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44 Física na Escola, v. 16, n. 2, 2018 Introdução O tópico de ondas talvez seja um dos mais difíceis de ser ensinado no Ensino Médio. A ideia de entidades não materiais, como energia e momento, que se propagam por aí, é muito abstrata para um adolescente, cuja formação sem- pre esteve atrelada a “coisas palpáveis”, tais como roldanas que giram, corpos que viajam e bolinhas que colidem. Seguindo essa tradição, o tratamento didático dos livros-textos enfatiza, em geral, exemplos de ondas em cordas para a introdução do tema. Em princípio, isso acontece porque os conceitos de com- primento de onda e amplitude de uma onda carregam essa ideia habitual de ma- terialidade, os quais podem ser mais facilmente compreendidos pelos estudantes ao verem cordas sendo sacolejadas. Apesar da dificuldade intrínseca do tema, que é tanto conceitual quanto mate- mática, as ondas envolvem outras situa- ções que são corriqueiras para a maioria das pessoas. O uso dos telefones celulares e as grandes produções musicais – ou, em geral, as telecomunicações e o som – são exemplos que podem introduzir questões tangíveis à sala de aula e potencializar sua discussão. Particularmente, embora o som seja um assunto sempre presente nos ma- nuais didáticos, inclusive em artigos recentes da área de ensino de física [1-7], há inúmeros aspectos das ondas sonoras que são negligenciados pelos livros-textos destinados ao Ensino Médio e, consequen- temente, pelos professores de física em suas aulas. Neste trabalho, com a intenção de preenchermos algumas dessas lacunas, estimamos as ordens de grandeza envol- vidas nas oscilações das moléculas de ar durante a propagação do som, estudando a relação das amplitudes das ondas de deslocamento e de pressão de uma onda sonora com algumas propriedades do meio. Para isso, apresentamos uma se- quência didática que utiliza um aplicativo de celular que simula um decibelímetro e um gerador online de funções senoidais. Ressaltamos que a proposta requer um certo esforço do docente que deseje propô- la, pois será necessário transpor conceitos e ideias que são abordados mais matema- ticamente nos livros universitários; em princípio, os professo- res poderiam utilizá- los para seus próprios estudos e aprofunda- mentos. Outrossim, o conteúdo aqui discuti- do não se faz presente nos livros de Ensino Médio, os quais, muitas vezes, são utili- zados pelos professores na preparação das suas aulas e pelos alunos como guia de acompanhamento ou roteiro de estudos. Nesse sentido, com algumas das discussões que são feitas, esperamos que este artigo também auxilie os professores na pre- paração da atividade, visando sua contex- tualização e eventuais aprofundamentos, com foco em uma discussão conceitual e valorizando seus aspectos intuitivos. Primeiras ideias O som é uma onda mecânica, isto é, precisa de um meio material, como o ar, para se propagar. 1 Qualitativamente, não é tão complicado entender o mecanismo de propagação do som. Um prato passa a vibrar quando um baterista toca com sua baqueta sobre ele (veja a Fig. 1). Assim, o movimento de vibração do prato cria mo- vimentos das camadas subjacentes de ar, gerando regiões de compressão e rarefação do gás. Essas regiões são formadas pelo A dança do ar ao som das equações da física acústica Diogo Amaral de Magalhães Instituto Federal Catarinense, Campus São Francisco do Sul, Programa de Pós-Graduação em Educação Científica e Tecnológica - Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, SC, Brasil E-mail: [email protected] José de Pinho Alves Filho Departamento de Física, Universidade Federal de Santa Catarina, Programa de Pós-Graduação em Educação Científica e Tecnológica, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, SC, Brasil Com o objetivo de preencher uma lacuna dos livros de Ensino Médio acerca do assunto ondas sonoras, discutimos, neste artigo, algumas equações da física acústica e calculamos as amplitudes de oscilação das moléculas de ar devido à propagação do som. Propomos uma sequência que utiliza aplicativos gratuitos e que já foi aplicada em sala de aula. Esperamos que este trabalho possa subsidiar futuras interven- ções didáticas sobre o tema. Apesar da dificudade de se abordar o assunto ondas, que é tanto conceitual quanto matemática, temas como telecomunicações e som constituem exemplos que potencializam sua discussão em sala de aula

vidas nas oscilações das moléculas de ar Introdução Diogo ... · camada de ar subjacente de ar, a qual, por sua vez, colidindo com a subsequente, dá continuidade ao processo

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44 Física na Escola, v. 16, n. 2, 2018

Introdução

Otópico de ondas talvez seja um dosmais difíceis de ser ensinado noEnsino Médio. A ideia de entidades

não materiais, como energia e momento,que se propagam por aí, é muito abstratapara um adolescente, cuja formação sem-pre esteve atrelada a “coisas palpáveis”,tais como roldanas que giram, corpos queviajam e bolinhas que colidem. Seguindoessa tradição, o tratamento didático doslivros-textos enfatiza, em geral, exemplosde ondas em cordaspara a introdução dotema. Em princípio,isso acontece porqueos conceitos de com-primento de onda eamplitude de umaonda carregam essaideia habitual de ma-terialidade, os quaispodem ser mais facilmente compreendidospelos estudantes ao verem cordas sendosacolejadas.

