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Utilização das tecnologias

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Utilização das tecnologias de fabrico aditivo no desenvolvimento de sapatos para pessoas com paralisia cerebral

durabilidade – daí o seu material e de‑

senho serem essenciais ao desgaste a

que estão sujeitas durante o período

de marcha do seu utilizador [1].

Um par de sapatos genericamente é

composto por diversos componentes, tal

como se indica na Figura 1 [2, 3].

1. Gáspea2. Salto3. Vira4. Testeira5. Alma6. Contraforte7. Sola8. Atacador9. Lingueta10. Palmilha

Figura 1. Componentes de um sapato genérico.

A conceção de um sapato ortopédico

específico deve iniciar ‑se com o levan‑

tamento de forma do pé do utilizador,

bem como pelos testes de pressão plan‑

tar. A visita à empresa Klaveness permitiu

conhecer várias técnicas de recolha de

pedigrafia, sendo que esta pode ser feita

diretamente sobre o pé – com o auxílio

de um scanner ou de forma indireta. A lei‑

tura direta por scanner 3D é geralmente

mais rápida e eficaz, mas por vezes acar‑

reta imprecisões pelo facto do paciente

ter dificuldade em permanecer estático

durante o período total de leitura. Nes‑

te caso o levantamento direto pode

tornar ‑se mais moroso e até mesmo

desconfortável para o utilizador. Assim,

na maioria das vezes, o levantamento da

forma realiza ‑se de forma indireta, sen‑

do o método mais comum, a impressão

sobre caixa de espuma fenólica (Figura

2a), já que este procedimento pode ser

facilmente executado pelo próprio orto‑

pedista, que mais tarde envia o negativo

para a fábrica de calçado para ser digitali‑

zado. Outra técnica consiste na obtenção

de um modelo em gesso corresponden‑

te ao pé do utilizador (Figura 2b), por

O Fabrico Aditivo (FA) utiliza ‑se nos mais variados setores industriais. A sua aplicação no fabrico de calçado pode contribuir para ganhos

significativos no desenvolvimento de novos modelos e customização de calçado. O projeto RitaRedShoes.cerebralpalsy.designproject, enquadrado na Unidade Curricular Projeto Design Industrial do

Mestrado em Design Industrial e de Produto da FBAUP/FEUP, teve como objetivo o desenvolvimento de calçado (por parte dos 24

estudantes) que cumprisse os requisitos necessários para pessoas com paralisia cerebral mas que simultaneamente fosse atrativo para outros

tipos de utilizadores.

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IntrodUçãoEste projeto teve como parceiro cientí‑

fico a Sheffield Hallam University (Rei‑

no Unido), e visou o desenvolvimento

concetual de calçado para pessoas

com Paralisia Cerebral. Contou ainda

com parceiros como o fabricante de

calçado Klaveness, a Associação de Pa‑

ralisia Cerebral de Coimbra (APCC) e a

Associação Sorriso da Rita e permitiu,

através de um workshop, logo na fase

inicial do exercício, que se criassem in‑

terações entre os estudantes e pessoas

com paralisia cerebral, a quem chama‑

mos de designers partners e também

entre profissionais de saúde que intro‑

duziram especificações técnicas rela‑

cionadas com a temática em questão.

Nesta ação foi possível percecionar que

o calçado ortopédico deve respeitar re‑

quisitos entre os quais se destacam: o

contraforte deverá ser bastante rígido e

alto, por forma a contrariar certos movi‑

mentos de torção lateral indesejados e

“endireitar” a marcha; deve conferir su‑

porte lateral suficiente, conforme o pé

seja valgo (associado à marcha equina

em pronação; pé chato; tecidos moles

do pé em evidência) ou varo (associa‑

do à marcha equina em supinação;

pé cavo), a sola não deverá ser muito

flexível e deve garantir estabilidade e

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exemplo, por vazamento em molde de

alginato. Obtido o modelo em formato

digital, podem modelar ‑se as formas (Fi‑

gura 2c) para que possam depois ser ma‑

quinadas num centro CNC. Estas formas,

que são fabricadas a partir de um bloco

de material termoplástico rígido, devem

ser cuidadosamente projetadas, já que

têm grande influência nas restantes fases

de fabrico do sapato. As etapas seguintes

do processo de fabrico do calçado orto‑

pédico englobam a produção de palmi‑

lhas e solas, modelação da gáspea, e do

respetivo corte, colocação de contraforte

e costura da gáspea (etapa mais demora‑

da de todo o ciclo produtivo, e que pode

demorar até 80 minutos), acoplamento

das diversas partes constituintes do sa‑

pato e operações de acabamento, como

limpeza ou passagem de graxa [1].

