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Via-Sacra
Annita Coutinho
Annita Coutinho
Via-Sacra
Paróquia de Nossa Senhora da Piedade
Barbacena - MG.
Apresentação
O texto desta Via Sacra é de autoria de Dª
Annita Coutinho. Dª Annita, para conhecimento de
quem ainda não a conhece, é uma destas criaturas
admiráveis, que passam pela vida deixando atrás de
si um rastro de luz, de amor, de compreensão, de
humildade, de generosidade... Inteligente, escritora
com estilo próprio e agradável, é sobretudo cristã,
piedosa e repleta de espírito apostólico e, (esta é sua
maior glória) zelosa e perseverante catequista,
formadora de várias gerações de cristãos.
Esperamos que esta Via Sacra, de tão agradável
estilo e tão atual, possa, com a graça de Deus,
produzir frutos de verdadeira contrição nos
corações daqueles que dela se utilizarem para a
meditação da Paixão e Morte de Nosso Senhor Jesus
Cristo.
Barbacena, Quaresma de 1973.
Pe. José Alvim BarrosoPároco de Nossa Senhora da Piedade
ORAÇÃO INICIAL
Senhor Jesus Cristo, que seguistes com
amor infinito o doloroso caminho do Calvário e
aí morreste num patíbulo de infâmia, dai-me a
graça de vos acompanhar e de unir as minhas
lágrimas ao Vosso Sangue precioso. Desejo
ardentemente consolar o Vosso Coração tão
amargurado pelos nossos pecados e de me
associar à Vossa paixão e morte. Arrependo-me
sinceramente de vos ter ofendido e prometo
com Vossa graça não mais Vos ofender. Ó
Maria, Senhora da Piedade, dai-me o amor e a
dor com que acompanhastes ao Calvário, o
Vosso querido e inocentíssimo Jesus. Recebei
em Vossos braços na hora de minha morte e
fazei que meditando as Vossas dores e as de
Vosso Filho, mereça participar convosco das
alegrias celestiais. Assim Seja.
ORAÇÃO INTERMEDIÁRIA
Depois de cada estação, reza-se:
Peza-me, Senhor, de todo meu coração,
de ter ofendido a vossa infinita bondade;
proponho, com a vossa graça, emendar-me e
espero que me perdoeis por vossa infinita
misericórdia.
PRIMEIRA ESTAÇÃO
Jesus é condenado à morte- Um Juiz -
V. Nós vos adoramos, ó Cristo, e vos bendizemos.
Porque, pela vossa santa cruz, redimistes o mundo.R.
S e n h o r ! H á d o i s m i l a n o s e r a s
condenado à morte. Porque foste bom, foste
justo e verdadeiro. A Bondade, a Justiça e a
Verdade foram condenadas à morte.
Pilatos era o Juiz da Tua causa.
Podia te livrar das mãos carnificinas.
Não o fez. Por quê? Teve medo. Não
queria desagradar ao Sinédrio. Aos grandes
daquele tempo. Aos poderosos que mandam
em cada nação.
E foste condenado pelo Bem que fizeste
aos pequeninos, aos fracos, aos humildes, aos
simples, aos esquecidos, aos abandonados, aos
que são empurrados para fora da Calçada da
Vida! Déste o exemplo do Amor, da Justiça e da
Abnegação.
E HOJE, SENHOR? 20 SÉCULOS
DEPOIS...
Pergunto em nome das Leis de nosso
tempo: Que fizemos da palavra de Cristo? Do
seu exemplo? Da sua Lei? Será que as mãos de
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todos os Magistrados se acham limpas de
manchas injustas?... ou teremos de lavá-las
como PILATOS?
Será que as nossas sentenças dadas aos
marginais, aos indefesos, aos humildes e
ofendidos, são sentenças verdadeiramente
justas? Imparciais? Equilibradas? Puras e
nobres?
Não estarão estas sentenças, como a de
Pilatos, poluídas pelo ranço do medo? Do
receio de desagradar?
Não estarão por acaso inclinadas,
forçadas, subjugadas por um pedido superior?
Por uma influência que atinge a nossa pessoa, o
nosso cargo, a nossa posição, a nossa carreira?
Senhor! As nossas mãos, as nossas
pobres mãos que carregam o destino de um
homem!... também elas, não devem ser lavadas
como as mãos de Pilatos?
Lava-me, Senhor, com a água de tuas
lágrimas e serei mais branco que a neve.
