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Sara Manuela Airosa da Silva Vinculação Materna durante e após a Gravidez: Ansiedade, Depressão, Stress e Suporte Social Universidade Fernando Pessoa Faculdade de Ciências Humanas e Sociais Mestrado Psicologia Clínica e da Saúde Porto, 2012

vínculação materna durante e após a gravidez

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  • Sara Manuela Airosa da Silva

    Vinculao Materna durante e aps a Gravidez: Ansiedade, Depresso, Stress e Suporte Social

    Universidade Fernando Pessoa

    Faculdade de Cincias Humanas e Sociais

    Mestrado Psicologia Clnica e da Sade

    Porto, 2012

  • Sara Manuela Airosa da Silva

    Vinculao Materna durante e aps a Gravidez: Ansiedade,

    Depresso, Stress e Suporte Social

    __________________________________________

    (Sara Manuela Airosa da Silva)

    Orientadora: Prof Dr Isabel Silva

    Dissertao de Mestrado apresentada Universidade

    Fernando Pessoa como parte dos requisitos para

    obteno do grau de Mestre em Psicologia, na rea

    de especializao em Psicologia Clnica e da Sade.

    Porto, 2012

  • i

    Resumo

    Este estudo pretende contribuir para a identificao de indicadores psicopatolgicos,

    como sintomas de ansiedade, depresso e stress que possam interferir na vinculao me/beb

    estabelecida, durante o perodo pr e ps-natal. Assim, na presente investigao pretende-se

    avaliar a associao entre suporte social e a sintomatologia depressiva, ansiosa e stress, alm

    da vinculao estabelecida entre me e beb. Pretende-se, igualmente, comparar o grupo de

    mes grvidas com o outro grupo de ps-parto, relativamente vinculao materna

    estabelecida.

    Participaram neste estudo 100 mulheres, das quais 50 se encontram no perodo

    gestacional, entre as 5 e 39 semanas e as restantes na fase do ps-parto, entre 1 e 12 meses. A

    faixa etria das mes est compreendida entre os 19 e os 42 anos (M=29,04; DP=5,145),

    relativamente ao estado civil, 78% da amostra casada ou vive em unio de facto. A

    avaliao das dimenses em anlise foi efectuada atravs da administrao dos seguintes

    instrumentos: Questionrio de Dados Scio-Demogrficos e Clnicos, a Escala de Vinculao

    Pr-natal e Ps-natal, a Escala de Ansiedade, Depresso e Stress e a Escala de Satisfao com

    o Suporte Social.

    Os dados permitiram verificar que o suporte social est negativamente relacionado com

    a ansiedade, depresso e stress e positivamente relacionado com a vinculao materna.

    Tambm se constatou existir uma associao negativa entre ansiedade, depresso e stress, e a

    vinculao me-beb. Observou-se, igualmente, que as gestantes apresentam maior

    vinculao materna, do que as mes que se encontram na fase do ps-parto.

    A partir desta investigao possvel verificar, que a presena de suporte social est

    relacionada com menores sintomas de ansiedade, depresso e stress, assim como maior

    vinculao materna. Foi igualmente constado que maiores sintomas de ansiedade, depresso e

    stress se associam a menor vinculao materna. Existe uma associao entre antecedentes de

    perturbao de depresso e o indicador de stress, por outro lado, a histria prvia de ansiedade

    est relacionada com todos os indicadores psicopatolgicos. Perante os resultados encontrados

    nesta investigao, possvel reflectir sobre os seus contributos para a comunidade e para a

    interveno ao nvel preventivo e teraputico, contribuindo para a promoo do bem-estar da

    me e beb.

    Palavras-chave: Gravidez e Maternidade; Vinculao Materna; Psicopatologia; Suporte Social

  • ii

    Abstract

    The present study aims to contribute to the association between social support and depressive

    symptoms, anxiety, stress and the linkage established between mother and baby during the pre and

    postnatal. Therefore, this study aims to assess the association between social support and depressive

    symptoms, anxiety and stress, besides the established link between mother and baby. It is also

    intended to compare the group of pregnant mothers with the other group of postpartum maternal

    bonding.

    100 women participated in this study, 50 of which are pregnant, between 5 and 39 weeks and

    the remainder are in the postpartum phase, between 1 and 12 months. The age of the mothers is

    between 19 and 42 years (M = 29.04). In terms of the marital status, 78% of the womens are

    married or living in union of fact. The evaluation of the dimensions in the analysis was carried out

    through the administration of the following instruments: Questionnaire of Socio-Demographic and

    Clinical data, Pre-natal and Post-natal care scale, the Scale of Anxiety, Depression and Stress and a

    Satisfaction with the Social Support scale.

    The data allowed us to verify that an increased social support could mean lower rates of

    anxiety, depression, stress and more maternal bonding. An association between major indicators of

    anxiety, depression, stress and reduced mother-baby bonding were also examined. It was also

    observed that pregnant women have a higher maternal bonding, than mothers who are at the stage

    of post-partum.

    Based on this research it is possible to verify, that the presence of social support is related

    minor symptoms of anxiety, depression and stress, as well as a higher maternal attachment. Was

    equally feature that higher symptoms of anxiety, depression and stress are associated with lower

    maternal attachment. There is an association between a history of depressive disorder and stress

    indicator and on the other hand, the history of anxiety is associated with all psychopathological

    indicators. Given the results found in this research, it is possible to reflect on their contributions to

    the community and intervention at the preventive and therapeutic levels, helping to promote the

    welfare of mother and baby.

    Keywords: Pregnancy & Parenting, Maternal Bonding, Psychopathology, Social Support

  • iii

    Agradecimentos

    Universidade Fernando Pessoa, pelos cinco anos de formao exemplar, de rigor e

    profissionalismo que me foram transmitidos, potenciando o meu desenvolvimento pessoal e

    profissional e pela oportunidade da concretizao deste trabalho de investigao.

    A todos os Professores, obrigado pelos ensinamentos, formao e exemplos de vida.

    Prof. Dr. Isabel Silva, minha orientadora, o meu agradecimento pelos ensinamentos,

    orientao, dedicao, disponibilidade, exigncia e compreenso.

    Dr. Himali Bachu que me acolheu na Unidade Maternidade Jlio Dinis, como minha

    orientadora de estgio curricular, que no s incrementou o meu interesse pela Psicologia da

    Gravidez e da Maternidade, como me apoio ao longo dessa caminhada.

    Ao Dr Pais Ribeiro, Dr Rita Gomez, Comisso de tica da Universidade Fernando

    Pessoa e Direco do Centro de Sade de Rio Tinto Gondomar, agradeo a autorizao

    concedida para que esta investigao acontecesse.

    Agradecimentos Especiais

    Aos meus avs pela Sabedoria e Recordaes

    Aos meus pais pela Vida e Amor incondicional

    Aos meus irmos pela Pacincia e Proteco

    minha sobrinha pela Alegria e Adorao

    Ao meu namorado pelo Amor e Partilha

    s minhas amigas pela Amizade e Confidncias

    Aos meus colegas pela Colaborao

    O meu agradecimento estende-se, igualmente, a todas as grvidas e mes que

    voluntariamente participaram neste estudo e assim, com a sua quota-parte permitiram a sua

    elaborao.

  • iv

    condensar o mundo num s grito e amar-te assim perdidamente (Florbela Espanca)

    Dedicatria

    Dedico esta investigao a toda a minha famlia,

    mas em particular, ao meu av Adrito, que estar sempre

    comigo nos momentos mais importantes da minha vida.

  • ndice Geral

    Pgina

    Resumo ... i

    Abstract .. ii

    Agradecimentos .. iii

    Dedicatria .. iv

    Introduo ... 1

    PARTE I ENQUADRAMENTO TERICO

    Captulo 1 A Gravidez e a Maternidade ... 3

    1.1.Factores que Influenciam a Gravidez e o Puerprio . 5

    1.1.1. Factores Fisiolgicos (Obsttricos) . 5

    1.1.2. Factores Psicolgicos .. 7

    1.1.2.1. Adaptao Maternidade ... 8

    1.1.3. Factores Sociolgicos .. 11

    Captulo 2 Vinculao Materna . 14

    2.1. Construo da Vinculao ... 14

    2.2. Factores que Influenciam a Vinculao ... 20

    2.3. Estudos sobre Tempo Gestacional e Vinculao Materna .. 22

    Captulo 3 Indicadores Psicopatolgico 24

    3.1. Ansiedade 24

    3.1.1. Definio e Sintomatologia . 24

    3.1.2. Factores (de risco) relacionados com a Ansiedade Materna ... 27

    3.1.3. Quais as Implicaes da Ansiedade Materna? ... 28

    3.2. Depresso . 29

    3.2.1. Definio e Sintomatologia . 29

    3.2.2. Factores (de risco) associados Depresso Materna .. 32

    3.2.3. Quais as implicaes da Depresso Materna? . 35

    3.3. Stress 39

    3.3.1. Definio e Principais Modelos ...... 39

    3.3.2. Stress, Gravidez e Maternidade ... 41

    3.3.3. Quais as implicaes do stress durante o perodo gravdico-

    puerperal? .

    44

  • Captulo 4 Suporte Social ... 47

    4.1. Definio e Principais Modelos Tericos sobre Suporte Social . 47

    4.2. Suporte Social associado Gravidez e Maternidade .. 49

    4.3. Benefcios do Suporte Social na Gravidez e Maternidade .. 50

    4.4. Estudos no mbito do Suporte Social no contexto da Gravidez e

    Maternidade ..

    52

    PARTE II ENQUADRAMENTO PRTICO

    Captulo 5 Estudo Exploratrio . 55

    5.1 Justificao do Estudo .. 55

    5.2 Desenho da Investigao ... 55

    5.3 Questes de Investigao e Objectivos do Estudo 56

    5.4 Mtodo ... 58

    5.4.1 Participantes .. 58

    5.4.2 Material . 59

    5.4.3 Procedimento . 63

    Captulo 6 Resultados . 65

    6.1 Apresentao Estatstica dos Resultados .. 65

    Captulo 7 Discusso ... 74

    Concluso 85

    Referncias .. 87

    Anexos

  • ndice de Quadros

    Pgina

    Quadro 1. Tarefas desenvolvimentais da gravidez e puerprio . 9

    Quadro 2. Fases de desenvolvimento da vinculao . 19

    Quadro 3. Tipos de Suporte Social .... 48

    Quadro 4. Teste t para diferenas nos dois grupos de mes em funo da

    vinculao ..

    65

    Quadro 5. Mann-Whitney Test para diferenas nos indicadores de ansiedade,

    depresso e stress em funo da histria prvia de depresso ..

    67

    Quadro 6. Mann-Whitney Test para diferenas nos indicadores de ansiedade,

    depresso e stress em funo da histria prvia de ansiedade ..

    68

    Quadro 7. Correlaes entre o suporte social e os indicadores de ansiedade,

    depresso e stress ...

    71

    Quadro 8. Correlaes entre o suporte social, indicadores de ADS e vinculao

    materna ..

