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VIETN AM - uma trincheira

ANTÔNIO HOUAISS

As "presenças" francesa e. norte-americana

Embora muitas das considerações que a seguir se irão fazer em função dos estrangeiros no Vietnam e, de um modo mais geral, no Sudeste asiático se limitem preferentemente aos franceses e norte-americanos, não se pode ignorar que muitas delas poderiam ser extrapoladas, mutatis mutandis, para as "presenças" britânica e, num dado momento, japonêsa - no que se refere à história moderna.

Outra "presença" habitualmente invocada é a chinesa. Esta exige, desde logo, como preliminar, uma distinção funcional pro~ funda. Há uma presença (sem aspas) chinesa não apenas no Sudeste asiático, mas na ÁJSia do Sul lato sensu, multi-secular, de tipo emigratório, .sem plano de Estado, para a sobrevivência dos indivíduos que decidiram assentar sua vida em outros pontos que não o da China propriamente dita. A fidelidade dêstes ao Estado chinês moderno - o da China real, repitamos - é uma hipótese que tem sido objeto de propaganda e de ominosas predi~ ções, mas até hoje nenhuma atitude lhes pode ser atribuída que corrobore a sua "periculosidade", a serviço a China.

Qualquer que seja a política futura da China na Asia, o pro­blema dos chineses emigrados consiste em saber se irão êles opor-se a essa política, defendê-la ou, o que é mais provável, dividir-se no respeito, comportando, por conseguinte, uma atitude semelhante a de qualquer outra coletividade étnica das áreas em aprêço . Antes de mais nada, devemos ressaltar que há uma deliberada magnificação quantitativa dessa presença. O quadro a seguir, proporcionado por Victor Purcell ("La Révolution chinoise de l'Asie du Sud-Est", in Politique étrangere, n.0 2, 1963, Paris, pág. 141 ss.), dá uma justa medida dessa presença:

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Birmânia o o o o o o o o o o o o o o o o o . o o o

Tailândia . o o o o o o o o o o o o o o o o . o o o

Vietnam do Norte . o o o • o o • o o o o o

Vietnam do Sul o • o o o o o o o • • • o o o

Camboja . o o o o o •• o o . o o o •• • o o o.

Laus o o o o o o o o o o o o . o o o o o o o. o o o o

Federação da Malásia o o o o o o o o o •

Singapura o o •• o o o o . o •• o. o . o •• • •

Sarawak o o o . o o o o o o o o. o o o o o o •••

Bornéu do Norte o o o. o o o o • •• o ••

Brunei . ... .. .. o o o o o o •••• o o •• o o

Indonésia . o o o • • o o. o o . o •• • o o o • •

Filipinas o • o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o

TOTAIS o o o o o o o o o o o o o o o o o o o o

Milh ões População Total Chfneses

21 26,3 16 14 5 2 7 1,7 0,75 0,46 0,08

96 27,5

217,79

0,35 2,5 0,05 0,8 0,3 0,05 2,6 1,1 0,23 0,1 0,03 2,5 0,2

10,81

Victor Purcell agrega, logo em seguida : "Observemos que os chineses não são maioria senão no pequeno Estado de Singapura e não constituem proporção notável senão na Malásia, na Tailâ.Ddia e nos territórios do Bornéu. Uma tomada do poder pelos chineses residentes está fora de causa: ser-lhes-iá necessário um apoio maciço da China comunista".

A "outra" presença chinesa é, entretanto, um dos móveis da tensão na área o f: essa outra "presença" que está por trás das motivações norte-americanas atuais. O que nos permite considerar a diferença entre a posição francesa até 1954 e a posição norte­americana a partir de então, não apenas no Vietnam, mas no Sudeste asiático em geral e, mais extensivamente, na Ásia o

Se se tenta um retrospecto da fase histórica final do domínio francês na Indo-China, ver-se-á que êsse foi um típico domínio colonial tradicional, quer dizer, à feição da exploração mercan· tilista iniciada no século XVI, intensificada a partir do século XIX, com o só objetivo de manter os povos colonizados sob uma tutela de que derivassem excelentes proventos econôrnicos . As moti­vações de estratégia ideológica eram secundárias, na medida em que os proventos primavam e a periculosidade da expansão comu. nizante ou independizante era remota o Bsse o estado de espírito que prevalecia entre os dirigentes franceses até 1946, quando a resistência no Sudeste asiático passou a ter uma feição nitidamente organizada contra o dominador estrangeiro, no caso o francês. E, ao capitularem, os franceses, ou pelo menos o Estado francês, reconhecia lisamente a viabilidade "nacional" dos antigos integrantes da Indo-China francesa, com os quais tentaria manter relações de

