estados promoverem as políticas públicas essenciais à prestação de
serviços públicos à coletividade. Aqui se vislumbra não o interesse dos Estados, enquanto
entes públicos, mas, sim, o interesse coletivo, social, da comunidade. É uma questão de
interesse público indisponível a viabilização das fontes de recursos para que os Estados
possam cumprir o seu papel social.
Ademais, diferentemente do que entendeu o Judiciário quando da formação do
precedente da Súmula 323 do STF, os processos de execução fiscal em sua maioria são
frustrantes, porque os contribuintes executados mudam constantemente de endereço, na
maioria dos casos não possuem bens e, algumas vezes, fazem acordos de parcelamento,
confessam suas dívidas, porém não cumprem os acordos firmados, deixando os Estados
carentes de recursos essenciais à população.
Pois bem, os motivos ensejadores da Súmula 323 do STF, em especial a
argumentação no sentido de que os Estados teriam outros mecanismos para cobrança de seus
créditos, não se sustentam diante da realidade facilmente constatada na maioria dos Estados
da federação, em que os processos de execução fiscal são, em grande parte, fadados ao
insucesso.
Diante desse quadro, deve-se proceder a uma nova interpretação da referida
súmula, possibilitando a apreensão de mercadorias dentro dos limites previstos em lei
estadual, quando da fiscalização de mercadorias pelos auditores fiscais, atitude essa que
consagrará também o princípio da indisponibilidade do interesse público, a legalidade, a
igualdade, além de garantir a eficácia do princípio da separação de poderes.
CONCLUSÃO
Com o objetivo de contribuir para a recuperação de ativos tributários, essenciais à
consecução das políticas públicas, apresentamos as seguintes conclusões:
1- A Súmula 323 do Supremo Tribunal Federal, datada de 13 de dezembro de 1963,
que teve como precedente o Recurso Extraordinário nº 39.933, de 09.01.61
encontra-se defasada, motivo pelo qual se propõe a sua revisão de acordo com a
Constituição Federal de 1988 e as novas normas legais;
2- Os motivos ensejadores da Súmula 323 do STF, no sentido de que os Estados
teriam outros mecanismos para cobrança de seus créditos, não se sustentam diante
da realidade constatada na maioria dos Estados da federação, em que os processos
de execução fiscal são, em grande parte, fadados ao insucesso, de forma que se
propõe a sua reinterpretação;
3- Havendo previsão na Constituição dos Estados e nas respectivas leis tributárias
estaduais, em relação à apreensão de mercadorias que circulem sem documentação
fiscal idônea, propõe-se que seja afastada a aplicação da Súmula 323 do STF,
através dos recursos apropriados, bem como interlocução com o Judiciário, através
de visitas aos Juízes e Desembargadores;
4- A decisão proferida pelo Supremo Tribunal Federal na ADI 395/SP, pela
constitucionalidade do artigo 163, § 7º da Constituição do Estado de São Paulo,
representa um avanço na discussão do tema, qualificando-se como um importante
precedente para que os Estados possam propor Ação Declaratória de
Constitucionalidade das leis estaduais que prevêem a apreensão de mercadorias,
com fundamento no art. 103, inciso V, da Constituição Federal de 1988.
REFERÊNCIAS
BARROSO, Luís Roberto. Direito Constitucional Contemporâneo. 2ª Edição. Rio de
Janeiro: Saraiva, 2010
BRASIL. Código Tributário Nacional. Disponível em:
<http://www.receita.fazenda.gov.br/legislacao/codtributnaci/ctn.htm> Acesso em: 26 Ag.
2012.
BRASIL. Constituição (1989). Constituição do Estado de São Paulo. Disponível em:
http://www.al.sp.gov.br/repositorio/legislacao/constituicao/1989/constituicao%20de%2005.10
.19, 89.htm Acesso em: 26 Ag. 2012
BRASIL. Constituição (1988). Constituição Federal de 1988. Disponível em:
<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituicao.htm>. Acesso em: 25 Ag.
2012.
BRASIL. Lei Complementar 87/96. Disponível em:
<http://www.sefaz.se.gov.br/> Acesso em: 27 Ag. 2012
BRASIL. Lei nº 3.796/1996 Disponível em:
<http://www.sefaz.se.gov.br/> Acesso em: 22 Ag. 2012
BRASIL. Lei nº 6.374/89 . Disponível em:
<http://info.fazenda.sp.gov.br/NXT/gateway.dll?f=templates&fn=default.htm&vid=sefaz_trib
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