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Universidade Estadualde Santa Cruz
ReitorProf. Antonio Joaquim da Silva Bastos
Vice-reitoraProfª. Adélia Maria Carvalho de Melo Pinheiro
Pró-reitora de GraduaçãoProfª. Flávia Azevedo de Mattos Moura Costa
Diretora do Departamento de Ciências da EducaçãoProfª. Maria Olívia Lisboa
Ministério daEducação
Ficha Catalográfica
S678 Sociologia e educação: módulo 1, volume 4/ Elabo- ração de conteúdo : Rogéria Martins e Elias Lins Guimarães.– [Ilhéus, BA] : UAB/UESC, [2009]. 121p. : il. Módulo: Pedagogia: Educação, História e Socie- dade / EAD-UESC Inclui bibliografias. ISBN: 978-85-7455-183-8
1. Educação. 2. Sociologia. I. Martins, Rogéria. II. Guimarães, Elias Lins. III. Pedagogia: Educação, História e Sociedade.
CDD 370.1
Coordenação UAB – UESCProfª. Ds. Maridalva de Souza Penteado
Coordenação Adjunta UAB – UESCProfª. Ms. Flaviana dos Santos Silva
Coordenação do Curso de Licenciatura em Pedagogia (EAD)Profª. Ds. Maria Elizabete Souza Couto
Elaboração de ConteúdoProfª. Ms. Rogéria MartinsProf. Dr. Elias Lins Guimarães
Instrucional DesignProfª. Ms. Marileide dos Santos de OliveraProfª. Ds. Gessilene Silveira Kanthack
RevisãoProfª. Ms. Aline de Santos Brito Nascimento
Coordenação de DesignProfª. Ms. Julianna Nascimento Torezani
DiagramaçãoJamile A. de Mattos Chagouri OckéJoão Luiz Cardeal Craveiro
Ilustração e CapaSheylla Tomás Silva
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UNIDADE I
O que permite os indivíduos viverem em sociedade: futuro no passado .................11
1. INTRODUÇÃO..................................................................................................... 13
2. OINDIVÍDUOEASOCIEDADE.............................................................................. 14
2.1Socialização-relaçãodoindivíduocomomeio............................................... 15
3. RESUMINDOOTEXTO:DIALOGANDOCOMOALUNO................................................ 18
REFERÊNCIAS..................................................................................................... 21
Sumário
UNIDADE II
Entrando no misterioso novo mundo: modernização e surgimento da sociologia .. 23
1. INTRODUÇÃO..................................................................................................... 25
2. CONTEXTOHISTÓRICODOSURGIMENTODASOCIOLOGIACOMOCIÊNCIAECOMO
DISCIPLINAACADÊMICA..........................................................................................26
2.1Aquestãosocialeosurgimentodasociologia................................................. 29
2.2Afinal,paraqueserveaSociologia?.............................................................. 33
3. RESUMINDOOTEXTO:DIALOGANDOCOMOALUNO................................................ 34
REFERÊNCIAS.....................................................................................................37
UNIDADE III
Os clássicos da sociologia: Èmile Durkheim ............................................................ 39
1. INTRODUÇÃO..................................................................................................... 41
2. ÈMILEDURKHEIM-ELABORAÇÕESINICIAISDOAUTOR:UMCONVITEÀSOCIOLOGIADA
MORAL................................................................................................................... 42
3. OQUEISSOTEMAVERCOMASOCIOLOGIADAEDUCAÇÃO?................................... 46
4. RESUMINDOOTEXTO:DIALOGANDOCOMOALUNO................................................ 52
REFERÊNCIAS..................................................................................................... 54
UNIDADE V
Os clássicos da sociologia: Karl Marx ..................................................................... 75
1. INTRODUÇÃO...................................................................................................... 77
2. MARX-OMOTORDAHISTÓRIAÉALUTADECLASSES............................................ 78
2.1Marxeaeducação...................................................................................... 82
3. RESUMINDOOTEXTO:DIALOGANDOCOMOALUNO................................................ 85
REFERÊNCIAS..................................................................................................... 88
UNIDADE VI
Pierre Bourdieu - e os horizontes das relações de poder e a noção de habitus ......91
1. INTRODUÇÃO...................................................................................................... 93
2. PIERREBOURDIEU.............................................................................................. 94
2.1Bourdieueanoçãodehabitus...................................................................... 98
3. RESUMINDOOTEXTO:DIALOGANDOCOMOALUNO...............................................100
REFERÊNCIAS....................................................................................................103
UNIDADE VII
François Dubet – sociologia da experiência: uma nova versão da socialização
escolar .......................................................................................................................
105
1. INTRODUÇÃO....................................................................................................107
2. FRANÇOISDUBET–SOCIOLOGIADAEXPERIÊNCIA:UMANOVAVERSÃODA
SOCIALIZAÇÃOESCOLAR.........................................................................................108
2.1Conceitodedesinstitucionalização................................................................109
2.2Sociologiadaexperiência............................................................................111
3. RESUMINDOOTEXTO:DIALOGANDOCOMOALUNO...............................................113
REFERÊNCIAS....................................................................................................116
CONCLUSÃODOSAUTORES.................................................................................119
UNIDADE IV
Os clássicos da sociologia: Max Weber .................................................................. 57
1. INTRODUÇÃO..................................................................................................... 59
2. WEBER:UMAVIAGEMNASOCIOLOGIACOMPREENSIVA........................................... 60
3. ACONTRIBUIÇÃOWEBERIANAPARAAEDUCAÇÃO.................................................. 68
4. RESUMINDOOTEXTO:DIALOGANDOCOMOALUNO................................................ 70
REFERÊNCIAS.................................................................................................... 72
Ementa
Formação e desenvolvimento do pensamentosociológico. Análise dos fundamentos dasociologia da educação, articulando-os com ocotidianoescolar,ofenômenodofracassoescolar,as políticas públicas e suas implicações sociaisnocontextodasociedadetecnológica.
CargaHorária:60horas-aula
DISCIPLINA
SOCIOLOGIA E EDUCAÇÃO
Profª. Ms. Rogéria MartinsProf. Dr. Elias Lins Guimarães
Compreender a teorização sociológica sobre a estruturação da sociedade e o processo de socialização, o qual condiciona e assegura a vida societária.
Apresenta a problematização da relação indivíduo e sociedade, enfatizando as análises da teoria sociológica sobre a reflexão das sociedades capitalistas.M
eta
Objetivo
1 unid
ade
O QUE PERMITE OS INDIVÍDUOS VIVEREM EM SOCIEDADE: FUTURO NO PASSADO
13PedagogiaUESC
Uni
dade
1
UNIDADE I
1 INTRODUÇÃO
Nesta primeira unidade, através de um enfoque
ideográfico e analítico da teoria sociológica, você terá
a oportunidade de perceber as relações e os contextos
socioeconômicos e culturais que condicionam e possibilitam
os indivíduos viverem em sociedade.
14 Módulo 1 I Volume 4 EAD
Sociologia e Educação I o que permite os indivíduos viverem em sociedade: futuro no passado
2 O INDIVÍDUO E A SOCIEDADE
Os seres humanos são sociais,
culturais e socializados. Faz parte de sua
natureza viver na organização social.
Neste sentido, todos nós nascemos em
uma sociedade que desenvolve processos
sociais, a exemplo da socialização, através
dos quais aprendemos os costumes, as
regras, as normas, as convenções sociais,
os padrões sociais que vão, paulatinamente,
permitindo a interação com os demais
membros e com as diversas instituições.
Aos poucos, vamo-nos tornando membros, reconhecendo-nos
como atores sociais e sendo reconhecidos pelos grupos e pela
vida social como um todo.
Você, aluno, vai perceber que diversas são as abordagem
que afirmam a necessidade de os seres humanos viverem
em sociedade, a exemplo do realismo (a sociedade tem uma
existência concreta) e do nominalismo sociológico, (a sociedade
é um mero nome), ou segundo sua
origem, a partir das abordagens dos
naturalistas e a dos contratualistas. A
possibilidade de o ser humano estabelecer
uma vivência longe de qualquer
convívio parece impossível. Entretanto,
deve-se entender, conforme Berger e
Luckmann (2003), que a realidade da
vida cotidiana está organizada em torno
do “aqui” do corpo do indivíduo e do
“agora” do seu presente. Assim, a vida
cotidiana é um mundo intersubjetivo,
isto é, um mundo em que os indivíduos
participam, comunicam, interagem,
inter-relacionam, colaboram com
outros indivíduos e com as instituições
sociais, possibilitando e assegurando
uma frequente correspondência e
interdependência entre os sentidos e
significações (produção humana de
FIGURA 1 - vamos socializar, vamos interagir?
Fonte: http://www.moodle.ufba.br/course/view.php?id=8855
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MK
Socialização é a perspectiva de internalização ou interiorização que cada indivíduo faz das normas, condutas e valores compartilhados com o seu meio social, através das instituições morais: família, escola, comunidade, o direito etc. É um processo social básico que possibilita ao indivíduo introjetar valores, normas, comportamentos, atitudes, condutas que são necessários e fundamentais para a convivência na sociedade. Repare que esse é um conceito que vai atravessar todo o trabalho. Observe bem o que cada autor vai dizer sobre esse conceito. Vários autores, na sociologia, defendem uma construção teórica a esse respeito. Para a educação, esse é um conceito crucial para compreender os fenômenos sociais, uma vez que a escola é uma instituição moral e oferece um tipo de socialização aos indivíduos.
Naturalistas: A sociedade é instituída a partir da conjugação de um simples impulso associativo natural e da cooperação humana, cuja finalidade é obter os meios necessários para a consecução dos fins de sua existência, sejam estes morais, intelectuais ou técnicos. Seus expoentes são Aristóteles, São Tomas de Aquino e Cícero.
Contratualistas: A sociedade é o produto de um acordo de vontades, ou seja, de um contrato tácito celebrado entre os homens. Neste sentido, nega-se o fundamento do impulso associativo natural humano e concebe-se ser a vontade humana a única justificativa para a existência da sociedade. As obras de Thomas Hobbes, em especial a que foi publicada em 1651, intitulada O Leviatã, constituíram o ponto de partida para as ideias contratualistas.
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1sinais – a dança, a linguagem) construídos socialmente.
Antes da criação do campo disciplinar das Ciências
Sociais, várias abordagens foram construídas ao longo da
edificação do conhecimento sobre a formação da sociedade.
Contudo, a sociologia nasce no bojo do empreendimento do
mundo moderno para desenvolver um saber sistematizado
da realidade das sociedades ocidentais capitalistas. O Estado
Moderno exige, em razão de sua complexidade com a divisão
social do trabalho e as relações produtivas, a
necessidade de se produzir um conhecimento
mais exato para conduzir suas decisões sobre o
processo de racionalização do pensamento.
Esse modelo do pensamento racional tem
uma natureza totalitária, diferente de outras
formas de conhecimento que não tenham sido
produzidas, não submetidas aos princípios
epistemológicos (teoria) e às regras metodológicas
(método). Reside aqui uma forma de conhecimento regida pelo
modelo científico. Uma das preocupações entre os pensadores
modernos é essa: estabelecer um elemento fundante da
racionalidade científica mediada pela teoria e pelo método.
Durante muito tempo, as ciências sociais ficaram
submetidas a um modelo de explicação dos fenômenos sociais,
do modelo das ciências naturais. Isso significa que as ideias
presidiam de uma observação e experimentação, baseadas
em explicações genéricas, universais sobre os fenômenos.
Imagine você tentando explicar o fenômeno da violência por
um único aspecto... Você estaria reduzindo a complexidade
do fenômeno. Foi preciso reconhecer a especificidade do ser
humano e sua distinção radical em relação à natureza. Por
isso as ciências sociais, ao longo de sua construção do campo
disciplinar, reivindicam um postulado próprio de produção de
um conhecimento social, construindo seu próprio paradigma
científico.
2.1 Socialização - relação do indivíduo com o meio
Sendo o humano um ser eminentemente social, é
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Racionalização do pensamento é
estabelecer um conhecimento pautado em
técnicas racionais – mediadas por um corpo
teórico e por uma metodologia apropriada
para verificação do objeto a ser investigado.
O que faz as ciências sociais produzirem um
conhecimento científico é a explicação racional
do comportamento da sociedade, segundo
sua validação teórica e metodológica. Isso
a diferencia do conhecimento científico, do
conhecimento do senso-comum ou, como
alguns chamam, dos estudos humanísticos.
16 Módulo 1 I Volume 4 EAD
Sociologia e Educação I o que permite os indivíduos viverem em sociedade: futuro no passado
inerente a própria natureza humana a capacidade e a tendência
de agrupar-se, de unir-se aos seus semelhantes e conhecer
as estruturas socioeconômicas, as conveniências e convenções
sociais que têm importância para si e para os outros, mantendo
mútuas e constantes relações de colaboração e de dependência.
Entretanto, apesar de a vida humana decorrer dessa capacidade
de convivência, vale salientar que o ser humano ocupa um lugar
diferenciado no reino animal. Ao inter-relacionar-se com o meio
ambiente, transforma-o, adequando-o as suas necessidades,
imprimindo, através do trabalho, sentido e significado ao seu
fazer, criando cultura.
A concepção marxista, que será apresentada e discutida
adiante, é um exemplo de composição societária. Afirma que a
sociedade é uma estrutura composta de partes interdependentes
e contraditórias, em constante movimento e transformação,
não se constituindo através de um processo evolutivo, mas
mediante rupturas socioeconômicas, políticas e culturais no
seu contexto.
Autores clássicos da sociologia e também alguns mais
contemporâneos vão se debruçar sobre a explicação dessa
relação entre indivíduo e sociedade. Para Durkheim, por exemplo,
a sociedade é um todo organizado, tal como os organismos
vivos – veja a semelhança dos fenômenos da natureza com os
fenômenos sociais que o autor coloca. Esse autor ainda está
preso a um paradigma de explicação baseado no paradigma
das ciências naturais. E o que vai estabelecer a relação entre
a sociedade e os indivíduos é a coesão social, no sentido de
fazer a sociedade funcionar. A sociedade não é um somatório
de indivíduos porque ela tem regras próprias de funcionamento
que se diferenciam das consciências individuais. Os indivíduos
têm consciência própria, mas a consciência coletiva está acima
de sua consciência individual e, por isso, a sociedade exerce
uma coerção social sobre os indivíduos.
Parsons é outro que chama atenção para essa relação
entre indivíduo e sociedade. Segundo este autor, é a partir de
um sistema que os indivíduos vão encontrar as respostas para
suas necessidades, seja em relação ao sistema cultural, seja em
relação ao social ou à personalidade. E os componentes para
o funcionamento da sociedade são estabelecidos pelos papéis
que cada um desempenha na sociedade. Por exemplo: você,
Cultura é a capacidade que o homem tem de transformar o meio e adequá-lo às suas necessidades. Está ligada à capacidade humana de trabalhar. Neste processo, geram produtos materiais (equipamentos, má-quinas e utensílios) e intelectuais (ideias, valores, sistemas filosóficos, jurídicos, éticos, que orientam as normas e os comportamentos so-ciais).
Contradição entre forças produtivas e relações de produção. Por forças produtivas, entende-se a ação dos indivíduos sobre a natureza; grau de d e s e nvo l v i m e n t o da técnica e das tecnologias; proces-sos de cooperação entre os indivíduos; modos de divisão do trabalho; habilidades; c o n h e c i m e n t o s ; instrumentos. Por relações de produção, c o m p r e e n d e - s e o modo como os homens se organizam para produzir e se inteirar com outros homens.
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1enquanto indivíduo, desempenha vários papéis na sociedade:
papel de profissional, de pai, de filho etc.
Costumam identificar estes autores, Durkheim e Parsons,
como funcionalistas, pela organicidade que vislumbram na
sociedade e nas relações sociais.
Nobert Elias já trabalha com uma perspectiva mais
diferenciada. Ele diz que a sociedade é formada por indivíduos
e essa relação é associável. A relação é dinâmica, relacional,
fundindo-se, refundindo-se, numa contínua integração social.
Essa relação mútua, tensa e dinâmica entre os indivíduos
configura o fenômeno da individualização.
Como você está percebendo, a sociedade é um sistema
complexo com várias possibilidades de compreensão. Como
afirma Charon (2000), ela situa cada indivíduo e grupos,
define, elabora e distribui posições sociais, atribui papéis e
status sociais, assegura e suprime poder, privilégio e prestígio,
construindo e distribuindo identidades e perspectivas.
Entretanto, a existência humana é contraditória. As
relações humanas são complexas demais e o mundo nos
é apresentado em múltiplas realidades as quais, muitas
vezes, requerem grande esforço para sua compreensão. As
mesmas forças que trazem a individualização podem trazer a
impessoalização. Da mesma forma, os conflitos entre indivíduo
e sociedade estão sempre presentes.
Procurando atender suas necessidades e anseios,
os indivíduos unem-se, estabelecem laços de cooperação,
relacionam-se por meio de vínculos das mais variadas naturezas:
econômicos, políticos, culturais, familiares, religiosos etc. Na
sociedade, um conjunto de normas de controle social (morais,
religiosas, comportamentais, jurídicas) orienta condutas
e comportamentos, possibilitando ao homem estabelecer
formas de relações sociais. Contudo, também traz consigo a
possibilidade da criação de inúmeras limitações e interdições
que, em certos momentos e determinados lugares, são de tal
modo numerosas e frequentes que chegam a afetar seriamente
a própria liberdade humana.
Você deve perceber que a sociedade em si é dinâmica
e constitui-se num contexto amplamente complexo e que,
portanto, requer várias interpretações. Através do presente
estudo, busca-se conceituá-la, explicar seu surgimento, sua
A visão funcionalista ancora-se na analogia do corpo social a partir do corpo humano, ou seja, assim como este é constituindo de partes heterogêneas, diferentes, mas interdependentes, a sociedade é constituída de instituições com diversas e diferentes funções, que procuram manter o equilíbrio, a harmonia, a coesão social. Quando ocorre uma disfunção no corpo social, assim como no corpo humano, precisa ser imediatamente corrigida para que não comprometa o funcionamento e a organicidade do todo.
Nobert Elias chama esse processo de indiv idual ização uma dinâmica entre a sociedade e os indivíduos, que ocorre de diferentes formas em cada sociedade e em cada tempo histórico, como modos e ritmos diferenciados formados por modos particulares. Por isso, não é possível, segundo o autor, generalizar como em cada sociedade essa relação será produzida e constituída. A sociedade produz o indivíduo, na qual este se molda em contínua ação com outros indivíduos.
18 Módulo 1 I Volume 4 EAD
Sociologia e Educação I o que permite os indivíduos viverem em sociedade: futuro no passado
evolução e a classificação das diversas formas de sociedades
que foram surgindo paulatinamente com a evolução humana.
3 RESUMINDO O TEXTO: DIALOGANDO COM O ALUNO
A existência humana passa por um acúmulo de
experiências sociais que alimenta um ponto de vista científico,
a observação e a explicação dos fenômenos sociais. Isso quer
dizer que o homem é o objeto de indagações sociológicas, que
foram manifestando consistência científica somente no mundo
moderno, graças à expansão e à extensão dos princípios e do
método da ciência.
Segundo Inkeles (1980, p. 106),
[...] essas são as condições a que qualquer unidade social deve satisfazer, a fim de que a vida se mantenha e continue através das gerações. As maneiras pelas quais essas exigências preliminares são satisfeitas representam o que é caracteristicamente ação social, comparada com o que é humano, mas não pode ser distinguido do comportamento de outros animais. Ao resolver seus problemas básicos de existência, o homem cria uma série de padrões de ação que são as formas básicas de organização social. Tais formas vão desde os costumes mais simples, tais como as que governam cumprimentos e despedidas, passam por unidades de complexidade, completude e tamanhos intermediários, tais como comunidades e culminam na sociedade autossuficiente.
Como você pode perceber, o autor está analisando
sobre a relação indivíduo e sociedade, na qual existe um
padrão característico entre indivíduos que se assemelham e se
aglutinam. Ressalta, ainda, que
[...] onde quer que exista vida social, existe um padrão característico de repouso e recreação, algum desenvolvimento de artesanato, a arte, certa forma de religião que se exprime em um conjunto específico de idéia ou mitos, e freqüentemente, em ritual bem complexo (INKELES, 1980, p. 109).
O processo social denominado socialização é uma
discussão clássica na sociologia, mormente as pessoas são
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1sociais, ou seja, tendem à vida gregária, à associação humana
e dela necessitam. No decorrer da vida, a pessoa humana
aprende, introjeta, assimila os elementos socioculturais do seu
meio, o que Simmel vai chamar de “ato de entrar em relação
social” (SIMMEL apud BOUDON; BORRICAUD, 1993).
Através da linguagem cinematográfica, a exemplo do
filme “O enigma de Kaspar Hauser”, você entenderá como a
pessoa humana, ao privar-se do convívio social, isto é, viver
o isolamento social, encontra dificuldade para constituir a
estrutura de sua personalidade, constituindo-se naquilo que os
sociólogos denominam homo ferus – seria uma produção de
um indivíduo não socializado, um homem criado isoladamente
ao mundo social. 4 SUSCITANDO QUESTIONAMENTOS: VAMOS
PESQUISAR E REFLETIR
Você deverá ler os fragmentos de textos abaixo e, em
seguida, responder as questões:
O processo por meio do qual o indivíduo aprende a ser membro da sociedade é designado pelo nome de socialização. O mesmo revela uma série de facetas diversas. Vista sob este ângulo, a socialização é a imposição de padrões sociais à conduta individual [...]. Conclui-se que na biografia do indivíduo a socialização, especialmente em sua fase inicial, constitui um fato que reveste dum tremendo poder de constrição e duma importância extraordinária [...]. Dependem não apenas das características individuais dos adultos que cuidam da criança, mas também dos vários grupamentos a que pertencem esses adultos. Assim, por exemplo, a natureza dos padrões de conduta aplicados a uma criança depende não somente do fato de ser a mesma um gustil ou um americano, mas também da circunstância de pertencer à classe média ou à classe operária dos Estados Unidos (MARTINS; FORACCHI, 1977, p. 204).
Segundo, ainda, estes autores,
[...] o caráter absoluto com que os padrões sociais atingem a criança resulta de dois fatores simples: o grande poder que os adultos exercem numa situação como aquela em que se encontra a criança
20 Módulo 1 I Volume 4 EAD
Sociologia e Educação I o que permite os indivíduos viverem em sociedade: futuro no passado
e a ignorância desta sobre a existência de padrões alternativos [...]. Só posteriormente a mesma descobre que existem alternativas fora desse mundo familiar, que o mundo de seus pais é relativo no tempo e no espaço e que padrões diferentes podem ser adotados. Só então o indivíduo toma conhecimento da relatividade dos padrões e dos mundos sociais (MARTINS; FORACCHI, 1977, p. 205).