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proveito mútuo. Embora conseguindo "balcanizar" a área além da expectativa que decorria da luta conjunta de seus povos, essa balcanização visava, sobretudo, a conseguir Estados de per si menos fortes, com os quais o trato pudesse apresentar maiores proveitos para a França - embora esta, já então, se resignasse a lidar com os mesmoS~ ainda que comunizados.

A presença francesa seguiu-se a norte-americana. O trânsito não pode ser compreendido como um mero esfôrço de retirar pro­veitos coloniais - que era a motivação francesa. As atuantes passavam a s r as de peões de um complexo estratégico mais amplo, pois já rexistia a Chlnl;:t comunista. E havia mais, havia a maré montante dos povos que aspiravam a um tipo de organização social para a qual o condimento do comunismo era tão bom quanto outro qualquer, desde que trouxesse paz, relativa estabilidade e uma possi­bilidade de sobrevivência das massas livres do fardo milenar das guerras, cujos horrores se haviam intensificado a partir das hosti-lidades do segundo conflito mundial. ·

Mas desde cedo, sob a inspiração do Pentágono e de John Foster Dulles, se foi ancorando .na estratégia norte-americana a convicção de que a queda de um peão seria seguida de outra e assim ,;ucessivamente, de tal arte que em breve a Ásia inteira viria a cair nas garras do comunismo. A única alternativa, dentro dêsse esquema genérico, era apegar-se a cada peão o mais possível, ainda que, ao cabo, as fôrças armadas norte-americanas fôssem a só resistência contra a expansão comunista em cada um dos "governos" que essas fôrças armadas instituíssem nesses peões. De modo que, em nome da "democracia", os Estados Unidos da América têm sido levados a instaurar os mais espúrios governos do mundo nessas áreas, porque sem nenhuma raiz popular. Aos governos comunistas ou esquerdizantes, odiosos porque comunistas ou esquerdizantes (ainda que contando com o apoio das largas massas das respectivas populaçõe~ e ainda que apresentando índices de progresso material à altura dos esforços coletivos), os Estados Unidos da América não têm podido oferecer aos olhos do mundo outra coisa que quislings dos mais minoritários e desamparados do mundo.

:É dentro dessa premissa, aliás, que os editorialistas da Monthly Review (Abril de 1965, n.0 12, vol. 16) examinam o recente livro­branco do Departamento de Estado sôbre o Vietnam, divulgado a 27 de fevereiro do corrente ano.

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O "govêrno" do Vietnam do Sul

O tratar-se de uma revista de orientação marxista não inva~ lidará a legitimidade do "descobrimento" dêsse ôvo-de-colombo, pois, não fô.ra a tragédia que vai por trás dessa caricatura de govêrno "legítimo" semanalmente renovado por "golpes-de-Estado­da-domesticidade", e a resposta do mundo seria uma gargalhada. Não devemos, contudo, iludir-nos com a seriedade com que o noticiário internacional trata êsse govêrno "legítimo", pois que entre nós o que repercute é a imprensa livre norte-americana que está a serviço de difusão de massa dessa legitimidade. É, entretanto, na imprensa norte-americana mesma, a especializada ou de menor curso ou não destinada aos povos periféricos, bem como na européia, que se podem colhêr as indicações do que vai por trás da caricatura de exportação - e o que vai por trás não é uma caricatura, pois é tragédia de um povo, realmente, tragédia cujos horrores ultrapassam a imaginação, só sendo superada pela coragem dêsse povo.