Apesar da dificuldade intrínseca dotema, que é tanto conceitual quanto mate-mática, as ondas envolvem outras situa-ções que são corriqueiras para a maioriadas pessoas. O uso dos telefones celularese as grandes produções musicais – ou, emgeral, as telecomunicações e o som – sãoexemplos que podem introduzir questõestangíveis à sala de aula e potencializar suadiscussão. Particularmente, embora o somseja um assunto sempre presente nos ma-nuais didáticos, inclusive em artigosrecentes da área de ensino de física [1-7],há inúmeros aspectos das ondas sonorasque são negligenciados pelos livros-textosdestinados ao Ensino Médio e, consequen-temente, pelos professores de física emsuas aulas.

Neste trabalho, com a intenção depreenchermos algumas dessas lacunas,estimamos as ordens de grandeza envol-

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vidas nas oscilações das moléculas de ardurante a propagação do som, estudandoa relação das amplitudes das ondas dedeslocamento e de pressão de uma ondasonora com algumas propriedades domeio. Para isso, apresentamos uma se-quência didática que utiliza um aplicativode celular que simula um decibelímetro eum gerador online de funções senoidais.Ressaltamos que a proposta requer umcerto esforço do docente que deseje propô-la, pois será necessário transpor conceitose ideias que são abordados mais matema-

ticamente nos livrosuniversitários; emprincípio, os professo-res poderiam utilizá-los para seus própriosestudos e aprofunda-mentos. Outrossim, oconteúdo aqui discuti-do não se faz presentenos livros de Ensino

Médio, os quais, muitas vezes, são utili-zados pelos professores na preparação dassuas aulas e pelos alunos como guia deacompanhamento ou roteiro de estudos.Nesse sentido, com algumas das discussõesque são feitas, esperamos que este artigotambém auxilie os professores na pre-paração da atividade, visando sua contex-tualização e eventuais aprofundamentos,com foco em uma discussão conceitual evalorizando seus aspectos intuitivos.

Primeiras ideias

O som é uma onda mecânica, isto é,precisa de um meio material, como o ar,para se propagar.1 Qualitativamente, nãoé tão complicado entender o mecanismode propagação do som. Um prato passa avibrar quando um baterista toca com suabaqueta sobre ele (veja a Fig. 1). Assim, omovimento de vibração do prato cria mo-vimentos das camadas subjacentes de ar,gerando regiões de compressão e rarefaçãodo gás. Essas regiões são formadas pelo

A dança do ar ao som das equações da física acústica

Diogo Amaral de MagalhãesInstituto Federal Catarinense, CampusSão Francisco do Sul,Programa de Pós-Graduação emEducação Científica e Tecnológica -Universidade Federal de SantaCatarina, Florianópolis, SC, BrasilE-mail: [email protected]

José de Pinho Alves FilhoDepartamento de Física, UniversidadeFederal de Santa Catarina,Programa de Pós-Graduação emEducação Científica e Tecnológica,Universidade Federal de SantaCatarina, Florianópolis, SC, Brasil

Com o objetivo de preencher uma lacuna doslivros de Ensino Médio acerca do assunto ondassonoras, discutimos, neste artigo, algumasequações da física acústica e calculamos asamplitudes de oscilação das moléculas de ardevido à propagação do som. Propomos umasequência que utiliza aplicativos gratuitos e quejá foi aplicada em sala de aula. Esperamos queeste trabalho possa subsidiar futuras interven-ções didáticas sobre o tema.

Apesar da dificudade de seabordar o assunto ondas, que é

tanto conceitual quantomatemática, temas comotelecomunicações e somconstituem exemplos que

potencializam sua discussão emsala de aula

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aumento e pela diminuição, respectiva-mente, da concentração de moléculas dear que se deslocam em movimento osci-latório, acompanhando as oscilações doprato, e correspon-dem a variações dadensidade e da pres-são, as quais são rele-vantes porque os ga-ses são muito com-pressíveis. Essa altacompressibilidade éoriunda do baixo po-tencial de interaçãoentre suas moléculas.

Quando o pratooscila, sua camadasuperficial de metaltransfere quantidadede movimento e energia para a primeiracamada de ar subjacente de ar, a qual, porsua vez, colidindo com a subsequente, dácontinuidade ao processo de propagaçãode momento e energia. Feynman, Leightone Sands [8] e Nussenzveig [9] sintetizamda seguinte maneira o mecanismo depropagação de uma onda sonora:

1. O deslocamento de moléculas do araltera a densidade de equilíbrio do ar;

2. A mudança de densidade correspon-de a uma variação da pressão emrelação à pressão de equilíbrio;

3. As diferenças de pressão implicamnovos deslocamentos do gás.

E assim sucessivamente.Matematicamente, tem-se três gran-

dezas que descrevem o problema. Primei-ro, o deslocamento X, que não é o movi-mento de uma ou outra molécula, masdo centro de massa de um pequeno (tãopequeno quanto se queira) volume de gás(um cilindro infinitesimal) que oscila emtorno de uma dada posição de equilíbrio.As outras duas grandezas são a pressão ea densidade do referido elemento de volu-me do ar, designadas neste trabalho, res-pectivamente, por p e ρ. Logo, podem ser

deduzidas três equações de onda para oproblema da propagação do som: umapara a onda de deslocamento, outra paraa onda de pressão e outra para a onda de

densidade.2 Suas so-luções são funçõesharmônicas nas coor-denadas espacial x etemporal t, tal que ocomprimento de ondaλ e o período P daonda, que é o inversode sua frequência f,expressam, respecti-vamente, suas perio-dicidades espacial etemporal. Todas essastrês ondas se propa-gam com a mesma

velocidade v.Particularmente, as ondas de deslo-

camento terão a forma:

