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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPÍRITO SANTO PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM PSICOLOGIA VIVENDO CASAMENTOS, SEPARAÇÕES E RECASAMENTOS: UM ESTUDO SOBRE O CAMPO REPRESENTACIONAL DA CONJUGALIDADE Priscilla de Oliveira Martins Vitória, ES 2009

VIVENDO CASAMENTOS, SEPARAÇÕES E RECASAMENTOS: UM ESTUDO SOBRE …portais4.ufes.br/posgrad/teses/tese_529_.pdf · 3.2 perspectivas de estudo sobre o amor em psicologia 37 3.3 as

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO ESPRITO SANTO

PROGRAMA DE PS-GRADUAO EM PSICOLOGIA

VIVENDO CASAMENTOS, SEPARAES E RECASAMENTOS:

UM ESTUDO SOBRE O

CAMPO REPRESENTACIONAL DA CONJUGALIDADE

Priscilla de Oliveira Martins

Vitria, ES

2009

PRISCILLA DE OLIVEIRA MARTINS

VIVENDO CASAMENTOS, SEPARAES E RECASAMENTOS:

UM ESTUDO SOBRE O

CAMPO REPRESENTACIONAL DA CONJUGALIDADE

Tese apresentada ao Programa de Ps-Graduao

em Psicologia da Universidade Federal do Esprito

Santo, como requisito parcial para obteno do grau

de Doutor em Psicologia, sob orientao da Prof

Dr Zeidi Araujo Trindade.

UFES

Vitria, Setembro de 2009

Dados Internacionais de Catalogao-na-publicao (CIP) (Biblioteca Central da Universidade Federal do Esprito Santo, ES, Brasil)

Martins, Priscilla de Oliveira, 1975- M386v Vivendo casamentos, separaes e recasamentos: um estudo

sobre o campo representacional da conjugalidade / Priscilla de Oliveira Martins. 2009.

253 f. Orientadora: Zeidi Araujo Trindade. Tese (doutorado) Universidade Federal do Esprito Santo,

Centro de Cincias Humanas e Naturais. 1. Representaes sociais. 2. Casamento. 3. Amor. 4. Famlia

I. Trindade, Zeidi Araujo, 1946-. II. Universidade Federal do Esprito Santo. Centro de Cincias Humanas e Naturais. III. Ttulo.

CDU: 159.9

Dedico este trabalho ao amor,

que possa sempre ser vivido em sua plenitude.

Agradecimentos

O processo de construo deste trabalho envolveu vrias pessoas, sem as

quais no teria conseguido ultrapassar as barreiras que envolvem a elaborao

de uma tese. Todas elas participaram de alguma forma, umas mais intensamente

do que outras, mas todas sempre dando a fora e o apoio quando precisei.

minha famlia, pais, irm e marido, que sempre estiveram por perto,

ajudando e dando apoio desde o incio. Em especial, agradeo a meu marido, que

participou ativamente desde a deciso para o ingresso no doutorado at a

redao final da tese.

minha orientadora, Zeidi Araujo Trindade, pela ateno, pela

disponibilidade, pelos comentrios que sempre me deram uma direo, pela

liberdade que me deu na elaborao da tese e por acreditar em mim desde o

primeiro momento em que trabalhamos juntas, ainda na graduao.

Aos professores do corpo docente do Programa de Ps-Graduao da

UFES pela ateno e carinho comigo e com a minha produo, passando,

sempre que possvel, referncias bibliogrficas quando encontravam algo

interessante.

Rede de Estudos e Pesquisas em Psicologia Social (Redepso) pelos

encontros para discusso terica e metodolgica em profundidade e pelos

encontros sociais que tambm possibilitaram trocas enriquecedoras sobre o

assunto amor e casamento.

Faculdade Brasileira Univix, nas pessoas do Coordenador de Curso

Eduardo Ceotto e do Diretor Prof. Alexandre Serafim, que deram o apoio logstico

para a realizao dos grupos focais.

Ao CNPq - Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientfico e

Tecnolgico pelo suporte ao projeto de tese por meio de duas bolsas para alunos

de graduao.

Aos meus amigos que sempre me deram apoio.

todos, os meus sinceros agradecimentos.

SUMRIO 1 APRESENTAO 14

2 HISTRICO SOBRE O AMOR, O CASAMENTO E O DIVRCIO 18

3 O AMOR: AS VRIAS POSSIBILIDADES CONCEITUAIS 34

3.1 O AMOR EM DIFERENTES CULTURAS 35

3.2 PERSPECTIVAS DE ESTUDO SOBRE O AMOR EM PSICOLOGIA

37

3.3 AS TEORIAS PSICOLGICAS SOBRE O AMOR 41

3.4.1 Os Estilos de Amor 41

3.4.2 A Teoria do Apego 47

3.4.3 A Teoria Triangular do Amor 54

4 CONJUGALIDADE 60

4.1 CONJUGALIDADE, GNERO E AMOR ROMNTICO 61

4.2 CONJUGALIDADE E SATISFAO CONJUGAL 70

4.3 A DISSOLUO DA CONJUGALIDADE 74

4.4 FAMILIAS RECASADAS: UMA NOVA CONJUGALIDADE 85

5 A TEORIA DAS REPRESENTAES SOCIAIS 92

6 OBJETIVO 100

6.1 OBJETIVO GERAL 100

6.2 OBJETIVO ESPECFICO 100

7 MTODO 101

7.1 PARTICIPANTES

101

7.2 INSTRUMENTOS E PROCEDIMENTO DE COLETA DE DADOS

102

7.3 PROCESSAMENTO E ANLISE DE DADOS 106

7.3.1 A Anlise do discurso 112

7.4 ASPECTOS TICOS 113

8 RESULTADOS 115

8.1 GRUPO DE MULHERES CASADAS 116

8.2 GRUPO DE HOMENS CASADOS 125

8.3 GRUPO DE MULHERES SEPARADAS 136

8.4 GRUPO DE HOMENS SEPARADOS 145

8.5 GRUPO DE MULHERES RECASADAS 157

8.6 GRUPO DE HOMENS RECASADOS 170

9 DISCUSSO: O CAMPO REPRESENTACIONAL DA CONJUGALIDADE

183

9.1 ANLISE DOS ELEMENTOS COMUNS ENTRE OS GRUPOS E A SUA ANCORAGEM

186

9.2 ANLISE DAS DIFERENAS GRUPAIS 198

9.2.1 Anlise dos elementos comuns entre os grupos de mulheres e a sua ancoragem

198

9.2.2 Anlise dos elementos comuns entre os grupos de homens e a sua ancoragem

204

9.3 A REPRESENTAO SOCIAL DO AMOR E AS TEORIAS SOBRE O AMOR

212

9.4 O CAMPO REPRESENTACIONAL DA CONJUGALIDADE E AS PRTICAS CONJUGAIS

216

10 CONSIDERAES FINAIS 230

11 REFERNCIAS 234

APNDICE I Roteiro do Grupo Focal 249

APNDICE II Formulrio: Dados dos Participantes 250

APNDICE III Termo de Consentimento 253

Martins, Priscilla de Oliveira (2009). Vivendo casamentos, separaes e recasamentos: um estudo sobre o campo representacional da conjugalidade. Tese de Doutorado, Vitria ES, Programa de Ps-Graduao em Psicologia, Centro de Cincias Humanas e Naturais da Universidade Federal do Esprito Santo.

Resumo

O presente trabalho tem como objeto de pesquisa a conjugalidade. A relevncia

dessa temtica est na compreenso de uma realidade que, em princpio, pode

ser vista como paradoxal: observa-se o aumento no nmero de separaes e

divrcios, mas, ao mesmo tempo, verifica-se, a manuteno da importncia do

casamento para os indivduos. Diante disso, a presente pesquisa objetiva

identificar o campo representacional da conjugalidade e a sua relao com as

prticas cotidianas do casal. Foi utilizada a Teoria das Representaes Sociais

como base para as anlises realizadas. O delineamento metodolgico adotado foi

o da abordagem qualitativa, tendo como instrumento de coleta de dados a tcnica

de grupo focal. Foram realizados 6 grupos focais, sendo 3 grupos com mulheres e

3 grupos com homens. Os critrios para participao foram os seguintes: Grupo

1: estar casado at 10 anos; Grupo 2: estar separado e/ ou divorciado; Grupo 3:

estar no segundo casamento. Os participantes ainda precisavam ter tido filho no

primeiro casamento e residir em bairros considerados de classe mdia alta e

classe alta. Os resultados encontrados apresentam que o campo representacional

da conjugalidade composto por objetos de representao social de amor,

casamento/recasamento e separao/divrcio. Observam-se elementos de

representao social que so compartilhados e elementos especficos de acordo

com o sexo. Os elementos compartilhados que compem o campo

representacional apresentam a conjugalidade como uma parceria baseada no

amor, na cumplicidade e no respeito. A separao/divrcio representada

socialmente como uma frustrao e um rompimento com o sonho de

conjugalidade construdo. As mulheres, especificamente, representam a

conjugalidade como o espao em que devem doar-se para o bem estar da relao

conjugal e assumir o papel de esposa e me. A representao social do

casamento apresenta elementos de idealizao/romantizao que podem sofrer

modificaes medida que vivem o cotidiano da conjugalidade. Para os homens,

os elementos especficos presentes apresentam a conjugalidade como um

espao no qual necessrio dedicao e trabalho cotidiano para a sua

manuteno. Um elemento importante para o sucesso da conjugalidade o papel

ativo da mulher, diferente da mulher submissa. O casamento representado

tambm como um ritual e uma tradio em que importante a fidelidade. A partir

da anlise do campo representacional, observam-se tanto elementos que se

referem aos papis tradicionais de gnero quanto elementos que configuram uma

relao mais igualitria. Ao realizar a anlise da ancoragem do campo

representacional da conjugalidade, observou-se que a satisfao e a felicidade

individual parecem ser os seus elementos norteadores. O campo representacional

identificado orienta para uma prtica em que a conjugalidade vivenciada como

espao afetivo no qual ambos os envolvidos precisam estar satisfeitos. Desta

perspectiva, a negociao a ferramenta essencial para o sucesso do

relacionamento amoroso.

Palavras chave: Representaes Sociais. Conjugalidade. Amor

Martins, Priscilla de Oliveira (2009). Living marriages, separations and remarriages. Doctoral Thesis, Vitria - ES, Psychology Graduated Program, Human and Natural Sciences Center at Federal University of Esprito Santo.

