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Catalogação preparada pela própria editora de Paula, Gessy Carísio Cotidiano branco e preto/ Gessy Carísio de Paula. - Araguari, MG : Minas Editora, 2006. 64 páginas; 9,2x13,5 cms. ISBN 85-87538-65-9 1. Meditações. I. Título. © by Gessy Carísio de Paula DIREITOS DE CÓPIA RESERVADOS 1“ EDIÇÃO -

 · Web viewEles se amavam loucamente. Mariana e Manoel Figueira. Costuma-se dizer que os grandes amores ou são culminados com alguma tragédia ou com a severa oposição do destino

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Catalogação preparada pela própria editora de Paula, Gessy Carísio

Cotidiano branco e preto/ Gessy Carísio de Paula. - Araguari, MG : Minas Editora,

2006.

64 páginas; 9,2x13,5 cms.

ISBN 85-87538-65-91. Meditações. I. Título.

© by Gessy Carísio de Paula DIREITOS DE CÓPIA RESERVADOS 1“ EDIÇÃO - MARÇO/2006

DO Io AO 2o MILHEIRO

IMPRESSO NO BRASIL / PRINTED IN BRAZIL

REVISAO

MINASE DITORA CAPA E COMPUTAÇÃO GRAFICA Públio Carísio de Paula

MIMAS BDITORATELEFAX: 34 3241.3557

CX. POSTAL 221 - CEP 38440-970 - ARAGUARI - MGsite: unuw.minaseditora.com - mail: minaseditoraQminaseditora.com

NUMA TARDE DE VERÃOEles se amavam loucamente. Mariana e Manoel Figueira. Costuma-se dizer que os

grandes amores ou são culminados com alguma tragédia ou com a severa oposição do

destino. Não tendo nada em comum com os grandes amores contados por Shakspeare, esta

história teve também o seu trágico desenrolar.

Manoel, moço pobre, carpinteiro, tendo uma grande responsabilidade com irmãos e uma

velha mãe acamada. Mariana, de família regiamente abastada, prendada e culta. Normalista,

inteligente, um primor de moça dos velhos tempos do começo do século XX.

Conheceram-se casualmente, numa tarde de verão e ao primeiro instante, já o amor lhes

fazia vibrar os corações. Começaram a se encontrar, sem fazerem nenhuma reserva, deixando

que todos participassem da sublimidade de seus sentimentos. Entretanto, os pais sabendo da

humílima condição do rapaz, se opuseram. Deu-se aí o início do grande sofrimento, a tortura

provável da separação.

- Mariana, dizia-lhe a mãe, você precisa interromper seus encontros com Manoel.

- Não, mamãe, não me obrigue a isto! Amo-o tanto, que acho melhor morrer a ter que

deixá-lo!

- Que bobagem, minha filha. Não se morre de amor...

- Pois afirmo-lhe que, se não puder me casar com ele, definharei até à morte!

Estes diálogos se repetiam sempre, quando não eram mais rígidos com a intervenção do

pai, que não admitia argumentos.

Finalmente uma noite, Manoel, sabendo de toda aquela oposição, resolveu terminar o

namoro para não ser causa de discórdia na família de sua amada.

- Mariana, hoje devemos nos despedir, - disse ele, logo que se encontraram...

- Não me deixe, Manoel! Leve-me com você. Não temo o futuro. Ao seu lado qualquer

sofrimento será suportado. Amo-o Manoel!...

- Amo-a também... Não dificultemos as coisas. Quanto mais nos demorarmos, mais

difícil será a separação... não posso continuar a prendê-la assim, pois não tenho condições de

dar-lhe o conforto e a segurança que merece e a que está acostumada...

- Manoel, não serei de mais ninguém. Amá-lo-ei por toda a vida. Em meu coração

somente haverá lugar para você. Vá-se Manoel, quero vê-lo desaparecer ao longo do caminho

e gravarei a sua imagem em minha alma, para sempre...

Beijaram-se demoradamente e ele se foi... numa triste tarde de verão!

O tempo passou e não muito depois, Manoel casava-se com Tereza, moça pobre, de

sentimentos nobres e elevados. Desdobrava- se em cuidados com a sogra, dando-lhe carinho

de filha. Mantinha-se sempre serena, cuidando de tudo com amor e dedicação. Era a

companheira ideal. Manoel tratava-a com delicadeza, mas guardava dentro do coração o amor

forte de Mariana, a quem nunca mais viu.

Vieram-lhes três filhos. À chegada do terceiro, Tereza adoece gravemente e morre,

deixando Manoel em completa insegurança com os pequenos requerendo profundos carinhos.

Sem saber o que fazer, desorientado diante da nova situação, pede conselhos à mãe que, na

cama, pouca ou quase nenhuma atenção podia dispensar às crianças, pois necessitava ela

também de desvelados cuidados. Aparece-lhe uma mocinha, quase menina, podendo até ser

sua filha. Leva-a em casa, apresenta-lhe as crianças e a mãe doente e propõe-lhe casamento.

A mocinha não se intimida diante da responsabilidade e afirma aceitar matrimônio. Ela vem a

ser a nova mãe daqueles meninos tão pequenos e já tão sofridos.

Isabel transforma-se na mãe dedicada, nora carinhosa, esposa amiga e companheira de

todas as horas. Não tarda muito e mais filhos começam a chegar, numerosos. Ela sempre

dedicada, jamais deixou que o cansaço ou abatimento interferissem no seu comportamento

junto ao marido.

A vidinha regrada, com os parcos rendimentos de sua modesta oficina de carpinteiro, são

a única renda do casal. Economizando hoje um regalo qualquer, poupando uma despesa

supérflua amanhã, conseguiram viver equilibradamente, até que a mãe veio a falecer.

Tomaram então, a decisão de se mudarem da pequena cidade onde moravam, para uma

maior, onde todos os filhos, agora já grandes, pudessem se empregar em fábricas, elevando o

nível da vida sempre sacrificada em que viviam. Tudo se encaminhou como planejaram.

Trabalho e escola para todos. Manoel conseguiu se firmar em uma fábrica de roupas,

primeiro como balconista, depois gerente e em seguida, proprietário.

Os anos se passaram e já a velhice lhe batia à porta. Era verão, quando um dia, estando

sozinho na loja, entra uma velhinha e pede-lhe um artigo qualquer. Enquanto pega na

prateleira, o objeto, ela fica a olhar um pequeno cartão que estava sobre o balcão. FÁBRICA

DE ROUPAS - CONFECÇÕES H MANOEL FIGUEIRA - Ele volta-se e mostra- lhe o

objeto pedido.

- Aqui está o que a senhora deseja...

Ela continua absorta, olhar parado na cartão... depois fala:

- Manoel Figueira... Eu conheci um rapaz, há anos, com este nome... Foi na minha

cidade... Eu era moça e o destino nos separou... Como eu o amava.. Nunca o esqueci.. Foi o

único amor de minha vida...

Enquanto ela falava, Manoel observava- lhe as feições, a voz... Não, não era possível...

Não podia ser Mariana, tão velha, acabada, parecia doente... À primeira pausa, ele interrogou:

- Como é o nome da senhora? posso ajudá-la em alguma coisa...

