Vitrine e Vidraça - Crítica de Mídia e Qualidade no Jornalismo - Rogerio Christofoletti

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    Rogrio Christofoletti (Org.)

    Vitrine e vidraaCrtica de Mdia e Qualidade no Jornalismo

    LabCom Books 2010

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    Livros LabComwww.livroslabcom.ubi.ptSrie: Estudos em ComunicaoDireco: Antnio FidalgoDesign da Capa: Madalena SenaPaginao: Marco OliveiraCovilh, UBI, LabCom, Livros LabCom 2010

    ISBN: 978-989-654-050-0

    Ttulo: Vitrine e vidraa: Crtica de Mdia e Qualidade no JornalismoAutor: Rogrio Christofoletti (Org.)Ano: 2010

    http://www.livroslabcom.ubi.pt/http://www.livroslabcom.ubi.pt/
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    ndice

    Apresentao: Sobre pedras e tijolos 1

    I Da anlise e da crtica 5

    O jornalismo como teoria democrticaporLuiz Martins da Silva 7

    Jornalismo e informao para democracia:

    parmetros de crtica de mdiaporDanilo Rothberg 21

    Responsabilidade Social da Mdia: anlise conceitual e perspectivasde aplicao no Brasil, em Portugal e na Espanhapor Fernando de Oliveira Paulino 35

    O conceito de enquadramento e sua contribuio crtica de mdiaporDanilo Rothberg 53

    Monitoramento de Cobertura e Produo Experimental Monitorada:Pesquisa aplicada voltada para a qualificao de produtos e pro-cessos jornalsticosporJosenildo Luiz Guerra 69

    De Ouvinte a Ouvidor: Responsabilidade Social da Mdia e pa-

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    rmetros para atuao da Ouvidoria das Rdios da Empresa Bra-sil de Comunicao (EBC)por Fernando Oliveira Paulino 95

    II Do aperfeioamento e do avano 111

    Jornais Populares de qualidade: tica e sensacionalismo em um novo

    padro do jornalismo de interior catarinenseporLaura Seligman 113

    Concentrao de mdia e qualidade do noticiriono sul do Brasilpor Rogrio Christofoletti 127

    Qualidade da Formao em Jornalismo Cultural na ModernidadeLquidaporMarcos Santuario 139

    Avaliao de qualidade jornalstica: desenvolvendo uma metodologia

    a partir da anlise da cobertura sobre segurana pblicaporJosenildo Luiz Guerra 153

    Brevssima cronologia da inovao na imprensa brasileirapor Rogrio Christofoletti 173

    Os Autores 193

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    Apresentao:

    Sobre pedras e tijolosUm ditado popular costuma ilustrar como esto distantes os mundos ideal ereal: fcil ser pedra; difcil ser vidraa!. Traduzindo: sempre muitomais cmodo ou descomplicado criticar, acusar e cobrar do que propriamenteenfrentar situaes incmodas e delicadas.

    Esses dizeres se aplicam facilmente a diversas reas, e em especial aojornalismo. Isso porque analisar os produtos e os processos de produo dainformao tem se tornado uma prtica cada vez mais frequente em todas as

    partes. Nos Estados Unidos, na Escandinvia e em outros pases da Europa,a crtica de mdia um exerccio consolidado e bastante influente. Na frica,ela ainda incipiente; na Oceania, apenas a Austrlia se destaca nesse pro-cesso; na sia, existem circunstncias muito distintas, o que inviabiliza umdiagnstico mais generalizador no continente. Na Amrica Latina, a obser-vao atenta dos meios de comunicao tem se desenvolvido em consonnciacom a evoluo dos processos polticos dos pases. Isto , medida que asdemocracias foram se sedimentando no subcontinente, medida que a esta-bilidade poltica foi se naturalizando, a anlise da mdia ganhou corpo e sedifundiu. Isto , comunicao e poltica tm razes comuns, trajetrias para-lelas e problemticas particulares. Como se trata de processos histricos a

    redemocratizao da Amrica Latina e a consolidao da crtica do jornalismo-, ainda se vive um dia de cada vez, pedra por pedra.

    Por falar em pedra, amedia criticism um processo de converso do ti-jolo em vidraa. Sob o olhar exigente do analista, o jornalismo to afeito fiscalizao dos poderes, s cobranas sociais fica acuado, subsumido,

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    objetivado. Produtos, processos, rotinas e prticas so avaliados, medidos,comparados, o que muito pode contribuir para o seu aperfeioamento.

    O jornalismo brasileiro se desenvolveu muito nas ltimas dcadas, porexemplo. Fruto da modernizao das empresas, do aprimoramento tcnicodos profissionais, do aumento da exigncia do pblico e de uma cultura aindaemergente de crtica e autocrtica. A internet o ambiente mais frtil em expe-rincias de media watching, mas existem programas de rdio, de televiso e ra-ras publicaes que funcionam como arenas de debates. No meio acadmico,

    projetos de extenso e de pesquisa tambm elegem os meios de informaocomo objetos de investigao e escrutnio. Organizaes no-governamentaise associaes classistas tambm oferecem suas contribuies. Profissionaise empresas de comunicao enfrentam menos as delicadas questes que osafligem, mas no chegam a ignorar os crticos.

    Um exemplo do estgio evolutivo damedia criticismbrasileira a RedeNacional de Observatrios de Imprensa (Renoi), coletivo surgido em 2005que rene projetos acadmicos e ONGs na tentativa de disseminar uma cul-tura efetiva de consumo crtico da informao jornalstica. Seja na forma depesquisas em mbito regional ou nacional, na constituio de instncias deobservao prtica da mdia ou ainda na forma de comunicaes em eventos,

    a Renoi vem oferecendo suas contribuies ao jornalismo. O que atravessaas produes dessa rede o entendimento de que a crtica de mdia tem duasfunes preponderantes: alfabetizar midiaticamente e contribuir para o aper-feioamento do jornalismo. De um lado oferecer ao pblico bases para umacompreenso cada vez mais clara e ampla do que o jornalismo, e de outro,intervir concretamente para uma melhora em produtos e processos de apura-o, produo e difuso informativas.

    O livro que o leitor tem agora diante de si mais um esforo coletivo afavor do jornalismo e de seus pblicos. No se trata de mais uma pedra najanela, mas uma nova tentativa de mirar a vidraa como vitrine. Esto emjogo, portanto, exposio, visibilidade, ambiente de emergncia de aspectos

    positivos e negativos.Por isso, este volume se divide em duas partes. Na primeira, os autores

    discorrem sobre valores, conceitos e mtodos para se analisar a mdia, sina-lizando uma preocupao comum: como se deve criticar o jornalismo? Nasegunda parte, o escopo o que se colhe com a observao rigorosa e siste-mtica, e neste sentido, a ateno recai para um tema cada vez mais discutido

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    no jornalismo: a qualidade. Como se pode medir a qualidade de um jornal?Ou dito de outra maneira: por que um veculo melhor que outro numa certacobertura? Nossos autores tentam responder tais questes, mas acima de tudoapresentam a tenso permanente que, muitas vezes, contrape critrios jorna-lsticos e metas comerciais, preocupaes sociais e presses polticas, entreoutras.

    Portanto, neste livro, o leitor no tem diante de si uma pedra contra avidraa. Seria fcil, cmodo, confortvel, leviano apenas atacar o jornalismo.

    Propomos que o leitor veja neste livro um tijolo: rgido no esprito, spero nasuperfcie, mas de natureza inalienavelmente construtiva.

    Rogrio Christofoletti

    Livros LabCom

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    Parte I

    Da anlise e da crtica

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    O jornalismo como teoria democrtica

    Luiz Martins da Silva

    TEM esta reflexo o propsito de sondar compreenses em torno de umaprovvel sntese entre duas concepes paradoxais do jornalismo, a pri-meira, de que se trata de uma atividade mercantil-burguesa a servio da domi-nao; a segunda, de que se trata do prprio exerccio de um dos mais sagradosvalores cvicos, a liberdade de expresso. A hiptese de trabalho a de queo jornalismo, por ser uma atividade de forte vnculo social jamais se renderinteiramente ao comando dos poderes espoliadores das massas, sob pena dematar a sua prpriagalinha dos ovos de ouro, que a sua vocao para o in-teresse pblico; para a utilidade pblica; e para se desempenhar como serviopblico, a despeito das vicissitudes, tanto as que decorrem da prtica do jor-nalismo como uma atividade pblica pelo setor privado, quanto no que serefere prtica do jornalismo como uma atividade liberal por parte de entesestatais, governamentais ou partidarizados. A hiptese, portanto, de que ojornalismo, independentemente da natureza do dispositivo econmico ou ins-titucional que o abrigue, cumprir inevitavelmente um papel emancipatrio. preciso ressaltar que tanto o jornalismo de mercado quanto o jornalismode Estado so objetos de negaes quanto sua autenticidade. O fato queambos tm os seus constrangimentos organizacionais1 atvicos.

    De partida, a premissa de que objetivaes, tais como: liberdade, cidada-nia, democracia e justia so construes processuais-construtivas e, portanto,protorrealidades que nunca atingiro um estgio de acabamento terminal. Aprpria noo de sociedade estaria submetida a esse entendimento, sob penade termos permanentemente de negar a existncia [autntica] da liberdade,da cidadania, da democracia e da justia. Por extenso, a mesma premissase aplica ao jornalismo, ainda longe dos tentculos colonizadores domundosistmico[do poder e do dinheiro]; ainda longe de estar inteiramente asso-ciado aomundo da vida [de um cotidiano no-alienado], mas nem por issoobjeto de negao total, sob pena de termos de admitir que no h jornalismo

    1Expresso de Warren Breed,apudTRAQUINA, N.Jornalismo, questes, teorias e hist-rias. Lisboa, Vega, 1998.

