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VER-O-PESO E A ARTE CONTEMPORÂNEA: Miguel Chikaoka, um
artista propositor
Paola Haber Maués1
Resumo O projeto VER-O-PESO E A ARTE CONTEMPORÂNEA: Miguel Chikaoka, um artista propositor nasceu a partir da minha participação, desde o inicio do ano de 2009, no projeto de pesquisa aprovado pelo CNPQ, Edital MCT/CNPq nº 06/2008 - Jovens Pesquisadores, Ver-o-Peso: tessituras de arte, imagens e patrimônio, coordenado pela Prof. Dr.ª Marisa Mokarzel. Este projeto tem por objetivo mapear e analisar as obras e as ações artísticas contemporâneas realizadas no complexo do Ver-o-Peso, do final da década de 1990 aos anos 2000, pelo fotógrafo Miguel Chikaoka, artista que apresenta um trabalho consistente utilizando o mercado como referência imagética, além de desenvolver intervenções artísticas e processos educacionais no local. O desenvolvimento da pesquisa é estabelecido a partir de três momentos inter-relacionados, o primeiro é um levantamento geral sobre os aspectos simbólicos que fazem o complexo do Ver-o-Peso ser tão peculiar e referência da identidade da cidade; o segundo é o mapeamento e análise das ações artísticas desenvolvidas por Chikaoka neste complexo, no final da década de 90 até os dias atuais; e o último é um levantamento do processo educativo advindo dessas práticas artísticas, visto que Chikaoka sempre propõe nas suas ações uma interação e participação direta do público. Entender como se configuram essas ações significa reconhecer um novo circuito de arte que se delimita na cidade, onde o cotidiano de uma área simbólica de Belém passa a se configurar como espaço artístico. A pesquisa ainda encontra-se em andamento, mas essa questão se apresenta como um campo fértil e de grande relevância de estudos para a História das Artes Visuais Contemporânea no Pará.
Palavras-chave: Arte contemporânea. Ver-o-Peso. Miguel Chikaoka.
1 Introdução
A presente pesquisa nasceu a partir da minha participação, desde o inicio do ano
de 2009, no projeto de pesquisa aprovado pelo CNPQ, Edital MCT/CNPq nº 06/2008 -
Jovens Pesquisadores, Ver-o-Peso: tessituras de arte, imagens e patrimônio, coordenado
pela Prof. Dr.ª Marisa Mokarzel.
O projeto Ver-o-Peso: tessituras de arte, imagens e patrimônio tem como objetivo
mapear e analisar as obras e as ações artísticas realizadas no complexo do Ver-o-Peso, do
1 Estudante do curso de graduação em Arte Visuais e Tecnologia da Imagem - UNAMA; bolsista de iniciação cientifica do projeto de pesquisa aprovado pelo CNPQ, Edital MCT/CNPq nº 06/2008 - Jovens Pesquisadores, “Ver-o-Peso: tessituras de arte, imagens e patrimônio”. E-mail: [email protected].
final da década de 1990 aos anos 2000, visando formular um pensamento critico relativo a
arte, a educação, a cidade, ao patrimônio e as relações e negociações sócio-culturais que se
estabelecem entre o artista e os usuários deste complexo.
A pesquisa Ver-o-Peso e a Arte Contemporânea é idealizada a partir do foco do
projeto do CNPQ, porém fazendo um recorte específico nas ações desenvolvidas pelo
fotógrafo Miguel Chikaoka, artista que apresenta um trabalho consistente utilizando o
complexo do Ver-o-Peso como referência imagética, além de desenvolver intervenções
artísticas e processos educacionais no local.
O desenvolvimento da pesquisa é estabelecido a partir de três momentos inter-
relacionados, o primeiro é um levantamento geral sobre os aspectos simbólicos que fazem o
complexo do Ver-o-Peso ser tão peculiar e referência da identidade da cidade; o segundo é
o mapeamento e análise das ações artísticas desenvolvidas por Chikaoka neste complexo,
no final da década de 90 até os dias atuais; e o último é um levantamento do processo
educativo advindo dessas práticas artísticas, visto que Chikaoka sempre propõe nas suas
ações uma interação e participação direta do público.