    73

  • ndice de Figuras

    Pgina

    Figura 1. Efeitos da depresso materna na interaco me-beb .. 36

    Figura 2. Stress Benfico e Prejudicial .. 41

    Figura 3. Modelo ABC-X .. 42

    Figura 4. Relao entre as variveis em estudo 57

    Figura 5. Principais resultados obtidos desta investigao perante o total da

    amostra ...

    81

    Figura 6. Principais resultados obtidos desta investigao perante o grupo pr-

    natal

    82

    Figura 7. Principais resultados obtidos desta investigao perante o grupo ps-

    natal

    82

  • Anexos

    Anexo A. Pedidos de autorizao aos autores dos instrumentos

    Anexo B. Pedido de autorizao Comisso de tica da Universidade Fernando Pessoa

    Anexo C. Pedido de autorizao ao Centro de Sade de Rio Tinto - Gondomar

    Anexo D. Folha de Rosto e Questionrio Scio-Demogrfico e Clnico

    Anexo E. Escala de Vinculao Pr-Natal

    Anexo F. Escala de Vinculao Ps-Natal

    Anexo G. Escala de Ansiedade, Depresso e Stress (EADS-21)

    Anexo H. Escala de Satisfao com o Suporte Social (ESSS)

    Anexo I. Consentimento Informado

  • 1

    Introduo

    Diz a voz popular que me h s uma. Por isso, ser talvez importante a sua

    compreenso numa perspectiva biolgica, psicolgica, social e cultural, implicando o

    reconhecimento da gravidez e da maternidade enquanto perodos de crise e de mudana, em

    que mltiplas alteraes, obrigam a mulher a uma sequncia de ajustamentos e a uma enorme

    flexibilidade e competncia para lidar com as perdas que lhes esto inerentes (Paiva, Galvo,

    Pagliuca & Almeida, 2010).

    A maternidade pode colocar a mulher em risco de desenvolver psicopatologia. Muitos

    so os factores que influenciam o aparecimento de dificuldades psicolgicas na gravidez e no

    ps-parto, em particular perturbaes de ansiedade, depresso e stress (Pacheco, Figueiredo,

    Costa & Pais, 2005). Esta vulnerabilidade psicolgica da mulher poder diminuir o vnculo

    estabelecido com o beb (Condon & Corkindale, 1997), sendo este processo crescente desde o

    incio da gravidez e amadurecido atravs do contacto durante o perodo neonatal (Burroughs,

    1995). Este vnculo permite a criao de um compromisso emocional que leva a mulher a

    procurar satisfazer as necessidades do filho, desde alimentao ao carinho e conforto (Maola,

    Vale & Carmona, 2010).

    Tendo-se verificado esta associao entre ansiedade, depresso, stress e a vinculao

    materna, torna-se importante incluir nesta investigao o suporte social, procurando

    compreender o papel que este pode assumir nesta transio para a parentalidade. Segundo

    Coutinho, Baptista e Morais (2002), um adequado suporte social nos perodos de gravidez e

    ps-parto, favorece um maior controlo do ambiente e autonomia, fornecendo esperana, apoio

    e proteco mulher. Esta investigao pretende contribuir para a identificao de

    indicadores psicopatolgicos, como a ansiedade, depresso e stress, que possam interferir no

    vnculo materno durante o perodo pr e ps-natal, tentando perceber, que ligao poder

    assumir o suporte social na vinculao materna estabelecida e no bem-estar psicolgico da

    mulher.

    Esta dissertao est organizada em duas partes: o enquadramento terico e o estudo

    exploratrio. A primeira parte enquadramento terico apresenta a reviso bibliogrfica

    efectuada para esta investigao. O primeiro captulo, intitulado A Gravidez e a Maternidade,

    dedicado aos factores fisiolgicos (obsttricos), psicolgicos e sociolgicos que influenciam

    este perodo. O segundo captulo, intitulado Vinculao Materna, debrua-se sobre a

    construo da vinculao, os factores que a influenciam e estudos sobre o vnculo materno. O

    terceiro captulo, denominado Indicadores Psicopatolgicos, aborda a ansiedade, depresso e

    stress. Aps uma breve referncia sua definio e sintomatologia, faz-se o enquadramento

  • 2

    aos factores (de risco) relacionados e as respectivas implicaes para cada um destes

    indicadores. O quarto captulo, intitulado Suporte Social, inicia-se com uma breve definio e

    principais modelos explicativos. Segue-se a sua associao com a gravidez e a maternidade,

    passando para os benefcios do suporte social e alguns estudos realizados neste contexto

    materno-infantil.

    A segunda parte da dissertao refere-se ao enquadramento prtico, na qual se insere o

    estudo exploratrio, onde consta todo o mtodo adoptado na realizao desta investigao, a

    caracterizao dos participantes do estudo, os instrumentos utilizados para a sua avaliao, o

    procedimento seguido, e por fim a apresentao, anlise e discusso dos resultados obtidos.

  • 3

    PARTE I - ENQUADRAMENTO TERICO

    Captulo 1 A Gravidez e a Maternidade

    A maternidade requer que mais

    do que desejar ter um filho

    se deseje ser me

    (Isabel Leal, 1990, p.365).

    Antes de iniciar este captulo torna-se importante realizar uma distino entre o

    Feminino e o Materno, visto que se assumem como duas palavras distintas, mas que se

    cruzam entre si, acabando por se confundir. Ao longo da histria considerou-se ser necessrio

    reprimir o feminino para salvaguardar o materno, assegurando assim, o controlo da

    maternidade (Botelho & Leal, 2007).

    No entanto, segundo Matos, Leal e Ribeiro (2000), estes termos alcanam identidades

    diferentes, j que a dimenso feminina est associada a actividades e desempenhos que, na

    prtica, traduzem a capacidade de afirmao pessoal e social, como o investimento em si

    prpria, no desenvolvimento das suas capacidades e realizao pessoal, nomeadamente nos

    aspectos intelectual e profissional, na auto-imagem, na sexualidade, no corpo, na gravidez,

    entre outros.

    dimenso materna correspondem investimentos centrados no outro, no seu

    desenvolvimento e realizao - ao nvel fsico, social, emocional, afectivo, intelectual - cujo

    objectivo primordial se centra na conteno e promoo das suas prprias necessidades e

    desejos (Matos et al., 2000).

    Na sociedade actual, a maternidade afigura-se como um processo de vida e um inves-

    timento experiencial e formativo que em muito se distncia do papel da me de algumas

    dcadas atrs. Actualmente, as experincias relativas maternidade so um reflexo vivo das

    diferentes trajectrias percorridas pelas mes tendo em vista a sade das suas crianas,

    devendo esta ser entendida como essencial existncia ou como um modo de estar na vida

    revelado pelos seus comportamentos e hbitos (Gonalves, 2008).

    De um modo geral, pensa-se na gravidez e na maternidade como acontecimentos de

    vida. O est grvida ou j foi me, so expresses utilizadas frequentemente, mas que

    apenas remetem para o ponto de partida de ambos os percursos.

    O perodo compreendido entre a gravidez e a maternidade tem sido cada vez mais alvo

    de investigao por parte da comunidade cientfica, assumido como uma fase de transio,

  • 4

    que envolve mudana aos nveis hormonal, fsico, psicolgico, familiar e social,

    desencadeando reajustamentos e reestruturaes na vida dos indivduos (Bayle, 2006;

    Piccinini, Silva, Gonalves, Lopes & Tudge, 2004). Assim, esta fase torna-se exigente em

    termos dos mecanismos de defesa necessrios para uma melhor adaptao mudana. O

    modo como todas estas mudanas so integradas, elaboradas e vivenciadas relaciona-se

    directamente com a estrutura de personalidade da mulher, suporte conjugal, familiar e social,

    desejo e significado da gravidez, e projecto de maternidade (Leal, 2005b).

    Entende-se a gravidez como um processo ocorrido no perodo de 40 semanas que

    medeia entre a concepo e o parto. A maternidade, porm, ultrapassa a gravidez, assumindo-

    se como um projecto a longo prazo que requer prestao de cuidados, iniciativas, actuaes,

    responsabilidades, amor e afecto que possibilite um desenvolvimento sadio e harmonioso ao

    recm-nascido (Leal, 2005a).

    Na maternidade, a crise visionada como uma fase de desenvolvimento, uma vez que

    leva adopo de novos papis e responsabilidades, envolvendo uma significativa quantidade

    de stress quer para o casal, quer para a famlia em geral (Brigido, 2010), pelo facto, dos

    distrbios psicopatolgicos do puerprio aparecerem quando a famlia no consegue lidar de

    forma satisfatria com as modificaes introduzidas pelo nascimento de um novo elemento

    (Figueiredo, 2000).

    Porm, ambas envolvem mudanas importantes na vida da mulher, as quais exigem

    adaptaes sucessivas e a longo prazo. Como qualquer outra crise de desenvolvimento, a

    gravidez e a maternidade podem desequilibrar o ciclo de vida do indivduo, sendo que, de

    acordo com a forma como a crise ser vivenciada, tal desequilbrio poder ser maior ou menor

    (Paiva, Galvo, Pagliuca & Almeida, 2010).

    Segundo Ferreira (2009), os sujeitos numa fase de transio podem tornar-se mais

    vulnerveis pelo facto de no compreenderem o carcter temporrio da crise, o que vai

    depender, muitas vezes, de determinados factores externos e internos ao indivduo e do

    prprio tipo da transio.

    Para Meleis, Sawyer, Im, Messias e Schumacker (2000), esta adaptao vai depender de

    determinados factores, dos quais salientam as tendncias culturais e sociais, as alteraes

    corporais, as expectativas e grau de desejo relativos gravidez, a segurana, o apoio

    emocional e situao financeira, podendo tornar-se num processo de stress mais ou menos

    moderado.

    A maternidade surge, assim, como um momento que possibilita mulher refazer as suas

    prprias representaes do que ser me, bem como reviver as prprias experincias

    enquanto filha, colocando em evidncia os seus medos, anseios, e, consequentemente,

  • 5

    redefinindo os seus valores, auto-estima e identidade. Tais representaes, adquiridas

    culturalmente, constituem, durante a gestao, uma imagem idealizada sobre o que ser me

    e o que ter um filho e, aps o parto, passam a fazer parte de uma realidade concreta (Souza

    & Ferreira, 2005).

    1.1. Factores que Influenciam a Gravidez e o Puerprio

    1.1.1. Factores Fisiolgicos (Obsttricos)

    A gestao um acontecimento fisiolgico normal que acarreta vrias modificaes no

    organismo materno, que comeam na primeira semana de gestao e continuam durante todo

    o perodo gestacional. Nele, o corpo da mulher constante e intensamente sensibilizado, o

    que traduz uma srie de desconfortos, expressa por muitos sinais e sintomas, que variam,

    dependendo da tolerncia de cada mulher, ao nvel do desconforto e da intensidade com que

    eles se manifestam (Costa et al., 2010; Oliveira, Frana, Freire & Oliveira, 2010).

