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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO CENTRO DE LETRAS E ARTES INSTITUTO VILLA-LOBOS LICENCIATURA EM MÚSICA O VIOLÃO DE SEIS CORDAS NA SUA FUNÇÃO DE INSTRUMENTO ACOMPANHADOR DO SAMBA URBANO DO RIO DE JANEIRO CAMILA PASTOR DA COSTA

Violào de 6 Como Acompanhador Do Samba Urbano No Rio de Janeiro

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acompanhamento violão samba

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  • UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESTADO DO RIO DE JANEIRO CENTRO DE LETRAS E ARTES

    INSTITUTO VILLA-LOBOS LICENCIATURA EM MSICA

    O VIOLO DE SEIS CORDAS NA SUA FUNO DE

    INSTRUMENTO ACOMPANHADOR DO SAMBA URBANO DO

    RIO DE JANEIRO

    CAMILA PASTOR DA COSTA

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    RIO DE JANEIRO, 2006

    O VIOLO DE SEIS CORDAS NA SUA FUNO DE

    INSTRUMENTO ACOMPANHADOR DO SAMBA URBANO DO

    RIO DE JANEIRO

    POR

    CAMILA PASTOR DA COSTA

    Monografia apresentada para a concluso do curso de Licenciatura Plena em Educao Artstica Habilitao em Msica do Instituto Villa-Lobos, Centro de Letras e Artes da UNIRIO, sob orientao do Professor Ricardo Ventura.

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    COSTA, Camila Pastor da. O violo de seis cordas na sua funo de instrumento acompanhador do Samba urbano do Rio de Janeiro. Monografia (Licenciatura Plena em Educao Artstica Habilitao em Msica) Instituto Villa-Lobos, Centro de Letras e Artes, Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro, 2006.

    RESUMO

    O Violo de seis cordas na sua funo de instrumento acompanhador do samba

    possu caractersticas bastante peculiares e especficas, tais como: frmulas rtmico-harmnicas, timbres e um caracterstico contraponto feito nas cordas mais graves do instrumento: a baixaria.

    Este estilo de acompanhamento tradicional do samba estruturou-se,

    principalmente, por intermdio de um processo de ensino aprendizagem no-formal. Este presente trabalho faz uma pesquisa sobre alguns procedimentos utilizados e tpicos da linguagem do violo de seis cordas no samba urbano carioca. Foram utilizados partituras, gravaes, teses, monografias, livros, e, sobretudo, a ligao direta nas rodas

    de samba, de onde grafamos em partitura tradicional alguns desses procedimentos. A partir disso, o trabalho sugere estratgia didtica para o ensino formal do violo, considerando a realidade grafada com a realidade sonora propriamente dita.

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    SUMRIO

    INTRODUO.................................................................................................................6 CAPTULO 1 A HISTRIA DO VIOLO.................................................................10

    1.1 O violo no Brasil..............................................................................11

    CAPTULO 2 O SAMBA............................................................................................14 2.1 O samba carioca.................................................................................19 CAPTULO 3 ESTRATGIAS DIDTICAS PARA O VIOLO DE SEIS CORDAS NO ACOMPANHAMENTO DO SAMBA....................................................................30

    CAPTULO 4 CONCLUSO......................................................................................37 REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS............................................................................41 ANEXOS.........................................................................................................................43

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    LISTA DE ANEXO

    Anexo 1 Exemplo da antecipao meldica de dois em dois compassos (Orvalho vem

    caindo).

    Anexo 2 Exemplo da antecipao meldica de dois em dois compassos (Faceira).

    Anexo 3 Exemplo de encadeamento harmnico escrito em partitura tradicional e

    tablatura.

    Anexo 4 Exerccio de levadas de samba.

    Anexo 5 Cifra analtica do samba Com que roupa?

    Anexo 6 Cifra analtica do samba Saudade da Bahia

    Anexo 7 Exemplo de choro e notao das Baixarias (Chora Craviola)

    Anexo 8- Exemplo de mudana de posio

    Anexo 9- Exemplo de conduo

    Anexo 10- Exemplo de padres rtmicos do samba

    Anexo11, 12 e 13 Exemplo de baixarias recorrentes no samba

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    INTRODUO

    O Samba, assim como o Lundu, o Maxixe e o Choro uma de nossas principais

    expresses e identidades musicais. A linguagem do violo no Samba muito extensa e

    vem se desenvolvendo progressivamente, revelando que, cada vez mais, novas

    possibilidades se estabelecem figurando a respirao que mantm viva a chama do

    Samba. Em meados do ano 2000 eclodiu na Lapa, no Rio de Janeiro, um movimento de

    revitalizao e reconstituio do Bairro. Juntaram-se a este movimento historiadores,

    produtores culturais, restauradores, arquitetos, artistas etc. Com esse resgate, partindo

    da restaurao dos antigos casares, a Lapa passa a figurar, desde ento, como o

    principal reduto do Choro e sobretudo do Samba na cidade. Trouxe o gnero de volta

    mdia, movimentou a Lapa cultural, social e historicamente; misturou as geraes e as

    classes sociais. Despertou, como a mim, jovens msicos, retomou, tambm a memria

    de sambistas esquecidos e fez aparecer tantos outros desconhecidos. O Samba agoniza

    mas no morre... um celebre trecho da msica de Nelson Cavaquinho que, at hoje,

    marca, como uma espcie de bandeira, o hino do Samba.

    Em face desta modernizao e revitalizao da Lapa, e principalmente com a

    questo do Samba ficar em voga, msicos - brasileiros e estrangeiros passaram a

    demandar material didtico para entender de forma sistemtica este gnero. Sabemos

    que, pela tradio histrica, o Samba era feito de maneira no formal, se aprendia

    ouvindo e tocando nas prprias rodas de Samba; mas muitas publicaes, em tempos

    mais recentes, procuraram essa sistematizao: Songbooks, mtodos de instrumentos,

    dicionrio de acordes cifrados, livros de harmonia funcional, livros sobre a constituio

    rtmica das escolas de Samba, arranjo e etc. A mnima apreciao crtica desses

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    materiais reconhece que eles contribuem muito para a msica popular. Entretanto,

    podemos observar que eles pouco tm para nos informar sobre o acompanhamento a ser

    feito pelo violo. Por exemplo, os songbooks, editados pela Lumiar, contm apenas as

    letras, cifras e melodia; notamos que nada se informa sobre o acompanhamento do

    violo. Apresentam a harmonia e no explicam como esta se realiza, ou seja, como

    feito o ritmo executado pela mo direita do violonista, hoje apelidado de levada. H

    tambm outro aspecto do acompanhamento do violo, como os contracantos na parte

    grave, tpicos do violo no Samba, a baixaria; o uso do baixo condutor e o freqente

    uso de inverses dos acordes, tpicas da funo do violo de seis cordas no gnero.

    Tambm pudemos observar que, na maioria dos casos, os songbooks no nos revelam

    nem mesmo o gnero da msica e esquecem-se dos diversos tipos de Samba, tais como:

    Samba Cano, Partido Alto, Samba enredo, Samba de roda etc.

    Frente a este quadro, a presente pesquisa teve como objetivo o estudo do violo

    de seis cordas na sua funo de instrumento acompanhador do samba urbano do Rio de

    Janeiro, focalizando sua aplicao neste gnero, registrando suas formas ritmico-

    harmnicas usuais e recorrentes de acompanhamento e seu caracterstico contraponto e

    inverses no baixo.

    Objetivos:

    Os objetivos da pesquisa so: fixar os elementos estruturais bsicos para uma

    proposta de ensino de violo de seis cordas no acompanhamento de Samba; criar

    material didtico que possibilite aos interessados iniciar seus passos nesta linguagem;

    sugerir estratgias didticas para o ensino formal do acompanhamento do violo de

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    seis cordas no Samba, a partir das matrizes da tradio do ensino-aprendizagem no-

    formal.

    O presente trabalho se estrutura da seguinte forma:

    O primeiro captulo apresenta um histrico o violo e suas origens, assim como

    sua chegada ao Brasil e sua insero na msica brasileira.

    O segundo captulo expe alguns pontos sobre a origem do termo Samba,

    histria e aparecimento do mesmo como gnero de msica popular urbana no Rio de

    Janeiro. Define o tipo de Samba (Samba carioca) que o objeto de pesquisa do presente

    trabalho, assim como suas razes e vertentes (Partido alto, Samba Cano...).