O livro-branco do Departamento de Estado finca pé necessà­riamente nesse conceito de legitimidade do govêrno de Saigon, para, daí, 1) legitimar internacionalmente a "ajuda técnica" e demais assistências, militares e civis, que o Govêrno norte-ame­ricano lhe concede, 2) mostrar que o mesmo é vítima de uma agressão externa, vale dizer, de uma potência estrangeira, vale dizer, do Vietnam do Norte, 3) e fazer crer que êsse govêrno só existe pela assistência da China comunista, transformada, assim, na grande agressora e culpada de tôda a questão, nas suas origens corno nos seus desdobramentos atuais. O raciocínio, à observação internacional não passiva à propaganda norte-americana, é inválido e insustentável porque: 1) é contestabilíssima a legitimidade dos governos sucessivos de Saigon, nas suas origens e nas suas sucessões semanais; 2) a agressão externa, a admitir-se uma fil­tragem de recursos do norte para o sul ou de qualquer outro ponto para a área conturbada, é quantitativamente desprezível, sobretudo quando mensurada contra a extensão da "ajuda" norte­americana, negando-se o Govêmo norte-americano a reconhecer a tese desde 1954 e.ncampada pelos franceses, através de sua própria experiência in loco, de que o viet-cong é um autêntico fenô­meno de massa do sul do país, ainda que, numa percentagem residual, a presença eventual de nortistas no sul possa ser alegada como presença de estrangeiros, coisa já em si irrealista pelo simples fato de que não foi a delimitação do paralelo 17, para fins de mera

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desmilitarização do território, que pôde de repente criar duas "nacionalidades" - devendo-se, por conseguinte, reconhecer que se está em face de um típico fenômeno de~ luta nacional emanci­padora, em cuja solução somente deviam imiscuir-se os próprios nacionais. Que essa solução seria contrária aos interêsses norte­americanos é uma outra questão, já que ninguém ignora que, no estado a que se chegou na área, as fôrças antiestrangeiras em geral, e antiimperialistas em particular, são a arr.asadora maioria da população. Mesmo com o mito da legitimidade dêsse govêrno sulista, estar-se-ia, se~ tanto, em face de uma luta civil. E nenhum texto internacional de valor, a começar pela Carta das Nações Unidas, bem como a lei consuetudinária internacional, reconhece a nenhum Estado estrangeiro o direito ou a "obrigação" de intervir do lado de quaisquer partes na luta civil. Ao contrário, o direito à autodeterminação e à independência dá aos Estados o privilégio de mudarem de sistema de govêmo ou de regime social, mesmo pela revolução - o que era, aliás, um aforisma internacional doo próprios norte-americanos, em todos os pactos dos próprios pais dos Estados Unidos da América como república; 3) é, por fim, absolutamente certo que a China comunista até agora não interveio na luta, nem direta, nem indiretamente: o Govêmo de Hanói, comunista, é anterior ao de Pequim, tem em seu território um contingente rninimo de chineses, não \'em recebendo ajuda ou assistência dos chineses além de um comércio regular entre países que ~e ligam por comunidade ideológica, explicando-se a construção do Vietnam do Norte por um tipo de economia socialista de escassez que, isso não obstante, tem sido respeitado, por sua dig­nidade, incorruptibilidade e esforços, como exemplar - no depoi­mento de norte-americanos mesmo, para não aduzir o de franceses, que freqüentemente vêm visitando o território, sem sequer poderem ser incriminados de simpatias ideológicas. O fenômeno viet-cong se explica, aos olhos de todos os observadores equidistantes, como uma resistência popular do sul mesmo, em que os recursos materiais de guerra e de guerrilha são fornecidos pelos próprios exércitos do govêrno "legítimo" nas lutas diárias que lá se travam e pelo fato, que se omite com freqüência, de que o govêrno "legítimo" controla menos de 22% do território, menos de 24% da população, sendo de crer que a fiscalidade dêsse govêrno não representa nem um têrço da que é obtida, até em mesas de renda ostensivamente instaladas contra bônus do Estado, pelos viet-congs, inclusive no extremo sul.