Entender como se configuram essas ações significa reconhecer um novo circuito
de arte que se delimita na cidade, onde o cotidiano de uma área simbólica de Belém passa a
se configurar como espaço artístico. Essa questão se apresenta como um campo fértil e de
grande relevância de estudos para a História das Artes Visuais Contemporânea no Pará.
A abordagem metodológica utilizada é a de caráter a qualitativo; os procedimentos
adotados são o método bibliográfico e a crítica genética. Para coleta de dados utilizamos
como recursos a entrevista, a pesquisa bibliográfica e os documentos de processo.
2 Ver-o-Peso e o circuito artístico contemporâneo
Ver-o-Peso tem na sua lama e nas velas que se levantam para o sol a história áspera e obscura dos barqueiros paraenses e o misterioso poder de todo o inesperado encanto de Belém.
Dalcídio Jurandir
Nas ultimas décadas, presenciamos a formação de um novo circuito em Belém que
sai das galerias e lugares institucionalizados buscando espaços expositivos alternativos, se
aproximando cada vez mais do público e dialogando cada vez mais com a cidade. O
complexo do Ver-o-Peso, formado pelo Mercado de Peixe, Mercado de Carne, Feira Livre,
Solar da Beira e todo o seu entorno, integra-se a esse fluxo.
O Ver-o-Peso foi inaugurado em 21 de março de 1688, e tem um valor inestimável
pela sua arquitetura, paisagem, patrimônio e memória, se apresentando como um ícone da
cidade de Belém. De local destinado puramente a relações comerciais, tornou-se espaço de
vivência social e de trocas simbólicas, onde convergem diferentes grupos e circulam
centenas de pessoas por dia. “[...] as relações sociais ali engendradas produzem práticas e
saberes específicos que dão sentido ao lugar, a partir de significados próprios, peculiares,
formulados por quem vive da feira” (LIMA, 2008, p. 17).
O complexo do Ver-o-Peso configura-se como um organismo vivo da cultura desta
região, no qual são desenvolvidas várias ações artísticas contemporâneas.
Podemos citar como exemplos de artistas que aderiram a esse circuito, a fotógrafa
Paula Sampaio que distribuiu pelo mercado a Folha do Ver-o-Peso, intervenção impressa
constituída de fotos, depoimentos com as pessoas que freqüentam cotidianamente o local e
artigos de intelectuais e artistas, como Mariano Klautau Filho e Janice Lima. Outro
exemplo é o trabalho de Dirceu Maués, também fotógrafo, que utiliza a técnica pinhole2
para retratar o cotidiano do Ver-o-Peso. Ainda temos a artista Lúcia Gomes, que faz ações
de cunho político, como a performance em que propõe para que os transeuntes do mercado
brinquem com pipas que trazem as letras P, A, e Z. Entre outros podemos citar também
Marinaldo Santos, que espalha, na feira, sacolinhas com pinturas alusivas ao comércio.
Em termos institucionais, o Salão Arte Pará vem utilizando desde 2005 o Ver-o-
Peso como espaço expositivo e de interação, possibilitando que tanto artistas locais como
nacionais, interajam com esse universo de erveiras, benzedeiras, feirantes, açougueiros,
comerciantes e demais trabalhadores e freqüentadores deste complexo.
3 Miguel Chikaoka e suas proposições artísticas e educacionais
[...] um não virar as costas para o mundo para restringir-se a problemas estéticos, mas a necessidade de abordar esse mundo com uma vontade e um pensamento realmente transformadores [...]
Hélio Oiticica
2 Câmera fotográfica artesanal sem lente.
O artista Miguel Chikaoka, paulista que atua desde a década de 80 em Belém, hoje
se configura como uma das mais importantes e ativas figuras da fotografia no norte do país.
Na mesma década que se instala na cidade, funda a Fotoativa, que atinge o caráter de
associação no inicio do ano 2000. A Associação Fotoativa promove oficinas, mostras de
fotografias e reúne tanto fotógrafos profissionais como iniciantes da fotografia, e ajudou a
impulsionar a fotografia no Pará.
