Viagens Fora Do Corpo - Robert Monroe - 2011

Embed Size (px)

Citation preview

ROBERT A. MONROE VIAGENS FORA DO CORPO TRADUO DE ALMIRA B. GUIMARES

11 EDIO EDITORA RECORD

Ttulo do original norte-americano JOURNEYS OUT OF THE BODY

Copyright 1972 by Robert Monroe

SumrioIntroduo..................................................................................... 7 1 No com uma vara de condo, nem levemente ................. 26 2 Busca e pesquisa ................................................................... 41 3 Baseado em provas ............................................................... 56 4 O aqui agora .......................................................................... 71 5 Infinito, eternidade ............................................................... 86 6 Imagem invertida ................................................................ 102 7 Aps a morte ....................................................................... 118 8 Por que a Bblia me diz que assim .................................. 136 9 Anjos e arqutipos .............................................................. 149 10 Animais inteligentes .......................................................... 157 11 Dom ou estorvo................................................................. 168 12 Buracos redondos e cavilhas quadradas ........................... 178 13 O segundo corpo ............................................................... 189 14 Mente e supermente ........................................................ 202

15 Sexualidade no segundo estado ....................................... 215 16 Exerccios preliminares ..................................................... 229 17 O processo de separao .................................................. 244 18 Anlise de acontecimentos ............................................... 257 19 Classificao estatstica ..................................................... 273 20 Inconclusivo....................................................................... 287 21 Premissas: um fundamento lgico? .................................. 299 Glossrio ................................................................................... 313

IntroduoEm nossa sociedade orientada para a ao, quando um homem se deita para dormir est efetivamente fora do quadro. Ali jaz durante seis ou oito horas, de modo que no est se comportando, pensando produtivamente, ou fazendo algo de significativo. Todos sabemos que as pessoas sonham, mas criamos nossos filhos considerando os sonhos e outras experincias que ocorram durante o sono como sem importncia, como no reais do modo como o so os acontecimentos do dia-a-dia. Assim muitas pessoas tm o hbito de esquecer seus sonhos e, nas ocasies em que se lembram deles, usualmente os consideram meras extravagncias. Verdade que psiclogos e psiquiatras consideram os sonhos dos pacientes como chaves teis para o mau funcionamento de suas personalidades; porm, mesmo assim, sonhos e outras experincias noturnas geralmente no so tratados como reais de modo nenhum, mas apenas como uma espcie de processamento interno de dados do computador humano. H algumas excees importantes a essa represso geral de sonhos; todavia, para a grande maioria das pessoas em nossa sociedade hodierna, sonhos no so coisas com que se preocupem as pessoas srias. Que faremos com uma pessoa que exceo a essa crena generalizada, que afirma haver tido experincias durante o sono ou outras formas de inconscincia que no foram apenas impressionantes para si, mas sente que foram reais? Suponha que essa pessoa afirma haver, na noite precedente, tido uma experincia de voar at chegar sobre uma7

grande cidade que logo reconheceu como Nova York. Posteriormente, disse-nos haver o sonho sido no s intensamente vvido como sabia, na ocasio, no ser apenas um sonho: realmente estava no ar acima da cidade de Nova York. E a convico de que realmente l estivera permaneceu com ele pelo resto de sua vida, embora lhe lembrssemos de que um homem adormecido no poderia voar por si mesmo, de verdade, acima da cidade de Nova York. Provavelmente trataremos de ignorar a pessoa que narre tal coisa, ou polidamente (ou no to polidamente...) a informemos de que est ficando fraco da bola, e sugeriremos que procure um psiquiatra. Se a pessoa insiste quanto realidade de sua experincia, especialmente se tambm tem outras experincias estranhas, podemos, com a melhor das intenes, procurar intern-la num hospital para doentes mentais. Por outro lado, se o nosso viajante for esperto, logo aprender a no comentar suas experincias. O nico problema , como descobri falando com muitas pessoas nessas condies, que pode pensar que est ficando biruta. Em benefcio da discusso, faamos o nosso viajante ainda mais perturbador. Suponha que em sua narrativa ele diga que, aps voar sobre Nova York, baixou no apartamento de vocs. Ali viu voc e duas outras pessoas que lhe so desconhecidas, conversando. Descreve as duas pessoas detalhadamente, e menciona alguns dos tpicos da conversa, que ocorreram, mais ou menos no minuto, em que ali esteve. Suponhamos que esteja certo. Na ocasio em que ele teve sua experincia, voc mantinha uma conversao sobre o assunto que ele menciona com duas pessoas cuja descrio se ajusta que foi dada por nosso viajante. E agora? ... A reao usual a uma situao hipottica deste tipo que muito interessante, mas como sabemos que no poderia8

acontecer, no precisamos pensar seriamente no que isso significa. Ou poderemos nos consolar invocando a palavra coincidncia, para aliviar perturbaes mentais! Felizmente para nossa paz de esprito, existem milhares de casos, narrados por pessoas normais, exatamente desse tipo de ocorrncia. No estamos lidando com uma situao puramente hipottica. Tais acontecimentos foram chamados de clarividncia viageira, projeo astral, ou, termo mais cientfico, experincia fora do corpo (EFDC)(1). Podemos formalmente definir uma EFDC como um acontecimento em que o experimentador (1) parece perceber alguma parte de algum ambiente que, possivelmente, no poderia ser percebida de onde se sabia estar seu corpo fsico na ocasio; e (2) sabe na ocasio no estar sonhando ou fantasiando. O experimentador parece estar de posse de sua conscincia normal na ocasio e, embora consiga raciocinar que isso no pode estar acontecendo, sentir presentes todas as suas faculdades crticas normais e assim sabe no estar sonhando. Posteriormente, aps despertar, no se decidir a afirmar que se tratou de um sonho. Como, ento, compreender to estranho fenmeno? Se buscarmos fontes cientficas para informaes a respeito das EsFDC, praticamente nada encontraremos. De modo geral os cientistas simplesmente no do ateno a esses fenmenos. A situao se assemelha da literatura cientfica sobre a percepo extrassensorial (PES). Fenmenos como telepatia, clarividncia, premonio, e psicoquinsia(2) so impossveis em termos da viso atual do mundo fsico. Desde que no podem acontecer, a maioria dos cientistas no(1) Do original OOBE = Out-of-the-body experiences. (N.da T.) (2) Psychokinesis = Parapsicologia. (N. da T.)

9

se incomoda em ler as provas que indicam que sim, que acontecem; da, no conhecendo as provas, fica reforada sua crena na impossibilidade de tais fenmenos. Esse tipo de raciocnio circular em apoio de um confortvel sistema de crenas de modo algum nico para os cientistas, mas resultou em bem pequena pesquisa cientfica sobre PES e EsFDC. A despeito da falta de dados cientficos rgidos, existe grande nmero de concluses definitivas que podem ser feitas pela leitura do material. Primeiro, EsFDC so experincias humanas universal, no no sentido de que acontecem a grande nmero de pessoas, mas no de que tm acontecido atravs de toda a Histria, havendo notveis semelhanas na experincia de pessoas extremamente diferentes em termos de ambiente cultural. Encontramos relatos de EsFDC feitos por donas-de-casa em Kansas que se parecem estreitamente com os de fontes orientais ou do antigo Egito. Segundo, a EFDC geralmente uma experincia nica na vida, aparentemente acontecida por acidente. Por vezes doenas a motiva, especialmente doenas quase fatais. Grande tenso emocional tambm pode provoc-la. Em muitos casos, simplesmente acontece durante o sono, sem que tenhamos a menor ideia sobre o que pode hav-la causado. Em casos muito raros parece haver sido provocada por tentativa deliberada. Terceiro, a experincia de uma EFDC usualmente uma das mais profundas experincias na vida de algum e altera profundamente suas crenas. Habitualmente assim se expressam: No acredito mais em sobrevivncia aps a morte ou em alma imortal: sei que sobreviverei alm da morte. A pessoa sente que experimentou diretamente estar viva e consciente sem seu corpo fsico, portanto sabe que possui10

uma alma que sobreviver morte do corpo. Isso no se infere logicamente, pois mesmo sendo a EFDC mais do que apenas um sonho interessante ou alucinao, ocorre com o corpo fsico ainda vivo e funcionando, e portanto pode depender do corpo fsico. Entretanto, esse argumento no causa impresso aos que realmente passaram por uma EFDC. Assim, sem levar em conta que posio algum quer adotar a respeito da realidade da EFDC, ela claramente uma experincia a merecer considervel estudo psicolgico. Estou certo de que nossas ideias referentes existncia de almas resultaram de experincias de pessoas passando por EsFDC. Considerando a importncia da ideia da alma para a maioria das nossas religies, e a importncia da religio na vida das pessoas, parece inacreditvel que a cincia possa haver varrido to facilmente este problema pra baixo do tapete. Quarto: em geral a EFDC extremamente agradvel para aqueles que passaram por ela. Numa estimativa assim por alto eu diria que entre 90 e 95 por cento dessas pessoas esto felizes e a acharam deleitosa, enquanto 5 por cento esto meio apavoradas, pois a interpretam como se estivessem morrendo. Ulteriores reaes da pessoa ao tentar interpretar sua EFDC podem ser negativas. Quase todas as vezes que fao uma conferncia sobre esse assunto, algum vem me agradecer por falar a respeito: tivera a experincia algum tempo antes, mas no tinha meios de explic-la, e se preocupava julgando estar ficando maluco. Quinto: em alguns casos de EsFDC a descrio do que acontecia a distancia correta e mais perfeita do que se poderia esperar por coincidncia. No a maioria delas, mas algumas. Para explicar isso devemos postular que a experincia alucinante da EFDC estava combinada com operao de PES ou que, de certa forma, a pessoa estava l realmente.11