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Os antecedentes do govêrno "legítimo" do Sul

Durante a segunda guerra mundial o r~e colonial francês da Indo-China, pendant do de Vichy em franca colaboração com Hitler, manteve estreita colaboração com os japoneses. Pelo fim da guerra, os japoneses, já não fiando-se dos franceses que princi­piavam a mudar de direção ao sôpro da resistência de De Gaulle, instalaram um govêrno "nacional" e "independente" sob o imperador anamita Bao Dai. Foi quando o movimento de resistência antiim­perialista, chefiado por Ho Chi Minh e apoiado pelos aliados -inclusive os norte-americanos - se estabeleceu na parte norte do território, ganhando progressivamente áreas para seu contrôle. Quando os japoneses se renderam, entregaram-se pura e simples­mente ao govêrno do Vi tnam, que se proclamou república inde­pendente. Na Conferência de Potsdam, no verão de 1945, deci­diu-se que as fôrças japonesas seriam desarmadas e repatriadas pelos chineses - estamos falando do govêrno de Chiang Kai-shek, está claro - ao norte do paralelo 17 e pelo Govêrno britânico, ao sul. Enquanto a operação era cumprida ao norte, permitindo que Ho Chi Minh se consolidasse, ao sul os britânicos recusavam-se a aceitar a validade do govêrno d Ho Chi Minh, restaurando o colonialismo francês .

Para êstes, porém, a situação já era outra: tinham pela frente um povo experimentado nos horrores da segunda guerra, desejoso de libertar-se e com a parte norte sob contrôle de um govêrno que gozava do apoio da imensa maioria dia população. A fim de evitar a precipitação de uma nova guerra, as autoridades francesas de ocupação do sul entraram em negociações com Chiang Kai-shek e Ho Chi Minh, de que resultou cm acôrdo, a 16 de março de 1946, pelo qual o govêrno francês reconhecia a República do Vietnam como independente, como parte de uma federação da Indo-China dentro da União Francesa. Em breve o acôrdo reve­lar-se-ia meramente formal e seguiram-se quase oito anos de sale de guerre, que iriam convencer os franceses da inutilidade de quaisquer esforços por recoloniza.r a área.

Durante êsse período de luta, a França tentou restaurar o mito de Bao Dai, instalando-o como chefe de Estado do Vietnam, ao trazê-lo do exílio em que se achava após haver abdicado do Estado títere antes instituído pelos japoneses . Com Bao Dai aparece o primeiro-ministro Ngo Dinh Diem, que se achava emigrado, não por

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acaso, nos Estados Unidos da América. Principiava, através dêsse personagem, a passagem do contrôle francês na área para os norte­americanos .

A derrota militar francesa, após terrível luta em que de parte a parte os sofrimentos foram enormes, seguiram-se os acôrdos de julho de 1954 de Genebra. &tes, em última análise, dispunham que o povo do Vietnam decidiria quanto ao govêrno através de um plebiscito de âmbito nacional, isto é, compreendendo as duas partes aquém e além paralelo 17 .

O resultado dêsse referendo não padecia dúvida a nenhum analista. Nessas condições, já em outubro de 1954 Ngo Dinh Diem promovia um referendo na parte sul, pelo qual se substituía a Bao Dai, proclamando êle mesmo a República do Vietnam (do Sul) e designando-se primeiro presidente . As eleições se realizaram com menos de 15% do eleitorado, de maneira que, através de uma fachada formal, se consagrava o predomínio da minoria ligada ao colonialismo anterior e presente, aliada com os elementos do norte que, desapossados pela reforma agrária já em curso, se haviam deslocado para o sul - caso em que o fato de ser do norte não significava serem estrangeiros.

A "legitimidade" dêsse govêrno não compadecia dúvidas: era um govêmo títere, que fugira a qualquer base popular, se impusera pela fôrça estrangeira ·e sobrevivia pela fôrça estrangeira. Princi­piava-se a violação sistemática dos acôrdos de Genebra, que não dispunham quanto a uma divisão do Vietnam, nem reconheciam como nacionalidades separadas os nortenhos dos sulistas . Ao con­trário, preconizavam um só país através de referendo geral, dis­pondo quanto à retirada de tôdas as tropas estrangeiras do território como um todo.

A "assistência" norte-americana, aliás, começaria logo em seguida: não se podendo invocar a presença de tropas estrangeiras no norte - que não as havia e não as há, - essa "assistênci~" se legitimava nos pedidos do regime de Ngo Dinh Diem, vale dizer, os norte-americanos criavam um govêmo títere, que logo após lhes pedia a "assistência". A presença chinesa poderá consubstanciar-se, já agora, se Ho Chi Minh a solicitar: os fundamentos serão os bom­bardeios e o escaladamento potencial das operações aéreas norte­americanas sôbre o território do Vietnam do Norte: entretanto o regime de Ho Chi Minh até agora não mais fêz do que fortifica.r'-se militarmente, esperando impedir êsse escaladamento. A China, em

