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Vencendo a DEPRESSÃO - nossacultura.com.br · Índice Remissivo 356. vii Observações do autor Ocorrem dois problemas específicos com a linguagem em todo este livro. Um é a dificuldade

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DEPRESSÃO

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Vencendoa

DEPRESSÃO

O que a terapia não lhe ensina

e

os medicamentos não podem lhe dar.

PRIMEIRA EDIÇÃO

RICHARD O’CONNOR, PhD

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Título Original: Undoing Depression

Copyright © 1997, 2010 by Richard O’Connor, MSW, PhD.Todos os direitos reservados pela Editora Nossa Cultura Ltda, 2011.

Editores Paulo Fernando Ferrari Lago Claudio Kobachuk Renata SklaskiTradutores Jeanne RangelRevisoras Adriana Gallego Mateos e Tania Growoski Diagramação Expression SGI

Nota: a edição desta obra contou com o trabalho, dedicação e empenho de vários profissionais. Po-rém podem ocorrer erros de digitação e impressão. Pede-se que seja comunicado à editora no caso de existir qualquer das hipóteses acima mencionadas para melhoras futuras.

EDITORA NOSSA CULTURA LTDARua Grã Nicco, 113 - Bloco 3 - 5.º andarMossunguêCuritiba - PR – BrasilTel: (41) 3019-0108 - Fax: (41) 3019-0108http://www.nossacultura.com.br

Dados internacionais de catalogação na publicaçãoBibliotecária responsável: Mara Rejane Vicente Teixeira

O’Connor, Richard.Vencendo a depressão / Richard O’Connor ; tradução: Jeanne Rangel. - Curitiba, PR : Editora Nossa Cultura, 2011.374 p. ; 22 cm.Tradução de: Undoing DepressionISBN 978-85-80660-10-41. Depressão mental – Tratamento. 2. Autoestima. I. Rangel, Jeanne. II. Título. CDD ( 22.ª ed.) 616.8527

Nota: a edição desta obra contou com o trabalho, dedicação e empenho de vários profissionais.

Porém podem ocorrer erros de digitação e impressão. Pede-se que seja comunicado à editora no caso de existir qualquer das hipóteses acima.

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Índice

Observações do autor vii

Prefácio à segunda edição ix

Introdução 3

Parte 1 O que Sabemos sobre Depressão 11

1. Entendendo a depressão 13

2. A Experiência da Depressão 27

3. Diagnosticando a Depressão 38

4. Explicando a Depressão 59

Parte 2 Aprendendo Novas Competências 73

5. O Mundo da Depressão 75

6. Emoções 82

7. Comportamento 100

8. Pensamento 121

9. Stress e depressão 134

10. Relacionamentos 152

11. O corpo 166

12. O self 180

13. Tratando a Depressão com Medicamentos 192

14. Psicoterapia, Autoajuda e outrosMeios de Recuperação 214

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Parte 3 Colocando as Competências para Funcionar 227

15. Trabalho e um Senso de Propósito 229

16. Vivendo Juntos ou Separados 246

17. Crianças e Adolescentes 267

18. Comunidade 288

Parte 4 Uma Nova Síntese 297

19. O Resto da História 299

20. Um Programa de Recuperação 304

21. Além da Recuperação 316

Apêndice 329

Referências Bibliográficas 330

Leituras Recomendadas 348

Reconhecimentos 354

Índice Remissivo 356

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Observações do autor

Ocorrem dois problemas específicos com a linguagem em todo este livro. Um é a dificuldade de como chamar a pessoa com depressão. Em contextos diferentes, essa pessoa pode ser chamada de paciente, clien-te, vítima, sofredor, ou consumidor. Cada termo diz mais sobre as su-posições a respeito da pessoa a quem se aplica o rótulo, do que sobre o referenciado. O único termo descritivo que conheço, qual seja, chamar alguém com depressão de “depressivo”, sugerirá a alguns o conceito de “caráter depressivo”, que é um conceito carregado, sugerindo que há algo na personalidade que causa depressão. Eu discordo da implicação de que haja um caráter depressivo e ainda questiono que a depressão afete o caráter e a personalidade de alguém. Então eu opto pelo termo “depressivo” como descritivo daquilo que se torna um modo de vida. Já que estou dentro dessa estatística, posso reivindicar o direito de usar o termo sem seu implícito julgamento de valor.

O segundo problema é o uso de “ele” ou “ela” para se referir a uma pessoa quando o gênero não importa. Neste livro, em particular, já que a depressão é muito mais diagnosticada entre mulheres e, já que esse fenômeno é assunto para alguns debates quentes na política dos gêne-ros, a questão se torna delicada. Para um escritor do sexo masculino se referir a indivíduos depressivos como “ela” pode parecer perpetuar o que, para alguns, é um artefato da ciência e da cultura dominada pelo sexo masculino.

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Referir-me a indivíduos deprimidos como “ele” exclusivamente, po-rém, pode parecer encobrir o sofrimento maior das mulheres. Para eu escrever “ele” ou “ela” e “ele mesmo/ela mesmo” cada vez, só se tor-na incômodo. Decidi, portanto, tentar entremear pronomes masculinos e femininos em exemplos onde o gênero realmente importa, mas há momentos em que isso se torna trabalhoso e assim, eu reverto usando “ele” para indivíduos de ambos os sexos.

Todo o esforço foi feito para garantir que a informação contida neste livro seja completa e precisa. Porém, nem o editor nem o autor estão envolvidos com a prestação de aconselhamento ou serviços profissionais ao leitor individual. As ideias, procedimentos e suges-tões contidas neste livro não pretendem substituir a consulta com seu médico. Todos os assuntos a respeito de sua saúde requerem super-visão médica. Nem o autor nem o editor serão legalmente responsá-veis por qualquer perda ou dano alegadamente surgidos de qualquer informação ou sugestão deste livro.

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Prefácio à segunda edição

Como estou escrevendo em 2009, vi-me alternadamente alegre e de-sanimado por descobrir que boa parte de Vencendo a Depressão per-manece tão relevante, onze anos depois de ter sido escrito pela primeira vez. Alegre por ter me colocado à disposição para aconselhamento útil que passou no teste do tempo; porém desanimado porque houve tão pouco progresso na aquisição de melhor conhecimento ou desenvol-vimento de tratamento mais eficaz para essa condição devastadora. De fato, parece, às vezes, que o tratamento andou somente para trás. Os medicamentos são agora considerados menos eficazes do que esperá-vamos. A suposição que a depressão seja causada por uma deficiência de serotonina no cérebro se provou falsa. E a depressão continua cres-cendo em proporções epidêmicas. O Banco Mundial e a Organização Mundial de Saúde estimam que a depressão logo se torne a doença mais cara existente, mais dispendiosa que AIDS, câncer ou tuberculose.

Mas há notícias esperançosas para esta segunda edição. Antes eu estava num limbo científico, questionando se as “competências da de-pressão” – os hábitos que a tornam tão difícil de vencer – são essencial-mente roteiros neurais que possam ser substituídos por modos de vida mais eficazes. Agora, a nova neurociência tem confirmado que é, de fato, o que acontece com o cérebro; os velhos métodos perdem o vigor quando paramos nossos hábitos e são substituídos por novas conexões que são aprendidas através das mudanças em nosso comportamento.