Coloca-nos em duas srias desvantagens o fato de que a maioria de nosso conhecimento a respeito da EFDC nos vem de narrativas de experincias nicas na vida. A primeira delas que a maioria das pessoas no pode produzir uma EFDC vontade, o que impede a possibilidade de estud-las sob condies precisas de laboratrio. A segunda desvantagem : quando uma pessoa subitamente empurrada por um breve perodo de tempo num ambiente inteiramente novo, pode no ser bom observador. Est demasiadamente excitada e ocupada demais tentando adaptar-se singularidade de tudo. Assim, nossos relatrios de pessoas com experincia nica na vida so bem toscos. Para estudar EsFDC seria de grande vantagem ter viajantes treinados disposio, que pudessem produzir vontade a experincia e que tivessem, em geral, as caractersticas de um bom reprter. muito raro o livro que voc vai ler. Trata-se de uma narrativa em primeira mo de centenas de EsFDC feitas por algum que , creio, um bom reprter. Em muitos anos, nada como isso foi publicado. Robert A. Monroe um bem sucedido homem de negcios que comeou a experimentar EsFDC inesperadamente h mais de uma dcada. Proveniente de uma famlia acadmica e possuindo mais do que o adestramento intelectual mdio, deu-se conta da raridade dessas experincias e comeou a tomar notas sistemticas desde o incio. Eu no saberia dizer mais a respeito de suas experincias per se; suas narrativas no resto deste livro so demasiado fascinantes e lcidas para fundamentar aqui uma apresentao adicional. Em vez disso, destacarei as qualidades que possui que fazem dele um bom reprter, e que me inspiram grande confiana em suas narrativas. Quando a maioria das pessoas passa por uma profunda12

experincia, especialmente sendo de significao religiosa, question-las com cuidado usualmente revelar que sua narrativa original no era tanto uma prestao de contas do que aconteceu como do que pensavam significar. Um exemplo: suponhamos que o que realmente acontece a uma pessoa que se v flutuando no ar acima de seu corpo, no meio da noite; enquanto ainda surpresa com isso, percebe na outra extremidade do quarto uma figura vaga, indistinta, e depois um crculo de luz azulada flutua pela figura da esquerda para a direita. Ento nosso experimentador perde a conscincia e acorda... encontrando-se em seu corpo. Um bom reprter descreveria essencialmente esta cena. Muitas pessoas diriam, na mais perfeita boa f, algo como: Minha alma imortal se ergueu do tmulo do meu corpo pela graa de Deus, noite passada, e um anjo apareceu. Como smbolo do favor de Deus, o anjo demonstrou um smbolo de inteireza. Muitas vezes tenho visto distores assim to grandes quando me tem sido possvel questionar um indivduo a respeito do que aconteceu exatamente; porm a maioria das narrativas publicadas de EsFDC no foi sujeita a esse tipo de indagao. As declaraes de que Deus causou a EFDC, que a figura vaga se transformou num anjo, que o crculo azulado era um smbolo de inteireza, tudo isso interpretao da pessoa, no sua experincia. A maioria das pessoas no tem conscincia da extenso em que sua mente automaticamente interpreta as coisas: pensam essas pessoas estar percebendo as coisas como so. Robert Monroe o nico, entre o pequeno nmero de pessoas a escrever a respeito de repetidas EsFDC, a reconhecer a extenso em que sua mente trata de interpretar suas experincias, para for-los em moldes familiares. Assim suas13

narrativas so particularmente valiosas, pois trabalha arduamente para tentar contar a coisa como realmente foi. Outra das raras caractersticas de Monroe sua boa vontade em submeter suas experincias a alheio escrutnio crtico, particularmente sua disposio em trabalhar com cientistas para investigar suas capacidades. Lamento acrescentar que tal boa vontade tem sido unilateral: fui o nico cientista a gastar tempo trabalhando com ele. Descreverei os experimentos iniciais que fomos capazes de realizar juntos tentando aprender algo a respeito dos aspectos fisiolgico e parapsicolgico de suas EsFDC. Tais experimentos so, at agora, apenas um modesto comeo, mas acrescentam algumas informaes teis. A srie inicial dos estudos de laboratrio que fomos capazes de realizar ocorreu num perodo de vrios meses entre setembro de 1965 e agosto de 1966, enquanto eu podia usar as facilidades do Laboratrio Eletroencefalogrfico da Universidade da Escola de Medicina da Virgnia. Em oito ocasies Monroe foi solicitado a produzir uma EFDC enquanto preso a vrios instrumentos para mensurao de funes fisiolgicas. Tambm lhe foi pedido que tentasse dirigir seus movimentos durante a EFDC para a sala pegada, no s para observar a atividade do tcnico que cuidava do equipamento de registro como para tentar ler um nmero-alvo aleatrio de cinco dgitos, colocado numa prateleira a uns dois metros do cho. Foram medidas as ondas cerebrais de Monroe (eletroencefalograma), movimentos dos olhos, e pulsao cardaca (eletrocardiograma). Infelizmente o laboratrio no era muito confortvel para ali estar deitado por perodos prolongados: tivemos de trazer uma cama porttil (estrado de madeira) do exrcito para a sala de gravaes, j que ali no havia um leito. Uma das14

conexes para gravar as ondas cerebrais (eletrodo de ouvido) era do tipo de um clipe, o que causava alguma irritao orelha, e isso tornava a relaxao mais difcil. Nas primeiras sete noites durante as quais tentou produzir uma EFDC, Monroe no foi bem sucedido. Na oitava noite foi capaz de produzir duas breves EsFDC, que so descritas em detalhe com suas prprias palavras no captulo 4 (O AQUI AGORA). A primeira breve EFDC compreendia testemunhar algumas pessoas desconhecidas conversando num local tambm desconhecido, de modo que no houve meio de verificar se era uma fantasia ou uma percepo real de acontecimentos ocorrendo a distncia. Na segunda breve EFDC, Monroe narrou que no podia controlar muito bem seus movimentos, e assim no pde ver o nmero-alvo na sala ao lado. Corretamente descreveu que a tcnica do laboratrio estava fora da sala, e que um homem (mais tarde identificado como seu marido) estava com ela em um corredor. Como parapsiclogo, no posso dizer que isso prova que Monroe sabia realmente o que estava acontecendo a distncia: difcil avaliar a improbabilidade de tal evento ocorrendo aps o fato. Entretanto, acho este resultado bastante encorajador para uma das tentativas iniciais de realizar em laboratrio tal fenmeno raro. Ambas essas breves EsFDC ocorreram juntamente com os padres de ondas cerebrais classificados como Estgio 1. Este o modelo de onda cerebral que usualmente ocorre no sono com sonhos. Em acrscimo, h alguns movimentos rpidos de olhos. Esse movimento de olhos tambm acontece durante o sono comum, e parece ser o esquadrinhar das imagens nos sonhos, isto : os olhos continuam a examinar um quadro que s existe no crebro em sonhos. Durante as EsFDC os batimentos cardacos eram perfeitamente normais:15

cerca de sessenta e cinco a setenta pulsaes por minuto. primeira vista, pois, parece que as EsFDC de Monroe aconteciam durante o mesmo estado cerebral comumente associado ao sonhar do Estgio 1. A principal discrepncia a esta ideia que Monroe estimou durar cada EFDC cerca de trinta segundos, enquanto cada perodo de sonhar do Estgio 1 durou cerca de trs minutos. Mais detalhes na publicao original.(3) Minha opinio seguinte de trabalhar com Monroe no laboratrio foi quando me visitou na Califrnia no vero de 1968. Pudemos ter uma sesso de laboratrio em circunstncias muito mais confortveis: obtivemos uma cama normal, e no um estrado de madeira, e usamos um tipo diferente de eltrodo para medir as ondas cerebrais, e que no era fisicamente to desconfortvel. Sob tais condies Monroe pde produzir duas breves EsFDC. Despertou quase imediatamente aps terminada a primeira EFDC, e avaliou que havia durado oito a dez segundos. O registro da onde cerebral exatamente antes que ele acordasse mostrou novamente um padro Estgio 1, talvez com um rpido movimento de olhos durante esse tempo. A presso sangunea acusou uma rpida queda, uma firme baixa que durou oito segundo, e sbita volta ao normal. Nos termos da experincia de Monroe (veja sua descrio dessa tcnica no captulo 4 O AQUI AGORA), narrou que rolou para fora do seu corpo, achou-se no saguo que separava o seu quarto da sala de gravaes (isso durante alguns segundos), e ento sentiu necessidade de voltar ao seu corpo devido a uma dificuldade respiratria. Uma assistente,(3) TART, C. A second psychophysiological study of out-of-the-body experiences in a gifted subject International Journal of Parapsychology, 1967, Vol. 9, pp. 251-58.

16

Joan Crawford, e eu tnhamos estado a observ-lo num circuito fechado de televiso durante esse tempo e o vimos mover o brao levemente, afastando-o da garganta imediatamente antes de acordar e fazer seu relatrio. Monroe tentou novamente produzir outra EFDC que seria conclusiva em termos de PES, penetrando na sala de gravaes e lendo o nmero-alvo numa prateleira naquela sala. Seu padro de ondas cerebrais mostrou sono muito leve, de modo que aps quarenta e cinco minutos chamei-o pelo interfone para lembrar-lhe que desejvamos que tentasse produzir uma EFDC. Pouco depois, narrou haver produzido uma EFDC, porm no estando certo de sua orientao, acompanhou um fio que julgou o levaria sala de gravaes mas, em vez disso, encontrou-se fora, numa rea estranha que no recordava haver visto antes. Achou que estava irremediavelmente desorientado e voltou para seu corpo. Sua descrio daquela rea combinava com um ptio interior do edifcio que ele poderia na verdade haver descoberto durante uma EFDC se inadvertidamente seguisse exatamente na direo oposta que deveria ir. No h certeza absoluta de que ele nunca houvesse visto aquele ptio ao visitar meu gabinete, de modo que a experincia em si mesma no boa prova como componente paranormal para uma EFDC. Em termos de mudanas fisiolgicas, tornou a mostrar um padro de sonhar Estgio 1, com apenas dois rpidos movimentos de olhos em todo o perodo e sem ntida queda de presso sangunea nessa ocasio. Resultados a marcar no laboratrio, ento, registraram o estado do crebro e do corpo de Monroe durante quatro breves EsFDC. O padro geral parece o seguinte: ocorrem num estado de onda cerebral comumente associado ao sonhar noturno e muitas vezes pode haver uma queda de presso, po17

rm no mudana total no batimento cardaco. Certamente no vi nenhum transe semelhante morte indicado como necessrio para EsFDC em certa literatura antiga sobre ocultismo, embora tal transe possa ser mais caracterstico de prolongadas EsFDC. Superficialmente, pois, a atividade EFDC para Monroe parece ocorrer quando, em outras pessoas, acontecem os sonhos comuns. Entretanto, seria uma supersimplificao a esta altura concluir que suas EsFDC so sonhos, por vrias razes. Primeira: Monroe diferencia nitidamente sua experincia de sonhos da experincia EFDC. Segunda: ele raramente lembra experincias de sonhos desde que principiaram suas experincias EFDC. Terceira: se estivssemos lidando com manifestaes fisiolgicas de um estado comum de sonho, teramos movimentos de olhos muito mais rpidos do que os que vi; isto : se quisermos admitir que as EsFDC de Monroe so um tipo especial de sonhar, ento o habitual relacionamento entre os movimentos dos olhos e as imagens dos sonhos parecem no resistir muito bem. Quarta: Monroe afirma que muitas de suas experincias EFDC aconteceram quase imediatamente aps ter ido para a cama noite; extremamente raro que o sonhar comum do Estgio 1 ocorra antes que o paciente haja tido de oitenta a noventa minutos de sono sem sonhos. Pode a atividade EFDC substituir aqui o sonho comum, ainda que o mesmo ou um estado fisiolgico similar seja utilizado. Todo o trabalho de laboratrio com Monroe at agora tem sido de concepo direta, franca. Pedi-lhe que produzisse EsFDC enquanto eu media o que acontecia em seu corpo, na esperana de que poderia no s entender isso como, sabendo o que so as adequadas condies do corpo, ser capaz de produzi-las por outras maneiras e assim provocar a experincia em outras pessoas. Parapsicologicamente, pedi-lhe que tentas18

se ler o nmero de um alvo localizado em outra sala como prova direta de que, de certa forma, suas habilidades perceptivas estavam ali e no apenas restritas a seu corpo fsico. Ele afirmou no ser ainda capaz de controlar seus movimentos o suficiente para realizar a segunda tarefa, mas espera eventualmente poder faz-lo, sob condies de laboratrio; na verdade, uma jovem que estudei era capaz de faz-lo(4). Entretanto, como voc descobrir ao ler o fascinante livro de Robert Monroe, a prova pode no ser assim to simples... As experincias de Monroe, as de muitos msticos preeminentes atravs dos tempos, e todos os dados de PES indicam que nosso atual ponto de vista sobre o mundo muito limitado, que as dimenses da realidade so bem mais amplas que nossos conceitos correntes. Minhas tentativas e as de outros investigadores para fazer com que essas experincias se comportem de modo aceitvel podem no resultar to bem quanto gostaramos. Permitam-me dar-lhes dois exemplos de experimentos com Monroe que foram impressionantes para mim pessoalmente, porm muito difceis de avaliar por nossos critrios cientficos comuns. Pouco depois de completar a primeira srie de experimentos de laboratrio, mudei-me da costa leste para a Califrnia. Alguns meses depois de mudar-me, minha mulher e eu decidimos realizar uma experincia. Uma noite nos concentramos intensamente, por meia hora, numa tentativa para ajudar Monroe a ter uma EFDC e vir nossa casa. Se ele fosse(4) Essa jovem senhora foi um caso completamente diferente do de Monroe, pois suas EsFDC eram mais acidentais, se bem que frequentes, e ela as tinha num estado diferente de onda cerebral. Entretanto, foi capaz de ler corretamente um nmero aleatrio de cinco dgitos colocado numa prateleira bem acima dos seus olhos, em certa ocasio. Detalhes completos podem ser encontrados em meu artigo A psychophysiological study of out-of-the-budy experiences in a selected subject, Journal of the American Society for Psychical Research 1968, Vol. 62, pp. 3-27.

