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VIOLAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS NA AMAZÔNIA: CONFLITO E VIOLÊNCIA NA FRONTEIRA PARAENSE

VIOLAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS NA AMAZÔNIA CONFLITO E … · Comissão Pastoral da Terra — CPT Justiça Global Terra de Direitos Novembro de 2005 VIOLAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS

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VIOLAÇÃO DOS DIREITOS

HUMANOS NA AMAZÔNIA:CONFLITO E VIOLÊNCIA NA FRONTEIRA PARAENSE

Comissão Pastoral da Terra — CPTJustiça Global

Terra de Direitos

Novembro de 2005

VIOLAÇÃO DOS DIREITOS

HUMANOS NA AMAZÔNIA:CONFLITO E VIOLÊNCIA NA FRONTEIRA PARAENSE

Coordenação: Darci Frigo, José Batista Gonçalves Afonso, Leandro Gorsdorf, Sandra Carvalho e Sérgio Sauer

Edição e revisão: Sérgio Sauer

Equipe de Pesquisa: Antônia Lima dos Santos, Camilla Ribeiro, Darci Frigo, Felipe Prando, Jax Nildo Aragão Pinto,

José Batista Gonçalves Afonso, Julia Figueira-McDonough, Leandro Gorsdorf, Luciana Cristina Furquim Pivato,

Luciana Silva Garcia, Maria Rita Reis, Nadine Monteiro Borges, Renata Verônica Côrtes de Lira, Sandra Carvalho,

Sérgio Sauer e Tarcísio Feitosa da Silva.

Tradução: Phillippa Bennett, Julia Figueira-McDonough, Marsha Michel e Kristen Schlemmer

Revisão da tradução: Carlos Eduardo Gaio e Emily Goldman

Projeto gráfico e diagramação: Sandra Luiz Alves

Fotolito e Impressão: Gráfica Minister

JUSTIÇA GLOBAL

Avenida Beira Mar, 406 / 1207Rio de Janeiro/RJ - Brasil

CEP: 20021-900Tel: (55-21)25442320

Fax: (55 - 21) 25248435www.global.org.br

COMISSÃO PASTORALDA TERRA (CPT)Secretaria Nacional

Rua 19, n° 35, 1o andarEdifício Don Abel

Goiânia – GOCEP: 74030-090

Fax: (62) 4008-6405

www.cptnac.com.br

TERRA DE DIREITOS

Rua José Loureiro, 464,conj 26, CentroCuritiba – PR

CEP: 80010-907Tel/Fax: (41) 3232-4660

www.terradedireitos.org.br

DADOS INTERNACIONAIS PARA CATALOGAÇÃO NA PUBLICAÇÃO (CIP)

S273v Sauer, Sérgio.

Violação dos direitos humanos na Amazônia : conflito eviolência na fronteira paraense / autor: Sérgio Sauer ; [tradução:Phillippa Bennett, Julia Figueira-McDonough, Marsha Michel e Kristen Schlemmer].– Goiânia : CPT ; Rio de Janeiro : Justiça Global ; Curitiba : Terra de Direitos, 2005.170p. ; 17,5x25cm.

1. Direitos humanos. 2. Conflitos no campo – Amazônia. 3. Posse da terra - Amazônia I. Comissão Pastoral da terra. II. Justiça Global. III. Terra de Direitos. IV.Título.

CDD- 338.9811

COLABORAÇÃO E FONTES DE PESQUISA

Associação de Mulheres Campo — Cidade de Porto de Moz

Associação de Pescadores Artesanais de Porto de Moz

Associação Solidária Econômica e Ecológica de Frutas da Amazônia (ASSEFA)

Associações Rurais Comunitárias de Porto de Moz

Colônia de Pescadores de Porto de Moz

Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados

Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA

Comissão Pastoral da Terra (secretariado nacional e equipes de Altamira, Anapu, Belém, Marabá e

Alto Xingu).

Comitê de Desenvolvimento Sustentável de Porto de Moz

Delegacia Sindical dos Trabalhadores Rurais de Castelo dos Sonhos

Federação dos Trabalhadores na Agricultura (FETRAGRI) Regional Sudeste/Pará

Fórum Nacional pela Reforma Agrária e Justiça no Campo

Fundação Viver, Preservar e Produzir (FVPP)

Gabinete da senadora Heloisa Helena

Gabinete do deputado Federal Adão Pretto

Gabinete do deputado Federal João Alfredo

Greenpeace

Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA)

Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA)

Instituto Socioambiental (ISA)

Justiça Global

Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA)

Ministério do Meio Ambiente (MMA)

Ministério Público Federal do Pará

Museu Emílio Goeldi

Plataforma DhESC Brasil (Projeto Relatores Nacionais — Relatoria do Direito ao Meio Ambiente)

Sindicatos dos Trabalhadores Rurais de Anapu, de Porto de Moz e de Rondon do Pará

Terra de Direitos.

SIGLAS

ATPF Autorizações para Transporte de Produtos Florestais

CATP Contrato Alienação de Terra Pública

CCIR Certificados de Cadastro do Imóvel Rural

CPI Comissão Parlamentar de Inquérito

CPT Comissão Pastoral da Terra

DHESCA Direitos humanos econômicos, sociais, culturais e ambientais

DRT Delegacia Regional do Trabalho

FETAGRI Federação dos Trabalhadores na Agricultura

FINAM Fundo de Investimento da Amazônia

FUNAI Fundação Nacional do Índio

IBAMA Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis

INCRA Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária

ISA Instituto Socioambiental

ITERPA Instituto de Terras do Pará

MDA Ministério do Desenvolvimento Agrário

MMA Ministério do Meio Ambiente

MPF Ministério Público Federal

MST Movimento dos Trabalhadores Rurais

OEA Organização dos Estados Americanos

ONU Organização das Nações Unidas

PAD Projeto de Assentamento Dirigido

PAE Projeto de Assentamento Agroextrativista

PAS Plano Amazônia Sustentável

PAR Projeto de Assentamento Rápido

PA Projetos de Assentamento

PDS Projeto de Desenvolvimento Sustentável

PIC Projeto de Integração e Colonização

PIN Plano de Integração Nacional

PROVITA Programa de Proteção a Vítimas e Testemunhas Ameaçadas

PMF Plano de Manejo Florestal

RESEX Reserva Extrativista Florestal

SNCR Sistema Nacional de Cadastro Rural

SPVEA Superintendência do Plano de Valorização Econômica da Amazônia

STR Sindicato dos Trabalhadores Rurais

SUDAM Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia

AGRADECIMENTOS

Agradecemos a todos aqueles que forneceram informações para este rela-tório e responderam a nossas solicitações de entrevista, especialmente àsorganizações parceiras no Estado do Pará.

Em especial, agradecemos a Adamir Castro Lima, Adriana Ramos,Antônia Melo, Antônio Expedito Ribeiro, Carlos Guedes do Amaral Jr,Cláudio Wilson Barbosa, Dielly Pompeu da Silva, Dineusa Pompeu daSilva, Dom Erwin Krautler, Elcia Betânia da Silva Nunes, Felício PontesJr, Francisca Castro Fróes, Idalino Nunes de Assis, Ir. Jane Dwyer; JoelsonPompeu da Silva, João Laet, José Batista da Silva, Letrízia Fróes Duarte,Luis de Brito, Maria Creusa Gama Ribeiro, Maria Eva dos Santos, Ma-ria de Fátima Romoaldo da Silva Nunes, Maria Joel da Costa, MarcosRogério de Souza, Nilton Tubino, Odair Matos Lima, Pe. AderneiGuemaque, Pe. Andoni Ledesma, Pe. Danilo Lago, Pe. José Amaro Lopesde Souza, Pe. Robson Wander Lopes, Raimunda Regina Ferreira Barros,Roselene do Socorro Conceição da Silva e Vivaldo Ferreira Barbosa.

Essa publicação faz parte do projeto de cooperação “Comércio-Desenvolvimento-Direitos Humanos”, realizado pelo Centro de Pesquisa e Documentação Chile-Améri-ca Latina (Forschungs — und Dokumentationszentrum Chile-Lateinamerika — FDCL)e pela Fundação Heinrich Böell com apoio financeiro da União Européia. As opiniõesemitidas na publicação não expressam a posição da União Européia.

A Justiça Global, a Terra de Direitos e a Comissão Pastoral da Terra também agra-decem às Fundações Heinrich Böll, Ford e à Cáritas pelo apoio a essa publicação.

INTRODUÇÃO ............................................................................................................... 13

CAPÍTULO I .................................................................................................................... 21A dinâmica agrária e fundiária do Estado do Pará ............................................................... 21

1. Grilagem de terra e gestão territorial ........................................................................... 232. Conflito e violência no meio rural .............................................................................. 313. A prática do trabalho escravo ...................................................................................... 374. A impunidade no campo: uma das causas da violência .............................................. 42Conclusão ....................................................................................................................... 50

CAPÍTULO II ................................................................................................................. 51As políticas governamentais para a Amazônia e o Pará ......................................................... 51

1. Macrozoneamento Ecológico e Econômico ................................................................ 522. Programa Pará Rural ................................................................................................... 543. Projetos do governo federal para a Amazônia e o Pará ................................................ 554. O plano BR-163 sustentável ....................................................................................... 575. As políticas de enfrentamento à grilagem.................................................................... 59Conclusão ....................................................................................................................... 66

CAPÍTULO III ................................................................................................................. 67Apropriação ilegal de terras e violação de direitos: o caso de Rondon do Pará ..................... 67

1. Histórico de ocupação do território ............................................................................ 692. Grilagem e concentração de terra: violação de direitos humanos ................................ 703. A luta pela terra em Rondon do Pará .......................................................................... 754. Defensores de direitos humanos ................................................................................. 78Conclusão ....................................................................................................................... 80

CAPÍTULO IV ................................................................................................................ 83Anapu: recursos públicos, grilagem e alternativas de desenvolvimento ................................ 83

1. Histórico da ocupação fundiária ................................................................................. 842. Recursos públicos e conflitos fundiários ..................................................................... 853. Projetos de Desenvolvimento Sustentável (PDS) ........................................................ 884. Defensores de direitos humanos: caso de um assassinato anunciado .......................... 915. Violação de direitos humanos, impunidade e a federalização...................................... 956. A criminalização dos trabalhadores e defensores ......................................................... 97Conclusão ..................................................................................................................... 101

CAPÍTULO V ............................................................................................................... 103Terra do Meio: A última fronteira do medo ....................................................................... 103

1. Localização e contexto .............................................................................................. 103

Sumário

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2. Destruição ambiental e violência na Terra do Meio .................................................. 1063. A presença do Estado na região................................................................................. 110Conclusão ..................................................................................................................... 112

CAPÍTULO VI .............................................................................................................. 113Situação de completo abandono: o caso de Castelo dos Sonhos ......................................... 113

1. Histórico de ocupação da região ............................................................................... 1142. Grilagem e concentração de terra .............................................................................. 1153. Castelo: ausência, omissão e comprometimento do Estado com o poder local ......... 1174. As políticas de combate ao desmatamento ................................................................ 1195. Luta pela terra: acampamento Bartolomeu Morais da Silva ...................................... 1226. Defensores de direitos humanos: o contexto da violência anunciada ........................ 1237. Caso exemplar de violação de direitos humanos: a morte de Brasília ....................... 128Conclusão ..................................................................................................................... 130

CAPÍTULO VII ............................................................................................................. 131A luta pela preservação ambiental: o caso de Porto de Moz ............................................... 131

1. A questão fundiária ................................................................................................... 1332. A exploração madeireira na região ............................................................................ 1393. A luta pela preservação ambiental ............................................................................. 1415. A criação da RESEX Verde para Sempre ................................................................... 1436. Defensores de direitos humanos: lutas e ameaças ..................................................... 146Conclusão ..................................................................................................................... 147

CAPÍTULO VIII ............................................................................................................ 149Recomendações para o Estado do Pará ............................................................................... 149

1. Recomendações contra a violência e a impunidade ................................................... 1492. Recomendações sobre trabalho escravo ..................................................................... 1503. Recomendação para a proteção dos defensores de direitos humanos ........................ 1504. Recomendações para reforma agrária ........................................................................ 1514.1. Recomendações para Rondon do Pará, Castelo dos Sonhos e Anapu .................... 1515. Recomendações para combater a grilagem ................................................................ 152

5.1. Recomendações específicas para Anapu ................................................................ 1535.2. Recomendações específicas de Rondon do Pará ..................................................... 153

6. Recomendações para o problema do desmatamento ................................................. 1546.1. Recomendações para Porto de Moz, Castelo dos Sonhos e Anapu .......................... 1546.2. Recomendações para Terra do Meio ..................................................................... 155

7. Recomendações contra a corrupção nos órgãos públicos .......................................... 155

ANEXOS ........................................................................................................................ 157Anexo I — Lideranças assassinadas no Estado do Pará ...................................................... 159Anexo II — Lista das pessoas ameaçadas de morte no Estado do Pará .............................. 161Anexo III — Empregadores autuados por trabalho escravo no Estado do Pará ................. 167

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Introdução

“A gente nunca sabe a hora do ataque. Eu não consigo nem ir à Igreja. Eles acabam com avida da gente em vida. Mas eu vou continuar até o fim e quero que esta história não seja umahistória de morte, mas uma história de vida, da vida dos trabalhadores”

Maria Joel da Costa — presidente do Sindicato dos TrabalhadoresRurais de Rondon do Pará

“Eu moro na área há vinte e dois anos. Eu trabalho com todo esse pessoal... Nós vimosocupando a terra palmo a palmo, lutando... Nós procuramos esse PDS já em 1994, porquetodo esse povo é migrante e saiu de lugares onde não têm mais como sobreviver, como noNordeste, porque a mata acabou. Então, nosso plano, já de muitos anos, é para criar umaárea sustentável, onde se tenha futuro, onde a mata não acabe... Esse projeto, que o Incraendossa e nos deu toda a confiança, nos deu toda a razão para criarmos esse projeto, pelo qualo povo vai sobreviver de uma maneira digna”

Irmã Dorothy Stang

Essa pesquisa foi motivada, em grande medida, pela história de vida de defensoras edefensores dos direitos humanos como a sindicalista Maria Joel da Costa e a

missionária Dorothy Stang. Essas duas mulheres são exemplos da luta protagonizadapor posseiros, ribeirinhos, sem-terra, trabalhadores rurais, extrativistas, índios em defe-sa dos direitos humanos e da preservação da Amazônia.

Presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Rondon do Pará, Maria Joel(viúva do sindicalista José Dutra da Costa, conhecido como Dezinho, assassinado em2000) é uma militante em prol da justiça social e da reforma agrária; irmã Dorothy foiuma missionária dos direitos dos trabalhadores rurais, da justiça ambiental e da preser-vação da Amazônia. Dorothy foi assassinada e Maria Joel é uma das inúmeras pessoasameaçadas de morte no Pará. A resistência e o trabalho dessas mulheres, e de muitaspessoas, marcam a luta pela terra nesse Estado.

Os registros da Comissão Pastoral da Terra (CPT) materializam uma triste realida-de, pois mais de setecentos camponeses e outros defensores de direitos humanos foramassassinados nos últimos trinta anos no Pará. A maioria das mortes foi registrada nasregiões sul e sudeste do Estado. Muitas dessas mortes foram nitidamente seletivas, pois

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as vítimas exerciam funções importantes em organizações de trabalhadores, eram defen-sores dos direitos humanos, eram lideranças. O objetivo é claro, enfraquecer as organi-zações e desarticular a luta dos trabalhadores.

A problemática que envolve os conflitos e a violência no Estado do Pará está dire-tamente associada à concentração da propriedade da terra, inclusive feita através daapropriação ilegal de terras públicas, conhecida como “grilagem”. O Pará tem mais de30 milhões de hectares de terras griladas, e este tem sido o pano de fundo das maisvariadas formas de violação de direitos. Essas violações vão desde a negação de um meioambiente ecologicamente equilibrado, com a extração criminosa dos recursos florestais,até a expulsão violenta e prisões de posseiros, extrativistas, ribeirinhos, indígenas, popu-lações tradicionais que ocupam a terra há muitas décadas. As violações agravam-se comas práticas de trabalho escravo e culminam com números assustadores de assassinatos detrabalhadores e suas lideranças.

Diante dessa realidade, em fevereiro desse ano, o Sindicato dos Trabalhadores Ru-rais de Rondon do Pará, a Comissão Pastoral da Terra, a Terra de Direitos e a JustiçaGlobal solicitaram audiência com o então ministro de Direitos Humanos e representan-tes do Ministério de Desenvolvimento Agrário para que estes representantes do Estadoouvissem as histórias de ameaças, de violência e de morte dos próprios trabalhadores etomassem as providências solicitadas por diversas organizações há muito tempo. O mi-nistro resolveu então realizar uma audiência pública na cidade de Rondon do Pará, emque compareceram representantes dos governos federal, estadual e municipal, além demembros do Poder Judiciário e Ministério Público.

Maria Joel, símbolo da resistência e luta dos trabalhadores rurais, no entanto, nãopôde falar naquele dia. Temendo por suas vidas, ela e várias lideranças tiveram que sefazer ouvir através de pessoas de fora do Estado, capazes de denunciar os mandos edesmandos do agrobanditismo sem correr o risco de serem mortas após a saída dasautoridades federais da região.

De Rondon do Pará, a comitiva do governo federal partiu para a capital do Estadopara lançar o Programa Nacional de Proteção aos Defensores de Direitos Humanos. Naaudiência em Belém, a irmã Dorothy Stang, outra defensora dos direitos humanos, fezgraves denúncias de ameaças e intimidações que ela e outros trabalhadores rurais deAnapu vinham sofrendo por parte de grileiros, madeireiros e latifundiários. Estas ame-aças impediam a permanência dos trabalhadores nos Projetos de Desenvolvimento Sus-tentável (PDS), com suas milícias armadas e, inclusive, com a conivência do PoderJudiciário. Uma semana depois desta audiência, sem que as autoridades federais e esta-duais tivessem tomado medidas efetivas em relação às graves denúncias que fizera, Dorotyfoi assassinada a tiros no PDS Esperança, em Anapu.

Nessa trágica ocasião, a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, estava no Esta-do, mais precisamente no município de Porto de Moz para criar a reserva extrativistaVerde para Sempre. A Agência Brasileira de Inteligência (ABIN) chegou a afirmar que oassassinato de Dorothy era um “recado” à ministra e ao governo brasileiro. Essa ação

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violenta dos fazendeiros teria como objetivo intimidar órgãos e funcionários públicospara não implantar políticas e programas ambientais e agrários na Amazônia.

Infelizmente, nem sempre a presença de autoridades federais representa garantias erespeito aos direitos humanos dos mais pobres e a preservação do meio ambiente. His-toricamente, a ação do Estado na Amazônia foi marcada por uma profunda dicotomia,pois, se de um lado, atuou ostensivamente para implantar um modelo concentrador (deterra e de renda) e predatório de desenvolvimento (criou e implantou projetos de colo-nização, financiou grandes obras de infra-estrutura, ofereceu subsídios aos latifundiári-os e grileiros), por outro, não garantiu os direitos das populações tradicionais pobres.Aliás, esta população foi incluída da maneira mais perversa, tendo servido de mão-de-obra barata ou escrava.

Além da omissão, conivência ou ainda ação direcionada do Estado, as ações deautoridades do Poder Judiciário e do Executivo, via de regra, favorecem grileiros, lati-fundiários, madeireiros etc. O Poder Judiciário é rápido em autorizar ações policiais dedespejo de trabalhadores rurais, decretar prisão de seus líderes, mas ao mesmo tempo,confere inúmeros benefícios a latifundiários e grileiros. Mandantes e assassinos não sãopresos nem são levados a julgamento; mandados de prisão não são cumpridos e pistolei-ros agem em conjunto com policiais. Mesmo nos crimes nos quais houve julgamento, asações judiciais só foram possíveis depois de longos anos de luta, pressão e denúncias dostrabalhadores rurais e de entidades de direitos humanos nacionais e internacionais.

A impunidade acoberta ações criminosas desses grupos e nenhum esforço é feitopelos órgãos de Segurança Pública e pelo Poder Judiciário para combatê-la. A “morosi-dade” da Justiça é parcial e reflexo de uma sujeição à pressão do poder político e econô-mico, retardando ou influenciando o andamento dos processos e dos julgamentos. Aprescrição penal acaba alcançando a maior parte dos crimes contra trabalhadores e a certe-za da impunidade alimenta o ciclo vicioso da violência contra os trabalhadores no Pará.

O governo e o Poder Judiciário paraense têm agido com muita celeridade quandose trata de penalizar trabalhadores e lideranças populares. Exemplo dessa situação foi aconcessão de mais de 40 liminares de despejo, muitas cumpridas em junho de 2005, defazendas ocupadas na região sul e sudeste do Estado, atingindo quase cinco mil famílias.As decisões judiciais que concederam essas liminares não levaram em conta os direitoshumanos dos trabalhadores (de acesso ao trabalho, alimentação, moradia, educação) eforam fundamentadas no “absoluto direito de propriedade”. Não levaram em contatambém o cumprimento da função social da propriedade (artigo 186 da ConstituiçãoFederal), inclusive porque muitas não constituem propriedade, pois são posses de grileirosque se apropriaram criminosamente de terras públicas. Em parte significativa das liminaresconcedidas, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) já haviainclusive iniciado os procedimentos para desapropriação ou retomada das propriedades.

Há também um crescente processo de criminalização e perseguição, inclusive comprisões arbitrárias, como forma de desmobilizar as lutas por parte das Polícias Civil eMilitar e do Poder Judiciário. Os juízes se referem aos trabalhadores sem-terra como

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desocupados que promovem a desestabilidade social ao ocupar terras públicas ou griladas,desconsiderando o vínculo do trabalhador com a terra e os comandos constitucionaisque os tornam os destinatários da política pública de reforma agrária.

Conseqüentemente, há uma ausência do Estado na formulação e implementaçãode políticas sociais re-distributivas, resultando em mais pobreza e destruição ambiental.Por outro lado, há uma presença omissa ou conivente que acaba fortalecendo a impuni-dade, gerando mais violência e constantes violações dos direitos de posseiros, campone-ses, trabalhadores, extrativistas, populações tradicionais e defensores. Um exemplo des-sa “ausência” é que, além de não cumprir suas próprias metas de regularização fundiáriae assentamento de famílias para os últimos dois anos, o governo federal bloqueou maisde 50% do orçamento de 2005, destinado para ações de reforma agrária.

Essa “ausência” do Estado acaba se materializado em conflitos depois expressos emnúmeros e cifras de trabalhadores rurais mortos ou ameaçados. Esses conflitos ceifaramvidas de muitas lideranças e trabalhadores rurais no Estado do Pará. O caso mais conhe-cido é o massacre de Eldorado do Carajás que tirou a vida de 19 trabalhadores sem-terraem 1996. Infelizmente, conhecido, mas não o único caso, pois a truculência dos fazen-deiros fez, e ainda faz, outras vítimas entre os trabalhadores e defensores dos direitoshumanos.

O anúncio sobre devastação e mortes no Pará preenche as páginas dos jornaislocais, nacionais e internacionais, levadas a conhecimento público através das ações deentidades, sindicatos e, principalmente, da voz dos defensores de direitos humanos daregião. A aliança entre um modelo de desenvolvimento calcado no agronegócio (inclu-sive com o rápido avanço da soja) e na exportação de madeira e no exercício do poderpolítico baseado na propriedade fundiária (latifundiários, grilagem, milícias privadas eassassinatos) traz como conseqüência a apropriação ilegal e predatória dos recursos na-turais, da biodiversidade e das vidas dos trabalhadores rurais, posseiros, ribeirinhos,extrativistas, populações indígenas da Amazônia.

O caos fundiário no Pará alcançou tal dimensão que, em muitas oportunidades, ogoverno federal acabou desapropriando áreas públicas griladas por grandes fazendeiros.Exemplo clássico desta situação foi a desapropriação da Fazenda Flor da Mata, em 1998,localizada em São Félix do Xingu. Esta área, falsamente particular, estava localizada emárea indígena e utilizava-se de trabalho escravo. Apesar de todas estas ilegalidades, a áreafoi desapropriada e a indenização (pagamento da terra e benfeitorias) foi paga a umpretenso proprietário com base em títulos falsos de propriedade.

Os defensores de direitos humanos e do meio ambiente lutam e trabalham em prolde um desenvolvimento diferente do modelo atual implantado na região Amazônica eno Pará. Eles trabalham por um modelo de desenvolvimento baseado em justiça social,sustentabilidade ambiental e respeito aos direitos humanos. Maria Joel e Dorothy Stangsão protagonistas dessa luta e resistência. São símbolos e representantes da luta contra aação predatória e ilegal de grileiros, madeireiros e latifundiários, que vêm assassinandopessoas e, de forma criminosa, se apropriando e destruindo a Amazônia brasileira.

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Além das constantes denúncias às autoridades responsáveis, inclusive com o deslo-camento de ministros e forças-tarefas para a região, ações como a realização do TribunalInternacional dos Crimes do Latifúndio, em outubro de 2003, buscam chamar a aten-ção para a gravidade da situação. Esse tribunal levantou e demonstrou a violação siste-mática dos direitos humanos por parte de latifundiários, cometida com a omissão, coni-vência ou mesmo participação de órgãos do Estado, sendo que vários casos analisadosnesse relatório já se constituíam, na ocasião, em casos exemplares no Pará.

Face à gravidade do problema, as ações e mobilizações são constantes. Após a mor-te da irmã Dorothy, por exemplo, o Fórum Nacional da Reforma Agrária e Justiça noCampo organizou uma campanha nacional e internacional, denominada “ReformaAgrária: desenvolvimento sustentável e direitos humanos”. Foi articulada para pressio-nar os governos federal e estadual a adotar medidas efetivas para apurar e responsabilizaros criminosos e a proteger as pessoas ameaçadas no Pará.

Buscando contribuir para o debate sobre a questão da violência e impunidade quevitimam trabalhadores e defensores de direitos humanos na Amazônia, a Comissão Pas-toral da Terra, a Justiça Global e a Terra de Direitos realizaram essa pesquisa. Esserelatório tem como objetivos:

� colocar a necessidade da reforma agrária, do combate à violência e à impunidadee da promoção de um desenvolvimento sustentável na pauta da sociedade brasilei-ra, especialmente buscando sensibilizar setores urbanos;

� provocar uma ação dos órgãos públicos, especialmente das Polícias Civil e Fede-ral e do Judiciário contra a impunidade, nos casos de crimes ambientais, grilageme contra os defensores de direitos humanos;

� mobilizar setores organizados da sociedade civil internacional e organismos inter-nacionais de direitos humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA) eda Organização das Nações Unidas (ONU) para pressionar as diversas esferas degoverno (Executivos Federal e Estadual; Legislativo e Judiciário) para implementarações efetivas de reforma agrária, preservação ambiental e proteção aos direitoshumanos.

Esse relatório se inscreve em uma perspectiva ampla do conceito de violações dedireitos humanos. Não se limita apenas à defesa dos direitos civis e políticos, mas seredimensiona a partir dos direitos humanos econômicos, sociais, culturais e ambientais(Dhesca). Esses se apresentam como direito humano à terra, ao meio ambiente, aotrabalho, à água, entre outros, defendendo sempre a indivisibilidade dos direitos huma-nos. É indiscutível que a discussão sobre os Dhesca coloca impasses, a serem enfrenta-dos no contexto das propostas de desenvolvimento para Amazônia, seja por parte dosgovernos estadual e Federal, seja dos entes privados, do latifundiário, da agroindústria,das madeireiras.

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O debate acerca das violações dos direitos humanos compreende as dimensões dereparação, proteção e promoção dos Dhesca, apresentando dificuldades e limites para oacesso a esses direitos pelos trabalhadores e trabalhadoras do Pará. Isso amplia o marconecessário para a garantia dos direitos humanos pelo Estado e pela sociedade civil. Adiscussão dos defensores de direitos humanos se dá a partir da ação concreta e cotidianapela efetivação dos direitos, estabelecendo uma correlação imediata entre a luta destesdefensores e a repressão contra os mesmos, buscando inibir a sua atuação.

Este trabalho deu especial atenção ao tema dos defensores de direitos humanos, sóreconhecidos pela ONU no ano de 1998. A ONU então declarou que são “defensoresde direitos humanos todos os indivíduos, grupos e órgãos da sociedade que promoveme protegem os direitos humanos e as liberdades fundamentais universalmente reconhe-cidos” (Resolução 53/144, de 09 de dezembro de 1998). Na ampla conceituação daDeclaração da ONU, “são defensores de direitos humanos todos os homens, mulheresou entidades que atuam promovendo e/ou denunciando as violações contra os direitoshumanos”.

A partir das manifestações da Representante Especial da ONU para defensores dedireitos humanos, o Programa Nacional de Proteção aos Defensores de Direitos Huma-nos (lançado em outubro de 2004, pela Secretaria Especial de Direitos Humanos daPresidência da República, em Brasília e re-lançado em fevereiro de 2005, em Belém),apesar de ainda não ter saído do papel, considera que “os defensores podem integrarquadros dos sindicatos, de associações civis, religiosas, comunitárias, de movimentossociais, de entidades de defesa dos direitos humanos, de corporações policiais, de enti-dades de defesa do meio ambiente, de combate à corrupção, do Ministério Público, daMagistratura, dos setores de fiscalização do Estado e de outras instituições”.

Não se trata de alguns indivíduos isolados, mas de todos os que se colocam nadefesa dos direitos humanos, incluindo-se também trabalhadores e lideranças comuni-tárias. Esse relatório adota, portanto, o conceito amplo de defensores de direitos huma-nos, assumido pelas Nações Unidas e, conseqüentemente, pelo Programa Nacional deProteção aos Defensores de Direitos Humanos. Desde o destaque inicial deste relatório,no depoimento comovente de Maria Joel da Costa, até suas últimas linhas, passando porirmã Dorothy e tantos outros, a ação dos defensores e defensoras de direitos humanos échave na resistência às cotidianas violações dos direitos dos trabalhadores e na constru-ção de projetos baseados na sustentabilidade socioambiental e nos direitos humanos.

Essa publicação busca ser um reforço para que a história de Maria Joel e de tantaspessoas seja uma história de vida e não termine tragicamente como foi o caso da irmãDorothy e de dezenas de lideranças, assassinadas no Pará nos últimos anos. As organi-zações responsáveis por este relatório pretendem que este seja mais um instrumentodos trabalhadores rurais, ribeirinhos, extrativistas, posseiros e demais defensores dedireitos humanos do Pará na luta pela realização da reforma agrária como um dospassos indispensáveis na direção de um desenvolvimento verdadeiramente sustentávelda Amazônia.

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Em razão da extensão territorial do Estado e da diversidade dos conflitos, essetrabalho de pesquisa tomou alguns locais, temas e lutas como casos emblemáticos darealidade do meio rural paraense. Os modelos de desenvolvimento implantados na re-gião acabaram sendo motores do processo de concentração fundiária, da grilagem deterras, da extração ilegal de madeiras, da expansão do agronegócio, responsáveis emgrande medida, pela violência e impunidade. O relatório traz uma análise sobre a situ-ação fundiária e a violência no Estado (capítulo I), procurando explicitar as relaçõesentre degradação ambiental, ação do latifúndio e violação dos direitos humanos.

Na seqüência (capítulo II), estão colocadas algumas políticas e programas governa-mentais, elaboradas e implementadas, ou em processo de implementação, como tentati-vas do poder público de responder às demandas populares por direitos no Estado. Oobjetivo deste relatório não é realizar uma descrição exaustiva nem analisar todos osprogramas, mas apenas sistematizar algumas ações do Poder Público estadual e federal,como exemplos de políticas governamentais implantadas na Amazônia.

As políticas governamentais adotadas para combater as ilegalidades e irregularida-des são, quando existentes, extremamente tímidas. Uma análise, ainda que breve, daspolíticas e programas de combate à grilagem e à devastação ambiental demonstrammuitas fragilidades frente à ação devastadora que assola o Pará. Os projetos governa-mentais atuais, por outro lado, continuam sendo contraditórios porque aplicam recur-sos públicos para promover o agronegócio em grandes extensões de terras, especialmen-te para expandir o desmatamento (40% do PIB paraense é baseado na extração madei-reira), a pecuária e, por último, abriu suas portas à produção de soja e outros grãos,atividades altamente predatórias.

As ações governamentais acabam sendo, no mínimo, contraditórias porque bus-cam formas para implementar um desenvolvimento sustentável, baseado em ações dereforma agrária e em políticas de preservação ambiental. No entanto, essas mesmasações incentivam, inclusive com a destinação de grandes somas de recursos públicos,atividades produtivas baseadas na expansão do agronegócio, promovendo a devastaçãoambiental e, freqüentemente, efetivada através da apropriação ilegal de terras e na prá-tica da violência.

A partir das denúncias e lutas dos trabalhadores, os temas privilegiados neste rela-tório são o desmatamento, a grilagem e a violação dos direitos humanos. As reflexõesprocuram também abordar e analisar as dificuldades na implementação de um progra-ma de reforma agrária sustentável e na demarcação de reservas extrativistas.

Como lugares e exemplos dessa luta, foram visitadas e pesquisadas as localidades deRondon do Pará, Anapu, Terra do Meio, Castelo dos Sonhos e Porto de Moz (capítulosIII a VII respectivamente). Essas ilustram, por um lado, a ação criminosa de latifundi-ários, grileiros, madeireiros e, muitas vezes, a não menos criminosa ação de órgãos doPoder Público. Por outro, são palcos de luta e resistência de posseiros, ribeirinhos, tra-balhadores rurais, defensores de direitos humanos na busca de uma reforma agrária e deum desenvolvimento capaz de garantir melhores condições de vida e a preservação daAmazônia.

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Entre as lutas e propostas de desenvolvimento para a Amazônia, merece destaque aluta dos trabalhadores rurais para implantar os chamados Projetos de DesenvolvimentoSustentável (PDS). São projetos concebidos pelas organizações sociais que possibilitamcombinar produção e conservação da Floresta Amazônica. Assim como essa, várias ou-tras propostas surgem da experiência e vivência das populações tradicionais com o seumeio, criando uma sustentabilidade não encontrada nos modelos impostos à região.

Ao final (capítulo VIII), buscando contribuir com as lutas, as entidades apresen-tam um rol de recomendações, especificando os órgãos competentes a que se destiname as competências que lhes cabem em cada uma delas. Este relatório, além de ser maisuma ação de denúncia e monitoramento em torno das violações de direitos humanos edestruição ambiental no Pará, quer contribuir para transformar essa realidade.

Esse trabalho não possui um fim em si mesmo, mas objetiva ser uma ferramenta nomonitoramento sobre violações dos direitos humanos e resistências populares no terri-tório paraense. Nesse sentido, pode ser uma ajuda no trabalho dos defensores nos pro-cessos de resistência e defesa de direitos humanos, sociais e econômicos da populaçãoamazônica.

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Localizado na parte oriental da Amazônia brasileira, o Pará é um dos estados maisafetados pelas políticas governamentais direcionadas para a Amazônia, inclusive pela

“política agrária” com a implantação de vários assentamentos de reforma agrária.1 Tam-bém os incentivos à exportação e a construção de infra-estrutura de transporte e escoa-mento geraram novos investimentos na produção agropecuária, tornando mais agudosos problemas sociais e ambientais.

Os planos oficiais de ocupação da Amazônia foram definidos a partir da concepçãode que a região tratava-se de um “vazio demográfico”. Na década de 40, no governoVargas, foi iniciado o primeiro plano oficial para ocupação do centro-oeste e Amazônia,incluindo a área da BR-163, chamado “Marcha para o Oeste”. A tarefa para organizaresse processo de ocupação foi destinada à Superintendência do Plano de Valorização daAmazônia (SPVEA).

Os governos militares pós-64 definiram como estratégia a integração nacional, quefoi iniciada pela “Operação Amazônia”, cuja ideologia serviu de lema ao chamado Pro-jeto Rondon: “integrar para não entregar”. Também fez parte da estratégia o apoio, osinvestimentos no campo e os incentivos fiscais da Superintendência do Desenvolvimen-to da Amazônia (SUDAM). Os governos militares transformaram os capitalistas do Sule Sudeste em grandes latifundiários que investiram na região, favorecendo a expansãoda pecuária que devastou a floresta na Amazônia Legal.2

Em 1966, foi criada a Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia(SUDAM), instituída pela Lei 5.173, em substituição à Superintendência do Plano deValorização Econômica da Amazônia (SPVEA). Criada durante a ditadura militar, nogoverno do general Humberto Castelo Branco, a SUDAM fazia parte de um plano

Capítulo I

A DINÂMICA AGRÁRIA E FUNDIÁRIA

DO ESTADO DO PARÁ

1 A maioria dos assentamentos está concentrada na região sul e sudeste do Pará onde, há muitos anos, os camponeseslutam pelo direito de acesso (assentamento) ou pela permanência na terra (manutenção e regularização de posses).2 Plano de Desenvolvimento Regional Sustentável para a Área de Influência da Rodovia BR-163, Cuiabá-Santarém.Grupo de Trabalho Interministerial. Decreto de 15 de março de 2004.

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estratégico traçado pelos militares para promover o desenvolvimento e a ocupação daAmazônia, diminuindo as desigualdades regionais através da integração da região aorestante do país.3

Em 1970, no governo do general Emílio Garrastazu Médici, foi lançado o Plano deIntegração Nacional (PIN), que tinha por objetivo a ocupação e povoação dos imensos“espaços vazios” da Amazônia. O Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária(INCRA) realizou, nesta época, uma análise das terras localizadas no Estado do Parácomo, por exemplo, das glebas localizadas em terras que hoje fazem parte da região deAnapu. Foi constatado que não havia naquelas terras propriedades particulares, ou seja,as áreas poderiam ser incorporadas ao plano de ocupação da Amazônia.4

Um dos projetos do PIN previa a construção de dois grandes eixos rodoviários naAmazônia: a Transamazônica e a Cuiabá-Santarém, que deveriam ligar a Amazônia aoresto do país. O Estado do Pará teve a sua integração física acelerada e consolidadadepois dos anos 1970, com a construção das estradas. A abertura das rodovias Belém-Brasília (BR-010) e Cuiabá-Santarém (BR-163) transformaram a história recente doPará.

A expansão e a colonização por estradasseguem ritmos diferenciados desde os últimos35 anos. Momentos acelerados (1975-85),momentos mais lentos (1986-1997), novaaceleração desde então. Esses períodos se tra-duzem com ritmos globais diferentes de des-matamento e violência, estando ligados à im-portância do dinamismo agroexportador,principalmente da pecuária, do minério e docultivo da soja.

A abertura de novas estradas e o proces-so acelerado de ocupação no Estado do Pará

têm reativado fronteiras econômicas antigas (como o que ocorre no nordeste, sul e oesteparaenses com o cultivo da soja e a exploração mineral) e movimentado novas fronteirascomo o que ocorre em Anapu, Castelo dos Sonhos (Altamira), Novo Progresso e SãoFélix do Xingu. Essas novas dinâmicas têm acelerado o processo de expropriação e ex-ploração irracional do território, que resultam em desmatamento e muita violência en-volvendo novos e antigos ocupantes do espaço territorial.

3 Miranda, Verônica Maria. Análise do trabalho desenvolvido pela SUDAM e pela SUFRAMA para o desenvolvimen-to da Amazônia. Brasileiro. Consultoria Legislativa da Câmara dos Deputados, Fevereiro de 2002. Disponível em:http://www2.camara.gov.br/publicacoes/estnottec/tema14/ index.html/view? searchterm=SUDAM4 Informações colhidas em documento divulgado pela organização Greenpeace: Grilagem de terras na Amazônia:Negócio bilionário ameaça a floresta e populações tradicionais, disponível em: http://www.greenpeace.org.br/amazonia/pdf/grilagem.pdf .

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Desde a gestão do governador Almir Gabriel (1994) que o Estado prioriza investi-mentos em produtos da tabela de exportação de commodities. A movimentação dasnovas fronteiras e o reativamento das antigas se pautam nessa lógica de investimentos naescala produtiva que se alinha com a política agropecuária nacional, centrada na grandeprodução para exportação. O resultado histórico da implementação desse modelo noEstado tem sido a violência, o desmatamento, o desemprego e a miséria, que assolam ocampo e a cidade.

1. GRILAGEM DE TERRA E GESTÃO TERRITORIAL

Conhecida como “grilagem”,5 a apropriação ilegal de terras públicas é marca cons-tante da formação da estrutura fundiária brasileira, caracterizando-se como componen-te importante do processo de concentração da terra. De acordo com levantamento rea-lizado em 1999 pelo governo federal, existem aproximadamente 100 milhões de hecta-res de território ilegalmente apropriado por particulares no Brasil.6 Essa área correspondea algo como três vezes o território da Alemanha, duas vezes o tamanho da Espanha oudez países como Portugal.

A grilagem, de acordo com dados do próprio governo, foi propiciada pela fragilida-de do sistema de registro de terras e ocorreu, no decorrer da história, através de diversosmecanismos: falsificação de títulos e seus registros, registro de escritura de compra evenda sem a linhagem da transmissão, invasão de áreas para derrubada da floresta eprática da pecuária extensiva e ainda por acréscimo de áreas nos documentos de posse.Outro fator fundamental para a ocorrência da grilagem foi a superposição de competên-cias entre a União e o Estado para proceder à titulação em vários períodos históricos.

De acordo com informações do Ministério do Desenvolvimento Agrário:

A grilagem de terras acontece normalmente com a conivência de serventuários de Cartóriosde Registro Imobiliário que, muitas vezes, registram áreas sobrepostas umas às outras — ouseja, elas só existem no papel. Há também a conivência direta e indireta de órgãos governa-mentais, que admitem a titulação de terras devolutas estaduais ou federais a correligionáriosdo poder, a laranjas ou mesmo a fantasmas — pessoas fictícias, nomes criados apenas paralevar a fraude a cabo nos cartórios. Depois de obter o registro no cartório de títulos de imóveis,o fraudador repetia o mesmo procedimento no Instituto de Terras do Estado, no Cadastro doIncra e junto à Receita Federal. Seu objetivo era obter registros cruzados que dessem à fraudeuma aparência de consistente legalidade.7

5 A grilagem de terras ocorre de formas distintas em diferentes regiões do país, mas geralmente acontece com a coni-vência de Cartórios de Registro Imobiliário que registram áreas inexistentes ou fornecem documentos falsos de pro-priedade. Grilagem de Terras — Perfil dos Proprietários/Detentores de Grandes Imóveis Rurais que não Atenderam àNotificação da Portaria 558/99, disponível em www.incra.gov.br6 Livro Branco da Grilagem, p. 12. Disponível em www.incra.gov.br. Acessado em 20-7-2005.7 Grilagem: balanço definitivo. Disponível em www.mda.gov.br. (acessado em 20-7-2005).

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Em 2000, a Câmara dos Deputados instalou uma Comissão Parlamentar de Inqu-érito (CPI) para investigar a ocupação de terras públicas na Região Amazônica8 (CPI dagrilagem). Essa CPI concluiu a este respeito que:

“A atividade notarial e registral tem grande importância no contexto da grilagem, porque éatravés da lavratura de certidões e do registro que são aparentemente legitimados os títulosque servirão para alicerçar a apropriação ilegal de terras.”

A situação da grilagem de terras na Região Norte é a mais grave de todo o país: deacordo com o INCRA, esta região é, isoladamente responsável por mais da metade daárea total suspeita de grilagem no Brasil. A extensão da área grilada também é impressi-onante: informações do Ministério do Desenvolvimento Agrário, datadas de 2001 ecom base em dados que consideraram apenas as propriedades com área superior a 10mil hectares, demonstram que 0,2% dos imóveis rurais suspeitos de grilagem, abran-gem 26% do território da Região.9

Nesse sentido, o relatório final da CPI da grilagem, apresentado em 29 de agostode 2001, apontou a existência de mais 30 milhões de hectares grilados no Pará. NoEstado do Amazonas, os números foram igualmente impactantes: 37 milhões de hecta-res. No Acre e em Rondônia, pelo menos 1,5 milhões de hectares foram identificadoscomo grilados.

As características dos proprietários/detentores dos imóveis suspeitos de grilagem daregião Norte em relação às demais regiões do Brasil, segundo o INCRA, são tambémdistintas: é nessa região que se verifica a maior área média por proprietário (em torno de69 mil hectares), bem como o maior número médio de imóveis por proprietário (1,4imóveis). Dentre os estados da região norte, o Estado do Pará é o que possui a maiorárea média por proprietário (cerca de 88 mil hectares).

Cerca de 15 milhões de hectares no Pará não apareciam na contabilidade do gover-no e surgiram depois que o INCRA passou a examinar áreas abaixo de 10 mil hectares,registradas em cartórios paraenses. Apenas os três maiores grileiros de terras no Estadodo Pará, juntos, alegam possuir cerca de 20 milhões de hectares (Carlos Medeiros dizpossuir 13 milhões de hectares, o grupo CRAlmeida reivindica em torno de 6 milhõese a Jari Celulose cerca de 3 milhões de hectares).

O “fantasma Carlos Medeiros”, como veremos abaixo, possui cerca de 1.200 títu-los de propriedade (falsos), espalhados por mais de 83 municípios, totalizando mais de13 milhões de hectares. O INCRA está prestes a concluir esse levantamento, que deverá

8 A CPI destinada a investigar a ocupação de terras públicas na Região Amazônica foi criada através do Requerimentonº 2/99 e instalada em 14 de março de 2000. O relatório final e demais documentos relacionados aos trabalhos da CPIestão disponíveis em http://www.camara.gov.br/internet/comissao/.9 Sabbato, Alberto Di. Perfil dos Proprietários/detentores de grandes imóveis rurais que não atenderam a notificaçãoda Portaria 558/99. Projeto de Cooperação Técnica INCRA/FAO. Projeto UTF/BRA/051.

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incluir cerca de 300 propriedades irregulares cuja posse ou domínio dificilmente pode-rão ser comprovadas por intermédio de documentação emitida por cartórios.

Esse processo de concentração de terra no Pará10 teve como componente essencial,além da superexploração do trabalho e dos recursos naturais (que possibilitaram acumu-lação e concentração de renda) a grilagem11 de terras públicas. Pode-se afirmar aindaque a grilagem de terras caminhou juntamente com os sucessivos ciclos de “desenvolvi-mento” da região: mineração, exploração da madeira, pecuária e, mais recentemente, aprodução de soja.

No que se refere ao Estado do Pará, o relatório da CPI da Câmara dos Deputadosdescreve com detalhes alguns dos que certamente, estão dentre os maiores casos degrilagem do Brasil. Em apenas um destes casos, o relatório aponta que o resultado foi aapropriação privada de cerca de 12 milhões de hectares, o que corresponde a 8% doEstado do Pará ou 1% de todo o território brasileiro.12 Esse caso de grilagem se apropriade uma área correspondente à soma dos territórios da Dinamarca, Holanda e Suíça.

Esta superoperação de falsificação de documentos teve início na metade da décadade 70, quando, uma pessoa chamada Carlos Medeiros — que atualmente sabe-se quenunca existiu — recebeu uma Carta de Adjudicação que lhe teria sido transmitidaatravés de um processo judicial de inventário, relativo à transmissão dos bens de ManoelFernandes de Souza e Manoel Joaquim Pereira. Os imóveis descritos na mencionadaCarta foram todos “legitimados” em 1975 pelo juiz da 2a Vara Cível de Belém, Arman-do Bráulio Paul da Silva, em um procedimento ilegal.13

De posse desse documento, Carlos Medeiros, sempre através de prepostos e pro-curadores, passa a efetuar vendas a terceiros, negociando áreas de todos os tamanhos eespalhando novos documentos fraudulentos. Através destes documentos fraudulentos,inúmeras posses de populações tradicionais e pequenos posseiros foram tomadas porgrandes grileiros. O processo judicial que deu origem às titulações irregulares desapare-ceu do Cartório em que foram arquivados em 1981.

Os autos desse processo foram restaurados apenas em 1993 e, ainda naquele ano, oPoder Judiciário determinou o registro de parte das áreas vendidas por Carlos Medeiros.O inventário e todos os atos processuais e registros feitos a partir desse processo só

10 O índice GINI do Pará é o 4o maior do Brasil (0,87), estando acima da média nacional que é 0,86.11 Confirmando este fato, o relatório da CPI da grilagem analisa o papel do Poder Público Estadual: “Os sucessivosgovernos do Estado a tudo assistiam inertes. E, nas poucas vezes em que procuraram servir como mediadores, tentandodisciplinar o já caótico panorama fundiário paraense, quase sempre viabilizaram os interesses concentracionistas, aopermitirem concessões e doações de terras e ao alienarem áreas públicas com enormes dimensões, promovendo, comtais ações destituídas de qualquer planejamento, uma crescente desagregação nas estruturas fundiárias anteriormenteexistentes.” (Relatório Final, p. 236)12 Relatório disponível em www.camara.gov.br.13 De acordo com dados do relatório, o mencionado juiz foi afastado da magistratura por cometer inúmeras irregula-ridades.

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foram anulados em 1995, quando o Tribunal de Justiça do Estado do Pará proferiuacórdão favorável a uma Apelação interposta pelo Instituto de Terras do Estado do Pará(ITERPA).

Durante depoimento na Comissão Parlamentar de Inquérito da AssembléiaLegislativa do Pará,14 o jornalista Lúcio Flávio assim descreveu a atuação da quadrilhaque promoveu a grilagem de milhões de hectares: “Então, na verdade, a origem foiarquitetada pelo dr. Veigas. Foi um grupo de advogados espertos que freqüentam oFórum, que transitam no Fórum, um dos quais, é irmão de um Desembargador, queinventaram essa história. A partir do momento que eles inventaram a bomba, outrosmais espertos e mais poderosos foram usando. Os 22 casos de manejo florestal em áreasgriladas de Carlos Medeiros que o dr. Felício Pontes (procurador da República do Pará)denunciou aqui, é a nova geração dos espertos que estão utilizando pra ganhar muitomais dinheiro do que eles, porque eles ganharam pouquíssimo dinheiro com isso”.

Reportando-se a outro incrível caso de grilagem de terras no Pará, o jornalistaLúcio Flávio escreveu:15

O Pará está oferecendo um bom exemplo sobre a necessidade do controle externo do poderjudiciário, um dos temas mais candentes no Brasil atual. O caso envolve a segunda maiorgrilagem de terras do país e, provavelmente do mundo. Diz respeito a uma área situada nofértil vale do rio Xingu, 800 quilômetros a oeste de Belém, atualmente sob o impacto defrentes econômicas pioneiras. Tendo, no mínimo, cinco milhões de hectares, essa grilagem,que consiste no uso de fraudes para a apropriação ilícita de terras públicas, pode atingir atésete milhões de hectares.

Continua, o jornalista:

Com esse tamanho, a área poderia formar o 27º Estado brasileiro em território, no total de 27unidades federativas do país. Corresponde a 6% da superfície do Pará, o segundo maior Esta-do da federação, com uma área de 1,2 milhão de quilômetros quadrados, que equivale àsuperfície da Colômbia, onde vivem quase 45 milhões de pessoas (a população do Pará é de 7milhões de habitantes).

O domínio dessa área, atribuído ao grupo empresarial CRAlmeida, é público, e foiapropriado à época em que o governo paraense e órgãos federais realizavam contratos dearrendamento com particulares, de áreas de castanha, seringa e caucho. Os contratos

14 A Assembléia Legislativa do Pará instalou uma CPI, em 1999, com o objetivo de “apurar denúncias de irregularida-des na área de terra adquirida pela empresa CRAlmeida no município de Altamira, no Estado do Pará”.15 Artigo publicado no Jornal Pessoal, sob o título Grilagem: uma história confusa e uma moral nada recomendável,escrito por Lúcio Flávio Pinto, Belém, 2/set./2004. No dia 21 de janeiro de 2005, esse jornalista “registrou queixa deagressão e ameaça de morte contra o empresário Ronaldo Maiorana e seus seguranças” (dono o maior conglomeradoempresarial de comunicações do Pará), resultado de seu compromisso histórico em defesa da Amazônia. Ver a nota deesclarecimento de Lúcio Flávio (22/01/2005) em www.amazonia.org.br.

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tinham, geralmente, a validade de um ano. Expiravam automaticamente quando nãoeram renovados e garantiam a exploração extrativista dos produtos oriundos da floresta.

Entre 1995 e 2002, consolidou-se no Pará o que é considerado o maior latifúndiocontínuo do mundo. Se trata de área pertencente às empresas Rondon Projetos Ecológi-cos Ltda e Indústria, Comércio, Exportação e Navegação do Xingu Ltda (INCENXIL),com extensão de 6 milhões hectares (60 mil km²), na região de Altamira (Terra doMeio). Ambas as empresas são controladas pelo empresário da construção civil CecílioRego de Almeida. A título de ilustração, este único latifúndio tem extensão superior àárea territorial total de seis estados brasileiros (Estados de Sergipe, Alagoas, Rio de Janei-ro, Espírito Santo, Rio Grande do Norte e Paraíba).

Devidamente identificado pela Comissão Parlamentar de Inquérito da AssembléiaLegislativa do Estado do Pará (instalada para investigar a grilagem de terras no Estado),esse latifúndio foi constituído através da apropriação ilegal de terras públicas pertencen-tes ao INCRA, Fundação Nacional do Índio (FUNAI) e ao Estado-Maior das ForçasArmadas.

Em relação às pretensões das empresas de Cecílio Rego de Almeida, após fortepressão da sociedade, o ITERPA ingressou com ação de nulidade das matrículas feitasno cartório de Altamira. O processo permaneceu desaparecido por dois anos e meio equando reapareceu foi com uma sentença (retroativa ao mês subseqüente ao desapareci-mento) em favor dos grileiros, devidamente assinada pelo juiz da Comarca.

Recentemente, o esquema de grilagem sofreu um revês, apontado na perspectivado enfrentamento da grilagem. O Ministério Público Federal ajuizou Ação Civil Públi-ca contra o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis(IBAMA) e a empresa Indústria, Comércio, Exportação e Navegação do Xingu Ltda(INCENXIL), de propriedade do Grupo CRAlmeida, com objetivo de impedir que oIBAMA indenizasse essa empresa pela desapropriação de aproximadamente 4,7 milhõeshectares, localizados na Terra do Meio16 e com titulação falsa decorrente do esquema defalsificação de títulos acima descrito. A Justiça Federal deu liminar ao Ministério Públi-co que obteve tutela antecipada, impedindo que o IBAMA pague qualquer valor àINCENXIL a título de indenização pela área da Fazenda Curuá.