    O terceiro captulo sugere uma estratgia didtica para o ensino do

    acompanhamento do violo de seis cordas no samba, por meio de uma abordagem

    analtica do material sonoro pesquisado. Apresenta material didtico elaborado a partir

    de pesquisas.

    E o quarto captulo apresenta as consideraes finais sobre os resultados do

    trabalho a partir da minha prpria experincia profissional.

    Justificativa:

    A criao de materiais didticos para violo de seis cordas no acompanhamento

    de Samba o reconhecimento formal de uma de nossas maiores expresses culturais. Se

    a nossa cultura foi capaz de criar essa manifestao popular ressente-se, no entanto,

    de trabalhos que tornem possvel o seu entendimento pela via formal. O presente

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    trabalho, graas a estudos e pesquisas sobre o violo de seis cordas no Samba, reflete

    uma necessidade de desenvolvimento, no que se refere a caminhos, perspectivas e

    linguagens, natural e desejvel, contribuindo para a validao e incremento de estudos

    afins sobre tais manifestaes.

    Metodologia:

    O material utilizado consiste no resultado de levantamento de materiais sonoros

    relativos ao acompanhamento do violo de seis cordas no Samba, sua anlise

    harmnico-funcional e, conseqentemente, a elaborao de exerccios didticos.

    O procedimento se deu por trs etapas:

    1) Pesquisa bibliogrfica sobre o assunto pela qual foram analisados livros

    sobre Samba, Mtodos de outros instrumentos utilizados na formao tradicional do

    Samba, Partituras editadas, teses, monografias, cadernos e materiais elaborados por

    msicos conhecedores do assunto; A fim de pesquisar a formao do gnero, sua

    estruturao, desenvolvimento e seus padres.

    2) Pesquisa fonogrfica Transcrio da parte do violo (de Sambas

    gravados-trechos) no intuito de analisar melodia, cadncias harmnicas, meldicas e

    letras.

    3) Pesquisa de campo Audio e observao de msica ao vivo nas rodas

    de Samba1 e shows, bem como participao ativa como violonista nas referidas

    atividades.

    1 No sentido de encontros de msicos em apresentaes remuneradas ou no informais ou formais

    em botequins, ruas, bem como em show com o grupo Sururu na Roda.

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    CAPITULO 1

    A HISTRIA DO VIOLO

    A origem do Violo no muito clara, pois existem, segundo musiclogos,

    vrias hipteses para o seu aparecimento. As duas mais aceitas atualmente, e que Emlio

    Pujol (citado por Nogueira, 1991, p. --) apresenta na sua conferncia em Paris, no dia 9

    de Novembro de 1928, intitulada "La guitarra y su Histria" so: o Violo seria

    derivado da chamada "Khetara grega" que, com o domnio do Imprio Romano, passou

    a se chamar "Ctara Romana" ou "Fidcula". Teria chegado pennsula Ibrica por volta

    do sculo I d.C. com os romanos; este instrumento se assemelhava "Lira" e,

    posteriormente, foram acontecendo as seguintes transformaes: os seus braos

    dispostos da forma da lira foram se unindo, formando uma caixa de ressonncia, na qual

    foi acrescentado um brao de trs cravelhas e trs cordas, e nesse brao foram feitas

    divises transversais (trastes) para que se pudesse obter de uma mesma corda a ser

    tocada na posio horizontal. Com essas modificaes, ficam estabelecidas as principais

    caractersticas do Violo.

    A segunda hiptese a que o Violo seria derivado do antigo "Alade rabe"

    que foi levado para a pennsula Ibrica atravs das invases muulmanas. Os mouros

    islamizados do Maghreb penetraram na Espanha por volta de 711 e conseguiram vencer

    o rei visigodo Rodrigo, na batalha de Guadalete. A conquista da pennsula se deu entre

    711-718, sendo formado um emirado subordinado ao califado de Bagd.

    O Alade rabe, que penetrou na pennsula na poca das invases, foi um

    instrumento que se adaptou perfeitamente s atividades culturais da poca e, em pouco

    tempo, fazia parte das atividades da corte.

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    Acredita-se que desde o sculo VIII tanto o instrumento de origem grega como o

    Alade rabe viveram mutuamente na Espanha. Isso se pode comprovar pelas

    descries feitas no sculo XIII, por Afonso, o sbio, Rei de Castela e Leo (1221-

    1284), que era um trovador e escreveu clebres cantigas atravs das ilustraes descritas

    nas cantigas de Santa Maria, que se pode pela primeira vez comprovar que no sculo

    XIII existiram dois instrumentos distintos convivendo juntos. O primeiro era chamado

    de "Guitarra Moura" e era derivado do Alade rabe. Este instrumento possua trs

    pares de cordas e era tocado com um plectro (espcie de palheta) e possua um som

    ruidoso. O outro era chamado de "Guitarra Latina", derivado da Khetara Grega. Ele

    tinha o formato de 8, com incrustaes laterais, o fundo era plano e possua quatro

    pares de cordas. Era tocado com os dedos e seu som era suave, sendo que o primeiro

    estava nas mos de um instrumentista rabe e o segundo, de um instrumentista romano.

    Isso mostra claramente as origens bem distintas dos instrumentos, uma rabe e a

    outra grega, que coexistiram nessa poca na Espanha. Observa-se, portanto, como a

    origem e a evoluo do Violo estiveram intimamente ligadas Espanha e sua

    histria.

    1.1 O violo no Brasil

    A Viola, instrumento de 5 cordas duplas, precursora do violo e popularssima

    em Portugal, foi introduzida no Brasil pelos jesutas portugueses, que a utilizavam na

    catequese.

    J no sculo XVII, referncias so feitas viola em So Paulo, uma delas

    colhida por Mrio de Andrade: "Em 1688 surge uma certa viola avaliada em dois mil

    ris, preo enorme para o tempo. E, caso curioso, esta guitarra pertenceu a um dos mais

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    notveis bandeirantes do sculo XVII: Sebastio Paes de Barros."Ainda na mesma obra,

    Mrio de Andrade cita Cornlio Pires para quem a viola um dos instrumentos que

    acompanha as danas populares de So Paulo.

    A confuso entre a viola e violo comea em meados do sculo XIX, quando a

    viola usada com uma afinao prpria do violo, isto , l, r, sol, si, mi. A confuso

    no uso do termo viola/violo continua nessa poca como atesta Manuel Antnio de

    Almeida, autor de Memrias de um Sargento de Milcias (1854-55), quando se refere,

    muitas vezes com terminologia da poca do final da colnia, viola em vez de violo

    ou guitarra sempre que trata de designar o instrumento urbano com o qual se

    acompanhavam as modinhas.

    A viola, hoje, tornou-se a viola-caipira, instrumento tpico do interior do pas, e

    o violo, depois de ter sua forma atual estabelecida no final do sculo XIX, tornou-se

    um instrumento essencialmente urbano no Brasil. O violo tambm se tornou o

    instrumento favorito para o acompanhamento da voz, como no caso das modinhas, e, na

    msica instrumental, juntamente com a flauta e o cavaquinho, formou a base do

    conjunto do choro.

    Por ser usado basicamente na msica popular e pelo povo, o violo adquiriu m

    fama, instrumento de bomios, presente entre seresteiros, chores, tornando-se

    sinnimo de vagabundagem. Assim o violo foi considerado durante anos.

    Os primeiros a cultivar o instrumento de uma maneira sria foram considerados

    verdadeiros heris. O engenheiro Clementino Lisboa foi o primeiro a se apresentar em

    pblico tocando violo, especialmente no Clube Mozart, o centro musical da elite

    carioca fin-de-sicle. Ainda algumas figuras proeminentes da sociedade carioca

    dedicaram-se ao instrumento na tentativa de reergu-lo, tal o caso do desembargador

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    Itabaiana, do escritor Melo Morais e dos professores Ernani Figueiredo e Alfredo

    Imenes.

    Um dos precursores do violo moderno no Brasil foi Joaquim Santos (1873-

    1935) ou Quincas Laranjeiras, fundador da revista O Violo em 1928, e que nos ltimos

    anos de vida dedicou-se a ensinar o violo pelo mtodo de Trrega

    Em 1917, Augustin Barrios se apresenta em uma srie de recitais no Rio de

    Janeiro, tocando o instrumento de uma forma nunca vista/ouvida antes. Segue-se a

    tourne de Josefina Robledo, que tendo permanecido aqui por algum tempo, estabelece

    os fundamentos da escola de Trrega. Dessa poca, destaca-se a agora reconhecida obra

    de Joo Teixeira Guimares (1883-1947) ou Joo Pernambuco, cujas obras eram

    mencionadas por Villa-Lobos: "Bach no teria vergonha de assin-las como suas." .

