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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAISPrograma de Pós-Graduação Especialização em Gestão de Políticas Públicas
Marlene Auxiliadora Nunes
IMPRESCINDIBILIDADE DAS POLÍTICAS PÚBLICAS DE SAÚDE NO BRASIL
Uberlândia – MG
2015
PONTIFICIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE MINAS GERAISPrograma de Pós-Graduação Especialização em Gestão de Políticas Públicas
Marlene Auxiliadora Nunes
IMPRESCINDIBILIDADE DAS POLÍTICAS PÚBLICAS DE SAÚDE NO BRASIL
Artigo apresentado ao programa de Pós-graduação da Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – PUC Minas – Unidade Uberlândia, como requisito parcial para obtenção do título de Especialista em Gestão de Políticas Públicas, sob a orientação da Prof. Mestra Erlândia Silva Pereira.
Uberlândia – MG
2015
3
IMPRESCINDIBILIDADE DAS POLÍTICAS PÚBLICAS DE SAÚDE NO BRASIL
Marlene Auxiliadora Nunes1
Resumo
As políticas públicas, provenientes do governo ou da sociedade civil, constituem respostas dos atores para as problemáticas sociais, nas quais figuram como estratégias de grande importância para o enfretamento de doenças. Contudo, especialmente no Brasil, essas políticas subordinam-se historicamente aos interesses políticos e econômicos, e são realizadas por meio de práticas assistencialistas e clientelistas que fundamentam seu caráter setorial e emergencial, porém fragmentário, devido à diminuição do investimento público nos serviços sociais. Posto isso, o presente artigo objetiva compreender as políticas públicas de saúde no país, com ênfase na institucionalização do Sistema Único de Saúde constante da Constituição Federal de 1988. A conclusão central deste artigo é que as políticas públicas, particularmente voltadas à questão da saúde no Brasil, são indispensáveis para atender às necessidades da população, e devem ser geridas com respeito à diversidade e com controle e participação da sociedade em geral.
Palavras-chave: Políticas públicas. Sistema Único de Saúde. Constituição Federal de 1988.
1 Estudante do Curso de Pós-Graduação em Gestão de Políticas Públicas oferecido Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – PUC Minas – Unidade Uberlândia.
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INTRODUÇÃO
Políticas públicas compõem o conjunto de ações, programas e atividades
desenvolvidas pelo Estado direta ou indiretamente, com a participação de entes públicos ou
privados, para garantir os direitos sociais previstos constitucionalmente, como o direito à
educação, saúde, segurança etc.
No Título VIII (Da Ordem Social), Capítulo II (Da Seguridade Social), Seção II (Da
Saúde), artigo 196 da Constituição Federal de 1988, saúde é definida como um direito de
todos e um dever do Estado, assegurado através de políticas sociais e econômicas que
objetivem minimizar o risco de doença e outros agravos e, ao mesmo tempo, focalizem o
acesso universal e igualitário às ações e serviços tanto para sua promoção, como para sua
proteção e recuperação.
Ainda, de acordo com a lei nº 8.080 de 1990, no Título II (Do Sistema Único de
Saúde), da “Disposição Preliminar”, artigo 4º, um conjunto de ações e serviços de saúde que
são prestados por órgãos e instituições públicas federais, estaduais e municipais, da
Administração direta e indireta e das fundações mantidas pelo Poder Público, constitui o
Sistema Único de Saúde (SUS).
O objetivo geral do presente estudo é analisar a relevância das políticas públicas de
saúde para a população brasileira.
Os objetivos específicos são: compreender a questão da saúde e sua condição de
garantia e tutela constitucionais; explicar o que são e como são formuladas as políticas
públicas; investigar as alterações verificadas na saúde pública a partir da criação do Sistema
Único de Saúde.
Para estes propósitos, o artigo apresenta inicialmente as conceituações históricas da
saúde até o presente, quando a mesma passa a constituir um direito tutelado pela Constituição
Federal. Em um segundo momento, trata das políticas públicas relatavas à sua formulação,
abordando a política pública de saúde e a política de assistência social. Por fim, a pesquisa
aborda as mudanças ocorridas na saúde pública com o advento do SUS. Essas abordagens
exigiram, como metodologia, a utilização obras e normas legais sobre o tema, mediante uma
pesquisa bibliográfica.
A justificativa deste trabalho consiste no fato de que a investigação da saúde e das
políticas públicas a ela inerentes pode contribuir para novas pesquisas nesta área, avolumando
o conhecimento tanto para o setor acadêmico como para as demais esferas da sociedade
brasileira.
5
Este artigo parte da hipótese de que, sem a efetividade das políticas públicas de saúde
no Brasil, cuja gestão requer o respeito à diversidade e a participação social, o atendimento às
necessidades da população fica ainda mais deficitário, comprometendo peremptoriamente o
bem-estar do cidadão.
A metodologia utilizada nesta pesquisa consiste em um levantamento bibliográfico,
com consultas em livros, revistas, textos disponíveis na internet, relativos às políticas sociais
de saúde pública. Forma utilizadas obras de autores como: Barroco (2012), Caldas (2008),
Iamamoto (2009), Pereira (2008) e Teixeira (2005), dentre outros.
1 SAÚDE – CONCEITUAÇÕES
A saúde, ao contrário da doença, não apresenta uma definição consensual ao longo da
história. O conceito de saúde reflete, na verdade, a conjuntura social, política, econômica e
cultural.