Se, no passado, a cobiça pela região do vale do Xingu era resultante da disputapelos produtos extrativos da floresta, atualmente a busca é pelo mogno, o ouro verde daAmazônia. Esse chega a custar 1.800 dólares o metro cúbico no mercado europeu,saindo a um custo de 100 dólares do interior das florestas amazônicas. Diferentementetambém daquele período, onde os desbravadores e expropriadores eram comerciantes ecoronéis da oligarquia paraense, hoje são fazendeiros do centro sul do país, grileiros,produtores de soja e multinacionais exploradoras de minério.

16 Em parte desta área, o governo federal criou a Reserva Extrativista Riozinho do Anfrísio em 8 de novembro de 2004.Como o decreto presidencial autorizava o IBAMA a proceder desapropriações por interesse social de imóveis rurais dedomínio privado e suas benfeitorias identificados dentro da Reserva Extrativista, certamente o governo pagaria inde-nização por uma área grilada e pertencente à União.

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De acordo com o relatório final da Comissão Parlamentar de Inquérito realizadana Assembléia Legislativa do Estado do Pará, em 1999:

A situação é tão caótica e crítica que existem municípios cuja área registrada nos cartórioscomo imóveis de particulares é superior à sua extensão territorial (...): ‘o município de Acarácom uma superfície de 854.200ha, tem 1.040.112,7ha registrados no cartório; Tomé-Açu,com uma superfície de 582.200ha, tem 819.314,8ha registrados em cartório; Paragominas,com uma superfície de 2.716.800ha, tem 3.327.234ha registrados em cartório; e, o caso maisclamoroso, Moju, que apesar de ter uma extensão territorial de 1.172.800ha já tem registradoem cartório 2.750.080,4ha, ou seja, já registrou até terrenos no céu.

A grilagem de terras públicas, associada à extração ilegal de madeira e ao desmata-mento, constitui outra grave violência, em muitos casos, incentivada pelas própriasautoridades do governo e do Judiciário. O processo de grilagem sempre foi favorecidopelo próprio ente estatal. O Instituto de Terras do Pará (ITERPA), criado em 1975 como objetivo de assumir o controle administrativo das terras, segundo Flávio Pinto, “aca-bou se transformando numa instância governamental para a resolução de problemas degrandes grupos interessados em terras no Pará”.

Em depoimento na CPI da Assembléia Legislativa, o jornalista Flávio Pinto aindaressaltou que,

Em 1975 foi a última tentativa do Estado em ter um controle administrativo, quando criou oITERPA. (...) Quem for ler com atenção a lei que criou o ITERPA, verificará que ali estácheio de alçapões e armadilhas para os poucos privilegiados de escritórios de advocacia utiliza-rem aquela estrutura para seus parceiros, seus clientes. (...) Então, o ITERPA acabou se trans-formando numa instância governamental para resolução de problemas de grandes gruposinteressados em terras no Pará, e eu acho que o ITERPA não conseguiu cumprir sua função.17

As agências oficiais ambientais e de reforma agrária, estaduais e federais, não ado-taram medidas efetivas para coibir a crescente apropriação ilegal de terras públicas. Ocaos fundiário no Pará alcançou tal dimensão que, em muitas oportunidades, o governofederal acabou desapropriando áreas públicas griladas por grandes fazendeiros. Exemploclássico desta situação foi a desapropriação da Fazenda Flor da Mata, em 1998, localiza-da em São Félix do Xingu. Esta área, falsamente particular, estava localizada em áreaindígena e tinha trabalho escravo. Apesar de todas estas ilegalidades, a área foi desapro-priada e a indenização (pagamento da terra e benfeitorias) foi um valor 25 vezes superi-or ao pago pelos fazendeiros pelos títulos falsos.

17 Trechos do depoimento do jornalista Lúcio Flávio Pinto na CPI da Grilagem na Assembléia Legislativa do Estado doPará.

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A grilagem de terras tem sido, portanto, o pano de fundo das mais variadas for-mas de violação dos direitos humanos no Estado do Pará. Essas violações vão desde anegação de um meio ambiente ecologicamente equilibrado, com a extração criminosados recursos florestais, até a expulsão violenta e prisões dos pequenos posseiros. Essesocupam a terra, há décadas, mansa e pacificamente. As violações agravam-se com aspráticas de trabalho escravo e culminam com o número assustador de assassinatos detrabalhadores e suas lideranças em decorrência das invasões dos grileiros.

A apropriação ilegal de terras públicas é fortemente relacionada às violações dedireitos humanos existentes na Região Amazônica, em geral, e no Pará, em particular.Primeiro porque é componente essencial da concentração de terra, que por sua vez,possibilita a violação de direitos econômicos, sociais e culturais, sendo fortemente asso-ciada à perda de território pelas populações tradicionais, posseiros, trabalhadores ruraise extrativistas.

Os recursos dos projetos aprovados pela SUDAM financiaram benfeitorias queeram posteriormente indenizadas, quando o fazendeiro era obrigado a devolver a áreapara a União, constituindo um “ciclo da indenização” e uma estreita relação entre recur-sos públicos e grilagem. Na verdade, os recursos públicos da SUDAM acabaram promo-vendo a grilagem de terra na Amazônia, porque, primeiro, terras apropriadas ilegalmen-te cumpriam a função de “garantia” exigida para empréstimos. Segundo, os projetosfictícios de investimentos na agropecuária exigiam a apresentação de área disponívelpara sua implementação, estimulando a grilagem de terras públicas.

Em inúmeros casos, a ilegalidade dos títulos das falsas “propriedades” é a motiva-ção dos latifundiários na utilização da força, da violência e da corrupção para garantir aposse e impedir a intervenção de órgãos públicos na regularização fundiária. Além disso,diversos documentos oficiais, dentre eles o Plano de Combate ao Desmatamento, apon-tam que uma medida essencial nas políticas públicas que visam diminuir à degradaçãoambiental da Amazônia é o combate à grilagem de terras.

A problemática que envolve os conflitos e a violência no Estado do Pará se colocaem um contexto de ausência da gestão oficial do território, principalmente no que tangeao processo de ocupação das zonas de fronteira e à gravidade da questão agrária. Há umaomissão, conivência ou ainda ação direcionada do Estado nesses cenários, marcados pelaapropriação ilegal dos recursos naturais, indefinição da propriedade da terra (incenti-vando a prática da grilagem e a apropriação ilegal de terras públicas) e pela violência.Essa é realizada por ações policiais em despejos e pela atuação de milícias privadas, queprocuram coibir ações dos movimentos sociais organizados, e é incentivada pela moro-sidade da Justiça e pela impunidade.

A gestão territorial por parte do Estado é um tema que se coloca com mais gravi-dade na fronteira, mas não deixa de ser uma problemática que envolve quase a totalida-de da extensão territorial rural. No Pará, os dados são alarmantes, pois dos mais de 124milhões de hectares, apenas 40 milhões, cerca de 32,1% do total da área do Estado,estão nos cadastros oficiais do Sistema Nacional de Cadastro Rural (SNCR). Enquanto

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que mais de 84 milhões de hectares, cerca de 67,8% da área total, estão fora dos regis-tros oficiais do SNCR.

Essa situação se agrava ainda mais se considerarmos as estatísticas dos imóveisrurais. Das áreas que se encontram cadastradas (32,1% do total), cerca de 24 milhões dehectares estão em apenas 26 mil propriedades e o restante (16 milhões de hectares) estáem 84.124 posses. Isso totaliza apenas 111 mil imóveis cadastrados, os quais concen-tram mais de 30% da área total, evidenciando um alto índice de concentração fundiáriano Estado.

A análise detalhada dos imóveis paraenses cadastrados no SNCR confirma a teseacima. Dos 111 mil imóveis rurais cadastrados, cerca de 100 mil (90% do total cadastra-do) têm áreas de até 500 hectares e detém 7,3 milhões de hectares, correspondente a 18%da área cadastrada. Enquanto que 5.414 posses (6% do total), com área acima de 500hectares, detém mais de 10 milhões de hectares, ou seja, cerca 25% do total das áreascadastradas, com concentração nos imóveis que possuem entre 2 e 5 mil hectares.18

Os dados indicam, de um lado, a falta de gestão no território por parte do Estado,sendo conivente com a grilagem (apropriação ilegal de terras públicas), não tomandomedidas para arrecadar ou registrar terras públicas, não incentivando o cadastramentodas áreas privadas, etc. Por outro lado, esses dados confirmam o alto índice de concen-tração fundiária, reforçando a lógica de conivência dos governos estaduais na concessãode posses aos latifundiários.

Os governos não reconhecem publicamente esse quadro caótico e dramático, massabem que a situação é grave e necessita de um plano estratégico eficaz, a curto e a longoprazos. Como a “fronteira” no Pará está em vias de se fechar19 pela expansão acelerada dadinâmica econômica, novos agentes do agronegócio estão ávidos por mais terras. Issodesafia o Estado a dar soluções no que tange a gestão territorial, ou de outra forma osconflitos se acentuarão, acompanhados de violência, morte e destruição.

Parte significativa dos conflitos fundiários e problemas ambientais é resultado daimplantação dos projetos de colonização, promovidos pelos governos militares. Sob égidedo Estatuto da Terra, a política agrária era baseada na distribuição de áreas nas novasfronteiras agrícolas, como uma forma de diminuir a pressão por terra nas regiões sul,sudeste e nordeste. Os projetos de colonização, incentivados por propaganda e recursosgovernamentais, promoveram o deslocamento de milhões de famílias em direção àAmazônia. A falta de assistência governamental, no entanto, fez surgir novos focos deconflitos e disputas por terra, aumentando a violência no campo e a destruição ambien-tal na região.

18 Dados do Sistema Nacional de Cadastro Rural (SNCR) do INCRA.19 O fechamento da fronteira se dá pelo avanço acelerado das frentes produtivas centradas na exploração florestal,mineral e no agronegócio, ocupando e apropriando as últimas áreas de terras disponíveis, que ainda possuem áreasflorísticas preservadas.

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O grande desafio é a pouca tradição na gestão eqüitativa das terras públicas. OEstado sempre impulsionou e até planejou a dinâmica econômica, inclusive oferecendoincentivos fiscais para os grandes investimentos na aquisição de terras na Amazônia.Utilizou, no entanto, o discurso da “livre concorrência” para justificar a não-atuaçãonos processos de apropriação ilegal das terras. Foi amplamente conivente, inclusive,com a grilagem de grandes áreas de terras na esperança de atrair investimentos emprojetos agropecuários, capazes de promover o desenvolvimento econômico. O resulta-do, no entanto, vem sendo o aprofundamento da concentração da propriedade da terra,gerando violência e pobreza no meio rural paraense.

2. CONFLITO E VIOLÊNCIA NO MEIO RURAL

O Estado do Pará tem sido marcado e conhecido, nacional e internacionalmente,pelos graves e violentos conflitos pela posse da terra, os quais nas últimas décadas, viti-maram centenas de trabalhadores rurais, dirigentes sindicais, religiosos, advogados,ambientalistas, parlamentares e outros defensores dos direitos humanos.

A dinâmica dos conflitos de terra na fronteira é explicada pela sobreposição entreduas economias antagônicas: terra para trabalho (camponeses) versus terra de explora-ção (empresários e fazendeiros). Assim, a onda de migrantes aflui à fronteira em buscado acesso a meios de trabalho e a liberdade, caindo na subordinação capitalista. SegundoMartins, “Na fronteira ocorre então um conflito endêmico entre a apropriação de terraslivres por camponeses independentes e a conversão da terra em capital”.20

Alfredo Wagner, analisando a dinâmica dos conflitos agrários na Amazônia, afirmaque: “Os conflitos agrários na região amazônica passaram a ser formalmente reconheci-dos como questão relevante para a intervenção governamental na segunda metade dadécada de 1970-80, do século XX. Então, a despeito do vigor das ações repressivas, osconflitos ampliavam-se e erigiam obstáculos à implantação dos projetos agropecuários,madeireiros e de mineração, que ameaçavam o sistema de apossamento preexistente”21.

Alfredo Wagner relata que, tanto no período militar como nos anos de transiçãodemocrática, o Estado brasileiro tratou as questões relacionadas aos conflitos e a violên-cia no campo, principalmente em área de fronteira, como parte da tecnocracia estatal.Não priorizou efetivamente o controle dos confrontos endêmicos do interior da frontei-ra amazônica. Ainda segundo esse autor,

O descompasso entre a intensificação dos conflitos de terra e o caráter irregular e desigual daintervenção governamental têm-se constituído num traço marcante da estrutura agrária daregião amazônica no decorrer das duas últimas décadas. Prevalece neste período uma represen-

20 Martins, José de Souza. Fronteira: a degradação do outro nos confins do humano. São Paulo. Hucitec, 1997.21 Almeida, Alfredo Wagner Berno de. O intransitivo da Transição: o Estado, os conflitos agrários e a violência naAmazônia. In: Amazônia — fronteira agrícola 20 anos depois. Museu Emílio Goeldi, 1991, p. 263.

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tação oficial algo tecnocrática dos conflitos, e particularmente da violência, considerados comofatores inerentes à modernização da agricultura e ao desenvolvimento das forças produtivasnuma região de fronteira agrícola. Interpreta-se de maneira naturalizada o acirramento dastensões sociais e dos confrontos no endosso tácito à concentração fundiária sob o ditame daforça bruta e da coerção. A subjugação pela violência, de diferentes segmentos camponesesdenominados regionalmente de posseiros e peões, e de diversos grupos indígenas, não obstanteprovocar declarações públicas de indignação moral, manifesta-se implicitamente, nos mean-dros desta lógica, como um “fato necessário” e peculiar aos processos econômicos e às estrutu-ras políticas de uma situação de fronteira, delineando-se numa constante observável tanto emperíodos explicitamente ditatoriais (1964-85), quanto em conjunturas definidas como de “tran-sição à democracia” (1985-89). Sem conhecer maiores reversões essa tendênciaconcentracionista, de certo modo reproduz, na fronteira, padrões culturais intrínsecos à for-mação de latifúndios tal como verificada em áreas de colonização antiga. O princípio dasubordinação dos camponeses por atos coercitivos e por modalidades diversas de banditismo epistolagem mostra-se historicamente coextensivos à consolidação dessa grande propriedadeterritorial fundada num acesso aos meios de produção pela destruição dos sistemas deapossamento preexistente e na adoção de mecanismos de imobilização, como a peonagem dadívida, que configuram modalidade extrema de repressão da força de trabalho.

A maioria dos conflitos que envolvem a questão agrária é acompanhada pela práti-ca de pistolagem, fenômeno que começou também a integrar o cotidiano de ocupaçãoda terra. Esse fenômeno é recente no Pará e na Amazônia, datando de mais ou menostrinta anos. Mas, não só neste aspecto o pistoleiro da Amazônia difere do cangaceiro edo capanga do Nordeste. Ele tem uma origem histórica e social diferente e possui umanatureza também própria.

O pistoleiro surge na região para proteger de “invasão” (por parte de posseiros) asgrandes extensões de terras adquiridas por latifundiários, mas ociosas ou improdutivas.Um pistoleiro pode ser contratado para expulsar camponeses de terras ocupadas, paraassassinar lideranças e sindicalistas, ou ainda para “ajudar” nas ações policiais de despejode posseiros. Como o contingente policial era, e ainda é, insuficiente para executardespejos forçados, fazendeiros contrataram pistoleiros para reforçar os contingentespoliciais encarregados da expulsão.

Sob o olhar conivente e tolerante do Estado, empresas e grileiros formaram milíci-as privadas, a que chamam de “vigilância” ou “segurança”, montadas para garantir aposse e a defesa da terra na Amazônia.22 Assim, estabeleceu-se um compartilhamento de

22 As estratégias adotadas pelos latifundiários e grileiros para combater as ações dos trabalhadores rurais e defensoresincluem também a formação de “empresas de segurança” clandestinas, com o uso de armamento pesado, sessões detreinamento e ataques a trabalhadores acampados. A página da União Democrática Ruralista (UDR) apresentava, emjulho de 2002, um artigo intitulado “Segurança Privada na propriedade rural: direito”, justificando o armamento defazendeiros para a sua “autodefesa”.

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objetivos comuns entre fazendeiros interessados nas terras, autoridades que ignoravama participação das milícias privadas de defesa das fazendas, políticos beneficiados comterras e a pistolagem.

Mesmo com o processo de redemocratização do país, o Estado não conseguiu recu-perar para si o poder de polícia que, informalmente, havia antes delegado ou repartidocom fazendeiros da região para ajudar a “pôr ordem” nas questões fundiárias e nosconflitos delas decorrentes. A origem central da pistolagem na Amazônia é clara: decor-re da repartição do poder do Estado com os integrantes, defensores e prepostos do novocapital que se instalou desordenadamente na região desde os anos de 1970.

O Estado tolerou, durante várias décadas, esta divisão do poder de polícia, igno-rando as denúncias da Comissão Pastoral da Terra e de outras organizações sobre aparticipação de pistoleiros nos contingentes policiais e a formação de milícias privadas.Esta prática flagrante de violação dos direitos humanos enraízou-se nas relações sociais epolíticas da região. Hoje, o Estado procura retomar o controle desta situação que enver-gonha a sociedade brasileira, mas tem dificuldade em dominar esta anomalia que deixoucrescer.

O Pará carrega alguns tristes títulos, como o de campeão dos conflitos de terra e demortes. De fato, nos últimos dez anos, os números relativos aos conflitos, mortes eameaças de morte são excessivamente elevados, conforme se vê na tabela a seguir.

TABELA 1:CONFLITOS NO PARÁ 1994-2004

1994 1995 1996 1997 1998 1999 2000 2001 2002 2003 2004 TOTAL

Conflito de terras 35 38 63 60 37 86 53 115 110 136 104 837

Assassinatos 12 14 33 12 12 9 5 8 20 33 15 173

Ameaças de morte 42 54 24 29 11 36 17 46 78 61 103 501

Fonte: Cadernos de Conflitos no Campo — Comissão Pastoral da Terra, 200423

Os registros da CPT (Comissão Pastoral da Terra) mostram que, de 1971 a 2004,foram assassinados 772 camponeses e outros defensores de direitos humanos no Pará,sendo que a maioria dessas mortes (574 casos) foi registrada na região sul e sudeste doEstado. Na primeira metade do período mencionado (1971-1985) foram registrados

23 A CPT define como “conflitos por terra” as ações de resistência e enfrentamento pela posse, uso e propriedade daterra e pelo acesso a seringais, babaçuais ou castanhais, quando envolvem posseiros, assentados, remanescentes dequilombos, parceleiros, pequenos arrendatários, pequenos proprietários, ocupantes, sem-terra, seringueiros, quebradeirasde coco babaçu, castanheiros, etc.

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340 assassinatos em conflitos fundiários. Na segunda metade do período (1986-2004)foram vitimados 432 camponeses, demonstrando assim a persistência no tempo do pa-drão de violência existente no Pará.

Importante registrar que no decorrer dos mandatos do presidente da RepúblicaFernando Henrique Cardoso, ao longo do período 1995-2002, segundo dados e regis-tros coletados pela Comissão Pastoral da Terra, foram assassinados 271 trabalhadoresrurais e lideranças, em conflitos relacionados à posse da terra em todo o país. Dessetotal, 113 trabalhadores rurais foram mortos no Estado do Pará, na gestão do governa-dor Almir Gabriel, correspondendo a 41,69% dos registros nacionais. Somente no últi-mo ano do período (2002) foram assassinados 20 trabalhadores rurais no Pará, corres-pondendo a 46,51% do total nacional (43 casos).

No período 1985-1994, o número de trabalhadores rurais assassinados no Parácorrespondeu a 39,23% do total nacional dos registros. Ao longo do período 1995-2002, registram-se os dois anos de maior participação proporcional do Estado sobre ototal nacional de assassinatos de trabalhadores rurais: 1996 com quase 72% dos casos e2002 com quase 47%. Em nenhum ano entre 1964 e 1994, foram identificados núme-ros proporcionais tão elevados como em 1996 e 2002. Esses números indicam clara-mente a continuidade da dinâmica de violência no Pará, inclusive com ligeiro incre-mento na participação proporcional sobre o total de assassinatos em termos nacionais.

Nos dois primeiros anos do governo Lula, esse quadro de violência não mudou,pois foram 48 assassinatos no Pará. A esperança alimentada em torno de uma possívelaceleração da política de reforma agrária, provocou um aumento vertiginoso das famíli-as em acampamentos e ocupações de latifúndios. A excessiva demora do governo emdesapropriar as terras provocou uma reação violenta dos latifundiários, culminando noassassinato de dezenas de trabalhadores e lideranças populares.

A título de ilustração sobre o trágico e crescente padrão de violência no Pará, maistrabalhadores rurais foram assassinados no período 1995 a 2004 (169 ocorrências) doque nos primeiros quinze anos de ditadura militar (1964-1979), quando 89 trabalhado-res foram mortos, precisamente os anos que são tradicionalmente considerados os demais intensa repressão aos movimentos populares.

Os dados oficiais são ainda mais estarrecedores. No final do ano de 2002, a Secre-taria Especial de Defesa Social do Estado do Pará publicou estudo intitulado “Inventáriode Registros e Denúncias de Mortes Relacionadas com a Posse e Exploração de Terra noEstado do Pará 1980-2001”. Neste levantamento, os dados referentes ao período 1995-2001 indicam o número de 328 assassinatos no Pará em conflitos pela posse e explora-ção da terra. A fonte destes estudos são os registros criminais da Delegacia Especializadaem Conflitos Agrários da Polícia Civil do Estado.

Em todos os anos do período 1995-2004, o Pará foi o Estado com o maior númerode assassinatos de trabalhadores rurais em conflitos relacionados à posse da terra. Nesseperíodo, houve ainda 128 tentativas de assassinato e foram registradas 459 ameaças demorte contra trabalhadores rurais e outros defensores dos direitos humanos no Pará.

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Raimundo Deumiro de Lima dos Santos

Benedito Freire

Raimundo Pereira do Nascimento

Dionísio Pereira

Ednalva Rodrigues Araújo

Sebastião Alves de Sousa

José Agrício da Silva

filhos de José Agrício

Raimundo Vicente da Silva

Tereza Ferreira da Silva

Gilson José da Silva

Francisco de Assis Soledade da Costa

Ivanilde Maria Prestes Alves

Genival Soares dos Santos

Raimundinho

Maria Joel Dias da Costa

José Soares de Brito

Antonio Gomes

Maria do Espírito Santo

Cordiolino José de Andrade

Geraldo Soares Fernandes

Tarcisio Feitosa da Silva

Carmelita Felix da Silva

Sandra Barbosa Sena

Maria de Fátima Moreira

Cícero Pinto da Cruz

Geraldo Margela de Almeida Filho

J. L. S. (53 anos)

Francisco de Assis dos Santos Souza

Gabriel de Moura

Pe Amaro Lopes de Souza

Idalino Nunes Assis

Adernei Guemaque Leal

Antonio Ferreira de Almeida Silva

Raimundo Nonato dos Santos (Índio)

Raimundo Nonato Costa Silva (Italiano)

Manoel

Antonia Melo da Silva

Claudio Wilson Soares Barbosa

José Claudio Ribeiro da Silva

Odino Ferreira da Conceição

Frei Henri des Reziers

Elias Pereira de Sousa

Eloina Estevão de Araujo (Maria)

Deurival Xavier Santiago

Raimundo Paulino da Silva

Sebastião Rodrigues de Castro

Maria Gorete Barradas

TABELA 2:PESSOAS AMEAÇADAS DE MORTE NO ESTADO

Fonte: Comissão Pastoral da Terra (Regional do Pará)

Em termos absolutos e proporcionais, a violência contra trabalhadores rurais su-planta qualquer referencial nacional. No ano de 1996, 33 trabalhadores rurais foramassassinados no Estado do Pará. Este número representa 4,79% do número total dehomicídios (688 casos) em todo o Estado no mesmo ano. Ainda em 1996, foram aotodo 54 assassinatos de trabalhadores rurais no país, correspondendo a 0,12% do totaldo número de homicídios (42.131 ocorrências). A proporção do número de homicídiosde trabalhadores rurais sobre o total de homicídios foi, no Pará, 39 vezes superior àmédia brasileira de 1996.

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Durante o período 1995-2004, os assassinatos de trabalhadores rurais passaram aser mais seletivos, visando atingir os principais dirigentes do conjunto dos movimentossociais rurais. O objetivo é impedir o fortalecimento das organizações dos trabalhadoresque lutam pela reforma agrária, pela preservação ambiental e pelos direitos humanos.Os assassinatos de Onalício Araújo Barros (Fusquinha), em 1998; José Dutra da Costa(Dezinho), em 2000; Ademir Alfeu Federicci (Dema), em 2001; José Pinheiro Lima(Dedé), em 2001; Bartolomeu Morais da Silva (Brasília), em 2002; Ivo Laurindo doCarmo, em 2002; Ribamar Francisco dos Santos, em 2004 e irmã Dorothy, em 2005são indicativos precisos do novo padrão de violência contra trabalhadores rurais e defen-sores no Pará.

Ao longo do período 1995-2004, a violência física contra trabalhadores rurais seexpandiu fortemente para diversas regiões do Estado do Pará, não se limitando mais àsregiões sul e sudeste, tradicional área de intensos conflitos. Especialmente nas novasáreas de expansão da fronteira agrícola, ao longo dos rios Xingu (Altamira e São Félix doXingu) e Curuá (Novo Progresso), importantes dirigentes sindicais rurais passaram a sersistematicamente assassinados. As mortes de Bartolomeu Morais da Silva (o Brasília),ocorrida em 2002, de Ademir Alfeu Federicci (o Dema), ocorrida em 2001, e de irmãDorothy, em 2005 são representativas desta nova fase do padrão de violência físicacontra lideranças populares. (Fotos: Foto1, Foto 2, Foto 3)

“Abril Vermelho”, 2004, Suldo Pará – Foto: João Laet

Manifestação na Curva do “S”, local emque ocorreu o Massacre de Eldorado doCarajás em 17 de abril de 1996.Foto: João Laet

Prisão de Trabalhadores Rurais emMarabá. Foto de João Laet

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3. A PRÁTICA DO TRABALHO ESCRAVO

O Pará, lamentavelmente, não desponta no cenário nacional apenas em assassina-tos no campo, mas também em uma série de outros crimes, cometidos contra as pessoase o meio ambiente, como casos de trabalho escravo, grilagem de terra pública, desmata-mento ilegal, despejos violentos, ameaças de morte, etc. Infelizmente, esse cotidianoviolento tem marcado a vida das populações pobres e do ecossistema amazônico.

De acordo com dados da Campanha Nacional de Combate ao Trabalho Escravo,coordenada pela CPT, nos últimos cinco anos, mais de 300 fazendas foram denunciadaspela prática do crime de trabalho escravo, envolvendo mais de 10 mil trabalhadores. Emresposta a essas denúncias, a fiscalização móvel do Ministério do Trabalho conseguiulibertar em torno de 50% desses trabalhadores.

Mesmo nos últimos dois anos, apesar da dura fiscalização, esta triste realidadeainda persiste na maioria das grandes fazendas do Estado. Uma realidade que não inco-moda as autoridades do governo e do Judiciário paraense. A Terra do Meio possui amaior concentração de uso de trabalho escravo do país. Estimativas aproximadas daCPT indicam que cerca de 10 mil trabalhadores são mantidos escravizados na região.

A situação do trabalho escravo no Pará é amplamente conhecida e documentada.Repetidamente, nos últimos anos, a imprensa tem noticiado o drama vivenciado pormilhares de trabalhadores rurais. Os membros da Comissão Interamericana de DireitosHumanos da OEA,24 com base em visita realizada ao Pará, constataram que:

A mesma situação de pobreza e de falta de oportunidades provocadas pela má distribuição deoportunidades de acesso à terra e serviços, leva à exploração, em condições de servidão, dostrabalhadores rurais. A Comissão comprovou a existência no Pará de grupos que se aprovei-tam dessas condições para conduzir trabalhadores desse e de outros Estados a situações desemi-escravidão, estabelecendo, ainda, um clima de insegurança e ilegalidade através de agres-sões físicas tanto contra os trabalhadores como contra seus defensores. Sua impunidade estáassegurada pela lentidão e inoperância do sistema judicial, bem como pela falta de eficácia dasautoridades para prevenir e punir suas atividades.

Face à compreensão do problema, a Organização do Estados Americanos determi-nou ao Brasil, “adotar legislação e políticas efetivas para pôr fim às situações de trabalhoem condições de servidão e das ações de empreiteiros e criminosos que perpetuam suaexistência. Criar condições especiais de segurança e plena vigência de direitos aos líderessindicais e trabalhadores rurais, especialmente em áreas onde ocorrem mais denúncias arespeito da persistência de trabalho em condições de servidão rural”. Tais recomenda-ções não foram atendidas pelo governo brasileiro.

24 Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos. Relatório sobre a Situa-ção dos Direitos Humanos no Brasil. Washington: Organização dos Estados Americanos, 1997, p. 133.

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Exemplo patente do fracasso das iniciativas oficiais na repressão ao trabalho escra-vo é a taxa de reincidência constatada no período 1995-2002. A Fazenda Brasil Verde(Xinguara) foi denunciada em 1996 (78 trabalhadores escravos) e, no ano seguinte, foiconstatada a reincidência (49 trabalhadores escravos). A Fazenda Santa Lúcia(Curionópolis) denunciada em 1996 (133 trabalhadores escravos) foi novamente de-nunciada em 2002 (25 trabalhadores escravos). Dentre as 117 fazendas denunciadas em2002, 27 eram reincidentes na prática de trabalho escravo.

Incluindo o ano de 2002, a Fazenda Forkilha, localizada em Santa Maria das Bar-reiras, pertencente a Jairo Andrade, foi denunciada por reincidência no uso de trabalhoescravo em dez anos diferentes. A Fazenda Rio Vermelho, localizada em Sapucaia epertencente ao Grupo Quagliato, foi denunciada em nove diferentes anos por reinci-dência.

Diante deste quadro, em 2003, o governo federal lançou o Plano Nacional para aErradicação do Trabalho Escravo, uma articulação entre várias instâncias dos PoderesExecutivo e Judiciário e a sociedade civil organizada, que tem como objeto principal aerradicação de todas as formas contemporâneas de escravidão. Esse Plano apresenta umconjunto de ações que visam melhorias das estruturas administrativas do Grupo deFiscalização Móvel (do Ministério do Trabalho e Emprego), da Polícia Federal e dosMinistérios Público Federal e do Trabalho. O Plano prevê ainda a elaboração de açõesespecíficas de promoção da cidadania, combate à impunidade e de conscientização,capacitação e sensibilização.25

O Pará é alvo desse Plano Nacional não só por concentrar um grande número defazendas que utilizam mão-de-obra escrava, mas também porque diversos de seus mu-nicípios são palco de aliciamento de trabalhadores que se tornam escravos.26 O Planoprevê também ações específicas para cada Estado, sendo algumas delas para o Pará: 1)disponibilização permanente no Grupo de Fiscalização Móvel do Ministério do Traba-lho de 6 equipes para o Pará; 2) criação de Procuradorias da República nos municípiosde São Félix do Xingu, Xinguara, Conceição do Araguaia e Redenção; 3) instalação deDefensorias Públicas da União e Estados em municípios do Pará; 4) instalação de Varasda Justiça do Trabalho nos municípios de São Félix do Xingu, Xinguara e Redenção; 5)implementação de atuação itinerante da Delegacia Regional do Trabalho no sul do Pará;6) disponibilização permanente para a execução das atividades de Polícia Judiciária pela

25 Relatório disponível em: www.mte.gov.br/Empregador/FiscaTrab/TrabEscravo/ErradicacaoTrabalho Escravo/Conteudo/7337.pdf.26 O cadastro de empregadores que sofreram processo administrativo pela utilização de mão-de-obra escrava foi criado pelaPortaria no 540 de 18 de outubro de 2004 do Ministério do Trabalho. Essa lista apresenta 68 fazendas no Estado do Pará queforam autuadas por existência de mão-de-obra escrava (listagem disponível em: http://www.mte.gov.br/Noticias/download/lista.pdf). Os municípios de Redenção, Açailância, Marabá, Santana do Araguaia, Sapucaia, Xinguara e Curionópois são deonde se originam grande parte dos trabalhadores aliciados que foram libertados por ações de fiscalização (Observatório Socialem Revista: Trabalho Escravo no Brasil, São Paulo, Observatório Social, no 06, 2004, p.6, anexo III).

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Polícia Federal, no combate ao trabalho escravo, 60 agentes e 12 delegados no Estado;7) criação de Delegacias da Polícia Federal nos municípios de São Félix do Xingu, Tucuruíe Redenção com trabalho específico para a erradicação da escravidão.

Desde o lançamento do Plano, em 2003, poucas ações voltadas para o Estado doPará foram concretizadas. As Procuradorias da República nos municípios de São Félixdo Xingu, Xinguara, Conceição do Araguaia e Redenção ainda não foram criadas (oPará conta com apenas duas Procuradorias Federais no interior do Estado — Marabá eSantarém — além da Procuradoria localizada na capital).27 Quanto à Defensoria Públi-ca da União, o Pará conta apenas com um Defensor Público Federal que atende a todoo Estado, sediado na capital.28 A implantação de Varas do Trabalho nos municípios deSão Félix do Xingu, Xinguara e Redenção não foi plenamente efetuada. Em 2 de julhode 2004, foi criada a Vara do Trabalho de Redenção que tem jurisdição sobre váriosmunicípios. Essa Vara conta somente com um cargo de juiz titular, que está vago, e asatividades são desenvolvidas por juízes substitutos, que permanecem pouco tempo nomunicípio.29

O Pará possui delegacias da Polícia Federal nos municípios de Marabá, Redenção,Santarém, Altamira, além da sede da Superintendência Regional localizada na capital;possui também Postos Avançados nos municípios de Óbidos, Anapu, Redenção e NovoProgresso.30 Não houve, até o presente momento, a criação de novas delegacias federaisnos municípios de São Félix do Xingu e Tucuruí, conforme previsto no Plano Nacional.A disponibilização permanente de 60 agentes e 12 delegados federais para ações decombate ao trabalho escravo também não foi concretizada. A Superintendência Regio-nal de Belém possui atualmente 12 delegados federais e as demais delegacias possuemum delegado-chefe e um ou dois delegados federais. Não há delegados ou agentes espe-cificamente voltados para atividades ligadas à erradicação do trabalho escravo.31

Todas estas ações previstas no Plano Nacional deveriam ser implementadas emcurto e médio prazo. Após dois anos de seu lançamento, medidas de grande importânciapara o combate ao trabalho escravo no Pará, como o fortalecimento da Polícia Federal,o aumento do número de Varas do Trabalho e de Procuradorias Federais para investiga-ção e processamento de denúncias de aliciadores e fazendeiros que utilizam a mão-de-obra escrava não foram efetuadas em sua totalidade, perpetuando a situação de impuni-dade e possibilitando novos aliciamentos de trabalhadores.

27 Informação disponível em: http://www.prpa.mpf.gov.br/instituicao/instituicao.php.28 O Defensor Público da União do Estado do Pará é dr. Anginaldo Oliveira Vieira. Informação disponível em: http://www.mj.gov.br/defensoria/links.htm#BELÉM/PA.29 Os municípios são: Redenção, Bannach, Cumaru do Norte, Pau d’Arco, Santana do Araguaia, Floresta do Araguaia,Xinguara, Água Azul do Norte, Ourilândia do Norte, Rio Maria, Piçarra, Sapucaia, São Félix do Xingu e Tucumã.Essas informações estão disponíveis em: http://www.trt8.gov.br/ vtredencao/index.asp?cod=vtredencao.30 Informação disponível em: http://www.dpf.gov.br.31 Informações obtidas junto à Superintendência Regional do Pará em 20 de setembro de 2005.

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O Plano também prevê, como metas de curto prazo, a aprovação da Proposta deEmenda Constitucional (PEC) nº 438/2001, que dispõe sobre a expropriação de terrasonde forem encontrados trabalhadores submetidos a condições análogas à de escravo e oProjeto de Lei nº 2022/1996 que dispõe sobre as vedações à formalização de contratoscom órgãos e entidades da administração pública e à participação em licitações por elespromovidas às empresas que, direta ou indiretamente, utilizem trabalho escravo na pro-dução de bens e serviços.

A PEC nº 438/2001 representa um grande avanço na luta pela erradicação dotrabalho escravo, mas vem passando por grandes entraves para sua aprovação. A propos-ta foi apresentada pelo senador Ademir Andrade em 1o de novembro de 2001 e, apósquase quatro anos de trâmite no Congresso Nacional, ainda está aguardando votaçãoem segundo turno no plenário da Câmara.32

Em maio de 2005, o presidente da Câmara dos Deputados, Severino Cavalcanti,comprometeu-se a colocar a PEC nº 438/2001 entre as prioridades de votação para osegundo semestre do ano, quando ocorreria a desobstrução da pauta.33 No entanto, essaPEC está fora da pauta de votação desde 14 de dezembro de 2004, e não foi colocadacomo prioridade da gestão do novo presidente da Câmara.34 O Projeto de Lei nº 2.022/1996, apresentado em 11 de junho de 1996, também se encontra parado desde 11 denovembro de 2004 na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania, sem nomea-ção de relator para sua análise.35

A busca pela aprovação da PEC n.º 438/2001 e do PL n.º 2022/1996 é ação deresponsabilidade, segundo o Plano, da Presidência da República, do Congresso Nacio-nal, do Ministério do Trabalho e Emprego e da Secretaria Especial de Direitos Huma-nos. Apesar da importância destas proposições para a erradicação do trabalho escravo,coibindo a prática e punindo responsáveis que se utilizam de mão-de-obra escrava, nãohá qualquer perspectiva de serem aprovadas, transformadas em lei e efetivamente im-plementadas. A aprovação da PEC nº 438/2001 possibilitaria o confisco das terras desessenta e oito fazendeiros do Pará que constam na “lista” do Ministério do Trabalho,36

autuados por submeter mais de dois mil trabalhadores à condição análoga de escravos,desde de 2003.

O trabalho escravo é utilizado por expoentes do agronegócio no Estado do Parápara diminuir custos da produção, com o aumento da competitividade do produto nosmercados interno e externo, já que os encargos trabalhistas não serão repassados ao

32 Ver tramitação da proposição em: http://www2.camara.gov.br/proposicoes.33 Informação disponível em: http://www.noticiasdoplanalto.net.34 Informação disponível em: http://www2.camara.gov.br/proposicoes.35 Informação disponível em: http://www2.camara.gov.br/proposicoes.36 Esta lista foi elaborada pelo Ministério do Trabalho e Emprego e está disponível em: www.mte.gov.br/ Noticias/download/lista.pdf.

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preço final do produto. A relação entre agronegócio e trabalho escravo está patente: oPará é o Estado com o maior número de trabalhadores libertados entre os anos de 1995e 2004, um total de 5.695 trabalhadores, sendo que a maior parte deles estava empropriedades ligadas à pecuária.37 A rede de comercialização, na qual estão inseridasessas fazendas, escoa a produção de carne para todos os continentes, tendo como impor-tantes compradores a União Européia e a Ásia. O país aumentou sua participação nomercado internacional de forma significativa, nos últimos oito anos, passando de 138,6mil toneladas, em 1996, para cerca de 800 mil toneladas de carne exportada, um saltode 7% para 20% do total mundial.38

Esta é a realidade do agronegócio no Estado do Pará, que também se repete nosdemais estados brasileiros, onde é verificada a utilização de mão-de-obra escrava. En-quanto trabalhadores são escravizados, com extensas jornadas de trabalho e em totaldesrespeito aos direitos trabalhistas e humanos, constitucional e internacionalmenteassegurados, o gado recebe tratamento exemplar: rações balanceadas, vacinação comcontrole computadorizado e controle de natalidade com inseminação artificial. É o serhumano vivendo em sua mais degradante condição.

37 Informação disponível em: www.cpt.org.br38 Sakamoto, Leonardo. Os compadres da casa-grande. Disponível em: www.reporterbrasil.com.br/materia_escravo.php?nick=casagrande.

Traballhador escravizado.Foto: João Laet

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4. A IMPUNIDADE NO CAMPO: UMA DAS CAUSAS DA VIOLÊNCIA

Se o padrão de violência impressiona, a impunidade choca ainda mais. Os conflitosfundiários têm resultado, nas ultimas décadas, em inúmeras chacinas nas quais é inequí-voca a conivência dos poderes públicos com o crime organizado no campo. Mandantese assassinos não são presos e sequer são levados a julgamento, mandados de prisão nãosão cumpridos e pistoleiros agem em conjunto com policiais.

Lembramos aqui alguns exemplos de crimes brutais contra trabalhadores rurais elideranças da região cujos pistoleiros e mandantes nunca foram punidos.

TABELA 3:A VIOLÊNCIA NO ESTADO DO PARÁ

CASOS ANO Nº DE MORTOS PROCESSO

Chacina Dois Irmãos – Xinguara Junho 1985 6 Sem processo

Chacina Ingá – Conceição do Araguaia Maio 1985 13 Sem processo

Chacina Surubim – Xinguara Junho 1985 17 Sem processo

Chacina Fazenda Ubá – 13.06.1985 8 Há 20 anos em tramitação

São João do Araguaia 18.06.1985

Chacina Fazenda Princesa – Marabá 28.09.1985 5 Há 19 anos em tramitação

Chacina Paraúnas – São Geraldo do Araguaia 10.06.1986 10 Sem processo

Chacina Goianésia – Goianésia do Pará 28.10.1987 3 Processo desaparecido

Chacina Fazenda Pastorisa –

São João do Araguaia 06.08.1995 3 Há 10 anos em tramitação

Massacre de Eldorado do Carajás 17.04.1996 19 Apenas dois comandantes

condenados.

Chacina da Fazenda Picadão – Água Azul do Norte 1996 5 Há 9 anos em tramitação

Chacina Fazenda São Francisco – 21.08.1996 5 Sem processo

Eldorado do Carajás 04.01.1997

Chacina Fazenda Santa Clara – 13.01.1997 3 Há 8 anos em tramitação

Ourilândia do Norte

Chacina de Morada Nova 10.07.2001 3 Há 4 anos em tramitação

Chacina de São Félix do Xingu 04.10.2003 8 Há 3 anos em tramitação

Fonte: Comissão Pastoral da Terra

É fundamental relembrar os assassinatos de lideranças importantes no Estado doPará, as quais pautaram sua atuação pela defesa intransigente dos direitos humanos dostrabalhadores rurais. Em razão disso, foram assassinadas e, na quase totalidade dos ca-sos, os crimes continuam impunes.

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Conforme indicado anteriormente, trata-se de assassinatos seletivos, onde as víti-mas exerciam função importante nas organizações dos trabalhadores, eram defensoresdos direitos humanos e, por isso, foram assassinadas. O objetivo claro é enfraquecer asorganizações e desarticular a luta dos trabalhadores.

Todos estes assassinatos e chacinas são apenas alguns casos dentre as centenas deassassinatos que aconteceram na região nos últimos trinta anos e que continuam impu-nes ainda hoje. Na maioria absoluta dos casos, sequer um inquérito policial foi instau-rado para apurar a responsabilidade pelos crimes. Conforme registros da CPT, nos últi-mos 33 anos, houve 772 assassinatos no campo no Pará, com a realização de apenas trêsjulgamentos de mandantes dos crimes. Nos últimos 10 anos, têm sido assassinados, emmédia, 13 trabalhadores por ano.

Esta situação de impunidade reinante tem sido denunciada, constantemente, aosorganismos nacionais e internacionais de direitos humanos. “Continua a ser motivo deespecial preocupação a situação no sul do Pará, com respeito a qual a Comissão já sepronunciou em diferentes ocasiões, de que, apesar de algumas ações do governo federal,continua a ser uma área de graves violações aos direitos humanos, com a cumplicidadepolicial e a impunidade judicial”. Essa foi a constatação da Comissão Interamericana deDireitos Humanos em relatório publicado a partir de visita à região no ano de 1997.

Embora se reconheça o valor excepcional da condenação do fazendeiro JerônimoAlves do Amorim, em 6 de junho de 2000, nove anos depois do assassinato de ExpeditoRibeiro, e pela condenação de Adilson Carvalho Laranjeiras e Vantuir de Paula, em 29de maio de 2003, pela morte de João Canuto (dezoito anos após o crime), estes foram osprimeiros e únicos mandantes de assassinatos contra trabalhadores rurais responsabilizadosjudicialmente. No entanto, o fazendeiro Jerônimo Amorim cumpre prisão domiciliar eos outros dois fazendeiros após perderem todos os recursos no Tribunal de Justiça doEstado, tiveram suas prisões decretadas mas continuam foragidos.

O julgamento dos policiais militares que comandaram o massacre de Eldorado doCarajás em 17-4-1996 é mais um exemplo claro de como o Estado, em geral, e o PoderJudiciário, em particular, constroem a impunidade. O então governador do Estado AlmirGabriel, o secretário de Segurança Pública e o comandante Geral da Polícia Militar,responsáveis pelas ordens de desobstrução da rodovia PA 150, “a qualquer custo”, foramexcluídos do processo.

No curso de instrução processual, o Poder Judiciário do Estado, teve um comporta-mento escandaloso, favorecendo claramente os acusados. A primeira sessão de julgamentoocorrida em 16 de agosto de 1999, em que os oficiais que comandaram a operação foramabsolvidos, foi anulada devido à postura tendenciosa do juiz Ronaldo Vale que presidiu ojulgamento. No segundo julgamento, ocorrido em 21 de maio de 2002, a postura doPoder Judiciário manifestamente em favor dos acusados, fez com que os movimentossociais e os advogados assistentes da acusação se afastassem das sessões sob protesto.

O resultado é que apenas dois comandantes foram condenados. Dois anos após acondenação, o Tribunal de Justiça do Pará, indeferiu os recursos interpostos pelos advo-

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gados dos dois militares. A condenação foi mantida e decretada a prisão preventiva dosdois oficiais. Pantoja e Oliveira iniciaram o cumprimento da pena no quartel da PolíciaMilitar de Belém, mas já estão em liberdade.39 Todos os demais 142 oficiais e policiaisforam absolvidos, prevalecendo a impunidade.

Impressiona também o fato de que, mesmo nesses crimes em que houve julgamen-tos, as ações judiciais só foram possíveis depois de longos anos de luta, pressão e denún-cias das entidades de direitos humanos nacionais e internacionais. Isto evidencia clara-mente a morosidade da justiça que fica sujeita à pressão do poder político e econômico,retardando ou influenciando no andamento dos processos e dos julgamentos. Processosexemplares que apuram o assassinato de lideranças e chacinas de trabalhadores ruraispermanecem em comarcas do interior, sem qualquer previsão dos acusados irem a júri.

Centenas de pessoas, entre mandantes, intermediários e pistoleiros, estão envolvi-das nesses casos de assassinatos no Pará. Porém, ocorreram somente nove julgamentos:1) Jerônimo Alves de Amorim (mandante); 2) Francisco de Assis Ferreira (intermediá-rio) e José Serafim Sales (pistoleiro); 3) Ubiratan Ubirajara (pistoleiro); 4) dois oficiaismilitares (Mário Pantoja e José M. Oliveira) que comandaram o Massacre de Eldorado;5) Adilson Laranjeira e Vantuir Paula (mandantes); 6) Escorpião (pistoleiro); 7) José deRibamar Rodrigues (pistoleiro), absolvido em julgamento realizado em Curionópolis;8) Péricles (pistoleiro) julgado e condenado pela morte do ex-deputado João CarlosBatista e, 9) Vita Lopes (intermediário) julgado e condenado pela morte do ex-deputa-do Paulo Fonteles.

A realização de um júri não assegura que os condenados cumpram a pena atrás dasgrades. Jerônimo Amorim, condenado a 19 anos de reclusão cumpre pena em prisãodomiciliar em sua mansão em Goiânia. Ubiratan Ubirajara, condenado a cinqüentaanos de reclusão, permaneceu seis meses preso, fugiu da penitenciária em outubro de1994 e nunca mais foi capturado. José Serafim Sales, condenado a vinte e cinco anos dereclusão, cumpriu oito anos de pena, teve sua fuga facilitada da penitenciária em 14 demarço de 2000 e nunca mais foi capturado. Francisco de Assis Ferreira, condenado avinte e um anos de prisão em 1994, encontra-se em liberdade desde 1998. AdilsonLaranjeira e Vantuir Gonçalves, condenados como mandantes do assassinato de JoãoCanuto, continuam foragidos.

Nos últimos anos, em função das fortíssimas provas, a Polícia Civil prendeu, comautorização judicial (mandados de prisão preventiva), alguns fazendeiros mandantes dehomicídios, não definitivamente condenados judicialmente. Um desses casos foi o dofazendeiro Carlos Antônio da Costa, mandante do assassinato de dois dirigentes do

39 Em 2005, o ministro César Peluso, do Supremo Tribunal Federal, acatou pedido dos advogados do cel. Pantoja edeterminou que ele fosse mantido em liberdade até o julgamento final de todos os recursos. Os advogados do majorOliveira também entraram com pedido e o major já está em liberdade. Mesmo que percam todos os recursos e sejamdecretadas novamente as prisões, é difícil acreditar voltarão para a prisão, devendo desaparecer.

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Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (Onalício Araújo Barros, conhecidocomo Fusquinha, e Valentin Serra, chamado de Doutor), em Parauapebas, em março de1998. Ele permaneceu preso preventivamente somente por vinte e dois dias. No outrocaso, trata-se do fazendeiro Décio José Barroso Nunes, mandante do assassinato de JoséDutra da Costa (Dezinho), ex-presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais deRondon do Pará, em novembro de 2000. Décio ficou preso somente treze dias. Ambossão acusados de cometer crimes violentos (homicídio qualificado, classificado legalmen-te como crime hediondo), mas foram soltos por decisão do Tribunal de Justiça do Esta-do do Pará.

Uma cidade como Xinguara, com 76 assassinatos de trabalhadores rurais e outrosdefensores nos últimos trinta anos, ainda não teve nenhum crime definitivamente jul-gado. Isso representa uma taxa de impunidade de 100%. Em São Geraldo do Araguaia,com 49 assassinatos no mesmo período, há idêntica taxa de impunidade. Isso ocorretambém em São Félix do Xingu, com 47 assassinatos e em Marabá, com 37 assassinatos.Dentre os quarenta municípios que compõem as regiões sul e sudeste do Pará, apenasquatro (Rio Maria, Curionópolis, Parauapebas e Eldorado do Carajás) não possuemtaxa de 100% de impunidade em relação aos assassinatos de trabalhadores rurais nosúltimos 32 anos. Poucos processos existem tramitando nas Comarcas e a média de con-clusão dessas ações está acima de dez anos.

Esse quadro de impunidade não pode ser relacionado aos problemas de ordemestrutural (falta de recursos humanos e financeiros), como alega o Judiciário quandoquestionado. Advém de uma relação promiscua, omissão ou conivência de autoridadesdo Poder Judiciário e do Executivo com grileiros, latifundiários, madeireiros etc. Após oprimeiro julgamento do Massacre de Eldorado, em que os comandantes da operaçãoforam escandalosamente absolvidos, o júri teve que ser anulado devido ao comporta-mento claramente parcial do juiz que presidia o processo.

Em função disso, o magistrado teve que ser afastado e, surpreendentemente, todosos 12 juízes da capital se negaram a presidir o processo, alegando razões de “foro ínti-mo”. A juíza que acabou aceitando a condução do processo, teve que se afastar do caso trêsdias antes do julgamento em conseqüência de seu comportamento, declaradamente ten-dencioso, em favor dos militares. Em outro caso de omissão, um mês antes do julgamentodo fazendeiro Jerônimo Amorim, acusado de ser o mandante do assassinato de ExpeditoRibeiro, dois juízes abandonaram o caso, também alegando razões de “foro íntimo”.

A impunidade acoberta as ações criminosas de pistoleiros e fazendeiros no Estadodo Pará. Apenas nas regiões sul e sudeste do Estado existem 30 mandados de prisãodecretados contra fazendeiros e pistoleiros só nas regiões sul e sudeste do Estado. Ne-nhum esforço é feito pelos órgãos de Segurança Pública e pelo Poder Judiciário paraprender esses criminosos. A falta de vontade política de órgãos do Executivo e a moro-sidade do Poder Judiciário acabam por dificultar, senão impedir, a prisão dos executorese mandantes. A prescrição penal acaba alcançando a maior parte dos processos em queeles são acusados.

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NOME MUNICÍPIO HISTÓRICO

1. Valter Valente Rio Maria Mandante e assassino do sindicalista Belchior

2. José Herzog Martins Costa, em 02/3/82

3. Aprígio Menezes Rio Maria Assassino de Ronan e Braz, em 03/4/90

4. José Serafim Sales, (Barreirito) Rio Maria Condenado a 26 anos de prisão pelo assassinato de

Expedito Ribeiro, em 1991. Fugiu da penitenciária de

Marabá, em 2000, e responde por outros dois processos

por homicídios em Rio Maria

5. Adilson Carvalho Laranjeira Rio Maria Fazendeiros condenados a 19 anos e 6 meses de

6. Vantuir Gonçalves reclusão pelo assassinato do sindicalista João Canuto

7. Marlon Lopes Pidde

8. João Lopes Pidde Marabá Mandantes e pistoleiro da chacina de cinco trabalhadores

9. Lourival Santos da Rocha da Fazenda Princesa, em 1986

10. Orlando Dias da Silva Marabá Intermediário da chacina, julho de 2001, que foram

vítimas José Pinheiro Lima, Cleonice Lima e Samuel Lima

11. Manoel Cardoso Neto (Nelito) Marabá Mandante do assassinato do advogado Gabriel Sales

Pimenta, em 1982

12. Aldimir Lima Nunes Marabá Acusado de vários crimes: trabalho escravo, formação

(Branquinho) de quadrilha, ameaça, grilagem etc

13. Raimundo Nonato de Sousa. São João Assassino da chacina de 8 trabalhadores na Fazenda

do Araguaia Ubá, ocorrida em 1985

14. Expedito Alves dos Santos São João Assassinos da chacina da Fazenda Pastpriza,

15. Reginaldo Gomes Cardoso do Araguaia ocorrida em 1996

16. Raimundo Nonato da Silva Marabá Acusado do assassinato de José do Carmo Silva,

(Dodô), na Fazenda Santa Rita, em março de 2003

17. João Diniz filho Assassinos dos irmãos José e Paulo Canuto ocorrido em

18. Sargento Edson Matos Xinguara 22/4/1990. Edson Matos fugiu do quartel da PM de

19. José Ubiratan M. Ubirajara Belém, em 1992. José Ubirajara foi condenado a 50 anos

de prisão em 1994, mas fugiu no mesmo ano

20. Velho Luiz

21. Ademir Rodrigues Xinguara Assassinos de várias pessoas ligadas à ocupação da

22. Geraldo Mendes Fazenda Nazaré, de Gerônimo Amorim, no ano de 1994

23. Wanderley Borges Mendonça Xinguara Intermediário do assassinato de dois trabalhadores da

ocupação da Fazenda Nazaré. Ficou preso alguns dias em

Xinguara, mas teve sua fuga planejada pelo policial civil

Lucivaldo Haroldo

TABELA 4:MANDANTES E PISTOLEIROS COM PRISÕES DECRETADAS E NÃO CUMPRIDAS

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Analisando a questão da impunidade no Pará, a Comissão Interamericana de Di-reitos Humanos da Organização dos Estados Americanos, com base em inspeções locaise evidências diversas, chegou a seguinte conclusão: “informações fidedignas chegadas àComissão indicam que o Poder Judiciário do Estado do Pará atua de modo a facilitar aimpunidade e a continuidade do crime organizado no sul do Estado”.