    Atualmente, a obra de Joo Pernambuco bem conhecida graas ao trabalho de Turbio

    Santos e Henrique Pinto.

    Anbal Augusto Sardinha (1915-1955), o Garoto, foi um dos precursores da

    bossa-nova.

    Ainda na linha da msica popular destacam-se Amrico Jacomino (1916-1977),

    e, mais recentemente, a figura de Egberto Gismonti.

    O violo no Brasil passou a se desenvolver, principalmente, em dois grandes

    centros, Rio e So Paulo, de onde vem a maioria dos grandes violonistas brasileiros, que

    tiveram ou tm sua formao instrumental com os professores destas cidades.

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    CAPITULO 2

    O SAMBA

    No o objetivo desse trabalho descrever e discutir os caminhos e possibilidades

    que o estudo da histria do samba vem produzindo. Este um terreno difcil, onde

    pesquisadores, munidos de diferentes perspectivas metodolgicas (histrica, lingstica,

    folclrica, musicolgica etc.), tm encontrado resultados diversos. Nei Lopes e Jos

    Ramos Tinhoro so alguns deles. No entanto, algumas consideraes feitas por

    estudiosos sero base para o entendimento do samba no seu aparecimento, evoluo e

    formao, a partir de sua fixao no Brasil.

    Roberto Moura (1995) faz em seu livro Tia Ciata e a pequena frica no Rio de

    Janeiro uma narrativa no s da dispora baiana no Rio de Janeiro, mas tambm de

    como o trfico negreiro, que aporta no Brasil trazendo indivduos de diferentes regies

    da frica, desestrutura as famlias e as tradies dos africanos, e mostra ainda como elas

    se reestruturam no Brasil.

    Na formao destas instituies dos cativos, a msica teve forte papel. Os

    chamados batuques representam uma importante forma de expresso e reunio, onde os

    cativos preservam aspectos de suas culturas originais e reestruturam suas tradies em

    um novo ambiente.

    A questo do grande fluxo migratrio com destino ao Rio de Janeiro um fato

    importante na formao do samba como gnero de msica popular urbana. Sobre isso,

    Srgio Cabral esclarece:

    Capital do pas desde 1763, o Rio de Janeiro era o destino de levas de brasileiros livres e escravos, alm de africanos vindos diretamente de seus pases de origem, transformando a cidade numa espcie de sntese da cultura popular do pas. Somando-se a tudo isso o fato de

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    chegarem ao Rio, em primeira mo e em maior volume, as novidades europias (CABRAL, 1996, p. 19)

    Sobre o fato do Rio de Janeiro ser uma espcie de sntese da cultura popular do

    pas, Srgio Cabral escreve:

    Com uma populao formada em grande parte por imigrantes, o Rio foi considerado, ao longo da histria, a sntese do Brasil, seja do ponto de vista racial, seja pelos aspectos culturais e seja at por falar, que, segundo o fillogo Antenor Nascente sntese de todos os sotaques regionais de todo o Brasil. (CABRAL, 1996, p.30)

    No incio do sculo XX, o Rio de Janeiro passa por intensas modificaes

    urbansticas com o objetivo de moderniz-la, transformando a antiga capital do imprio

    obsoleta e ligada, ainda, aos tempos coloniais em uma capital da repblica, sob o

    modelo europeu, principalmente o francs. Para a direo das obras de remodelao,

    embelezamento e saneamento da capital indicado Prefeito o engenheiro Pereira

    Passos. (MOURA, 1995, p.47)

    As obras de remodelao consomem metade do oramento da Unio e, apesar de

    realizarem melhorias na infra-estrutura da cidade saneamento, transporte e habitao

    no contemplam a populao como um todo. Sobre isso, Roberto Moura nos diz:

    Muitos seriam completamente desprivilegiados em seus interesses e mantidos

    margem dos benefcios trazidos pela modernidade.

    Entre estes desprivilegiados esto as camadas populares que se amontoam nos

    cortios do centro da cidade, das quais se destacam os negros baianos. Estes, vindos de

    Salvador, povoam, primeiramente, os bairros prximos ao Cais do Porto. Assim

    descreve Carmen Teixeira ..., uma das tias do bairro da Sade, citada por Roberto

    Moura:

    Tinha na Pedra do Sal, l na Sade, ali que era uma casa de baianos africanos quando chegavam da frica ou da Bahia. Da casa deles se via o navio, a j tinha o sinal de que vinha chegando gente de l (...). Era uma bandeira branca, sinal de Oxal, avisando que vinha

  • 16

    chegando gente (...). Vamos embora para o Rio, porque l no Rio a gente vai ganhar dinheiro, l vai ser um lugar muito bom2

    Com as reformas da cidade, principalmente do Centro, tm incio as demolies

    dos cortios (moradias populares). O prefeito Pereira Passos criou uma reforma na

    cidade que ficou conhecida como Bota abaixo. Deste processo de demolies e

    proibies dos cortios motivados pela modernizao e questes de sade pblica

    inicia-se a favelizao e a marginalizao da populao mais pobre com consentimento

    da Prefeitura. Essa populao se dirige para as margens do centro em direo Cidade

    Nova e subrbios da Zona Norte.

    Por outro lado, a elite migra para a Zona Sul contemplada com luz, sistema de

    bondes e urbanizaes em reas como Copacabana e Ipanema e, principalmente, para o

    bairro de Botafogo. o comeo do perfil atual da cidade, que o jornalista Zuenir

    Ventura chama de cidade partida .

    O forte fluxo de negros, principalmente baianos, para a Cidade Nova fez com

    que esta e suas imediaes fossem chamadas de Pequena frica nome dado por

    Heitor dos Prazeres. nessa regio, onde ocorre o encontro de diversas influncias

    negra baiana, negra carioca, portuguesa, europia etc -, que nasce o samba carioca.

    Este estilo musical surgiu inicialmente amaxixado3 e, depois, a partir dos

    sambistas do Estcio, ganhou sua forma moderna, conhecida como samba de morro,

    cultivada pelas escolas de samba nascentes tambm nesse momento.

    Alm dos excludos e marginalizados, a Capital federal de ento possua uma

    classe mdia em formao:

    (...) criando toda uma gama de distines sociais. Havia os escravos e logo os ex-escravos igualados a massa de trabalhadores braais,

    2 Depoimento de Carmem Teixeira da Conceio, arquivo Corisco Filmes.

    3 Essa questo do samba amaxixado controversa.

  • 17

    formando a classe baixa; os artfices, empregados do comrcio e o pessoal subalterno dos servios pblico, oficiais ou particulares, constituindo uma baixa classe mdia; os pequenos comerciantes e os burocratas compondo a classe mdia propriamente dita e, finalmente, os doutores e os grandes comerciantes constituindo a precria burguesia, cuja elite era representada pela minoria dos donos de terras e pelos capitalistas e proprietrios em geral. (TINHORO, 1991)

    Com esta nova diversidade urbana surge uma demanda de entretenimento para a

    populao. Esta nova realidade proporcionou o aparecimento de uma indstria

    cultural, que ia desde os saraus nas casas dos menos abastados, at os cinemas. A

    influncia deste momento atinge a outros segmentos da sociedade, como os teatros de

    revista, prostbulos e toda sorte de entretenimentos, onde, numa poca em que o rdio e

    o fongrafo ainda no eram uma realidade, os msicos passam trabalhar, sendo cada vez

    mais requisitados e valorizados. Neste momento, tambm comea a aparecer uma

    mentalidade profissional entre os msicos , o que contribui para a passagem do samba

    de manifestao coletiva (folclore), festa, celebrao popular para o samba como

    gnero de msica popular urbana.

    O bero deste samba carioca a Praa Onze (Pequena frica) e suas

    imediaes. Este foi concebido nas casa das tias baianas, da qual Tia Ciata a mais

    famosa. Estas casas, principalmente a de Tia Ciata, eram centros de valorizao,

    expresso e transformao da cultura negra. As festas e reunies eram feitas base de

    candombl e batuques. Eram freqentadas por msicos da poca, como Pixinguinha,

    Donga, Joo da Baiana e muitos outros.