Ou seja: saúde não representa a mesma coisa para todas as pessoas. Dependerá da época, do lugar, da classe social. Dependerá de valores individuais, dependerá de concepções científicas, religiosas, filosóficas. O mesmo, aliás, pode ser dito das doenças. Aquilo que é considerado doença varia muito. (...) (SCLIAR, 2007, p. 30)
Nessa perspectiva, segundo a concepção mágico-religiosa a doença é resultante da
ação de forças alheias ao organismo, no qual se inserem devido ao pecado ou à maldição. Para
os antigos hebreus, a doença representava um sinal da cólera divina ante os pecados humanos.
Contudo, a própria Bíblia revela que: “De Deus vem toda a cura” (Eclesiastes, 38, 1-9); “Eu
sou o Senhor, e é saúde que te trago” (Êxodo 15, 26).
Por outro lado, os vários escritos atribuídos ao pai da Medicina, Hipócrates de Cós
(460-377 a.C.), “traduzem uma visão racional da medicina, bem diferente da concepção
mágico-religiosa antes descrita. (...) Ele via o homem como uma unidade organizada e
entendia a doença como uma desorganização desse estado” (SCLIAR, 2007, p. 32).
Analogamente à concepção de Hipócrates, no Oriente acredita-se em forças vitais
existentes no corpo e que, ao funcionarem harmoniosamente, propiciam a saúde, e, ao
contrário, a doença. Neste plano, Scliar (2007, p. 33) detalha que a acupuntura e a ioga
constituem medidas terapêuticas cujo objetivo é restaurar no corpo o normal fluxo de energia
denominado “chi”, na China; e “prana”, na Índia.
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Até o século XIX não havia um conceito de saúde aceito universalmente. Seria preciso
que as nações entrassem em consenso, possibilitado pela criação da Organização das Nações
Unidas (ONU) e da Organização Mundial da Saúde (OMS). Segundo Scliar (2007, p. 36-37),
o conceito da OMS, divulgado na carta de princípios de 7 de abril de 1948, que a partir de
então é considerado o Dia Mundial da Saúde, implica o reconhecimento do direito à saúde e
da obrigação do Estado na promoção e proteção da saúde, definindo a saúde como “o
completo bem-estar físico, mental e social e não somente a ausência de doenças ou agravos”,
além de sustentar a importância de uma política sanitária.
Para Buss; Filho (2007), a noção da saúde como um fenômeno biopsicossocial remete
ao entendimento da saúde como um processo continuado e interdependente de preservação da
vida em termos sociais e supera o enfoque conceitual centrado na doença.
Straub (2005), por sua vez, reafirma que a saúde não se limita à mera ausência de
enfermidade ou doença, ou seja, um estado multidimensional que envolve três domínios:
saúde física, psicológica e social. Assim, conceber saúde e doença como polos dicotômicos
não é suficiente para explicar os fenômenos que acontecem com os organismos em geral, pois
os indivíduos apresentam diferentes graus em sua condição de saúde, não sendo
necessariamente saudáveis ou doentes.
Já Czeresnia (2004) entende que o organismo está saudável quando funciona bem,
condição esta relacionada à ideia de equilíbrio, de felicidade, de vigor, de auto-realização no
plano físico e psíquico. Havendo, pois, a ampliação da concepção de saúde, incluem-se outras
dimensões da vida humana, denotando que questões sociais, econômicas, culturais, assim
como questões relativas ao cuidado com a saúde, podem determinar este estado. Assim, é
imperioso distinguir os fatores determinantes de saúde entre indivíduos, grupos e populações,
pois esses fatores diferenciam-se entre eles, não explicando precisamente o estado de saúde de
uma sociedade.
Nesse corolário, Alves (2003, p. 320) reitera que ao se considerar a saúde como um
conceito mais amplo, e não somente como a ausência de doenças, as estratégias de
intervenção movem-se “do eixo puramente individual para a atuação sobre esses diferentes
elementos, o que demanda, necessariamente, a interdisciplinaridade e a intersetorialidade”.
Por fim, Canguilhem (1995) propugna ser preciso tratar da questão da saúde mediante
a participação de todos os atores da saúde, na medida em que estes vivenciam a experiência
do processo saúde/doença, no qual intervêm.
7
1.1 Saúde como direito tutelado e protegido constitucionalmente
O direito à saúde, na Constituição Federal de 1988, está inserido no título destinado à
ordem social, visando ao bem-estar e à justiça social. Nesse sentido, a saúde constitui um
direito social fundamental, ao lado da educação, do trabalho, do lazer, da segurança, da
previdência social e da proteção à maternidade e à infância, previsto no artigo 6°. O Estado,
com isso, obrigou-se a prestações positivas e, consequentemente, a criar políticas públicas
sociais e econômicas direcionadas à promoção, proteção e recuperação da saúde. Devido à sua
relevância, as prestações positivas que o cidadão deve obter do Estado
Ultrapassam o campo da discricionariedade administrativa para uma inafastável vinculação de índole e força constitucionais, de modo que as pautas de atuação governamental estabelecidas no próprio seio da Lei de Outubro jamais poderão ser relegadas a conceitos de oportunidade ou conveniência do agente público, eis que não podem transformar-se em mero jogo de palavras, pois, como visto, são indispensáveis à manutenção do “status” de dignidade da pessoa humana. (BAHIA; ABUJAMRA, 2010, p. 57-58)
A Carta Magna estabelece ainda que “a saúde é direito de todos e dever do Estado,
garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e
de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção,
proteção e recuperação” (art. 196).
Para Smanio; Bertolinil (2013, p. 249), a garantia do direito à saúde concretiza-se,
nessa perspectiva, a partir de políticas sociais e econômicas efetivadas pelo Estado,
objetivando minimizar o risco de doenças pelo acesso universal à saúde mediante serviços
para sua promoção, proteção e recuperação.