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Prefácio à segunda edição

Podemos mudar nosso cérebro através de atenção focalizada e prática. Ao mesmo tempo, novos desenvolvimentos na psicologia e medicina comportamental nos deram métodos mais específicos e testados para nos ajudar a fugir dos hábitos da depressão e aprender novos cami-nhos de saída de nossa miséria. Assim, é ainda mais imperativo que as pessoas com depressão sejam encorajadas e capacitadas a empreender uma ação eficaz para si mesmas – o que é o objetivo deste livro.

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Introdução

A pergunta essencial que os pacientes e terapeutas fazem a si mesmos tantas vezes é: por que é tão difícil melhorar? Quando entendemos as motivações e mecanismos ocultos por trás de nosso comportamento que nos impedem de nos sentirmos bem conosco e chegar aonde que-remos na vida, por que simplesmente não paramos? Quando temos a medicação certa para nos impedir de afundar de volta às profundezas mais escuras, quando conseguimos começar a nos sentir mais otimistas sobre o futuro e nós mesmos, por que permanecemos envergonhados, passivos e desistentes? Por que as pessoas persistem num comporta-mento autodestrutivo, quando podem ver que ele não faz bem? Freud tinha que inventar teorias elaboradas e arcanas como o instinto de mor-te para responder a essa questão – a ideia de que como uma contrapar-tida ao desejo de criar, se alegrar e viver, temos um desejo igualmente forte de destruir, sofrer e morrer. Toda a minha experiência me diz que há uma resposta muito mais simples. As pessoas persistem num com-portamento autodestrutivo porque não sabem como fazer outra coisa; de fato, todos esses padrões comportamentais depressivos se tornam registrados no próprio cérebro. Como podemos desfazê-lo?

Estou convencido de que a razão principal pela qual as pessoas com depressão permanecem deprimidas, apesar da terapia, da medicação e suporte das pessoas amadas é que somos simplesmente incapazes de imaginar uma alternativa. Sabemos como “fabricar” a depressão. Somos especialistas nisso. Nossos sentimentos sobre nós mesmos e

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Introdução

o modo como vemos o mundo nos forçaram ao longo dos anos a de-senvolver um conjunto muito especial de competências. Tornamo-nos como os cegos de nascença. Eles se tornam muito atentos a sons, chei-ros e outros sentidos que as pessoas com visão têm como óbvios. Eles podem ler Braille tão bem quanto qualquer um de nós pode ler páginas impressas. Eles são muito bons em memorização. Mas pedir-lhes para imaginar um pôr do sol ou uma flor ou um Van Gogh é inútil – eles não têm referência; está além de sua experiência.

Esperar que paremos de estar deprimidos é como esperar que uma pessoa cega de repente veja a luz do dia, com uma importante dife-rença: eventualmente, não conseguimos fazê-lo. Há também forças inconscientes operando, basicamente o medo, que se opõem às mudan-ças. Desenvolvemos mecanismos de defesa que distorcem a realidade, assim podemos construir a depressão ou manter a crença inconsciente que não merecemos nos sentir melhor. As pessoas aprendem e crescem através da experiência, mas a pessoa depressiva, além do medo, evita a experiência curativa; penso que praticando, assumindo grandes desa-fios em pequenos passos, aprendendo gradualmente que os medos não podem matá-la e impulsos não a oprimem, a pessoa depressiva apren-de alternativas ao comportamento depressivo, e comportamentos não depressivos suficientes significam que você não está mais deprimido.

A depressão se torna para nós um conjunto de hábitos, comporta-mentos, processos de pensamento, suposições e sentimentos que se parecem muito com nosso ser essencial; você não pode desistir deles sem algo para substituí-los e sem esperar alguma ansiedade ao longo do caminho. Recuperar-se da depressão é como recuperar-se de doença do coração ou do alcoolismo. O bom paciente cardíaco sabe que os me-dicamentos não são suficientes, que hábitos dietéticos para uma vida longa e exercícios, e como lidar com o stress, devem mudar. O alcoó-latra em recuperação sabe que a abstinência não é suficiente; os modos de pensar em relação aos outros e de lidar com as emoções têm que mudar. Nós, depressivos, nos modelamos também às nossas doenças; as capacidades que desenvolvemos com a depressão, num vão esforço de nos salvar da dor, capacidades como de engolir nossa raiva, de nos isolarmos, colocando os outros à frente, ser super-responsáveis – im-pedem nossa recuperação. Temos que desistir dos hábitos depressivos que nos mantêm para baixo e nos fazem vulneráveis à recaída.

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Introdução

Nos últimos dez anos, desde a primeira edição deste livro ter sido impressa, tem havido surpreendente evolução no que sabemos sobre a depressão, graças à nova tecnologia que permite aos cientistas verem dentro do cérebro, enquanto ele funciona. Primeiro, as más notícias: a depressão causa dano ao cérebro. Agora, as boas notícias: pode-mos desfazer esse dano com prática e atenção focalizadas. De fato, podemos ser capazes de ir além do que é normal para nós e nos sentir melhores do que nunca. A ciência sabe agora que nosso cérebro não armazena simplesmente nossas experiências. Cada experiência muda o cérebro estruturalmente, eletricamente, quimicamente. O cérebro se torna a experiência. Se formos cuidadosos com as experiências que fornecemos ao nosso cérebro, podemos mudar o próprio cérebro.

Uma coisa que podemos concluir da nova ciência do cérebro: a prática é essencial para a mudança. Podemos gastar anos em terapia para termos um entendimento realmente bom sobre o que nos leva a esse lugar escuro, mas se não sairmos da cama pela manhã, ainda nos sentiremos depressivos. Os remédios, quando funcionam, só o fazem parcialmente, dando-nos energia suficiente para pular da cama. Mas é a prática que leva à mudança no cérebro. A prática de alguma coisa nova desenvolve redes entre as células cerebrais que antes não estavam conectadas entre si. As redes em seu cérebro, que dão suporte ao com-portamento, são como caminhos muito usados; eles são como o siste-ma de autoestradas interestaduais. Você tem que sair da autoestrada e explorar novos caminhos, mas com prática suficiente, seguir por esses novos caminhos se torna automático para você, à medida que as novas conexões se desenvolvem no seu cérebro.

Vencer a depressão requer de nós um novo conjunto de capacidades. Mas agora estamos reconhecendo que a felicidade é uma competência, a força de vontade é uma competência, a saúde é uma competência, relacionamentos bem-sucedidos requerem competências, a inteligência emocional é uma competência. Sabemos disso porque a prática não apenas nos leva a melhorias, mas também a mudanças no cérebro. Esse é um modo muito mais poderoso e adaptativo de entender a vida do que supor que essas qualidades nos sejam distribuídas no nascimento em quantidades determinadas e que não há nada que possamos fazer para mudar nosso destino. As competências requeridas para eliminar a de-pressão permearão toda a nossa vida e se você se mantém praticando, você pode ir bem além da mera recuperação.