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    real. O jornalismo seria para todo sempre uma falsa conscincia2,e jamaisresgatvel de tal descolamento de sua misso social.

    em torno dessa deduo lgica emanada da lgica construtivista quepretendemos construir a hiptese maior de que o jornalismo, embora forneapeso para os dois pratos de uma balana, est fadado a pender para o ladoemancipatrio, aquele que o caracteriza como provedor de apropriaes co-letivas de parte do seu trabalho e que, por ser assim, possibilita o seu enten-dimento dentro de uma teoria social, da qual poder-se-ia inferir uma teoria

    democrtica.O jornalismo, como qualquer atividade humana e social concebida no

    contexto de um embate entre foras emancipatrias e foras conservadoras,acaba sendo tangido pelas contradies histricas, atendendo a dois senhoresao mesmo tempo. Incompletas e tendenciosas seriam, portanto, compreensesmaniquestas dessa atividade, ora vista como desempenhando um papel rea-cionrio, ora vista como fora progressista, impulsionadora dos avanos daHumanidade. Existiria para esse par-oposicional um lado vencedor ou umasntese dialtica, nos moldes da equao tese-anttese-sntese? No Brasil, lugar comum nas redaes de mercado a qualificao do jornalista que atuano setor pblico como chapa-branca, a servio de um jornalismo chapa-

    branca.Numerosos aportes tericos poderiam nos servir nessa busca de com-

    preenso dos fenmenos em que se insere o jornalismo. Marx e Gramsciparecem-nos, no entanto, os autores apropriados para nos dar suporte, no poruma escolha que,a priori, possa ser tachada de ideolgica, mas pela adequa-o das categorias conceituais para a anlise das contradies que se colocam,de um lado, entre esociedade poltica e, de outro, sociedade civil; entre aexpropriao do trabalho, de um lado; e, de outro, a coletivizao da produti-vidade. Contraponto similar que o prope Habermas, entremundo sistmicoemundo vivido. Habermas, no entanto, vislumbra a possibilidade ainda queutpica de um reengate entre o mundo sistmico(da Poltica e da Econo-

    mia) e omundo da vida (Lebenswelt). Em outras palavras, seria necessriopartir das denncias de Marx (alienao) e de Gramsci (hegemonia), mas noestancar na negao da vida, por no estarmos vivendo uma vida autntica,

    2Estamos nos referindo ao referente conceito marxista. O jornalismo, alm de ser umafalsa conscinciaem si, seria tambm umaparelho ideolgico(cf. Althusser) disseminador deiluses da realidade.

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    uma liberdade autntica, uma democracia autntica, uma sociedade autntica.Nem teramos sequer um pas, uma vez que o Brasil ainda um pas-vtimados jogos neo-coloniais e neo-imperiais.

    Boaventura de Sousa Santos, por sua vez, prope como atitude reconci-liadora (uma hermenutica diatpica) de saberes aparentemente antitticos cincia e senso comum que ele denomina dedupla ruptura epistemolgica,capaz de tanto levar em conta tanto omundo da vidaquanto levar aomundoda vidao saber cientfico. Uma cincia ps-moderna seria aquela que, sem

    perder o senso crtico, seria capaz de uma auto-reflexo [crtica], de modo ano pairar acima do senso comum, mas at tendo-o como objetivo a ser atin-gido: democratizar o saber cientfico, de modo que ele no atue na sociedadecomo um poder autonomizado [mundo sistmico], mas a servio dela: "Oque se pretende um novo senso comum com mais sentido, ainda que menoscomum"3.

    Por analogia, e por hiptese, seria esdrxulo conceber a existncia de doisjornalismos: um, descolado domundo da vida, aquele que, mesmo quandonoticiando o prprio cotidiano consensual, o estaria fazendo em favor de es-truturas dominantes (mundo sistmico). No se espera que o jornalismo seconfunda com o senso comum, j que rene habilidades e competncias para

    cobrir os fatos em quantidade e em qualidade acima dos limites dos atores quedispem to somente da circulao natural das notcias no dia-a-dia. Espera-se dele, no entanto, que se confunda com o senso comum, na medida em que prprio da sua funo/misso transferir os novos fatos (news) ao mximoalcance. Estruturado sistemicamente e at sendo um poder econmico comreflexos polticos , o jornalismo perderia, no entanto, o seu vnculo social etrairia o seu pblico se, a servio desse senhor, apresentasse, porm, fatosacrescidos de distores e engodos, funcionando, enfim, no como um serviopblico em favor do esclarecimento (Aufklrung), mas como uma indstria deproduo massiva defalsas-conscincias.

    Do jornalismo e dos jornalistas se espera, portanto, zelo por princpios

    da profisso, mas tambm valores morais (verdade, objetividade e iseno); erigor nos procedimentos ticos. O jornalismo , consequentemente, um campodo dever, da obrigao moral (tica) e, em decorrncia, um campo dotado de

    3Boaventura de Sousa Santos, Introduo a uma cincia ps-moderna. Rio de Janeiro:Graal, 1989.

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    claros compromissos ticos e uma deontologia prpria (decoro profissionalcircunstanciado ao cdigo de tica de uma categoria).

    Determinismo histrico

    A prevalecer uma viso marxista e ortodoxa do jornalismo praticado pelas em-presas capitalistas ou por um Estado burgus, no haveria como conceber essaatividade a servio da emancipao social. O jornalismo seria, ento, uma pe-rigosa ferramenta de alienao das massas. O jornalismo para ser autntico ca-receria de uma libertao de si prprio, uma espcie de maturidade ideolgica,o que implicaria, lamentavelmente, uma ideologizao da prpria atividade euma ciso entre o jornalismo reacionrio e o jornalismo progressista. Talmaniquesmo resultaria num separatismo valorativo e qualitativo, bem comona necessidade de os atores e autores se identificaram como fazendo parte deuma espcie de alm-jornalismo, um parajornalismo e, consequentemente, nanegao do jornalismo no-engajado, pois este seria o no-jornalismo, maslobo em pele de cordeiro, com intentos de devorar o prprio.

    A prevalecer uma viso ortodoxa [a luta de classes como paradigma abso-luto] do jornalismo como correia-de-transmisso-do-capitalismo, o leitor deum jornal ou de uma revista, por exemplo, iria banca com uma preocupaoa priori acerca do risco embutido nas informaes a serem obtidas: conte-riam elas a mcula original do germe da reproduo dos fatores desiguaisnas relaes de troca? Que valores estariam inseridos originariamente nosvalores-notcia dos fatos noticiados? Poderia um veculo burgus de comuni-cao noticiar um fato sem que esse fato estivesse inexoravelmente refratadopelo prisma da explorao e da alienao? Ou, havendo chances de se in-teirar da realidade, a despeito do carter burgus da mdia em geral, comoseparar o joio do trigo? Mais prtico selecionar por atacado, selecionando osfornecedores? Dentre os fornecedores selecionados haveria segurana quanto quantidade e qualidade dos fatos disponibilizados? Ou seria mais tilvigiar o trigo comprado e, aqui-acol, flagrar amostras do joio intrometido?Aparentemente, essa seria uma vigilncia necessria e permanente, com rela-o a qualquer ato da vida e do cotidiano, uma espcie decogitopara a prpriaexistncia:critico, logo sou, uma verso delta para ocogitocartesianopenso,

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    logo existo. No seria esse o papel do metadiscurso produzido pelos instru-mentos disposio domedia criticism?

    Qual seria a ideologia da verdade? A ideologia do jornalismo estaria nacrena de que, a despeito de interesses polticos e econmicos possvel aojornalismo transmitir a verdade, se a verdade prevalecer na sua condio dedever. Rui Barbosa, j senil e doente, recebeu em 1920 um apelo: dissertarnuma conferncia benemerente (em prol doAbrigo dos filhos do povo, um or-fanato de Salvador, Bahia) sobre o papel da imprensa. Foi ento que escreveu

    o clssicoO dever da verdade4, reeditado em 2004.A palestra de Rui teve de ser lida por um amigo, o advogado Joo Manga-

    beira. A enfermidade no tirou do lcidoguia de Haiaa acuidade em iden-tificar dois graves problemas da imprensa de seu tempo (mas jamais extintos),o suborno e a dependncia das verbas oriundas dos cofres pblicos, manipu-ladas por governantes. A despeito de todas as deformaes que encontra nasprticas jornalsticas de ento, o grande jornalista que foi Rui Barbosa nodeixa de acreditar firmemente na capacidade da imprensa de atuar como osolhos da sociedade.

    Como j tivemos oportunidade de comentar em resenha sobre a reediodeO dever da verdade5, Ao longo de sua palestra, o velho Rui manifesta

    um intenso nojo pelas relaes incestuosas entre governos e imprensa, j queA imprensa a vista da Nao". Outra advertncia dele: "Sem vista mal sevive. Vida sem vista vida no escuro, vida na soledade, vida no medo, morteem vida: o receio de tudo, dependncia de todos; rumo merc do acaso;a cada passo, acidentes, perigos, despenhadeiros. Tal a condio em que apublicidade se avariou, e, em vez de ser os olhos, por onde se lhe exerce aviso, ou o cristal, que lha clareia, a obscuridade, onde se perde, a ruim lente,que lhe turva, ou a droga maligna, que lha perverte, obstando-lhe a notcia darealidade, ou no lha deixando seno adulterada, invertida, enganosa".