Por estar intrinsecamente vinculado ao direito à vida, o direito à saúde manifesta a
proteção constitucional à dignidade da pessoa humana, recebendo proteção jurídica específica
na ordem jurídico-constitucional brasileira.
A dignidade é um valor espiritual e moral inerente à pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida e que traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se em um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar, de modo que, somente excepcionalmente, possam ser feitas limitações ao exercício dos direitos fundamentais, mas sempre sem menosprezar a necessária estima que merecem todas as pessoas enquanto seres humanos. (MORAES, 2002, p. 128)
8
A dignidade da pessoa humana é um dos fundamentos da República Federativa do
Brasil e, por conseguinte, do Estado Democrático de Direito, como disposto no artigo 1º,
inciso III, da Constituição Federal. Adotar este fundamento como valor elementar do Estado
Democrático de Direito significa reconhecer o ser humano como, ao mesmo tempo, centro e
fim do Direito. Neste corolário,
São de relevância pública as ações e serviços de saúde, cabendo ao Poder Público dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle, devendo sua execução ser feita diretamente ou através de terceiros e, também, por pessoa física ou jurídica de direito privado (CF/88, art. 197).
O direito à saúde, como os demais direitos fundamentais, não possui somente
dimensão subjetiva. Também possui uma dimensão objetiva onde são estabelecidos os valores
ou bens jurídicos que devem ser alvo de proteção tanto pelo Estado como pela sociedade em
geral. Os operadores jurídicos, inclusive não havendo violação direta do direito subjetivo à
saúde, devem constatar se esse bem jurídico é afetado por ações ou omissões dos poderes
públicos, aos quais cabe proteger a saúde no domínio das relações privadas. Portanto, ao
cidadão cabe exercer o controle social, conduzindo a atuação da Administração quanto à
adoção de medidas que contemplem o interesse público, bem como requisitar a prestação de
contas pelos gestores de recursos públicos.
2 A DINÂMICA DAS POLÍTICAS PÚBLICAS
As políticas públicas constituem um fenômeno derivado de estágio de
desenvolvimento da sociedade, descendendo de um Estado que passa a interferir diretamente
na edificação e reorientação dos comportamentos das pessoas. Assim, com o aperfeiçoamento
e ampliação da democracia, o Estado assume a função de promover o bem-estar da sociedade
por meio de uma série de ações para atuar diretamente em áreas como saúde, educação e meio
ambiente. Em outros termos, o “Estado passa para além do seu papel de polícia e ganha uma
dinâmica participativa na vida social, moldando o próprio quadro social por uma participação
distinguida pelo poder de impor e pela coerção” (DERANI, 2006, p. 131).
Sob este prisma, as políticas públicas compõem o conjunto de ações, metas e planos
dos governos municipais, estaduais e nacionais para atingir o interesse público e, por
consequência, o bem-estar da sociedade, que invariavelmente é definido pelo governo, e não
pela sociedade, pois esta não consegue expressar-se de modo integral.
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Para atingir resultados em diversas áreas e promover o bem-estar da sociedade, os governos se utilizam das Políticas Públicas que podem ser definidas da seguinte forma: “(...) Políticas Públicas são um conjunto de ações e decisões do governo, voltadas para a solução (ou não) de problemas da sociedade (...)”. (CALDAS, 2008, p. 5)
Notadamente, as demandas sociais são apresentadas aos dirigentes públicos através de
grupos organizados que incluem sindicatos, entidades de representação empresarial,
associação de moradores, associações patronais e ONGs em geral.
Por consequência, política pública
É um sistema de decisões públicas que visa a ações ou omissões, preventivas ou corretivas, destinadas a manter ou modificar a realidade de um ou vários setores da vida social, por meio da definição de objetivos e estratégias de atuação e da alocação dos recursos necessários para atingir os objetivos estabelecidos. (SARAVIA, 2006, p.29).
Os atores da política pública são os grupos integrantes do Sistema Político e
responsáveis tanto pela apresentação de reivindicações como pela execução de ações que
serão transformadas em Políticas Públicas. Há atores provenientes do Governo ou do Estado e
atores originários da sociedade civil. Em termos gerais, “o processo de política pública não
possui uma racionalidade manifesta. Não é uma ordenação tranquila na qual cada ator social
conhece e desempenha o papel esperado” (SARAVIA, 2006, p.29).
Rua (1998) define claramente que os atores políticos são diversos e portadores de
características distintas, a saber: políticos e burocratas, empresários, trabalhadores/sindicatos,
servidores públicos e os meios de comunicação. Há ainda outros atores, como o Fundo
Monetário Internacional (FMI), o Banco Mundial, a Organização das Nações Unidas (ONU),
a Organização Mundial do Comércio (OMC), que podem afetar a economia e política interna
do país.
Quando o governo busca atender as principais (na sua percepção) demandas recebidas, diz-se que ele está voltado para o interesse público (ou seja, para o interesse da sociedade). Ao atuar na direção do interesse público, o governo busca maximizar o bem-estar social.Em outras palavras, as Políticas Públicas são o resultado da competição entre os diversos grupos ou segmentos da sociedade que buscam defender (ou garantir) seus interesses. Tais interesses podem ser específicos – como a construção de uma estrada ou um sistema de captação das águas da chuva em determinada região – ou gerais – como demandas por segurança pública e melhores condições de saúde. (CALDAS, 2008, p. 7)
10
Com propriedade, Frey (1997) detalha que os meios de comunicação são agentes
importantes no processo – de modo especial, a televisão, com difusão massificada em todas as
camadas da população – pois dispõem de recursos para influenciar a opinião pública na
formação das demandas.