Pesa-me, Senhor...
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SEGUNDA ESTAÇÃO
Jesus carrega a sua cruz- Um Carpinteiro -
V. Nós vos adoramos, ó Cristo, e vos bendizemos.
Porque, pela vossa santa cruz, redimistes o mundo.R.
Alguém um dia te fez uma cruz. Um
carpinteiro como eu... Um operário, um
homem qualquer... Mas alguém um dia te fez
uma cruz. Para que nela morresses. Alguém
que não era ninguém e que se perdeu no
anonimato. Todos se perdem no anonimato. Só
Tu que levas a cruz te sobrepões ao mundo.
Todos te vêem. Todos te conhecem. Seja para te
amar. Seja para te cuspir. Mas houve alguém
como eu que te fez uma cruz... Uma cruz de
pau que faz chorar a muita gente. Porque ela te
machuca os ombros e fere as tuas carnes. Uma
cruz que todo o mundo vê. Mas... “o essencial é
invisível para os olhos...” A cruz que te
machuca, que te dói, que te sangra é aquela
outra cruz, a cruz dos nossos pecados da nossa
falta de amor... “Meus filhos, meus filhinhos,
amai-vos uns aos outros...” Pedistes com
insistência. E ninguém ama de verdade. Nem a
ti nem a seu irmão. Não sabe amar: o operário, o
t rabalhador eternamente insat is fe i to .
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Indisciplinado. Blasfemador. Que nunca
levanta os olhos para o teu céu. Não sabe amar o
patrão egoísta, carrancudo, mesquinho,
gozador, que tem casas de campo, casas de
praia, um carro para cada filho, uma TV para
cada cômodo da casa; iates, sítios, quantos
a p a r t a m e n t o s , d i v i s a s e m t o d a s a s
Companhias... e, por fim, mal paga o salário
mínimo ao empregado de 5 e de 10 filhos... Até
os remédios, que apenas adiam a morte, são
d e s c o n t a d o s n o s a l á r i o d e f o m e . . .
Senhor! Abre-nos os olhos! Faz-nos
enxergar a cruz da injustiça que pesa sobre o
mundo!
E pesa muito mais sobre os teus ombros
dilacerados!
Pesa-me, Senhor...
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TERCEIRA ESTAÇÃO
Jesus cai pela primeira vez- Prisioneiro -
V. Nós vos adoramos, ó Cristo, e vos bendizemos.
Porque, pela vossa santa cruz, redimistes o mundo.R.
Senhor! Tu me vês a teus pés. Sou um
pobre homem que também caiu no caminho da
vida. Tu caíste sobre as pedras do caminho.
Eu caí, todos nós caímos, sobre nós
mesmos.
Jesus, esta foi a tua primeira queda.
Tu te ergueste logo. Porque visavas o
calvário...
Também eu, também muitos e muitos de
nós, milhares de nós, todos nós, Senhor, caímos
sempre pela primeira vez...
Foste erguido pelas tuas próprias forças.
A nós, Senhor, falta a força, falta a
coragem para nos erguermos... Estende a tua
mão generosa e dá-nos a vontade para nos
levantarmos. Levantar dos nossos vícios, dos
nossos crimes, das nossas culpas, do nosso
ódio, das nossas negligências...
Tem pena de nós, Senhor! Dá-nos a tua
mão! Ergue-nos! E perdoa-nos!
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Para que possamos continuar, de pé, o
caminho da vida!
O teu caminho!
Pesa-me, Senhor...
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QUARTA ESTAÇÃO
Jesus encontra com sua mãe no caminho do calvário- A Mãe de Família -
V. Nós vos adoramos, ó Cristo, e vos bendizemos.
Porque, pela vossa santa cruz, redimistes o mundo.R.
“Filho”! Não foram teus lábios que disseram –
Filho! Foram os teus olhos, Senhora. Foi o teu
silêncio. O silêncio enorme, o silêncio pesado da
dor incomunicável. E o teu silêncio pesou sobre
o mundo inteiro. Toda a palavra, qualquer
palavra seria um choque de pedras espatifadas.
Teria sido um baque de um corpo seco na terra
dura. Nenhuma palavra teria expressão, teria
força para dizer o tamanho daquela dor. Dor
que se fez silêncio. Dor que se fez olhar. Olhar e
silêncio que se fizeram vida. Vida que encheu o
mundo de pena e de assombro.