Intervenção da Impressão 3dA Impressão 3D engloba uma diversida‑

de de tecnologias, como a Estereolitogra‑

fia (SL), a Sinterização Seletiva por Laser

(SLS), a Modelagem por Fusão e Depo‑

sição (FDM), e outros e carateriza ‑se por

permitir a produção de componentes

com geometria de qualquer complexi‑

dade, podendo dispensar assemblagem

(peças constituídas por vários elementos

construídas de uma só vez), não neces‑

sitando de tempo de espera antes de

iniciar a conceção do objeto, nem favore‑

cer a acumulação de stocks de produtos

acabados, visto possibilitar o fabrico de

componentes apenas quando solicita‑

dos. Estas caraterísticas apresentam bas‑

tante potencial quando aplicadas ao fa‑

brico de calçado especial, já que este não

é produzido em série e exige um grau

elevado de customização [4]. Existem já

diversas aplicações da Impressão 3D, por

exemplo no domínio da produção de

palmilhas ortopédicas como é o caso da

empresa britânica Gyrobot ou a empresa

Belga RSPrint, ou no desenvolvimento de

novos produtos, como é o caso da em‑

presa brasileira Melissa que possui vários

equipamentos de impressão 3D [1].

No que toca ao fabrico de palmilhas

para pés planos ou cavos, a Impressão

3D pode mostrar ‑se particularmente

competitiva. Pelos processos tradicionais

seria aconselhável produzir estes tipos

de palmilhas pela assemblagem de vá‑

rias camadas, em diferentes materiais,

com a impressão 3D, a palmilha pode ter

a espessura desejada em cada zona do

pé e um maior ou menor refinamento da

malha pode conferir também diferentes

propriedades estruturais.

prodUção dos protótIpos dos sapatosApós contactos com pessoas com para‑

lisia cerebral (designers partners), fisio‑

terapeutas e ortopedistas, bem como

técnicos da fábrica de calçado Klaveness

Portugal, os estudantes em grupos de

três iniciaram o processo de design dos

sapatos, começando pela maquetização

e passando seguidamente para a mo‑

delação no software ShoeMakerTM, so‑

bre uma forma em formato digital (STL),

correspondente aos moldes usados pela

referida empresa.

Com o apoio da Klaveness, no que

concerne à prototipagem das gáspeas,

impôs ‑se a necessidade de realização

dos protótipos das solas tendo em conta

a maquinação em três eixos. Dada a sua

complexidade formal, a escolha do equi‑

pamento de Fabrico Aditivo recaiu na

impressora ProJet 660Pro da 3D Systems

(Figura 3a), existente no Laboratório de

Desenvolvimento de Produto e de Servi‑

ços do DEMec da FEUP, já que esta permi‑

tiu a conceção simultânea dos oito mo‑

delos de solas pretendidos à escala real.

a) b) c)

Figura 2. a) levantamento de forma por espuma fenólica; b) levantamento de forma por gesso e colocação de alvos de deteção para o scanner 3D; c) forma personalizada.

Concluída a etapa de modelação

das solas, os ficheiros em formato Soli‑

dWorks resultantes foram transferidos

para o software da impressora para pos‑

terior definição de cores (gerar ficheiros

VRML), sendo manualmente organizados

de modo a que todos os modelos fossem

introduzidos na plataforma de constru‑

ção, conforme se documenta na Figura

3b). Em seguida, iniciou ‑se o processo de

impressão, com base na tecnologia de

ColorJet Printing (CJP). Esta rege ‑se pela

deposição de pó cerâmico VisiJet® PXL™

Core sobre a plataforma, com a altura

de camada definida pelo operador (0.1

mm), que é depois impregnada pelos vá‑

rios ligantes em solução aquosa – VisiJet®

PXLTM Binder, que intervêm no código

da cor pretendida. O processo repete ‑se

até que todas as peças estejam conclu‑

ídas. No presente caso, toda esta etapa

demorou 11 horas e 38 minutos, tendo‑

‑se despendido 807.3 ml de ligante. A

fase subsequente consistiu na retirada

das peças do “bolo” pó. Foi necessário

aspirá ‑lo cuidadosamente, para não da‑

nificar as peças, bastante frágeis naquele

momento (Figuras 3c) a e)).

Por fim, e para aumentar a resistên‑

cia das peças, estas foram impregnadas

com um endurecedor, à base de resina

epoxídica (StrengthMaxTM) (Figura 3f ), e

ficaram a curar durante 24 h. É de referir

que, segundo o fabricante, esta solução

consegue penetrar até 2 mm de profun‑

didade, pelo que se conclui que é preferí‑

vel, quando possível, modelar peças com

superfícies finas e não a cheio, já que se

consegue endurecer a peça uniforme‑

mente, poupando ‑se também material.