ATIVIDADES
1 - Estabeleça uma relação entre socialização e controle social.
2 - Descreva sobre a diferença dos conceitos de indivíduo e sociedade (procure num Dicionário de Sociologia) e apresente duas versões teóricas sobre esses conceitos.
FILME RECOMENDADO
O ENIGMA DE KASPAR HAUSER (Jeder für und Gott gegen alle) Direção: Werner Herzog. Elenco: Helmut Döring, Bruno S, Walter Landengast e outros. Ano de Produção: 1974. País de produção: Alemanha. Duração: 109 min.
Trata-se do caso verídico de um adolescente que é encontrado, em 1828, no meio de uma praça em Nurenberg, trazendo consigo uma carta. Sujo e imóvel, chama a atenção dos transeuntes, até que as autoridades o recolhem. Herzog nos mostra como a experiência social da pessoa humana está condicionada ao contato, ao convívio, enfim, ao processo de socialização, condição fundamental para a construção das identidades psicológicas e social do ser humano.
Capa de DVD do filme: O Enigma de Kaspar Hauser
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1
RE
FE
RÊ
NC
IAS BERGER, Peter; LUCKMANN, T. A construção social da
realidade. Petrópolis: Vozes, 2003.
BOUDON, R.; BOURRICAUD, F. Dicionário Crítico de Sociologia. São Paulo: Ática, 1993.
CARDOSO, F. H.; IANNI, O. Homem e Sociedade: leituras básicas de sociologia geral. São Paulo: Nacional, 1973.
CHARON, Joel M. Sociologia. São Paulo: Saraiva, 2000.
INKELES, Alex. O que é Sociologia? São Paulo: Pioneira, 1980.
MARTINS, Jose de Souza; FORACCHI, Marialice M. Sociologia e Sociedade. São Paulo: Livros Técnicos e Científicos, 1977.
Suas anotações
________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________
Oportunizar ao aluno a compreensão do surgimento da sociologia no âmbito dos conflitos e das desigualdades sociais nas sociedades modernas.
Problematiza o pensamento moderno, as transformações socioeconômicas, políticas e culturais advindas com a Revolução Industrial e a sedimentação do capitalismo nas sociedades ocidentais.M
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Objetivo
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ENTRANDO NO MISTERIOSO NOVO MUNDO: MODERNIZAÇÃO E SURGIMENTO DA
SOCIOLOGIA
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UNIDADE II
1 INTRODUÇÃO
Nesta unidade, você conhecerá a dinâmica do processo de
modernização das sociedades ocidentais e a efetiva discussão
sobre a produção do conhecimento racionalizado da reflexão
sociológica.
26 Módulo 1 I Volume 4 EAD
Sociologia e Educação I Eentrando no misterioso novo Mundo: modernozação e surgimento da Sociologia
2 CONTEXTO HISTÓRICO DO SURGIMENTO DA
SOCIOLOGIA COMO CIÊNCIA E COMO DISCIPLINA
ACADÊMICA
O termo modernização, segundo a Comissão Gulbenkian,
é uma resposta intelectual às ciências nomotéticas, que a ciência
moderna acabou desenvolvendo, em razão da impossibilidade
de analisar as sociedades ocidentais pela generalização da
explicação sobre as sociedades.
Nomotéticas é um termo, no paradigma científico,
voltado para explicar os fenômenos a partir de leis universais,
que precede de uma explicação objetiva, lógica e genérica
sobre fenômenos sociais. Essas universalidades estão ligadas,
sobretudo, a uma perspectiva das sociedades ocidentais,
porque esse era o conhecimento até então produzido na ciência
moderna. Quando o sistema-mundo se lançou a descobertas
de outras formas de organização societária (lembre-se dos
países que se lançaram ao mar e se depararam com outros
povos e outras sociedades...), identificou-se por sociedades
não ocidentais. Ora, se as explicações das análises sobre as
sociedades até então produzidas (lembre-se das formulações
teóricas do período iluminista) foram constituídas para uma
versão de organização societária ocidental, suas formulações
teóricas não poderiam ser aplicadas em sociedades do tipo não
ocidental. As leis gerais sobre a sociedade não serviriam como
parâmetro para analisar essas novas sociedades. Chegava-se
num impasse intelectual. Como explicar, no modelo científico,
as análises das sociedades não ocidentais?
A saída foi considerar que essas sociedades não ocidentais
estavam em posição de atraso em relação às sociedades
ocidentais e, por isso, deveriam processar uma dinâmica de
modernização para alcançarem o status social das sociedades
ocidentais. Modernização, então, seria essa capacidade de
superação de um modelo societário para outro modelo. Exemplo:
uma sociedade tradicional para uma sociedade moderna;
sociedade religiosa para uma sociedade secularizada; sociedade
estagnada para uma sociedade dinâmica etc.
Pode ser descrito como um estilo, uma maneira de pensar
e de se situar no mundo, associado a uma forma de organização
social desenvolvida na Europa a partir do século XVII. Como
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período histórico, não pode ser conceituado através de uma
única concepção ou entendimento. Em verdade, vincula-se a um
ideário ou visão de mundo que está relacionado ao projeto de
mundo moderno, empreendido em diversos momentos ao longo
da Idade Moderna e ligado às necessidades e consequências
da Revolução Industrial, isto é,
relacionado com o desenvolvimento do
capitalismo que, conforme Max Weber, é a
união da disciplina racional e do desejo do
lucro. Caracteriza-se como uma tentativa
de ruptura e superação do passado.
Neste sentido, vamos descortinar
esse misterioso mundo novo, fato
este que irá ajudar você, aluno, a
compreender o pensamento moderno e
o surgimento da Sociologia, ciência esta
concebida por muitos como a ciência
da crise. Considerando que qualquer
processo de mudança implica em crise,
observando que você está alimentando
um movimento de rupturas, saindo de
um modelo societário e em direção ao
outro, isso implica numa sistematização
dos conhecimentos produzidos. E onde
essa sistematização irá se consolidar?
Nas instituições de ensino...
O espírito do tempo moderno, da modernização, é, sem
dúvida, expresso, por um lado, pelas profundas transformações
sociais, econômicas e políticas que ocorreram, sobretudo,
ligadas às mudanças no ritmo de vida dos indivíduos e das
sociedades (a máquina como modelo para o ritmo de vida), ao
processo de alienação do homem (tentativa de transformação do
homem em ‘máquina’), a insurreição das classes trabalhadoras
(organização em sindicatos e participação em revoluções); e,
por outro, pela busca do desenvolvimento que, paulatinamente,
consolidam a Época Moderna.
O pensamento da época moderna colocou, no centro,
a noção de indivíduo, o livre uso da razão e sua consequente
autonomia em relação aos entraves que o impediam de escolher
e de seguir por si próprio a sua trajetória, livre do dogmatismo
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A Revolução Industrial consistiu em um conjunto de mudanças tecnológicas com profundo impacto no processo produtivo em nível econômico e social. Iniciada na Inglaterra, em meados do século XVIII, expandiu-se pelo mundo a partir do século XIX. Significou algo mais do que a introdução da máquina a vapor. Ela representou o triunfo da indústria capitalista e a divisão social do trabalho, que foi pouco a pouco concentrando as máquinas, as terras e as ferramentas sob o seu controle, transformando as relações sociais e dando uma complexidade ao corpo social na mediação entre força de trabalho por trabalhadores e meios de produção – fábricas e empresas.
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AAC
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FIGURA 1 - Fonte: http://www.ensp.unl.pt/lgraca/history_cars_jakob_hi-
ghres.jpg
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Sociologia e Educação I Eentrando no misterioso novo Mundo: modernozação e surgimento da Sociologia
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Costumam ser definidos os seguintes fa-tores que contribuíram para a eclosão da Época Moderna: o desenvolvimento e a intensificação das descobertas cien-tíficas, assim como a autonomização e a fragmentação das ciências, a partir de métodos de observação e de experimen-tação sistematicamente conduzidos; o in-cremento e a aceleração dos processos de invenção técnica; a invenção da imprensa por Gutenberg (1440); os ideais críticos do livre exame, implementados pela Re-forma e o movimento de reformulação do catolicismo, a partir do Concílio de Tren-to (1545-1549, 1551-1552, 1562-1563); o incremento das viagens marítimas que conduziram à descoberta dos povos do Novo Mundo, de que se destacam a desco-berta da América, por Cristóvão Colombo (1492), e a descoberta do caminho maríti-mo para a Índia, por Vasco da Gama.
religioso de uma sociedade religiosa e de uma
predeterminação pelos extratos sociais – a
definição social dos indivíduos a partir de sua
origem social. É marcado pela ruptura com
a tradição e ocorreu na medida em que os
fundamentos e a legitimidade da experiência
tradicional de pensar e organizar a vida
em sociedade, bem como os valores e as
normas, começaram a perder a sua natureza
indiscutível e deixaram, por conseguinte, de
se impor a todos com obrigatoriedade, ou
seja, uma razão de ser.
Perceba que, ao romper com a ordem
e o pensamento medieval, fundamentados
nos costumes e na tradição que ‘escondiam’ o
mundo, a modernização, através do progresso
e do desenvolvimento científico, procura
eliminar as incertezas, a imprevisibilidade e a indeterminação.
Bauman (1999) concebe que também o ser humano, neste
movimento de ambivalência, foi tomado como objeto a ser
moldado pela racionalidade científica e técnica e também pela
racionalidade jurídica.
A ambiguidade é inseparável de toda existência humana,
e, por isso mesmo, a modernização reúne, e não poderia deixar
de reunir, eventos aparentemente opostos e contraditórios,
pois é, ao mesmo tempo, passado e presente. Esse movimento
é extremamente importante para que possamos compreender
os fenômenos sociais da atualidade.
Vivemos um grande dilema em relação aos contrastes
e ambiguidades de nossa época que se expressam nos
surpreendentes avanços científicos, tecnológicos, midiáticos,
em contraste com as desigualdades e exclusão social de grande
parte da população; na fragmentação dos grandes sistemas
explicativos, a exemplo do fordismo, do marxismo, os quais,
durante muito tempo, foram estruturantes da verdade e que,
atualmente, não respondem satisfatoriamente às emergentes
indagações no desafio de conviver com a diferença e a diversidade
em contraposição ao monoculturalismo; com a construção
de múltiplas identidades e com a desconstrução de modelos
eurocêntricos, falocêntricos; com a ambiguidade constante
VOCÊ SABIA?
Segundo Bauman (2001), a modernização é a era em que, na vida social, impera a ideia da existência do indivíduo e do individualismo, assegurando uma significativa autonomia em relação à vida comunitária e social. Neste sentido, “a apresentação dos mem-bros como indivíduos é a marca registrada da sociedade moderna” (p. 39).
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entre o que consideramos novo, ancorado ou trazendo dentro
dele parte do velho de difícil identificação e o velho anacrônico
e ultrapassado.
Conforme Eder (2002), o processo de racionalização da
sociedade moderna é resultante de uma dupla produção de
cultura, isto é, de processos de aprendizagem que instituem
práticas simbólicas que tentam mobilizar o universo de discurso,
a fim de legitimar as distribuições de poder e posições e de
práticas sociais que legitimam as diferenças de classes que
institucionalizam seus interesses no ato de legitimar posições e
deslegitimar outras.
Neste sentido, concebe o autor que a referida
racionalização é resultado das lutas entre as classes sociais
e que estas lutas são dependentes dos processos coletivos
de aprendizagem necessários para reproduzir as condições
culturais de sua existência.
Você, aluno, vai perceber que o resultado dessas
mudanças, no âmbito do pensamento e das técnicas e tecnologias,
condicionou a proliferação de diversas abordagens no plano do
pensamento teórico. Nessa tentativa de compreender, explicar
e interpretar as mudanças sociais nas sociedades modernas,
é que buscamos conceitos e categorias de modo a facilitar a
compreensão da realidade social.
Enfim, quando olhamos para esse quadro, percebemos
que, ao lado das mudanças edificantes, no sentido de trazerem
avanços consideráveis para boa parte da população, nos
deparamos com um conjunto de situações gravíssimas que
exigem uma nova abordagem, um novo enfoque ou as nossas
perspectivas futuras não serão nem um pouco acalentadoras.
2.1 A questão social e o surgimento da Sociologia
A Sociologia surgiu precisamente como alternativa
crítica a essa concepção de vida social. Ao longo do século
XIX, os intelectuais franceses concordavam que a ordem social
estava ameaçada de dissolução pelo crescimento nocivo do
individualismo. Para eles, a sociedade encontrava-se à beira de
um colapso. Na forma de resposta acadêmica para um desafio
ATENÇÃO
Weber identifica a racionalidade do modo moderno em torno do universo simbólico, do discurso político e do discurso científico.
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Sociologia e Educação I Eentrando no misterioso novo Mundo: modernozação e surgimento da Sociologia
da modernidade, configura-se como uma ciência que procura
explicar a crise social vivenciada pelos indivíduos e pelas
sociedades europeias. Concebe-se que a Sociologia é a ciência
da crise e da ambivalência e que as mudanças e transformações
nas estruturas produtivas e nas mentalidades sedimentaram-
se através da Revolução Industrial e da Revolução Francesa.
Os antecedentes intelectuais e materiais da Sociologia
não têm consenso na literatura da área. Segundo o Relatório
Gulbekian (1993), as Ciências Sociais nascem com a preocupação
de analisar a realidade, as contradições produzidas pelos
contradições capitalistas, na convergência entre as disciplinas
de história, economia, sociologia, ciência política e antropologia.
Já segundo o Relatório de GusGinsberg apud Bottomore
(1981, p. 16), a Sociologia tem origem “na Filosofia Política,
na Filosofia da História, nas teorias biológicas da revolução e
nos movimentos para reforma social e política que julgaram
necessário empreender levantamentos das condições sociais”.
Na medida em que a sociedade se encontrava em processo
de crise, o que implicava na estruturação de um contexto de
anomia social, segundo a leitura de Durkheim (ausência de
normas, desregramento, inobservância das normas), havia
necessidade de se empreender uma observação científica da
sociedade, ou seja, empreender análises, realizar diagnósticos
possíveis e passíveis de funcionarem como ‘remédios’ para a
cura dos males sociais. Para tanto,
haveria que se descobrir as normas,
as leis que regem a sociedade e
concebê-la como um organismo
vivo.
A mudança social exigia
organizar e racionalizar esse processo
de mudança, impunha estudá-la e
entender as regras societárias que
lhe subjaziam. De 1500 a 1850, já
havia muita produção do que se
denominou chamar ciências sociais.
Beccaria já falava em desvio social
entre os fisiocratas franceses e
iluministas. Nesse sentido, há a
criação de múltiplas disciplinas das
PARA
REF
LETI
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Filosofia política - a influência dos pensadores políti-cos, a exemplo de Montesquieu. Conforme Bottomore (1981), as contribuições da Filosofia da História à So-ciologia assentam-se no aspecto filosófico, as noções de progresso e desenvolvimento, e, no aspecto cientí-fico, os conceitos de períodos históricos e tipos sociais. Teorias biológicas da revolução - tentativa de explicar as fases da evolução social a partir da teoria biológica da evolução (evolucionismo social, darwinismo social). O levantamento social, segundo Bottomore, em si mesmo teve duas fontes: o problema social (a questão da pobreza), oriundo da compreensão de que, nas so-ciedades industriais, já não era um fenômeno natural, um castigo da natureza ou da providência divina, mas o resultado do processo excludente da natureza do ca-pital e da exploração humana. A outra foi a convicção de que os métodos das Ciências Naturais poderiam ser aplicados aos estudos da problemática, dos fenômenos humanos e que estes poderiam ser medidos e classifi-cados, como expressão do conhecimento.
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ciências sociais. Inicialmente as ciências sociais eram chamadas
de ciências do estado, englobando a Economia, a História, a
Sociologia, a Antropologia e a Ciência Política. Posteriormente,
a economia e a história criaram autonomia própria em seus
campos disciplinares e as ciências sociais seguiram sua
projeção, preocupadas com as consequências no processo de
modernização das sociedades.
Certamente você, aluno, está se inteirando de que, na
concepção sociológica, existem diversas abordagens teórico-
metodológicas e diferentes caminhos para interpretação da
realidade social. Plasmada nas concepções de autores clássicos,
a abordagem sociológica, na busca da compreensão das
maneiras como a sociedade se estrutura e funciona, pautou-se
na concepção positivista-funcionalista (Auguste Comte, Émile
Durkheim). Essas concepções tentam explicar a sociedade
mediante uma abordagem sistêmica, ou seja, consideram que
a sociedade é como um corpo humano e que todos os órgãos
estão integrados. Através de uma fundamentação analítico-
evolutiva, procura descobrir as normas, as leis que regem a
sociedade, ensejando que a mesma encontre uma ordem
para atingir o progresso. Ou seja, que os problemas advindos
no interior da sociedade são desvios sociais que devem ser
resolvidos a partir de uma superação para etapas sociais mais
evoluídas. Essa perspectiva analítica, embora tenha sido muito
difundida, é considerada atualmente muito polêmica. Primeiro,
por trabalhar com uma abordagem evolucionista e, outra, por
desconsiderar outros elementos que atuam na configuração
social para além dos domínios das instituições sociais.
Já a Sociologia compreensiva (Max Weber), ancorada na
análise histórica e na compreensão qualitativa dos processos
históricos e sociais, distingue o conhecimento científico dos
julgamentos de valores, combinando explicação e compreensão.
A explicação histórica estrutural-dialética (Karl Marx e
Friederich Engels) defende a dinâmica dos modos de produção,
as relações de poder e dominação e, especificamente, analisam
o desenvolvimento do capitalismo, suas contradições e sua
superação na perspectiva da construção da utopia marxista
- a da superação do modelo de sociedade capitalista para a
sociedade socialista.
Você deve notar que todo processo de construção de
Utopia, na concep-ção marxista, é a possibilidade de se alcançar, através de transformações e mudanças estru-turais, outra socie-dade, mais justa, democrática, mais igualitária, sem a exploração do homem pelo homem e não simplesmente algo inatingível, ir-realizável.
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Sociologia e Educação I Eentrando no misterioso novo Mundo: modernozação e surgimento da Sociologia
conhecimento envolve interesses, racionalidades, ações e se
reporta à realidade. Neste sentido, as concepções e as análises
dos autores clássicos contribuíram, decisivamente, para a
formação e desenvolvimento da Sociologia como ciência e
disciplina acadêmica, bem como para a base de quase todas as
abordagens sociológicas posteriores.
No âmbito das ciências sociais, a Sociologia é relativamente
uma ciência nova. Diante das crises e transformações sociais,
econômicas, políticas e morais que grassavam nas sociedades
europeias e com a emergência do capitalismo, enquanto modo
de produção dominante, os homens começaram a postular
algumas questões: por que, no capitalismo, que tinha como
base o lucro, a riqueza, o progresso e o desenvolvimento,
exacerbava-se a questão social, isto é, a questão da pobreza?
De que forma as raízes das desigualdades entre os homens são
afirmadas a partir da lógica da organização do trabalho e da
produção capitalista? Como a racionalidade capitalista, pautada
no lucro e na disciplina racional, constitui historicamente o
capitalismo? Como poderiam ser interpretadas as modificações
nas concepções de vida social que o capitalismo provocou?
Bom, você deve estar notando que estavam plantados
questionamentos sobre a estruturação da realidade social
carente de uma explicação científica. O mundo estava
desencantado pela ciência, como afirmava Weber, e já não
se constituía uma explicação convincente aquela fatalista que
imperou na estrutura mental da sociedade medieval: sejais
pobres porque somente os pobres alcançam o reino do céu.
Ou seja, a pregação do conformismo como uma estratégia de
controle, de subjugação, de dominação de estamentos que
detinham o poder político, econômico e religioso.
Como você viu anteriormente, a Sociologia, nas
concepções dos filósofos sociais (Auguste Comte, Spencer), dos
filósofos e historiadores (Abade de Saint- Pierre, Giambattista
Vico, Saint-Simon, Hegel, Ferguson, que ainda não poderiam
ser considerados como cientistas sociais na acepção do termo
que modernamente empregamos), pretendeu, segundo
Bottomore (1981, p. 20-21), ser enciclopédia. Desejou dar
conta de toda a realidade social, ocupar-se da totalidade da
vida social do homem e da totalidade histórica, sob a influência
da Filosofia da História, reforçada pela teoria biológica da
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evolução, evolucionista; ciência positiva de caráter idêntico ao
das Ciências Naturais (modelada segundo a Física, a Biologia).
E isto se “evidencia pela concepção amplamente difundida da
sociedade como um organismo vivo”; e, por último, uma ciência
da nova sociedade industrial (“caráter ideológico e científico”),
com um objeto formal de estudo, como todas as ciências na
acepção positivista.
2.2 Afinal, para que serve a Sociologia?
É lugar comum afirmar que a Sociologia tem como
objeto de estudo a sociedade, fato este que não se constitui
uma inverdade. Entretanto, vale ressaltar que as ciências
denominadas, hoje, de humanas, sociais aplicadas, bem como
aquelas que estabelecem interfaces com a vida social, se ocupam
da problemática societária, da vida social. O fundamental é
que você, aluno, perceba que, no desenvolvimento teórico e
metodológico, os sociólogos criaram conceitos mais precisos e
categorias de análises, bem como classificações mais adequadas
para se interpretar os fenômenos sociológicos, que não devem
ser entendidos como meros fatos sociais, mas concebidos
dentro de um contorno, de uma moldura, que proporcionem
explicações e análises indispensáveis para a compreensão,
generalização e resolução de problemas que a vida social
FIGURA 2 - Interações Sociais.
Fonte: UAB/UESC. Ilustração: Sheylla Tomás
A Sociologia é uma disciplina científica e acadêmica que utiliza o cabedal teórico-metodológico para explicar de dentro de seu postulado epistemológico a realidade social. Através de uma técnica de explicação racional do pensamento social, tenta analisar o comportamento humano numa dada organização societária. Compreende que os seres humanos são seres sociais que estabelecem e vivenciam processos, padrões, conflitos sociais diferenciados e em tempos históricos definidos.
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Sociologia e Educação I Eentrando no misterioso novo Mundo: modernozação e surgimento da Sociologia
apresenta e a sociedade demanda.