Podias ter murmurado baixinho,
recusando-te: “Oh! Não! Não, meu filho!” Ao
invés, disseste no fundo do coração: Oh! Sim!
Vai Filho! Continua. Prossegue o teu caminho.
Realiza o teu sonho. Faze o que quiseres. Eu te
acompanho. Bem perto de ti. Esquece de mim
para não sofreres tanto!” Disseste tudo isto e
muito mais, em silêncio. E em silêncio o teu
Filho ouviu. E é este silêncio, Senhora, que nos
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incomoda... Que nos atormenta. A nós que
falamos tanto. A nós que tanto nos queixamos!
Também sofremos porque somos mãe.
Tu sabes bem... E muitas vezes temos encontros
dolorosos com os filhos nos caminhos da vida!
É uma enfermidade que não tem cura... Como
dói olhar! Um fracasso que amortece os
entusiasmos... Uma revolta que os afasta de
nós... Uma palavra dura... Uma afronta... Uma
fuga... Um choro... Uma ingratidão...
Senhora, dá-nos a força da tua aceitação.
Da tua compreensão...
Dá-nos a força para caminhar nos
caminhos da Dor.
Dá-nos a força do teu Silêncio.
Porque só tu tiveste a coragem do
Silêncio Perfeito!
Pesa-me, Senhor...
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QUINTA ESTAÇÃO
Cirineu ajuda Jesus a levar a cruz- Um Médico -
V. Nós vos adoramos, ó Cristo, e vos bendizemos.
Porque, pela vossa santa cruz, redimistes o mundo.R.
Todo homem na vida, Senhor, precisa de
um Cirineu. Ninguém vive a vida sozinho. E
todos nós temos o dever de ser um Cirineu na
vida de nosso irmão.
Déste o exemplo da fraqueza, aceitando
o auxílio de outro homem. Déste o exemplo da
força aceitando o sacrifício da cruz.
Senhor, como vês, eu sou um médico.
Aquele que cura. Que se dá. Que se debruça.
Que se imola pelo seu irmão.
Dá-me Senhor, a força de um Cirineu,
para que também eu possa ajudar. A mim e a
todos os médicos do mundo inteiro. Para que
possamos ter sobre nós, sobre os nossos
ombros, um pouco do peso da cruz que pesa
sobre os ombros alheios! Sobre os ombros dos
nossos doentes, dos pobres, cujo salário nem
sempre dá para o que comer.
Senhor , também nós , como Tu,
aceitamos e até juramos uma vida de sacrifício e
de imolação.
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Sê para nós o Cirineu indispensável.
Para que nos desapeguemos de nós mesmos. E
v ivamos mais generosamente , menos
ambiciosamente, para o irmão que sofre.
Ajuda-nos, Senhor, a ajudar. Ajuda-nos
a servir.
“Porque somente uma vida para os
outros vale a pena ser vivida”...
Pesa-me, Senhor...
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SEXTA ESTAÇÃO
Verônica enxuga a face de Jesus- VERÔNICA -
V. Nós vos adoramos, ó Cristo, e vos bendizemos.
Porque, pela vossa santa cruz, redimistes o mundo.R.
Senhor, o teu rosto está imundo!
Disforme. O suor, o sangue, o pó, o cuspe, as
lágrimas, a dor, desfiguraram a tua face. Nem
poder enxergar o caminho que pisas. Nem
podes enxergar os olhos que te enxergam.
SENHOR, que foi que fizeram de Ti?...
Que foi que fizemos de Ti? Nós todos a quem
dás o nome de filho! Todos nós que estamos
dentro desta Igreja. Todos que se acham fora
desta Igreja! QUE FOI QUE FIZEMOS DE
TI? Hoje e sempre: Cuspimos o teu rosto com a
calúnia da nossa palavra, das nossas mentiras,
das nossas desculpas, da nossa ingratidão!
Chicoteamos-te o rosto com o riso da
nossa ironia, com o achincalhe da nossa
irreverência! Sangramos a tua face com a
exterioridade das nossas preces, que escondem
o verme da vaidade, do orgulho, da inveja e da
presunção. Sujamos-te o rosto com a falta do
n o s s o p e r d ã o e o e x c e s s o d a n o s s a
maledicência. Anavalhamos, desfiguramos a
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beleza do teu semblante com o juízo temerário
dos nossos falsos julgamentos.