Abstract

The object of the research is conjugality. To study conjugality is important to

comprehend a reality that seems paradoxal at surface: there is a rise in divorce

and separation numbers, but at the same time, it is verified that marriage is still

considered by people as an important aspect of life. In that way the present

research aims to identify the representational field of conjugality and its relation

with the day to day marital praxis. The Social Representational Theory was used

to base the analyses. The methodological design used was the qualitative

approach. The data was collected by focus groups. Six focus groups were held.

Three groups had women as participants and three focus groups had men as

participants. The criteria to choose the participants to take part in the study were:

Group 1: persons who were married for 10 years or less; Group 2: persons who

were divorced or separated; Group 3: persons who were in a second marriage. All

the participants also had to have at least one child at the first marriage and live on

a considered middle and upper high class neighborhood. The results present the

representational field of conjugality as formed by social representations objects of

love, marriage/ remarriage and divorce/separation. There are social

representational elements which are shared by all groups and elements which are

specific considering sex. The shared elements which form the conjugality

representational field present the conjugality as a partnership based on love,

complicity and respect. The divorce/ separation is social represented as a

frustration and a breakdown of a conjugality dream. The women, specifically,

represented the conjugality as a space where they have to give themselves for the

marriage well being and takeover wife and mother roles. The social representation

of marriage presents idealized/ romanticized elements that can change along the

day to day marriage life. To the men, the specific elements present conjugality as

a space where dedication and hard work are necessary in order to maintain it. An

important element to conjugality success is the wifes active role, contrary of the

docile, submissive wife. Marriage is represented as a ritual and a tradition in which

fidelity is important. The representational field analyses present elements referring

to traditional gender roles and elements referring to a more equalitarian

relationship. The representational field anchoring analyses showed that

satisfaction and happiness seems to be the elements that direct the anchoring

process. The representational field identified orients to a praxis in which the

conjugality is lived as an affectionate space where both couple members need to

be satisfied. Upon this perspective, negotiation is the essential tool for a loving

relationship success.

Key words: Social Representations. Conjugality. Love

Martins, Priscilla de Oliveira (2009). Mariages, sparations et remariages: une tude sur le champ de reprsentativit de la vie conjugale. Thse de Doctorat, Vitria - ES, Programme de Spcialisation en Psychologie, Centre de Siences Humaines et Naturelles de lUniversit Fdrale de lEsprito Santo.

RSUM

Le prsent travail a, pour objet de recherche, la vie conjugale. Limportance de

cette thmatique rside en la comprhension dune ralit qui, en principe, peut

tre considre comme paradoxale. En effet, on observe laugmentation du

nombre de sparations et de divorces mais, en mme temps, on se rend compte

que le mariage garde son importance chez les individus. Face ces constatations,

la prsente recherche vise identifier le champ de reprsentativit de la vie

conjugale et son rapport avec les pratiques quotidiennes du couple. On a utilis la

Thorie des Reprsentations Sociales comme base des analyses quon a

ralises. La ligne mthodologique adopte est celle de labord qualitatif ayant

comme instrument de rcolte de donnes, la technique appele focus group. Six

focus group ont t forms dont trois avec de femmes et trois avec des

hommes. Les critres pour la participation ont t les suivants: Groupe 1: tre

mari depuis 10 ans; groupe 2: tre spar et/ou divorc; groupe 3: se trouver au

deuxime mariage. Il fallait encore que les participants aient eu des enfants au

premier mariage et quils habitent des quartiers considrs aiss et des quartiers

riches. Les rsultats obtenus montrent que le champ de reprsentativit de la vie

conjugale est constitu dobjets de reprsentation sociale damour, de

mariage/remariage et de sparation/divorce. On y remarque des lments de

reprsentation sociale qui sont partags et des lments spcifiques, selon le

sexe. Les lments partags qui composent le champ de reprsentativit

considrent la vie conjugale comme une communaut base sur lamour, la

complicit et le respect. La sparation/divorce est reprsente socialement

comme une frustration et une rupture du rve de vie conjugale construite. Les

femmes, notamment, reprsentent la vie conjugale comme lespace o elles

doivent sinvestir pour le bien-tre des rapports conjugaux et o il leur faut

assumer le rle dpouse et de mre . La reprsentation sociale du mariage, chez

elles, prsente des lments didalisation et de sentimentalisme qui peuvent

subir des modifications au fur et mesure quelles vivent le quotidien de la vie

conjugale. Pour les hommes, les lments spcifiques dnotent que la vie

conjugale est un espace o il faut un certain investissement personnel et des

efforts constants pour que a dure. Un composant galement considrable qui

contribue au succs de la vie conjugale est le rle actif et indpendant de la

femme qui soppose lattitude de la femme dpendante. Le mariage est

reprsent aussi comme un rituel et une tradiction dans lesquels la fidlit est

fondamentale. partir de lanalyse du champ de reprsentativit, on a pu

remarquer aussi bien des lments qui se rapportent aux rles traditionnels de

genre que des lments qui traduisent des relations plus galitaires. Au moment

o lon a procd lanalyse de lancrage du champ de reprsentativit de la vie

conjugale, on a observ que la satisfaction et le bonheur individuel semblent en

tre les lments conducteurs. Le champ de reprsentativit identifi oriente vers

une pratique o la vie conjugale est vcue comme lespace affectif dans lequel le

couple concern a besoin dtre content. Dans cette perspective, la ngociation

est loutil essentiel au succs des rapports amoureux.

Mots cls: Reprsentations Sociales. Vie conugale. Amour

1 APRESENTAO

O estudo apresentado a seguir tem como temtica de pesquisa as relaes

conjugais. A partir desta temtica, aborda-se o tema amor nos relacionamentos

conjugais heterossexuais, de acordo com a cultura ocidental. Observa-se que o

conceito de amor, que vivenciado hoje, o amor romntico, muito recente,

tendo sido constitudo socialmente a partir do final do sculo XVIII (Giddens,

1993; Arajo, 2002). Verifica-se que, ao longo dos ltimos 300 anos, a partir do

surgimento do conceito de amor romntico, houve uma transferncia da

referncia no grupo para a referncia no indivduo (Bawin-Legros, 2001). Essa

transferncia de referncia faz com que o indivduo se torne responsvel pela

escolha de construir uma famlia e, uma vez constituda, decidir por desfaz-la

com a separao. A partir dessa constatao, busca-se avaliar as representaes

sociais da conjugalidade e seus impactos nas relaes conjugais em termos da

unio e da separao.

A relevncia cientfica do estudo sobre a conjugalidade est na busca pela

explicao de um aspecto da realidade, que, em princpio, pode ser visto como

paradoxal: (1) o aumento do nmero de separaes e divrcios na atualidade

(IBGE, 2004); e (2) a manuteno da importncia do casamento para os

indivduos, sendo este o lugar onde a intimidade vivenciada e constituda

(Bawin-Legros, 2004). Alm disso, a investigao tambm relevante

socialmente, pois pode possibilitar o enriquecimento da vida das pessoas, uma

vez que poder permitir um maior conhecimento e reflexo de suas realidades e

do que acontece sua volta (Rubin, 1988).

Este estudo tambm se justifica por haver pouco conhecimento

sistematizado, mais especificamente, sobre o amor, considerando a importncia

que se d a esse sentimento na vida das pessoas. Os primeiros estudos sobre

este tema em Psicologia datam da primeira dcada do sculo XX (Rubin, 1988).

Desse perodo at os dias de hoje, muitas pesquisas foram realizadas (Rubin,

1988); entretanto, ainda existem divergncias nas nomenclaturas assim como nas

abordagens utilizadas. Segundo Murstein (1988), o amor pode ser considerado de

quatro formas diferentes. De acordo com os estudos levantados, pode ser: uma

emoo, uma atitude, um comportamento ou um julgamento cognitivo. Alm

disso, mais recentemente, foram elaboradas teorias sobre o amor, mas que no

possuem grandes similaridades entre si. Dessa forma, pretende-se, com este

estudo, contribuir para o aumento do conhecimento em uma rea que precisa de

maior consistncia terica e metodolgica.

Outro aspecto tambm importante diz respeito abordagem que se

pretende utilizar para a realizao desta pesquisa. Observa-se que, nos estudos

sobre as relaes conjugais e o amor, no mbito das cincias humanas, h uma

predominncia de estudos sociolgicos e psicolgicos. Os primeiros procuram

avaliar a conjugalidade e as relaes amorosas por meio de ndices e dados

estatsticos. Dessa maneira, esses estudos distanciam-se da realidade particular

do indivduo, desconsiderando os sentimentos e a experincia individual. J os

estudos psicolgicos procuram entender justamente a realidade particular do

indivduo, percebendo o amor e as relaes conjugais como um fenmeno

pessoal. Na tese aqui apresentada, pretende-se englobar essas duas

abordagens. Sendo assim, o interesse est tanto na abordagem social quanto na

psicolgica, mas com o cuidado de no reduzir o indivduo a um ou a outro

aspecto. Dessa forma, prope-se integrar o social e o indivduo, sem uma

preocupao excessiva da investigao que a faa pender para um dos lados.

Por esta perspectiva de anlise, ser enfocada a participao do indivduo na

construo de sua realidade ao mesmo tempo em que construdo por ela,

atentando para o engendramento cotidiano desses elementos, o que caracteriza a

abordagem psicossocial.

No mbito da abordagem psicossocial, ser utilizada a Teoria das

Representaes Sociais (TRS). Em seus quarenta anos de existncia, a TRS tem

sofrido aprimoramentos metodolgicos e tericos; contudo, demonstra, ainda, ser

uma rea profcua para maiores aprofundamentos. Um exemplo a vertente que

engloba o conceito de campo representacional. Representar algo reconstru-lo

dando um significado, em um processo no qual no existe uma separao entre o

universo interior e o exterior (Sobrinho, 2000). As representaes sociais so

sistemas de interpretao que regem a relao das pessoas com o mundo e com

os outros, ou seja, orientam as condutas e as comunicaes sociais (Jodelet,

2001). Esse sistema de interpretao determinado ao mesmo tempo pelo

prprio indivduo (sua histria, sua vivncia), pelo sistema social e ideolgico no

qual est inserido e pela natureza dos vnculos que o indivduo mantm com esse

sistema social (Abric, 2001, p. 156). A representao de um determinado objeto

no acontece de forma isolada. De fato, os objetos so captados em

determinados contextos e relaes e o sentido da representao de um objeto

advm das relaes com outras representaes de outros objetos, formando

assim um campo representacional (Andrade, 2000). O estudo do campo

representacional permite maiores aprofundamentos, pois so poucos os estudos

que verificam a relao entre representaes sociais de vrios objetos.

A partir das constataes acima, investigou-se: o campo representacional

da conjugalidade e as prticas utilizadas no cotidiano conjugal entre homens e

mulheres heterossexuais.