    Estas modificaes sofridas no corpo feminino ocorrem em reaco ao feto e enorme

    alterao hormonal da gravidez, responsveis pelas adaptaes do organismo sua nova

    condio. Essas alteraes afectam praticamente todo o corpo, caracterizando, principalmente,

    alteraes dos sistemas cardiorrespiratrio, msculo-esqueltico e do metabolismo geral. As

    mudanas no se restringem aos rgos, atingindo tambm a mecnica do corpo feminino, tais

    como alteraes do centro de gravidade, da postura e do equilbrio (Costa & Assis, 2010).

    De todas essas modificaes resultam sinais e sintomas, de expresso e intensidade

    variveis, que, no seu conjunto, constituem as chamadas manifestaes somticas da gravidez.

    Estas manifestaes tm, tendencialmente, uma distribuio temporal prpria, sendo que o

    quadro sintomtico associado gestao apresenta aspectos caractersticos de cada trimestre,

    que se descreve de seguida:

    Primeiro trimestre - o cansao fcil, a fadiga, o sono intenso e habitualmente sintomas,

    como enjoos e vmitos dando conta da ambivalncia entre o desejo e o receio em relao

    gravidez (Brito, 2009).

    Segundo trimestre o aumento do volume sanguneo e do leito vascular pode provocar

    cefaleias e lipotimias. Ao nvel do sistema digestivo, a diminuio habitual do peristaltismo,

    provocado essencialmente pela presso do tero sobre o recto, responsvel pelos problemas

    de obstipao. A fadiga e o cansao fcil mantm-se e a grvida tem necessidades de repouso

    e de sono significativamente superiores. As cibras, que se tornam tambm frequentes, podem

  • 6

    ser originadas pela diminuio do clcio circulante, mobilizado para o crescimento do feto

    (Portelinha, 2003).

    Terceiro trimestre - o crescimento do tero , nesta fase, o factor que justifica a maioria dos

    desconfortos. No final da gestao, o corpo uterino aproxima-se do apndice xifide,

    comprimindo o estmago (provocando o enfartamento), o diafragma (causando dificuldade

    respiratria), a bexiga e o clon (agravando a obstipao). As contraces uterinas

    preparatrias para as do trabalho de parto vo-se tornando frequentes (Assumpo, 2008).

    Um outro factor que poder ocorrer na gestao est associado a ajustes fisiolgicos e

    anatmicos que acarretam acentuadas mudanas no organismo materno, inmeras alteraes

    hormonais, com o aumento da produo de estrognio e progesterona, que so produzidas no

    corpo lteo e, mais tarde, na placenta. Cada hormona desempenha uma funo especfica.

    Enquanto o estrognio tem efeitos mais profundos no corpo da mulher, pois estimula o

    desenvolvimento uterino para acolher o feto, a progesterona mantm o endomtrio e impede

    as contraces uterinas, evitado assim um parto prematuro ou um aborto (Lederman, 1984).

    Um ltimo factor a mencionar relativamente a estas alteraes, refere-se ao volume

    plasmtico que se eleva progressivamente a partir da sexta semana de gestao, aumentando

    cerca de 50% durante todo o perodo gestacional. Este aumento necessrio para proteger

    me e feto dos efeitos deletrios da queda do dbito cardaco quando a mulher est na posio

    supina (corpo deitado com a face voltada para cima), que mais acentuado no ltimo

    trimestre; e principalmente, para resguardar a me dos efeitos adversos das perdas sanguneas

    associadas ao parto e puerprio (Rombaldi et al., 2008; Souza, Filho & Ferreira, 2002).

    O puerprio definido como o perodo de seis a oito semanas aps o parto, espao de

    tempo em que ocorre uma regresso das mudanas anatmicas e fisiolgicas inerentes

    gravidez, sendo que essas alteraes acontecem ao nvel de vrios rgos e sistemas do corpo

    da mulher (Santiago, 2009). No puerprio, a mulher passa por intensas modificaes de

    adaptao psico-orgnicas, no qual ocorre o processo de involuo dos rgos reprodutivos

    situao pr-gravdica, o estabelecimento da lactao e ocorrncia de intensas alteraes

    emocionais (Strapasson & Nedel, 2010).

    O ps-parto pode ser caracterizado por sentimentos ambivalentes, tais como: euforia e

    alvio; aumento da autoconfiana associado experincia do parto e ao nascimento do filho

    saudvel; desconforto fsico inerente ao tipo de parto; medo de no conseguir amamentar

    ansiedade quando o leite demora a aparecer; medo de no ser capaz de cuidar e responder s

    necessidades do beb e no ser uma boa me (Strapasson & Nedel, 2010).

  • 7

    1.1.2. Factores Psicolgicos

    Quando uma criana concebida, pode existir na me e no pai uma organizao de

    fantasias ou de expectativas ligadas concepo e ao desenvolvimento da criana.

    Expectativas relacionadas com as preocupaes como a gravidez, a escolha de nomes, a

    preferncia do sexo, as expectativas sobre futuras caractersticas fsicas, perspectivas de

    profisso e evoluo social, entre outras. Isto ocorre tanto na gravidez planeada, como na

    acidental (Rappaport, Fiori & Herzberg, 1981).

    Estes pontos indicam que, se do ponto de vista biolgico, a gravidez comea com a

    concepo, do ponto de vista psicolgico h uma histria do pai e da me, dentro da qual j

    esto reservados padres de relacionamento a serem estabelecidos com a vinda da criana

    (Rappaport et al., 1981). O risco psicolgico apela ao plano das vivncias da gravidez em

    termos internos (desejos, fantasias, integrao em projecto de maternidade) (Leal, 2005b) e

    nelas esto includas as sensaes e percepes vividas pela mulher (Colman & Colman,

    1994). Em relao parte emocional a ambivalncia afectiva, medo, tenso e ansiedade so

    alguns dos sentimentos caractersticos ao longo da gravidez (Barros, 2004).

    Desta forma, para a mulher, a maternidade consiste numa experincia significativa e

    com um elevado valor afectivo. Sentir-se confiante e segura no seu papel e poder realiz-lo

    com sentimentos de prazer e sucesso, ajuda na sua prpria auto-estima e bem-estar emocional.

    Trata-se, porm, de uma tarefa complexa do ponto de vista psicolgico, carregada de conflitos

    e angstias, que convivem com as alegrias e gratificaes associadas maternidade (Felice,

    2006).

    Ao assumir esse papel, a mulher defronta-se com uma complexidade de sentimentos,

    tendo de lidar com emoes variadas no longo percurso pela maternidade. No entanto, reunir

    emoes to diversas dentro de si de forma saudvel nem sempre uma tarefa psiquicamente

    fcil e tranquila para a mulher, podendo resultar em mudanas emocionais e de ajustamento

    interpessoal para a me (Felice, 2006). Kumar, Robson e Smith (1984) defendem que a

    anlise da auto-imagem e estado psicolgico da mulher durante a gravidez poder fornecer

    dados sobre a natureza e gravidade de problemas fsicos e psiquitricos no ps-parto.

    Neste contexto, pais e mes parecem apresentar diferentes trajectrias na adaptao

    parentalidade. A mulher experimenta maior perturbao com os seus novos papis,

    nomeadamente pelas mudanas que ocorrem a vrios nveis, como no sono, tempos livres,

    relacionamento sexual, tempo com os amigos e, sobretudo, com o companheiro, que so

    geralmente mudanas mais intensas do que nos homens (Ramos & Canavarro, 2007).

    Devido s diferentes reorganizaes que ocorrem na vida de pais e mes, os estudos

    realizados tm sugerido que os pais relatam menores nveis de stress do que as mes (Levy-

  • 8

    Shiff, 1999). Tambm Miller e Sollie (1980) verificaram que o nascimento de um filho est

    associado a um aumento do stress para os progenitores, salientando porm que esse stress

    sempre superior para as mes do que para os pais.

    Segundo consideraes de Felice (2000), a identificao com a figura materna e a plena

    aceitao do papel materno, podem entrar em conflito com aspectos narcsicos da mulher,

    desde logo, as mudanas corporais devidas gravidez, parto e amamentao, podem entrar

    em conflito com o desejo da mulher em preservar o corpo como objecto de atraco,

    desencadeando preocupaes como: alterao do esquema corporal, receio de no conseguir

    recuperar a antiga forma, ou que possa ficar modificada como pessoa, num sentido mais

    profundo. Esta alterao na imagem corporal, assume parte integrante de uma alterao global

    e contnua do funcionamento orgnico da mulher (Barros, 2004).

    As modificaes atrs mencionadas verificam-se durante a gestao, devido ao

    crescimento e desenvolvimento do tero, que provocam mudanas na forma e no tamanho,

    ocasionando alteraes na esttica da mulher. A alterao do peso adquirido ao longo da

    gestao depender dos tecidos afectados a cada trimestre. Assim, no primeiro e segundo

    trimestre o volume sanguneo e abdominal so predominantes, ao passo que, a partir do

    terceiro trimestre, o feto e o volume do lquido amnitico prevalecem. Um outro ponto a

    considerar so as alteraes fisiolgicas, como reteno de gua nos ligamentos e articulaes

    que podem ter alguma importncia na alterao da postura (Gazaneo & Oliveira, 1998).

    1.1.2.1. Adaptao Maternidade

    Para Canavarro (2006), o projecto adaptativo da maternidade, tem incio com a

    gravidez. Do ponto de vista psicolgico, permite a preparao para ser me, atravs do ensaio

    cognitivo de papis e tarefas maternas, ligar-se afectivamente criana, iniciar o processo de

    reestruturao de relaes para incluir o novo elemento, incorporar a existncia do filho na

    sua identidade e, simultaneamente, aprender a aceit-lo como pessoa nica, com vida prpria.

    Os nove meses do perodo de gestao favorecem a construo do projecto de

    maternidade e a sua consolidao, de forma progressiva. O primeiro passo para a adaptao

    ao papel de me aceitar a ideia da gravidez e assimilar este estado no estilo de vida da

    mulher. O grau de aceitao reflecte-se na preparao da mulher para a gravidez e nas suas

    respostas emocionais (Lederman, 1984).

    Para Justo, Bacelar-Nicolau e Dias (1999), o desenvolvimento psicolgico ao longo da

    gravidez pode ser conceptualizado atravs de uma sequncia de trs fases, em que cada uma

    traz consigo tarefas psicolgicas a concretizar, e que so irreversveis. Estas fases

  • 9

    correspondem, de modo aproximado, aos trs trimestres de gestao e dizem respeito tanto s

    alteraes de comportamento, como s alteraes psicossomticas prprias da gravidez.

    Durante a primeira fase - integrao - a mulher deve aceitar que est grvida,

    ultrapassando a ambivalncia entre o desejo e o receio da gravidez. Tende a regressar

    mentalmente infncia e a reorganizar a relao com a sua prpria me. Na fase seguinte -

    diferenciao - comea a sentir os primeiros movimentos do feto e a senti-lo como um ser

    autnomo. Neste momento, a relao que tende a ser reequacionada com o companheiro,

    procurando avaliar as suas caractersticas como futuro pai. Finalmente, na fase de separao, a

    mulher antecipa o parto, o processo pelo qual se desligar da gravidez e comea a reflectir

    sobre a relao que ir criar com a criana, que j estabelece com ela alguma comunicao

    (Campos, 2000; Justo, Bacelar-Nicolau & Dias, 1999).