Senhor, 20 séculos são passados e a tua
face continua dilacerada! Pelo pecado dos
homens. Hoje, mais do que nunca. Aqui estou
representando a Verônica do teu calvário. Mas
“Verônica” deve ser CADA UMA, CADA
UM DE NÓS. Em todos os dias da vida. Em
todas as horas do dia: com a caridade das nossas
p a l a v r a s . C o m a b o n d a d e d o n o s s o
pensamento. Com a ternura do nosso gesto. E o
cumprimento da tua doutrina.
Perdoa-nos, Senhor, se não temos sabido
enxugar a tua Face! Se não temos tido a coragem
de vencer a multidão – e refrescar o teu rosto de
todas as imundices do mundo!
Pesa-me, Senhor...
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SÉTIMA ESTAÇÃO
Jesus cai pela segunda vez- Um Popular -
V. Nós vos adoramos, ó Cristo, e vos bendizemos.
Porque, pela vossa santa cruz, redimistes o mundo.R.
Caíste outra vez, Senhor. A cruz vai
pesando cada vez mais... E teus braços, tuas
pernas, se enfraquecendo cada vez mais...
Ainda está longe o topo do calvário...
Tropeças... cais...
Que mais te pesa sobre os ombros? A
cruz?... Os chicotes?... As lanças?... Os risos?...
Os palavrões?... Os ponta-pés?...
Sou um homem, um moço do povo que
te olha... Que te vê caindo... E penso: Vou ajudá-
lo... Mas outro pensamento chega mais
depressa: Não! Tenho vergonha... Vão zombar,
vão rir de mim... Talvez me expulsem a ponta-
pés... Ou com pontas de lanças... Ou vão me
olhar com surpresa e dirão: “Ora esta! Quem é
este “cara” que se intromete?...
E se me conhecerem?... “Oh! é você?...
Deu para “carola”?... Que novidade é esta?...
E o pior, Senhor, é que poderão
acrescentar: “Então você o conhece, hein?... Faz
par te da “ turma”. . . Como é que não
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sabíamos?... E hei de protestar como Pedro:
“Não, não o conheço! Nunca vi este homem...”
Não, meu Cristo, nesta não caio... Não
quero “estar por dentro” desse teu negócio...
Ponho o corpo de fora...
As mesmas palavras de ontem, Jesus...
A mesma atitude... A mesma covardia... O
mesmo respeito humano... Perdoa-nos, Senhor,
se te deixamos caído no chão das amarguras...
Se ainda fugimos como Pedro e te
traímos como Judas...
Os séculos passaram... Mas os homens
permanecem...
Covardes como sempre...
Pesa-me, Senhor...
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OITAVA ESTAÇÃO
Jesus consola as mulheres de Jerusalém- Qualquer Mãe Anônima -
V. Nós vos adoramos, ó Cristo, e vos bendizemos.
Porque, pela vossa santa cruz, redimistes o mundo.R.
Senhor, aqui estamos no caminho do teu
calvário. Nestes dias tormentosos do “século da
liberdade”, Vimos de longe, acompanhando os
teus passos. Com pena de ti. Choramos. E eis
que voltas e dizes. “Não choreis por mim,
chorais antes por vossos filhos”.
Tens razão, Senhor. É por eles que
choramos. Que devemos chorar. Teus olhos
penetram os tempos. Atravessam os séculos. E
vês o que o mundo tem feito de nossos filhos.
Quando pequeninos, nós os embalávamos...
Eram meigos e eram nossos. Um dia, porém,
d e s p e r t a r a m . E d e s p e r t a r a m t ã o
repentinamente, que houve como que um abalo
sísmico no coração das mães. Estendemos os
braços e eles se vão... Despertos. Autoritários.
Revoltados. Incompreensíveis... SENHOR,
alguém os afasta de nós. De ti. Quem é, Senhor,
que rouba os nossos filhos que foram tão
pequeninos?... Quem é que os faz assim tão
adultos. SEM TER IDADE?... Tão cheios de si
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sem ter nada dentro de si?...
Senhor, quem é que está tomando conta
do mundo no Teu lugar? Que força diabólica é
esta que dirige a sociedade e arrebata os filhos
imberbes dos braços de seus pais? “Não choreis
por mim...”
É por eles, Senhor, que choramos. Por
estes muitos que se vão mergulhando na noite
escura dos vícios, das bacanais, do cinismo, dos
entorpecentes, dos prazeres sórdidos que
sempre condenastes!