As ameaças de mortes também são comuns no Pará. A cada ano, a CPT publicauma lista de pessoas ameaçadas de morte por fazendeiros, grileiros e madeireiros (vertabela 2 e anexos). Inúmeras lideranças conhecidas fizeram parte dessa lista (ExpeditoRibeiro, João Canuto, Paulo Fonteles, José Dutra da Costa, irmã Dorothy, entre outros)e acabaram sendo assassinadas. Mesmo alertado por denuncias freqüentes, o poder pú-blico nada fez para impedir essas mortes.

O dirigente sindical José Dutra da Costa (Dezinho) constou na lista de ameaçadosde morte entre os anos de 1995 e 1999 e foi assassinado em 2000. O dirigente sindicalJosé Pinheiro Lima (Dedé), assassinado juntamente com sua família em 2001, constouna lista de ameaçados de morte nos anos de 1999 e 2000. O trabalhador rural e ativistadefensor da reforma agrária Ivo Laurindo do Carmo, assassinado em 2002, constou nalista de ameaçados de morte referente ao ano de 2001.40

Há muito tempo conhece-se detalhadamente a sistemática do intermitente ciclode ameaças e execuções. Diversos documentos oficiais registram expressamente o meca-nismo de funcionamento desta específica forma de violência. De acordo com o Relató-rio da Comissão Interamericana de Direitos Humanos: “O fenômeno das listas dos

NOME MUNICÍPIO HISTÓRICO

24. José Mariano Neto Ourilândia Assassinos de 3 trabalhadores rurais durante ocupação

25. João Batista dos Santos do Norte da Fazenda Santa Clara, em 1997

26. Ygoismar Mariano Rondon Intermediários do assassinato do sindicalista José

27. Rogério de Oliveira Dias do Pará Dutra (Dezinho), em 21.11.2000

28. Osniel Coelho de Souza Redenção Acusado do assassinato de Iraildes de Souza Maciel,

em 2003. Teve fuga facilitada da delegacia de Redenção,

no mesmo ano

29. Manoel Timóteo Filho Eldorado Pistoleiro acusado de ter assassinado o sindicalista

(MANU) do Carajás Arnaldo Delcídio Ferreira, em Eldorado dos Carajás,

em 1993

30. Francisco R. Sindeaux Parauapebas Intermediário do assassinato do sindicalista Soares

Costa Filho, em 14.02.2005.

Fonte: Comissão Pastoral da Terra (Regional do Pará)

40 Conforme registrados nos Relatórios Conflitos no Campo-Brasil, publicado anualmente pela Comissão Pastoral daTerra.

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‘marcados para morrer’ é uma das características mais cruéis da violência na região sul esudeste do Pará. Essa lista circula na região não raro acompanhada de tabela de preçosde execuções, diferenciando os valores de acordo com a posição social do ameaçado”. Nalista que a delegação da OEA teve acesso em 4 de outubro de 2001, havia 24 nomes detrabalhadores e lideranças populares marcados para morrer.

Segundo relatório da Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados:

“Só há retirada de nomes quando há mortes”, diz um representante da FETAGRI, sobre a listamacabra. O governo estadual parece não dar importância ao problema. Pelo menos é essa aimpressão que passa aos movimentos sociais que atuam na região. Segundo interlocutoresdesses movimentos com autoridades públicas do Pará, a concepção predominante entre asautoridades estaduais é que “ocupar terras é atividade de risco e o Estado nada pode fazer, orisco é dos trabalhadores”. As execuções de lideranças de trabalhadores rurais e aliados sãoprecedidas de ameaças, que acabam se cumprindo. A tática da intimidação parece ser utilizadatanto para desestimular lideranças como para advertir os trabalhadores e a sociedade em geral,criando um clima de medo.41

Não obstante a ampla publicidade dada às ameaças, inclusive com repercussãojunto à imprensa local e nacional, as autoridades estaduais e federais da área de seguran-ça pública nunca adotaram medidas adequadas para investigar tais ameaças e prevenir asmortes anunciadas. Em função da reiterada inação de autoridades federais e estaduaisem garantir a integridade física e a vida de trabalhadores rurais no Estado do Pará, aComissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA, ao examinar o caso João Canuto(caso 11405), em abril de 1999, decidiu determinar ao governo brasileiro que:

1. adote as medidas para que as autoridades competentes coloquem em curso pro-cedimentos e garantias necessárias para se realizar uma investigação indepen-dente, completa, séria e imparcial de fatos que vêm acontecendo na região suldo Estado do Pará, com o objetivo de identificar e punir a todas as pessoas quesejam indicadas como responsáveis pelas ameaças de morte.

2. que em cumprimento de suas obrigações previstas nos artigos 2, 8 e 25 daConvenção Americana, adote as medidas necessárias a fim de se fazer plena-mente efetivos os direitos à vida, à integridade pessoal e às garantias de proteçãojudicial para todos os habitantes da região sul do Estado do Pará, em particularpara os trabalhadores rurais, seus representantes e para os defensores de direitoshumanos.

41 Comissão de Direitos Humanos da Câmara dos Deputados. Violência no sudeste e sul do Pará. Brasília: Câmara dosDeputados, 2001.

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Nenhuma das recomendações e determinações dessa Comissão foi seguida pelogoverno federal e pelo governo estadual. Por um lado, há absoluta impunidade quandose trata de crimes praticados contra os trabalhadores, por outro, há uma rápida e despro-porcional resposta do Poder Judiciário e do sistema de segurança pública quando setrata da defesa dos interesses dos grandes proprietários e grileiros de terras, especialmen-te na concessão e no cumprimento de mandados de reintegração de posse. O Estado(Poder Judiciário e Executivo) não mede esforços para garantir o “direito de proprieda-de”, mesmo que seja necessário violar direitos humanos.

Os dados são auto-explicativos, pois no período 1995-2004, consolidou-se no Es-tado do Pará o uso da prisão como instrumento de dissuasão e enfraquecimento dosmovimentos sociais rurais. Ao longo do período, foram presos 607 trabalhadores rurais,em função de ocupações de latifúndios e terras griladas. Em uma clara demonstração docrescente uso da criminalização e prisão como instrumentos de desmobilização das lu-tas, somente no período de 2000 a 2004, foram presos 372 trabalhadores rurais e outrosdefensores de direitos humanos.

Nos mesmos anos, foram presos 1.383 trabalhadores rurais em todo o país. Asprisões no Pará, isoladamente, corresponderam a 25,7% do total nacional.42 De janeiroa outubro de 2005, a Polícia Militar cumpriu mandados de reintegração de posse emmais de 30 fazendas no Estado. Mais de 4 mil famílias foram expulsas de seus lotes,tendo todas suas plantações destruídas, casas, escolas e postos de saúde queimados. Maisde 60 trabalhadores foram presos e ou processados e centenas de crianças perderam oano escolar.

Outra situação que indica a tendenciosidade do Poder Judiciário diz respeito àsdesocupações forçadas. Com a grande demanda por terra e a lentidão dos programasfederais de reforma agrária no Pará, os trabalhadores rurais intensificaram as ocupaçõesde propriedades que não cumprem a sua função social. A reação do Estado, no período1995-2004, foi a ampliação da repressão às ocupações. Foi utilizado, desmedidamente,a desocupação forçada, combinada com a destruição total de casas, pertences e planta-ções de trabalhadores rurais ocupantes, tanto pelo Poder Público como pelos grileiros esuas milícias.

Ao longo dos oito anos do período, 5.446 famílias de trabalhadores rurais foramdesalojadas de áreas ocupadas com a destruição total de seus bens e plantações. Outras8.761 famílias de trabalhadores rurais foram desalojadas de áreas ocupadas, sem registrode destruição imediata, pelas forças policiais, de bens e plantações. Em inúmeras opor-tunidades, não bastasse o desmesurado número de desocupações forçadas realizadas pela

42 O relator especial sobre a tortura da Comissão de Direitos Humanos da Organização das Nações Unidas, NigelRodley, visitou o Pará em 2000 e apresentou relatório em Genebra, em abril de 2001. Reconheceu explicitamente queos locais de detenção dos trabalhadores rurais eram absolutamente inferiores aos padrões internacionais mínimosrecomendados. Há ainda o reconhecimento expresso sobre a disseminação do uso de tortura em tais locais.

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Polícia, o Estado permitiu a desocupação promovida diretamente por pretensos propri-etários e grileiros, violando direitos dos trabalhadores através do exercício arbitrário daspróprias razões (“fazer justiça com as próprias mãos”).

CONCLUSÃO

Impunidade, descaso, conivência, interesses puramente econômicos, agronegóciosão alguns dos princípios que norteiam o “modelo de desenvolvimento” da Amazônia.As opções e programas governamentais historicamente incentivaram (e ainda incenti-vam) um modelo baseado na exploração econômica predatória que atende aos interessesde grandes madeireiras, criados de gado e plantadores de soja, latifundiários e grileirosde terras públicas, em nome de uma suposta “eficácia” econômica.

Essa lógica perversa tem sua eficácia vinculada aos mais variados crimes: grilagemde terras, assassinatos, intimidações e perseguição às lideranças, uso de trabalho escravo,formação de milícias privadas, destruição ambiental, corrupção e desvio de recursospúblicos, marcada por uma omissão, conivência e até mesmo apoio do Estado. Essafamigerada lógica tem sido responsável pela destruição da vida e do meio-ambienteamazônico.

A grave situação de violência no campo que prevalece no Estada do Pará, nãoadvém apenas da impunidade que marca a atuação do Poder Judiciário e repercutecomo uma espécie de licença para matar. Contribui significativamente também paraessa situação a ausência de uma política séria de reforma agrária. São mais de 20 milfamílias, acampadas ou ocupando latifúndios em todo o Estado. Sem reforma agrária(que promova uma verdadeira desconcentração da terra, coibindo e retomando terrasgriladas) e sem punição para os crimes contra trabalhadores e outros defensores, a vio-lência continuará ceifando a vida das pessoas que lutam pelo justo direito à terra, àpreservação do meio ambiente e a uma vida digna nesta porção da Amazônia.

Manifestação contra a impunidade emRondon do Pará. Arquivo: ComissãoPastoral da Terra

Túmulo de Bartolomeu M. da Silva,Brasília, em Castelo dos Sonhos.Arquivo: Terra de Direitos

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As políticas governamentais para o Estado do Pará estiveram, e ainda estão, profun-damente ligadas a obras de infra-estrutura e exploração dos recursos naturais. A

construção de estradas, hidrovias e hidrelétricas e a instalação de mineradoras constitu-íram o motor e a razão do povoamento e ocupação territorial do Pará. Historicamente,o Estado atuou através de políticas governamentais para implementar um padrão dedesenvolvimento, baseado na devastação ambiental, na busca de geração de divisas e noatendimento do mercado de minérios, energia e outros recursos naturais.

As políticas governamentais para a Amazônia mesclaram a visão de que era neces-sário explorar o imenso potencial natural da região com a idéia de “domesticar o ambi-ente”, transplantando o modelo de desenvolvimento do sul do país, calcado principal-mente na necessidade de urbanização. A visão oficial sobre as populações tradicionais esobre a cultura amazônica era marcada pelo discurso e noção da necessidade de “eman-cipar, resgatar essas do atraso”. Sob esta visão, populações tradicionais foram dizimadasou perderam seus territórios. O resultado foi que esse modelo de desenvolvimento,pensado e implementado pelo Estado, gerou uma situação de continuas e gravíssimasviolações de direitos humanos.

As políticas governamentais para o Pará caracterizaram-se por uma dubiedademarcante. Houve, de um lado, forte dirigismo e intervenção estatal na implementaçãode obras de infra-estrutura para viabilizar as atividades econômicas. De outro, ausênciado Estado na promoção de políticas públicas distributivas da riqueza e de proteção dosdireitos e interesses difusos.

A percepção de que a Amazônia e o Pará são estratégicos por sua ínsita riquezanatural não é exclusiva do Estado brasileiro. Países do norte e agências internacionaistêm elaborado estratégias e destinado recursos para promover o que entendem comodesenvolvimento. Ações como o Programa Piloto para a Proteção das Florestas Tropicaisdo Brasil (PPG-7)43 e investimentos de fundos internacionais, como o Global

Capítulo II

AS POLÍTICAS GOVERNAMENTAIS

PARA A AMAZÔNIA E O PARÁ

43 O Programa Piloto para Proteção das Florestas Tropicais do Brasil (PPG-7) é considerado como a “maior parceria multi-lateral jamais realizada em busca de solução para um problema ambiental específico, de relevância global” (cont. p. 52)

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Environment facility (GEF), mesclam políticas federais e estaduais com estratégias dosorganismos internacionais para a região.

A seguir são discutidas algumas das políticas públicas implementadas, ou em fasede implementação, pelos governos federal ou estadual. As políticas e programas foramselecionados por guardar relação com os municípios trabalhados e foram citados pelosdiversos entrevistados, pessoas que fazem parte da população atingida pelas menciona-das propostas.

1. MACROZONEAMENTO ECOLÓGICO E ECONÔMICO

O governo do Estado do Pará tem destacado que um de seus principais Programasé o Macrozoneamento Ecológico e Econômico. De acordo com informações do própriogoverno, o macrozoneamento é um subsídio de gestão territorial com o objetivo decompatibilizar o desenvolvimento com a preservação e a conservação do meio ambien-te, bem como promover o levantamento e o monitoramento periódico da área geográfi-ca estadual, de acordo com as tendências e desenvolvimento científico e tecnológico.Ainda de acordo com o governo do Estado do Pará, este zoneamento deve ser atualizadofreqüentemente, garantindo a conservação das amostras representativas dos ecossistemas.

É evidente que essa descrição é feita e apresentada pelo governo estadual, noentanto, é necessário um debate aprofundado sobre esse tema. A discussão sobre a ne-cessidade de controle do processo de ocupação do território e expansão da fronteira éfundamental, porém não se pode reduzir a gestão territorial do Estado paraense apenasa implantação do Macrozoneamento Ecológico e Econômico.44

A Lei do Macrozoneamento Ecológico e Econômico prevê, na primeira fase doprojeto, o mapeamento do território paraense e o zoneamento das áreas de conservação,das áreas protegidas e das áreas de expansão econômica, através de imagens de satélites,na escala de um por dois milhões. Isto quer dizer que este mapeamento ficará bemdistante da realidade da população e dos atores sociais. Distante exatamente da realidadeque demanda urgência, pois é preciso identificar modos de vida e tipos de produção,principalmente nas áreas de fronteira, para organizar a ocupação do território de formasustentável.

(www.delbra.cec.eu.int/pt/eu_and_country/5htm). Tem o objetivo de diminuir a taxa de destruição das florestas tropi-cais na Amazônia e na Mata Atlântica e a promoção de seu uso ecologicamente sustentável. É coordenado pelo Minis-tério do Meio Ambiente, dos Recursos Hídricos e da Amazônia Legal (MMA) e implementado através de parceriascom o envolvimento de órgãos governamentais federais e estaduais, entidades da sociedade civil e setor privado.44 A legislação brasileira prevê a realização de zoneamento que pressupõe essencialmente um pacto com a sociedade naforma de utilização do território. Sem este acordo não há zoneamento eficiente, inclusive pressupõe é um diálogopermanente porque deve ser feito constante e continuamente, não se resumindo a uma lei, como foi estabelecido naLegislação Estadual do Pará.

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O custo desse programa — e de outros que estão inseridos na estratégia macroregional do governo paraense45 — é bastante alto (estimativa de custo em torno de 43milhões de reais) e, a priori, não resolve os problemas de conflitos e de violência nocampo do Estado do Pará. A maior preocupação é: a quem, de fato, esse projeto irábeneficiar? Será um instrumento para conhecer e explorar racionalmente os recursos,garantido o domínio das comunidades tradicionais sobre as suas terras? Ou mapearámelhor a área de expansão econômica para satisfazer a avidez do agronegócio, fortale-cendo ainda mais a produção agropecuária em escala empresarial, uma das principaisresponsáveis pelos altos índices de desmatamento no Pará?

É importante frisar que o debate com a sociedade sobre esse projeto foi bastanteincipiente.46 Girou em torno de propaganda publicitária, inclusive como uma “respos-ta” do governo ao assassinato da irmã Dorothy Stang, em 12 de fevereiro de 2005. Essemacrozoneamento, segundo o governo, vai diminuir os conflitos e a violência no cam-po. No entanto, a simples demarcação do território — sem uma presença efetiva do Esta-do nas áreas de conflitos e sem um ordenamento fundiário sério — não é solução paraproblemas sociais, agrários e ambientais que permanecerão apenas como um sonho.

Entre os críticos desse projeto de zoneamento estão pesquisadores do Museu EmilioGoeldi. Apesar de admitirem que o macrozoneamento é um avanço na criação de ummosaico de unidades de conservação de diferentes categorias de manejo do solo e dafloresta, afirmam que algumas áreas propostas para a criação dessas unidades de prote-ção integral são inviáveis devido ao tamanho, isolamento e grau de desmatamento.47

Além disso, reduzir a solução das violações de direitos humanos decorrentes doproblema fundiário a um zoneamento baseia-se na equivocada conclusão de que estasviolações ocorrem simplesmente por um problema de “desorganização” da ocupação doterritório, quando na verdade, esta aparente “desorganização” é apenas uma das conse-qüências do próprio padrão de desenvolvimento. O macrozoneamento, portanto, tem

45 A implantação do Programa Pará Rural pressupõe a obediência à lógica desse zoneamento: “É imprescindível àimplantação do Macrozoneamento, o detalhamento do Zoneamento Ecológico-Econômico — ZEE nas zonas deConsolidação, de Expansão das Atividades Produtivas e de Recuperação de Áreas Alteradas, conforme estabelece a Leinº 6.745, de 6 de maio de 2005. O detalhamento do ZEE deverá localizar com precisão as terras com maior potencialpara desenvolvimento econômico, das terras mais frágeis e das de maior valor ecológico. Munidos com essa informa-ção, os órgãos públicos poderão estabelecer um processo de gestão territorial e ambiental mais adequado, possibilitan-do o direcionamento dos investimentos em infra-estrutura e crédito, prioritariamente para as áreas mais propícias, eaplicação de restrições ao desenvolvimento nas áreas mais frágeis” (Programa Pará Rural — Avaliação Ambiental —Resumo Executivo).46 O processo que levou a criação da lei é questionável porque não se estabeleceu com base em nenhum pacto social. Ogoverno estadual, na verdade, escolheu alguns atores e agentes sociais com quem dialogou, deixando fora a maioria dossegmentos sociais representativos da sociedade paraense. Excluiu até o Conselho Estadual de Meio Ambiente, o quenos leva a supor que a efetivação desse macro-zoneamento terá muitos limites e problemas.47 Discussão preliminar sobre o Macrozoneamento Ecológico e Econômico, proposto pelo governo do Estado do Pará,apresentado pelos pesquisadores do Museu Emílio Goeldi, Leandro Valle Ferreira e Jorge Gavina Pereira.

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potencial para tornar-se uma ferramenta para a execução de políticas, mas não pode serconsiderada uma política pública em si, nem é solução para os problemas que necessi-tam ser enfrentados.48

Conforme bem destacam Loureiro e Aragão Pinto,

O Zoneamento Econômico Ecológico, ou o cadastro único, é apenas um dos vários recursospassíveis de utilização, mas levará anos para ser elaborado e não terá impacto sobre a maiorparte das questões sociais e jurídicas. Inúmeros problemas ambientais poderiam ser equacionadospelos estados sem esperar pelo zoneamento, tais como: a revisão de concessões, grilagens efraudes de terra; a utilização de recursos técnicos e tecnológicos como imagens de satélite comvistas a sustar e a punir exemplarmente como a lei permite mas não se costuma fazer nos casosde desmatamento e garimpagem em áreas indígenas e de conservação ambiental; no desmata-mento em encostas de montes, nascentes e margens de rios; agir em relação às grandes quei-madas e a outros casos facilmente identificáveis. É possível, também, por meio de esforçopolítico e jurídico, fazer a regularização fundiária de milhares de colonos assentados, de fato,há anos, mas fragilizados pela ausência de documentação; estabelecer manuais de procedi-mentos comuns mínimos para as ações federais, estaduais e municipais relativas à ocupação deterras; prosseguir na apuração de centenas de mortes nos campo, nos casos de pistolagemamplamente conhecidos e denunciados pela igreja, pela OAB e pelos sindicatos de trabalhado-res rurais”.49

Está equivocado, portanto, a noção de que este zoneamento, por si só, será capazde diminuir os conflitos e a violência no campo. A simples demarcação do território —sem uma presença efetiva do Estado nas áreas de conflitos e sem um ordenamentofundiário comprometido com a democratização do território — não é solução paraproblemas sociais, agrários e ambientais.

2. PROGRAMA PARÁ RURAL

O governo estadual — admitindo a importância do campo paraense para o desen-volvimento do Estado, mas também a pobreza existente na área rural — criou o Progra-ma Pará Rural atualmente em fase de implementação. De acordo com informações dogoverno estadual, este é constituído por três componentes básicos: ordenamento territo-rial, geração de renda e um terceiro que diz respeito à administração do programa. Os

48 O processo que levou a criação da lei é questionável porque não se estabeleceu com base em nenhum pacto social. Ogoverno estadual, na verdade, escolheu alguns atores e agentes sociais com quem dialogou, deixando fora a maioria dossegmentos sociais representativos da sociedade paraense. Excluiu até o Conselho Estadual de Meio Ambiente, o quenos leva a supor que a efetivação desse macro-zoneamento terá muitos limites e problemas.49 Loureiro, Violeta Refkalefsky e Pinto, Jax Nildo Aragão. A questão fundiária na Amazônia. Estudos avançados,agosto de 2005, vol. 19, no 54, p.77-98.

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componentes “Ordenamento territorial” e “Geração de renda” são aqueles que poderãogerar impactos tanto positivos como negativos ao meio ambiente. Deve-se ter claro queo componente ordenamento territorial é básico não só para subsidiar as ações de geraçãode renda, mas também para a gestão socioambiental do Estado.

O financiamento total do programa está estimado em US$ 100 milhões, dos quaisUS$ 60 milhões serão financiados pelo Banco Mundial (BIRD). Os US$ 40 milhõesrestantes fazem parte da contrapartida do governo do Pará. Até agosto de 2005, o pro-grama ainda estava na fase de conclusão e apresentação dos estudos que deverão subsi-diar a execução das políticas subjacentes ao mesmo.

O documento do programa Pará Rural afirma que:

“O Pará é o Estado mais desenvolvido da região amazônica, com uma economia relativamentediversificada, baseada em serviços, aproveitamento do recurso madeireiro, pecuária. O Estadotem uma população de 6.2 milhões e desses 2.7 milhões vivem em extrema pobreza. A pobre-za rural é mais profunda que nas áreas urbanas. A pobreza urbana ocupa 38% e as áreas rurais58%. As disparidades urbana-rural na educação e emprego possuem diferenças acerbadas”.50

Apesar disso, os documentos do programa não são claros quanto às ferramentasque o Estado pretende utilizar e quanto à característica das políticas que pretende im-plementar para atingir os objetivos citados. A ausência destes mecanismos, ou a sua nãopublicização, constituem motivos de preocupação, pois historicamente estes têm se pau-tado por antigos modelos de desenvolvimento, que nunca promoveram um crescimentoeconômico com qualidade de vida para os paraenses. Esses sempre acabam arcando comos custos ambientais e sofrendo a violência no Estado do Pará.

Outro dado preocupante é a estratégia, colocada no texto do programa, de muni-cipalizar a execução de políticas públicas. Nas mais diversas áreas (notadamente educa-ção, saúde e saneamento) a municipalização, em regra desacompanhada da modificaçãoda distribuição das receitas tributárias, foi identificada como uma estratégia para possi-bilitar a privatização da prestação de serviços públicos.

Uma questão importante envolvendo os projetos governamentais atuais para oEstado é a ausência de debate com a sociedade, quando há algum tipo de consulta é pró-forma, pois esses projetos e programas, em geral, são formatados, com objetivos e estra-tégia definidos antes dos processos de consulta pública, repetindo os mesmos erros deprojetos implementados na década de 70 na região Amazônica.

3. PROJETOS DO GOVERNO FEDERAL PARA A AMAZÔNIA E O PARÁ

O governo federal exerce forte influência nas políticas implementadas no Estadodo Pará, notadamente no que se refere às políticas ambientais e às relacionados à estru-tura fundiária.

50 Texto do Projeto de Desenvolvimento do Pará Rural, julho 2005.

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O INCRA, por exemplo, está executando o georreferenciamento51 de todas asglebas federais no Estado, através do Plano Pará,52que articula as políticas do Estadoreferentes à regularização fundiária. A partir do georreferenciamento o INCRA preten-de identificar e demarcar, em definitivo, as terras da União no Pará, mapeando irregu-laridades na ocupação, regularizando casos de ocupação de áreas públicas.

O Ministério do Meio Ambiente defende a aprovação de um projeto de lei (PL nº4776/2005) que visa implementar um programa de Gestão de Florestas Públicas.53 Esseprojeto de lei tem três objetivos: 1) definir o marco regulatório da gestão de florestaspúblicas; 2) criar o Serviço Florestal Brasileiro e, 3) estabelecer o Fundo Nacional deDesenvolvimento Florestal.

O PL propõe três formas de gestão das florestas públicas para a produção sustentá-vel: 1) criação de unidades de conservação, que permitem a produção florestal sustentá-vel como, por exemplo, as florestas nacionais; 2) destinação para uso por comunidades,como assentamentos florestais, reservas extrativistas, áreas quilombolas, Projetos deDesenvolvimento Sustentável (PDS) e, 3) concessões florestais pagas, feitas por meio deprocesso de licitação pública.

Esse Projeto de Lei foi elogiado por diversas entidades ambientalistas, que vêem apossibilidade, através das concessões, do controle do desmatamento em áreas públicas.Todavia, a análise deste projeto não pode ser desvinculada da análise da questão fundiária:a concessão de florestas não pode cristalizar a concentração de terra hoje existente noEstado do Pará.

Outro ponto a ser ressaltado é que a implementação das políticas propostas noProjeto de Lei dependem fundamentalmente da maior presença dos órgãos federais noEstado do Pará, especialmente através de ações fiscalizatórias, sob pena das concessõestransformarem-se em meras licenças para desmatar. Além disso, dispositivos do projetode lei permitem que os madeireiros utilizem a floresta como garantia de empréstimos efinanciamentos públicos, reproduzindo as vantagens obtidas através da grilagem e deprojetos como a SUDAM.

51 O georeferenciamento é o levantamento de informações geográficas com auxílio de satélites (Navigation Systemwith Time and Racing Global Positioning System — GPS) e sensoriamento remoto (imagem de satélite), bem comoexecução de trabalho de campo com equipes técnicas no levantamento e no detalhamento das informações para elabo-ração de peças técnicas, identificando a localização, a caracterização dos limites físicos e potencialidades de uso da terrados imóveis rurais, com vistas à alimentação do sistema de cadastro rural organizado com informações fiéis as plantasgeoreferenciadas. Informações disponíveis em: sidornet.planejamento.gov.br/docs/cadacao/cadacao2002/downloads/0138.pdf52 Segundo Carlos Guedes (delegado do Ministério do Desenvolvimento Agrário no Pará), o convênio entre o MDAe o exército brasileiro já foi assinado e o trabalho de mapeamento das áreas começou nos municípios de Rondon doPará e Santarém.53 Em setembro de 2005, o projeto estava na Comissão de Constituição e Justiça do Senado Federal.

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Por este motivo é especialmente preocupante o sucateamento dos órgãos públicosfederais e estaduais, dificultando qualquer processo de acompanhamento e fiscalizaçãodas ações implementadas. Se esses projetos não forem seguidos de um re-aparelhamentodos órgãos do Estado, a sina do planejamento da década de 1970 pode se repetir, em umcenário de crescente escassez de terra para ocupar e de diminuição significativa dosrecursos naturais.

4. O PLANO BR-163 SUSTENTÁVEL

O Plano de Desenvolvimento Regional Sustentável para a Área de Influência daRodovia BR-163 Cuiabá — Santarém está inserido em um conjunto de planos e açõesdo governo federal, dentre os quais destacam-se o Plano Amazônia Sustentável (PAS) eo Plano de Ação para Prevenção e Controle do Desmatamento na Amazônia Legal.

O grave quadro de violência, grilagem e desmatamento que marca a área de influ-ência da BR-163, aliado à forte pressão popular, fizeram com que o governo federaliniciasse um processo de discussão para elaboração de um plano de ações de curto,médio e longo prazo para a região. A elaboração do Plano BR-163 Sustentável está acargo do Grupo de Trabalho Interministerial (GTI), que agrega 21 órgãos entre minis-térios, Casa Civil e secretarias da Presidência da República. Há ainda a participação dosgovernos estaduais do Mato Grosso, Pará e Amazonas, de prefeituras municipais e dasentidades representativas de diversos segmentos da sociedade civil.

De acordo com o documento base do Plano BR-163 sustentável, a área deabrangência do Plano inclui 71 municípios, sendo 28 no Estado do Pará, 37 no Estadodo Mato Grosso, e seis no Estado do Amazonas, perfazendo uma área total de 1.232 milkm². Essa correspondente a 14,5% do território nacional, sendo que 828.619km² estãono Pará (66,5% do território estadual), 280.550km² no Mato Grosso (31% do Estado)e 122.624km² no Amazonas (cerca de 8% do Estado).

Conforme documento oficial elaborado para subsidiar a segunda etapa de consul-tas à sociedade, a prioridade do governo federal é “a viabilização de um novo modelo dedesenvolvimento na Região Amazônica, baseado na inclusão social, na redução das de-sigualdades socioeconômicas, no respeito à diversidade cultural, na viabilização de ativi-dades econômicas, dinâmicas e competitivas, que gerem emprego e renda e no usosustentável dos recursos naturais, com valorização da biodiversidade e a manutenção doequilíbrio ecológico desse importante patrimônio brasileiro”.54

A leitura crítica que se faz em torno da elaboração do Plano está no âmbito dasincompatibilidades entre as prioridades apontadas pelo governo federal. Ocorre queesse Plano pretende contemplar os anseios de diversos setores, públicos e da sociedadecivil, que têm prioridades e reivindicações distintas e antagônicas entre si. Não basta

54 Plano de Desenvolvimento Regional Sustentável para a Área de Influência da Rodovia BR-163, Cuiabá-Santarém.Grupo de Trabalho Interministerial. Decreto de 15 de março de 2004.

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aglutinar, em um mesmo documento, a pauta de reivindicações de todos estes atorespolíticos como se fosse possível elaborar uma estratégia de ações que contemple a todosos interesses. É necessário apontar com clareza as prioridades e os rumos políticos que ogoverno federal seguirá para dirimir os conflitos entre esses interesses.

De acordo com Adriana Ramos, do Instituto Socioambiental (ISA), que tem acom-panhado as discussões sobre a elaboração desse Plano: “o processo formal do governotem sido superficial. Foram feitas algumas reuniões em alguns municípios, como emNovo Progresso e Santarém [Pará], Guarantã e Sinop [Mato Grosso], mas não tem umametodologia. O governo trás um documento, cada um faz uma fala e não tem ummétodo para incorporação”. Ainda segundo Adriana Ramos,

As reuniões, no geral, contemplam todos seguimentos, e no mesmo documento doPlano, constam as propostas dos madeireiros, dos pecuaristas, dos sojeiros, as propostasdo movimento social, como se pudesse contemplar todas elas no mesmo território. Esseé um dos grandes problemas do plano. Não adianta o governo colocar no papel, dizerque vai fazer tudo aquilo, porque tem situações de conflito que o governo ainda nãoarbitrou. É só por isso que todo mundo acha normal o plano, há um certo conforto queo plano é uma boa idéia, mas na hora em que tiver que arbitrar, qual é a opção políticaque o governo vai fazer, a coisa vai pegar.

De acordo com o cronograma proposto pelo governo federal, o documento finaldo Plano seria apresentado após a realização da segunda etapa de consultas à sociedade,em junho de 2005. Até o momento, no entanto, esse documento não foi oficialmentelançado.

Paralelamente à elaboração do Plano BR-163 Sustentável, foi apresentado pelogoverno federal um pacote de ações emergenciais. É importante esclarecer que essasações, em sua maioria, foram lançadas logo após o assassinato da missionária DorothyMae Stang, como uma forma de responder às inúmeras manifestações e reivindicaçõesdos movimentos sociais.

As ações emergenciais anunciadas para a área de influência da BR-163 foram:ações de fortalecimento da segurança pública e promoção da cidadania; ações voltadasao ordenamento fundiário e territorial; monitoramento e controle ambiental; fomentoa atividades sustentáveis; ações voltadas à erradicação do trabalho escravo e do trabalhoinfantil.

As perspectivas para esse Plano são boas, pois muitas das ações anunciadas têmorigem nas reivindicações dos movimentos populares da região. Todavia, existem ressal-vas quanto às opções políticas que serão feitas durante a execução do mesmo, que du-rante a fase de elaboração buscou contemplar os anseios de todos os setores da sociedadeenvolvidos. Em outras palavras, esse Plano tem boas intenções e propostas de ação, masque são contraditórias entre si. A percepção histórica — somada à correlação de forçasdesproporcional — conduz a uma conclusão de que a exploração predatória e o agrone-gócio serão beneficiados.

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5. AS POLÍTICAS DE ENFRENTAMENTO À GRILAGEM

Muito embora sejam a grilagem e a apropriação ilegal de terras públicas dadoshistóricos, as políticas que procuraram enfrentar esta questão com a perspectiva deretomar e arrecadar as terras griladas ou devolutas é muito recente. As primeiras açõesdo governo federal no sentido da regularização fundiária na região da Amazônia Legalcorrespondem ao período entre 1979 a 1984.

De acordo com Saiago e Machado, neste período, “o INCRA buscou esforços nosentido de acelerar as atividades de discriminação, distribuição de terras e titulação, comênfase nos projetos de colonização e assentamento e suas inúmeras variações: Projeto deIntegração e Colonização (PIC), Projetos de Assentamento (PC), Projeto de Assenta-mento Dirigido (PAD), Projeto de Assentamento Agroextrativista (PAE) e Projeto deAssentamento Rápido (PAR), entre outros”.55 Citando dados do Ministério do Desen-volvimento Agrário, as autoras ressaltam que, ao final deste período, 120 milhões dehectares foram discriminados e um total de 97 milhões de hectares foram arrecadados ematriculados em nome da União.

55 Saiago, D. O Pulo do Grilo: o Incra e a questão fundiária na Amazônia. In: Amazônia: Cenas e Cenários. Ed. UNB,2003.p. 217

Fonte: www.mma.gov.br

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Embora possam ser caracterizados como uma política de intervenção na estrutu-ra fundiária, muito pouco foi feito no sentido de garantir que as terras discriminadasficassem efetivamente na posse da União. Há poucos esforços no sentido de bloqueara grilagem, que continuou a ocorrer inclusive com titulação falsa nas áreas discrimi-nadas.56

Apenas em 1997, o governo federal apresentou uma proposta de unificação dosregistros cadastrais das instituições federais, estaduais e municipais. Esta proposta tinhacomo objetivo principal o conhecimento pelo Estado da situação fundiária brasileira. Aproposta foi inviabilizada ante a constatação de que sequer existiam dados confiáveispara a formulação de um Cadastro Unificado dos Imóveis Rurais.

Em 1999, o governo federal determinou, através da Portaria 596, o recadastramentode todos os imóveis rurais com área total igual ou superior a 10 mil hectares, localizadasnos Estados do Acre, Amapá, Amazonas, Bahia, Goiás, Maranhão, Mato Grosso, MatoGrosso do Sul, Minas Gerais, Pará, Paraná, Rondônia, São Paulo e Tocantins.

De acordo com os termos da mencionada portaria, os processos administrativos defiscalização deveriam ser precedidos dos levantamentos da cadeia dominial até a origem,bem como do exame de sua legitimidade e regularidade, e, ainda do georreferenciamentodo imóvel rural. O proprietário ou possuidor que não cumprisse o determinado nestaportaria podia continuar com o título de propriedade, mas perdia o registro no INCRAe, conseqüentemente, a possibilidade de obter financiamentos.

Em dezembro de 1999, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agráriaeditou a Portaria 558. Essa determinou o cancelamento, no Sistema Nacional de Cadas-tro Rural (SCNR), dos cadastros de propriedades declarados pelos proprietários e pos-suidores a qualquer título de imóveis, submetidos a processo de fiscalização de quetratava a portaria anterior, tornando insubsistentes os Certificados de Cadastro do Imó-vel Rural (CCIR).

Os proprietários destes imóveis ficaram sujeitos ao recadastramento no SistemaNacional de Cadastro Rural, devendo, para tanto, apresentar documentos aptos a pro-var a propriedade. A mesma portaria determinou que as Diretorias de Cadastro Rural ede Recursos Fundiários realizassem, perante os Cartórios de Registro de Imóveis citadosnos documentos apresentados pelos pretensos proprietários, levantamentos e pesquisassobre os títulos de propriedade correspondentes e as respectivas cadeias dominiais parafins de revisão geral dos cadastros dos imóveis.

Em dezembro de 2000, o INCRA sistematizou as informações referentes a imóveisrurais que não atenderam à notificação da Portaria 558/99. Concluiu que 55% dosimóveis sob suspeita têm como atividade econômica a agropecuária e a agroindústria.

56 Relatório da Comissão Parlamentar de Inquérito da Câmara dos Deputados sobre Ocupação de Terras Públicas naRegião Amazônica, p. 231.

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Depois da sistematização destas informações, foram cancelados os registros de imó-veis correspondentes a uma área de cerca de 70 milhões de hectares. Um terço desta área(cerca de 20,8 milhões de hectares) localiza-se no Pará e compreende 422 latifúndios.Essa sistematização permitiu concluir ainda que, dos 850 milhões de hectares que com-põem o território brasileiro, não há qualquer informação sobre cerca de 200 milhões dehectares.57

Outra medida para estabelecer um controle sobre os registros de imóveis foi aaprovação da lei nº 10.267, de 28 de agosto de 2001. De acordo com esta lei, todapropriedade rural passará a ter um código identificador próprio e sua localização serádefinida por meio de dados georreferenciados. Está prevista também a criação de umCadastro Nacional de Imóveis Rurais (CNIR), cuja implantação pressupõe o registro detodas as propriedades junto ao INCRA. Torna obrigatória a atualização e a declaraçãode cadastro sempre que houver alteração em relação à área, à titularidade e em casos derestrição ambiental.

Além disso, os cartórios de registro de imóveis ficaram obrigados a encaminhar aoINCRA, todos os meses, um relatório sobre as modificações ocorridas nas matrículasimobiliárias decorrentes de mudanças de titularidade, parcelamento, desmembramen-to, loteamento, remembramento, retificação de área, reserva legal e particular do patri-mônio natural e outras limitações e restrições de caráter ambiental, envolvendo os imó-veis rurais, inclusive os destacados do patrimônio público.

A lei contém dispositivos específicos em relação às terras indígenas, obrigando aUnião a promover o registro das terras com demarcação já homologada. Obriga a Uniãoa requerer ao Oficial de Registro a averbação, na matrícula da propriedade particularque se encontrar nos limites de terras indígenas. Requer também informação de propri-edades que se encontram dentro de terra indígena.

Essa lei foi regulamentada apenas em outubro de 2002 pelo Decreto nº 4.449. Oartigo 10 desse decreto estabeleceu os prazos em que os proprietários deveriam apresen-tar o georreferenciamento de seus imóveis. O cronograma estabelecido seguiu o critérioda dimensão dos imóveis, começando pelos de maior área. O prazo deveria ser de 90dias (até 29/01/2003) para imóveis com área igual ou superior a 5 mil hectares; um ano(até 31/10/2003) para áreas de mil a menos de 5 mil hectares; dois anos (até 31/10/2003) para áreas de 500 a menos de mil hectares; três anos (até 31/10/2005) para áreainferior a 500 hectares.

Os cartórios de registro de imóveis apresentaram inúmeros questionamentos emrelação aos procedimentos previstos no decreto. Isso obrigou o INCRA, em 20 de no-vembro de 2003, a editar duas Instruções Normativas (nº 12 e 13) e uma Portaria (nº

57 Dados extraídos do documento Grilagem: Balanço Definitivo — 2000, do Ministério do Desenvolvimento Agrário.Segundo informações do Relatório da CPI sobre a Ocupação de Terras Públicas da Região Amazônica, o Cadastro daSecretaria da Receita Federal, mantido para fins de Imposto Territorial Rural (ITR), contabiliza, algo em torno de 130milhões de hectares abrangidos por imóveis acima de 10 mil hectares (p. 570).

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1.101), contendo o detalhamento dos procedimentos e a interpretação de diversos ter-mos do decreto. O INCRA não editou norma prorrogando o prazo contido na lei,conseqüentemente todos os imóveis que não cumpriram suas disposições são suscetíveisde terem seus cadastros cancelados pelo governo federal.

Em dezembro de 2004, o INCRA editou a Portaria 10, estabelecendo procedimen-tos a serem adotados em relação aos imóveis rurais com situação jurídica de posse porsimples ocupação,58 localizados em 314 municípios da Amazônia Legal (Estados do Acre,Amapá, Amazonas, Maranhão, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins).

De acordo com estes procedimentos, as novas solicitações de inclusão ou alteraçãode imóveis rurais, independentemente de sua dimensão, somente serão recepcionadaspelo INCRA, se acompanhadas de documentação comprobatória, especialmente plantae memorial descritivo georreferenciado, que permita verificar possível superposição comterras públicas. As Superintendências Regionais do INCRA só poderão emitir Certifica-do de Cadastro de Imóvel Rural (CCIR) após a apresentação dessa documentação, sen-do que os proprietários que não cumpriram as condições deveriam ter o cadastro suspensoe não poderão requerer crédito.59

Um aspecto importante estabelecido por essa Portaria é que, caso seja constatada asuperposição do imóvel rural com terras públicas federais, deve ser imediatamente pro-videnciada a baixa dos assentos cadastrais, sendo encaminhada cópia de toda a docu-mentação à Procuradoria Geral do INCRA, para a defesa dos interesses da União. Apartir da publicação, as unidades do INCRA ficaram proibidas de expedir declaração deposse ou instrumentos similares sobre áreas superiores a 100 hectares para fins de regu-larização fundiária, plano de manejo, desmatamento e financiamento por instituiçõesde crédito públicas ou privadas.

Os prazos estabelecidos pela Portaria 10 para cumprimento de suas disposiçõesforam: 1o de janeiro de 2005 para terras com mais de 400 hectares e 31 de março paraas menores. O não cumprimento desses prazos tem como conseqüência o cancelamentodo registro do Imóvel no Cadastro Nacional de Imóveis Rurais (CNIR).

A Portaria do Ministério do Desenvolvimento Agrário foi elogiada por organiza-ções como o Grupo de Trabalho Amazônico e a Federação dos Trabalhadores na Agri-cultura (FETAGRI).60 A avaliação positiva se deve principalmente ao fato dessa porta-ria, ao contrário das medidas anteriores, ser capaz de bloquear parte do processo degrilagem de terras públicas. Ela suspende a concessão de “declarações de posse” e ocancelamento imediato do registro de imóveis localizados em áreas da União.

58 São assim caracterizados os imóveis que em sua cadeia dominial apresentam documentos que só se referem à posse.59 Fazendeiros e trabalhadores protestam no Pará, Contag online, em 10 de fevereiro de 2005. Disponível em:www.contag.org.br/Clipping/02-02-2005.html#conteudo3.60 Jornal O Liberal, de 10 de janeiro de 2005, p.12

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Diante dos primeiros efeitos da medida (o cancelamento de 33 Planos de ManejoFlorestal) e do término do prazo (30 de janeiro de 2005) para o recadastramento dostítulos de propriedade com mais 400 hectares, madeireiros e fazendeiros da região deSantarém bloquearam estradas durante 10 dias, exigindo a revogação da Portaria, a“legalização” de suas áreas, além da liberação de planos de manejo suspensos. Essesalegaram que não houve tempo suficiente para apresentar a documentação requerida.Por outro lado, esses pretensos proprietários têm aumentado o ritmo do desmatamentoe da ocupação ilegal, reproduzindo a lógica histórica da grilagem.61

Em 2 de fevereiro de 2005, o Ministério do Desenvolvimento Agrário e o Minis-tério do Meio Ambiente reuniram-se com as entidades representativas dos madeireirose fazendeiros. Acordaram que, mesmo não suspendendo a Portaria, o Executivo deixoude aplicar as punições nela contidas em 2005.62 Essa negociação revela a flexibilidade econdescendência do Estado para com pretensos grandes proprietários, grileiros e madei-reiros na Amazônia. Essa mesma condescendência não é dada aos trabalhadores e suaslideranças, nem pelo Estado nem pelos latifundiários. Uma semana depois desse acordo,a missionária americana Dorothy Stang foi assassinada em Anapu, em conseqüência deatuação de um grupo de grileiros.63

Apesar das diversas propostas e da constituição de um aparato legal que pode con-tribuir para o combate à grilagem, não é possível afirmar a existência de uma políticapública consolidada na região. O governo federal ainda não implementou um registroúnico de terras, nem ao menos um cadastro específico para as grandes propriedades.Também não há articulação e cruzamento de dados entre os órgãos fundiários nos trêsníveis de governo (federal, estadual e municipal). Some-se a isto a subsistência de diver-sos títulos de propriedade para uma mesma área e fiscalização ineficiente junto aosCartórios de Registro de Imóveis.

A arrecadação de imóveis pertencentes à União e a sua transformação em projetosde reforma agrária, em grande parte dos casos, se dá apenas em conseqüência de pressãodos movimentos camponeses e da luta pela posse da terra.

Dentre os principais obstáculos do combate efetivo à grilagem está a falta de estru-tura e a grande insuficiência de pessoal dos órgãos públicos, mas também muitos casos

61 Informações colhidas em conversa com Padre Amaro, no dia 7 de março de 2005, em Anapu. A equipe da JustiçaGlobal esteve em visita ao município de Anapu no período de 2 a 21 de março de 2005.62 Informações contidas em nota conjunta dos Ministérios do Desenvolvimento Agrário (MDA) e do Meio Ambiente(MMA), de 3/02/2005. De acordo com essa nota: “Ficou acertado que planos de manejo aprovados até 30 de novem-bro de 2004 e posteriormente suspensos por apresentarem ‘documentação precária’ serão reavaliados pelo governo.Caso não apresentem nenhuma pendência ambiental ou social, como conflitos com unidades de conservação ou áreasindígenas, serão renovados e poderão operar este ano com a assinatura de um termo de compromisso entre o respon-sável pelo plano, Ibama e Incra.”63 Em junho de 2005, o Poder Judiciário do Pará autorizou mais de 40 liminares de despejo em fazendas ocupadas naregião sul e sudeste do Estado, atingindo quase cinco mil famílias de trabalhadores sem-terra.

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de corrupção e de intimidação por parte dos fazendeiros aos funcionários do INCRA. Asuperintendência do INCRA de Marabá, por exemplo, conta com apenas um procura-dor e três assistentes e atende todo o sul e sudeste do Pará. Graças a este fato, até afinalização desse relatório, foram ajuizadas apenas duas ações discriminatórias na região.

Procedimentos previstos nas leis e portarias, como a verificação da cadeia dominialdos imóveis, o cancelamento dos registros cadastrais praticamente não ocorrem. As ex-ceções são áreas onde há conflitos, pressão dos movimentos camponeses e, não raro,onde já ocorreram vários assassinatos de trabalhadores.

Há um permanente “jogo de empurra-empurra” entre os órgãos federais e estadu-ais sobre as responsabilidades, o que acaba beneficiando os grileiros de terras públicas.Por exemplo, um problema apontado pelo INCRA é a atuação do Instituto de Terras doPará, o ITERPA. Apesar dos órgãos terem firmado, em maio de 2004, um Termo deCompromisso que prevê a atuação conjunta e possibilita a transformação das terraspúblicas estaduais em projetos de reforma agrária, na prática, o órgão estadual tem semostrado reticente a arrecadar as terras e retirá-las da posse de particulares. Isso não éfeito mesmo quando o tamanho destas ultrapassa o limite constitucional de 2500 hecta-res (Art. 188 da Constituição Federal).

A prática do órgão fundiário do Estado, em muitos casos que envolvem grilagemou apropriações ilegal de terras do patrimônio público, tem sido legitimar essas situa-ções. No município de Parauapebas, 80 famílias ocuparam, no ano de 1998, a fazendaTapete Verde. Todas tinham seus lotes com farta produção e escola construída pelaprefeitura. Em julho de 2003, a Polícia Militar despejou as famílias. Em dezembro domesmo ano, o ITERPA concedeu o título de propriedade ao fazendeiro. As famíliascontinuaram acampadas à margem da fazenda e, em julho de 2005, o INCRA iniciou oprocesso de desapropriação do imóvel para assentar as mesmas famílias.64

A atuação do ITERPA (e a destinação de terras estaduais à reforma agrária) revela-se de fundamental importância em muitas regiões. Em Rondon do Pará, por exemplo,de 17 áreas levantadas por uma Força Tarefa do INCRA, ocorrida no primeiro semestrede 2005, 14 são de titularidade do Estado do Pará. São todas com titulação falsa, oucom registro feito de forma fraudulenta pelo cartório do município. Mesmo assim, oITERPA reluta em arrecadar esses imóveis e destiná-los às famílias sem-terra.

O Poder Judiciário, nas poucas ações discriminatórias ou que visem a arrecadaçãode terras públicas tem vários casos em que foram negadas liminares ao INCRA, favore-cendo grileiros. Isso como aconteceu, por exemplo, com o Projeto de DesenvolvimentoSustentável (PDS) Esperança,65 localizado em Anapu, suspendendo os processos por

64 O fazendeiro Valdemar Rodrigues do Vale é acusado de pagar 4 mil reais para assassinar o sindicalista Soares daCosta, em 14 de fevereiro de 2005, dois dias após o assassinato da missionária Dorothy Stang. Mesmo denunciadopelo pistoleiro que executou o crime, esse fazendeiro continua solto, residindo tranqüilamente em Parauapebas.65 O Judiciário local concedeu uma liminar de reintegração de posse do lote 55 em favor do fazendeiro Bida, semanasantes do assassinato da irmã Dorothy. Após sua morte, a liminar foi revogada, sem qualquer pedido das partes.

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grande período de tempo, permitindo, novamente, a ação dos grileiros e suas milíciasprivadas. Em outros casos, chega-se a cancelar a criação de projetos de assentamento emáreas públicas já arrecadadas e matriculadas em nome da União.66

66 A Vara Agrária de Marabá concedeu liminar de reintegração de posse a um grileiro que alega ser dono de um imóvelem Rondon do Pará, onde foi criado um Projeto de Assentamento há três anos. Trata-se do Projeto de AssentamentoUnidos para Vencer.

BR-163.Arquivo: Terra de Direitos

Acampamento detrabalhadores rurais emCastelo dos Sonhos.Arquivo: Terra de Direitos

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CONCLUSÃO

A análise de alguns programas e políticas aponta para uma mudança de perspectivana atuação governamental na Amazônia. É inegável que, principalmente nos últimosdois anos, ao lado das políticas desenvolvimentistas e das obras de infra-estrutura, osgovernos têm dado progressiva atenção às políticas que respeitam e promovem asociodiversidade amazônica.

Podemos afirmar, no entanto, que as políticas públicas em discussão no Pará con-tinuam espelhando as contradições e a disputa de modelos de desenvolvimento. Se, deum lado, a violência do padrão de desenvolvimento ainda se manifesta fortemente,reproduzindo ciclos de violência e intensas violações de direitos humanos. Por outro, énesta região que políticas públicas, voltadas para a construção da equidade e da justiçasocial, para o respeito à diversidade e pela afirmação de identidades culturais, parecemter mais vitalidade.

Os debates em torno da construção de estradas e hidrelétricas, e seu impacto sócio-ambiental, têm convivido com importantes propostas inovadoras, forjadas pela lutapopular e conquistadas na forma de políticas públicas. Projetos de DesenvolvimentoSustentável, reservas extrativistas, assentamentos de programas de reforma agrária sãoexemplos de que a intervenção do Poder Público tem focado também alternativas aomodelo de desenvolvimento que concentra renda e terra e somente prioriza a geração dedivisas e a exportação das riquezas naturais.

Dentre as importantes medidas governamentais destacam-se a edição da Portaria10, pelo INCRA, a criação da Reserva Extrativista Verde para Sempre (MMA) e dosProjetos de Desenvolvimento Sustentável. Destaca-se também a edição do Decreto quevisa regulamentar a aquisição de territórios quilombolas. No entanto, permanecem tra-ços também marcantes de projetos que contém um potencial de violação de direitoshumanos e degradação ambiental, como por exemplo, a construção da hidrelétrica deBelo Monte, em Altamira, recentemente autorizada pelo Congresso Nacional; a conti-nuidade do desmatamento em proporções alarmantes, o incentivo à expansão do agro-negócio, com a crescente ocupação de território pela soja etc. Certamente os desafiossão enormes, mas é fundamental a implantação de políticas públicas para garantir aintegridade dos mais pobres, dos trabalhadores rurais e demais defensores de direitoshumanos.