    Embora estabelecendo que a relao entre tempo cronolgico e tarefa desenvolvimental

    no linear, Canavarro (2001) apresenta um esquema ilustrativo (quadro 1) das tarefas de

    desenvolvimento que caracterizam cada fase da gravidez e maternidade:

    Quadro 1

    Tarefas desenvolvimentais da gravidez e puerprio (adaptado de Canavarro, 2001)

    Tarefas de Desenvolvimento

    Gravidez

    1 Trimestre Tarefa 1: aceitar a gravidez

    Reavaliar e reestruturar:

    Tarefa 3: a relao com os pais

    Tarefa 4: a relao com o cnjuge/companheiro

    Tarefa 6: a sua prpria identidade

    Tarefa 7: a relao com o(s) outro(s) filho(s)

    2 Trimestre Tarefa 2: aceitar a realidade do feto

    3 Trimestre

    Tarefa 5: aceitar o beb como pessoa

    separada

    Puerprio

    (aproximadamente 6 semanas aps o

    parto)

    Descrevendo, sucintamente, este processo de evoluo e de complementaridade, desde a

    gravidez at ao puerprio, os primeiros trs meses de gestao so caracterizados por uma

    atitude ambivalente da mulher, entre o desejo e o receio da gravidez. Neste sentido, a primeira

    tarefa consiste em aceitar a gravidez, visto que, independentemente do desejo de engravidar,

    o reconhecimento de que a concepo aconteceu gera na mulher sentimentos de ambivalncia

  • 10

    em relao viabilidade da prpria gravidez, aceitao do feto, em relao s mudanas

    associadas ao seu novo estado e, ainda, prpria maternidade (Brazelton & Cramer, 2001;

    Canavarro, 2001).

    Nestes primeiros meses, tambm tem incio o processo de identificao materna, em que

    a grvida procura referncias nos modelos maternos mais prximos, no sentido de se preparar

    a si prpria e famlia, para a chegada do beb. Inscreve-se, deste modo, o processo de

    aceitao e integrao da gravidez, essencial para a progresso psicolgica da mulher

    (Brazelton & Cramer, 2001; Canavarro, 2001).

    A tarefa seguinte, que acontece no segundo trimestre da gravidez, consiste na

    diferenciao me-feto, que se traduz na aceitao da realidade do feto como um ser distinto

    da prpria mulher. A aquisio desta representao cognitiva fundamental para a ligao

    materno-fetal, a preparao para o nascimento e a separao da me e do beb, no momento

    do parto. Outro componente significativo deste processo psquico da mulher grvida, durante

    o decorrente trimestre, diz respeito reavaliao do relacionamento que teve com os seus

    pais e, em particular, com a me durante a sua infncia e adolescncia. Estes aspectos

    caracterizam a terceira tarefa desenvolvimental da gravidez (Canavarro, 2001).

    Com o decorrer da gravidez, j no incio do terceiro trimestre, o casal prepara-se para

    integrar o novo elemento na sua relao, factor este que desencadeia a quarta tarefa do

    processo de gravidez, direccionada para a reavaliao e reestruturao (da relao com o

    cnjuge/companheiro) dos papis e funes anteriormente realizadas pelo casal, com a

    necessidade de integrao de novas responsabilidades, relacionadas com o cuidar e educar o

    filho. Torna-se importante que cada elemento do casal seja sensvel s necessidades do outro,

    promovendo um bom suporte emocional (Canavarro, 2001).

    O ltimo trimestre da gravidez considerado como o perodo de separao entre a me

    e o beb, que culmina com o parto, permitindo a aceitao do beb como pessoa separada,

    caracterizando a quinta tarefa desenvolvimental. Esta assume por um lado, ansiedade face ao

    desconhecido, para as primparas (mes pela primeira vez) e para as multparas (mulheres que

    j tm filhos), como um momento fisicamente penoso. Mas por outro, surgem novamente

    sentimentos de ambivalncia marcados pela vontade de ver o filho, terminar o perodo da

    gravidez e, em simultneo, coexiste o desejo de a prolongar, para adiar o momento do parto e

    as novas exigncias que o nascimento do beb acarreta (Canavarro, 2001; Mota, 2011).

    Aps o parto, torna-se essencial integrar a nova identidade materna. H uma

    necessidade de reavaliar as perdas e os ganhos que a maternidade introduziu e aceitar as

    mudanas envolvidas neste novo estdio, distinguindo-se num contexto de puerprio, a sexta

    tarefa desenvolvimental (Canavarro, 2001), que envolve a reavaliao e estruturao da sua

  • 11

    prpria identidade, dizendo respeito interiorizao e adaptao do homem e da mulher a

    uma nova realidade a de serem pais a tempo inteiro e para toda a vida. A interaco com a

    criana, o regresso ao trabalho e a relao entre o casal so factores que iro influenciar esta

    adaptao parentalidade (Oliveira, 2008).

    Cabe ainda referir que, no caso das mulheres multparas, surge a necessidade de

    reavaliar e restruturar a relao com o(s) outros filho(s), sendo esta a stima tarefa.

    Canavarro (2001) evidencia, a partir da reviso da literatura efectuada, que mulheres grvidas

    do segundo filho, mostram como preocupaes bsicas a capacidade para cuidar de duas

    crianas ao mesmo tempo, como reagir perante o comportamento do primeiro filho, com a

    chegada do irmo e a capacidade para amar os dois filhos de igual modo.

    Diante de todas estas mudanas e vivncias psquicas, a experincia da gestao leva a

    uma exacerbao da sensibilidade da mulher, o que a torna tambm susceptvel a vrios

    distrbios emocionais. Assim, a gravidez tanto pode desencadear uma crise emocional, como

    inaugurar um potencial de adaptao e resoluo de conflitos at ento desconhecido. A

    maneira como a mulher lida com todas estas mudanas durante o perodo gestacional e na

    maternidade ir manifestar-se em novas competncias psicolgicas e sociais, que podero

    influenciar a relao futura com a criana (Piccinini, Gomes, Nardi & Lopes, 2008).

    1.1.3. Factores Sociolgicos

    A maternidade desenvolve-se habitualmente no contexto das famlias e do seu

    enquadramento social e cultural. Portanto, a atitude da mulher face gravidez e a importncia

    que lhe atribuda dependem desse mesmo enquadramento (Nascimento, 2003).

    O nascimento do projecto de beb precede a sua prpria concepo. Nele, os pais

    alimentam motivaes conscientes e inconscientes como a eternidade do seu amor, o

    perpetuar da espcie, a longevidade da famlia, a veiculao de normas culturais e familiares,

    a histria individual e intergeracional (Leal, 2005).

    De acordo com Minuchin (1982), quando nasce o primeiro filho, um novo nvel de

    formao familiar atingido, e o subsistema conjugal deve-se diferenciar, para desempenhar

    as tarefas de cuidado e educao da criana, sem perder o apoio mtuo.

    A famlia afigura-se como o primeiro grupo onde a criana vive e vai estruturar a sua

    personalidade. a primeira instituio social que vai assegurar proteco, carinho, amor e

    responder de forma adequada s suas necessidades fundamentais, como a alimentao, o

    afecto, a proteco e a socializao. um sistema que evolui e muda no espao e no tempo.

  • 12

    No um sistema fechado, mas um sistema que possui fronteiras mais ou menos permeveis e

    em interaco com outros sistemas familiares (Leal, 2005b).

    No quadro da famlia mais alargada, a gravidez e a maternidade implicam a alterao,

    redefinio e reorganizao de tarefas, papis, estrutura e dinmica relacional. Tal pode

    envolver um movimento de reaproximao com a famlia de origem, que facilita a reviso da

    relao da grvida com os pais, tanto no presente, como no passado (Pacheco, Costa &

    Figueiredo, 2009).

    Relvas e Loureno (2001) referem que o bem-estar da grvida influenciado pela

    qualidade dos seus relacionamentos com os elementos femininos da sua rede relacional, em

    particular com a prpria me. Mostram igualmente que o suporte da famlia deve ser breve e

    transitrio, para que pais e avs assumam os seus reais papis na prestao de cuidados

    criana. Para ultrapassar com sucesso esta tarefa desenvolvimental da maternidade, a grvida

    deve renegociar com os pais o nvel de apoio e de autonomia de que necessita, j que um

    excesso de apoio pode prejudicar a estabilidade fsica e emocional da mulher com o filho

    recm-nascido.

    Estas mudanas que ocorrem a nvel familiar so considerveis. A estrutura da nova

    famlia complexifica-se e o beb constitui um novo elemento completamente dependente dos

    pais. Alis, j antes do nascimento e entrada efectiva para o sistema familiar, o beb constri

    o seu espao atravs do imaginrio e fantasias dos pais, sendo que a transio para a

    parentalidade esperada e normativa implica considerveis mudanas no sistema familiar e nas

    suas relaes com o mundo exterior (Silva & Figueiredo, 2005).

    Perante todo este quadro, podemos depreender que a carga fsica da gravidez, assim

    como os necessrios ajustes emocionais, podem causar ansiedade, depresso e stress que, por

    sua vez, podem originar uma resposta psicolgica positiva ou negativa, dependendo das

    alteraes do corpo, da segurana emocional, das expectativas de apoio das pessoas prximas,

    da gravidez ser desejada e da situao financeira (Portelinha, 2003).

  • 13

    Em suma,

    Conclui-se este captulo com a ideia de que a gravidez constitui um desafio adaptao

    da mulher enquanto pessoa, quer do ponto de vista fsico e/ou psicossocial. Por um lado, no

    seu espao intrapessoal, no qual se projectam as suas ansiedades e expectativas e, por outro,

    no interpessoal, onde se definem novas representaes sociais, expectativas e atitudes.

    Assume-se, assim, um momento que se apresenta como uma crise evolutiva e de extrema

    vulnerabilidade (Mota, 2011).

    Segundo Figueiredo (2001), a transio para a parentalidade pautada pela mudana a

    diversos nveis, exigindo futura me um ajustamento a uma variedade de transformaes

    que ocorrem tanto no seu prprio corpo, como nas expectativas relativas aos novos papis que

    se geram com a gravidez e em torno do beb, as quais implicaro uma obrigatria

    reestruturao na rede de relaes conjugais, familiares e sociais. Levar a bom termo todas

    estas tarefas, depender de uma variedade de factores, que se podem agrupar em aspectos

    relativos ao indivduo, ao beb e ao meio (familiar, social e cultural).

  • 14

    Captulo 2 Vinculao Materna

    Vinculao enquanto esboo da

    futura relao me-filho

    (Isabel Mendes, 2002, p.49).

    A base primordial deste captulo assenta na importncia da ateno a dar sade mental

    da mulher e a sua relao com o desenvolvimento do vnculo me-filho. Este vnculo afectivo,

    entendido como a formao de um compromisso emocional que leva a me a procurar

    satisfazer as necessidades do filho, desde alimentao e higiene ao carinho e conforto

    (Maola, Vale & Carmona, 2010).