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Introdução

Meu objetivo é apresentar um “programa” para a depressão. As pes-soas nos Alcoólicos Anônimos sabem por experiência: não beber não é suficiente; eles têm que “viver o programa”. Como o alcoolismo, a depressão é uma condição para a vida toda que só pode ser curada com um esforço deliberado de mudar a nós mesmos. Os últimos capítulos explicam como, nos elementos-chave de nossa personalidade, os senti-mentos, os pensamentos, o comportamento, os relacionamentos, como tratamos nossos corpos e como lidamos com o stress – a depressão nos tem ensinado certos hábitos que passaram a ser naturais, uma parte de quem somos. Mas não percebemos que esses hábitos só reforçam a de-pressão. Temos que desaprender esses hábitos e substituí-los por novas competências – que explicarei em detalhes – para que uma recuperação real possa acontecer. Praticar os exercícios descritos mais tarde pode ser um modo de as pessoas com depressão “viverem o programa” – e viverem novamente uma existência vital e rica.

Acredito muito fortemente que as pessoas podem se recuperar da depressão, mas que os medicamentos e a psicoterapia convencional não fazem o suficiente – e agora a pesquisa me apoia. A terrível ironia da depressão é que nos culpamos por nossa própria doença. Espero mostrar que essa crença é um sintoma da doença, não um fato em si. As pessoas precisam de novas ferramentas e a prática para usá-las para produzir uma recuperação completa. Reunindo essas técnicas, tenho tido o benefício de conseguir levar adiante a ampla pesquisa desen-volvida nos últimos trinta anos, que tem sugerido novas maneiras de pensar, agir e sentir, para substituir os velhos modos de ser que nunca funcionaram e muitas vezes pioraram as coisas. Também tenho tido o benefício de trabalhar em clínicas no mundo real para me ajudar a entender como esses métodos podem ser aplicados à vida diária. Além disso, minha própria experiência com a depressão e recuperação tem me ajudado a aprender em primeira mão o que é útil e o que não é.

Quando tinha quinze anos, um dia fui da escola para casa para descobrir que minha mãe tinha cometido suicídio no porão. Ela tinha trancado as portas e colado um bilhete na janela dizendo que saíra para as compras e eu deveria esperar na casa da vizinha. Eu sabia que havia algo errado e estava trepando numa janela quando meu pai che-gou de carro depois do trabalho. Descobrimos o corpo dela juntos. Ela tinha colocado na cabeça um saco plástico e sentou-se à mesa onde eu

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Introdução

brincava com minha aparelhagem de química. Ela ligou o gás do meu queimador de Bunsen dentro do saco e também tomou uma dose letal de pílulas para dormir, que meu pai vendia como representante farma-cêutico. Seu corpo estava frio, portanto ela deve ter começado a pre-parar as coisas logo depois que saímos de casa naquela manhã. Esse não era um grito de socorro. Ela enfrentou muitos problemas para ter certeza de que conseguiria por fim à sua vida.

Até dois anos antes, minha mãe parecia feliz, confiante e empre-endedora. Lembro de sua alegria se arrumando para ir a uma festa ou cantando músicas dos anos quarenta com meu pai em passeios de carro à noite. Quando olho para trás, ao curso da minha vida, percebo agora quanto fui moldado pela minha necessidade de entender o que aconteceu a ela.

Para entender também o que estava acontecendo comigo, porque eu tinha tido minha própria depressão para lutar contra. Eu não a reconheci por muito tempo, pois sou um psicoterapeuta razoavelmente bem treinado e experiente. Eu mesmo fui um paciente várias vezes, mas nunca coloquei um rótulo nos meus problemas. Eu sempre disse a mim mesmo para procurar ajuda visando meu crescimento pessoal. Isso, a despeito do fato de que houve longos períodos em minha vida quando bebi muito, quando afastei todas as pessoas mais próximas de mim, quando mal conseguia ir para o trabalho, quando acordava a cada manhã odiando o pensamento de ter que enfrentar o dia e a minha vida. Houve muitas vezes em que pensei em suicídio, mas se eu nunca pude perdoar minha mãe, eu também não poderia me perdoar. E eu tinha filhos e família, pacientes e colegas que, da mesma forma, eu não suportaria que fizessem isso. Mas, por muitos longos períodos, a vida parecia tão miserável, sem esperança e sem alegria que eu desejava uma fuga. Qualquer um que já foi depressivo sabe que é impossível ter certeza, mas acho que aqueles dias foram finalmente deixados para trás. Não cheguei ao fundo do poço, mas vivo com os efeitos posterio-res. Ainda luto contra os hábitos emocionais da depressão. Mas acei-tar o fato de que vai ser uma luta longa me tornou mais capaz de lidar com os altos e baixos de curto prazo. E eu vi o progresso.

Tenho trabalhado com saúde mental há trinta anos como terapeuta supervisor e diretor de consultório. Estudei sistemas familiares psi-canalíticos, modos bioquímicos, cognitivos, baseados em atenção, o

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Introdução

nome que se queira dar, de entender pessoas. Trabalhei com professo-res maravilhosos, tive alguns maravilhosos pacientes. Eu não fingirei ter todas as respostas sobre depressão, mas você não encontrará muita gente com mais experiência, pessoal e profissional.

Acredito agora que a depressão nunca pode ser totalmente compre-endida pelos profissionais de saúde mental que não a experimentaram. Tenho visto, repetidas vezes, teorias “abrangentes” de personalidade se desenvolverem, florescerem e dominarem o campo por certo tempo, para serem depois rejeitadas porque novas evidências contraditórias foram encontradas. Muitos psicólogos e psiquiatras parecem preferir a construção de teorias – ajustarem suas observações a alguma teoria pré-existente ou desenvolverem uma nova teoria que explicará tudo isso – a tentar descobrir modos práticos de ajudar seus pacientes. Eles vão muito além da experiência. Percebo agora que nenhuma teoria sim-ples ou de fator único sobre depressão funcionará. A depressão está parcialmente em nossos genes, parcialmente na nossa experiência de infância, parcialmente no nosso modo de pensar, parcialmente em nos-sos cérebros, parcialmente nas nossas maneiras de pensar a vida. Ela afeta todo o nosso ser.

Imagine se nosso conhecimento médico fosse tal que pudéssemos fidedignamente diagnosticar doença cardíaca, mas não soubéssemos nada sobre os efeitos dos exercícios, do colesterol, do sal e gordura, stress e fadiga. Os pacientes que foram diagnosticados estariam se agarrando a qualquer ninharia que pudesse ajudá-los a se recuperar. Alguns parariam de se exercitar, alguns passariam a se exercitar furio-samente. Alguns fugiriam de situações estressantes. Alguns tomariam medicamentos para reduzir a pressão sanguínea sem saber que sua die-ta pouco saudável desfaz qualquer efeito benéfico dos medicamentos. Muitos morreriam prematuramente. Alguns melhorariam por acaso. Sem bons estudos científicos controlados, os médicos nunca aprende-riam o que estaria provocando a morte ou a recuperação.

É aí que estamos quanto à depressão. Recebemos todo o tipo de con-selhos, alguns úteis, alguns não, a maioria deles não testados. Alguns deles simplesmente desenvolvidos para vender um produto. O paciente depressivo está no escuro sobre aquilo que exatamente precisa fazer para ajudar a recuperação. Mas, de fato, muito já se sabe sobre como as pessoas se recuperam da depressão. Nem todos se ajustam a esmerados

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Introdução

pacotes teóricos, então é difícil colocar todos juntos, mas o conheci-mento está lá para ser usado.