X = X0 cos(kx ± ωt), (1)

onde X0 é a amplitude da onda de deslo-camento, k é o número de onda, dado pork = 2π/λ, e ω é a frequência angular daonda, dada por ω = 2π/P = 2πf. Elas asse-melham-se à imagem de ondas sobre umasuperfície de um lago, onde percebemos omovimento harmônico da matériafixando-se a coordenada de equilíbrio docentro de massa de um dado volumeextremamente pequeno de gás. Grossomodo, quando fixamos nosso olhar emuma folha, ou seja, quando escolhemosuma coordenada x ≡ x1, estamos acom-panhando o seu movimento oscilatóriosobre a superfície da água na qual umapedra fora atirada (em suas proximi-dades).

A seguir, discutimos alguns aspectosda nossa percepção do som,3 trazendoconceitos importantes para nossa pro-posta didática. Na sequência, analisamosalgumas equações da acústica, que serãofundamentais para as estimativas dese-

jadas.

Percebendo o som

O nosso ouvido possui algumas carac-terísticas interessantes. Uma delas é queexiste uma intensidade mínima, ou limiarde audibilidade, I0, abaixo da qual o somnão é audível. E há outra máxima, oulimiar de dor, Im, acima da qual o som pro-duz uma sensação de dor ou desconforto.Considerando f = 1000 Hz como valor dereferência, tem-se que I0 = 10-12 Wm-2 eIm = 1 Wm-2 [9-11]. Como podemos per-ceber, os valores de intensidade variam emmuitas ordens de grandeza e, na prática,em acústica, trabalha-se com o nível deintensidade sonora α em vez da inten-sidade sonora I. O nível de intensidadesonora é expresso em decibéis (dB) e éobtido pela seguinte expressão:

α = 10log10(I/I0) = 10log10(I/10-12). (2)

Outra característica é que nosso ou-vido “funciona” de forma logarítmica.Isso fica claro com a análise das curvasde igual audibilidade (veja a Fig. 2), cons-truídas originalmente por Fletcher e Mun-son [11]. O nível de audibilidade é a gran-deza que quantifica a audibilidade (sen-sação) e sua unidade é o fon. O valor deum fon é igual ao nível de intensidadesonora, em dB, da frequência de referênciade 1000 Hz. Assim, as curvas de igualaudibilidade representam os níveis deaudibilidade obtidos pelo ajuste do nívelde intensidade do som de referência atéque ele soe com o mesmo volume segundoo julgamento de um típico ouvinte, istoé, aquele que tenha audição normal paratais testes, tal que ele apresente os resul-tados coerentes com a média obtida a par-tir de um número maior de tais ouvintes.

A região no canto inferior esquerdoda Fig. 2 abaixo da curva de 0 fon retratanossa pouca sensibilidade para as frequên-cias mais graves, isto é, de menor frequên-cia, para as quais os níveis de intensidadecorrespondentes estão bastante acima dosníveis das frequências compreendidas en-tre 1000 Hz e 5000 Hz, ditas médioagudas. Analisando ainda a curva de0 fon, vemos que uma nota musical a90 Hz é perceptível pelo ouvido humanoa partir de 40 dB, enquanto que para1000 Hz precisamos somente de 0 dB. Emsuma, cada frequência é percebida de ma-neira diferente pelo ouvido: frequênciasdiferentes precisam de intensidades dife-rentes para que nos soem igualmente per-ceptíveis.

Ressaltemos também que os valoresnegativos dos níveis de intensidade da cur-va de 0 fon entre 1000 Hz e 5000 Hz nãorepresentam problemas físicos, já que o

A dança do ar ao som das equações da física acústica

Figura 1: Representação de um prato de bateria quando é tocado. Seu movimentovibratório faz com que o ar circundante também passe a vibrar, criando camadas decompressão e rarefação ao seu redor.

As curvas de igual audibilidaderepresentam os níveis deaudibilidade obtidos pelo

ajuste do nível de intensidadedo som de referência até queele soe com o mesmo volumesegundo o julgamento de umtípico ouvinte, isto é, aquele

que tenha audição normal paratais testes, tal que ele apresenteos resultados coerentes com amédia obtida a partir de um

número maior de tais ouvintes

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argumento do logaritmo, dado pela ra-zão de intensidades, sempre será positivo.Outra observação refere-se ao fato de queo nível de intensidade de um som cuja in-tensidade seja dobrada, será 3 dB maior.4

Assim, para que seja audível, um som a90 Hz deve ter uma intensidade cerca de13 vezes maior do que um a 1000 Hz.

Ademais, lembrando que nosso ouvi-do é altamente não linear e responde malàs frequências mais graves e muito agu-das, tipicamente acima de 10000 Hz, co-mo mostra a Fig. 2, fica o seguinte ques-tionamento: por que ouvimos um somequalizado durante shows musicais, istoé, um som equilibrado de graves, médiose agudos?