    Segundo Burroughs (1995), o vnculo materno assume-se como um processo crescente

    que tem incio antes da concepo, fortalecido por acontecimentos significativos durante a

    gravidez e amadurece atravs do contacto me-filho durante o perodo neonatal. Por isso, se

    torna essencial abordar ao longo deste captulo a interaco entre me-filho ao longo da

    gravidez e durante o puerprio, abordando no s o seu conceito, segundo diversos autores,

    mas tambm enquadrando a vinculao materna reflectindo sobre os factores que a

    influenciam e os benefcios que dela advenham.

    Como ponto de partida, descreve-se a vinculao segundo a perspectiva de Bowlby.

    Bowlby (1988) descreve uma pulso de vinculao primria, sem qualquer relao com a

    alimentao ou a lbido e que se poder dividir em trs fases: a) pr-histria da vinculao,

    onde o casal vai elaborar o desejo de criana; b) desenvolver da vinculao, atravs da forma

    como os pais se adaptam s diferentes fases da gravidez; c) a vinculao, que vai permitir a

    tricotagem relacional, atravs de uma adaptao mtua com o beb a responder s fantasias

    parentais.

    2.1. Construo da Vinculao

    Cada vez mais a investigao vem mostrando interesse em compreender os processos

    atravs dos quais as pessoas estruturam, desenvolvem e mantm laos afectivos ao longo do

    ciclo vital. Nessa perspectiva, encontra-se a teoria do apego, igualmente nomeada como teoria

    da vinculao, que assume uma concepo terica do desenvolvimento scio-emocional, que

    considera a existncia de uma necessidade humana inata para formar laos afectivos ntimos

    com pessoas significativas (Schmidt & Argimon, 2009).

  • 15

    Essa propenso, no entanto, j estaria presente no neonato em forma embrionria e

    continuaria na infncia, vida adulta e velhice. No perodo da infncia, os vnculos so

    estabelecidos com os pais ou substitutos na procura de conforto, carinho e proteco. Na

    adolescncia e vida adulta, esses laos persistem, sendo complementados por novos vnculos

    (Borsa, 2007; Schmidt & Argimon, 2009).

    Perodo Pr-natal

    Na transio para a parentalidade, o casal depara-se com vrias tarefas a realizar, que

    condicionam a sua adaptao, sendo a ligao ao feto uma delas, isto porque, desde o incio

    da gravidez, se desencadeia a ligao dos pais ao filho em gestao, ou vinculao pr-natal

    (Samorinha, Figueiredo & Cruz, 2009).

    Assumir a ideia de que a vinculao parental comea durante a gravidez no recente.

    A investigao neste domnio tem demonstrado que a vinculao dos pais com o filho antes

    de nascer, permite aos progenitores a interiorizao precoce do feto, atravs de imagens,

    expectativas, preocupaes, diversas esperas e antecipaes que dizem respeito criana que

    vai nascer, incorporando-a no seio familiar, criando assim um modelo relacional que servir

    como um importante precursor da relao da trade pai-me-beb aps o nascimento (Galvo,

    et al., 2009; Mazet & Stoleru, 2003; Piccinini, Levandowski, Gomes, Lindenmeyer & Lopes,

    2009; Righetti, Dell'Avanzo, Grigio & Nicolini, 2005).

    nesta linha que Klaus, Kennell e Klaus (2000) verificaram que, o planeamento da

    gravidez, aceitao da gravidez, consciencializao dos movimentos do feto, percepo do

    feto como uma pessoa separada, vivncia do trabalho de parto, nascimento, ver o beb, toc-

    lo, cuidar dele e aceitar o beb como uma pessoa individual na famlia, constituem factos

    importantes para a formao do vnculo.

    Esta ideia igualmente partilhada por John Condon (1993), que no deixa de mencionar

    que, ao longo do perodo gestacional, os progenitores adquirem habitualmente uma

    representao interna, crescentemente elaborada do feto. Esta composta por uma mistura de

    fantasia e realidade, em que o feto assume um papel de projeco e segundo o qual se

    desenvolve o vnculo emocional.

    Condon (1993), a partir da sua investigao, identificou duas dimenses distintas da

    vinculao emocional pr-natal: a qualidade da experincia afectiva com o feto e a quantidade

    ou intensidade da vinculao. A primeira refere-se s experincias de proximidade/distncia,

    ternura/irritao, sentimentos positivos/negativos, possuir uma imagem mental clara/vaga do

  • 16

    beb, concepo do feto como uma pessoa/coisa e reconhecimento de que o feto depende da

    me para o seu bem-estar. A segunda dimenso vai ao encontro da quantidade de tempo

    despendido pela me a interagir com o feto ou a pensar nele (Pollock & Percy, 1999; Righetti,

    Dell'Avanzo, Grigio & Nicolini, 2005).

    Desta forma, descreve que, dos indicadores da presena e intensidade da vinculao

    progenitor-beb, fazem parte: o desejo de ter conhecimento sobre o feto, o prazer na

    interaco com o feto, o desejo de proteg-lo e ir ao encontro das suas necessidades. Estas

    caractersticas fazem parte de um todo relacional, a partir da experincia emocional e da

    manifestao comportamental do progenitor face ao feto (Condon, 1993).

    Seguindo este pensamento, para Bayle (2006) e S (2004), a vinculao pr-natal um

    processo contnuo que poder influenciar o bem-estar psicolgico e que se poder repartir por

    vrios perodos sensveis, como: o anncio da gravidez, a primeira ecografia obsttrica, a

    audio dos rudos cardacos fetais e da constatao dos primeiros movimentos fetais.

    Para Marnie (1989), a vinculao pr-natal impe que os progenitores reconheam as

    capacidades que o beb adquire medida que se desenvolve, sendo que esta aproximao, que

    ocorre gradualmente, deve ter em considerao os sons, os sabores, as sensaes e os

    movimentos que o beb experimenta antes do nascimento, desencadeando assim um

    relacionamento para toda a vida. A autora menciona, ainda, que a relao me-filho uma

    relao biolgica, mas tambm condensada com repercusses emocionais, com ritmos

    prprios, onde podem surgir medos, angstias e sonhos.

    Leifer (1977), a partir do seu estudo, descreveu o envolvimento que as mes tm com o

    feto e identificou diversos comportamentos de vinculao como: comunicar com o feto,

    atribuir-lhe um nome, posicionar-se de forma a que ela ou o companheiro possam observar os

    movimentos fetais, ou estimular o companheiro a conversar com o feto.

    S (2004) considera que a vinculao nos seres humanos ocorre ao longo de todo o seu

    desenvolvimento, distinguido trs etapas: vinculao pr-natal (durante a gravidez),

    vinculao perinatal (parto e ps-parto precoce) e vinculao ps-natal. A primeira,

    particularmente importante durante a gestao, ser o resultado do que Lebovici (1987)

    designou de representaes do beb fantasmtico e imaginrio. O beb fantasmtico, fruto das

    fantasias infantis de identificao aos seus prprios pais e o beb imaginrio, que expressa a

    imaginao dos pais, a partir dos seus desejos.

    Para S (2004), a vinculao perinatal influenciada pelo trabalho de parto e o

    confronto com o beb real, que podem ver, tocar e ouvir. Quanto mais gratificante e menos

    traumtico o parto, mais facilita a ligao me-beb. A vinculao ps-natal estabelece-se

  • 17

    durante o puerprio e relaciona-se com a capacidade da me suprir as necessidades do seu

    filho e do feedback deste ser gratificante para ela.

    O processo de vinculao pr-natal responsabilidade dos pais e da capacidade que tm

    para se relacionar com um ser ainda no nascido, mas j presente. Para Brazelton (1994),

    existe uma interaco entre me-beb ao longo da gravidez, com adaptaes mtuas aos

    estmulos produzidos por cada um, em que os ritmos da me e do feto vo sendo

    entrelaados juntos numa sincronia em que cada um vai conhecendo o outro (p. 78).

    De acordo com um estudo realizado por Piccinini, Gomes, Moreira e Lopes (2004), a

    relao me-beb comea no perodo pr-natal, altura em que os pais j constroem a noo de

    individualidade do beb, reconhecendo alguns de seus comportamentos e caractersticas

    temperamentais. Assim, os autores sugerem que conhecer o beb antes do nascimento, estar

    com ele, pensar sobre ele, imaginar as suas caractersticas, traz implicaes para a construo

    da representao do beb, da maternidade e para a posterior relao me-beb.

    Perodo Ps-natal

    Nos primrdios do estudo da relao da me com o filho, julgava-se que a criana se

    ligava me por motivos bsicos, impulsos primrios, tal como a fome e sede. E foi nesta

    linha que Sigmund Freud se baseou, afirmando que a relao da criana com a me passa

    primeiro pela satisfao de necessidades fisiolgicas. No entanto, posteriormente, constatou-

    se que este era um mecanismo inadequado para explicar a persistncia dos laos materno-

    infantis (Faria, 2009).

    Winnicott (2002) defende que as mes se preparam para a sua tarefa bastante

    especializada durante os ltimos meses de gravidez, voltando ao seu estado normal nas

    semanas e meses que se seguem ao processo de nascimento. Assim, a partir do conceito de

    preocupao materna primria, as mes tornam-se capazes de se colocar no lugar do beb,

    isto significa que, desenvolvem uma capacidade surpreendente de identificao com o beb, o

    que lhes permite ir ao encontro das necessidades bsicas do recm-nascido.

    Harlow (1958) foi quem, pela primeira vez, comprovou, atravs da descrio de

    experincias realizadas com macacos, que, na ligao entre a me e o beb, a satisfao das

    necessidades de alimento no detm um papel primordial. As suas experincias laboratoriais

    com macacos Rhesus consistiram na criao de duas mes artificiais: uma era feita apenas

    com armao de arame enquanto a outra, era idntico mas envolvido num manto de tecido de

    esponja. Esse estudo permitiu observar que os macacos bebs preferiam nitidamente as

    mes mais confortveis, independentemente da condio nutriente. Estes dados tornaram

  • 18

    claro que o conforto transmitido pelo contacto essencial ao estabelecimento de respostas

    afectivas. Na sequncia dos seus estudos, demonstrou-se que a me revestida com tecido de

    esponja constitui uma fonte de conforto e segurana, a partir da qual o beb Rhsus pode

    explorar o seu meio (Huffman, Vernoy & Vernoy, 2003).

    Contudo, com John Bowlby (1982) que nasce o conceito de vinculao, no qual

    afirmava que a presso evolutiva favoreceu comportamentos capazes de despertar os cuidados

    de um adulto, como o abrao, a suco, o choro e o sorriso, ou seja, durante o curso da

    evoluo humana, esses comportamentos tornaram-se parte da herana biolgica do beb

    humano, e as reaces que evocam nos adultos criaram um sistema interactivo que leva

    formao do vnculo.