Senhor, perdoa-nos se a culpa é nossa. Se
foi nossa a fraqueza de não saber corrigir. De
não saber segurar... De não saber amar...
Perdoa-nos, Senhor, e devolve os nossos
filhos! Para os nossos braços estendidos!
Para os caminhos do teu amor!
Pesa-me, Senhor...
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NONA ESTAÇÃO
Jesus cai pela terceira vez- A Madalena -
V. Nós vos adoramos, ó Cristo, e vos bendizemos.
Porque, pela vossa santa cruz, redimistes o mundo.R.
Senhor, a pior queda é a queda dos que
caem do mais alto possível. A tua pior queda foi
esta no topo do calvário. Rolastes no chão como
um fruto maduro. Comeste o pó da terra como
um verme asqueroso. MAS ERGUESTE-TE.
Devagar... Cambaleante. Trôpego. Cego de dor
e de sangue. Mas ergueste-te. E caminhaste.
Para mostrar ao mundo que é sempre possível
se levantar. Que é sempre possível se erguer.
C O M O F I Z E S T E C O M I G O , a pobre
Madalena... Que me achava encharcada de
lama e de luxúria. Que me achava de bruços
sobre a terra. Beijando e abraçando o mundo
como se beija e abraça a única coisa que se tem
para amar. E eu só tinha o mundo para amar...
Impossível cair mais baixo do que caí.
E TU VIESTE A MIM. Estendeste-me
as mãos. Ergueste-me. Ressuscitaste-me.
Tiraste-me da miséria e me deste a mais
preciosa das riquezas: a consciência da minha
alma, o valor da minha personalidade. Eu era
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fizeste alguém. Vivia no charco por que não
tinha onde viver.
A miséria, a dor, a solidão, a revolta,
jogam as mulheres, jogam as crianças, as
meninas no lamaçal do mundo. E ninguém lhes
estende as mãos... A sociedade tem medo do
nosso convívio, do nosso contato... Esta
sociedade poluída de vícios e camuflada de
virtudes...
Mas antes da tua vinda, Senhor, tudo era
pior. O mundo não conhecia o milagre do teu
amor e a coragem do teu perdão: - “Vai, filha, e
não peques mais...” “Se conhecesses o dom de
Deus...”
E hoje, meu Senhor e meu Deus, tantos
séculos depois, o mundo ainda não aprendeu a
tua doutrina! Apenas umas poucas mulheres,
vestidas de hábitos, ainda nos protegem, nos
amam e nos redimem... O resto continua a
voltar o rosto por onde passamos... Os homens
só nos conhecem e nos procuram na calada das
noites.. . De dia, fogem como pássaros
notívagos... Senhor, no caminho do calvário
caíste por nós também. Morreste por nós.
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Faze que os homens compreendam isto. E que
se esforcem para que o trabalho não falte aos
nossos antigos lares. De maneira que não seja
preciso pagar com o nosso corpo o pão que
comemos, a roupa que vestimos, a casa que
moramos...
Senhor, dá a todas as Madalenas o senso
da dignidade humana.
E a todos os homens o senso da justiça
social. Para que sejamos um só rebanho, o teu
único rebanho, Senhor!
Pesa-me, Senhor...
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DÉCIMA ESTAÇÃO
Jesus é despojado de suas vestes- Uma Jovem -
V. Nós vos adoramos, ó Cristo, e vos bendizemos.
Porque, pela vossa santa cruz, redimistes o mundo.R.
Senhor, sou jovem, como vês. Estou
diante de Ti, olhando os soldados que te
despem a túnica. Profanaram o teu corpo.
Corpo de homem que abriga a divindade. Esta
violência, este ultraje à liberdade do homem,
arranca o protesto da nossa juventude. Só o
homem é dono do seu corpo. Ninguém tinha o
direito de te despir. De te humilhar assim de
maneira tão baixa. De te arrasar de vergonha.
Porque tu encarnas a Pureza. Tu és a própria
pureza. Senhor, fico pensando diante de ti.
Diante da tua nudez forçada. Diante do teu
p u d o r n a t u r a l , i n s t i n t i v o , n o b r e e
d e s c o n c e r t a n t e . D e s c o n c e r t a n t e s i m .