Além da afinação dos instrumentospelos músicos, os técnicos e engenheirosde som praticam o que no meio musical échamado de alinhamento de som: umajuste do sistema de sonorização, feitoantes de cada show, que leva em conta aacústica do local, dentre outros fatores.Com o alinhamento, então, corrigem-sedeficiências acústicas (por exemplo, o lo-cal pode otimizar demasiadamente certasfrequências e atenuar outras), tal que sepode compensar, inclusive, as limitaçõesauditivas humanas para os sons maisgraves e muito agudos. Dito de outra ma-neira, com equipamentos específicos, quenão discutiremos neste artigo, equilibra-se a percepção dos sons emitidos a dife-rentes frequências, de forma que os perce-bamos de forma mais homogênea, dando

a sensação de equilíbrio sonoro.5

Um último item a ser considerado so-bre a percepção do som é o decibelímetro,aparelho que mede o nível de intensidadesonora. Ele não distingue se o som é umruído, como o de um giz escrevendo sobreum quadro, ou um tom puro, como umoriundo de um diapasão. Outra caracterís-tica desse instrumento é que ele deve me-dir uma grandeza que não dependa expli-citamente da frequência do som, visto queo nosso cotidiano é uma grande confusãosonora, composta por conversas, ruídosde máquinas e automóveis, sons da natu-reza, etc. Esse aspecto é fundamental paraos fins deste trabalho. Mas, antes, preci-samos olhar de perto algumas relações daacústica.

Equações da física acústica

Primeiramente, analisemos a intensi-dade I da onda sonora. Por definição, aintensidade é o fluxo médio de energia porunidade de área e tempo, I ≡ vE, onde E é adensidade volumétri-ca de energia do ele-mento de volume[10]. Se lembrarmosque a energia mecâ-nica total de um osci-lador harmônico édada por ½mω2A2 eobservando que, em nossa situação, a am-plitude da onda de deslocamento X0 faz opapel da amplitude do oscilador harmô-nico A e a densidade de equilíbrio do ar ρ0

o da massa do oscilador m [10], a intensi-dade I de uma onda sonora pode ser rees-crita da seguinte maneira:

I = 2π2ρ0vX02f2. (3)

Como acabamos de mencionar, devi-do à mistura frenética de ruídos e sonscom frequências distintas em nosso dia adia, um decibelímetro não trabalha dire-tamente com a relação dada pela Eq. (3).Quando um baterista toca a pele de umtambor, o som resultante é uma combi-nação de sons com inúmeras frequênciasdiferentes, cujo resultado final depende dodiâmetro do tambor, da madeira que é uti-lizada na sua construção, do tipo de peleescolhida pelo baterista, do local da peleque é tocado, do modelo da baqueta utili-zada, da tensão da pele, da acústica local,etc. Dito de outra maneira, essa superpo-sição de frequências define cada som queescutamos durante uma música, como odos batuques dos tambores ou o das notasde um solo da guitarra, tal que cada nota(onda sonora) é dada por uma combina-ção entre sua frequência fundamental evárias ondas menores, chamadas de har-mônicos.6

Consideremos um baterista que tocacom sua baqueta na pele superior de umtambor. Quanto maior for a intensidadedo toque, isto é, quanto mais energia emomento forem transferidos da baquetapara a pele do tambor, maior será o volu-me da nota, ou seja, a pressão sonora serámaior. Com o toque de maior intensidade,a pele do tambor, ou mesmo o prato, pas-sará a vibrar com maior amplitude.

De outra maneira, podemos fazeruma análise quantitativa e intuitiva dessasituação utilizando a técnica da análise di-mensional7 e ir além de apenas dizer quehá uma relação de proporcionalidade en-tre P0 (amplitude da onda de pressão) eX0. Assim, evitamos as deduções mate-máticas que são feitas nos livros universi-tários que abordam esse assunto e advo-gamos sobre a importância do ensino daanálise dimensional, tanto no nível médioquanto no universitário.

Quando uma onda sonora perturbaum elemento de gás, a pressão p do lado

A do pequeno cilindroserá maior do que apressão p’ exercida so-bre A’ (base oposta docilindro), gerandouma força sobre o ele-mento de altura A dx,que passa a se deslo-

car de uma quantidade X; já A’ se deslocaX’, tal que a altura do cilindro deslocadoé dx + dX (veja a Fig. 3). Assim, a variaçãoda pressão de um elemento de volume de

A dança do ar ao som das equações da física acústica

Figura 2: Gráfico em escala logarítmica das curvas de igual audibilidade, adaptado daRef. [11].

O decibelímetro é um aparelhoque não distingue se o som éum ruído, como o de um giz

escrevendo sobre um quadro,ou um tom puro, como umoriundo de um diapasão

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gás dependerá da taxa de variação do seudeslocamento em relação à sua posição,ou seja, de ∂X/∂x. Admitindo, então, aforma harmônica da onda de desloca-mento dada pela Eq. (1), sua derivada comrelação à posição x nos mostra que a am-plitude da onda de pressão P0 depende daamplitude da onda de deslocamento X0 edo número de onda k, que por sua vezdepende de f e v. Ademais, devido à altacompressibilidade do gás, a densidade deequilíbrio do ar ρ0 também é relevantepara o problema.