    Parafraseando Rui Barbosa, o problema da imprensa no est na imprensaem si, mas nas suas atribulaes, a serem resolvidas, seno, confortadas. Nes-

    ses 90 anos que nos separam da conferncia mencionada, h pelo menos umacultura de crtica da mdia, que pode ser traduzida na forma como tem surgido

    4A imprensa e o dever da verdade, de Rui Barbosa, 128 pp. So Paulo, 2004.5Intitulada Rui Barbosa e o dever da verdade: http://www.

    observatoriodaimprensa.com.br/artigos.asp?cod=341AZL005. Ori-ginalmente publicado no cadernoPensardoCorreio Braziliense, em 8/8/2005.

    http://www.observatoriodaimprensa.com.br/artigos.asp?cod=341AZL005http://www.observatoriodaimprensa.com.br/artigos.asp?cod=341AZL005http://www.observatoriodaimprensa.com.br/artigos.asp?cod=341AZL005http://www.observatoriodaimprensa.com.br/artigos.asp?cod=341AZL005http://www.observatoriodaimprensa.com.br/artigos.asp?cod=341AZL005
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    em numerosos pases os chamados Meios de Assegurar a ResponsabilidadeSocial (MARS)6,entre eles, conselhos, ouvidorias, observatrios e, no Brasil,desde 2005, a Rede Nacional de Observatrios da Imprensa (Renoi).

    Retrica e contradio

    O exerccio permanente da crtica ao jornalismo seria fcil se o leitor nonecessitasse do jornalismo para a prpria tomada de conscincia do mundo.Alis, jornalismo seria, originariamente, no em definitivo a oferta diriade notcias-produto por produtores de notcias, mas a prpria cognio domundo, tripartida em trs patamares de ao: objetivao,subjetivaoein-tersubjetivao, categorias a que retornaremos mais frente.

    Todos os fornecedores de notcia, por um determinismo enunciativo,apresentar-se-o como portadores do archote da verdade ou, quando menos,da aproximao mxima e possvel da prpria. O problema da verdade queela se presta apropriao de todos, entre eles, os mentirosos e os delirantes.Um recurso a servio do leitor seria o da utilidade, a utilidade como um filtro,ainda que acrtico. Ou, quem sabe, a utilidade fosse uma espcie de grau zeroda crtica: Este produto me serve?, ainda que de m qualidade; ainda quecontaminado; ainda que seja apenas dos males o menor; ou, o que h nestemomento.

    Seria o jornalismo uma compreenso delegada do mundo? Eu sou ca-paz de conhecer a realidade, mas h dispositivos especializados em apresen-tar a realidade e para tanto bem mais aparatados do que a minha compreen-so individualizada e limitada. Preciso do jornalismo como uma construoavanada e indispensvel da realidade. Num mundo vasto e numa sociedadecomplexa, parece no haver sobrevivncia crtica possvel sem essa tecno-dependncia, que a demanda cotidiana e at simultnea dos processos demediao [a busca dos meios e solues] e de midiao [suportes materiaispara o permanente exerccio da polmica em torno do bom, do belo, do justoe do bem, em sntese].

    6O assunto foi objeto de uma tese de doutorado Responsabilidade Social da Mdia. An-lise conceitual e perspectivas de aplicao no Brasil, Portugal e Espanha-- do prof. FernandoOliveira Paulino, defendida na Universidade de Braslia, em 2008, transformada em livro: Bra-slia, Casa das Musas, 2009.

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    A notcia no , porm, um produto inerte e cabvel numa frma e numaembalagem. Nem o seu contedo destina-se a um usufruto nico por partede qualquer consumidor isolado. Alis, notcia nem seria um produto deconsumo, e muito menos desses de descarte imediato. Por se destinar cons-cincia e no ao corpo, o valor da notcia ter de ser classificado muito maiscomovalor de trocado que comovalor de uso. O principal proveito de umanotcia ser, portanto, o proveito dialgico e dialtico, insumo para a partilhae para o cotejo das informaes; possivelmente, combustvel para o debate,

    para a polmica e at o para o conflito.Cognitivamente, trs seriam as categorias de apropriao da notcia: 1) a

    primeira, pela objetivao, ou seja, a notcia como um fator proporcionadore facilitador de contato com a realidade objetiva e com as objetivaes pos-sveis 2) a segunda, pela subjetivao, isto , a notcia como um valor a sercontextualizado no universo de uma determinada subjetivao do mundo, sejapor parte de indivduos que comungam de determinado gnero, classe, inte-resse identidade, em sntese; 3) a terceira, pela intersubjetivao, ou seja,as diversas possibilidades de apropriao partilhada [discutida] de um mesmofato noticioso por parte de distintos segmentos da sociedade, alinhados sejapor interesses, seja por opinies diversas diferentes cosmovises, ou, se se-

    manticamente mais apropriado, por diferentes ideologias.Poder a notcia ser qualificada como um servio pblico? Ou, noutra

    acepo, um servio ao pblico. Esta poderia ser uma maneira de despojaros fatos de sua carga ideolgica e, mais uma vez, o assoalho universalizadorseria o da utilidade. Existiriam notcias teis para todos, independentementede gnero, raa, classe, interesses? Existiriam notcias de interesse pblico?Isto , capazes de servir a todos, indistintamente? Existiria uma espciede semitica cientfica dos fatos, capazes de apresent-los de forma abso-lutamente refencial-denotativa? Existiria um servio pblico de notcias?Existiria a possibilidade de qualquer servio noticioso atuar como fornecedordessa matria-prima chamada interesse pblico?

    Estaramos, aqui, navegando num rio de duas margens, mas procurade uma terceira7 que, de to ampla e universal, prestar-se-ia mais condi-o de foz e, em seguida, de mar ou oceano, do que a continuidade de um

    7Analogia tirada do renomado conto de Guimares Rosa, A terceira margem do rio, partedo livro Primeiras Estrias (1962). Em: http://www.releituras.com/guimarosa_margem.asp

    http://www.releituras.com/guimarosa_margem.asphttp://www.releituras.com/guimarosa_margem.asphttp://www.releituras.com/guimarosa_margem.asphttp://www.releituras.com/guimarosa_margem.asp
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    fluxo. Utilidade pblica; interesse pblico; e servio pblico seriam jusantese no montantes; resultados e no intenes; apropriao coletiva e, portanto,leitura-representao somente re-conhecvel por mtodos empricos: sonda-gens; tendncias; fatos sociolgicos e no mais jornalsticos.

    A democracia e, portanto, a pluralidade de verses, seria um fator muitomais determinante das possibilidades de sobrevivncia dos valores clssicosdo jornalismo do que a pretensa objetivao dos fatos por indivduos, indivduos-reprteres; indivduos-chefes; indivduos-editores; indivduos-donos; coletivos-

    trabalhadores; coletivos-patres; coletivos-sujeitos. A notcia encontraria, en-to, seu sentido e seu valor muito mais na apropriao coletiva dos fatos nar-rados (na gnese narrativa) e re-narrados na confluncia do caudal das verses-contributos [discursividade]. E essa apropriao coletiva se daria em doispatamares bsicos, o primeiro, da utilidade-interesse-servio; o segundo, douso denotativo-conotativo-pragmtico, a notcia como uma prxis e, portanto,como uma ao transformadora socialmente autnoma e no dirigida (ma-nipulada ou seduzida) por parte deste ou daquele segmento (em detrimento deoutros).

    Imprensa e servio pblicoPara que serve um jornal?

    Valmo-nos de um episdio em que esta questo foi colocada para ilus-trar o quanto esta preocupao pode ser partilhada coletivamente. Em 18 dejulho de 1999, durante um comcio, o ex-governador do DF, candidato re-eleio, Joaquim Roriz, indignado contra as denncias de irregularidades nasua campanha, publicadas peloCorreio Braziliense(CB), incitou a multidoa um boicote quele jornal sem serventia, ao mesmo tempo que convidava oseu pblico a fidelizar-se aoJornal de Braslia(aliado seu e adquirido por umnovo grupo empresarial, com financiamento do BRB, o banco distrital). Paraque ser um jornal? Indagou Roriz, em seu discurso.

    No dia seguinte, o CB publicou uma primeira pgina sui generis: tendocomo manchete a expresso Para que serve um jornal e, abaixo dela, apenaso texto correspondente. Ou seja, uma primeira pgina com um s texto. Aschamadas para as matrias limitaram-se a um rodap, na horizontal. Origi-nalmente escrito pelo jornalista TT Catalo, para ocupar o espao de sua cr-

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    nica, o texto foi elevado categoria de manifesto, to logo foi lido pelo entoeditor-chefe, Ricardo Noblat. Era no somente uma resposta provocao deRoriz, mas uma pea retrica e ideolgica, de afirmao da instituio jornalcomo um servio pblico, seguindo, de certo modo, a inspirao iluministadas primeiras linhas escritas no antigoCorreio Braziliensepor Hiplito Josda Costa: "O primeiro dever do homem em sociedade ser til aos membrosdela".

    Para que serve um jornal, assumido pelo CB como carta de princpios [e

    emoldurado em pster gigante que se manteve por vrios anos na entrada desua redao], enumerava uma srie de funes atribudas a um jornal, masera sobretudo pontuado com a expresso, em negrito, um jornal serve paraservir. O texto foi enftico em realar a diferena entre servio e servido:

    Um jornal no tem senhores, domnios, posses ou possesses. Um jornalserve quando no escravo at do seu prprio sucesso. Ento pra que serveum jornal, mesmo? Um jornal serve para publicar o que se fala, refletiro que se publica, aprofundar o que se opina sobre o publicado e ampliarTODAS as opinies sobre o dito e o refletido.