19

ento capaz de descrever nosso lar, isso produziria bons dados nos aspectos parapsicolgicos de suas EsFDC. Telefonei-lhe naquela tarde: apenas lhe disse que tentaramos dirigi-lo atravs do pas para nossa casa a uma hora no especificada naquela noite, no lhe dando maiores detalhes. Naquela noite, escolhi ao acaso uma hora que, julguei, viria a ser logo aps Monroe haver adormecido. Minha escolha recaiu nas 11 horas da noite, hora da Califrnia, ou 2 da madrugada na costa leste. s 11 da noite minha esposa e eu comeamos nossa concentrao. s 11:05h o telefone tocou, interrompendo-a. No atendemos ao telefone, mas tentamos continuar a concentrao at s 11:30h. Na manh seguinte telefonei a Monroe e apenas lhe disse que os resultados haviam sido encorajadores, e que ele devia escrever um relatrio do que havia experimentado para posterior comparao com o nosso. Na noite do experimento Robert Monroe teve a seguinte experincia, que cito de acordo com as notas que me enviou pelo correio: A noite se passou rotineiramente, e finalmente fui para a cama 1:40 da madrugada, ainda bem acordado (posio norte-sul). O gato estava na cama comigo. Aps longo perodo acalmando a mente, uma sensao de calor percorreu-me o corpo, sem quebra da conscincia, nada de cochilos. Quase imediatamente senti algo (ou algum) balanando meu corpo de lado a lado, depois me puxando os ps! (Ouvi o gato dar um miado lamentoso). Imediatamente dei-me conta de que isso tinha algo a ver com o experimento de Charlie, e com inteira confiana no senti minha precauo habitual (quanto a estranhos). Continuava o puxo em minhas pernas, e finalmente consegui separar um brao do Segundo Corpo e o ergui, tateando em volta no escuro. Aps um momento parou o puxo e uma mo pegou-me o pulso, primeiro gentilmente, depois com muita, muita firmeza, e me puxou facilmente pra fora do corpo. Ainda20

confiando, e um pouco agitado, expressei disposio de ir at Charlie, para ver aonde ele queria me levar. Veio a resposta afirmativa (embora no houvesse senso de personalidade, muito eficiente). Com a mo segurando firmemente em torno do meu pulso eu podia sentir uma parte do brao a que ela pertencia (levemente cabeluda, masculamente musculosa). Contudo no podia ver a quem pertencia o brao. Tambm ouvi meu nome pronunciado uma vez. Depois comeamos a nos mover, com a familiar sensao de algo como ar correndo em torno do corpo. Aps curta viagem (ao que me parecia, de uns cinco segundo apenas) paramos e a mo me soltou o pulso. Completo silncio e escurido. Depois desci flutuando no que me pareceu um quarto... Parei de citar Robert Monroe neste ponto, exceto para acrescentar que, quando ele acabou essa curta viagem e saiu da cama para me telefonar, eram 2:05 da madrugada, hora dele. Assim esteve muito boa a combinao de tempo em que minha esposa e eu comeamos a nos concentrar: ele sentiu o puxo tirando-o de seu corpo dentro de um minuto mais ou menos a partir de quando comeou a se concentrar. Por outro lado, sua descrio de nossa casa e do que fazamos minha esposa e eu no foi boa em absoluto: percebeu pessoas demais na sala, viu-me fazendo coisas que no fiz, e sua descrio da prpria sala foi muito vaga. Que farei com isso? um desses acontecimentos decepcionantes que os parapsiclogos descobrem quando trabalhando com fenmenos deficientemente controlados. No comprobatrio o bastante para que se diga ser indubitavelmente um efeito paranormal, embora seja difcil simplesmente afirmar que nada aconteceu. confortvel manter-se fiel s suposies sensatas de que o mundo fsico o que aparenta, e que o homem (ou seus rgos sensoriais) est colocado em determinado lugar e capaz de observ-lo ou no o . Algu21

mas EsFDC narradas na literatura parecem adaptar-se a esse ponto de vista, enquanto outras tm uma perturbadora mistura de percepes corretas da situao fsica, com percepes de coisas que l no estavam ou no aconteceram (para ns, observadores comuns). Neste livro, Monroe narra grande nmero de tais experincias mistas, especialmente ao parecer comunicar-se com pessoas enquanto est passando por uma EFDC, mas nunca as relembra. O segundo experimento enigmtico ocorreu no outono de 1970, quando fiz uma breve visita a Monroe na Virgnia, a caminho para uma conferncia em Washington. Ficando para passar a noite, pedi-lhe que, se tivesse uma EFDC nessa noite, viesse ao meu quarto e tentasse tirar-me do meu corpo de modo a que eu tambm tivesse uma dessas experincias. Na ocasio, dei-me conta de certa ambivalncia enquanto lhe fazia tal solicitao: desejava que ele fosse bem sucedido... mas outra parte de mim no o desejava. Mais tarde voltarei a isso. Nessa manh, pouco aps a aurora (eu dormira um tanto espasmodicamente, e a luz estava me acordando), eu estava sonhando quando comecei vagamente a lembrar de que Monroe iria tentar tirar-me do meu corpo. Fiquei parcialmente consciente, embora permanecendo no mundo dos sonhos,(5) e tive a sensao de uma vibrao em torno de mim no mundo dos sonhos, vibrao que trazia em si certa ameaa indefinvel. A despeito do medo que isso despertou, pensei que deveria tentar ter uma EFDC, mas a essa altura perdi de todo a conscincia, e apenas recordo haver despertado um pouco mais tarde, sentindo que o experimento fora um fracasso.(5) Ficar consciente de estar sonhando tem sido usado como tcnica para produzir EsFDC, alm de ser muito interessante por si mesmo. Veja meu Altered States of Consciousness: A Book of Readings, Nova York, John Wiley & Sons, 1969, para material como sonhos lcidos.

22

Uma semana depois recebi uma carta de um colega de Nova York, o famoso psiclogo Dr. Stanley Krippner, e pus-me a cogitar se realmente fora um fracasso. Escrevia-me a respeito de uma experincia de sua enteada, Carie, da qual gosto muito, na mesma manh em que eu estava tendo o meu sonho. Espontaneamente Carie contara ao pai haver-me visto em um restaurante na cidade de Nova York a caminho da escola, naquela manh. Isso teria sido aproximadamente hora em que eu tinha o meu sonho. Nem ela nem o pai sabiam que eu estava na costa leste. Que fazer com isso? Foi a primeira vez, em anos, que conscientemente tentei uma EFDC (que eu soubesse, nunca tivera xito), e enquanto conscientemente no tinha lembrana de haver passado pela experincia, uma amiga me viu em um restaurante em Nova York. Ainda mais embaraoso: nunca na vida teria tido desejo de ir a um restaurante em Nova York, lugar que me desagrada fortemente, se estivesse passando por uma EFDC, embora visitar Carie e famlia seja sempre bastante agradvel. Coincidncia? Novamente, algo que jamais apresentaria como prova cientfica de coisa alguma, mas algo que no posso repudiar como sem sentido. Este ltimo incidente ilustra uma atitude para com as EsFDC que observei em mim mesmo, embora no goste de admiti-lo: de certa forma, tenho medo delas. Em mim, parte est muito interessada no fenmeno cientificamente, outra parte agitada ante a perspectiva de experiment-lo pessoalmente. Uma tera parte de mim sabe que uma EFDC assim como morrer, ou abrir parte de minha mente a um reino ignoto, e essa parte no est absolutamente ansiosa por dar-se bem com ele. Se as EsFDC so verdadeiras, se as coisas que Monroe descreve no podem ser rejeitadas como um interessante tipo de sonho ou fantasia, nosso ponto de vista universal ir23

mudar radicalmente. E desconfortavelmente. Uma coisa de que os psiclogos esto razoavelmente certos a respeito da natureza humana que ela resiste a mudanas. Gostamos que o mundo seja do modo que pensamos que , mesmo que o julguemos desagradvel. Pelo menos podemos antecipar o que pode acontecer. Mudana e incerteza tm possibilidades de que aconteam coisas no estabelecidas, especialmente quando essa mudana no toma em considerao nossos desejos, nossas aspiraes, nossos egos. Tentei falar principalmente a respeito, diretamente, do estudo cientfico de EsFDC ao apresentar este livro, porm agora vamos ao que pode ser o aspecto mais importante do tema. As experincias de Robert Monroe so amedrontadoras. Ele fala de morrer, e morrer no um assunto polido em nossa sociedade. Deixamos que pastores e sacerdotes se encarreguem de dizer palavras confortadoras, ocasionalmente gracejamos a respeito do assunto, e temos muitas fantasias agressivas quanto morte de outras pessoas, mas realmente no pensamos nisso. Esse livro vai faz-lo pensar na morte. Voc no gostar de algumas das coisas que ele afirma e de alguns dos pensamentos que inspira. Tentador rejeitar Robert Monroe como se fosse um louco. Eu sugeriria que voc no fizesse isso. Assim como sugeriria que no tomasse como verdades absolutas tudo que ele diz. um bom reprter, homem por quem sinto imenso respeito, mas um homem, criado em determinada cultura em determinado tempo: portanto so limitados seus poderes de observao. Se tiver isto em mente, porm dando sria ateno s experincias que ele descreve, voc pode ficar perturbado, mas pode aprender algumas coisas muito importantes. A despeito de ficar amedrontado. Se voc mesmo j teve uma EFDC, este livro o ajudar24

a ficar menos apavorado, ou a desenvolver seus potenciais para essa experincia num talento valioso. Se voc muito, muito curioso e deseja ter uma EFDC, Monroe ensina, nos Captulos 16 e 17, as tcnicas que trabalharam por ele. No sei se trabalharo bem para todos, simplesmente porque ningum tentou a srio essas tcnicas. E dizendo a srio quero significar trabalhar nelas de verdade, e no fazer apenas uma tentativa de uns dez minutos. Se voc trabalhar nelas e obtiver xito parcial ou completo produzindo uma EFDC, eu gostaria de ser informado sobre isso. Escreva-me para Post Office Box 5366, New York, New York 10017. No posso prometer uma resposta rpida, porm se grande nmero de pessoas der parte de seus resultados usando as tcnicas de Robert Monroe podemos aprender muito. Leia cuidadosamente o livro e estude suas reaes. Se realmente quer experimentar por si mesmo, boa sorte! CHARLES T. TART Davis, Califrnia 10 de janeiro, 1971