    Na maior parte dos casos, esta figura de vinculao reconhece e responde s expresses

    emocionais (e.g. chorar, sorrir) e comportamentais (e.g. seguir, trepar) da criana,

    assegurando a sua sobrevivncia (e.g. respondendo s suas necessidades bsicas de

    alimentao, segurana, afecto) e defendendo-a de possveis ameaas, numa relao bastante

    assimtrica (Figueiredo, Costa, Marques, Pacheco & Pais, 2005).

    Por comportamento de vinculao, Bowlby (1990) entende todo o comportamento do

    recm-nascido que tem como consequncia e como funo criar e manter a proximidade ou

    contacto com a me, ou a pessoa que a substitua, sendo estas consideradas de manifestaes

    inatas, que se encontram presentes na altura do nascimento.

    A partir das interaces repetidas com a figura de vinculao, a criana vai

    desenvolvendo conhecimentos e expectativas sobre o modo como essa figura responde e

    acessvel aos seus pedidos de proximidade e proteco. Esta informao progressivamente

    organizada em modelos internos dinmicos, que so representaes generalizadas do self, das

    figuras de vinculao e das relaes (Soares, 2001).

    A aproximao assim criada proporciona um comportamento social e constitui, alm

    disso, uma recompensa, que permite ao beb identificar de maneira selectiva a me. Assim, a

    reaco de medo ou ansiedade crescentes podero surgir perante indivduos estranhos. Isto

    advm de uma dupla maturao (Montagner, 1900): o aumento das capacidades perceptivas

    do beb, o que lhe permite distinguir o carcter novo ou estranho de um objecto ou pessoa; e o

    aumento do medo, com a idade, em relao a pessoas estranhas.

    Perante este cenrio, para Bowlby, no decorrer dos primeiros dois anos, as vinculaes

    passam por grandes transformaes, reflectindo as habilidades perceptivas e cognitivas

    crescentes do beb, que podem ser observadas de forma resumida no quadro 2, que descreve

    como o carcter das vinculaes se desenvolvem medida que o comportamento se torna

    cada vez mais organizado, flexvel e intencional (Schaffer, 1996).

  • 19

    Quadro 2 Fases de desenvolvimento da vinculao (adaptado de Schaffer, 1996)

    Fases Idade (em meses) Principais caractersticas

    1. Pr-vinculao 0-2 Resposta social indiscriminada

    2. Vinculao em curso 2-7 Reconhecimento de familiares

    3. Vinculao bem definida

    7-24 Protesto pela separao; preocupao com

    estranhos; comunicao intencional

    4. Parceria de objectos mais de 24 Relaes mais ambguas. As crianas compreendem as necessidades dos pais

    Mary Ainsworth e seus colaboradores (1978), influenciados pela teoria de Bowlby, para

    avaliar a solidez da vinculao entre me e beb, desenvolveram uma situao experimental

    denominada de strange situation (situao nova, desconhecida ou estranha). Esta envolve uma

    srie de episdios, cada um com aproximadamente 3 minutos de durao, em que a me e o

    beb entram numa sala desconhecida, cheia de brinquedos interessantes. A me sai por alguns

    instantes e entra uma pessoa desconhecida; depois a me e o beb encontram-se de novo.

    Enquanto isso, o experimentador observa o beb, registando as suas reaces.

    Foi a partir dos seus estudos de observao de bebs em situaes naturais ou de

    laboratrio, que Ainsworth, pela primeira vez elaborou um esquema para a classificao dos

    estilos de vinculao, que dividiu em trs categorias: (a) criana segura (tipo B), quando

    exposta a uma pessoa desconhecida, a criana procura proximidade e contacto corporal com a

    me, usa-a como base segura a partir da qual faz exploraes. Desta forma, a criana

    evidencia nveis moderados de perturbao quando separada da me e mostra satisfao

    quando a me regressa; (b) criana evitante (tipo A), que se mostravam pouco perturbadas

    com a separao e, na reunio, ignoravam a me ou evitavam activamente o contacto com ela;

    (c) criana ansiosa/ambivalente (tipo C), que se mostravam muito ansiosas e dependentes

    da me durante todo o processo, entravam em desespero durante as separaes e, aquando das

    reunies, mostravam ou uma atitude passiva ou uma procura intensa de contacto, misturada

    com manifestaes de raiva e agressividade dirigidas me (Ainsworth, Blehar, Waters &

    Wall, 1978).

    Este estudo permitiu concluir que as crianas da categoria B tm uma me mais atenta e

    que responde de forma mais adaptada ao seu comportamento, do que as mes das crianas das

    categorias A e C. As diferenas observadas entre as crianas destas trs categorias, permitiram

    prever diferenas em diversos aspectos do seu desenvolvimento emocional e relacional

    (Ainsworth, Blehar, Waters & Wall, 1978). Contudo, independentemente das diferenas, estes

  • 20

    constituem-se como estratgias organizadas por parte da criana para lidar com o distress

    provocado pela situao activadora do sistema de vinculao (Vieira, 2008).

    Estas reaces esto associadas aos comportamentos da figura de vinculao na vida

    diria, particularmente sua acessibilidade e resposta aos sinais e solicitaes de proteco e

    conforto por parte da criana (Vieira, 2008).

    Tratando-se desta relao da dade e do sentimento materno em relao ao beb, Spitz

    (2000) apontou como inestimvel a importncia dos sentimentos da me em relao ao seu

    filho. Para este autor, quase todas as mulheres se tornam meigas, amorosas e dedicadas na

    maternidade, criando, na relao me-filho, o que se denomina Clima Emocional Favorvel,

    sob todos os aspectos favorvel ao desenvolvimento da criana. So sentimentos maternos

    que criam esse clima emocional, como o amor e afeio. O que torna essas experincias to

    importantes para a criana o facto de serem interligadas, enriquecidas e caracterizadas pelo

    afecto materno e a criana responde afectivamente a este sentimento.

    A partir da perspectiva das diversas teorias apresentadas, pode-se verificar que as

    teorias da vinculao sustentam que a qualidade das relaes interpessoais constituem

    importantes recursos na procura de conforto, apoio e segurana e admitem que os laos

    afectivos se mantm ao longo da vida, desde o nascimento, apesar dos mecanismos que

    activam e desactivam o comportamento de vinculao serem diferentes na criana, no

    adolescente e no adulto no desenvolvimento de laos afectivos (Apstolo, 2002).

    Desde logo, de esperar que a segurana dos primeiros laos estabelecidos tenha

    reflexos nas relaes interpessoais, que sero formadas e mantidas ao longo da vida. De facto,

    atravs das repetidas interaces, a criana constri crenas, expectativas e representaes

    sobre a disponibilidade e sensibilidade dos seus cuidadores, filtrando um conjunto de regras

    que regulam a percepo do mundo e as expectativas acerca do modo como os outros reagem

    s suas necessidades de vinculao (Machado, Fonseca & Queiroz, 2008).

    2.2. Factores que Influenciam a Vinculao

    A interaco precoce pais/beb, tal como o contacto da pele, o toque, o olfacto, o calor

    fsico e o estmulo verbal vo actuar na promoo do vnculo entre os progenitores e a

    criana, sendo que esta interaco precoce trar efeitos positivos na qualidade do

    relacionamento dos pais com o seu beb (Barros, 2010).

    Atravs da anlise do estudo realizado por Ferreira e Viera (2003) foi possvel observar

    que o grau desse vnculo influencia o comportamento de proximidade da dade e a satisfao

  • 21

    de necessidades biolgicas desta. Com isso, constata-se que, quanto mais essa ligao se vai

    tornando confivel, mais seguro se vai tornando o vnculo.

    A vivncia da gravidez e maternidade depende da interaco de diversos factores, entre

    eles a idade materna, a histria pessoal da grvida, antecedentes obsttricos e a existncia de

    suporte social (Colman & Colman, 1994).

    Perante estes factores, Mercer e Ferketich (1994) enfatizam que a idade materna e a

    experincia anterior no cuidar de crianas explicam uma varincia de 38% na competncia

    materna. Por seu lado, Andrade (1999) refere que o grupo etrio superior a 35 anos parece

    demonstrar sentimentos de maior competncia, autonomia, auto-confiana e individualidade

    do que as mes mais jovens. O mesmo autor refere, ainda, que estas mulheres parecem estar

    mais aptas para lidar com as caractersticas sociais atribudas ao papel de me, tais como a

    ateno e a disponibilidade afectiva para cuidar da criana.

    Relativamente idade materna, os resultados do estudo realizado por Belo (2006)

    tambm apontam para uma maior percepo materna das competncias, com o aumento da

    idade, nos cuidados aos seus recm-nascidos. Segundo Belo, foi igualmente possvel verificar

    que as mes com vinculao segura percepcionam maior competncia nos cuidados ao seu

    recm-nascido, assim como as que apresentam menor padro de vinculao evitante.

    No estudo realizado por Mendes (2002), em Portugal, a autora encontrou uma tendncia

    oposta anteriormente por ns constatada atravs da literatura consultada, que aponta para a

    diminuio da ligao materno-fetal das grvidas medida que a idade avana. As grvidas

    com menor grau de escolaridade apresentam nveis de ligao materno-fetal mais baixos,

    sendo o grau de nvel secundrio o que obteve a mdia mais elevada.

    A autora menciona ainda que, as dimenses relacionadas com a aceitao da gravidez,

    vinculao ao feto e identificao com o papel materno, diferem entre as primparas e as

    multparas, devido natureza das mudanas que ocorrem e porque estas ltimas j tm filhos

    (Mendes, 2002). Tambm num estudo realizado por Condon e Esuvaranathan (1990) se

    verificou que os casais que esperam o segundo filho tm tendncia a sentir mais ansiedade,

    devido a factores externos, como problemas econmicos e exigncias dos outros filhos e uma

    vinculao menor com o feto devido a uma diminuio do efeito de novidade na vivncia da

    relao materno-fetal na subsequente gravidez.

    Num estudo realizado por Cranley (1981), com 71 grvidas no terceiro trimestre,

    encontram-se associaes positivas entre os nveis de ligao materno-fetal e suporte social

    percepcionado pela mulher e entre os nveis de ligao materna e as percepes relativas ao

    beb trs dias aps o nascimento. Neste estudo, foi, ainda, encontrada uma associao

    negativa entre os nveis de ligao materno-fetal e o stress percepcionado pela mulher.

  • 22

    Mendes (2002), atravs da sua investigao constatou que a percepo dos movimentos

    fetais pela grvida um elemento determinante no processo de vinculao, reforando que a

    aceitao da gravidez e da existncia de outro elemento no ncleo familiar (ainda por nascer)

    so tarefas determinantes na vinculao materna ao feto, sendo essencial que a mulher, para

    ter uma atitude face gravidez e ao feto, tem que ter um conceito positivo de si mesmo.