Incompreensível para muitas de nós que nos
despimos voluntariamente, neste tremendo
“século da liberdade.” E nós nos despimos em
nome desta liberdade! Queremos nos afastar
dos tabus da religião. Dos laços que nos
prendem. Das ordens que nos dão. Queremos e
gr i tamos que não somos escravos de
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preconceitos. Que a nossa vontade é livre para
ditar os nossos atos. E pensando que somos
livres, vamos nos despindo aos poucos... Para
aos poucos, imperceptivelmente, implantar o
reinado do nudismo. Há tanto tempo desejado
por uma corja de minoria. E os nossos pais que
batem palmas, ou se calam de medo, aos arrojos
da nossa independência. Somos os donos do
mundo! Erguemos a cabeça em sinal de
liberdade. Liberdade!... Senhor, dá vontade de
rir... O que é a nossa liberdade senão a
escravidão a outros preconceitos? A outros
mandamentos que não são os teus? Mas são de
“outros”. Daqueles outros que querem por
força mudar a face da terra. Daqueles que te
querem matar de uma vez para sempre. Mas
que não se servem mais de uma cruz no topo do
calvário. Que não se servem de um Judas nem
d e u m P i l a t o s . S E R V E M - S E D A
MOCIDADE. Porque a mocidade é cega.
Aceita sem refletir. Adere sem maldade. Não
enxerga o demônio do ateísmo atrás das
cortinas de ferro. Atrás das cortinas diáfanas da
moda... Dos vícios... Dos entorpecentes... Das
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descerradas por toda a parte. De todos os lados.
Em todos os meios de comunicação. Dentro das
nossas casas... Senhor! Eu paro diante da tua
nudez, inclino a cabeça e te peço perdão!
AJUDA-NOS A ENXERGAR, SENHOR! o
que há de torpe atrás das ORDENS NOVAS
que nos dão! O que há de demoníaco atrás dessa
liberdade sedutora.. . Senhor! Nós não
queremos mudar a face da terra. NÓS TE
AMAMOS! Nós queremos que a tua face seja a
face do universo inteiro! Seja a nossa face! A face
gloriosa da MOCIDADE que te ama!
Pesa-me, Senhor...
40
DÉCIMA PRIMEIRA ESTAÇÃO
Jesus é pregado na cruz- Soldado -
V. Nós vos adoramos, ó Cristo, e vos bendizemos.
Porque, pela vossa santa cruz, redimistes o mundo.R.
Pregamos-te na cruz. Martelamos o teu
corpo, nós, os Soldados da Ordem e da Lei. Se
bem nos mandaram, melhor o fizemos. Na
emboscada da noite te fizemos prisioneiro. No
decorrer da noite te achincalhamos. Divertimo-
nos à tua custa. Eras manso como um cordeiro...
Para falar com franqueza, Cristo, não sei qual é
a tua culpa. Não sei que crime praticaste. Que
roubo cometeste. Dos outros dois, teus
companheiros de cruz, conheço bem a sua vida.
Mereciam o castigo que lhes impingem. Mas,
tu... QUEM ÉS TU, afinal de contas? Por que te
prendemos? E te matamos? Sei lá! Bem, isto não
tem importância. O importante é que
cumprimos a Lei. E a Lei é dura para os que não
têm defesa... Ah! lá isto é! Para os que não têm
defesa, para os que se acham sozinhos no
mundo... Para os que nascem de nomes
obscuros, ou sem nome... Para os que nascem à
margem da vida, das influências poderosas...
42
Ah! estes, meu pobre Cristo, estes não têm saída
não... O resultado é mesmo a condenação. E isto
continua até hoje. Não penses que melhoraste
os homens. O mundo está cheio de Barrabás de
gravatas. Soltos pelas ruas. Bem apessoados.
Risonhos e felizes... Enquanto que os pobres
Cristos pululam pelos cárceres. Morrem à
míngua de proteção, de justiça, de indulgência
e de calor humano.
Senhor Jesus, perdoa-nos se te matamos.
Se te perseguimos. Se te pregamos na cruz.
Cumprimos a Lei. As ordens que vêm de
cima. E as ordens são duras para quem anda
descalço.
Cumprimos a Lei, Senhor.
As leis que separam os homens por
categorias sociais. E não pelos crimes que
praticam.
Pesa-me, Senhor...
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DÉCIMA SEGUNDA ESTAÇÃO
Jesus morre na cruz- O Padre -
V. Nós vos adoramos, ó Cristo, e vos bendizemos.
Porque, pela vossa santa cruz, redimistes o mundo.R.
