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Júlio César Versolato Rumos da Análise Musical no Brasil (análise estilística 1919-84) São Paulo 2008

VERSOLATO Rumos Da Análise Musical

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Analise musical

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  • Jlio Csar Versolato

    Rumos da Anlise Musical no Brasil (anlise estilstica 1919-84)

    So Paulo 2008

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    Jlio Csar Versolato

    Rumos da Anlise Musical no Brasil (Anlise Estilstica 1919-84)

    Dissertao apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Msica do Instituto de Artes da Universidade Estadual Paulista, como requisito parcial para obteno do grau de Mestre. rea de concentrao: Musicologia/Etnomusicologia. Orientadora: Profa. Livre Docente Dorota Kerr.

    Versolato, Jlio Csar V564r Rumos da anlise musical no Brasil : anlise estilstica

    1919-1984 / Jlio Csar Versolato. - So Paulo : [s.n.], 2008. 125 f.

    Bibliografia Orientador: Prof. Livre-Docente Dorotea Kerr Dissertao (Mestrado em Msica) - Universidade

    Estadual Paulista, Instituto de Artes.

    1. Msica Anlise, apreciao. 2. Msica Brasil - 1919-1984. I. Kerr, Dorota. II. Universidade Estadual Paulista, Instituto de Artes. III. Ttulo.

    CDD - 780.15

    So Paulo 2008

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    Jlio Csar Versolato

    Rumos da Anlise Musical no Brasil (Anlise Estilstica 1919-84)

    Dissertao apresentada ao Programa de Ps-Graduao em Msica do Instituto de Artes da Universidade Estadual Paulista, para obteno do grau de Mestre, rea de concentrao: Musicologia/Etnomusicologia.

    So Paulo, de de 2008.

    Banca Examinadora:

    Profa. Dra. Dorota Kerr ........................................................................................................ Universidade Estadual Paulista - UNESP

    Profa. Dra. Yara Borges Caznok ............................................................................................ Universidade Estadual Paulista - UNESP

    Prof. Dr. Rogrio Luiz Moraes Costa .................................................................................... Universidade de So Paulo - USP

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    Dedico este trabalho a meu pai Valdir

    e a minha me Minalda pela ajuda e f na minha realizao

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    Agradecimentos

    Profa. Dorota kerr, pela orientao crtica.

    Ao Prof. Achille Picchi, pelas conversas sobre anlise musical.

    Ao pessoal da BIA, Cristina, Sebastiana, Laura, Fabiana e Odair, sempre solcitos.

    Aos amigos Ingo, Thas e Silvia, pela ajuda nas tradues, e conversas sobre o caminho.

    A todos os amigos que ajudaram muito, querendo saber e ouvindo o que eu tinha a dizer.

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    sempre bom lembrar que um copo vazio

    est cheio de ar

    Da cano Copo Vazio

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    de Gilberto Gil RESUMO

    RESUMO: Em Rumos da Anlise Musical no Brasil - Anlise Estilstica (1919-84) investiga-se o estado-da-arte da anlise musical no Brasil a partir de textos escritos em lngua portuguesa por autores brasileiros ou aqui radicados, e publicados em forma de livro. Os resultados apresentados referem-se a 42 livros de anlise musical coletados por meio de levantamento bibliogrfico, e submetidos a uma crtica externa na qual foram observados aspectos referentes a cronologia, autenticidade, provenincia, e publicao dos textos; e identificados seus objetos de estudo e contextos analticos. Quatro contextos foram indicados: 1. anlise estilstica crtico-romntica brasileira (1919-41), 2. anlise estilstica braslica (1963-84), 3. anlise formalista (1987-2005), 4. nova anlise musical brasileira (1979-2007). Realizou-se uma crtica interna a 16 dos 42 livros coletados, com o propsito de explicar a natureza dos trabalhos desenvolvidos no contexto da anlise estilstica crtico-romntica brasileira e da anlise estilstica braslica, e verificar a significao desta ltima com respeito criao de um discurso analtico prprio brasileiro. No referencial terico apresentado, investiga-se o processo de autonomia da anlise musical, e apresenta-se uma concepo plural de sua definio.

    PALAVRAS-CHAVE: Anlise musical; Anlise estilstica brasileira (1919-1984); Estado-da-arte.

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    ABSTRACT

    ABSTRACT: In Courses of Musical Analysis in Brazil Stylistic Analysis (1919-84), the musical analysis state-of-art in Brazil is investigated trough literature written in Portuguese by brazilian authors (or authors living in Brazil), published as books. The results presented here refer to 42 books of musical analysis chosen from bibliographic research, submited to external critics in which chronology, autenticity, origin and publishment aspects where considered; also study matters and analitical contexts where identified. There have been indicated four different contexts: 1. Brazilian Stylistic Analysis Critic-romantic (1919-41), 2. Brazilian stylistic analysis (1963-84), 3. Formal Analysis (1987-2005), 4. New Brazilian Musical Analysis (1979-2007). There has been done internal critics on 16 of the 42 books, with the purpose of explaining the nature of the developed work in the critical-romantic brazilian analysis context and Brazilian stylistic analysis, and verify the meaning of that last one about the birth of an true brazilian analythical speech. In the theoretical reference presented, the process of musical analysis autonomy is invetigated, and an plural conception of its definition is presented.

    KEY-WORDS: Music analysis, Brazilian Stylistic Analysis 1919-84, State-of-art.

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    SUMRIO

    Introduo ............................................................................................................................... 10

    1. Da anlise musical .............................................................................................................. 16 1.1. Da autonomia ................................................................................................................... 16 1.2. Definio .......................................................................................................................... 24

    2. Livros de anlise musical publicados no Brasil .................................................................. 29

    3. Anlise estilstica crtico-romntica brasileira .................................................................... 48

    4. Anlise estilstica braslica .................................................................................................. 67

    Consideraes finais ............................................................................................................. 114

    Referncias Bibliogrficas..................................................................................................... 116

    Bibliografia ........................................................................................................................... 120

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    Introduo

    Rumos da Anlise Musical no Brasil (anlise estilstica, 1919-84), uma pesquisa na qual se tem por objetivo determinar o estado da arte da anlise musical no Brasil, tendo como objeto de investigao textos publicados em forma de livro. Quanto pesquisa do tipo estado da arte, Srgio Vasconcelos de Luna considera que:

    O objetivo deste tipo de trabalho descrever o estado atual de uma dada rea de pesquisa: o que j se sabe, quais as principais lacunas, onde se encontram os principais entraves tericos e/ou metodolgicos. Entre as muitas razes que tornam importantes estudos com esse objetivo, deve-se lembrar que eles constituem uma excelente fonte de atualizao para pesquisadores fora da rea na qual se realiza o estudo, na medida em que condensam os pontos importantes do problema em questo (LUNA, 2002, p.82).

    Assim, nessa pesquisa tem-se em vista a necessidade de tomar cincia do que j foi realizado na rea da anlise musical no Brasil e, a partir da observao e descrio de material bibliogrfico especfico, ampliar o conhecimento sobre fatos j postulados de modo a poder utiliz-los mais produtivamente em trabalhos posteriores, seja concebendo os mesmos fatos de maneira inovadora ou ainda seguindo em direes diversas, e evitar incorrer em repeties e desperdcio de tempo e energia com a inveno da roda. Outro motivo para a realizao desta pesquisa o fato de propiciar facilidade de acesso a um tipo de informao til para os aspirantes ps-graduao em um momento no qual o conhecimento de anlise musical passou a ser solicitado nas universidades de forma sine qua non para a realizao de trabalhos de mestrado e doutorado, tanto na rea da composio como na da performance e, tambm, nas pesquisas musicolgicas. Nesse sentido, e para que se atinja um outro estgio de evoluo, faz-se necessrio uma reciclagem do conhecimento, processo para o qual concorre de maneira efetiva um balano do que j foi realizado. Dessa forma, objetiva-se saber em que circunstncias realiza-se a pesquisa analtico-musical no Brasil (tempo, lugar e pessoas), quais os tipos de anlise praticados (contextos e mtodos analticos), os objetos abordados, a finalidade de sua aplicao, e os resultados obtidos. Entre as especificidades que o objeto livro apresenta pontuando seu interesse para essa pesquisa pode-se citar:

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    A perspectiva histrica, em virtude de sua ocorrncia dar-se ao longo de quase um sculo, visto que o livro mais antigo entre os coletados data de 1919 e o mais recente data de 2007.

    A pluralidade ideolgica por possibilitar o concurso de autores advindos de outros ambientes musicais que no apenas o acadmico e, tambm, de outras reas do conhecimento. Alm disso, so apresentados tipos de textos que se diferenciam dos modelos usuais em teses e dissertaes, visto que a ocorrncia do livro abrange uma poca em que ainda no havia no Brasil uma produo musicolgica acadmica em termos estritos. Publicaes em forma de livro feitas a partir de teses e dissertaes defendidas em universidades surgiram com a publicao, em 1977, do livro Villa-Lobos o Choro e os Choros, de Jos Maria Neves.

    O fator de seletividade pressuposto que pode ser indcio de uma certa excelncia do texto visto que nem todos os trabalhos aprovados nos programas de ps-graduao e de iniciao cientfica recebem indicao para publicao, e que os trabalhos originrios de outros meios tm que passar pelo crivo do mercado.

    O fator comunicacional, considerando-se que o livro parece ser o suporte material mais propcio para a disponibilizao em larga escala desse tipo de conhecimento a despeito da existncia de revistas cientficas e anais de congressos, mesmo porque estes veiculam textos de menor extenso, e dos acervos on-line, estes ainda recentes.

    O recorte estabelecido a partir das circunstncias acima citadas.

    Esta pesquisa foi realizada em duas fases. Na primeira, tratou-se da definio do objeto e da coleta do material para pesquisa e, na segunda, realizou-se a observao e descrio desse material. Quanto definio do objeto determinou-se que os textos a serem investigados devem apresentar as seguintes caractersticas:

    Constituir exemplo enftico e significativo de aplicao da anlise musical em qualquer uma de suas formas, mtodos ou tcnicas.

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    Ter a anlise musical como motivao principal estudo de obra ou conjunto de obras, estudo de mtodo analtico ou como instrumento vital para se atingir objetivos referentes a outras disciplinas musicolgicas comprovao de princpios tericos, fundamentao de argumento esttico, justificao de procedimentos interpretativos, caracterizao de estilo.

    Apresentar anlises de obras reais na ntegra ou em parte e no de exemplos criados com o propsito de configurar uma situao ideal.

    Estarem no contexto da tradio da msica europia ou da chamada msica erudita por entender-se que esta constitui um campo de estudo especfico que se diferencia, por exemplo, do estudo da msica popular ou folclrica, mais prprios do campo da etnomusicologia.

    Terem sido escritos em forma de ensaio, monografia, dissertao, tese, ou qualquer outro tipo de texto, de mdia a grande extenso, e que constituam todo um livro ou, ao menos, parte substancial de uma publicao. Excluem-se, por exemplo, artigos ou resenhas, mesmo que agrupados em coletneas.

    Terem sido escritos em lngua portuguesa por autores brasileiros ou aqui radicados.