    Com muita freqncia os veculos de comunicao de massa apelam pelos

    mais elevados valores da liberdade, da democracia e da independncia, espe-cialmente, quando identificam algum sinal de ameaa ao exerccio das suasatividades e, por vezes, tambm dos seus interesses econmicos. Quandoda campanha pelo banimento da publicidade de cigarro dos canais abertosde TV, a Associao Brasileira das Emissoras de Rdio e Televiso (Abert)considerou tal limite como um atentado liberdade de expresso. Posiciona-mento semelhante houve quando as emissoras de TV insurgiram-se contra aclassificao indicativa por faixa etria dos contedos de diverses pblicas incluindo as telenovelas. A Abert, por meio de seus advogados, obteve nos o direito da auto-classificao de contedos por parte das tevs derru-bando 19 anos de prtica constitucional, exercida pelo Ministrio da Justia

    como obteve o apoio de artistas que vieram a Braslia lutar contra a voltada censura, um sofisma, evidentemente, j que censura o exame prvio decontedo com possibilidade de restrio sua publicao no a classificaoindicativa dos mesmos. Para o pblico-audincia desses veculos, era comose a censura do regime militar estivesse de volta.

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    Paladinos da liberdade so todos os grandes homens da imprensa, gran-des, tanto no sentido que contribui para enobrecer a biografia de prceres daliberdade, os chamadospublicistas a exemplo de Benjamin Franklin, de Hi-plito Jos da Costa, de Rui Barbosa e de Barbosa Lima Sobrinho como nosentido atribudo aos bares-da-mdia e suas posies liberais, liberalismo,no entanto, por vezes mais direcionado para a liberdade de mercado do quepropriamente para a liberdade de publicar incondicionalmente a verdade dosfatos. Vejamos o que, a propsito, refere o professor Vencio A. de Lima8:

    As diferenas comeam com o prprio significado da palavra imprensa.Creio que o herdamos da lngua inglesa. Nela, porm, existe uma distinoentrespeech(palavra),print(imprimir) epress(imprensa) que, na maioriadas vezes, no se faz entre ns.

    Paladinos da liberdade so igualmente os assalariados da imprensa; osjornalistas-empregados; os editores; os reprteres; acategoriasindicalizada emilitante tanto pelas condies salariais de trabalho, quanto pelas condiesde no serem intimidados na sua misso de fidelidade aos fatos cobertos e apu-rados. Em suas campanhas trabalhistas e em suas campanhas temticas, comoa eterna luta em favor do jornalismo por formao e, consequentemente,

    em favor de uma profisso legitimada por um diploma obtido em curso su-perior de jornalismo reconhecido pelo Ministrio da Educao, a FederaoNacional dos Jornalistas (Fenaj) sempre procura destacar, entre outros, doisaspectos: a) que os seus ideais encontram o apoio da sociedade; b) que so-mente uma formao de qualidade poder assegurar sociedade a prtica deum jornalismo isento e democrtico.

    Paladinos da liberdade so todos os retores que, ocasional e oportuna-mente, se manifestam em defesa da liberdade de expresso; da liberdade deimprensa; e do reconhecimento dos dois valores anteriores como intrnsecos existncia de uma democracia. Equao inquestionvel , portanto, a biuni-vocidade que se estabelece entre democracia e liberdade de expresso; entre

    liberdade de expresso e democracia, par interdependente; interconstitutivo.8Na leitura que fazemos de Vencio Arthur de Lima (UnB), em sua profcua produo de

    artigos sobre a mdia brasileira e da forma como ela se apropria da defesa da liberdade deimprensa, preferimos fazer a distino entre liberdade de pensamento ( think); liberdade deexpresso (speech); liberdade de publicizao (press); e liberdade de impresso (print).

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    Defender a liberdade de expresso e valores, como: independncia; isen-o; objetividade; credibilidade; e cidadania, entre outros, um atitude quetranscende a relao capital x trabalho e tambm as diferenas tnicas, de g-nero e outras, a despeito da inexistncia de reconhecimento de legitimidadeentre contendores. Quando um patro fala em nome da liberdade de imprensa,um virtual empregado dir: ele est confundido liberdade de imprensa comliberdade de empresa. Em contraposio, quando o trabalhador fala em liber-dade de imprensa, o patro poder interpretar ele est falando em tomada

    de poder.Haveria possibilidade de a imprensa e a notcia ultrapassarem as lutas pelo

    poder e alcanar o pblico como um ur-destinatrio, acima das pelejas declasse, etnia, gnero etc? Haveria possibilidade de leituras intersubjetivas dosfatos, numa sociedade plural e democrtica? Em jogo, portanto, a construojamais finda da liberdade, da cidadania, da democracia e da justia, que soprocessos construtivos e, portanto, jamais concludos. Por extenso, tambmno temos uma sociedade autnoma, no sentido de se ter livrado das hetero-nomias [imperialismos, classes dominantes, patrimonialismos etc].

    Paralelamente liberdade, cidadania, democracia e justia e, emsntese, a uma

    sociedade autnoma, poderamos compreender o jornalismo igualmentecomo um campo construtivo [na acepo do construtivismo]. No temosum jornalismo emancipado e emancipador, mas temos um processo estadial-construtivo. Enquanto isso, louvvel o esforo de quem quer que seja nosentido de agregar notcia algo para alm do seu primrio valor-notcia. Eque agregao seria essa? E a servio de quem?

    Valor-notcia e valor-servio

    Em pesquisa que desenvolvemos com bolsa do CNPq, intitulada O jorna-lismo como teoria democrtica, construmos a hiptese segundo a qual maisque avaliar o desempenho dos rgos de imprensa pela sua colorao ideol-gica ou pelo seu nvel de dependncia econmica, seja dos governos, seja dosanunciantes, fundamental levar em conta um outro diferencial: o nvel deagregao devalor-servios notcias e reportagens.

    Estamos denominando devalor-servioa produo de informaes adici-

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    onais ao fato noticiado, de modo a facilitar a sua contextualizao e de modoque o destinatrio possa dispor de elementos para exercer melhor a sua cida-dania a partir do fato noticiado, o que somente se torna possvel se para almdos valores-notcia que geraram a seleo e hierarquizao do fato notici-ado (principais critrios de noticiabilidade), a narrativa e a edio da matriaincorporar servio, conceito difuso, mas facilmente identificvel entre umanotcia que simplesmente notifica o ocorrido e outra que alm de notificar oocorrido fornece informaes, dados, utilidade pblica e contexto (cultural,

    social, estatstico e histrico).A agregao de uma segunda camada de valor notcia, faz com que ela

    adquira um valor duplo (valor-notcia+valor-servio) e, consequentemente,um valor agregado. Havendo valor agregado, pode-se deduzir que houve maistrabalho, ou melhor, mais sobretrabalho. Tais acrscimos, no entanto, que primeira vista poderiam aparentar mais incorporao demais-valia e emdecorrncia maior apropriao do trabalho excedente por parte do capital, norepresentam uma radicalizao de um sistema de explorao do homem pelohomem, uma vez que num modo de produo como esse a apropriao sed de forma coletiva, e no privada. Ora, se a apropriao dos excedentes coletiva, a notcia estar cumprindo um papel socialmente emancipatrio e

    no de reproduo da alienao da produo e da conscincia que resultam dotrabalho.

    Complementando a hiptese referida, haveria um modo de produo jor-nalstico capaz de funcionar como uma prxis; capaz de funcionar como aotransformadora da realidade, ainda que eventualmente ao custo da explora-o do jornalista como mo-de-obra barata. O importante da agregao deutilidade pblica;interesse pblico; eservio pblico notcia que a apro-priao desse valor agregado no privada, e sim coletiva. Essa possibilidadegera uma nova compreenso do papel da notcia e do papel do jornalista nasociedade: a socializao da informao, por sua vez transmutada em saber.Gera a possibilidade de progressos, ainda que no definitivos (no sentido re-

    volucionrio, da tomada do poder e da instaurao de uma nova ordem).A se tomar como um marco a magistral conferncia de Rui Barbosa,

    poder-se-ia estabelecer como marco secular o ano de 2020, quando a atualgerao dos veteranos no jornalismo ainda teramos, com certeza, muitos re-paros a fazer aos problemas da sociedade brasileira e s contribuies do jor-nalismo para o seu progresso.

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    Jornalismo e informao para democracia:parmetros de crtica de mdia

    Danilo Rothberg

    Q

    UANDO se produz crtica de mdia com o objetivo de apontar insufici-ncias do jornalismo comercial, geralmente so adotados, como refe-

    rncias, padres normativos advindos dos campos da tica e da deontologiaprofissional. Com freqncia, se indicam problemas prprios da investigaonecessria a uma matria: ausncia de fontes, falta de exatido, de pluralidadee equilbrio entre as diferentes perspectivas ali em jogo so fatores indicados afim de sustentar determinada avaliao. No entanto, nem sempre esto clarasas exigncias feitas a uma abordagem jornalstica, ou seja, pouco se explicitaa respeito de qual sua contribuio esperada para o pblico, em termos deformao para o exerccio da cidadania1.

    Como contribuio para a definio de um conceito de qualidade da no-tcia a ser tomado como parmetro pelos crticos de mdia, este texto revisaaspectos do jornalismo enquanto atividade comprometida com o aprofunda-mento da democracia, aponta os obstculos plena realizao dessa funopelas mdias comerciais e caracteriza o desempenho ideal da informao jor-nalstica no contexto enfocado.

    Democracia, jornalismo e enquadramento

    Enquanto a literatura sobre modelos de democracia clara ao sugerir a exis-tncia de diferentes graus de informao requeridos ao sujeito poltico, um as-pecto que merece ser problematizado com mais profundidade , justamente,o objetivo do jornalismo no estgio de amadurecimento democrtico atual,

    tanto no Brasil quanto nas democracias mais antigas (Held, 1996; Habermas,1995; Miguel, 2004; Strmbck, 2005; Rothberg, 2005; Hallin e Mancini,

    1Uma verso inicial deste texto est nos anais do VI Encontro Nacional de Pesquisadoresem Jornalismo, So Bernardo do Campo, SP, 2008. Aspectos das relaes entre informaode diagnstico e poltica foram desenvolvidos em Informao de diagnstico, democracia eincluso digital, Linc em Revista, v. 5, n. 1, p. 4-18, 2009.