Morreste meu Senhor, meu Pai, meu
Deus e amigo. “Tudo está consumado!”
Inclinaste a cabeça e entregaste o Espírito. O
mundo ficou sem seu Deus. Ficou gelado e
deserto. Ficou nas trevas e na desordem. Houve
como que um cataclisma. Como que um abalo
q u e e s t r e m e c e u o m u n d o . “ E s t e e r a
verdadeiramente um Deus!”
E quem é que estava contigo ao pé da
cruz?... Quem é que bebeu contigo, até a última
gota o cálice da amargura? Quem é que subiu
contigo até o topo do Calvário?... Bem que
disseste: Muitos são os chamados, mas poucos
permanecerão.” Chamaste, convidaste,
visitaste muitos e muitos na tua vida peregrina
sobre a terra. E tão poucos chegaram até o topo
do Calvário.
Senhor, também nós, os padres, fomos
chamados por ti. Visitaste a nossa casa e
disseste: Vem comigo!
45
Como Felipe, como Pedro, como João,
largamos tudo e te seguimos. Caminhamos ao
teu lado. Bebemos contigo a cicuta amarga em
pontas de lança. Cospem-nos o rosto. Somos
vilipendiados como tu. Chicoteados e
chacoteados. Incompreendidos e discutidos.
Céus! como se discute a vida de teus padres!
Somos desnudados pelo vitupério das línguas
mais infames. E nada nos perdoam. Nem as
mais leves fraquezas.
Mas, bem ou mal, tropeçando ou não,
caminhamos contigo. Na medida das nossas
forças procuramos carregar um pouco do peso
da tua cruz. E o mundo vai nos julgando como
julgou a ti.
Mas o servo não é maior do que o
Senhor. Vieste para servir e para morrer. E não
para ser servido e viver. “Não há prova maior
de amor do que dar a vida pelo irmão...”
Porém, a morte física nada representa
aos teus olhos... Porque é o prenúncio da
Ressurreição. A morte das almas, sim, é que te
faz gemer: tenho sede!
46
Dá-nos, Senhor, que também para nós,
os apóstolos deste século, a morte nada
represente...
Dá-nos a visão do verdadeiro amor!
Que é o amor da cruz.
O amor dos homens.
A sede das almas...
Dá-nos a força da fidelidade!
A força de morrer contigo ao pé da cruz!
Dá-nos a coragem da crucificação!
Pesa-me, Senhor...
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DÉCIMA TERCEIRA ESTAÇÃO
Jesus é descido da cruz e depositado nos braços de sua mãe- A Virgem Maria -
V. Nós vos adoramos, ó Cristo, e vos bendizemos.
Porque, pela vossa santa cruz, redimistes o mundo.R.
Filho, como pareces tranquilo, agora,
depois de tanta dor, tanto sangue, tanta
amargura! Para mim também, meu filho... É
mais suave te ver morto nos meus braços do que
te ver sofrendo sobre a cruz. Não sei o que fazer
de ti. Do teu corpo. Estás tão machucado!
Como te pegar para não doer?... Ah! sim! Não te
doem mais as feridas. . . Estás morto.. .
Insensível... Tranquilo... Tranquilo? Não sei. O
teu corpo está tranquilo... Impassível... Inerte...
É o corpo de um homem.
Mas , e a tua d iv indade? Ia -me
esquecendo que meu filho é Deus também. Ele
está tão machucado, tão maltratado, que não
parece a figura de um Deus. Mas tu és Deus,
meu Filho.
Que grande mistério trouxeste ao
mundo, filho meu! Vieste como homem no meu
corpo; e como Deus foste gerado pelo Pai
Eterno. E sendo Deus, não morres! Como Deus,
continuas crucificado pelo mundo de hoje.
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Não, meu Filho, não estás tranquilo nem sereno
nos meus pobres braços... Então, não percebo
tua eterna crucificação? Não vejo os homens te
pregando na cruz com o desprezo da tua
doutrina? com o achincalhe do teu amor? Com
o despudor das vestes? com a indiferença dos
teus filhos jovens? com o cinismo de teus filhos
adultos?
Então não te vejo crucificado com os
lares desfeitos por falta de amor? com as
crianças abandonadas por falta de lares? Com
as crianças brigando por um pedaço de pão? e
os homens brigando por um pedaço de terra?