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cujos flancos se arma essa tremenda chacina, continua expectante. E os viet-congs, que seriam apenas emissários de Ho Chi Minb, continuam a brotar espontâneamente da própria população do Vietnam do Sul, numa resistência e com uma eficácia que põem em xeque tôdas as explicações exógenas de ua capacidade de luta . São filhos da terra que lutam por sua terra. Em compensação, o regime de Ngo Dinh Diem desaparece, e a êle se sucedem governos e governos, todos com um estigma comum: dependentes exclusivamente do poderio militar norte-americano, são mais estranhos à terra do que os próprios norte-americanos, porque são traidores de sua própria gente .

As alternativas norte-americanas

William C. Johnstone, professor de Estudos Asiáticos na Universidade John Hopkins, balanceando a posição dos Estados Unidos da América no Sudeste Asiático (Current History, fevereiro de 1965, vol. 48, n.0 282), estima quais são as alternativas do Govêrno norte-americano quanto ao Vietnam.

Reconhece êle que a deterioração da situação do govêrno norte-americano em sua luta contra o viet-cong estreitou o campo de alternativas abertas aos Estados Unidos da América . Acha êle fácil asseverar agora que os norte-americanos não poderão ter bom êxito nos seus objetivos no Vietnam - entenda-se, preliminarmente, do Sul - a menos que um govêrno nessa parte possa ganhar a confiança do povo . Mas crê que isso só será possível se o exército vietnamita (do Sul) - com a ajuda dos Estados Unidos da América (é êle que o frisa) - puder dar seguridade aos que têm sido molestados pelos viet-congs. Noutros têrmos, reco­nhece êle que nem o govêrno sul-vietnamita, nem seu exército (com a ajuda dos Estados Unidos da América) , têm podido oferecer à população aquêle IIJ.Ínimo de condições que lhe inspire confiança de estabilidade - nem falemos de adesão ou solidariedade. Reconhece o professor citado, entretanto, que os longos anos de conflito e a natureza das guerrilhas corroeram a vontade do povo - é a sua interpretação ou o seu eufemismo, - o que, em Saigon, resultou num alarme crescente de lutas políticas intestinas - diríamos meramente pretorianas, - nas quais um número crescente de facções - militares, políticas, budistas, católicas e jovens - lutam pelo poder, com uso de demonstrações, protestos de massa e vio­lência. O pulso de ferro exercido contra o viet-cong, contra a população "protegida" nos confinamentos hediondos das paliçadas,

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passa a exercer-se também, de facção a facção, para meramente sobreviver no poder - poder que por sua vez deriva seu poder única e exclusivamente da "ajuda" em pecúnia e em "técnicos militares" norte-americanos.

Prossegue o analista dizendo que é impensável que os Estados Unidos da América se engajem diretamente no conflito, tomem a direção ostensiva das operações de guerra contra o viet-cong e tentem organ!zar êles mesmos o govêrno de Saigon . Acha êle - com ingenuidade, pergunto? - que isso ofereceria a prova convincente da acusação comunista de "imperialismo" diàriamente brandida contra o govêrno dos Estados Unidos da América. Entre o que se publicava em janeiro dêste ano e o que se está passando já agora medeiam fatos que, se o professor citado continua a racionar como raciocinava, o obrigarão a procurar uma nova "rationale" para explicar o não-imperialismo.

Admitia, por fim, no seu feixe de alternativas, que um enga­jamento crescente dos Estados Unidos da América levaria ao escala­damento do conflito, com a interferência de Moscou e Pequim, que até janeiro de 1965 reconhecia êle não existir, e as retaliações correspondentes, com a iminência de um conflito nuclear.

Ademais - e por fim, - nesse feixe de alternativas, via êle como provável que se agravariam as relações norte-americanas com os Estados asiáticos contíguos, a principiar pelo Laus, Camboja, e se acirraria a confrontação maláisio-indonésia. Noutro têrmos, numa tão curta perspectiva, não errava o analista. Para concluir, melancolicamente, que há "amplas indicações de que lenta e cuida­dosamente a China comunista começou a construir um alinhamento pró-Pequim" não apenas no Sudeste asiático, mas na Ásia do sul, de um modo geral. O que, noutros têrmos, poderia ser dito que, apesar de todos os obstáculos, os povos asiáticos estão tomando, a seu modo, a rédea do seu destino nas próprias mãos. Se essas rédeas têm côr vermelha, é uma outra questão, que se explicaria, também, se se quisesse uma "rationale", pelo fato de que não se lhes ofereceu uma alternativa cromática que os libere do colonialismo. Pois até que ponto a Ásia não vem reagindo, em lugar de estar apenas agindo?