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    2004; Gentilli, 2002). No contexto atual, exige-se dada formao do indiv-duo de maneira que supera em muito o que antes se precisava para apenasvotar periodicamente. O momento atual o da democracia que admite, aco-lhe e incentiva variadas formas de participao nos processos de definio depolticas pblicas (em conselhos municipais, conselhos de oramento parti-cipativo, consultas pblicasonlinee assim por diante). E isto fundamenta apercepo de que o conceito de notcia hoje praticado por editorias de polticaest cada vez mais distante das exigncias do que tem sido chamado de cida-

    dania informada. As demandas cognitivas para o exerccio dos direitos civis epolticos no tm sido atendidas pelo jornalismo comercial.

    A insuficincia da notcia pode ser vista de diferentes maneiras, alicera-das em distintos aportes tericos, que ligam causas e conseqncias. Entreeles, destaca-se a literatura sobre o paradigma do enquadramento, que temsido prdiga na tarefa de contribuir com explicaes sobre as decorrnciasdo conceito de notcia praticado pelo jornalismo comercial. De certa forma,a noo de enquadramento fornece aspectos para a produo de uma teoriaunificada que pode ser tida como resposta parcial ao dilema colocado porSchudson (2000) a respeito da origem da informao jornalstica.

    Na reviso do autor, so identificadas trs ordens de fatores que agrupam

    as teorias da notcia (Traquina, 1999 e 2004; Souza, 2002; Wolf, 1999). Aprimeira a perspectiva da economia poltica da propriedade dos meios decomunicao: uma dada feio assumida por uma matria deve ser decorrn-cia do alinhamento automtico entre empresas de comunicao e elites en-trincheiradas na poltica e na economia. A segunda aponta que os valores denoticiabilidade (news values), prprios rotina de trabalho na rea, vo influ-enciar o que ser e como ser noticiado; distores ou tendncias devem serfruto de apropriaes de sentido guiadas por valores profissionais, geralmenteaplicados de maneira involuntria. A terceira deposita sobre vises culturaisconsolidadas a responsabilidade por forma e contedo de uma notcia. Ascrenas sobre como certos acontecimentos devem ser noticiados viro de um

    repertrio de concepes que moldam a experincia cotidiana de um pas.Se cada uma das trs conceituaes apresenta vantagens e desvantagens,

    o autor aponta a necessidade de se buscar uma explicao combinada paraa origem da notcia. Ora, o conceito de enquadramento pode ser aqui postocomo uma resposta adequada, medida que embasa certo entendimento das

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    maneiras pelas quais uma notcia, ao mesmo tempo, repercute concepes deseu criador e pode contribuir para desencadear preferncias polticas.

    Os enquadramentos so marcos interpretativos mais gerais construdossocialmente que permitem as pessoas fazer sentido dos eventos e das situa-es sociais, indica Porto (2004, p. 78). Um enquadramento (framing) construdo por meio de operaes como seleo, excluso ou nfase de deter-minados aspectos e informaes, compondo perspectivas gerais para a com-preenso de acontecimentos e situaes cotidianas. uma idia central que

    organiza a realidade a partir de certos eixos de apreciao. Gamson e Modigli-ani (1989, p. 3) vem os enquadramentos como pacotes interpretativos queconferem sentido a um assunto. Eles podem materializar-se tanto na tica dosprprios produtores de informao, que assim os repassam implicitamente naorganizao de uma matria jornalstica, quanto na prpria notcia. Desta ma-neira, podem tanto ser fruto de manipulao deliberada (o que vai ao encontroda perspectiva da economia poltica da comunicao como fator de origem danotcia), de valores profissionais denewsmakingou de componentes culturais.

    Ou seja, a noo de framing dispensa, de certa forma, elaboraes dis-pendiosas sobre as razes pelas quais uma dada notcia vem a assumir de-terminada feio, e sugere que os esforos de pesquisa devem se concentrar

    no rastreamento das concepes simblicas contidas em uma dada apropria-o de sentido construda pelas mdias. Os significados veiculados por umamatria so ento entendidos como um complexo resultante de uma culturahegemnica moldada pornews valuesprprios de veculos em competio nomercado de notcias.

    Enquadramentos podem ser categorizados de muitas formas. Muitas ve-zes, a classificao se ajusta a circunstncias empricas, ou seja, os parmetrosemergem de um estudo exploratrio da amostra pesquisada (Ald e Lattman-Weltman, 2005; Azevedo, 2000 e 2004; Medeiros, 2005). Mas genericamentepodem ser classificados, no mbito das editorias de poltica, como quadros deconflito(quando retratam os polticos como eternos personagens em disputa,

    sem mais consideraes s polticas pblicas envolvidas em determinado ar-ranjo de foras);jogo(os personagens so retratados como agentes movidosunicamente por estratgias competitivas em busca de vantagens particulares);e episdicos (quando fatos e conjunturas de grandes repercusses recebemtratamento superficial e so enfocados somente a partir de seus traos maisextravagantes ou pitorescos).

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    Enquadramentostemticosso, em oposio aos quadros deconflito,jogoeepisdicos, abordagens contextualizadas, plurais e abrangentes, que relaci-onam antecedentes e pressupostos de polticas pblicas, avaliam implicaese conseqncias, examinam alternativas e critrios de comparao etc.

    Estudos empricos indicam que a exposio a quadros deconflito, jogoeepisdicostende a dificultar a produo de uma resposta mais consistentedas pessoas s mensagens, como a atribuio de responsabilidades por pro-blemas sociais a fatores objetivos das polticas pblicas empregadas em dado

    momento. Uma vez expostos majoritariamente a quadros superficiais, os indi-vduos tendem a enxergar solues individuais para a pobreza, por exemplo,que ofuscam o papel de polticas sociais orientadas ao desenvolvimento hu-mano. J os enquadramentostemticos foram associados a uma percepomais abrangente dos diversos fatores que concorrem para o desempenho deuma sociedade nacional na promoo do bem-estar coletivo (Iyengar, 1990 e1991).

    Quadros temticos e informao de diagnstico

    A formao do sujeito poltico no sistema democrtico requer quadros tem-ticos. E, do ponto de vista cognitivo, o enquadramento temtico ideal devepossuir certas caractersticas, se seu objetivo for o atendimento de exign-cias polticas de emancipao da cidadania. A formulao de Kuklinski et al(2001) til para esclarecer a questo.

    Lembram os autores que, no ambiente das democracias contemporneas,intervm fontes de informao nas quais os cidados devem confiar a fim defazer julgamentos acerca de instituies, agentes e linhas de ao poltica. Oscnones tradicionais vo fundamentar a idia de que a liberdade de expresso fator fundamental e suficiente para haver proviso irrestrita de informaes.Pensa-se ento na quantidade de dados, com a suposio de que a qualidadeser uma decorrncia natural da abundncia. natural pensar apenas emtermos de volume bruto de informao fatos, argumentos, detalhes sobrepolticas e assim por diante que o ambiente prov, com a crena de quemais informao melhor que menos informao, ponderam Kuklinski et al(2001, p. 412). Mas essa suposio erra o alvo: afinal, alguns dados rele-

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    vantes podem ser mais significativos para a formao do cidado que muitasinformaes acessrias.

    Assim, ao invs do volume, o valor de diagnsticoda informao queinfluencia a habilidade de os cidados fazerem escolhas referentes s polti-cas, salientam os autores (p. 412). Os subsdios adequados s decises emquesto devem abranger com clareza e amplitude as questes centrais envol-vidas, prestando-se tanto tarefa de proporcionar a identificao dos assun-tos sobre os quais preciso possuir perspectivas embasadas, quanto ao pr-

    prio processo de construo de posicionamentos, com dados integrais, balizas,comparaes, prognsticos etc.

    Um conjunto de informaes suficientemente claro para se avaliar deter-minado assunto poltico deve abranger referncias sobre o que o autor chamade compensao entre conseqncias de polticas pblicas. Esta proposio engenhosa e deve ser detalhada.

    Implcita no raciocnio do autor, est a idia de que a prpria poltica,como negociao de diretrizes e solues, deve ser assimilada como algomuito alm do mero composto de animosidades, histrias de lutas por pri-vilgios e soluo de conflitos privados, traos geralmente presentes na ca-racterizao oferecida rotineiramente pelo jornalismo comercial. Ou seja, no

    contexto, se considera que a adoo de certa linha de ao poltica no podeser caracterizada meramente como efeito de uma escolha que atende a umarranjo circunstancial de poder entre ministros, deputados, empresrios, in-dustriais e assim por diante. Para ser assimilada em sua natureza de mediaodemocrtica entre interesses diversos, efetuada segundo critrios transparen-tes a fim de otimizar e socializar ganhos sociedade como um todo, a polticadeve ser enquadrada de maneira a estimular linhas de raciocnio claras, a par-tir das quais se torne possvel avaliar as possibilidades de equilbrio entre osdiversos resultados esperados de uma dada opo.

    Como exemplo, se pode citar a poltica de abolio de barreiras tarifrias importao de produtos de certo setor de mercado. De um lado, a competio

    dali resultante foraria os preos para baixo, beneficiando os consumidoresem geral. De outro lado, setores industriais despreparados para enfrentar onovo cenrio de competitividade poderiam sofrer falncias, o que geraria rup-turas de cadeias de negcios e desemprego. Se o quadro assim posto, asescolhas necessrias podem ser depuradas atravs de um processo de negoci-ao nas instituies polticas, com o escrutnio esclarecido dos eleitores. As

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    polticas devem se tornar melhores nesse processo. A sociedade pode vir adecidir, afinal, que a liberalizao de certos mercados bem-vinda, mas nosem a prvia implementao de salvaguardas para se prevenir o surgimento deconseqncias sociais indesejveis.