Não te vejo crucificado pelas guerras que
esfacelam homens e mulheres, crianças e
velhos?... pelas bombas atômicas arrebentando
o mundo?... pela ciência que avança como se
fosse um deus?... Não, meu filho, eu não te
tenho tranquilo nos meus braços... Os homens
não querem saber de Ti! Só querem saber de si
mesmos... “Vós sereis como deuses se
desobedecerdes a Deus”, foi dito no princípio
do mundo.
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Orgulhosos, os homens desobedeceram.
E hoje se julgam maiores que Deus! Maiores do
que tu, meu pobre filho crucificado!
Pesa-me, Senhor...
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DÉCIMA QUARTA ESTAÇÃO
Jesus é depositado no sepulcro- Um Político -
V. Nós vos adoramos, ó Cristo, e vos bendizemos.
Porque, pela vossa santa cruz, redimistes o mundo.R.
Senhor, aqui estou novamente. No
silêncio da noite. O calvário está deserto. Não
há perigo de que me vejam. Sou rico e poderoso,
como sabes. Faço parte do Grande Conselho.
Sou acatado. Tenho influência no mundo ilustre
dos que guardam o poder nas mãos. Por isso
não é conveniente que os outros me vejam aqui.
Poderá surgir algum mal-entendido... Tu sabes
como são essas coisas do mundo... Mas, apesar
de tudo, sou teu amigo. Já te procurava na
calada das noites. Admiro a tua doutrina e a tua
coragem. E dói-me ver-te morto. Mais pobre
que Job... E para te provar o apreço em que te
tenho, fui a Pilatos e pedi o teu corpo para ser
enterrado. Vamos te colocar no meu túmulo de
família. É novo ainda. Digno da tua pessoa.
Como vês, não te abandonamos, nem eu
nem Nicodemos. Só que tem... é que não
convém que nos vejam aqui. Não posso me
expor às vistas do Sinédrio... Compreendes: Tu
eras como um celerado, um malfeitor, um
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anarquista, um conquistador de tronos e de
poder... Senhor, nós te conhecemos. Sabemos
que não havia nada disto. Sei que tu eras um
homem bom. Justo. Inofensivo. Puro. E
principalmente – um compassivo. Eras um
sonhador que desejavas converter o mundo...
Num mundo de paz, de justiça e de caridade.
Teu reino era o reino dos humildes, dos
perseguidos, dos espoliados pela cobiça alheia.
Compreendemos bem tudo isto... E por isto
aqui estamos, Senhor. Outra vez, no silêncio da
noite. Vamos fazer por ti o que é possível... Não
nos é dado transpor os limites da prudência
h u m a n a . . . D o r e s p e i t o h u m a n o . . .
Só aparecemos, à luz do dia, quando não
há perigo... Neste caso, sim, queremos ser vistos
para agradar as multidões. Queremos a
simpatia do povo. As Adesões. A segurança e o
prestígio... Quando te batem palmas e te
cantam hosanas, eis-nos de pé, à frente, nos
primeiros degraus da escada, fazendo coro com
a turba-multa!
Mas... se te perseguem, se te metem na
cadeia, se te julgam anarquista, se te levam ao
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patíbulo, então, Senhor, perdoa-nos a fraqueza.
Neste momento não te conhecemos!
Primeiro eu, depois tu... Primeiro o meu
prestígio, o meu cargo, a minha segurança, a
minha posição no Sinédrio...
Primeiro César... e depois tu.
Senhor, os tempos passaram... Muita
coisa mudou...
Só não mudou a pusilânime prudência
dos grandes homens.
Pesa-me, Senhor...
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ORAÇÃO FINAL
Oremos: Senhor Jesus Cristo, Filho de
Deus vivo, que à hora sexta subiste à Cruz pela
salvação do mundo e derramaste o teu Sangue
precioso para a remissão dos nossos pecados,
nós te suplicamos humildemente que, depois
de nossa morte, nos concedas a graça de
participar das alegrias do Paraíso. Tu que vives
e reinas pelos séculos dos séculos. Assim seja.
(Missa votiva da Paixão)
Nota: Rezam-se um Pai-Nosso, uma Ave-Maria e
um Glória ao Pai nas intenções do Santo Padre.
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As ilustrações desta obra fazem parte do acervo de arte sacra do
Santuário de Nossa Senhora da Piedade em Barbacena - MG.
Crucifixo: escultura em madeira - séc. XVIII .
Estações da Via-Sacra: Pintura de cavalete - 1899.
Crédito/Fotos: José Celso Lima