Você, aluno, deve estar se perguntando: para que serve
a Sociologia? Em que ela poderá contribuir para você enquanto
indivíduo e para a compreensão da sociedade? Conforme
Charon (2000, p. 220), devemos considerar o seguinte:
• “ela prepara o indivíduo para diversas ocupações,
ensinando técnicas de pesquisa social, dando ao estudante
sensibilidade para os padrões das organizações e das
interações...”
• “a Sociologia pode ser aplicada à vida da pessoa. Ela ajuda
a entender por que os que estão a sua volta atuam de
determinadas maneiras; a compreender sua própria
identidade, pensamento e ação”.
• “a Sociologia é libertadora; é um passo em direção a termos
mais controle sobre nossa vida... A perspectiva sociológica
revela, no mínimo, ao indivíduo a cultura e a natureza da
sociedade...”
Enfim, você viu que a Sociologia é uma ciência que tem
como objetivo o estudo dos fenômenos sociais, utilizando-se de
métodos, técnicas e conceitos que possibilitam a compreensão
e a interpretação do social.
3 RESUMINDO O TEXTO: DIALOGANDO COM O ALUNO
O texto elenca a construção do campo disciplinar da
Sociologia como uma referência de explicação da complexidade
das sociedades ocidentais. A exigência de um saber
sistematizado e racionalizado sobre as contradições do sistema
capitalista projetam uma necessidade de se compreender o
comportamento humano no âmbito das relações societárias.
O processo de modernização, como dinâmica comparativa
entre as sociedades ocidentais e não ocidentais e a discussão do
paradigma científico como modelo interpretativo na produção
do conhecimento conduzem à necessidade de novas categorias
analíticas para compreender a realidade. Nesse processo de
mudança social, configuram-se novas formas de racionalização,
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lógicas de pensamento que empreendem a entender as regras
que subjazem a estrutura das organizações societárias.
Sociologia é uma disciplina de análise reflexiva que
utiliza o cabedal teórico-metodológico para explicar, de dentro
de seu postulado epistemológico, a realidade social. Através de
uma técnica de explicação racional do pensamento social, tenta
analisar o comportamento humano numa dada organização
societária. Compreende que os seres humanos são seres sociais
que estabelecem e vivenciam processos, padrões, conflitos
sociais diferenciados e em tempos históricos definidos.
Seus instrumentos teóricos e metodológicos constituem
uma compreensão da sociedade e ajudam a analisar o processo
educativo, como prática das relações humanas, preenchidas de
interesses, de incorporações culturais e de legados históricos,
correspondentes a sua manifestação na contemporaneidade.
4 SUSCITANDO QUESTIONAMENTOS: VAMOS PESQUISAR E REFLETIR?
O saber científico e o uso social são elementos-chave para
os sociólogos, mediados pelo patrimônio teórico e metodológico
e reconhecidos no campo das ciências sociais, uma vez que a
sociologia corresponde a um processo histórico de construção
social.
Como afirma Canário (2005, p. 32), desde o início da
modernidade,
[...] a ação social tende a ser percebida como contida numa fronteira natural, definida pelas fronteiras de cada Estado Nacional. Esse tipo de percepção condiciona a forma de organizar o conhecimento do social, o que permite caracterizar as ciências sociais e a sociologia, em particular, como disciplinas ‘estadocêntricas’, correspondendo à visão simplificada de uma realidade em mutação rápida.
Perceba que o conhecimento produzido pela Sociologia é
um conhecimento metodologicamente controlado, ao observar
um distanciamento com o senso comum, negativamente
marcado pela familiaridade com o social.
De acordo com Castel (2002, p. 33),
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Sociologia e Educação I Eentrando no misterioso novo Mundo: modernozação e surgimento da Sociologia
[...] a dificuldade de definir, com clareza e sem ambigüidades, o que é a sociologia, liga-se a uma outra questão que é complemento desta e, igualmente, incômoda: a de saber para que serve a sociologia. Como qualquer outra atividade científica, a sociologia retira a sua pertinência do modo como se inscreve e relaciona com o meio ambiente social em que está inserida. Neste sentido, todo o trabalho de investigação sociológica representa uma resposta, direta ou indireta, a uma ‘procura’ social. Esta procura não significa, de modo algum, circunscrever o trabalho dos sociólogos a uma função instrumental relativamente a encomendas do poder, significa que os sociólogos constroem os seus objetos científicos, a partir de interrogações que têm, como ponto de partida, interrogações mais gerais do ponto de vista social. Nesta perspectiva existem questões que, porque são percebidas como perturbadoras da vida social, apelam à atenção das pessoas comuns, bem como à dos sociólogos, e constituem-se como ‘configurações problemáticas’ para as quais o sociólogo, através do seu trabalho específico, procura construir uma resposta.
Nesta mesma linha de pensamento, Bourdieu (1997, p.
49) concebe que
[...] o primeiro ato de uma ciência social realmente científica consistirá em tomar como objeto de análise a construção social dos objetos de estudo propostos pelas instâncias estatais à sociologia – é o caso, hoje, por exemplo, da delinqüência, dos bairros da periferia, da droga.
SUSCITANDO QUESTIONAMENTOS:VAMOS PESQUISAR E REFLETIR?
ATIVIDADE
1. A partir dos comentários acima, explique como esses fenômenos sociais podem ser considerados objeto da sociologia.
2. Considerando as mudanças sociais, como poderiam ser interpretadas as modificações nas concepções de vida social que o capitalismo provocou?
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FILME RECOMENDADO
Cartaz de divulgação do filme: DAENS - Um grito de justiça
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BAUMAN, Zygmunt. Modernidade e ambivalência. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1999.
BOTTOMORE, Tom; NISBET, Robert (Org.). História da análise sociológica. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1980.
CANÁRIO, R. O que é a escola? Um “olhar” sociológico. Lisboa: Porto Editora, 2005.
CHARON, Joel M. Sociologia. São Paulo: Saraiva, 2000.
EDER, Klaus. A nova política de classes. Bauru: EDUSC, 2002.
DAENS - Um grito de justiça. Direção: Stinj Coninx. Elenco: Jan Decleir, Gerard Desarthe, Antje de Boeck e outros. Ano de Produção: 1994. País de Produção: Bélgica. Duração: 132 min.
O filme relata o processo de industrialização no norte da Bélgica, especificamente a cidade de Aalst, na qual os trabalhadores da indústria têxtil vivenciam a exploração empreendida pelos capitalistas. Apresenta, de forma clara, as contradições entre o capital e trabalho, mostrando a utilização da força de trabalho das mulheres e de crianças no processo de produção. Essa situação começa a ser questionada com a chegada de Daens, padre revolucionário, que é transferido para a cidade e assume a igreja local, contribuindo o mesmo para uma luta por direitos políticos e sociais.
Suas anotações
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Possibilitar, ao aluno, uma reflexão sobre a teoria sociológica e suas perspectivas interpretativas da educação e da escola.
Discussão das concepções teóricas de Durkheim e suas contribuições para a compreensão da educação.
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Objetivo
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OS CLÁSSICOS DA SOCIOLOGIA: ÉMILE DURKHEIM
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UNIDADE III
1 INTRODUÇÃO
Nesta unidade, você estudará a contribuição da Sociologia
moral de Durkheim, um dos autores da tríade dos clássicos da
Sociologia que mais se debruçou sobre a questão da sociologia
da educação. É reconhecido como precursor desse campo
disciplinar e inaugura uma sociologia da educação, focada nos
princípios morais.
42 Módulo 1 I Volume 4 EAD
Sociologia e Educação I Os Clássicos da Sociologia: Emile Durkheim
2 ÉMILE DURKHEIM - ELABORAÇÕES INICIAIS DO AUTOR: UM CONVITE À SOCIOLOGIA DA MORAL
Émile Durkheim é o
pioneiro da formulação da teoria
sociológica e foi extremamente
influenciado pelo cientificismo do
século XIX. Nesse sentido, sua
abordagem se preocupa em alçar a
sociologia a um status de ciência, a
partir, principalmente, do modelo
de investigação científica das
ciências naturais. Sua pretensão é
apresentar a sociologia como uma
ciência positiva, com um estudo
metódico, seguindo métodos
adequados de investigação,
separando a teoria da prática, ou seja, dotar a sociologia de
uma sólida base empírica. Se para esses cientistas as leis da
natureza são passíveis de constituição de conceitos universais,
com leis próprias, para Durkheim, a sociedade, a partir de sua
vida coletiva, também é passível de construir suas leis próprias,
independente da vontade humana, o que ele chamaria de leis
sociais. Uma das críticas que esse autor sofre é justamente por
tentar comparar as ciências sociais com as ciências da natureza.
As críticas observam que são objetos diferentes entre si, não
podem usar os mesmos métodos de investigação e o mesmo
grau de generalizações nas construções dos seus conceitos.
Observe, você, aluno, que Durkheim é um dos
precursores da Sociologia científica. Procurou, através das suas
formulações teórico-metodológicas, empreender a observação
científica da sociedade e de suas instituições. Oriundo de
uma tradição filosófica positivista, fundamentou-se na razão
humana e na sua capacidade de experimentação e observação
como a maneira de se chegar à verdade científica. Para o autor,
o método sociológico deveria possibilitar meios para atingir
o conhecimento específico sobre como a sociedade funciona.
Desta forma, o objetivo básico era descobrir as leis, as normas,
a moral que regem a vida societária. Por outro lado, na teorização
durkheimiana, encontra-se uma preocupação, estruturante em
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FIGURA 1 - Émile Durkheim
Fonte: http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Emile_Durkheim.jpg
Émile Durkheim nasceu em Épinal, província da Lorena, em 15 de abril de 1858, e faleceu em Paris, em 15 de novembro de 1917. Foi o fundador da escola francesa de sociologia, sendo considerado um dos pais da sociologia. Ao delimitar um objeto para a sociologia, estruturou as bases científicas, teóricas e metodológicas para essa nova ciência social.
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sua obra, que é a decomposição moral da sociedade.
Em verdade, Durkheim preocupou-se em definir um
objeto de estudo e um método para a Sociologia, concebendo,
conforme a leitura positivista, a sociedade como um organismo
social que poderia ficar ‘doente’ e ‘sadio’. Com vista à
possibilidade destes estados, a Sociologia, como instrumento e
recurso científico, tinha por finalidade explicar os mecanismos
de funcionamento da vida social e intervir na sua engrenagem
e no seu funcionamento através da aplicação de ‘remédios’ que
minorassem os males sociais.
Você deve estar percebendo que a sociologia como ciência,
de certa maneira, tinha uma função curativa, configurando-
se como uma ‘medicina social’. Na medida em que o mundo
moderno consolidava uma redução da eficácia de determinadas
instituições sociais que mantinham a ordem, o progresso moral
e a coesão social, fato este que implicava no desaparecimento de
valores, Durkheim estava preocupado com o papel e as funções
das instituições sociais no contexto da sociedade, a exemplo da
função social da educação, da religião, da família. Em verdade,
sentia o autor a necessidade de assegurar uma nova moralidade
consonante com as mudanças, transformações e crescimento
industrial e econômico insurgentes nas sociedades europeias
ocidentais, com vista ao não esgarçamento do tecido social,
como afirmava.
A comunhão de valores morais é, para Durkheim, a
condição fundamental para sedimentar a construção da coesão
social. Para ele, a moral, ou seja, conjunto de valores e juízos
que orientam a vida social é a síntese que une os indivíduos à
vida em grupo, na medida em que se materializam em regras
e normas, as quais paulatinamente orientam a conduta social e
vão condicionando a integração social, sem a qual as sociedades,
as coletividades viveriam em desarmonia.
A abordagem sociológica de Durkheim, como você já viu,
parte da premissa básica de que só é possível compreender as
relações entre os homens se compreendermos a sociedade que os
obriga e a função das instituições e das representações sociais
modeladas a partir de uma moral edificada socialmente.
Vamos explicar melhor o caminho intelectual a que o
autor nos conduz: segundo Durkheim, a Sociologia vai se
voltar para a observação dos fenômenos sociais ou fatos
SAIBA MAIS
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Segundo a explicação de Durkheim, o estado doente é caracterizado pela existência de fatos que colocam em risco a harmonia, a coesão social, o consenso, as convenções e a convivência social, consequentemente o processo de evolução e coesão da sociedade. Ex. criminalidade. O estado sadio configura o estado de coesão e consenso social, harmonia, ou seja, implicados com a normalidade, com a conformidade social.
ATENÇÃO
Numa perspectiva fun-cionalista, instituição social é a composição de padrões de conduta duradouros que cada sociedade constrói, a exemplo da família, da moeda, da herança, do Estado, da religião.
44 Módulo 1 I Volume 4 EAD
Sociologia e Educação I Os Clássicos da Sociologia: Emile Durkheim
sociais dentro de um processo de construção coletiva de cada
sociedade, promovida pelos sistemas de valores. Esses modos
de agir influenciam e exercem uma coerção exterior para além
da vontade do próprio indivíduo.
Vamos exemplificar: você gostaria de usar determinado
tipo de roupa que destoa do padrão, do modelo do seu grupo,
contribuindo para o policiamento ostensivo das pessoas: da
família, dos amigos, dos indivíduos em geral? Suas referências
culturais se manifestam potencialmente nas suas aspirações
pessoais. Outro exemplo: às vezes existem momentos da vida
em que você pensa em agredir as pessoas que são próximas
a você, mas se contém porque observa que, para além das
sanções penais, sua moral também reconhece que sua
liberdade está cerceada pela liberdade do outro. Você não pode
fazer o que dá na sua cabeça... Isso porque você aprendeu,
foi educado a agir conforme essa vontade da sociedade, não
só pela escola, considerando que educação não é prerrogativa
da escola. Qualquer ação individual que fuja desse consenso
coletivo é considerada pelo autor como desvio social e deve
sistematicamente ser punida para garantir a harmonia social.
Aqui também o autor é alvo de consideráveis críticas, ao tomar
como desvio as ações que não compactuam com a dada ordem
social. Que ordem é essa? A quem se destina? A quem privilegia?
Essa vontade é passível de questionamentos, não é?
Para Durkheim, é imprescindível a existência de um
consenso e essa conformidade é construída pela cooperação
entre os indivíduos para uma vida social, ou o que ele também
chama de solidariedade. Esse é um conceito importante do autor,
na sua acepção de uma sociedade harmônica. O conceito de
solidariedade está atrelado à divisão social do trabalho. Nessa
divisão, o autor chama a atenção para as distinções sociais,
nas sociedades, a partir de sua percepção com o trabalho. Uma
sociedade com pouca divisão, uma sociedade não complexa,
em que as relações de divisão do trabalho sejam mais simples,
o autor observa um tipo de solidariedade entre os indivíduos
– solidariedade mecânica. Essa solidariedade está baseada
nas semelhanças entre os modos de trabalho do grupo social.
Numa comunidade quilombola, por exemplo, o grupo realiza
basicamente as mesmas tarefas de trabalho: caçam, plantam
etc.
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Numa sociedade mais complexa, como a atual, por
exemplo, em que as diferenciações no mundo do trabalho são
altamente sofisticadas, infinitas, é o que ele vai chamar de
solidariedade orgânica. Essa solidariedade não mais é dada pela
semelhança, mas pela extrema diferenciação, pois o grau de
divisão é otimizado nas sociedades contemporâneas, sobretudo
com a radicalização do capitalismo. Você precisa se integrar ao
outro porque, numa sociedade complexa, cada um realiza um
tipo de trabalho, onde um vai depender do outro.
Para os que criticavam Durkheim com relação a sua
perspectiva harmoniosa e funcionalista da sociedade, ele
se defende a partir da consideração dessa diferenciação
da sociedade – da existência de um tipo de cooperação na
diferença, a partir da solidariedade orgânica, ou seja, ninguém
pode acusá-lo de não reconhecer a existência dessa distinção.
O autor considera que temos uma representação dos
fatos sociais individualizada, mas as representações que
se cristalizam são frutos de uma representação coletiva,
pois nos detemos a experimentá-las a partir da convivência
no nosso meio (familiar, comunidade, escola, trabalho...).
Embora tenhamos nossas representações individuais (nossas
convicções, opiniões, impressões), a de maior importância
social são as representações coletivas, aquelas que gerimos
a partir de nossa inserção na vida social. Inclusive porque as
representações individuais sofrem influência dessas expressões
de um coletivo, de um consenso moral e cultural. São as duas
partes que temos: aquilo que elaboramos a partir de nossas
experiências pessoais e aquilo que trazemos dos outros, a partir
da nossa convivência em grupo.
É claro que construímos nossas próprias percepções
do mundo, mas a influência dessas referências externas tem
um peso em nossa vida e vai variar muito o grau de inserção
desses domínios, de uma sociedade para outra. Mesmo os
mais resistentes, em determinadas situações, sucumbem às
influências externas pela relação afetiva que temos com as
coisas e com as pessoas. Pensa Durkheim assim.
Para compreender melhor essa construção teórica, deve-
se observar que, para Durkheim, o ser humano se constitui
por duas partes: os estados mentais de sua vida pessoal:
suas lembranças, memória, experiências dentro de uma dada
46 Módulo 1 I Volume 4 EAD
Sociologia e Educação I Os Clássicos da Sociologia: Emile Durkheim
sociedade e ou suas experiências com outras sociedades. A
outra parte se constitui por um sistema de ideias e de hábitos
que exprimem os diferentes grupos sociais, suas tradições
culturais, nacionais, profissionais e referências religiosas.
Isso não parece muito simples, não é? Pois é, carece
de restaurar uma lógica cartesiana, por isso sua aproximação
das ciências naturais, distanciando-se do objeto de estudo,
para não se contaminar com as primeiras impressões ilusórias
dos fenômenos. Então é necessário tratar os fenômenos como
coisas, para se livrar das pré-noções, dos preconceitos etc.
“Coisa”, para Durkheim,
[...] é todo objeto de conhecimento que a inteligência humana não penetra de modo imediato, necessitando o auxílio da ciência. Tratar os fatos sociais como coisas, portanto, é uma postura intelectual, uma atitude moral (RODRIGUES, 2005 p. 20).
3 O QUE ISSO TEM A VER COM A SOCIOLOGIA DA EDUCAÇÃO?
Bom, compreendendo esse percurso teórico inicial,
você já deve ter observado que o autor considera que o
indivíduo está dotado de uma formação pessoal construída
pelos sistemas de valores. E, sendo a educação um sistema de
valor, principalmente, dada sua importância para o processo de
socialização dos indivíduos, o referido autor tem considerável
importância na sociologia da educação. Veja suas elaborações
teóricas sobre a educação e a sociologia:
Sua concepção de educação está ligada a uma
concepção de socialização, em que os adultos transferem e
produzem conhecimentos com as crianças no seu processo de
formação. Afinal, são os adultos que nos iniciam no processo de
conhecimento do nosso meio. A primeira infância, por exemplo,
é de total dependência. É aprender a ser membro da sociedade,
e aprender a ser membro da sociedade é aprender o seu devido
lugar nela. “Só assim é possível preservar a sociedade. Preservá-
la inclusive de sua própria diferenciação” (RODRIGUES, 2005
p. 28). Para Durkheim, o conceito de educação assumiu várias
nuances dentro do processo histórico da humanidade, de acordo
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com seu momento histórico e com as concepções culturais de
cada sociedade. Essa construção nas estruturas sociais altera
também as concepções educativas.
Você está percebendo que a educação, na leitura
durkheimiana, expressa uma doutrina pedagógica ancorada na
relação entre a sociedade e o ser social. Ao nascermos, somos
indivíduos e a vida social vai-nos transformando, através da
socialização, em seres sociais. Eivado ainda de uma ideia de
Hobbes, acredita Durkheim que o homem é, em sua natureza,
egoísta e, portanto, precisa ser preparado para a vida, cabendo
à educação agregar ao ser humano uma natureza capaz de vida
moral e social. Esta preparação se dá por uma ação educativa,
realizada pelas instituições sociais, a exemplo da família, das
práticas religiosas e, primordialmente, da escola.
Vale ressaltar que a transformação do indivíduo em
ser social é uma condição determinante para se viver em
conformidade com os padrões de consenso social e impõe-se,
no âmbito das relações societárias, coercitivamente, regulando
a conduta e institucionalizando a moral social, permitindo,
desta forma, uma maior integração do indivíduo e também uma
forte identificação com o sistema social. Evidentemente, para
Durkheim, a educação não é um elemento para a mudança social,
senão uma prática social fundamental para a manutenção, a
conservação e o funcionamento do sistema social.
Abordando a educação como um fato social, que você
já percebeu, a concepção durkheimiana rejeita a interpretação
da psicologia. Por um lado, no intuito de empreender uma
leitura eminentemente sociológica dos fatos sociais, ou seja, de
demarcar um objeto formal para a Sociologia enquanto ciência,
afirmando que era possível interpretar os fatos e a problemática
social sob o viés da nova ciência que estava se configurando
e, por outro, por conceber que os conteúdos da educação são
formulações que dependem da consciência coletiva, adquirindo
certa generalidade, consequentemente, independem das
vontades individuais. Expressam, neste sentido, normas e
valores desenvolvidos e institucionalizados, quer dizer, aceitos
socialmente, por uma sociedade que, em determinados
momentos históricos, adquirem natureza própria, tornando-se,
assim, ‘coisas’ exteriores, coisas que estão fora dos indivíduos.
Essas normas e valores que estão implicados na
48 Módulo 1 I Volume 4 EAD
Sociologia e Educação I Os Clássicos da Sociologia: Emile Durkheim
formação moral do ser social são transmitidos e assegurados
pela autoridade da família, e, principalmente, pelo educador,
que deve ser neutro e imparcial e transmissor da moral social.
Ciente de que o ser social necessita dominar a si mesmo
e impor limites aos seus desejos, sem os quais não poderia ser
feliz, Durkheim enfatiza que o princípio moral deveria ser visto
como sendo ações que perseguem fins impessoais e que se
consolidam entre as consciências coletivas.
Você está percebendo que a educação não tem,
simplesmente, a função de proporcionar conhecimento e
enaltecimento do espírito, mas assegurar a disciplina, o dever
e a conformidade (evitar as contradições entre interesses
individuais e coletivos), o pertencimento do ser social ao
grupo (desenvolver no indivíduo a personalidade quanto ao
desempenho de um papel social útil) e sua autonomia (transmitir
as múltiplas e complexas aptidões que a vida social requer e
não são transmitidas pela via hereditária). Os fins e funções
sociais da educação estão ligados à integração do indivíduo
à sociedade, constituindo o ser social em cada indivíduo.