Após esta fase decidiu ‑se realizar a

conversão de um dos modelos para bor‑

racha. Para tal, concebeu ‑se um molde

de silicone, para subsequente moldação

da sola final. As diversas etapas, subja‑

centes a esta vertente do procedimento

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experimental, realizadas no INEGI, foram

as seguintes:

i) Construção da caixa de moldação (Figura 4a)Foram colados 2 tacos com cola de cia‑

noacrilato, sobre a superfície interior

do protótipo da sola com o objetivo de

facilitar a extração do modelo e após fi‑

nalização da construção do molde, para

demarcar os locais onde futuramente

seriam colocados o gito e o alimentador

local (na zona da biqueira), mas principal‑

mente, para permitir posicionar correta‑

mente a sola para futuro vazamento do

silicone.

ii) Vazamento do silicone e extração da protótipo (Figura 4b)Vazou ‑se o silicone VTX 950 (SLM) que

curou à temperatura ambiente durante

24 h. O molde foi então aberto pelo pla‑

no de apartação e a sola ‑protótipo foi

retirada do seu interior.

iii) Vazamento da borracha no molde de siliconeVazamento de uma mistura de borracha

líquida (NEUKADUR ProtoFlex 150 ‑05 e

NEUKADUR ProtoFlex 190 ‑05, da Altro‑

pol). Cura em mufla durante 2 h a 80° C.

iv) Abertura do molde e extração da sola final em borracha (Figura 4c)Esta tecnologia de conversão de protó‑

tipos, concebidos por Impressão 3D, em

peças funcionais, pode também ter futu‑

ro, na medida em que, antes de se pro‑

duzir um molde em alumínio (por CNC e

eletroerosão) se podem detetar defeitos

no modelo. Se se pretender produzir em

pequenas séries, um molde de silicone

permite até cerca de 20 vazamentos,

conservando a sua estrutura e qualidade.

As solas em cerâmica e a sola em

borracha (foram também produzidos

contrafortes por impressão 3D) foram

fornecidas à Klaveness para montagem

do sapato. A Figura 5 mostra o resultado

final do sapato com a sola em borracha.

Figura 5. Protótipo do sapato com sola em borra‑

cha (projeto dos estudantes Pavel Primas e Giorgi

Kvaratskhelia).

a) b) c)

Figura 4. Etapas da conversão da sola impressa numa sola funcional em borracha.

a) b) c)

d)

e)

f )

Figura 3. Etapas do fabrico das solas por impressão 3D.

PUB

Os protótipos executados foram expostos na conferência Design4Health 2015 (Figura 6), em She‑

ffield, e serão também apresentados em novembro no evento BIN@PORTO, no Porto. Rita.Red.

Shoes.cerebralpalsy.designproject, nome “roubado” à madrinha do projeto (Rita RedShoes, com‑

positora) e à primeira protagonista com paralisia cerebral e que deu o mote para este exercício

(Rita Bulhosa), é um projeto em desenvolvimento, que terá naturalmente de se apoiar nas tecnolo‑

gias de prototipagem 3D para suportar a fase experimental (de testes e validação) que se sucede.

ConClUsõesA Impressão 3D revela ‑se uma promissora ferramenta no processo de customização de objetos

de caráter ortopédico e médico. Tendo como a sua maior vantagem a liberdade geométrica, o FA

possibilita a obtenção de componentes individuais, permitindo poupar tempo e recursos mate‑

riais. Embora ainda difícil de avaliar, acredita ‑se que este método de produção pode também me‑

lhorar o conforto do utilizador pela facilidade em adaptar os produtos aos seus utilizadores sob o

conceito e metodologias UCD (User ‑centered

design).

agradeCImentosProjeto SAESCTN ‑PII & DT/1/2011 cofinancia‑

do pelo Programa Operacional Regional do

Norte (ON.2 – O Novo Norte), sob Quadro de

Referência Estratégico Nacional (QREN), atra‑

vés do Fundo de Desenvolvimento EUROPEU

Regional (FEDER). A todos os estudantes do

MDIP, MIEM e técnicos do DEMec/FEUP e do

INEGI que participaram neste trabalho.

referênCIas

[1] Ana Dulce de Meneses M. Silva, “Estudo das Potenciali-

dades da Impressão 3D no Apoio ao Fabrico de Sapatos

para Pessoas com Paralisia Cerebral”, Tese de Mestrado

do Mestrado Integrado em Engenharia Mecânica,

FEUP, julho de 2015;

[2] History of 3D Printing: The Free Beginner’s Guide, ac‑

cessed 30/04/2015, http://3dprintingindustry.com/3d‑

‑printing ‑basics ‑free ‑beginners ‑guide/history/;

[3] http://shoecommittee.com/wp ‑content/uploads/2012/06/

anatomia ‑900x569.jpg, accessed 30/04/2015;

[4] Hod Lipson, Melba Kurman, “Fabricated: The New World

of 3D Printing”, John Wiley & Sons, Inc., 2013.

a) b)

Figura 6. Projeto Rita.Red.Shoes integrado na exposição da Conferência Design4Health em julho de 2015.