A depressão é uma condição complexa que obscurece nossos limites ocidentais entre mente e corpo, natureza e educação, o ser e os outros. Muitas pessoas com depressão parecem ter sido apresentadas a ela por trauma, privações ou perdas na infância. Muitas pessoas com depres-são descrevem dificuldades em sua infância ou mais tarde na vida, que contribuíram para a baixa autoestima e uma sensibilidade à rejeição, uma incerteza a respeito do ser e a incapacidade para aproveitar a vida. Mas essas observações não são verdadeiras para todas as pessoas com depressão: algumas pessoas que não têm história de stress, que pare-cem muito estáveis e bem integradas, a desenvolvem repentinamente, sem esperar, em resposta a uma mudança de vida. Há claramente um componente bioquímico da depressão e a medicação pode ser útil para muitas pessoas, mas só a medicação não é um tratamento suficiente para a maioria. A verdade é: estejam as raízes da depressão no passado, na infância, ou no presente, no cérebro, a recuperação só pode ocorrer através de um ato contínuo da vontade, uma autodisciplina aplicada às emoções, ao comportamento e aos relacionamentos no aqui e agora. Essa é uma verdade árdua, porque ninguém merece se sentir assim e não parece justo que os inocentes tenham que trabalhar tão duro para ajudar a si mesmos. Além disso, os depressivos estão sempre ouvindo que precisam pular fora disso, se juntar às pessoas, não dar espaço à fraqueza e esse é o conselho mais cruel e sem sentimento que podem receber. O que quero fazer aqui é dar direção e suporte, junto com o conselho, para ajudar o depressivo a encontrar os recursos que precisa para sua recuperação.

As pessoas depressivas estão mergulhadas dentro de suas cabeças e não sabem nadar. Elas trabalham duro na vida para tentar resolver seus problemas, mas seus esforços são inúteis por causa da falta das competências necessárias para dar-lhes apoio nas águas profundas. A real batalha da depressão está entre partes do ser. Pessoas depressivas são puxadas para baixo pelas sombras, fantasmas, partes de si mes-mas que não podem integrar, nem deixá-las ir embora. Quanto mais duro trabalham, quanto mais fazem o que sabem fazer, piores as coisas ficam. Quando seus amados tentam ajudar dos modos habituais, dos modos de senso comum que só parecem expressões naturais de carinho

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Introdução

e interesse, são rejeitados. As pessoas depressivas então se sentem mais culpadas e fora de controle. As pessoas com depressão têm que apren-der novos modos de viver consigo mesmas e com os outros – novas competências emocionais. Essas competências demandam prática, co-ordenação e flexibilidade. Ao invés de pular dentro d’água em pânico, elas têm que aprender hábitos emocionais que são muito mais como nadar: aprender a flutuar de modo constante, ritmado, aprender a ficar confortável na água. As pessoas depressivas são grandes lutadoras, mas lutar é se afogar. É melhor aprender a deixar a água manter você à tona.

Obviamente este é um livro intensamente pessoal para mim. Eu que-ro manter vivos os suicidas potenciais. Quero poupar as pessoas da dor inútil da depressão. Há agora muito mais que pode ser feito do que havia para minha mãe ou para mim mesmo, quando eu era mais jovem. A psicoterapia e os medicamentos oferecem esperança para todos. Técnicas aprendidas de autocontrole, competências de comunicação e autoexpressão, e o desafio às suposições sobre o ser e o mundo, podem dar às pessoas, que literalmente não conhecem nada além da depressão, a chance de compensar a vida.

Algo que me tocou profundamente quando trabalhava em nossa clí-nica comunitária de saúde mental foi o grande número de pessoas que não sabiam que eram depressivas. As pessoas normalmente se dispõem a pedir ajuda não simplesmente por se sentirem derrotadas, mas por-que algo está errado em suas vidas, seus filhos não lhes ouvem, há um problema conjugal, estão tendo problemas no trabalho. Mas, com frequência, não preciso cavar muito para descobrir que o paciente tem estado deprimido já há algum tempo; o conflito familiar, o problema no trabalho, são manifestações, e não causas da depressão. Se conseguís-semos ajudá-los mais cedo, suas vidas não seriam o desastre que são agora. Essas são pessoas que quase não sentem alegria de viver, que não têm esperança, nenhuma ambição, que se sentem emperradas, sem força e perenemente tristes – e que pensam ser esse o modo normal de sentir. Não é.

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O que Sabemos sobre Depressão

Parte 1

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Estamos vivendo uma epidemia de depressão. Cada indicação sugere que mais pessoas estão depressivas, por mais tempo, com mais gravi-dade e começando mais cedo em suas vidas do que nunca. A depressão não vai embora, não importa quanto a ignoremos, a desprezemos ou a negligenciemos. Precisamos dar-lhe importância como um proble-ma importante de saúde pública. Mas isso é difícil de fazer porque a ideia da depressão nos apavora a todos – pensamos em uma chegada à loucura – e assim evitamos o assunto. Temos um desejo natural de esquecer a depressão com a esperança de sermos imunes a ela. Você pode se lembrar da sensação de dor? Muitas pessoas reagem à pergunta encolhendo-se, mas realmente não conseguem descrever a dor ou evo-car a sensação em suas memórias. Nós a reprimimos, a empurramos para fora da memória, então, na maior parte do tempo, não pensamos nela e assim podemos continuar a vida. Mas quando ouvimos a broca do dentista, de repente lembramos exatamente o que poderemos sentir. Fazemos o mesmo truque com a depressão. Todos já nos sentimos as-sim, mas acreditamos termos que calar a memória. Queremos pensar sobre a depressão como algo que acontece aos outros.

Mas ela começa a se aproximar de nós cada vez mais, porque a inci-dência está aumentando. Para cada geração nascida desde 1990, a depres-são chega cada vez mais cedo e o risco de encurtar a vida aumentou1. De acordo com a maior parte das estimativas oficiais, conservadoras, aproxi-madamente 6 a 7 por cento dos americanos experimentará um episódio

Entendendo a depressão

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Entendendo a depressão

de depressão grave em suas vidas. Quando você acrescenta as chamadas formas brandas de depressão, acredito que o índice suba para 25 por cento.

De cada quatro pessoas que você encontra, uma tem probabilidade séria de se encontrar com a depressão em algum momento de sua vida2. E a quinta pessoa já é depressiva: os pesquisadores estimam que quase 20 por cento da população se encaixe no critério de alguma forma de depressão a qualquer momento – e isso não significa quem está tempo-rariamente sentindo tristeza e estará melhor na próxima semana, mas as pessoas que estão tendo dificuldade real de tocar a vida3.

Essa epidemia não é simplesmente um resultado da crescente per-cepção da depressão, mas um crescimento verdadeiro nos números brutos4. Nem é apenas um fenômeno da cultura americana ou mesmo ocidental. Um estudo recente, comparando a incidência da depressão em Taiwan, Porto Rico e Líbano, entre outros países, concluiu que para cada geração sucessiva, a depressão provavelmente comece em idades mais tenras, e ao longo do curso da vida o risco da depressão se mante-ve crescente5. De todas as pessoas com depressões graves, 15 por cento terminarão suas vidas por suicídio.