Essa análise nos indica que P0 é quan-tidade que depende, em princípio, dasvariáveis X0, f, ρ0 e v, tal que escrevemosa seguinte relação funcional: P0 = g(X0, f,ρ0, v). De fato, essa é a parte mais com-plicada do processo: “enxergar” quais sãoas quantidades que podem ser relevantespara o problema. Em seguida, escrevemosP0 como um monômio dessas grandezas[12]:8

P0 = CX0α1fα2ρ0

α3vα4, (4)

onde C é uma constante adimensional e osexpoentes α1, α2, α3 e α4 são inteiros ouracionais, positivos ou negativos, a seremdeterminados. Do lado esquerdo da Eq. (4),as dimensões de pressão são dadas emtermos das dimensões de força e de área:9

[P0] = [F][área]-1 = MLT-2L-2 = L-1MT-2. Dolado direito, [X0]

α1 = Lα1, [f]α2 = T-α2,[ρ0]

α3 = Mα3T-3α3 e [v]α4 = Lα4T-α14, além de[C] = 1. Precisamos, então, resolver o se-guinte sistema de três equações para quatroincógnitas:

L-1 M T-2 = Lα1-3α3+α4 Mα3 T-α2 - α4. (5)

O sistema admite infinitas soluções,mas estamos interessados em somenteuma, a que relaciona adequadamente es-sas grandezas. Vejamos o que nos é razoá-vel. Imediatamente, constatamos queα3 = 1. Daí, segue que α1 + α4 = 2 eα2 + α4 = 2, o que nos fornece α2 = α4.Neste momento, lembremos que, emprincípio, esperamos que quanto maiorfor X0, maior será P0. Supondo uma rela-ção de proporção linear entre essas gran-dezas, ou seja, escolhendo α1 = 1, obtemos

α2 = α4 = 1. Dessa forma, por meio datécnica da análise dimensional, concluí-mos que a relação

P0 = C X0 f ρ0v (6)

é uma solução possível para o sistema. Ovalor de C não pode ser obtido seguindoesse raciocínio. A relação exata é dada por[9, 10]:

P0 = 2π v ρ0 f X0, (7)

onde C = 2π. De fato, a escolha α1 = 1 foiadequada. Essa equação é extremamenteútil em acústica e podemos resolvê-la tan-to para P0 como para X0.

10

As Eqs. (3) e (7) relacionam, respecti-vamente, a intensidade e a amplitude daonda de pressão com a amplitude da ondade deslocamento, e ambas dependem dafrequência. E isso não é interessante parafins práticos, conforme já mencionamos.Contornamos o problema resolvendo aEq. (7) para f e substituindo na Eq. (3), oque nos leva a uma outra importante rela-ção da acústica, agora entre a intensidadee a amplitude da onda de pressão:

(8)

Observemos que esse resultado nãodepende das frequências. E era justamente

isso que desejávamos, pois o decibelímetronão mede uma intensidade para cada fre-quência do meio no qual se faz a medidae depois compila todos os resultados emum único número final. O decibelímetromede pressão, ou variações de pressão,independentemente da frequência de cadasom, o que é muito mais inteligente doponto de vista prático.

Com todas essas relações da acústicaem mãos, organizamos uma sequência napróxima seção com o objetivo final de esti-marmos a ordem de grandeza das ampli-tudes das ondas de deslocamento; em ou-tras palavras, pretendemos analisar quan-titativamente o movimento vibratório doar que se dá quando energia e momentose propagam da fonte sonora até o ou-vinte.

A proposta

O decibelímetro mede o nível da inten-sidade sonora em dB. Com o valor de αem mãos, a Eq. (2 nos permite calcular aintensidade da onda sonora:

(9)

Uma vez que tenhamos a intensidade cal-culada, com a Eq. (8), encontramos a am-plitude da onda de pressão correspondentepor meio da relação:

(10)

Por fim, a Eq. (7) pode ser resolvida paraa amplitude da onda de deslocamento:

(11)

Esse é o percurso teórico da atividade,cuja intenção é calcular a amplitude daonda de deslocamento X0 para cada fre-quência f ou som desejado. Pretendemosestimar a ordem de grandeza de vibração

A dança do ar ao som das equações da física acústica

Figura 3: Onda de pressão em uma coluna de gás, baseada na Ref. [10].

Figura 4: Representação de um decibelímetro em uso. Na prática, o aparelho compila,simultaneamente, pressões sonoras oriundas de ruídos e sons de diferentes frequências.

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das moléculas do ar durante a propagaçãodo som e, consequentemente, o grau deprecisão que nosso ouvido é capaz de detec-tar. A parte prática é dividida em três mo-mentos. No primeiro, são coletadas me-didas de níveis de intensidade. No segun-do, são analisados esses valores, bem comoas curvas de igual audibilidade (Fig. 2), combase nessas equações. No terceiro e último,é proposta uma atividade para os alunos.