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“É de suma importância que vocês tenham conhecimento dos fatos acontecidos no município.Espero também que a gente possa dar continuidade aos trabalhos. Não canso nunca de falaraquela palavra muito forte para mim, que é a justiça. Estou aqui para dar esse depoimentoé porque é muito importante o conhecimento de muitos, principalmente sobre [as ações] dosfazendeiros de Rondon do Pará. (...) Ultimamente eu estou recebendo ameaças e, quando agente fala daquilo que está vivendo, é perigoso. É por isso que hoje eu sou a viúva do Dezinho,que nunca se calou e sempre fez as denúncias — e infelizmente não foram atendidas asdenúncias que ele fez”

Maria Joel da Costa — presidente do Sindicato dos TrabalhadoresRurais de Rondon do Pará

Rondon do Pará localiza-se na região sudeste do Estado do Pará e, de acordo comdados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), possui 39.856 ha-

bitantes e cerca de 8.240km². Rondon está localizada à margem da BR-222, a 80km daRodovia Belém Brasília, distante cerca de 450km da capital Belém. O município tem 26anos, tendo a ocupação da região se consolidado na década de 70. Desde então, asprincipais atividades econômicas têm sido, sucessivamente, a exploração da madeira, aagricultura e a pecuária, e mais recentemente, a fabricação de carvão vegetal.

O município de Rondon do Pará destaca-se por representar a problemática que serepetiu, com poucas variantes em todo o sudeste do Pará: reprodução de um modelo dedesenvolvimento concentrador de terra e de renda, que é viabilizado pelo acúmulodecorrente da exploração predatória dos recursos naturais e pela exploração da força detrabalho, produzindo inúmeras violações de direitos humanos.

Atualmente, Rondon do Pará é um dos municípios mais violentos do sudeste doPará. Entre os anos de 1996 e 2004, foram assassinados oito (8) trabalhadores direta-mente ligados à luta pela terra e ocorreram inúmeros espancamentos, ameaças, tentati-vas de assassinatos e de seqüestro. Marcam também esta realidade denúncias de trabalhoescravo, de grilagem de terras e devastação ambiental efetuados por fazendeiros locais.

Capítulo III

APROPRIAÇÃO ILEGAL DE TERRAS E VIOLAÇÃO

DE DIREITOS: O CASO DE RONDON DO PARÁ

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Em decorrência do acirramento da violência contra trabalhadores e trabalhadorasrurais do município, durante o mês de maio de 2004, a Terra de Direitos realizou umamissão no município, com objetivo de recolher elementos para denunciar às autorida-des locais, nacionais e internacionais, as violações de direitos humanos sofridas pelostrabalhadores. O objetivo central da missão foi o fortalecimento das ações que a Comis-são Pastoral da Terra (diocese de Marabá) e o Sindicato dos Trabalhadores Rurais deRondon do Pará já desenvolvem há vários anos.

Além de entrevistas com membros do Sindicato dos Trabalhadores Rurais, do Sin-dicato dos Trabalhadores da Indústria Madeireira, com trabalhadores acampados, a mis-são incluiu audiências e reuniões com o juiz da cidade, com o representante do Minis-tério Público e com o delegado de Polícia responsável pela investigação dos assassinatose ameaças contra trabalhadores rurais.

Em fevereiro de 2005, após solicitação da Comissão Pastoral da Terra, Sindicatodos Trabalhadores Rurais de Rondon do Pará, Terra de Direitos e Justiça Global, foirealizada uma audiência pública no Ginásio de Esportes de Rondon do Pará, que con-tou com a presença de cerca de mil trabalhadores rurais, representantes dos latifundiá-rios, o então ministro Nilmário Miranda e representantes do Ministério do Desenvolvi-mento Agrário, do governo do Estado e da Polícia Federal.

Este relatório e a análise das violações de direitos humanos ocorridas no municípiode Rondon do Pará é mais uma etapa deste trabalho.

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1. HISTÓRICO DE OCUPAÇÃO DO TERRITÓRIO

A ocupação das regiões sul e sudeste do Estado do Pará se deu no contexto dassucessivas políticas de povoamento e exploração da região promovidas pelo Poder Públi-co. Na década de 70, com a ditadura militar, são criados os “planos de desenvolvimentoda Amazônia”, em torno de grandes projetos, como a construção da rodoviaTransamazônica e da Usina Hidroelétrica de Tucuruí, esta visando à exploração de mi-nérios da Serra de Carajás.

A característica marcante dos sucessivos projetos de ocupação incluía, além da ex-ploração mineral e madeireira, a tentativa de transplantar para a região o modeloagropecuário já implementado nas regiões sudeste e sul, ou seja, destinar grandes exten-sões de terra para grupos econômicos. Para viabilizar a implantação deste modelo dedesenvolvimento e, ao mesmo tempo incentivar a exploração dos recursos naturais,foram construídas estradas às margens das quais instalaram-se empreendimentos e po-voamentos.

A ocupação da região onde hoje se localiza o município de Rondon do Pará67

insere-se neste contexto. Iniciou-se na década de 70, com a construção da Rodovia PA70, hoje BR-222, que liga a BR-010 (rodovia Belém-Brasília) à Marabá. O acampa-mento de trabalhadores localizado no quilômetro 86 que, tendo ido para a região traba-lhar na construção da estrada, permaneceu no local formando a sede do município.

A região era originariamente habitada por indígenas do povo Gavião que foramgradativamente expulsos de seus territórios. Expulsos por um processo que, de acordocom a Enciclopédia dos Povos Indígenas, publicada pelo Instituto Socioambiental, ini-ciou-se com a exploração econômica dos castanhais em fins da década de 40 e durou atéfins da década de 1970. Em 1976, esse povo foi estabelecido na Reserva Indígena MãeMaria, situada a 70km de Rondon do Pará, quando conseguiram retomar sua autono-mia.68

A construção da estrada incentivou o início da exploração da madeira na região.Inicialmente, essa exploração dava-se em terras concedidas pelo Estado do Pará, conjugadacom a exploração em áreas devolutas e em áreas de propriedade da União. Com o passardo tempo e o esgotamento da floresta, a exploração madeireira foi gradativamente dan-do lugar à pecuária e à agricultura de subsistência.

67 O nome do município foi dado em razão da instalação de uma vila com extensionistas do Projeto Rondon, no localque hoje é a sede do município.68 De acordo com a Enciclopédia dos Povos Indígenas: “O final da década de 60, a penetração de posseiros e grileiros,facilitada pela abertura da rodovia PA 70, e o avanço rápido da frente pecuária acabaram por confinar, sob fortepressão, aquele grupo que fora se refugiar no Maranhão, num local que ficou conhecido como Igarapé dos Frades, emSaranzal, próximo a Imperatriz (Arnaud: 1975, 72-76). Em fins de 1968, a área em que a “turma do Maranhão” seencontrava (perto da PA 70, mas a 150km de Mãe Maria) havia sido interditada por decreto (no 63.515 de 31/10/68),medida que não fora respeitada pela população pioneira. Os Gaviões reagiram violentamente, tendo havido mortes deambos os lados, o que provocou um pânico generalizado em toda a região (0 Estado de S.Paulo, em 30/5/72).”

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O fim das reservas de ouro da Serra Pelada fez com que milhares de famílias sedeslocassem para a região, onde passaram a trabalhar no corte da madeira, nas carvoari-as e nas fazendas em formação. Parte destes trabalhadores dirigiu-se a áreas mais afasta-das onde constituíram posses e passaram a praticar agricultura de subsistência. A área deocupação por pequenos agricultores que possui o maior número de famílias é a VilaGavião.

Os exploradores da madeira transformaram as terras devastadas em latifúndioscuja principal atividade econômica é a pecuária. O resultado deste processo foi a intensaconcentração de terra e de renda e a manutenção dos padrões de desigualdade extremaentre latifundiários e trabalhadores. O Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) deRondon do Pará é um dos piores no Brasil (0,685).69

2. GRILAGEM E CONCENTRAÇÃO DE TERRA: VIOLAÇÃO DE DIREITOS HUMANOS

O município de Rondon do Pará tem sido apontado, em diversos levantamentosoficiais, feitos a partir do final da década de 90, como um dos locais em que a grilagemde terras é mais significativa. Não por acaso, a grilagem é uma das mais importantescausas estruturais das violações de direitos humanos de trabalhadores rurais.

A Comissão Parlamentar de Inquérito, destinada a investigar a ocupação da Ama-zônia, destacou o Cartório de Registro de Imóveis de Rondon do Pará como um doscartórios com maior número de irregularidades de toda a Amazônia Legal.70

UF MUNICÍPIO

AM APUÍ

AM BOCA DO ACRE

AM BORBA

AM CANUTAMA

AM CARAUARI

AM ENVIRA

AM EURUNEPÉ

AM GUAJARÁ

AM HUMAITÁ

AM IPIXUNA

AM ITAMARATI

AM JURUÁ

UF MUNICÍPIO

AM LÁBREA

AM MANICORÉ

AM NOVO ARIPUANÃ

AM PAUINI

AM TAPAUÁ

PA ACARÁ

PA ALTAMIRA

PA MARABÁ

PA MOJU

PA PARAGOMINAS

PA RONDON DO PARÁ

UF MUNICÍPIO

PA SÃO DOMINGOS DO CAPIM

PA SÃO FÉLIX DO XINGU

PA SÃO MIGUEL DO GUAMÁ

PA SANTA ISABEL

PA TOMÉ AÇU

AP AMAPÁ

AP FERREIRA GOMES

AP PORTO GRANDE

AC SENA MADUREIRA

69 Conforme dados do PNUD e IBGE (ano 2000), o IDH do Brasil é 0,775 e o do Estado do Pará é 0,720. O Brasilocupa hoje a 72ª posição, de um total de 175 países.70 Relatório da Comissão Parlamentar de Inquérito sobre a ocupação de terras públicas na Região Amazônica (CPI daGrilagem), da Câmara dos Deputados, com o título, p. 523.

TABELA 5:CARTÓRIOS SOB INTERVENÇÃO E ENVOLVIDOS EM IRREGULARIDADES

Fonte: Relatório da CPI da Ocupação de Terras Públicas da Amazônia

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Um dos casos mais conhecidos de grilagem de terras no Estado do Pará e de toda aAmazônia é o já mencionado “caso do fantasma Carlos Medeiros”, que também temramificações em Rondon do Pará. O Instituto de Terras (ITERPA), em 1987, identifi-cou que, entre as áreas da União griladas pelo “fantasma”, pelo menos 6.534 hectareslocalizavam-se em Rondon do Pará.71

Além deste caso, levantamento recente feito por técnicos da Superintendência Re-gional do INCRA, superintendência de Marabá, nos municípios de Rondon do Pará,Abel Figueiredo e Bom Jesus do Tocantins revela que, das 26 áreas vistoriadas, 80%pertencem, na verdade, ao Estado do Pará (são basicamente terras devolutas) e não aospecuaristas que ocupam estas áreas.

Os documentos grilados são registrados em diversos cartórios da região. Dadosdesse levantamento do INCRA informam que, no Cartório do Município de São Migueldo Guamá, a cem quilômetros de Belém, terras negociadas tiveram até 2.000% decrescimento em relação ao tamanho original. Através da atuação fraudulenta do cartó-rio, uma gleba de pouco mais de quatro mil hectares passou, em cerca de 30 anos, a termais de 95 mil hectares. Fez também com que apenas uma pessoa fosse proprietária deuma área de mais de 116 mil hectares. No total, os três municípios possuem cerca de810 mil hectares de terras griladas. São glebas que ficam num raio de cem quilômetrosdas rodovias Transamazônica e Belém-Brasília.72

Conforme informações da Comissão Pastoral da Terra e do Sindicato dos Trabalha-dores Rurais de Rondon do Pará, o caso mais conhecido de grilagem de terras públicasno município não consta dos levantamentos oficiais recentemente divulgados. Trata-se,segundo as entidades, de uma área de 44 mil hectares. Esta teria sido titulada peloEstado do Pará, em 1918, em nome de Manoel José de Brito, possivelmente uma pessoainexistente, a exemplo do personagem “Carlos Medeiros”. Este título de propriedade foideclarado falso pelo ITERPA ainda em 1978.

Dentre as propriedades abrangidas por este título estava a fazenda conhecida comoTulipa Negra, com área de 3 mil hectares.73 O extinto Grupo Executivo das Terras doAraguaia-Tocantins (GETAT), em 1983, discriminou a área onde se localizava o imóvel(Gleba Água Azul). Não reconhecendo a validade dos títulos do Estado do Pará, arreca-dou toda a área em torno da Fazenda Tulipa Negra (inclusive a própria) e a matriculoucomo propriedade da União no Cartório de Registro de Imóveis de São Miguel doGuamá. A União, desde o início da década de 80, é a real proprietária da área de 44 mil

71 Informações retiradas do Livro Branco da Grilagem de Terras no Brasil, publicado pelo Ministério do Desenvolvi-mento Agrário, p. 57.72 Informações do Ministério do Desenvolvimento Agrário sobre a grilagem no sudeste do Pará, localizado emwww.mda.gov.br.73 Esta fazenda foi arrecadada pelo Estado no ano de 2000, e que deu origem ao primeiro Projeto de Assentamento deRondon do Pará: o assentamento José Dutra da Costa.

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hectares. Ocorre que, sobre a mesma área, há uma sobreposição de títulos de proprieda-de: um falso expedido pelo governo do Estado, em 1918, e outro real, resultado dadiscriminação de terras pelo GETAT.

Como é comum no Estado do Pará, o ITERPA, apesar de conhecer a falsidade dotítulo há mais de vinte anos, não promoveu o cancelamento de seu registro em SãoMiguel do Guamá. Conseqüentemente, o não cancelamento permitiu a realização denovos negócios sobre a área com títulos falsos. Também o INCRA, sucessor do GETAT,nada fez para manter a posse das terras arrecadadas. A omissão do Poder Público permi-tiu que grandes grileiros se apossassem das terras e se mantivessem instalados nelas.74

Durante o ano de 2004, o Cartório de Registro de Imóveis de Rondon do Parápassou por uma correição determinada pelo Poder Judiciário, a partir de denúncias daComissão Pastoral da Terra, da FETAGRI e do Sindicato de Trabalhadores Rurais deRondon do Pará. De acordo com o parecer do Tribunal de Justiça do Estado do Pará, emofício encaminhado à Terra de Direitos em outubro de 2004:

No relatório-parecer exarado, os MMs juízes-corregedores, além de detectarem várias irregu-laridades na escrituração dos livros de Registro de Imóveis, as quais discriminam na Ata daCorreição Extraordinária levada a efeito, lograram identificar, por intermédio das informa-ções procedentes do INCRA, a ocorrência de diversas matriculas realizadas com base em títu-los definitivos de terra falsos e outros claros indícios de que são os títulos originários dosassentos também falsificados.75

Neste procedimento, foi determinado o bloqueio dos registros de imóveis das fa-zendas Tulipa Negra (que já havia sido arrecadada pela União), Serraria Jerusalém Ltda.,Santa Cruz, Bela Vista, Jucamarhe, Pantanal, Coração do Brasil, Garrafão, Futuro eGraciosa.

Além dos diversos casos de grilagem já comprovados pelo próprio Estado, háindícios fortes de que outras propriedades têm títulos grilados. Recentemente, foiamplamente divulgado o cancelamento de um Plano de Manejo Florestal da FazendaBarroso, de propriedade do maior latifundiário da região (José Décio Barroso Nunes)que teria vendido madeira de forma ilegal ao Rio de Janeiro.76 Outra fazenda depropriedade do mesmo latifundiário, denominada Fazenda Lacy, que possui cerca de112 mil hectares, o que corresponde a 20% da área total do município de Rondon do

74 As denúncias de grilagem que o Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Rondon do Pará levou a público desde oinício da década de 90, foram novamente reconhecidas no procedimento de Correição Parcial, levado a efeito peloPoder Judiciário do Estado do Pará, através do procedimento no 2004.400.887, concluído em 27 de janeiro de 2005.75 Decisão processo 2004.440.887, Autos de Correição no Cartório Extrajudicial da Comarca de Rondon do Pará.76 Importante mencionar que o PMF no 02018.002848/99-03 foi suspenso em decorrência da falta de cadastro dapropriedade no INCRA e a ausência de comprovante de propriedade, indicativos de grilagem de terras públicas.

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Pará, teve sua Cadeia Dominial investigada pela Advocacia Geral da União (AGU), apartir de 1999.77

Em relação aos títulos que compõem a mencionada Cadeia Dominial, um dostítulos originários foi considerado nulo pelo próprio ITERPA, em 1979, e o outro foiconsiderado “inexistente”. A única porção da fazenda que possui um título válidocorresponde a uma área de 4.356 hectares.78 O procedimento investigatório sobre atitulação desta fazenda já dura seis (6) anos.

Muito embora tenha havido uma ação dos órgãos públicos no sentido de inspeci-onar os cartórios de registro de imóveis e cancelar alguns registros de matrículas, princi-palmente a partir de 2004, não é possível afirmar a existência de uma política estruturalde combate à grilagem que atinja o município de Rondon do Pará. De fato, as únicasáreas retomadas pelo INCRA foram arrecadas após terem sido ocupadas por trabalha-dores rurais sem-terra, revelando a falta de uma política de gestão territorial.

Não há, a despeito dos inúmeros registros comprovadamente falsos, ações judiciaispara arrecadar as terras públicas e destiná-las à reforma agrária. Em declaração ao OGlobo, o delegado do Ministério do Desenvolvimento Agrário no Estado do Pará refe-riu-se à aplicabilidade da Portaria 10 (recadastramento das propriedades no CNIR) nomunicípio de Rondon do Pará: “no caso de Rondon, onde há grandes extensões deposses também tomaremos as medidas cabíveis assim que terminar o prazo. O limite depropriedade de terras liberadas é de 2500 hectares. Não poderá haver proprietários de110 mil hectares, por exemplo”.79 No entanto, até o momento nenhuma medida con-creta foi tomada para arrecadar terras públicas de Rondon do Pará e destiná-las à refor-ma agrária. As áreas retomadas pelo INCRA foram realizadas antes da vigência da Por-taria 10 e apenas após sua ocupação pelos trabalhadores rurais.

Em março de 2004, logo após o assassinato do dirigente sindical Ribamar Francis-co dos Santos, o Ministério do Desenvolvimento Agrário anunciou a criação de umaforça-tarefa, formada por 30 servidores do INCRA (Superintendências de Rondônia eRoraima, Acre e Amazonas) com o objetivo de “fazer um levantamento visando discri-minar áreas públicas e terras particulares, regularizando e assentando os trabalhadorescom perfil da Reforma Agrária.”

De acordo com informações veiculadas pelo jornal Correio de Tocantins “em Rondon,a força-tarefa fará a retomada de todas as áreas públicas federais e estaduais e as destinaráao Programa Nacional de Colonização e Reforma Agrária e, mediante procedimento

77 Essa investigação foi realizada através do Processo Administrativo de Fiscalização Cadastral no 54100.001339/99-1078 O mencionado Procedimento Administrativo do INCRA foi aberto em decorrência do não cumprimento da Porta-ria 558/99, que determinou que todos os proprietários rurais que possuíssem área igual ou superior a 10 mil hectaresdeveriam apresentar os documentos comprobatórios da propriedade.79 Jornal O Liberal, 17/01/2005, p. 8.

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legal, expulsará os grileiros que estão ocupando estas terras”.80 Todavia, até fevereiro de2005, o INCRA não havia sequer concluído as vistorias necessárias em Rondon doPará.

Após a audiência pública, ocorrida em fevereiro de 2005, em Rondon do Pará, oMDA comprometeu-se a intensificar as ações de regularização fundiária na região. Noentanto, devido à fragilidade do INCRA, principalmente decorrente da falta de funcio-nários, as ações específicas para Rondon não foram tomadas. Até o fechamento desserelatório, não se tinha notícia dos resultados dos procedimentos visando a discriminaçãodas terras públicas e particulares.

Outro fator marcante é a ocorrência de trabalho escravo ou super-exploração daforça de trabalho. Entre 2003 e 2004, ocorreram 43 denúncias de trabalho escravo,com a libertação de 811 trabalhadores no Estado do Pará, sendo que 291 foram liberta-dos em fazendas localizadas no município de Rondon do Pará. Na última semana deagosto de 2005, foram libertados 79 trabalhadores na região sudeste do Pará, sendo que40 foram encontrados na condição de escravos em Rondon do Pará, na Fazenda Córregodo Limão, de propriedade da Agropecuária Rio do Ouro S.A.

O Sindicato dos Empregados na Indústria Madeireira, em março de 2004, o de-nunciou ao Ministério Público do Trabalho a ocorrência de trabalho escravo, não paga-mento de férias e 13º salário, além de ameaças de morte aos dirigentes e trabalhadoresfiliados por José Décio Barroso Nunes (vulgo Delsão), um dos maiores madeireiros eproprietários rurais do município. De acordo com o Sindicato, Delsão emprega cerca de800 pessoas e responde a mais de 500 processos na Justiça do Trabalho.81

No início de setembro (de que ano), o promotor da Comarca de Rondon do Pará,dr. Mauro Mendes de Almeida, instaurou Ação Penal contra o madeireiro Sérgio Venturinie o comerciante José Carlos Gonçalves dos Santos. Em agosto de 2004, avisado depossível operação do Grupo Móvel contra o trabalho escravo em sua propriedade, estemadeireiro determinou a retirada dos trabalhadores da fazenda, para que não fossemflagrados em regime análogo à escravidão. O caminhão que conduzia os trabalhadorescaiu em um precipício e cinco pessoas morreram e nove ficaram gravemente feridas.

A exploração predatória da madeira é outra característica da atividade econômicade Rondon do Pará, apesar de restar apenas 35% da área total de floresta do municí-pio.82 Esse está localizado no Arco do Desmatamento,83 sendo o 5o dentre os 15 muni-

80 Jornal Correio do Tocantins, 9 a 11 de março de 2004, 3o caderno, p. 4.81 Notas da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito (CPMI) da Terra, 28ª reunião ordinária, realizada em 06/4/2005, disponível em www. senado.gov.br.82 Dados do Ministério do Meio Ambiente (MMA): números consolidados de desflorestamento para o período de2002-2003.83 No Estado do Pará, fazem parte do Arco do Desmatamento os municípios de Santarém, Itaituba, Novo Repartimen-to, Itupiranga, Parauapebas, Marabá, Paragominas, Dom Eliseu, Rondon do Pará, Redenção, Cumaru do Norte, SãoFélix do Xingu e Santana do Araguaia.

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cípios do país com maior desmatamento absoluto. Em 2004, o município teve a segun-da maior taxa de incremento no desmatamento, algo como 279%.

A produção de carvão vegetal, em franca expansão, é um dos fatores que contribu-em para o desmatamento. Em setembro de 2005, o IBAMA divulgou um relatório ondeconcluiu que há um déficit entre a quantidade de carvão utilizada pelas siderúrgicas e adeclarada pelo setor de produção de carvão, indicando que grande parte da produção decarvão é ilegal. Uma equipe do jornal O Estado de S.Paulo encontrou três carvoariasilegais no município. Esta equipe de reportagem descreve o papel da produção de car-vão vegetal no desmatamento da região:84

No caminho das carvoarias, diversos hectares do que antes era mata remanescente ardem.Após a retirada das árvores grandes e com valor econômico pelos madeireiros anos atrás, o queresta fica à mercê da produção ilegal do carvão. A área é primeiro queimada para limpar decipós e animais — com freqüência, feito de forma irregular, o fogo se espalha e atinge matasvizinhas. Em seguida, entram as motosserras, que retiram praticamente todas as árvores queainda ficaram em pé. O que sobra é terra negra e morta, sem qualquer organismo, macro oumicro, no solo.

3. A LUTA PELA TERRA EM RONDON DO PARÁ

O esgotamento gradual da floresta — com a conseqüente mudança do padrãoprodutivo e ainda a diminuição da atividade mineradora em outras regiões do sul doPará — fez com que milhares de famílias de trabalhadores ficassem sem alternativa desobrevivência na região. Por isso, passaram a ocupar, como posseiros, áreas inabitadas edistantes das estradas, praticando uma agricultura de subsistência.

Em Rondon do Pará, a área de ocupação mais antiga chama-se Vila Gavião (que selocaliza a cerca de 40km da área urbana do município). De acordo com o relato deMaria Eva dos Santos,85 moradora do local:

“A ocupação iniciou-se em fins da década de 70, quando algumas famílias foram para a área ‘porconta’. Cerca de 30 famílias formaram uma vila e passaram a formar roçados nos arredores. Como passar do tempo, outras famílias passaram a residir na vila e cultivar áreas ao redor”.

A agricultora relata ainda que, em 1992, um fazendeiro chamado José Hiláriopassou a ameaçar os posseiros, alegando ser dono das terras. Iniciou-se um processo deamedrontamento e perseguição aos trabalhadores rurais, buscando impedi-los de culti-var as terras sobre as quais exerciam posse há mais de 10 anos.

84 O Estado de S.Paulo publicado em 16/9/2005.85 Entrevista concedida a Maria Rita Reis e Maura Kelly em Rondon do Pará, na data de 4 de abril de 2004, durante amissão da Terra de Direitos ao município.

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Em 1994, com a estruturação do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Rondondo Pará86, esse passa a organizar a resistência dos posseiros e trabalhadores rurais. Deacordo com Maria Eva, houve, a partir daí, vários momentos de conflito. Em 1995, umfazendeiro chegou a levar um caminhão com dezenas de pistoleiros e policiais, paraexpulsar os trabalhadores da Vila Gavião. José Dutra da Costa — conhecido comoDezinho, que anos depois viria a ser presidente do STR — intermediou o conflito e foilevado pela polícia e pelos fazendeiros até uma fazenda próxima. Os trabalhadores fe-charam a estrada e não permitiram o trânsito de nenhum veículo até que Dezinhovoltasse.

Três trabalhadores foram assassinados no período entre 1994 e 1997: Alfim AlvesFagundes, um trabalhador de nome Ronaldo (conhecido como Pezão) e outro trabalha-dor de nome Francisco. O pistoleiro que matou Ronaldo foi preso, mas fugiu de dentroda delegacia. Os moradores da Vila Gavião suspeitam ainda de mais dois assassinatos,pois dois trabalhadores desapareceram.

A área onde se localiza a Vila Gavião foi reconhecida, em 1997 como de proprieda-de da União. O Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária criou então umprojeto de assentamento na área, onde residem hoje 135 famílias.

A luta pela posse da terra na Vila Gavião e a organização do Sindicato dos Trabalha-dores Rurais foram fundamentais ao processo de resistência dos trabalhadores e possei-ros. Desde então, tem crescido o número de trabalhadores organizados. Essa organiza-ção deu-se paralela e contrariamente à articulação dos grandes proprietários rurais parainviabilizar a reforma agrária em Rondon do Pará.

Em 1993, José Dutra da Costa, o Dezinho assume a presidência do STR e perma-neceu nesse cargo até 1999 (dois mandatos). Desde a posse, Dezinho tornou-se alvo deconstantes ameaças e perseguições, especialmente em conseqüência de denúncias públi-cas da grilagem de terras em Rondon do Pará. José Dutra passa a pesquisar diversostítulos de propriedade e divulgar que a maior parte das áreas de Rondon pertence aoEstado ou à União.

O primeiro alvo de denúncias foi a Fazenda Tulipa Negra, na posse de KiumeMendes Lopes. O título falso que deu origem aos documentos dessa fazenda é o mesmode diversas áreas de Rondon do Pará. O início do processo de arrecadação do imóvelgerou uma reação organizada dos grandes proprietários, inclusive porque caso o INCRApassasse a investigar a cadeia dominial de outros imóveis, mais fazendeiros perderiamsuas terras.

De acordo com Maria Joel da Costa, esposa de Dezinho:

Dezinho era ameaçado, porque Vila Gavião era uma área concentrada no poder dos fazendei-ros. Dezinho foi fazer trabalhos na base, para ver que forma a área ia ser legalizada. Foi pesquisarse as áreas tinham documento. Aí começou a fúria dos fazendeiros, que veio a tona com as

86 Os trabalhadores narram que o Sindicato foi fundado em 1982, mas até 1988 o STR era totalmente controlado pelosfazendeiros.

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ameaças. Com seis meses que ele estava no sindicato, pedimos segurança para o Dezinho. Elepassou seis meses com segurança de quatro policiais. Ele fez um levantamento no município econstatou várias áreas que não tinham documento. Ele levava estas demandas para o INCRA.Na época, ele descobriu que tinha um cemitério clandestino na fazenda do Josélio de Barros.Neste período, houve fatos concretos que o Josélio tinha contratado pistoleiro para matar oDezinho. Na época, Josélio foi chamado para depor. (...) Tudo piorou após a ocupação daTulipa. Juntou as duas coisas: o problema fundiário da Tulipa e a possibilidade de Dezinho seeleger vereador.

José Dutra da Costa foi assassinado em 21 de novembro de 2000. Nesta época, oEstado do Pará tinha retirado a proteção policial que o acompanhou durante seis meses.O assassinato ganhou repercussão nacional. Como tantas outras no Pará, foi chamadapela imprensa de “morte anunciada”87 já que o próprio Dezinho, a Comissão Pastoral daTerra e a FETRAGRI haviam denunciado as ameaças recebidas às autoridades por inú-meras vezes.

No primeiro ano da morte do sindicalista, o STR organizou uma manifestaçãocobrando providências do Poder Judiciário. A praça principal da cidade foi ocupada portrabalhadores. Em uma atitude violenta, pecuaristas e madeireiros do município fize-ram barricadas com tratores e caminhões, impedindo a abertura da Igreja Católica.

O assassinato de Dezinho e as constantes ameaças à diretoria do Sindicato ame-drontaram muitos trabalhadores, provocando uma diminuição nas atividades do STR.Em 2003, a organização dos trabalhadores se reestrutura com a eleição à presidência doSTR de Maria Joel da Costa, viúva de Dezinho. O número de trabalhadores cadastradosno STR se multiplica. Atualmente o cadastro contém 2.200 famílias, potenciaisbeneficiárias de projetos de reforma agrária, aguardando para serem assentadas peloINCRA.

Desde o início de 2003, a retomada da organização dos trabalhadores (e a possibi-lidade de novas ocupações) levou os fazendeiros do município a um novo ciclo de ame-aças. Em 7 de fevereiro de 2004 foi assassinado Ribamar Francisco dos Santos, uma dasprincipais lideranças do STR. Outros membros do sindicato ainda estão sob permanen-te ameaça. Esse clima de tensão acirra-se porque a demanda por terra no municípionunca foi tão grande.

Além dos mais de 2 mil trabalhadores cadastrados, há quatro acampamentos eocupações, com cerca de 150 famílias em cada um: Água Branca, Bom Fim, Deus nosama, Campos Dourado, todos organizados pelo Sindicato dos Trabalhadores Rurais. Asocupações são em áreas não tituladas pertencentes à União, e atualmente regularizadaspelo INCRA.

87 O nome de Dezinho constou na lista anual de ameaçados da Comissão Pastoral da Terra por cinco anos consecuti-vos.

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Há seis assentamentos em Rondondo Pará, com total de 600 famílias, quesão os Assentamentos Nossa SenhoraAparecida, Unidos para Vencer, JoséDutra da Costa, Nova Vitória, Vila Ga-vião e Vila Mantenho. A primeira por-taria, criando um projeto de assenta-mento, foi a do Assentamento JoséDutra da Costa, publicada em 2002,apesar de ser a área ocupada há menostempo.

Dentre estes assentamentos,pelo menos dois (Unidos para Vencer eNova Vitória) têm sérios problemas deregularização fundiária, por se tratar de

áreas públicas retomadas pelo INCRA que estavam na posse de grileiros. Ocorre que oINCRA retomou as terras, criou os projetos de assentamento, mas os pretensos “propri-etários” obtiveram liminar de reintegração de posse na Justiça, impedindo a regulariza-ção desses projetos.

4. DEFENSORES DE DIREITOS HUMANOS

Como em todo o sul do Estado do Pará, a violência contra trabalhadores tempermeado as relações sociais e se manifesta por diversas formas: escravização de homense mulheres,88 expulsão de camponeses de suas terras, agressões físicas e morais, ameaçasde morte e assassinatos.

Desde o início das ocupações organizadas pelo STR, em 1996, foram assassinadasoito (8) lideranças de trabalhadores rurais. No início de 2003, com a retomada da organi-zação, os dirigentes do Sindicato, principal reivindicador da reforma agrária e dos direitoshumanos dos posseiros e trabalhadores rurais, vêm sofrendo constantes ameaças. São co-muns telefonemas anônimos e perseguições a esses diretores e a seus familiares.

No início de 2003, espalhou-se pela cidade um boato de que dois membros doSTR iriam ser assassinados a mando de fazendeiros da região. As ameaças dirigiam-se aMaria Joel da Costa (presidente do STR e viúva de José Dutra da Costa, assassinado emnovembro de 2000) e aos outros dirigentes: Ribamar Francisco dos Santos (diretor definanças), Cordiolino José de Andrade (vice-presidente), Geraldo Soares Fernandes (di-retor de política agrária), Zuldemir dos Santos (diretora de políticas sociais), Maria Eva

88 A região de Rondon do Pará (que corresponde aos municípios de Abel Figueiredo, Bom Jesus, Dom Eliseu e Rondondo Pará) apresenta um alto índice de ocorrência de trabalho escravo e superexploração do trabalho. Entre 2003 e 2004,ocorreram 43 denúncias de trabalho escravo, com a libertação de 811 trabalhadores do Pará, sendo que 291 foramlibertados em fazendas de Rondon do Pará.

Extração de madeira no Pará. Arquivo Terra de Direitos

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dos Santos Dias (secretária de gênero), Maria das Graças da Silva (presidente da Associ-ação de Trabalhadores Rurais do assentamento José Dutra da Costa).

Entre dezembro de 2003 e meados de fevereiro de 2004, todos estas liderançasforam alvo de ameaças. Receberam ligações anônimas, foram seguidos por pessoas estra-nhas e tiveram seus passos monitorados. Na data de 7 de fevereiro de 2004, foi assassi-nado o diretor de finanças do STR, Ribamar Francisco dos Santos (47 anos, pai de trêsfilhas). Durante todo o ano de 2004, os trabalhadores rurais permaneceram sob ameaçaconstante. A reação dos órgãos públicos, quanto à punição dos responsáveis por todaessa violência, não ocorreu. Os inquéritos que apuram os assassinatos continuam semandamento.

Além das lideranças do STR, os dirigentes do Sindicato dos Trabalhadores da In-dústria Madeireira, Ailton Rogério Ferreira da Silva e Laudelina Nogueira Fernandestambém sofrem ameaças constantes, conforme relatado à equipe da Terra de Direitosem fevereiro de 2005.

Cabe ressaltar algumas características dos conflitos na cidade de Rondon do Pará.A primeira constatação, ao analisar casos recentes de violência extrema (assassinatos), éque esta violência não é difusa, mas dirigida às lideranças populares. Toda a pressão éfeita sobre as lideranças das organizações que lutam pela terra, pois os trabalhadoresacampados praticamente não sofrem ameaças. A forma como estas ameaças ocorrem é amesma: telefonemas anônimos, informações que “vazam” e chegam às pessoas próximasàs lideranças. Os assassinatos têm ocorrido sempre após um período (que costuma durarsemanas) de forte tensão, com acontecimentos que são o anúncio de um ou mais assas-sinatos.

Um fato conhecido por todos os trabalhadores é que as agressões contra os defen-sores de direitos humanos não são pensadas por indivíduos isoladamente, mas por um“consórcio” de pessoas. Reúnem-se e deliberam as estratégias de desarticulação dos mo-vimentos de luta pela terra.

Uma análise dos fatos ocorridos em Rondon do Pará comprova que a percepçãodos trabalhadores é correta: existe uma preocupação clara em perseguir e amedrontar aslideranças do Sindicato dos Trabalhadores Rurais ou das Associações de TrabalhadoresRurais, demonstrando interesses claros na destruição de qualquer resistência, inclusivecom a morte de pessoas.

Toda a articulação da violência contra posseiros e trabalhadores rurais em Rondondo Pará — por diversas vezes denunciada pelas organizações que apóiam o STR — foiexposta em detalhes por uma testemunha no processo que apura o assassinato de JoséDutra da Costa. A mencionada testemunha, Francisco Martins da Silva Filho, era irmãode um pistoleiro de confiança de José Décio, assassinado em 2000 e denunciou diversoscrimes cometidos por este. Francisco foi ameaçado de morte e ficou dois anos sob pro-teção de um programa federal de apoio às vítimas e testemunhas. Quando voltou aomunicípio para prestar depoimento, Francisco narrou que seus familiares foram amea-çados por José Décio Barroso.

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Segundo Francisco, existe um grupo de extermínio em Rondon do Pará. Grupoeste liderado por José Décio Barroso Nunes e apoiado por outros fazendeiros da cidadecomo Antonio de Ângelo, Olávio Rocha e outros. De acordo com o depoimento datestemunha: “o grupo de extermínio, existente nesta cidade, se reúne na casa de D.Antônio para decidir ‘quem vive e quem morre’; que o líder do grupo de extermínioexistente nesta cidade é o sr. Décio José Barroso Nunes”.89

O descaso e a conivência do Poder Público são explícitos pois até os inquéritos parainvestigar os crimes denunciados por Francisco desapareceram do Cartório Criminal deRondon do Pará, conforme informa certidão expedida Poder Judiciário, por solicitaçãoda equipe da Terra de Direitos. Durante a missão realizada pela Terra de Direitos emRondon do Pará constatou-se que os registros de ocorrência relativos às ameaças sofridaspelos trabalhadores, não tinham tido qualquer procedimento investigatório e sequerforam localizados pela autoridade policial.

Um grande problema observado é o medo que as pessoas da cidade sentem emdenunciar que ouviram ameaças ou que foram testemunhas de um crime. Este medonão é infundado. É fato por todos conhecido que quem denuncia a ação de pistoleiroscontratados por fazendeiros sofre represálias. Uma das principais testemunhas do assas-sinato de José Dutra da Costa, Magno Fernandes do Nascimento, foi assassinado porum pistoleiro, em 10 de setembro de 2002, próximo à residência. O inquérito sobreeste assassinato está paralisado deste março de 2003 e não há outra hipótese levantada anão ser queima de arquivo.

Outra testemunha chave do processo, Francisco Martins da Silva Filho, foi inclu-ída em um Programa de Proteção a Testemunhas, mas não conseguiu permanecer nomesmo, devido à rigidez das normas do Programa e a alegada impossibilidade destas seadequarem ao seu caso específico. A CPT solicitou ao PROVITA a re-inclusão de Fran-cisco no Programa, o que foi indeferido. Em julho de 2005, a Comissão Pastoral daTerra, a Terra de Direitos e a Justiça Global solicitaram reconsideração desta decisão,mas não havia uma resposta a este pedido até o fechamento deste relatório.

CONCLUSÃO

Assim como outras áreas e regiões de fronteira do Estado do Pará, Rondon do Parátambém é marcado por muitas situações de violação dos direitos humanos e devastaçãoambiental. Entre as muitas violações, estão casos de grilagem de terras públicas, ameaçase assassinatos de lideranças e defensores, exploração predatória de madeira, desmatamentosilegais.

O caso mais emblemático foi o assassinato do líder sindical José Dutra da Costa(Dezinho). O descaso e a conivência do Poder Público para coibir, apurar e responsabi-lizar os culpados são explícitos, inclusive inquéritos para investigar crimes desaparece-ram do Cartório Criminal de Rondon do Pará.

89 Fonte: Autos do Processo Criminal 046/00 da Comarca de Rondon do Pará.

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Apesar das constantes ameaças contra lideranças sindicais, Rondon do Pará é tam-bém uma região marcada por luta e resistência dos trabalhadores e trabalhadoras ruraiscontra as violações de direitos e a destruição ambiental. Isso resultou em avanços como,por exemplo, na conquista da terra por centenas de famílias. No entanto, ações governa-mentais efetivas são fundamentais para coibir a grilagem e evitar a morte de trabalhado-res e a exploração predatória do meio ambiente em Rondon do Pará.

Maria Joelacompanhada dasatrizes CamilaPitanga e LetíciaSabatela durantemanifestação contra aimpunidade emRondon do Pará.Foto: João Laet

Maria Joel Dias daCosta . Foto: João Laet

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Capítulo IV

ANAPU: RECURSOS PÚBLICOS, GRILAGEM

E ALTERNATIVAS DE DESENVOLVIMENTO

...sou ameaçada de morte, publicamente, por fazendeiros e grileiros de terras públicas. Tive-ram a ousadia de ameaçar-me e pedir a minha expulsão de Anapu. Tudo isto só porqueclamo por justiça. Agradeço a Deus estes anos riquíssimos de aprendizagem, amizade com opovo. Apaixonada sou pela sinceridade, partilha, hospitalidade, resistência, firmeza e dispo-nibilidade [desse povo]

Dorothy Stang

Anapu tem uma área territorial de 11.895km² e, de acordo com o IBGE, uma popu-lação estimada de 7.271 habitantes. Está situada na região central do Estado e, no

ano de 1995, a localidade foi elevada à categoria de município (Lei Estadual nº 5.929/95).90

O processo desordenado de ocupação se deu pela abertura de nova fronteira porgrileiros, ampliando as ações de apropriação ilegal e desmatamento descontrolado, quevêm resultando nos conflitos agrários, envolvendo novos e antigos ocupantes. Recente-mente, esses conflitos pela posse da terra tornaram-se, nacional e internacionalmente,conhecidos com o assassinato da irmã Dorothy Stang.

Em meio a apropriação ilegal de terras públicas e o descaso e a conivência do PoderPúblico estadual e federal estão os trabalhadores rurais, que vêm sendo sistematicamen-te perseguidos, criminalizados e ameaçados de morte pelos latifundiários. Segundo rela-tos dos moradores e trabalhadores rurais, esses grileiros contam com o apoio da políciapara queimar barracos, expulsar trabalhadores de suas casas, prendê-los arbitrariamen-te, aumentando a tensão na região.

90 Anapu: termo de origem geográfica, em referência ao Rio Anapu. O topônimo origina-se do tupi “anã”, que signi-fica “forte, grosso” e “pu”, que significa “ruído”: ruído forte.

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1. HISTÓRICO DA OCUPAÇÃO FUNDIÁRIA

O município de Anapu teve sua origem relacionada à abertura da rodovia BR-230(a Transamazônica). Esta região recebeu imigrantes nordestinos e sulistas, que vierampara a Amazônia iludidos por programas governamentais que prometiam acesso à terrae condições para viver nela.91

A região foi dividida em Transamazônica Leste (região de Marabá, à 500km deAltamira) e Transamazônica Oeste (cerca de 400km de Altamira e Rurópolis). A regiãoLeste, onde esta situada Anapu, não teve um acompanhamento adequado por parte dogoverno federal. Segundo técnicos enviados à região, a qualidade da terra era considera-da “fraca” e apresentava vários focos de malária.

O projeto do governo federal para a região leste, objetivava a transferência de terraspertencentes à União para os fazendeiros, através da celebração do Contrato de Aliena-ção de Terras Públicas (CATP).92 Esses poderiam fazer uso de terras públicas e, casocumprissem os requisitos previstos no contrato, adquirindo o título definitivo da pro-priedade. Segundo o contrato de alienação, as vistorias do INCRA para avaliar o cum-primento dos requisitos deveriam acontecer após cinco anos de uso da terra.

Parte dos lotes licitados pelo edital de concorrência nº 4/72 formaram as glebasBelo Monte (com 510 mil hectares) e Bacajá (com 210 mil hectares), ambas situadasentre as cidades de Altamira e Marabá, sendo, respectivamente, uma ao norte e outra aosul da rodovia Transamazônica. As grandes extensões de terras atraíram pessoas interes-sadas em explorar madeira da floresta ou a agropecuária.

O plano de ocupação decorrente dos CATPs não foi cumprido exatamente comoanunciado pelo governo federal. Na verdade, esta região sofreu um processo de coloni-zação desordenado. Em decorrência da falta de apoio técnico e financeiro do própriogoverno, parte dos trabalhadores rurais não teve condições de sobreviver na terra. Aque-les que não conseguiram se estabelecer, venderam ou abandonaram as terras,descumprindo requisitos presentes no CATP, aumentando a presença de grileiros.

A grilagem de terras se caracteriza pela exploração ilegal da madeira e da pecuáriaem terras da União por pessoas que não possuíam permissão para ocupar as áreas pormeio de um CATP, ou que, tendo essa documentação, registraram as terras como suasantes da vistoria do INCRA.93 Ao chegar à região e se estabelecer na terra, os que sediziam “proprietários” vendiam a madeira, explorada de forma ilegal.94

91 Análise da Estrutura Fundiária Brasileira, do Departamento de Estatística do INCRA, disponível em: www.incra.gov.br/_htm/serveinf/_htm/pubs/pubs.htm.92 Instrução Especial/INCRA/no 6A, de 29 de novembro de 1977. Aprovada pela Portaria/MA no 841/77 (DOU de06/12/77, Seção I). “Fixa critérios para alienação de terras públicas de domínio da União ou do INCRA, mediantelicitação visando a implantação da pequena e média empresa rural em áreas individuais de até 3.000 hectares.” Dispo-nível em: www.incra.gov.br/_htm/serveinf/_htm/ legislacao/instrue/6a.htm.93 Grilagem de terras na Amazônia: Negócio bilionário ameaça a floresta e populações tradicionais, elaborado peloGreenpeace, disponível em www.greenpeace.org.br/amazonia/pdf/grilagem.pdf.94 Segundo o Relatório da Comissão Externa para acompanhar as investigações relativas ao assassinato da missionáriaDorothy Stang, do Senado Federal, estima-se que, até 31 de março de 2005, os madeireiros já tinham aberto cerca detrês mil quilômetros de estradas para tirar a madeira da floresta.

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Em 1980 e 1981, o INCRA iniciou as vistorias nas áreas situadas nas glebas Bacajáe Belo Monte para verificar o cumprimento das obrigações estabelecidas nos contratosde alienação (CATPs). Esse órgão constatou que muitos lotes encontravam-se em situ-ação de total abandono, ou em mãos de terceiros. Pressionado pelos trabalhadores ru-rais, o INCRA entrou com ações judiciais para cancelar o registro imobiliário dessasáreas e reverte-las em terras da União destinando-as à reforma agrária. Algumas dasdecisões judiciais foram favoráveis à União, entretanto os grileiros não desocuparam asterras, fomentando os conflitos agrários e a violência contra os trabalhadores e demaisdefensores de direitos humanos.

2. RECURSOS PÚBLICOS E CONFLITOS FUNDIÁRIOS

No início da década de 90, a Superintendência de Desenvolvimento da Amazônia(SUDAM) tinha a incumbência de definir prioridades, analisar e aprovar projetos, au-torizar a liberação de recursos e acompanhar e fiscalizar os empreendimentos beneficia-dos com incentivos fiscais.95

Ocorreu uma concentração espacial desses projetos, pois, de acordo com númerospublicados pela própria SUDAM, dos 732 projetos aprovados na Amazônia Legal, en-tre os anos de 1991 e 1999, 287 estão localizados no Pará. Esses investimentos chega-ram a mais de um bilhão e seiscentos mil reais, que significaram 26,5% dos financia-mentos destinados à Amazônia nesse período.

95 Essas atribuições estão, hoje, transferidas para a Agência de Desenvolvimento da Amazônia (ADA), criada pelaMedida Provisória nº 2.157, de 2001, que extinguiu a SUDAM e criou a ADA e o Fundo de Desenvolvimento daAmazônia.

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Pelo menos 15 destes projetos foram aprovados para a região de Anapu, resultandoem mais um motivo de deslocamento para a região, desta vez, atraindo fazendeiros(conhecidos como os “sudanzeiros”) interessados nos altos valores designados para oplano de financiamento. Esses projetos foram responsáveis por grandes desmatamentos,pois grande parte dos incentivos financeiros era direcionada à exploração da madeira oua projetos agropecuários. Foi exatamente entre os projetos agropecuários que se concen-trou o maior número de insucessos da política de incentivos implantada na região, comperda irrecuperável de recursos públicos.

Os “sudanzeiros” desviaram grandes somas de recursos públicos que deveriam serutilizados na execução dos projetos. Por exemplo, segundo denúncia do Ministério Pú-blico Federal do Pará (MPF), Laudelino Délio Fernandes Neto, é responsável por desvi-ar quase cinco milhões de reais, creditados na conta da empresa Agropecuária PedraRoxa S/A, de propriedade do seu pai, José Albano Fernandes.96 Foram mais de quatromilhões e quinhentos mil reais (R$ 4.553.712,25) em notas fiscais, recibos e contratosfalsos para um projeto que tinha como objetivo a produção do cacau e a criação debovinos.97

O Sindicato de Trabalhadores Rurais de Anapu e a irmã Dorothy, por diversasvezes, denunciaram Laudelino Délio por estar grilando os lotes 56, 58 e 61 da glebaBacajá, local aonde vem desmatando a floresta a corte raso. Segundo informações dostrabalhadores, queimou cerca de 2 mil hectares, em 2004, onde plantou pasto paragado.98

Em maio de 1999, os trabalhadores presentes nos lotes 124 e 126, da gleba BeloMonte, foram ameaçados por grileiros que impetraram Ação de Reintegração de Possecom a intenção de expulsar as famílias ali alojadas. A intenção era desocupar a área paraque o fazendeiro Danny Gutzeit implantasse no local um projeto financiado pelaSUDAM. No entanto, a intervenção do Ministério Público Federal conseguiu demons-trar o interesse da União, sendo deslocada a competência para a Justiça Federal e possi-bilitando ao INCRA assumir a titularidade da área.

No mês de novembro de 1999, Danny Gutzeit, auxiliado por 50 homens armados,expulsou 40 posseiros dos lotes 126 e 128 da gleba Belo Monte. Os posseiros retoma-ram a área em dezembro, comunicaram a todos os órgãos públicos competentes, solici-taram providências, não obtendo nenhum retorno. No mês de março de 2000, DannyGutzeit os expulsou novamente, colocou pistoleiros na divisa, destruiu as casas e jogousementes de capim em todas as roças, inviabilizando as colheitas.

96 Projeto aprovado pela Resolução do Conselho Deliberativo da SUDAM n. 8.886, em 1o de outubro de 1998.97 Denúncia realizada pelo Ministério Público Federal do Estado do Pará, Procuradoria da República do município deSantarém, ao Juiz Federal da Vara de Santarém/PA, em 10 de junho de 2002.98 Ofício enviado pelo Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Anapu as autoridades competentes em 28 de julho de2004.

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O Ministério Público Federal (Procuradoria da República do município deSantarém) também denunciou Danny Gutzeit,99 acusado-o de desviar quase três mi-lhões de reais de projeto aprovado pela SUDAM100 para a empresa PropanorteAgroindustrial e Empreendimentos da Amazônia S/A, de propriedade de seu pai,Lindolpho Gutzeit.101 Essa empresa (localizada no lote 50 A da gleba Bacajá) tinhacomo objetivo o cultivo do dendê. Entretanto, o MPF apurou que nenhuma das ativi-dades dita como realizadas, ocorreram efetivamente e nenhum dos bens descritos nasnotas fiscais foi realmente adquirido.

Danny Gutzeit fraudou 80% dos 12 milhões de reais que recebeu da SUDAMpara implantação de projetos produtivos em Altamira. Este município é ainda hoje umdos maiores redutos eleitorais do ex-senador e atual deputado federal Jader Barbalho.Em abril de 2002, o MPF declarou que o ex-senador Jader Barbalho tinha influênciapolítica na aprovação e na liberação de verbas da SUDAM e, conseqüentemente, estariaenvolvido nos desvios ocorridos.

Danny afirmou, em depoimento a Polícia Federal, que o irmão de Jader, LionelBarbalho, teria exigido R$ 400 mil reais de propina para que seu projeto fosse aprovado.Esse irmão de Jader, segundo apurações do MPF, era a pessoa que intermediava o con-tato entre Jader e os empresários e fazendeiros interessados em ter seus projetos aprova-dos pela SUDAM.102

O ex-senador e atual deputado federal Jader Barbalho e outras 57 pessoas (a “máfiada SUDAM”) foram acusadas de cometer crimes contra a administração do Fundo deInvestimento da Amazônia (FINAM),103 no processo administrativo de aprovação deprojetos e liberação de recursos para empresas na Amazônia Legal.104 Gutzeit foi presopela Polícia Federal pelas fraudes cometidas, mas ao ser libertado por meio de um habeascorpus, fugiu para a Suíça, beneficiando-se de dupla nacionalidade.105

99 Laudelino Délio Fernandes e Danny Gutzeit foram denunciados pelos crimes de estelionato qualificado (art.171,parágrafo 3, do Código Penal); em concurso material (art. 69 do CP) com os crimes de falsidade ideológica (art. 299do CP), falsificação de documento público (art. 297 CP), combinado com o uso de documento falso (art. 304 do CP);formação de quadrilha (art. 288 CP); e crimes contra o sistema financeiro (arts. 6 e 11, Lei no 7.492/86), peloMinistério Público Federal do Estado do Pará ao Juiz Federal da Vara de Santarém.100 Projeto aprovado pela Resolução do Conselho Deliberativo da SUDAM no 9.199, em 12 de novembro 1999.101 Denúncia realizada pelo Ministério Público Federal do Estado do Pará, Procuradoria da República do municípiode Santarém, ao Juiz Federal da Vara de Santarém/PA, em 10 de junho de 2002.102 Depoimento de irmão de Jader compromete ex-senador no caso Sudam, Agência Folha, em 10 de abril de 2002,disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u31225.shl.103 Ministério Público pedirá bloqueio dos bens de Jader, Amazonpress Online, em 1o de agosto de 2001, disponívelem: http://www.amazonpress.com.br/para/dedoc/pa01082001.htm.104 Inquérito contra o deputado José Tourinho deve virar Ação Penal, em 16 de junho de 2005, disponível em http://www.prr1.mpf.gov.br/s0_data/outras_noticias_corpo.htm.105 “Consórcio de assassinos”, IstoÉ Online, em 06 de abril de 2005. Disponível em: www.terra.com.br/ istoe/1851/brasil/1851_consorcio_de_assassinos.htm.

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Outras nove empresas, localizadas na região de Anapu, foram investigadas e seusproprietários foram processados por desviar recursos de projetos aprovados pela SUDAM.São algumas delas: Agropecuária Belo Monte S/A; Agroindústria Terranorte Ltda; RioAnapu Agroindustrial S/A, entre outras.106

Os dados acima permitem contabilizar mais de dez fazendeiros acusados de pro-mover o desmatamento e a destruição da floresta amazônica, e de utilizar a influênciapolítica para desviar recursos públicos. Esses recursos eram utilizados para o financia-mento de campanhas políticas e a manutenção no poder das velhas e novas oligarquias.