    Estudos indicam que as preferncias polticas de um indivduo se mani-festam essencialmente atravs da percepo positiva ou negativa de certos n-veis de equilbrio entre compensaes de polticas pblicas. Skitka e Tetlock(1993), por exemplo, indicam como as diferenas entre liberais e conservado-

    res nos Estados Unidos so, basicamente, distines entre ponderaes sobreo que se acredita serem benefcios e malefcios em uma dada conjuntura. Osliberais (o que no pas representa a esquerda no espectro poltico) defendem aampliao de polticas sociais de promoo da igualdade, mas no porque se-jam igualitrios a qualquer preo, e sim porque se recusam a pensar a questocomo mera atribuio de preos manuteno da dignidade da vida humana.Ou seja, mesmo que uma poltica muito generosa possa, teoricamente, trazerefeitos indesejveis como o desestmulo ao trabalho e a adeso de aproveita-dores (free riders), esse tido como um problema menor diante dos benefciosda reduo da pobreza para o desenvolvimento de uma sociedade como umtodo, incluindo facetas da economia e da administrao pblica. J os conser-

    vadores esto interessados em meios de punir os desvios do comportamentotradicionalmente aceito, portanto a menor possibilidade de que aproveitado-res venham a se beneficiar de uma poltica social generosa os faz defender suareduo ou eliminao.

    A ocorrncia generalizada de tal mecanismo de avaliao da poltica tambm suportada pela literatura que se centra em explicar como as pessoasfazem julgamentos polticos. Feldman (1988) indica que valores e crenas soelementos essenciais de anlise de conseqncias de polticas. Como com-ponentes culturais, eles orientam a formao de mapas atravs dos quais aspessoas se guiam para responder s demandas do ambiente e formular posici-onamentos.

    Assim, existem evidncias para sustentar a tese de que o ambiente infor-macional de uma democracia precisa, nos termos de Kuklinski et al (2001),oferecer dados para dar suporte s operaes mentais capazes de operar talanlise de compensaes entre os efeitos das polticas pblicas em discusso.Uma linha de ao poltica deve ser enquadrada nos aspectos de benefciosesperados e contrapartidas necessrias. Se, com a complexidade das demo-

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    cracias contemporneas, praticamente qualquer opo poltica vai envolverclculos referentes a tais aspectos, as conseqncias para as fontes de infor-mao so claras. Ser preciso oferecer balizas e parmetros para a avaliaodo equilbrio de compensaes entre resultados. o que os autores conside-ram como incentivo mais adequado insero sria e responsvel no sistemademocrtico.

    Quando as pessoas no percebem as polticas como conseqncias de es-colhas e de compensaes entre efeitos previsveis, tendem a se relacionar de

    maneira superficial e difusa com o sistema poltico. E, se elas no do sinaisde que compreendem as opes envolvidas em cada conjuntura, isso apenasdesestimula a responsividade (accountability) dos mandatrios, que passam aapresentar suas bandeiras como panacias, atravs de estratgias de marke-ting. Ao perceberem que as pessoas no esto motivadas a avaliar meios de seatingir equilbrio entre efeitos de linhas de ao em uma dada circunstncia,os formuladores de polticas poderiam empregar uma retrica enganadora ouadotar desenhos vagos de polticas a fim de manter a imagem de que do aoscidados tudo o que eles quiserem, indicam Kuklinski et al(2001, p. 415).

    Logicamente, depreende-se disto que a quantidade de informao no suficiente para fundamentar o exerccio dos direitos civis e polticos. ne-

    cessrio haver qualidade. E, por qualidade de informao, entende-se nestecontexto algo bastante preciso. a informao abrangente em nvel suficientepara permitir avaliaes embasadas sobre as conseqncias da adoo de de-terminadas polticas, de modo a fundamentar clculos sobre ganhos, perdas eformas de se obter equilbrio entre eles.

    Um ambiente que no incentiva tal performance aquele, segundo Ku-klinski et al (2001), que no apenas deixa de oferecer dados para aquelesclculos, mas simplesmente falha at em apresentar o cenrio da definiodas polticas pblicas em uma democracia. A insuficincia ocorre quando asfontes de informao no caracterizam as polticas como escolhas que envol-vem a antecipao de efeitos e a ponderao sobre compensaes sobre eles.

    Se as pessoas no forem levadas a perceber as opes implcitas na adoode polticas e no receberem dados abrangentes e articulados sobre os efei-tos das escolhas pertinentes, no tero incentivo para desempenhar o elevadopapel que as democracias contemporneas delas esperam. Se as pessoas noreceberem, conforme frisam os autores, justamente o que eles qualificam deinformao de diagnstico, ento haver fracos incentivos insero demo-

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    crtica com responsabilidade. E isto vale, inclusive, a despeito das variaesde nveis de educao formal e renda. Ou seja, mesmo se as pessoas tiveremum alto nvel de escolaridade e renda, elas ainda assim podero no fazer ava-liaes embasadas caso no tenhaminformao de diagnstico, tida como oincentivo necessrio ao raciocnio de avaliao dos efeitos de polticas.

    Naturalmente, so conhecidos numerosos estudos que sustentam a impos-sibilidade ontolgica de a maioria das pessoas atingirem tal grau de exigncia.Alguns deles combinam aquisies da psicologia cognitiva, comportamental

    e da cincia poltica e vo, j no terreno da comunicao, servir defesado jornalismo comercial. Mas os contornos dessa controvrsia no cabemna dimenso deste trabalho, centrado apenas em propor que as exigncias dequalidade da informao jornalstica devem ser apreciadas em um contextoespecfico2.

    No Brasil, os problemas da cobertura jornalstica de temticas ligadas aodesenvolvimento social e humano j tm sido considerados por especialistasem crtica de mdia como algo a ser superado por um jornalismo que abranjacaractersticas institucionais e conceituais das polticas pblicas, indica Ca-nela (2008, p. 17). Porque os indivduos muitas vezes no so capazes deidentificar os eixos de atuao do Estado como polticas pblicas, sofrem

    limitaes na tarefa de avaliar o desempenho de indivduos e grupos polticos,segundo o autor (p. 17-18).

    Quando essa falha informacional passa a atingir no s o cidado medi-ano, mas tambm os diferentes atores organizados que potencialmente podemexercer um nvel mais contundente sobre os representantes eleitos, salientaCanela (2008, p. 18), a possibilidade de as polticas pblicas formuladasatenderem s reais necessidades da populao decresce de maneira direta-mente proporcional ao dficit informacional.

    Porto (2008, p. 188) apresenta outras indicaes para um jornalismo com-prometido com a democracia, referentes ao pluralismo de informaes e inter-pretaes a serem fornecidas em enquadramentos temticos. Os jornalistas

    devem considerar no s a condio da realidade social, mas tambm as visesrelevantes na sociedade e sobre as polticas sociais e sua implementao, sa-lienta. A mdia deve reconhecer a diversidade de interpretaes e interessesque caracterizam qualquer sociedade plural e democrtica. Por esse motivo,

    2Para uma discusso em torno do embate entre tais posies, ver Rothberg, 2008

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    os jornalistas devem ir alm dos enquadramentos das fontes oficiais, incorpo-rando as perspectivas da sociedade civil (p. 188).

    Neste contexto, o foco dos profissionais da rea deve ser fixado. Ao fica-rem atentos aos desdobramentos de uma determinada poltica, os jornalistaspodem colaborar de forma efetiva para fortalecer o processo de prestao decontas e o controle das polticas governamentais pela cidadania, indica Porto(2008, p. 189).

    Cabe ainda lembrar que as pesquisas desenvolvidas com metodologia quan-

    ti-qualitativa pela Andi (Agncia de Notcias dos Direitos da Infncia) envol-vem variveis de anlise que captam a qualidade de uma matria jornalsticaem relao pluralidade de informaes, especialmente quando implicam averificao da presena ou ausncia de discusses especficas relacionadas ereferncias a causas e conseqncias de violaes dos direitos de crianas eadolescentes (Vivarta, 2001, 2003 e 2005). Ou seja, pode-se perceber que ovalor da informao de diagnsticoj avaliado de alguma maneira pelas pes-quisas da rea. Mas acredita-se aqui que a explicitao de tal conceito poderiacontribuir para clarear o terreno das investigaes.

    Informao de diagnstico e apatiaInclusive, medida que o ambiente informacional no apresenta as polticascomo resultado de escolhas e compensao entre efeitos, oferece um poderosoincentivo apatia, renncia de uma insero positiva no sistema democr-tico. Tal parece ser o caso do cenrio composto pelo jornalismo comercial.Enquanto a poltica ali caracterizada como um eterno enredo novelesco mo-vido por animosidades entre agentes unicamente empenhados em uma buscaparticular por poder e vantagens, se torna mais difcil visualizar o espectrodas opes implcitas em dada linha de ao poltica. Quando enquadramen-tosepisdicos, deconflitoe dejogose tornam formatos usuais condicionadospor valores profissionais e vises culturais, a substncia da poltica se perde,e o ambiente oferece incentivos no sentido contrrio ao do engajamento dese-jvel vivncia democrtica.

    Assim, a motivao insero poltica competente advm, no contextode Kuklinskiet al(2001), da oferta deinformao de diagnstico capaz defundamentar a avaliao sobre o equilbrio entre as compensaes necessrias

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    equalizao dos efeitos das polticas pblicas. Admite-se que o nvel deinstruo um potencial motivador, mas nem sempre suficiente. Considerea situao de um ambiente que no prov informaes sobre a necessidade decompensaes. Mesmo se estiver fortemente motivada, a maioria das pessoaspode no perceber que tomar uma deciso responsvel requer o equilbrioentre objetivos desejveis, indicam os autores (p. 414). Se as pessoas nemsabem ao que devem prestar ateno ou o sobre o que devem deliberar, no somotivadas a participar da vida democrtica, mesmo que seu nvel educacional

    tenha, inicialmente, as incentivado a estarem atentas poltica. Mas se oambiente coloca com clareza quais so as opes disponveis e esclarece osmeios de transitar entre elas a fim de se avaliar a melhor maneira de se obterequilbrio entre os variados efeitos possveis das polticas em questo, haverum forte incentivo participao.