    A coleta do material consistiu na realizao de um levantamento bibliogrfico no qual foram relacionados 42 livros de anlise musical. Os livros foram rastreados por meio de consultas via internet base de dados RILM e aos sites da Biblioteca Nacional e da Academia Brasileira de Msica; por contato telefnico junto s editoras Annablume, Ateli Editorial, Musa Editora, Editora Perspectiva, Via Lettera, Unesp, Edusp, Editora da Unicamp, e ao Museu Villa-Lobos; por meio de coleta in loco nas Bibliotecas do IA/UNESP, da ECA/USP, e na Discoteca Oneyda Alvarenga do Centro Cultural So Paulo. Quanto ao rastreamento do material, foram procuradas publicaes que apresentam a palavra-chave anlise musical, ou que associam ao termo msica outros termos como: crtica, interpretao, apreciao, esttica, filosofia, e outros que tais. Nas bibliotecas procurou-se os livros com classificao 780.15 e similares. Dessa forma, procurou-se elencar no s os textos que tm a anlise

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    musical como foco principal, mas tambm aqueles que a utilizam para atingir outros objetivos. A segunda fase da pesquisa consistiu na observao e descrio do material coletado, com o fim de apresentar um panorama geral dessa produo e narrar sua histria. Adotou-se o tipo de observao livre ou semi-estruturada, na qual o referencial terico no antecede totalmente o planejamento e a realizao da pesquisa, mas vai sendo construdo atravs de procedimentos sucessivos de interao prtica com a realidade a ser analisada (FREIRE, 2007, p.28). Nessa descrio empregou-se uma adaptao dos procedimentos metodolgicos de crtica externa e interna de material bibliogrfico, propostos por Lakatos e Marconi (1995), especificados a seguir.

    Crtica externa do material bibliogrfico aquela na qual se focaliza o significado, a importncia e o valor histrico de um documento, considerado em si mesmo e em funo do trabalho que est sendo elaborado (SALOMON In: LAKATOS, 1995, p.48).

    Crtica interna do material bibliogrfico aquela na qual se aprecia o sentido e o valor do contedo (LAKATOS, 1995, p.49).

    Com respeito crtica externa foram determinados para observao aspectos referentes autenticidade, provenincia, e publicao dos textos, em uma acepo derivada das propostas metodolgicas de Lakatos e Marconi (1995); e a partir das caractersticas apresentadas pelo prprio objeto decidiu-se, tambm, pela observao de aspectos cronolgicos, objetos de estudo, e contextos analticos. Para a melhor visualizao desses dados foram estruturadas quatro tabelas, a partir das quais teceu-se uma narrativa.

    Tabela 1 Cronologia (data / ttulo / autor). Tabela 2 Publicao (ttulo / local / editora / edio / tiragem / disponibilidade). Tabela 3 Autoria (motivao / ttulo / autor). Tabela 4 Compositores e obras (compositor / ttulo / obra). Tabela 5 Contexto analtico (contexto / ttulo, autor, data).

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    Durante a realizao dessa crtica externa detectou-se um momento especfico do desenvolvimento da anlise musical no Brasil, a partir do qual foi formulada uma hiptese de configurao de um determinado tipo de anlise estilstica nessa pesquisa denominado de anlise estilstica braslica que apresenta caractersticas especficas, podendo constituir um primeiro passo na direo da criao de um discurso analtico prprio brasileiro. Procedeu-se, ento, com a verificao dessa hiptese por meio da realizao de uma crtica interna a 16 dos 42 livros coletados, 6 concernentes ao contexto da anlise estilstica brasileira crtico-romntica, e 10 ao contexto da anlise estilstica braslica. Com respeito a essa crtica interna tambm concebida a partir dos pressupostos metodolgicos indicados por Lakatos e Marconi (1995) determinou-se para observao aspectos referentes interpretao e avaliao do contedo dos textos. Quanto aos aspectos referentes interpretao focalizou-se os contextos e mtodos de anlise musical. A determinao dos contextos foi feita por meio da comparao entre as caractersticas da anlise musical apresentada nos livros coletados e as caractersticas da anlise realizada em contextos historicamente reconhecidos. Para a classificao dos mtodos de anlise empregados resolveu-se adotar o procedimento de descrio objetiva dos dados fornecidos pelos livros, e concomitante agrupamento por similaridade, para, s ento, fazer a comparao dos resultados obtidos, com possveis mtodos notoriamente estabelecidos no estrangeiro. Preferiu-se essa possibilidade a adotar-se a priori algum tipo de classificao forosamente postio porque produzido em outro tempo e lugar e, portanto, a partir de outra realidade cultural, e que poderia acabar funcionando mais como uma camisa de fora do que como um caminho para demonstrar as propriedades de nossa produo em sua realidade, diversidade e, por qu no?, no que possa trazer de inovao. A identificao e descrio objetiva dos mtodos de anlise empregados foi feita a partir da observao das referncias a autores ocorridas ao longo do texto e/ou na bibliografia geral, ou, ento, da ocorrncia de mtodos tradicionais e notrios, ainda que no referenciados. No que se refere aos contextos, os livros foram agrupados a partir do reconhecimento de tendncias quanto a modelos metafricos. Quanto avaliao do contedo, o aspecto focalizado refere-se significao dos trabalhos em relao anlise musical brasileira como um todo, considerada a partir de um problema de maior magnitude para cuja soluo essa pesquisa aponta, que o de saber da organicidade no desenvolvimento da anlise musical no Brasil. H continuidade no estudo dessa disciplina no Brasil? Pode-se falar em escola de anlise musical brasileira? Haver analistas brasileiros que influenciaram ou serviram de referncia para seus sucedneos?

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    No novidade a preocupao com a descontinuidade na produo de conhecimento em nosso pas, promovida no s pela falta de vnculos com a produo brasileira do passado, mas tambm pela aceitao submissa de tendncias em voga no estrangeiro. O professor e crtico literrio Roberto Schwarz, em seu texto Nacional por Subtrao, ao discutir o mal-estar que ns brasileiros sentimos na experincia cotidiana do carter postio da vida cultural que levamos, retrata bem essa questo em sua dimenso acadmica.

    Tem sido observado que a cada gerao a vida intelectual no Brasil parece recomear do zero. O apetite pela produo recente dos pases avanados muitas vezes tem como avesso o desinteresse pelo trabalho da gerao anterior, e a conseqente descontinuidade da reflexo. Conforme notava Machado de Assis em 1879, "o influxo externo que determina a direo do movimento". Que significa a preterio do influxo interno, alis menos inevitvel hoje do que naquele tempo? No preciso ser adepto da tradio ou de uma impossvel autarquia intelectual para reconhecer os inconvenientes desta praxe, a que falta a convico no s das teorias, logo trocadas, mas tambm de suas implicaes menos prximas, de sua relao com o movimento social conjunto, e, ao fim e ao cabo, da relevncia do prprio trabalho e dos assuntos estudados. Percepes e teses notveis a respeito da cultura do pas so decapitadas periodicamente, e problemas a muito custo identificados e assumidos ficam sem o desdobramento que lhes poderia corresponder. O prejuzo acarretado se pode comprovar pela via contrria, lembrando a estatura isolada de uns poucos escritores como Machado de Assis, Mrio de Andrade e, hoje, Antonio Candido, cuja qualidade se prende a este ponto. A nenhum deles faltou informao nem abertura para a atualidade. Entretanto, todos souberam retomar criticamente e em larga escala o trabalho dos predecessores, entendido no como peso morto, mas como elemento dinmico e irresolvido, subjacente s contradies contemporneas. (SCHWARZ, 1987, p.30).

    Logo em seguida, Schwarz enfatiza o teor e o valor substantivo dessa continuidade que, ainda que esteja sendo pensada no contexto da literatura, no seria difcil de se transpor para o contexto da msica.

    No se trata, portanto, de continuidade pela continuidade, mas da constituio de um campo de problemas reais, particulares, com insero e durao histrica prprias, que recolha as foras em presena e solicite o passo adiante. Sem desmerecer os tericos da ltima leva que estudamos em nossos cursos de faculdade, parece evidente que nos situaramos melhor se nos obrigssemos a um juzo refletido sobre as perspectivas propostas por Silvio Romero, Oswald e Mrio de Andrade, Antonio Candido, pelo grupo concretista, pelos Cepecs... H uma dose de adensamento cultural, dependente de alianas ou confrontos entre disciplinas cientficas, modalidades artsticas e posies sociais ou polticas sem a qual a idia mesma de ruptura, perseguida no culto ao novo, no significa nada. [...] (SCHWARZ, 1987, p.31).

    Portanto, essa pesquisa feita com a inteno de perceber e decodificar idias lanadas, conquistas alcanadas e seu ecoar, ou no, em trabalhos posteriores.

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    1. Da anlise musical

    1.1. Da autonomia

    O reconhecimento da anlise musical como uma disciplina autnoma no estudo da msica deu-se somente na passagem do sculo dezenove para o vinte, a partir da congruncia de diversos eventos ocorridos no mbito no s da msica mas das artes e da cultura como um todo.

    Seu progresso [da anlise] em direo autonomia foi preparado, sobretudo, pela ascendncia da obra musical como conceito cultural, que, por seu turno, esteve estreitamente ligada ao surgimento da esttica musical (e crtica), formao do cnone (com o desenvolvimento associado do estudo da crtica textual), a uma transformao de funo dentro da teoria e da pedagogia musical, e mudana das prticas composicionais. (SAMSON, 2001, p.39).

    Com a crise do sistema tonal suscitou-se a necessidade de uma re-avaliao do conceito de obra musical e tudo quanto ele implicava, o que at esse momento no havia sido necessrio em virtude de sua tcita efetividade.

    O conceito de obra musical, isto , a idia de obra autnoma, encerrada em si mesma, no foi um assunto do debate esttico na era da esttica, o sculo XIX. No porque isso fosse considerado sem importncia, mas porque era to evidente que ningum atentou para os problemas envolvidos. O fato de que nas ltimas dcadas, especialmente aps o surgimento da Philosophie der Neuen Musik de Adorno, isso tenha atrado ateno, no somente de um tipo especulativo, mas tambm por razes ligadas experincia composicional, parece mostrar que este conceito se tornou questionvel. (DAHLHAUS, 1987, p.220).

    Esse momento histrico, que parece ter tido o conceito de obra como um dos eixos centrais dos acontecimentos musicais, acabou por propiciar uma posio de destaque para a anlise musical visto que sua principal e mais prpria caracterstica est na abordagem da obra em sua individualidade nica e isolada do entorno.

    Antes do reconhecimento de sua autonomia a anlise musical foi sempre exercida em subordinao a outras disciplinas, servindo como instrumento auxiliar seja na comprovao de princpios gerais da teoria, na fundamentao de argumentos estticos, na determinao de procedimentos de performance, no desenvolvimento de modelos para o ensino da

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    composio, ou mesmo na caracterizao de estilos musicais no contexto da pesquisa histrica.

    A partir das idias de Ian Bent, atenta-se para o fato de que o olhar analtico contemporneo sobre os escritos tericos do passado pode instaurar a percepo da teoria da msica como precursora da anlise. Note-se que os dois ramos, mencionados no trecho a seguir, apontam para duas orientaes angulares sob as quais a anlise foi considerada ao longo de sua histria, a saber: o estudo mais propriamente cientfico da msica, que remonta a Aristoxeno, e o estudo semntico que se desenvolveu a partir do impacto da retrica sobre a cultura europia no perodo Barroco notadamente com a influncia da Teoria dos Afetos no contexto da msica , tendo como origem a literatura sobre oratria e retrica proveniente da Grcia Antiga e de Roma.