    A respeito dessas festas, Joo da Baiana, citado por Moura (1995, p. 83) nos

    descreve:

    As nossas festas duravam dias, como comida e bebida, samba e batucada. A festa era feita em dias especiais, para comemorar algum acontecimento, mas tambm para reunir os moos e o povo de origem. Tia Ciata, por exemplo, fazia festas para os sobrinhos dela se divertirem. A festa era assim: baile na sala de visitas, samba de

  • 18

    partido alto nos fundos da casa e batucada no terreiro. A festa era de preto, mas branco tambm ia l se divertir. No samba s entravam os bons no sapateado, s a elite. Quem ia pro samba, j sabia que era da nata. Eu sempre fui responsvel pelo ritmo, fui pandeirista. Participei de vrios conjuntos, mas era apenas para me divertir, naquele tempo no se ganhava dinheiro com o samba. Ele era muito mal visto. Assim mesmo ns ramos convidados para tocar na casa de algum figuro. Eu me lembro que em certa ocasio, o conjunto de que eu participava foi convidado para tocar no palacete do senador Pinheiro Machado, l no morro da Graa. Quando o conjunto chegou, o senador foi logo perguntando aos meus colegas: cad o menino? O menino era eu. A, meus companheiros contaram ao senador que a polcia tinha tomado e quebrado o meu pandeiro, l na Penha. O senador mandou que eu passasse no Senado no outro dia. Passei e ganhei um pandeiro novo, com dedicatria, pea que eu tenho at hoje.

    Na casa de Tia Ciata aparece o primeiro samba, Pelo Telefone, que foi

    posteriormente registrado, gravado e obteve grande sucesso. Foi uma criao coletiva

    dos freqentadores desse reduto. a partir do sucesso de Pelo telefone que o samba

    passa a ser o grande gnero carnavalesco, que at ento no existia. Os gneros de

    msica urbana reconhecidos como mais autenticamente cariocas a marcha e o samba

    surgiram da necessidade de um ritmo para a desordem do carnaval , assim explica Jos

    Ramos Tinhoro (1991, p. 19).

    As transformaes do carnaval so fundamentais para o aparecimento do samba

    e das escolas. Do entrudo, passa-se pelo Z Pereira at a formao dos Ranchos e

    Cordes e, finalmente, chega-se fixao do samba como gnero reinante no carnaval

    e o advento das escolas de samba.

    A necessidade da adequao de um gnero s transformaes do carnaval leva a

    uma modificao no samba de ento hoje em dia chamado samba amaxixado e

    nasce o samba moderno, tambm chamado samba de morro. A respeito dessa

    transformao Ismael Silva (sambista do Estcio), em entrevista concedida Srgio

    Cabral, fala:

  • 19

    Quando comecei o samba no dava para agrupamentos carnavalescos andarem nas ruas, conforme a gente v hoje em dia. O estilo no dava para andar. Comecei a notar que havia essa coisa. O samba era assim: tan tantan tan tantan. No dava. Como que um bloco ia sambar na rua assim? A, a gente comeou a fazer um samba assim: bum bum paticumbumprugurumdum... (CABRAL, 1996, p. 242)

    A partir do Estcio se irradia este novo tipo de samba, posteriormente adotado

    pelas primeiras escolas (Deixa Falar, atual Estcio de S, Mangueira, Salgueiro e Vai

    como Pode, atual Portela) e compositores, como Noel Rosa e Wilson Batista, que por

    meio do rdio e dos discos popularizaram o estilo nacionalmente.

    2.1 O samba carioca

    A chegada do Samba na Guanabara (atual Rio de Janeiro) se deve ao intenso

    fluxo migratrio de negros forros, e posteriormente de ex-escravos, a partir da abolio

    da escravatura (13 de Maio de 1888).

    O Maxixe considerado o antecessor direto do Samba. uma espcie da Polca

    europia com o Lundu forma carioca do batuque - e a Modinha considerada

    primeiro gnero de msica popular brasileira. Sobre o Maxixe, Jos Ramos Tinhoro

    nos explica:

    O aparecimento do Maxixe, inicialmente como dana, por volta de 1870, marca o advento da primeira grande contribuio das camadas populares do Rio de Janeiro msica do Brasil. Nascido da maneira livre de danar os gneros de msica em voga na poca principalmente a Polca, a Schottisch e a Mazurca - , o Maxixe resultou do esforo dos msicos de choro em adaptar o ritmo tendncia aos volteios e requebros de corpo com que mestios, negros e brancos do povo teimavam em complicar os passos das danas de salo. (TINHORO, 1991, p. 58)

  • 20

    Outro importante gnero na gentica do samba carioca e na evoluo deste que

    vinha se formando desde a metade do sculo XIX, o Choro. Sobre este gnero Jos

    Paulo Becker nos informa:

    A forma como os conjuntos de msicos populares da poca interpretavam as danas europias, foi consolidando-se de modo a acarretar o surgimento de um gnero de caractersticas prprias. Podemos afirmar que o gnero Choro nasceu a partir dessa maneira tipicamente brasileira de tocar. (BECKER, 1996, p. ?)

    O Samba surge como gnero musical, de caractersticas urbanas, na capital

    federal Rio de Janeiro, nas primeiras dcadas do sculo XX. Posteriormente, a partir da

    dcada de 30, se transforma no mais importante gnero de msica popular brasileira,

    smbolo da identidade nacional4 .

    O gnero comeou a figurar nos catlogos das gravadoras de discos por volta de

    1911. Mas foi a gravao de Pelo Telefone, samba de Donga e Mauro de Almeida, em

    1917, que se converteu numa espcie de smbolo do nascimento do moderno samba

    carioca.

    Nas primeiras dcadas do sculo XX, o samba era visto com reservas por

    segmentos das elites por se tratar de um gnero musical oriundo dos redutos negros dos

    bairros pobres da cidade. Alvo de preconceitos, chegou a ser rotulado de "sub-msica".

    A partir dos anos 30, especialmente durante o auge do populismo Getulista, foi

    promovido condio de "smbolo da brasilidade". Ao mesmo tempo em que manteve

    seus vnculos com as comunidades populares de origem, integrou-se indstria cultural

    (rdio e disco) e, especialmente nos anos 30 e 40, tematizou a malandragem e o

    ufanismo nacionalista.

    4 Caracterstica apontada por Hermano Vianna em seu livro, o mistrio do Samba, fruto de sua tese de

    Doutorado em Antropologia Social pelo museu Nacional da UFRJ.

  • 21

    O Samba carioca urbano vem se concebendo, desde poca das danas de

    batuques, passando pelos Lundus, Modinhas, Polca, Choro, Maxixe, Samba baiano,

    Samba de roda e partido alto, Samba maxixado, Samba do Estcio, Samba de terreiro,

    Samba cano, Samba enredo, Samba de breque, Samba-choro, Samba sincopado,

    Samba-bolero, Bossa nova, Samba funk, pagode etc at os dias de hoje.

    Nos anos 70 surgem e ressurgem vrios intrpretes e compositores de Samba,

    muitas vezes com sucesso mercadolgico, como Martinho da Vila, Clara Nunes, Joo

    Nogueira, Beth Carvalho e etc. Em plena dcada de 80, no reinado do chamado Rock

    Brasil, o Samba entra em cena cultural revelando intrpretes e compositores de grande

    sucesso, como Jovelina Prola Negra, Zeca pagodinho, Grupo Fundo de Quintal, entre

    outros. Esta gerao prepara a cena para os pagodeiros da dcada de 90.

    O compositor Cartola ressurge na dcada de 70 gravando dois LPs arranjados

    por Dino Sete Cordas5. O choro reaparece vitalizado tambm na dcada de 70,

    impulsionado pela volta do conjunto poca de Ouro e o aparecimento de conjuntos

    como: Galo Preto, Os Carioquinhas, e outros.

    Na dcada de 60 o Samba reaparece com fora, no apenas como forma de

    Bossa- nova. Compositores, intrpretes ou grupos de Samba, como Z Ketti, Paulinho

    da Viola, Clementina de Jesus, Voz do Morro, Cinco Crioulos e vrios outros, gravam

    discos e fizeram sucesso em rodas de samba ou em pontos da cidade onde o samba

    acontecia, como no restaurante Zicartola6 e nos espetculos teatrais Opinio, Teleco-

    teco e Rosa de Ouro.