Em suma, política pública não é uma decisão isolada, mas um conjunto. Quando
protagonizadas pelo Estado, são denominadas políticas públicas estatais, como é caso da
Bolsa-família. E, ao objetivarem enfrentar uma problemática social sem a participação do
Estado, denominam-se política pública não estatal ou política privada de interesse público.
Um exemplo desta modalidade de política pública é o Movimento pela Cidadania contra a
Fome e a Miséria, idealizada pelo sociólogo Herbert de Souza e que inspirou a concepção do
Programa Fome Zero do Governo Federal.
As políticas públicas são, portanto, um processo dinâmico no qual interage uma
diversidade de atores e intenções, estruturas políticas e sociais, jogos de poder, recursos
financeiros etc.
2.1 Formulação das políticas públicas
De acordo com Caldas (2008, p. 10), o processo de formulação de políticas públicas é
composto de cinco fases que, na prática, estão interligadas. A primeira é de Formação da
Agenda, com a seleção das prioridades; a segunda, de Formulação de Políticas, contem a
apresentação de soluções ou alternativas; a terceira é do Processo de Tomada de Decisão,
quando ocorre a escolha das ações; a quarta, de Implementação, ou seja, de execução das
ações; e a quinta é a fase de Avaliação.
Nesta acepção, Teixeira (2002, p. 2) patenteia que
As políticas públicas traduzem, no seu processo de elaboração e implantação e, sobretudo, em seus resultados, formas de exercício do poder político, envolvendo a distribuição e redistribuição de poder, o papel do conflito social nos processos de decisão, a repartição de custos e benefícios sociais.
Quanto à participação da sociedade, a Lei Complementar nº 131, de 27 de maio de
2009, denominada Lei da Transparência, prevê
11
I – Incentivo à participação popular e realização de audiências públicas, durante os processos de elaboração e discussão dos planos, lei de diretrizes orçamentárias e orçamentos;II – Liberação ao pleno conhecimento e acompanhamento da sociedade, em tempo real, de informações pormenorizadas sobre a execução orçamentária e financeira, em meios eletrônicos de acesso público.
Os poderes públicos de todos os níveis da administração pública estão, segundo esta
lei, obrigados a garantir a participação popular, constituindo, portanto, uma obrigação do
Estado e um direito de todos. Para que as reivindicações e demandas apresentadas por grupos
e setores da sociedade sejam atendidas é fundamental que sejam reconhecidas o suficiente
para despertar a atenção das autoridades do Poder Executivo, Legislativo e Judiciário.
Consoante Silva; Melo (2000, p. 3), a implementação de uma política pública é
correspondente “à execução de atividades que permitam que ações do governo sejam
implementadas com vistas à obtenção de metas definidas no processo de formulação de
políticas”.
Nessa linha, a formulação de políticas públicas explicita a etapa em que os governos
democráticos apresentam suas metas e plataformas eleitorais em programas e ações que
efetivarão mudanças ou resultados concretos. Tais políticas são formuladas sobretudo por
iniciativa dos poderes Executivo ou Legislativo, conjunta ou separadamente, desde de
propostas e demandas da sociedade.
Reconhecendo-se o jogo político como fundamenta à vida democrática e para o
controle social da ação do governo, Silva; Melo (2000, p. 13) preconizam que “estudiosos da
área de políticas públicas tem enfatizado a importância de se incorporar grupos envolvidos
pelas politicas e nela interessados, no processo de formulação e implementação de políticas
públicas”.
O Estado, através dos impostos arrecadados, financia as políticas em comento, que,
portanto, resultam na distribuição ou também na produção de serviços coletivos, como
educação, saúde, saneamento básico, transporte, dentre outros.
Conclusivamente, Demeter (2002) entende que as políticas públicas revelam os modos
de atuação do Estado e de seus distintos governos no trato de questões relativas à vida social,
econômica e política de seus cidadãos.
2.2 Competência das políticas públicas
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De acordo com o artigo 197 da Constituição Federal, “são de relevância pública as
ações e serviços de saúde, cabendo ao Poder Público dispor, nos termos da lei, sobre sua
regulamentação, fiscalização e controle, devendo sua execução ser feita diretamente ou
através de terceiros e, também, por pessoa física ou jurídica de direito privado”.
A saúde pública no país é, portanto, instituída de forma composta, por ser prestada por
iniciativa do sistema público, mediante o Sistema Único de Saúde e pela iniciativa privada. A
atuação e responsabilidade pela saúde pública, segundo o dispositivo legal, é descentralizada,
na medida em que a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios têm essa
competência e concorrência concorrente na prática de políticas públicas, devendo efetivar,
executar e resguardar os princípios intrínsecos aos direitos fundamentais do ser humano.
O exercício da competência outorgada aos Municípios ocorre através de cooperação
financeira e técnica da União e dos Estados, como descrito no inciso VII do artigo 30 da
Constituição. Note-se que “o interesse local se caracteriza pela predominância (e não pela
exclusividade) do interesse do Município, em relação ao do Estado e da União. Isso porque
não há assunto municipal que não seja reflexamente de interesse estadual e nacional. A
diferença é apenas de grau, e não de substância” (MEIRELLES, 1993, p. 120).
Para que haja a preservação e a execução dos direitos fundamentais, como o direito à
saúde, especificamente, as políticas públicas requerem investimento financeiro. Este advém
do próprio poder público, sendo que a União deve transferir parte do seu capital aos Estados e
Municípios, possibilitando-os investir em políticas públicas.