Conforme Durkheim (1997, p. 54), “a educação tem o objetivo
superpor ao ser que somos ao nascer, individual e associal, um
ser inteiramente novo que ultrapassa a natureza individual”.
Partindo deste pressuposto, assegura Durkheim (1973,
p. 47):
[...] a criança só pode conhecer o dever através de seus pais e mestres. É preciso que estes sejam para ela a encarnação e a personificação do dever. Isto é, que a autoridade moral seja a qualidade fundamental do educador. A autoridade não é violenta, ela consiste em certa ascendência moral. Liberdade e autoridade não são termos excludentes, eles se implicam. A liberdade é filha da autoridade bem compreendida. Pois, ser livre não consiste em fazer aquilo que se tem vontade, e sim em se ser dono de si próprio, em saber agir segundo a razão e cumprir com o dever. E justamente a autoridade de mestre deve ser empregada em dotar a criança desse domínio sobre si mesma.
Dentro de um mesmo período histórico, podemos observar
diferentes concepções educativas, em razão das diferenças
culturais. Uma concepção de educação numa sociedade
militarizada, como a sociedade espartana, é muito diferente
SAIBA MAIS
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Uma das bases da compreensão soci-ológica sobre a edu-cação tradicional, con-servadora, está as-sentada na teorização durkheimiana, a qual, mesmo depois de sofrer todo um processo de críticas e desconstrução, encontra-se ainda muito presente nas nossas escolas.
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de uma sociedade política, como a sociedade ateniense, onde,
para a primeira, a virtude da sociedade centra-se no corpo e
na vitória. Por conseguinte, as instituições escolares estariam
voltadas para a construção de uma sociedade guerreira, forte,
obediente, marcada por uma educação militarizada. Já na
sociedade ateniense, por exemplo, a virtude do homem está
na sua retórica, no seu domínio de uma concepção política da
sociedade, onde as instituições sociais fomentam um cabedal
de instrução humanística, voltada para a construção de uma
sociedade política.
Outro exemplo, a partir das evidências históricas, é
FIGURA 2 - A Escola de Athenas. Afresco do pintor renacentista italiano Rafael Sanzio (1483-1520), retrata importantes pensadores da Antiguidade. Ao centro, caminhando estão Platão (esquerda) e Aristóteles (direita).
Fonte: UAB/UESC
considerar as diferenças dos modelos educativos de uma
sociedade renascentista ou romana. A escola hoje, ainda que
se tenha muita herança das práticas pedagógicas jesuíticas
(memorização etc.), é muito diferente de uma de 1650, por
exemplo. Para Durkheim, isso ocorre em razão de os sistemas
educativos não serem produzidos por uma consciência
individual, mas sim por uma consciência coletiva, geracional
das sociedades, que muda, se altera, se transforma a partir da
aquisição de conhecimentos.
Pode-se antever que a educação, na abordagem
50 Módulo 1 I Volume 4 EAD
Sociologia e Educação I Os Clássicos da Sociologia: Emile Durkheim
durkheimiana, constitui um processo de transmissão e
perpetuação cultural no sentido amplo do termo (valores,
normas, atitudes, experiências, imagens, representações),
cuja função principal é a reprodução do sistema social. Nesse
sentido, Durkheim (1973, p. 52) afirma:
Em resumo, longe de a educação ter por objeto único e principal o indivíduo e seus interesses, ela é antes de tudo o meio pelo qual a sociedade renova perpetuamente as condições de sua própria existência. A sociedade só pode viver se dentre seus membros existe uma suficiente homogeneidade. A educação perpetua e reforça essa homogeneidade, fixando desde cedo na alma da criança as semelhanças essenciais que a vida coletiva supõe.
Durkheim comparou todos os sistemas educativos e
analisou que não existe sistema educacional que não tenha
duplo aspecto: uno e múltiplo. Para ele, o sistema educacional
prioriza fixar as ideias nas consciências dos educandos a partir
das concepções de dever, do direito e da natureza humana – é
a construção coletiva dos sistemas de valores.
Segundo o autor, a educação é a ação exercida por
adultos sobre as gerações que ainda estão despreparadas para
a vida. Busca impor às crianças determinados números de
estados físicos e morais reclamados pela sociedade. O indivíduo
se constitui, gradativamente, a partir da experiência que
adquiriu ao longo do curso de sua vida. O ser social não nasce
espontaneamente, ele é construído dentro de um processo, a
partir da sua convivência pessoal e coletiva, num determinado
sistema de valores, crenças e moral. Por isso os indivíduos
respeitam as leis políticas e morais, a partir de um consenso
coletivo, representado pelo reino social, ou seja, o reino moral,
constituído por ideias e ideais coletivos. Toda vida social, para
esse autor, se dá nesse meio moral. O autor concebe esse meio
moral como uma confluência de sistemas de valores promovida
pelos fenômenos sociais, a exemplo da religião, da moral, do
direito, da economia e da educação. A educação assim satisfaz,
antes de tudo, às necessidades sociais.
Outra questão polêmica do autor é o entendimento
da educação sob o viés da coercitividade. Essa percepção
do autor é fruto da sua crença absoluta na possibilidade de
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uma conformidade social entre os indivíduos, uma vez que
todos devem observar os sistemas de valores vigentes. Essa
perspectiva teórica trabalha com a ideia de um funcionamento
coeso e harmônico das sociedades, em que a educação será
imprescindível para a garantia desse consensual coletivo. É o
que alguns críticos chamam de visão funcionalista da sociedade,
como você já viu na Unidade I.
O caráter social da educação consiste na socialização
metódica das novas gerações, distinguindo o ser individual e
a constituição dos estados mentais. A educação confunde-se
com o próprio processo de socialização, considerando que o
conhecimento cooperativo adquirido em uma geração é o que o
homem foi capaz de acumular e encontrar meios de transmitir
indefinidamente pelas gerações. Para Durkheim, a educação
é o que distingue os homens de outros animais e o que faz
superar-se diante dos seus próprios limites.
O autor valoriza o papel do Estado para a educação,
uma vez que a escola é uma instituição social com funções
específicas, voltada para a preparação de atitudes das gerações
futuras, para moldar, com ações práticas, as gerações mais
recentes no convívio de uma dada sociedade. Embora Durkheim
considere que, nas diferentes sociedades, houve formas
diversas de processar a educação, ele considera que existe uma
base comum entre as sociedades, pois não existe povo que não
sistematize certo número de ideias, sentimentos e práticas que
a educação devesse ressaltar.
Durkheim entendia a educação como uma ação diferente
da ação da pedagogia. Para ele, a educação tem um caráter
prático no processo de aprendizado e a segunda teria como
foco principal as teorias relacionadas a uma atividade para
processar a educação. Segundo o autor, os pedagogos clássicos
consideravam o processo pedagógico a partir de uma concepção
de um modelo único de educação, independente das condições
sociais e históricas. Para ele, não há uma só sociedade, a
educação é o processo da própria sociedade. É o meio pelo
qual a sociedade se renova, perpetuando as condições de sua
própria existência. Os fins da educação são fins sociais e os
meios pelos quais esses fins podem ser plenamente atingidos
devem ter, necessariamente, caráter social. Durkheim, hoje,
seria resistente a uma percepção da educação enquanto uma
SAIBA MAIS
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O Estado, para Durkheim, é uma ins-tituição social voltada para a disciplina moral orientadora da conduta dos indivíduos na so-ciedade.
52 Módulo 1 I Volume 4 EAD
Sociologia e Educação I Os Clássicos da Sociologia: Emile Durkheim
mercadoria, por exemplo, uma vez que são lógicas distintas.
Então, para quem comunga com a abordagem teórica de
Durkheim, deve, antes de tudo, acreditar que é possível captar
o objeto de estudo, distanciando-se dessa vivência social, e
deve considerar a educação um sistema de valores que vai dar
conta de socializar os indivíduos integralmente, de modo que
ele trafegue nas redes sociais de forma harmônica. Vamos ao
próprio autor para clarear isso:
A educação é a ação exercida pelas gerações adultas sobre as gerações que não se encontram ainda preparadas para a vida social; tem por objeto suscitar e desenvolver, na criança, certo número de estados físicos, intelectuais e morais, reclamados pela sociedade política no seu conjunto, e pelo meio moral a que a criança, particularmente, se destine (DURKHEIM, 1978, p. 28).
Vale ressaltar que existem outras elaborações teóricas do
autor, com categorias de análise importantes para a investigação
sociológica; contudo, estamos limitando-nos a apresentar uma
abordagem sucinta e inicial de Durkheim para a sociologia da
educação.
4 RESUMINDO O TEXTO: DIALOGANDO COM O ALUNO
A obra de Durkheim marca o nascimento da
institucionalização da Sociologia clássica. Durkheim aconselhava
o cientista a estudar os fatos sociais como coisas, fenômenos
que lhe são exteriores. A generalidade de um fato social
representava, para Durkheim, o consenso social e a vontade
coletiva.
A escola é uma instituição com funções específicas
para uma educação moral. A sociedade, para Durkheim, é
percebida como uma organização de funções, assegurando a
sua integração através de diversos órgãos e instituições. Essa
é uma perspectiva caracterizada por funcionalista, na qual
a escola desempenha papel fulcral na integração social e na
preservação da anomia.
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As atitudes das gerações adultas para moldar com
ações práticas as gerações mais recentes ao convívio de uma
sociedade são um dos componentes básicos do caráter moral
da educação. Sua obra tem como problemática principal a
integração social, na qual ele encara essa integração como
uma socialização metódica dos indivíduos. Esse seria o melhor
caminho, segundo o autor, para evitar a anomia social.
SUSCITANDO QUESTIONAMENTOS:
VAMOS PESQUISAR E REFLETIR?
5 6 REFERÊNCIAS
SAIBA MAIS
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Anomia social é um termo usado por Durkheim, e também Robert Merton, para explicar a ausência do cumprimento das regras sociais, uma vez que se considera que toda sociedade é regulada por normas. Quando essas regras são dissolvidas, a sociedade encontra um estado de anomia, de desintegração de suas regras.
FILME RECOMENDADO
EM NOME DE DEUS
Direção: Peter Mullan. Produção: Frances Higson. Elenco: Geraldine McEwan, Anne-Marie Duff, Dorothy Duffy, Nora-Jane Noone e EileenWalsh. Local de publicação: Inglaterra, Produtora: Miramax Films / Europa Filmes , 2002. DVD.
O filme retrata o cotidiano de jovens e adolescentes submetidas a uma educação rígida e extremamente moralista sob os desígnios dogmáticos de um convento irlandês. A coerção exercida sobre essas jovens traça seus destinos, mas também apresenta uma reação a uma estrutura societária determinista, colocando em questão o determinismo social. Observe as capacidades individuais de superação e de submissão.
Cartaz de divulgação do filme: EM NOME DE DEUS
ATIVIDADE
Considere o que foi exposto acima e faça as seguintes atividades:
1. Apresente o duplo aspecto da educação concebido por Durkheim, identificando as funções sociais da educação.
2. Faça um comentário crítico sobre o conceito de educação do autor.
54 Módulo 1 I Volume 4 EAD
Sociologia e Educação I Os Clássicos da Sociologia: Emile Durkheim
RE
FE
RÊ
NC
IAS
DURKHEIM, Emile. As regras do método sociológico. São
Paulo: Editora Nacional, 1972.
DURKHEIM, Emile. Da divisão do trabalho social. Rio de
Janeiro: Martins Fontes, 1997.
DURKHEIM, Emile. Educação e sociologia. São Paulo:
Melhoramentos, 1978.
DURKHEIM, Emile. Coleção Os Pensadores. São Paulo:
Abril Cultural, 1980.
RODRIGUES, A. T. Sociologia da Educação. 6. ed. Rio de
Janeiro: Lamparina, 2007.
Suas anotações
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Possibilitar ao aluno uma reflexão sobre a teoria sociológica e suas perspectivas interpretativas da educação e da escola.
Discussão das concepções teóricas de Weber e suas contribuições para a compreensão da educação.
Meta
Objetivo
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OS CLÁSSICOS DA SOCIOLOGIA: MAX WEBER
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UNIDADE IV
1 INTRODUÇÃO
Nesta unidade, você terá a oportunidade de analisar a
contribuição de Max Weber para a Sociologia da educação, a
partir de seu método compreensivo.
60 Módulo 1 I Volume 4 EAD
Sociologia e Educação I Os Clássicos da Sociologia: Max Weber
2 WEBER: UMA VIAGEM NA SOCIOLOGIA COMPREENSIVA
A contribuição teórico-
metodológica de Max Weber é de
fundamental importância para a
sedimentação da sociologia como
ciência e para a compreensão e a
interpretação dos valores aos quais
os atores aderiram na vida societária
e as obras que construíram.
Entretanto, as contribuições
abrangem não somente a sociologia,
mas também algumas áreas de conhecimento como o Direito, a
Antropologia, a Economia e a Pedagogia.
Para Weber, o que predomina, na sociedade capitalista,
além da divisão em classes sociais e do mercado, é a
racionalização, o prestígio social e as associações de prestígio
ou de status dentro das classes. Diferente de Durkheim, não
tem a preocupação de comparar as ciências naturais e as
ciências sociais, na medida em que considera que o método
generalizante se afasta da realidade em algum sentido; até
porque o autor não considera a existência de grandes diferenças
lógicas entre essas ciências.
A preocupação do autor é uma compreensão da realidade
a partir de uma determinada subjetividade nas ações sociais.
Para Weber, tanto o mundo natural como o mundo social são
constituídos de fontes inesgotáveis de acontecimentos. Por
conseguinte, a essência da sociologia não é encontrar leis
gerais do comportamento social humano, é necessário, sim,
compreender em seu contexto de sistema subjetivo e, assim,
compreender interpretando a ação social, explicando-a
casualmente.
Para explicitar melhor o que o autor chama de ação
social, vamos a sua definição:
[...] A ação que especificamente tem importância para sociologia compreensiva é, em particular, um comportamento que: 1. está relacionado ao sentido subjetivo pensado daquele que age com referência
Ação social é a ação dotada de sentido e significado próprios que os atores sociais atribuem a sua conduta, correlacio-nando-os com o comportamento dos demais indivíduos.
PARA
CO
NH
ECER
Maximillian Carl Emil Weber, intelectual alemão, jurista, economista, nasceu em Erfurt, em 21 de abril de 1864, e faleceu em Munique, em 14 de Junho de 1920. É considerado também como um dos fundadores da sociologia. Sua produção teórica e metodológica possibilitou a compreensão dos processos de racionalização e de dominação
do mundo moderno.
Figura 1 - Max Weber (1984)
Fonte: http://commons.wikimedia.org/wiki/File:Max_Weber_1894.jpg
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ao comportamento de outros; 2. está co-determinado no seu decurso por esta referência significativa e, portanto, 3. pode ser explicado pela compreensão a partir deste sentido mental (subjetivamente) (WEBER, apud RODRIGUES, 2007, p. 54).
É uma conduta humana em que o sujeito (ou sujeitos) da
ação lhe atribui um sentido subjetivo, com um sentido dentro
das relações sociais. Esse sentido deve ser compreendido,
apreendido a partir de uma compreensão da realidade. Não é uma
coisa em si, estanque, dotada de um conceitual universalizante,
mas ela se determina a partir de uma compreensão que se
aplica sobre ela.
Exemplo: Você tem uma determinada compreensão
sobre casamentos monogâmicos e outras culturas orientais
têm outras. A compreensão dessas ações deve observar
mecanismos e construções subjetivos que dizem respeito aos
sentidos e significados que determinadas culturas imprimem
às relações sociais. Assim, cada cultura expressará um olhar
sobre a ação social.
Um exemplo mais fácil, então: quando você vai para a
escola, está realizando uma ação social. O que o faz ir para a
escola? É uma racionalidade que pode ter diversos motivos,
mas que implica num cálculo, num planejamento de sua vida na
sociedade. Comumente, nem reparamos nisso, mas realizamos
a ação social dentro de uma condensação de expectativas
recíprocas ou como imposições mediante sanção. Ou seja,
para Weber, o indivíduo leva em consideração, no momento
de agir, o comportamento dos outros, e isso também implica
em se relacionar com as normas sociais consolidadas vigentes,
institucionalizadas, que vão interferir sobre o seu agir.
Como você está percebendo, os comportamentos dos
atores são interpretados como sendo dotados de intencionalidade,
como sendo ações orientadas pelas ações de outros. Bom, daí
você deve imaginar que, se é desse modo, cada um compreende
a realidade de acordo com suas referências.
Esse tipo de conclusão procura entender a realidade a
partir de uma perspectiva positivista, ou seja, procura um grau
de conceituação universalizante, a partir de conceitos gerais,
leis gerais que se apliquem para o social, assim como leis
gerais para as ciências da natureza. Você está começando a
ATENÇÃO
A compreensão do sentido que os indivíduos dão a sua conduta é uma preocupação weberiana. Em verdade, Weber procurava explicar, com-preender e interpretar o significado, as intenções e as motivações das condutas humanas.
62 Módulo 1 I Volume 4 EAD
Sociologia e Educação I Os Clássicos da Sociologia: Max Weber
perceber as distinções teóricas entre os autores? Weber nega
que o conhecimento possa ser uma cópia ou reprodução total da
realidade, pois a considera infinita e inesgotável. Para o autor,
as ciências humanas centram seu interesse no ser humano e,
nesse sentido, manterão uma relação com os conceitos gerais
diferenciados das ciências naturais. Se, nas ciências naturais,
as leis mais valiosas são as universalizantes, gerais, nas
ciências humanas, para esse autor, as leis mais gerais são as
mais vazias de compreensão, pois se afastam da realidade a
ser compreendida, não se consegue captar o sentido que está
mergulhado na subjetividade da ação.
Concebia Weber que o processo histórico de racionalização
empreendido pelos seres humanos sobre o mundo foi
significativo para estruturação da ciência positiva e racional.
Esta é uma condição fundamental para o constante progresso
do conhecimento científico, na medida em que o conhecimento
é uma busca incessante dos homens, ele é universal e infinito.
Entretanto, para se alcançar a objetividade do conhecimento,
a objetividade científica, há que se separar a ação prática da
ação científica.
Vamos para outro exemplo: Você trabalha. Ir ao trabalho
é uma ação social que você realiza dentro de um conjunto de
interações: ali estão colegas de trabalho, lógica laboral etc. e, é
óbvio, com determinados interesses. Você inicialmente poderia
dizer, lógico, preciso ganhar dinheiro para me manter, manter
minha família... mas existem outros interesses em jogo nas
relações de trabalho: o tipo de trabalho, as relações com a
empresa, com os colegas, as condições laborais, sua necessidade
de ocupar um espaço reconhecido, sua preocupação com o
status social etc. Ou seja, você tem uma racionalidade que lhe
permite calcular esses interesses e agir segundo suas projeções,
dentro dessas outras realidades que cercam. Dependendo de
sua racionalidade, você vai imprimir outras necessidades na
sua ação inicial de trabalhar. Estudar mais, por exemplo, fazer
um determinado curso... enfim, cada indivíduo se cerca de uma
racionalidade para construir e reelaborar uma determinada ação
social. Essa racionalidade é que deve ser captada pelo cientista
para se descobrir o sentido da ação social. E, é claro, você
pode agir de acordo com essa racionalidade que não poderá
desprezar, das expectativas recíprocas no jogo de interação
SAIBA MAISR
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Concebia Weber que a ciência deveria se separar dos valores. Uma coisa é a esfera da política, in-fluenciada pela paixão, pelos valores; outra coisa seria o mundo da ciência, objetivo, imparcial, neutro em constante busca da verdade, Consequentemente, o cientista deveria estar pautado na neutralidade axiológica (neutralidade quanto aos valores).
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social, de acordo com as regras sociais, uma vez que existe
uma ordem social.
Para Weber, não é qualquer pessoa que pode apreender
esse sentido da ação social. Somente o cientista social pode
capturá-la de acordo com o método por ele realizado. Então
essa história de ver a realidade, o fato social, como uma coisa
é complicada..., pois aquilo que você vê numa determinada
ação, não necessariamente é o mesmo que o outro vê num
mesmo meio cultural... E pode até
nem ser um fenômeno social, na
medida em que eu não observo
assim... Usando o mesmo exemplo do
casamento, anteriormente aplicado,
para as sociedades ocidentais,
os casamentos poligâmicos são
considerados um absurdo, é uma
traição para com as esposas. Em
algumas sociedades orientais, isso
não só não é considerado traição,
mas pode ser considerado um valor,
uma virtude na sociedade.
Isso ocorre porque a apreensão dessa realidade é dada a
partir do sistema de valores (parece que aqui chegamos a uma
aproximação com o pensamento de Durkheim...), esse mesmo
sistema de valores que é construído socialmente nas diferentes
realidades sociais e que é compartilhado e socializado de forma
subjetiva, de diferentes formas, pelos indivíduos, conforme a
interação, a aceitação desses valores por eles apreendidos.
Weber vai dizer que essas distintas formas de captação dos
sistemas de valores, assumindo significados diferentes nos
indivíduos (exemplo do casamento), ocorrem em razão
dos diferentes tipos de racionalidades que os indivíduos se
constituem na absorção dessas referências culturais e sociais.
Sendo assim, Weber também vai dizer que essa apreensão
da realidade, para compreender uma determinada ação, precisa
ser dotada de método, por isso não pode ser realizada por
qualquer um. “O objeto do conhecimento social não se impõe
já dado à análise, mas é constituído nela própria, através dos
procedimentos metódicos do pesquisador” (COHN, 1979, p. 20).
Qualquer que seja o método, o cientista deve fazer um corte
FIGURA 2 - Fonte: http://www.sxc.hu/browse.phtml?f=download&id=967285
64 Módulo 1 I Volume 4 EAD
Sociologia e Educação I Os Clássicos da Sociologia: Max Weber
do real para estabelecer seu objeto, não é possível observar
o todo, pois ele não acredita nessa generalização dos fatos.
Os critérios de definição do objeto estão atrelados à direção
do interesse do cientista. Você deve estar se questionando
então... ah, mas isso é um problema, pois essa relação com os
valores, com esse interesse pessoal pode ser perigosa para a
compreensão da realidade... como vamos conseguir apreender
esse corte, na medida em que os valores são muito elásticos?