O primeiro passo é escolher a(s) fon-te(s) sonora(s) que será(ão) utilizada(s) naatividade. Embora tenhamos argumenta-do ao longo do texto acerca do fato de es-tarmos expostos a uma mistura de ruídose sons, para fins didáticos sugerimos tra-balhar com medidas de fontes virtuaiscom emissão de ondas senoidais, o quesimplifica significativamente a ativi-dade.11 Utilizamos o “Online Tone Genera-tor”, disponível gratuitamente na internet.Sua interface limpa otimiza sua utilizaçãoe o torna agradável para os alunos (veja aFig. 5).12 Se a maioria dos alunos possuismartphones ou tablets, pode-se utilizaralgum aplicativo como fonte geradora desom, como por exemplo o “FrequencySound Generator”, disponível gratuita-mente para Android. Isso envolve mais osalunos e deixa a atividade mais dinâmicae motivante para eles. No nosso caso, utili-zamos um notebook (do professor) comofonte sonora.

Como receptor, atuando como o deci-belímetro, foi utilizado o “Decibelímetro”,aplicativo gratuito disponível para o An-droid (veja a Fig. 6).Ele possui várias fun-cionalidades que po-dem ser exploradaspelo professor, comoa plotagem de umgráfico α × t, as me-didas mínima e má-xima obtidas e tam-bém o nível de intensidade médio dacoleta.13 Ao clicar no ícone com a letra Mdentro de um círculo, é exibida uma listade níveis sonoros de exemplos do nossocotidiano, o que contextualiza ainda maisa atividade. Um comentário final sobreesse aplicativo é sobre a língua inglesa.Entendemos que ela não seja um obstá-culo para seu uso; muito pelo contrário:estimula a interdisciplinaridade, algo tãodebatido e almejado na literatura.

O exemplo ilustrado nas Figs. 4 e 5 trazum nível de intensidade de 61 dB para afrequência de 1000 Hz. Com a Eq. (9), en-contramos que o valor da intensidade sonoracorrespondente é I61dB = 1,26 x 10-6 Wm-2.Por sua vez, a Eq. (10) nos fornece a am-plitude da onda de pressão correspon-dente: P0;61dB = 3,2 × 10-2 Nm-2. Final-mente, com a Eq. (11) concluímos que aamplitude de deslocamento da onda é daordem de 10-8 m – mais precisamente,X0;61dB,1000Hz = 1,25 × 10-8 m. Esse valor écerca de cem mil vezes menor do que ummilímetro. Nos cálculos, sob condiçõesnormais de temperatura e pressão, uti-lizamos ρ0 = 1,225 kg/m e v = 332 m/s.

Uma análise interessante é obtida apartir do ponto mínimo da curva de 0 fon(ver Fig. 2), cuja frequência corresponde,aproximadamente, a 3500 Hz, frequênciafundamental do canal auditivo.14 Ela dizrespeito ao nível mais fraco de som quesomos capazes de perceber, com nível deintensidade próximo de -8 dB; como jádiscutimos, esse valor negativo não repre-senta problemas físicos. Para esses valo-res, as equações desta seção nos fornecemI-8dB = 1,58 x 10-13 Wm-2, P0;8dB = 1,14 ×10-5 Nm-2 e X0;8dB,3500Hz = 1,27 × 10-12 m.Esse é o limite inferior de vibração quenosso ouvido pode detectar. Ou seja, nossoouvido é uma estrutura complexa e extre-mamente sensível, capaz de detectar sonscujas ordens de grandeza das danças dasmoléculas de ar, ou das amplitudes de des-locamento, são da ordem das escalas atô-

micas e moleculares!Após essa etapa,

sugerimos que sejaproposta uma ativida-de para os alunos, como objetivo de fixar eaprofundar os estudosfeitos até o momento.Ela pode ter a forma de

exercício em sala, individual ou em grupo,ou trabalho para casa; e, inclusive, podeser avaliativa. A ideia é construir, paracada frequência, uma tabela que relacioneníveis de intensidade diferentes com arespectiva intensidade, amplitude da ondade pressão e amplitude da onda de deslo-

A dança do ar ao som das equações da física acústica

camento. Em seguida, deve-se analisar osresultados à luz das curvas de igual audi-bilidade. A Tabela 1 traz os valores paraum som dito grave, com f = 50 Hz, quepode ser ouvido apenas para níveis deintensidade maiores do que 50 dB, apro-ximadamente, e para um som dito agudo,com f = 5000 Hz, que é perceptível a par-tir de níveis de intensidade pouco menoresdo que 10 dB.

Complementarmente à construçãodessas tabelas, pode-se pedir para os alu-nos se concentrarem (em silêncio) paraverificar a partir de que nível de inten-sidade (indicado pelo decibelímetro) elespassam a escutar cada frequência repro-duzida pelos alto-falantes. Deve-se, então,comparar a percepção dos alunos com olimiar de audibilidade para a respectivafrequência, sobre a curva de 0 fon. Casoseja possível, dependendo da qualidade dosalto-falantes utilizados, pode-se dar umaênfase nos extremos do espectro sonoro,ou seja, nos sons mais graves e mais agu-dos, que são mais difíceis de serem per-cebidos do que os sons médio agudos.

Por fim, frisemos que o valor em ver-melho da Tabela 1 indica, em concordância

Tabela 1: Para cada frequência são estimadas as amplitudes das ondas de deslocamentoreferentes a diferentes níveis de intensidade. Às frequências graves, associam-se vibraçõesde ordens de grandeza maiores; às agudas, menores. E quanto maior o nível de intensidadee a própria intensidade, as amplitudes das vibrações das moléculas de ar também sãomaiores.