A síntese de semelhante dilema é proporcionada por outro analista norte-americano, John Gange ("The Southeast Asian Cockpit", The Annals orf the American Academy of Politicai and Social Scienoe, janeiro de 1964) : "Assim, uma vez mais, como na

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China e na Coréia, como em outras partes, no período de após­guerra, os Estados Unido~ se act.am ante um tremendo dilema. Cheio de zêlo por conter ou derrotar o comunismo, os Estados Unidos têm sustentado vários regimes que eram barulhentamente - e quase sempre sinceramente - anticomunistas, mas que tinham apoio inadequado do povo que êles presumiam proteger do comu­nismo. A autopreservação do regime - por exemplo, Chiang Kai­shek, Syngman Rhee, general Park - estava tão intimamente ligada à sua postura anticomunista que essas duas coisas passavam a se.r, com efeito, objetivos inseparáveis. Apoiando os objetivos antico­munistas, os Estados Unidos também quase sempre se achavam envolvidos no apoio da perpetuação de um regime impopular e ficavam virtualmente impotentes para dividir êsses dois objetivos, "a fim de apoiar um e não os dois".

Quatro futuras eventualidades

Resumindo as considerações em que se estende no estudo acima citado, John Gange admite que quatro eventualidades futuras merecem a atenção dos norte-americanos com relação ao "rinha-deiro" do Sudeste Asiático: ·

1) há a possibilidade de uma rápida expansão, para o sul e para o sudeste, da China, para restabelecer sua antiga hegemonia na área, através dos comunistas locais e beneficiando-se das lutas de facções que aí s.e desenrolam. Para corroborar essa hipótese, lembra Gange as declarações de setembro de 1963 do príncipe Norodon Sihanouk, chefe de Estado do Camboja, que previa uma tomada do poder pelos comunistas em tôda a antiga Indo-China. Há um importante comentário a fazer ness·e respeito, e que deriva da própria natureza da hipótese formulada por Gange e d'a corro­boração que vê nas declarações de Sihanouk: enquanto Gange fala na expansão da China, Sinahouk admite a tomada de poder pelos comunistas. Noutros têrmos, enquanto Gange equipara, na área, China e comunismo, Sihanouk distingue os dois fatos. E Sihanouk os distingue porque, incomparàvelmente maior conhecedor da área (de fato, é um dos maiores conhecedores da área no mundo contem­porâneo), sabe que o comunismo no Sudeste Asiático preexiste, como motivação e fundamentação política, ao advento do comu­nismo na China, e tem sua fôrça no próprio seio dos povos da Indo­China, da Ásia do Sul e da Ásia em geral. Supor que o fenômeno do comunismo existe na área como mera "exportação" chinesa é

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deixar de compreender a essência do f~nômeno politico na área -coisa, aliás, extrapolável para qualquer parte do mundo. A "inge~ nuidade" norte-americana nesse respeito deriva de uma outra, oposta - a de que a democracia liberal burguesa é algo que existe no mundo como "exportação" dos Estados Unidos da América;

2) a segunda possibilidade é a de que, para enfrentar a expansão da China, as democracias ocidentais livres (estou glosando a linguagem de Gange) e outros países não-comunistas deverão concentrar fôrças e resistências muito maiores. Nessa hipótese será de prever que aos Estados Unidos da América caberá o maior fardo;

3) a terceira possibilidade será de que os países não-comu~ nistas incrementarão sua cooperação e ajuda mútua para se defenderem da China;

4) a quarta, que é o oposto da anterior, é a de que não se fará essa sólida cooperação, por causa das profundas diferenças dissociadoras que existem dentro da área (o grifo é de Gange) . Essas duas> hipóteses finais presumem - e Gange não se deixa iludir no respeito - que a cooperação será imposta de fora para dentro e de cima para baixo, - vale dizer, pelo Ocidente, à frente os Estados Unidos.