- Chamo-me Mariana... E olhou para ele, que neste momento, começava a chorar...

- Mariana... É você.. Sou eu, Manoel... o seu Manoel... Deram-se as mãos, cada um

olhando firmemente para o outro, reconhecendo-se, após tantos anos...

- Oh! Manoel, como sofri sem você! A vida foi tão dura para conosco, separando-

nos... Agora reencontro-o... Tão tarde...

- Não, não diga isto... Haveremos de ser bons amigos e ainda poderemos nos

encontrar outras vezes... Olha, dou-lhe o meu endereço e você me dá o seu... Irei visitá-la...

- Estou muito doente, Manoel, a vida para mim será breve. Mas, morreria feliz,

sabendo-o ao meu lado. Naturalmente você tem esposa e filhos que lhe preenchem a vida...

Quanto a mim, vivi por você! Agora tenho de ir... Gostaria de conhecer a sua segunda

esposa... Deve ser muito boa...

E dando-lhe o endereço, partiu. Manoel ficou vendo-a misturar-se à multidão,

relembrando a noite em que se separaram. Não sabia descrever o seu sentimento naquele

momento... Contaria tudo à Isabel e a convidaria para visitar Mariana.

Naquele mesmo dia foram ao endereço marcado, que não era muito longe de sua casa.

Encontraram-na deitada, num quarto humilde, sobre uma cama desprovida de agasalhos, onde

repousava, já bastante doente.

Contou-lhe toda a sua vida, desde aquela noite em que se despediram. A reviravolta dos

negócios de seu pai que, vendo-se empobrecido, definhou até a morte. Em pouco tempo a

morte de sua mãe; a solidão, a velhice chegando.. A doença incurável!

Manoel e Isabel se esmeraram em cuidados. Providenciaram a sua internação num bom

hospital, onde pudesse ser convenientemente tratada. Visitavam-na constantemente, levando-

lhe atenção e carinho, até que numa tarde azul, em pleno verão, Mariana partiu...

Uma sepultura ornada de flores, que se mantinham sempre frescas e viçosas sobre a lousa,

foi o ponto final daquele coração que se entregou todo a um amor desesperado e único,

gastando-se na fidelidade e adoração de uma união impossível.

Franzina, pálida, magra, os olhos grandes realçavam-lhe mais a brancura do rosto. De

pronto podia-se notar a enfermidade minando-lhe o corpo. No começo do século, a medicina,

com poucos recursos, não lhe proporcionava muita melhora. Era cardíaca, nada se podia

fazer, a não ser esperar que um milagre acontecesse...

Os pais a tratavam com delicadeza e o médico da família já havia avisado: - Nada de

contrariedades e nenhum esforço. O mal pode se agravar e uma pequena crise pode ser fatal.

Madalena está fadada a não se casar. Não poderá também - o que é pior -, ter filhos.

Tudo bem, enquanto ela não conheceu Silvio, filho de portuguêses.que se mudou para perto

de sua casa. Uns olhares tímidos, a primeiro; depois, troca de palavras simples e por fim o

pedido de casamento.

- Sr. Arnaldo, hoje venho lhe pedir a mão de sua filha.

Juntos, na sala, d. Eugênia chorava. Sabia que sua filha estava amando desesperadamente

aquele rapaz e era um amor impossível. Explicaram-lhe tudo, o seu estado de saúde e a

recomendação do médico. Baldados esforços. Ele também confessa, não saberia renunciar

àquele amor.

Com estas palavras, ela convenceu a todos:

- Se é verdade que o casamento encurtará minha vida, prefiro viver pouco, mas ao lado

de Silvio. Não viverei sem ele...

Os pais não tiveram outra alternativa, senão aprovar.

Casaram-se e continuaram morando juntos, pois D. Eugênia e o marido não permitiram

que fossem para sua casa, para lhe poupar esforços.

Passaram-se os meses, Madalena anunciou a chegada do bebê. Todos ficaram 14 -

Cotidiano Branco e Preto exultantes de felicidades, mas sua mãe sentiu mais próximo o fim. À

medida que os dias se sucediam, Madalena mais empalidecia. O médico já estava bastante

preocupado. Silvio não sabia o que fazer. Cobria-lhe de atenções e carinho. Não fora a

doença e estariam trilhando o caminho da verdadeira felicidade. Itês meses de gravidez e ela

diz:

- Estou no fim. Dentro de três dias, morrerei!

- Não diga isto, Lena, você está bem. Gravidez é assim mesmo, um dia bem, outro

indisposta...pelo menos no início, é o que dizem!

- Não, Silvio, somente sinto a nossa separação. Eu me vou feliz, por tê-lo conhecido e

amado.

Passaram-se os três dias. Logo após o almoço, Madalena recolheu-se ao quarto e

começou a chamar, um a um, todos os seus familiares: irmãos, sobrinhos, tios, mãe e pai e

por último, o marido:

- Adeus, Silvio, meu amor... não se esqueça de mim... do outro lado da vida estarei

sempre com você.... você é jovem e forte... quando puder, case-se de novo. Haverá de

encontrar uma companheira que o ajudará a viver... Estou feliz... eu o amo....

Silvio não disse nada. Chorava baixinho. Segurou-lhe as mãos, beijando-as docemente.

Observou-lhe as feições, empalidecia sempre mais. O médico atento, pegou-lhe o pulso,

quase imperceptível. Esperaram alguns momentos angustiantes, cada um traduzindo a dor

que o quadro proporcionava.

Nisso, um frêmito agitou o seu frágil corpo. Todos pensaram ser o fim, espantado, o

médico notou uma leve alteração pulso, alegrou-se interiormente, sem dizer nada. Nova

sensação de movimento dentro do ventre. Era a Vida, sobrepondo a morte... Madalena tenta

abrir os olhos e na penumbra do quarto, ver Silvio ao seu lado. Sorriu de leve e adormeceu. A

pulsação continuava se normalizando e a sua cor já não era tão lívida. O que realmente estaria

acontecendo? Os prognósticos médicos e a própria Madalena sentira próximo o fim...

Depois de longos minutos o médico resolve falar! Que alegria, os batimentos cardíacos

estão se regularizando... não é possível, meu Deus!

Sem saírem do quarto, passaram a noite ali, em vigília. Pela manhã, ela acorda como se

nada houvesse acontecido de anormal. Um pouco fraca, reclama fome. Avidamente toma seu

leito com torradas e biscoitos e indaga do médico quando poderá se levantar.

Alguns meses depois, chega à casa uma linda menina e a vida sorriu feliz e alegre para

todos.

O milagre acontecera!!Nota: Dei um final feliz para esta história, pois foi o grande desejo do meu coração e de todos os familiares de Madalena,

mas na realidade não foi isso que se deu. Madalena ó o nome fictício de minha tia Eulina Pelet e esse fato se deu em

Uberaba (MG), em 1919. Os pais da moça eram meus bisavós franceses Adalpho Pelet e Clement Duvivier Pelet (belga) e

o noivo, tioSilvano, português. Logo após a despedida de seu marido, ela realmente faleceu.

TONICO - Menino de ruaEra um menino como outro qualquer. Com suas fraquezas, alegrias, brinquedos e sonhos.