    2.3. Estudos sobre Tempo Gestacional e Vinculao Materna

    Diversos estudos procuram investigar que influncia no estilo de vinculao materna

    poder existir ao longo do perodo gestacional, relativamente ao feto. Por exemplo,

    Mikulincer e Florian (1999), no seu estudo, verificaram que mulheres com padro de

    vinculao segura, estavam fortemente vinculadas ao feto no incio da gravidez; que mulheres

    com estilo de vinculao insegura, mostraram fraca vinculao com o feto no primeiro e no

    ltimo trimestre e forte no segundo; e, ainda, que mulheres com estilo de vinculao ansiosa-

    ambivalente, apresentaram um gradual desenvolvimento da vinculao durante a gravidez.

    Figueiredo, Pacheco, Costa e Magarinho (2006) avaliaram 130 grvidas no ltimo

    trimestre da gestao, com o objectivo de avaliar a sua qualidade da vinculao e das relaes

    significativas na gravidez. Os resultados evidenciam que um estilo inseguro pode ser preditor

    na sequncia de separao ou divrcio parental durante a infncia ou adolescncia e quando a

    grvida est desempregada. Mostram ainda que este estilo de vinculao evidencia, um pior

    relacionamento na gravidez, principalmente a presena de relaes discordantes com o

    companheiro e de relaes apticas com outras pessoas significativas.

    Para estas autoras, a vinculao ansiosa/ambivalente afecta a relao com o

    companheiro (em situaes de menos confiana e menos suporte emocional), mas no a

    relao com as outras pessoas significativas; enquanto a vinculao evitante afecta a relao

    com a outra pessoa significativa (perante menos actividades partilhadas e menos interaco

    positiva), mas no a relao com o companheiro. Concluem que condies adversas de

    existncia (anteriores e actuais) propiciam vinculao insegura e que o estilo de vinculao

    interfere na qualidade do relacionamento com o companheiro e com outras pessoas

    significativas, nomeadamente na capacidade da grvida recorrer a apoio.

    A vinculao materna tambm aumenta com o tempo gestacional, em particular depois

    das primeiras experincias de movimento fetal (Honjo et al., 2003; Righetti, Dell'Avanzo,

    Grigio & Nicolini, 2005). Um estudo de Siddiqui e Hagglof (2000), realizado com 100

    mulheres, permitiu verificar que o nvel de envolvimento pr-natal pode ser preditivo da

    qualidade de envolvimento aps o nascimento. Assim, as mes que mostraram maior afeio e

  • 23

    que fantasiaram mais com o beb durante a gravidez, evidenciaram maior envolvimento

    durante a interaco, especificamente ao estimularem as capacidades do recm-nascido, at

    aos 12 meses ps-parto.

    Outras variveis tm sido associadas ao desenvolvimento e qualidade da vinculao pr-

    natal. O estudo de Condon e Corkindale (1997), realizado com mulheres no terceiro trimestre,

    revelou uma forte associao entre os nveis de vinculao materna e trs factores - depresso,

    ansiedade e suporte social. Foi verificado que mulheres com menos vinculao materna

    apresentavam nveis maiores de sintomas depressivos e ansiedade e nveis menores de suporte

    social. Tambm no estudo de Hart e McMahon (2006), as mulheres com qualidade de

    vinculao ao feto mais baixa relatam nveis de ansiedade e depresso mais elevados.

    Schmidt e Argimon (2009) confirmam que h relao entre o padro de vinculao da

    gestante e o nvel de vinculao materno-fetal, enfatizando que as mulheres que apresentaram

    vinculao segura, evidenciaram uma vinculao materno-fetal elevada e sintomas

    depressivos e ansiosos mnimos. Verificaram, ainda, a existncia de uma associao

    significativa entre o estilo de vinculao da gestante e sintomas depressivos, pelo que, quando

    foi analisada a presena de sintomas depressivos moderados e comparada a diferena entre

    mulheres com diferentes tipos de vinculao, observou-se que as gestantes com vnculo

    evitante apresentaram frequncia maior de sintomas depressivos.

    Em suma,

    inegvel a importncia da formao do vnculo me-beb ao longo da gestao e ps-

    parto. A relao da me com o beb vai-se constituindo ao longo da gestao e influenciada

    pelas suas expectativas e pela interaco que estabelece j neste perodo. Esta primeira

    relao serve de base para a relao me-beb que se estabelecer depois do nascimento.

    O parto, por sua vez, representa um momento importante, permitindo o primeiro

    contacto entre a dade, fazendo a passagem do beb imaginrio para o beb real. Os trs

    primeiros meses ps-parto sero cruciais para a formao e consolidao do vnculo entre a

    dade e, por consequncia, para o desenvolvimento global da criana.

    Atendendo que a relao existente entre a vinculao materna e os cuidados prestados

    ao beb no linear, importante considerar dois factores mediadores que a investigao tem

    vindo a salientar: o suporte social e o bem-estar psicolgico da me. A investigao tem

    evidenciado que uma menor vinculao materna e/ou um estilo de vinculo evitante se

    encontra associado a maiores nveis de sintomas depressivos, de ansiedade e de stress,

    indicadores que sero abordados em prximos captulos.

  • 24

    Captulo 3 Indicadores Psicopatolgicos

    Nalgumas mulheres a transio para a maternidade acompanhada

    de perturbao psicopatolgica () em que exibem pensamentos,

    comportamentos e emocionalidade" instveis

    (Figueiredo, 2000, p.360).

    Ao longo do perodo gestacional, como j referenciado em captulos anteriores, ocorrem

    mudanas fisiolgicas, psicolgicas e sociais, que poder resultar num aumento de

    sintomatologias ou at o desenvolvimento de perturbaes psicolgicas. Segundo Leal (2006),

    durante as ltimas dcadas, o efeito das condies psicolgicas da me durante a gravidez

    sobre o desenvolvimento e comportamento fetal foi investigado, tendo-se verificado que,

    entre outras situaes, na mulher destacam-se a depresso, a ansiedade e o stress, pelo que

    ser abordada a presena destes indicadores psicopatolgicos na gravidez e puerprio.

    O risco psicopatolgico associado maternidade tem sido descrito e verificado por

    muitos autores em diversos trabalhos, observando-se que os nveis elevados de ansiedade na

    gravidez se associam ao stress parental durante as primeiras semanas do ps-parto, assim

    como a ansiedade na gravidez parece relacionar-se com o surgimento de depresso ps-parto

    (Pacheco, Figueiredo, Costa & Pais, 2005).

    A literatura cientfica indica que o perodo gravdico-puerperal a fase de maior

    prevalncia de perturbaes mentais na mulher, principalmente no primeiro e no terceiro

    trimestre de gestao e nos primeiros 30 dias de puerprio. A intensidade das alteraes

    psquicas depender de factores orgnicos, familiares, conjugais, sociais e da personalidade da

    gestante (Pereira & Lovisi, 2008). Para Pereira (2007), alguns dos factores de risco que

    podem estar associados etiologia da psicopatologia da gravidez e maternidade, so

    problemas psiquitricos antecedentes; baixo apoio emocional durante a gravidez; falta de

    suporte social; baixo nvel educacional; baixo nvel scio-econmico e falta de planeamento

    familiar.

    3.1. Ansiedade

    3.1.1. Definio e Sintomatologia

    A ansiedade caracteriza-se por preocupaes irrealistas/excessivas sobre circunstncias

    da vida e por uma srie de sintomas fsicos que persistem durante algumas semanas e esto

  • 25

    presentes na maior parte dos dias. O principal factor a ter em conta o nvel de gravidade e o

    dfice funcional que estes e outros sintomas causam (Hallstrom & McClure, 2000).

    A perturbao de ansiedade identificada no DSM-IV-TR (American Psychiatric

    Association, 2002) como uma preocupao excessiva acerca de um acontecimento por um

    perodo de pelo menos 6 meses. De acordo com este manual, a ansiedade acompanhada de,

    pelo menos trs sintomas adicionais, que incluem: agitao, fadiga fcil, dificuldades de

    concentrao, irritabilidade, tenso muscular e distrbios do sono. Esta situao

    psicopatolgica pode apresentar-se sob a forma de sintomas somticos, sem sinais emocionais

    proeminentes. Sendo que os sintomas, por definio, interferem com o quotidiano do

    indivduo (Coelho & Gonalves, 2005).

    A sintomatologia que compe a ansiedade abrange, segundo Andrade e Gorenstein

    (1998), sensaes de medo, sentimentos de insegurana, contedo de pensamento dominado

    por catstrofe ou incompetncia pessoal, aumento de viglia e uma variedade de desconfortos

    somticos consequentes da hiperactividade do sistema nervoso autonmico.

    consensual considerar que a ansiedade pode ter uma funo adaptativa importante. No

    entanto, num contexto patolgico, ela assume o carcter de perturbao, podendo apresentar

    trs nveis de resposta: cognitivo, fisiolgico e comportamental. A nvel cognitivo, a pessoa

    interpreta as situaes ambguas como ameaadoras, imagina sempre o pior e sente-se

    preocupada. A nvel comportamental, a pessoa faz movimentos ansiosos com as mos, fala

    com dificuldade, move-se com rapidez ou ento permanece imvel, pode ter vontade de

    chorar e executa actividades com dificuldade. A nvel fisiolgico, os msculos ficam tensos,

    ocorrem palpitaes e tremores, aumento da sudao, podem surgir nuseas, a respirao

    dificultada e ocorre a sensao de desmaio (Joyce-Moniz, 1993; Pereira, 2007).

    Segundo Castillo, Recondo, Asbahr e Manfro (2000), importante fazer a distino

    entre ansiedade adaptativa e patolgica. Assim, estes autores mencionam que, a maneira

    prtica de se diferenciar avaliar se a reaco ansiosa de curta durao, auto-limitada e se

    est relacionada com o estmulo do momento ou no.

    Outro ponto a considerar refere-se ao facto da ansiedade estar associada a algo

    prejudicial ou negativo. Porm, a ansiedade no tem necessariamente conotaes negativas.

    Se por um lado pode ser encarada como negativa e debilitante, ou seja, a ansiedade evidencia-

    se atravs de verbalizaes de incerteza e fracasso; por outro pode ser percebida como

    facilitadora, positiva e estimulante para o individuo (Martens, Vealey & Burton, 1990).

    igualmente importante distinguir a ansiedade do stress. O primeiro um medo

    penetrante generalizado associado apreenso, preocupao e antecipao de situaes

    ameaadoras. O stress uma fora externa que resulta nos sintomas de ansiedade, sendo

  • 26

    portanto, menos prejudicial e assume-se como uma resposta adequada de um indivduo a

    problemas externos definveis (Hallstrom & McClure, 2000).

    Esta ideia sugere-nos que a existncia de algum stress tem uma funo protectora e

    adaptadora, conduzindo o sujeito para a aco. No entanto segundo Jesus (2002), o stress

    pode constituir-se como um factor de desenvolvimento e promotor de sentimentos de eficcia

    pessoal (eustress), mas se o sujeito no for bem-sucedido ou se no possuir as competncias

    adequadas para lidar com as exigncias, surgem os sintomas de mal-estar (distress).