Havia (e ainda há) uma íntima relação entre a apropriação ilegal de terras e osdesvios de recursos, pois essas terras serviam como “garantia” e “local de implantação”dos fictícios projetos financiados pela SUDAM. Em outros termos, as terras griladasserviam (e ainda servem) como reserva patrimonial (como valor dado em garantia nosistema financeiro) e não apenas como reserva de valor (ganho aferido na venda daterra).

Esse esquema de corrupção, casado com a grilagem de terras, envolveu autoridadesdo Executivo, do parlamento e do Poder Judiciário, consolidando um padrão de Estadopermeado pela impunidade, violência e exclusão dos mais pobres. O resultado foi oacirramento dos conflitos agrários e ambientais, gerando mais violência contra os traba-lhadores e demais defensores de direitos humanos.

3. PROJETOS DE DESENVOLVIMENTO SUSTENTÁVEL (PDS)O avanço da luta por uma nova política agrária e ambiental em Anapu é resultado

da importante pressão dos movimentos sociais da região. Lutando contra a concentra-ção fundiária, os movimentos reivindicaram que as terras da União fossem transforma-das em áreas de preservação ou em projetos de assentamento, uma nova forma de traba-lhar a terra e de relação com a floresta, garantindo a sustentabilidade ambiental.107

A irmã Dorothy e os movimentos sociais de Anapu elaboraram a proposta de de-senvolvimento, conciliando a produção familiar com a utilização sustentável da floresta,os Projetos de Desenvolvimento Sustentável (PDS). Em 1997, foi oficialmente registra-do no INCRA (sob o nº 54100.002349/00-97) o pedido dos movimentos sociais deAnapu para a criação de dois PDS.108 O objetivo desses é conciliar o assentamento depopulações tradicionais da Transamazônica (indígenas, extrativistas, ribeirinhos, possei-

106 Lista de empresas que desviaram recursos da extinta SUDAM. Ministério da Integração Nacional — Coordenaçãode Projetos.107 Documento enviado pela Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado do Pará e Amapá (FETAGRI) aentão superintendente do Incra no Pará, Maria Santana da Silva em 5 de fevereiro de 2001.108 O Projeto de Desenvolvimento Sustentável (PDS) foi criado pelo INCRA por intermédio da Portaria/Incra/P nº477, em 04 de novembro de 1999 e regulamentada pela Portaria/Incra/P no 1.032 de 25 de outubro de 2000. Dadosdisponíveis no Diário Oficial da União, Seção 1, no 240, de 12 de dezembro de 2002 no site: http://www.in.gov.br/.

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ros, camponeses) em área de interesse ambiental, promovendo um desenvolvimentonão predatório e sustentável, onde os direitos humanos são respeitados e protegidos.

Os posseiros, trabalhadores rurais, extrativistas, ribeirinhos insistiram na necessi-dade de transformar os latifúndios em áreas de assentamento e preservação. Essa pro-posta de 1997 incluía vinte e quatro (24) lotes na gleba Belo Monte e vinte e um (21)lotes, todos de três mil hectares, na gleba Bacajá, totalizando quarenta e cinco (45) lotesdestinados ao agroextrativismo sustentável.109

Após a entrada do requerimento para a implementação de PDS, foi solicitado aoINCRA um recadastramento de todas as terras que abrangiam a região. Este procedi-mento foi efetivado em 1999, constatando que todos os lotes pleiteados eram grandes eimprodutivos, ou seja, todos poderiam ser destinados ao programa de reforma agrária.Alguns dos referidos lotes já tinham sido revertidos legalmente em terras da União eoutros se encontravam em fase de cancelamento dos Contratos de Alienação de TerrasPúblicas (CATPs).

Em novembro de 2002, através da Portaria INCRA/SR-01(G)/nº 39/2002, oINCRA criou oficialmente o PDS de Anapu, como um novo modelo de reforma agráriado governo federal para a região.110 A proposta do INCRA previa a implementação dequatro PDS, beneficiando aproximadamente 600 famílias, que receberiam assistênciatécnica, apoio financeiro e infra-estrutura para desenvolver o projeto.

O STR de Anapu e organizações populares envolvidas, seguindo os critérios pre-sentes na portaria de criação dos PDS, definiram um plano de utilização. De acordocom esse plano os beneficiados deveriam assumir o compromisso de respeitar a legisla-ção ambiental e seguir critérios de sustentabilidade, implantando e consolidando ativi-dades produtivas para permitir a reprodução das espécies vegetais e o reflorestamentodas áreas desmatadas. Deveriam também possibilitar a melhores condições de vida paraa população local.111

A preocupação das organizações envolvidas era organizar uma metodologia de usodo PDS em que o beneficiado não voltasse a repetir os erros cometidos por aqueles queutilizaram irregularmente seus CATPs, vendendo suas terras, ou utilizando-as de formaindevida. Por isso, o plano de utilização elaborado pelo STR estabelecia não só direitos,mas responsabilidades e um método de fiscalização e suas penalidades.

Um grande obstáculo à implementação dos PDS tem sido a violência impostapelos madeireiros, fazendeiros e grileiros nos lotes destinados aos referidos projetos. Asfamílias são intimidadas e expulsas dos lotes por milícias armadas, contratadas por ma-

109 Grito dos Posseiros de Anapu, divulgado pelo Sindicato de Trabalhadores Rurais (STR) de Anapu, em Setembro de2004.110 Portaria publicada no Diário Oficial da União, seção 1, no 240, de 12 de dezembro de 2002, disponível no site:http://www.in.gov.br/111 Plano de Utilização da Associação do Projeto de Desenvolvimento Sustentável de Anapu (Pará).

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deireiros e grileiros. O INCRA, após a criação dos PDS em novembro de 2002, passoua enfrentar uma batalha judicial contra os fazendeiros e madeireiros para retomar asterras pertencentes à União. O referido órgão não estava conseguindo realizar a demar-cação dos lotes dos PDS.112

Técnicos do IBAMA denunciaram as dificuldades para realizar vistorias nas áreasdos PDS em virtude do clima de animosidade, inclusive de ameaças explícitas por partede grileiros. Em um relatório de viagem, divulgado em 30 de agosto de 2002, essestécnicos denunciaram a presença de pistoleiros na região. A equipe havia se deslocadopara Anapu com objetivo de estudar a implantação de uma Reserva Extrativista Flores-tal (RESEX) na gleba Bacajá e dois Projetos de Desenvolvimento Sustentável, o PDSVirola-Jatobá e o PDS Esperança.113

Com a eleição do novo governo federal, em 2003, foram retomadas as ações nosentido de atender as reivindicações dos movimentos sociais de Anapu. Foram criadosos quatro PDS, conforme previsto na portaria do INCRA, totalizando 70 mil hecta-res.114 Entretanto, a proposta vem encontrando dificuldades para se concretizar, especi-almente devido às invasões dos grileiros e “sudanzeiros”, que se protegem com empresasde segurança e pistoleiros.115

Laudelino Délio Fernandes Neto foi um dos fazendeiros que ocuparam área desti-nada a reforma agrária. Ele implantou uma fazenda nos lotes 56 e 58, que vem sendoprotegida por pistoleiros, e ainda ocupou e vendeu a terceiros os lotes 60, 61 e 62,localizados na gleba Bacajá, todos destinados ao PDS. Délio Fernandes permanece nasterras porque lhe foi concedido este direito pela Justiça Federal de Marabá, através deuma ação de manutenção de posse. Ele requereu o direito de permanecer na área parasurpresa dos trabalhadores rurais e funcionários do INCRA, o juiz responsável pelareferida ação concedeu esse direito, com base na simples posse de um CATP, apresenta-do no processo.

Como já foi mencionado, o INCRA já havia feito um recadastramento e constatouque a região decorria de CATPs irregulares, por isso, é inadmissível que seja concedidaa permanecia de Délio nas referidas áreas. Este episódio demonstra o quão vulneráveisestão os trabalhadores rurais de Anapu e região, inclusive do ponto de vista formal.

112 Reforma agrária: sustentabilidade ambiental e direitos humanos, Relatoria Nacional Direito ao Meio Ambiente daPlataforma DHESC Brasil, em nota divulgada em 16 de fevereiro de 2005. Disponível em: http://www.dhescbrasil.org.br/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?infoid=30&sid=19.113 Relatório de viagem apresentado pela técnica do IBAMA, Ruth Maria A. Tavares, em 30 de agosto de 2002.114 PDS Anapu I abrange os lotes 16, 20, 21, 23, 25, 27, 29, 60, 61 e 62 e PDS Anapu II os lotes 56 e 58, na glebaBacajá. Foram criados também o PDS Anapu III, abrangendo os lotes 110, 136, 138, 139, 158, 162, 178 e o PDSAnapu IV, abrangendo os lotes 107 e 132, na gleba Belo Monte115 Carta enviada pelo Instituto de Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), ao Juiz de Direito da VaraAgrária de Marabá, em 9 de dezembro de 2003.

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Em visita à cidade de Anapu, no mês de março de 2005, as equipes da JustiçaGlobal e da Terra de Direitos constataram que os trabalhadores beneficiados pelo PDSencontravam-se em total abandono pelas autoridades responsáveis. A polícia, que deve-ria dar proteção, na verdade, persegue e criminaliza aqueles trabalhadores que se encon-tram em áreas de conflito. A assistência técnica não é feita por órgãos públicos, mas portécnicos da Associação Solidária Econômica e Ecológica de Frutas da Amazônia(ASSEEFA) com uma equipe insuficiente para atender aos 70 mil hectares destinadosaos PDS.

Os trabalhadores estavam aguardando a distribuição de cestas básicas pelo INCRA,provendo a subsistência até que pudessem comercializar a produção. Contudo, outrafonte informou que a chegada das cestas estava prejudicada, pois não havia um veículopara o transporte. As cestas estavam estocadas no município de Altamira. Também, porocasião da visita, não foi possível perceber a efetivação do respaldo financeiro e técnicoque o governo federal deveria destinar aos PDS de Anapu.

4. DEFENSORES DE DIREITOS HUMANOS: CASO DE UM ASSASSINATO ANUNCIADO

A omissão e a inoperância das diversas esferas do Poder Público que tratam comdescaso ou conivência a grilagem e o avanço da indústria madeireira e das frentes dedesmatamento da Amazônia constituem o pano de fundo da violência contra a popula-ção e contra os movimentos sociais de Anapu. É sabido que cerca de 90%116 da madeiraproveniente dessa região têm origem ilegal. O governo federal tem negociado com osfazendeiros, mas os trabalhadores rurais vêm sendo ameaçados, expulsos de suas terras,criminalizados e as lideranças sociais vêm sendo assassinadas.

Uma das lideranças mais atuantes do município de Anapu foi a irmã DorothyStang, americana naturalizada brasileira, 73 anos. Missionária da Congregação NotreDame, trabalhava no Pará desde 1966 e era reconhecida defensora das causas ambientais,agrárias e de direitos humanos, enfrentando a oposição de madeireiros e fazendeiros.117

Assim como tantas outras ameaças que resultaram na morte de líderes sindicais,religiosos e advogados ocorridas no Estado, o caso de irmã Dorothy também já tinhasido denunciado repetidas vezes às autoridades competentes pelos movimentos sociais.A própria Dorothy já havia encaminhado ofícios ao Ministério Público Federal, à Secre-taria Especial de Direitos Humanos, ao INCRA e à Ordem dos Advogados do Brasil —seccional Belém, relatando as ameaças que vinha sendo vítima, dando inclusive nomesdos fazendeiros responsáveis.

116 Reforma agrária: sustentabilidade ambiental e direitos humanos, Relatoria Nacional Direito ao Meio Ambiente daPlataforma DHESC Brasil, em nota divulgada em 16 de fevereiro de 2005. Disponível em: http://www.dhescbrasil.org.br/cgi/cgilua.exe/sys/start.htm?infoid=30&sid=19.117 Em 2004, recebeu da Assembléia Legislativa do Estado do Pará o título de Cidadã Paraense, bem como o PrêmioJosé Carlos Castro, outorgado pela Ordem dos Advogados do Brasil.

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Em 15 de junho de 2004, o Procurador da República de Belém, Felício Pontes Jr.,encaminhou ofício ao Secretário Especial de Defesa Social do Estado do Pará, ManoelSantino Nascimento Jr., pedindo proteção à vida de Dorothy. No dia 3 de fevereiro,oito dias antes de ser assassinada, a própria irmã entregou, em audiência com a presençade trabalhadores ameaçados e organizações de direitos humanos, carta ao DelegadoGeral da Policia Civil do Pará, Luiz Fernandes. Nessa relatou que três pessoas estavamameaçando famílias de posseiros na região de Anapu. Duas delas eram Vitalmiro Bastosde Moura (o Bida) e Amair Feijoli da Cunha (o Tato), acusados de participação em seuassassinato.118

No mesmo dia em que entregou essa carta ao delegado Fernandes, a missionáriaparticipou em Belém, de audiência pública de lançamento do Programa Nacional deProteção de Defensores de Direitos Humanos, onde estavam presentes o então ministrode Direitos Humanos Nilmário Miranda, a governadora do Estado Pará em exercício, oSecretário de Defesa Social do Pará, Manoel Santino, representantes do Ministério Pú-blico Estadual, dentre outras autoridades como senadores, deputados federais e estadu-ais. Darci Frigo — da coordenação nacional desse Programa na condição de represen-tante da sociedade civil organizada — denunciou que, além da irmã Dorothy, quatropessoas da região estavam recebendo ameaças de morte e que fazendeiros e madeireirosinvadiram uma área de Anapu. Especificamente denunciou a invasão da casa do traba-lhador Luiz Moraes de Brito por pistoleiros, cujo caso foi encaminhado à policia.

Esses fatos demonstram que houve total omissão dos Poderes Públicos, os quaisnão adotaram medidas eficazes para impedir que as violações contínuas e sistemáticasaos direitos humanos, amplamente denunciadas, fossem materializadas no assassinatoda irmã Dorothy,119 ocorrido na manhã do dia 12 de fevereiro de 2005.

Durante a visita a Anapu, a equipe da Justiça Global e da Terra de Direitos foraminformadas pelo Padre Amaro, amigo e vizinho de Dorothy, que no dia anterior, 11 defevereiro de 2005, antes de ir para o PDS Esperança, a irmã esteve na Delegacia deAnapu e pediu proteção policial ao delegado, Marcelo Luz. Ela buscava segurança paraentrar no PDS e ele teria dito à missionária que não tinha viatura, nem policiais paraacompanhá-la e que por isso ela deveria “se virar”.120

118 Freira denunciou três pessoas em carta à polícia, jornal O Globo, 16 fevereiro 2005, p. A13.119 Apesar da reação do então ministro de direitos humanos, Nilmário Miranda, exigindo a punição dos responsáveispelo assassinato da irmã Dorothy, sua fala explícita a prática governamental de não adotar medidas preventivas contraa violência. Conheceu pessoalmente a missionária uns dias antes, e soube das ameaças de morte, mas afirmou: “Enca-minhamos o caso à polícia, mas nunca pensamos que a ousadia desses bandidos chegasse ao ponto de assassinar umairmã, pessoa símbolo da luta no local” (declaração feita à Folha de S.Paulo, de 12/02/2005 — disponível em FolhaOnline).120 Esse assassinato causou grande impacto na opinião pública nacional, levando o Senado Federal a criar a “ComissãoExterna para acompanhar as investigações relativas ao assassinato da missionária Dorothy Stang”. Essa foi instaladaatravés da publicação do Ato no 8, de 2005.

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Segundo informações divulgadas pela Polícia Federal, a morte de Dorothy teriasido encomendada por um “consórcio” de fazendeiros e madeireiros.121 Há muitos anosDorothy enfrentava os grileiros e madeireiros da região, denunciando a ocupação ilegalde áreas públicas. Um dos fazendeiros denunciados pela missionária era o já menciona-do Délio Fernandes. Em depoimento à Polícia Federal, em novembro de 2002, a irmãfoi categórica ao afirmar a presença de Délio na gleba Bacajá, ocupando irregularmenteos lotes 56 e 58.

Outro fazendeiro, Luis Ungaratti, também foi inúmeras vezes denunciado porDorothy, inclusive, pela expulsão, no ano de 2001, de 34 famílias de áreas destinadas aoPDS. Ele utilizou pistoleiros fortemente armados para intimidar as famílias, ameaçan-do-as de morte caso retornassem à área. Mandou jogar capim nas roças, impedindooutras culturas e possibilitando a manutenção de gado na área, como uma forma de“manter a posse” da mesma.122

Os lotes 54, 55 e 57, da gleba Bacajá, também foram alvo de denúncias da Dorothy,em conseqüência de grande derrubada, no ano de 2000. Desta vez, os denunciadoscomo responsáveis foram os fazendeiros Marcos Oliveira e Regivaldo Pereira Galvão,também conhecido por “Taradão”, sendo que esse esteve envolvido nos desvios de verbada SUDAM.123 Em maio de 2004, Taradão fez novas e grandes derrubadas nesses lotese, apesar de ser advertido por autoridade do IBAMA, continuou desmatando sistemati-camente. Em carta encaminhada em 16 de junho de 2004,124 Dorothy denunciava aoMPF os desmatamentos feitos por Taradão e por Vitalmiro Bastos de Moura (Bida).

Bida ingressou com uma Ação de Reintegração de Posse, alegando que “suas” terras(o lote 55) estavam sendo invadidas por pessoas que estariam praticando a derrubada deárvores. A então juíza da Vara Agrária de Altamira, Danielle Buhrnheim, responsávelpelo processo, em novembro de 2004, concedeu Liminar de Reintegração com base em“provas” apresentadas por Bida (Autos nº 067/2004-AC).

A época em que a referida ação foi protocolada na Justiça, julho de 2004, o proces-so de implementação de PDS em Anapu já estava em andamento. A então juíza da VaraAgrária, autoridade especializada, deveria questionar a propriedade do requerente, vistoque se tratava de área reconhecida como da União. No entanto, não solicitou nenhumrelatório ao INCRA ou IBAMA para comprovar ou não a propriedade pleiteada.125

121 Consórcio de assassinos, IstoÉ Online, em 06 de abril de 2005. Disponível em: http://www.terra. com.br/istoe/1851/brasil/1851_consorcio_de_assassinos.htm.122 Depoimento prestado por Dorothy Stang à Polícia Federal, em Belém, em 28 de novembro de 2002.123 Grito dos Posseiros, divulgado pelo STR de Anapu, em setembro de 2004.124 A cópia desta carta foi enviada à Justiça Global pelo Ministério Público Federal do Pará em 2 de março de 2005.125 Em 22 de fevereiro de 2005, dez dias após a morte de Dorothy, o então juiz da Vara Agrária de Altamira, FranciscoCoimbra, revogou a liminar de Reintegração de Posse, confirmando que se tratam de terras públicas.

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Apesar do consórcio formado entre fazendeiros da região (entre os quais estariamDélio Fernandes, Luis Ungaratti e Yoaquim Petrola), segundo o inquérito policial, Bidae Taradão foram os principais responsáveis pelo plano que teve como objetivo o assassi-nato de Dorothy. Após esse assassinato, a Polícia Federal fez uma busca na fazenda deBida, acusado de ser o mandante do crime, e encontrou um bilhete que mencionavauma ajuda financeira fornecida por Luis Ungaratti ao delegado da Polícia Civil, Marce-lo Luz. Esse estaria lhe dando apoio nos conflitos com os trabalhadores rurais, ligaçãoessa que é mais um indício do envolvimento de Ungaratti no suposto “consórcio”.

O Ministério Público Estadual do Pará denunciou à Justiça cinco pessoas envolvi-das no assassinato da missionária. Segundo o Promotor de Justiça, Lauro de FreitasJúnior, que assina a denúncia, os acusados responderão por homicídio qualificado. Ba-seado nos inquéritos das Polícias Civil e Federal, o promotor denunciou Rayfran dasNeves Sales (Fogoió) e Clodoaldo Carlos Batista (Eduardo) como executores, AmairFeijoli da Cunha (Tato) como intermediário, Vitalmiro Bastos de Moura (Bida) eRegivaldo Pereira Galvão (Taradão) como mandantes do crime.126

O Poder Judiciário do Pará havia anunciado que a sessão do Tribunal de Júri parajulgar Rayfran e Clodoaldo aconteceria em outubro desse ano, o que não ocorreu até omomento. Havia a pendência de julgamento do pedido de desaforamento, cujo resulta-do foi anunciado dias atrás. A imprensa tem noticiado que esse Júri poderá acontecerem novembro ou dezembro, mas não há confirmação oficial e ainda não há previsão dejulgamento para os mandantes deste crime.

Por outro lado, é importante salientar, conforme concluiu a Comissão Externa doSenado, em seu relatório final que “o esclarecimento [desse] crime, com a prisão dosexecutores e de um mandante, não implica na descoberta de toda a cadeia de mandantesdo crime e de uma rede de suporte às atividades criminosas contra a preservação dafloresta e contra os assentamentos sustentáveis”.

126 Processo no 200520002470, Comarca de Marabá, disponível em: www.tj.pa.gov.br.

Irmã Doroty Stang,assassinada em 12 defevereiro de 2005.Foto: João Laet

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5. VIOLAÇÃO DE DIREITOS HUMANOS, IMPUNIDADE E A FEDERALIZAÇÃO

Temendo que, mais uma vez, a impunidade fosse a regra, a sociedade civil organi-zada solicitou ao então Procurador Geral da República, Cláudio Fonteles, que requeres-se a federalização127 do caso de Dorothy ao Superior Tribunal de Justiça (STJ).128 A lutapela federalização dos crimes contra os direitos humanos é antiga e o debate tem permeadoa pauta dos defensores de direitos humanos.

O requisito básico necessário a um pedido de deslocamento de competência é agrave violação de direitos humanos, combinado com a omissão da Justiça de um Estadoda Federação. A federalização visa garantir que o cumprimento de obrigações decorren-tes de tratados internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil seja signatário.

Em 7 de abril de 2005, advogados da Terra de Direitos e da Comissão Pastoral daTerra (CPT do Pará) formularam um pedido de assistente no requerimento defederalização feito pelo Procurador Geral da República. O pedido foi feito em nome deDavid Joseph Stang, irmão de Dorothy. O objetivo era reforçar a necessidade do deslo-camento de competência com base no histórico da ineficácia do Poder Judiciário doPará em julgar e punir fatos anteriores e posteriores ao referido crime.

Ao contrário do que alegava o Ministério Público Estadual do Pará, o pedido for-mulado por estas organizações estava em “absoluta consonância com a sistemática cons-titucional vigente”, reforçando que “...a própria ordem constitucional de 1988 permitea drástica hipótese de intervenção federal quando da afronta de direitos humanos (art.34, VII, b), em prol do bem jurídico a ser tutelado, não há porque obstar a possibilidadede deslocamento de competências.”129 O Superior Tribunal de Justiça julgou o pedidono dia 8 de junho de 2005 e não entendeu como cabível a federalização do caso deDorothy, argumentando que a Justiça do Pará empreendeu ações rápidas e num curtoespaço de tempo conseguiu investigar o caso e prender os acusados.

Excepcionalmente, houve celeridade na investigação da Polícia Civil nesse caso emconseqüência da investigação paralela da Polícia Federal e de pressões de organizaçõesnacionais e internacionais, face à grande repercussão desse crime.130 Apesar dessa

127 Emenda Constitucional no 45 que acrescentou parágrafo (§ 5o) ao artigo 109 da Constituição Federal: “Nas hipó-teses de grave violação de direitos humanos, o Procurador-Geral da República, com a finalidade de assegurar o cum-primento de obrigações decorrentes de tratados internacionais de direitos humanos dos quais o Brasil seja parte,poderá suscitar, perante o Superior Tribunal de Justiça, em qualquer fase do inquérito ou processo, incidente dedeslocamento de competência para a Justiça Federal.” (NR)128 Pedido de federalização, o Estadão Online, em 12 de julho de 2005, disponível em: http://conjur.estadao.com.br/static/text/33722,1.129 Petição enviada para o Superior Tribunal de Justiça pela Terra de Direitos e Comissão Pastoral da Terra comoassistentes no pedido de Federalização do processo que julga o assassinato da irmã Dorothy Stang, em 7/4/2005.130 O Fórum Nacional pela Reforma Agrária e Justiça no Campo organizou uma campanha nacional e internacional,denominada “reforma agrária: sustentabilidade ambiental e direitos humanos”, articulando pessoas e entidades paraexigir a apuração do crime e a punição dos responsáveis e pressionar o Executivo federal a implementar medidascapazes de coibir a grilagem e a violência no Pará.

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celeridade na investigação e providências pelo Poder Judiciário do Pará, é sabido que omandante do assassinato conhecido por Bida teve ajuda na fazenda de Délio, assimcomo há suspeitas do envolvimento de outros fazendeiros no tal “consórcio”.

Após a morte de Dorothy, foi realizada uma reunião, em 16 de fevereiro de 2005,na Superintendência do INCRA de Belém para tratar sobre a Operação “Pará Paz”.131 Oobjetivo dessa operação era agilizar ações nos municípios onde é identificado o maiornúmero de conflitos agrários. Cinco equipes foram enviadas para Anapu, compostaspor representantes do governo federal, INCRA, IBAMA, Delegacia Regional do Traba-lho (DRT), Polícia Federal, Polícia Rodoviária Federal e as Forças Armadas.

As equipes enviadas para Anapu, na semana seguinte a reunião, ficaram responsá-veis por vistoriar 25 áreas, totalizando 75 mil hectares no município. As referidas visto-rias serviriam para decretar posses ilegais como áreas de interesse social para fins dereforma agrária. Segundo informações do Ministério do Desenvolvimento Agrário, oINCRA também enviaria equipes com topógrafos e técnicos agrícolas para georreferenciartodos os imóveis rurais e iniciar a regularização dos lotes com até 100 hectares do mu-nicípio.

Em nova reunião, realizada em Anapu em 25 de fevereiro de 2005, o ministro doDesenvolvimento Agrário, Miguel Rosseto, anunciou as seguintes propostas para a re-gião, que deveriam ser realizadas em 30 dias: realizar operação de georreferenciamentoem 22 lotes dos PDS; iniciar uma etapa de desapropriação das áreas; realizar operaçãode fiscalização conjunta com IBAMA e Delegacia Regional do Trabalho. Os técnicos doINCRA deveriam fazer, imediatamente, a notificação e a vistoria das referidas áreas,acompanhados do IBAMA para autuar os ilícitos ambientais. Prometeu ainda realizar,em março de 2005, uma nova visita pelo Ministério do Desenvolvimento Agrário.

Em 13 de junho de 2005 foi realizada uma reunião entre as organizações queconstituem o movimento social de Anapu para analisar a situação das áreas dos PDSEsperança, Virola Jatobá e gleba Manduacari e o cumprimento das promessas do gover-no federal. Foi constatado que: havia sido feita a imissão de posse do Lote 55, ondemorreu Dorothy, porém até aquele momento não fora realizada a topografia nem abertaa estrada vicinal. Dos 22 lotes apenas oito (52, 54, 60, 53, 57, 59, 14 e 18) haviam sidovistoriados e, até o dia da referida reunião, não havia sido apresentado o relatório sobreessas vistorias. Apenas 4 lotes estão devidamente regularizados (os lotes 3, 16, 20 e 22),e Délio permanecia nos lotes 56 e 58.132

131 Operação “Pará Paz” foi a denominação dada as ações previstas pelo governo federal a serem implementadas nointuito de coibir os conflitos fundiários no Pará. Informações disponíveis em: www.ces.fgvsp.br/index.cfm?fuseaction=noticia&IDnoticia=18059&IDidioma=1.132 Informações colhidas pela equipe da Terra de Direitos, que esteve presente na referida reunião, realizada em 13 dejunho de 2005.

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Depois de meses decorridos da visita do MDA à Anapu, as promessas não foramcumpridas pelo governo federal. A omissão e descaso mais uma vez se refletem na inér-cia do governo quando se trata de efetivar a reforma agrária. Os trabalhadores ruraisnecessitam uma resolução rápida e eficaz das autoridades competentes quanto às açõesde arrecadação e imissão na posse dos referidos lotes, visto que estes foram grilados porpessoas reconhecidamente criminosas.

6. A CRIMINALIZAÇÃO DOS TRABALHADORES E DEFENSORES

A despeito das diversas denúncias às autoridades competentes estaduais e federais,nenhuma ação eficaz foi implementada pelos respectivos governos. Dos 12 procedi-mentos policiais relativos a conflitos fundiários instaurados em Anapu e Altamira, entreos anos de 2003 e 2005, oito são contra trabalhadores acusados de “invasões de propri-edade particular”, um contra-senso visto que naquela região as terras pertencem a União.

Os trabalhadores rurais de Anapu vêm sendo vítimas de inúmeras violações dedireitos humanos, não somente por parte dos fazendeiros e madeireiros, mas tambémpor parte das autoridades locais, que insistem em criminalizar reivindicações e ações dosmovimentos sociais da região. Os trabalhadores são tratados como criminosos, e osgrileiros como “inocentes proprietários”, ameaçados por “perigosos invasores”, comoocorreu na Gleba Manduacari.

A gleba Manduacari é conhecida por ser terra da União, pois foi objeto dos contra-tos de concessão (CATPs) não cumpridos. Em dezembro de 2002, parte da gleba foiocupada por 300 famílias e foram abertos 500 lotes. As famílias ocuparam os lotes 4 à 7,que já estavam classificados, segundo INCRA, como áreas grandes e improdutivas. Noentanto, o projeto de assentamento foi abortado devido a grande presença de grileirosna região e à omissão do Instituto de Terras do Pará (ITERPA).

Após 40 dias de acampamento, Yoaquim Petrola apresentou-se como “proprietá-rio” da Fazenda Cospel, que engloba cinco lotes da Manduacari. Sua chegada foi extre-mamente violenta e contou com a ajuda da Polícia Militar para expulsar as famílias.Várias pessoas foram presas, casas (com todos os objetos das famílias, inclusive docu-mentos pessoais) foram destruídas e queimadas. As famílias foram colocadas em umcaminhão e despejadas na cidade de Anapu. Os policiais levaram seis trabalhadoresrurais presos para a Delegacia de Altamira, acusando-os de formação de quadrilha, as-salto e porte ilegal de armas, que permaneceram na cadeia por quatro meses.

Em outubro de 2003, parte do grupo (153 famílias) entrou novamente na área.Quatro dias depois, o Benedito, gerente da Fazenda Cospel, voltou para a área acompa-nhado de um policial, ameaçando e insultando as famílias que reagiram e tomaram asarmas do mesmo. O gerente registrou ocorrência policial, acusando falsamente as famí-lias de assalto e roubo. Em seguida, o INCRA cadastrou essas 153 famílias e legitimoua permanência delas na gleba (nos lotes 4 a 7).

Em novembro de 2003, as famílias foram surpreendidas pela presença de umaguarita na entrada da fazenda, a estrada fechada com corrente e 16 pessoas armadas de

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pistolas, escopetas e carabinas. O bloqueio impedia a passagem e o trânsito em umtrecho de 12km, iniciando no lote 3 até o final do lote 7. Os integrantes dessa milíciaarmada se identificaram como funcionários da empresa de segurança Marca Vigilância,e impediram a passagem das famílias. Disseram também que tinham ordem do propri-etário, Yoaquim Petrola, para desocupar a área.

O Delegado da Superintendência de Policia Civil de Altamira, Pedro Monteirofacilitou a entrada da Marca Vigilância em Anapu. No dia 13 de novembro de 2003, aPolícia Militar estava realizando um bloqueio na Transamazônica, próximo a cidade,quando passou um veículo transportando funcionários da Marca Vigilância. Quando ocabo da PM abordou o veículo, o delegado Pedro Monteiro o afastou e permitiu que ocarro passasse livremente pelo bloqueio, fato testemunhado por dezenas de pessoas.

No mês de dezembro de 2003, alguns homens, dizendo agir em nome da MarcaVigilância, atacaram as barracas dos posseiros, destruindo mantimentos, panelas, louçase demais pertences. No dia seguinte, houve nova ação da empresa e nesse confronto umposseiro foi seriamente atingido com 4 tiros. No dia 28 de dezembro, Yoaquim Petrolachegou na área com 33 homens armados para proibir a entrada dos posseiros nos lotes,cercou a área e deu ordem para matar quem adentrasse.

Em junho de 2004, irmã Dorothy foi acusada de fornecer armas e esconder umgrupo de quatro pessoas que teriam assassinado um trabalhador na fazenda Cospel. Elarespondeu a inquérito policial por essa acusação e depôs em juízo. Por causa deste inci-dente, quatro trabalhadores rurais foram aleatoriamente acusados e presos pela PolíciaMilitar, sem qualquer tipo de prova sobre algum envolvimento no assassinato, perma-necendo presos por mais de seis meses.

Durante as 48 horas após o assassinato de irmã Dorothy, dois trabalhadores rurais(Adalberto Xavier Leal, o Cabeludo, e Cláudio Dantas Muniz, o Matogrosso) foramassassinados na região de Anapu. Desde o início das investigações do assassinato damissionária, ficou evidente a intenção da Polícia Civil do município, chefiada pelo de-legado Marcelo Ferreira de Souza Luz, em prejudicar o andamento das investigações,beneficiando os fazendeiros acusados.

No caso de Cabeludo, a Polícia Civil acusou imediatamente os trabalhadores liga-dos à irmã de serem os autores do crime e todos os esforços da investigação foram nosentido de criminalizá-los. Ao concluir o inquérito policial, o delegado de Polícia Civil,Marcelo Ferreira de Souza Luz pediu as prisões preventivas de Geraldo Magela de AlmeidaFilho (uma das testemunhas do caso Dorothy), José Rodrigues da Silva, “Luiz de Tal”,“Mundão de Tal”, “Cláudio de Tal” e “Félix de Tal”. O pedido foi acatado pelo juiz deDireito de Pacajá que expediu mandado de prisão contra estas pessoas, inclusive as nãoidentificadas.

Utilizando o mandado de prisão expedido contra “Luiz de Tal”, a Polícia prendeuLuis Morais de Brito, uma das lideranças do PDS Esperança. Ocorre que Luis haviasido vítima de Amair Feijoli da Cunha, o Tato, que queimou sua casa para expulsá-lo daárea. Luis procurou a polícia local que se recusou a tomar qualquer providência.

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Este fato foi denunciado na audiência pública, realizada em Belém. Luiz relatou asviolências sofridas, a omissão e a conivência do delegado Marcelo Ferreira Luz às auto-ridades presentes, entre elas o Secretário de Defesa Social, Manoel Santino e o entãoministro da Secretaria Especial de Direitos Humanos, Nilmário Miranda.

Com objetivo de subsidiar a prisão de Luis Morais de Brito, o delegado forjou umauto de reconhecimento, que teria sido feito por uma das supostas testemunhas doassassinato de Cabeludo, o sr. Vicente Paulo Soeiro. O delegado apresentou diversasfotografias ao Sr. Vicente, entre elas a carteira de identidade de Luis Morais, e fezconstar do termo que este teria apontado Luis como sendo o “Luiz de Tal”.

Durante audiência judicial, realizada em 10 de junho de 2005, no Fórum dePacajá, Vicente desmontou a farsa, tramada pelo delegado. Segundo a testemunha, odelegado apresentou a fotografia de Luiz perguntando se a testemunha o conhecia. Atestemunha afirmou que conhecia Luis como um dos moradores do PDS Esperança.No entanto, em nenhum momento, a autoridade policial questionou se Luis Morais erao suposto “Luiz de Tal”. A testemunha ficou surpresa em saber que Luiz estava presopor tal acusação.

O trabalhador Luiz Morais permaneceu preso por 40 dias injustamente. Mais umgrave caso de violação dos direitos humanos de trabalhadores rurais e de totalirresponsabilidade da justiça paraense, que chega ao absurdo de decretar prisões de“Luizes de Tais”.

Segundo Geraldo Magela, uma das testemunhas no caso, Raifran, um dos acusa-dos, ao ser preso, foi instruído pelos policiais civis de Anapu. Geraldo, que estava pre-sente no momento da prisão, teria ouvido quando orientaram o pistoleiro a incriminarFrancisco de Assis dos Santos Sousa (o Chiquinho do PT), presidente do STR de Anapu.

Raifran declarou em seu depoimento que Chiquinho do PT era o responsável pelamorte de Dorothy. A informação foi divulgada para a imprensa nacional na tentativa deinduzir a sociedade a acreditar que o assassinato era resultado de disputas internas noPDS. No entanto, ao depor no inquérito da Polícia Federal, Raifran desmentiu a acusa-ção, tornando evidente a manipulação feita pela Polícia Civil.

O mesmo delegado, Marcelo Luz, foi denunciado pelo fazendeiro Bida, através deum bilhete, de ter recebido 10 mil reais para proteger as terras de fazendeiros da regiãocontra possíveis ocupações. O delegado foi afastado do cargo e, segundo informaçõesdivulgadas pela imprensa, responde a processo administrativo.

Enquanto a Polícia Civil do Pará agia de forma rápida e articulada para perseguirtrabalhadores rurais, buscando favorecer os envolvidos no assassinato da irmã Dorothy,a lei no PDS continuava sendo determinada pelo mais forte. Dominguinhos, como éconhecido um dos maiores grileiros de Anapu, continua na área ameaçando trabalha-dores rurais, apesar da ampla denúncia veiculada pela imprensa.

Segundo Padre José Amaro Lopes de Sousa (que vive há 15 anos em Anapu e é opároco da Igreja Católica do município), a partir de 1999, os grileiros de terras públicascomeçaram a ameaçar os trabalhadores rurais para que desocupassem as áreas. O moti-

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vo era o já mencionado Fundo de Investimento da Amazônia (FINAM), que atraiudiversos grileiros para a região e estabeleceu um clima de tensão.133

Em seu relato à Polícia Federal, padre Amaro assegura que trabalhadores rurais sãoconstantemente ameaçados pelos fazendeiros e que ele próprio já sofreu inúmeras ame-aças de morte. Contou que, no ano de 2004, começou um trabalho que consistia emexplicar às pessoas que as terras da gleba Manduacari são públicas, portanto, elas nãodeveriam desocupar o lugar como queria a família Gambira. Leomar Gambira ameaçouo padre textualmente em um encontro com Elias Sousa, presidente da AssociaçãoAgropecuarista dos Colonos de Manduacari. Leomar disse a Elias que “vou calar opadre Amaro de qualquer jeito (...) seus dias estão contados”.

Pe. Amaro foi convidado a ingressar no Programa de Proteção a Vítimas e Teste-munhas Ameaçadas (PROVITA) do governo federal. Recusou essa proteção explicandoque sua saída do município não solucionaria os conflitos fundiários. Ao contrário, éfundamental realizar a efetiva investigação das denúncias e violências contra os traba-lhadores e do assassinato de Dorothy, punindo todos os responsáveis, sem que os traba-lhadores ou suas lideranças abandonem a terra, como gostariam os seus agressores.

As perseguições continuam, pois no dia 28 de agosto de 2005, três policiais civis,acompanhados de outros quatro homens não identificados, chegaram no lote 53 doPDS Esperança. Usavam um veículo Toyota branco, de propriedade, do já citado fazen-deiro e madeireiro, Luiz Ungaratti.134 Os policiais prenderam dois trabalhadores rurais,Francisco Valentino Santos e Miguel Valentino Santos, afirmaram que iam proceder adesocupação da “área de Luiz Ungaratti”. Não apresentaram qualquer mandado judicialde reintegração de posse.

Como de costume, os policiais invadiram as casas dos trabalhadores e destruíramtodos os seus pertences, deixando as esposas e os filhos na rua. Após prenderem Francis-co e Miguel, passaram por outras casas do PDS, ameaçando todos para que desocupas-sem a área em 15 dias. Afirmaram que, depois desse prazo, retornariam para incendiaros barracos.

Este tipo de ação e prisões arbitrárias vem ocorrendo de forma sistemática emAnapu, demonstrando que a polícia local está intimamente comprometida com os inte-resses dos latifundiários, grileiros e madeireiros. Até o presente momento, as medidastomadas pelo INCRA e MDA não foram suficientes para diminuir a violência na re-gião. A negligência do Estado para com a grave situação de Anapu, o torna responsáveldireto pelas violações dos direitos humanos dos trabalhadores rurais da região.

133 Depoimento prestado pelo padre Amaro à Polícia Federal. Estavam presentes durante o depoimento a equipe daJustiça Global e o Procurador da República do Pará, Felício Pontes, em 10 de março de 2005, Anapu/PA.134 O lote 53 do PDS Esperança trata-se de área sub judice, com cerca de três mil hectares, tendo sido objeto deContrato de Alienação de Terra Pública. Em vistoria realizada pelo INCRA foi detectado o não cumprimento dascláusulas contratuais. O imóvel foi caracterizado como grande e improdutivo, conforme documento n.º 7471/75. OINCRA ajuizou ação judicial perante a Justiça Federal de Marabá no intuito de reaver o domínio sobre a área.

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CONCLUSÃO

O processo de demarcação de terras, proposto pelo Ministério do Desenvolvimen-to Agrário, em fevereiro de 2005, continua em andamento. Foi divulgado pelo INCRAque, até a segunda quinzena de outubro de 2005, o processo estaria finalizado e aspessoas que estivessem ocupando a terra de forma produtiva, teriam garantida a posseda mesma. Ainda segundo Marcos Kowarick, diretor de Ordenamento Territorial doINCRA, os grileiros e posseiros que estivessem fazendo uso de violência para retirar osposseiros seriam removidos das terras. Nas áreas dos PDS Esperança e Virola-Jatobá, asfamílias contempladas com a demarcação das terras serão beneficiadas com créditos doINCRA para construir casas, estradas e fornecer energia e água.135

Entretanto não foi possível perceber, até o fechamento desse relatório, empenhodas autoridades para garantir a segurança dos trabalhadores rurais. A atuação arbitráriae violenta da Polícia Civil de Anapu ainda promove absurdos como exposto no tópicosobre a criminalização dos trabalhadores rurais e defensores. A influência dos latifundi-ários, embora mais enfraquecida por causa da repercussão nacional e internacional damorte de Dorothy, ainda transparece nos atos das autoridades locais. A que se falar emações rápidas e eficazes, ou Anapu continuará sendo o retrato da impunidade e da pre-valência do direito à propriedade acima dos direitos humanos dos trabalhadores rurais eda liberdade dos movimentos sociais.

135 “Demarcação de terras em Anapu deve ser concluída em uma semana”, Folha Online, em 5 de outubro de 2005,disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/ult96u73014.shtml.

Brasília - Religiosos celebram missa em frente aoSupremo Tribunal Federal (STF), em protesto peloassassinato da missionária americana DotothyStang, no Pará. Foto: Hermínio Oliveira/ABr

Entrevista coletiva do presidente daComissão Pastoral da Terra, Dom ThomazBalduino. Foto: José Cruz/ABr

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“Os planos de desenvolvimento jamais consideraram a preservação dos recursos naturais e astradições culturais dos povos da região. O processo de ocupação e exploração dilacerou anatureza e o homem amazônidas. Os grupos políticos e econômicos que criaram enclaves dedesenvolvimento taparam os olhos diante dos vergonhosos enclaves de pobreza que prolifera-ram em sua volta”

Jax Nildo Aragão Pinto

1. LOCALIZAÇÃO E CONTEXTO

A região, conhecida como Terra do Meio, abrange toda área existente entre o sul dacalha do Rio Amazonas até a divisa com o Estado do Mato Grosso, entre o leste do RioTapajós e o oeste dos Rios Tocantins e Araguaia. Essa região abrange todo o territóriolocalizado no centro do Estado do Pará, onde está situado o município de Anapu. Esse(assim como também o município de Porto do Moz) está localizado no eixo daTransamazônica, dentro do quadrilátero Transamazônica e Rios Amazonas, Xingu eCuruá-una.

De acordo com relatório do Greenpeace,136

(...) a Terra do Meio é uma área de floresta tropical amazônica relativamente intacta que seestende por 8,3 milhões de hectares entre os rios Xingu e Tapajós, no Estado do Pará. A Terra doMeio faz fronteira, ao norte com os territórios indígenas Arara, Kararaô e Cachoeira Seca doIriri; a oeste, com a estrada Cuiabá-Santarém; ao leste, com o rio Xingu; e ao Sul com as terrasindígenas Kayapó. Pelo menos dois territórios indígenas (Xipaia e Curuá) estão dentro da área,mas ainda não foram demarcados ou formalmente reconhecidos pelo governo brasileiro.

Capítulo V

TERRA DO MEIO:A ÚLTIMA FRONTEIRA DO MEDO

136 Nota à imprensa, produzida em outubro de 2001, para denunciar a violência na região de Terra do Meio.

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Nessa região, está situada a maioria das terras indígenas do Estado do Pará. Sãoáreas já reconhecidas e demarcadas, ou em fase de reconhecimento, com processos esta-belecidos desde as décadas de 1970 e 1980. No entanto, essas terras são freqüentementeinvadidas por madeireiros em busca do “ouro verde” (mogno) da Amazônia, uma dasfontes dos conflitos na Terra do Meio.

Três cidades são consideradas como portas de entrada da Terra do Meio: São Félixdo Xingu (no sudeste), Itaituba (no nordeste) e Novo Progresso (no sudoeste). No entan-to, a maioria desse território pertence a outro município (Altamira), que é cortado pelarodovia Transamazônica (BR-230) e famoso pelo alto índice de violência no campo.

A Terra do Meio recebe influência dos eixos rodoviários Santarém-Cuiabá (BR-163) e Transamazônica (BR-230), duas rodovias federais. Há ainda o eixo rodoviárioestadual da PA 279, que liga o sul do Pará à São Félix do Xingu, localizada às margensdo Rio Xingu. Além dessas, várias estradas vicinais são abertas (a exemplo da estrada daCanapus, como veremos adiante), possibilitando a ação entrópica sobre a floresta. Essasrodovias permeiam a região, propiciando o avanço da fronteira através da grilagem deterras públicas, exploração ilegal de madeira e o corte raso da floresta — atividadespredatórias que, freqüentemente, utilizam trabalho escravo —, favorecendo a expansãoda pecuária.

Unidades indígenas eunidades de conservação

Terra do Meio

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A paisagem e o espaço da Terra do Meio são típicos da Amazônia, com suas rique-zas minerais e naturais.137 A sua especificidade se dá, essencialmente, pela abundânciadesses recursos naturais — aliás, uma das regiões mais ricas da Amazônia —, mas tam-bém pela dinâmica da ocupação e pelos conflitos fundiários e violência contra trabalha-dores e trabalhadoras rurais.

A região de Terra do Meio não é muito diferente de outras existentes na Amazôniapor suas características geográficas e também pelos grupos sociais que a habitam. Sãodiversos os atores sociais que ocupam a região. Há povos indígenas, posseiros, colonos,fazendeiros, madeireiros, grileiros e outros. Para essa região conflui, também, a açãoorganizada do crime no campo paraense, o narcotráfico, a exploração ilegal de madeira,a grilagem de terra e invasão de terras indígenas.

Essa realidade é um exemplo de como o “modelo de desenvolvimento”, adotado naAmazônia, destrói rapidamente a floresta e a biodiversidade. Atinge profundamentetambém as relações sociais, expulsando as famílias tradicionais ribeirinhas que são em-purradas para as periferias das cidades como Altamira e São Félix do Xingu. Esses sãoimpactos sociais e econômicos do atual modelo, que conta com a omissão e a conivên-cia, quando não com o incentivo, dos governos federal e estadual.

O avanço das frentes de expansão econômica na fronteira da Terra do Meiocorresponde a um momento de aceleração e deslocamento da pecuária138 em direção aSão Félix do Xingu, perceptível desde 1990. Abriu também espaço no sul do Pará (Re-denção, Santa Maria das Barreiras, etc.) para a monocultura da soja (a partir de 1997),que chega com a “intenção técnica” de recuperar os solos degradados, decorrentes douso da terra pela pecuária, nos últimos 20 anos.

Nos últimos anos, o rápido crescimento dos rebanhos em São Félix do Xingu e aqueda dos mesmos em outros municípios circunvizinhos, demonstra a estratégia quevem sendo usada para ocupação de terras públicas estaduais, com anuência do órgãoregulador fundiário do Estado. No entanto, a exploração da madeira ainda é umaatividade em expansão e motivo de conflitos na Terra do Meio.139 Por outro lado, apromessa do governo federal de pavimentar as rodovias e dar andamento à construçãoda hidrelétrica de Belo Monte causou súbita valorização das terras e acirrou aindamais os ânimos.

137 Característica do clima tropical úmido, com a vegetação predominante da floresta hidrófila. Relevo diversificado,que vai das planícies fluviais, às margens dos grandes rios, a suaves e acentuadas ondulações e até montanhas.138 O ciclo da pecuária se fortaleceu e se expandiu em íntima relação com os crimes de grilagem de terras públicas, usode trabalho escravo e desmatamento ilegal, levando à expulsão de populações tradicionais e à destruição das áreas deuso florestais às margens do rio Xingu e seus afluentes.139 Segundo dados da Comissão Externa do Senado, a madeira é “...uma ‘commodity’ valiosa, [pois] é a segunda pautade exportação do Estado depois da mineração. Em 2004, o Pará exportou US$ 530 milhões em produtos madeireiros,sendo os Estados Unidos e Europa os principais mercados”.

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A Terra do Meio é uma região estratégica do ponto de vista da conservação, poisestá situada entre grandes unidades de conservação (RESEX e Flonas) e terras indígenas.O controle do processo de ocupação sustentável nessa região é fundamental para a ma-nutenção das áreas já preservadas, o que não vem acontecendo por parte dos órgãosgovernamentais responsáveis.

2. DESTRUIÇÃO AMBIENTAL E VIOLÊNCIA NA TERRA DO MEIO

Além das rodovias principais, as estradas vicinais são importantes no processo deocupação da região como, por exemplo, a estrada da Canopus. Essa foi construída entreos anos de 1981-1985, totalizando cerca de 150km, entre os rios Xingu e Iriri. A base daempresa Canopus ficava a 40km do rio Iriri e trabalhava na exploração de cassiterita. Aabertura da estrada possibilitou também a entrada de madeireiros e garimpeiros artesanaisde ouro e cassiterita. Os posseiros, trabalhadores rurais e produtores familiares chega-ram a partir de 1986, incentivados e organizados pelo Sindicato dos Trabalhadores Ru-rais ou pelos programas do ITERPA.

A região da Canopus, até meados da década de 1970, permaneceu habitada apenaspela população tradicional da região, que tinha sua base de reprodução social centradaem uma relação mais harmoniosa com a natureza. Essa população era composta porribeirinhos (pescadores e agricultores familiares, que trabalham em atividades intercala-das entre a terra firme — especialmente roças de mandioca — e a pesca nos rios daregião), extrativistas (coletores de castanha, copaíba, seringa e andiroba), povos indíge-nas (que viviam essencialmente da caça, da pesca e roça).140 Tratava-se, portanto, deuma região que ainda não tinha perdido as características de povoamento tipicamenteamazônico, pois as terras eram livres.141

Os fazendeiros e grileiros (de grandes propriedades) chegaram e se instalaram naregião, a partir dos anos 90, depois do ciclo de exploração mineral (ouro e cassiterita) edo ciclo extração da madeira (mogno). Justamente, a partir dessa época, a ComissãoPastoral da Terra (CPT) passou a registrar números crescestes de conflitos pela posse daterra, de desmatamentos,142 de trabalho escravo e de ações do crime organizado naregião.

140 São populações extremamente frágeis, empobrecidas ao longo das décadas, e desprovidas da proteção do Estadobrasileiro. Esse Estado que, muitas vezes, se faz presente com órgãos como a Polícia Militar do Pará, exclusivamente,para proteger grileiros e suas ações criminosas.141 São consideradas terras livres aquelas sem cercas e sem o modelo jurídico tradicional, calcado na jurisprudênciaagrária que marca a ocupação da Amazônia, pós-década de 1970.142 De acordo com estimativas feitas com dados do Prodes (INPE, 2004), o desmatamento passou a apresentar umadinâmica mais acentuada a partir do final dos anos 90 (...), aumentando de 347km², em 1997, para 2.318km², em2003, na frente de São Félix do Xingu/Iriri (que abrange também parte do município de Altamira). Isso representauma área quase sete vezes maior que a desmatada em 1997.

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Segundo dados do relatório final da Comissão Externa do Senado Federal, o Pará éresponsável por um terço do desmatamento total da Amazônia Legal, especialmente naregião em análise. “De acordo com monitoramento remoto por satélite, em 2003, amaior parte do desmatamento ilegal ocorreu na região da Terra do Meio, próxima aAnapu”. Conforme vimos no capítulo anterior, esse processo de destruição ambientalera um dos principais pontos de denúncia da irmã Dorothy contra fazendeiros e grileirosna região.

Atualmente, a estrada da Canopus e suas vicinais são em sua maioria ocupadas porgrandes propriedades. A incidência dos médios e pequenos produtores familiares ocorreapenas em pequenas concentrações, praticamente todas ao longo da estrada principal epróximo a São Félix do Xingu. As famílias de trabalhadores rurais estão sendo empurra-das em direção do Rio Iriri, entre esse rio e o Igarapé Bala. No entanto, essa região ficadentro da Estação Ecológica Terra do Meio, decretada em 18 de fevereiro de 2005.

O levantamento, realizado em janeiro de 2005, ao longo do Rio Xingu, no trechoentre a foz do Iriri e a estrada da Canopus, registrou a presença de 43 famílias ribeiri-nhas remanescentes.143 Infelizmente, a Terra do Meio não é atingida só pela destruiçãoambiental. Ao serem entrevistadas, sem exceção, essas famílias relataram casos de vio-lência física ou de ameaças de grupos de grileiros, que dizem ser donos das áreas, tradi-cionalmente utilizadas por essas famílias.

O antropólogo Stephan Schwartzman resumiu toda a situação vivida pelas famíliasribeirinhas da região do Xingu:144

Os ribeirinhos moradores no médio Xingu, na região da Terra do Meio, estão sendo expulsosdas suas casas e terras, ameaçados por pistoleiros e policias, intimidados, humilhados e acuados,à mercê de grileiros invasores que se comportam como barões feudais na absoluta ausência doEstado.

Em alguns desses casos, foi dado prazo para que essas famílias se retirassem de suasáreas, a exemplo da família de Anastácio da Silva Avelino (de 76 anos de idade). Esseteve sua casa atacada por um grupo armado que metralhou e matou todos seus animaisdomésticos. Essa violência ocorreu em agosto de 2003, com a ocorrência devidamenteregistrada na Delegacia de Polícia Civil em São Félix do Xingu. Nesse ataque, um dosseus netos foi atingido por uma bala.