Esta tese est estruturada em seis partes. A primeira parte contm a

reviso terica sobre o tema, que aborda os seguintes tpicos: o histrico sobre

amor, casamento e divrcio; as vrias possibilidades conceituais sobre o amor; as

teorias sobre o amor, entre elas as teorias de base psicolgica e; a conjugalidade.

Tambm, nessa parte, consta o referencial terico que embasa a presente

pesquisa, qual seja, a Teoria das Representaes Sociais, proposta por Moscovici

(1976). A segunda parte delimita os objetivos da pesquisa, e a terceira, os

aspectos metodolgicos do projeto. A quarta parte apresenta os resultados e a

quinta parte contm a discusso sobre o campo representacional da

conjugalidade, em que se faz a anlise dos elementos comuns e diferentes entre

os grupos e a anlise da ancoragem desses elementos. Ainda nesta quinta parte

apresentada uma anlise comparativa entre a TRS do amor e as teorias sobre o

amor e os impactos do campo representacional da conjugalidade nas prticas

conjugais. A ltima parte contm as consideraes finais sobre o estudo

apresentado.

2 HISTRICO SOBRE O AMOR, O CASAMENTO E O DIVRCIO

importante avaliar como os conceitos de amor, casamento e divrcio se

modificam atravs da histria, pois isso permite verificar que esses fenmenos

no so algo natural, mas, ao contrrio, so produtos das foras sociais e

histricas. A histria do amor, a do casamento, e a do divrcio esto

interrelacionadas. Dessa forma, medida que um sofre modificaes, os outros

tambm acompanham essas modificaes de alguma maneira.

O amor romntico como vivenciado hoje relativamente recente na histria

da sociedade ocidental, data do sculo XVIII. O conceito de amor romntico,

embora varie entre autores, abrange a crena no amor como aspecto central do

casamento, a crena na existncia de um nico e verdadeiro amor, a crena de

que o amor dura para sempre, a crena de que o amor supera todos os

obstculos e a possibilidade da existncia do amor primeira vista (Sprecher &

Metts, 1999). Da Antiguidade Idade Mdia, os casamentos no eram baseados

no amor entre os noivos; a escolha do parceiro conjugal era delimitada pelos pais

(Arajo, 2002). O casamento, nessa poca, era um negcio entre famlias nobres,

que visava ao bem entre elas. O principal papel do casamento era servir de base

a alianas cuja importncia se sobrepunha ao amor e sexualidade. Escolha e

paixo no pesavam nessas decises, e a sexualidade para reproduo era parte

da aliana firmada (Arajo, 2002, p. 2). O casamento entre os pobres no era

diferente, uma vez que era um meio para organizar o trabalho agrrio (Giddens,

1993).

A ausncia de amor e paixo entre os casados era verificada no seu

cotidiano, j que as carcias entre os cnjuges eram raras, como afirma Giddens

(1993). Nesse sentido, a vivncia da sexualidade no se dava no casamento, mas

fora dele. Isso era observado tanto no comportamento dos homens quanto no das

mulheres. Somente, entretanto, nas camadas de nobres a licenciosidade sexual

era permitida s mulheres respeitveis (Giddens, 1993 grifo do autor). Essa

permisso estava relacionada a trs aspectos: ao poder que tinham determinadas

mulheres, liberao das exigncias de reproduo (provavelmente isso ocorria

quando j haviam contribudo para a descendncia da famlia do marido) e

liberao do trabalho rotineiro.

interessante ressaltar que o casamento realizado com base na paixo

era mal visto, o que pode ser verificado pelas histrias e mitos criados pelas

civilizaes europias, que contavam que aqueles que buscavam criar ligaes

permanentes devido a um amor apaixonado estavam condenados (Giddens,

1993). Sendo assim, o amor no era necessrio ao casamento, cuja funo

principal era a procriao.

As justificativas para cancelar o acordo nupcial feito entre famlias estavam

relacionadas ao no cumprimento das promessas feitas, o que significava o no

pagamento, pelo noivo, do dote da noiva ou a esterilidade da noiva.

Os ritos de casamento eram de responsabilidade das famlias nobres

envolvidas e ocorriam na casa do noivo; a Igreja no tinha qualquer relao com a

questo nupcial. Com a expanso do Cristianismo a partir do sculo V, aos

poucos a Igreja ampliou a sua atuao, chegando a regularizar os

comportamentos referentes aos rituais e s relaes matrimoniais. Inicialmente, a

participao do padre nos rituais restringia-se beno do casal porta do leito

nupcial e, posteriormente, asperso de gua benta no leito do casal. A

sacralizao do casamento pela Igreja ocorreu no sculo XII, e, apenas no sculo

XIII, o rito do matrimnio foi transferido para a Igreja para ser realizado por um

padre e teve a normalizao da moral crist, tornando-o monogmico e

indissolvel (Arajo, 2002). Mais tarde, no Conclio de Trento (1545-48), a Igreja

Catlica estabeleceu que o casamento, por ser um sacramento, deveria ser

governado apenas pela lei da Igreja (Therborn, 2006).

Com o Conclio de Trento, o casamento foi institudo como o lugar legtimo

para uso dos prazeres, desde que voltado para a procriao, seu fim natural.

Dessa forma, o casamento passou a ter trs regras bsicas para a sua existncia:

1) a imposio da relao carnal (dvida conjugal) como algo obrigatrio

no casamento, sem o qual ele no teria sentido;

2) a condenao de todo e qualquer ardor na relao carnal entre os

cnjuges;

3) a minuciosa classificao dos atos permitidos ou proibidos, tendo em

vista a funo criadora (Arajo, 2002, p. 4).

Diante das regras impostas, o divrcio poderia ocorrer em algumas

situaes. importante, primeiramente, verificar a acepo da palavra divrcio

para a poca. Divrcio, para o direito cannico, poderia significar a separao do

leito e da habitao ou apenas a separao do leito e poderia ser concedido por

um tempo determinado ou sem uma previso de prazo. Caso o divrcio fosse

permanente, as pessoas estariam impedidas de casarem-se novamente; dessa

forma restaria apenas a unio consensual (Campos, 2003).

O divrcio s poderia ser concedido se a sua causa fosse por

maus-tratos ou sevcias; perigo de salvao por heresia; apostasia;

perigo de vida por atentado de violncia; mau proceder desregrado do

cnjuge; calnia em matria melindrosa e grave; falta de virgindade na

mulher nubente; adultrio formal de qualquer dos cnjuges (Campos,

2003, p. 542).

Uma outra possibilidade de separao do casal se dava por meio de

solicitao de nulidade do vnculo nupcial. Essa era uma possibilidade para

aqueles que pretendiam refazer o vnculo do casamento com outra pessoa. A

nulidade, contudo, no era concedida indiscriminadamente. Segundo Campos

(2003), a concesso de nulidade do casamento verificada em documentos de

acordo com os seguintes critrios: o no seguimento dos rituais adequados de

casamento, qual seja, a presena de um proco e de duas ou trs testemunhas; o

erro de pessoa, o que significa a ignorncia da condio de servil do noivo e da

bigamia; o voto de castidade e impedimentos de consanguinidade. Os

impedimentos de consanguinidade relacionavam-se a parentes consanguneos e

afinidade corporal, que se dava entre duas pessoas quando uma das quais teve

cpula carnal com um parente consanguneo da outra.

As formalidades para o divrcio e para a nulidade obedeciam s mesmas

regras: petio inicial, contrarrazes, tomada de depoimentos e sentena.

Verifica-se, entretanto, que a concesso de nulidade era rara; sendo assim, a

grande maioria dos casos terminava pela concesso do divrcio (Campos, 2003).

Apesar da existncia de divrcios legalmente sancionados pelo direito

cannico, isso no significava que o divrcio fosse um tema aceito pela

sociedade. identificado por Campos (2003) um discurso antidivorcista entre

membros da sociedade.

A Igreja permaneceu como nica reguladora das prticas matrimoniais pelo

menos at o sculo XVIII ou at a Revoluo Francesa (Flandrin, 1987). De

acordo com Therborn (2006), a partir da Revoluo Francesa, iniciou-se uma

grande disputa entre as autoridades seculares nacionais e a forte Igreja

supranacional. Um exemplo foi o Cdigo de Napoleo (1804), que descrevia

como deveria ser o procedimento civil para a validao do casamento. O Cdigo

de Napoleo foi o primeiro cdigo legal a obter xito irrefutvel e a influenciar os

sistemas legais de diversos outros pases. Apesar de, ao final do sculo XIX, ter

havido uma contestao papal quanto regularizao da unio entre os noivos

pelo Estado, aos poucos, o direito do Estado passou a regular inteiramente a

instituio do casamento. Essa regularizao teve implicaes nas formas de

rompimento do vnculo conjugal. Este assunto ser retomado adiante.

Na Idade Moderna, alm da sacralizao do casamento, pode-se observar

outras mudanas referentes s relaes entre os casais. De acordo com Beach e

Tesser (1988), essas mudanas ocorreram de forma que as relaes passaram a

ser mais igualitrias e focadas principalmente na satisfao mtua dos cnjuges.

Nesse mesmo perodo, houve uma maior preocupao da sociedade ocidental

com o conceito de amor romntico (Branden, 1980). Essas mudanas

influenciaram de tal modo que o amor passou a ser o centro do relacionamento

conjugal.

O amor romntico tem origem na tradio do amor corts do sul da Frana

(Macfarlane, 1990). Inicialmente esse amor estava relacionado a uma paixo

adltera, uma vez que a mulher objeto da paixo, geralmente, era casada. As

histrias contadas por poetas sobre o amor corts normalmente relatavam um

heri disposto ao sacrifcio, mas que no buscava o encontro carnal com a amada

ou mesmo o casamento; buscava apenas como retribuio um ato de carinho, um

reconhecimento do amor. O amor corts era diferente do amor cavalheiresco.

Este era quase sempre ligado a um adultrio carnal ou a uma proeza que

resultava no casamento (Arajo, 2002).

A concepo de amor corts aos poucos foi sendo ampliada at ser

relacionada ao amor conjugal. importante apontar que os aspectos do idealismo

e da fantasia presentes no amor corts permaneceram presentes no amor

romntico.

Na sociedade moderna, outras modificaes podem ser observadas, como

a mudana no papel da comunidade, dos relacionamentos e do casamento.

Essas mudanas caracterizaram-se pela diminuio do nmero de casamentos,

pelo aumento da idade mdia dos noivos e pela diminuio da importncia da

famlia biolgica na escolha do cnjuge (Gillis, 1992, apud Bulcroft & cols., 2000).