    5 Herondino Jos da Silva, violonista mais influente na linguagem do Choro e do Samba.

    6 Restaurante localizado no centro da cidade do Rio de Janeiro, de propriedade de Dona Zica e Cartola,

    freqentado por sambistas e intelectuais.

  • 22

    Nas dcadas anteriores o samba era o alicerce do sucesso de grandes intrpretes

    da msica popular brasileira como: Mrio Reis, Francisco Alves, Orlando Silva, Ciro

    Monteiro, Marlia Batista, Aracy de Almeida e muitos outros.

    Nos dias atuais o Samba ressurge com fora total revelando jovens talentos

    como: Tereza Cristina, Wanderley Monteiro, Dobrando a Esquina, Sururu na Roda;

    alm dos j consagrados Nei Lopes, Tia Surica da Portela, Walter Alfaiate, Wilson das

    Neves, Cristina Buarque, Zeca Pagodinho e tantos outros.

    Um dos recantos mais importantes para o samba, no hoje em dia como outrora,

    so as chamadas escolas de samba. Verdadeiros focos aglutinadores e potencializadores

    dos elementos construtivos do samba.

    Hoje em dia, as escolas de samba se distanciaram de seus propsitos iniciais,

    que eram: brincar o carnaval; reunir; recrear os membros da comunidade e, sobretudo,

    produzir e divulgar sambas. Elas esto voltadas, quase que exclusivamente, para o

    desfile de carnaval, que se tornou um mega evento internacional onde pouco espao

    resta para a comunidade e para os sambistas outrora figuras centrais das escolas, hoje

    so substitudos por profissionais do espetculo: carnavalescos e coregrafos.

    Os sambas enredos, utilizados nos desfiles, imperam nas escolas, cujos ensaios

    so movidos por eles. Sobre isso, Srgio Cabral nos informa:

    verdade que no se podia chamar de ensaios aquelas reunies festivas em que as alas j no se preparavam mais para o desfile, at porque o nmero de visitantes superava os de sambistas. Os ensaios transformaram-se em simples festas carnavalescas animadas pelas baterias e pelos sambas-enredos. Os chamados sambas de quadra (outrora chamados sambas de terreiro) tambm comeavam a ser esquecidos. (Srgio Cabral est se referindo ao incio da dcada de 70). (CABRAL, 1996, p. ?)

    Nem sempre foi assim. Esse processo teve incio a partir do final da dcada de

    60. Durante muito tempo os ensaios e reunies (pagodes) nas escolas serviam aos fins

  • 23

    anteriormente ditos. Nestes, os sambistas podiam mostrar seus sambas, no s os

    sambas-enredos, destinados aos desfiles, mas os sambas de quadra. Livres das

    obrigaes de se referirem a algum tema, os sambistas se expressavam de maneira livre

    e seguindo suas prprias inspiraes, fazendo o samba de terreiro.

    A maior parte do repertrio dos compositores sambistas do Rio de Janeiro

    samba de terreiro. Mesmo aqueles compositores que no so ligados diretamente a

    alguma escola de samba como, por exemplo, Noel Rosa, que faz samba dessa maneira,

    maneira dos sambistas do Estcio

    . Sobre essa questo Hermano Vianna nos esclarece:

    A fixao desses gneros acontece ao redor do samba de escolas de samba, que passou a ser conhecido como samba de morro (samba de terreiro). (...) O primeiro samba misturou muitas expresses musicais, logo foi amaxixado e , depois, depurado pelos compositores do Estcio. (VIANNA, 1995, p. 123)

    E este chamado de samba de morro, de terreiro, de quadra, cultivado pelas

    escolas e pelos sambistas, que o objeto desse trabalho.

    T / legal eu aceito argumento/ Mas no me altere o samba tanto assim/ Olha

    que a rapaziada est sentindo falta/ De um cavaco, de um pandeiro/ ou de um

    tamborim. Esses versos da msica Argumento, de Paulinho da Viola, nos fazem

    referncia instrumentao tpica do samba. Alm dessa caracterstica, mais importante

    ainda o ritmo do samba, pois a instrumentao tpica pode ser usada em uma msica

    de qualquer outro gnero.

    Os instrumentos tpicos do samba possuem qualidades sonoras prprias, como

    timbre, e tudo que o envolve, a intensidade das notas; o ataque e as inflexes; a

    articulao dos instrumentos, que so capazes de conferir uma sonoridade nica ao

    estilo.

  • 24

    O violo aparece como sendo um desses instrumentos tpicos, isto , faz parte do

    instrumental que se fixa e que contribui para a caracterizao do samba.

    A linguagem de violo no acompanhamento de samba a ser analisada fruto de

    uma forte relao dos chamados grupos regionais com os instrumentos de percusso das

    escolas de samba. Esta relao ocorre desde a criao do samba carioca (onde a figura

    de Pixinguinha da maior relevncia), at a participao destes conjuntos no

    acompanhamento de cantores nas rdios. Sobre isso, citando Cruz Cordeiro, Jos Ramos

    Tinhoro explica:

    Parte do instrumental do choro (violes e cavaquinho), misturado com a batucada do samba de morro (surdo, cuca, pandeiro e tamborim), ia dar origem aos ritmos batucados responsveis pelo carter do samba de rua ou choro de rua. E acrescentava: quer dizer, por causa da batucada do samba de morro, o instrumental do choro, do samba e da prpria marcha mestiaram-se, urbanizaram-se pelo Brasil a partir de ento, pelo menos (1930-33), fazendo surgir nos conjuntos musicais a base do variado e mestio instrumental de choro-samba-batucada-marcha. (TINHORO, 1995, p. 159)

    Essa linguagem mestia se faz evidente, a nosso ver, nos primeiros discos de

    Cartola (Marcus Pereira Discos) arranjados por Dino Sete Cordas que, junto com Meira,

    faz duos de violes de acompanhamento mais influente do samba. Essa linguagem de

    violo de samba o foco da pesquisa e da conseqente proposta didtica que veremos

    adiante.

    difcil resumir ou falar sobre a levada do samba. Ela feita de vrias clulas

    rtmicas que se sobrepem. Pode variar de acordo com o sotaque particular de quem

    estiver executando-as e chega a um resultado sonoro em que as baterias das escolas de

    samba so o maior exemplo.

  • 25

    Outrora, antes da profissionalizao do carnaval, os mestres de bateria

    defendiam apenas a sua escola de origem e de corao. As escolas de samba tinham

    levadas diferentes entre si que as distinguiam umas das outras. Estas possuam

    elementos dos toques dos Orixs de Candombl, que se relacionavam com a escola ou

    com o mestre da bateria.

    Podemos tentar resumir a polifonia rtmica das baterias das escolas de samba

    em trs planos sonoros bsicos. Alis, bom lembrar que este recurso feito, na

    prtica, pelos conjuntos que tocam samba, com formao de percusso reduzida. Um

    exemplo o caso dos regionais que, muitas vezes, contam s com um pandeiro,

    instrumento que tem a capacidade de resumir os trs planos sonoros, que sero

    analisados.

    Importante salientar que estes planos sonoros, alm de acontecerem

    simultaneamente por meio da execuo de diferentes instrumentos, podem ocorrer num

    mesmo instrumento, ao mesmo tempo, como o caso do pandeiro, do repique e outros.

    As funes dos instrumentos que se relacionam com estes planos sonoros podem,

    eventualmente, ser trocadas. Por exemplo: um instrumento de marcao pode fazer solo.

    Os trs planos sonoros bsicos, arbitrariamente divididos, so:

    Marcao feita principalmente pelos surdos. Esta se move no plano da unidade

    de tempo (plano da semnima), atacando sempre no segundo tempo do compasso

    e criando assim, uma das caractersticas do gnero, que deslocar o tempo forte

    do compasso.

    Exemplo:

  • 26

    Conduo feita principalmente pelos chocalhos e outros instrumentos como

    reco-reco, caixa, repique. A conduo se move basicamente no plano da

    subdiviso da unidade de tempo em semicolcheias, preenchendo os espaos.

    Exemplo:

    O terceiro plano o que se pode chamar de levada, ou toque do samba. Este

    de suma importncia na caracterizao do samba.

    Levada do samba: feita no plano das subdivises (semicolcheias e colcheias com

    as respectivas pausas, ligaduras e acentuaes), principalmente, hoje em dia,

    pela caixa. Outrora era realizado pelo tamborim. Arriscamos aqui o seguinte

    padro de clulas rtmicas, ainda utilizados hoje em dia nos andamentos mais

    lentos, pelos tamborins tocados com baqueta simples.