Um ano '(JifJÓs

Um ano após a formulação dessas hipóteses, o curso dos acontecimentos revela que os Estados Unidos estão aplicando a segunda, como resultado do próprio engajamento. ~se engajamento não se está, entretanto, fazendo sem diferenças internas: vê-se que os Estados Unidos, engajando-se progressivamente, querem, con­comitantemente, corresponder à opinião majoritária no mundo, no sentido de que a solução do conflito terá de ser negociada, na linha dos acôrdos de Genebra de 1954 ou em prosseguimento a êsses acôrdos. Daí a quase concomitância de duas ofensivas: a dos bombardeios aéreos do Vietnam do Norte, iniciada há um mês e com tendência a se incrementar enquanto a segunda não der os seus primeiros frutos, e a segunda, a das negociações, tais como propos­tas no recente discurso em Baltimore, do presidente Johnson. Examinemos as duas ofensivas.

O engajamento crescente, embora com objetores dentro das próprias fôrças armadas norte-americanas, foi ostensivamente

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preconizado - lembram-no os editorialistas do número citado da Monthly Review - num importante artigo de Hanson W. Baldwin a 21 de fevereiro passado no New York Times Magazine, artigo em que se estima o grau dêsse incremento nos seguintes têrmos:

"Entrementes, seriam necessários anos de esforços para que o próprio Vietnam do Sul reduzisse os viet-congs a proporções controláveis. Fôrças muito maiores e mais bem dirigidas seriam necessárias ao Vietnam do Sul. Estas teriam de ser suplementadas por fôrças de terra dos"Estados Unidos da América - talvez em número pequeno no início, mas depois maiores, particularmente s.e as fôrças do Vietnam do Norte e soldados chineses se juntassem aos viet-congs .

"Quantos soldados norte-americanos s·eriam nece sários é incerto - provàvelmente um mínimo de três a seis divisões (utili­zadas principalmente em unidades do tamanho de batalhões ou brigadas) , possivelmente 1 O a 12 divisões. Incluindo fôrças aéreas, navais e de suporte, talvez 200 000 a 1 000 000 de americanos lutariam no Vietnam.

"É óbvio que isso significaria um conflito do tipo coreano, uma guerra maior, qualquer que seja o eufemismo que se use. Nem a poderíamos sustentar com a pres.ente economia "de rotina". Requerer-se-ia mobilização parcial, produção militar vastamente incrementada. Muitas debilidades de nossa estrutura militar teriam de ser fortalecidas. Ainda assim, não se poderia antecipar rápido bom-êxito . A guerra seria longa, irritante e desgastante" . .

Essa ofensiva, se levada às suas conseqüências, levaria a que os Estados Unidos "exigissem" dos seus aliados uma participação - tal como na Coréia. O pedido "simbólico" já foi feito a vários países latino-americanos, não há dúvida, malgrado a onda de mentidos e desmentidos . A contribuição "simbólica" inicial seria o penhor de que ela iria tomando as novas feições qualitativas e quantitativas que o engajamento crescente fôsse requerendo. Tudo, é óbvio, até o limite do não-escaladamento, quando a voz atômica viesse a fazer-se ouvir - pela primeira e só e final vez, para todos .

Se no caso da Coréia o Estados Unidos conseguiram a sacra­mentação da sua operação com uma resolução das Nações Unidas - cuja validade é contestada, como todos sabem, - isso se deu quando o organismo internacional ainda era passível de semelhante

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extorsão. Hoje, é ponto pacífico, as Nações Unidas, não dariam o seu aval para semelhante guerra. Não o dando, os aliados dos Estados Unidos teriam de pensar duas vêzes antes de poder apoiá-los ou secundá-los na aventura - refiro-me, está claro, aos aliados dos Estados Unidos que podem permitir-se o luxo de pensar; os outros . . . É a perspectiva de certos países latino-americanos, dentre grandes e pequenos, inclusive o nosso .