Tão pouca idade e já bastante sofrido. Ia à escola, no Grupo Escolar, sem uniforme e pés no

chão; pequena sacola xadrez à tira-colo, onde colocava seus poucos objetos. Lanche nunca

levava, pois mal tinha o almoço em casa, para forrar-lhe o estômago. Ficava a olhar as outras

crianças, na hora do recreio a tomarem as suas merendas. Vez por outra, algum colega dividia

com ele o pedaço de pão ou de bolo.

A sua revolta, ou melhor, inconformação, era ver sua mãe sempre no tanque a lavar

roupas para as freguezas ricas. Sempre dizia:

- Deixa estar, mãe, que seu dia há de chegar... Este seu filho ainda vai mudar a sua sorte...

Pai, não tinha. Irmãos, também não...

Prestava-se a tudo. “Pau para toda obra" - diziam os vizinhos!

- Tonico, vem cá menino, leve esse recado...

- Tonico, vai na farmácia buscar um remédio...

- Ó, Tonico, vai lá na venda buscar querosene...

E assim, Tonico passava o seu dia... Era um corre-corre, daqui para ali e sempre, de

manhãzinha, antes de ir para a escola, era sua tarefa buscar a égua no pasto, para a charrete

do seu Joaquim...

Era bem-quisto e sempre davam- lhe uma gorjetinha. Não gastava. Juntava todas, durante

a semana para, no domingo, se dar ao luxo de um cineminha, um sorvete ou mesmo, um copo

de vitamina na quitanda da esquina.

E os dias sucediam-se. Nada acontecia de novidade, para modificar a sua rotina.

Chegou o fim do ano e Tonico terminou o quarto ano primário muito bem. Preparou-se,

fez a admissão ao ginásio. E agora? Deparou-se com um problema: Não poderia pagar o

colégio. Ainda não existiam estas formas de crédito escolar e nem Colégio Estadual. Tonico

armou-se de toda a coragem, menino se fazendo homem e bateu à porta do prefeito de sua

cidade. Usou toda a veemência juvenil para solicitar uma ajuda para pagar a mensalidade do

colégio.

No princípio, o prefeito ouviu-o, calado. Aos poucos se entusiasmou e acreditou no

menino. Encantado, por ver tanta decisão numa criança tão nova, ofereceu-lhe uma bolsa de

estudos, custeada pela Prefeitura. Tonico se despediu, emocionado:

- O senhor há de se orgulhar de mim! Procurarei uma ocupação durante o dia para

habituar-me ao trabalho e estudarei à noite. Todos os fins de ano trarei minhas notas para o

senhor ver, até me formar.

- Adeus, Tonico, ainda quero ouvir falar de você, meu rapaz!

E assim, ele chegou em casa, com a grande novidade. A notícia correu a rua, de boca em

boca, uns comentando, outros aumentando a audácia e a coragem de Tonico, em falar com o

Dr. Prefeito.

Foi ser servente de pedreiro; 12 para 13 anos, ganhava muito pouco por semana, mas já

era alguma coisa. Antes que o apito da fábrica anunciasse as 7 horas da manhã, Tonico já

estava de ferramenta em punho, preparando massas, carregando tijolos, ajudando daqui e dali.

Todos na construção lhe solicitavam ajuda:

- Corre, Tonico, vá buscar um maço de pregos no depósito!

- Traga a escada, Tonico!...

Uma hora de intervalo para o almoço: comia com o livro na mão. À noite ia ter prova de

português.

Antes do horário, corria novamente; ao meio dia, quando a sirena apitava, já estava

novamente de ferramenta nas mãos. Não se cansava nunca. Foi crescendo, tempo correndo,

ficando homem. Mãe no tanque,nunca parando de lavar roupa. Tbnico já não agüentava mais

ver a mãe, ficando velha... lavando roupa!

Terminou o ginásio, fez curso de datilografia.

- Que luxo, diziam os vizinhos!... Esse menino vai longe!

- O prefeito arranjou-lhe um serviço na prefeitura, comentaram um dia. E era verdade.

Mas mesmo assim não parou de estudar. Queria ser doutor. O tempo vai passando, as coisa

vão melhorando, mas para sua tristeza, sua mãe adoeceu. Ficava horas, às vezes durante a

noite, vigiando-lhe o sono, dando- lhe os remédios.

- Mãe, a senhora vai ficar boa!... Vou ser doutor, levar a senhora para longe daqui!....

Vou comprar uma casa, com jardim, como a senhora gosta...

- Vamos sim, Tonico. Eu vou sarar, se Deus quiser...

Passou-se um ano e a velhinha, não resistindo ao sofrimento, morreu...

Tonico, desolado, sozinho no mundo, deixou-se levar, por uma semana, num abatimento

sem conta. Depois reagiu!

Redobrando de forças, nunca mais parou. Formou-se doutor. E um homem honesto 22 -

Cotidiano Branco e Preto e dedicado à profissão. Vê, em seu semelhante, uma segunda mãe,

um irmão, um amigo que necessita do seu auxílio. A todos atende com carinho e amor.

Constantemente volta à sua cidadezinha, para colocar flores na sepultura de sua mãe, pedaço

de seu coração que ficou para trás, nos tempos de meninice.

Como ele, existem milhares de Tonicos espalhados pelo mundo; uns mais conhecidos,

outros mais escondidos; uns mais felizes, outros com histórias mais trágicas; mas esta foi a

história comovente, do menino valente, que eu conheci!

NA TRANSCENDÊNCIA DO CONTO

Conta-se que, em recuada época da humanidade, um determinado homem, preocupado

com a finalidade de sua existência na face do planeta Terra, indagava-se sobre a origem, as

diferenças e as múltiplas situações em que se debatia e debate a humanidade. Era uma busca

constante e sempre mais inquiridora. De índole naturalmente pacífica, esse homem resolveu

se instruir. Em sua concepção, imaginava que através do conhecimento das coisas, chegaria

às respostas tão desejadas. Dada à recuada época em que vivia, somente tinha acesso a alguns

pergaminhos e alfarrábios; no mais, buscava a companhia de velhos sacerdotes e monges que

o pudessem instruir.

Aprendia um pouco de todas as ciências: física, química, astronomia, matemática,

astrologia e tanto se elevou nos conhecimentos gerais que conseguia manipular com

perfeição, dentro da alquimia, os diversos elementos que compõem a natureza,

transformando-os em objetos e coisas de acordo com as necessidades ou circunstâncias.

Tornou-se um sábio sacerdote, mas não um homem completamente feliz.

O que lhe faltava? As indagações continuavam, agora sob um aspecto diferente. A

sabedoria de todas as coisas não lhe bastava à alma sensível e delicada.

Tornou-se professor no intuito de au iliar jovens com as mesmas ânsias de uma forma ou

outra ajudava a todos quantos lhe buscavam a companhia e isto preencheu-lhe o vazio íntimo.

Os anos se passaram, os séculos se desdobraram e o nosso bom homem se elevava mais e

mais em Sabedoria e Amor, as duas asas que nos conduzem à Deus.