    Um estudo emprico realizado por Kuklinskiet al(2001) indica que, emum ambiente rico eminformao de diagnstico, a escolaridade faz pouca di-ferena para o nvel de engajamento nas avaliaes de compensao. Quandoh abundncia de informaes tanto sobre a necessidade de tais ponderaesquanto sobre as prprias opes envolvidas, at mesmo aqueles com menorinstruo formal se aplicam tarefa de fazer julgamentos polticos com a

    mesma dedicao daqueles mais instrudos.Esta, inclusive, uma descoberta de muitas implicaes para o jornalismo,

    com seus valores profissionais consolidados e refratrios a mudana. Aindaque tenha uma importncia circunscrita pelas condies nas quais foi reali-zado o experimento, uma lio que confronta o senso comum contido nasespeculaes sobre a capacidade de assimilao de informaes do pblicoem geral. Se muitas vezes a justificativa de um jornalista para oferecer umnvel raso de informaes em uma matria est ligada crena de que seudestinatrio no tem interesse ou no ser capaz de compreender mais quecerta carga de dados e interpretaes, o estudo emprico de Kuklinskiet al(2001) mais uma referncia contrria a essa assuno. Um ambiente rico

    eminformao de diagnstico capaz de reverter o efeito de fatores comobaixa escolaridade e escasso interesse na poltica sobre o engajamento na vidademocrtica. Quando as pessoas tm os incentivos adequados, tendem a aco-lher e desempenhar as tarefas intelectuais requeridas para fazer julgamentospolticos.

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    Concluses

    A fim de trazer contribuies para aguar o alvo da crtica de mdia, este textosustentou uma viso especfica das insuficincias do jornalismo comercial.Aqui, foi proposto que, se muitas vezes a falta de tica, os erros tcnicos e aausncia de diversidade so apontados como problemas centrais da notcia, preciso avanar e verificar o papel da informao jornalstica para o aprofun-damento da democracia.

    No contexto aqui brevemente construdo, a funo do jornalismo para ofortalecimento do sistema democrtico reside na proviso da chamadainfor-mao de diagnstico, que pode fundamentar ponderaes sobre as diversasimplicaes das polticas pblicas e embasar a formao de julgamentos sobreos meios de compensar desequilbrios previsveis entre os efeitos de determi-nada linha de ao. Mas a predileo dos valores atuais de noticiabilidade porenquadramentoepisdicos, de conflitoejogoprejudica a oferta de enquadra-mentostemticoscominformaes de diagnstico.

    E, se a ausncia de informaes assim entendidas notvel no jornalismodas mdias comerciais, cabe indicar que a superao de tais deficincias mais plausvel no jornalismo como servio pblico, no sistema pblico de

    radiodifuso. Espera-se, portanto, que as emissoras de TV do sistema pblicobrasileiro de radiodifuso busquem referncias para sua atuao em defesa dacidadania.

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    Responsabilidade Social da Mdia: anlise conceitual eperspectivas de aplicao no Brasil, em Portugal e na

    Espanha

    Fernando Oliveira Paulino

    ESTE TEXTO1,baseado em tese de doutorado homnima, tem como pro-

    blema central a conceituao e aplicabilidade da idia deResponsabili-dade Social da Mdia,derivada da atuao da Comisso Hutchins nos EUA,nos anos 1940, e aprofundada a partir da obra de Fred Siebert e Claude-JeanBertrand. O objetivo central , tendo como referncia experincias praticadasem Portugal (AACS e ERC) e Espanha (CAC e CIC), avaliar o conceito deResponsabilidade Social da Mdia, bem como de mecanismos dele decorren-tes, que assegurem aaccountabilitypor parte das instituies de comunicao(IC)2.

    Para tanto, busca-se desenvolver anlise terico-conceitual da idia deMeios de Assegurar a Responsabilidade Social da Mdia, MARS (Media Ac-countability Systems), e suas possibilidades de aplicao realidade das ins-tituies de comunicao, tendo como referncia experincias praticadas naPennsula Ibrica por pases que, assim como o Brasil passaram por experin-cias autoritrias e redemocratizao nos ltimos quarenta anos, alm de havertraos histricos comuns calcados no patrimonialismo (FAORO, 2001). Ade-mais, h nos sistemas mediticos de Brasil, Portugal e Espanha, a presena deprticas clientelistas (HALLIN, PAPATHANASSOPOULOS, 2004), baixosnveis de circulao de jornais e profissionalizao jornalstica, assim comoalto grau de paralelismo poltico3 (HALLIN, MANCINI, 2005).

    1O texto foi apresentado pelo autor no VI Encontro Nacional de Pesquisadores em Jorna-lismo (So Bernardo do Campo, novembro de 2008).

    2Conceito entendido como instituio de comunicao e no como veiculosou meios decomunicaoa partir da idia de ausncia de mera mediao e neutralidade segundo LavinaRibeiro (1996). No artigo, o conceito de IC ser eventualmente tratado como sinnimo demdia.

    3Diferentemente do que ocorre na maior parte dos pases da Europa central e boreal, arealidade de Espanha, Portugal, Itlia e Grcia caracterizada pelo political parallelism,isto public broadcasting tends to be party-politicized. Both journalists and media owners

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    Tendo em vista as formulaes contidas na Teoria Libertria e na Teoriada Responsabilidade Social da Imprensa (TRSI)4, parte-se da premissa de queexistem muitas similitudes histricas entre Espanha, Portugal e Brasil. Porm,as prticas de regulao, co-regulao e auto-regulao5 das ICs naqueles pa-ses ibricos transformam-se aps seus ingressos na Comunidade Europia6

    (1986), com a instaurao de entidades de aplicao do conceito de Respon-sabilidade Social da Mdia, tais como a extinta Alta Autoridade para a Comu-nicao Social (AACS), a Entidade Reguladora para a Comunicao (ERC),

    often have political ties or alliances, and it remains fairly common for journalists to becomepoliticians and vice versa (HALLIN; MANCINI, 2004, p. 98).

    4A Teoria da Responsabilidade Social da Imprensa parte das quatro abordagens tericasdo jornalismo formuladas por Siebert, Schramm e Peterson no clssico estudo Four Theoriesof the Press(SIEBERT, 1976), que classifica: a) a teoria autoritria derivada do absolutismodo sculo XVI; b) a teoria libertria originada no sculo XIX; c) a teoria da responsabilidadesocial, conseqente do perodo ps-Segunda Guerra Mundial, que pressupe deveres das ins-tituies de comunicao para com a sociedade (truth, accuracy, objectivity, and balance), ed) a teoria comunista-sovitica inspirada no modelo desenvolvido na antiga Unio Sovitica epases satlites numa pespectiva analitica influenciada pela Guerra Fria.

    5 Regulao entendida introdutoriamente como ato oriundo do Estado, auto-regulao com-preendida como um conjunto de aes que fiscalizam a prtica de normas estabelecidas volun-tariamente, e co-regulao denota uma responsabilidade compartilhada entre as instituies de

    comunicao e o Poder Pblico a partir de um conjunto de medidas nos prazos necessriospara o cumprimento de objetivos firmados.

    6Aps um longo perodo de governos ditatoriais em Portugal (1926-1974) e Espanha (1939-1975), os dois pases ingressam em 1986 na ento Comunidade Europia (terminologia substi-tuda pela assinatura do Tratado da Unio Europia em 7 de fevereiro de 1992 em Maastricht,Holanda). As decises comunitrias passam a ter importante influncia nas polticas nacionais.Dentre elas, a Diretiva Televiso Sem Fronteiras (DTSF), estabelecida em 3 de outubro de1989, que constituiu, at 2007, a pedra angular da poltica audiovisual da Unio Europia e queestimulou a criao de rgos independentes de regulao audiovisual. A Diretiva se assentouem dois princpios de base: a livre circulao de programas televisivos europeus no mercadointerno e a obrigao de os canais de televiso reservarem, sempre que tal seja exeqvel, maisde metade do seu tempo de antena a obras europias (qotas de difuso) O documento visaigualmente preservar determinados objectivos importantes para o interesse pblico, como a di-versidade cultural, a proteco dos menores e o direito de resposta. O contedo da DTSF estdisponvel no site da Unio Europia http://eur-lex.europa.eu/LexUriServ/site/pt/consleg/1989/L/01989L0552-19970730-pt.pdf. Em dezembro de2007, a Unio Europia publicou a Diretiva Servios de Comunicao Social Audiovisual(Diretiva 2007/65/EC) substitutiva DTSF. (disponvel em http://www.acmedia.pt/documentacao/directiva.pdf).

    http://eur-lex.europa.eu/LexUriServ/site/pt/consleg/1989/L/01989L0552-19970730-pt.pdfhttp://eur-lex.europa.eu/LexUriServ/site/pt/consleg/1989/L/01989L0552-19970730-pt.pdfhttp://eur-lex.europa.eu/LexUriServ/site/pt/consleg/1989/L/01989L0552-19970730-pt.pdfhttp://www.acmedia.pt/documentacao/directiva.pdfhttp://www.acmedia.pt/documentacao/directiva.pdfhttp://www.acmedia.pt/documentacao/directiva.pdfhttp://www.acmedia.pt/documentacao/directiva.pdfhttp://eur-lex.europa.eu/LexUriServ/site/pt/consleg/1989/L/01989L0552-19970730-pt.pdfhttp://eur-lex.europa.eu/LexUriServ/site/pt/consleg/1989/L/01989L0552-19970730-pt.pdf
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    Responsabilidade Social da Mdia 37

    o Consell Audiovisual de Catalunya (CAC) e o Consell de la Informaci deCatalunya (CIC).