    Exemplo:

    A sncope regular, na passagem da barra de compasso, a cada dois compassos,

    a chave para definir a linha meldica do samba. a caracterstica bsica do estilo.

    Antes de falar sobre ela, vale observar a seguinte caracterstica desta levada do

    samba. Ela necessita de dois compassos para se completar, isto , fechar seu ciclo,

    seu sentido caracterstico, sugerindo um aspecto quaternrio na sua realizao,

    contrariando a sua marcao binria que apresentamos acima.

  • 27

    Esta anlise fundamental, pois a inverso sistemtica do tempo um com o

    tempo trs resulta em descaracterizao da levada do samba.

    Vejamos o aspecto da linha meldica. Qual a caracterstica do fraseado

    meldico (fraseologia) comum nos sambas? J vimos que esta linha meldica que

    caracteriza o samba e faz com que esse assim seja. Faz com que o samba, cantado por

    um compositor sem acompanhamento de qualquer espcie, j possa ser reconhecido

    como tal. O que tem de mais bsico e comum na fraseologia do samba? A antecipao

    meldica de dois em dois compassos (Anexo 1 e 2).

    Esta antecipao meldica a caracterstica fraseolgica fundamental do samba,

    e acontece obrigatoriamente entre o tempo quatro e o tempo um, anteriormente

    definidos.

    Antes de passarmos ao captulo seguinte, vamos fazer algumas consideraes

    gerais sobre os aspectos musicais do samba.

    O samba no tem uma forma nica. No existe uma regra geral, apenas uma

    tendncia que pode ser confirmada ou no. Ele pode ter uma nica parte ou duas, refro,

    pontes instrumentais (ligando uma parte outra), introdues e codas instrumentais.

    Essas introdues e pontes tm objetivos de fixar a tonalidade, podendo ser apenas de

    dois compassos de harmonia, onde o violo, por meio de passagem meldica conhecida

    como baixaria, prepara o novo trecho musical. Veremos isso adiante. Podemos

    observar algumas caractersticas freqentes.

    A sua caracterstica fraseolgica bsica antecipao meldica de dois em dois

    compassos se relaciona intrinsecamente com o tamanho (nmero de compassos) das

    partes, criando certas regularidades. As partes do samba (comumente em duas partes de

    16 compassos cada) possuem nmeros de compassos pares (normalmente de oito ou

  • 28

    dezesseis podendo de ser de dez, doze ect.). O samba, em seu aspecto meldico e

    harmnico, de modo geral tonal. Eventualmente, certos sambas apresentam

    caractersticas ou passagens modais. O ritmo harmnico geralmente de um acorde por

    compasso, podendo ser de dois ou mais ao final de uma parte, ou onde se faz necessria

    a incluso de um compasso para fechar o ciclo da levada do samba.

    Na questo da harmonia, utilizam-se preferencialmente trades maiores e

    menores, acordes de stima da dominante, diminutos, aumentados e, sob certos critrios

    todas as outras ttrades, normalmente, associadas bossa nova, aparecem, no entanto,

    nos sambas ps-bossa nova.

    muito comum diferenciar a bossa nova do samba por causa da utilizao

    desses acordes dissonantes, que teriam vindo do jazz, mas esta no uma caracterstica

    que, por si s, possa diferenciar o samba da bossa nova. Como j falamos, vrios

    sambas de compositores tradicionais foram gravados, no final da dcada de 60,

    utilizando-se dessas estruturas e no soam estilizados ou descaracterizados. A

    possibilidade para que isso ocorra se dever a outros fatores, como a mudana radical da

    instrumentao, aliada a um tipo de arranjo que, por exemplo, tea comentrios

    musicais de outros estilos ou modificaes de levada do samba.

    A harmonia no , na maioria dos sambas, um elemento que faa parte da

    composio, ela decorrente da linha meldica. Boa parte dos compositores de samba

    no toca nenhum instrumento de harmonia, eles compem a melodia cantando-a; outros,

    que tocam instrumentos harmnicos, no tm conhecimentos acadmicos sobre

    harmonia, como tambm no possuem grande prtica em harmonizar de ouvido. Nas

    canes de bossa nova, por outro lado, as harmonias fazem parte integrante da

  • 29

    composio. No samba de uma nota s, Tom Jobim quando comps a melodia, comps

    a harmonia.

    Conclumos, ento, que a levada do samba e a instrumentao e,

    principalmente, o sotaque, ou seja, a linguagem, que caracterizam o samba. Vale

    salientar que o samba no msica instrumental. Alm da melodia, a letra importante

    fator de observao no acompanhamento. Compreend-la essencial para a execuo e

    interpretao de um samba. A letra pode sugerir os aspectos do acompanhamento, as

    nuances de interpretao. Esse aspecto no o objeto desse trabalho. Apesar de cada

    samba contar uma histria, tanto na letra quanto na melodia, podemos observar certos

    recursos que os violonistas utilizam nos acompanhamentos. Aspectos que fazem parte

    da linguagem e que se repetem. Padres que so repetidos.

    O prximo captulo vai apresentar estes aspectos, analisando-os fora dos

    contextos das msicas, com finalidade de criao de material didtico.

  • 30

    CAPITULO 3

    ESTRATGIAS DIDTICAS PARA O VIOLO DE SEIS CORDAS NO ACOMPANHAMENTO DO SAMBA

    Antes de comearmos a abordar esse captulo, faz-se necessrio tecer

    comentrios sobre sua forma de apresentao. O material meldico baixo meldico,

    caracterstico do acompanhamento de samba e conhecido como baixaria

    apresentado em partitura tradicional acrescida de tablatura, esta ficando abaixo do

    pentagrama e da cifra dos acordes. A tablatura consiste em seis linhas que representam

    as seis cordas do violo. A primeira linha, de cima para baixo, representa o Mi agudo

    (primeira corda do violo), a segunda linha representa a corda Si, e assim

    sucessivamente. Sobre essas linhas colocamos nmeros que representam as casas do

    violo. Assim, o nmero trs, na segunda linha, representa a nota da terceira casa na

    segunda corda, ou seja, um R. Os nmeros esto alinhados com as notas do

    pentagrama. Esta uma forma clara de dizer precisamente em que lugar no brao do

    violo deve ser tocada tal nota7. A tablatura tambm uma forma de notao e

    compreenso para pessoas no familiarizadas com a escrita na pauta. A sua utilizao

    neste trabalho mais como complementao da partitura tradicional. A posio das

    notas tem implicaes tcnicas na digitao e, principalmente, no timbre. Os violonistas

    tendem a utilizar as cordas soltas nas suas digitaes; atuam, sobretudo, no primeiro

    qudruplo do violo.

    7 O violo possui mais de um lugar, s vezes cinco lugares diferentes, para se tocar uma mesma nota de

    mesma altura.

  • 31

    As cifras8 representam os acordes e so amplamente usadas no universo da

    msica popular. Ela representa um acorde e, conseqentemente, representa tipos de

    frmas de acorde no violo. Essas formas podem ser encontradas em diversos livros

    como: Dicionrio de acordes cifrados, O violo brasileiro e O violo de sete cordas,

    mencionados anteriormente. A utilizao destas frmas de acordes, que as cifras

    representam, em uma mesma regio do brao encadeamentos harmnicos -,

    fatalmente resulta em uma boa conduo de vozes dentro da linguagem harmnica

    tpica do violo de samba. Uma vez definida a levada, isto , escrita em partitura

    (frmula geral de acompanhamento) no ser necessrio escrev-las nos demais

    exemplos. Este tipo de notao usado por Dino Sete Cordas em suas aulas, e tambm

    no livro O violo de sete cordas (Anexo 3 ).

    O violo no conjunto regional tem funo de acompanhamento harmnico. No

    estamos estabelecendo grandes diferenas de funes entre o violo de sete e o de seis

    cordas. Numa formao instrumental, em que estes dois tipos de violo estejam

    presentes, as suas funes ficam claramente divididas e diferenciadas. Cabe ao violo de

    sete cordas as chamadas baixarias, e ao violo de seis cordas, as levadas (conduo

    rtmica e harmnica, como tambm dobrar as baixarias em movimentos de intervalo

    de teras ou oitavas paralelas). Entretanto, essas duas caractersticas so enfocadas

    nesse trabalho como pertencentes a uma mesma linguagem.