A depressão clínica é uma doença séria, muitas vezes fatal, tão co-mum quanto difícil de ser reconhecida. Mas os economistas da saúde a consideram tão incapacitante quanto a cegueira ou a paraplegia6. Em termos do peso econômico geral para nossa sociedade, a depressão é a segunda doença mais cara que há. Essa notícia surpreendente vem do Banco Mundial e da Organização Mundial de Saúde, que mediu os anos perdidos de uma vida saudável com a doença7. O custo, em termos de tratamento direto, cuidados médicos desnecessários, perda de pro-dutividade e período de vida encurtado, foi estimado em 83 bilhões de dólares por ano, só nos Estados Unidos no ano 20008. A depressão está em segundo lugar em relação ao câncer em termos de impacto econô-mico e tem custo aproximadamente idêntico ao da doença cardíaca e da AIDS. O número de mortes por suicídio nos Estados Unidos a cada ano (33.000) é aproximadamente duas vezes o número de mortes por AIDS9 e não mostra sinais de declínio. E o impacto só vai piorar: se a tendência atual continuar, as crianças de hoje desenvolverão depressão com a idade média de 20 anos, ao invés de 30 ou mais, como estávamos acostumados10. Só um terço de pessoas com depressão de longo prazo já foram tratadas com antidepressivos e só um pequeno número delas

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já receberam tratamento adequado11. Se tudo isso for verdade, se a depressão é tão perigosa e prevale-

cente como digo, você pode perguntar: onde está a grande fundação nacional que lidera a batalha contra a depressão? Onde estão a Jerry Lewis Telethon e a Corrida Anual contra a Depressão? As pequenas fitas pretas para todos usarem?* A resposta óbvia é o estigma associado com a doença. Boa parte do público ainda vê a depressão como uma fraqueza ou falha de caráter e pensa que deveríamos nos jogar para cima com um pontapé em nós mesmos. E todo o alvoroço sobre novos medicamentos antidepressivos só torna as coisas piores, sugerindo que a recuperação é uma simples questão de tomar pílulas. Muitas pessoas com depressão têm a mesma atitude: sentimos vergonha e embaraço por ter depressão. Essa é a parte mais cruel da doença: culpamo-nos por sermos fracos ou termos falha de caráter, ao invés de aceitar que temos uma doença, ao invés de perceber que nossa autoacusação é um sinto-ma da doença. E sentindo dessa forma, não nos erguemos e desafiamos as pessoas insensíveis que reforçam os estereótipos negativos. Assim, ficamos apartados, sentindo-nos miseráveis e acusando-nos por nossa própria miséria emocional.

Esse é um pequeno segredo sujo da economia da saúde mental: se você está depressivo, você não pensa que vale o custo do tratamento. Você se sente culpado o bastante sobre ser improdutivo e inconfiável; muito provavelmente os membros de sua família têm-lhe dito para romper com isso e você acredita que poderia. Você não quer desem-bolsar cem dólares por hora para consultar um psicoterapeuta e, se seu seguro não paga, você não vai brigar por isso. Seu terapeuta precisa do seu ganho e os operadores do seguro saúde sempre exigem que você seja muito determinado, antes de pagarem a parte que lhes cabe. Eles usarão sua própria culpa para tornar difícil você conseguir mais que o tratamento absolutamente mínimo. Eles contam com a possibilidade de desencorajá-lo a buscar seus direitos, para poderem economizar e, fazendo assim, eles reforçam sua depressão. Há sinais esperançosos so-bre “paridade” em serviços de saúde mental mas, até que as leis sejam mudadas e novos regulamentos sejam publicados, os planos de saúde

* Uma evolução encorajadora são as caminhadas “Fora da Escuridão” da Fundação Americana para a Prevenção do Suicídio, que parecem estar atraindo mais atenção, pouco a pouco.

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gerenciados ainda encontrarão modos de restringir drasticamente a co-bertura para cuidados com pacientes ambulatoriais.

A década de 1987 a 1997 trouxe mudanças extraordinárias sobre como a depressão era tratada nos Estados Unidos, tendências que mui-to provavelmente continuaram desde então. O percentual de pessoas sendo tratadas por depressão triplicou naquele período, de menos de um por cento a 21-3 por cento (enquanto o número de pessoas receben-do tratamento de qualquer outro tipo realmente diminuiu levemente). Mas, todo esse crescimento foi devido ao aparecimento de novas dro-gas no mercado. Em 1987, 37 por cento das pessoas em tratamento contra a depressão estava tomando antidepressivos; em 1997, o per-centual subiu para 75 por cento. Nesse meio tempo, a proporção que recebia também psicoterapia diminuiu de 70 para 60 por cento e o nú-mero médio de sessões de terapia também diminuiu12. Os SSRI (a nova classe de antidepressivos – Prozac, Zoloft, Paxil, Celexa, Lexapro) não estavam, em geral, disponíveis em 1987, mas dentro de dez anos eles estavam sendo prescritos para quase 60 por cento dos pacientes. Por volta de 1988, mais de 130 milhões de prescrições de antidepressivos foram feitas a cada ano nos Estados Unidos e o Prozac, Paxil e Zoloft estavam entre as seis drogas de qualquer tipo mais vendidas13. Por volta de 2004, um terço das consultas de mulheres aos médicos resultou na prescrição de um antidepressivo14. Em 2005, 10 por cento da popula-ção americana estava tomando um antidepressivo15. Aqui você tem a intercessão de dois fatores: a propaganda direta ao consumidor (e todo o alvoroço da mídia a respeito) sobre os novos antidepressivos e o ad-vento da assistência administrada, que muitas vezes requer tratamento por um médico (não um psiquiatra) e reembolsa menos a psicoterapia. Muitos especialistas concordam que o tratamento com a medicação e a psicoterapia combinados é melhor, mas muito pouca pesquisa está sen-do conduzida sobre tratamento combinado porque, nos Estados Uni-dos, as empresas farmacêuticas financiam a pesquisa e elas não estão interessadas em dar apoio a essa conclusão. Então, a psicoterapia para depressão se tornou a exceção e uma prescrição do seu médico clínico se tornou a norma. A depressão se tornou química e não houve necessi-dade de examinar o stress em sua vida.

Então, começaram a pingar notícias de que os medicamentos não eram tão eficazes, afinal. Aprendemos que em seus testes, eles se mos-

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travam levemente melhores que pílulas de açúcar, que os testes usavam medidas designadas para exagerar o sucesso dos medicamentos e no geral, ao longo do tempo, muitas pessoas recaíam. Aprendemos que os efeitos colaterais eram muito mais pervasivos e graves do que fomos levados a acreditar e subsequentemente percebi que a depressão não pode ser combatida como um desequilíbrio químico.