Weber não tem problema com isso, pois acredita que
é possível chegar a conclusões objetivas e válidas, mesmo
tendo relação com valores, observando cuidadosamente esses
interesses a seu distanciamento com o objeto. O que não pode
ocorrer é julgamento de valor por parte do cientista, pois senão
não temos uma compreensão da realidade, mas temos uma
argumentação do senso-comum. Rodrigues (2007) oferece um
resumo dessa arguição:
A realidade é concebida por Weber, então, como encontro entre os homens e os valores aos quais eles se vinculam e os quais articulam de modos distintos no plano subjetivo. As ciências sociais (que prefere chamar de ciências da cultura) são vistas como a possibilidade de captação da interação entre os homens e valores no seio da vida cultural, isto é, a captação da ação social. Como a realidade é infinita, apenas um fragmento de cada vez pode ser objeto de conhecimento. O ‘todo’ (a sociedade) que supostamente pesaria sobre as partes (os indivíduos), para Weber, é literalmente incompreensível se for tratado como um todo, como uma coisa. Pela simples razão de que este todo reside na interação entre as partes e não é possível conhecer todas elas ao mesmo tempo, porque são muitas e porque se renovam a cada dia. Fluxos da mudança e cristalizações da permanência se combinam na vida social. A sociedade, para Weber, não é um bloco, é uma teia (p. 52-53).
Ele entende que existem métodos para além do
quantitativo (muito utilizado pelas ciências naturais como
“garantia” de cientificidade), como o método qualitativo, em
que a significação dos fenômenos vai ser realizada a partir dos
valores científicos do cientista.
O método utilizado pelo Weber é o método compreensivo,
por isso é conhecido como pai da Sociologia Compreensiva.
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Ele inaugura um método em que tenta buscar apreender o
sistema subjetivo dos sistemas de valores na interpretação
da ação social. Neste sentido, não busca encontrar leis gerais
do comportamento humano, mas sim a compreensão de uma
determinada ação social e não usar essa interpretação como
uma lei geral social.
No seu método, Weber introduz elementos fortemente
qualitativos, combinando explicação e compreensão. Segundo
Cohn (1979),
Não se pode presumir que a realidade social empírica tomada como um todo tenha uma ordem interna e leis gerais capazes de impor a qualquer pesquisador a simples busca da fidelidade a ela. A tarefa do conhecimento científico consiste na ‘ordenação racional da realidade empírica’. Ou seja: não se trata de reproduzir em idéias uma ordem objetiva já dada, mas de atribuir uma ordem a aspectos selecionados daquilo que se apresenta à experiência como uma postura ativa do pesquisador, que não é concebido como um metódico registrador de ‘dados’, mas tampouco é mero veículo para a introdução de tais ou quais ‘visões do mundo’ nos resultados da pesquisa (p. 22).
Weber está chamando atenção justamente para essa
realidade empírica, ou seja, dessa circunstância histórica. A
análise comparativa não opera, então, na busca do que seja
comum a várias ou todas as configurações históricas, mas, pelo
contrário, permitirá trazer à tona o que é peculiar a cada uma
dessas realidades.
Também estabelece a necessidade de criação de um tipo
ideal para garantir esse corte na realidade. Esse tipo ideal seria
um elemento para compreensão do objeto, mas que não pode
ser encontrado na realidade. É uma espécie de modelo, um
elemento meramente formal para a compreensão da realidade,
baseado em um exagero unilateral da realidade. O tipo ideal
é uma construção racional que nunca ou dificilmente vamos
encontrar na realidade, já que seu conteúdo configura uma
arbitrária realidade. Não se trata de uma média, mas de um
exagero unilateral que, no entanto, permite uma comparação
com a realidade. O tipo ideal não é encontrado empiricamente,
mas confronta-se empiricamente com a realidade. Não é uma
hipótese, mas uma orientação.
Então ficou claro agora que a conclusão, que muitos
66 Módulo 1 I Volume 4 EAD
Sociologia e Educação I Os Clássicos da Sociologia: Max Weber
costumam defender nas ciências humanas, não é passível de
cientificidade, pois não se tem possibilidades de comprovações,
é uma opinião equivocada... Primeiro, porque não existem
só métodos quantitativos e, depois, porque esse status de
cientificidade não é prerrogativa das ciências naturais e das leis
gerais. A compreensão da realidade pode garantir conclusões
e interpretações da realidade que sejam tão válidas para o
social, quanto os conceitos universais das ciências naturais.
Evidentemente, há que ficar claro que essas interpretações
não são opiniões do cientista, são frutos de um exaustivo
esforço teórico, dotado de método científico, que garante uma
determinada conclusão sobre os fenômenos sociais. A questão
de as sociedades contemporâneas terem uma inclinação
para esse tipo de conclusão é outra questão... Com certeza,
marcada por interesses que foram construídos historicamente
e culturalmente. Esse é um bom debate, no qual não vamos
entrar nesse momento.
Voltando à questão da racionalidade das ações sociais,
vamos aprofundar mais essa abordagem, pois ela tem
contribuições importantes para a sociologia da educação, pode
nos ajudar muito a compreender determinadas ações hoje na
escola, afinal não é para isso que estamos mergulhando nesse
campo disciplinar? Vamos explorá-lo mais.
Weber, ao não aceitar essas ideias de uma sociedade
coercitiva, que imprime nos indivíduos determinados
comportamentos de forma externa e estanque, considera que a
sociedade é uma fonte muito rica de diversas interações entre
os indivíduos, onde se veiculam redes entre si e estabelecem
conexões entre os indivíduos que devem ser recuperados pelos
cientistas para compreender uma determinada realidade. A
educação, então, não pode ser considerada um instrumento
absoluto de transmissão de conhecimento, onde os indivíduos
vão captar suas mensagens para aprender a ser um membro
da sociedade. A educação é mais uma fonte inesgotável de
possibilidades de interações que os indivíduos estabelecem,
mediados por suas racionalidades. Essa racionalidade vai sendo
elaborada por um complexo de valores ou razões outras, como
o próprio interesse do indivíduo.
Como você está percebendo, a Sociologia de Max Weber
aponta para outra compreensão. A sociedade não é somente uma
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forma de controle e coerção do ator social que, ao não respeitar
a ordem, ameaça a obediência dentro do padrão estrutural da
mesma sociedade, de forma exterior e coercitiva que determina
o comportamento dos indivíduos. Weber procura defender que
é o resultado de inúmeras interações, resultantes das ações
sociais dos indivíduos, dotadas de sentido e significado, que
condicionam uma conduta plural que possibilita aos atores
sociais agirem de um certo modo. A sociedade não é aquilo que
pesa sobre os indivíduos, mas aquilo que se veicula entre eles
Por outro lado, Max Weber é um dos autores clássicos
que está preocupado com as explicações das diferenças sociais.
Para tanto, analisa os processos de dominação nas sociedades,
estabelecendo sistemas de classificações e estratificações
sociais que advêm da ordem econômica, cultural, religiosa. Este
conceito está relacionado à ideia de autoridade, constituindo-
se um elemento fundamental para se analisar a estruturas das
organizações e das instituições sociais, a exemplo do Estado.
A lógica da racionalidade, da obediência à lei e da
institucionalização das pessoas a partir das regras vai se
disseminando entre as pessoas a partir de determinados tipos de
ações, como as ações racionais, orientadas por uma associação
racional com fins, com cálculo, definida pela existência de regras
gerais, compartilhadas entre os indivíduos e instituições, sejam
as estabelecidas pelas convenções sociais, sejam as constituídas
pelas sanções, como o direito. Mas também Weber considera
as ações irracionais, orientadas pelos valores e pelos sentidos
tradicionais, afetivos. Repare que o autor está tentando buscar
o conteúdo do sentido reciprocamente compartilhado das ações
desses indivíduos, buscando observar o grau de legitimidade,
de validação dessas ações entre os indivíduos. Suas ações são
realizadas dentro de um tipo de racionalidade, dentro de uma
ordem social.
No livro Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo, o
autor vai trazer a ideia de tipificação social, apresentando uma
ligação entre o desenvolvimento do capitalismo e a ascensão do
protestantismo, mostrando como, nesse processo, surge uma
nova ética, diferente da ascese católica. A ética protestante
traz uma nova visão do mundo, porque atrela a salvação à ideia
do trabalho, concepção significativa para o desenvolvimento
capitalista.
Dominação, na abor-dagem weberiana, é conceituada como a “possibilidade de encontrar obediência para ordens especi-ficas (ou todas) dentro de determinado grupo de pessoas” (WEBER, 1991, p. 139). Na sociedade capitalista, encontram-se vários tipos de dominação, entretanto há uma prevalência da domi-
nação burocrática.
PARA CONHECER
Weber concebia o Estado como um ente violento que detém o monopólio da força, mas essa violência é legal (afeita aos limites da lei) e legitima (tem reconhecimento e assenta-se nas normas sociais e jurídicas). Precisando o conceito weberiano, Estado é uma comunidade humana que pretende, com êxito, o monopólio legítimo da força física dentro de um determinado território.
68 Módulo 1 I Volume 4 EAD
Sociologia e Educação I Os Clássicos da Sociologia: Max Weber
3 A CONTRIBUIÇÃO WEBERIANA PARA A EDUCAÇÃO
Você, aluno, vai perceber que Max Weber não elaborou
de forma sistemática uma teoria pedagógica ou uma teoria da
educação, como pretendeu Durkheim e quiçá Karl Marx. Porém,
através dos conceitos construídos e da estruturação de categorias
de análise, tornou-se possível formular uma compreensão,
tanto do processo pedagógico, quanto do sistema educacional
e de suas expectativas dentro da sociedade capitalista.
Em verdade, o que pretendia Weber era tornar
compreensíveis as potencialidades constitutivas da vida social,
ao analisar as ações dos atores e as relações sociais que, no
processo de interação, iam sendo construídas. Concebe o autor
que a estrutura fornece as regras e os recursos envolvidos
na atuação dos atores. Desta forma, na medida que a vida
social foi se racionalizando, as estruturas de dominação
se burocratizaram, pautando-se num direito racional e
as empresas capitalistas, necessitando de empregados
que estivessem afeitos à lógica
capitalista, reivindicam processos
educativos que, paulatinamente,
vão se transformando em uma
educação racionalizada que
possibilite o ”desencantamento
do mundo e do homem” (livre dos
dogmas religiosos), e obediente e
observante ao direito racional. A
racionalização e a burocratização
alteraram radicalmente os modos
de educar.
Nesta perspectiva, a
educação deve ter duas finalidades
pedagógicas: transmitir o
conhecimento especializado
(pedagogia do cultivo) e preparar
o aluno para uma conduta de vida
(pedagogia do treinamento).
Você, aluno, deve ter
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Algumas características são concebidas por Weber para entender a burocracia moderna, a exemplo das atividades regulares necessárias aos objetivos, de forma fixa como deveres oficiais; autoridade formal; com-petência, hierarquia fixa, dentre outras.
Conforme Weber, o desencantamento do mundo é aquele que não é mais o mundo do sobrenatural e dos desígnios de Deus ou dos imperadores senão o mundo do império da lei e da razão.
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Pedagogia do cultivo - o objetivo desta educação é preparar o homem culto para a camada social na qual vive, possibilitando-lhe comportamentos interiores (reflexibilidade) e exteriores (sociabilidade) na vida (WEBER, 1971).
Quanto à pedagogia do treinamento, a educação tinha como objetivo desenvolver os talentos humanos, porém, com o crescimento da burocratização, da racionalização, da dominação política e das grandes corporações capitalistas privadas, a educação passa a ter o objetivo de formar um homem cada vez mais especializado, que busca apenas ascensão social, a riqueza material e o status privado não um homem que busque sua liberdade.
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percebido que a educação para Weber é o modo pelo qual
os homens são preparados para exercer as funções que a
transformação causada pela racionalização e pela burocratização
da vida lhes exigiu e colocou à disposição. Então, na medida em
que ocorre a racionalização do mundo, historicamente, torna-
se um fator de estratificação social, um meio de distinção, de
obtenção de honras, de poder e de prestígio social. Importância
disso para educação é justamente a questão dessa racionalização
nos mecanismos de acesso a bens materiais por parte dos
indivíduos que se submetem à educação sistemática.
Como os exemplos anteriores, submeter-se a um
modelo educativo está constituindo uma ação social, dotada
de uma racionalidade, que é fundamental para o Estado. Por
quê? Ora, o sentido da educação para Weber tem a ver com
o sentido de uma burocratização que passa pela obediência à
lei, pelo treinamento das pessoas para administrar as tarefas
burocráticas do Estado. Segundo Rodrigues (2007), Weber
privilegia dois aspectos:
[...] de um lado, a constituição de um direito racional, um dos pilares do processo de racionalização da vida, e de outro, a constituição de uma administração racional em moldes burocráticos. O direito racional oferece as garantias contratuais e a codificação básica das relações de troca econômica e política que sustentam o capitalismo e o Estado moderno... (p. 64).
Com essa ideia, o autor entende que a educação vai
promover um cabedal de conteúdo e de disposições para a
institucionalização dos indivíduos, de modo a conferir uma
racionalidade dentro do sistema burocrático do Estado,
extremamente conveniente à constituição do Estado moderno,
à lógica capitalista. Repare que esse momento passa a
ter um caráter especial no percurso teórico do autor, no
dimensionamento das relações sociais. Esse novo processo
dentro dos referenciais históricos é importante no processo
de disseminação da formação do Estado, a partir das próprias
lógicas dos indivíduos, regido e orientado por um funcionamento
politicamente treinado e politicamente orientado com base em
regulamentos racionais. A lógica capitalista também, nesse
momento, exige uma racionalidade, pautada no lucro, no
cálculo dos custos e benefícios e, é claro, vai precisar de uma
70 Módulo 1 I Volume 4 EAD
Sociologia e Educação I Os Clássicos da Sociologia: Max Weber
máquina estatal voltada para dar conta desse sentido.
A educação para Weber, então, diferente de Durkheim,
tem outra concepção, não mais preocupada com a organicidade
da sociedade, para compor um corpo harmônico social; mas,
sobretudo, é palco das grandes diferenças, mediada pelo seu
nível de racionalidade histórica, que permite visualizar um fator
de estratificação social entre os indivíduos, onde o status, as
honras, o poder e o dinheiro funcionam como elemento de
mediação social e com extrema funcionalidade para despertar
o carisma, para preparar o aluno para uma conduta de vida e
transmitir um conhecimento especializado.
Assim mesmo, com toda essa colocação a respeito da
educação, Weber não se mostrava dos mais otimistas, porque
entendia que o capitalismo reduzia tudo a uma lógica bem
reduzida da acumulação do capital, inclusive, as disposições
educacionais.
4 RESUMINDO O TEXTO: DIALOGANDO COM O ALUNO
Para Weber, a sociedade não seria algo exterior e superior
aos indivíduos, ela também pode ser compreendida a partir de
um conjunto de ações individuais reciprocamente referidas. Por
isso, define como objeto da sociologia a ação que os indivíduos
constroem, orientando-se pela ação dos outros. Nem toda
ação será social, mas apenas aquelas que expliquem alguma
orientação significativa, visando outros indivíduos.
Weber não analisa as regras e normas sociais como
exteriores aos indivíduos. Pelo contrário, as normas e regras
sociais são o resultado do conjunto de ações individuais, sendo
que os agentes escolhem, o tempo todo, diferentes formas de
conduta.
A educação é o meio pelo qual ela prepara, na formação
das crianças, as condições essenciais de sua própria existência.
A educação é a ação exercida pelas gerações adultas sobre
aquelas não amadurecidas pela vida social.
Quando se estuda historicamente a maneira pela qual
se formaram e se desenvolveram os sistemas de educação,
percebe-se que eles dependem da religião, da organização
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política, do grau de desenvolvimento das ciências, do estado
das indústrias.
Toda e qualquer educação, a do rico e a do pobre, a
que conduz às carreiras liberais, como a que prepara para
as funções industriais, tem por objetivo fixar essas ideias na
consciência dos educandos. Resulta que cada sociedade faz o
homem certo ideal.
SUSCITANDO QUESTIONAMENTOS:
VAMOS PESQUISAR E REFLETIR?
ATIVIDADE
1. Levando em consideração a teoria social de Weber, discuta com colegas e descreva como a educação pode ser compreendida, observando a relação entre sujeito e racionalidade.
2. Estabeleça uma relação entre a burocratização do Estado e a educação nesse processo.
FILME RECOMENDADO
Cartaz de divulgação do filme: ELIZABETH - The golden age
ELISABETH. Direção: Shekhar Kapur. Produção: Tim Bevan, Eric Fellner e Alison Owen. Elenco: Cate Blanchett, Geofrey Rush, Christopher Eccleston, Joseph Fiennes, Richard Attenborough. Local de Publicação: Inglaterra/França. Produtora: 20th Century Fox Film Corporation. 2007. DVD
A ambiência é o período de transição entre a Idade Média e a Idade Moderna. O reinado de Elizabeth I foi fundamental para desintegração do feudalismo, onde a frágil monarquia medieval evoluiu na direção de uma monarquia centralizada e forte, contribuindo para a emergência do capitalismo. Uma fase de consolidação (entre os séculos XVI e XVII), onde a burocratização atinge seu apogeu, definindo o conceito moderno de Estado. Vale observar a consolidação do Estado e as mudanças a partir da constituição das relações econômicas.
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Sociologia e Educação I Os Clássicos da Sociologia: Max Weber
RE
FE
RÊ
NC
IAS
COHN, Gabriel (Org.). Sociologia: Weber. São Paulo: Ática,
1996. (Coleção Grandes Cientistas Sociais, 13).
RODRIGUES, A. T. Sociologia da Educação. Rio de Janeiro:
Lamparina, 2007.
WEBER, M. Ensaios de sociologia. Rio de Janeiro: Zahar
Editores, 1971.
WEBER, M. Ética Protestante e o espírito capitalista. São
Paulo: Cia das Letras, 2004.
WEBER, Max. Economia e sociedade. Brasília: Editora da
UNB, 1991.
Suas anotações
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Possibilitar a compreensão dos processos históricos e epistemológicos dos principais conceitos marxistas para a análise da realidade social.
Apresentação de conceitos chaves da Sociologia marxista.
Meta
Objetivo
5 unid
ade
OS CLÁSSICOS DA SOCIOLOGIA: KARL MARX
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UNIDADE IV
1 INTRODUÇÃO
Nesta unidade, você terá a oportunidade de conhecer
um dos principais autores da Sociologia: Marx. Nessa etapa,
os pressupostos históricos e conceituais da sociologia marxista
são contemplados, bem como as relações entre sociologia e
educação, mediadas pelos conceitos chaves do referido autor:
classes, luta de classes, divisão do trabalho, fetichismo da
mercadoria, mais-valia e alienação.
78 Módulo 1 I Volume 4 EAD
Sociologia e Educação I Os Clássicos da Sociologia: Karl Marx
2 MARX - O MOTOR DA HISTÓRIA É A LUTA DE CLASSES
Esse autor tem um
grande destaque no pensamento
ocidental do século XIX, e mais
acentuadamente no séc. XX, ao
promover um corte epistemológico
dentro das referências teóricas
no Ocidente. Ao mergulhar
especificamente nos mecanismos
estruturantes das sociedades
capitalistas, procura esmiuçar as
forças sociais emergentes nesse
novo momento histórico, tentando
compreender como essas forças são
capazes de reproduzir a estrutura
social e controlar as consciências
dos homens.
Com certeza, você já ouviu falar em Marx e conhece a fama
de suas reflexões, sobretudo ao ganhar destaque por seu caráter
dialógico que avança o pensamento sociológico, propriamente
dito. É muito comum ouvir pessoas se declarando marxistas
ou se referindo a uma abordagem marxista. Pela recorrência
do uso do termo e para evitar os modismos de natureza
pouco substancial, é interessante ler os textos marxistas e se
aprofundar no debate. Para os desavisados, atenção e cuidado:
Marx tem uma abordagem densa e acentuadamente de viés
econômico, sobretudo pelas mudanças sociais que ele presenciou
na oportunidade da Revolução Industrial, principalmente a
partir das relações de trabalho.
Marx combina duas vertentes de pensamento ao encarar
a realidade e funda-se também dentro da reflexão filosófica.
Essa vertente dupla do pensamento marxista – sociológico
e filosófico, que converge muitos admiradores, se constitui,
simultaneamente, por um pensamento um analítico, tanto na
perspectiva sociológica, quanto no pensamento normativo,
na perspectiva filosófica. O que seria isso, então? Repare. O
viés sociológico tenta analisar a realidade com suas extremas
contradições sociais estruturais, a partir das contradições das
PARA
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FIGURA 1 - Fonte: http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/8/87/Karl_Marx.png
Marx foi um dos grandes pensadores do século XIX, filósofo alemão, autor de um legado teórico fátuo para a sociologia moderna. Segundo este autor, o capitalismo era o principal responsável pela desorientação humana. Nesse sentido, defendia a ideia de que a classe trabalhadora deveria unir-se, a fim de derrubar os capitalistas, detentores dos meios de produção, e aniquilar de vez a característica abusiva deste sistema. Para Marx, o sistema capitalista era o maior responsável pelas crises, que se viam cada vez mais intensificadas pelas grandes diferenças sociais.
Segundo Marx, a estrutura social caracteriza-se como um sistema de relações sociais, no qual os grupos humanos se posicionam uns diante dos outros e todos diante da produção social, fato este que determina lugares diferenciados e hierarquizados de prestígio, poder e riqueza. A estrutura social comporta a infraestrutura e também a superestrutura (valores, ideologia, representações, ideias, leis).
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próprias condições materiais concretas entre as relações sociais
de uma sociedade capitalista, segundo o autor. Nesse particular,
Marx vai explicar essas contradições a partir da mercadoria e
como a força de trabalho passa a ser também uma mercadoria.
Segundo o autor, há uma tendência histórica nas relações
sociais das coisas se mercantilizarem.
O viés filosófico vai vislumbrar como a sociedade deveria
ser, por isso normativa, projetando uma possibilidade para
transformá-la. Essa distinção é importante na sociologia para
não se confundir pensamento militante com pensamento
analítico.
Nesse caminho que ele defende, ao tentar elucidar os
mecanismos da sociedade capitalista, Marx vai fundo nos
referenciais históricos da humanidade, desde os primórdios da
civilização, procurando uma lei geral que rege a humanidade.
A essa lei geral, ele definiu como as leis da história. Segundo
Rodrigues (2007, p. 33), baseado nos manuscritos de Marx,
essas leis seriam algo como o seguinte:
O que move a história é a luta entre as classes sociais. Compreendendo esta chave, o investigador (e, principalmente, o transformador) social compreenderia a natureza da sociedade capitalista e a direção na qual ela estaria se transformando, graças a suas contradições internas (p. 33).