Na sua produção, Chikaoka costuma usar o Ver-o-Peso como referencial
imagético para as suas fotografias, quando realiza suas oficinas, em geral, organiza saídas
fotográficas com seus alunos ao mercado e várias vezes já promoveu oficinas para os
próprios feirantes. Em decorrência disso, Chikaoka tem grande intimidade com o Ver-o-
Peso e também é conhecido pelas pessoas que trabalham lá.
Miguel teve o Projeto Ver-o-Peso aprovado pelo Ministério da Cultura em 2000
para captação de recursos através da lei 8313/91 Rouanet. O projeto objetivava a
construção de um acervo de imagens e informações sobre o complexo do Ver-o-Peso, com
a participação de fotógrafos e pessoas que trabalham na área do mercado.
Infelizmente, por questões de arrecadação de recursos, o projeto não pôde ser
realizado na integra, e o acervo de imagens sobre o local não pode ser montado. Somente
ocorreram as oficinas de iniciação fotográfica que estavam previstas, com os trabalhadores
do mercado e outras pessoas que se interessaram em participar.
Em 2004, Chikaoka propôs a obra intitulada Urublues, que envolveu mais de cem
pessoas, incluindo fotógrafos e os trabalhadores do Ver-o-Peso. Na ação, o fotógrafo
realizou uma oficina de fotografia com a técnica pinhole e uma saída fotográfica no Ver-o-
Peso com os participantes. O resultado das oficinas acarretou na captura de milhares de
imagens de vários aspectos do complexo. A união de todas essas imagens, reduzidas a
fotografias 4x4 cm, em preto e branco, compôs um mosaico de 2,5x5m de dimensão,
realizado por Chikaoka, representando o Mercado de Ferro do Ver-o-Peso.
Através desse gesto, o artista deslocou as atenções da imagem maior tornando
cada pequena imagem importante para o todo, abrindo, assim, espaço para reflexão para a
diversidade cultural presente no Ver-o-Peso. De acordo com Pardini (apud. SEQUEIRA,
2010, p. 89), “Cada um desses ‘furos de agulha’ na superfície do Ver-o-Peso abre uma
perspectiva descentrada e oferece uma das infinitas experiências fotoperceptivas deste
espaço-mundo.”
O artista Alexandre Sequeira (2010, p. 91), considera que os motivos principais
desta ação podem ser compreendidos como o zelo com que cada feirante envolvido no
processo trata de seu espaço de trabalho, e as questões da preservação deste patrimônio.
Podemos discutir ainda nesta obra o conceito de identidade, em que o individuo sente um
pertencimento ao grupo e se mistura ao todo, mas ao mesmo tempo tem características que
lhe são próprias e se reconhece nesse emaranhado.
No Arte Pará de 2006, Chikaoka promoveu uma oficina de caráter experimental
com os vendedores de peixe. A partir de uma reflexão coletiva sobre as condições de vida e
trabalho, então os peixeiros foram convidados a utilizar a técnica do pincel de luz para
ilustrarem as suas reflexões. Essas fotografias foram impressas em grandes tecidos e
expostas no Mercado de Peixe, dentro do circuito do Arte Pará. Para o curador do salão,
Maneschy (2006, p. 51) , as fotografias funcionaram como “[...] peixes que flutuaram sobre
as cabeças das pessoas que visitaram o lugar e alimentaram de idéias as mentes dos
feirantes, como signos de movimento e transformação, numa experiência significativa para
suas vidas.”
Essas proposições despertam nas pessoas que freqüentam e trabalham no espaço
uma nova leitura deste patrimônio, através da arte e da fotografia.
4 Processos educacionais e arte coletiva
De acordo com Canclini (2003, p. 136), a partir dos anos 60 os movimentos
democratizadores começaram a buscar uma arte que superasse o “isolamento” e a
“ineficácia” e se aproximasse cada vez mais do público.
Uma primeira tentativa foi a de rechear as exposições com cartazes e recursos de
caráter pedagógico que informassem ao espectador aspectos úteis sobre a obra, baseado na
“[...] tese de que todo produto artístico esta condicionado por um tecido de relações
sociais[...]” (CANCLINI, 2003, p. 136). Porém, o que acontece com freqüência nestes
casos é o deslocamento do enfoque da concentração do público da obra de arte para a
biografia e outros aspectos puramente formais contidos nestes informativos.