Apesar de maior consciência e todas as pílulas descritas, a depressão permanece espantosamente subdiagnosticada. Aquele mesmo estudo mostrando a notável expansão no tratamento ainda observa que muitas pessoas com depressão não recebem nenhum tratamento. Muitas pes-soas não percebem que têm depressão. Quando eu trabalhava em nosso centro comunitário de saúde mental na parte rural de Connecticut, nós atendíamos duas ou três pessoas a cada semana com problemas de in-sônia e outros sintomas físicos, sentindo-se ansiosas e sobrecarregadas, que tinham perdido a ambição e a esperança, se sentiam sozinhas e alienadas, eram atormentadas por culpa ou pensamentos obsessivos, que podiam até ter tido pensamentos de suicídio – mas não chamavam tudo isso de depressão. Elas só concluíam que a vida cheirava mal e não havia nada que pudessem fazer a respeito. Elas iam aos seus médi-cos por dor e sofrimentos, falta de sono, perda de energia e conseguiam uma prescrição inútil ou procedimento médico ou eram dispensadas como hipocondríacas. Elas podiam medicar a si mesmas com álcool e drogas. Suas famílias não sabiam como ajudar; nem simpatia nem moralização pareciam ter qualquer efeito. Dessa forma, a pessoa de-pressiva era pega por um círculo vicioso de onde não parecia haver saída. Vida como essa cheirava mal, especialmente quando você acusa a si mesmo e não percebe ter uma doença.

A depressão não tratada danificará o curso da sua vida. Somente a metade dos homens com depressão grave estabelecida cedo (antes dos vinte e dois anos) provavelmente se casarão e formarão relacionamen-tos íntimos, comparados a homens que têm a depressão instalada mais tarde (ou não a tiveram). Só metade das mulheres com a depressão instalada cedo provavelmente se formarão em faculdade, comparadas às suas contrapartidas femininas, e seus ganhos anuais futuros serão substancialmente mais baixos16.

A tragédia real é que na saúde mental, onde há tão pouco que po-demos fazer para ajudar, a depressão é uma coisa que pode ser trata-

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da eficiente e eficazmente. Muitos estudos e pesquisas não distorcidas mostraram que o tratamento funciona. Muitas pessoas melhoram rapi-damente; porém, embora a recuperação total seja um processo lento e desafiador, está bem dentro de nosso domínio.

Janet foi internada num hospital psiquiátrico num estado agudo de depressão. Ela estava extremamente perturbada e confusa, não conseguia organizar seus pensamentos, não conseguia dirigir até o armazém ou tomar conta dos seus filhos. Estava obcecada por pen-samentos e impulsos suicidas, embora não desejasse conscientemente matar-se. Não conseguia dormir, sentia-se sem esperança e sem ajuda e tinha perdido todo interesse nas atividades comuns. Estava conven-cida de estar perdendo sua consciência. Isso parecia ter começado recentemente quando Janet descobriu que seu marido tinha tido um caso extraconjugal. Embora ele estivesse envergonhado de si mesmo e garantisse a ela que isso nunca ocorreria novamente, o mundo dela parecia que entraria em colapso. Em algumas semanas, sua capaci-dade de funcionar tinha se deteriorado dramaticamente. Seu marido a levou ao médico da família e juntos conseguiram uma internação na emergência. Após uma semana na área psiquiátrica, Janet se sentia muito melhor. Pouco antes de ela estar pronta para a alta, ela foi para casa para passar um fim de semana. Sua visita foi tranquila até que Janet descobriu uma carta que a amante do seu marido tinha escrito enquanto estava no hospital. Novamente ele tentou afirmar que o caso tinha terminado. Mas a sua condição piorou dramaticamente e ela fi-cou muitas semanas a mais no hospital.

A depressão é uma condição fascinante. Vale bastante a pena pensar nela como uma doença. A química das pessoas com depressão é dife-rente das outras pessoas e é possível encontrar as mesmas diferenças bioquímicas nos cérebros dos animais que parecem “depressivos”. Em longo prazo, a depressão parece resultar em perda de células cerebrais e o encolhimento de certas partes do cérebro (ver Capítulo 4). No nível humano, ajudar as pessoas a entender que elas têm uma doença pode libertá-las de boa parte da culpa e autoacusação que acompanham a depressão. Elas podem aprender modos diferentes de reagir ao stress e aprender a tomar medidas de forma que o perigo de futuros episódios

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possa ser grandemente reduzido. Mas, se é uma doença, como nós podemos perceber isso? Se o ma-

rido de Janet não tivesse tido um caso, ela teria tido depressão? Não havia nada nela que sugerisse suscetibilidade à depressão antes dela ficar doente. Agora Janet pensa ter tido um colapso; agora ela pensa sobre si mesma como uma paciente mental – mas isso não foi por que seu marido era um canalha? A depressão estava em Janet ou no seu ca-samento? Se estava no seu casamento, como as pílulas que Janet tomou a ajudaram a se sentir mais competente e capaz? Se estava em Janet, a depressão é a parte dela mesma que vê a verdade mais claramente do que Janet e seu marido poderiam admitir?

Muitas pessoas que tiveram uma experiência verdadeira com a de-pressão não tiveram nenhum problema em acreditar que algo de natu-reza bioquímica teria acontecido a elas. A mudança de humor, o modo como o ser e o mundo são percebidos parece tão profundo e esmagador que parece que a pessoa foi invadida por um ser alienígena. Não nos sentimos como nós mesmos. Algo muito poderoso, algo vindo de fora nos invadiu e nos mudou.

Mas, muitas pessoas que estão enfrentando sua primeira experiência com a depressão também reconhecem que esse sentimento que parece tão estranho também é audivelmente familiar. Elas se lembram de mui-tos momentos de sua infância e adolescência, quando se sentiram do mesmo jeito: sós, desamparadas e sem amigos. Elas podem se lembrar de seus pais como gentis e amorosos, mas imaginam porque não se sen-tiam amadas. Elas podem ter acreditado que tinham que ser perfeitas e podem ter tentado arduamente, mas falharam e sentiram novamente a inutilidade de seus esforços. Como adultos, elas podem ter pensado que se livraram dela, mas ei-la aí novamente. Winston Churchill se re-feria a essa depressão como o “cachorro negro” – a besta familiar que silenciosamente se encolhe aos nossos pés, à noite.

A depressão é uma doença na mente e no corpo, no presente e no passado. Agora, na psiquiatria, enfrentamos batalhas contínuas entre campos opostos, os que querem tratar o cérebro e os que querem tratar a mente – e os interessados na mente estão perdendo a batalha17. O lado que quer tratar o cérebro tem todo o suporte da Big Pharma, da medici-na tradicional e da mídia mirabolante. Mas sua pesquisa é quase sem-pre superficial. Infelizmente o paciente é pego no meio do caminho. O

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médico da família, apoiado pela indústria farmacêutica, tende a dizer: “tome esta pílula” – mas quando ela não funciona, o paciente tem outra à disposição, numa longa fileira de falhas para acrescentar à sua baga-gem. O profissional de saúde mental tende a dizer: “vamos falar sobre isso” – e o paciente tende a se sentir desamparado, mal entendido, por que simplesmente falar alivia um sofrimento tão terrível?

Isso não é uma questão disso ou daquilo. Ambos os modos de pen-sar são verdadeiros. A psicoterapia e os medicamentos produzem mu-danças semelhantes no funcionamento do cérebro18. Há um processo bioquímico na depressão, mas o indivíduo tem se tornado suscetível à depressão através das experiências da vida. O episódio atual pode ser precipitado por um evento externo, mas o evento colocou em movi-mento uma mudança no modo com que o cérebro funciona.