25

1NO COM UMA VARA DE CONDO, NEM LEVEMENTEO relato a seguir normalmente surgiria como prefcio ou introduo. Mas vem colocado aqui se presumindo que a maioria dos leitores evita essas preliminares e vai direto ao mago da obra. Neste caso, o que vem adiante o ponto crucial de tudo. Os objetivos primrios para a divulgao e publicao do material contido aqui so (1) que atravs da disseminao mais ampla possvel algum outro ser humano, talvez um s, possa ser salvo da agonia e do terror do mtodo das tentativas numa rea onde ainda no h respostas concretas; para que possa haver conforto ao saber que outros sofreram as mesmas experincias; que reconhecer em si mesmo os fenmenos, evitando assim o trauma da psicoterapia ou, pior ainda, o colapso mental e a internao em uma casa de sade para doenas nervosas e (2) que amanh, ou nos anos vindouros, as cincias formais e aceitas de nossa cultura expandiro seus horizontes, conceitos, postulados e pesquisas para ampliar os caminhos sugeridos aqui, para grande enriquecimento do saber humano e a compreenso do homem quanto a si prprio e a seu meio-ambiente integral. Se alcanados um ou ambos os objetivos, quando ou onde o sejam, ser realmente suficiente a recompensa. A apresentao de tal material no se destina a qualquer grupo cientfico em particular. Melhor: a principal tentativa a26

de ser a mais especfica possvel, em linguagem inteligvel tanto para cientistas quanto para leigos, evitando generalidades ambguas. Mdicos, qumicos, cientistas biolgicos, psiquiatras e filsofos podem, no seu campo, usar terminologia mais tcnica ou especializada para definir o mesmo contexto: de esperar tal interpretao. Indicar que o projeto de comunicao elaborvel; que a linguagem simples veicula o significado apropriado at uma base mais ampla em vez de conduzi-lo a um estreito pinculo de especialistas. Calcula-se, tambm, que muitas interpretaes sero contraditrias. O processo mental mais difcil de todos analisar objetivamente qualquer conceito que, se aceito como fato, levar descrena toda uma vida de treinamento e experincias. No obstante, muita coisa j foi aceita como fato com muito menos provas diretas que as apresentadas aqui, e hoje em dia aceita. Esperamos que o mesmo se aplique aos dados aqui relacionados. , sem dvida, o processamento mental mais difcil de toda essa histria de anlise objetiva. Uma vez na vida j bastante. Vejamos o incio desse sincero relatrio sobre uma experincia predominantemente pessoal. Na primavera de 1958 eu levava uma vida razoavelmente normal com uma famlia razoavelmente normal. Como gostvamos de natureza e de calma, nosso ambiente era campestre. A nica atividade no ortodoxa eram meus experimentos com tcnicas sobre dados aprendidos durante o sono, comigo mesmo como paciente principal. O primeiro sinal de desvio dessa norma aconteceu numa tarde de domingo. Com o resto da famlia na missa, conduzi a experincia, ouvindo uma gravao especial em fita num ambiente altamente isolado. Era uma simples tentativa de27

forar minha concentrao numa nica fonte de impulso inteligente (auditiva) com entrada de sinal abaixo dos outros sentidos. O grau de reteno e recordao indicaria o xito da tcnica. Isolado de outras imagens e sons, escutei a fita. No continha sugestes incomuns ou dispersas. Em retrospecto, o mais importante era a forte sugesto para recordar-me de tudo o que ocorreu durante o exerccio de descontrao. A fita percorreu sua trajetria sem qualquer resultado invulgar. Minha lembrana foi total e completa porque produto de meus prprios esforos, estando eu assim familiarizado com ela. Talvez at demais, porque no foi possvel, no meu caso, nenhuma reteno e rememorizao de material original ou novo. A tcnica teria de ser utilizada com algum outro paciente. Quando minha famlia regressou todos fizemos uma refeio reforada, consistindo de ovos mexidos, bacon e caf. Surgiu certa discusso no importante mesa, porm no ligada ao problema. Pouco mais de uma hora depois fui atacado por uma cibra forte, poderosa, que se estendeu pelo diafragma, ou rea do plexo solar, logo abaixo da caixa torcica. Era uma slida faixa de dor obstinada. A princpio pensei tratar-se de alguma forma de envenenamento pela refeio. Desesperado, forcei o vmito, porm meu estmago no tinha nada. Outros membros da minha famlia que haviam comido as mesmas coisas no mostravam sinais de doena ou mal-estar. Tentei exercitar-me, andando, presumindo que fosse um msculo abdominal com a cibra. Apendicite no era: meu apndice j fora extrado. Conseguia respirar normalmente, a despeito da dor, e parecia que meu corao mantinha a pulsao normal. No havia transpirao ou quaisquer outros sintomas, apenas a rigidez28

tensa, forte, concentrada no local de uma faixa de msculo do abdome superior. Ocorreu-me que talvez algum fator da gravao tivesse causado aquilo. Reescutando a fita e reexaminando a cpia escrita da qual fora extrada nada encontrei de estranho. Usei toda sugesto que existia, procurando aliviar qualquer outra inconsciente que pudesse ter sido assimilada. Mesmo assim, nenhum alvio. Talvez devesse ter telefonado imediatamente para um mdico. Contudo, no parecia assim to srio, e nem piorou. Mas tambm no melhorou. Finalmente telefonamos em busca de auxlio mdico. Todos os mdicos locais estavam jogando golfe. Da uma e meia da tarde at mais ou menos meia-noite a cibra e a dor continuaram. Nenhuma medicao tipicamente domstica me aliviava. Depois da meia-noite ca no sono, de pura exausto. Acordei de manh cedo: a cibra e a dor haviam sumido. Havia musculatura dolorida por toda a regio afetada, na maior parte devido a muita tosse, mas s isso. Permanece desconhecida a causa da cibra. Isso foi mencionado apenas porque foi o primeiro fato fora do normal, fsico ou no, que aconteceu. Em retrospecto: talvez fosse o toque de uma vara de condo, ou um malho, embora na ocasio eu no o reconhecesse. Cerca de trs semanas depois entrou em cena o segundo acontecimento de destaque. No ouve mais experincias com fita gravada por ser forte a suspeita de que a cibra de certo modo a ela se relacionasse. Logo, nada existia, aparentemente, para provocar a ocorrncia. Novamente era tarde de domingo e a famlia fora igre29

ja. Deitei-me no sof da sala de estar para tirar uma soneca, aproveitando o silncio da casa. Acabara de me ajeitar (cabea para o norte, se isso tem algum significado) quando um feixe ou raio de luz deu a impresso de descer do cu ao norte, mais ou menos num ngulo de 30 graus do horizonte. Foi como ser atingido por uma luz quente. S que estvamos luz do dia e nenhum feixe de luz poderia ser visvel, se que houve algum. No incio pensei que era luz do sol, embora isso fosse impossvel pelo lado norte da casa. O efeito, quando o raio de luz atingiu meu corpo inteiro, foi o de faz-lo tremer violentamente, ou vibrar. Fiquei inteiramente sem foras para me mexer. Foi como se me mantivessem preso a um torno. Chocado e assustado, forcei-me a mover-me. Foi como se empurrasse laos invisveis. medida que eu me sentava no sof, a vibrao lentamente desaparecia e fui capaz de me mexer livremente. Levantei-me e andei pelo quarto. Que eu soubesse, no houvera perda de conscincia, e o relgio mostrava que apenas alguns segundos se passaram desde que me estiquei no sof. No fechara os olhos, e enxergara o quarto e escutara rudos exteriores durante o episdio todo. Olhei pela janela, especialmente para o norte, embora no soubesse por que e o que esperava enxergar. Tudo parecia normal e sereno. Fui caminhar l fora, tentando desvendar a coisa estranha que me acontecera. Nas seis semanas seguintes o mesmo estado especfico se manifestou nove vezes. Ocorreu em momentos e locais diferentes, e o nico fator comum era: comeava logo aps me deitar para descansar ou dormir. Sempre que acontecia eu lutava por me manter sentado, a o estremecimento ia desaparecendo. Conquanto meu corpo sentisse o fenmeno, eu no percebia vestgio visvel de que ele o fazia.30

Meu limitado conhecimento de medicina me sugeria diversas possibilidades como causa. Pensei em epilepsia, mas sabia que epilticos no tm memria ou sensaes de tais ataques. E o que mais: estava a par de que a epilepsia hereditria e mostra sintomas em idade tenra. Nenhum dos dois detalhes no meu caso. Havia, tambm, a possibilidade de uma disfuno cerebral, tal como um tumor. Novamente os sintomas no eram tpicos, contudo poderia ser isso. Alarmando, fui ao nosso antigo mdico de famlia, Dr. Richard Gordon, explicando-lhe os sintomas. Como clnico, habituado a fazer diagnsticos, ele deveria ter as respostas. Conhecia, ainda, meu histrico mdico. Aps minucioso exame, sugeriu o Dr. Gordon que eu andava trabalhando demais, deveria dormir mais e perder algum peso. Em resumo: nada encontrou de errado no meu organismo. Riu diante da possibilidade de tumor cerebral ou epilepsia. Aceitei seu diagnstico e regressei aliviado para casa. Se no havia base fsica para o fenmeno, raciocinei, ele deve ser alucinatrio, uma forma de sonho. Portanto, se o estado ressurgir, vou observ-lo o mais objetivamente possvel. E ele me obsequiou entrando naquela mesma noite. Comeou uns dois minutos depois que me deitei para dormir. Dessa vez eu estava resolvido a deix-lo ficar para ver o que acontecia, em vez de lutar para fugir da situao. Enquanto eu ali permanecia a sensao penetrou pela minha cabea e invadiu-me o corpo inteiro. No era um estremecimento, porm mais uma vibrao, firme e de frequncia invarivel. Parecia um choque eltrico, sem dor, percorrendo o corpo todo. Ao mesmo tempo, a frequncia parecia, de certa forma, abaixo da pulsao do ciclo sessenta: talvez na metade desse padro.31

Assustado permaneci com a coisa, tentando manter a calma. Eu ainda via o quarto minha volta, mas escutava pouco acima do som trovejante causado pelas vibraes. Perguntei-me o que aconteceria em seguida. Nada. Aps cerca de cinco minutos a sensao se foi afastando lentamente; levantei-me sentindo-me perfeitamente normal. O ritmo de minha pulsao se elevara, evidentemente devido perturbao, mas s isso. Com tal resultado perdi muito do meu medo daquele estado. Nos quatro ou cinco aparecimentos seguintes das vibraes pouco mais descobri. Em pelo menos uma ocasio elas deram a impresso de se transformar num anel de fascas com mais ou menos sessenta centmetros de dimetro, tendo o eixo do meu corpo como centro do anel. Se fechasse os olhos eu podia, realmente, ver o anel. Principiava na minha cabea e se arrastava vagarosamente at os dedos dos ps, voltando cabea; e mantinha isso em oscilao regular. O tempo do ciclo parecia ser de uns cinco segundos. medida que o anel passava em cada seo do meu corpo eu sentia as vibraes como se uma faixa cortasse a seo. Quando o anel passou pela cabea, surgiu um grande estrondo e senti as vibraes no crebro. Tentei estudar esse crculo chamejante aparentemente eltrico, mas no descobri motivo para sua existncia, nem de que se tratava. Tudo isso permanecia desconhecido para minha esposa e filhos. Eu no via razo para preocup-los ou envolv-los antes de saber alguma coisa definida a respeito. Entretanto contei o segredo a um amigo, psiclogo famoso, o Dr. Foster Bradshaw. No fosse ele eu no poderia prever onde estaria a esta hora. Talvez num manicmio. Discuti o assunto com ele, que ficou muito interessado. Sugeriu a possibilidade de algum tipo de alucinao. Como o32