    A anlise, como uma atividade autnoma, veio a ser estabelecida somente no final do sculo dezenove; seu aparecimento como abordagem e mtodo pode ser traado desde 1750. Contudo, ela existiu como uma ferramenta de estudo, ainda que auxiliar, a partir da Idade Mdia em diante. Os precursores da anlise moderna podem ser vistos dentro de no mnimo dois ramos da teoria musical: o estudo dos sistemas modais e da retrica musical. (BENT, 2001, p.530).

    Dunsby e Whittall, em sua leitura do processo de autonomia da anlise, focalizam a ligao dessa disciplina com aquela linha concernente ao estudo mais propriamente cientfico da msica. Para esses autores, muitos escritos tericos antigos contm um elemento tcnico prtico que os torna, se no realmente, ao menos potencialmente analticos; e uma vez que a

    histria da anlise est presente na histria da teoria musical (DUNSBY, 1988, p.13), referendam seu estudo como background para o trabalho com tcnicas modernas de anlise. Tal potencial analtico identificado por eles, numa sucesso de trabalhos que parte dos escritos tericos de Aristoxeno, passando pelo trabalho classificatrio realizado na compilao dos tonaries pelo clero Carolngio, pelas discusses dos tericos renascentistas sobre modalidade em composies reais, e chegando, por fim, aos comentrios modernos sobre a linguagem musical tais como os de Schenker, Schoenberg, Hindemith e Piston. A especificidade da leitura de Dunsby e Whittall assinalada pelo hiato deixado entre os sculos XVII e XIX na sucesso de tpicos acima descrita, perodo no qual, segundo esses autores, deu-se a emergncia da anlise musical, vista, ainda por eles, pelo ngulo da prtica composicional, e desconsiderando a efetividade do influxo da retrica na cultura do perodo Barroco. Nessa acepo, a emergncia da anlise se d em um processo que tem inicio com a primeira descrio e interpretao de uma composio completa, realizada no ano de 1606 por Burmeister, em seu estudo sobre o moteto In me transierunt de Orlando Di Lasso, passando,

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    depois, pelo crescente interesse em relao ao estudo de composies reais por parte dos tericos do sculo XVII, ento direcionados para a instruo pedaggica, e para o desenvolvimento das praticalidades da composio e da performance ainda que tais trabalhos tenham demandado apenas a utilizao de exemplos breves , e chegando, por fim, tendncia de utilizar-se a msica dos grandes compositores como ilustrao para argumentaes tcnicas nos escritos tericos do final do sculo XVIII em diante. No trecho a seguir, citam-se nomes que preenchem aquele hiato, enfatiza-se a necessidade da abordagem da obra individual como pressuposto para a instituio da anlise, e referem-se eventos que caracterizaram a anlise do sculo XIX, a saber, o cnone de obras primas e a ideologia da conscincia histrica. O tom de preterio em relao teoria tradicional e esttica denotativo da orientao prtico-composicional, potica, da leitura de Dunsby e Whittall.

    A histria da anlise entre Fux e Schenker, e entre Rameau e Schoenberg isto , a histria da gradual emergncia da anlise como uma atividade autnoma pode, claro, ser ligada com desenvolvimentos na esfera geral da teoria e da esttica [...]. Mais crucialmente, entretanto, a emergncia da anlise como uma rea distinta no estudo musical durante e aps o sculo dezenove foi o resultado da separao entre o estudo de composies e o estudo da composio em si; resultado esse, de fato, advindo de uma mais intensa conscincia do passado e do valor das masterpieces como objetos durveis a serem reverenciados, apreciados e estudados, mesmo quando tal estudo restou obscuro para o estudo da composio. (DUNSBY, 1988, p.16).

    Vendo a emergncia da anlise a partir de outro ngulo, Joseph Kerman considerou-a em sua relao com todo o conjunto de eventos relacionados ao advento do romantismo e da esttica.

    Baseando-se em um entendimento histrico semelhante quele apresentado por Dunsby e Whittall, e tambm, na definio de teoria proposta por Claude Palisca, Kerman distinguiu duas acepes do termo estrutura, uma referente a sistematizaes tericas, e outra constituio da obra de arte individual, cada uma delas relacionada a um perfil disciplinar distinto. Em seu raciocnio, Kerman primeiramente focalizou os elementos musicais que servem como objeto de especulao em determinados perodos da histria da teoria musical afinao de escalas e sua organizao em modos e tonalidades nos escritos de Aristoxeno, a notao rtmica na Idade Mdia, o contraponto, a consonncia e a dissonncia no Renascimento, e os acordes e suas relaes no sculo XVIII para, ento, fazer a diferenciao entre essa acepo de estrutura musical e a estrutura da obra individual.

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    Afinao, configuraes rtmicas, consonncia e dissonncia, formaes de acordes tudo isso se enquadra, sem dvida, no amplo termo estrutura, de Palisca. Hoje, porm, quando os msicos usam esse termo, geralmente se referem estrutura global das obras de arte o que faz as composies funcionarem, que princpios gerais e que caractersticas individuais asseguram a continuidade, coerncia, organizao ou teleologia da msica. Referem-se ainda forma musical no sentido amplo, no sentido da configurao ou ordenao de seqncias de som no tempo. Escalas, contraponto e harmonia so estruturas numa outra acepo (estruturas de um outro nvel estrutural, somos tentados a dizer). E a noo de uma composio musical que, nesse sentido amplo, tenha estrutura ou forma, uma questo de notvel importncia, que surgiu e evoluiu num momento particular da histria. um fato histrico associado ao presente que a especulao terica sobre msica tanto antiga quanto nova se encontra dominada por teorias da forma. (KERMAN, 1987 p.77).

    Observa-se que o propsito de Kerman, ao diferenciar esses dois tipos de estrutura, evidenciar uma mudana da teoria tradicional que passou a apresentar um carter formalista a partir de seu direcionamento para a estrutura da obra. sobre a natureza desse formalismo terico sua relao com a esttica e a crtica, seus pressupostos ideolgicos que incide o discurso de Kerman. Desse modo, em sua leitura do processo de autonomia da anlise, considerado todo um conjunto de eventos ocorridos no orbe das artes e da cultura, como se pode notar no relato a seguir, no qual so referidos temas como romantismo, esttica, e conscincia histrica.

    [...] Em 1802, Forkel publicou sua biografia adulatria de Bach, smbolo do novo sentido da msica para com sua prpria histria; mais ou menos na mesma poca, a msica instrumental de Haydn, Mozart e Beethoven emergiu como a consubstanciao de um novo ideal esttico. Era uma idia quintessencialmente romntica e E. T. A. Hoffmann, uma figura chave em esttica e teoria (e tambm composio) musical desses anos, qualificou esses trs compositores de romnticos. O novo interesse pela histria da msica foi acompanhado de uma nova posio na hierarquia das artes, sob o termo recm cunhado de esttica. A msica foi considerada em si prpria como estrutura autnoma de som, e no como um complemento da dana ou da liturgia, ou de textos lricos ou dramticos. E a msica foi valorizada no (ou no apenas) por ser agradvel e comovente, mas porque era sentida como pressentimento do sublime (KERMAN, 1985, 82).

    Um ndice da precedncia da esttica para a emergncia da anlise, no pensamento de Kerman, pode ser constatado no relevo conferido, por esse autor, crtica de E. T. A. Hoffmann, considerada por sua importncia para a configurao dessa que talvez seja a mais prpria caracterstica da anlise, demonstrar como funciona uma pea de msica, marcando, tambm, a ocorrncia da narrativa retrico-romntica e o florescimento do modelo metafrico organicista em msica.

    A intuio especial de Hoffmann consistiu em associar as fontes metafsicas do sublime na msica de Beethoven s fontes tcnicas de sua unidade o que ele, de modo no surpreendente para o seu tempo, comparou unidade de um organismo. [...] Nas famosas crticas de Hoffman obra de Beethoven visvel uma

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    preocupao dupla, que entrelaa a retrica romntica, digna do mestre-de-capela Kreisler, com detalhadas, e na verdade prosaicas, anlises tcnicas da estrutura musical, assinalando caractersticas internas que Hoffmann pensava contriburem para a unidade e a fora orgnicas da msica. Foi somente no sculo XIX, portanto, que a teoria se casou com a anlise, num processo de submeter obras primas musicais a operaes, descries, redues e demonstraes tcnicas com o propsito de mostrar como elas funcionam. [...] (KERMAN, 1987, p.83).

    Para Kerman, portanto, foi no sculo XIX que se deu a emergncia da anlise musical caracterizada pela crtica romntica e pelo organicismo, este ltimo sendo um pressuposto que continuaria a determinar a abordagem analtica no perodo da autonomia, fato esse que Kermam no deixar passar em branco em suas crticas. Antes, porm, de abordar tal questo, veja-se, em Jim Samson, um exemplo de como o formalismo pode ter derivado de constructos crtico-romnticos. Segundo Samson, uma das causas da mudana da crtica para a potica leia-se da abordagem analtica crtico-romntica para a formalista foi um dos sucessos atingidos pela prpria crtica, a saber, o estabelecimento do cnone de obras-primas que, a partir de sua transformao em objeto por meio do texto impresso, acabou por suscitar o desenvolvimento do conhecimento centrado na obra.

    O surgimento da crtica [...] celebra a autonomia da esttica, marcando a mudana do julgamento funcional para o esttico. A histria relatada pela crtica do sculo dezenove , sobre tudo, a histria da formao do cnone, sem o qual todo o desenvolvimento (aparentemente antittico) da arte moderna teria sido inconcebvel. Isso, em troca, influenciou a abordagem dos escritos crticos. No final do sculo houve uma virada em direo potica e abordagem estruturalista no mnimo em uma corrente da crtica, na msica como em outras artes. Entre as vrias causas para isso esteve a tendncia do cnone musical, como o literrio, em promover e responder crescente importncia do texto impresso. Devido aos prstimos da partitura publicada, a obra musical cannica foi congelada em uma configurao fixa, e, suas formas, solidificadas a ponto de poderem ser igualadas a obras verbais e espaciais. E em torno dessas obras uma indstria de exegese textual (filologicamente inspirada) comeou a se desenvolver no final do sculo dezenove [...] Novamente o terreno foi preparado pelo foco sobre a msica como texto, sobre o conhecimento centrado na obra. (SAMSON, 2001, p.40).

    Ainda segundo Samson, essa mudana da abordagem crtica para a potica promoveu, sim, uma aproximao teoria, mas a partir de uma outra base conceitual, estruturalista, na qual a obra passou a ocupar posio axial em relao produo do conhecimento no mais, portanto, figurando apenas como mero adjutrio na formulao de propriedades gerais da msica , abrindo-se, a partir da, o caminho para a consumao da instiuio da anlise musical.

    O efeito dessa reorientao dentro da teoria musical (um produto essencialmente do sculo dezoito) foi mudar o status da obra musical de objeto prospectivo a retrospectivo. A obra em si tornou-se o principal lcus de indagao, com sua estrutura transcendendo as leis da teoria especulativa, ou entendida negativamente em relao a essas leis. Emergiu, em suma, no sculo dezenove, um senso estrutural

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    de forma, ganhando expresso por meio do desenvolvimento da tradio da Formenlehre. Dos primeiros incios com tericos como Adolf Bernhard Marx at as formulaes de Riemann, Mersmann, Schoenberg e Schenker, a idia de um senso estrutural de forma ganhou um desabrido momentum, descartando a teoria musical anterior a ela, e, ao final, construindo sobre sua premissa todo o edifcio de uma disciplina nova e independente, anlise musical, uma disciplina essencialmente da nossa era. Unidade e totalidade, seja o que for que isso possa significar em uma arte temporal, foi assumido a priori, e o ato analtico foi sua demonstrao. A obra tornou-se uma estrutura, e nisso jaz seu valor. Foi nesse estgio de seu desenvolvimento que a teoria musical encontrou um fundamento comum com a emergncia de uma potica estruturalista em outras formas de arte. (SAMSON, 2001, p.41)

    Samson parece fazer, ainda, uma diferenciao entre instituio e autonomia, esta ltima caracterizando-se pela completa individualizao categrica da anlise ante a teoria e a metafsica, situao somente configurada com sua ascenso categoria de cincia, fato sucedido a partir dos desenvolvimentos da anlise schenkeriana e da teoria de conjuntos, no meio universitrio norte-americano na dcada de 1960.