    Presume-se, ainda que as instituies de comunicao adquirem maiorpotencial de confiana e apoio do pblico, a partir da criao e consolida-o deMeios de Assegurar a Responsabilidade Social da Mdia MARS7

    (BERTRAND, 2002), derivados do conceito da TRSI, na forma de mecanis-mos internos, externos e cooperativos, que se constituem como alternativasno-concorrenciais de mediao, arbitragem e disciplinao da atividade pro-

    fissional. Tais prticas podem ser vistas como experincias de prestao decontas do contedo publicado, diante da posio privilegiada das ICs nas soci-edades e no funcionam como ferramentas inibidoras da atuao jornalstica,pois em muitos casos as instituies de comunicao promovem as experi-ncias de iniciativas de promoo do entendimento entre as partes, evitandoprocedimentos judiciais.

    O reduzido nmero de prticas deaccountabilitydo sistema poltico e arestrita presena de MARS na realidade brasileira esto relacionados com oambiente no qual as ICs esto inseridas. Um dos componentes importantesnessa relao o clientelismo (HALLIN, 2005), percebido como um sistemade uso de poderes polticos, baseado no manejo de recursos significativos e

    de seu servio a grupos sociais sobre os quais, em troca, se exercem variadasmaneiras de dominao, subordinao ou conluio.

    Nos ltimos anos, o termoaccountabilitytem sido disseminado na cinciapoltica latino-americana como sinnimo de mecanismos que possibilitam aresponsabilizao das pessoas que ocupam cargos pblicos, sejam elas elei-tas ou no, por seus atos frente das instituies do Estado. O dispositivo classificado por Guillermo ODonnel em dois tipos: o vertical (realizado pormeio de eleies peridicas) e o horizontal, mais difcil de ser atingido e quepressupe a existncia, entre os poderes Judicirio, Executivo e Legislativo, deagncias com autoridade legal, dispostas e capacitadas para empreender aesque vo desde o controle rotineiro at sanes legais (ODONNEL, 1998). O

    debate sobreaccountabilitypode ser estendido aos jornais, revistas e emisso-ras de rdio e tev, entendido como o processo que invoca a responsabilidadeobjetiva e subjetiva dos profissionais e veculos de comunicao atravs da or-

    7Embora Bertrand restrinja os MARS a iniciativas no-governamentais, neste artigo o con-ceito compreende autoridades reguladoras gerenciadas com recursos estatais pela prestao decontas da mdia que estas iniciativas estabelecem.

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    ganizao da sociedade e da constituio de espaos pblicos democrticos dediscusso (OLIVEIRA, 2005).

    Teoria da Responsabilidade Social da Imprensa (TRSI)

    Autores como Bertrand (2002), Goodwin (1993) e Aznar (1999) considerama TRSI como uma possvel base para se fundamentar um sistema de jorna-lismo tico, medida que estabelece como princpio central a idia de que oscomunicadores esto obrigados a serem responsveis com seu pblico, pres-tando contas de suas atividades. A formulao desta teoria foi inspirada nasatividades daComisso sobre Liberdade de Imprensa, mais conhecida comoComisso Hutchins, constituda em 1942, a partir do financiamento de HenryLuce, um dos fundadores da revistaTime, que convidou o ento reitor da Uni-versidade de Chicago, Robert Maynard Hutchins, para coordenar uma pes-quisa que revelasseo estado atual e as perspectivas futuras da liberdade deimprensa.

    Ao financiar a Comisso Hutchins, Luce pretendia colher subsdios pararesolver seus dilemas como editor. Alm disso, acreditava estar consciente deque o mundo contemporneo do pensamento e da filosofia moral se encon-trava em um estado bastante agudo de confuso e, dessa maneira, no seriafcil encontrar respostas prontas e corretas para as indagaes filosficas emorais da atualidade. Elas somente poderiam ser dadas se pudessem, peloesforo dos melhores talentos filosficos (SCHMUHL, 1984, p. 67). ParaTheodore Peterson, um dos formuladores da TRSI, esta deveria substituir aTeoria Libertria da Imprensa que havia guiado as Instituies de Comunica-o at ento, principalmente nos EUA, e se baseava no princpio do freemarket/flow of ideas, que tinha por misso principal colocar o governo emxeque, mas que era insuficiente para, a partir da atuao de livre mercado,assegurar uma atuao responsvel por parte das instituies de comunicao(SCHMUHL, 1984, p. 52).

    O papel cvico da informao havia sido reconhecido como um funda-mento da liberdade de imprensa na formao das democracias liberais. Nessesentido foi possvel descrever, no sculo XIX, a atuao de uma imprensaque permitia a expresso de opinies e que tinha a pretenso de fornecer aoscidados elementos cada vez mais numerosos para fazer um juzo com conhe-

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    cimento de causa. Para propor atividades que pudessem orientar e transformara atuao dos jornais e das emissoras de rdio e tev no ps-Guerra, Hutchinscontou com o financiamento de US$ 200 mil (Time) e US$ 15 mil (Encyclopa-edia Britannica), e levou a investigao frente, encabeando uma equipe comtreze membros, que se reuniu dezessete vezes durante dois anos, entrevistando58 pessoas e preparando documentos prvios ao informe final. O resultado dotrabalho da Comisso, o relatrioA Free and Responsible Press: a GeneralReport on Mass Communication: Newspapers, Radio, Motion Pictures, Ma-

    gazines, and Books, foi publicado em 1947. O texto provocou polmica aopropor a criao de um rgo independente para avaliar a atuao da mdia erecebeu crticas de grande parte das instituies de comunicao, receosas deregulamentaes que se materializassem em interferncias restritivas liber-dade de imprensa. Igualmente, as propostas da Comisso Hutchins colidiramcom o momento poltico, principalmente no que se relacionava a preocupaointervencionista sobre a mdia realizada pelaHouse Un-American ActivitiesCommittee(1938-1975), difundida pelo senador McCarthy e conhecida pelacampanha contra todos os suspeitos de ser ou simpatizar com comunistas.

    O relatrio da Comisso Hutchins propunha uma nova agenda a partir deum conjunto de orientaes que apelaram responsabilidade como contra-

    partida liberdade de imprensa, pois a responsabilidade, tal como o respeitopelas leis, no em si mesma um entrave liberdade, pelo contrrio, pode sera expresso autntica de uma liberdade positiva (CORNU, 1994), Nesse sen-tido, a imprensa deve saber que os seus erros e as suas paixes deixaram depertencer ao domnio privado para se tornarem perigos pblicos, pois quandoela se equivoca, pode conduzir a opinio pblica a erro. O documento apon-tava a duplicidade do servio da imprensa, privada e livre (por isso humanae falvel), mas sem ter, no entanto, a falibilidade como justificativa aos seusequvocos porque presta um servio pblico.

    Somada a liberdade editorial em relao aos poderes estabelecida pelosprincpios da Teoria Libertria, as instituies de comunicao, segundo as

    bases da TRSI, devem proporcionar um relato verdadeiro, completo e inteli-gente dos acontecimentos dirios dentro de um contexto, que lhes dem sig-nificado e deveriam tambm se constituir num frum para intercmbio decomentrios e crticas, pois assim como uma ferrovia no pode se recu-sar a transportar qualquer passageiro que tenha comprado um bilhete, umainstituio de comunicao no pode recusar espao em seu noticirio para

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    divulgar as aes ou pontos de vista de grupos ou indivduos, que tenham sidocriticados (SCHMUHL, 1984, p. 53). Alm disso, o jornalismo teria comodever apresentar um quadro representativo dos principais grupos que formama sociedade e deveria proporcionar um amplo acesso s informaes clas-sificadas como secretas pelo governo, idia que est associada doutrina deque o pblico tem o direito de saber, de conhecer as informaes pblicas, es-timulando o acesso dos cidados e da imprensa aos documentos do governo.

    O texto da Comisso Hutchins props mais responsabilidade por parte da

    mdia quando as emissoras de tev ainda davam os primeiros passos. O docu-mento temia que a concentrao de propriedade das instituies de comunica-o, nas mos de nmero cada vez menor de empresas, poderia resultar nummonoplio de idias e na incapacidade de elementos variados da democraciacomunicarem-se livremente entre si. As formulaes propostas pela TRSI de-monstravam, assim, a perspectiva de se entender as ICs como entidades quetm como objetivo salvaguardar direitos dos cidados. Por isso, seus modosde transmitir um tema deveriam ser objeto de cuidados, pois poderiam influirdiretamente na repercusso e na amplitude que a referida pauta encontraria nasociedade.

    Os debates abertos pela Comisso Hutchins influenciaram reflexes diver-

    sas sobre a atuao da mdia. Nos EUA, inspiraram especialmente as regrasestabelecidas pelaFederal Communications Commission(FCC), em particu-lar as relativas s emisses de rdio e de televiso quando tratassem de as-suntos pblicos. AFairness Doctrine(princpio da equidade), introduzida em19498,obrigava as estaes a no se limitarem apresentao de um s pontode vista na apresentao de uma questo pblica controversa. Apersonnalattack rule, por sua vez, estabeleceu que as redes e estaes fizessem chegar,nos oito dias seguintes, uma cpia do programa concernido a todos quantosforem atacados nas antenas, para que tenham a possibilidade de se defender(CORNU, 1994, p. 199).

    No Brasil, contudo, as contribuies da Comisso Hutchins, e, conseqen-

    temente, os princpios da TRS