Dr. Gordon, conhecia-me bem. Consequentemente riu da ideia de que eu me achava nos estgios iniciais da esquizofrenia, ou coisa semelhante. Perguntei-lhe o que achava que pudesse ser feito. Vou lembrar-me para sempre da sua resposta: Ora, no h nada que possa fazer alm de examinar a coisa e descobrir do que se trata. De qualquer modo, parece que voc no tem muita escolha. Se acontecesse comigo, eu iria me esconder no meio do mato e ficaria insistindo at descobrir a resposta. A diferena era que estava acontecendo comigo, e no com ele, e eu no me poderia dar o luxo de ir para a mata, fosse literal ou figurativamente. Tinha uma famlia para sustentar, para no falar em outros compromissos. Vrios meses se passaram, e o estado de vibrao persistia. Quase se tornou maante; at que certa noite, tarde, quando eu estava deitado pouco antes de adormecer, ele voltou, e aguardei exaustiva e pacientemente que fosse embora para que eu pudesse dormir. Enquanto ali estava meu brao foi lanado pelo lado direito da cama, os dedos apenas passando de raspo pelo tapete. Inutilmente procurei mexer os dedos, mas descobri poder coar o tapete. Sem pensar ou reconhecer que podia mover os dedos durante a vibrao, empurrei as pontas dos dedos de encontro ao tapete. Aps um instante de resistncia eles deram a impresso de penetrar no material e tocar no cho abaixo. Com ligeira curiosidade avancei mais a mo. Os dedos atravessaram o piso... e l estava a spera superfcie superior do teto do quarto de baixo. Tateei por ali, e senti uma pequena lasca triangular de madeira, um prego curvado e um pouco de serragem. Interessado apenas superficialmente nesta sensao de devaneio, fiz a mo descer mais ainda. Ela penetrou o teto do primeiro andar e senti como se todo o brao33

tivesse atravessado o cho. Minha mo tocou em gua. Sem me emocionar, chapinhei na gua com os dedos. De sbito fiquei totalmente a par da situao. Eu estava bem acordado. Podia ver o panorama iluminado pelo luar atravs da janela. Sentia-me deitado na cama, as cobertas sobre meu corpo, o travesseiro debaixo da cabea, o peito subindo e descendo enquanto respirava. As vibraes continuavam presentes, porm em menor grau. Entretanto, impossvel, minha mo brincava numa poa dgua, e meu brao dava a impresso de estar enfiado cho abaixo. Sem dvida eu estava em viglia total, mas a sensao persistia. Como podia estar acordado sob todos os outros aspectos e mesmo assim sonhar que o brao estava atravessando o piso? As vibraes comearam a enfraquecer, e por algum motivo achei que havia certa conexo entre meu brao enfiado no cho e sua presena. Se elas sumissem antes que eu retirasse o brao, o piso poderia se fechar e eu perderia aquele membro. Talvez as vibraes houvessem provocado, temporariamente, um buraco no cho. No parei para estudar o como daquilo. Arranquei o brao do cho, puxei-o para a cama, e as vibraes cessaram logo aps. Levantei-me, acendi a luz e observei o ponto ao lado da cama. No havia buraco no cho ou no tapete. Estavam ali como sempre estiveram. Olhei para minha mo e o brao, e at procurei gua na mo. No havia, e o brao parecia perfeitamente normal. Perscrutei todo o quarto. Minha esposa dormia tranquila na cama, e nada parecia errado. Pensei na alucinao durante longo tempo antes de me acalmar o suficiente para conseguir dormir. No dia seguinte levei realmente a srio a ideia de fazer um buraco no piso para34

ver se o que havia sentido existia mesmo abaixo dele: o pedao triangular de madeira, o prego curvado, e a serragem. Na ocasio eu no me podia imaginar desfigurando o cho devido a uma desvairada alucinao. Contei o episdio ao Dr. Bradshaw, que concordou ser um devaneio bastante convincente. Foi a favor de cortar-se o piso para que se descobrisse o que havia nele. Apresentou-me ao Dr. Lewis Wolberg, psiquiatra de renome. Num jantar, mencionei casualmente o fenmeno das vibraes a este ltimo. Ele se mostrou interessado apenas por uma questo de educao, evidentemente no disposto a negcios, pelo que no o culpo. No tive coragem de lhe perguntar sobre o brao no cho. A coisa tornava-se muito confusa. Meu meio ambiente e as experincias pessoais me haviam levado a esperar algum tipo de resposta, ou pelo menos opinies promissoras da tecnologia moderna. Como leigo eu possua uma base acima do normal de cincia, engenharia e medicina. Agora encarava um fato para o qual respostas ou mesmo extrapolaes no eram rapidamente disponveis. Recordando, continuo sem poder enfrentar o fato de que na ocasio desprezei inteiramente a questo. Pode ser que no reagisse desse modo, se tivesse tentado. Se a essa altura pensei que enfrentava incongruncias foi porque no sabia o que ainda estava por acontecer. Cerca de quatro semanas mais tarde, quando as vibraes reapareceram, fui convenientemente cauteloso quanto a tentar mover brao ou perna. Foi no meio daquela noite, e eu j estava deitado para dormir. Minha esposa cara no sono ao meu lado. Senti como se uma onda me invadisse a cabea: rapidamente esse estado se espalhou por todo o corpo. Tudo parecia igual. Deitado ali, tentando decidir como analisar a coisa de outra35

maneira, eu simplesmente calculei como seria gostoso pegar um planador e voar na tarde seguinte (meu passatempo, na ocasio). Sem ponderar sobre quaisquer consequncias, e sem saber se haveria alguma, pensei no prazer que aquilo me daria. Aps um instante tive conscincia de alguma coisa fazendo presso contra meu ombro. Meio curioso, movi o brao para trs para ver o que era. Minha mo encontrou uma parede macia. Passei a mo por ela at onde o brao alcanava. Ela continuava macia e uniforme. Com os sentidos em alerta total, tentei enxergar na luz tnue. Era uma parede, e eu estava deitado de ombro nela. Imediatamente raciocinei que cara no sono e tambm da cama (jamais me acontecera antes, mas, visto que todos os tipos de coisas estranhas vinham ocorrendo, cair da cama era bastante possvel). Ento olhei novamente. Alguma coisa estava errada. A parede no tinha janelas, moblia encostada nela, nem portais. No era uma parede do meu quarto. Mas, de certo modo, era-me familiar. A identificao foi instantnea. No era uma parede, era o teto. Eu flutuava contra o teto, balouando gentilmente em qualquer movimento que fizesse. Rolei no ar, espantado, e olhei para baixo. L, na luz fraca debaixo de mim, ficava a cama. Nela havia duas silhuetas. A da direita era da minha esposa. Ao lado, a de outra pessoa. Ambas pareciam dormir. Este era um sonho esquisito, pensei. Fiquei curioso. Quem eu sonharia estar na cama com minha esposa? Olhei com mais ateno, e o choque foi intenso. Era eu a pessoa na cama! Minha reao foi quase instantnea. Aqui estava eu, l se achava meu corpo. Eu estava morrendo! Isso era a morte... mas eu no estava preparado para morrer. De alguma forma36

as vibraes me matavam. Desesperadamente, igual a um mergulhador, voei de volta para meu corpo e nele mergulhei. Senti, ento, a cama e as cobertas, e quando abri os olhos vi o quarto da perspectiva da minha cama. Que acontecera? Eu realmente quase morrera? O corao disparava, porm isso no me era incomum. Mexi braos e pernas. Tudo parecia normal. Haviam sumido as vibraes. Levantei-me e passeei pelo quarto, olhei pela janela, fumei um cigarro. Passou-se muito tempo antes de ter coragem de voltar para a cama, deitar, e tentar dormir. Na semana seguinte retornei ao Dr. Gordon para fazer outro exame fsico. No lhe revelei o motivo da consulta; todavia ele podia perceber que eu estava preocupado. Examinou-me cuidadosamente, fez testes de sangue, fluoroscopia, eletrocardiograma, apalpou todas as cavidades, fez anlise de urina e tudo mais que pde imaginar. Procurou muito cautelosamente indicaes de leses cerebrais, e me fez muitas perguntas relacionadas com ao motora de vrias partes do corpo. Fez um EEG (eletroencefalograma) que evidentemente no mostrou problemas invulgares. Pelo menos o doutor jamais me revelou algum, o que tenho certeza faria, no caso. O Dr. Gordon ministrou-me alguns tranquilizantes e mandou-me para casa com ordens de perder peso, descansar mais. Disse ainda que, se eu tinha um problema, no era fsico. Encontrei-me com o Dr. Bradshaw, meu amigo psiclogo. Foi de menor ajuda ainda e longe de simptico quando lhe relatei o caso. Disse-me que deveria repetir a experincia, se pudesse. Respondi-lhe no estar pronto para morrer. - Oh! Creio que no acontecer isso! declarou calmamente o Dr. Bradshaw. Alguns caras que praticam ioga e37

aquelas outras religies orientais afirmam poder fazer isso sempre que o desejam. Perguntei-lhe o que era isso. - Ora, sair do corpo fsico durante algum tempo replicou. - Dizem que podem passear por todo o local. Voc devia tent-lo. Respondi-lhe que seria ridculo. Ningum podia viajar sem o corpo fsico. - Pois eu no teria tanta certeza replicou o Dr. Bradshaw calmamente. Voc devia ler alguma coisa a respeito dos hindus. Chegou a estudar filosofia na faculdade? Disse-lhe que sim, mas no me lembrava de coisa alguma acerca desse negcio de viajar sem o corpo. - Talvez no tivesse o professor de filosofia adequado, isso que penso. O Dr. Bradshaw acendeu um cigarro e olhou para mim. - Bem, no seja to bitolado. Tente e descobrir. Como dizia o meu velho professor de filosofia: Se voc cego de um olho, vire a cabea, e se for cego dos dois, ento abra os ouvidos e escute. Perguntei-lhe o que fazer no caso de tambm ser surdo, mas no obtive resposta. Claro, o Dr. Bradshaw tinha todos os motivos para tocar no assunto por alto: estava acontecendo comigo, no com ele. No sei o que eu teria feito sem sua abordagem pragmtica e seu esplndido senso de humor. uma dvida que jamais conseguirei pagar. As vibraes voltaram mais seis vezes antes de eu ter a coragem de tentar repetir a experincia. Quando o fiz, foi um anticlmax. Com as vibraes em fora total pensei em flutuar, e foi o que fiz.38