    Embora suas causas primrias fossem mais profundas, a instituio concreta da anlise foi inicialmente uma conquista dos tericos Austro-germnicos, um produto da formenlehre. Foi a ltima transferncia da anlise para o crculo universitrio norte-americano, entretanto, que assegurou sua mais completa separao categrica no s da metafsica, mas principalmente da teoria. Ela permaneceu, claro, fortemente dependente da teoria; mas seus propsitos tornaram-se mais distinguveis, e seu campo mais especfico. [...] E foi sobretudo esse estgio, caracterizado pela hegemonia da assim chamada anlise schenkeriana, junto com as abordagens da teoria de conjuntos desenvolvidas por Milton Babbitt e Allen Forte, que definiu a anlise como uma categoria autnoma. (SAMSON, 2001, p.43).

    Para Kerman, entretanto, foram razes ideolgicas que motivaram o desenvolvimento das teorias formais no sculo XX. O musiclogo considera ter sido o advento do modernismo que, ao colocar em cheque os princpios do sistema tonal, provocou a realizao de uma reviso do cnone de obras primas empreendida pela teoria tonal representada principalmente por Schenker e Tovey com o intuito no s de demonstrar os mritos tcnicos, mas, tambm, de legitimar a primazia esttica do modelo da grande msica representado por esse corpus organicista de obras.

    Richard Strauss era o expoente mais ameaador depois de 1890 e, depois de 1910, Arnold Schoenberg (nos crculos musicais alemes e ingleses, Debussy e Strainsky pareciam constituir uma ameaa menor). Teoria e anlise foram desenvolvidas para celebrar as virtudes da msica que os tericos prezavam. E, naqueles dias, os tericos eram bastante expl[icitos a respeito das virtudes musicais que valorizavam Schenker, com sua grande tradio alem, deteve-se perversamente em Liszt e Wagner; Tovey ficou com sua no mais navegvel principal corrente musical. Parece claro, [...], embora no seja fcil de confirmar, que o Modernismo enviou numerosos musiclogos a cruzadas iguais s dos sculos XII e XIII. mais fcil ver como impeliu os analistas para as casamatas do sculo XIX, casamatas forradas

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    com as obras-primas do modelo tradicional, estendendo-se desde Bach, de quem o sculo XIX se apropriara como seu, at Brahms, e no mais alm. Se se pode afirmar que o Modernismo converteu muitos musiclogos em conservadores musicais, tambm pode-se dizer que o Modernismo transformou muitos tericos em reacionrios. O prprio modelo foi uma criao caracterstica do sculo XIX. At por volta de 1800 [...] o repertrio consistiu predominantemente de composies da prpria poca; qualquer dimenso histrica era quase inexistente. Mas, depois da gerao de Hoffmann ter aprendido a venerar a msica de Haydn, Mozart e Beethoven, pressups-se automaticamente que o modelo continuaria crescendo no futuro, e que as slidas razes para que isso ocorresse poderiam ser descobertas no passado, bastando que os musiclogos se dessem ao trabalho de descobri-las. (Assim, uma vez Bach reintegrado no modelo, o grande especialista de Bach, Philipp Spitta, dedicou um esforo ingente aos precursores seiscentistas de Bach, Scheidt, Schtz e Buxtehude). como se a poderosa idia de Hoffmann acerca da Quinta Sinfonia, crescendo de uma clula-motivo nica, tivesse sido transferida para o prprio modelo. A grande msica cresceu como se proviesse de algum misterioso pool gentico de origem alem; historicismo, organicismo e nacionalismo foram todos amalgamados na ideologia da poca. Quando, depois de Schubert, Mendelssohn e Schumann, surgiu uma disputa em torno da autenticidade dos ramos representados por Wagner e Brahms, a questo foi finalmente resolvida, no por Tovey ou Schenker, mas por Schoenberg, quando atribuiu ao segundo a origem de sua prpria linhagem. De fato, quase at os dias de hoje, a contnua evoluo orgnica do modelo da grande msica permaneceu para muitos msicos um dogma inconsciente. (KERMAN, 1987, p.89).

    Kerman fez objees, tambm, quanto ao modo de anlise positivista, caracterizado por uma extremada objetividade na abordagem da obra musical, distanciando-a por demais do contexto que lhe deu origem, e pelo fenmeno do monismo, generalizado entre os analistas desde os anos do ps-guerra, a despeito dos mtodos por eles aplicados.

    A concentrao obstinada [dos analistas] nas relaes internas de uma nica obra de arte , em ltima instncia, subversiva, no que diz respeito a qualquer viso razoavelmente completa da msica. A estrutura autnoma da msica apenas um dos muitos elementos que contribuem para seu significado e importncia. A preocupao com a estrutura acompanhada da negligncia em outros aspectos vitais no s todo o complexo histrico [...], mas tambm tudo o mais que torna a msica afetiva, tocante, emotiva e expressiva. Ao retirar-se a partitura de seu contexto a fim de examin-la como organismo autnomo, o analista retira esse organismo da ecologia que o sustenta. Dificilmente parece possvel, em nossos dias, ignorar essa sustentao. Nos anos do ps-guerra, entretanto, uma poderosa atrao foi exercida por analistas e exatamente por aquelas correntes de anlise que se apoiavam de modo sumamente dogmtico num nico princpio, um monismo ou (como foi por vezes expresso de maneira reveladora) um segredo de forma ou coerncia musical. Os analistas que diferiram fundamentalmente em seus sistemas analticos eram, no obstante, monistas nesse sentido. [...] O atrativo da anlise sistemtica era propiciar uma viso positivista da arte, uma crtica que poderia apoiar-se em operaes precisamente definidas e aparentemente objetivas, e repelir os critrios subjetivos (e que, geralmente, sequer se autodenominava crtica) (KERMAN, 1987, p.93).

    Esses questionamentos com respeito natureza e funo da anlise musical e limitao da abordagem analtica formalista, encetados a partir de meados da dcada de 1960

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    por Kerman, representaram apenas o incio de um processo de reorientao da anlise musical estendido at os dias atuais, em cujo contexto desenvolveu-se uma pluralidade de possibilidades analticas a partir da interao com outras disciplinas do conhecimento. Segundo Samson, a origem dessas mudanas est no declnio da autonomia esttica, e, logo, da premissa bsica e do modo caracterstico da anlise esttica e da anlise musical tambm , determinantes de um esquematismo analtico que repele a essncia da obra.

    A anlise musical parte de uma premissa que subjaz esttica analtica em geral: a saber, que os objetos de arte compartilham certas caractersticas que os definem como arte e os fazem valiosos para ns, que eles so especficos, e que eles representam unidades conceituais. Em suma, ela tem por premissa um conceito de obra de arte homogneo e acabado. O modo analtico mais caracterstico igualar objetos a conceitos, permitindo representaes fixas (ou acabadas) do objeto que avalizem o objeto. Tanto a premissa quanto o modo foram submetidos a um escrutnio crtico nas ltimas duas dcadas. Uma conquista importante em estudos recentes sobre ontologia das obras de arte, notadamente no livro de Lydia Goehr, foi contrariar a filosofia analtica da arte sublinhando a emergncia da natureza culturalmente dependente, tanto das obras de arte em si quanto do discurso sobre elas. Alm disso, a simples equao de conceito e objeto foi solapada poderosa e influentemente pela proposio de Morris Weitz, segundo a qual interpretaes de obras de arte (cuja essncia necessariamente indefinvel) devem ser expressas em termos de conceitos abertos cujo critrio de definio pode no ser nem preciso nem completo. Se fosse de maneira diferente, argi Weitz, qualquer outro desenvolvimento criativo estaria comprometido. Tais crticas anti-essencialistas lembram-nos que conceitos acabados de obra de arte, envolvendo noes como estrutura, unidade, totalidade, e complexidade, so produtos do conhecimento perspectivista. Especificamente, eles so produtos de um tipo particular de discurso analtico-referencial institucionalizado. Ele no pode ser igualado obra em si. Isso impe uma limitao imediata ao conhecimento analtico. No caso da msica, o que ns analisamos no uma obra musical, que incorpora todo tipo de reas indeterminadas no de todo suscetveis anlise. [...] O que ns analisamos propriamente uma estrutura esquemtica, para usar o termo de Ingarden, esquemtica no sentido de que est destinada a permanecer menos do que sua realizao como uma obra. Alm disso, a estrutura esquemtica ser ela mesma uma representao particular e contingente que pode ter apenas uma limitada pretenso a validade geral. Quando ns analisamos, em outras palavras, ns construmos o objeto de nossa anlise de acordo com certos pressupostos. [...] (SAMSON, 2001, p.43).

    Samson, considera que a dependncia da anlise musical em relao a modelos metafricos tomados a outras disciplinas do conhecimento uma determinao em face da irredutvel especificidade, e da essencialidade intangvel do significado da msica. Para Samson, essa a velha condio da teoria, no contexto da qual sempre se caracterizaram dilogos com outros modelos metafricos, desde o modelo matemtico na Idade Mdia, passando pelo modelo retrico na Renascena e no Barroco, at chegar ao modelo espacial das teorias formalistas no Modernismo no sculo XX, e, aparentemente, aderir nos dias atuais a um novo modelo, Ps-modernista, o contextualismo. No obstante, Samson observa o processo de emancipao da anlise que talvez apresente a configurao do clssico ciclo

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    hegeliano ao longo dessa sucesso de modelos metafricos, e esse novo tipo de associao, contextual, estabelecido com outras disciplinas.

    Revisando-se esses dilogos, tenta-se ver a histria do pensamento analtico aproximadamente como um ciclo clssico hegeliano, no qual a anlise conquistou sua independncia antes de ter conquistado autoconscincia e, com isso, o reconhecimento de suas dependncias. Por seu turno, esse reconhecimento permitiu um engajamento muito mais pro-ativo disciplinas cognatas, promovendo (em anos recentes) uma profunda mudana de orientao dentro da disciplina. A premissa bsica foi questionada fundamentalmente, ainda que muitas das prticas de trabalho permaneam como freqentemente permanecem totalmente inalteradas. Naomi Cumming descreveu bem essa mudana de mar como uma mudana de metfora-raiz, de organicismo para contextualismo. Desvencilhada da teoria musical, foi permitido anlise interagir livremente com outras categorias do conhecimento, aproveitando abertamente o status metafrico de todos os discursos sobre msica, e, nesse processo, se aproximar e expandir campos de significado que esto por trs do texto musical. Insights analticos adquiriram seu lugar dentro de um vasto complexo implcito onde a seleo, nfase e agrupamento de aspectos musicais especficos seriam determinados no por critrios terico-musicais mas por uma extenso de sua correspondncia isomrfica a outras metforas dominantes. A anlise, bastante ironicamente, encontrou-se influenciada por muitos daqueles aspectos dos quais ela tentou se livrar, incluindo os tropos literrios, biogrficos e sociais, que predominaram na crtica do sculo dezenove. (SAMSON, 2001, p.49).