Quando tinha seus trinta anos Robert ficou na cama por catorze me-ses. Ele estava profundamente depressivo, embora não o percebesse. Um homem altamente intelectualizado, sua mente se preocupava com questões sobre o significado da vida. Incapaz de encontrar uma razão para viver, ele não via nenhuma razão para se levantar. Ele não se sentia conscientemente deprimido, ele só se sentia vazio. Sua esposa fez tudo que podia para tirá-lo da cama – trouxe médicos, membros da família, apelou para seus deveres com os filhos. Isso se tornou uma disputa amarga entre eles. Finalmente, um dia depois de sua esposa ter desistido, Robert decidiu se levantar e voltar ao trabalho.

Eu conheci Robert quinze anos mais tarde. Ele tinha tido outros epi-sódios em que ele ia para a cama por semanas, mas nunca por tanto tempo. Ele e sua esposa tinham estado separados por alguns anos, quando ela finalmente cansou de sua frieza.

Robert veio para tratamento porque temia ter uma recaída para seus velhos hábitos. Ele vivia sozinho então, numa casa literalmente abar-rotada com velharias. Havia dias em que ele não conseguia sair da cama. Quando o fazia, ele adiava tudo e não conseguia realizar nada. Ele tinha problemas com sua esposa, que parecia resolvida a promover uma desagradável batalha pelo divórcio. Ele ainda não via absoluta-mente nenhum propósito para viver, mas queria resolver o divórcio. Ele era decididamente contra medicamentos de qualquer tipo e já que nunca entrou num episódio depressivo grave enquanto trabalhamos

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juntos, eu não o pressionei. Robert tinha exatamente a base familiar tão comum entre homens

depressivos: um pai crítico, distante, hostil e uma mãe superficial e narcisista. Ele sentia que nunca poderia satisfazer seu pai ou inte-ressar sua mãe. Porque os filhos nunca conseguem ver seus pais ob-jetivamente; eles tornam o modo de seus pais os tratarem, parte de si mesmos; se você é tratado como poeira por muito tempo, você começa a se sentir como poeira. Ao invés de entender que o pai é muito crítico, a criança vivencia a si mesma como inadequada; ao invés de entender que a mãe é fria, a criança vivencia a si mesma como não amável. Esses sentimentos persistem na fase adulta como a base da depressão caracteriológica, uma existência sem esperança ou alegria.

Eu decidi tentar trabalhar com as partes fortes de Robert: sua inte-ligência, sua intelectualizada curiosidade sobre o significado da vida e seu reconhecimento que o mundo dos sentimentos era um território estrangeiro. Sugeri que ele fizesse algumas leituras para que pudesse entender melhor sua própria condição. Robert ficou fascinado com o livro de Alice Miller, Prisioneiras da Infância19, entendendo que ela descrevia seus pais e sua infância com precisão perfeita. Ele aprendeu que a depressão não é um sentimento, mas a incapacidade de sentir. Ele começou a aprender que quando sentia vontade de ir para a cama, isso era a resposta a algum evento interpessoal. Ele queria aprender melhores modos de responder.

Eventualmente Robert começou um relacionamento com Betty. Com a permissão de Robert, Betty veio ver-me; sua devoção a ele era óbvia, mas tive especial prazer de ver sua abordagem de “amor resistente”. Ela ajudou a educar Robert a respeito de sentimentos. Quando ele se tornava agressivo, ela não o deixava recuar. Ela arreliava e brincava com ele para tirá-lo de sua frieza. Por seu lado, ele estava tão comovi-do pelo evidente amor dela que não se permitia agir como um iceberg indiferente, autoabsorvido, que costumava ser. Ao invés de ruminar sobre o significado da vida, pela primeira vez ele começou a aprovei-tar a vida.

A crise na terapia veio após alguns meses. Betty decidiu ir embora de nossa pequena cidade, onde não havia trabalho disponível. Ela tinha família em outro estado que a ajudaria a produzir um novo começo. Robert poderia ir também. Mas ele foi pego num pensamento obsessi-

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vo. Ele ficou apavorado de que sua mulher pudesse romper e roubar algo que ele não queria que ela tivesse. Mas Robert sabia intelectual-mente que essas preocupações eram realmente triviais, em proporção com a oportunidade que ele tinha. Com essa nova compreensão sobre a depressão, ele pôde ver que estava deslocando sua ansiedade sobre mudança e comprometimento para coisas aparentemente mais simples. Ainda era muito difícil para ele deixar fluir. Eu tive que fazê-lo imagi-nar em detalhes o que seria sua vida sem Betty.

Vi Robert novamente três anos depois. Ele estava na cidade para ou-tra audiência do seu divórcio, que continuava a se arrastar. Ele e Betty estavam vivendo juntos e ele estava trabalhando e feliz. Por no mínimo três anos, não houve nenhum sinal de sua depressão.

O que ajudou tanto Robert? Foi a terapia, seu relacionamento com Betty ou algo mais? Quão destrutivo foi seu casamento? Sua retirada para a cama era, no mínimo parcialmente, um esconderijo das reclama-ções de sua mulher. Os medicamentos o teriam ajudado mais cedo, ou ajudado de modo ainda mais eficaz?

Para entender a depressão, deveríamos nos perguntar o que ocorreu com Robert e Janet que os fez responder ao stress da vida do modo que fizeram? Isso é o que os diferencia de outras pessoas.

Muitas esposas na situação de Janet teriam questionado seu casa-mento, não a si mesmas. Outras poderiam ter ignorado o caso de seu marido. O que tornou Janet tão vulnerável? Como Robert pôde ficar tão imobilizado por tanto tempo e então, um dia, ter pulado fora disso? Até que ponto sua frieza, sua incapacidade de sentir, que parecia tanto uma parte dele, contribuiu para sua depressão?

William Styron, autor de Escolha de Sofia e ganhador do Prêmio Livro Nacional, escreveu Escuridão Visível para descrever sua própria crise depressiva. Ele se referiu à sua experiência como “loucura”, sen-tindo que a palavra “depressão” é simplesmente uma expressão inade-quada da experiência – “uma verdadeira mixaria de palavra para uma doença tão importante...”. Ele disse que “quando o desequilíbrio de hu-mor de alguém evolui para uma tempestade – uma verdadeira e enorme tempestade no cérebro, que é de fato o que a depressão clínica parece mais que tudo – mesmo o leigo desinformado pode mostrar simpatia, ao invés da reação padrão que ‘depressão’ evoca, algo como ‘E então?’

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ou ‘Você vai sair dessa’ ou ‘Todos temos dias melhores’20.” Styron estava certo. As pessoas sentem vergonha de estarem depres-

sivas, sentem que podiam “sair dessa”, sentem-se fracas e inadequadas. Claro, esses sentimentos são sintomas da doença. A depressão é uma doença grave com risco de vida, muito mais comum do que reconhe-cemos. Já que os depressivos são fracos e inadequados, deixe-me listar os nomes de alguns depressivos famosos: Abraham Lincoln, Winston Churchill, Eleanor Roosevelt, Sigmund Freud, Terry Bradshaw, Drew Carey, Billy Joel, T. Boone Pickens, J. K. Rowling, Brooke Shields, Mike Wallace, Charles Dickens, Joseph Conrad, Graham Greene, Er-nest Hemingway, Herman Melville e Mark Twain.