Flutuei suavemente acima da cama, e quando desejei parar, consegui, no meio do ar. No era uma sensao desagradvel, de forma alguma; contudo eu estava nervoso com a ideia de cair subitamente. Aps alguns segundos pensei em mim mesmo descendo, e um instante depois me senti na cama novamente, com todos os sentidos fsicos normais funcionando totalmente. No houvera descontinuidade de conscincia desde o momento em que me deitei at que me levantei aps cessarem as vibraes. Se no era real, somente alucinao, ou sonho, as coisas no iam bem para mim. Eu no sabia dizer onde a viglia se interrompia e comeava o sonho. H milhares de pessoas em manicmios devido exatamente a esse problema. Na segunda vez em que tentei me desligar deliberadamente, tive xito. Novamente subi altura do teto. Contudo, nessa ocasio senti um impulso sexual esmagadoramente forte: em nada mais podia pensar. Constrangido e irritado comigo mesmo devido minha incapacidade de controlar essa faceta de emoo, retornei ao meu corpo fsico. Apenas cinco episdios mais tarde descobri o segredo de tal controle. A evidente importncia da sexualidade na coisa toda to grande que adiante ser descrita em detalhes. Naquela hora tornou-se exasperante bloqueio mental que me confinou ao mbito do quarto, onde ficava meu corpo fsico. Sem outra terminologia aplicvel, comecei a chamar o fenmeno de segundo Estado, e o outro fenmeno, o corpo no fsico que parecemos possuir, de Segundo Corpo. At agora essa terminologia adaptou-se bem como qualquer outra coisa. Foi apenas na primeira experincia palpvel e confirmvel que verifiquei seriamente ser tudo, menos devaneios, alucinaes, aberraes neurticas, incio de esquizofrenia, fanta39

sias causadas por auto-hipnose, ou pior. Essa primeira experincia probatria foi realmente uma pancada! Se aceitei os dados como fatos, isso atingiu profundamente toda a minha vivncia at aquela data, meu treinamento, meus conceitos, e meu senso de valores. E o que mais importante: estremeceu minha f na totalidade e na certeza de nosso conhecimento cientfico cultural. Eu tinha certeza de que nossos cientistas tinham todas as respostas. Ou a maioria delas. Inversamente, se rejeitei o que era evidente para mim, se no para mais ningum, ento eu estaria rejeitando o que respeitava tanto: que a emancipao humana e a luta pelo progresso dependem principalmente dessa passagem do desconhecimento para o conhecido, no obstante o uso do seu intelecto e dos princpios cientficos. O dilema era esse. Pode ter sido realmente o toque de uma varinha de condo e um dom utilizado. Ainda no sei.

40

2BUSCA E PESQUISAO que faz algum quando enfrenta o desconhecido? Vai embora e esquece? Neste caso dois fatores negaram tal possibilidade. Um, era nada mais que curiosidade. O segundo: como pode uma pessoa esquecer ou ignorar um elefante na sala de estar? Ou, mais diretamente, um fantasma no quarto de dormir? No outro lado da escala apareciam os conflitos e ansiedades muito reais, muito perturbadores. No havia dvidas de que fiquei profundamente amedrontado com o que me poderia acontecer se aquele estado persistisse. Eu estava bem mais preocupado com a possibilidade de uma doena mental do que com a de uma deteriorao fsica. Estudara psicologia o suficiente, e tinha muitos amigos psiclogos e psiquiatras para construir tais medos. Alm disso, receava discutir o assunto com esses amigos. Tive receio de ser classificado, na hora, como seu paciente e perder a intimidade que a igualdade (normalidade) produz. Amigos no profissionais em negcios e na comunidade seria pior. Eu seria rotulado como pirado ou psictico, o que poderia afetar seriamente minha vida e as vidas daqueles chegados a mim. Finalmente, pareceu-me uma questo digna de ser mantida em segredo ante a minha famlia. Parecia desnecessrio que se preocupassem junto comigo. Foi somente a necessidade definida de explicar gestos esquisitos que me forou a revelar a histria minha esposa. Ela aceitou-a relutantemente j41

que no havia outra escolha, tornando-se, assim, a testemunha preocupada de incidentes e fatos em enorme contradio com seu condicionamento religioso. As crianas eram, ento, jovens demais para entender (mais tarde o assunto se tornou lugar-comum para elas). Minha filha mais velha me relatou que, longe, na faculdade, depois que ela e sua colega de quarto examinaram seu dormitrio certa noite, ela falou: - Papai, se voc est aqui, acho bom sair agora. A gente quer tirar a roupa pra ir dormir. Na realidade eu estava a trezentos e vinte quilmetros dali, na ocasio, tanto fisicamente quanto de qualquer outra maneira. Gradualmente fui me acostumando a esse estranho acessrio em minha vida. Mais e mais eu conseguia lentamente controlar seus movimentos. De alguma maneira ele se tornara realmente valioso: eu relutava em desfazer-me dele. O mistrio de sua prpria presena aguara minha curiosidade. Mesmo depois que estabeleci no haver causa fisiolgica, e que eu no era mais louco do que a maioria dos outros em volta de mim os medos persistiram. Era uma insuficincia, doena, ou deformidade que tinha de ser escondida das pessoas normais. No havia com quem discutir o problema, a no ser em algum encontro casual com o Dr. Bradshaw. A nica outra soluo parecia ser determinado tipo de psicoterapia. Porm um ano (ou cinco, ou dez) de entrevistas dirias custando milhares de dlares, sem resultados prometidos, no me parecia muito eficiente. Havia muita solido naqueles primeiros tempos. Afinal comecei a fazer experincias com essa estranha aberrao tomando notas de cada detalhe. Principiei, tambm, a ler reas de estudos havia muito negligenciadas em meu padro de vida. A religio no havia influenciado grandemente42

minha forma de raciocinar; contudo, parecia o nico setor remanescente nos escritos e no conhecimento dos homens no qual eu poderia procurar as respostas. Alm das idas igreja na infncia e raros comparecimentos com um amigo, Deus, igreja e religio pouco me haviam significado. Na verdade eu nunca dera importncia ao assunto, de um jeito ou de outro, j que simplesmente nunca me despertara interesse. Na minha leitura superficial das filosofias e religies ocidentais passadas e presentes, encontrei referncias e generalidades vagas. Algumas pareciam se encaixar na tentativa de algum para descrever ou explicar incidentes semelhantes. Os escritos bblicos e cristos ofereciam muitos deles, tudo sem causas ou curas especficas. O melhor conselho parecia ser orar, meditar, jejuar, ir igreja, redimir-me dos meus pecados, aceitar a Trindade, acreditar no Pai, no Filho e no Esprito Santo, resistir ao demnio, ou no resistir ao demnio, e entregar-me a Deus. Tudo isso apenas aumentou o conflito. Se esse novo fato na minha vida era bom, isto , um dom, ento evidentemente eu pertencia espcie dos santos, ou pelo menos dos tipos santificados, de acordo com a histria religiosa. Senti que tal qualificao de santidade estava sem dvida acima e alm de mim. Se essa coisa nova era um mal, ento seria obra do demnio ou, pelo menos, um demnio tentando me dominar ou me encorajar, e eu deveria ser exorcizado. Os padres ortodoxos de religies organizadas com quem me encontrei aceitaram delicadamente a ltima verso, em graus variados. Tive a sensao de ser perigoso e herege aos seus olhos. Eram precavidos. Nas religies orientais achei mais aceitao da ideia, como indicara o Dr. Bradshaw. Falava-se muito da existncia de um corpo no fsico. Novamente, tal estado de existncia43

era produto de grande evoluo espiritual. Somente Mestres, Gurus e outros Homens Santos com muitos anos de treinamento tinham a capacidade de abandonar temporariamente o corpo fsico para adquirir indescritveis luzes msticas. No se viam detalhes e nenhuma explicao pragmtica sobre o que chamavam evoluo espiritual. Mas estava implcito que na prtica de cultos secretos, seitas, lamaserias etc., tais itens eram do conhecimento comum. Caso isso fosse verdadeiro, o que ou quem era eu? Certamente velho demais para recomear a vida num convento tibetano. A solido tornara-se aguda. Evidentemente no havia respostas. No em nossa cultura. Foi a essa altura que descobri a existncia de um movimento secreto nos Estados Unidos. O nico fator ausente que no existem leis contra seu funcionamento, nem perseguio e processo oficial envolvidos. Esse movimento s ocasionalmente se funde, em parte, com o mundo dos negcios, cincia, poltica, academias, e as chamadas artes. E o que mais: definitivamente no se limita aos Estados Unidos, mas infiltra-se por toda a civilizao ocidental. Muitas pessoas talvez tenham ouvido falar nele vagamente, ou casualmente tenham entrado em contato com ele, relegando-o como grupo de ideias excntricas. Mas em geral uma coisa certa: os membros de tal organizao que so respeitados em suas comunidades no falam a respeito dos interesses ou crenas que os qualificam como participantes, a menos que o reconheam como integrante. Aprenderam com a vivncia que falar s claras provoca a censura por parte de seus lderes, clientes, patres, ou mesmo amigos. Acredito que os participantes somem milhes, se todos confessassem sua filiao. So encontrados em todos os setores de atividade: cientistas, psiquiatras, mdicos, donas-de-ca44

sa, estudantes, comerciantes, adolescentes, e pelo menos alguns sacerdotes de religies formais. Esse grupo possui todas as qualificaes de um movimento secreto. Renem-se em pequenos grupos, silenciosamente e com frequncia semissecretamente (os eventos so bastante anunciados publicamente, mas voc tem de estar por dentro para entender a notcia). Geralmente os participantes discutem assuntos secretos apenas com outros membros. Ao contrrio da famlia ou amigos chegados (provavelmente membros tambm), a comunidade no conhece o interesse e a vida secretos de um membro do movimento. Se lhe perguntarem ele negar sua participao, porque de frequente no se d conta de ser to ligado a ele. Todos so, at certo ponto, emocional e intelectualmente delicados causa. Finalmente: o movimento tem sua prpria literatura, linguagem, tecnologia e, em termos, semideuses. Atualmente o movimento secreto anda altamente desorganizado. Na verdade, no existe organizao alguma, no sentido comum da palavra. Raramente, at, os grupos locais chegaram ao ponto de adotar ttulo ou nome para si mesmos. At agora so simplesmente reunies pequenas porm regulares, efetuadas na sala de jantar de algum ou no salo de conferncias de um banco, ou muito possivelmente numa reitoria. Esse grupo de indivduos ainda tateia, e d a impresso de tomar diversos caminhos, entretanto o objetivo o mesmo para todos. Todavia, tal como outros movimentos secretos, se voc se tornar membro e visitar outras cidades, inevitavelmente encontrar outros participantes. No coisa planejada. Apenas acontece. Quem est includo nesse movimento? Primeiro os profissionais. Em uma extremidade ficam os parapsiclogos, bem poucos. So homens com diplomas legtimos de doutorado de45

universidades reconhecidas, e que publicamente conduziram pesquisas sobre PES. O mais famoso desses o Dr. J.B. Rhine, ex-atuante na Universidade Duke, e que conduziu e comps cartes simples de teste de probabilidade estatstica durante cerca de trinta anos. Para sua satisfao, provou estatisticamente que a PES um fato. Seus resultados so encarados com reservas, sendo em grande parte inaceitveis pela maioria dos psiclogos e psiquiatras dos Estados Unidos. H outros na mesma categoria: Andrija Puharich, J.G. Pratt, Robert Crookall, Hornell Hart, Gardner Murphy, todos se encaixam nessa classificao. Se voc membro, esses nomes lhe so familiares. O espectro profissional percorre uma gama que vai do parapsiclogo at a quiromante de beira de estrada que se proclama cigana ou filha de Nova Delhi, cobrando cinco dlares por uma trivial leitura de cinco minutos. As reas de interesse so bastante diversas, mas todas possuem laos interconectivos de crena comum de uma forma ou de outra. O grosso do movimento secreto procura os profissionais em busca de informaes e orientao, e lhes empresta algo assim como a adorao a um heri. Qualquer um que escreve um livro, organiza uma fundao, conduz uma pesquisa, tem experincia profunda, estudou com um grande profissional, d conferncias psquicas, conduz aulas de evoluo mental e/ou espiritual ou cura pela f, um astrlogo de confiana, sacerdote de cincia divina ou espiritualismo, mdium de transe, devoto dos discos do espao sideral ou hipnotizador, so esses os profissionais. A maioria obtm toda sua renda, ou parte dela, dessa atividade. Muitos nutrem profundo cime profissional uns pelos outros, e frequentemente se inclinam a suspeitar das tcnicas e teorias propostas fora de suas atividades especficas.46