    Resulta, portanto, um cenrio no qual a anlise musical pode ser realizada de diversos modos dentro de um amplo espectro de modelos metafricos. Sua configurao e sentido so determinados em consonncia com o contexto dentro do qual a anlise articulada, contexto esse que pode ser regido por uma multiplicidade de focos associando ideologias e perfis disciplinares vrios sob os quais a msica pode ser percebida.

    1.2. Definio

    Na definio de anlise musical proposta por Ian Bent, focaliza-se primeiramente seu aspecto talvez mais essencial ter como objeto de estudo, por excelncia, a msica em si e isolada do entorno , para, depois, evidenciar as operaes prprias do exerccio analtico interpretar estruturas musicais por meio da investigao de sua constituio e funcionamento.

    Uma definio do termo [anlise] como implicado no debate geral pode ser: a parte do estudo da msica que toma como ponto de partida a msica em si mais propriamente do que fatores externos. Mais rigorosamente, pode-se dizer que a anlise inclui a interpretao de estruturas musicais, a partir de sua decomposio em elementos constitutivos relativamente simplificados, e a investigao das funes referentes a esses elementos (BENT, 2001, p.526).

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    Pode-se dizer que esta seja uma definio imparcial e aberta, visto que ao reconhecer essa ligao essencial com a msica em si (aqui entendida como obra individual e nica), considera a realidade da autonomia da anlise musical, vigente ou no em nossos dias. Ademais, concebendo a anlise como um instrumento de interpretao, talvez no chegue a estender seu orbe aos domnios do julgamento subjetivo, mas, tampouco, a relega ao plano da mera descrio objetiva. Pode-se ainda supor que o vocbulo interpretar caiba para dar margem possibilidade de outros modelos metafricos que no apenas o espacial caracterstico das teorias formais e representativo do perodo da autonomia da anlise , ampliando seu alcance sem furtar-lhe a autenticidade. Tais afirmaes esto em sintonia com as consideraes feitas pelo prprio Bent em sua tentativa de determinar o lugar da anlise musical no estudo da msica. Primeiramente, esse analista apresenta uma imagem na qual enfatizada a relao existente entre a anlise, a esttica e a teoria da composio.

    muito difcil, em alguns aspectos, definir onde a anlise se encontra no estudo da msica. Pode-se dizer que o assunto da anlise como um todo tem muito em comum, por um lado, com os assuntos da esttica musical e, por outro, com a teoria da composio. Estas trs reas de estudo podem ser pensadas como ocupando posies ao longo de um eixo que teria, em um extremo, o lugar da msica dentro de esquemas filosficos e, no outro, o cabedal de instruo tcnica do artesanato da composio. (BENT, 2001, p.526).

    Em seguida, Bent observa a relao da anlise com a teoria e a crtica, destacando a mtua dependncia entre essas reas do conhecimento musical, umas fornecendo dados s outras para a realizao de suas competncias, e, tambm, a sobreposio de suas atividades visto que, por vezes, so as mesmas, ainda que realizadas com diferentes objetivos. A tendncia do discurso de Bent a de afirmar a independncia da anlise em relao teoria, e de reconhecer seu potencial possvel de subjetividade dentro de seu prprio contexto. Tais relaes, alm de serem detalhadas, so tambm estendidas a outras reas como a da performance, da pedagogia, e da histria.

    O analista e o terico da composio musical (Satztechnik; Kompositionslehre) tm um interesse comum nas leis da construo musical. Muitos poderiam negar algum tipo de separao e poderiam argir que a anlise um subgrupo da teoria musical. Mas essa uma atitude que nasce de condies sociais e educacionais particulares. Enquanto importantes contribuies tm sido feitas anlise por professores de composio, outras tm sido feitas por intrpretes, professores de instrumento, crticos e historiadores. A anlise pode servir como uma ferramenta de ensino, e nesse caso servir para instruir ao intrprete ou ao ouvinte, da mesma forma que ao compositor; mas ela pode igualmente bem ser uma atividade privada - um procedimento de descoberta. A anlise musical no mais uma parte implcita da teoria pedaggica do que a anlise qumica; nem implicitamente uma parte da aquisio de tcnica composicional. Ao contrrio, as afirmaes de tericos

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    musicais podem formar o material primrio para as investigaes dos analistas, provendo critrios a partir dos quais uma msica possa ser examinada (BENT, 2001, p.526).

    Em geral a anlise est mais interessada na descrio do que no julgamento. Nesse sentido, a anlise vai menos longe do que a crtica, e isto assim essencialmente porque ela aspira objetividade e considera o julgamento como subjetividade. Mas isso, em troca, sugere uma outra diferena entre anlise e crtica, esta ltima acentua a reao intuitiva do crtico, pautada pela riqueza de sua experincia, usando sua habilidade para relatar a reao presente frente a uma experincia prvia, e tomando estas duas coisas como dado e mtodo; enquanto, a anlise, tende a usar como dados elementos mais definidos: unidade de frase, harmonias, nveis de dinmica, tempo mensurado, arcadas e articulaes, e outros fenmenos tcnicos. Novamente, esta uma diferena somente de grau: a reao crtica , com freqncia, altamente informada e realizada luz de conhecimentos tcnicos; e os elementos definidos do analista (uma frase, um motivo, etc) so frequentemente definidos sob condies subjetivas. [...] Dizer que a anlise consiste em operaes tcnicas e a crtica em reaes humanas , assim, uma simplificao exagerada, conquanto ajude a contrastar o carter geral das duas. (BENT, 2001, p.527).

    Com quase duas dcadas de anterioridade, Carl Dahlhaus chegou a concluses semelhantes, tambm tratando a anlise em sua tenso, por um lado, com a esttica e, por outro, com a teoria, como se pode notar nos trechos a seguir, nos quais se enfatiza a interdependncia entre essas disciplinas. Observe-se que, na polarizao sugerida entre anlise e esttica, a anlise associada funo de estabelecer julgamentos factuais e determinar a atitude musical, ligando-se, portanto, concreo musical, enquanto a esttica (leia-se a primeira frase do segundo trecho) associada ao pensamento musical, logo, abstrao. Note-se tambm que, em relao teoria, Dahlhaus concebe a anlise tanto como uma disciplina subordinada, ou seja, como um instrumento para a fundamentao da teoria, quanto como uma disciplina autnoma, ante a qual a teoria vista como uma referncia.

    Julgamentos estticos, no mnimo convincentes, so sustentados por julgamentos factuais os quais, por seu turno, dependem de mtodos analticos demonstrando a atitude musical de um perodo. E, inversamente, os procedimentos analticos, incluindo aqueles sem pr-concepes, so fixados sobre premissas estticas. (DAHLHAUS, 1983, p.7).

    Embora a anlise, assim, dependa da esttica que determina o pensamento musical de uma poca, ela permanece em estreita e recproca relao com a teoria, que , o sistema da harmonia, ritmo e forma. Um trabalho terico, explcita ou implicitamente, sempre estabelece o ponto de partida de uma anlise. A noo de uma descrio sem pressupostos uma iluso; se ela puder ser realizada, no valeria o trabalho. Inversamente, anlises de obras musicais so o que suprem os fundamentos de uma teoria que no seja construda no ar. A teoria pode ser tanto uma pr-condio, quanto a meta e o resultado de anlises musicais. Assim, uma tentativa de definir mais precisamente o conceito de anlise musical pode justificavelmente proceder da relao entre anlise e teoria. (DAHLHAUS, 1983, p.8).

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    Essa possibilidade, justificvel para Dahlhaus, de definir-se o conceito de anlise a partir de sua relao com a teoria, parece ser o ponto de partida tomado por Vincent Duckles na escritura de seu verbete Musicology, do Grove Dictionary. De fato, esse musiclogo se refere a teorias, e observa-se que sua definio de tais teorias muito semelhante definio de anlise proposta por Bent, ainda que sobre ela paire um entendimento diverso visto que, para Duckles, anlise apenas, se pouco for, a contraparte dialtica da teoria. bom lembrar que o trecho dedicado a esse assunto em seu verbete refere-se ao mtodo terico e analtico uma das onze reas em que a musicologia foi subdividida por Duckles , o que talvez explique sua abordagem estritamente sistemtica da matria.

    Definidas de maneira simples, pode-se dizer que, teorias musicais oferecem descries gerais da estrutura e do funcionamento musical. Tais teorias descritivas podem ser aplicadas s a uma nica composio, ou podem tentar dar conta e talvez ajudar a definir uma classe de composies agrupadas por estilo histrico, gnero ou compositor. Dessa perspectiva, ento, pode-se ver como a anlise funciona como uma contraparte dialtica da teoria. Anlise constitui o estudo detalhado de peas musicais a partir do qual teorias podem ser indutivamente formuladas, servindo, ao mesmo tempo, para comprovar a aplicao e validade emprica de alguma teoria. (DUCKLES, 2001, p.494).

    Com o propsito de dar sentido diversidade existente no campo da teoria musical e, at, resgatar a noo de teoria e anlise como um campo de estudo coerente e distinto, Duckles, passa a tecer consideraes baseando-se em sugestes feitas por Dahlhaus, a partir das quais identifica trs tradies da teoria musical especulativa, regulativa e analtica , atendo-se a tratar a anlise no limite dessa ltima tradio e, portanto, no recorte de seu imbricamento com a teoria, ainda que reconhea sua orientao em direo obra individual e, paradoxalmente, afirme sua finalidade esttica.

    Na anlise musical se est, primeiramente, interessado na estrutura e nos traos individuais de uma pea de msica particular. [...] claro que qualquer tipo de anlise pressupe uma posio terica: isso quer dizer que no possvel realizar uma anlise sem pressupostos tericos, ainda que informalmente concebidos, que ajudem a determinar questes a propor e os tipos de linguagem e mtodo por meio dos quais essas questes podem ser respondidas. Mas diferentemente das tradies sistemticas da teoria regulativa [...], a meta da anlise musical normalmente um entendimento e uma apreciao esttica da pea musical em si como uma obra de arte ontologicamente nica, e no a exemplificao de alguma ampla norma de estrutura ou sintaxe. (DUCKLES, 2001, p.496).

    Sob uma outra perspectiva, notadamente ps-autonomia, Christian Martin Schmidt considera que, se por um lado, no possvel refletir sobre msica sem uma abordagem analtica (entendendo-se a anlise como uma operao tcnico-sistemtica), por outro, tampouco se pode esperar que um nico ponto de vista analtico propicie um exame que

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    abarque a totalidade de uma obra. Considera, tambm, que o eclipsamento da abordagem metodolgica da anlise musical pelas novas perspectivas de pesquisa como estudos de gnero, world musics, e abordagens biogrficas ou filolgicas uma realidade apenas aparente, mas que, no obstante, faz-se necessrio uma reforma dessa disciplina. Para Schmidt, a variedade de objetos que surgiram com a abertura da musicologia estabelece uma desconfiana com respeito a possveis mtodos que se pretenda tenham validade geral, cada pea requer uma abordagem especfica que saliente sua diferena, opondo suas particularidades s generalidades da tradio.