Alm disso, verifica-se o envolvimento maior do indivduo na escolha do parceiro.

No perodo de 1500 a 1750, verifica-se que o casamento e o

relacionamento heterossexual so uma preocupao secundria, j que as

principais preocupaes eram estar empregado e ter segurana econmica. Isso

porque, nessa poca, os jovens no podiam contar com a herana ou o suporte

da famlia. De fato, muitas famlias tornaram-se dependentes dos ganhos de seus

filhos (Ben-Amos, 1994, apud Bulcroft & cols., 2000).

Nessa poca, verifica-se tambm uma nfase menor no status marital

como marcador da idade adulta, pois outros marcadores como os relacionados

idade, ao treinamento obtido e ao emprego estavam presentes. Isso no significa

a inexistncia da importncia do casamento, pois observa-se a existncia de

grandes casamentos com cerimnias elaboradas e a diferena no tratamento para

com aqueles que eram casados, como apontam Bulcroft e colaboradores (2000).

Na segunda metade da Sociedade Moderna e incio da Idade

Contempornea, no perodo de 1750 a 1850, outras mudanas relacionadas s

relaes maritais podem ser observadas. A tradio dos grandes casamentos foi

se dissipando. Embora ainda existisse na elite e nas classes populares, a sua

importncia foi diminuindo. Isso porque o casamento passou a ser gradualmente

uma questo exclusiva do casal e no mais da comunidade em que o casal

estava inserido. Como afirmam Bulcroft e colaboradores (2000), o casamento

conjugal tomou o lugar do casamento na coletividade.

No incio de 1850, as foras da Revoluo Industrial transformaram a

famlia e o processo de escolha de parceiro. O fato mais relevante referente

transformao da famlia diz respeito mudana de estrutura da famlia extensa

(com vrios nveis de parentesco) para a famlia nuclear (pai, me e filhos). Essa

transformao teve como uma das possveis causas a passagem da famlia rural

tradicional para a famlia urbana industrial. Vrios fatores determinaram essa

mudana, mas dois deles parecem ter sido os mais relevantes. Um foi o fato de a

famlia ter deixado de ser predominantemente uma unidade de produo para ser

predominantemente uma unidade de consumo. A famlia extensa se justificava, na

sociedade agrria, pois permitia um nmero maior de pessoas para trabalhar;

contudo, nas comunidades urbanas, tornou-se desnecessrio ter um grande

nmero de parentes e filhos, pois uma famlia numerosa tem mais dificuldades de

se sustentar que uma famlia pequena. O outro fator era a mobilidade geogrfica

que um indivduo precisava ter para ir em busca de trabalho e estudo, no

podendo, desta forma, manter-se prximo de seus parentes durante toda a vida

(Bulcroft & cols., 2000).

A mobilidade geogrfica tambm foi uma das causas que levou o amor a

ser um critrio de escolha do parceiro. Os critrios anteriormente usados eram

bastante concretos, como a capacidade dos noivos para o trabalho, a capacidade

para gerar filhos e a posse de recursos econmicos. Com as mudanas

proporcionadas pela Revoluo Industrial, o amor tornou-se funcional, pois

possibilitou ao indivduo escolher um parceiro que servisse como suporte afetivo e

emocional, suporte este que antes era encontrado na famlia, mas que precisou

ser substitudo, j que o indivduo passou a no conviver mais no mesmo espao

geogrfico da famlia.

De acordo com Costa (1998), o amor romntico existe apenas em

sociedades em que o sujeito tem que se afastar da rede cultural mais ampla. Com

isso, o amor passa a ser utilizado como forma de compensao para dar sentido

prpria existncia. A partir dessa constatao, o amor passa a ser concebido

como sentimento de pertencimento. Segundo Fres-Carneiro e Magalhes

(2005), na medida em que o sujeito sente que pertence a algum, e algum lhe

pertence, esse lao faz com que ele no se sinta desconectado do mundo,

embora seja um sujeito autnomo (p. 112).

A Revoluo Industrial tambm contribuiu para o surgimento de uma

cultura diferente que tinha como base o reconhecimento do indivduo e da

importncia da sua felicidade. Isso porque foi a partir da Revoluo Industrial e

posteriormente com o capitalismo que, pela primeira vez, se reconheceu

explicitamente que os seres humanos deviam ser livres para decidir sobre os seus

assuntos (Branden, 1980). De acordo com Branden (1980), o individualismo foi

uma fora que revolucionou o mundo e os relacionamentos humanos. A partir

dessas condies, a escolha amorosa poderia ser feita, dessa vez, pelo indivduo

e tinha como objetivo a busca da sua felicidade.

O aumento da importncia do amor na escolha do parceiro e a mudana do

conceito de amor foram, ambos, graduais. Apenas no incio do sculo XVIII o

amor tomou a forma do amor romntico. H 200 anos o amor foi primeiramente

concebido como algo concreto, no sentido de dar e receber algo tangvel (Gillis,

1996, apud Bulcroft & cols., 2000). Nesse caso o amor podia ser usado como um

critrio de escolha; entretanto, as expresses de amor, nessa poca, foram

construdas tendo como base os papis de gnero. Isso foi possvel porque uma

peculiar construo do amor no cristianismo ajudou a manter uma dimenso

prtica e objetiva na maioria dos relacionamentos. Os ensinamentos religiosos

possibilitaram a construo de uma famlia em que a mulher deveria proteger a

famlia das imoralidades do mundo pblico, e o marido deveria participar como

provedor. Alm disso, esses ensinamentos tambm influenciaram nas regras de

manuteno do casamento (Bulcroft & cols., 2000).

interessante notar que a construo de uma famlia, nos moldes

propostos pelo cristianismo, passou a ser importante. Segundo afirma Gillis (1992,

apud Bulcroft & cols., 2000), nesse perodo, ter um marido passou a ser mais

importante do que ter um marido com qualidades. O casamento passou a ser um

significante rito de passagem para a idade adulta, e, com isso, tornou-se a

verificar a presena dos grandes casamentos. O aumento do status do casamento

na sociedade tambm teve como consequncia o declnio da idade dos noivos no

casamento e o declnio do nmero de pessoas solteiras.

Observa-se, atualmente, um quadro diferente do exposto acima. Verifica-se

a diminuio da importncia econmica e do status do casamento com o aumento

no nmero de coabitaes, no nmero de nascimentos de crianas fora do

casamento e com o aumento da idade dos noivos. O declnio social e econmico

do casamento, como apontam Bulcroft e colaboradores (2000), resultado do

colapso do parentesco, do aumento da importncia do alcance do sucesso na

determinao do status individual, do aumento da independncia econmica da

mulher, do fato de a famlia ter deixado de ser a base da produo econmica e

do aumento da mobilidade social e geogrfica.

Apesar dessa realidade, verifica-se que os casamentos esto cada vez

mais elaborados. Com isso, observa-se o retorno dos grandes casamentos. Esse

retorno resultado de foras diferentes das observadas nos perodos anteriores.

Anteriormente, os grandes casamentos eram resultados do interesse da

comunidade sobre os noivos. Hoje, no entanto, a manuteno desse ritual est

baseada no interesse em construir uma identidade e uma biografia pessoal. Isso

ocorre devido a alguns fatores. Primeiro, o casamento continua sendo um marco

para a passagem idade adulta. Os marcadores formais que existem hoje, como

a maioridade definida por lei, ou o trmino do ensino mdio ou superior, entre

outros, no so considerados como tal, pois ocorrem enquanto os jovens ainda

esto sob a dependncia econmica parental. Segundo, a interpretao sobre a

vida e o tempo modificou-se. Uma das causas dessa mudana est no aumento

da expectativa de vida e nas diversas possibilidades de trajetrias de vida, o que

gera uma ideia de tempo mais bem definida. Anteriormente, o significado da vida

dava-se ao seu final tendo em vista o que foi construdo e os herdeiros que o

indivduo deixou. Hoje, o sentido da vida se d no presente, isto porque o sentido

de identidade est mais vinculado a indicadores simblicos, como modelo de

carro, marca de roupa, pessoas com quem o indivduo convive. Essa modificao

tambm consequncia da habilidade atual do mercado de massa em

transformar o self em mercadoria (Bulcroft & cols., 2000).

Alm das implicaes citadas acima, as consequncias emocionais do

casamento aumentaram para o indivduo. Nos perodos anteriores, os indivduos

possuam uma famlia extensa e vrias amizades do mesmo sexo para lidar com

a solido. Na sociedade atual, as alternativas so mais limitadas; sendo assim, o

resultado para o indivduo em no estar em um relacionamento de longo prazo

pode ser a solido. Com isto, aumenta a presso do indivduo em encontrar um

parceiro que possibilite preencher o vazio emocional. A formao e a manuteno

de um relacionamento marital com qualidade passaram a ser o objetivo principal

da vida, com implicaes significativas para a formao da identidade (Bulcroft &

cols., 2000; Costa, 1998).

Podemos observar que, ao longo da histria, o papel da famlia se

modificou, ocupando diferentes funes na sociedade. Na Antiguidade e na Idade

Mdia, a famlia tinha como funo bsica a manuteno da riqueza e da

propriedade. Com a influncia do cristianismo a partir do sculo V, a Igreja passou

a regularizar aspectos da vida cotidiana conjugal, delimitando, por exemplo, os

papis dos cnjuges no casamento e os motivos permitidos para a dissoluo

conjugal. A famlia passou a ser, ento, o espao de controle dos

comportamentos considerados adequados pela Igreja. Atualmente, houve a

incluso da perspectiva amorosa na escolha dos parceiros, tornando a famlia o

lugar em que os indivduos encontram a sua satisfao e constroem a sua

identidade. Observa-se, com essas modificaes, uma mudana na posio da

famlia na sociedade: antes, a famlia possua o estatuto de instituio, e hoje,

observa-se a famlia como um espao relacional (Singly, 2007), ou seja, a famlia

passou a ser um espao de valorizao da afetividade, em que se busca uma

convivncia agradvel e satisfatria.

Considerando os contextos histricos e culturais, importante retomar,

neste momento, a questo da secularizao do casamento, a qual permitiu o

estabelecimento do divrcio na unio civil. Historicamente, os pases que

consideravam o casamento uma instituio sagrada no aceitaram o divrcio

(Therborn, 2006), como o caso, ainda hoje, em Malta e nas Filipinas. Os pases

com menos incidncia de separao so pases extremamente catlicos, como

Irlanda e Itlia, com nmeros abaixo de 10% (Wikipedia, 2006).