Do outro lado do mundo, muitos séculos depois, vivia uma sacerdotisa que tinha por

única e exclusiva ocupação, alfabetizar crianças. Fazia-o com o mais puro amor e dedicação,

pois almejava vê-las todas, cultas e sabedoras das grandes verdades universais. Esmerava-se a

tal ponto que nem as suas maiores peraltices, faziam-na alterar a doçura e a paciência de que

se revestia.

Certo dia, após o término da aula, começou a fazer limpeza na sala antes ocupada pelas

crianças, que a deixavam, costumeiramente, em completa desordem. Envolta em

pensamentos de grande elevação, num fenômeno singular e inexplicável, viu-se atraída pelo

marulhar de águas e qual não foi a sua surpresa, quanto notou o mar aproximando-se, em

leves vagas, trazendo em sua superfície vários objetos caseiros, escrivaninha, cadeiras e

outros móveis em estilo antigo. Como tocado por suave música, vinha bailando sobre as

ondas do mar, um livro ricamente encadernado em azul com bordas e letras douradas, cujo

título ressaltava a seus olhos: O LIVRO DA SABEDORIA E DO AMOR.

Estupefata, ela percebeu que estava submersa até a cintura, flutuando tranqüilamente em

meio aos objetos, quando mãos invisíveis abriram o livro folheando-o delicadamente.

Deparou-se com a figura veneranda e serena de um sacerdote que parecia olhá-la fixamente.

Emocionou-se.

Abalada em seu íntimo, aconchegou ao coração aquele livro que misteriosamente lhe

infundia tanto respeito, carinho e admiração, na figura austera daquele sacerdote. Fechou os

olhos e viajou no tempo-espaço por regiões longínquas. Não pôde precisar quanto tempo

durou aquele enlevo. Percebeu que havia chegado a um palácio; pelas linhas arquitetônicas,

evidenciava ser o Oriente. Num amplo salão, foi recebida por um jovem serviçal que avisou

ao senhor que “ela” havia chegado.

Adentrando-o, percebeu tratar-se do ancião que figurava no livro e que ela ainda

conservava de encontro ao peito. A emoção lhe invadiu a alma e não pode dizer nenhuma

palavra, mesmo porque não havia necessidade, as grandes almas se comunicam pelo

pensamento.

- Parabéns - disse-lhe ele...

Ela agradeceu com o olhar e ele continuou:

- Você está disposta a me dar 4800?

Assustada, não respondeu. O momento era sublime demais para se falar em cifras...

O jovem serviçal veio em auxílio e lhe explicou:

- O Mestre lhe pergunta se está disposta a permanecer como livro por 4800 anos...

- Sim, foi a resposta firme, decidida e feliz!

HONRADA com tamanha confiança daquele sacerdote para com ela, um Mestre que

naturalmente era portador das Virtudes Eternas que lhe ornavam o olhar e a alma, ela ainda

pôde indagar:

- Quem me fala desta maneira e me dá semelhante tarefa?

- Sou o sacerdote que hoje completa os seus 4800 anos como livro. Sigo para regiões

mais altas, na continuidade da evolução; você permanece em meu lugar, ensinando,

exemplificando, instruindo... ETERNAMENTE!!

E a sacerdotisa retornou à sua consciência, ao seu lugar de origem, do outro lado do

mundo, sabedora da responsabilidade de que estava revestida: a de se instruir sempre e de

exemplificar somente o Bem e o Amor, já que sua missão era alfabetizar e conscientizar

crianças para um futuro feliz e radioso entre todos.

Daquele dia em diante, a mestra passou a manusear os livros com esmerado carinho,

maior ainda do que até então possuía. Olhava- os com tanta ternura, como se vida tivessem.

Quando seus alunos chegavam, ela estava sempre a esperá-los com uma nova história para

lhes contar, despertando neles a ansiedade da busca e do aprendizado cada vez maior. Era

uma integração perfeita entre a mestra e os alunos que as horas que compunham a jornada

escolar escoavam-se tão rapidamente que causava constrangimento as despedidas diárias. O

envolvimento estudantil tomou-se tão agradável e atraente que as crianças, antes tão

barulhentas, tornaram-se silenciosas e interessadas em obedecer às mínimas informações de

comportamento que a professora lhes passava.

A sala de aulas agora, era um reduto do mais harmonioso ambiente de trabalho e

aprendizado para a vida. Saíam para o pátio a observar, nas aulas de ciências, o meio-

ambiente: as árvores, os pequenos animais, os ninhos de passarinhos com os filhotes, as

flores tão coloridas brotando no campo, o marulhar das águas pelo riacho, o cantar dos

pássaros, enfim essa natureza maravilhosa que passa despercebida para grande número de

pessoas, preocupadas com a própria sobrevivência; a professora ensinava-lhes pequenos

poemas, falando da beleza da criação de Deus, começando por nós mesmos, humanas

criaturas dotadas de dons maravilhosos que precisam ser cultivados, não só pela capacidade

de sermos “artistas”da música ou da pintura, mas cultivar as virtudes eternas e a alegria de

sermos úteis aos semelhantes, atitudes que nos levam à harmonia íntima, como o exemplo do

monge, no começo dessa história.

Ensinava-lhes que, a partir de nós mesmos, somos autores da nossa alegria e felicidade,

como também de nossa angústia e sofrimento, obedecendo a uma lei superior e divina, de

ação e reação.

Enfim, em todos os acontecimentos diários, a mestra recolhia lições a serem ministradas

aos alunos cada vez mais interessados em aprender, e ela sentiu-se tão plenamente realizada

que compreendeu a alegoria de seu mestre, convidando-a para ser um LIVRO, por 4.800

anos...

Na transcendência do conto, a mística certeza de que podemos ser, realmente, LIVROS,

escrevendo, no dia-a-dia das nossas existências, as páginas da nossa vida, firmando em cada

uma delas verdadeiras estórias de amor, renúncia e dedicação, ou trágicas situações de

sofrimento, desespero e Dor.P.S. Por acreditar na força do livro, no encantamento da leitura e de toda a maravilhosa onda de ternura contida nas

histórias dos “bons" livros, ó que escrevi este conto, mística e sonhadoramente

Como um canto de acalantoAquela noite havia representado tudo o que Glorinha pudesse sonhar ou desejar...já não

era tão jovem, mas ainda assim, sentia, nos seus “maduros"anos, avó de três netinhos, uma

sensação gostosa ao relembrar os bons momentos de amor que havia vivido ao lado do

companheiro amado, seu primeiro marido morto em verde anos.

Casara-se muito jovem e enviuvara-se muito cedo num trágico acidente do trabalho,

ficando com dois filhos para criar. Diante das dificuldades, casara-se novamente com um

homem simples que apenas amarguras lhe trazia e que, nos últimos tempos se aventurara por

outros caminhos. Há muito, nem sabia por onde andava. Esmerava-se no trabalho, para não

faltar nada às crianças e com isso, o tempo passara de forma quase invisível.

Só, completamente só para todas as suas realizações, levava a vida dentro da monotonia e

no cumprimento das obrigações cada vez maiores. Os filhos cresceram e cada um cuidando

de seus próprios passos, deixaram Glorinha tranqüila, no sentido de que os haviam

encaminhado bem na vida.