    Ns podemos dizer hoje que a anlise musical no nada mais nem menos do que uma abordagem racionalmente orientada da msica, que promove um encontro entre o analista como sujeito e o produto musical como objeto, e cujo resultado um processo terico-mobilizador (theory-lader process) de aprendizado e aquisio de conhecimento. (SCHIMIDT, 2002, p.26).

    Schimidt no pensa em obra como conceito, mas em produtos musicais, e, no lugar do direcionamento para a imanncia estrutural de uma composio, prope a compreenso de seu make-up estrutural, entretanto, no suprime, tambm, a necessidade da atividade propriamente analtica, e da investigao detalhada e interpretao desse make-up.

    [...] Em outras palavras, o conhecimento de como as peas so feitas pr-requisito essencial para se chegar ao conhecimento de como elas so. (SCHIMIDT, 2002, p.26).

    Tem-se aqui, portanto, o cotejamento de trs definies de anlise musical uma imparcial, outra referencialista, e outra pluralista proposto como um exerccio de concepo e compreenso de representaes do conceito de anlise musical, dentro do arco contextual da ps-modernidade.

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    2. Livros de anlise musical publicados no Brasil

    Na Tabela 1 Cronologia (data / ttulo / autor) so apresentados os 42 ttulos relacionados no levantamento bibliogrfico dispostos em ordem cronolgica. O decurso de tempo abarcado pelo total de publicaes de oitenta e nove anos decorridos entre o ano de 1919, que a data da publicao mais antiga entre as coletadas, e o ano de 2007, que o ano da publicao mais recente. Observa-se que at a metade do sculo XX mais precisamente entre os anos de 1919 e 1943 ocorreram apenas 6 publicaes, estabelecendo contraste aparente em relao s 25 publicaes realizadas na segunda metade do mesmo sculo mais precisamente entre os anos de 1963 e 2000 e, at mesmo, em relao s 11 publicaes que se deram apenas nos primeiros sete anos do sculo XXI.

    Tabela 1 Cronologia (data / ttulo / autor) data ttulo autor 1919 Concertos de msica de cmara do Instituto Nacional

    de Msica pelo Trio Beethoven. Tapajs Gomes.

    1922 As Nove Symphonias de Beethoven. Martins, Amlia de Rezende. 1ed. 1931 2ed. 1934

    Breve curso de analyse musical e conselhos de interpretao, analyse da Sonata em d sustenido menor de Beethoven.

    Franceschini, Frio.

    1ed. 1935 2ed. 19 - -

    Msica Creadora e Balladas de Chopin. Caldeira Filho, Joo C.

    1941 Anlise do Estudo de Chopin em d sustenido menor para piano Op. 25 n7.

    Franceschini, Frio.

    1943 Palestras sobre as sonatas de Beethoven. Caldeira Filho, Joo C. 1963 Nazareth, estudos analticos. Diniz, Jaime C. 1969 Comentrios sobre a obra pianstica de Villa-

    Lobos. Souza Lima.

    1ed. 1970 2ed. 1978

    Os Quartetos de Cordas de Villa-Lobos. Estrella, Arnaldo.

    1ed. 1971 2ed. 1976

    As Bachianas Brasileiras de Villa-Lobos. Nbrega, Adhemar.

    1971 As Bachianas Brasileiras de Villa-Lobos. Palma, Enos da Costa; Chaves Jnior, Edgard de Brito.

    1ed. 1975 2ed. 19 - -

    Os Choros de Villa-Lobos. Nbrega, Adhemar.

    1975 Heitor Villa-Lobos e o violo. Santos, Turbio. 1ed. 1976 2ed. 1979

    A evoluo de Villa-Lobos na msica de cmara. Frana, Eurico Nogueira.

    1977 Villa-Lobos, o choro e os Choros. Neves, Jos Maria. 1979 Beethoven, proprietrio de um crebro. Oliveira, Willy Corra de. 1983 Msica. Souza, Rodolfo Coelho de. 1984 Heitor Villa-Lobos, sua obra para violo. Pereira, Marco.

    1ed. 1987 Apoteose de Schoenberg. Menezes, Flo.

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    2ed. 2002 1988 J. S. Bach, Preldios e Fugas I. Magalhes, Homero de. 1993 O Poema do fogo, mito e msica em Scriabin. Toms, Lia. 1995 Elementos de coerncia no Opus 76 de Brahms. Souza, Elizabeth Rangel

    Pinheiro de. 1995 Propores no Opus 110 de Beethoven. Souza, Elizabeth Rangel

    Pinheiro de. 1997 Beethoven e o sentido da transformao, anlise

    dos ltimos Quartetos e da Grande Fuga Op.133. Muniz Neto, Jos Viegas.

    1997 Ernst Widmer, perfil estilstico. Nogueira, Ilza Maria Costa. 1997 O antropofagismo na obra pianstica

    de Gilberto Mendes. Santos, Antonio Eduardo dos.

    1998 Politonalidade, discurso de reao e trans-formao. Noronha, Lina Maria Ribeiro de.

    1999 Atualidade esttica da msica eletroacstica. Menezes, Flo. 1999 Charles Ives, uma revisita. Albright, Valerie. 1999 Eroso, processos de estruturao em Villa-Lobos. Fernandes, Marlene Migliari. 2000 Ouvir Wagner, ecos nietzschianos. Caznk, Yara Borges;

    Naffah Neto, Alfredo. 2001 Do tempo musical. Seincman, Eduardo. 2001 Teoria de Costre,

    uma perspectiva em anlise musical. Ramires, Marisa.

    2002 Beethoven, o princpio da modernidade. Bento, Daniel. 2002 Grupo de compositores da Bahia,

    estratgias orquestrais. Gomes, Wellington.

    2003 Mahler em Schoenberg, angstia da influncia na Sinfonia de Cmara n.1.

    Molina, Sidney.

    2005 10 Estudos Leo Brouwer, anlise tcnico-interpretativa.

    Fraga, Orlando.

    2005 O estilo antropofgico de Heitor Villa-Lobos, Bach e Stravinsky na obra do compositor.

    Jardim, Gil.

    2005 Ouvir o Som, aspectos de organizao na msica do sculo XX.

    Zuben, Paulo.

    2005 Sinfonia Tit, semntica e retrica. Lian, Henrique. 2006 Muito Alm do Melodrama, os preldios e sinfonias

    das peras de Carlos Gomes. Nogueira, Marcos Pupo.

    2007 Crtica e criao, um estudo da Kreisleriana Op.16 de Robert Schumann.

    Vermes, Mnica.

    A ocorrncia de 39 autores para 42 livros explica-se pelo fato de que h quatro autores que publicaram dois trabalhos cada um Frio Franceschini, Adhemar Nbrega, Flo Menezes e Elizabeth Rangel Pinheiro de Souza e, tambm, pelo fato de que h dois livros feitos em parceria As Bachianas Brasileiras de Villa-Lobos (1971), de Enos da Costa Palma e Edgard de Brito Chaves Jnior, e Ouvir Wagner, ecos nietzschianos (2000), de Yara Borges Caznk e Alfredo Naffah Neto. Focalizando o aspecto de gnero, identifica-se a ocorrncia de 10 autoras para 29 autores. Amlia Rezende Martins destaca-se por ter sido a nica autora presente na primeira metade do sculo XX, e pode-se observar que, aps a publicao do seu As Nove Symphonias

  • 31

    de Beethoven (1922), s na dcada de 1990 que surgiram outros ttulos escritos por autoras, a partir da publicao de O Poema do fogo, mito e msica em Scriabin (1993), de Lia Toms. Tem-se a, portanto, um perodo de mais de setenta anos sem a ocorrncia de trabalhos de autoras. Ainda sob esse enfoque, tambm na dcada de 1990 que a proporo entre o nmero de autores e autoras passa por uma inverso apresentando-se quase o dobro de autoras em relao a autores, 7 para 4. No obstante, nos primeiros sete anos do sculo XXI, a razo se reverte chegando a 2 para 9.

    Na Tabela 2 Publicao (ttulo / local / editora / edio / tiragem / disponibilidade) apresenta-se dados referentes publicao dos livros. Naturalmente, as informaes sobre publicaes antigas so de difcil obteno uma vez que as casas editoras, no caso de ainda existirem, geralmente no possuem mais informaes em seus arquivos. Este o caso, por

    exemplo, do As Nove symphonias de Beethoven, de Amlia de Rezende Martins, do qual j no h mais registros na Companhia Melhoramentos, ou do Breve curso de anlise musical e conselhos de interpretao, de Furio Franceschini, cuja editora no foi possvel, ainda, de ser encontrada. Assim, nestes casos, contamos, at o momento, apenas com as informaes trazidas no prprio volume obtido.

    Tabela 2 Publicao (ttulo / local / editora / publicao / tiragem / disponibilidade)

    Ttulo Local Editora Public. Tiragem Disponib Concertos de msica de cmara do Instituto Nacional de Msica pelo Trio Beethoven. Tapajs Gomes.

    Rio de Janeiro

    Imprensa Nacional

    1ed. 1919

    ---

    ---

    As Nove Symphonias de Beethoven. Martins, 1922.

    So Paulo

    Companhia Melhoramentos

    1ed. 1922 --- fora de catlogo

    Breve curso de analyse musical e conselhos de interpretao, anlise da Sonata em d sustenido menor de Beethoven. Francechini.

    So Paulo

    Ed. Miranda

    1ed. 1931 2ed. 1934

    ---

    ---

    Msica Creadora e Balladas de Chopin. Caldeira Filho.

    So Paulo L. G. Miranda Editor

    1ed. 1935 2ed. 19 - -

    --- ---

    Anlise do Estudo de Chopin em d sustenido menor para Piano Op. 25 n7. Franceschini.

    So Paulo Depto. de Cultura do Municpio de

    So Paulo

    1ed. 1941

    ---

    ---

    Palestras sobre as sonatas para piano de Beethoven. Caldeira Filho.

    So Paulo

    no consta

    1ed. 1943

    ---

    ---

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    Nazareth, estudos analticos. Diniz.

    Recife PE

    DECA Depto. de Ext.

    Cult. e Artstica

    1ed. 1963

    ---

    ---

    Comentrios sobre a obra pianstica de Villa-Lobos. Souza Lima.

    Rio de Janeiro

    Museu Villa-Lobos

    1ed. 1969 2ed. 1976

    --- fora de catlogo

    Os Quartetos de Cordas de Villa-Lobos. Estrella.

    Rio de Janeiro

    Museu Villa-Lobos

    1ed. 1970 2ed. 1978

    --- fora de catlogo

    As Bachianas Brasileiras de Villa-Lobos. Nbrega.

    Rio de Janeiro

    Museu Villa-Lobos

    1ed. 1971 2ed. 1976

    --- fora de catlogo

    As Bachianas Brasileiras de Villa-Lobos. Palma; Chaves Jnior.

    Rio de Janeiro

    Companhia Editora Americana

    1ed. 1971

    ---

    ---

    Heitor Villa-Lobos e o violo. Santos.

    Rio de Janeiro

    Museu Villa-Lobos

    1ed. 1975 ---

    fora de catlogo

    Os Choros de Villa-Lobos. Nbrega.

    Rio de Janeiro

    Museu Villa-Lobos

    1ed. 1975 2ed. 19 - -

    ---

    fora de catlogo

    A evoluo de Villa-Lobos na msica de cmara. Frana.

    Rio de Janeiro

    Museu Villa-Lobos

    1ed. 1976 2ed. 1979

    --- fora de catlogo

    Villa-Lobos: o choro e os Choros. Neves.