Os primeiros pases a estabelecerem o divrcio sem culpa foram a

Noruega (1909) e a Sucia (1915) (Therborn, 2006). No Brasil, o divrcio foi

regulado pela Lei 6.515 de 28 de junho de 1977. Antes de 1977, no Brasil, o

divrcio seguia os postulados do Direito Cannico, ou seja, havia a separao dos

corpos sem indissolubilidade do vnculo matrimonial, e somente nos casos

http://pt.wikipedia.org/wiki/Cat%C3%B3licohttp://pt.wikipedia.org/wiki/Irlandahttp://pt.wikipedia.org/wiki/It%C3%A1lia

previstos pela Igreja. O termo desquite foi inserido na Legislao Civil, em

contraposio ao divrcio, para identificar a separao de corpos e a manuteno

do vnculo matrimonial (Vainer, 1999).

Verifica-se, nos ltimos 50 anos, no mundo ocidental, um aumento no

nmero de divrcios (na maioria dos pases ocidentais o nmero dobrou), com um

pequeno declnio nos ltimos cinco anos (Therborn, 2006). No Brasil, no ano de

1994, o nmero de divrcios e separaes judiciais foi de 179.623; no ano de

2004, de 224.052 (IBGE, 2004); e, no ano de 2007, foi de 231.329 (IBGE, 2007).

A partir dos dados, possvel observar que, entre 1994 e 2004, houve um

aumento no nmero de divrcios e separaes e que, a partir do ano de 2004,

esse nmero teve pouca oscilao (0,82%) (IBGE, 2007).

De acordo com a legislao brasileira, existem duas formas para a

solicitao do divrcio. Uma protocolar o pedido de divrcio junto justia civil

aps dois anos de separao de fato. Uma outra se d por meio da separao

judicial. Nesse caso, o divrcio s pode ser pedido aps um ano da sentena da

separao judicial. Durante esse ano, o casal, se quiser, pode solicitar o

cancelamento da separao e retornar situao de casados. Os dados de

pesquisas realizadas nos Estudos Unidos da Amrica indicam que 75% das

separaes judiciais terminam em divrcio (Gottman, 1993).

Um dos possveis motivos do aumento do nmero de divrcios est na

mudana da responsabilidade da escolha do parceiro. Como foi exposto antes,

anteriormente a famlia e a comunidade tinham um papel importante na escolha

do parceiro. As normas e regras estabelecidas pela famlia, assim como a

expectativa bem definida do que seria um cnjuge adequado, faziam com que o

risco na escolha fosse menor e, em caso de o casamento apresentar dificuldades,

os familiares eram os primeiros a trabalhar para a sua manuteno. Dessa forma,

a responsabilidade pela manuteno do casamento era da famlia e daqueles que

concordaram com a escolha do parceiro. Atualmente, a responsabilidade tanto da

escolha do parceiro como da manuteno do casamento quase que exclusiva

do indivduo, ou seja, o indivduo precisa sozinho definir as caractersticas

desejveis do parceiro e estabelecer as prticas conjugais mais adequadas, j

que no h uma definio concreta do modo correto de agir.

O fracasso no casamento tambm est relacionado s contradies do

amor romntico vivido na atualidade, como afirmam Bulcroft e colaboradores

(2000). A primeira contradio est relacionada ao comportamento do casal na

relao a dois. De acordo com o que publicado nas revistas encontradas em

bancas, o amor deve ser espontneo e passional, mas tambm exige trabalho e

comprometimento das partes. A segunda contradio diz respeito s diferenas

do pblico e privado em relao s diferenas de gnero. Verifica-se que o

avano alcanado referente igualdade de papis femininos e masculinos na

esfera pblica no foi o mesmo na esfera privada (Garcia & Tassara, 2001). Os

homens no assimilaram a ideia de igualdade na mesma velocidade que as

mulheres. Dessa forma, observam-se atualmente tenses entre homens e

mulheres sobre as negociaes dos papis feminino e masculino no casamento.

Discutir-se- em uma seo posterior, a relao entre o amor romntico e as

questes de gnero.

Segundo Beach e Tesser (1988), uma das possveis variveis do aumento

do nmero de divrcios a mudana de valores em relao ao amor e ao

casamento. Como j exposto, o amor passou a ser o elemento central da relao

conjugal; com isto, espera-se que o amor dure durante todo o casamento. Sendo

assim, esses autores argumentam que o aumento do nmero de divrcios est

relacionado dificuldade em manter um casamento em que se esteja apaixonado

o tempo todo e no apenas um casamento que seja funcional.

Apesar do aumento do nmero de divrcios, as pessoas continuam se

casando. Como afirma Bawin-Legros (2004), a famlia continua a ser um valor

importante, e o casamento continua sendo o lugar onde a intimidade construda

e experienciada. A autora, contudo, salienta o fato de que a noo de casamento

foi ampliada, pois j no to fcil delimitar um casal. Um casal pode ter vrias

formas: ele pode estar casado formalmente, pode apenas conviver no mesmo

local, ou pode, ainda, cada parte do casal viver separadamente. J Gomes e

Paiva (2003) chamam a ateno para a mudana no sentido de famlia com os

recasamentos. Sendo assim, a famlia pode tambm se constituir de padrasto,

me, filhos e enteados, como de madrasta, pai, filhos e enteados. A complexidade

da famlia aumenta se houver mais de um recasamento.

De acordo com o exposto referente evoluo histrica dos conceitos

discutidos, pode-se observar trs grandes transformaes, como afirma Bawin-

Legros (2001). A primeira diz respeito transformao das referncias, o que

significa a passagem da referncia no grupo para a referncia no indivduo. A

segunda se refere transformao das normas que passaram a ser privadas. Isto

significa que, com a transferncia da referncia para o indivduo, cabe a ele definir

as suas prprias normas, ou seja, cabe ao indivduo e ao seu parceiro decidirem

pelo casamento ou no, pelo divrcio ou no, entre outros aspectos da vida a

dois. A terceira a transformao dos modelos de famlia. Verifica-se que a

famlia deixou de ser tratada no singular para ser tratada no plural, por existirem

vrios modelos de famlia (pai, me e filho; me e filho; pai e filho; padrasto, me,

filho e enteados, entre outros).

A partir dos indicadores histricos do conceito de amor, casamento e

divrcio pode-se verificar a construo scio-histrica de cada um deles. A forma

como cada conceito concebido e suas inter-relaes influenciam a maneira

como as pessoas se relacionam intimamente, no casamento e na famlia.

Atualmente, o amor concebido na forma do amor romntico; por isso, ao realizar

uma pesquisa sobre o tema no mundo ocidental, necessrio considerar esse

modelo nas avaliaes sobre os dados coletados.

A seguir, ser delimitado o campo conceitual do amor, e, para isto ser

feita uma reviso da literatura sobre as formas como o amor pode ser apreendido.

3 O AMOR: AS VRIAS POSSIBILIDADES CONCEITUAIS

Demarcar o campo conceitual do amor no tarefa fcil, pois existem

vrias dificuldades e limitaes. Primeiro, o conceito de amor varia de acordo com

o tempo e o contexto scio-histrico, como apresentado anteriormente. Alm

disto, o conceito de amor tambm pode variar de acordo com a cultura (Beach &

Tesser, 1988; Peele, 1988) e pode, ainda, ser verificado como algo que varia de

indivduo para indivduo, ou seja, o amor pode ser tratado como uma experincia

individual (Dion & Dion, 1988; Berscheid, 1988).

Sobre esta ltima questo relevante fazer uma ressalva. No h dvidas

de que cada ser humano nico. Isso consequncia da combinao gentica

parental e do contato desses genes com um ambiente determinado. O ser

humano, porm, constitudo nas relaes sociais; sendo assim, os indivduos

esto inseridos em determinados espaos onde se impe a apreenso

diferenciada dos objetos sociais que constituem os diferentes sistemas de

referncias identitrias (Sobrinho, 2000, p. 120). Vrios estudos comprovam que,

apesar de o indivduo ser nico e particular, possvel compreend-lo a partir de

seu grupo social (Doise & cols., 1995; Arruda, 2000; Martins; Trindade & Almeida,

2003). A negao dessa possibilidade significa a opo por desconsiderar a

importncia do contexto scio-histrico. Dessa forma, neste trabalho, o amor no

ser considerado como varivel individual.

A dificuldade em delimitar o campo conceitual do amor tambm est

relacionada diversidade terica em Psicologia. Dentro das concepes da

Psicologia, no existe uma congruncia em torno do que seria o amor, j que para

cada uma das grandes teorias em Psicologia o amor tem seu prprio significado.

Apesar dessas dificuldades observa-se a tentativa de explicar o amor e at

mesmo tipific-lo entre alguns pesquisadores. De fato, pode-se observar trs

teorias criadas especificamente para explicar e compreender o amor.

A seguir, o conceito de amor ser discutido em cada uma dessas

possibilidades. Primeiramente, ser tratado o amor nas diferentes culturas, e, a

seguir, o amor de acordo com as grandes teorias psicolgicas. Neste caso, ser

apresentado o amor como emoo, o amor como atitude e o amor como

julgamento. Por ltimo, sero apresentadas as teorias mais recentes que buscam

explicar o amor, quais sejam, as Tipificaes do Amor, de Lee; a Teoria de Apego

(adulto), de Shaver, Hazan e Bradshaw e; a Teoria Triangular do Amor, de

Sternberg.

3.1 O AMOR EM DIFERENTES CULTURAS

O amor pode tomar diferentes formas de acordo com o contexto cultural

(Beach & Tesser, 1988; Peele, 1988). Essa diferena se d porque a cultura de

cada sociedade tem desenvolvimento, valores, ideias de mundo e crenas

diferentes que vo originar uma realidade nica. Essa realidade reflexo do

intercmbio de conhecimentos, experincias do cotidiano, de sentimentos, de

opinies, entre outros. Nessa tica, verifica-se que a linguagem tem uma posio

privilegiada na construo e circulao do significado. A linguagem no apenas

uma forma de relatar ou transmitir com neutralidade os significados; ela tambm

os constitui (Guareshi, Medeiros & Bruschi, 2003; Jodelet, 2001).

H vrias formas de definir cultura, j que historicamente, na Sociologia e

na Antropologia, tm surgido vrios conceitos que procuram explic-la. De uma

forma geral, a cultura abrange um conjunto de ideias, crenas, valores, costumes

e produtos materiais que so passados de gerao em gerao (Colman, 2003).

Sendo assim, por meio da cultura pode-se observar traos perfeitamente

identificveis que caracterizam um determinado grupo social, como linguagem

utilizada, alimentao, crenas, instrumentos, entre outros.