Preenchia seus dias da melhor maneira possível, buscando, num prazer ou noutro - leitura,

filmes, música etc.-, amenizar as horas e as angústias que às vezes lhe assaltavam, naqueles

quase 15 anos de completa solidão. - Dizem que as pessoas se acostumam com tudo, na vida,

mas a alma guarda lembranças sutis, que são revividas intensamente, em determinadas

ocasiões -...

E Glorinha recordava... recordava...

Como haviam sido suas noites? Vazias... insípidas...

Em seu leito de esposa amorosa, por inúmeras vezes havia molhado os travesseiros com

as lágrimas de saudade e desejos insatisfeitos. Mas o que fazer?... Seria este o seu destino?

Haveria realmente de passar por tudo aquilo, sem se rebelar ou ao menos se dar ao direito de

também ter ao seu lado um companheiro, para lhe amenizar as horas de sua existência.?

Perdia-se em mil e uma indagações sem respostas e adormecia soluçando, para

amanhecer e viver mais um dia interminável, como sempre.

Acometia-lhe, às vezes, sentimentos de puro amor à humanidade e se entregava à prática

do bem, sentindo, nessas circunstâncias, as alegrias do Amor verdadeiro e puro, ensinado por

Nosso Senhor Jesus Cristo e exemplificado pelos santos da Igreja: São Rrancisco de Assis,

Santo Agostinho...

- Que belo - monologava Glorinha...- levaram uma vida pura e casta... esforçando- se,

consegue-se...

- Como serão os meus próximos anos? - pensava - velhice chegando, inevitável... e

deixava seu sentimento aflorar lindo, admirando a natureza, as flores, os riachos, os

pássaros... sonhadoramente, desejava viver um amor intenso, sincero, puro e duradouro.

Sem egoísmo algum, entusiasmava-se ao ver casais abraçados ou de mãos dadas pelas

ruas e intimamente lhes desejava uma união feliz, permanente... o que não lhe fora dado

viver. Enfim, procurava acostumar-se àquela vida “que Deus lhe reservara”....

* * *

Glorinha viajou para a cidade onde moravam sua filha e seu genro, para a comemoração

do aniversário de sua neta. Era só contentamento, o convívio familiar, amigo, dentro daquele

alarido contagiante da meninada ao redor da mesa de doces. Um bolo com a velinha a ser

apagado, ao som do “parabéns pra você”.

Sala repleta de convidados e parentes. Inesperadamente, Glorinha depara com dois olhos

firmes a lhe observar. Estremeceu... Sentiu seu coração pulsar de júbilo e emoção. Quem

seria? Discretamente desviou o olhar e se entregou a desfrutar aquele momento único,

lembrando-se dos versos de Vinícius de Morais: “E a coisa mais Divina neste mundo, é viver

cada segundo como nunca mais...”

Alegrou-se intimamente e continuou no afã de servir os amigos, ajudando a filha no

desenrolar da festa.

A aproximação inevitável se fez, quando seu genro, gentilmente, lhe apresentou:

- D. Glorinha, este é Armando, um amigo...

- Muito prazer - ela falou... - como vai?

- Feliz por ter vindo e feliz em conhecê- la... falou galantemente aquele homem

simpático, olhando-a firmemente... estou impressionado com a sua beleza...

- Nem tanto, - retrucou ela, embaraçada, pedindo licença para continuar o atendimento

a todos...

Bastaram estas poucas palavras para Glorinha sentir que, apesar dos anos e do contínuo

pensamento de “ficar só”, um luz voltava a brilhar em seu coração, terna e branda...

Final de festa, todos se retiram... Armando se despede por último: - Até logo... espero

revê-la em breve...

- Adeus, disse ela, com voz sumida, mal conseguindo esconder a sua ansiedade...

Mais tarde, em seu quarto, extravasa seu pensamento em versos, refletindo sua alma

poeta:

“Na madureza dos anos, naquele encontro de olhares penetrantes, firmes, suaves... sem temor

algum alguém me amou...

E o sol, como Astro-rei,

Me iluminou!”

- O que é isto, Glorinha, -censurou-se. Não é tempo para ilusões... imagina você,

amando?! Amor à primeira vista é para jovenzinhos, - ponderou para si mesma.

E naquele ir e vir de sentimentos contraditórios, onde falava mais alto a explosão de

anseios reprimidos, Glorinha adormeceu em paz...

Amanheceu feliz, coração aos pulos, alma cantante, tentando disfarçar aos familiares sua

alegria íntima. Dentro de dois dias, retornaria à sua cidade e tudo voltaria a ser como antes.

- Que pena, - lamentava-se em pensamento. Mas veio o convite:

- Mamãe, gostaria que a senhora ficasse um pouco mais conosco, - diz-lhe a filha.

Temos um compromisso para o fim de semana e queria lhe pedir para cuidar de Aninha para

nós...

- Pois não, querida, com muito prazer...

E naquele sábado, sozinha, após afilha e o genro terem saído, Glorinha solfejou cantigas

de ninar para a neta dormir. Aproveitando o silêncio, ligou o aparelho de som, numa seleção

de músicas lânguidas e suaves. Soa a campainha. - Quem seria àquela hora?... Abre a porta e

depara-se com Armando.

- O senhor?!...- diz, plenamente emocionada...

- Sim, eu soube que ainda estava na cidade e não resisti ao desejo de lhe falar...

- Entre...minha filha saiu com o marido, falou embaraçada. Ele a olhava

ternamente, com ares de cumplicidade:

- Eu sei,- respondeu ele carinhosamente.

E naquela "sensação de reencontro”, não mais se falaram... olharam-se fixa e

intensamente, abraçaram-se e seus lábios se uniram num meigo, delicioso e prolongado

beijo... Era a total felicidade de duas almas solitárias e afins, que nem o destino ou os

entendidos da psique talvez não pudessem explicar.

Permaneceram por longos minutos abraçados, trocando energias agradáveis e positivos,

sussurrando palavras, abastecendo- se de ânimos novos nesta fonte inesgotável do sentimento

de carinho, para continuarem a vida, cada um no seu labor. Dançaram, ali na sala, sozinhos,

aproveitando a música ritmada que preenchia o espaço.

Foi realmente uma noite de sonho e num dialogar prolongado, onde suas almas se

integravam e se entregavam àquele feliz colóquio, os filhos chegaram...

Sem surpresa alguma, cumprimen- taram-se e já na despedida, Armando ainda afirmou a

alegria daqueles momentos e a felicidade de “a esta altura da vida”, encontrar alguém que lhe

proporcionara momentos de pura enlevação, harmonia e paz ao coração.

Glorinha retornou à sua cidade e continuou seus dias como sempre, na atividade normal,

sem maiores atribulações, porém, nunca mais foi a mesma pessoa. A alegria de se sentir

amada, desejada, compreendida, fazia seus olhos brilharem de emoção e essa alegria

contagiava a todos; sorria por qualquer banalidade; cantava e se entregava ao trabalho,

contente, feliz, realizada. Todos lhe notaram a mudança e queriam saber o motivo de tanta

felicidade, mas ela se esquivava e simplesmente dizia: - A vida é bela!...