    So Paulo

    Musiclia*

    1ed. 1977 hiptese de at 3000

    em catlogo

    Beethoven, proprietrio de um crebro. Oliveira.

    So Paulo Editora Perspectiva

    1ed. 1979 --- fora de catlogo

    Msica. Souza. So Paulo Novas Metas 1ed. 1983 --- fora de catlogo

    Heitor Villa-Lobos, sua obra para violo. Pereira.

    Braslia DF

    Editora Musimed 1ed. 1984 + de 1000

    em catlogo

    Apoteose de Schoenberg. Menezes.

    Cotia - SP 1ed

    Nova Stella /Edusp 2ed Ateli.

    1ed. 1987 2ed. 2002

    1ed 3000 2ed 1000

    em catlogo

    J. S. Bach, Preldios e Fugas I. Magalhes.

    So Paulo Novas Metas** 1ed. 1988 --- fora de catlogo

    O Poema do fogo, mito e msica em Scriabin. Toms.

    So Paulo Annablume 1ed. 1993 --- fora de catlogo

    Elementos de coerncia no Opus 76 de Brahms. Souza.

    Campinas SP

    UNICAMP 1ed. 1995 1000 em catlogo

    Propores no Op.110 de Beethoven. Souza.

    Campinas SP

    UNICAMP 1ed. 1995

    1000 em catlogo

    Beethoven e o sentido da transformao. Muniz Neto.

    So Paulo Annablume 1ed. 1997 1000 em catlogo

    Ernst Widmer, perfil estilstico. Nogueira.

    Salvador BA

    UFBA 1ed. 1997 1000 fora de catlogo

    O antropofagismo na obra pianstica de Gilberto Mendes. Santos.

    So Paulo

    Annablume

    1ed. 1997

    1000

    em catlogo

    Politonalidade, discurso de reao e trans-formao. Noronha.

    So Paulo Annablume 1ed. 1998 1000 em catlogo

    Atualidade esttica da msica eletroacstica. Menezes.

    So Paulo Ed. Unesp 1ed. 1999 1000 em catlogo

  • 33

    Charles Ives, uma revisita. Albright.

    So Paulo Annablume 1ed. 1999 1000 em catlogo

    Eroso, processos de estruturao em Villa-Lobos. Fernandes.

    Rio de Janeiro

    Autor

    1ed. 1999

    ---

    ---

    Ouvir Wagner, ecos Nietzschianos. Caznk; Naffah Neto

    So Paulo Musa Editora 1ed. 2000 1000 em catlogo

    Do tempo musical. Seincman. So Paulo Via Lettera 1ed. 2001 1000 em catlogo

    Teoria de Costre, uma perspectiva em anlise musical. Ramirez.

    So Paulo Autor / Embraform 1ed. 2001 500 em catlogo

    Beethoven, o princpio da modernidade. Bento.

    So Paulo Annablume 1ed. 2002 1000 em catlogo

    Grupo de compositores da Bahia, estratgias orquestrais. Gomes.

    Salvador BA

    UFBA 1ed. 2002 500 em catlogo

    Mahler em Schoenberg, angstia da influncia na Sinfonia de Cmara n.1. Molina.

    So Paulo

    Autor / Rond

    1ed. 2003

    500

    em catlogo

    10 Estudos de Leo Brouwer, anlise tcnico-interpretativa. Fraga.

    Curitiba PR

    1ed Autor / Data Msica.

    2ed Ed. Depto. de Artes da UFPr

    1ed. 2005 2ed. 2006

    1ed 200 2ed 200

    em catlogo

    O estilo antropofgico de Heitor Villa-Lobos, Bach e Stravinsky na obra do compositor. Jardim.

    So Paulo

    Philarmonia Brasileira

    1ed. 2005

    ---

    em catlogo

    Ouvir o Som, aspectos de organizao na msica do sculo XX. Zuben.

    Cotia - SP

    Ateli Editorial

    1ed. 2005

    1000

    em catlogo

    Sinfonia Tit, semntica e retrica. Lian.

    So Paulo Editora Perspectiva

    1ed. 2005 --- em catlogo

    Muito Alm do Melodrama, os preldios e sinfonias das peras de Carlos Gomes. Nogueira.

    So Paulo

    Ed. Unesp

    1ed. 2006

    ---

    em catlogo

    Crtica e criao, um estudo da Kreisleriana Op.16 de Robert Schumann. Vermes.

    Cotia - SP

    Ateli Editorial

    1ed. 2007

    ---

    em catlogo

    * Atualmente Edies RicordI. / ** Atualmente Musimed.

    Observa-se, quanto ao local das publicaes, que a maioria deu-se no estado de So Paulo com 28 ttulos publicados, depois o Rio de Janeiro com 9, Bahia com 2, e Distrito Federal, Pernambuco e Paran cada um com 1 ttulo publicado. O Museu Villa-Lobos marcou histria como casa publicadora tendo lanado 6 ttulos durante a dcada de 1970, dos quais 5 chegaram segunda edio. Histria semelhante d-se

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    com a editora Annablume que se iguala quanto ao nmero de ttulos, 6, sendo que 5 deles publicados na dcada de 1990, e mais um no ano de 2002. Recentemente o destaque para a Ateli Editorial que publicou 3 ttulos nos ltimos cinco anos. Depois tem-se a Editora Perspectiva, a UFBA Universidade Federal da Bahia e a Editora da Unicamp com dois ttulos cada; e, por fim, Musa Editora, Musimed, Musiclia (hoje Ricordi), Via Lettera e a Editora Unesp com um ttulo cada. Quanto tiragem, os dados obtidos abrangem as publicaes realizadas a partir de 1977 e demonstram a ocorrncia de dois padres de publicao: um para editoras e que, portanto, est inserido no contexto do comrcio livreiro; e outro para edies alternativas que se caracterizam por no ter fins lucrativos sendo distribudas gratuitamente ou, ento, comercializadas somente para cobrir os custos de produo. Este o caso das edies de autor, que se realizam mais pela vontade e empenho do prprio autor por trazer seu trabalho a pblico, e tambm das edies realizadas com apoio institucional. No caso das edies comerciais, observa-se, para a maioria dos ttulos que esto em catlogo, o padro de uma edio de mil exemplares que no chega a se esgotar. Considerando-se, por exemplo, a situao editorial do Beethoven e o sentido da transformao, de J. V. Muniz Neto, publicado no ano de 1997 e que ainda est em catlogo, observamos que o perodo de quase dez anos no foi suficiente para atingir a marca de mil exemplares vendidos. Faz exceo regra o Apoteose de Schoenberg, de Flo Menezes, que teve uma primeira tiragem de trs mil exemplares, e que est agora em sua segunda edio, desta vez de mil exemplares. Outro caso singular o do Villa-Lobos: o choro e os choros, de Jos Maria Neves, que, segundo a editora, pode ter tido uma tiragem de at trs mil exemplares. No caso deste livro h tambm uma controvrsia quanto ao nmero de edies. Por conta da mudana de razo social da editora Musiclia para Ricordi, ao que tudo indica, foram feitas duas primeiras edies uma pela Musiclia em 1977, e outra pela Ricordi em 1980 - segundo informaes da editora, ou em 1981, segundo informaes do prprio autor no site da Academia Brasileira de Msica. Em nossa tabela foi considerada a edio da Musiclia por ser a de que dispomos. Quanto s edies alternativas constata-se um padro de tiragem menor. As edies de autor como a do Teoria de Costre, de Marisa Ramires, ou do Mahler em Schoenberg, de Sidney Molina, apresentam tiragem de quinhentos exemplares. Com esta mesma tiragem temos tambm o Grupo de Compositores da Bahia, de Welington Gomes, publicado pelo Programa de Ps-graduao da UFBA. J o 10 Estudos de Leo Brouwer, de Orlando Fraga, teve duas edies de duzentos exemplares, a primeira do autor e a segunda pela Editora do Depto. de Artes da UFPr. Exceo regra o Ernest Widmer, perfil estilstico, de Ilza Maria

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    Costa Nogueira, publicado pela Escola de Msica da UFBA com a tiragem de mil exemplares.

    Na Tabela 3 Autoria (motivao / ttulo / autor) apresenta-se os 42 ttulos dispostos em ordem cronolgica e alinhados com dados referentes s circunstncias da escritura do texto.

    Tabela 3 Autoria (motivao / ttulo / autor)

    motivao ttulo autor Notas de programa.

    Concertos de msica de cmara do Instituto Nacional de Msica pelo Trio Beethoven. 1919.

    Tapajs Gomes.

    As Nove Symphonias de Beethoven. 1922. Martins, Amlia de Rezende.

    Msica Creadora e Balladas de Chopin. 1935, 19 - - . Caldeira Filho.

    Articulao cultural.

    As Bachianas Brasileiras de Villa-Lobos. 1971. Palma, Enos da Costa; Chaves Jr, Edgard de B.

    Breve curso de analyse musical e conselhos de interpretao, anlise da Sonata em d sustenido menor de Beethoven. 1931, 1934.

    Franceschini, Frio.

    Anlise do Estudo de Chopin em d sustenido menor para Piano Op. 25 n7. 1941.

    Franceschini, Frio.

    Palestras sobre as sonatas para piano de Beethoven. 1943.

    Caldeira Filho, Joo C.

    Beethoven, proprietrio de um crebro. 1979. Oliveira, Willy Corra de. J. S. Bach, Preldios e Fugas I. 1988. Magalhes, Homero de.

    Cursos, seminrios e palestras.

    Ouvir Wagner, ecos nietzschianos. 2000. Caznk, Yara Borges; Naffah Neto, Alfredo.

    Nazareth, estudos analticos. 1963. Diniz, Jaime C. Homenagem. Ernst Widmer, perfil estilstico. 1997. Nogueira, Ilza Ma. Costa. Comentrios sobre a obra pianstica de Villa-Lobos. 1969.

    Souza Lima.

    Os Quartetos de Cordas de Villa-Lobos. 1970, 1978. Estrella, Arnaldo. As Bachianas Brasileiras de Villa-Lobos. 1971. Nbrega, Adhemar. Os Choros de Villa-Lobos. 1975, 19 - - . Nbrega, Adhemar. Heitor Villa-Lobos e o violo. 1975. Santos, Turbio.

    Concurso de monografia.

    A evoluo de Villa-Lobos na msica de cmara. 1976, 1979.

    Frana, Eurico Nogueira.

    Apoteose de Schoenberg. 1ed. 1987, 2ed. 2002. Menezes, Flo. Iniciao cientfica. Beethoven, o princpio da modernidade. 2002. Bento, Daniel.

    Msica. 1983. Souza, Rodolfo Coelho de. Elementos de coerncia no Opus 76 de Brahms. 1995. Souza, Elizabeth R. P. de Propores no Op.110 de Beethoven. 1995. Souza, Elizabeth R. P. de Eroso, processos de estruturao em Villa-Lobos. 1999.

    Fernandes, Marlene Migliari.

    Produo acadmica.

    10 Estudos de Leo Brouwer, anlise tcnico-interpretativa. 2003.

    Fraga, Orlando.

    Villa-Lobos, o choro e os Choros. 1977. Neves, Jos Maria. Dissertao de mestrado. Heitor Villa-Lobos, sua obra para violo. 1984. Pereira, Marco.

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    O Poema do fogo, mito e msica em Scriabin. 1993. Toms, Lia. O antropofagismo na obra pianstica de Gilberto Mendes. 1997.

    Santos, Antonio Eduardo dos.

    Politonalidade, discurso de reao e trans-formao. 1998.