O conceito de amor tambm sofre variaes de cultura para cultura, uma

vez que depender dos valores, das ideias, das crenas e da conduta de

determinado grupo. Na China, por exemplo, a palavra amor utilizada para

descrever um relacionamento ilcito que no aprovado pela sociedade (Hsu,

1981, apud Dion & Dion, 1988). Os sentimentos descritos em um relacionamento

ntimo, nessa sociedade, so outros, como confiana e respeito. Hsu faz uma

elaborada explicao para justificar as diferenas entre a cultura chinesa e a

ocidental (Estados Unidos da Amrica) a respeito do amor, utilizando dois

parmetros: o individualismo e o coletivismo. Segundo este autor, o sentimento de

amor vivenciado pelas sociedades ocidentais baseia-se na satisfao pessoal ao

passo que os sentimentos experienciados no relacionamento ntimo, pelos

chineses, reflete a sua cultura, que centrada na situao e no conjunto social.

Pode-se observar que a diferena encontrada referente ao amor nas

diferentes culturas abrange temas relacionados ao amor, como a paixo e o

cime. Peele (1988) demonstra isso a partir dos estudos de Levy e Hupka. De

acordo com Peele (1988), Levy verificou, em suas pesquisas, que os taitianos e

outras populaes do Pacfico Sul no concebem o significado de ficar

apaixonado, e Hupka, ao procurar quantificar o sentimento de cime entre

diversas culturas, observou que esse sentimento raro em sociedades nas quais

no se enfatiza a propriedade particular; dessa forma, no existem grandes

restries nas prticas sexuais, e o reconhecimento social no se baseia no

casamento ou em chefiar um lar.

A partir do exposto, verifica-se que o conceito de amor pode ter diferentes

significados em diferentes culturas. Sendo assim, os estudiosos que procuram

investigar o amor e os temas relacionados precisam considerar a cultura em que

a sociedade estudada est inserida. Caso isso no ocorra, os resultados

encontrados perdem em consistncia, fragilizando o estudo realizado. Por isso,

necessrio delimitar corretamente o contexto social, tanto espacialmente quanto

temporalmente.

3.2 PERSPECTIVAS DE ESTUDO SOBRE O AMOR EM PSICOLOGIA

O amor pode ser concebido de vrias formas de acordo com a abordagem

utilizada. Murstein (1988) fez um levantamento que mostra a variedade de

abordagens no estudo sobre o amor, e seu trabalho ser utilizado como um guia

para a avaliao dessas formas.

Uma das formas de compreender o amor como emoo. O amor visto

desta perspectiva, tratado como sentimentos afetuosos e de satisfao sexual

que implicam estimulao parassimptica. O padro parassimptico, chamado de

resposta de relaxamento, um conjunto de reaes em todo o corpo que gera um

estado geral de calma e satisfao (Goleman, 1995).

De acordo com Goleman (1995), o amor como toda emoo so, em

essncia, impulsos para agir, planos instantneos para lidar com a vida que a

evoluo nos infundiu (p. 20). A partir disto, cada emoo desempenha uma

funo especfica para a manuteno da sobrevivncia do ser humano. O amor,

nesse caso, possibilita satisfao e cooperao entre as pessoas.

importante ressaltar que as caractersticas biolgicas que predispem os

indivduos para a ao so moldadas pela experincia e pela cultura. Desta

forma, o amor experienciado universalmente, porm a forma como cada um o

vivencia sofre influncia da cultura em que est inserido. Sendo assim, esta

maneira de estudar o amor tem grande importncia; contudo, no possibilita o

aprofundamento nas formas de amor existentes, uma vez que isso s pode ser

avaliado se considerados a cultura e o contexto histrico. Alm disso, Murstein

(1988) aponta para um outro problema. Para o pesquisador, tratar o amor como

uma emoo no interessante, pois a emoo um critrio muito instvel para

o estudo. Para chegar a essa concluso, prope a seguinte situao: um casal

teve um grande desentendimento, o que gerou insatisfao e irritao de ambas

as partes. Nesse caso, o que o pesquisador deve considerar? Que no h amor?

Caso positivo, necessrio perguntar: O amor s possvel quando o casal est

bem? Os dois problemas levantados sobre o critrio de tratar o amor como uma

emoo so relevantes, uma vez que impossibilitam alcanar o objetivo de

entender o amor conjugal no cotidiano do casal.

Outra possibilidade de estudo do amor tom-lo como uma atitude. Esta

maneira de lidar com o amor tambm tem suas limitaes. Murstein (1988) aponta

primeiramente a dificuldade dos estudiosos desta perspectiva em definir o amor;

todas as definies se mostram imprecisas. Murstein (1988) exemplifica essa

dificuldade com a definio proposta por Rubin (1970), que concebe o amor como

uma atitude que pode levar ao casamento. Neste caso especfico, o amor s

entendido por sua consequncia; entretanto, uma pessoa pode afirmar que ama

outra e no necessariamente casar-se com esta no futuro.

Uma outra questo que se levanta ao tratar o amor como uma atitude

que, muitas vezes, os resultados das escalas de atitude no so condizentes com

a realidade do indivduo pesquisado. Como Murstein (1988) argumenta, muitos

indivduos que alcanam um score alto nas escalas de atitude que investigam

sobre o amor persistem em dizer que no esto amando. Uma outra limitao

verificada que as escalas de atitude propem uma pontuao contnua;

entretanto, o comportamento correlato dessa pontuao pode no ser

proporcional s diferenas nas pontuaes (Murstein, 1988). Lane (1995) tambm

concorda com Murstein ao expor que a atitude sempre uma inferncia a partir

de verbalizaes, de predisposies internas que mantm relaes tnues com

comportamentos observados (p. 63). Segundo a autora, um conceito que vem

confirmando o falar e o fazer como comportamentos diferentes.

Uma outra limitao em tratar o amor como uma atitude discutida por

Doise (2001). Esse autor mostra que os estudos da atitude no conseguem ir

alm do indivduo, ou seja, no conseguem fazer a relao da atitude do indivduo

com o seu contexto social e cultural. Para o autor deveria haver uma

conceituao mais integrada das atitudes, articulando o estudo de um sistema

apreendido no nvel do indivduo com o estudo de sua insero em sistemas de

natureza societal (p. 189).

O amor tambm pode ser considerado como um comportamento. Neste

caso, tambm se encontram limitaes. As limitaes do estudo esto

relacionadas ao repertrio de comportamento referente ao amor. Primeiro, o

repertrio gigantesco. Bercheid (1988) cita Finck, cientista comportamental da

Rainha Vitria, o qual, em 1891, chamava ateno para a dificuldade do estudo

sobre o amor. Para Finck, o amor um tecido de paradoxos e existe em tantas

variedades e formas que se pode falar quase qualquer coisa sobre o amor que,

provavelmente, estar correto. Uma outra limitao que nem sempre um

comportamento que aparentemente est relacionado ao amor tido como tal pelo

indivduo ou vice-versa.

Murstein (1988) levanta os problemas encontrados nas perspectivas

anteriores para propor o estudo do amor sob a abordagem cognitiva. Para esse

autor, se o amor no pode ser reduzido a uma emoo ou a um comportamento,

deve ser tratado como um julgamento pessoal. Sendo assim, o amor deve ser

entendido como uma deciso cognitiva tomada pelo indivduo que, segundo

Murstein (1988), se d a partir de um critrio estabelecido pelo indivduo que pode

se basear em emoes, atitudes e comportamentos experienciados pelo

indivduo.

A teoria cognitiva uma possvel vertente para o estudo do amor, mas

tambm possui algumas limitaes. A principal que a maioria dos estudos nessa

abordagem descreve processos intraindividuais e no considera o seu contedo,

assim como a sua origem social, ou seja, a formao de esquemas cognitivos

segue um modelo individualista de processamento de informaes em que seus

processos de classificao e categorizao pertencem ao funcionamento do

indivduo (Leme, 1995, p. 51) e no constituem estruturas que podem refletir uma

realidade histrica e cultural.

Ao conceber a realidade histrica e cultural como fundamental no estudo

do ser humano e de aspectos de sua vida como o amor, prope-se que a

Psicologia Social a abordagem mais adequada para o estudo. Desta forma, ser

utilizada nesta pesquisa tal abordagem, como apresentado anteriormente.

A seguir, sero levantados os campos tericos estruturados

especificamente com o objetivo de compreender o amor.

3.3 AS TEORIAS PSICOLGICAS SOBRE O AMOR

Verificam-se, recentemente, trs novos construtos tericos que

contemplam a temtica amor. So eles: as Tipificaes do Amor, de Jonh Alan

Lee; a Teoria de Apego, de Shaver, Hazan e Bradshaw e; a Teoria Triangular do

Amor de Robert J. Sternberg. As trs teorias sero apresentadas a seguir.

3.3.1 Os Estilos de Amor

Um dos primeiros autores a descrever o amor no contexto da Psicologia,

de acordo com Colman (2003), foi o socilogo John Alan Lee, na dcada de 1970.

Lee (1988), ao estudar o tema prope os Estilos de Amor. De fato, o autor busca

definir os estilos de relacionamento amoroso. Vrios mtodos foram utilizados

para alcanar a nomeao dos estilos de amor. Primeiro, foi feito um

levantamento do que seria amor em livros de romance, em filmes e livros do

campo de conhecimento da Filosofia e da Psicologia. Depois, foi feita uma

categorizao dos dados levantados, chegando aos estilos propostos. Para

verificao da aplicabilidade destes estilos, foram realizadas entrevistas com

pessoas heterossexuais e homossexuais, as quais confirmaram os estilos

propostos.

Devido complexidade do tema e impossibilidade de afirmar quantos

estilos de relacionamento existem, Lee (1988) parte da possibilidade de avaliar os

estilos de relacionamentos a partir de seus componentes primrios. Sendo assim,

prope trs estilos primrios de amor: Eros, Ludus e Storge.

a) Eros. As pessoas que possuem o estilo Eros sabem descrever de forma

clara que tipo fsico o mais atrativo em sua concepo e sentem grande

excitao ao observar pessoas que se parecem com o tipo fsico de seu

gosto. Demonstram querer conhecer o amado de forma rpida e intensa e

procuram expressar seu prazer em estar com o outro de forma verbal e

ttil. Normalmente, buscam um relacionamento exclusivo. As pessoas que

se enquadram em Eros acreditam que achar o amado ideal e viver com ele

a atividade mais importante de suas vidas.

b) Ludus. Este estilo de amor caracteriza-se pela diverso e pela falta de

compromisso com um nico parceiro. Este tipo de amor est associado a

pessoas que no querem comprometimento com o amor. As pessoas que

aderem ao estilo de amor Ludus acham que vrios tipos fsicos so

atraentes e no veem contradio em amar vrios parceiros igualmente ao

mesmo tempo. Alm disso, evitam ver o parceiro com frequncia, como

forma de esquivar-se do estabelecimento de compromisso.

c) Storge. As pessoas que possuem este estilo acreditam que o amor uma

amizade especial. Para essas pessoas, importante conhecer o parceiro

primeiro como um amigo, antes de qualquer interao sexual. No se

verifica uma preferncia por um tipo fsico, uma vez que a questo

emocional est em primeiro plano. O ideal de amor, neste caso, a

amizade e a famlia.