α (dB) I (W/m2) P0 (N/m2) X0 (m), f = 50 Hz X0 (m), f = 5000 Hz

0 1 × 10-13 2,85 × 10-5 2,23 × 10-10 2,23 × 10-12

50 1 × 10-7 9,02 × 10-3 7,06 × 10-8 7,06 × 10-10

100 1 × 10-2 2,85 × 100 2,54 × 10-6 2,23 × 10-7Figura 5: Interface do gerador de tons pu-ros.

Figura 6: Interface do decibelímetro.

A sequência proposta permiteestimar a ordem de grandezade vibração das moléculas doar durante a propagação dosom e, consequentemente, ograu de precisão que nossoouvido é capaz de detectar

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Referências

[1] D.D. Moura e P. Bernardes Neto, A Física na Escola 12, 12 (2011).[2] E. M. Santos, C. Molina e A.P.B. Tufaile, Rev. Bras. Ens. Fís. 35, 2507 (2013).[3] H.A. Errobidart e Cols., Rev. Bras. Ens. Fís. 36, 1507 (2014).[4] F. Catelli e G.A. Mussato, Rev. Bras. Ens. Fís. 36, 2304 (2014).[5] S.M. Coelho e G.R. Machado, Cad. Bras. Ens. Fís. 32, 207 (2015).[6] N.E. Souza Filho, B.A. Gonçalves e V.T. Oliveira, Rev. Bras. Ens. Fís. 37, 2313 (2015).[7] D.A. Magalhães e J. Pinho Alves Filho, Cad. Bras. Ens. Fís. 34, 331 (2017).[8] R.P. Feynman, R.B. Leighton e M. Sands, Licões de Física de Feynman, vol. I (Bookman, Porto Alegre, 2008).[9] M. Nussenzveig, Curso de Física Básica, vol. 2 (Edgar Blucher, São Paulo, 2002).[10] M. Alonso e E.J. Finn, Física: Um Curso Universitário, vol. 2 (Edgar Blucher, São Paulo, 1972).[11] H. Fletcher and W.A. Munson, J.A.S.A. 5, 82 (1933).[12] D. Trancanelli, Rev. Bras. Ens. Fís. 38, e2505 (2016).

Notas1É preciso que façamos algumas simplificações. Uma delas é considerar que o movimento ocorra em uma única dimensão, de forma que para

grandes distâncias entre a fonte sonora e o ouvinte, em comparação com as distâncias percorridas pelas moléculas de ar, as ondas podem serconsideradas como planas [8]. Veja outras considerações na mesma referência, por exemplo.

com a Fig. 2, que um som com frequênciade f = 50 Hz não é audível a 0 dB. Compa-rando a amplitude de deslocamento cor-respondente com a de 5000 Hz, ou parafrequências agudas em geral, observamosque a percepção dos sons não diz respeitoà ordem de grandezada amplitude da ondade deslocamento; afi-nal, é exigida umaprecisão maior para adetecção de sons maisagudos, mas isso dizrespeito à natureza doouvido humano. Ditode outra maneira,para frequências cadavez mais baixas, istoé, sons mais graves,as amplitudes dasondas de deslocamen-to são cada vez maiores. Poderíamos nosperguntar, então, por que os sons graves,aparentemente “exigindo uma menorprecisão” do nosso ouvido, são mais difí-ceis de serem distinguidos uns dos outros?Essa é uma questão que deixamos paradiscutir em outra oportunidade.

Ensaios didáticos

A atividade proposta e as ideias abor-dadas neste artigo foram trabalhadas emduas turmas de segunda série do EnsinoMédio integrado ao técnico de um insti-tuto federal. Em cada turma, a atividadefoi realizada no ano de 2016 em dois en-contros (dois dias de duas semanas con-secutivas), sendo cada encontro de duasaulas de cinquenta minutos cada, totali-zando duzentos minutos com cadaturma. Antes da atividade, os alunos dasturmas já tiveram contato com ideiasintrodutórias acerca das ondas sonoras.Na ocasião, a atividade envolveu todos ostópicos discutidos neste artigo concernen-

tes à sequência proposta. Basicamente, oprimeiro encontro foi dedicado aos estu-dos das equações da biofísica e às curvasde igual audibilidade. As atividades práti-cas e discussões concentraram-se nosegundo encontro.

O ponto negativoobservado foi o usodas funções exponen-ciais e logarítmicas.Todavia, acreditamosque os percalços va-lem todo o esforço.Afinal, ninguém disseque seria fácil promo-ver uma educação crí-tica e que fosse alémdos livros didáticostradicionais. Comopontos positivos, des-tacamos o envolvi-

mento dos alunos durante a parte prática,principalmente durante a reprodução dossons e a medição dos níveis de intensidadecom o aplicativo dos smartphones comodecibelímetro, e também durante o exer-cício de se perceber qual é o som mais fracopossível que somos capazes de perceberpara cada frequência. Eles se mostraraminteressados em comparar os resultadosobtidos com a curva de 0 fon e entusias-mados em saber que nossos ouvidos têmgrande poder de precisão na detecção devibrações da ordem de escalas atômicas.