    O primeiro aspecto a ser analisado diz respeito levada de samba,

    fundamental no acompanhamento, que se realiza a partir dos trs planos sonoros

    anteriormente citados no presente trabalho. A marcao feita pelo dedo polegar da

    8 A cifragem utilizada neste trabalho corresponde do Dicionrio de Acordes Cifrados, de Almir Chediak

  • 32

    mo direita; a conduo e a levada so realizadas pelos dedos indicador, mdio e

    anular. Estes trs aspectos constituem a levada do violo.

    A levada do samba:

    O polegar atua como marcao (surdo) e os dedos (i, m, a) como conduo

    (chocalho), mais propriamente de levada (tamborim). O violo imita os elementos

    rtmicos dos instrumentos de bateria das escolas. O conhecimento das levadas e

    clulas rtmicas dos instrumentos de percusso enriquecedor na composio da

    levada do violo. Este pode se valer de clulas rtmicas de diferentes instrumentos de

    percusso, criando uma levada consistente. Apresentaremos algumas variaes de

    levada no Anexo 4.

    As levadas podem ser mais preenchidas como nos dois ltimos exemplos

    apresentadas no anexo 4 (normalmente nos andamentos mais lentos); podem ser mais

    arpejadas ou mais compactas (ataque simultneo dos dedos da mo direita); as

    semicolcheias, dos ltimos exemplos, podem ser diferentemente acentuadas. A partir

    destes exemplos, muitas variaes podem ser feitas.

    Como vimos anteriormente, cada samba tem suas prprias particularidades, sua

    prpria linha meldica, que capaz de sugerir um determinado encadeamento

    harmnico. Porm, existe uma certa tendncia, ou seja, freqncia, de certos

    encadeamentos harmnicos. Esta freqncia que permite aos violonistas o chamado

    acompanhamento de ouvido (acompanhar um samba sem conhec-lo previamente).

    Os violonistas acostumados com a linguagem e conhecedores de vrios sambas, ao

    ouvirem uma linha meldica, reconhecem o tipo de encadeamento harmnico.

  • 33

    Esse material de levadas (anexo 4) apresentado serve como exerccio didtico.

    As levadas podem ser executadas, num primeiro momento, s com a mo direita. A

    mo esquerda pode abafar ligeiramente as cordas (sem fazer acordes), a fim de no

    deix-las soar soltas. O objetivo o efeito percussivo da mo direita; executar essas

    levadas com diversos andamentos, diferentes acentuaes das semicolcheias e

    colcheias, e diferentes formas de dedilhados; mais compactos (articulaes simultneas

    dos dedos i,m,a) e mais arpejadas (articulaes intercaladas dos dedos).

    Para ilustrar o universo harmnico tpico do samba e sua natureza

    predominantemente tonal, alguns sambas de compositores representativos do gnero,

    seguem em anexo (anexos 5 e 6 ).

    Como j dissemos, outro aspecto caracterstico da linguagem o baixo

    meldico, espcie de contraponto realizado pelo violo no seu registro mais grave. Est

    intimamente ligado linguagem do choro e do samba, a partir da ligao dos

    regionais com este. Anexo 7

    Josimar Carneiro em sua dissertao de mestrado, Baixaria: uma anlise de um

    elemento caracterstico do choro observado na performance do violo de sete cordas

    faz uma interessante classificao de baixarias, segundo a funo destas no conceito

    musical. Sugere onze tipos de classificao: caminho do baixo, ligao, mudana de

    posio, preparao da stima, chamadas, fechamentos, respostas, contracanto, bloco,

    marcao e solo de baixaria. Marco Bertaglia em seu livro, O violo de sete cordas,

    define cinco tipos de baixo: baixo de preparao, baixo de contraponto, baixo invertido,

    baixo pedal e baixo de finalizao.

    As baixarias, como j vimos, so contracantos no registro mais grave do

    violo. Relacionam-se com a melodia solista (canto) e, indiretamente, com a harmonia

  • 34

    que a sustenta. Podemos observar que certas frases de baixaria so utilizadas

    repetidamente, em diferentes msicas, isto , diferentes melodias. Isto sugere que as

    baixarias se relacionam intimamente com a harmonia das canes, isto , melodias

    com encadeamentos harmnicos equivalentes, possuem baixarias semelhantes. Estas

    baixarias que utilizam certos encadeamentos harmnicos, quase que independente das

    melodias, constituem clichs, ou seja, frases iguais e identificveis, que so repetidas e

    utilizadas em diversas msicas que possuam em comum algumas passagens harmnicas,

    isto , trecho de encadeamentos harmnicos iguais.

    Os baixos de um trecho musical so sempre definidos pela harmonia do

    mesmo. Seja um baixo de preparao, um baixo de contraponto ou mesmo um baixo

    invertido, todos devem ter necessariamente notas da escala dos acordes usados neste

    trecho. (BERTAGLIA, 1999, p. 38). Esta definio feita por Marco Bertaglia nos

    informa, no geral, como as baixarias so estruturadas a partir da harmonia, das escalas e

    dos arpejos correspondentes.

    Esta abordagem se assemelha a da escola de jazz quanto improvisao. Os

    improvisos so constitudos a partir das escalas e arpejos correspondentes harmonia de

    um trecho musical. A partir da anlise dos procedimentos fraseolgicos dos msicos

    improvisadores de jazz, e das melodias das canes e seus encadeamentos harmnicos

    formou-se uma escola de harmonia e improvisao. Uma srie de exerccios de arpejos

    e escalas (patterns, riffs e clichs), orientados a partir de certas perspectivas relativas s

    caractersticas fraseolgicas do jazz, auxiliam no aprendizado da improvisao neste

    gnero.

    Uma abordagem anloga pode ser feita, portanto, para os aspectos estilsticos do

    violo de acompanhamento do samba, no que se refere baixaria. Os livros de Marco

  • 35

    Bertaglia e o de Mrio Sve seguem esses princpios. No livro de Mrio Sve os

    exerccios propostos so elaborados a partir de fragmentos meldicos (escalas e arpejos)

    tirados dos choros. Uma srie de elementos estilsticos do choro so abordados a partir

    desses exerccios (patterns e clichs de choro voltado para instrumentos solistas). No

    livro de Marco Bertaglia so apresentadas cadncias harmnicas, freqentes no choro,

    com movimentos de baixo (baixarias) sem melodias solistas, em forma de exerccios

    com grau de dificuldade crescente.

    Um movimento comum de baixo no samba movimentar-se, do primeiro para o

    segundo tempo do compasso, da fundamental do acorde para a quinta desse mesmo

    acorde, onde o ritmo harmnico o de um acorde por compasso. Tanto

    ascendentemente, isto , uma quinta justa acima, quanto descendentemente, ou seja,

    uma quarta justa a abaixo.

    Exemplo:

    2/4 | C C/G | A7 A7/E | etc.

    Quando o ritmo harmnico mais lento, isto , o acorde permanece por dois ou

    mais compassos, usual utilizar-se da mudana de posio (classificao de Josimar

    Carneiro), ou seja, mudar a inverso do acorde. Esta pode ser por salto, saltando da

    fundamental para outra nota do acorde (tera, quinta, ou stima) ou atravs de uma frase

    que ligue duas notas do acorde. O exemplo est no anexo 8 e 9

  • 36

    Outro movimento comum movimentar-se, de um acorde para o outro, em graus

    conjuntos, atravs de inverses de baixo dos acordes, isto , conduzir harmonicamente a

    voz do baixo pelo menor caminho, utilizando-se das inverses de acordes. Mrcia

    Taborda chama este movimento de conduo de baixo. Josimar Carneiro chama de

    caminho do baixo.

    Exemplo:

    2/4 | Am | E7/B | Am/C | A7/C# | Dm | Dm/C | Bm7(b5) | E7/G# | Am || (mudana de posio)

    De modo geral, independente da funo que exerce em determinado contexto

    musical, as baixarias partem de uma nota do acorde para outra nota do acorde (de

    outro acorde ou dele mesmo), utilizando-se de todas possibilidades fraseolgicas para

    tal. Alm do material meldico, escalas, e arpejos, a diviso rtmica fundamental na

    caracterizao da linguagem de baixaria. Anexo 10

    O trabalho oferece um conjunto de anexos, onde esto grafados alguns exemplos

    de baixarias. Anexo 11,12 e 13

  • 37

    CAPITULO 4

    CONCLUSO

    Como podemos perceber, o samba um fenmeno complexo e representativo da

    cultura brasileira, pode muito bem ser tambm para sempre a melhor descoberta j

    feita por brasileiros (VIANNA, 1995, p. 158). Porm, como vimos no primeiro captulo,

    muito de sua histria ainda est por ser escrita. No s pelas dificuldades tcnicas e

    complexidade de tarefa, mas tambm por ser fenmeno vivo e dinmico, que suscita

    paixes e pe, muitas vezes, pesquisadores e estudiosos munidos de diferentes

    perspectivas em lados opostos.