[...] mas a divisão social do trabalho não é uma simples divisão de tarefas [...]. Ela é também a expressão da existência de diferentes formas de propriedade no seio de uma dada sociedade num dado tempo histórico. As relações de propriedades, por sua vez, dizem respeito aos tipos de relações sociais predominantes numa sociedade a partir dos tipos de propriedades vigentes (p. 33).
Nessa acepção, Marx determina ainda três tempos
históricos marcantes da história da humanidade, que
caracteriza bem as forças produtivas desenvolvidas, onde os
homens acabam constituindo relações sociais de produção.
Os três modos de produção declarados por Marx são: o modo
de produção escravista, na Antiguidade, em que se destaca
a oposição entre as forças entre os escravos e os senhores
de escravos, no regime de escravidão; o modo de produção
PARA REFLETIR
Segundo a concepção marxista, o desenvolvi-mento das contradições de uma forma histó-rica de produção é o único caminho de sua dissolução e do estabelecimento de uma nova forma.
ATENÇÃO
A estrutura social na abordagem marxista está em constante mudança e transformação. Dois fatores são funda-mentais para isto: a contradição entre as formas produtivas e as relações de produção (propriedade privada e produção social) e o desenvolvimento da consciência crítica e revolucionária dos dominados. (consciência em si para consciência para si).
80 Módulo 1 I Volume 4 EAD
Sociologia e Educação I Os Clássicos da Sociologia: Karl Marx
feudal, na Idade Média, mediado pela relação social de servidão,
que opõe servos e senhores feudais; e o modo de produção
capitalista, que promove a relação de assalariamento, opondo
capitalistas e operários.
Segundo Marx, seriam as diferentes formas dos
modos de produção correspondentes às diferentes etapas
do desenvolvimento das forças produtivas materiais que
constituem as relações sociais ao longo do percurso histórico
da humanidade. Essas oposições, identificadas pelos diferentes
modos de produção, constituem classes sociais e, dentro de
seu processo de tensionamento de ordem material, promovem
os conflitos abertos entra as classes dominantes e as classes
dominadas, promovendo o que Marx vai chamar de motor da
história – a luta de classes.
Um dos feitos mais marcantes dentro da produção
intelectual desse autor está no livro O Capital, no qual ele
mostra, com notória lucidez, que a riqueza da sociedade em
que predomina o modo de produção capitalista é dada pelo
acúmulo de mercadorias, da propriedade privada, dos meios
de produção. Mas ele vai ressaltar que justamente a partir da
mercadoria é que o império do capital se funde e se instaura.
O fetiche da mercadoria denota uma específica relação social
entre os próprios homens, à medida que assume a forma
fantasmagórica de uma relação entre coisas (MARX, 2002, p.
198).
Desta maneira, o atributo fetichista do mundo das
mercadorias provém do caráter social do trabalho. Ao
produzirem-se mercadorias, produz-se também mais-valia.
Esta surge em função da característica peculiar da força de
trabalho, uma vez que ela produz um valor excedente ao valor
que o trabalhador recebe ao vender sua força de trabalho.
O sobretrabalho não pago – a mais-valia – é a parte
do valor da mercadoria apropriada pelo capital. Ele é igual
à diferença entre o valor da mercadoria e o valor da força de
trabalho efetivamente pago pelo capital. Para Marx, todas
as mercadorias têm um valor, no qual o valor de troca é
simplesmente o seu reflexo. Esse valor representa o custo de
produção de uma mercadoria à sociedade. Pelo fato de que a
força de trabalho é a força motriz da produção, esse custo só
pode ser medido pela quantidade de trabalho que foi devotada
VOCÊ SABIA?
Ressalta-se que, na concepção marxista, a classe que mantém a dominação no plano econômico também é aquela que procura efetivar a dominação no plano ideológico com sua moral, suas ideias, sua educação, sua formulação de direito.
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à mercadoria.
Sendo assim, o objetivo final e motivo
maior que determina a organização do trabalho
no modo de produção capitalista é a maior
produção possível de mais-valia, isto é, a máxima
exploração possível da força de trabalho.
Assim, o processo de consumo da força
de trabalho é, ao mesmo tempo, o processo de
produção de mercadoria e de valor excedente
(mais-valia). O consumo da força de trabalho,
como o de qualquer outra mercadoria, realiza-
se fora do mercado, fora da esfera da circulação
(MARX, 2002, p. 206).
Nessa esfera, a da circulação ou da troca de mercadorias,
é que a aparência do modo de produção capitalista parece ser
absolutamente civilizada. Proprietários livres que dispõem
de direitos iguais voluntariamente, por meio de contratos,
estabelecem mutuamente relações de troca enganosamente
equivalentes.
O advento do contrato social, portanto, tem o papel
de legitimar esta situação de suposta igualdade formal
estabelecida por meio da aparente igualdade entre as partes,
que exercem sua autonomia ao pactuar livremente, não por
necessidade, mas por vontade, destituindo a relação real entre
trabalhadores e capitalistas de sua conotação de submissão e
exploração de partes concretamente diferentes (MARX, 2002).
É nesse mecanismo de abstração que o processo de alienação
se realiza.
O capital despolitiza as forças antagônicas sociais e
transforma tudo em mercadoria, inclusive a força de trabalho
humano para a realização de uma mercadoria. Ele resgata
a teoria do valor, onde a mercadoria se apresenta com suas
contradições internas ao seu uso. Ao mesmo tempo, apresenta-
se como um objeto útil, ora um valor de uso e ora como valor
de troca. É nesse intercurso que o dinheiro passa a assumir
uma posição especial nas sociedades capitalistas. A ele, todas
as mercadorias são conduzidas para encontrar a expressão do
seu valor. O dinheiro passa assumir um atributo quantitativo de
valoração para o objeto.
Em modos de produção anteriores, o comerciante podia
PARA
REF
LETI
R
A capacidade de trabalhar é o elemento edificante da condição humana, ou seja, nos transformamos em seres humanos pela capacidade de trabalhar, produzir cultura, sedimentar a transformação da natureza e adequá-la às nossas necessidades. Entretanto concebe Marx que esse caráter edificante, socializante e humanizante do trabalho, onde o indivíduo constrói-se na inter-relação com os demais indivíduos, desfaz-se sob a economia capitalista, pois o trabalho humano assume também o caráter de mercadoria que pode ser vendida e comprada.
ATENÇÃO
A teoria do valor é essencial para a compreensão da eco-nomia capitalista, e sua forma elementar - a mercadoria, incorpora um duplo caráter: valor de uso (utilidade) e valor de troca (pode ser trocada, vendida para comprar outra mercadoria).
82 Módulo 1 I Volume 4 EAD
Sociologia e Educação I Os Clássicos da Sociologia: Karl Marx
comprar todas as mercadorias possíveis, mas não o trabalho
como mercadoria. No capitalismo, ocorre uma inversão da
relação original sujeito-objeto para uma relação objeto-sujeito,
isto é, o ser humano passa a ser mero “fator de produção”. O
capitalista paga ao produtor pela sua força de trabalho, pelo
seu valor de troca, e sua utilização ocorre como a de qualquer
mercadoria (MARX, 2002). Assim, o tempo do trabalhador lhe
pertence e, como a força de trabalho, é inerente ao trabalhador;
mas, durante uma parte do tempo, o trabalhador pertence ao
capitalista.
Como afirma Marx (1968), essa apropriação do trabalho
pelo capital, nas condições técnicas herdadas de formas sociais
anteriores, configurou uma situação de subsunção formal, não
restando ao capital, para incremento da captação do trabalho
excedente, senão recorrer ao alongamento da jornada de
trabalho ou a intensificar o seu ritmo físico, extraindo, assim,
a mais-valia absoluta. A base técnica inicialmente subsumida
pela nova forma capitalista não foi um produto do seu próprio
desenvolvimento, mas uma base temporária para o mesmo.
2.1 Marx e a educação
Eis aqui outra diferença entre o pensamento de Marx e de
Durkheim. Para o segundo autor, o poder de coerção da sociedade
sobre os indivíduos aponta que as consciências individuais
são constituídas, reguladas por uma consciência coletiva.
Lembra? Marx, embora resgate essa acepção de dominação da
sociedade sobre os indivíduos, observando o caráter coercitivo,
reelabora-o, trabalhando sob outra perspectiva, a partir de
uma noção de dominação, não realizado na sociedade de forma
simétrica, na sociedade em geral, como prevê Durkheim, mas
sim de uma parte da sociedade sobre a outra, ou, usando as
palavras de Marx, do processo coercitivo de dominação de
uma classe social sobre a outra. Essa é uma situação colocada
historicamente no processo de luta de classes, na história dos
homens.
Como você já percebeu, a evolução histórica das
sociedades humanas é resultante das lutas de classes e, segundo
Ponce (1989, p. 169), “a educação é o processo mediante o
qual as classes dominantes preparam na mentalidade e na
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dade
5
conduta das crianças as condições fundamentais da sua própria
existência”. Entretanto, a educação não foi objeto de reflexão
marxista, no sentido de uma formulação explícita sobre a teoria
da educação nem os princípios teórico-metodológicos da relação
ensino-aprendizagem. Contudo, sua análise sobre as relações
sociais é muito explorada na educação pela aproximação de
suas categorias conceituais para a abordagem das relações de
exploração, alienação e a divisão do trabalho nas organizações
sociais. E também na sua acepção de compreensão de
sociedade.
Nesta concepção, a educação deve ser compreendida
como um produto das relações socioeconômicas, da
estruturação da sociedade, sendo substratada nos meios pelos
quais os seres humanos produzem a sua existência, isto é, pelo
processo produtivo, pelo mundo do trabalho e no âmbito de
suas relações.
Como você percebeu, a sociedade capitalista encontra-se
estruturada entre o capital e o trabalho, fato este que possibilita
a educação, pautada numa formação unilateral, especializada
e alienada constituir-se como um instrumento de manutenção
da hierarquia social.
No entanto, segundo Marx, uma das possibilidades
de viabilizar a superação das dicotomias existentes e da
emancipação do ser humano encontrava-se na integração
entre ensino e trabalho através da educação politécnica ou
formação omnilateral, isto é, a educação intelectual (cultura
geral), a educação corporal (desenvolvimento físico - ginástica
e esporte) e a educação tecnológica (profissional polivalente -
técnico e científico). Por meio da politecnia, que deveria ser
estendida a todos, o ser humano desenvolveria seus sentidos
mais amplamente. Neste sentido, esta concepção de ensino está implicada
na construção e reprodução do conhecimento como um legado
humano, mas também como um recurso para a transformação
da sociedade e do mundo. Como analisa Marx, na sua obra,
Teses sobre Feuerbach, as mudanças das circunstâncias com a
da atividade humana, a exemplo das práticas educativas, podem
ser entendidas racionalmente como prática revolucionária. A
conquista da consciência de classe (consciência política) do
operariado de si e para si é dificultada justamente pelo fato de
Marx se remete a esse termo, a partir do conceito de trabalho, para explicar a necessidade de o homem harmonizar o tempo de trabalho com o tempo livre. Formação omnilateral é o mesmo que equilibrar a essência do trabalho, mas livre das suas acepções de dominação. Para ler mais, ver Manuscritos econômicos e filosó-ficos, de Marx e Engels.
Conforme Marx, a educação politécnica deveria combinar o trabalho produtivo com a educação. Isto resultaria na elevação da classe operária acima das classes burguesas e
aristocráticas.
84 Módulo 1 I Volume 4 EAD
Sociologia e Educação I Os Clássicos da Sociologia: Karl Marx
terem sido privadas dos meios que lhe permitiriam construí-
la.
Perceba, então, o caráter revolucionário e inovador da
educação pautado em um projeto político e pedagógico, estando
o mesmo implicado político e socialmente com os interesses
dos excluídos, contribuindo para a mudança e transformação
dos seres humanos e da realidade social. De resto, o papel
estratégico da escola, dos educadores e intelectuais é decisivo
para a construção da consciência de classe do oprimido,
ajudando-o na edificação do seu ser, consequentemente, na
formação de um indivíduo integralmente desenvolvido para o
qual as funções sociais não passariam de formas diferentes e
sucessivas de sua atividade.
Compreender a escola como meio de produção e o
conhecimento como ferramenta imaterial do processo de trabalho
docente, assim como as novas características determinantes
do processo de trabalho docente, pode levar a problematizar a
tese de que esse trabalho está apenas formalmente subsumido
ao capital. Isso numa perspectiva mais pessimista, uma vez
que Marx acredita que, a partir da percepção dessas forças
antagônicas na sociedade, o processo de luta de classes pode
ser constituído e a educação é vista como uma possibilidade
de emancipação com base na ruptura com a alienação dos
indivíduos.
Marx vê que a educação tem essa dupla possibilidade,
tanto no ponto de vista da emancipação, quanto do ponto de
vista da reprodução – na perpetuação da exploração de uma
classe social sobre a outra, estrategicamente utilizada pelo
capitalista como uma ideologia dominante. Ou seja, para Marx
não há possibilidade de uma educação geral, única. Conforme
o conteúdo de classe ao qual estiver exposta, ela pode ser uma
educação para alienação ou uma educação para a emancipação
(RODRIGUES, 2007).
A lógica capitalista reestruturou a produção material
e espiritual da sociedade, transformando também o espaço
escolar, impondo sua forma organizativa através da divisão
técnica e social do trabalho, da implementação de novas
formas de contratação e da alteração do nível de subsunção
dos trabalhadores da educação ao capital e/ou ao Estado.
O grau de autonomia do professor vem tornando-se cada
PARA
REF
LETI
R
Conforme Marx (1980), quanto menos for o tempo de formação profissional exi-gido por um trabalho, menos será o custo de produção do operário e mais baixo será o preço de seu trabalho, de seu salário.
85PedagogiaUESC
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vez menor, seja pela ampliação de sua jornada de trabalho, seja
pelo rebaixamento de seu nível de qualificação. A cristalização
da imagem do professor como um sujeito pleno de autonomia,
de exercício intelectual inalienável, oculta as origens históricas
do processo de proletarização que tratamos.
Para responder à questão de qual seria o nível
de subsunção da categoria docente ao capital frente às
transformações discutidas, recorre-se a algumas categorias
de análise marxistas e construímos uma nova categoria –
subsunção proto-real – para explicar o processo transitório
entre a subsunção formal e real do trabalho docente ao capital.
O trabalho docente vem sendo alvo de reestruturações, como
procuramos demonstrar; no entanto, isso não quer dizer que
será necessariamente suprimido por formas objetivadas de
trabalho referentes ao ensino e à aprendizagem.
Tal estudo, ao contrário de realizar previsões que
apontem para o fim dessa forma de trabalho, visa compreender
o processo de proletarização em curso há algumas décadas,
em especial sua configuração no atual padrão produtivo, para
contribuir com a reflexão acerca da condição docente e, quiçá,
utopicamente, para a busca de estratégias de sua valorização
social.
3 RESUMINDO O TEXTO: DIALOGANDO COM O ALUNO
Marx estabelece relações entre o todo e as partes,
entre o abstrato e o concreto e entre o lógico e o histórico,
tanto no que se refere ao pensamento (as relações entre as
categorias enquanto questão lógico-epistemológica), como no
que se refere à realidade histórico-social (as relações entre as
categorias enquanto questão relativa ao ser, isto é, questão
ontológica).
Na teoria marxista, o materialismo histórico tenta explicar
a história das sociedades humanas, em todas as suas épocas,
mediada pelas condições materiais, essencialmente econômicas.
A sociedade é comparada a um edifício no qual as fundações, a
infraestrutura, seriam representadas pelas forças econômicas,
enquanto o edifício em si, a superestrutura, representaria as
86 Módulo 1 I Volume 4 EAD
Sociologia e Educação I Os Clássicos da Sociologia: Karl Marx
ideias, costumes, instituições (políticas, religiosas, jurídicas
etc.).
Marx desenvolveu uma perspectiva histórica e sociológica.
A luta de classes é o motor das mudanças sociais. Perspectiva
histórica centrada nas classes sociais.
SUSCITANDO QUESTIONAMENTOS:
VAMOS PESQUISAR E REFLETIR?
ATIVIDADE
A casa não é destinada a morar, o tecido não é disposto a vestir,O pão ainda é destinado a alimentar: ele tem de dar lucro.
Mas se a produção apenas é consumida, e não é também vendidaPorque o salário dos produtores é muito baixo – quando é aumentado
Já não vale mais a pena mandar produzir a mercadoria –, por queAlugar mãos? Elas têm de fazer coisas maiores no banco da fábrica
Do que alimentar seu dono e os seus, se é que se quer que hajaLucro! Apenas: para onde com a mercadoria? A boa lógica diz:
Lã e trigo, café e frutas e peixes e porcos, tudo juntoÉ sacrificado ao fogo, a fim de aquentar o deus do lucro!
Montanhas de maquinaria, ferramentas de exércitos em trabalho,Estaleiros, altos-fornos, lanifícios, minas e moinhos:
Tudo quebrado e, para amolecer o deus do lucro, sacrificado!De fato, seu deus do lucro está tomado pela cegueira.
As vítimasEle não vê.
[...] As leis da economia se revelamComo a lei da gravidade, quando a casa cai em estrondos
Sobre as nossas cabeças. Em pânico, a burguesia atormentadaDespedaça os próprios bens e desvaira com seus restos
Pelo mundo afora em busca de novos e maiores mercados.(E pensando evitar a peste alguém apenas a carrega consigo,
empestandoTambém os recantos onde se refugia!) Em novas e maiores crises
A burguesia volta atônita a si. Mas os miseráveis, exércitos gigantes,Que ela, planejadamente, mas sem planos, arrasta consigo,Atirando-os a saunas e depois de volta a estradas geladas,
Começam a entender que o mundo burguês tem seus dias contadosPor se mostrar pequeno demais para comportar a riqueza que ele
próprio criou.”
(BRECHT, Bertolt. O manifesto: crítica marxista. São Paulo, n. 16, p. 116, mar. 2003.)
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Os versos anteriores fazem parte de um poema inacabado de Brecht (1898-1956) numa tentativa de versificar O manifesto do partido comunista de Karl Marx (1818-1883) e Friedrich Engels. A partir desse texto, responda:
1. Por que o processo de produção material está atrelado a um universo, nebuloso e místico, da lógica capitalista?
2. O que significa uma condição livre dos homens, submetidos ao controle consciente e planejado?
3. Segundo Marx, as ideias de reprodução e emancipação da educação são vertentes possíveis, dependendo do nível e estado do desenvolvimento capitalista. Explique essa questão a partir da relação educação e neoliberalismo.
FILME RECOMENDADO
Cartaz de divulgação do filme: TEMPOS MODERNOS
TEMPOS MODERNOS. Direção: Charles Chaplin. Produção: Charles Chaplin. Elenco: Charles Chaplin, Paulette Goddard, Henry Bergman, Tiny Sandford, Chester Conklin etc. Local de divulgação: EUA, Produtora: United Artists / Charles Chaplin Productions, 1936. DVD.
Esse filme de Charles Charplin apresenta a imagem da sociedade capitalista, a partir do século XVIII, pós-revolução industrial, na Inglaterra. Nesse sentido, o filme retrata as relações sociais no mundo do trabalho e a busca desenfreada pelo lucro e pelos detentores dos meios de produção capitalista. É interessante observar, no filme, a centralidade do lucro, em detrimento da condição humana dos operários, e o processo de alienação da sociedade capitalista na divisão do trabalho.
88 Módulo 1 I Volume 4 EAD
Sociologia e Educação I Os Clássicos da Sociologia: Karl Marx
RE
FE
RÊ
NC
IAS
BRECHT, B. Crítica marxista. n. 16, São Paulo, Unicamp, 2003.
BOUDON, R.; BOURRICAUD, F. Dicionário Crítico de Sociologia. São Paulo: Ática, 1993.
EDER, Klaus. A nova política de classes. Bauru: EDUSC, 2002.
MARX, K.; ENGELS, F. Introdução à crítica da economia política. São Paulo: Alfa-ômega, 1981.
MARX, K.; ENGELS, F. O Manifesto Comunista. São Paulo: Alfa-ômega, 1981.
MARX, K.; ENGELS, F. A Ideologia Alemã. São Paulo: Boitempo, 2007.
MARX, K. O Capital. São Paulo: Abril Cultural, 1932. v. 1.
MARX. K. Trabalho Assalariado e Capital. São Paulo: Global, 1980.
PONCE, A. Educação e luta de classe. 9. ed. São Paulo: Cortez; Autores Associados, 1989.
RODRIGUES, A. T. Sociologia da Educação. 6. ed. Rio de Janeiro: Lamparina, 2007.
Suas anotações
________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________
Possibilitar a compreensão dos processos epistemológicos dos principais conceitos sociológicos de Bourdieu para a análise da realidade social.
Discute sobre dominação, poder e habitus em Pierre Bourdieu.
Meta
Objetivo
6 unid
ade
PIERRE BOURDIEU - E OS HORIZONTES DAS RELAÇÕES DE PODER E A NOÇÃO DE HABITUS
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UNIDADE VI
1 INTRODUÇÃO
Nesta unidade, uma introdução da teoria sociológica
de Bourdieu, você conhecerá os pressupostos conceituais de
sua reflexão sobre o campo da educação a partir da noção de
dominação e reprodução social. Também aprenderá o conceito
de habitus, formulação conceitual basilar na teoria sociológica
do referido autor, apropriada, aqui, para o contexto educativo.
94 Módulo 1 I Volume 4 EAD
Sociologia e Educação I Pierre Bourdieu - e os horizontes das relações de poder e a noção de habitus
2 PIERRE BOURDIEU
Esse autor traz uma contribuição importante nesse
século XX, numa perspectiva mais contemporânea para análise
sociológica. Inicialmente, retoma algumas considerações
durkheimianas com
relação à coerção social
que o sistema exerce
sobre os indivíduos, na
tentativa de mostrar o
peso da sociedade sobre
as práticas educacionais –
particularmente vai fazer
uma demonstração nas
relações de reprodução
de poder no ambiente
escolar, como reflexo
das relações de poder
na sociedade. Por outro
lado, ao abandonar essa
tese estruturalista que o aproximou de Durkheim, ele se debruça
sobre a teoria do habitus, ao reconhecer que os indivíduos
fazem ativamente um conjunto dinâmico de disposições que
envolvem a influência dos diversos ambientes sucessivamente
encontrados na vida e que, não necessariamente, existe apenas
um sistema que define suas condições de vida.