2.2 A Política de Assistência Social
O período posterior à promulgação da Constituição Federal de 1988 caracteriza-se por
uma gama de mudanças agudas na área social. A Constituição Cidadã inovou principalmente
quanto à descentralização político-administrativa, remodelando as normas centralizadoras,
ordenando as competências entre os poderes da União, dos Estados e dos municípios e
estimulando a participação social.
A identificação das políticas públicas com os direitos sociais decorre do fato de esses direitos terem como perspectiva a equidade, a justiça social, e permitirem à sociedade exigir atitudes positivas, ativas do Estado para transformar esses valores em realidade. Daí por que, no campo de atuação das políticas públicas, a participação do Estado, seja como regulador, seja como provedor ou garantidor de bens públicos como direito, é considerada fundamental. (PEREIRA, 2008, p. 102)
13
Especificamente em relação à questão social, a Constituição Federal inseriu um novo
conceito, o de seguridade social, no qual está incluída a tríade saúde, previdência e
Assistência Social. A Política de Assistência Social integra o sistema de proteção mais amplo,
que é a seguridade social, entendido como um progresso no setor, considerando seu curso
histórico caracterizado por ações dispersas e usualmente realizadas por organizações
filantrópicas. No entanto, desde a Constituição de 1988, a desigualdade na assistência à saúde
foi alterada, “universalizando o acesso ao atendimento – tornando obrigatório o atendimento
público e gratuito a qualquer pessoa” (LACERDA, 2001, p. 11).
A Política de Assistência Social, em particular, possibilita padronizar, melhorar e
ampliar, com respeito às diferenças locais, os serviços de assistência no Brasil. E a proteção
social constitui o centro dessa Política, ensejando um impacto imediato no assistente social,
que então assume a responsabilidade de “construir propostas de trabalho criativas e capazes
de preservar e efetivar direitos a partir das demandas emergentes no cotidiano”
(IAMAMOTO, 1999, p. 20).
A Assistência Social conta atualmente com sua Lei Orgânica, a Lei 8.742, de
07/12/93, a Lei Orgânica da Assistência Social (LOAS), cujo artigo 1º estabelece que
A assistência social, direito do cidadão e dever do Estado, é Política de Seguridade Social não contributiva, que provê os mínimos sociais, realizada através de um conjunto integrado de ações de iniciativa pública e da sociedade, para garantir o atendimento às necessidades básicas.
A LOAS constitui um conjunto de ideias, concepção e direitos que introduz um novo
modo de discutir o conteúdo da Assistência Social, em substituição ao olhar centralizado no
favor e na caridade e, portanto, no mero assistencialismo. De acordo com Pereira (1996, p.
100), a Assistência Social brasileira tornou-se um “direito ativo ou positivo”, e “os
demandantes dessa assistência deixaram de ser meros clientes de uma atenção assistencial
espontânea – pública e privada – para transformar-se em sujeitos detentores do direito à
proteção sistemática devida pelo Estado”.
Ao apoiar legal e politicamente a Assistência Social, a Lei Orgânica da Assistência
Social confere um caráter e um significado novo que a retira do clientelismo e do
assistencialismo. Com isso, a Assistência Social é elevada a condição de política de
seguridade conduzida à universalização da cidadania, confirmando serviços e direitos sociais
de qualidade sob a tutela do Estado, mas com a participação da população no que tange ao
14
controle das suas ações. A LOAS corrobora o propósito assistencial e garantidor de direitos
fundamentais e sociais da Constituição de 1988, em cujo artigo 203 prevê que “a Assistência
Social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade
social”.
Definitivamente, a Lei Orgânica da Assistência Social instituiu a Assistência Social
como um direito social não contributivo, além de estabelecer seus princípios e diretrizes,
assim como a proteção social a ser assegurada mediante serviços, benefícios, programas e
projetos. Neste sentido, a Assistência Social efetiva-se no contexto das políticas setoriais,
objetivando o enfrentamento da pobreza e a garantia e universalização dos direitos sociais.
A Política de Assistência Social é, em suma, definida constitucionalmente como uma
política pública, ou seja, como direito do cidadão e dever do Estado, e integra a Seguridade
Social juntamente com a saúde e a previdência social, sendo organizada em um sistema
descentralizado e ao mesmo tempo participativo.
3 AS POLÍTICAS PÚBLICAS DE SAÚDE
Sobretudo por iniciativa dos poderes Executivo ou Legislativo é que as políticas
públicas de saúde são formuladas, sendo que da própria lei consta a garantia de participação
da sociedade na formulação, avaliação e acompanhamento dessas políticas mediante os
conselhos municipais, estaduais e nacionais. As políticas públicas de saúde são estruturadas
quando se tornam garantidas como prioridade. Sendo assim, “a produção de conhecimentos e
a cooperação técnica em políticas públicas, planificação e gestão podem fazer diferença no
processo de formulação e de implementação de políticas em saúde” (PAIM, 2008, p. 70).
As políticas públicas de saúde no Brasil orientam-se desde 1988, com a promulgação
da Constituição Federal. A leitura articulada dos artigos 194, 196 e 198 da Lei Maior autoriza
definir os seguintes princípios que anunciam a política pública de saúde.
O primeiro princípio é a universalidade, constante do artigo 194, I, e do artigo 196,
caput, revela que a saúde, como direito de todos, não exige nenhum requisito para sua fruição,
devendo ser o acesso às ações e serviços de saúde, ao mesmo tempo, universal e igualitário.