    Noronha, Lina Maria Ribeiro de.

    Charles Ives, uma revisita. 1999. Albright, Valerie. Teoria de Costre, uma perspectiva em anlise musical. 2001.

    Ramires, Marisa.

    Mahler em Schoenberg, angstia da influncia na Sinfonia de Cmara n.1. 2003.

    Molina, Sidney.

    Ouvir o Som, aspectos de organizao na msica do sculo XX. 2005.

    Zuben, Paulo.

    Sinfonia Tit, semntica e retrica. 2005. Lian, Henrique Beethoven e o sentido da transformao, anlise dos ltimos Quartetos e da Grande Fuga Op.133. 1997.

    Muniz Neto, Jos Viegas.

    Do tempo musical. 2001. Seincman, Eduardo. Grupo de compositores da Bahia, estratgias orquestrais. 2002.

    Gomes, Wellington.

    Tese de doutorado.

    Crtica e criao, um estudo da Kreisleriana Op.16 de Robert Schumann. 2007.

    Vermes, Mnica.

    Mestrado + Doutorado.

    Muito Alm do Melodrama, os preldios e sinfonias das peras de Carlos Gomes. 2006.

    Nogueira, Marcos Pupo.

    Doutorado + Livre docncia.

    O estilo antropofgico de Heitor Villa-Lobos, Bach e Stravinsky na obra do compositor. 2005.

    Jardim, Gil.

    Livre Docncia. Atualidade esttica da msica eletroacstica. 1999. Menezes, Flo.

    O livro Concertos de msica de cmara do Instituto Nacional de Msica pelo Trio Beethoven (1919) traz as notas de programa escritas pelo crtico de arte e poeta Tapajs Gomes (18??-19??), a pedido dos integrantes do Trio Beethoven, para uma srie de concertos realizados no Salo do Jornal do Commercio no Rio de Janeiro, nos quais foram interpretados todos os Trios de Beethoven. O Trio Beethoven foi um grupo de cmara formado pelo pianista J. Octaviano Gonalves, o violinista Frederico de Almeida, e o violoncelista Newton de Pdua, todos eles alunos do Instituto Nacional de Msica. H um determinado tipo de publicao que foi classificado, nessa pesquisa, como de articulao cultural. Trata-se de trabalhos realizados sem estmulo externo aparente, a no ser a iniciativa prpria dos autores e, supe-se, seu propsito deliberado de dialogar com o meio musical do qual participavam. Entre esses est o livro As Nove Symphonias de Beethoven (1922), de Amlia Rezende Martins (1877-1948), cujas declaraes feitas no texto Uma explicao necessaria..., que serve como introduo desse livro, evidenciam seu carter diletante.

    No se trata aqui de uma obra de critica ou uma exposio de impresses pessoaes de quem tenha um conhecimento profundo das Symphonias de Beethoven; , muito pelo contrario, um resumo do estudo que fizemos, minhas filhinhas e eu, procurando, pela leitura, nos preparar a ouvir e comprehender com maior gozo intellectual esse thezouro de arte. (MARTINS, 1922, p.5).

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    Entretanto, a medida desse conhecimento profundo que a autora afirma no ter, talvez seja mais bem aquilatada levando-se em conta a lista de ttulos impressa na ltima pgina desse livro na qual constam, alm de outras publicaes da autora nas reas da histria, geografia e sociologia; mais dois ttulos sobre msica, a saber, uma Historia da Musica e Curiosidades Musicaes. Sabe-se, tambm, que Maria Amlia de Rezende Martins registrou diversas canes dos escravos da sua fazenda, num trabalho pioneiro de etnomusicologia (NOGUEIRA, 2006, p.552), e que, empreendedora, essa pianista e camerista fundou, no ano de 1931 juntamente com Theodoro Heuberger e Frei Pedro Sinzig, O.F.M. , a Pr Arte Sociedade de Artes, Letras e Cincias, criando as primeiras caravanas artsticas que percorreram as cidades do Paran, Santa Catarina e Rio Grande do Sul. O livro Msica Creadora e Balladas de Chopin (1935, 19 - -), de Caldeira Filho (1900-82), outro exemplo dessas publicaes. Mrio de Andrade (1893-1945), na introduo que escreveu para esse livro, d uma idia bem clara do contexto que moveu o autor na escritura de seu texto.

    Caldeira Filho fixa com este livro o incio da sua carreira de escritor musical. Formado pelo Conservatrio Dramtico e Musical de So Paulo, aluno que foi dos mais distintos, atualmente professor e crtico musical, publicando ste livro le reflete bem sse aspecto muito caracterstico da msica paulista, que consistiu em criar toda uma literatura didtica de msica, j agora alicerada em algumas bases bastante durveis. Essa orientao da cultura musical paulista se originou de dois focos principais, a meu ver: a sistematizao oficial do ensino de msica nas escolas pblicas do Estado e o Conservatrio. Surgiu desses dois fcos criadores um enxame de obras de divulgao, excelentes em conjunto, artinhas, cursos primrios de harmonia, obras corais didticas, histrias da msica, biografias de msicos, etnografia musical, a que se dever ajuntar ainda as obras admirveis de S Pereira e Furio Franceschini. Com tudo isto j se formou uma biblioteca didtica musical que exemplo nico no pas. Agora Caldeira Filho vem formar nesse batalho e o enriquecer. (ANDRADE, Mrio In: CALDEIRA FILHO, 1935, p.7).

    O livro As Bachianas Brasileiras de Villa-Lobos (1971), de autoria de Enos da Costa Palma e Edgard de Brito Chaves Jnior, outro trabalho que talvez possa ser includo nesse grupo, mas preciso que se faa uma observao a seu respeito. Ocorre que no mesmo ano de sua publicao, 1971, foi publicado um outro livro com o mesmo ttulo e tambm no Rio de Janeiro. Trata-se do livro As Bachianas Brasileiras de Villa-Lobos (1971), de Adhemar Nbrega, que a monografia premiada com o primeiro prmio no Concurso Nacional sobre o Estudo Tcnico, Esttico e Analtico das Bachianas Brasileiras de Villa-Lobos, realizado pelo Museu Villa-Lobos do Ministrio de Educao e Cultura, no ano de 1970. Levanta-se, ento, a hiptese de que o texto de Palma e Chaves Jnior seja uma monografia escrita com vistas ao mesmo concurso e que, no tendo sido premiada, nem por isso deixou de ser publicada por

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    iniciativa de seus autores. No intrito desse livro, apresenta-se a reproduo de uma carta de Arminda Villa-Lobos endossando o trabalho. Um grupo de seis publicaes resultante de cursos, seminrios e palestras realizados pelos autores. Entre esses esto o Breve curso de analyse musical e conselhos de interpretao, anlise da Sonata em d sustenido menor de Beethoven (1931, 1934), e o Anlise do Estudo de Chopin em d sustenido menor para Piano Op. 25 n7 (1941), de Frio Franceschini (1880-1976), que se originaram de cursos de anlise musical ministrados no Departamento de Cultura do municpio de So Paulo. Caldeira Filho participa tambm desse grupo, com seu livro Palestras sobre as Sonatas para Piano de Beethoven (1943), que traz na integra as palestras proferidas na Sociedade de Cultura Artstica de So Paulo, durante o ciclo de apresentaes das Sonatas de Beethoven, realizado entre 20 de janeiro 1o de abril de 1941, a cargo do pianista Fritz Jank. O livro Beethoven, proprietrio de um crebro (1979), de Willy Corra de Oliveira, a transcrio de uma conferncia comissionada pela Coordenadoria de Assuntos Culturais da Universidade de So Paulo, no transcurso do Ano Beethoven, em 7 de outubro de 1977.

    Este livro foi, na origem, uma conferncia. Com propostas dramticas: cenrio, iluminao, aes, um pianista (Caio Pagano), um ator (Edson Celulari), uma cantora (Beatrice Dante), e 7 crianas que recolhiam as 33 fichas que eram atiradas uma a uma aps uso (Wittgenstein). Para transpor para livro, tive que me livrar de todo aparato cnico. Muita coisa se perdeu; muita se ganhou: como um maior desenvolvimento das leituras e anlises. O que no desespera que a msica executada por Caio Pagano est aqui presente, no disco. (OLIVEIRA, 1979, Prefcio?).

    O livro J. S. Bach, Preldios e Fugas I (1988) traz a transcrio das anotaes de uma srie de aulas dadas pelo pianista Homero de Magalhes, no Rio de Janeiro na Pr-Arte, e em So Paulo no Conservatrio Musical Brooklin Paulista. O livro Ouvir Wagner, ecos nietzschianos (2000), origina-se de um seminrio ministrado no Programa de Estudos Ps-Graduados em Psicologia Clnica da PUC de So Paulo, pelo psicanalista, filsofo e amante de msica, Alfredo Naffah Neto, e pela professora de msica Yara Caznk que realizou estudos na rea da psicologia. H dois livros, entre os coletados, que foram publicados com o intuito de prestar homenagens: trata-se do Nazareth, estudos analticos (1963), de autoria do Padre Jaime C. Diniz (1924-1989), escrito por ocasio do centenrio de nascimento de Ernesto Nazareth, e o Ernst Widmer, perfil estilstico (1997), de Ilza Maria Costa Nogueira, que, segundo informao fornecida via e-mail pela prpria autora, foi lanado como uma homenagem

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    pstuma da Escola de Msica da UFBA, na passagem dos 70 anos de nascimento do compositor.

    Outras seis publicaes tiveram sua origem nos concursos de monografia sobre a obra de Villa-Lobos, promovidos no Rio de Janeiro pelo Museu Villa-Lobos do MEC, que premiou os textos vencedores com sua publicao. Trata-se dos livros Comentrios sobre a obra pianstica de Villa-Lobos (1969), de Souza Lima (1898-1982), Os Quartetos de Cordas de Villa-Lobos (1970, 1978) de Arnaldo Estrella (1908-80), As Bachianas Brasileiras de Villa-Lobos (1971) e Os Choros de Villa-Lobos (1975, 19_ _), de Adhemar Nbrega (1917-79), Heitor Villa-Lobos e o violo (1975) de Turbio Santos, e A Evoluo de Villa-Lobos na Msica de Cmara (1976, 1979), de Eurico Nogueira Frana (1913-92). Dois livros se destacam por terem tido como base trabalhos produzidos por meio de programas de iniciao cientfica. So eles o Apoteose de Schoenberg (1987, 2002), de Flo Menezes, e o Beethoven, o princpio da modernidade (2002), de Daniel Bento. Outros cinco trabalhos foram classificados, no contexto dessa pesquisa, como de produo acadmica. Trata-se de trabalhos realizados por catedrticos, mas que no apresentam nenhuma motivao externa aparente, a no ser o propsito pessoal e deliberado de fazer publicar seus textos. Dois desses livros so de autoria da professora e pianista Elizabeth Rangel Pinheiro de Souza, so eles o Elementos de coerncia no Opus 76 de Brahms e o Propores no Op.110 de Beethoven, ambos publicados no ano de 1995. Outros dois so o Eroso, processos de estruturao em Villa-Lobos (1999), da analista e compositora Marlene Migliari Fernandes, o 10 Estudos de Leo Brouwer, anlise tcnico-interpretativa. (2003), do violonista e professor Orlando Fraga. Um outro, Msica (1987), foi feito numa poca em que seu autor, o compositor Rodolfo Coelho de Souza, ainda no atuava como professor acadmico, mas como, hoje, ele se dedica a e