143 Esse levantamento (visita in loco à região) foi realizado pelas entidades: Comissão Pastoral da Terra (CPT) daPrelazia do Xingu, Instituto Brasileiro de Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), através do seu Centro Nacional dePopulações Tradicionais e Desenvolvimento Sustentável (CNPT), WWF-Brasil (responsável pelo registro cinemato-gráfico da expedição) e Envorimental Defense (ED).144 Schwartzman, Stephan. Grilagem e expulsão dos ribeirinhos no médio Xingu, artigo publicado em 17 de janeiro de2005.

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O comentário é que um tal de João Kleber, famoso grileiro da região de São Félixdo Xingu, foi o organizador desse ataque. Esse João Kleber tem como estratégia tomaráreas dos ribeirinhos e vender para fazendeiros do sul do Pará e do centro-oeste doBrasil. Hoje, seu Anastácio vive em uma ilha, escondido e com medo de represália. Nasua antiga localidade, existe agora uma grande fazenda em posse de um tal de Zé Ferro,fazendeiro do sul do Pará.

As entrevistas, recolhidas durante a expedição e o levantamento no Iriri, dão contadas ameaças e violência que os ribeirinhos sofrem na região. De acordo com Schwartzman:

A violência dos grileiros de São Félix é pública e notória na região. O senhor HCS conta que em23 de agosto de 2004, no local chamado Antônio Pedro, estava roçando o cacaual plantado porseu pai falecido, quando ouviu uma voadeira chegar. Quando foi ver, eram três pessoas armadas.Um deles se identificou como Cícero, falou que daí para frente a terra era deles, puxou umaespingarda 12 de repetição, botou na sua cara e disse que dava cinco minutos enquanto ele ia emcima, e se ainda estivesse quando voltasse, ia matá-lo. O senhor H já tinha sido impedido deplantar ou colher castanha pelo Zé Inácio e se viu obrigado a tentar sobreviver em Altamira.

Além dos CAPTs, pesquisas, realizadas pela Comissão Pastoral da Terra do Xingu,indicam que uma série de documentos fraudulentos, montados nas origens dos sistemasdas concessões dos antigos seringais. Esses contratos foram registrados indevidamentenos cartórios das Comarcas de Altamira e de São Félix do Xingu, dando “legalidade” aoprocesso de grilagem de terras e florestas públicas.

Por exemplo, os seringais Caxinguba (área de 151.721 hectares), Forte Veneza(com 96.558 hectares), Humaitá (área de 133.320 hectares), Mossoró (456.864 hecta-res) e Belo Horizonte (área de 279.375 hectares) foram transferidos, de forma crimino-sa pelo Cartório do 1o Ofício de Notas e Registro Imobiliário de Altamira, à EmpresaRondon Projetos Ecológicos, ligada ao megaempresário da construção civil Cecílio Regode Almeida.145

De acordo com o relatório da CPI da Assembléia Legislativa do Pará, esses e outrosseringais foram incorporados ilegalmente, formando a “Fazenda Rio Curuá”, com umaárea total de mais 5,6 milhões de hectares.146 Após análise dos títulos e documentos, orelatório final da CPI considerou “ilegítima a pretensão de posse e propriedade da áreade terras denominada Fazenda Rio Curuá” pela empresa Indústria, Comércio, Exporta-ção e Navegação do Xingu Ltda (INCENXIL).

145 Este Cartório encontra-se sob intervenção, em conseqüência de vários procedimentos de transferência ilegal dapropriedade ou emissão irregular de títulos de propriedade de terras — inclusive várias averbações irregulares para aINCENXIL — e florestas públicas para particulares.146 A CPI constatou a existência de vários documentos sobre essa fazenda, com dimensões que vão de 4,7 a 5,6 milhõesde hectares. Essa fazenda é objeto de uma Ação de Nulidade e Cancelamento de Matrícula, Transcrições e Averbaçõesno Registro de Imóveis da Comarca de Altamira, impetrada pelo ITERPA em 1996.

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Este grupo empresarial já foi denunciado, mais de uma vez, pelo Ministério Públi-co Federal (MPF) do Pará à Justiça Federal. Em ação oferecida à Justiça Federal deSantarém, em abril de 2005, o MPF mostra o esquema fraudulento que vem ocorrendonas terras localizadas no Rio Iriri na Terra do Meio. De acordo com essa ação:

Note-se, outrossim, que tramita perante este douto juízo federal uma Ação Penal (Processon° 2003.39.02.000197-2) em que figuram como réus ROBERTO BELTRÃO DE ALMEIDA[filho de Cecílio Rego de Almeida], JOSÉ RODOLFO DE MORAIS, CARLOS ALBERTOMELO DE OLIVEIRA, HUMBERTO ESTEVES MELO DE OLIVEIRA, SEBASTIÃOLÚCIO DE OLIVEIRA, EUGÊNIA SILVA DE FREITAS e SEBASTIÃO LIMA DA SILVA— titulares da INCENXIL e oficiais do Cartório de Altamira envolvidos nas falsificações — afim de que sejam condenados pela falsidade ideológica que deu ensejo à “grilagem” da referidaárea da União. Por pertinente, são juntadas cópias da referida ação penal (doc.17), frisando-sea importância da inicial acusatória para completo entendimento do caso.

A ação desse grupo empresarial CRAlmeida na região ao longo do Rio Iriri, ga-nhou um caráter inusitado. Sem a presença efetiva do Estado, a empresa Indústria, Co-mércio, Exportação e Navegação do Xingu Ltda (INCENXIL), passou a controlar a re-gião, usando órgãos do Estado como o IBAMA e as Polícias Militar e Civil do Pará. Passoua travar uma guerra contra outros grileiros, como uma forma de coibir a retirada demadeira e o corte raso de grandes áreas de floresta, as quais seriam transformadas em pasto.

Nos anos de 2003 e 2004, foi essa “empresa” (como a INCENXIL era conhecidana região) que financiou a presença do Estado na área, evidentemente para garantir amanutenção de sua posse de uma área 4,7 milhões de hectares de floresta e terras griladas.A sede ou base dessa área, conhecida como “Entre Rios”, foi usada como escritóriosoficiais do IBAMA e das Polícias Militar e Civil, durante alguns meses. Isso demonstraclaramente que esses órgãos governamentais eram financiados e estavam na Terra doMeio a serviço da “empresa”.

Um outro caso exemplar de grilagem na Terra do Meio é a ação de Leandro FreitasPereira, multado pelo IBAMA em mais de dois milhões de reais (total da multa foi deR$ 2.326.935,00), por várias ações ambientais ilícitas na região do Iriri. Freitas passoua andar com uma escolta particular da Polícia Militar do Pará. O auto de infração,aplicada pelo IBAMA, é usado como documento de prova de domínio e justificativapara continuar ocupando uma área de 1.551,29 hectares,147 completamente desmatadade forma ilegal.

Em janeiro de 2005, Freitas ameaçou e intimidou um grupo de pesquisadores queestavam fazendo estudos socioambientais e econômicos na Reserva Extrativista doRiozinho do Anfrisio (decretada em 08 de novembro de 2004). Deliberadamente, dian-

147 Autos de Infração 370169 até 37072 de 11 de novembro de 2004 — Ibama/Altamira.

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te das pesquisadoras e pesquisadores, exibiu e fez demonstrações com uma arma decalibre 12 de repetição, arma de uso exclusivo da polícia. O mesmo estava acompanha-do por policiais militares fardados, oriundos do 16o Batalhão de Polícia Militar do Esta-do do Pará (Batalhão Xingu da Cidade de Altamira).

Apesar de todo esse processo de intimidação, perseguição e ameaças, o movimen-to de trabalhadores rurais continua lutando para, além do acesso à terra, implantarnovas formas de produção e relação com o meio ambiente da região da Terra do Meio.Essa luta resultou na criação da proposta dos projetos de desenvolvimento sustentável(PDS).

3. A PRESENÇA DO ESTADO NA REGIÃO

Conforme já vimos acima, a ação do Estado na Terra do Meio é marcada por umamescla de omissão, conivência e conluio com os poderes constituídos. Há uma verda-deira simbiose de órgãos públicos com fazendeiros, grileiros, madeireiros e demais agen-tes investidos de poder na região.

Historicamente, o Estado se fez presente na região como um serviço aos poderosos.Muitas vezes, teve que se dividir para proteger o esquema de grilagem dos vários gruposque disputavam (e ainda disputam) entre si a apropriação de grandes áreas de terras eflorestas públicas. No entanto, as pressões sociais, especialmente os conflitos agrários,forçam ações (mesmo que pontuais) de órgãos dos governos estadual e federal na região.

Em 2001, por exemplo, o governo federal realizou uma vistoria nos Planos deManejo Florestal (PMF), que deveriam ter estoque de mogno, e detectou várias fraudesdocumentais, inclusive a ausência de mogno nas áreas abrangidas pelos PMFs. A indús-tria criminosa do mogno “esquentava” a madeira explorada fora do plano de manejo,usando documentos fraudulentos para ocultar a verdadeira origem da madeira. O go-verno federal foi obrigado a tomar medidas restritivas à exploração de mogno no terri-tório brasileiro, no entanto, há pouca fiscalização permitindo a continuidade da explo-ração ilegal de madeira e o desmatamento a corte raso.

Em relação à grilagem de terras e florestas, o Instituto de Terra do Pará (ITERPA)não consegue — ou não tem real interesse em — manter um registro mínimo das áreaspúblicas. O seu sistema de registro é arcaico, mas também há uma persistente corrupçãoneste órgão e demais setores governamentais responsáveis, impedindo uma ação maisefetiva do Estado.

Depois da execução da irmã Dorothy Mae Stang, em 12 de fevereiro de 2005, ogoverno brasileiro passou a decretar as unidades de conservação solicitadas desde a déca-da de 90, pelos movimentos sociais organizados ao longo da Transamazônica. No dia 18de fevereiro, foram decretados o Parque Nacional da Serra do Pardo (área de 447.733,18hectares) e a Estação Ecológica da Terra do Meio (área total de 3.375.399,39 hectares).Infelizmente as ações para impedir o avanço da destruição das florestas só ficaram nopapel. Com a decretação do Parque, fazendeiros e grileiros reuniram milícias e seguiramcom balsas e barcos para destruir ao máximo o Parque da Serra do Pardo.

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As unidades de conservação são resultado dos estudos encomendados pelo Minis-tério do Meio Ambiente em 2002, que respondeu à solicitação de mais de 114 entida-des que integram o Movimento Pelo Desenvolvimento da Transamazônica e Xingu(atual Movimento pelo Desenvolvimento da Transamazônica e Xingu — MDTX), vi-sando o ordenamento territorial e o desenvolvimento sustentável da região. O movi-mento social da região já demonstrava desde a década de 90, preocupação tanto com onorte e sul da Transamazônica.

Inviabilizar a unidade de conservação é a ordem dada em São Félix do Xingu parafazendeiros e grileiros, enquanto se tenta conseguir a derrubada do decreto presidencialatravés de mandatos de segurança. Segundo Herculano Costa, morador da região asordens para as grandes derrubadas são dadas pelo sistema de rádio amador que funcionalivremente na região. “Antes mesmo do Ibama chegar em Tucumã indo para São Félixdo Xingu, todas as fazendas já foram avisadas. Aí todo mundo se esconde e esconde ospeões”, diz Piauí morador da Terra do Meio.148

O impacto das políticas públicas é muito forte na fronteira, especialmente devidoa uma certa “sensibilidade” particular das regiões de fronteira. Qualquer ação públicaem um espaço “sem lei” faz a diferença (a exemplo da moratória do mogno, das políticasde colonização, da pavimentação de estradas etc).

Por outro lado, a criação oficial e implantação dos Projetos de DesenvolvimentoSustentável (PDS) em Anapu não resolveram os conflitos porque são ainda incipientese insuficientes. A reação dos grileiros foi imediata, a qual não foi enfrentada pelos ór-gãos públicos estaduais (polícia), expondo ainda mais os trabalhadores e demais defen-sores à violência.

Na verdade, a criação dos PDS (ou mesmo de um mosaico de áreas de ConservaçãoNatural), sem uma atuação firme de imissão de posse, retirada dos grileiros, fiscalizaçãoambiental etc, apenas acirrou o conflito. Houve um enfrentamento pontual entre ór-gãos dos governos federal e estadual e setores que atuam de forma ilícita na grilagem deterra e na exploração madeireira, o qual não resolveu os problemas. Na seqüência, aspopulações empobrecidas ficam novamente a mercê da ação violenta dos poderes locais,em que o assassinato da missionária é apenas o lado mais conhecido dos conflitos. Éfundamental, portanto, uma ação efetiva e continuada do Estado para garantir a pre-servação ambiental e os direitos humanos dos trabalhadores e demais defensores naTerra do Meio.

A Comissão Externa do Senado concluiu que: “o assassinato de irmã Dorothy eoutras violências contemporâneas, no Estado, resultam claramente de reação de setoresligados à grilagem de terras e desmatamento ilegal contra políticas públicas que começa-ram a se implantar na região”.

148 Piauí já foi vítima da prática de trabalho escravo. Libertado da Fazenda Sudoeste pela equipe do Grupo Móvel doMinistério do Trabalho, mora escondido na região com medo de represália.

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Os serviços governamentais, quando existem, são precários. Por exemplo, os mora-dores da região do Iriri receberam, no último mês de julho, pela primeira vez, a visita deuma equipe médica, juiz, promotor, cartório, polícia civil e agente da Delegacia Regio-nal do Trabalho. Desta vez, a presença de serviços do Estado não foi a pedido dosgrileiros e sim do IBAMA/CNPT que vem estudando a criação de duas reservasextrativistas ao longo do Rio Xingu e Iriri.

CONCLUSÃO

Neste contexto, o governo brasileiro deve se fazer urgentemente presente na regiãoda Terra do Meio. Não só de forma ostensiva, mas também de forma propositiva comações concretas de desenvolvimento sustentável, principalmente para dar proteção àspopulações tradicionais e condições de mantê-las em usas áreas florestais de uso coleti-vo.

Muitas famílias que foram expulsas por grileiros estão nas periferias de Altamira eSão Félix do Xingu e apresentam o desejo de retornar as suas áreas. Se o governo brasi-leiro der condições de segurança, saúde, educação e financiamento às atividadesextrativistas, muitas famílias oriundas dessa região sairão das periferias e passarão a morardentro das unidades de conservação de uso sustentável contribuindo para sua conserva-ção e uso consciente dos recursos naturais já existentes.

A região da estrada da Canopus, por exemplo, necessita urgentemente de umaintervenção no sentido de paralisar as grandes derrubadas. O governo do Estado do Parádeve ser chamado e condenado por deixar acontecer o maior desastre ambiental quecoloca em risco a vida trabalhadores e trabalhadoras naquela região, quando estes sãolevados no sistema de trabalho escravo ou semi-escravo para grande derrubadas naquelaregião. O governo do Estado do Pará se omite de sua responsabilidade permitindo adestruição de imensas áreas de florestas e sem ordenamento fundiário que possa garantirum desenvolvimento justo.

Assim o Estado não pode se isentar de responsabilidades e ficar assistindo a maisesse desastre ambiental que vai aospoucos reduzindo as possibilidadesdas populações tradicionais viveremem suas áreas centenárias. O avan-ço do desmatamento traz junto o usode trabalho escravo como a formamais perversa de degradação e des-truição da dignidade humana naAmazônia.

Agropecuária na região da Terra doMeio. Foto: João Laet

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Capítulo VI

SITUAÇÃO DE COMPLETO ABANDONO:O CASO DE CASTELO DOS SONHOS

“Nós estamos aqui no meio do mundo, pra cá é longe de recurso, pra lá é longe de recurso,Brasília está longe. Então, o povo tem que olhar pra essa situação, e socorrer essa humanida-de. Nós somos humanos. E tem que ter alguém do nosso lado”

Aloísio Pereira da Silva, 71 anos,acampado no Acampamento Bartolomeu Morais da Silva

Castelo dos Sonhos,149 distrito de Altamira, fica localizado às margens do rio Curuá(principal afluente do Rio Iriri, na Bacia do Xingu), a 153km ao sul do município

de Novo Progresso, no chamado Vale do Jamanxim. Típica região de fronteira, concen-trando cerca de 12 mil habitantes, Castelo dos Sonhos vive uma situação de total isola-mento já que pertence ao município de Altamira, cuja sede municipal situa-se a 1100kmde distância.

O rio Curuá corta a BR-163 (Cuiabá-Santarém) que foi projetada e construída noperíodo do governo militar no divisor de águas entre os rios Xingu e Tapajós. A constru-ção da rodovia foi iniciada em 1973, no contexto do Programa de Integração Nacional(PIN) que visava não só acelerar a conclusão dos circuitos de integração econômica,como também o controle do território em termos geopolíticos.

Nesta região foram ainda abertas diversas estradas clandestinas, privadas, para ex-ploração garimpeira e madeireira. A produção legal de madeira em tora é superior a 200mil m3 por ano, mas a extração ilegal é muito superior. Caracteriza-se pela forte expan-

149 Conforme depoimentos prestados por antigos moradores, o nome Castelo dos Sonhos foi atribuído por dois garim-peiros que, às margens do Rio Curuá (onde este cruza a BR-163), aguardavam um grupo de amigos que estava rioacima minerando. No período da espera escutavam em uma vitrola movida a pilha uma única música de nome “NoCastelo de Sonhos você é a rainha”, de autoria de Adelino Nascimento, ex-garimpeiro que vivera em busca do ouro nasbandas do Tocantins.

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são da grilagem de terras públicas, pelo desflorestamento nas áreas situadas para além doeixo rodoviário e por violentos conflitos de terra, com um quadro alarmante de violên-cia contra trabalhadores rurais, fome e desemprego.

As famílias pobres que vieram para a região em busca de terra para trabalharacabaram tendo duas opções: retornar para os locais de origem ou trabalhar em ga-rimpos. Hoje, a maioria desses garimpos está desativada e serrarias foram instaladasno local.

A história de Castelo dos Sonhos é permeada por casos de assassinatos ocorridosem plena via pública, no interior das grandes fazendas, ou nas áreas de exploração ilegalde madeira. Segundo os moradores, a onda de terror só foi amenizada depois da presen-ça de uma guarnição da polícia federal150 na cidade Novo Progresso.151 “O helicópteroda Polícia Federal baixou na cidade e todos os pistoleiros correram” diz uma das mora-doras do local.

1. HISTÓRICO DE OCUPAÇÃO DA REGIÃO

O processo de ocupação da região da BR-163, onde se localiza o distrito de Castelodos Sonhos, é resultado dos sucessivos projetos públicos e privados de colonização daAmazônia. Pode-se afirmar, no entanto, que o principal fator de ocupação do eixo Sulparaense da BR-163 é uma extensão da expansão da ocupação do Norte do Mato Gros-so. Trata-se de uma frente de ocupação caracterizada pela grilagem de terras públicas epor atividades ilegais, como a abertura de garimpos (decadentes, mas que ainda persis-tem em algumas áreas), atividades madeireiras predatórias e, mais recentemente, o avançodo agronegócio com gado e soja.

No início da década de 70, a principal atividade econômica de Castelo dos Sonhosera o garimpo. Segundo um morador (que não quer ser identificado), “quando chegouo garimpo veio mais gente. Deu uma confusão danada. Por causa do garimpo, umqueria tirar a terra do outro”.

Com a decadência do garimpo, a atividade madeireira foi tomando espaço na re-gião, com grande influência no processo de ocupação de Castelo dos Sonhos. Com oesgotamento da matéria-prima na região de Sinop, centro regional do norte matogros-sense, muitas madeireiras mudaram-se (e continuam se mudado) para o trecho paraenseda BR-163, com destaque para o município de Novo Progresso e as localidades deCastelo dos Sonhos e Moraes de Almeida.

150 Ação Emergencial do governo federal adotada no primeiro semestres de 2005, após a primeira etapa de consultaspúblicas para elaboração do Plano de Desenvolvimento Regional Sustentável para a Área de Influência da Rodovia BR-163.151 Novo Progresso fica distante 160km da sede do distrito de Castelo dos Sonhos. Essa distância na estação seca épercorrida em cerca de 4 horas de carro, no período de inverno amazônico, o mesmo deslocamento pode ser feita emmais 12 horas ou um dia inteiro.

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Mais recentemente, um novo “ordenamento territorial” está se desenvolvendo noEstado do Pará, com um fluxo de migrantes do norte do Mato Grosso e a transferênciade parte das atividades econômicas desta região para o sudoeste paraense. A exploraçãoclandestina da madeira vai alimentando serrarias que abastecem principalmente o mer-cado nacional, via Mato Grosso. Uma parte menor é exportada por Santarém.152

De acordo com os relatos dos trabalhadores,

O garimpo parou e começou madeireira, serraria, veio outra gente trabalhar com madeira. Amesma coisa do tempo do garimpo, até que acaba. A primeira madeireira foi Pica Pau. OQuico tinha uma serrariazinha. O Chico também. Os Trevisan também tinham uma serrariamais pequena. Tudo pra construir as casinhas. Quando começou Castelo, as serrariazinhasnão deram conta de serrar madeira pras casas. Só agora que foram construídas as fitas, daí quefoi madeira pra fora mesmo.(...) Tem tantas serrarias! Esses tempos contamos 33 ou 34 serrarias.(...) Na época do mogno, serraram muito mogno, venderam tudo pra fora. Depois que quasenão acharam mais mogno, foram atrás de outra madeira: Cedro Rosa, Champagne, Marupá,Jatobá, Ipê, Itaúba, que foram levadas até no Rio Grande do Sul. (...) Já pagaram R$ 1300 pormetro cúbico. Aqui vendiam por R$ 300. Pagavam uma mixaria aqui. Foram cargas e cargascom nota fria. Eu sempre pensei: um dia vai estourar isso ai. Se o governo nem ta sabendo queta saindo madeira, e vai tudo exportado.

Como conseqüência lógica do modelo econômico, voltado para os interesses doagronegócio, a atividade madeireira transformou grandes áreas florestais em pastagens,dando início ao processo de pecuarização. Conta o morador: “depois começou o gado.Tem muito gado ai. Lavoura é difícil. (...) Quem planta são os mais pequenos.”

Com grandes áreas disponíveis sem controle do Estado, muitos pecuaristas da Re-gião Sul do país e do Estado do Mato Grosso passaram a investir em compras de terrase floresta. A disponibilidade de madeira com valor comercial capitalizou e foi a principalfonte de financiamento para garantir a implantação das grandes áreas de pastagens. Afacilidade de escoamento do gado e beneficiamento da carne e derivados, pela existênciade uma rede de frigoríficos no Mato Grosso, são incentivos a mais para a expansão dapecuária na região.

2. GRILAGEM E CONCENTRAÇÃO DE TERRA

A atividade econômica está voltada para a pecuária, desenvolvida em grandes áreas,e a extração de madeira de forma não sustentável. Ao longo da estrada BR-163, encon-tram-se instalados latifúndios, sendo quase inexistentes os projetos de assentamento e apresença de camponeses.

152 Conforme dados do Plano de Desenvolvimento Regional Sustentável para a Área de Influência da Rodovia BR-163,Cuiabá-Santarém. Grupo de Trabalho Interministerial. Decreto de 15 de março de 2004.

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A região toda é marcada pela presença de latifúndios, em sua maioria constituídapor áreas públicas griladas, cuja posse ilegal é garantida por milícias armadas (pistolagem),contratadas para fazer a “segurança”. De acordo com os depoimentos dos trabalhado-res,153 existem na região poucas propriedades classificadas como pequenas ou médias(25 a 100 hectares e 500 a 800 hectares, respectivamente). A maioria das propriedadesé de imóveis cuja média de tamanho fica em 60 mil hectares, sendo que os donos deáreas inferiores a 6 mil hectares são considerados pequenos proprietários.

A disponibilidade de grandes áreas de florestas públicas, sem controle do Estado,permitiu que muitos dos fazendeiros já instalados, adquirissem plantas de serrarias epassassem a grilar áreas de terras. Isso é feito através do uso de documentos fraudulentosou sem consistência fundiária, para aprovar planos de manejo florestal no órgão regula-dor ambiental da União. A exploração florestal desenfreada passou a dar suporte a con-tinuidade de grandes áreas desmatadas, com o investimento do dinheiro da madeira emgado. Logo depois da retirada das espécies de maior valor no mercado, como mogno, asáreas foram convertidas em grandes áreas de pasto.

O documento do Plano BR-163 Sustentável aponta como principais fatores quebeneficiam a grilagem de terras: “reconhecimento do desmatamento, mesmo realizadoem áreas públicas, como benfeitoria, para fins de regularização fundiária; fragilidades deprocessos discriminatórios e de averiguação da legitimidade de títulos; falta de supervi-são dos cartórios de títulos e notas; baixo preço da terra e elevado retorno das atividadeseconômicas predatórias; interesses políticos que incentivam ocupações de terras porposseiros; especulação relacionada com expectativas de desapropriações e/ou instalaçãode infra-estrutura”.

O processo de concentração de terra tem como componente essencial, além dasuperexploração do trabalho e dos recursos naturais (que possibilitaram acumulação econcentração de renda), a grilagem. Como consta do Plano de Desenvolvimento Regi-onal, “freqüentemente, a grilagem se relaciona a outros atos ilícitos, como o trabalhoescravo e outras violações dos direitos humanos e trabalhistas, evasão de impostos, ex-tração ilegal de madeira e lavagem de dinheiro do narcotráfico”.

Na região de abrangência da BR-163 a grilagem é a regra. “De quem eles compra-ram as áreas?”, pergunta um morador (que também pede para não ser identificado, poisteme sofrer represália) que perdeu sua terra para um dos atuais fazendeiros de Castelodos Sonhos. A grande concentração de terra e a expectativa de asfaltamento da rodoviaagravam o quadro de conflitos e violência no campo.

Os moradores mais antigos contam que as terras em Castelo dos Sonhos eramdivididas entre o lado direito e esquerdo da BR-163. Todas as terras que ficavam do ladodireito da BR, sentido Cuiabá-Santarém, “pertenciam” ao Léo Reck. Esse, que ainda

153 Todos os depoimentos mencionados nesse capítulo foram prestados por moradores de Castelo dos Sonhos às equi-pes da CPT e da Terra de Direitos, durante visita in loco, realizada nos dias 24 e 25 de junho de 2005.

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vive em Castelo, intitulava-se proprietário de quase a totalidade das áreas. Vendia terraspara as famílias que chegavam de diversas regiões do país em busca de trabalho, inclusi-ve em busca de ouro.

Manter o controle das terras significava, e ainda significa, controlar a exploraçãodo ouro e de outras riquezas na região. Segundo relatos dos moradores, Reck controlavaquase todos os garimpos:

A Esperança I, II, III, IV, V, VI ,VII, aqueles garimpos ele dizia que era dele. Os garimpeirospagavam porcentagem, todo mundo pagava. Ele vendia as áreas de terra do garimpo por ouro,eram tantas gramas de ouro. Até hoje ainda existe isso, como na Serra do Arraia, nas terras dopresidente da associação dos garimpeiros, o João, filho do Léo, quem quer seu pedacinho de terratem que pagar uma porcentagem. Isso aí existe até hoje ninguém entra de graça. Lá na serra é umpovoado, eu nunca fui lá, mas diz que é muito bonito lá. Tudo era acordado com o Léo Reck.

Até mesmo a área urbana de Castelo dos Sonhos era tida como de propriedade deLéo Reck. Segundo os moradores, “todo mundo sabia que a parte do lado esquerdo daBR era toda do Léo”. “No Castelo pra formar a cidade, dos primeiros, uns lotes ele deu,os outros podiam ser pagos em prestações. Até hoje, tem gente que não pagou nada,porque a terra não era dele, ele que grilou. Agora a gente compra com contrato decompra e venda. Agora não tem nada de assim de oficial, registrado em cartório, pelomenos eu só tenho dois contratos de dois lotes aqui, é só de compra e venda. Sei lá se umdia isso aí funcionar se vai ser meu. Os lotes da cidade. Os lotes aqui de Castelo era dele.Agora ali no São Francisco, o pessoal chegava ali e grilava a terra, porque ninguém temdocumento”.

As terras do lado esquerdo foram sendo griladas por outros fazendeiros que chega-ram na mesma época. “Do lado de cá da BR os fazendeiros foram chegando e foramgrilando. Como o Maneco, e vários outros, também grilaram”. Esses relatos demons-tram, primeiro, o grau de apropriação irregular de terras públicas. Segundo, a totalinformalidade — e conseqüentemente ilegalidade — na ocupação das terras, o que geratambém insegurança nos atuais posseiros.

3. CASTELO: AUSÊNCIA, OMISSÃO E COMPROMETIMENTO

DO ESTADO COM O PODER LOCAL

As principais reivindicações dos trabalhadores e posseiros estão no âmbito da au-sência, omissão e até mesmo parcialidade dos poderes públicos. Essas ausência e omissãomarcam o pequeno distrito, que possui apenas um posto da Polícia Militar, com quatropoliciais. Esses policiais se revezam a cada 24 horas entre os serviços internos e a rondapela cidade. Também não há hospitais públicos, somente um posto de saúde com umúnico médico.

Como distrito de Altamira, Castelo dos Sonhos só possui uma subprefeitura. Sãoduas as escolas públicas, uma de 1o grau regular e uma de 2o grau modular, atendida por

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professores de Altamira. Sobre o sistema de saúde, conta uma moradora do Acampa-mento Bartolomeu Morais da Silva que “quando adoece tem que sair pra fora porquenão tem um hospital”.

Indignados com o isolamento e com a ausência de políticas públicas voltadas àreforma agrária e à inclusão social, os moradores prestam, emocionados, seus depoi-mentos. De acordo com João Tenório: “Essa região é mais diferente de todas as região dopaís brasileiro. Essa região parece que não existe. Se vocês soubessem da situação quenós vivemos com seis anos e meio em Castelo. Meus filhos não agüentou ficar emCastelo com medo, porque todo dia matavam dois, três quando nós chegamos.”

Quando não estão ausentes, há muitas denúncias de envolvimento dos poderespúblicos com os latifundiários e madeireiros da região. A força policial, por exemplo,segundo os trabalhadores, é mantida pela “comunidade”. Este é o nome dado ao grupode empresários, fazendeiros e madeireiros que fornece desde alimentação até combustí-vel para o único veículo policial da região. Pagam os consertos e a troca de peças desseveículo, obtendo, em troca o controle das ações policiais.

Um caso exemplar que demonstra este controle é o assassinato do jovem CledsonBrange, ocorrido em fevereiro de 2003. A morte de Cledson tem como principal suspei-to o filho do maior criador de gado da região, Florindo Minosso. Esse financia a alimen-tação do batalhão da polícia militar, fornecendo um boi por mês aos policiais. O proces-so de investigação foi tão conturbado que a polícia, além de se recusar a fazer a buscapelo corpo, orientou o enterro do jovem às pressas. A morte teve requintes de cruelda-de, segundo conta a própria família, que localizou o corpo de Cledson.

Há também denúncias de envolvimento entre a polícia militar e milícias privadas,contratadas por fazendeiros da região. O episódio, ocorrido em abril de 2003, envol-vendo o proprietário da Fazenda Tigre, conhecido como Nilo, é um bom exemplo daconivência e mesmo apoio às milícias privadas. Conforme informações prestadas porFátima, que foi ameaçada por ter tomado conhecimento deste fato:

Um dia vinha quatro assentados, eles vinham e passaram na base, estavam com sede e forampedir água. Aí um sargento achou que eles eram pistoleiros do Nilo, mas eles eram uns dos queestavam se assentando. Aí o sargento disse: ‘eu esqueci de falar, mandar um recado lá para oSeu Nilo que eu não pude mandar as balas, porque o tenente, o tenente é novo, mas você mefaz um favor, você vai lá, tem outro sargento lá na delegacia, chama o sargento escondido dotenente e fala pra ele sobre as balas’. Aí os meninos, fingindo que eram pistoleiros, vieram nadelegacia, chamaram o sargento e deram o recado. Aí o sargento disse: ‘eu tenho que mandarisso agora pra lá’. O sargento chamou o policial e disse: ‘você vai lá na base pra despachar oscartuchos’. Aí eles vieram, ainda seguiram o policial até o posto Zelândia, mas ficaram commedo dos policiais descobrirem que eles não eram pistoleiros e matar. Quando foi com unsdias, descobriram que os meninos não eram pistoleiros, porque os meninos falaram pra mim,pro Toninho e pra outras pessoas que devem ter contado. Aí ficaram jurados de morte oPaulista, eu e o Toninho.

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Segundo Fátima e Toninho, uma mulher foi informá-los para que tomassem cui-dado, pois estavam prometendo matá-los:

Aí tinha uma mulher, de cabaré, na beira do rio, tinha 15 pistoleiros tomando banho e tinha72 pistoleiros dentro da água. Aí falaram assim: ‘esses dias vamos ter que fazer uma festa aquino Castelo. A primeira que nós vamos derrubar é a irmã do Brasília, o Toninho da Frutaria eo Paulista’. Aí ela veio e falou que era pra nós termos cuidado, porque o Nilo queria nos matar.Eu saí imediatamente para Brasília. O Toninho ficou preso dentro de casa e o Paulista fugiu.

Outra moradora (que também não quer ser identificada, pois teme por sua vida)denuncia que a polícia chega a mandar os cidadãos matar e esconder os corpos daspessoas que forem pegas furtando residências. “Entraram na casa de uma senhora aquide noite, roubaram umas coisas, a televisão. E daí a polícia daqui falou desse jeito: agente não pode fazer nada porque a maioria é de menor, e se a gente pegar daí vai preso.Então vocês como são roubados, peguem e matem e dão um fim no corpo”.

Os moradores entrevistados foram unânimes em relação à atuação da polícia local,chegando inclusive a manifestar o desejo de que a mesma fosse retirada de Castelo dosSonhos. Segundo eles, seria um problema a menos, um medo a menos a ser enfrentado.“Tinha era que fazer um abaixo-assinado pra tirar essa polícia militar daqui. Se tiverum monte de pistoleiro de um lado, se o Fernandinho Beira-Mar tiver aqui e aquitiver a polícia militar, pois eu vou pro lado do Fernandinho Beira-Mar, porque essapolícia é safada”.

Assim, Castelo dos Sonhos vive uma situação de isolamento, marcada ou pela au-sência dos poderes públicos ou pela parcialidade e envolvimento de instituições como aPolícia Militar local, com os grileiros (latifundiários e madeireiros).

4. AS POLÍTICAS DE COMBATE AO DESMATAMENTO

Uma das principais discussões travadas na área de influência da Rodovia BR-163,onde se situa a localidade de Castelo dos Sonhos, gira em torno das ações emergenciaisadotadas pelo governo federal para coibir o desmatamento ilegal da floresta amazônicana região. Desde o início do debate para elaboração do Plano de DesenvolvimentoRegional Sustentável para a área de influência da rodovia ficou claro que era necessárioe urgente que o governo adotasse medidas para por fim imediato à exploração predató-ria de madeira, que atinge índices alarmantes na região da rodovia.

O Plano Amazônia Sustentável (PAS) foi elaborado pelos governos Federal e Esta-duais da Região Norte do país, e apresenta cinco eixos principais: 1) produção sustentá-vel com inovação e competitividade; 2) inclusão social e cidadania; 3) gestão ambientale ordenamento do território; 4) infra-estrutura para o desenvolvimento; e 5) novo pa-drão de financiamento. De acordo com o governo, as diretrizes do PAS estão inseridasna política de desenvolvimento regional que, partindo de uma visão nacional, baseia-sena identificação de mesorregiões para as quais deve ser formulado um planejamentoespecífico, no contexto de princípios gerais de desenvolvimento sustentável.

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Em relação ao Plano de Ação para a Prevenção e Controle do Desmatamento naAmazônia Legal, segundo o governo, o objetivo geral é “promover a redução das taxasde desmatamento na Amazônia por meio de um conjunto de ações integradas nas áreasde ordenamento territorial e fundiário, monitoramento e controle, fomento a ativida-des produtivas sustentáveis e planejamento estratégico de obras de infra-estrutura”.154

O processo de criação desse Plano de Desenvolvimento Regional Sustentável (ondeestá inserido o Plano BR-163 Sustentável) foi protagonizado por organizações e movi-mentos sociais. Há muito tempo, esses vêm reivindicando a implementação de políticaspúblicas que atendam os princípios da sustentabilidade. Políticas destinadas à promo-ção, defesa e garantia dos direitos humanos, econômicos, sociais e ambientais.

Em 18 de fevereiro de 2005, como uma forma de resposta às pressões popularesque se acirraram após a ocorrência do assassinato da irmã Dorothy Mae Stang, orques-trado por madeireiros e fazendeiros da área de fronteira da Rodovia Transamazônica, opresidente Luiz Inácio Lula da Silva editou a Medida Provisória no 239. Essa MP para-lisou administrativamente, pelo período de seis meses prorrogáveis por mais seis, todasas atividades relacionadas à exploração ilegal de madeira, ao corte raso de floresta edemais formas de vegetação nativa (parágrafo primeiro da MP) numa área total de 8,2milhões de hectares.

Ainda que se tenha clareza do caráter predatório e anti-social do processo de ocu-pação desordenado desta região, novamente as vítimas são os trabalhadores. Castelo dosSonhos vive uma situação muito precária e inusitada. Sem barulho de serrarias, semfumaça nas chaminés, sem caminhões de madeira indo e vindo, a impressão é que umapraga se alastrou pela “cidadela quase fantasma”. Grupos de homens sentados nas esqui-nas falando da tal paralisação feita pelo governo, da ausência de políticas públicas e,principalmente, do desejo de conquistar um pedaço de terra. Essa Medida Provisória,no entanto, não atingiu as atividades agropecuárias em desenvolvimento nas áreas jádevastadas, mas proibiu a realização de novos desmatamentos.155

Além dessa interdição, outra ação que deve ser mencionada foi a realização, pelaPolícia Federal, da chamada “Operação Curupira”. Essa operação, que culminou com aprisão de diversos agentes e diretores do IBAMA, investigou e retirou do mercado asAutorizações para Transporte de Produtos Florestais (as chamadas ATPF), obtidas ile-

154 Plano de Desenvolvimento Regional Sustentável para a Área de Influência da Rodovia BR-163, Cuiabá-Santarém.Grupo de Trabalho Interministerial. Decreto de 15 de março de 2004.155 Essa MP foi convertida na Lei 11.132, de 04 de julho de 2005, acrescentando o artigo 22-A à Lei 9985/2000, queregulamenta o art. 225, § 1º, incisos I, II, III e VII da Constituição Federal e institui o Sistema Nacional de Unidadesde Conservação da Natureza. O texto desse artigo é: “O Poder Público poderá, ressalvadas as atividades agropecuáriase outras atividades econômicas em andamento e obras públicas licenciadas, na forma da lei, decretar limitações admi-nistrativas provisórias ao exercício de atividades e empreendimentos efetiva ou potencialmente causadores de degrada-ção ambiental, para a realização de estudos com vistas na criação de Unidade de Conservação, quando, a critério doórgão ambiental competente, houver risco de dano grave aos recursos naturais ali existentes”.

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galmente pelos madeireiros junto aos técnicos dos órgãos ambientais. O obstáculo cria-do no mercado ilegal das ATPFs, somados à interdição administrativa das atividades decorte raso da floresta, comprometeram as atividades madeireiras ilegais e predatórias,afetando as serrarias de Castelo.156

As ações emergenciais adotadas pelo governo federal têm por principal objetivoacabar com o desmatamento ilegal e predatório na região. Consideradas mais que neces-sárias, as medidas consistem numa tentativa de impedir a continuidade da exploraçãoilegal de madeira no momento em que o Brasil atinge índices absurdos de desmatamen-to na Amazônia.

Os impactos dessas políticas de combate ao desmatamento foram sentidos pelascomunidades locais. Ocorre que, como se mencionou, grande parte das famílias quechegaram na região, buscando realizar o sonho do acesso a terra, depararam-se com umcenário marcado pelo caos fundiário decorrente da grilagem de terras públicas por lati-fundiários e madeireiros. Longe da perspectiva de uma política de reforma agrária evítimas da violência das milícias armadas, contratadas para defender as “propriedades”,a maioria das famílias foi obrigada a buscar seu sustento nas serrarias e fazendas instala-das no local.

Como a maioria das ações desenvolvidas pelas madeireiras na região era, de umaforma ou de outra, ilegal, grande parte das serrarias foi sendo obrigada a paralisar suasatividades. Isso levou boa parte dos posseiros, trabalhadores e famílias de baixa renda, àsquais foi negado o direito à terra, ao fantasma do desemprego e da fome.

Não se pode analisar negativamente as medidas adotadas pelo governo federal paracoibir o desmatamento ilegal na região. Ao contrário, os movimentos sociais, as comu-nidades locais e as entidades ambientalistas há tempos reivindicam a adoção de medidasenérgicas para pôr fim a extração ilegal de madeira.

Ocorre que, se por um lado, o governo sinaliza com um pacote de medidas desti-nadas ao combate ao desmatamento, por outro, não conjuga esses esforços com o en-frentamento da grave situação fundiária. Situação essa diagnosticada inclusive pelo pró-prio Grupo de Trabalho Interministerial, responsável pela elaboração do Plano de De-senvolvimento Regional Sustentável da BR-163.

Para promoção dos direitos humanos, econômicos, sociais e ambientais é necessá-rio que se enfrente o problema fundiário, aliado a um novo plano de desenvolvimento,adequado às características socioambientais da região. A reivindicação dos movimentos

156 “A questão das atividades madeireiras, dos manejos não foram paralisadas só pela interdição, elas foram paralisadasprincipalmente pela Operação Curupira (comércio ilegal da autorização de transporte) e da falta de emissão de novasATPF (Autorização para Transporte de Produto Florestal). Depois que houve a prisão do diretor do IBAMA, osfuncionários do IBAMA que colocavam as ATPFs no mercado não querem mais liberar. Então, não há mais ATPFs nomercado para viabilizar a extração ilegal de madeira. Hoje você tem a atividade legal paralisada e também uma ativi-dade ilegal comprometida”. (Entrevista realizada com Adriana Ramos do Instituto Socioambiental — ISA, em 18/8/2005)

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sociais passa pela necessidade de diálogo entre os Ministérios do Meio Ambiente e doDesenvolvimento Agrário para adoção de políticas públicas voltadas à implementaçãoda reforma agrária, garantindo trabalho e preservação do meio ambiente através de ummanejo sustentável da floresta.

5. LUTA PELA TERRA: ACAMPAMENTO BARTOLOMEU MORAIS DA SILVA

Esse cenário marcado pela concentração de terra, grilagem, violência, desemprego,fome e ausência dos poderes públicos, levou cerca de 400 famílias a montarem, àsmargens da BR-163, a 15km da área urbana do distrito, o acampamento BartolomeuMorais da Silva (o Brasília).157 Diariamente dezenas de famílias foram se ajuntando aoacampamento no local, reivindicando o direito à terra, ao trabalho, à alimentação, àmoradia adequada, à saúde e à educação. Os trabalhadores, em sua maioria desemprega-dos, vítimas da histórica concentração fundiária, tentam chamar a atenção do Estadopara as condições de miséria e exclusão social.

O relato do acampado Aloísio Pereira da Silva ilustra bem a situação precária emque vivem:

Eu acho que sou dos mais novos da região. Hoje eu to completando 71 anos. O coração nãoagüenta mais. Vê um monte de pai de família sofrendo; querendo um pedaço de terra pratrabalhar. Eu mesmo não tenho uma casa pra morar. As terras aqui é tudo de fazendeiros. Eagora parou todos os movimentos, e a gente fica sem ter da onde tirar. Como é que essespobres pais de famílias vão viver. (...) A cidade do Castelo é uma cidade pequena, não temcondição, não tem recurso. Nós estamos aqui no meio do mundo, pra cá é longe de recurso,pra lá é longe de recurso, Brasília está longe. Então, o povo tem que olhar essa situação, esocorrer essa humanidade. Nós somos humanos. E tem que ter alguém ao nosso lado. (...) Faztempo que eu habito aqui, nem sei por quanto tempo, mas nunca pude arrumar um pedaçode terra pra trabalhar, vivo só pelo mato trabalhando pros outros; às vezes eu recebo e, às vezes,não recebo.

A situação dessas famílias é alarmante e requer providências urgentes das autorida-des federais, estaduais e municipais. Durante uma das visitas ao acampamento, nossaequipe pôde acompanhar a distribuição das últimas cestas básicas existentes na Delega-cia Sindical de Castelo dos Sonhos. Além de pouco, os alimentos eram de péssimaqualidade, com data de validade vencida e alguns já estragados. Mesmo assim, as cestasforam aceitas pelas famílias, pois era a única fonte de alimento disponível naquele mo-mento.

De acordo com Maria de Lourdes Morais, 56 anos,

157 Nome dado em homenagem ao sindicalista Bartolomeu Morais da Silva, conhecido como Brasília, que comoveremos mais adiante, foi assassinado em Castelo dos Sonhos no ano de 2002, em decorrência de conflito de terra.

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Uma coisa a gente tem pra falar pra vocês: A gente aceita essas cestas básicas porque a gentenecessita mesmo. Nós temos vergonha de pegar essas cestas básicas, sendo que temos saúde pratrabalhar, só que nós não tem o pedaço de terra pra plantar nada; porque se você entrar numpedaço de terra desse daí em seis meses você tem o que comer. Mas se nós não tiver um pedaçode terra como é que nós vamos fazer. Na rua não tem serviço. Eu tenho 14 anos de Castelo dosSonhos. Ninguém dá apoio pra nós. Tenho três filhos, mas tão com o pai deles, porque setivessem aqui estavam tudo morto de fome ou roubando, porque aqui não tem nada pra fazer.

Como as terras são destinadas totalmente à grande propriedade pecuarista, sendopraticamente inexistentes de pequenas glebas e áreas com produção familiar, a produçãode alimentos é também comprometida. Até mesmo a farinha, produto essencial na ali-mentação básica nesta região, é trazida de Santarém, a mais de mil quilômetros deCastelo dos Sonhos.

Os trabalhadores, em sua maioria, chegaram em Castelo dos Sonhos em busca deum pedaço de terra, mas foram obrigados a trabalhar no garimpo, nas madeireiras efazendas que se instalaram na região. Com a decadência da atividade garimpeira e aparalisação das serrarias ilegais, os trabalhadores mais pobres ficaram sem ter onde tra-balhar e sustentar suas famílias e vivem uma situação drástica de miséria e fome.

Embora muitos tenham perdido seus empregos junto às serrarias, os trabalhadoresreivindicam a reforma agrária e não querem a volta da exploração madeireira na região.Segundo eles, essa exploração e o processo de pecuarização são as causas dos gravesdanos ambientais, da violência e da miséria na região. Segundo um acampado, “Aqui opensamento é um só: terra pra trabalhar. Nós esperamos as autoridades para que atendaa população. Todo mundo precisa de um pedaço de terra, aqui ta desempregado todomundo. Ta todo mundo passando fome”.

As famílias pretendem permanecer acampadas às margens da BR-163 até que ogoverno federal tome providências no sentido de efetivar o seu assentamento. Deman-dam também políticas voltadas à garantia dos direitos humanos, à reforma agrária, àmoradia, ao trabalho, à alimentação, à saúde e à educação, bem como ao combate aodesmatamento e à violência.

6. DEFENSORES DE DIREITOS HUMANOS: O CONTEXTO DA VIOLÊNCIA ANUNCIADA

Castelo dos Sonhos é conhecido por sua triste história de violência e impunidade,tendo sido palco de verdadeiras chacinas ocorridas especialmente no período do garim-po. Até hoje a população vive amedrontada com um cenário gravíssimo de ameaças emortes praticadas por pistoleiros armados, que desfilam tranqüilamente pela cidadechamada pelos moradores de “terra sem lei”.

As causas do grave cenário de violações de direitos humanos na região de Castelodos Sonhos são a ausência de um planejamento de ocupação territorial (que resultou emuma estrutura fundiária altamente concentrada) e a proliferação desordenada dos ga-rimpos. Essas foram reforçadas pela predatória dos recursos naturais (exploração de

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madeira) e, mais recentemente, pelo avanço do agronegócio. A ausência, omissão e, emmuitos casos, o comprometimento dos poderes públicos com as elites locais, agravam oquadro de desrespeito aos direitos humanos na região.

Ao se perguntar quantos assassinatos ocorreram em Castelo dos Sonhos em confli-tos no campo, a resposta é sempre a mesma: “são incontáveis”. São incontáveis tambémos casos de corpos enterrados em cemitérios clandestinos, localizados no centro urbanode Castelo ou em fazendas. Muitos dos corpos foram jogados no rio Curuá, que corta aregião. “Esconder cadáver nas fazendas aqui é costumeiro”, afirma uma dirigente daDelegacia Sindical de Castelo dos Sonhos. A maioria dos casos é de conhecimento geralda população, que possui informações detalhadas sobre quem, quando e porque matou,onde enterrou o corpo, etc. Apesar disso, a impunidade é a regra e a lei do mais forteimpera na região.

Fátima, irmã de Brasília, conta que, entre 1990 e 1991, “teve uma vez que mata-ram meio mundo de gente lá no [garimpo] Esperança IV. Mataram até um piloto deavião. Teve essa guerra também. Esse piloto de avião foi aquele que saiu o pessoal per-guntando onde ele tava enterrado. A família dele entrou no [programa] Linha Direta.Disseram que tava enterrado lá, mas ele está enterrado aqui na beira do Curuá, só queninguém sabe onde. Metralharam nove nesse dia”.158

A violência contra os trabalhadores é uma constante e se manifesta de diversasformas. Além dos assassinatos, há casos de escravização, expulsão de camponeses de suasterras, agressões físicas e morais, perseguição de lideranças, ameaças de morte, etc. Atéhoje existem denúncias de trabalhadores submetidos à condição análoga de escravos eassassinados em Castelo dos Sonhos. Conforme vários depoimentos, são comuns osepisódios de fazendeiros que, para não pagarem seus empregados, mandam matá-los.

Conforme depoimento de um trabalhador:

Teve a história na fazenda do Seu Zé Inácio, que tinha as balsas dos garimpeiros que ia prafora, agora ele já é finado, mas naquele tempo ele era fazendeiro, era dono de Balsa, nesse rioCuruá, no Jamanxim. Daí pra não pagar os infeliz matavam eles pra lá e não pagavam. Tudoisso aconteceu. E até hoje existe hoje em Castelo dos Sonhos. Os matadores aqui é o Bil daFiguara, o Alexandre Manoel Trevisan, o Florindo Minosso, o Lituíno, o velho Robson, oPanquinha, que é do pessoal do Ralf, e esses fazendeiros eles matam e muitas vezes eles pagam

158 Uma das histórias marcantes de Castelo dos Sonhos é a da vida e morte de Márcio Martins, conhecido como“Rambo Brasileiro”. Márcio era um jovem mecânico que se tornou uma espécie de “justiceiro” para uns, pistoleiro paraoutros, quando decidiu disputar o controle de garimpos, ocupando pistas de vôos clandestinas com seus homensarmados, comprando armas e lavando dinheiro oriundo do narcotráfico com ouro da região. Na disputa por áreas, pelocontrole dos garimpos e pelo narcotráfico, Rambo foi executado por um grupamento especializado da Polícia Militardo Estado do Pará, a mando do governador do Estado na época. Jader Fontinelle Barbalho enviou em torno de 50homens que fizeram um cerco de quatro dias até invadir o local onde Rambo estava escondido, dentro de sua casa,onde foi metralhado.

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pra matar. Eles botam o pessoal pra trabalhar. Esse filho do Seu Julião, ele foi trabalhar, elesfizeram ele trabalhar forçado, ele foi baleado, chegou, veio pro hospital. Eles falaram pro SeuJulião, que é deficiente, tem uma perna cortada, olha Seu Julião, e o filho dele baleado, que oPanquinha mandou balear pra não pagar, que é o Júlio o nome desse rapaz, aí falaram pro SeuJulião, olha aqui Seu Julião se vocês não derem queixa na polícia nós pagamos a conta dohospital. O Panquinha mandou matar, mandado do Ralf, só que a bala pegou assim e saiu dooutro lado do rosto, ele ficou com o rosto deformado. Depois o Ralf obrigou ele trabalhar nafazenda.

Outro caso que chama a atenção foi o assassinato de Félix Faustino Gonçalves,conhecido como Paraguai, ocorrido em 2 de dezembro de 1999. Paraguai foi assassina-do porque cobrava de Florindo Minosso, grande fazendeiro de Castelo dos Sonhos, umpagamento referente à construção de uma ponte, feita mediante contrato entre os fazen-deiros e a prefeitura de Altamira. Segundo a esposa, Paraguai saiu no dia 1o de dezembrodaquele ano para trabalhar no corte de madeira para um senhor conhecido como Nel-son da Laminadora. Ela conta que Nelson, na verdade, teria aceitado participar da em-boscada preparada para Paraguai.

No dia seguinte, o gerente de Nelson, conhecido como Bil, apareceu em sua resi-dência dizendo que Paraguai teria sofrido um acidente; que uma tora teria caído sobresua cabeça. Ao irem buscar o corpo, perceberam que Paraguai foi espancado e mortopor algum instrumento, pois tinha vários sinais de agressão (não havia nenhum outrohematoma comum a um acidente de trabalho). Conforme relato da esposa:

Aí, chegando lá — o meu filho me contou depois — ele estava longe do pau. O pau tava bemlonge; a moto-serra estava de um lado, aberto a tampa, e ele tava de barriga pra cima com umpedaço de pau na mão, todos que foi viu. Aí o mais implicante foi que ele falou que tavaembaixo do pau e chegando lá... Não tava... e com um pedaço de pau na mão, sujo de sangue,e olhos dele tudo roxo. (...) E a cabeça não era amassada, a cabeça era um corte em ‘V’ comoduas pancadas de facão pelas costas.

Como não havia médicos em Castelo dos Sonhos, a família pediu a um farmacêu-tico para examinar o corpo. Nenhuma perícia técnica foi realizada. O então farmacêu-tico confirmou a suspeita de assassinato: “E o Jeová veio... Ele falou: O marido dasenhora foi assassinado mesmo”.