At mesmo ridicularizam sutilmente, ou olham com deboche tolerante, irnico, os resultados no ligados a suas especializaes. Isso bem poderia explicar por que, at agora, no existe organizao num movimento secreto. No entanto, a despeito de si mesmos, os profissionais so atrados uns para os outros. Seu interesse comum fora isso. No h outros com quem possam compartilhar suas ideias e experincias em igualdade de condies e com entendimento. No tencionamos, de forma alguma, lanar calnia ou descrdito sobre os profissionais. So um grupo de pessoas completamente fascinantes e maravilhosas. Cada qual a seu modo procura a Verdade. Que montono seria o mundo sem eles, caso voc se tornasse membro do movimento secreto. Para o consumidor desse tipo de funo existem revistas, jornais, conferncias, clubes de livros (pelo menos cinquenta novos livros dos movimentos secretos so publicados a cada ano, muitos deles por editoras famosas), e mesmo programaes de TV e de rdio. As ltimas, evidentemente organizadas pelos membros mais velhos, no tiveram xito porque esses movimentos ainda representam um grupo minoritrio. A reao bsica do pblico : Voc no acredita mesmo nesse negcio, no ? Quem, ento, forma o grosso desses movimentos? Contrrio ao que se podia esperar, eles no so apenas um conglomerado de desajustados tolos, incultos, supersticiosos, irracionais. Claro, alguns dos seus ltimos vm includos, mas no em porcentagem maior do que a encontrada entre a populao comum. Para dizer a verdade, caso se fizesse um consenso, muito provvel que seu QI mdio se mostrasse bem acima do grupo representativo da humanidade ocidental. So simples os laos ou causas comuns que os unem. Todos tm a crena de que (1) o Eu Interior do homem no 47

compreendido nem totalmente expresso em nossa sociedade contempornea; e (2) esse Eu Interior tem capacidade para agir e realizar mental e materialmente em grau desconhecido, e no reconhecido pela cincia moderna. So pessoas cujo entretenimento primacial ler, conversar, pensar, discutir, e participar de tudo que seja psquico ou espiritual. tudo que se necessita para ser membro participante. Talvez voc faa parte da coisa e no o perceba. Como essa gente fica desse jeito? A resposta mais comum : por experimentar ou ser parte de algum fenmeno que no pode ser explicado pelos modernos ensinamentos cientficos, filosficos ou religiosos. Certo tipo de pessoa ignora o fato, varre-o para baixo do tapete e o esquece. Outro, que eventualmente se torna membro, tenta descobrir algumas respostas. Habilitei-me para tal sociedade porque no consegui achar qualquer outra fonte de informao. Infelizmente as informaes que eu procurava estavam realmente muito esparsas, mesmo neste estranho velho mundo novo. Porm houve os que estudaram seriamente pelo menos a possibilidade de que o Segundo Estado podia acontecer, e aconteceu mesmo. Logo se tornou aparente que o movimento secreto comeou h mais de cem anos, ou antes at, quando a cincia hodierna principiou a organizar os conceitos humanos e os livros dos conhecimentos irracionais, desprovidos de base. Em meio a tais esforos de purificao qualquer coisa que ainda no se deparara com o teste do empirismo foi implacavelmente desprezado pela liderana intelectual. Aqueles que insistiram em manter suas crenas desprezadas caram em desonra. Se teimosamente persistiam e ainda assim desejavam ser ativos e aceitos na sociedade, no tinham escolha seno48

refugiar-se nos movimentos, com suas ideias secretas, ao mesmo tempo em que mantinham outra imagem diante do pblico. Muitos que se recusaram a praticar tal estratagema tornaram-se mrtires. At hoje, nesta sociedade esclarecida, a mesma atitude continua a existir em grande extenso. Dentre os profissionais conhecidos pelos colegas como proponentes da parapsicologia ou qualquer coisa semelhante, talvez haja uns cinco que ainda atraiam admirao e respeito publicamente pelas suas ocupaes: medicina, psicologia, psiquiatria, ou cincias fsicas. No estgio atual acredito ter conhecido os cinco. Ironicamente, sou um pouco mais sbio que eles, embora no seja sua culpa. Simplesmente no conhecem muito sobre o Segundo Estado ou o Segundo Corpo. Acima de tudo gostei das pessoas que conheci no movimento secreto. Encontrei-as em pequenas cidades, em grandes cidades, no comrcio, em grupos religiosos, em universidades, e mesmo na Associao Psiquitrica Americana! De modo geral so gente realmente gentil. So alegres, com forte senso de humor. Formam um grupo feliz que sabe rir, quando necessrio, de seus prprios interesses srios. Seja ou no intencionalmente, so o mais altrusta e vigoroso grupo representativo da humanidade que j conheci. No deve ser acidental o fato de serem os mais religiosos, no verdadeiro sentido da palavra. Se isso parecer uma sucinta rejeio de todas as outras fontes e material omitidos nos escritos psquicos disponveis, a inteno no essa. Cada qual tem sua prpria verso da Verdade, e talvez existam mesmo muitas Verdades. J me sentei junto a mdiuns em transe e fiz perguntas definidas, recebendo respostas vagas, que para mim foram pura evasiva, quando uma explicao direta teria significado muito mais.49

Contudo, posteriormente, para meu espanto, em caso assim participei de uma experincia do Segundo Corpo que confirmou (para mim e outros) a autenticidade dos poderes de um mdium. A verdade, aqui, puro mistrio! O trabalho de Edgar Cayce, virtualmente santo contemporneo no mundo psquico, foi sem dvida muito elucidativo e bem investigado, porm inacreditvel em termos de cincia e medicina atuais. Definitivamente a verdade ali se mostrou, contudo a Histria talvez s registre o caso atravs de alguns poucos arquivos obscuros. Hoje, cerca de vinte anos aps seu pensamento, no se conhece mais sobre como funcionava sua capacidade e o que ele era, do que se sabia no dia em que morreu. Os escritos de Cayce foram de auxlio, mas extremamente difceis de serem trazidos luz da explicao quanto ao seu relato sobre a existncia do Segundo Estado. Ele o confirmava, mas no explanava. Grande parte do seu material nesse setor apagado pela nvoa de um forte condicionamento religioso. Isso deixa a questo aberta interpretao, por isso os tradutores (sacerdotes?) de Cayce apressaram-se em fornecer tal intercesso. Hoje em dia existem outros que, evidentemente, funcionam de forma semelhante a Cayce. Um deles apresentou relatrios fsicos bastante apurados a meu respeito e forneceu alguns dados gerais sobre minhas atividades no Segundo Estado, os quais no so esclarecedores nem demonstrveis. Sem embargo, no h dvida de que me convenceram da validade e dos poderes do mdium. De novo, outra Verdade (para mim e outros quer participaram), mas sem respostas diretas que pudessem ser usadas num tribunal. Diversos mdiuns fizeram leituras do destino para mim. Incluram amplas generalizaes, no entanto foram in50

capazes de dar respostas diretas, conclusivas a perguntas simples. Se forem autnticos (e quem sou eu para dizer que no so?), esses mdiuns devem limitar-se definitivamente sua percepo especfica. Ou isso ou sofrem problemas na interpretao dos smbolos para a fala. Bem posso avaliar como ocorre este ltimo. Foi durante minhas leituras e contatos com esse setor do pensamento humano, a que chamo carinhosamente de secreto, que finalmente descobri fortes indcios do que me estava acontecendo. Se no me tivesse envolvido pessoalmente no teria acreditado no que encontrei. Ao mesmo tempo foi confortador saber que meu caso no era raro. De que se tratava? Simplesmente eu estava realizando projeo astral. O Dr. Bradshaw me dera a pista, conquanto ele mesmo s remotamente tivesse ouvido falar dessas coisas. Projeo astral, para o no iniciado, termo dado tcnica de deixar o corpo fsico temporariamente e deslocar-se pelo espao num corpo no material ou astral. Este ltimo termo recebeu muitas conotaes, bem como diversas interpretaes, cientficas ou no. A palavra cientfica empregada com cautela porque o mundo cientfico moderno do ocidente, pelo menos, no reconhece nem est seriamente a par da simples possibilidade de tais fatos. Na obscura histria da humanidade, coisa inteiramente diferente. O vocbulo astral possui origens apagadas em primordiais eventos msticos e de ocultismo, envolvendo feitiaria, bruxaria, magia e outras tolices aparentes que o homem moderno encara como bobagem e superstio. Como nenhuma tentativa foi feita para revolver profundamente essa rea, continuo sem saber o que significa a palavra astral. Logo, prefiro ater-me s usadas segundo corpo e segundo estado.51

Tal tipo de literatura, que ainda prospera, retrata um mundo astral composto de muitos nveis ou planos, que so os locais para onde as pessoas vo quando morrem. A pessoa que viaja por a em seu corpo astral pode fazer breves visitas a tais lugares, falar com gente morta, participar de atividades l, e regressar ao corpo fsico aparentemente sem nenhum desgaste. Houve ocasio em que desejei ardentemente fosse verdadeiro o ltimo item. Para realizar esse feito miraculoso tinha-se de ser arduamente treinado ou, melhor ainda: evoludo espiritualmente, segundo os ocultistas. Tais ensinamentos tm sido supostamente manejados em segredo atravs da Histria para esclarecer aqueles que se tornaram adiantados o bastante para receb-los. Evidentemente, de quando em vez surgiam os que revelavam o segredo, ou acidentalmente aprendiam a tcnica. No passado eles eram canonizados, castigados, cremados, ridicularizados e aprisionados por tal revelao pblica. Isso no torna o futuro muito promissor no meu caso. Paradoxalmente, muitos dos dados contidos em minhas anotaes tendem a confirmar essa abordagem oculta do tema, o que irrompeu como um choque. Usando interpretao liberal e a traduo para o idioma moderno, grande parte disso encaixou-se perfeitamente no lugar. Ao mesmo tempo muito se deixou de dizer, embora eu no saiba por que. Segundo a literatura do movimento secreto psquico, a histria religiosa-mstica do homem se refere constantemente a esse segundo corpo. Muito antes de surgirem o cristianismo e a Bblia, as culturas do Egito, ndia, China, para s mencionar algumas, apoiavam a tese do segundo corpo como procedimento padro de operao. Historiadores encontraram essas referncias sempre e sempre; mas, evidentemente, classificam-nas como integrantes da mitologia dos tempos.52