Lee (1988) indica que, a partir dos trs estilos de amor descritos acima,

vrias outras formas de amor com caractersticas diferentes podem ser derivadas.

Contudo, o autor apresenta apenas seis estilos, tambm chamados de estilos

secundrios. A seguir est o Quadro 1 que sintetiza os seis tipos de amor.

Quadro 1: Os seis tipos de amor de John Alan Lee.

1) Eros + Ludus = Mania

2) Ludus + Storge = Pragma

3) Eros + Storge = gape

4) Storge + Eros = predomnio Storge

5) Ludus + Eros = predomnio Ludus

6) Storge + Ludus = predomnio Storge

1) Mania. Este estilo o resultado da combinao de Eros e Ludus e

caracterizado por ser irracional, obsessivo e dependente. As pessoas com

este tipo de amor tm a necessidade de estar amando, mas tm medo de

que o amor seja difcil e doloroso. No sabem ao certo qual tipo fsico as

atrai e, geralmente, escolhem pessoas que no possuem qualidades que

combinem com as suas. Tambm buscam ver a pessoa todos os dias e

imaginam o futuro junto com o parceiro. Alm disso, apresentam

comportamentos exagerados para demonstrar o seu amor ou para

demonstrar cimes. Geralmente no encontram satisfao sexual, mas tm

dificuldades para terminar o relacionamento

2) Pragma ( a combinao de Ludus e Storge). Para as pessoas deste estilo,

encontrar um parceiro algo prtico. Geralmente, procuram o parceiro em

um ambiente de sua convivncia e o avaliam primeiro antes de decidir por

tentar uma aproximao. De acordo com Fisher (2004), as pessoas que

sentem este estilo de amor no so movidas por emoo ou no sentido de

fazer grandes sacrifcios, mas por aquilo que vo ter em retribuio. Para

Lee (1988), as pessoas que possuem este estilo de amor esto em busca

de um parceiro compatvel, ou seja, um parceiro que tenha os mesmos

interesses, a mesma classe social, a mesma religio, entre outros.

3) gape. Este tipo de amor a combinao de Eros e Storge e

caracterizado pelo amor fraternal, pela gentileza e pelo altrusmo. o amor

baseado na concepo de dever com o outro. Nesse sentido, um amor

baseado na disposio para se dedicar ao prximo e na ausncia de

cobranas em termos de reciprocidade.

4) Storge e Eros. Embora tenha o mesmo contedo de estilo de amor gape,

est estruturado de forma diferente. As pessoas que se enquadram neste

tipo enfatizam mais os sentimentos de carinho e cuidado do que a

intimidade sexual. Alm disso, acreditam que o amor um dever para com

aqueles que precisam e essencial para uma vida completa. Essas

pessoas, embora no exijam reciprocidade, ficam mais satisfeitos quando

ela ocorre.

5) Ludus e Eros. A combinao a mesma do tipo de amor Mania, entretanto

os elementos da combinao esto organizados de forma diferente. Este

tipo de amor concebido como uma experincia interessante e divertida.

As pessoas com este estilo de amor so caracterizadas por conhecer

pessoas facilmente e com interesse em experimentar os diferentes tipos de

relacionamentos, sem apresentar, contudo, grandes emoes em seus

relacionamentos. No apresentam um padro especfico de interesse

quanto ao tipo fsico do parceiro. Alm disso, evitam relacionamentos em

que o cime esteja presente, e, caso o relacionamento no seja positivo,

este terminado sem grandes dificuldades.

6) Storge e Ludus. Da mesma forma que os anteriores, este tipo de amor tem

o mesmo contedo que o tipo Pragma, mas sua configurao se d de

maneira diferente. Neste caso, a nfase est em ter relacionamentos de

curto prazo. Para as pessoas que se enquadram neste tipo de amor, no

h necessidade de amar o parceiro para envolver-se com ele. O foco do

relacionamento est em um convvio prazeroso no qual as emoes so

expressas de forma discreta. Para essas pessoas, o convvio ocorre

quando conveniente para ambas as partes, no havendo grandes

alteraes da rotina cotidiana em funo do parceiro.

Os estilos apresentados no so estveis na vida do indivduo, e, mesmo

que o indivduo apresente um estilo de amor, isso no significa que se enquadre

em todos os aspectos desse estilo. De acordo com Lee (1988), as pessoas

podem variar de um estilo para o outro de acordo com as experincias da vida. O

autor afirma, entretanto, que importante avaliar qual o estilo preferencial do

indivduo em determinado momento, seja para autoconhecimento, seja para

reconhecer o estilo de amor do parceiro, seja para procurar um parceiro com um

estilo de amor mais adequado ao seu.

Lee, em seu trabalho, procurou definir o amor, mas deixou brechas para

que a sua teoria fosse aprimorada e expandida. O amor, entretanto, como o

prprio autor afirma, um tema complexo e, por isso, possui uma outra gama de

fatores que no abordada nesta teoria. A seguir, ser apresentado um outro

corpo terico sobre o amor e, neste, verifica-se o foco na compreenso das

causas do comportamento amoroso.

3.3.2 A Teoria do Apego

A Teoria do Apego foi construda na dcada de 1970 e incio de 1980, por

J. Bowlby, em uma srie de trs volumes intitulada Attachament and Loss. A

teoria tem como objetivo descrever e explicar, dentro de uma viso funcionalista e

etolgica, como bebs se tornam emocionalmente apegados figura cuidadora e

como sentem grande desconforto quando separados dessa figura (Shaver, Hazan

& Bradshaw, 1988).

Os autores Shaver, Hazan e Bradshaw (1988), com interesse em pesquisar

sobre o amor e verificando que as pesquisas nesse campo no possuam nenhum

arcabouo terico prprio, propuseram a utilizao da Teoria de Apego, de

Bowlby. De acordo com os autores, o prprio Bowlby acredita que profcua a

extenso de sua teoria para a compreenso do amor adulto, afirmando que o

comportamento de apego caracterstico do ser humano em toda a sua

existncia.

A Teoria do Apego baseia-se na proposio de que a evoluo da espcie

humana equipou o ser humano com vrios sistemas de comportamentos que

aumentam a possibilidade de sobrevivncia e sucesso reprodutivo. De acordo

com Bowlby (2002), o sistema de apego fundamental para o funcionamento dos

outros sistemas, como o sistema exploratrio, o sistema de acasalamento e o

sistema de cuidado. O sistema de apego tem a funo de possibilitar a

proximidade entre o cuidador e o beb, para que o cuidador, ento, proteja o beb

de predadores e de outras ameaas sobrevivncia. O sistema de apego

composto por vrios comportamentos, dentre os quais se podem citar: chorar, rir,

pegar, andar, olhar entre outros.

De acordo com a teoria, o modelo de apego que um indivduo desenvolve

durante a primeira infncia profundamente influenciado pela maneira como os

cuidadores primrios (pais ou pessoas substitutas) o tratam, alm de estar ligado

a fatores temperamentais e genticos (Dalbem & Dell'Aglio, 2005, p. 15). Durante

a infncia, a maioria das pessoas desenvolve um apego emocional para com um

ou mais cuidadores nos quais econtram proteo, conforto e suporte. De acordo

com a teoria, se a figura de apego suficientemente sensvel e responsiva, a

criana desenvolver um modelo interno positivo em relao a si e a pessoas com

quem se relaciona. Esses modelos tm mostrado ser a base para uma relao

saudvel entre pessoas do mesmo grupo e para a competncia pessoal. Caso,

entretanto, uma ou mais figuras de apego sejam insensveis ou no responsivas,

o indivduo desenvolve um modelo interno negativo de si e/ou das pessoas com

quem se relaciona (Davis, Shaver & Vernon, 2003). Dessa forma, a teoria prope

que os modelos internos desenvolvidos nas relaes com as figuras de apego

primrias tendem, de maneira geral, a ser estveis e a se generalizar para

relaes futuras (Bowlby, 1989).

De acordo com essa teori,a dois padres de apego podem ser observados

entre o beb e o(s) cuidador(es): o padro seguro e o padro inseguro. O padro

inseguro pode ser caracterizado pelo padro ansioso/ambivalente, o padro

evitativo e o padro desorganizado ou desorientado. Os estudos iniciais de Mary

Ainsworth identificaram trs padres de apego (seguro, ansioso/ambivalente e

evitativo). Foram os estudos posteriores de Bartholomew e Horowitz e de Main e

Salomon que propuseram o quarto padro de apego no qual a criana apresenta

um comportamento misto, ora evitante, ora resistente (Davis, Shaver & Vernon,

2003).

O padro seguro corresponde ao relacionamento cuidador-criana provido

de uma base segura. A criana que possui este padro sente-se segura para

explorar o seu ambiente de forma entusiasmada e motivada e, quando

estressada, mostra confiana em obter cuidado e proteo das figuras de apego

que agem com responsividade. Essas crianas, quando separadas das figuras de

cuidado, no se abatem de forma exagerada. As caractersticas da interao

entre a criana e o cuidador so de cooperao, com instrues seguras e

monitorao por parte do cuidador, ao mesmo tempo em que este encoraja a

independncia daquela (Dalbem & Dell'Aglio, 2005).

O padro ansioso caracterizado pela criana que,

antes de ser separada dos cuidadores, apresenta comportamento

imaturo para sua idade e pouco interesse em explorar o

ambiente, voltando sua ateno aos cuidadores de maneira

preocupada. Aps a separao, fica bastante incomodada, sem

se aproximar de pessoas estranhas. Quando os cuidadores

retornam, ela no se aproxima facilmente e alterna seu

comportamento entre a procura por contato e a brabeza (Dalbem

& Dell'Aglio, 2005, p. 18).

Ainsworth (1978) sugere que, em alguns momentos, essa criana recebeu

cuidados de acordo com suas demandas e, em outros, no obteve uma resposta

de apoio, o que pode ter provocado falta de confiana nos cuidadores, em relao

aos cuidados, disponibilidade e responsividade.