Considerações finais

Neste artigo, trouxemos conceitos,ideias e equações que não se fazem pre-sentes nas aulas de física que são pautadasnos livros didáticos tradicionais do EnsinoMédio. Discutimos as ondas sonoras, dan-do maior ênfase às relações da física acús-tica, as quais nos permitiram estimar asordens de grandeza envolvidas na propa-gação e percepção do som, especificamente

das amplitudes das ondas de deslocamen-to. Nossos cálculos evidenciaram que aoscilação das moléculas de ar é da ordemdas escalas atômicas e moleculares.

Precisamos também ressaltar que onosso comentário sobre a tradição dos li-vros de física do Ensino Médio em intro-duzir o assunto de ondas com ondas emcordas não é uma crítica necessariamentenegativa. Todavia, passa a ser quando nãohá nenhum esforço para se ir além disso,tanto em relação aos autores dos livrosquanto aos próprios professores. O quenão se pode, segundo nossa visão, é sernegligente sobre questões que podem serestimulantes para os estudantes. Se as edi-toras não se preocupam com isso, sejamquais forem suas razões, nós, professorese pesquisadores, devemos fazê-lo. E a ideiadeste artigo é justamente auxiliar os pro-fessores a dar esse passo, tanto no que serefere ao planejamento de suas aulas comoà sua aplicação e avaliação. Obviamente,não temos a pretensão de oferecer umareceita infalível para o sucesso do ensinodas ondas sonoras. Os professores podeme devem fazer escolhas, omissões e saltos,dependendo de fatores culturais, plane-jamento escolar, tempos das aulas, recep-tividade dos alunos, etc.

Outrossim, ressaltemos que alguns as-pectos relacionados à física do som men-cionados neste artigo, como o alinhamen-to do sistema sonoro, bem como a própriaquestão do conforto acústico, do uso so-cial da ciência e da tecnologia, ou mesmo abiofísica do ouvido humano, podem seraprofundados durante a atividade ou atémesmo constituírem temas de outros pro-jetos. Em outra ocasião, ambas as turmasrealizaram projetos interdisciplinares sobrea poluição sonora; essa atividade foi orien-tada pelas Ilhas Interdisciplinares de Racio-nalidade, propostas por Gerard Fourez. Dei-xemos essa ocasião para outro momento.

Aspectos relacionados à físicado som mencionados neste

artigo, como o alinhamento dosistema sonoro, bem como aprópria questão do conforto

acústico, do uso social daciência e da tecnologia, ou

mesmo a biofísica do ouvidohumano, podem ser

aprofundados durante aatividade ou até mesmo

constituírem temas de outrosprojetos

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2Suas deduções fogem do escopo deste artigo. Para o leitor interessado, as Refs. [8-10] mostram como deduzir as equações de movimento doproblema e encontrar suas soluções.

3Não mencionamos os fatores biofísicos. A Ref. [7], por exemplo, discute alguns deles.4Se α = 10 log10 (I/I0), α’ = 10 log10 (2I/I0) = 10 log10 (I/I0) + 10 log10(2) = α + 3.5Alguns softwares e aplicativos de celulares, como o “RTA Audio Analyzer”, para Android, auxiliam no alinhamento do som.6Não entraremos em detalhes sobre esse assunto. Para o leitor interessado, sugerimos as Refs. [8-10].7Em artigo recente, Trancanelli [12] apresenta uma revisão bastante acessível sobre a técnica da análise dimensional. Convidamos o leitor a visitar

esse interessante artigo, que traz inúmeros exemplos de como estimar a dependência de uma grandeza em relação a outras relevantes dasituação, sem fazer contas complicadas, ou seja, sem resolver a equação diferencial do problema.

8Reiteramos que a compreensão desse procedimento requer um detalhamento que foge do escopo deste artigo. Sugerimos que o professor nãofamiliarizado com a técnica da análise dimensional visite, por exemplo, o já referido artigo de Trancanelli [12].

9Neste artigo, trabalharemos com três dimensões primitivas, comprimento, tempo e massa, as quais são designadas, respectivamente, por L, T e M.10Uma outra maneira de se chegar à Eq. (7) é a seguinte: tem-se que a variação de pressão ΔP depende do produto X0 k. Todavia, observamos que

esse produto é adimensional. Logo, ele deve ser multiplicado por uma quantidade que tenha unidades de pressão. Assim, podemos combinara velocidade de propagação do som v e a densidade de equilíbrio do ar ρ0, duas quantidades referentes a propriedades do meio e que sãorelevantes para a situação em questão. Combinadas, elas definem o módulo de elasticidade volumétrica do gás: v2ρ0 [10]. Ficamos, então, coma relação ΔP ~ X0 k v2ρ0. A quantidade do lado direito é a própria amplitude da onda de pressão P0 = 2π vρ0 f X0 [10].

11Por exemplo, evitamos falar das séries de Fourier.12Disponível no link: http://www.szynalski.com/tone-generator/. Outra sugestão é o simulador “Som”, também gratuito e disponível no link:

https://phet.colorado.edu/pt_BR/simulation/legacy/sound. Este último oferece vários recursos que não são explorados nesta atividade,como interferência.

13A calibração do microfone é feita no próprio aplicativo e é fundamental para garantir a confiabilidade dos resultados.14Esse cálculo pode ser visto, por exemplo, na Ref. [7].