Os anos se passaram e Glorinha não mais teve notícias de Armando.

Certo dia, chega-lhe à casa, o marido alquebrado, infeliz e doente, necessitado de ajuda.

Roga-lhe amparo, em nome de um passado vivido juntos, dificuldades e lutas. Pede-lhe

desculpas pelo sofrimento causado.

Glorinha hesita, pensa... Aquele seu segundo marido somente lhe havia trazido angústias

e sofrimentos. Não havia se importado com ela nem com seus dois filhos, abandonando-os às

própria sorte... o que fazer?

Entre prós e contras, fazendo um balanço na própria vida, na grandiosidade de seu

coração, acolhe aquele homem em quem havia depositado todas suas esperanças e que lhe

havia causado ainda mais dores e 40 - Cotidiano Branco e Preto sofrimentos. Mas isto já não

mais importava. Pertenciam à uma era longínqua... sentimentos mortos e sepultos... Agora,

eram outros os tempos...

Ajeita-lhe um quarto, acomoda seus poucos pertences em um armário: seus remédios

numa mesa de cabeceira e dava-lhe atenção, conversando com ele amenidades, assuntos

variados, com amizade e carinho.... como irmãos.

Em seu quarto, sozinha, todas as noite, fazia, num retrospecto, um balanço de sua vida:

lado positivo, lado negativo: lições aprendidas, experiências vividas... tudo muito proveitoso

para quem quer progredir e crescer em sentimentos... Mas o que mais lhe embalava a alma e a

fazia feliz, era a lembrança de Armando: o abraço envolvente, o beijo ardente, desejado, sem

mácula, sem pecado, naquele encontro inesperado e inesquecível...

Isto, ninguém, jamais poderá lhe tirar, impedir que sinta ou recorde com saudades...

Guardada com ternura, bem lá no fundo de seu coração, a doce lembrança daquele

encontro inesquecível, ser-lhe-á como um “canto de acalanto”... para todo o sempre... até o

final de seus dias!...

O MissionárioÀ tarde, na bucólica cidade provinciana, os sinos repicavam convidando os fiéis para a

novena. A missa seria rezada pelos missionários que vieram se hospedar e fazer a festa de

Nossa Senhora do Rosário, naquele lugar. Eram nove dias de rezas, foguetório, leilões,

bandas de música, ofertórios, confissões culminando com a procissão pelas ruas da cidade.

Malvina se encaminhou inocentemente para o confessionário, onde ouviu a palavra

sincera e fervorosa do religioso, na ânsia de obter absolvição para os seus pecados ingênuos

de menina-moça. O padre Alcino, claro, vigoroso, meio calvo, aparentando 35 ou 40 anos e

descendência estrangeira, como se percebia pelo sotaque forte.

Culto, inteligente, formado em teologia, já havia viajado por vários países da Europa, ido

a Roma, onde teve entrevista com o Pàpa. Naquele dia, o destino lhe reservava uma grande

prova de renúncia.

À aparição de Malvina, padre Alcino, do lado de dentro do confessionário, ouve-a com

carinho e se impressiona fortemente com a delicadeza da menina que dali em diante, passaria

a povoar os seus pensamentos e o seu coração. Não conseguiu dormir e rezou intensamente

para que Deus o desviasse do caminho para o qual estava sendo fortemente atr aí do.

Apaixonou-se pela mocinha! No dia seguinte, ela apareceu novamente, sem saber que

estava sendo alvo de tão grande e intenso amor. Padre Alcino não resistiu e chama-a para

uma conversa. Ela tenta demovê-lo daqueles intentos. Não quer lhe dar esperanças. Sai,

deixando-o só e desolado. No terceiro dia, o padre propôs-lhe deixar a batina, casar-se com

ela e ter um lar. Foi até a sua casa, falou com seus pais que se mostraram entusiasmados

diante da sinceridade daquele homem, acostumado à religião, de grande carisma e que acima

de tudo, demonstrava amor pela mocinha. Baldados conselhos, pois Malvina reagiu e

resolveu viajar, para não causar mais tormentos ao pobre sacerdote. Este não se conforma,

deixa a batina, abandona as Missões, os companheiros, que também tentaram demovê-lo

daquela loucura e viaja atrás dela. - No mesmo trem, conversavam e ela se mostrava nervosa,

enfadada, diante das lágrimas daquele homem, aparentemente forte e que se rendia

plenamente, diante daquele amor.

Todos os seus esforços foram inúteis. Ela não se cedeu a seus rogos e ele acabou por

desistir de tê-la como esposa. Amargurado, jorocurou emprego em um colégio da capital,

começando nova vida. Progride logo, devido a sua cultura e esforço. Mas, em seu coração

ficou a marca da presença loura da doce Malvina. Casou-se com uma colega de trabalho, mas

não foi feliz.

Vinte anos depois, encontram-se na rua. Ela o cumprimentou e desejou felicidades. Ele

ficou a olhá-la, até se perder na multidão, os olhos rasos de pranto, pensando nas desilusões

de sua vida.

- De nada me valeu renunciar ao trabalho eclesiástico... anos de luta e esforço, dedicados

aos fiéis... àhumanidade., à Igreja... de nada me valeu aquele gesto extremo de me despojar

da batina separando-me dos colegas missionários... hoje estou só... Inutilmente. O amor

brotado em meu coração, não pôde florescer e dar frutos... Jamais me esquecerei, Malvina...

jamais me esquecerei da mocinha linda e loura, entrando como uma fada pelo ádrio da Igreja

e santamente, indo ao confessionário...

O SOCORRO VEIO NO TREMTodos passam por dificuldades e revezes na vida. Uns mais, outros menos, mas raramente

a pessoa vive uma existência de regalo, paz e tranqüilidade monetária.

Nonô era profissional como poucos. Honesto, cumpridor de seus deveres e sobretudo,

nunca deixava de entregar um serviço no momento prometido. Chegava até antecipar alguma

encomenda, mas nunca atrasar. Conhecido por todos na pequena cidade onde morava e

também nas cidades vizinhas, vinha-lhe serviço ininterruptamente. Às vezes, a ordem de

trabalho era tão grande que era necessário entrar pela noite, para assegurar o bom nome e a

reputação. Nonô era realmente preocupado em conservá-lo, pois achava que a única maneira

de se ter sucesso, era cumprir fielmente com o dever e com a palavra de homem honrado.

Apesar de toda a certeza de um trabalho contínuo e sucessivas encomendas, houve uma época

que começara a escassear e acabaram-se quase totalmente, paralisando o comércio. Nonô não

se impacientou e para os primeiros tempos, tinha uma reserva em dinheiro, que lhe garantiu a

subsistência da família. Depois, foram-se esgotando os recursos e as dificuldades começaram

a aparecer. O que fazia, mal cobria as despesas mais urgentes. Como acreditava que “todos na

vida devem passar por todas as experiências", não desanimava. A sua fé religiosa lhe sustentava

o espírito e lhe dava forças para não se entregar ao desespero.