Uma segunda tentativa dos movimentos democratizadores propôs levar as obras
dos museus e galerias para os lugares públicos. Em contraposição a isso, Canclini (2003, p.
138) afirma que “as obras concebidas levando em conta a autonomia moderna das buscas
formais [...] costumam tornar-se mudas quando são vistas em meio ao ruído urbano [...]”.
A terceira via tratava-se de levar a ação ao público, que não seria apenas
espectador, mas participante ativo do processo de produção da obra. Canclini (2003, p. 138)
ressalta que essa atitude é a “[...] mais radical com respeito à autonomia e ao aristocratismo
do campo artístico [...]”. O autor deixa claro que, apesar do público ser também o produtor
da obra, a qualidade desses trabalhos só é satisfatória pela orientação do artista influente do
seu oficio.
Seguindo o raciocínio de Canclini, podemos chegar nas ações artísticas da
vanguarda brasileira dos anos 60, que defende os vários modos de participação do
espectador e a arte coletiva fora dos espaços institucionais. Hélio Oiticica e Lygia Clark são
artistas desse movimento e, em seus escritos, defendem o conceito do artista propositor,
que tem como função criar “[...] uma condição ampla e de participação popular nessas
proposições abertas [...]” (OITICICA, 1986, p. 99).
Clark (apud. MILLIET, 1992, p. 155) descreve assim o artista propositor: “[...]
nossa proposição é o diálogo. Sós, não existimos: estamos a vosso dispor. Somos os
propositores: enterramos a obra de arte como tal e solicitamos a vocês para que o
pensamento viva pela ação.”
As reflexões relativas ao artista propositor identificadas nas ações de Chikaoka
ainda serão avaliadas com maior rigor. Analisaremos com mais atenção as obras criadas
por Miguel Chikaoka no complexo do Ver-o-Peso, assim, como já foi dito, o caráter de
artista propositor que ele desempenha, quando provoca o espectador a participar do
processo produtivo da obra através de processos educativos, nos quais o individuo é
convidado a dar direção e significação a obra. Esta pesquisa encontra-se em processo,
portanto muitas questões ainda serão desenvolvidas.
A última etapa deste trabalho será, então, a descrição e análise dos processos
educativos advindo dessas práticas artísticas.
Finaliza-se este artigo não com uma conclusão, mas uma pergunta: Como esses
processos de proposição da participação e do envolvimento do público na produção das
obras são realizados e como intervêm nos conceitos sobre arte e patrimônio do Ver-o-Peso?
Patrimônio aqui abrange tanto o complexo do Ver-o-Peso, a própria paisagem urbana,
assim como os bens de caráter imaterial, como os conhecimentos, crenças, valores,
significados e práticas cotidianas características deste grupo social que trabalha e convive
com o Ver-o-Peso.
Referências bibliográficas
CANCLINI, Néstor. Culturas híbridas: estratégias para entrar e sair da modernidade. São Paulo: Edusp, 2003.
LIMA, Maria Dorotéia de. Ver-o-Peso, patrimônio(s) e práticas sociais: uma abordagem etnográfica da feira mais famosa de Belém do Pará. Dissertação apresentada ao programa de pós-graduação da UFPA. Belém: 2008.
MANESCHY, Orlando. Notas sobre experiências incorporadas in: HERKENHOFF, Paulo (org.). Arte Pará 2006. Catálogo. Belém: Fundação Rômulo Maiorana, 2006. p. 51-62.
MILLIET, Maria Alice. Lygia Clark: obra-trajeto. São Paulo: Edusp, 1992.
OITICICA, Hélio. Aspiro ao grande labirinto. Rio de Janeiro: Rocco, 1986.
SEQUEIRA, Alexandre. Entre Lapinha da Serra e o Mata Capim: fotografia e relações de trocas simbólicas. Dissertação apresentada ao programa de pós-graduação da UFMG. Belo Horizonte: 2010.