As ideias de Bourdieu não se restringiram à Sociologia
(Etnologia, Antropologia, Psicologia). Sua obra circula entre o
trabalho empírico e a teoria social. Influenciou toda a geração
de pensadores franceses e em outras partes do mundo. Foi
inovador na forma do fazer sociológico. Diferentemente de
muitos de seus contemporâneos, acreditava que a Sociologia
possuía uma função crítica fundamental: desvelar os processos
de funcionamento social, principalmente o poder. Propõe que a
Sociologia seja uma ciência total. Para Bourdieu, a S ociologia
era uma profissão e ao sociólogo cabia o aprofundamento
dos métodos para analisar objetivamente (racionalmente) os
fenômenos sociais.
A versão analítica, com a qual Bourdieu se aproxima
de Durkheim, se refere à ideia da submissão dos indivíduos
PARA
CO
NH
ECER
FIGURA 1 - Pierre Bourdieu Fonte: http://www.pointscommuns.com/img/
ecrivain/3005392.jpg
Pierre Bourdieu era filósofo de formação, foi professor na École de Sociologie du Collége de France. Dirigiu, também, o Centre d´études et de recherches, em Marselha. Foi considerado um dos grandes autores da sociologia na contemporaneidade e se debruçou aos estudos de vários temas sobre cultura, a comunicação e os modos de vida e da socialização. Particularmente no campo da educação, o referido filósofo é autor de uma sofisticada teoria sobre dominação e sobre as relações de reprodução no sistema de ensino.
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ao controle das estruturas sociais,
ou seja, os indivíduos estariam
submetidos a uma ordem na qual
se tornam meros reprodutores
das orientações determinadas pela
estrutura social vigente. Pierre
Bourdieu e Claude Passeron
exploram essa acepção no livro
A reprodução: elementos para
uma teoria do sistema de ensino,
publicada na década de 70. A ação
social é movida por um processo pelo
qual as estruturas se reproduzem
e, nesse particular, a instituição
escolar define que toda a ação
pedagógica é, objetivamente, uma
violência simbólica. Como assim?
Vamos explicar melhor...
Para o autor, os indivíduos
estão mergulhados num profundo
universo cultural que a escola
reproduz a partir de suas relações de poder, através de um
poder arbitrário. Nesse sentido, as estruturas determinam
suas ações e os indivíduos não percebem essa dimensão de
poder, ao iludir-se com os discursos dominantes, e pensam
que suas ações são produções próprias: mas, na verdade, são
reflexos de uma ação reproduzida. Essas relações de poder não
são produzidas pelas classes subalternas, mas
por classes dominantes e são impostas em toda a
sociedade através do sistema de ensino.
Quais são os valores e normas que são
transmitidos na escola? Segundo o autor, são os
valores das classes dominantes, que rejeitam
valores outros. Na perspectiva da dimensão
educacional, o autor coloca a escola em
evidência, apresentando como as dissimulações
dos discursos de poder estão por trás da aparente
neutralidade na escola, estão camuflados nos
discursos escolares. Como se essa instituição não
se reproduzisse, no seu interior, as relações de
R
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MK
O clássico estudo de Pierre Bourdieu e Claude Paserron analisa como as desigualdades sociais e de sucesso escolar devem ser atribuídas às diferenças culturais entre os grupos. Com base neste pressuposto, concebem que, no sistema social, existem mecanismos de distribuição desigual do “capital cultural” assente a disparidade do “ethos de classe”. Apesar disto, não parecem ser suficientes para explicar as desigualdades na escola, desde que, no seu contexto, encontram-se mecanismos propriamente escolares que asseguram a reprodução social através da perpetuação da “cultura dominante”.
SAIBA MAIS
Toda ação pedagógica é, objetivamente, uma violência simbólica porque impõe, por um poder arbitrário, um determinado arbitrário cultural. Por arbitrário cultural, entendem os autores, a concepção cultural dos grupos e classes dominantes, que é imposta a toda a sociedade por meio do sistema de ensino. A ação pedagógica visa a inculcação do arbitrário cultural e deve durar certo tempo para que o educando naturalize seu conteúdo, ou seja, o tenha como verdade. A autoridade pedagógica surge, assim, como uma implicação necessária da ação pedagógica, afirmando-se como poder de violência simbólica de forma legítima que leva os ‘receptores pedagógicos’ não só reconhecerem a legitimidade dessa mesma autoridade, como também a legitimidade da informação transmitida, interiorizando-a. Desta forma, é garantida não só a reprodução cultural, como também a reprodução social.
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SAIBA MAIS
Discordam os autores do discurso dominante, segundo o qual a conquista de uma “escola para todos”, de caráter igualitário, tornaria possível a realização das potencialidades humanas. Concebem que, através de uma aparente neutralidade, a escola dissimula a reprodução das relações sociais e de poder vigentes, na medida em que, sob as aparências de critérios puramente escolares, estão critérios sociais de triagem e de seleção dos indivíduos que os possibilitam e condicionam a ocupar determinados papéis e postos na vida social.
96 Módulo 1 I Volume 4 EAD
Sociologia e Educação I Pierre Bourdieu - e os horizontes das relações de poder e a noção de habitus
poder na própria sociedade. Bourdieu chama isso de a face
oculta do sistema de ensino. Segundo Rodrigues (2007),
[...] Bourdieu e Passeron negam qualquer possibilidade de romper com as estruturas de reprodução e afirmam que as teorias pedagógicas na verdade são cortina de fumaça que procura ocultar o poder reprodutor do sistema que está nas mãos dos educadores. Simplesmente não há saída: o sistema de ensino filtra os alunos sem que eles se dêem conta e, com isso, reproduz as relações vigentes. Não há possibilidade de mudança (p. 73).
Como você está percebendo, a educação passa a ser
definida como reprodutora das desigualdades sociais mais
gerais, as desigualdades entre as classes, procurando manter
o predomínio da racionalidade instrumental e o ethos da classe
dominante. O campo educacional passa a ser visto como um locus
de disputa de poderes, entretanto com posições já delimitadas
pelo capital cultural e econômico herdados por determinadas
classes que procuram manter a estabilidade dos seus interesses
e posições sociais. Em assim sendo, a depender das origens
socioculturais dos jovens (‘gostos de classe’ e ‘estilos de vida’),
havia uma determinação do seu desempenho escolar.
Interrogando-se sobre as razões das desigualdades sociais
nos sucessos escolares, Bourdieu e Passeron, apud Snyders
(2005), mostram que não se trata de uma causalidade simples
e linear que torna o sucesso dependente de um único fator em
particular. Mas, sobretudo, do equilíbrio de um conjunto de fatos;
as condições materiais, o nível cultural, as relações pessoais,
a inserção cultural etc. A exemplo da posição profissional dos
pais que importa num acesso a uma boa escola; a posição
destacada de outros membros da família que proporcionam aos
jovens outros meios de identificação; êxitos; representação e
apoios. Por conseguinte, “as vantagens e desvantagens sociais
atuam em cascata de efeitos cumulativos e precisamente por
isto é muito difícil introduzir, por reforma parcial, qualquer
modificação durável” (SNYDERS, 2005, p. 23).
A ação de todo o sistema institucionalizado não é tão
somente assegurar e transmitir conhecimento novo ao aluno,
mas legitimar escolarmente aquilo que eles já adquiriram, pelo
modo organizado e sistemático de inculcação, os ensinamentos,
Percebe-se que o sistema de ensino ‘filtra’ os alunos sem que eles se deem conta e, com isso, reproduz as relações vigentes. Assim, não há possibilidade de mudança.
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valores e ideologias que os envolveu e os apoiou desde o
nascimento. Analisam ainda os autores que a cultura escolar
assemelha-se muito com a cultura das classes privilegiadas em
relação aos seus hábitos e aos ritos escolares, assimilando os
alunos a contribuição da escola como uma herança que lhes é
familiar, que faz parte do seu contexto. Entretanto, para outras
classes é uma conquista muito cara, é um empreendimento de
adaptação a um grupo social, uma reeducação, como aponta
Snyders. Por isso, na escola, somente triunfam aqueles que
já se beneficiaram antes do recinto escolar no meio familiar
através dos hábitos e de certo estilo de vida.
A educação, na compreensão dos autores, constitui-se
um recurso, uma prática social, importante e imprescindível,
para as estruturas de poder perpetuarem os seus sistemas
simbólicos, assegurando, assim, a sua continuidade no poder e
na dominação.
Parece radical? Pois bem, o livro A reprodução: elementos
para uma teoria do sistema de ensino em que o autor defende
essa tese, durante muitos anos ficou fora das prateleiras. É
que Bourdieu não permitiu mais sua publicação por reconhecer
a radicalidade dessa acepção teórica, não que ela não seja
atraente...Recentemente foi relançado. Essa tese é muito
explorada na educação à revelia do próprio autor, por encontrar
ressonância na análise das desigualdades sociais no universo
escolar. É uma boa discussão que vale ser considerada e por
isso a resgatamos aqui como uma inquietação sociológica.
O autor refez sua interpretação e não mais radicaliza
a partir da impossibilidade de mudança, pois reconhece que
os sujeitos também são protagonistas de uma ação, embora
também sofram influência do sistema. Sua metodologia busca
superar um dilema clássico da sociologia: o subjetivismo e o
objetivismo, o clássico dualismo entre sociedade e indivíduo.
Bourdieu tenta romper com essa questão: buscar romper
com a experiência imediata. A ruptura não é facial, pois o
pesquisador está inserido em diversas instituições. Bourdieu
busca “desnaturalizar o mundo social”, propondo-se a desvelar
as regras do jogo intelectual, político, dos pensadores, dos
cientistas.
98 Módulo 1 I Volume 4 EAD
Sociologia e Educação I Pierre Bourdieu - e os horizontes das relações de poder e a noção de habitus
2.1 Bourdieu e a noção de habitus
A obra de Bourdieu tem várias influências do
estruturalismo francês – Marx, a partir dessa concepção de
reprodução de poder e também de Weber, numa compreensão
mais alusiva do pensamento da racionalidade da ação social.
É nesse particular que ele vai resgatar o conceito de habitus,
que mereceu um esforço levado a cabo durante uma vida inteira
(1972/1977; 1980/1990; 2000/2001). A noção de habitus
é um conceito basilar formulado da teoria sociológica desse
autor. O habitus reconhece que os agentes fazem ativamente
o mundo social através do envolvimento de instrumentos
incorporados de construção cognitiva; mas também afirma,
contra o construtivismo, que estes instrumentos foram também
eles próprios feitos pelo mundo social (BOURDIEU, 1992).
Essa construção foi importante para a análise da educação
ao recuperar tanto o ponto de vista da influência do sistema
sobre os indivíduos, como também reconhecer o caráter da
individualidade do sujeito. O autor rompe com a noção comum
de divisão entre indivíduo e sociedade. Bourdieu retoma essa
questão a partir da noção de habitus, tenta captar a interiorização
da exterioridade e a exterioridade da interiorização. Vamos ver
bem como é isso...
O habitus fornece, ao mesmo tempo, um princípio de
sociação (exterioridade) e de individuação (interiorização):
sociação porque as nossas categorias de juízo e de ação,
vindas da sociedade, são partilhadas por todos aqueles que
foram submetidos a condições e condicionamentos sociais
similares (assim podemos falar de habitus masculino, de
habitus nacional, de habitus burguês etc.); individuação
porque cada pessoa, ao ter uma trajetória e uma localização
únicas no mundo, internaliza uma combinação incomparável de
esquemas. Porque é simultaneamente estruturado (por meios
sociais passados) e estruturante (de ações e representações
presentes), o habitus opera como o “princípio não escolhido
de todas as escolhas”, guiando ações que assumem o caráter
sistemático de estratégias, mesmo que não sejam o resultado
de intenção estratégica e sejam objetivamente orquestradas
sem serem o produto da atividade organizadora de um maestro
(BOURDIEU, 1992). Repare que o autor agora está considerando
As raízes do habitus encontram-se na no-ção aristotélica de hexis, elaborada na sua doutrina sobre virtude, significando um estado adquirido e firmemente estabe-lecido do caráter moral que orienta os nossos sentimentos e desejos numa situação e, como tal, a nossa conduta.
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que a ação social não é apenas a reprodução de uma atividade
realizada pelos indivíduos, mas também observa elementos de
uma construção particular desenvolvida por cada indivíduo a
partir dessa influência vivida e incorporada nas relações sociais.
Sendo assim, o determinismo de antes é relativizado por esses
elementos da individuação.
Simultaneamente você sofre influência, mas produz
influência também na sociedade, por isso a “interiorização da
exterioridade”. Quando você internaliza os valores e as normas
da sociedade a partir da influência da exterioridade – interioriza
o exterior; e a “exterioridade da interiorização”, ou seja, as
expressões na sociedade de sua influência, de sua ação social.
Para esta filosofia da ação disposicional, o ator econômico não é
o indivíduo egoísta e isolado da teoria neoclássica, uma máquina
computadorizada que procura deliberadamente maximizar a
utilidade na perseguição de objetivos claros; é antes um ser
carnal, habitado pela necessidade histórica que se relaciona
com o mundo através de uma relação opaca de cumplicidade
ontológica e que está necessariamente ligado aos outros
através de uma conivência implícita, sustentado por categorias
partilhadas de percepção e de apreciação (BOURDIEU, 1992).
Habitus resume não uma aptidão natural, mas social. Por
essa razão, é variável através do tempo, do lugar e, sobretudo,
através das distribuições de poder; transferível para vários
domínios de prática, o que explica a coerência que se verifica,
por exemplo, entre vários domínios de consumo – na música,
desporto, alimentação e mobília, mas também nas escolhas
políticas e matrimoniais – no interior e entre indivíduos da
mesma classe e que fundamenta os distintos estilos de vida
(BOURDIEU, 1992).
Nessa perspectiva, o habitus, assim adquirido pelo ator
social, constitui uma matriz de percepção, de apreciação e
de ação que se realiza em determinadas condições sociais. O
habitus adquirido, incorporado pelo indivíduo nos diferentes
espaços sociais em que transitou, constituirá, assim, uma
matriz de percepção, apreciação e ação pela qual ele se guiará.
Considerando que o habitus corresponde à incorporação do
social no indivíduo, sob a forma de esquemas de pensamento
e ação, é um conceito potente para pensar o processo de
constituição das identidades sociais a partir das trajetórias de
100 Módulo 1 I Volume 4 EAD
Sociologia e Educação I Pierre Bourdieu - e os horizontes das relações de poder e a noção de habitus
vida e, nesse particular, compreender as diferenças sociais e os
antagonismos no interior da escola.
A noção de habitus corresponderia a uma atitude de
conservação, unidade de análise significativa, através da
qual seria possível compreender como uma determinada
sociedade busca assegurar sua constância e se defender contra
as mudanças sociais. A ação social parece ter-se deslocado,
assim, dos agentes individuais da ação para associar-se aos
sistemas de disposição e as posições sociais específicas que ela
reflete. Seria um subproduto da luta simbólica pelo monopólio
da nomeação legítima, isto é, pela produção do senso comum.
A partir dos antagonismos sociais, o conflito seria
entendido através dos movimentos no interior dos ordenamentos
sociais em busca de maior legitimidade a um poder dominante.
O habitus como uma noção que constrange os agentes a
comportamentos específicos, exteriores aos próprios atores,
produto que é do jogo de forças dentro de campos sociais
onde se estruturam e se solidificam as práticas e as atitudes
consideradas legítimas (de um social qualquer).
O conflito para Bourdieu, deste modo, fundamenta
uma ordem e um poder de dominação legítima, reajustando
as práticas integrativas no seu interior. O conflito atualiza
dentro dos campos sociais o que as distâncias e as ausências
exprimem, recriando a dominação e o habitus formadores dos
agentes sociais em uma ordem específica.
A escola, então, enquanto um espaço de excelência das
diferenças e dos antagonismos, palco de grandes conflitos, tem
como possibilidade refletir-se a partir da noção de habitus, ao
legitimar-se dentro de uma ordem específica, revendo suas
relações de dominação.
3 RESUMINDO O TEXTO: DIALOGANDO COM O ALUNO
Você viu que o autor vai mostrando como a evolução da
sociologia da educação consiste em realçar, do ponto de vista
diacrônico, como foi mudando a concepção da relação entre
escola e o social – a partir da sociologia clássica, consubstanciada
na obra de Durkheim. A essa perspectiva funcionalista, eclode
101PedagogiaUESC
Uni
dade
6
o período de transformações aceleradas do Estado capitalista
e de seus sistemas educativos, como uma nova emergência da
questão social, promovendo a reprodução das desigualdades
e hierarquias sociais. As instituições de ensino, como uma
instituição social nessa concepção de Estado, ainda sob o
viés de uma perspectiva funcionalista, reproduzem, também
no interior da escola, essas mesmas contradições do Estado
capitalista, através do exercício de uma violência simbólica,
convertendo atos de exclusão do próprio sistema econômico
em atos dos próprios indivíduos. Essa Sociologia de denúncia,
da reprodução, alimenta uma variante de um determinismo
social, na medida em que uns dos seus mais importantes
pontos de apoio teórico consistiram na “hipótese inverificável
de uma vontade perversa escondida nas pregas da estrutura
social” (CANÁRIO citado por DEROUET, 2000, p. 201).
Embora muito aceita nos domínios disciplinares da
educação, essa hipótese ganhou nova acepção do próprio autor,
desmistificando a crença na objetividade da cultura escolar,
reconhecendo que a socialização escolar não é absoluta.
As transformações do Estado e dos sistemas educativos
marcam uma nova concepção desenvolvida pelo autor, a partir da
noção de habitus que ganha mais ressonância na interpretação
sociológica; o deslocamento do nível de análise e a renovação
teórica estão estreitamente associadas à emergência de novos
objetos de estudo, mais micro, a partir da “descoberta do aluno”
e de outros atores educativos, para além de uma perspectiva,
mais macro, das estruturas.
SUSCITANDO QUESTIONAMENTOS:
VAMOS PESQUISAR E REFLETIR?
102 Módulo 1 I Volume 4 EAD
Sociologia e Educação I Pierre Bourdieu - e os horizontes das relações de poder e a noção de habitus
FILME RECOMENDADO
ESCRITORES DA LIBERDADE. Direção: Richard LaGravenese Produção: Danny DeVito, Michael Shamberg, Stacey Sher Elenco: Patrick Dempsey, Will Morales, Anh Tuan Nguyen, Vanetta Smith, Imelda Staunton, Hilary Swank, Deance Wyatt. Local de divulgação: Alemanha e EUA Produtora: Paramount Pictures Brasil. 2007. DVD.
O filme retrata o desafio da educação num contexto social adverso e os antagonismos entre os paradigmas institucionalizados das relações de poder no ambiente escolar. É interessante observar como os próprios educadores podem reproduzir as diferenças socioculturais, quando cristalizam suas perspectivas educativas para determinados grupos sociais marginalizados. O filme, no entanto, num viés otimista, apresenta a batalha frente às hostilidades das relações de autoridade, a partir de um movimento individualizado, das possibilidades de superação e de transformação de uma realidade dada.
Cartaz de divulgação do filme: EM NOME DE DEUS
ATIVIDADES
A partir do comentário abaixo, responda:
O abandono, por vezes incontrolado, das preocupações relacionadas com a reprodução social e as desigualdades foi, em geral, feito à custa do abandono de uma intencionalidade crítica e da conseqüente valorização de uma sociologia mais pragmática que se aproxima mais da engenharia escolar do que da atividade de crítica global à escola e aos sistemas educativos (CANÁRIO citado por CORREIA, 1998, p. 37).
1. É possível identificar o conceito de reprodução social de Bourdieu? O que ele está chamando de reprodução escolar?
2. Explique a noção de habitus para educação.
103PedagogiaUESC
Uni
dade
6
BOURDIEU, P. A reprodução: elementos para uma teoria do
sistema de ensino. Lisboa: Veja, 1978.
BOURDIEU, P. O poder simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand
Brasil, 1992.
BOURDIEU, P. A distinção: crítica social do julgamento. Porto
Alegre: Zoux, 2007.
BOUDON, R.; BOURRICAUD, F. Dicionário Crítico de
Sociologia. São Paulo: Ática, 1993.
CANÁRIO, R. O que é a escola: um “olhar” sociológico. Porto:
Porto Editora, 2005.
SNYDERS, Georges. Escola, classe e luta de classe. São
Paulo: Centauro, 2005.
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Suas anotações
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Possibilitar a apreensão dos processos de socialização, a partir de distintas abordagens sociológicas, para a compreensão das novas configurações sociais.
Aborda os processos de socialização escolar.
Meta
Objetivo
7 unid
ade
FRANÇOIS DUBET – SOCIOLOGIA DA EXPERIÊNCIA: UMA NOVA VERSÃO DA
SOCIALIZAÇÃO ESCOLAR
107UESC
UNIDADE VII
1 INTRODUÇÃO
Nesta unidade, vamos discutir uma nova abordagem
das análises sociológicas nas sociedades contemporâneas,
trazendo uma nova versão dos processos de socialização.
Essa concepção é importante para a compreensão das novas
configurações sociais na atualidade, frente aos ditames da
fragmentação das relações sociais. Você vai conhecer uma
referência da sociologia contemporânea, François Dubet, para
compreender o universo escolar hoje, com suas dinâmicas cada
vez mais inquietantes do ponto de vista prático, na nova versão
do conceito de socialização escolar.
108 EAD
2 FRANÇOIS DUBET – SOCIOLOGIA DA EXPERIÊNCIA: UMA NOVA VERSÃO DA SOCIALIZAÇÃO ESCOLAR
Dubet é um sociólogo
francês, estudioso da juventude
marginalizada na França, que se
debruçou a compreender os dilemas
da escola francesa contemporânea a
partir da complexidade de seu modelo
escolar. Tem apresentado muito
destaque no campo educacional
ao propor uma nova abordagem
sobre o processo de socialização.
Ao considerar as mudanças nas
sociedades contemporâneas, novas
configurações sociais também se
desenham qualquer que seja o
desenvolvimento econômico dos
países. Todavia, parece que a
sociedade atual apresenta regulações
bem distintas e as instituições
tradicionais (escola, família, religião
etc.) parecem não serem capazes de
enquadrar novas demandas que se colocam nessa sociedade
atual.
Nesse sentido, o autor tece críticas aos conceitos
tradicionais de socialização centrados na ideia de sua
representação como interiorização pelos indivíduos da realidade
social, de suas regras e costumes. Sua reflexão se encaminha no
sentido de analisar as instituições tradicionais como incapazes
de enquadrar essas novas demandas, pois esvaziaram sua
significação e não cumprem mais o papel de controle social.
O autor tenta abordar a fragmentação dos papéis
conferidos pelas instituições sociais clássicas, na formação dos
indivíduos, alimentando um processo de desinstitucionalização
das instituições sociais morais: família, escola, igreja etc. Tenta
apresentar essa nova configuração a partir do complexo modelo
escolar francês.