Lendo-se a Bblia desse ponto de vista, a crena vrias vezes confirmada, tanto no Antigo quanto no Novo Testamento. Na Igreja Catlica encontram-se relatrios consistentes de santos e outras figuras religiosas com essa experincia, algumas delas por livre vontade. Mesmo no protestantismo, seguidores devotos tm declarado experincias fora do corpo durante alguma forma de xtase religioso. No oriente, h muito tempo o conceito de um segundo corpo tem mantido uma posio natural e aceita de realidade. Novamente, isso um estudo inteiro da coisa em si, e existem numerosos livros secretos e autoridades em culturas orientais que afirmam o conceito do segundo corpo. Supe-se existam at hoje aqueles adeptos, lamas, monges, gurus e outros da mesma espcie que exercitam poderes mentais e psquicos, inclusive atividades do segundo corpo, em completa discordncia com o atual conhecimento cientfico. Frequentemente so ignorados por nossa sociedade materialista porque no podem ser repetidos em laboratrio. Nos arquivos de vrias organizaes de pesquisa psquica daqui e de outros pases h centenas de relatrios de anamnese a respeito de experincias fora do corpo. Tais relatrios retrocedem pelo menos cem anos, e muitos mais so encontrados em diversos escritos do passado. Esto l para quem deseja investigar os fenmenos. Virtualmente, todas as experincias relatadas so ocorrncias espontneas e sem repetio. Normalmente surgiram numa ocasio em que o indivduo estava fisicamente doente ou debilitado, ou durante intensa crise emocional. Todas parecem altamente subjetivas; contudo, a maior parte desses relatrios por si s comprobatria. No decorrer deste sculo tm sido publicados vrios resumos impressionantes dessas experincias, e devem ser lidos, caso se deseje pesquisar o53

tema. Em todos eles aparente a fragilidade: a maioria basicamente informativa, suplementada por conjecturas. No se incluem os objetivos, baseados em exames ou experimentos diretos. Razo? Evidentemente no houve tal pesquisa slida. Em instncias muito raras conhecem-se registros publicados de indivduos que deliberadamente podem e voluntariamente faziam a induo ao segundo estado, deslocando-se por a em seu segundo corpo. Talvez haja mais deles, porm s dois se destacam na Histria atual. Se existem outros que efetuam esse ato, guardaram os resultados para si mesmos. O primeiro deles Oliver Fox, ingls ativo nas reas da pesquisa e da prtica psquica. Publicou relatrios generosamente detalhados sobre experincias fora do corpo e tcnicas para atingir tal estado. A no ser no movimento secreto de 1920, seu trabalho recebeu pouca ateno. No obstante tentou, muito decididamente, trazer a experincia estrutura da compreenso de sua era. O segundo, e muito famoso, foi Sylvan Muldoon, que republicou diversos trabalhos a respeito em colaborao com Hereward Carrington, no perodo 1938-51. Muldoon era o projecionista e Carrington pesquisador consistente dos fenmenos psquicos. At hoje suas obras tm sido as clssicas nesse terreno, e so leitura muito interessante. Na minha investigao em busca de fatos perguntei-me novamente o quanto fora obviamente omitido. Ao mesmo tempo, pouco ou nenhum experimento emprico foi realizado para fornecer dados a um investigador srio e objetivo. O mais recente foi um livro escrito por Yram (mulher? Mary, de trs para diante?). Ele (ou ela), tambm ofereceu diversos detalhes, mas nenhuma continuidade slida relacionada com o meu caso. Tentativas significantes de estudo e avaliao cientficas foram efetuadas recentemente por diversos homens notveis,54

tais como Hornell Hart, Nandor Fodor, Robert Crookall, e outros com bom lastro acadmico. A maioria deles relativamente isenta da distoro de fatores, muito presente na literatura secreta. Todos servem para verificar o fato da existncia do segundo corpo, mas apresentam poucos ou nenhum dado concreto em nvel experimental no filosfico. De novo: como discutir experimentos que no aconteceram? O problema mais consistente encontrado em associao com o movimento secreto tem sido o de evitar a submerso da abordagem analtica no vasto pantanal de pensamento e crena teolgica. Certa vez, no faz muito tempo, o homem pensou que a eletricidade fosse Deus; antes disso, o sol, o raio, e o fogo. Nossas cincias nos dizem que essas ideias eram ridculas, e tentam nos mostrar isso por meio de experimentaes. Talvez o segundo corpo, operando no segundo estado, possa fornecer o avano do quantum para provar a existncia de Deus empiricamente. Da no mais haver movimentos secretos. O underground psquico apresentou-me a muitos amigos novos, porm poucas respostas especficas a perguntas como: - que fao agora: Para surpresa minha, eles procuravam respostas em mim. Pareceu-me haver somente um caminho a seguir. Centenas de experimentos efetuados durante doze anos, e ainda em curso, levantaram concluses aparentemente iniludveis, embora estranhos ao meu condicionamento ambiental. Na matria a seguir, o teste ser seu.

55

3BASEADO EM PROVASNo outono de 1964 houve interessante reunio certa noite, em Los Angeles. Compunha-se de cerca de vinte psiquiatras, psiclogos, cientistas, e eu mesmo. Foi uma noite muito gratificante. Era propsito da sesso examinar, com sinceridade e seriedade, as experincias e experimentos que aqui condensamos. Aps vrias horas de indagaes feitas pelo grupo, chegou minha vez. Fiz duas simples perguntas a cada um deles. Se voc estivesse passando pelo que eu estou, o que faria? Foi opinio clara da maioria, mais de dois teros, que todos os esforos deveriam ser enviados na continuao de tais experimentaes, na esperana de esclarecer e expandir o conhecimento que o homem tem de si mesmo. Vrios deles declararam seriamente que eu deveria ir correndo, no andando, ao psiquiatra mais prximo. Nenhum dos presentes ofereceu seus prstimos... A segunda pergunta: Voc tomaria parte em experimentos que levaria criao, em si prprio, de tal atividade incomum? Aqui, de certa forma, o padro mudou. Cerca de metade declarou desejo de participar. Estranhamente, nesse grupo estavam alguns dos mais cticos quanto realidade de tais experincias. Claro, isso me deu a oportunidade de cutucar gentilmente os que se mostravam a favor de experimentos56

contnuos. Quando chegava o momento de enfrentar uma parada dura, eles entregavam o problema a outros. Mas, de certo modo, no os culpo. Se a questo me tivesse sido apresentada h doze anos, duvido que me tivesse apresentado como voluntrio. Por que esse pessoal se deu ao trabalho de se reunir? Curiosidade, talvez. Ou, novamente, talvez certa parte de material probatrio que fora acumulado. Espero que pelo ltimo motivo. Vejamos alguns relatrios-chave extrados das anotaes e que atraram as atenes deles. 10 de setembro de 1958. Novamente flutuei, no intento de visitar o Dr. Bradshaw e esposa. Lembrando-me de que o doutor estava de cama, com um resfriado, pensei visit-lo no quarto de dormir, quarto este que eu no vira em sua casa e, se pudesse descrev-lo posteriormente, isso provaria minha visita. Novamente senti as voltas no ar, o mergulho no tnel, e desta vez a sensao de subir o morro (o Dr. Bradshaw e a esposa moram numa casa a uns oito quilmetros do meu escritrio, montanha acima). Eu passava por sobre rvores, e acima havia um cu claro. Momentaneamente vislumbrei (no cu) a silhueta de uma forma humana redonda, aparentemente vestida com mantos e usando uma espcie de capacete (permanece o conceito oriental), sentada, braos no colo, talvez de pernas cruzadas moda de Buda; depois sumiu. No sei o significado disso. Aps certo espao de tempo a viagem morro acima se tornou difcil: tive a impresso de que a energia estava acabando, sentindo que no conseguiria. Com esse pensamento aconteceu uma coisa espantosa. Foi precisamente como se algum tivesse colocado a mo embaixo de cada brao meu, erguendo-me. Senti uma onda de fora elevar-me, e viajei rapidamente para o alto da montanha. Depois avistei o Dr. Bradshaw e sua esposa. Estavam sentados do lado de fora da casa: por momentos fiquei confuso, j que os encontrara antes de entrar na casa. No entendi, pois o57

Dr. Bradshaw deveria estar na casa. Vestia um sobretudo leve e chapu; e a esposa, casaco e o resto da roupa escuros. Vinham em minha direo, por isso parei. Pareciam contentes, e passaram por mim sem me ver, em direo a uma pequena construo igual a uma garagem; Brad vinha atrs, enquanto caminhavam. Flutuei por ali, na frente deles, acenando, gritando para chamar-lhes a ateno, mas sem resultado. Ento, sem que virasse a cabea, penso que ouvi o Dr. Bradshaw dizer-me: - Bem, parece que voc no mais precisa de ajuda. Achando que tinha feito contato, voltei ao cho e regressei ao escritrio, entrei no corpo em rotao e abri os olhos. Tudo permanecia exatamente como eu deixara. A vibrao ainda estava presente, mas achei que aquilo bastava para um dia. Resultado importante: telefonamos para o Dr. Bradshaw e senhora naquela noite. No comentei nada. Somente perguntei onde haviam estado naquela tarde, entre quatro e cinco horas (minha esposa, que soube da visita, afirmou no ser possvel: no podia ser, j que o Dr. Bradshaw estava acamado, doente). Com a Sra. Bradshaw ao telefone, fiz a pergunta simples. Declarou-me que aproximadamente s quatro e vinte e cinco estavam caminhando fora de casa, em direo garagem. Ela ia aos correios, e ele resolvera que talvez um pouco de ar puro pudesse ajud-lo; vestiu-se e saram juntos. Ela sabia a hora retrocedendo at o momento em que chegaram agncia dos correios, o que ocorreu aos vinte minutos para as cinco. So mais ou menos quinze minutos dos correios at a casa deles. Eu regressara de minha viagem at eles aproximadamente s quatro e vinte e sete. Perguntei o que vestiam na ocasio. Informou a Sra. Bradshaw ter usado calas pretas e suter vermelho coberto por um casaco preto. O doutor, um chapu claro e um sobretudo de cor alegre. Contudo, nenhum dos dois me viu de forma alguma, ou se deu conta da minha presena. O Dr. Bradshaw no se recordava haver dito coisa alguma. O detalhe importante que eu esperava encontr-lo na cama, o que no aconteceu.58

Foram demasiadas as coincidncias. No era importante provar isso a outras pessoas. Apenas a mim mesmo. E provou-me, pela primeira vez, na verdade, que pode haver muito mais por trs disso do que o admitem a cincia normal, a psicologia e a psiquiatria. Mais do que aberrao, trauma, ou alucinao, e eu precisava de algum tipo de prova mais do que qualquer um, tenho certeza. Foi um simples incidente, mas inesquecvel. Nessa visita ao Dr. Bradshaw e esposa, a hora da visita coincide com a ocorrncia fsica. O fator de alucinao por autossugesto negativo. Esperei encontrar o Dr. Bradshaw na cama, em sua casa, mas no foi assim e fiquei intrigado com a incongruncia. Relatrios idnticos sobre condies de fatos reais: 1) Localizao do Dr. Bradshaw e esposa; 2) Posio dos dois em relao um ao outro; 3) As aes de ambos; 4) Roupas usadas pelos dois. Possibilidade de pr-conhecimento inconsciente atravs de prvia observao dos fatos acima: 1) Negativo no tinha informaes sobre sua mudana de planos ou hbitos de horrios das visitas ao correio; 2) Indeterminado conscientemente, pelo menos, desconhecen