Há a suspeita também do envolvimento de outros fazendeiros na trama que en-volve esse assassinato. Segundo a esposa, além de Florindo Minosso, Léo Reck e ou-tros estariam envolvidos. Os motivos que a levam a essa conclusão são, além do di-nheiro que Paraguai tinha para receber pela construção da ponte, o esforço que fize-ram para que ele fosse enterrado sem passar por uma perícia. Tentaram impedir aspessoas de ver o ferimento na cabeça, bem como esperavam que ela abandonasse acasa onde vive.

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O velho Léo chegou e falou o quê que precisava, eu falei que precisa mandar fazer o caixão pravelar. Aí ele foi comprou esses negócios de... de... Faixa, comprou uns negócios lá, e levou, praenfaixar a cabeça né. Pra ninguém ver. Puseram ele numa cama né, que tá aí na foto, e ele pôsum pistoleiro lá, que só a mão dele que aparece, depois que eu fui prestar atenção, é o próprioque foi. É pra ninguém chegar perto.

O atestado de óbito de Paraguai apresenta como causa da morte acidente de traba-lho. A família e os moradores, no entanto, denunciam o assassinato, revoltados pela faltade providências para esclarecer os fatos e culpar os responsáveis. Após essa morte, afamília passou a ser ameaçada, mas a viúva continua buscando justiça!

Existem ainda diversas denúncias de pessoas desaparecidas em Castelo dos Sonhos.Segundo Fátima, “o Brasília quando morreu tinha uma lista de 72 pessoas desaparecidasaqui em Castelo dos Sonhos. E tava escrito assim desaparecidos. Essa lista sumiu. E euguardei as coisas no quarto lá no sindicato, tranquei com cadeado. Entraram lá, pega-ram essa lista, pegaram as fotografias do Brasília com o pessoal, roubaram tudo, logoque ele morreu”.

A criminalização dos camponeses também marca a história de Castelo dos Sonhos.O principal fator dessa criminalização das vítimas é a influência exercida pelo latifúndiojunto à polícia local. O principal caso de criminalização foi o episódio da prisão de 19(dezenove) trabalhadores sem-terra que ocupavam uma área pública. Há suspeitas deque as prisões foram determinadas por um fazendeiro que se dizia dono das terras. Dostrabalhadores presos, 12 sequer chegaram a entrar na área, tendo sido pegos na BR-163,fora da área.

Segundo depoimentos de trabalhadores que foram presos na ocasião, que pedempara não serem identificados pois temem por suas vidas,

Primeiro veio um representante do INCRA de Miritituba e falou que essa área lá pertencia àUnião. Então nós resolvemos entrar lá pra tentar conseguir um pedaço de terra. E quando nóschegamos lá, aí sete que tava lá dentro foi pego primeiro e doze foram pegos na estrada. Apolícia foi lá buscar, mas primeiro foi dois guaxebas159 da fazenda ver onde tava o acampamen-to e aí depois o mesmo guaxeba levou a polícia lá e a própria polícia prendeu os sete primeirosque tava lá dentro. E aí eu não sei através de quem ele soube que ia entrar mais doze. Quem sedizia dono da área era José Almiro Bil. Não sei dizer que tamanho que era, nós ouvia dizer,comentários que era 62 mil alqueires.

Os trabalhadores contam que ficaram detidos no banheiro da casa onde funciona oBatalhão da Polícia Militar. Só depois foram transferidos de Castelo, e nem tiveram odireito de se comunicar com parentes, ou com qualquer pessoa. De acordo com um dos

159 Guaxeba é a expressão usada para designar jagunços ou pistoleiros contratados por fazendeiros para proteger árease fazendas.

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trabalhadores que foi preso, “...foi um seqüestro. Pegaram nós aqui, com a roupa quenós tava lá no mato, trouxeram nós aqui, sem comunicar com um parente com nin-guém, não tinha direito de comunicar. (...) Minha esposa mesmo, sabia que eu tava lápra dentro do mato, foi saber que eu tava preso com oito dias, porque do jeito quepegaram aqui, entraram pela rua dos fundos e já foram pra delegacia. Trouxeram ali pracadeia, ficamos lá dentro de um banheiro, porque lá não é uma cela é um banheiro,ficamos em 23 pessoas dentro de um banheiro.”

Os trabalhadores foram humilhados e ameaçados pelos policiais que prometiammatá-los caso não se “comportassem”: “E as ameaças que nós sofremos depois de Itaitubapra frente. Eles diziam se vocês não quiserem se comportar, nós vamos fazer com vocêsigual nós fizemos com aqueles 19 no Carajá, e nós era justamente 19 também. Aí nósficamos com medo.”

O caso de violência contra defensores de direitos humanos, que tornou Castelo dosSonhos internacionalmente conhecido, foi o assassinato do líder sindical conhecido como“Brasília”, como veremos a seguir. Após esse assassinato, a irmã Fátima passou a dedicarsua vida ao acompanhamento das investigações e do processo, bem como da luta dostrabalhadores rurais. Mais conhecida pelo apelido de Santa, está sempre na região e jásofreu inúmeras ameaças. Vários trabalhadores já a procuraram para avisá-la que suavida corre perigo, pois existem fazendeiros incomodados com o trabalho que vem reali-zando. Segundo seu relato,

Eu andava em porta mala de carro, agachada em carro. Era assim que eu andava aqui quandoo Brasília morreu, até um ano era assim que eu andava aqui em Castelo. Para sair da cidade eutinha que fazer isso ou se não andar a pé, 40km beirando a estrada, mais dentro do mato quena estrada, mas a polícia não ajudava. E eu pedir pra polícia pra ela me matar, não ia! E outracoisa, quando aqui acontece um crime que acham que você vai telefonar, eles roubam asplacas dos telefones, você fica uma semana aqui sem contato com ninguém. Quando o Brasíliamorreu acontecia isso direto. Nós ficamos até 8 dias sem conseguir falar com Altamira, comninguém, até dentro da cidade nós ficávamos sem telefone.

Fátima também conta que já foi seguida por Márcio Cascavel. Além disso, soubepor André Tavares (procedente de Sinop e trabalha cortando madeira na região), quefazendeiros comentam que Maneco teria dito sobre ela: “quando eu pegar ela, primeirovou cortar a língua dela e só depois vou matá-la”. Na noite do dia 10 de novembro(deque ano?), uma caminhonete do Manoel passou o tempo todo próximo da casa que elaestava hospedada. Permaneceu ali, com revezamento entre três motoristas-pistoleirosaté às 5 horas da manhã do dia seguinte.

Os casos mencionados são apenas alguns exemplos de violência contra os defenso-res de direitos humanos em Castelo dos Sonhos. A omissão dos poderes públicos emrelação às violações de direitos permite que a impunidade seja a regra geral e um fator deperpetuação destes crimes. As políticas de proteção aos defensores, como a inclusão no

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programa de proteção a vítimas e testemunhas, dentre outras, não englobam os defenso-res que vivem em Castelo dos Sonhos, bem como inexistem quaisquer levantamentosoficiais dirigidas a eles.

7. CASO EXEMPLAR DE VIOLAÇÃO DE DIREITOS HUMANOS: A MORTE DE BRASÍLIA

Bartolomeu Morais da Silva, conhecido como Brasília, sindicalista e militante doPartido dos Trabalhadores, era a principal liderança popular de Castelo dos Sonhos. Eraum defensor dos direitos humanos, uma espécie de “advogado” do povo. Em 21 julhode 2002 foi brutalmente assassinado com 8 tiros, sendo que seu corpo foi encontrado àsmargens da BR-163, nas proximidades de Castelo dos Sonhos. O Ministério PúblicoEstadual abriu processo criminal para apurar o crime, que ainda tramita perante a Jus-tiça Estadual de Altamira.

O Sr. Arlindo de Sousa, conhecido como Gaúcho, testemunha ocular está desapa-recido. Disse em seu depoimento160 na polícia que estava, no dia dos fatos, em uma áreahá 8km do rio Jamanxin, procurando ouro quando, por volta das 21 horas, percebeu aaproximação de uma Toyota Bandeirante, cinza esverdeada. Essa parou e desembarca-ram o motorista, o fazendeiro Maneco e um passageiro, o Brasília. Nesse momento,Márcio Cascavel e Parazinho saíram do mato. A testemunha se escondeu e viu que asquatro pessoas ficaram conversando em frente ao veículo (que estava com os faróisacesos). Brasília articulava as mãos, como quem explicava alguma coisa.

Em um dado momento, Márcio Cascavel e Parazinho sacaram armas de fogo (pa-reciam uma pistola e um revolver) e dispararam uns quatro tiros contra Brasília. Essecaiu no chão e, imediatamente, os dois atiradores carregaram o corpo, colocando nacarroceria da Toyota, enquanto eram observados por Maneco. Retiraram-se do locallevando o corpo.

Essa testemunha disse ainda que a vítima, no dia do crime, estava usando calçajeans azul desbotada e uma camisa clara, tecido quadriculado. Essa descrição conferecom o laudo técnico da Polícia Civil.161 “Bartolomeu sempre contava que estava sendoameaçado por fazendeiros, como Maneco, Nilton Braga, Nilo, por problema com terrasda União, as quais os fazendeiros grilavam e vendiam”, complementa Judas Tadeu deMoraes, irmão da vítima, que esteve com ele pela manhã do dia em foi assassinado.162

Raimundo Dionísio dos Santos, possuidor de um lote na Gleba Gorotire, declarouque, no dia 23 de julho de 2002, após o retorno do enterro de Brasília, Zé Brabo,empregado de Manoel Alexandre Trevisan, teria dito: “Eu pedi bastante para Maneconão fazer isto, que iria estragar sua vida, pois já estava estabilizado, porém terminou

160 Termo de Declaração de Arlindo de Souza. Autos de Ação Penal no 2002700740-5, fls. 185/186.161 Em seu depoimento, Arlindo acrescentou o fato de ter sido uma das testemunhas que viram Marcio Cascávelassassinar a pessoa conhecida como “Grande”, em plena via pública de Castelo dos Sonhos.162 Termo de Declaração de Judas Tadeu de Moraes. Autos de Ação Penal no 2002.700740-5.

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fazendo”.163 Disse ainda que, no mesmo dia em que prestava seu depoimento (25/7/2002), foi alertado por uma mulher que não retornasse a Gorotire. Essa dizia ter infor-mações seguras que seis pistoleiros estavam na área, a mando de Nilton Braga, prontospara matá-lo.164

Recentemente, em 25 de maio de 2005, a testemunha José Ferreira dos Santosprestou depoimento165 no processo, revelando que chegou a receber uma proposta dofazendeiro Nilton Braga para matar Brasília. A testemunha declarou ainda que, na épo-ca em que ocorreu o assassinato, Brasília vinha sendo constantemente ameaçado porNilton Braga, Nilo e Alexandre. Em seu depoimento, José Ferreira dos Santos denunciatoda a trama realizada pelos fazendeiros para expulsar os posseiros da Gleba Gorotire.Realizam reuniões para tratar da execução de Brasília, comprovando a existência de umconsórcio entre os fazendeiros interessados em sua morte.

A testemunha José Ferreira dos Santos declarou:

(...) a vítima, nesse período, era ameaçada por Nilton Braga, Nilo e Alexandre Trevisan; Quetrabalhou para Nilton Braga do dia 15 de março de 1995 até o dia 25 de fevereiro de 2002,que Nilton Braga quis contratar o depoente para que assassinasse a vítima; Que pela morteseria pago o valor de quarenta e cinco mil reais. E esse valor seria pago por Nilton Braga e Nilo;que foi feito uma reunião, onde estava o depoente, Nilo, Nilton Braga e Maneco, que nessareunião ficou acertado que o depoente entregaria as armas da Fazenda em que trabalhava, parao Sr. Nilo, que a fazenda em que trabalhava era de Nilton Braga e nessa reunião ficou acertadoque o responsável para executar a vítima Bartolomeu era Alexandre Trevisan, pois o depoentenão aceitou a referida proposta; (...); Que na segunda reunião estavam presentes, além dodepoente, o delegado Willian, o Tenente Expedito, alguns empresários e fazendeiros da locali-dade, que entre os fazendeiros estavam os 2 irmãos de Alexandre Trevisan, o Sr. Bil, FlorindoMinoso, Liduíno, Ivo Parente; Que a morte da vítima seria em virtude dos conflitos de terraexistentes na região; Que com a morte da vítima desapareceriam os referido conflitos; Que asreuniões mencionadas ocorreram no Clube Recreativo Curuá.

Manoel Alexandre Trevisan (o Maneco), Marcio Antonio Sartor (o Márcio Casca-vel) e Juvenal Oliveira da Rocha (o Parazinho), acusados do assassinato de Brasília, estãopresos e devem ser levados a julgamento. É importante salientar que este é um dosúnicos casos de assassinato de trabalhador rural no Estado do Pará que chegou à prisão

163 Termo de Declaração de Raimundo Dionísio dos Santos Autos de Ação Penal no 2002700740-5, fl. 43.164 Raimundo informou ainda que há dois anos, aproximadamente, 18 pessoas teriam sido assassinadas e queimadas amando de Maneco.165 Depoimento prestado por José Ferreira dos Santos, nos autos de Processo Criminal no 2003700176-8, propostospelo Ministério Público Estadual contra Marcio Antonio Sartor, Manoel Alexandre Trevisan, Juvenal Oliveira daRocha, pelo homicídio de Bartolomeu Morais da Silva, em trâmite perante a 3ª Vara Criminal da Comarca de Altamira,Pará.

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de um latifundiário (Manoel Alexandre Trevisan). A investigação e prisão dos envolvi-dos só foram realizadas depois de enorme pressão popular e clamor público. Por outrolado, existem indícios de envolvimento de outros fazendeiros de Castelo dos Sonhosque não foram devidamente investigados.

Apesar de se encontrar em uma situação de risco, Fátima e os trabalhadores ruraisde Castelo lutam incansavelmente para que a morte de Brasília não seja esquecida etermine impune, como ocorre com tantos outros casos de violência contra trabalhado-res e defensores de direitos humanos no Pará. O acampamento batizado com seu nomeé uma demonstração de que sua luta está viva na organização dos trabalhadores.

CONCLUSÃO

Infelizmente, a região de Castelo dos Sonhos é conhecida como o lugar de assas-sinato do líder sindical Bartolomeu Morais da Silva, conhecido como Brasília. Alémdessa importante liderança popular, muitas outras são vítimas constantes de ameaças econstrangimentos feitos por grileiros e fazendeiros locais. Estas pessoas, no entanto,persistem na luta e na defesa dos direitos humanos em Castelo dos Sonhos.

É fundamental, portanto, que os órgãos governamentais federais e estaduais res-ponsáveis adotem medidas para coibir essa violência contra os trabalhadores e evitem adestruição ambiental na região de Castelo dos Sonhos.

Bartolomeu Morais da Silva,Brasília, assassinado em 21 dejulho de 2002.

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O município de Porto de Moz está localizado na foz do Xingu, região conhecidacomo Baixo Xingu, entre o eixo da Transamazônica e o Rio Amazonas. É uma das

mais antigas cidades ribeirinhas ao longo do Xingu e recebeu este nome em homenagema uma cidade portuguesa. 15% (quinze por cento) do território municipal é de várzea eo restante de terra firme.

Assim como outras vilas fundadas nos séculos XVI e XVII na Amazônia, Porto deMoz é oriundo de um antigo aldeamento organizado por uma missão da Companhia deJesus (Igreja Católica). No início, a região era habitada pelo povo indígena Maturu queocupava a várzea e a terra firme. Com a expansão portuguesa e a ação catequizadora dosmissionários Jesuítas, o povo Maturu foi usado como guias ou mesmo como trabalha-dores na coleta de produtos da floresta, negociados em Belém.

No ano de 1639, os Padres Jesuítas formaram o Aldeamento Maturu, hoje nomedo bairro mais antigo da cidade. Um complexo de aldeamentos menores, localizados aolongo dos afluentes do Xingu (essa região da calha do Amazonas com o Xingu era áreade expansão dos grupos Ge, Tupi e Karib) era parte do trabalho missionário dos padresna região.166

No ano de 1758, o Aldeamento Maturu ganhou status de vila e passou a ser cha-mado de Vila de Porto de Moz. Neste mesmo ano, a Companhia de Jesus foi expulsa doBrasil e da Amazônia (decisão da autoridade portuguesa Marquês de Pombal) e os traba-lhos missionários, especialmente a proteção aos grupamentos indígenas, foram perdidosna região do baixo Xingu. No ano de 1890, a vila passou a ser município.

Com o ciclo da borracha, Porto de Moz passa a ser um grande centro produtor.Famílias ligadas ao governo passaram a deter grandes áreas de exploração da seringa.Essas usaram mão-de-obra indígena e negra e os grupos indígenas que resistiam eramviolentamente desalojados de seus territórios.

Capítulo VII

A LUTA PELA PRESERVAÇÃO AMBIENTAL:O CASO DE PORTO DE MOZ

166 Na década de 70, o antigo Serviço de Proteção ao Índio realizou diversas transferências forçadas de grupos indíge-nas que perambulavam na região como, por exemplo, os Arara do Pará (região do Penetecaua), os Kayapó-Kararaô(região do Jaraucu) e os Asurini do Trocará (área do Pacajá).

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Atualmente, a população de Porto de Moz é formada, em sua maioria, por comu-nidades tradicionais (descendente de índios, negros e nordestinos) ribeirinhas. A maio-ria da população vive na zona rural, com a economia baseada na produção familiar(pequenas roças com o plantio de mandioca, arroz, milho, feijão, verduras, banana,coco, café), na exploração de madeira e outros produtos florestais (consumo local epequeno comércio) e na pesca.167 A preservação dos recursos naturais é questão funda-mental para a sobrevivência destas comunidades. Mais recentemente, a pecuária bubalina(criação de búfalos) passou a ser uma atividade dos ribeirinhos, facilitada por ser umaregião de várzeas.

O Censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), de 2000,contabilizou 23.545 habitantes no município de Porto de Moz, sendo que deste 56,5%estão na zona rural e 43,5% na zona urbana. Segundo projeções também do IBGE, omunicípio conta com uma população, em 2005, de 28.923 habitantes.

Devido à sua localização, Porto de Moz não recebeu pressão direta em conseqüên-cia da abertura da BR-232 (Rodovia Transamazônica), na década de 70. Suas áreas defloresta permaneceram intactas até meados da década de 90, mas as ameaças sócio-ambientais vinham da pesca predatória dos grandes barcos geleiros (grandes embarca-ções pesqueiras equipadas com compartimentos frigoríficos). Sofrendo a escassez depeixe no Rio Amazonas, estes barcos passaram a buscar cardumes nas regiões dos lagos,rios e igarapés nessa região, gerando conflitos com as populações locais que dependemda pesca para a subsistência, inclusive para o suprimento diário de proteinas.

167 Moreira, Edma Silva. Tradição em tempos de modernidade: reprodução social numa comunidade varzeira do RioXingu/PA. Belém, EDUFPA, 2004. p. 84.

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1. A QUESTÃO FUNDIÁRIA

É fácil ouvir dos ribeirinhos referências a José Julio de Andrade, mais conhecidocomo Coronel Zé Julio. Algumas vezes, não são referências diretas ao cel. Zé Julio, masas “heranças” do seu tempo, como contado por Vivaldo Ferreira Barbosa,168 cujo pai foiempregado de Michel de Mello e Silva na Fazenda Aquiqui.

No final do século XIX e início do século XX, esse cel. Zé Julio, dividia com JoséPorfírio de Miranda Jr. (cel. senador José Porfírio), o domínio político e econômicocomo conseqüência da apropriação de grandes áreas de terras na região.169 SegundoMoreira, até meados da década de 70, esses foram os “patrões”, consolidando um tipode relação social denominada de “mandonismo local” (p. 66). Estes patrões usavam eabusavam do poder que possuíam, coagindo moradores, subjugando ribeirinhos e suaslideranças. O poder decorrente da posse da terra permeava todos os espaços e relaçõessociais cotidianas.

Com o surgimento de novos ciclos econômicos, como a atual exploração ilegal damadeira, os novos patrões, que se dizem herdeiros destes Coronéis, procuram reafirmarseu poder na região. Reivindicam a propriedade de grandes extensões de terras de Portode Moz, especialmente para explorar a maior riqueza, o produto madeireiro da região.Segundo Moreira,

(...) desde os anos 1980 [...] acrescentou-se a penetração das matas por empresas madeireirasdeslocadas da região das ilhas, onde tinham esgotado as reservas de madeira nobre. Esta inva-são estimulou a criação de serrarias ou de comércio de madeira, por parte de empresárioslocais. As comunidades, aparentemente, não se sentiram ameaçadas, como tinha sido com osgeleiros, possivelmente pelo fato de essas madeireiras não invadirem seu espaço mais imediato,como no caso da pesca (p. 94).

O atual processo de apropriação e tomada das terras que, até metade do século XXera promovido por seringalistas, é feito predominantemente por madeireiros. Via deregra, essa apropriação ilegal é feita através da grilagem de terras públicas ou da tomadaviolenta de áreas de posseiros. A grilagem, uma forma ilegal de apropriação freqüentesno Pará, é muito comum em Porto de Moz, um município marcado pelo desordenamentofundiário, pela inoperância dos órgãos públicos e pela confusão entre as competênciasdos diversos órgãos que exercem a jurisdição nas terras federais, estaduais e nos terrenosde Marinha.

168 Os depoimentos desse capítulo foram tomados pela equipe da Justiça Global, em 14 de maio de 2005, por ocasiãode visita ao município de Porto de Moz169 Letrizia Fróes Duarte, secretaria do Sindicato dos Trabalhadores Rurais, conheceu Maria Eduarda do Amaral, quecontava histórias do tempo da extração da seringa quando esta e seu esposo eram empregados do cel. Zé Julio. Contavaas ações dos jagunços e capangas da fazenda que se apropriavam dos bens dos ribeirinhos. Várias pessoas “desaparece-ram” nessa época e o Jarí era local de desembarque para matar as pessoas ou castrar os homens que desagradassem o cel.Zé Julio. Não podiam pedir nada ou discordar das ordens do coronel, pois eram fisicamente castigados (tomavamsurra de coro de boi).

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De acordo com Moreira, a apropriação ilegal de terras é facilitada também por esta“indefinição de uma possível cadeia dominial e, por outro lado, ao fato das várzeasserem da jurisdição da Marinha do Brasil. No caso, a competência fundiária para a terrafirme é do Instituto de Terras do Pará (ITERPA) e, para as várzeas, é da Marinha, emque pese o fato de que, na vida da comunidade, as duas áreas formem uma unidade só”(p. 139). Acrescenta-se a isto a falta de atuação e fiscalização dos órgãos públicos respon-sáveis, permitindo a grilagem de terras e florestas públicas.

Uma forma de apropriação ilegal na região é o “sistema de arrendamento”. O grileiroacessa à área através de um “arrendamento” (em geral, informal e sem qualquer tipo dedocumento) e, após um curto espaço de tempo, vai ao cartório e faz uma escriturapública como se fosse proprietário. A fraude é clara na cadeia dominial pois a áreajamais foi desmembrada do patrimônio público. É emitido um título de propriedade,registrado em cartório, como sendo um patrimônio particular. De posse desse docu-mento cartorial, o suposto dono começa a expulsar, via judicial e/ou por meios violen-tos, os moradores tradicionais (posseiros) daquela área.

Baseados justamente em registros desta natureza, os atuais “proprietários-herdei-ros” da Fazenda Aquiqui estão arrendando a área da antiga Fazenda. Isto está causandograndes conflitos, pois antes de Michel de Melo e Silva conseguir a documentação cartorialjá havia posseiros na área. Esses antigos moradores trabalham, há décadas, nesta área,inicialmente como “vaqueiros” da fazenda, mas permaneceram após a sua falência, de-senvolvendo seu modo de vida e de trabalho ribeirinha.

Outro exemplo da indefinição da cadeia dominial é o que acontece com VivaldoFerreira Barbosa que tem sua posse reivindicada por Fernando Fernandes Neto (vulgoFernandão). Vivaldo Ferreira Barbosa, casado com Osvaldina Braga Duarte com quemteve 14 filhos, reside na comunidade Conceição, no Rio Quati, o mesmo lugar onde seupai já morava há aproximadamente 40 anos. A história de Vivaldo é semelhante a mui-tas outras na região: um trabalhador da seringa que, com as crises econômicas da borra-cha (entre 1910 e 1920, e após a II Guerra Mundial), fixou-se nas terras abandonadaspelos patrões. Dedicou-se a um extrativismo de subsistência diversificado de pesca, caçae extração de madeira.

Em 1999, Fernandão, de posse de documento registrado em Cartório, intentouAção de Reintegração de Posse, requerendo a desocupação da área em caráter liminar.Afirma no processo (fls. 108) que comprou a área de Álvaro Soares de Sousa, em 1998.A propriedade, no entanto, encontra-se registrada em nome de Michel de Melo e Silvae Cléia Bentes de Melo e Silva. Não há qualquer referência de partilha, inventário,cessão de direito hereditário ou outorga de poderes a Sandro Luiz de Melo e Silva,170

com quem o contrato de compra e venda foi realizado.

170 Informações que constam da Ação de Reintegração de Posse no 028/99 e nas Alegações Finais da parte de VivalvoFerreira Barbosa e outros, recebida em 19/01/2004, no Cartório da Comarca de Porto de Moz.

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Na verdade, essas terras são área de várzea (terras de Marinha) que não podem sertituladas, mas tão somente concedido direito de uso pela Gerencia Regional do Patri-mônio da União (GRPU). Inexiste qualquer registro de pedido de concessão, feito emnome de Michel ou de Cléia, em nome de quem a área foi inicialmente registrada noCartório de Registro de Imóveis do Município de Gurupá.

Esse conflito entre o morador ribeirinho e o grileiro se deu em dois momentosdistintos. Antes desta Ação Judicial de Reintegração de Posse, houve turbação da possedo ribeirinho com a introdução de animais na área por Álvaro Soares de Sousa, em umatentativa de expulsar a família. Em 14 de outubro de 1999, Vivaldo Ferreira Barbosa,representado pelo Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Porto de Moz (na pessoa deIdalino Nunes de Assis), comunicou esse fato ao Ministério Público da Comarca doMunicípio.

Álvaro, antigo gerente da Fazenda Aquiqui, teria comprado a área de Sandro Luizde Melo e Silva (que se apresenta como herdeiro de Michel de Melo e Silva, supostoprimeiro dono da fazenda) e posteriormente vendido para Fernandão. Em 1972, o ca-dastro do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) registrava,em nome de Michel e Alfredo de Melo e Silva, somadas todas as propriedades, um totalde 57.058 hectares.171

Infelizmente, estes não são os únicos casos de grilagem, apropriação ilegal e confli-tos pela posse da terra e de florestas no município. O STR e a paróquia de Porto deMoz, em documento intitulado “Dossiê: A questão agrária do município de Porto deMoz”, de 23 de maio de 2001,172 descrevem não apenas o “sistema de arrendamento”,mas também a grilagem dos madeireiros, descrevendo vários casos concretos. Esse dossiêdescreve com detalhes etapas do processo de grilagem e menciona casos exemplares: “Ocaminhoneiro é quem faz o recibo de compra e venda de madeira com os posseiros.Porém, espertamente, muitas vezes o madeireiro já inclui também o lote do posseiro,com recibo de compra e venda o que permitirá conseguir a escritura pública”.

Conforme esse documento, o caminhoneiro (proprietário dos equipamentos pesa-dos e dos caminhões utilizados para retirar a madeira) chega para abrir estrada e iniciara extração da madeira. Se auto-intitula “dono” do lote, retirando todas as espécies demadeira encontradas sem acordo ou consentimento do posseiro. Após assumir o domínioda área pela força, o madeireiro proíbe os ribeirinhos de caçar, pescar e extrair madeira desua posse. Para não perder tudo, o ribeirinho acaba aceitando a proposta e vende ouabandona a área. Há casos em que o ribeirinho torna-se peão do madeireiro, fiscalizando

171 Hebette, Jean e Moreira, Edma Silva. Estudo Sócio Econômico com vista à criação da Reserva Extrativista “Verdepara Sempre” no município de Porto de Moz, Estado do Pará, in: Processo Administrativo 02001.007795/01-91, decriação da RESEX “Verde para Sempre”, 2003, p. 20.172 Esse documento foi elaborado e encaminhado à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Grilagem de Terras naAmazônia, da Câmara dos Deputados.

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a área e impedindo a entrada de outros madeireiros. Na grande maioria das vezes, o ribei-rinho procura outra área para se instalar ou vai procurar emprego na cidade.

Segundo descrição do dossiê:

O madeireiro compra terras de posseiros com ou sem cadastro no INCRA, geralmente 100ha. A finalidade é somente usar a área como porto e para conseguir autorizações de exploraçãodo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) nofuturo. Pessoas (grileiros) são contratadas para demarcar as terras além da posse (fundos),através de picadões e trilhas. Posteriormente, um topógrafo trabalha na elaboração da plantatopográfica, mapa ou croqui de toda a área delimitada fora da posse. Com o recibo de comprae venda da posse o madeireiro consegue tirar a escritura da área no cartório de registro deimóveis. De alguma forma, toda a área (posse + área grilada) passa a ter documentos aptos aolicenciamento de atividades de exploração que são solicitados no IBAMA.173

Mesmo antes de obter o domínio total (via documentos cartoriais e/ou expulsãodos posseiros), o madeireiro passa a explorar a riqueza da floresta. De acordo com adescrição do referido dossiê:

A empresa [madeireira] faz um primeiro levantamento da área via aérea; uma pessoa contrata-da como rastreador identifica as espécies de interesse através das copas das árvores. Munidocom um aparelho GPS marca as coordenadas e ao final do trabalho tem os limites da área deinteresse. Com as coordenadas dos limites, o topógrafo demarca a área colocando placas eguardas (vigias). A empresa vai a um cartório de registro de imóveis, obtém um registro doimóvel, sendo comum não denominar a área ou ainda de quem foi adquirida e quem é oproprietário atual.

No processo de grilagem de terras públicas, o madeireiro ou fazendeiro, além dafalsificação dos documentos de “titularidade” da propriedade ou da posse, lança mão demeios violentos para expulsar os ribeirinhos das áreas que ocupam tradicionalmente. Éfreqüente a presença de pistoleiros nas casas dos ribeirinhos, constrangendo-os a deixa-rem suas terras, sob ameaça de destruir e queimar casas, de espancar e mesmo de matara família, etc. Vários são os depoimentos que comprovam esta prática pela região.

Um dos ribeirinhos mais ameaçados é Odair Matos de Lima e sua família, quemora na área denominada Fazendinha há 57 anos. Trata-se de uma área de duzentoshectares onde Odair nasceu, cresceu, casou e criou os filhos e netos. A área originaria-

173 Ainda segundo a descrição desse dossiê, “As posses de 100 hectares são compradas pelos madeireiros. Os documen-tos do INCRA servem para dar entrada no processo de desmatamento ou manejo no IBAMA. Contudo, a área passa aser explorada anualmente e muito além dos 100 ha. É possível que neste caso funcionários do INCRA e IBAMAparticipem do processo.”

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mente pertenceu à sua genitora, ocupada sempre de forma mansa e pacífica, sem qual-quer oposição. Ocorre que, há mais ou menos cinco anos, ficou surpreso ao saber que asua terra havia sido comprada pelo ex-prefeito Gerson Campos e sua mulher DilcileneTenório.174 Ele jamais alienou sua posse para quem quer que seja. Continuou a morarna área, sem que sua posse fosse turbada até que, em 1999, as coisas mudaram.

Inicialmente os “adquirentes” da área mandaram fazer um roçado gigantesco de160 alqueires, área que abrangia terras de onze (11) famílias. Esta derrubada atingiupraticamente toda a posse de Odair, com a derrubada da floresta, queima da madeira eplantio de pasto para gado.175 O capim foi semeado por meio de avião, indicando aextensão desta derrubada, destruição ambiental denunciada ao IBAMA.

O plantio do capim faz com que nenhuma outra cultura prospere, inviabilizandoa agricultura de subsistência praticada por Odair e sua família. Após a plantação docapim, os “compradores” colocaram umas 100 cabeças de gado na terra, que ficavamsoltos e invadiam todas as benfeitorias de Odair. Pisotearam e destruíram a casa defarinha, bem como as roças de um dos filhos. Posteriormente, os “adquirentes” manda-ram fazer cercas, esbulhando a posse do ribeirinho.

Essas ações consistem em esbulho possessório, pois o posseiro ficou impossibilita-do de trabalhar na própria terra. Já não mais havia onde plantar roça para alimentar asua família. Em virtude da índole eminentemente pacífica dos ribeirinhos e diante dagrandiosidade da violência, Odair não procurou a Justiça, passando a fazer sua roça nosfundos dos lotes de outros posseiros vizinhos.176

Desde o começo dos atos atentatórios à posse de Odair, o principal encarregado do trabalhoera Antilho Marcelino Leite, também conhecido por João Leite, que fazia ameaças constantesà família do posseiro. A simples presença de João Leite (sempre fortemente armado de revolvere espingarda) constituía ameaça, pois era conhecido como pistoleiro na região. Era o “homemde confiança” dos “compradores”, garantindo a execução de trabalhos sem qualquer resistên-cia. Durante os últimos cinco anos, Odair e família sofreram todo tipo de humilhação na suaprópria terra, patrocinada por João Leite e seus homens com o fito de expulsar a família daárea.

174 Um exemplo significativo de apropriação ilegal de terras, segundo relatos do referido dossiê, é o de DilceleneCampos (mulher de Gerson Campos, ex-prefeito de Porto de Moz de 1996 a 2003) que tem três glebas de mais de2.900 hectares cada. Segundo o registro de imóvel (cartório de Gurupá e levantamento cartorário no ITERPA). Estesimóveis foram “doados” pelo governo do Estado do Pará.175 No caso de Odair, essa derrubada destruiu 40 pés de cupuaçu, 20 pés de laranja, 15 pés de tangerina, 12 de pésmanga, 10 abacateiros, 10 de pupunha, 300 pés de abacaxi, 1.500 pés de açaí e 2 hectares de roças de mandiocamadura e 1 hectar de roça de mandioca verde.176 Passou a fazer roça em terras de Valdemir Barbosa e de membros da família Alencar (Sistino, Cintia, Douglas,Gerson e Maramaldo Alencar).

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Essa disputa, no entanto, teve um capítulo trágico, pois em confronto armado,Odair Matos de Lima teve que se defender e ceifou a vida de Antilho Marcelino Leite,que o ameaçava com um facão. Odair e sua esposa foram presos, conseguindo a liberda-de provisória após três meses de prisão.

Após suportar cinco anos de turbação e esbulho, perseguição, ameaças, insultos ehumilhações, perder roças, ser importunado diariamente, ter suas benfeitorias invadi-das pelo gado e quase ter perdido a vida, Odair, sua esposa e um filho acabaram envol-vidos na morte de um pistoleiro. Foram presos e processados e, em liberdade, não con-seguem tocar a vida normalmente, pois outros empregados dos “compradores” continu-am protagonizando ameaças e intimidação, desrespeitando os direitos possessórios deOdair impunemente.

Em 27 de outubro de 2004, a casa de Adamir Castro de Lima, filho de Odair,situada na localidade Mungumbal, próximo da Fazendinha, foi queimada. No dia 30,foi a vez de queimar a casa de forno e o curral do próprio Odair. Além disso, os esteiosda casa em construção de Odair foram quase completamente cerrados. Essa estruturafoi completamente inutilizada, estando prestes a desabar. Não há certezas sobre a auto-ria dos incêndios, mas foram atos criminosos e há notícias da presença de capangas dos“compradores” na área nos dias dos incidentes.

Segundo depoimento de Odair, em outro momento, as ameaças foram feitas coma presença e ajuda de soldados da Polícia Militar:177

(...) aproximadamente 08 ou 09h viram 4 policiais e o Antonio Cabeça Branca indo na dire-ção da maromba (curral suspenso usado na época da chuva), onde encontraram mais dois.Mais de hora depois de saírem da maromba chegaram na casa de farinha onde atearam fogo,e derrubaram uma casa já armada no machado. Derrubaram a maromba que tentaram tacarfogo mas não conseguiram. A casa do Jota, filho do seu Ada, que faltava apenas as telhasatoraram [serraram] o esteio também no machado. Lá pelas 16hs a polícia voltou para Portode Moz. Ficaram dois pistoleiros na maromba. No outro dia o capataz, Zé Maria, passou umrádio para o prefeito Gerson Campos e disse: “Quero falar com urgência com Gerson Cam-pos”. Em seguida, Gerson veio no rádio e perguntou o que Zé Maria queria. E o Zé disse:“Olha Gerson! Eu quero que mande pra mim como sem falta uma caixa de cartucho calibre12, que aqui tá um cara com medo, que tem um bando de queixada que vão me botar pracorrer”. No dia seguinte, chegou numa voadeira Zé Maria Pereira [outro Zé Maria] junto comAntonio Cabeça Branca.

De acordo com relato de Odair, sua família não foi expulsa das terras naquele diaporque, avisados pela esposa de um vizinho, começaram a chegar muitas pessoas dolocal. Cerca de 40 vizinhos ficaram de vigia o dia todo no local, impedindo a violênciados pistoleiros contra a família de ribeirinhos.

177 Relatos feitos durante depoimentos de Odair Matos de Lima (58 anos), Francisca Castro de Froes (53 anos) eAdamir Castro de Lima, em 13 de maio de 1005, à equipe da Justiça Global.

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Todos esses casos e ameaças são típicos e que repete uma velha prática comum naregião: primeiro, há uma transação de compra e venda, com um suposto proprietário,ignorando direitos possessórios do morador tradicional. Depois, através do uso da vio-lência o posseiro é expulso, sem qualquer indenização. Seus vínculos com aquele pedaçode terra onde morou e trabalhou a vida inteira e seus direitos são desrespeitados impu-nemente. O registro cartorário se sobrepõe à realidade do trabalho e relação com a terra,ou seja, é a primazia dos papéis, em sua maioria, falsificados.

2. A EXPLORAÇÃO MADEIREIRA NA REGIÃO

De acordo com o dossiê já mencionado, no período de 1974 a 1982, na região dePorto de Moz, “a relação comercial que predominava ainda era baseada em trocas(escambo), embora comecem a surgir alguns pequenos proprietários, como Foad (com-prador), Vieira (comprador, representante da Cia. Amazônia) e Varejão (comprador)”.

A madeira era extraída pelos trabalhadores diaristas e entregues aos compradorescomo forma de pagamento de dívidas com alimentos, roupas, combustível, ferramentas(uma forma de troca chamada escambo). Os compradores de madeira eram também osfornecedores dos produtos básicos à sobrevivência dos trabalhadores, aos quais não res-tavam opções que não cortar a madeira para quitar suas dívidas. Compravam produtosbásicos para sua sobrevivência, configurando um regime de trabalho escravo por dívida.

Esta exploração se dava às margens dos rios, pois a fartura de espécies tornava odesbravamento da mata fechada pouco atrativo economicamente.178 Segundo o dossiêcitado, “neste primeiro momento o que predominou na região foram ações de pequenasserrarias: Foad, Varejão e Vieira”. Quando a madeira nobre começou a se tornar escassanas margens, surgiu a necessidade de adentrar na mata.

O período compreendido entre os anos de 1982 a 1990 é conhecido como o se-gundo momento da exploração madeireira na região de Porto de Moz. Nesta etapasurgem “as madeireiras de porte médio, com mais recursos que permitiam a entrada demáquinas pesadas, caminhões, balsas, rebocadores, motosserra na floresta. Chegavam abuscar madeira até 5km mata adentro”.

A chegada destas madeireiras de médio porte trouxe conseqüências para os ribeiri-nhos e para o meio ambiente. A entrada na mata (expansão predatória) para exploração damadeira, além do evidente dano ambiental, acelerou o quadro de apropriação ilegal dasterras e afetou o modo de vida (baseado no extrativismo) das comunidades ribeirinhas.

A exploração de madeira foi também a estratégia utilizada para explorar outrosrecursos naturais e controlar grandes áreas, que se intensificou a partir de 1982. Ascomunidades ribeirinhas de Porto de Moz então começaram a ameaçadas pelos madei-reiros que chegavam vindos da região de Breves.

178 As principais espécies de madeira exploradas neste período eram a sucuruba, esponja, parapará, marupá, virola,cedro, freijó, sucupira, ucuuba, macacauba, moratinga, sumauma, assacuzeiro.

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Segundo Hebette e Moreira, uma das principais madeireiras, a Madenorte, “ini-ciou suas atividades na região faz 30 anos, na rica área florestal de Breves, hoje transfor-mada em pastagens” (p. 30). Atualmente, 90% da produção de madeira (compensadose laminados) da Madenorte é destinada à exportação.179 A migração das madeireiraspara Porto de Moz é uma das conseqüências da diminuição dos estoques de madeira degrandes centros produtores como os municípios de Breves, Portel, Paragominas eTailândia.

Conforme já mencionado anteriormente, o processo de exploração ilegal de ma-deira foi baseada na apropriação de terras com a falsificação de documentos cartoriais,na formação de quadrilhas, no uso de milícias armadas e pistoleiros para garantir terri-tórios. Esse processo deu poder aos madeireiros que passaram a ter também controlepolítico-administrativo do município.

Isso propiciou a ocupação de milhares de hectares de floresta, resultando em umaexploração ambientalmente predatória e socialmente insustentável. Boa parte dos planosde exploração e manejo aprovados pelo IBAMA ficava dentro de áreas de exploraçãocomunitária de ribeirinhos e posseiros, especialmente em áreas de posse de terras públicas.

Esse tipo de apropriação ilegal pode ser constatado através de qualquer fiscalização.Isso aconteceu com recentemente com uma fiscalização do IBAMA: “...Wagner Rogé-rio Lazarine: AUTEX [autorização de exploração] 1502200220062, com validade entre10/09/2002 a 10/09/2003, porém suspenso em 24/10/2003 por suspeita de documen-tos (do cartório de Gurupá) fraudulentos. Embargamos a área com 1.976,525 m3,perfazendo 723 toras de espécies diversas”.180 Até o fechamento deste relatório, nenhumresponsável por esta exploração ilegal foi efetivamente punido. Por outro lado, quandohá fiscalização e imposição de multa, esta nunca é paga, ocorrendo a prescrição adminis-trativa da mesma.

Segundo o IMAZON, grande parte dos detentores dos Planos de Manejo Flores-tais (PMF) não respeita a legislação e muitos estão localizados em áreas de floresta que,na verdade, são terras públicas. De acordo com avaliação inicial do IBAMA em 2003,cerca de 80% de todos os PMFs do Pará foram autorizados de forma inapropriada emterras públicas. Conseqüentemente, a madeira que sai desses planos, ainda que autori-zada pelo órgão governamental responsável, é tecnicamente ilegal.181

179 Área da Madenorte em Porto de Moz está ‘reservada para a reserva’ , 20-11-2003 — Porto de Moz (PA), http://www.greenpeace.org.br/amazonia/?conteudo_id=940&sub_campanha=0&PHPSESSID=fdd0b7381f21bee49d432556f9c6c689.180 Informações extraídas do relatório de viagem de José Geraldo Brandão, Analista Ambiental do IBAMA de Santarém,datado de 2/7/2003.181 Relatório Pará — Estado de Conflito, uma investigação sobre grileiros, madeireiros e fronteiras sem lei do Estadodo Pará, na Amazônia, disponível no site www.greenpeace.org.br, acessado em 13 de julho de 2005.

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Segundo informações do IBAMA, apenas no município de Porto de Moz, 34 em-presas controlavam aproximadamente 105.893,66 hectares e protocolaram junto aoórgão, em 2003, solicitações de autorização para retirar da floresta mais de 1,2 milhõesde m³ de madeira. Todas as empresas com atuação na extração de madeira no municípioapresentam algum indício de irregularidades ou fraude nos documentos fundiários.

3. A LUTA PELA PRESERVAÇÃO AMBIENTAL

No momento em que a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva viajava, com suacomitiva, em direção ao local onde seria realizada a primeira assembléia dos moradoresda RESEX Verde para Sempre, irmã Dorothy era assassinada por dois homens no inte-rior do município de Anapu. Aproximadamente 250km separavam Dorothy e Marina,que se reunia com lideranças e comunidades ribeirinhas na Comunidade dos Carmelino,no Rio Jaurucu, Porto de Moz.

Desde a década de 80, as comunidades ribeirinhas, ao longo dos rios e lagos de Portode Moz, manifestavam e denunciavam a chegada das grandes geleiras vindas de Belém eMacapá para retirar quantidades enormes de peixes daquela região. Depois, com a chega-da das madeireiras, as áreas e florestas de uso coletivo das comunidades começaram a serameaçadas pela exploração predatória. Várias tentativas de oficializar e legalizar estas áreascomunitárias, impedindo o acesso de madeireiros, foram infrutíferas.

A luta pela preservação dos recursos naturais é realizada, há muito tempo, pelaspopulações ribeirinhas, inclusive por uma questão de sobrevivência, e tem contado comimportantes atos e mobilizações. A criação da RESEX Verde Para Sempre foi uma vitó-ria para a preservação do seu modo de vida, resultado de uma mobilização ousada como bloqueio do Rio Jaurucu.

Segundo relato de Idalino Nunes de Assis, presidente do STR de Porto de Moz, aineficiência do IBAMA para apurar as inúmeras denuncias feitas pelos ribeirinhos e porlideranças comunitárias levou os moradores a realizar um protesto de grandes propor-ções. O objetivo era chamar a atenção de autoridades nacionais e internacionais para adestruição ambiental no município. Optaram, portanto, pelo bloqueio do Rio Jaurucu,principal via de escoamento da madeira da região.

O bloqueio durou três dias e teve a participação de cerca de 600 ribeirinhos que,com suas pequenas embarcações, fizeram uma barreira para impedir a passagem debalsas transportando madeira. Este ato culminou com a retenção de duas balsas carrega-das de toras extraídas ilegalmente, as quais foram autuadas pelo IBAMA. Idalino relataque o protesto serviu “para mostrar para o mundo que estavam falando a verdade equem está mentindo é o governo, através do IBAMA. Resolveram fechar o rio e nãodeixar que nenhum madeireiro e grileiro passasse por lá”.182

182 Depoimento dado por Idalino Nunes, presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Porto de Moz para aequipe da Justiça Global, em 18 de maio de 2005, na cidade de Belém, Pará.

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Outra liderança, o pe. Adernei Guemaque Leal, afirma que a realização deste blo-queio foi importante por chamar a atenção da sociedade para a exploração ilegal damadeira. Foi importante também pois mobilizou as comunidades ribeirinhas que rei-vindicam seus direitos de “viver sua vida como ribeirinho, como quem vive do rio, damata, da terra”.183 Afirma ainda que o

(...) bloqueio foi a reafirmação de nossa identidade como ribeirinho; [a reafirmação do] direitode viver nas terras do ribeirinho, do seu modo de vida, modo de se relacionar com a mata. Oribeirinho sempre respeitou a natureza, o meio ambiente; sempre respeitou o rio; tem umrelacionamento amoroso. A água é parte dele, a mata é parte dele. Uma volta a nossa identida-de, nossas origens nesse relacionamento com a terra, água, mata.

Segundo relata Idalino, o bloqueio teve início no dia 19 de setembro de 2002 aoamanhecer e a única pessoa que furou o bloqueio foi Rivaldo Campos.184 Na tarde dodia 20, aproximaram-se do bloqueio duas balsas, uma era pilotada por André Campos,irmão de Rivaldo e Gerson Campos.

Na madrugada do dia 20 para 21 de setembro, as balsas foram soltas e ameaçavampassar por cima das 600 pessoas e dos 80 barcos que faziam o bloqueio. Foi um momen-to de tensão e desespero, pois ali estavam mulheres, idosos e crianças. A força das balsasfoi tanta que chegou a quebrar a polpa de alguns barcos. Os ribeirinhos e o pessoal deapoio acordaram a tempo de evitar uma tragédia e uma lancha do Greenpeace conse-guiu deter as balsas.

Em Porto de Moz havia um pequeno grupo de madeireiros e vereadores que insu-flavam o povo contra os integrantes do bloqueio do rio, inclusive incentivando o uso daviolência. Com o passar do tempo, o número de pessoas lideradas por madeireiros epolíticos contrários à RESEX foi aumentando, que utilizaram a rádio local para convo-car a população contra o bloqueio. No final do dia 22 de setembro, concentraram-se nafrente da cidade para esperar o retorno das lideranças e dos participantes do bloqueio.

Cláudio Wilson Soares Barbosa, então coordenador do Comitê de Desenvolvi-mento Sustentável de Porto de Moz, ao chegar no cais do porto foi agredido fisicamentee por pouco não foi assassinado. Ele foi arrancado da lancha do STR, que foi depredadae queimada. Mais tarde, a multidão voltou a se concentrar no porto ao avistar a lanchada paróquia, gritando contra o padre. No entanto, por medida de segurança, este haviavoltado em outra lancha e ancorado em local diferente do costumeiro, permanecendoescondido na casa de amigos.

183 Depoimento dado por Padre Adernei Guemaque, CPT-Xingu, para a equipe da Justiça Global, em 18 de maio de2005, na cidade de Belém.184 Rivaldo Campos é o atual presidente da Câmara de Vereadores de Porto de Moz e irmão do ex-prefeito GersonCampos, membro do Grupo Campos.

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No aeroporto, chegaram a agredir uma jornalista da Rede Record de São Paulo,destruindo seu equipamento de trabalho com todas imagens que havia colhido nos trêsdias de protesto. Testemunhas afirmam que o então prefeito Gerson Campos estavapresente, incentivando a agressão. A maior parte dos lideres que participaram do blo-queio (vários já vinham sendo ameaçadas) não retornaram à cidade.

Todas as lideranças que participaram do bloqueio foram processadas criminalmen-te pelo Ministério Público Estadual da Comarca de Porto de Moz.185 Este processo já foiinstruído, estando na fase das alegações finais. O comandante da balsa que atentoucontra a vida dos ribeirinhos também foi processado por tentativa de homicídio, mas asentença ainda não foi proferida. O bloqueio gerou outros procedimentos como TermoCircunstanciado de Ocorrência e Ação de Indenização por danos materiais e morais emdecorrência da queima da lancha do STR, mas nenhum processo ainda chegou ao final.

O IBAMA, ao chegar de Santarém durante o bloqueio, constatou que a madeiraera ilegal. André Campos disse que esta teria sido extraída do projeto do MadeireiroBiancardi, mas este Plano de Manejo não existia. Esta madeira foi apreendida (mais de100 toras) e foi levada para a cidade. No entanto, como não houve a devida fiscalização,esta foi serrada e vendida impunemente pelo Grupo Campos.

Segundo Moreira, as ações das organizações populares186 são “respostas das popula-ções aos mecanismos de ameaça a sua permanência no local em melhores condições devida” (p.59). Lutaram pela criação da RESEX “Verde Para Sempre” como uma forma depromover o uso sustentável dos recursos naturais da região e barrar a destruição dafloresta amazônica.

O bloqueio do Rio Jaurucu foi um passo ousado e de grande repercussão na histó-rica luta das comunidades de Porto de Moz. A criação de uma Reserva Extrativista,garantindo o uso sustentável dos recursos naturais e barrando a depredação feita pelosmadeireiros, foi o coroamento de uma longa história de luta.

5. A CRIAÇÃO DA RESEX VERDE PARA SEMPRE

A Reserva Extrativista Verde Para Sempre foi criada187 pelo Decreto de 08 de de-zembro de 2004 e fica situada no município de Porto de Moz. É hoje a maior reservaextrativista do país, abrangendo uma área total de mais de 1,3 milhões de hectares. Da

185 Foram enquadradas no artigo 261 do Código Penal, que versa sobre atentado contra a segurança de transportemarítimo, fluvial ou aéreo, e prevê pena de dois a cinco anos de reclusão.186 As lutas pela preservação dos recursos naturais vêm sendo organizadas pelo Sindicato dos Trabalhares Rurais (STR),Comitê de Desenvolvimento Sustentável de Porto de Moz, Comissão Pastoral da Terra (CPT), Associação de Pescado-res Artesanais, Colônia de Pescadores de Porto de Moz, Associação de Mulheres Campo-Cidade e as AssociaçõesRurais Comunitárias.187 A criação de Reservas Extrativistas está prevista na Lei 9.985, de 18 de julho de 2000, que regulamenta o art. 225,§ 1o, incisos I, II, III e VII da Constituição Federal. O Decreto 4.340, de 22 de agosto de 2002 regulamenta os arts.22, 24, 25, 26, 27, 29, 30, 33, 36, 41, 42, 47, 48 e 55 da Lei no 9.985, de 18 de julho de 2000, bem como os arts. 15,17, 18 e 20, no que concerne aos conselhos das unidades de conservação.

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abertura do Processo Administrativo188 à edição do Decreto decorreram cerca de trêsanos, mas a luta é bem mais antiga.

A omissão e a conivência dos órgãos públicos responsáveis obrigaram as comunida-des a se organizarem e adotarem medidas como a demarcação de suas áreas. De acordocom Maria Creusa Gama Ribeiro,189 uma das coordenadoras do Comitê de Desenvolvi-mento Sustentável de Porto de Moz surgiram “9 áreas comunitárias discutidas pelascomunidades e demarcas pelas mesmas. Formaram-se associações para administrar aáreas”.190 Estas áreas não são reconhecidas pelo Estado, assim como seu surgimento econtinuidade são resultados exclusivamente da capacidade de mobilização e organizaçãodas comunidades, que buscam garantir sua permanência no local e preservar seu modode vida extrativista.

Em 1994, foi realizado o I Seminário dos Recursos Naturais que contou com aparticipação de pessoas do STR, paróquia, Associação de Pescadores Artesanais e Parti-do dos Trabalhadores. Neste seminário, a partir do contato com diversos movimentossociais e entidades de direitos humanos, tais como o Movimento pelo Desenvolvimentoda Transamazônica e Xingu (MDTX), foi criado o Comitê dos Recursos Naturais como objetivo de articular os diversos movimentos e entidades na representação dos direitosdas comunidades ribeirinhas.191

Durante a realização destes seminários surge a idéia da criação de uma reservaextrativista (RESEX), como uma alternativa para frear o processo de degradação ambi-ental, a grilagem e a apropriações ilegais de terras e a expulsão das comunidades tradici-onais de suas áreas. Foram, portanto, os movimentos sociais, a partir de um longo e ricoprocesso de estudo, discussão e conscientização, que protagonizaram a criação da RESEXVerde Para Sempre.