SAIBA MAIS
Abordagens construídas pelos autores clássicos como Durkheim e Noberto Elias, Ver: Elias, N. O Processo civilizatório (1994).
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François Dubet é sociólogo francês, pesquisador do Centre d´Analyse et d´Intervention Sociologigues – CNRS (Centre des Hautes Études em Sciences Sociales). Professor titular e chefe do departamento de sociologia da Universidade de Bordeaux II e membro sênior do Institute Universitaire de France. Atualmente vem sendo bastante referenciado na educação por suas pesquisas ligadas a jovens e aos dilemas escolares das escolas contemporâneas francesas.
FIGURA1 - François Dubet
Fonte: http://www.mps-ufeo.org/galeries_ufeo/good/francois_dubet.jpg
109UESC
2.1 Conceito de desinstitucionalização
Dubet (1998) apresenta o conceito de
desinstitucionalização, em contrapartida da tradição clássica,
do conceito de socialização, no qual Parsons (1970) já
identificava nas instituições o conjunto de papéis e valores a
serem projetados nos indivíduos a partir das instituições sociais
(família, escola, igreja, comunidade, o direito etc). Segundo
Elias (1994), o processo de civilização foi tomado como
referência nas sociedades modernas a partir da construção
dessa internalização dos princípios gerais que as instituições
consolidam no sujeito. Essa internalização de normas e valores
se constrói de forma autônoma de ação e julgamento de si e de
outros, pois os indivíduos passam a se reconhecer, inicialmente,
na sua relação com o outro.
A representação da escola, por exemplo, corresponde
a esse princípio de socialização, por conta da significância
de seus valores e de suas disciplinas. Baseado no modelo
escolar francês, o autor tem como referência de socialização a
identificação do aluno ao mestre, subsidiada por uma prática
pedagógica. Assim sendo, cada modelo de instituição escolar
objetiva uma orientação de formação de pessoas. A saber:
escola elementar, formação de cidadãos franceses; escola
profissional, formação de operários; e, por fim, os liceus
clássicos, formação de homens de cultura. Essas classificações
são os segmentos de ensino do modelo francês.
Essa concepção de representação do outro, através dos
valores universais na construção da personalidade do indivíduo,
também cabe para explicar as instituições como a família e a
religião. Essa institucionalização dos valores e normas da família
é consolidada a partir de uma dada definição dos papéis sexuais
e por faixa etária a serem compartilhados pelos membros dessa
instituição e, na família moderna, além da própria definição dos
papéis sociais conferidos, tem o postulado da adequação dos
sentimentos. Para a religião, a igreja consolida-se a partir do
referencial da fé e do dogma, nas relações entre os indivíduos
e as composições sociais na sociedade.
A noção contida na sociologia clássica de que a realidade
social é um sistema integrado aos conceitos de modernidade e
as categorias Estado-nação e a divisão do trabalho não condizem
ATENÇÃO
Parsosn e Elias apre-sentam uma versão clássica no processo de socialização, a partir da ideia de internalização de papéis, produzidos a partir da interiorização de normas e valores, visando a coesão do sistema.
110 EAD
com as mudanças verificadas na contemporaneidade, segundo
Dubet. A unidade e a identidade do sujeito não são mais um
dado. As relações e as dinâmicas suscitadas por essas lógicas é
que constroem a subjetividade do ator social e sua reflexividade
nesse contexto. Assim, o indivíduo social é concebido como
contendo uma subjetividade e não interpretado apenas como
simples agente da dinâmica social. Subjetividade representa,
para Dubet, a capacidade de reflexividade na experimentação.
O autor, nesse sentido, busca diferenciar a subjetividade da
noção de sujeito. Isso significa que a subjetividade é o reflexo
da ação do sujeito no contexto da realidade social. Vamos
explicar melhor essa ideia...
Os indivíduos não se relacionam mais
com a estrutura a partir de desenvolvimento
de papéis sociais apreendidos na socialização.
Há um processo de experimentação social que
reforça a individualidade. Os papéis sociais não
mais significam formas de condutas que serão
necessariamente desempenhadas pelos atores
sociais. Ao negar o modelo de socialização
clássico, defendido por Parsons (1970), no qual
as instituições sociais balizam a formação dos
indivíduos a partir de um cabedal de normas,
valores e costumes de uma dada sociedade, Dubet
resgata a própria experiência dos indivíduos como ação a ser
internalizada pelos sujeitos. Não se observa mais modelos,
papéis a serem reproduzidos, mas uma a experiência social.
Essa é a combinação de várias lógicas de ação, significando
o rompimento com a ideia de identidade/representação de
papéis e incorporação do ator de assumir várias lógicas de
ação. As combinações de lógica de ação não têm um sentido
único ou um centro. A experiência social não é uma maneira
de construir o mundo através das emoções, mas uma maneira
de construir o mundo cognitivamente, reflexivamente, através
de sua subjetividade. A experiência social se coloca entre
as ideias de uma autonomia do indivíduo e da objetivação
social. Os atores sociais não se empenham no desempenho
do papel, porque possuem uma experiência própria. A ideia de
identidade (vocação e expectativas) do ator e substituída pela
de experiência; o ator se distancia do papel.
ATE
NÇ
ÃO
Experiência social é uma categoria importante na teoria de Dubet, pois vai de encontro com a socialização clássica promovida pelas instituições sociais. A experiência é outro tipo de socialização, aqui, vivenciada pelos indivíduos, nas suas capacidades de iniciativa e de escolha realizada na ação social. Só na ação social se constrói um conhecimento da sociedade, onde cada indivíduo experimenta, constrói a partir de suas práticas no meio da heterogeneidade.
PARA REFLETIR
Reiterando, instituições sociais que promovem um tipo de socialização inicial nos indivíduos: família, escola, religião etc.
111UESC
Há uma separação da subjetividade do indivíduo e
da objetividade do papel. A socialização, em sua concepção
tradicional de incorporação de papéis, não se realiza nas
circunstâncias das novas configurações sociais com efetividade.
A experiência do ator, atualmente, se realiza e se inscreve
em registros múltiplos e não congruentes das expressões
sociais contemporâneas. Vamos explicar melhor esse quadro
teórico com um exemplo adotado pelo próprio Dubet, nas suas
pesquisas sobre jovens do subúrbio e professores.
É muito comum esse conflito entre juventude
marginalizada e educadores, a resistência na capacidade de
superação desses grupos sociais, em razão das mais diversas
explicações socioeconômicas. Parece um antagonismo comum,
reproduzindo muitas especulações negativas, o estigma e
resistência a ele, exagerando as características desse grupo
social. O estigma como instrumento de controle social volta-se
contra quem os estigmatiza. Para Dubet, a experiência desse
estigma faz com que esses jovens respondam, também, de
forma negativa a essa forma de violentá-los.
Dubet (1991), através de uma pesquisa sobre a
experiência escolar de estudantes do relativo ao ensino médio
francês, tenta mostrar como essa socialização se realiza como
ação da experiência. Ele mostra o assujeitamento dos jovens
sobre o seu próprio grupo na escola, a partir de uma dupla
experiência vivida no interior da instituição escolar: a experiência
de aluno e de jovem. Segundo o autor, é se autovalorizando
na experiência de jovem, que ele compensa ou se defende da
desvalorização de sua outra experiência escolar – de aluno, das
vicissitudes do julgamento escolar. O autor coloca ainda que,
em sua forma mais explícita, a resistência do “jovem” pode
tomar forma de violência. Repare que a “experiência de aluno”,
embora seja perpetrada por um modelo, um papel a cumprir,
ela escapa dessa configuração mais clássica de socialização e
recupera a mais condizente com sua experiência, sua vivência.
É essa forma de socialização que faz mais sentido para sua
condição de vida.
112 EAD
2.2 Sociologia da experiência
A dominação absoluta por parte da instituição não
consegue reduzir a experiência do ator em relação aos papéis
impostos e constituiu-se uma subjetividade própria. Mesmo
no interior de uma instituição como a escola, o gerenciamento
de um modelo integralizador de condutas, normas e valores,
permite o desenvolvimento de uma socialização a partir de sua
experiência social. A experiência social se evidencia como a capacidade
de construção da realidade e de um projeto social,
concomitantemente subjetivo e cognitivo. Ou seja, uma
construção crítica do real, por meio de uma relação reflexiva
desenvolvida pelos indivíduos que julgam sua experiência e as
redefinem. Compreende a experiência social como a atividade
pela qual cada indivíduo constrói uma ação, cujo sentido e
coerência não são mais alocados por um sistema homogêneo e
por valores únicos quer servem para todos.
A funcionalidade de uma instituição ou a dominação
extrema não são elementos capazes de conformar papéis. Isso
não pode ser concebido como anomia ou desvio, mas como
necessidade de passar a interpretar a realidade a partir de
categorias como experiência social em detrimento da categoria
ação.
Nesse sentido, o objeto de uma Sociologia da experiência
é a própria subjetividade dos atores. A consciência dos atores
e a ideia que eles têm do mundo e deles próprios é a matéria
essencial. Os fatos mais objetivos não deixam de ser um fato
subjetivo. Subjetividade não é o vivido, mas a necessidade
de percepção da ação como experiência e como um drama.
A análise social observa, nesta experiência, problemas sociais
e questões que podem vir a explicar muitas ações sociais
hoje consideradas sem explicações ou, o que pior, tentando
medicalizar comportamentos considerados “desviantes”. Os
atores vivem a angústia da “experiência”, uma experiência nem
sempre das mais agradáveis de ser vivenciada. A experiência
é um projeto ético e não, necessariamente, uma realização.
Experiência é a consequência da dualidade moderna que
introduz uma separação no sujeito, criando o espaço de uma
subjetividade.
ATENÇÃO
Os indivíduos, con-forme o autor, não se relacionam mais com a estrutura a partir de desenvolvimento de papéis sociais apreendidos na sociali-zação. Há um processo de experimentação social que reforça a individualidade. Os pa-péis sociais não mais significam formas de condutas que serão necessariamente de-sempenhadas pelos atores sociais.
113UESC
3 RESUMINDO O TEXTO: DIALOGANDO COM O ALUNO
Dubet aprofunda sua análise na instituição escolar
francesa, sobretudo, no modelo republicano francês. Ele
apreendeu um processo de mudança nesse mecanismo de
formação dos indivíduos, que foram se alternando até uma
determinada fase, num estado de crise. Para o autor, duas
situações promoveram esse estado de crise no universo escolar,
que, dentro de uma leitura sociológica, podemos recuperar
para a realidade brasileira.
A primeira situação se dirige mais acentuadamente ao
caráter fragmentado e desinstitucionalizador da instituição
escolar. A escola perdeu sua clareza e unidade, na medida em
que perdeu a capacidade de articular o seu desenvolvimento
e autenticidade com busca de utilidades escolares em relação
ao mercado. Aqui incide o problema da unidade e clareza de
seus objetivos, pois desencadeia uma má institucionalização
na construção desses indivíduos que estão submetidos a sua
socialização.
Outra questão observada por Dubet diz respeito aos
adolescentes e jovens que conseguem, com maior rigor,
construir experiências alternativas a esse “vazio” constituído
no processo de institucionalização das normas. Esses
valores e normas parecem estar completamente distantes
de suas aspirações e dos componentes balizadores de suas
subjetividades. É essa a representação do vazio que as
instituições têm promovido a esses jovens. Por isso, a ideia
da experiência, em que eles constroem vivências ao invés de
internalizar papéis. Por exemplo, jovens experimentam formas
de convivência no grupo, para se destacar, para se proteger
etc. Essas vivências são mais impactantes, do ponto de vista
de sua socialização, do que os valores promovidos nas escolas,
nas famílias, até porque, muitas vezes, esses valores são
produzidos de forma incoerente. Por exemplo, a escola cobra
determinados comportamentos dos alunos, de respeito, de
atenção, de disciplina, mas não se pratica da mesma forma
quando se dirigem aos alunos.
Outro exemplo, a ideia de amor deixa de ser uma
experiência pessoal para ser uma experiência social. O amor
114 EAD
deixa de ser desintegrador para ser integrador. A ideia de
família duradoura e a do amor se fundem. Consequência:
mais divórcios, famílias monoparentais, novos modelos de
família. A família não está em crise, o que ocorre é uma nova
experimentação de família.
Surgem novas tecnologias sociais: conselhos conjugais,
educação sexual, imprensa feminina. A experiência individual,
concomitantemente, se torna mais subjetiva e mais social.
A experiência social é construída. Não é a expressão de um
sujeito. A ideia de concepção de mundo social único e coerente
deriva do indivíduo que organiza a experiência a partir de
formas definidas.
Outra questão colocada pelo autor, nesse processo de
desinstitucionalização, envolve a massificação escolar. Essa
situação, recorrente na contemporaneidade, funciona mediada
por um mercado, no qual os indivíduos agem de acordo com
seus recursos, promovendo uma extensa competitividade entre
os grupos sociais e estabelecimentos de estudo.
Esse drama ocorre em razão de fortes ajustes pedagógicos
conferidos para dar conta da seleção social que a escola fazia
para cada tipo de formação voltada para os diferentes grupos
sociais. Com a massificação, a seleção passou acontecer de
forma branda e fracionada, incorporada no próprio sistema,
como se fosse inerente. Dubet enfatiza que a escola, nessa
direção, perdeu sua capacidade de administrar as relações
de ordem interior e exterior, do universo escolar e juvenil. A
organização escolar incidiu numa ausência de enquadramento
da vida juvenil e destaca que os problemas de tensão entre
aluno e adolescentes/jovens estão no centro da experiência
escolar.
O desenvolvimento de uma sociologia dos atores
educativos representa uma mudança de paradigma, em
particular, na compreensão do aluno como ator que age
estrategicamente e se forma, construindo a sua experiência
na articulação de distintas lógicas de ação. Relativamente
às concepções dominantes há trinta anos “[...] as análises
sociológicas sofreram mudanças significativas: de uma lógica
de “denúncia” para uma “lógica da interpretação”, de uma
sociologia “macroestrutural” para uma “microssociologia”,
deslocando o seu foco de análise do “funcionamento das
115UESC
estruturas” para o “campo fluído da construção social das
práticas e dos problemas educativos” (CANÁRIO, 2005, p. 39).
Essa sim seria uma nova abordagem para os processos de
socialização, na análise sociológica.
SUSCITANDO QUESTIONAMENTOS:
VAMOS PESQUISAR E REFLETIR?
ATIVIDADE
1. Para François Dubet, a experiência social substituiu a ação no processo de socialização na contemporaneidade. Descreva como se dá esse processo e como ele influencia a violência entre os jovens e as desigualdades sociais, segundo o autor.2. Qual a contribuição desse autor no campo da sociologia da educação? Recupere seus principais conceitos sociológicos.
FILME RECOMENDADO
Cartaz de divulgação do filme: PRO DIA NASCER FELIZ
PRO DIA NASCER FELIZ. Direção: João Joaquim. Produção: Flávio R. Tambellini e João Jardim. Elenco: não divulgado. Local de divulgação: Brasil. Produtora: Ravina Filmes / Fogo Azul Filmes, 2002. DVD.
O filme – documentário - retrata a situação de jovens da mesma faixa etária, mas em ambientes e condições socioeconômicas diferenciadas, em várias realidades brasileiras. Debruça-se a mostrar as diferentes expectativas desses jovens no enfrentamento de suas experiências de vida, junto ao preconceito, à violência, à insegurança e à esperança. O filme explora as fragilidades internas do sistema de ensino brasileiro e procura centralizar as experiências
individualizadas no caminho de superação.
116 EAD
RE
FE
RÊ
NC
IAS
BAUMAN, Zygmunt. Modernidade e ambivalência. Rio de Janeiro: Zahar Editores, 1999.
BERGER, Peter; LUCKMANN, T. A construção social da realidade. Petrópolis: Vozes, 2003.
DUBET, François. Sociologia da Experiência. Lisboa: Instituto Piaget, 1994.
DUBET, François. A formação dos indivíduos: a desinstitucionalização. Revista Contemporaneidade e Educação, ano III, n. 03, mar. 1998.
ELIAS, N. O processo civilizador. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1994. v. 1.
PARSONS, T. A sociologia americana. São Paulo: Cultrix, 1970.
Suas anotações
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Profa. Rogéria Martins
Socióloga, Mestre em Educação/UFBA e doutoranda em Políticas Públicas/UERJ.
Prof. Dr. Elias Lins Guimarães
Sociólogo, especialista em Sociologia - PUC/MG, mestre e doutor em Educação - UFBA/BA, professor do Departamento de Filosofia e Ciências Humanas/DFCH – UESC.
Informações sobre os autores
119UESC
Gostaríamos de enfatizar que a proposta desse material
é apenas uma breve apresentação de algumas abordagens
teóricas no campo disciplinar da sociologia da educação.
O universo é imenso, tivemos que focar, muitas foram as
limitações: proposta pedagógica do curso, tamanho do material,
tempo para o critério de seleção e volume de informações.
Cada dia escrevendo, percebemos a necessidade gritante
de lançar mão de mais exemplos, mais versões teóricas, mais
interpretações sociológicas, outros autores... Enfim, o rigor
metodológico nos segurou as mãos e o teclado.
Tentamos construir uma abordagem, fomentando
inquietações, curiosidades, mais necessidade por parte do
aluno em buscar as sugestões bibliográficas e as próprias
referências que não foram aqui sistematizadas nas sugestões,
sem, contudo, serem consideradas desprezadas.
A metodologia de trabalho foi um capítulo à parte:
definimos estratégias de construção coletiva. Nesse sentido,
algumas unidades foram conduzidas individualmente, mas
com a contribuição de revisões atentas de ambos os autores
e, na unidade de Marx, registramos efetivamente uma autoria
conjunta. Dadas as nossas atividades cotidianas, o tempo de
escrever se definia de forma muito particular para cada autor
e nos isolava na escrita. Coisas de um tempo com restrições
temporais.
Estamos vivenciando uma nova versão de um modelo
educativo, e esse material é uma primeira experiência que
estamos construindo, com a nítida certeza de que precisamos
melhorar. O diálogo e a interlocução de vocês serão
CONCLUSÃO DOS AUTORES
120 EAD
importantíssimos para o enriquecimento desse trabalho e, por
isso, contamos com uma avaliação cuidadosa da proposta desse
material: a linguagem, a arrumação dos textos, as atividades,
as sugestões de filmes... Enfim, demais atividades a serem
propostas para melhorar a compreensão de vocês.
Mas não podemos deixar de enfatizar: em um curso de
sociologia, bem como nos demais cursos da área de humanas,
a leitura é imprescindível! Não existe possibilidade de participar
sem essa contrapartida de vocês. A interpretação da realidade
é mediada por um corpo teórico que precisa ser conhecido e
apropriado para iniciar um debate. Sem o apoio desse inventário
teórico (que não necessariamente devem ser somente os aqui
apresentados), caímos na velha armadilha dos “achismos” e
num caldeirão de opiniões, construídas pelo senso-comum, ao
que Toquecvile chamou de tirania da opinião.
O desafio é grande, afinal a nova linguagem pedagógica
vai exigir de todos nós: vocês, enquanto alunos, e nós,
professores, um esforço considerável para compreender, sem
aquela velha linguagem escolar: nossa troca de olhares – aquela
que a gente percebe e aplica quando não estamos entendendo
uma questão...
Assim sendo, nos apropriamos de uma leitura da
professora Marilena Chauí para tentar elucidar um pouco essa
relação entre a existência de professores e alunos virtuais, mas
absolutamente reais, em tempos pós-moderno:
Se a modernidade havia caracterizado pela confiança iluminista na razão como força que libera o homem do medo causado pela ignorância e pela superstição a pós-modernidade proclama a falência da razão para cumprir a promessa emancipatória e exibe sua força opressora sobre a natureza e sobre os homens. [...] Declara-se o fim da separação moderna entre o público e privado, em benefício do segundo termo contra o primeiro, fazendo-se o elogio da intimidade e criticando-se os pequenos poderes na família, na escola e nas organizações burocráticas; nega-se a possibilidade de teorias científicas e sociais de caráter globalizante, pois não possuiriam objeto a ser totalizado num universo físico e histórico fragmentado, descentrado, relativo e fugaz. Prevalece a sensação do efêmero, do acidental, do volátil, num mundo onde “tudo que é sólido derrete no ar” [...] Os objetos são descartáveis, as relações pessoais e sociais têm
121UESC
rigidez vertiginosa do fast food [...] tempo e espaço foram de tal modo comprimidos pelos satélites e telecomunicações e pelos meios eletrônicos, assim como pelos novos transportes, que o tempo tornou-se sinônimo de velocidade e, o espaço, sinônimo da passagem vertiginosa de imagens e sinais (CHAUÍ apud RODRIGUES 2007, p. 124),
O nosso desafio é justamente dialogar com um tempo
em que estamos perdendo a centralidade, desarticulando a
aparente e inquestionável racionalidade de uma dinâmica
considerada natural.
A partir desse novo modelo educativo, a relação entre
professores e alunos virtuais define uma nova configuração de
novos atores envolvidos no processo educativo: o professor
coletivo e o estudante autônomo (BELLONI, 1999). E, nesse
particular, sugerimos aos estudantes dessa modalidade uma
atenção primordial com a responsabilidade de sua autonomia e
da qualidade de sua formação.
Estamos abertos à experiência e receptivos à novidade,
abrindo um universo de possibilidades para o nosso cotidiano
de trabalho docente, tentando compreendê-las dentro do curso
da história, como sugere Lévy (1999), mas sem abrir mão da
perspectiva humanista dentro do conteúdo técnico de um novo
fazer pedagógico.
Contudo, fechamos esse trabalho com apenas uma única
certeza: sem uma formação teórica sólida, os novos fazeres
pedagógicos e todo o esforço que as tecnologias de informação
e comunicação acumularam para chegar até aqui de nada
valerão. O sucesso dessa empreitada é tão coletivo quanto suas
responsabilidades. Cabe a todos nós, agora, trabalhar para que
a experiência seja elemento edificante na democratização do
conhecimento, na democratização do ensino superior.
Nesse caminho tortuoso, cheio de incertezas na pós-
modernidade, talvez lançar mão da história seja um bom
caminho para alimentar nossas trajetórias. Finalizamos com
a sugestão do filme NÓS QUE AQUI ESTAMOS POR VÓS
ESPERAMOS, de Marcelo Masagão (BRASIL, 1998), para pensar
sobre a sociedade contemporânea, no século XX, um exercício
de reflexão humanista.
Os autores