A outra ofensiva, concomitante, é a diplomática, lançada no discurso de Johnson. Notemos que as reações até agora são aparen­temente negativas, por parte dos países asiáticos mais próximos ou engajados na questão. Isso não obstante, é de ressaltar o insus­peito pronunciamento de U Thant, o secretário-geral das Nações Unidas. '

A variedade das reações não deve espantar. Pois a atitude de Johnson comporta, efetivamente, vários ângulos de recepção:

a) deve ser entusiàsticamente recebida, no sentido de que, retardadíssima, significa o reconhecimento oficial dos Estados Unidos de que a via das negociações diplomáticas está sendo seriamente encarada pelos Estados Unidos - reconhecimento, aliás, que é uma vitória, no Ocidente, da atual França do atual De Gaulle ( que se havendo engajado num conflito muito parecido puderam compre.­ender in vivo a inviabilidade do mesmo como instrumento de conquista política, já que não há solução militar previsível para o mesmo);

b) teve de ser objeto de restrições das outras partes interessa­das por causa das premissas políticas e diplomáticas sob que se for­mulou . E nestas se inclui um elemento de capital importância para as partes interessadas: os acôrdos de Genebra de 1954, sob cuja luz todos os sucessos da antiga Indo-China continuam a ser vividos e interpretados. A fórmula do presidente dos Estados Unidos de aceitar as negociações "sem condições" presume que os acôrdos de Genebra não poderão ser invocados, partindo-se da estaca zero . Ai é que pega o problema.

Balanço

Duas conv1cçoes existem geralmente quanto ao problema no seu conjunto:

1) a questão do Vietnam não se resolverá por via militar; se essa via fôr sustentada, tende a alargar o conflito, quantitativa e

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qualitativamente; o escaladamento pode vir a chegar até o tipo atômico: cumpre, a qualquer preço, cortar essa via, enquanto é tempo;

2) as negociações diplomáticas se imporão, mais cedo ou mais tarde, embora se possa presumir que se arrastarão por muito tempo e se estrangularão em muitos pontos .

Entrementes, a realidade das lutas sociais na área e no mundo encaminharão a questão para um relêvo maior ou menor.

"MEMóRIAS DE LUIZ EDMUNDO" Pela primeira vez no Brasil (talvez no mundo) um livro de memórias em cinco grandes volumes, quase 2 000 páginas!

Interessantisslmo livro de um dos mais fascinantes memorialistas que Já produziu a literatura brasileira. - Evocações as mals curiosas da vida nacional. - Todo um largo periodo da vida brasileira com seus múlti­plos figurantes (dezenas de personagens) demarcado pela observação forte de um grande poeta e prosador.

Desfile de fatos e lembranças fielmente revelados e guardados na longa vida do escritor personal!sslmo que foi LUIZ EDMUNDO.

Alguns capitulas dos cinco volumes: Inlâncla - Primeiras Recorda­ções - Primeiras Tentativas Literárias - Amõres - O Rio da Infância e Juventude - A Abolição - Florlano e a República - A Revolução de 93 - Os Primeiros Grupos Literários - Os Simbolistas e Nefellbatas - Cruz e Souza - Bilac - B. Lopes - Martins Fontes - A Guerra de 14 - A Gripe de 1918 - O Pierrot e os Carnavais Daquele Tempo -O Padre Severiano de Rezende - As Artes e Héllos Selinger - José do Patrocínio Filho - Mota Coqueiro - História do Teatro Pequeno -Anatole France no Rio de Janeiro - Primeira Via.gem à Europa - A Bela l1:poca - Paris, os Boulevards e os Cafés - Oscar Wilde - Eça de Queiroz - Aluizio de Azevedo - Buenos Aires - Encontro com Trilussa - Segunda Viagem à Europa - Portugal - A Vida Artística e Literária de Portugal nos Seus Mais Variados Aspectos - Novamente Eça e Fialho, Guerra Junqueiro e Oliveira Martins ~ Todos os Encantos das Tradições Portuguêsas - Sesimbra - O 1\Juseu dos Ooches - O Paço de Queluz - Lisboa e Seus Arredores - A Mouraria e AUama - O Fado - Os Artistas: Columbano, Malhõa e Carlos Reis - A Bi­blioteca Nacional - As Livrarias. Cinco grandes volumes enfeixando 136 capitulas. quase 2 000 páginas, 11 ustrados com perto de 100 fotografias e desenhos de grande valor do­cumentário, Impressão magnifica em ótlmo papel. Preço dos cinco vo-lumes brochados .............. . ........ . ... .. .. . .. . .... . . . .. Cr$ 10.000,00

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