Assim sendo, o princípio da universalidade da atenção integra o direito à assistência como
tipo ideal da cidadania e indica um modelo que presume uma lógica de seguridade social com
fulcro nos moldes dos Estados de Bem-Estar.
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O segundo princípio é o caráter democrático e descentralizado da administração, com
participação da comunidade, conforme o artigo 194, VII, e o artigo 198, I e III, que é
traduzido em distribuição, entre os vários níveis de governo, de responsabilidades pelas ações
e serviços de saúde. Essa diretriz norteia a regulamentação do sistema de saúde, marcada pela
maior responsabilidade dos municípios na execução das ações de saúde, culminando na
denominação de ‘municipalização da saúde’.
Além de contribuir para organizar racionalmente o sistema, o processo de
descentralização dinamiza o controle social, pois aproxima as decisões da população alvo.
Considerando-se a extensão territorial e os contrastes do Brasil, evidencia-se, com efeito, a
necessidade de um processo descentralizador.
O terceiro princípio é, segundo o artigo 198, II, o atendimento integral, priorizando as
atividades preventivas, sem prejudicar os serviços assistenciais. A integralidade do
atendimento indica que o sistema de saúde deve assegurar acesso a ações de promoção que
objetiva anular ou controlar as causas das doenças e agravos, englobando ainda ações em
áreas como educação, habitação e meio ambiente, dentre outras. Tal integralidade envolve
também ações de proteção com o intuito de prevenir riscos e exposições a doenças mediante
imunizações, saneamento básico, vigilância à saúde e sanitária, além de ações coletivas e
preventivas. Por fim, a integralidade do atendimento visa ao atendimento médico, tratamento
e reabilitação para doentes.
Nesse aspecto, Cunha; Cunha (1998) argumentam que a integralidade também
necessita de uma articulação entre a área da saúde e de outras políticas sociais a fim de
garantir uma atuação intersetorial entre as distintas áreas que possuam repercussão na saúde e
na qualidade de vida dos indivíduos.
Por outro lado, Buss (2000) apud Alves (2003, p. 320) ressalta que o novo enfoque
dado às práticas em saúde indica determinantes múltiplos da saúde e a intersetorialidade,
asseverando que as condições para a saúde são: habitação, paz, alimentação, educação, renda,
recursos sustentáveis, ecossistema estável, equidade e justiça social.
O quarto princípio, à luz do artigo 198, caput, trata da regionalização e hierarquização,
viabilizando um conhecimento maior dos problemas de saúde da população de uma área
definida, por parte da rede de serviços do sistema, beneficiando medidas de vigilância
sanitária, epidemiológica, educação em saúde, bem como ações de atenção hospitalar e
ambulatorial em todos os níveis de complexidade para possibilitar tanto a distribuição
espacial dos serviços como a sua organização com assistência técnica e de recursos humanos.
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Conforme dicção do parágrafo 2º do artigo 10 da Lei 8.080, “no nível municipal, o
Sistema Único de Saúde (SUS), poderá organizar-se em distritos de forma a integrar e
articular recursos, técnicas e práticas voltadas para a cobertura total das ações de saúde”.
Sob o prisma da ideia de território, há um contributo para que seja organizado um
sistema com maiores perspectivas de propiciar uma atenção mais equânime e resolutiva à
sociedade.
As políticas públicas denotam o reconhecimento dos direitos sociais e visam
minimizar as desigualdades entre grupos e indivíduos. Contudo, em uma sociedade
heterogênea como a brasileira, caracterizada por uma situação de pobreza, as políticas sociais,
que conservam em sua materialização o caráter setorial, emergencial e fragmentário, auxiliam
para evidenciá-las.
Bravo (2001), concernente às políticas públicas de saúde no Brasil, indica uma
alteração da questão de saúde a partir da relação do Estado com a sociedade, especialmente
devido aos avanços resultantes da extensão do conceito de saúde. Assim, as políticas públicas
em saúde no Brasil incluem o plano de ação social do Estado perspectivando melhorar as
condições de saúde da população e dos ambientes social, natural e do trabalho.
A tarefa inerente ao Estado quanto às demais políticas públicas do setor social
consiste, portanto, em organizar as funções públicas governamentais para promover, proteger
e recuperar a saúde dos indivíduos e da coletividade.
3.1 O Sistema Único de Saúde (SUS) como política pública
O Sistema Único de Saúde (SUS), criado pela Lei no 8.080, de 19 de setembro de
1990, também chamada de Lei Orgânica da Saúde (LOS). O SUS traduz o princípio
constitucional da “saúde como direito de todos e dever do Estado” e estabelece, no seu artigo
7º, que “as ações e serviços públicos de saúde e os serviços privados contratados ou
conveniados que integram o Sistema Único de Saúde (SUS) são desenvolvidos de acordo com
as diretrizes previstas no art.198 da Constituição Federal”.
Políticas públicas comumente visam dinamizar estratégias de ação para defrontar as
problemáticas sociais de determinado público-alvo. No âmbito das políticas públicas,
originou-se a política de assistência à saúde, a partir da criação do Sistema Único de Saúde
em 1990 e, depois, em 1991, mediante o Ministério da Saúde, o Programa de Agentes
Comunitários de Saúde (PACS). Este, em 1994, levou à concepção do Programa Saúde da
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Família (PSF), que estrategicamente visa reorganizar o paradigma de atenção basilar à saúde
no território nacional. Desde então, a família constitui o ponto convergente das ações
atinentes à saúde.