O padro evitativo corresponde ao seguinte comportamento nas crianas:

A criana

brinca de forma tranquila, interage pouco com os cuidadores,

mostra-se pouco inibido com estranhos e chega a se engajar em

brincadeiras com pessoas desconhecidas durante a separao

dos cuidadores. Quando so reunidas aos cuidadores, essas

crianas mantm distncia e no os procuram para obter conforto

(Dalbem & Dell'Aglio, 2005, p. 19).

O comportamento evitativo est associado a alguma forma de rejeio por

parte dos cuidadores em relao criana. Alm disso, verifica-se que, apesar de

os cuidadores demonstrarem preocupao, esta no corresponde aos sinais de

necessidade da criana. Dessa forma, sugere-se que essas crianas ao terem

sido rejeitadas ao revelarem as suas necessidades, aprenderam a ocult-las em

momentos relevantes (Dalbem & Dell'Aglio, 2005).

O padro desorganizado ou desorientado composto por crianas que

tiveram experincias negativas em seu desenvolvimento infantil. Esse padro

corresponde a crianas que apresentam comportamento contraditrio e/ou

estratgias de coping incoerentes para lidarem com a situao de separao. Na

presena dos cuidadores, antes da separao, essas crianas exibem um

comportamento constante de impulsividade, que envolve apreenso durante a

interao expressa por brabeza ou confuso facial ou expresses de transe e

perturbaes (Dalbem & Dell'Aglio, 2005, p. 19). Esse padro de comportamento

est associado a maus tratos infantis e a transtorno bipolar nos pais ou ao uso de

lcool pelos pais (Dalbem & Dell'Aglio, 2005).

Os estudos que relacionam a Teoria do Apego ao amor adulto partem do

pressuposto de que os modelos internos de funcionamento aprendidos na infncia

tendem a se manter e a ser reforados na interao com os outros. Isso acontece

porque os indivduos so propensos a se colocar em situaes que reforam os

seus modelos precoces de funcionamento. As propostas mais representativas

para a Teoria de Apego no adulto utilizam apenas os trs padres de apego

delineado por Ainswoth: apego seguro, apego ansioso/ambivalente e apego

evitativo.

Shaver, Hazan e Bradshaw (1988) tm buscado ampliar a Teoria do Apego

para o amor adulto. Em suas pesquisas, tm demonstrado que os

comportamentos relacionados ao amor tm correspondncia com os padres de

apego. Para alcanar este objetivo, os autores aplicaram um questionrio no qual

as pessoas deviam marcar as frases que mais se adequavam ao mais importante

relacionamento amoroso que tiveram. A pesquisa foi aplicada aos leitores de um

importante jornal de Denver (EUA) e replicada em uma populao de

universitrios. De acordo com os resultados, a proporo dos padres de apego

permaneceram estveis nos dois estudos: 50% classificaram-se como

pertencentes ao padro seguro, 25% ao padro evitativo e 25% ao padro

ansioso. Os dados no demonstraram diferenas de acordo com o sexo. Esses

resultados, de acordo com os autores, no so diferentes dos encontrados por

Ainsworth em seus estudos com crianas.

Essa pesquisa tambm verificou que a forma como a pessoa descreve seu

relacionamento est de acordo com o padro de apego em que esse

relacionamento se enquadra. As pessoas com padro de apego seguro

descrevem seus relacionamentos como feliz, amigo e confivel e enfatizam a

capacidade de aceitar e apoiar o parceiro apesar das suas falhas. Esses

relacionamentos tendem a durar mais, uma mdia de 10,02 anos. As pessoas

com padro evitativo apresentaram medo de intimidade, altos e baixos

emocionais e cimes. O tempo de durao do relacionamento destes indivduos

foi, em mdia, de 5,97 anos. J as pessoas com o padro de apego ansioso

indicaram experincias envolvendo obsesso, desejo de reciprocidade e unio,

altos e baixos emocionais, grande atrao sexual e cimes. O tempo de durao

dos relacionamentos dessas pessoas foi de 4,86 anos, em mdia. importante

considerar que, entre os trs grupos, a mdia de idade era a mesma (36 anos).

Uma outra pesquisa verificou a relao entre o padro de apego do adulto

e as reaes ao trmino de uma relao afetiva (Davis, Shaver & Vernon, 2003).

Para isso, foi elaborado um questionrio utilizando a escala Close Relationships

Mesures, de Brennan e colaboradores (1988) e colocado na internet. Os

resultados demonstraram que o padro de apego seguro estava associado a

estratgias de enfrentamento sociais, ou seja, busca de amigos e famlia para

suporte. J o padro de apego ansioso estava relacionado a grande preocupao

de perda do parceiro, grande sofrimento fsico e psquico, tentativas exageradas

de restaurao do relacionamento, motivao sexual relacionada ao parceiro,

comportamento irritadio e vingativo, estratgias de enfrentamento disfuncionais e

resoluo desordenada. O padro de apego evitativo apareceu fortemente

associado evitao e estratgia de enfrentamento focada em si. Esse padro

tambm apareceu associado negativamente a sofrimento e reaes de busca de

proximidade aps o trmino do relacionamento.

Verifica-se, ento, que a Teoria do Apego busca caracterizar os padres de

apego e relacion-los ao comportamento na relao amorosa. Dessa forma, as

pessoas que possuem o padro de apego seguro mantm um relacionamento

amoroso mais saudvel e duradouro, o que no acontece com as pessoas que

possuem um padro de apego inseguro (ansioso ou evitativo). Para as pessoas

que tm o padro de apego inseguro ansioso, o relacionamento pode tornar-se

uma obsesso, com possibilidades de grande sofrimento em caso de rompimento,

e, para as pessoas que tm o padro de apego evitativo, o relacionamento tende

a ser distante devido ao medo de intimidade, alm de tambm apresentar algum

sofrimento, j que essas pessoas esto propensas a apresentar altos e baixos

emocionais e sentimentos de cimes.

Essa teoria, embora tenha buscado entender o comportamento humano de

forma abrangente, utilizando em seu corpo terico conceitos de etologia e de

aprendizagem como os de adaptao e flexibilidade, limita as possibilidades

humanas de mudana. Vrios autores questionam a generalizao dos padres

de interao primrios para as relaes futuras, durante o ciclo vital (Dalbem &

Dell'Aglio, 2005).

Quanto consistncia da teoria, outros questionamentos tambm podem

ser feitos. Beslky (1999), de acordo com Dalbem e Dell'Aglio (2005), por exemplo,

questiona sobre o que leva algumas crianas a desenvolverem um apego seguro

com seus cuidadores, enquanto outras crianas estabelecem um padro de

apego inseguro e questiona ainda por que algumas crianas desenvolvem apego

seguro, mesmo que os cuidadores no estejam to prximos.

Esses so questionamentos que apontam lacunas e limitaes da Teoria

do Apego. Alm disso, a teoria no observa que outras questes podem ter

impacto sobre o comportamento do indivduo, como questes culturais e

histricas. Dessa forma, embora as pesquisas nessa perspectiva tenham

mostrado relevncia cientfica, a Teoria do Apego no consegue abranger o amor

em seu contexto scio-histrico.

3.3.3 A Teoria Triangular do Amor

Para Sternberg (1988), fundador da Teoria Triangular do amor, o amor

composto por trs elementos bsicos: comprometimento/deciso, intimidade e

paixo. De acordo com Beach e Tesser (1988), os trs elementos propostos por

Sternberg esto presentes em vrias discusses sobre o tema.

O primeiro elemento o comprometimento/deciso, que entendido sob

dois aspectos: um de curto prazo e outro de longo prazo. O aspecto de curto

prazo refere-se deciso sobre a existncia de amor na relao, ou seja, se um

dos pares ama o outro, e o aspecto de longo prazo est relacionado ao

comprometimento em manter o amor (Sternberg, 1988). De acordo com Beach e

Tesser (1988), o comprometimento em relao ao outro pode ser desenvolvido de

forma que outras reas da vida de uma das pessoas do casal possam ser

influenciadas, tais como rea profissional, atividades de lazer, amigos, entre

outros.

O comprometimento conjugal pode estar relacionado questo da

fidelidade, ao se considerar o conceito de amor romntico. A fidelidade

permanece um valor essencial no casamento na maior parte do mundo ocidental

(Bawin-Legros, 2004). O conceito de infidelidade est fortemente relacionado,

segundo a pesquisa de Bawin-Legros (2001), existncia de uma relao sexual

com uma terceira pessoa. Segundo essa autora, a imagem de amor entre as

pessoas permanece sob o ideal de um nico e verdadeiro amor.

O segundo aspecto a intimidade, que, para Sternberg (1988), se refere

proximidade e aos laos emocionais no relacionamento a dois. Thelen e

colaboradores (2000), em estudo sobre a intimidade, verificaram que esta questo

representa um importante componente da vida humana; por isso, a dificuldade em

estabelecer intimidade com outros pode trazer consequncias negativas para a

vida do indivduo. Inclusive, interessante ressaltar que problemas relacionados

intimidade esto entre as razes mais comuns que levam os casais a

procurarem a psicoterapia.

Para Thelen e colaboradores (2000), a intimidade significa a capacidade de

compartilhar pensamentos e sentimentos de significncia com um indivduo que

muito valorizado e inclui trs importantes componentes: contedo da

comunicao; sentimentos fortes relacionados ao contedo da comunicao e

vulnerabilidade no sentido de uma preocupao em relao ao que quem est

recebendo a comunicao, vai pensar ou fazer com a informao.

O terceiro aspecto descrito por Sternberg (1988) a paixo, que para o

autor, significa atrao fsica e consumao sexual. Acrescenta ele, entretanto,

que, apesar de a consumao sexual ser o componente principal, em alguns

relacionamentos outros aspectos que contribuem para a paixo podem estar

presentes como autoestima, afiliao, dominncia, submisso, entre outros.

A partir da delimitao dos trs elementos fundamentais para a existncia

do amor, Sternberg (1988) argumenta que possvel fazer a combinao desses

elementos e obter 8 tipos diferentes de amor. A proposta terica desse autor

similar proposta de Lee (1988), que tambm utiliza determinados elementos que

quando combinados geram diferentes formas de amor.

So estes os 8 tipos propostos: 1) gostar (elemento intimidade isolado); 2)

paixo (elemento paixo isolado); 3) amor vazio (elemento comprometimento

isolado); 4) amor romntico (intimidade associado a paixo); 5) amor companheiro

(intimidade associado a comprometimento); 6) amor inconsequente (paixo

associado a comprometimento); 7) amor consumado (composto pelos 3

elementos bsicos) e 8) ausncia dos 3 componentes: ausncia de amor.

Para melhor compreenso, o autor refere a sua teoria figura geomtrica

do tringulo. Dessa forma, os trs elementos formam os trs vrtices do tringulo

e, combinado