    Esta complexidade, tambm encontrada no samba como gnero de msica

    popular urbana, no nos exime de tentar compreend-la formalmente. Assumindo todos

    os riscos da compreenso formal de um fenmeno cultural, que se expressa

    artisticamente em forma de msica, e que est baseado em uma tradio de ensino-

    aprendizagem no-formal. No nos coube aqui discutir os mritos, ou as possveis

    limitaes da tradio do ensino-aprendizagem no-formal, mas reconhecer que esta

    cumpre o seu papel, funciona, existe. O samba independe do ensino formal. Afinal,

    como diz Noel Rosa em Feitio de orao: Ningum aprende samba no colgio. Sem

    entrar na discusso da veracidade desta idia e levando em considerao toda a

    linguagem potica de Noel, uma coisa certa: trata-se de uma suposio, isto , uma

    hiptese que mesmo sendo verdadeira no pode ser confirmada pelo simples fato de que

    ainda no existe ensino formal de samba.

    O que podemos observar atualmente que existem bacharis em msica que

    atuam no universo do samba e do choro. Msicos reconhecidos como Jos Paulo

  • 38

    Becker, Marcelo Gonalves, Ruy Quaresma, Paulo de Sete Cordas, Luiz Filipe de

    Lima e outros, que se valem tanto da formao acadmica como da tradio do ensino-

    aprendizagem no-formal (exposio sonora da linguagem em questo por meio de

    rodas de samba e choro, gravaes, shows, contatos diretos com outros msicos e

    sambistas, enfim todo contato sonoro e visual com a linguagem).

    A estratgia didtica aqui utilizada, que parte da elaborao e disponibilizao

    de exerccios em forma de partituras que consiste na anlise de procedimentos

    freqentes no acompanhamento de violo no samba, s ganha sentido se estiver aliada a

    aspectos da tradio de ensino-aprendizagem no-formal: imerso sonora.

    No possvel que ningum possa dominar a linguagem de acompanhamento

    de samba apenas pelo contato com o material didtico (partitura), mas com certeza

    grande vantagem o aluno de violo clssico, em contato com esse material, pode ter,

    pela via das referncias sonoras (gravaes). Alm das gravaes disponveis, o aluno

    pode travar um contato direto com o samba por meio das rodas de samba (praticamente

    em todas as casas da Lapa; Shows, aulas com mestres da linguagem, em suma, aliar

    aspectos da tradio do ensino-aprendizagem no-formal.

    Um possvel mtodo de violo de acompanhamento de samba, constitudo a

    partir da anlise sistemtica dos procedimentos violonsticos utilizados nos

    acompanhamentos e a transformao desses em exerccios e estudos didticos, s ganha

    fora se estiver aliado, alm da tradio informal de ensino-aprendizagem, formao

    de uma escola de msica brasileira. Para entender o papel do violo de

    acompanhamento, alm de transcries e anlise de repertrio, necessita-se da

    compreenso do fenmeno do samba como um todo, tanto no aspecto musical, no

    apenas em relao aos procedimentos do violo, quanto ao aspecto histrico-cultural.

  • 39

    Se o samba tem papel importante e fundamental na formao de uma identidade

    nacional, acreditamos que este merece destaque na formao acadmica do msico

    brasileiro. E pode exercer importante papel em sua formao, j que informalmente ele

    cumpre essa funo, e influencia desde sempre at sempre todos os msicos e

    compositores brasileiros. Dos populares aos eruditos: Tom Jobim, Dorival Caymmi,

    Chico Buarque, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Djavan, Joo Bosco ect e tambm, Villa-

    Lobos, Radams Gnattali, Lorenzo Fernndez, Guerra Peixe, Alexandre Levy e tantos

    outros.

    Outro fator que pode ser usado como sugesto para o reforo do material

    didtico em forma de partituras, alm dos registros sonoros (fonogrficos), o registro

    audiovisual, possibilitado pelo cinema, teatro. Atualmente existe uma quantidade

    razovel de filmes e documentrios sobre samba e sambistas; no Teatro as biografias de

    sambistas intrpretes, ou compositores tem sido bastante relevante.

    Apesar do samba ser um fenmeno dinmico, em transformao, algumas de

    suas caractersticas parecem inalteradas. Desde os primrdios deste, no serto

    nordestino, nas senzalas das fazendas e onde quer que seja, at os dias de hoje nos

    estdios de gravao, programas de televiso, rdio, esquinas, bares, casas de

    espetculos das grandes cidades, o samba continua exercendo o seu fascnio. Ainda

    conserva suas caractersticas primordiais de reunir, festejar, celebrar, recrear, expressar

    e transmitir. Talvez este seja o grande mistrio do samba. Como este se transforma e

    permanece sempre o mesmo, isto , apesar de suas transformaes (manifestao

    popular folclrica para gnero de msica popular urbana), mantm suas caractersticas

    primordiais, sua essncia. E para alm das questes tcnicas e tericas da msica, fica-

    nos a pergunta: O que o tanto assim que no pode ser alterado?

  • 40

    O samba continua mantendo, de alguma maneira, suas caractersticas

    primordiais e essncias, o que faz dele, possivelmente, o nosso maior legado cultural. E

    esperamos que esse trabalho possa auxiliar nesse sentido.

  • 41

    REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS

    BAHIANA, Ana Maria. Nada ser como antes: MPB nos anos 70. Rio de Janeiro: Civilizao Brasileira, 1980 (Retratos do Brasil, n 141).

    BECKER, Jos Paulo. O acompanhamento do violo de seis cordas no choro, visto atravs de sua funo no conjunto poca de Ouro. Rio de Janeiro: UFRJ, 1996 (Dissertao de Mestrado apresentada Escola de Msica).

    BRAGA, Luiz Otvio. O violo brasileiro: para professores, msicos e estudantes. Rio de Janeiro: Europa, 1988 (Escola Brasileira de Msica, v.5).

    CABRAL, Srgio. As escolas de samba do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Lumiar, 1996.

    CANDEIA FILHO, Antnio e Isnard. Escola de samba: a rvore que esqueceu a raiz. Rio de Janeiro: Lidador, 1978.

    CARNEIRO, Josimar. Baixaria: anlise de um elemento caracterstico do choro, observado na performance do violo de sete cordas. Rio de Janeiro: Uni-Rio, s.d (Dissertao de Mestrado apresentada Uni-Rio).

    CAZES, Henrique. Escola moderna do cavaquinho. 4 ed. Rio de Janeiro: Lumiar, s.d

    CAZES, Henrique. Choro: Do quintal ao Municipal. 2 ed. Rio de Janeiro: Editora 34, 1998.

    CHEDIAK, Almir. Dicionrios de acordes cifrados. 9 ed. So Paulo: Irmos Vitale, 1984.

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    ISAACS, Alan e MARITN, Elizabeth (orgs.). Dicionrio de msica. Rio de Janeiro: Zahar,1984.

    LOPES, Nei e VARGENS, Joo Baptista M. Islamismo e negritude: da frica ao Brasil, da idade Mdia aos nossos dias. Estudos rabes, v.1, Rio de Janeiro: UFRJ, Jul/ Dez. 1982.

    MOURA, Roberto. Tia Ciata e a pequena frica no Rio de Janeiro. 2 ed. Rio de Janeiro: FUNARTE, 1995 (Coleo Biblioteca Carioca).

    MUNIZ JNIOR, Jos. Do batuque escola de samba: subsdios para a histria do samba. So Paulo: Smbolo, 1976.

  • 42

    NOGUEIRA, Eduardo Fleury. A Evoluo do Violo na Histria da Mscica. So Paulo, 1991.

    SVE, Mrio. Vocabulrio do choro: estudos e composies. Rio de Janeiro: Lumiar, 1999.

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    VIANNA, Hermano. O mistrio do samba. 3 ed. Rio de Janeiro: Jorge Zahar/ UFRJ,1995.

  • 43

    ANEXOS