A depressão é responsável por grande parte do negócio na maioria das práticas com pacientes ambulatoriais. Em nossa clínica, podíamos ver uma grande diferença entre o autorrelatório e o diagnóstico; somen-te 12 por cento das pessoas nos contavam, quando nos procuravam pela primeira vez, que a depressão era seu problema primário, mas 45 por cento de nossos pacientes terminavam com um diagnóstico de alguma forma de desequilíbrio por depressão. As pessoas não nos procuravam por terem consciência de estarem depressivas, mas porque a depressão alcançou o ponto de colocar suas vidas em crise – problemas conjugais, problemas com drogas ou álcool, problemas no trabalho. Mas podí-amos ver alguém que parecia triste, cansado e derrotado, não podia dormir, era irritável, sem esperança e se acusava por essa situação. A depressão muitas vezes vai crescendo em nós, tão lentamente, que nem nós, nem as pessoas mais próximas de nós percebemos a mudança, enquanto que um observador objetivo a detecta de imediato. Quando pela primeira vez decidi tentar os medicamentos e consultei um psi-quiatra que me conhecia socialmente, perguntei-lhe se ele pensava que eu poderia ser depressivo. Ele se surpreendeu de que eu não soubesse.

A depressão na maioria das vezes derruba jovens adultos, mas 10 por cento de todas as crianças sofrem um episódio de depressão antes dos doze anos e 20 por cento dos idosos relatam sintomas depressivos. Tanto as crianças quanto os idosos são espantosamente subtratados. Estima-se que seis milhões de idosos sofram de alguma forma de de-pressão, mas três quartos desses casos são mal diagnosticados e sub-tratados, apesar da rotina regular de cuidados médicos. A depressão nos idosos tende a ser considerada como inevitável, mas de fato ela é

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causada mais por saúde frágil e dificuldade de dormir do que tristeza, perda e isolamento. Entre os idosos que cometem suicídio, quase três quartos consultam um médico uma semana antes de morrer, mas só em 25 por cento desses casos o médico reconhece uma depressão21. Nas instalações de cuidados crônicos de longo prazo, muitos dos pacientes recebem alguma forma de antidepressivos, mas isso acontece por que estão depressivos, ou os fariam menos sensíveis às suas condições de vida? Nós os chamamos de depressivos se eles estiverem vendo corre-tamente que o mundo os trata como inúteis e esquecidos?

Vinte e cinco por cento de todas as mulheres e 11,5 por cento de todos os homens terão um episódio de depressão alguma vez em suas vidas. Mas essa incidência baixa relatada entre os homens pode ser um erro que surge da forma como os diagnosticamos. Os homens são socialmente proibidos de se expressar ou mesmo de vivenciar os senti-mentos associados à depressão. Eles reagem através do abuso de subs-tâncias, violência e comportamento autodestrutivo. Em todos os Esta-dos Unidos, quatro homens cometem suicídio para cada mulher que o faz, uma reversão dramática das diferenças na depressão relatada22. Na cultura Amish, onde a reação do macho é malvista, a incidência de depressão é a mesma em ambos os sexos. Veja o Capítulo 11 para uma discussão mais detalhada sobre essas diferenças de sexo.

O suicídio, o “pior” resultado da depressão, é oficialmente a décima maior causa de morte na América23. Há 33.000 suicídios documentados anualmente, mas a verdadeira incidência é provavelmente o dobro dis-so (porque a polícia e os examinadores médicos preferem não rotular as mortes ambíguas, solitárias, como suicídio). Uma de cada duzentas pessoas eventualmente tirará sua vida. E, embora eu pessoalmente pen-se que o suicídio possa ser uma escolha racional para as pessoas que estejam em sofrimento não tratado ou enfrentando uma grande inca-pacidade, a imprecisão das linhas fronteiriças significa que não temos dados confiáveis sobre como muitos suicidas são pessoas que estejam realmente depressivas, versus quantos são “racionais”. Minha experi-ência diz que muito, muito mais suicidas são realmente depressivos. Entre os adolescentes, o índice de suicídios quadruplicou nos últimos vinte e cinco anos. Há alguns anos, numa pequena cidade perto de onde eu trabalho, houve oito suicídios entre jovens em um ano. Esses eram normalmente jovens que acabaram de sair da escola, muitas vezes into-

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xicados, normalmente sem “sinais de aviso” antecipados. Uma criança zangada e amarga com um desapontamento não esperado fica bêbada e com uma arma à mão é um desastre esperando para acontecer.

Quando eu ainda trabalhava em Chicago, eu conheci Jane, cujo fi-lho de vinte anos atirou em si mesmo enquanto ela dormia no quarto ao lado. Esse era um jovem que ninguém descreveria como depressivo, embora fosse um fabricante de problemas. Com um histórico de pri-sões por pequenos delitos como menor de idade, ele foi enviado a uma escola reformatória quando tinha quinze anos. Desde sua libertação, ele tinha vivido dentro e fora da casa de Jane e com amigos. Ocasio-nalmente trabalhava, bebia muito e provocava brigas. Na noite em que tirou sua vida, Jimmy teve dois momentos de má sorte que provavel-mente o levaram ao limite. Primeiro, ele encontrou sua ex-namorada numa moradia local; ela se desviou do seu caminho para irritá-lo. Então ele correu até seu pai em outro bar. Um verdadeiro bêbado da cidade, seu pai mal reconheceu o filho. Quando conseguiu foi para lhe pedir dinheiro.

Jimmy voltou para casa por volta da meia-noite. Sua mãe acordou, levantou-se e falou com ele, perguntando-lhe se precisava de algo. Ele estava bebendo uma cerveja e lendo uma revista, e tanto quanto Jane pôde ver, ele estava em sua consciência habitual. Ela voltou para a cama. Jimmy foi para seu quarto e escreveu um bilhete, mais um tes-tamento que um bilhete de suicida. Ele queria que seu irmão ficasse com sua moto, sua cobra e seu rifle de caça. Então ele atirou com seu rifle de caça.

Jane continuamente me pergunta por quê. Eu não poderia dizer-lhe que o que pensava seria a verdadeira resposta a essa questão, porque seria muito cruel, mas, em minha opinião, ela e seu filho eram igual-mente vítimas da sorte, nada mais. Pegue qualquer amostra de jovens impulsivos, alcoólatras, cujas vidas não vão a lugar algum, torne-os bêbados, exponha-os à rejeição e os deixe sós com um revólver. Alguns deles atirarão em si mesmos. Quais tirarão suas vidas numa certa noi-te é somente a lei das médias. Eles são depressivos? Certamente o são, mas não podem admiti-lo ou mostrá-lo.

Jane é como muitas sobreviventes do suicídio que conheci. Você cer-tamente não o vence, mas aprende a viver com ele. Ela mesma foi de-

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pressiva durante um ano, tinha terríveis dores de cabeça (um sintoma psicossomático mimetizando a ferida do seu filho), era incapaz de tra-balhar, foi vencida pelo stress e saiu de médico em médico procurando alívio para sua doença. Medicamentos antidepressivos não ajudaram; tudo que eu pude fazer foi ouvi-la enquanto se queixava. Mais tarde suas dores de cabeça se tornaram menos frequentes e ela começou a ter um pouco mais de energia para organizar sua vida. Penso nela cada vez que ouço sobre um adolescente suicida.