Em geral, políticas públicas objetivam fomentar estratégias de ação para enfrentar as
problemáticas sociais de um público-alvo determinado. A política de assistência à saúde teve
origem no contexto das políticas públicas, com a criação do Sistema Único de Saúde (SUS)
em 1990 e, depois, em 1991, por meio do Ministério da Saúde, o Programa de Agentes
Comunitários de Saúde (PACS).
O SUS é responsável pela administração e atendimento na área de saúde a quem dela necessitar. Com a promulgação da Constituição Federal iniciou-se um processo de descentralização da saúde, além da universalização do atendimento, sem a necessidade de contribuição ou filiação a qualquer tipo de regime previdenciário para tanto. (SILVA, 2010, p. 3-4)
Anteriormente à criação do Sistema Único de Saúde, o governo brasileiro intervinha
apenas em casos graves ou que pudessem constituir uma ameaça de epidemia. Segundo Paim
(2009), nesse período a organização dos serviços de saúde estava dividida em ações de saúde
pública, voltadas para a prevenção, o ambiente e a coletividade; em saúde do trabalhador, na
esfera do Ministério do Trabalho; e em ações individuais e curativas, compondo, além da
medicina previdenciária, as variantes de assistência médica filantrópica, liberal e empresarial,
gradativamente.
Importa evocar que, necessariamente, direito à saúde não se traduz pelo direito à
assistência à saúde. Esta, na verdade, está incluída na primeira, denotando que a ideia do
direito à saúde é recuperada como noção essencial para a formulação de políticas. Assim, não
se pode confundir o direito à saúde com o direito aos serviços de saúde ou mesmo com o
direito à assistência médica. Neste contexto, Paim (1987) propõe que o perfil de saúde de uma
coletividade depende de condições associadas à própria estrutura social, mas a manutenção do
estado de saúde exige a ação articulada de um conjunto de políticas sociais mais amplas,
relacionadas a emprego, previdência, salário, educação, lazer, alimentação etc.
Nos artigos 198 a 200, a Constituição Federal de 1988 atribuiu ao SUS a coordenação
e a execução das políticas para promoção e proteção da saúde no país.
Art. 198. As ações e serviços públicos de saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes:I – descentralização, com direção única em cada esfera de governo;
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II – atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem prejuízo dos serviços assistenciais;III – participação da comunidade.§ 1º O sistema único de saúde será financiado, nos termos do art. 195, com recursos do orçamento da seguridade social, da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, além de outras fontes.
O SUS visa propor, gerenciar e executar políticas públicas que assegurem a todos os
cidadãos o direito e o acesso à saúde. A este sistema, além de outras atribuições, compete, nos
termos da lei, conforme o artigo 200 da Constituição Federal:
I – controlar e fiscalizar procedimentos, produtos e substâncias de interesse para a saúde e participar da produção de medicamentos, equipamentos, imunobiológicos, hemoderivados e outros insumos;II – executar as ações de vigilância sanitária e epidemiológica, bem como as de saúde do trabalhador;III – ordenar a formação de recursos humanos na área de saúde;IV – participar da formulação da política e da execução das ações de saneamento básico;V – incrementar em sua área de atuação o desenvolvimento científico e tecnológico;VI – fiscalizar e inspecionar alimentos, compreendido o controle de seu teor nutricional, bem como bebidas e águas para consumo humano;VI – participar do controle e fiscalização da produção, transporte, guarda e utilização de substâncias e produtos psicoativos, tóxicos e radioativos;VIII – colaborar na proteção do meio ambiente, nele compreendido o do trabalho.
Conforme leitura do supracitado artigo, o Sistema Único de Saúde é responsável pela
competência fiscalizatória e de controle das atividades relativas à saúde, pela produção de
insumos e medicamentos, pela preparação dos profissionais e pela inovação na saúde.
A Constituição Federal tanto previu a elaboração de uma estrutura organizacional para
assegurar o direito à saúde como apontou a forma de exercício e as metas desse órgão
administrativo. Apesar da previsão constitucional, as condutas para o apropriado
funcionamento do SUS e as atribuições específicas dos órgãos foram efetivadas somente a
partir da concepção de lei específicas de saúde, como a Lei Federal 8.142, de 28 de dezembro
de 1990, que dispõe sobre a participação da comunidade na gestão do Sistema e sobre as
transferências intergovernamentais de recursos financeiros na área da saúde. Ambas as leis
formam a Lei Orgânica da Saúde, e a Lei Federal 8.080, de 19 de setembro de 1990.
Em seu artigo 2º, a Lei Federal 8.080/90 reconhece que “a saúde é um direito
fundamental do ser humano, devendo o Estado prover as condições indispensáveis ao seu
pleno exercício”. E, no artigo 5º da mesma lei, são estabelecidos os principais objetivos do
SUS, a saber: (i) identificar e divulgar os fatores condicionantes e determinantes da saúde; (ii)
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formular política de saúde; (iii) promover, proteger e recuperar a saúde a partir de ações
assistenciais e de atividades preventivas.
Em relação às atribuições do Sistema Único de Saúde, a Lei Federal 8.080/90 reitera
os dispositivos constitucionais e acrescenta outras obrigações no artigo 6º, inciso I, alínea d,
que é a assistência terapêutica integral, inclusive farmacêutica. Do mesmo artigo, têm
destaque também os incisos VI e X, que incumbem o SUS de formular a política de
medicamentos e o incentivo ao desenvolvimento científico e tecnológico na área de saúde.
O Sistema Único de Saúde produziu um novo entendimento de saúde e atenção no
tocante à proteção, prevenção e recuperação da saúde. Não obstante, é preciso considerar a
“possibilidade de se intensificar o processo de participação e controle social do SUS,
avançando-se na democratização do conhecimento, na reorientação das práticas e na melhoria
das condições de saúde da população” (TEIXEIRA; PAIM, 2005, p. 270).