    Ansiedade relacionada com a gravidez e puerprio

    O facto de a gravidez constituir uma situao crtica, implicando naturalmente uma

    maior vulnerabilidade e desorganizao dos padres anteriores, modificaes fisiolgicas e

    estados emocionais peculiares, justifica a presena de um grau de ansiedade considerado

    adaptativo (Rato, 1998). Assim, quando relacionada com a gravidez e a maternidade, a

    ansiedade pode ser compreendida atravs da sua componente emocional, que acompanha todo

    o perodo da gestao at ao momento do parto, e caracterizada por um estado de

    insatisfao, insegurana, incerteza e medo da experincia desconhecida (Zugaib, Tedesco &

    Quayle, 1997). A prevalncia deste quadro de ansiedade de 20% nas mulheres durante o

    perodo pr-natal (Arajo, Pereira & Kac, 2007).

    Conde e Figueiredo (2005), na sua reviso da literatura, verificaram que durante a

    gravidez existe uma maior morbilidade relativamente sintomatologia ansiosa, para a qual

    contribuem factores demogrficos, obsttricos, psicossociais e culturais. O stress presente na

    gravidez, em nveis elevados, pode comprometer o estado da sade da me e do beb.

    Costa, Larouche, Dritsa e Brender (1999) verificaram que ocorrem diferenas

    significativas ao longo da gestao em trs componentes da ansiedade, as quais discriminam:

    a experincia de luta ou discusso, a ansiedade relativa gravidez (como os medos que a

    mulher tem perante a gestao e o parto, a sua prpria sade e do beb) e a ansiedade estado

    (vista como uma resposta emocional a componentes de stress inerentes ao meio).

    Na ansiedade, Soifer (1986) defende que existem fases em que h um aumento

    especfico da ansiedade e que acontecem ao incio da gestao, durante a formao da

    placenta, perante a percepo dos movimentos fetais, no incio do 9. ms e nos ltimos dias

    antes do parto. Sendo que estes aumentos de ansiedade tm durao varivel e podem

    traduzir-se por sintomas fsicos prprios ou at mesmo por aborto ou parto prematuro.

    De acordo com os resultados de Lee, Lam, Chong, Chui e Fong (2007), que estudaram

    357 mulheres grvidas, mais de metade das mulheres avaliadas apresentaram ansiedade pr-

    natal em pelo menos uma das avaliaes consideradas (1, 2 e 3 trimestre da gestao). Por

  • 27

    sua vez, Sutter-Dallay, Giaconne-Marcesche, Glatigny-Dallay e Verdoux (2004) encontraram

    uma prevalncia de 24% para perturbaes de ansiedade na gravidez, avaliadas no 3 trimestre

    de gestao. A prevalncia de ansiedade estimada no 2 trimestre de gravidez anda na maioria

    dos estudos entre os 6,6% e os 19%. Assim, verifica-se que os nveis de ansiedade parecem

    ser mais elevados no 1 e 3 trimestres de gravidez, quando comparados com o 2 trimestre

    (Andersson et al., 2003; Andersson, Sundstrom-Poromaa, Wulff, Astrom & Bixo, 2006).

    No entanto, para os profissionais de sade mental ser importante considerar a

    ansiedade enquanto perturbao ou, em contra ponto, como uma reaco ajustada da mulher

    perante as diversas etapas que englobam este perodo gravdico-puerperal.

    3.1.2. Factores (de risco) relacionados com a Ansiedade Materna

    Segundo Conde e Figueiredo (2003), a partir de uma reviso bibliogrfica, foi possvel

    reunir um conjunto de informao sobre os factores de risco relacionados com a ansiedade

    materna. Desta forma, tendo em considerao o modelo biopsicossocial, possvel descrever:

    Factores Scio-demogrficos associados a mulheres mais jovens, frequentemente solteiras

    e com condio econmico-social mais baixas, especificamente, a existncia de problemas

    financeiros e habilitaes literrias mais baixas (Costa, Larouche, Dritsa & Brender, 1999;

    Pagel, Smilkstein, Regen, & Montano, 1990).

    Factores Obsttricos como a histria obsttrica passada e presente, no qual se incluem: a

    existncia de maior nmero de filhos e histria prvia de gravidez (Faisal-Cury & Menezes,

    2006). Lubin, Gardener e Roth (1975), avaliando 93 grvidas, em trs momentos distintos (2,

    5 e 8 ms de gravidez), verificaram que a ansiedade varia significativamente em cada um

    dos trimestres e que a histria prvia de gravidez tem um impacto considervel sobre a

    ansiedade materna, neste perodo.

    Ohman, Grunewald e Waldenstrom (2003) e Costa, Larouche, Dritsa e Brender (1999),

    atravs dos seus estudos tambm constataram que as maiores preocupaes das mulheres,

    relacionadas com o aumento dos nveis de ansiedade gravdicos, prendiam-se com a actual

    gravidez, em particular, a possibilidade de ocorrncia de complicaes, de aborto espontneo,

    de diagnstico de malformaes, centrando-se, ainda, na sade do beb e no parto.

    Factores Psicolgicos e Sociais relativos histria psiquitrica prvia da mulher e as

    respectivas caractersticas da personalidade (Zajicek & Wolkind, 1978). O estilo de

    vinculao, a ocorrncia/preocupao com acontecimentos adversos de vida relativos ao

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    domnio familiar e interpessoal e a ausncia de redes de suporte social disponvel, constituem

    os factores de risco social associado presena de sintomatologia ansiosa (Conde, 2008).

    3.1.3. Quais as Implicaes da Ansiedade Materna?

    A ansiedade materna tem sido cada vez mais alvo de investigao e, segundo Leal

    (2006), a presena de nveis elevados de ansiedade tem sido relatada num nmero

    significativo de gestantes. Por esse facto, torna-se importante analisar a sua implicao na

    sade mental materna e no desenvolvimento do beb.

    No que se refere s consequncias da ansiedade para o desenvolvimento e

    comportamento fetal, indicadores de maior imaturidade foram observados como estando

    associados quela, tais como, mais tempo num sono passivo, mais movimentos

    indiscriminados quando esto em sono activo e valores elevados de batimentos cardacos

    (DiPietro, Hilton, Hawkins, Costigan & Pressman, 2002; Groome, Swiber, Bentz, Holland &

    Atterbury, 1995; Van den Bergh, 1990).

    A elevada ansiedade sentida pelas mes durante a gravidez, pode estar relacionada com

    malformaes, complicaes obsttricas e prematuridade; enquanto que, durante os primeiros

    dois anos de vida do recm-nascido so sobretudo relatadas dificuldades temperamentais e um

    menor nvel de desenvolvimento (Leal, 2006; Omer, 1986).

    Em mulheres que foram submetidas a situao de stress no terceiro trimestre de

    gravidez, Monk e colaboradores (2000) realizaram um estudo sobre os efeitos do stress agudo

    e ansiedade materna na resposta fisiolgica de batimento cardaco fetal, dividindo as mulheres

    em dois grupos de acordo com o nvel de ansiedade. Os autores concluram que, apesar de no

    ter havido diferena significativa entre os grupos de mes com baixo ou alto nvel de

    ansiedade, os fetos das mes com elevado nvel de ansiedade, durante a situao de stress,

    tiveram taxas de batimentos cardacos mais elevados quando comparados aos fetos das mes

    de baixo nvel de ansiedade.

    Seguindo esta linha de pensamento, Bonomi (2002) refere que, aquando de uma

    situao ansiosa, ocorre uma profunda produo de variadas substncias como a adrenalina e

    a dopamina, responsveis pelas conhecidas reaces de stress. So estas substncias que,

    atravessando a placenta, chegam ao feto e lhe causam as mesmas reaces, sensaes ou

    sintomas.

    Os efeitos da ansiedade materna como factor de risco durante a gravidez foram tambm

    observados num estudo conduzido por Verdoux, Sutter, Glatigny-Dallay e Minisini (2002), no

    qual foram avaliadas 441 gestantes durante o 3 trimestre. Os autores investigaram a

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    associao entre complicaes obsttricas e sintomas de ansiedade em mes de bebs

    nascidos a termo, observando que mulheres diagnosticadas com perturbao de ansiedade pr-

    natal tiveram maior probabilidade de apresentar complicao obsttrica grave e que estas

    complicaes actuaram como factor de stress crnico durante o perodo gravtico.

    Partindo da sua investigao, Barnett e Parker (1986) verificaram que grvidas

    primparas com elevado nvel de ansiedade, indicam menor suporte social, interpretaes

    negativas acerca da gravidez, maiores nveis de complicaes no parto, mais dificuldades na

    amamentao, maiores ndices de depresso ps-parto, menor confiana nas suas capacidades

    para prestao de cuidados ao beb e mais preocupaes acerca dos bebs e delas prprias.

    3.2. Depresso

    3.2.1. Definio e Sintomatologia

    Tristeza uma reaco normal que pode ocorrer em diversos momentos da vida de uma

    pessoa, principalmente diante de situaes que envolvem frustrao ou perda. Esse estado de

    humor, no entanto, no deve ser confundido com a depresso clnica, uma condio mdica

    que tem consequncias importantes para a sade (Ito, 1998). Para Widlocher (2001), a

    depresso reconhecida como uma doena grave que afecta a maneira da pessoa sentir,

    pensar, agir, comer e dormir. As pessoas com depresso podem apresentar uma actividade

    neuronal reduzida em reas cerebrais que controlam, entre outras, o humor, o apetite e o sono.

    Esta linha de pensamento igualmente descrita por Hell (2009), mencionando que o

    verdadeiro sofrimento depressivo transforma profundamente a pessoa: os sentimentos, o

    pensamento, o comportamento, a expresso corporal e as funes somticas. A capacidade de

    sentir alegria extingue-se, o pensamento torna-se circular e repetitivo. O lugar da tristeza

    ocupado pelo vazio interior e pela ausncia de sentimentos e o bloqueio torna difcil at as

    tarefas e decises mais simples do quotidiano. E a tentativa de se revoltar contra este estado,

    leva agitao e insnia, pelo que o bloqueio se refora, numa espcie de crculo vicioso.

    Segundo Lencastre (2009), a etologia da depresso refere-se falncia de

    comportamentos hierrquicos e a persistncia de sub-rotinas de derrota que se correlacionam

    com o humor tpico da depresso. A vinculao, territorialidade, estatuto e sexualidade que

    so elementos essenciais da vida individual, parecem ligar-se a estratgias involuntrias de

    derrota (EID), apontando para o seu centro nos estados depressivos.

    Assim, segundo Lencastre (2009), a etologia da depresso apresenta como

    caractersticas principais: ausncia de vinculao; aspectos neurofisiolgicos (baixos nveis de

    serotonina); ausncia de territrio (a pessoa tende a fechar-se e a ocupar um espao muito

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    pequeno); presena de movimentos expressivos (ligados ao comportamento como o humor

    em baixo, tristeza, perda de energia, que so facilmente reconhecidos pelos outros, que

    procuram ajudar a pessoa deprimida); e recorrncia da depresso - movimentos expressivos e

    ritualizao (em que a EID torna-se ritualizada e os sinais so facilmente reconhecidos pelo

    prprio e pelo outro. O sentimento dep