Na audiência de 12 de fevereiro de 2005 (que contou com a presença da ministrado Meio Ambiente, Marina Silva), o governo federal apresentou para a população ascaracterísticas e especificidades referentes às reservas extrativistas. Houve uma grandearticulação dos fazendeiros e madeireiros locais no sentido de desmobilizar a comunida-de. Apesar dessa manobra, a população manteve a decisão a favor da criação da RESEXe foi iniciado processo para a sua implementação.

188 Processo Administrativo 02001.007795/01-91, em 31 de outubro de 2001.189 Todos os depoimentos foram tomados pela equipe da Justiça Global, em 13 de maio de 2005, no Comitê deDesenvolvimento Sustentável de Porto de Moz.190 As chamadas áreas comunitárias são decididas e delimitadas pelas próprias comunidades, sem força de lei, comotentativas de preservação da floresta, decorrente da presença de madeireiros.191 Este Comitê posteriormente adquire personalidade jurídica e passa a se denominar Comitê de DesenvolvimentoSustentável de Porto de Moz, sendo formado por todas as Associações de moradores, Colônias de pescadores, Paróquia,STR, grupos de jovens e outras entidades.

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O primeiro passo foi a criação de uma Comissão Provisória, constituída por repre-sentantes das comunidades, para gerir a RESEX durante o período de um ano. Aindanesta reunião foram feitas algumas promessas e encaminhamentos por parte do Minis-tério do Meio Ambiente, dentre os quais destacam-se: a) a chamada operação de “lim-peza” das áreas, que consiste na retirada dos fazendeiros, madeireiros e grileiros, naanulação dos registros obtidos de maneira ilegal e na desapropriação das áreas comtítulos legais; b) a realização de um cadastramento das famílias ribeirinhas; c) a demar-cação da área da reserva; d) a liberação de R$ 22.000.000,00 (vinte e dois milhões dereais), via PRONAF, para serem distribuídos entre as famílias assentadas, com objetivode subsidiar a construção das casas e financiar a primeira lavoura; e) a construção de umposto para permanência da Polícia Federal e do IBAMA no município; f ) a realização deum mutirão de ação de cidadania, a ser realizado por uma equipe da Sala do Cidadão(INCRA) para emissão de documentos aos trabalhadores ribeirinhos.

Ocorre que, até o final do mês de junho, poucas providências foram adotadas nosentido de operacionalizar o planejamento prometido. Sequer o cadastramento das fa-mílias foi realizado. Mesmo assim, a criação da RESEX é uma importante vitória para apreservação do meio ambiente amazônico.

De acordo com os termos da Lei 9.985, de 2000, as reservas extrativistas são áreasutilizadas “por populações extrativistas tradicionais, cuja subsistência baseia-se noextrativismo e, complementarmente, na agricultura de subsistência e na criação de ani-mais de pequeno porte, e tem como objetivos básicos proteger os meios de vida e a culturadessas populações, e assegurar o uso sustentável dos recursos naturais da unidade”.

É importante ressaltar que as áreas de reservas extrativistas são de domínio público,sendo apenas seu uso concedido às populações tradicionais. De acordo com a lei (art.18), a “exploração comercial de recursos madeireiros só será admitida em bases susten-táveis e em situações especiais e complementares às demais atividades desenvolvidas naReserva Extrativista, conforme o disposto em regulamento e no Plano de Manejo daunidade”.

Diante desta nova realidade, os trabalhadores de Porto de Moz passam a reivindi-car a implementação de políticas públicas capazes não só de garantir a preservação domeio ambiente, como também destinadas à regularização fundiária, para propiciar apermanência das comunidades tradicionais na região.

Por outro lado, as principais preocupações dos trabalhadores referem-se à conti-nuidade do desmatamento ilegal e das ameaças e violência contra os posseiros comobjetivo de intimidá-los e de expulsá-los das áreas. Os madeireiros e grileiros continuaminconformados com a criação da RESEX, anunciando publicamente que manterão seusesforços para reverter o processo de implementação da reserva.

Em 8 de março de 2005, foi protocolado no Supremo Tribunal Federal (STF) umMandado de Segurança (nº 25.284) por Davi Resende Soares e outros contra ato dopresidente da República, buscando sustar os efeitos do decreto de criação da reserva, ou

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seja, suspender a criação da RESEX. Em 07 de julho de 2005, a liminar que favoreceriafazendeiros e madeireiros contrários a RESEX foi indeferida.192

A criação da RESEX Verde Para Sempre surge como uma alternativa de projeto dedesenvolvimento sustentável para a região. A transformação das áreas em reservaextrativista foi a forma encontrada pelos ribeirinhos para tentar coibir a apropriaçãoilegal das terras — posto que a legislação determina que a propriedade da terra quecompõe uma RESEX permanece sob domínio público, bem como de acabar com aexploração predatória da madeira — ante a proibição legal de exploração econômica damadeira.

6. DEFENSORES DE DIREITOS HUMANOS: LUTAS E AMEAÇAS

A luta das comunidades e lideranças de Porto de Moz e os avanços e conquistas,significativas na consolidação dos direitos do povo ribeirinho, contrariam os interessesdos grandes grupos econômicos. As ações e resistências das comunidades se tornamobstáculos à concretização de seus projetos de exploração predatória e insustentável dosrecursos naturais.

Isso gera reações por parte dos fazendeiros e madeireiros que não hesitam em lan-çar mão de meios violentos para conter o avanço da luta popular e proteger seus interes-ses. Nessa disputa pelos recursos naturais, há a omissão, ineficiência ou até mesmoconivência do Poder Público com o interesse destes grupos econômicos, deixando ascomunidades e suas lideranças à mercê da própria sorte. Ficam vulneráveis à ação dosmadeireiros e até mesmo de órgãos públicos como, por exemplo, da polícia, usadoscomo instrumentos de violência.

Exemplo ilustrativo é a já mencionada Ação Penal, movido pelo Ministério Publi-co Estadual, contra doze lideranças que participaram do bloqueio do Rio Jaurucu. Aatuação do Ministério Público neste caso — cuja função constitucional é defender asociedade e zelar pela preservação do meio ambiente — foi canalizada para criminalizara luta das organizações comunitárias. A tentativa de fazer aquilo que é função do PoderPúblico: garantir um meio ambiente ecologicamente equilibrado para as presentes efuturas gerações (art. 225 CF), virou um “crime”.

Os defensores de direitos humanos lutam cotidianamente contra a violência e con-tra a degradação ambiental, praticada pelos grupos de grileiros e madeireiros presentesem Porto de Moz. Esse trabalho em prol da sustentabilidade da vida ribeirinha faz comque os defensores estejam expostos a toda sorte de represálias e violações de direitoshumanos, em especial sendo vítimas de violências físicas e morais. As lideranças e traba-lhadores ribeirinhos, freqüentemente, recebem ameaças e constrangimentos de diversostipos. Além dos conflitos já relacionados anteriormente, ocorrem também ameaças demorte tentativa de intimidação e agressão direta as principais lideranças locais.

192 Acompanhamento processual pelo site do Supremo Tribunal Federal em 15 de julho de 2005. http://www.stf.gov.br/processos/processo.asp?PROCESSO=25284&CLASSE=MS&ORIGEM=AP&RECURSO=0&TIP_JULGAMENTO=M.

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O presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Porto de Moz (STR), IdalinoNunes de Assis, em decorrência de sua atividade como líder sindical, já recebeu váriostelefonemas com ameaças de morte. Ficou sabendo certa vez de uma proposta de R$10.000,00 (dez mil reais), feita a José Orlando da Silva para eliminar a sua vida. Quan-do soube disso, Idalino foi obrigado a se retirar da cidade por uns dias. Letrízia FróesDuarte, secretária do STR, também vem recebendo sistemáticas ameaças de morte.

No dia 21 de setembro de 2002, Cláudio Wilson Barbosa, coordenador do Comitêde Desenvolvimento Sustentável de Porto de Moz foi violentamente agredido e espan-cado por 14 pessoas.193 Além de ter sido espancado no último dia de bloqueio do RioJaurucu, Cláudio,194 também já recebeu outras ameaças de morte.

Padre Aderney Guemaque Leal,195 membro da Comissão Pastoral da Terra da Prelaziado Xingu, também sofreu ameaça de linchamento por ocasião do bloqueio do rio epermaneceu na cidade sob forte esquema de segurança feito pelos próprios moradoreslocais.

CONCLUSÃO

Até o momento, o marco legal e a garantia da execução de políticas em uma unida-de de conservação ainda não foram estabelecidos pelo governo federal. O plano demanejo ou de uso da RESEX Verde Para Sempre, previsto na Legislação brasileira, aindanão foi operacionalizado.

Outras comunidades ficaram fora da RESEX Verde para Sempre e passaram a seralvos da exploração criminosa de madeireiras. Essas comunidades continuam sem qual-quer proteção dos governos federal e estadual que, simplesmente, abandonaram essascomunidades a própria sorte.

Por outro lado, as multas aplicadas nos casos de violação da legislação ambiental eas ações de recuperação da floresta que deveriam ser pagas pelos infratores até agora nãoforam concretizadas. O resultado é, mais uma vez, impunidade e conivência dos pode-res públicos com a devastação. Essa impunidade, há décadas, se estabeleceu na região eainda impera. No entanto, as comunidades ribeirinhas, mesmo comemorando a vitóriana criação da RESEX, resistem e lutam para preservar o meio ambiente e garantir osdireitos humanos naquela região.

193 Algumas dessas pessoas foram: Mara Varejão, Haroldo Santana, Valdo Tenório (vereador), Fátima Nogueira (vereadora)e seu filho Fernando, Helena Varejão, Braz Duarte (funcionário da prefeitura), Babal, Berg Campos (sobrinho do prefeitoGerson Campos), Faraday Varejão, Edinaldo Tenório, Nildo Pontes, Ivair Pontes e Rivaldo Campos (vereador).194 Carta, 27 de setembro de 2003, de entidades que atuavam pela criação da Reserva Extrativista “Verde para Sempre”e depoimentos da Ação de Indenização por Danos Morais e Materiais (no 001/2003), movida pelo STR e CláudioWilson Barbosa.195 Depoimento do Padre Adernei (CPT Xingu) para a equipe da Justiça Global, em 18 de maio de 2005, na cidade deBelém.

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Este relatório é mais que uma descrição de acontecimentos marcantes na vida e naluta dos trabalhadores e demais defensores de direitos humanos no Pará. Não quer

ser uma mera análise dos acontecimentos, mas indo além demarcar terreno das respon-sabilidades, especialmente dos poderes públicos encarregados de realizar as políticas dereparação, proteção e promoção dos direitos humanos. Isso sem perder de vista os atorespúblicos e privados que violam sistematicamente os direitos humanos, econômicos,sociais, culturais e ambientais das populações amazônidas.

Esse rol de recomendações tem a finalidade de estabelecer, de forma transparente,estas responsabilidades para que as organizações, entidades e movimentos sociais pos-sam estabelecer mecanismos de monitoramento persistentes. O objetivo é enfrentar osproblemas dos trabalhadores e buscar a efetivação dos direitos humanos, construindocidadania.

Este relatório é um memorial onde cada órgão governamental terá suas atribuiçõesespecificadas para que possam ser devidamente cobradas. Ataca-se, assim, a falta dememória de quem promete e não cumpre, explicitando atores e obstáculos que impe-dem a implementação das políticas públicas.

1. RECOMENDAÇÕES CONTRA A VIOLÊNCIA E A IMPUNIDADE

� Considerar a enorme quantidade de assassinatos, denúncias de pessoas desaparecidas,existência de cemitérios clandestinos e, considerando ainda que quase todos os casospermanecem sem solução, que seja realizada uma operação pela Polícia Federal comobjetivo de averiguar as denúncias de violações de direitos humanos contidas nesterelatório (Ministérios Público Federal e Estadual, Polícia Civil/SESP, Ministério daJustiça/Polícia Federal).

� Cumprir, imediatamente, todos os mandados de prisão decretados contra pistoleiros efazendeiros (Poder Judiciário, Ministério Público, Polícia Civil do Pará e Polícia Fe-deral).

� Investigar todos os casos de ameaças, tentativas e assassinatos de trabalhadores rurais,lideranças e demais defensores dos direitos humanos na região (Ministério Público

Capítulo VIII

RECOMENDAÇÕES PARA

O ESTADO DO PARÁ

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Estadual e Polícia Civil do Pará), inclusive com a participação efetiva e direta doMinistério Público e da Polícia Federal.

� Efetivar investigação administrativa e criminal sobre todos os casos de denúncia deabuso de autoridade e tortura realizada por agentes do Estado, tais como delegados depolícia e policiais militares.

� Acelerar as investigações das ações penais em curso que apuram o assassinato de traba-lhadores e lideranças e a realização dos júris para a responsabilização dos acusados(Ministério Público do Pará e Poder Judiciário do Pará).

� Retirar, imediatamente, os fazendeiros, denunciados como fraudadores de recursos daSUDAM, que ainda estão presentes em lotes designados para implantação do Projetode Desenvolvimento Agrário (PDS), em Anapú como, por exemplo, em 13 de junhode 2005, Laudelino Délio Fernandes permanecia nos lotes 56 e 58, apesar de todas asdenúncias de grilagem.

2. RECOMENDAÇÕES SOBRE TRABALHO ESCRAVO

� Aprovar, imediatamente, a Proposta de Emenda Constitucional nº 438/2001 queprevê a expropriação de terras onde forem encontrados trabalhadores submetidos acondições análogas à de escravo.

� Aprovar, imediatamente, o Projeto de Lei nº 2022/1996 que dispõe sobre as vedaçõesà formalização de contratos com órgãos e entidades da administração pública e àparticipação em licitações por eles promovidas às empresas que, direta ou indireta-mente, utilizem trabalho escravo na produção de bens e serviços.

� Criar Procuradorias da República e Defensorias Públicas da União nos municípios deSão Félix do Xingu, Xinguara, Conceição do Araguaia e Redenção no Estado do Pará.

� Ampliar as Varas do Trabalho do Pará para os municípios do interior do Estado,sobretudo as cidades de Santana do Araguaia, Xinguara, São Félix do Xingu.

� Realizar, imediatamente, concurso público para a vaga de juiz titular na Vara doTrabalho de Redenção.

� Criar Delegacias Federais nos municípios de São Félix do Xingu e Tucuruí.� Disponibilizar, permanente e exclusivamente, 60 agentes e 12 delegados federais para

ações de combate ao trabalho escravo nos municípios do interior do Estado do Pará.� Aprovar a resolução do Conselho Monetário Nacional para proibir a concessão de

créditos de instituições financeiras públicas e privadas a empresas e fazendeiros queutilizam trabalho escravo, tendo por base a lista elaborada pelo Ministério do Traba-lho e Emprego.

� Realizar ampla campanha de divulgação da cadeia produtiva de produtos oriundos dotrabalho escravo, com alerta às empresas, que consomem direta ou indiretamenteestes produtos, sob pena de ter exposição de seu nome vinculado ao trabalho escravo.

3. RECOMENDAÇÃO PARA A PROTEÇÃO DOS DEFENSORES DE DIREITOS HUMANOS

� Formular uma política de proteção que possibilite a garantia de segurança a todos osdefensores de direitos humanos;

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� Facilitar o acesso dos defensores aos mecanismos de segurança pública, garantidas asespecificidades de cada situação;

� Possibilitar que a segurança policial seja realizada por agentes federais ou de outrasregiões ou estados.

� Estabelecer a proteção imediata à vida dos defensores de direitos humanos na regiãoda RESEX “Verde para Sempre”, do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Rondondo Pará; agentes de pastoral, sindicalistas, lideranças de associações e técnicos e asses-sores dos trabalhadores de Anapu (Coordenação Estadual do Programa de Defensoresde Direitos Humanos do Pará; Coordenação do Programa Nacional de DDH -SEDH-PR, delegacias de polícia, Ministério Público, SEDH/PR, PF).

� Prever, no Plano Nacional de Reforma Agrária, ações específicas e emergenciais paraas áreas marcadas por conflitos fundiários (MDA, INCRA, Ouvidoria Agrária Nacio-nal, ITERPA).

4. RECOMENDAÇÕES PARA REFORMA AGRÁRIA

� Arrecadar todas as áreas públicas griladas ou incorporadas ilegalmente, destinando-aspara o programa de reforma agrária (INCRA/MDA e ITERPA).

� Realizar seminários e consultas públicas junto aos trabalhadores rurais acampados,estabelecendo as melhores regiões para a efetivação dos assentamentos de reformaagrária (INCRA/MDA).

� Garantir recursos necessários para o cumprimento das metas previstas no II PlanoNacional de Reforma Agrária, inclusive suplementar o orçamento do Ministério doDesenvolvimento Agrário (MDA) para que sejam garantidas as metas e mantidas asações voltadas à regularização fundiária.

� Proceder à regularização fundiária de todas as posses até 100 hectares no Estado doPará, destinando créditos de investimento e custeio para os posseiros (INCRA/MDA).

� Criar mecanismos administrativos que permitam maior atuação conjunta entre oINCRA e o ITERPA para arrecadação de terras, desapropriação e criação de Projetosde Assentamento (INCRA/ITERPA).

� Concluir os processos de desapropriações dos imóveis improdutivos, reivindicados ouocupados, por mais de 20 mil famílias sem-terra no Estado do Pará (INCRA, MDA,Procuradoria da República e Justiça Federal).

� Formar uma comissão, chefiada pelo Procurador Federal do INCRA, para averiguar asituação e apurar responsabilidades, pelo emperramento de dezenas de processos ad-ministrativos de desapropriação na superintendência do INCRA de Marabá (INCRA,MDA, ONGs).

4.1. RECOMENDAÇÕES PARA RONDON DO PARÁ, CASTELO DOS SONHOS E ANAPU

� Melhorar as condições dos assentamentos de Rondon do Pará, principalmente no quetange à manutenção de estradas, construção de escolas e postos de saúde, além degarantia de assistência técnica aos assentados.

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� Acelerar os processos administrativos de desapropriação pelo INCRA e MDA dosimóveis ocupados por trabalhadores em Rondon do Pará.

� Assentar todas as famílias cadastradas pelos STR e todas as famílias acampadas, espe-cialmente as famílias sem-terra acampadas às margens da BR-163, no AcampamentoBrasília (Castelo dos Sonhos).

� Adotar medidas urgentes para vistoriar e, conseqüentemente, desapropriar todas aspropriedades que não cumprem sua função social, seja pela improdutividade, sejapela violação às legislações ambientais ou trabalhistas (INCRA/MDA).

� Implementar, imediatamente, as propostas anunciadas em reunião realizada no muni-cípio de Anapu, em 25 de fevereiro de 2005, pelo ministro do DesenvolvimentoAgrário, Miguel Rosseto como, por exemplo, o georreferenciamento de 22 lotes loca-lizados nos PDS e a desapropriação das áreas; realização operação de fiscalização con-junta com IBAMA e Delegacia Regional do Trabalho; realização, pelos técnicos doINCRA, de vistoria e notificação imediata das referidas áreas, acompanhados peloIBAMA para autuação dos ilícitos ambientais.

� Apreciar e julgar, em caráter de urgência, as ações ajuizadas pelo INCRA junto àJustiça Federal, com objetivo de reaver o domínio das áreas públicas que se encon-tram na posse ilegal de grileiros, fazendeiros e madeireiros do município de Anapu.

� Conceder a imissão de posse ao INCRA em relação aos lotes 109, 111, 124, 126, 127,128, 131, 134, 135, 137, 177 e 179, localizados no PDS Virola Jatobá, que segundoinformações dos trabalhadores e técnicos agrícolas entrevistados já foram devidamen-te vistoriados.

� Assentar, imediatamente, todas as famílias cadastradas que se encontram na GlebaManduacari e nos PDS Esperança e Virola Jatobá, do município de Anapu.

� Divulgar os relatórios de resultados das ações implementadas pelo INCRA no muni-cípio de Anapu.

5. RECOMENDAÇÕES PARA COMBATER A GRILAGEM� Cancelar, imediatamente, os registros irregulares de terras griladas (INCRA/MDA,

ITERPA).� Anular todos os títulos e certidões de imóveis rurais com mais de 2.500 hectares,

adquiridas em desacordo com a previsão constitucional (INCRA/MDA).� Publicar os processos administrativos decorrentes da Portaria 558/99 e divulgar os

imóveis que não atenderam à Portaria (INCRA/MDA).� Implantar, imediatamente, o Sistema Público de Registro de Terras (cada declaração

deverá ser acompanhada de memorial descritivo, coordenadas dos vértices definidoresde limites dos imóveis rurais, georreferenciados no Sistema Geodésico Brasileiro, pre-visto na Lei 10.267 e regulamentado pelo Decreto 4.449) — INCRA/MDA.

� Realizar, imediatamente, a correição no Cartório de Registros de Imóveis da Comarcade Rondon do Pará (Corregedoria de Justiça do TJ Pará).

� Adotar, considerando as diversas denúncias de grilagem de terras públicas,medidasurgentes no sentido de georreferenciar, identificar e vistoriar os imóveis rurais locali-zados em Castelo dos Sonhos.

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� Descredenciar os proprietários de terras envolvidos em crimes contra trabalhadoresrurais, ambientais, trabalho escravo e grilagem dos programas oficiais de financia-mento.

5.1. RECOMENDAÇÕES ESPECÍFICAS PARA ANAPU

� Ajuizar ação de reintegração de posse pelo INCRA, bem como sejam adotadas outrasmedidas cabíveis para retirada efetiva do grileiro do lote 55.196

� Adotar medidas cabíveis para retirada dos grileiros do lotes 108 (PDS Virola Jatobá —Gleba Belo Monte), dos lotes 56, 58, 61 e 62 (PDS Esperança), dos lotes 21, 23, 25e 27 e das demais áreas destinadas aos PDS.

� Investigar as denúncias de todas as pessoas envolvidas com a grilagem de terras públi-cas no município de Anapu, responsabilizando criminalmente e retirando os mesmosdas respectivas posses ilegais.197

� Divulgar os relatórios de resultados das ações implementadas pelo INCRA no muni-cípio de Anapu.

� Investigar as denúncias de todas as pessoas envolvidas com grilagem de terras nodistrito de Castelo dos Sonhos, município de Altamira, responsabilizando-as e reti-rando-as das respectivas posses ilegais.198

5.2. RECOMENDAÇÕES ESPECÍFICAS DE RONDON DO PARÁ

� Ajuizar ações competentes (INCRA ou ITERPA conforme o caso) para retomar asterras públicas que tiveram seus cadastros cancelados, especialmente das FazendasSerraria Jerusalém Ltda, Santa Cruz, Bela Vista, Jucamarhe, Pantanal, Coração doBrasil, Garrafão, Futuro e Graciosa.

� Agilizar os procedimentos administrativos de fiscalização cadastral das propriedadeslocalizadas em Rondon do Pará.

196 Conforme relatório institucional sobre ações realizadas pelo INCRA nos PDS do município de Anapu, após oassassinato da irmã Dorothy Stang a Justiça Federal de Marabá concedeu 3 (três) imissões de posse em favor doINCRA, especificamente os lotes 108 e 129 do PDS Virola Jatobá — Gleba Belo Monte e o lote 55 do PDS Esperança— Gleba Bacajá. Todavia, segundo depoimentos dos trabalhadores o lote 108, apesar de liberado, continua em possedo grileiro conhecido como Gilberto.197 Segundo informações, os principais grileiros de Anapu são: 1) no PDS Esperança: Avelino Dedea (lote 29); LaudelinoDélio Fernandes (lotes 52, 56 e 58); Dominguinhos; Ricardo (lote 57); Luis Ungaratti (lote 53); Julio César, EmpresaBrasil Central (lotes 59, 60, 61 e 62); Marcos (lote 54); 2) PDS Virola Jatobá: Gabriel Madeireiro (lotes 135, 137 e139, 136, 138, 158 e 159); Paulo Medeiros (lote 124); Paulo Ribeiro Andrade, Grupo Trindade; Luciano Fernandes(lote 126); Luis Henrique (lote 107); 3) Gleba Manduacari: Domingos Bibiano; Goianinho; Tranca Rua; Tota e filhos;Cleildo; Pereira.198 Segundo informações, os principais grileiros do município de Castelo dos Sonhos são: Leo Reck; Florindo Minosso;Manoel Alexandre Trevisan; Nilton Braga.

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6. RECOMENDAÇÕES PARA O PROBLEMA DO DESMATAMENTO

� Fortalecer e estruturar as unidades do IBAMA no Estado do Pará, garantindo eficáciaàs ações de fiscalização e combate ao desmatamento ilegal e às ações de implementa-ção das unidades de conservação criadas.

� Negar novas autorizações, pelo IBAMA, de Planos de Manejo Florestal Sustentável(PMFS), sem acompanhamento in loco ou sem certificação das atividades da empresano local.

� Intensificar as diligências, com a apreensão das balsas e das madeiras transportadasilegalmente (IBAMA/MMA).

6.1. RECOMENDAÇÕES PARA PORTO DE MOZ, CASTELO DOS SONHOS E ANAPU

� Adotar medidas urgentes e necessárias para garantir a implementação efetiva da RESEXVerde para Sempre, como providenciar as cessões de uso gratuito das terras às comu-nidades tradicionais extrativistas e efetivar a desapropriação dos imóveis rurais priva-dos localizados nos limites da reserva, nos termos dos artigos 3 e 4 do decreto númerode 8 de novembro de 2004 (IBAMA).

� Promover e executar as desapropriações, por interesse social, dos imóveis rurais e suasbenfeitorias identificados nos limites da RESEX Verde para Sempre, alegando, paraefeito de imissão de posse, urgência a que se refere o art. 15 do Decreto-Lei n 3.365,de 21 de junho de 1941.

� Promover, por intermédio da unidade jurídica do IBAMA, medidas administrativas ejudiciais pertinentes, visando à declaração de nulidade de eventuais títulos de propri-edade e respectivos registros imobiliários considerados irregulares, incidentes na RESEXVerde para Sempre (IBAMA e INCRA).

� Adotar providências para garantir ações fiscalizatórias eficazes por parte dos órgãosambientais competentes, inclusive a instalação e estruturação de um posto do IBAMApara atender a região (IBAMA/MMA).

� Tomar as devidas providências para fiscalizar e autuar os autores dos ilícitos ambientaise retirar os mesmos dos imóveis destinados aos PDS.199

� Divulgar os relatórios de resultados das ações implementadas pelo IBAMA no muni-cípio de Anapu.

� Rever os Planos de Manejo Florestal, concedidos em Rondon do Pará, e cancelar osPMFs irregulares.

199 Conforme reunião realizada em 25 de fevereiro de 2005, no município de Anapu, os agentes técnicos do IBAMAdeveriam acompanhar as ações de vistoria a serem realizadas pelo INCRA no município. Conforme informações dostrabalhadores, em dia 13 de junho de 2005, poucas áreas foram efetivamente vistoriadas pelo referido órgão ambien-tal. Permanece também o quadro grave de exploração ilegal de madeira nas áreas destinadas à implementação dos PDS.

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6.2. RECOMENDAÇÕES PARA TERRA DO MEIO

� Iniciar imediatamente os processos de implementação das Unidades de Conservaçãojá decretadas, sem a demarcação física e a elaboração dos planos de manejos ou de uso(governos federal e estadual).

� Destinar, imediatamente, a área da Estrada da Canopus (governo estadual) como Áreade Preservação Ambiental (APA), conforme solicitação do Movimento pelo Desen-volvimento da Transamazônica e Xingu (MDTX), fazendo o micro-zoneamento edestinando aquela área para a produção familiar.

� Patrocinar imediatamente ações jurídicas contra os fazendeiros que destruíram áreasde floresta sem permissão dos órgãos ambientais, inclusive obrigando aos fazendeirosa pagar a recuperação das áreas destruídas.

7. RECOMENDAÇÕES CONTRA A CORRUPÇÃO NOS ÓRGÃOS PÚBLICOS

� Abrir investigação, no INCRA e no ITERPA, para apurar funcionários que participa-ram do esquema fraudulento de grilagem naquela região (MPF, INCRA, IBAMA).

� Instaurar procedimentos para investigação e responsabilização dos agentes envolvidosnos casos denunciados de violência contra trabalhadores rurais e crimes ambientais(MPF e MPE).

� Aprovar, imediatamente, as Propostas de Emenda Constitucional (PEC) nºs 304/2004 e 374/3005, que dispõem sobre “a prestação dos serviços notariais e de registropor órgãos públicos” (federalização dos cartórios).

Anexos

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Anexo ILIDERANÇAS ASSASSINADAS NO ESTADO DO PARÁ

MUNICÍPIO LIDERANÇA DATA PROCESSO

1. São Geraldo Araguaia Raimundo Ferreira Lima – Sindicalista 1980 Sem processo

2. Marabá Gabriel Sales Pimenta – Advogado 1982 23 anos de tramitação

3. Tomé-Açu Benedito Alves Bandeira – Sindicalista 08.07.1984 Sem informações

4. Eldorado do Carajás Irmã Adelaide Molinari – Religiosa 02.05.1985 Apenas o pistoleiro julgado

e absolvido, 19 anos

após o crime

5. Rio Maria João Canuto de Oliveira – Sindicalista. 18.12.1985 Mandantes condenados

após 18 anos e foragidos

6. Belém Paulo Fonteles de Lima – 1987

Advogado e ex-deputado

7. Rio Maria Expedito Ribeiro de Souza – 02.02.1991 Pistoleiro condenado e

Sindicalista foragido. Mandante

condenado em prisão

domiciliar

8. Eldorado do Carajás Arnaldo Delcídio Ferreira – Sindicalista. 01.05.1993 12 anos de tramitação

9. Eldorado do Carajás Antônio Telles – Sindicalista 02.10.1994 11 anos de tramitação

10. Mãe do Rio Reijane Guimarães – Sindicalista – 1995 Sem informações

Mov. Mulheres

11. Parauapebas Onalício Barros e Valentim Serra – 26.03.98 08 anos de tramitação

Líderes do MST

12. Parauapebas Euclides Francisco Paulo 26.09.1999 Apenas o pistoleiro

condenado e

cumprindo pena

13. Rondon do Pará José Dutra da Costa (Dezinho) – Sindicalista 21.11.2000 05 anos de tramitação

14. Marabá José Pinheiro Lima – Sindicalista 09.07.2001 04 anos de tramitação

15. Altamira Ademir Alfeu Federicci (Dema) – Sindicalista 30.08.2001 04 anos de tramitação

16. Altamira Bartolomeu Morais da Silva (Brasília) – 21.07.2002 03 anos de tramitação

Sindicalista

17. Afuá Osvaldino Viana De Almeida (Profeta) – 20.10.2002 Sem informações

Sindicalista

18. Santarém José Orlando de Souza – Sindicalista 03.05.2003 Sem informações

19. Rondon do Pará Ribamar Francisco dos Santos – Sindicalista 06.02.2004 Inquérito não concluído

20. Anapu Ir Dorothy Mae Stang – Religiosa 12.02.2005 Processo em tramitação

Fonte: Comissão Pastoral da Terra – Regional do Pará

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Anexo IILISTA DAS PESSOAS AMEAÇADAS DE MORTE

NO ESTADO DO PARÁ

1. Assentamento

Riozinho

2. Assentamento

Riozinho

3. Assentamento

Riozinho

4. Assentamento

Riozinho

5. Faz. Boa Sorte/

Boa Vista

6. FETAGRI

Regional

7. Faz. Bom

Jardim

8. Faz. Bom

Jardim

9. Faz. Bom

Jardim

10. Faz. Bom

Jardim

11. Faz. Bom

Jardim

12. FETAGRI

Regional

Raimundo Deumiro

de Lima dos Santos

Benedito Freire

Raimundo Pereira

do Nascimento

Dionísio Pereira

Ednalva Rodrigues

Araújo

Sebastião Alves de

Sousa.

José Agrício da

Silva

Filhos de José

Agrício

Raimundo Vicente

da Silva

Tereza Ferreira da

Silva

Gilson José da Silva

Francisco de Assis

Solidade da Costa

Liderança –

Ribeirinhos

Liderança

Liderança

Liderança

Liderança

Secretário de

política grária.

Posseiro

Posseiro

Posseiro

Posseiro

Posseiro

Coordenador

regional

Altamira/ Bannach/

Ourilândia

Altamira/ Bannach/

Ourilândia

Altamira/ Bannach/

Ourilândia

Altamira/ Bannach/

Ourilândia

Parauapebas

Marabá

São Félix do Xingu

São Félix do Xingu

São Félix do Xingu

São Félix do Xingu

São Félix do Xingu

Marabá

Tem recebido ameaças

devido estar envolvido na

defesa da criação da

reserva.

Mesma situação.

Mesma situação.

Mesma situação.

Ameaçada pelo fazendeiro

Valdemar Camilo por liderar

a ocupação da fazenda.

Coordena os

acampamentos da região

por esta razão tem recebido

ameaças.

Vem recebendo ameaças de

fazendeiros da região

devido seu forte

envolvimento com as

ocupações de latifúndios da

região. Situação de risco.

CONFLITO VÍTIMACATEGORIA-

MOVIMENTOMUNICÍPIO SITUAÇÃO

VIOLAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS NA AMAZÔNIA: CONFLITO E VIOLÊNCIA NA FRONTEIRA PARAENSE

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13. Gleba Curuá

14. Vale do

Jurupi/Colônia

Providência

15. Vale do Jurupi/

Colônia

Providência

16. Sindicato dos

Trabalhadores

Rurais

17. Sindicato dos

Trabalhadores

Rurais

18. Sindicato dos

Trabalhadores

Rurais

19. PA Agroextra-

tivista Praialta

Piranheira

20. Sindicato dos

Trabalhadores

Rurais

Ivanilde Maria

Prestes Alves

Genival Soares

dos Santos

Raimundinho

Maria Joel Dias da

Costa

José Soares de

Brito

Antonio Gomes

Maria do Espírito

Santo

Cordiolino José de

Andrade

Trabalhadora Rural

Liderança

Liderança

Presidente de STR

Presidente de STR

Presidente de STR

Presidente da

Associação

Diretor do Sindicato

Novo Progresso

Paragominas

Paragominas

Rondon do Pará

Abel Figueiredo

Marabá

Nova Ipixuna

Rondon do Pará

IIrmã de Adilson Prestes,

assassinado em Novo

Progresso por denunciar

grileiros e madeireiros da

região. Tem recebido

ameaças.

Viuva do sindicalista José

Dutra da Costa,

assassinado em 2000. Está

com proteção policial, mas

tem recebido constantes

ameaças.

Já sofreu uma tentativa de

sequestro quando era sindi-

calista em Rondon do Pará.

Tem recebido constantes

ameaças de morte. Corre

risco.

Tem recebido ameaças de

morte devido sua forte

atuação frente aos acampa-

mentos de sem terra . Situa-

ção de risco.

Tem recebido ameaças de

morte constantes de madei-

reiros e fazendeiros do

município. Situação de

risco.

Ameaçado por fazendeiros

devido sua atuação junto

aos acampamentos de sem

terra da região.

CONFLITO VÍTIMACATEGORIA-

MOVIMENTOMUNICÍPIO SITUAÇÃO

VIOLAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS NA AMAZÔNIA: CONFLITO E VIOLÊNCIA NA FRONTEIRA PARAENSE

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21. Sindicato dos

Trabalhadores

Rurais

22. Criação das

reservas

extrativistas da

Terra do Meio

23. Sindicato dos

Trabalhadores

Rurais

24. Sindicato dos

Trabalhadores

Rurais

25. Irmã de

Brasília,

sindicalista

assassinado

26. PDS

Esperança

27. PDS

Esperança

28. PDS

Esperança

29. Projetos de

Desenvolvimento

Sustentável na

região de Anapu

30. Projetos de

Desenvolvimento

Sustentável na

região de Anapu

Geraldo Soares

Fernandes

Tarcisio Feitosa da

Silva.

Carmelita Felix da

Silva

Sandra Barbosa

Sena

Maria de Fátima

Moreira

Cícero Pinto da Cruz

Geraldo Margela de

Almeida Filho

J. L. S. (53 anos).

Francisco de Assis

dos Santos Souza

Gabriel de Moura

Diretor do Sindicato

Agente de Pastoral

Diretora do STR de

Parauapebas

Acampada

Irmã de vítima

Testemunha

assassinato Ir.

Dorothy

Técnico agrícola

Testemunha

assassinato Ir.

Dorothy

Presidente do STR

de Anapu

Vice-presidente do

STR de Anapu

Rondon do Pará

Altamira

Parauapebas

Parauapebas

Castelo dos sonhos

– Altamira

Anapu

Anapu

Anapu

Anapu

Anapu

Ameaçado por fazendeiros

devido sua atuação junto

aos acampamentos de sem

terra da reigião.

Empenhado na luta pela

criação e manutenção das

reservas florestais na região

de Altamira. Tem recebido

ameaças.

Ameaçada devido seu traba-

lho junto aos trabalhadores

rurais do município.

Liderara um acampamento

de famílias sem-terra na

fazenda Tapete Verde. Tem

recebido ameaças.

Tem recebido constantes

ameaças devido seu traba-

lho na busca de justiça pelo

assassinato de Brasília.

Situação de risco.

Está no programa PROVITA.

É uma das testemunhas do

assassinato de Ir Dorothy.

Situação de risco.

Está com proteção policial.

Ameaçado devido seu tra-

balho à frente do STR no

apoio aos agricultores dos

PDSs.

CONFLITO VÍTIMACATEGORIA-

MOVIMENTOMUNICÍPIO SITUAÇÃO

VIOLAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS NA AMAZÔNIA: CONFLITO E VIOLÊNCIA NA FRONTEIRA PARAENSE

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31. Projetos de

Desenvolvimento

Sustentável

32. Reserva

Extrativista Verde

para Sempre

33. Reserva

Extrativista Verde

para Sempre

34. Assassinato

de Brasília

35. Conflitos no

Município de

Mãe do Rio

36. Acampamento

Carajás

37. Acampamento

Fazenda Santa

Mônica

38. Movimento

Viver e Preserva

39. Reserva

Extrativista Verde

para Sempre

Pe.Amaro Lopes

de Souza

Idalino Nunes Assis

Adenei Gemaque

Leal

Antonio Ferreira de

Almeida Silva

Raimundo Nonato

dos Santos –“Índio”

Raimundo Nonato

Costa Silva

“Italiano”

Manoel

Antonia Melo

da Silva

Claudio Wilson

Soares Barbosa.

Agente de pastoral

Presidente do STR

de Porto de Moz

Agente da CPT

Testemunha

Liderança do MST

Liderança

Liderança

Liderança

Liderança

Anapu

Porto de Moz

Porto de Moz

Castelo dos

Sonhos – Altamira

Castanhal

Parauapebas

Rondon do Pará

Altamira

Porto de Moz

Vive sob constantes amea-

ças. Não aceitou segurança

ostensiva. Exige segurança

na forma investigativa.

É uma das principais lide-

ranças na luta pela criação e

defesa da Reserva Verde

para Sempre em Porto de

Moz. Tem recebido constan-

tes ameaças e corre risco.

Sofreu fortes ameaças em

2002 e 2003 na luta pela

criação da reserva. Nos dois

últimos anos as ameaças

diminuíram.

Ameaçado de morte devido

ser uma das principais

testemunhas no caso

Brasília.

Liderou o acampamento na

fazenda Pampulha. Ameaça-

do pelos fazendeiros da

região. Corre risco.

Líder do acampamento. É

constantemente ameaçado.

Situação de risco.

Tem recebido ameaças em

função da luta pela criação

das reservas ambientais na

região de Altamira.

Sofreu fortes ameaças

durante o ano de 2002, no

auge da luta pela criação da

reserva. Nos últimos anos

as ameaças têm diminuído.

CONFLITO VÍTIMACATEGORIA-

MOVIMENTOMUNICÍPIO SITUAÇÃO

VIOLAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS NA AMAZÔNIA: CONFLITO E VIOLÊNCIA NA FRONTEIRA PARAENSE

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40. Assentamento

Agroextrativista

Praia Alta

Piranheira

41. Conflito na

Gleba Mandaquari.

42. Luta pelos

Direitos Humanos.

43. Conflitos em

Anapu

44. Conflitos em

Anapu

45. Sem

Informação

46. Conflito

Fazenda Santa

Clara

47. Conflito Faz.

Cosme e Damião

48. Assentamento

1º de março

José Claudio

Ribeiro da Silva

Odino Ferreira da

Conceição

Frei Henri des

Reziers

Elias Pereira de

Sousa

Eloina Estevão de

Araujo (Maria)

Deurival Xavier

Santiago.

Raimundo Paulino

da Silva

Sebastião

Rodrigues de

Castro

Maria Gorete

Barradas

Liderança

Posseiro

Religioso

Liderança

Liderança

Liderança

Liderança

Liderança

Liderança

Nova Ipixuna

Anapu

Xinguara

Anapu

Anapu

Pacajá

Tucumã –

Ourilandia

Marabá

São João do

Araguaia

Tem recebido constantes

ameaças por parte de fa-

zendeiros e madeireiros do

município, que são contrá-

rios ao Asssentamento.

Situação de risco.

É liderança dos posseiros.

Tem recebido ameaças.

Está com proteção policial.

Ameaçado há vários anos

por fazendeiros da região.

Ameaçado. Com proteção

LEVE, segundo o Programa

de DDH

Ameaçada. Com proteção

LEVE, segundo o Programa

de DDH.

Ameaçado. Com proteção

LEVE, segundo o Programa

de DDH.

Com proteção policial.

Ameaçado devido

coordenar o processo de

ocupações na região.

Ameaçado por pistoleiros a

mando de fazendeiro que

pleiteava a fazenda.

Situação de risco.

Vem recebendo ameaças de

grupos ligados a políticos

locais contrários à reforma

agrária

CONFLITO VÍTIMACATEGORIA-

MOVIMENTOMUNICÍPIO SITUAÇÃO

Fonte: Comissão Pastoral da Terra – Regional do Pará

VIOLAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS NA AMAZÔNIA: CONFLITO E VIOLÊNCIA NA FRONTEIRA PARAENSE

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Anexo IIIEMPREGADORES AUTUADOS POR TRABALHO

ESCRAVO NO ESTADO DO PARÁ

(PORTARIA 540, DE 15 DE OUTUBRO DE 2004)

Abdon Lustosa Neto

Adauto José Galli

Adenilson Rodrigues

da Silva

Afonso Vieira Simões

Agropal Agropecuária

Palmeiras Ltda.

Agropecuária Irmãos

Avelino Ltda.

Agropecuária São

Roberto S/A

Agropecuária

Umuarama Ltda.

Aldo Pedreschi

Alexandre Luiciano

Santos Prata

Alsoni José Malinsky

Altamir Soares da Costa

Aluísio Alves de Sousa

Alvany Dias Santana

191.608.011-15

026.396.888-04

469.607.241-04

031.108.776-00

04.995.650/0001-75

31.541.907/0003-53

46.991.295/0001-06

15.320.781/0001-79

015.279598-72

032.118.601-00

008.369.312-20

031.091.351-91

054.909.523-34

062.451.881-72

Fazenda Sossego, zona rural,

Vicinal Tuerê – Novo Repartimento

Fazenda Lago Azul – Rod PA 150,

km 250, zona rural – Sapucaia

Fazenda Santa Rosa do Pará, zona

rural – Cumaru do Norte

Fazenda Rancho Alegre, zona rural

– Ulianópolis

Fazenda Táxi Aéreo – Estrada Rio

Dourados, km 100, zona rural –

Santa Maria das Barreiras

Fazenda Santa Leonina – Estrada

Banach, km 25, zona rural – Rio

Maria

Fazenda São Roberto, zona rural –

Santana do Araguaia

Fazenda Santa Fé – Rod. PA-150,

s/n, zona rural – Parauapebas

Fazenda Três Rios

Fazenda Rancho da Prtata – BR

010 – Vila Ligação – Dom Eliseu

Fazenda Cajazeira, zona rural –

Município de São Félix do Xingu

Fazenda Macaúba – Estrada do

Rio Preto, km 152, Marabá

Fazenda N.Sa. Aparecida, zona

rural – Breu Branco

Fazenda 5 Estrelas – Gleba Café,

Projeto Tartaruga, zona rural –

Marabá

26

107

154

42

49

18

171

118

8

13

41

52

37

13

dez/04

dez/04

dez/04

dez/04

dez/04

dez/04

dez/04

nov/03

jul/05

dez/04

dez/04

jul/05

dez/04

dez/04

Empregador CNPJ/CPF/CEI Estabelecimento - MunicípioTrabalhadores

LibertadosMês/ano

VIOLAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS NA AMAZÔNIA: CONFLITO E VIOLÊNCIA NA FRONTEIRA PARAENSE

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Empregador CNPJ/CPF/CEI Estabelecimento - MunicípioTrabalhadores

LibertadosMês/ano

Antônio Barbosa de Melo

Antônio Luiz Fuchtel

ATS Serviços LTDA

Azis Mutran Neto

Carlos Gilberto

de Oliveira Barreto

Carmo Guimarães Giffone

Constantino de Oliveira

Guimarães

Clemente Duarte Ferreira

Dalva Navarros

Delvar Amâncio de Araújo

Divino Andrade Vieira

Ediones Bannach

Eurélio Piazza

Eutímo Lippaus

Fernando Dellacqua e

José Roberto Dellacqua

112.050.246-20

138.445.129-34

01.646.204-0001-67

001.149.102-78

061.129.601-25

036.642.871-34

069.745.541-68

009.507.346-91

792.342.759-34

037678.766-04

167.833.442-15

257.411.529-53

107.517.509-72

117.813.007-04

035.973.507-04

243.973.507-04

Fazendas Alvorada – 30km Rod PA

279, entre Água Azul e Ourilândia do

Norte

Fazenda Araguari – Rod PA 150, Xin-

guara e Povoado de Gogó da Onça

Fazenda Rio da Prata – Santana do

Araguaia

Fazenda Pau Pelado – Estrada do

Rio Preto, km 248, zona rural –

Itupiranga

Fazenda Tuere – Folha 10, Quadra

11, Lote 25 – Nova Marabá

Fazenda Mutamba – Rod PA 150,

km 21, zona rural – Marabá

Fazenda Olivence – Rod PA 275, km

40 – Curionópolis

Fazenda Acapulco – Rod PA 270, km

49 – Xinguara

Fazenda Colorado – Rod PA 275, km

50, Curionópolis

Fazenda Esmeralda – Estrada

Bannach, km 50 – Bannach

Fazenda São Miguel – estrada Rio

Capim, km 100 – Paragominas

Fazenda Ponta da Serra – Estrada

do Rio Preto – km 131 – Marabá

Fazenda Santa Luzia Tuerê II –

Marabá

Fazenda 5 Irmãos – Bannach

Fazenda Diadema IV ou Fazenda

Surucucu – Gleba Marabá, zona ru-

ral – Água do Norte

Fazenda 1200 (Fazenda Boa Fé) –

Rod. PA 279, km 145 – Gleba

Luciana, zona rural – Ourilândia do

Norte

Fazenda Baunilha – Rodovia BR

222, km 8,5 – estrada do Jacuzinho,

km 48 – Rondon do Pará

20

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16

127

48

12

62

17

16

1

32

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36

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VIOLAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS NA AMAZÔNIA: CONFLITO E VIOLÊNCIA NA FRONTEIRA PARAENSE

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Empregador CNPJ/CPF/CEI Estabelecimento - MunicípioTrabalhadores

LibertadosMês/ano

Fernando Luiz Quagliato

Francisco Donato Linhares

de Araújo Filho

Geraldo José Ribeiro

Haroldo Vieira Passarinho

Humbero Rubens

Cansanção Filho

Iolandes Bannach

Jairo Carlos Borges

Jairo de Andrade

Jesus Batista Ferreira

João Batista Lopes

João Pereira Rocha

José Braz da Silva

José Carlos dos Santos

José Cristino Souza

José Ribamar Oliveria

José Humberto de Oliveira

José Rodrigues Alves

013.401.828-15

142.680.863-15

036.908.651-15

090.656.952-49

164.968.094-53

108.353.429-72

003.552.755-20

152.415.306-06

069.135.201-15

048.978.032-68

099.639.526-15

034.895.906-00

862.707.961-72

04.863.478/0001-04

CPF 003.107.601-78

061.525.381-49

217.768.491-91

026.849.501-72

500.047.41578.8

Fazenda Rio Vermelho – Xinguara

Zona rural do município de São Félix

do Xingu

Fazenda Boa Esperança – São Félix

do Xingu

Agropecuária Maciel II – Tucumã

Fazenda Ouro Verde – Estrada

Sapucaia/Pontão, km 08, zona rural

– Xinguara

Fazenda 03, zona rural – Bannach

Fazenda Ouro Preto – Vicinal Tuerê,

km 32 – Novo Repartimento

Fazenda Ouro Preto – Vicinal Tuerê,

km 32 – Novo Repartimento

Fazenda Forkilha – Rod. Rdedenção/

Santana do Araguaia, km 80, mais

14 km à esquerda – Santa Maria das

Barreiras

Fazenda Franciscana – Água Azul do

Norte

Fazenda Lorena – Rod PA 150, km

35 – Marabá

Fazenda Rolimaq – Estrada Tupanci,

distante 25 km da PA 279 – Água

Azul do Norte

Fazenda Boa Esperança – ET VS

45,8 – Ent.44 – Canaã

Fazenda Bela Vista – Terra do Meio,

zona rural – Altamira

Agropecuária Mirandopolis S.A –

Fazenda Mirandopolis – Rod BR 158,

km 180, Sta Maria das Barreiras

Fazenda Consolação – Rod OP 03,

km 20 – Brejo Grande do Araguaia

Fazenda Palmar – Rod. PA 257, Km

16, zona rural – Curionópolis

Fazenda São Lourenço, zona rural

– Santa Maria das Barreiras

167

60

4

152

43

26

27

18

97

13

16

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VIOLAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS NA AMAZÔNIA: CONFLITO E VIOLÊNCIA NA FRONTEIRA PARAENSE

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Empregador CNPJ/CPF/CEI Estabelecimento - MunicípioTrabalhadores

LibertadosMês/ano

José Silva Barros

José Vaz da Costa

Juliano Heringer Branco

Lázaro José Veloso

Lima Araújo Agropecuária

Ltda

Luiz Antônio Zapparoli

Sacarelli

Manoel Porfírio dos Santos

Manoel José de

Carvalho ME

Marcos Antônio Eleutério

Neto

Miguel Vieira Messias

Milton Alonso

Newton Cunha Lemos

& Outros

Olavio da Silva

Pecuária Rio Largo Ltda

Pedro Lopes Lima

Roberto Castanheira de

Oliveira Silva

Romar Divino Montes

095.339.582-00

017.670.891-04

958.964.303-53

007.941.806-63

41.183.740/0001-98

026.574.558-67

148.742.707-78

044.320.523-91

15.74955/0001-13

967.616.821-34

089.536.515-49

363.085.958-53

787.054.878-20

090.345.106-97

08.156.226/0005-11

018.614.921-20

619.715.706-30

242.084.931-00

Fazenda Vale do Rio Fresco, zona

rural – Cumaru do Norte

Fazenda Nsa. Aparecida, zona

rural – Rio Maria

Fazenda Herança – Goainésia

Fazenda São Luiz, zona rural –

Parauapebas

Fazenda Estrela de Maceió, zona

rural – Piçarra

Fazenda Estrela de Maceió, zona

rural – Piçarra

Fazenda São Luiz – Ourilândia do

Norte

Fazenda Paraíso – Rod PA-150

Vicinal da Cikel – Goianésia

M.José Carvalho ME – Furo dos

Poros, s/n – Afuá

Fazenda Gurupá – Estrada da

União, Gleba Xincrim, Zona rural

de água Azul do Norte

Fazenda Boca Quente – Bannach

Fazenda Dona Francisca – Zona

rural do Município de São Félix

do Xingu

Fazenda Marajaí – Rod PA 150,

km 70 – Xinguara

Fazenda Selva de Pedra – Vicinal

do Gelado, km 21, Novo Reparti-

mento

Fazenda Rio Dourado, s/n, mar-

gem direita do Rio Fresco, zona

rural – Cumaru do Norte

Fazenda Pai Eterno, zona rural –

São Félix do Xingu

Fazenda Ribeirão Bonito – Rod.

Transamazônica, km 105 – Novo

Repartimento

Fazenda Vale do Paraíso II, zona

rural – Curionópolis

261

90

6

3

59

60

14

15

19

15

13

25

64

6

54

77

23

15

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VIOLAÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS NA AMAZÔNIA: CONFLITO E VIOLÊNCIA NA FRONTEIRA PARAENSE

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Fazenda Pau Pelado, Estrada do Rio

Preto, km 248, zona rural, Itupiran-

gaba

Fazenda Colorado, zona rural de

Xinguara

Fazenda Buriti II – Estrada da

Canopus, Gleba Rio Pardo, zona ru-

ral – Altamira

Fazenda Santa Ana, zona rural –

Cumaru do Norte

Fazenda Senor – Rod BR 222, km

21, zona rural – Dom Elizeu

Fazenda Santa Maria – Rodovia BR

158, Santa Maria das Barreiras

Rod PA 150, à direita, km 40 –

Xinguara

Fazenda Estância do Pontal – Estra-

da da Central, próximo a Pontalina

– São Félix do Xingu

Fazenda Califórnia Rod PA 150, km

142, zona rural – São Félix do Xingu

Fazenda Rio Lages – Estrada Ímpar,

km115, zona rural – Goianésia

Fazenda Pindará – Estrada

Marajoara, margem direita, km 08 –

Dom Elizeu

Fazenda Madrugada – Redenção

dez/04

nov/03

nov/03

dez/04

nov/03

dez/04

nov/03

dez/04

dez/04

nov/03

jun/04

dez/04

Empregador CNPJ/CPF/CEI Estabelecimento - MunicípioTrabalhadores

LibertadosMês/ano

Ronaldo Ferreira Melo

Roque Quagliato

Sandra Nancy de

Souza Cunha

Santa Ana – Agropecuária

e Industrial S/A

Senor Ltda

Túlio Paiva Gomes

Vale Bonito Agropecuária S/A

Wanderlei Dias Vieria

Wilson Ferreira da Rocha

Wilson Moreira Torres

Yashuhide Watanabe

Z.G. Ferreira Agropecuária

667.240.312-49

013.402.128-20

243.997.411-15

05.157.428/0001-01

06.266.209/0003-40

096.009.811-91

50.004.42.008.82

01.794.428/0001-16

375.721.481-15

451.263.137-20

087.141.342-68

105.575.552-72

03.501.470/0001-27

42

81

27

99

153

11

88

11

26

27

42

74

Fonte: Ministério do Trabalho e Emprego — Grupo de Fiscalização Móvel (lista atualizada em 15 de setembro de 2005