A saúde constitui direito público subjetivo assegurado pelo SUS, o modelo de saúde
adotado pelo Brasil e que é considerado uma perspectiva de avanço para a política de saúde
de modo geral.
3.2 Políticas públicas de saúde na atualidade
Ao adotar o projeto neoliberal, o Estado brasileiro promoveu um afastamento entre as
medidas de proteção social asseguradas no texto legal e as que são praticadas, subordinando
os direitos sociais à lógica orçamentária e a política social à política econômica, o que
acarreta a subversão do preceito constitucional. Deste modo, “ao invés de o direito
constitucional impor e orientar a distribuição das verbas orçamentárias, o dever legal passa a
ser submetido à disponibilidade de recursos” (IAMAMOTO, 2009, p. 200).
Por outro lado, o Sistema Único de Saúde aduziu uma nova atenção no que se refere à
prevenção, proteção e recuperação da saúde. Muito ainda se deve persistir no sentido de uma
relação entre Estado e sociedade pautada pela articulação, controle social, parceria, respeito à
diversidade, transparência, descentralização e participação. Segundo Paim (2008, p. 70), “a
produção de conhecimentos e a cooperação técnica em políticas públicas, planificação e
gestão podem fazer diferença no processo de formulação e de implementação de políticas em
saúde”.
Nessa mesma linha, observa-se que “o Serviço Social brasileiro hoje tem como
orientação para a ação profissional princípios-valores não convenientes aos interesses do
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capital, mas sim a qualidade dos serviços profissionais desempenhados e prestados em
correspondência às necessidades da população” (FORTI, 2010, p. 147).
Pautado pelo compromisso ético-político da categoria, o Serviço Social atua na
contramão dos interesses neoliberais com o propósito de responder às demandas sociais para
promover uma nova forma de sociabilidade.
O assistente social tem o direito de manter contato direto com a população usuária, junto aos seus locais de moradia e de organização, o que permite estabelecer vínculos com os seus movimentos e apreender as suas demandas, O assistente social detém informações, tem conhecimento sobre os programas que devem ser postos a serviço dos usuários, reforçando o seu poder reivindicatório junto às instituições responsáveis pelas políticas e programas. (BARROCO, 2012, p. 83)
O acompanhamento possibilita ao profissional firmar vínculo junto ao usuário e a
aproximação deste com conselhos e fóruns, favorecendo sua participação nas deliberações
realizadas nesses espaços e conscientização como sujeitos de direitos.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Políticas públicas constituem planos, ações, projetos e programas executados pelos
governos municipal, estadual e federal, objetivando melhorar a qualidade de vida da
população, com respeito às realidades socioeconômicas e culturais locais. Para que sejam
atingidos seus resultados, essas políticas precisam ser erigidas com a participação integral da
sociedade civil, por meio de Conselhos específicos, no seu acompanhamento e na sua
formulação e avaliação.
Os diversos segmentos sociais também podem realizar um controle através de
audiências públicas e conferências setoriais. Nesse contexto, em conformidade com a Lei
Complementar nº 131, chamada Lei da Transparência, todos os poderes públicos estão
obrigados a garantir a participação popular, que, portanto, é uma obrigação do Estado e um
direito da população.
A Constituição Federal de 1988 promulgou e inscreveu as bases legais do novo
sistema de saúde., estabelecendo que as políticas de saúde no Brasil devem orientar-se pelos
princípios de universalidade e equidade na obtenção de ações e serviços e pelos
procedimentos de descentralização da gestão, de integralidade do atendimento e de
participação da comunidade na coordenação de um sistema único de saúde.
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A Constituição Federal de 1988, em seu artigo 196, prevê que “a saúde é direito de
todos e dever do Estado”, princípio norteador do Sistema Único de Saúde e que colabora para
promover a dignidade aos cidadãos brasileiros. O conceito de saúde, que anteriormente era
um dever apenas da União e relativo ao trabalhador segurado, foi ampliado e associado às
políticas econômicas e sociais.
Também, foi definida a gestão participativa como importante inovação, assim como
fundos financeiros únicos para cada esfera de governo. As Leis 8.080/90 e a 8.142/90 são
particularmente importantes para este novo modelo. Enquanto a Lei 8.080/90 consolida as
orientações constitucionais do SUS, dispondo sobre as condições para a promoção, proteção e
recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes, a Lei
8.142/90 cuida do envolvimento da comunidade na administração das questões da saúde
através de conferências e conselhos de saúde em cada setor do governo como instâncias,
respectivamente, colegiadas orientadoras e deliberativas.
Em contrapartida, no contexto neoliberal, as políticas sociais são alteradas tanto em
sua direção como em sua funcionalidade, já que o Estado minimiza sua capacidade de
financiar as políticas sociais e os serviços assistenciais, alterando, consequentemente, a
função assistencial das políticas de saúde em termos qualitativos e de abrangência a
segmentos da sociedade que necessitam dos serviços públicos, como, sobretudo, crianças,
deficientes e os idosos.
Todos os usuários dos serviços de saúde, porém, não devem olvidar que a saúde
pública se trata de um direito pelo qual é possível promover mais justiça social, podendo
peremptoriamente contribuir para a democratização da sociedade.
O presente artigo, cujos objetivos propostos foram atingidos, revela sua importância
por constituir uma fonte de pesquisa e consulta para a comunidade acadêmica interessada no
tema das políticas públicas de saúde no Brasil.
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