Depois de quase seis meses de grandes penúrias, acordou certa manhã com um leve bater

na porta. Levantou-se e a abriu. Muito elegante, um senhor grisalho, com uma pasta na mão,

guarda-pó e chapéu ao uso da época, lhe falou:

• Bom dia... queria lhe fazer uma encomenda. Estou de viagem, você faz o trabalho e

quando eu voltar, daqui a uma semana, eu o apanho!

Nonô mandou-o entrar e combinaram o serviço.

- Quanto é? - perguntou-lhe o homem.

- São cento e oitenta cruzeiros...

- Dou-lhe duzentos cruzeiros... - e tirou uma enorme carteira de couro do bolso do

guarda-pó.

- Não, somente quando voltar... agora não.

- Agora, fica pago.

E Nonô agradeceu com o coração exultante, desde que naquele dia ele precisava

urgentemente daquela quantia.

O homem se foi e Nonô fez o trabalho, esmerado, com carinho.

Cuidadosamente o embrulhou, na feliz expectativa da volta do freguês.

Passou uma semana, prazo estipulado para pegar o trabalho e o homem não apareceu.

Preocupado, Nonô procurava alguma identificação, mas ninguém conhecia aquele simpático

senhor grisalho, que aparecera certa manhã em sua porta.

Dois anos se passaram. Como sempre acontecia, alguém chegou na casa de Nonô para

encomendar um trabalho. A situação geral já estava bem melhor e a penúria dos dias difíceis,

passado.

- Preciso exatamente de um trabalho... - e detalhou o que queria.

- Nonô foi à prateleira e trouxe o embrulho feito há tempos... dois anos.

- Queira, por favor, verificar se é este o objeto que precisa.

O homem, todo feliz, afirmou ser aquilo mesmo que procurava. Que bom! Já estava

pronto, nem precisava esperar sua confecção.

- Quanto lhe devo?

- Nada - disse Nonô... este trabalho está pago e guardado... o seu dono não apareceu...

faz dois anos... pode levar.

E aquele homem, satisfeito, embrulhou novamente o produto que desejava levar, tirou do

bolso duas notas de cem cruzeiros e deixou sobre a mesa de trabalho de Nonô. Foi-se e nunca

mais apareceu.

- “Com toda a certeza - pensou Nonô - foi Deus quem me enviou estes dois homens:

um para encomendar o serviço e o outro para buscá-lo! O dinheiro recebido tirou-me das

dificuldades que há muito me atormentavam. Mentalizou uma breve oração de agradecimento

a Deus e voltou feliz, ao seu trabalho.

- Pois é Nonô, isto nâo acontece todos os dias e nem com qualquer pessoa. Somente

com quem tem fé e merecimento!

Coincidentemente, ao aparecimento dos dois fregueses, o trem de ferro entrava na

Estação soando o apito e em seguida, saindo de novo ao som do sino, deixando e pegando

passageiros, indo e vindo... indo e vindo...

O muroJá estava cansado daquilo tudo... tão pequeno e tão sofrido! Acordava de manhã, corria à

padaria da esquina:

- Seu Nicolau, o senhor me dá um pão?

-Hoje não tem...

E lá ia ele, ver se o sr. Joaquim do boteco lhe dava uma fruta qualquer...

Quando conseguia, agradecia, sentava- se à beira da calçada para comer. Quase sempre

algum cachorrinho o rodeava, fazendo festas.

Se estava de bom humor, retribuía-as; se não, atirava-lhe alguma migalha e se quedava,

indiferente...

Vivia triste e desanimado! Pensou em engraxar algum calçado, mas como arranjaria o

dinheiro para as tintas e graxas?

Pediu conselho à sua mãef coitada, que mal podia se manter com os pequenos pagamentos

de serviço feitos às vizinhas. 0 pai... Deste nem se faial Pouco aparecia. Assim mesmo era

para lhes trazer mais aborrecimentos, pois não se fixava nos empregos que arranjava.

Chegava sempre com reclamações e blasfêmias!

Vida dura levavam... aquela manhá, como sempre:

- Seu Nicolau, e hoje?

Seu Nicolau deu-lhe um pão tão seco que teve de molhar em água doce para comer... as

lágrimas lhe desciam pelo rosto. Começou a pensar:

-Êta vida dura... por todo lado que se vira há um muro barrando a gente... Será que não há

nada que se possa fazer? Saiu... não falou onde ia... andou bem meia hora e bateu à porta de

uma casa,

- Dona, a senhora quer que eu varra o quintal para a senhora?

* Não, não precisa...

Continuou:

- Dona, faço qualquer serviço. Lavo o carro, limpo jardim, as vidraças., preciso comer e

em troca, trabalho...

E assim por diante, até que, bem no final da tarde, já desanimado, passou por enorme

residência. De fora avistou um belo quintal com frutas... Começou a imaginar como poderia

entrar, pois, pelos meios lícitos era sempre barrado. Esperou que escurecesse um pouco e por

um dos lados menos movimentados, tentou escalar o muro. Não foi difícil. Conseguiu pular

para dentro do quintal e seu coração bateu forte no peito, assustado com a situação... jamais

havia feito aquilo. A fome era tanta!

Notando movimento na casa, escondeu- se num canto escuro. Ficou horas ali, esperando,

acocorado... Até que, bem mais tarde, todas as luzes se apagaram... e o movimento cessou.

Animou-se e começou a andar pelo imenso quintal. Avistou uma área e se aproximou com

cuidado. Vários cachos de bananas quase maduros, caixas de laranjas e outras frutas,

naturalmente selecionadas para a venda em super-mercados. Seus olhos brilharam de alegria!

Comeu uma, duas bananas, queria sair dali o mais rápido possível e ainda levar alguma coisa

para sua mãe. Olhou ao redor e avistou uns invólucros, serviriam para as embalagens. Pegou

um e começou a colocar dentro, o que poderia carregar. Neste instante, ouviu um barulho e

ficou estarrecido. O medo começa a envolvê-lo... Olha para todos os lados e vê um enorme

cão fazendo a ronda. Começa a se afastar e os seus movimentos chamam a atenção do animal.

Saiu correndo carregando o saquinho de frutas, mas a fera é mais rápida. Alcança-o antes que

ele consiga escalar o muro. Cai, e o cão a lhe estraçalhar as carnes... Grita por socorro, põe-se

de pé, tentando se desvencilhar... o dono da casa, atraído pelo barulho, pensando se tratar de

ladrões, vem correndo atirando. O alvo é acertado e o menino cai, inerte... O homem se

aproxima e vê um garoto ensanguentado pelo tiro e pelas garras do feroz animal.

Ainda respira!

Com pena e vendo as frutas esparramadas pelo chão, pergunta-lhe:

- O que fazia aqui?...

Com um suspiro de vida ainda a lhe animar, respondeu:

- Tinha... fome... queria uma fruta... a vida., tão dura... nunca fui ladrão... per-dôe-

me.... não resisti...

No outro dia, os jornais noticiaram:

- “Menor atirado e morto no quintal de uma residência, quando roubava frutas. Pego

em flagrante, não conseguiu saltar o muro..."

Às vésperas do casamento, Inêzinha ainda vacilava. Amava Jorge com todas as forças de

seu coração de jovem humilde e nova, pois ainda não completara 17 anos.Cada dia mais

próximo, deixava-se levar, sonhando com o rapaz, com sua casinha que já estava sendo

preparada, enfim, com a vidinha calma e tranqüila, sem o atropelo de casa cheia e sempre

atormentada com movimento de entra e sai.

Órfã desde muito criança, fora criada pelos irmãos mais velhos, sendo maltratada

terrivelmente pelas cunhadas, que a faziam de criada, obrigando-a a todos os serviços da

casa.

O casamento lhe seria uma fuga. Além de estar ao lado do homem amado, ela trabalharia

para si e para ele, numa vidinha pacata, a dois. A sua ilusão durou tão pouco...

No primeiro dia de casada, mal amanheceu o dia, acordaram com um grande barulho na

frente da casa. Foram ver... era a família dele, reunida, que tinha vindo tomar o café da

manhã com eles...

E a “lua-de-mel”, sempre cortada por cinco ou seis familiares ao lado, continuou pelos

dias seguintes. Não tinha paz nem sossego, para nada. O marido saia para o trabalho, e ela

ficava arrumando tudo sozinha, preparando almoços e lanches para toda aquela gente. Ao fim

de um mês, adoentada, quis se rebelar e o marido, deixando extravasar todo um

temperamento ruim, gritava com ela, subjugando-a à mais servil condição, obrigando-a a

atender todas as vontades de “sua família”, já que a família dela não lhe dava a menor

atenção. Inêzinha chorou dias e noites sem parar e pensou até em se matar, mas desistiu do

intento. Começando a achar que "tudo passa, na vida”, mudou de hábitos, aceitando os

acontecimentos com mais calma e naturalidade, mesmo porque, agora tinha a firme

convicção de que Deus não a desampararia, pois naqueles dias, havia descoberto, com toda a

certeza, que ia ser Mãe!

“Uma grande alegria remove qualquer desencanto!"

CHIQUITO - O homem dos mil ofícios

-Mãe, agora não vou ser sapateiro mais, quero ser carroceiro...

E a pobre mãe passava a oferecer a banca e as formas de sapato, os couros lindos e

variados e toda a oficina a quem quisesse comprar. Com o dinheiro apurado, compraria a

carroça e o burro. Não demorou muito e o negócio foi feito:

- Fico com a oficina, dona Clementina, pois sempre tive vontade de fazer sapatos como

o Chiquito... quem sabe as suas ferramentas me trarão sorte?

- É o que lhe desejo, seu Albino! E a mãe entregou a oficina de sapateiro e trouxe a

carroça atrelada.

Chiquito, feliz, carregava de tudo: material de construção, pequenas mudanças, etc. Foi

uma semana de trabalho duro. Quando chegava, à tarde, tinha que escovar o burro, dar-lhe de

comer e trazê-lo bem tratado para o dia seguinte. A faina era grande e após alguns dias,

Chiquito já começava a ter idéias contrárias à carroça. Não era aquele o serviço que desejava

fazer. Pensou em ser marceneiro, talvez esta fosse a profissão que lhe daria prazer, além de

melhores rendimentos.

A mãe, coitada, se pôs a vender a carroça com o burro e comprou tomo, serrote, martelo,

plaina, enfim, todos os apetrechos para um bom marceneiro. Chiquito se entusiasmou.

Fabricou lindas peças de móveis e era um oficial de primeira qualidade. Não demorou muito

e ficou famoso. Tanto pelo seu serviço, como na dificuldade em atender os fregueses. Estes

foram se afastando, pois a necessidade de cada um, obrigava-os a procurar atendimentos

imediatos. Chiquito dormia até tarde, levava dias e dias para fazer um pequeno conserto ou

alguma encomenda qualquer. Até que um dia chamou sua mãe e falou:

- Pode vender a oficina, quero ser pedreiro...

A paciência da velha já estava se esgotando.

- Será possível?... Pedreiro?!!!

E comprou todo o material de pedreiro: colher, prumo, uma caixa completa de ótimas

ferramentas, porque ele “gostava" de trabalhar com ferramentas BOAS.

E lá ia Chiquito, às seis e meia da manhã, caixa em punho, para a obra que estava sendo

construída bem no centro da cidade. Nem vinha em casa para almoçar. Levava a sua refeição

no caldeirãozinho e lá mesmo a esquentava em fogão improvisado com tijolos.

Dentro de poucos dias, cansado daquilo tudo, falou:

-Mãe, amanhã não vou ao serviço.

E afirmou:

- Deus me livre de ser pedreiro...

E assim foi durante toda a sua curta vida... De nada lhe valeram os conselhos de sua nobre

mãe. Morreu jovem, pobre, abandonado e infeliz, numa síncope cardíaca.

Cotidiano Branco e Preto -61

O homem dos mil ofícios, exímio artista em várias profissões... o desânimo e a má

vontade impediram-no de realizar qualquer coisa na vida e ser muito feliz!

- Excentricidade... preguiça... Quem poderá julgá-lo?

GULA É PECADO?Era dia de Natal e as festas estavam sendo comemoradas largamente. Casa cheia, amigos,

parentes, num convívio familiar e cordial exaltando o grande dia.

É comum assar-se muita carne, sacrificando os bichinhos que, em fortes condimentos,

tornam-se extremamente saborosos; saladas, massas, tortas e uma infinidade de iguarias,

regadas a vinhos e refrigerantes.

À mesa, todos se fartavam e o dono da casa era o último ainda a ser servido,

acompanhado de copos e copos de vinho, incomodando a esposa que, aflita, disfarçadamente

olhava o marido.

Todos já se sentiam satisfeitos e achavam até, que poderiam passar pelo menos uns três

dias sem se alimentarem. A conversa girava sobre variados assuntos e a alegria era geral,

interrompidos sempre pela algazarra das crianças, brincando.

Estava tudo muito bom, comida farta e bem condimentada, pois o chefe da casa ainda não

mencionava sinais de satisfação. Continuava comendo e conversando alegremente. Ibdos os

convivas já se achavam admirados com a quantidade de comida que era possível uma pessoa

ingerir, entretanto, disfarçavam o incômodo. Ninguém deixava transparecer o reparo que

punham, mesmo porque, sendo ele o dono da casa, achava-se inteiramente à vontade para

fazer o que bem entendesse.

Depois de horas sentados à mesa, resolveu pedir a sobremesa. Vieram doces de leite, de

figô, de laranja, compotas de pêssegos, doces de manga em fatias, queijo fresco, etc.. A

esposa trouxe talheres e pratos de sobremesa para todos; para o marido, trouxe um enorme

prato fundo, onde ele misturou todos os doces e comeu-os tão apetitosamente como se

tomasse uma deliciosa sopa. Após a sobremesa, o café quentinho, tradicional, arrematando a

refeição.

Houve um breve sussurro e uma discreta troca de olhares, quando, folgadamente, o dono

da casa falou:

- Querida, traga-me agora, o leite com café e o pão com manteiga!... 0 cotidiano no

mundo é formado de experiências das mais diversas, exitosas umas, dramáticas outras...

Neste livro, você encontrará a narrativa de histórias verdadeiras, vidas como a de todos nós,

ontem, hoje e amanhã...

o editorISBN 85-87538-65-9