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Vladimir Herzog e outros vs. Brasil: A soberania e a justiça Nara Castro da Silva Andrade Rafael Lima Barbosa Sarah Dam Freitas Pedro Henrique Araújo Santiago A corte se recusa a ver, na conclusão de um tratado qualquer pelo qual um Estado se compromete a fazer ou não fazer alguma coisa, um abandono de sua soberania. Sem dúvida, toda convenção que cria uma obrigação desse tipo coloca uma restrição no exercício dos direitos soberanos do Estado no sentido em que ela requer que eles sejam exercidos de certa maneira. Mas o direito de se entrar em compromissos internacionais é exatamente um atributo da soberania estatal. Corte Permanente de Justiça Internacional 187 Relacionais e Interdependentes 1

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Vladimir Herzog e outros

vs. Brasil: A soberania e a justiça

Nara Castro da Silva Andrade Rafael Lima Barbosa

Sarah Dam Freitas Pedro Henrique Araújo Santiago

A corte se recusa a ver, na conclusão de um tratado

qualquer pelo qual um Estado se compromete a fazer ou não fazer alguma coisa, um abandono de

sua soberania. Sem dúvida, toda convenção que cria uma obrigação desse tipo coloca uma restrição

no exercício dos direitos soberanos do Estado no sentido em que ela requer que eles sejam exercidos

de certa maneira. Mas o direito de se entrar em compromissos internacionais é exatamente um

atributo da soberania estatal. Corte Permanente de Justiça Internacional

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1. Introdução O surgimento dos mecanismos internacionais de Proteção

Internacional dos Direitos Humanos ocorreu conforme se constatou a sua importância para a estruturação e a sobrevivência de Estados democráticos. Desde então, os Estados dos continentes africano, americano e europeu se empenharam em elaborar normas voltadas para a proteção da dignidade de seus cidadãos. Em primeira instância, cabe às instituições dos próprios Estados o empenho pela preservação destes direitos; e, no caso da não eficiência em seu funcionamento – seja pela não investigação dos fatos, seja pela demora do Estado em fazê-lo -, a solução se encontra nos sistemas regionais de proteção dos direitos humanos (BICUDO, 2003). Este processo se desenvolveu, de maneira geral, na metade do século XX.

No início do século seguinte, por sua vez, a entrada em vigor do Tratado de Roma trouxe um novo significado à defesa dos direitos humanos a nível internacional. Aprovado em 1998, o Tratado previa a criação do Tribunal Penal Internacional (TPI) como órgão judicial vinculado à Organização das Nações Unidas (ONU). Esta Corte é responsável por julgar os denominados crimes contra a humanidade, crimes de genocídio, de guerra e de agressão. A urgência em fazê-lo decorreu da magnitude das atrocidades cometidas na Segunda Guerra Mundial, que resultou na morte de aproximadamente 55 milhões de pessoas. Coube ao TPI, ao final do século XX, julgar os principais chefes militares e políticos responsáveis pelos atos desumanos ocorridos durante a guerra, algo inimaginável até então – sobretudo pela ideia de que a soberania dos Estados abrangia o julgamento e a punição de seus próprios nacionais, sem a intervenção de terceiros; o que acabava gerando uma impunidade para os autores de tais crimes (LEWANDOWSKI, 2002; BICUDO, 2003).

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No Sistema Interamericano de Proteção dos Direitos Humanos, de essencial compreensão para as questões tratadas no presente artigo, existem instrumentos protetivos gerais e específicos, na forma de Convenções válidas para os Estados que as ratificam. Alguns deles são anteriores à Organização dos Estados Americanos (OEA), de 1948, principal fórum das relações entre os países da região. Enquanto os instrumentos gerais tratam da matéria de direitos humanos como um todo, os instrumentos específicos versam sobre áreas específ icas dentro dos di re i tos humanos (COMISSÃO INTERAMERICANA DE DIREITOS HUMANOS [CIDH], 2007; SALVIOLI, 2007). Além dos instrumentos supracitados, o Sistema Interamericano conta com órgãos de proteção dos direitos humanos, como a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) e a Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH).

A Corte Interamericana de Direitos Humanos é uma instituição judicial autônoma que serve para a aplicação e interpretação da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, também conhecida como Pacto de São José da Costa Rica. A Convenção Americana entrou em vigor em 1978, enquanto a Corte Interamericana exerce suas atividades desde 1979 (ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS [OEA], 1979). Dentre as atribuições específicas da Corte Interamericana estão a função contenciosa; a função consultiva; e a função de estabelecer medidas provisórias (SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL [STF], [s.d]). Em suma, a Corte Interamericana é o órgão judicial regional para a promoção e proteção dos direitos humanos.

A Comissão Interamericana de Direitos Humanos é responsável por analisar os casos previamente e, somente quando satisfeitos os critérios de admissibilidade, encaminhá-los à Corte Interamericana. Os casos também podem ser solucionados amistosamente ainda durante a apreciação da

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Comissão, sem necessidade de tramitação na Corte. A Corte Interamericana é composta por sete juízes, nacionais dos Estados partes da OEA, e eleitos para mandatos de seis anos passíveis de renovação por mais um mandato de mesma duração (STF, [s.d]).

Atualmente, um dos casos contra o Brasil em trâmite na Corte IDH é o caso 12.879 (Vladimir Herzog e outros), que diz respeito à prisão arbitrária, tortura e assassinato do jornalista Vladimir Herzog em 1975, durante a ditadura militar brasileira. Ele trata também da impunidade dos responsáveis pelos acontecimentos, principalmente por conta da Lei de Anistia. Desta forma, o caso torna oportuna a discussão de questões como a violência policial no período, a impunidade do Estado e o controle de convencionalidade das leis (OEA, 2016). 1

Problemas como a arbitrariedade da violência policial e a impunidade do Estado ainda se fazem presentes no contexto brasileiro atual, mesmo decorridos 40 anos dos fatos a serem discutidos no caso Vladimir Herzog. Portanto, revisitar acontecimentos como este e garantir, na medida do possível, a justiça aos afetados e a punição dos responsáveis é uma maneira crucial para transformar a sociedade através do compartilhamento de cuidados entre o Estado e a população.

O presente artigo não buscará fechar algum julgamento sobre a existência de violação de direitos previstos na Convenção Americana sobre Direitos Humanos. Focará, na verdade, em apresentar as possibilidades de intervenção da Corte na questão e de efetivação dessa intervenção pelo Estado brasileiro, além de prezar pela importância de um desenho adequado do

O controle de convencionalidade das leis é a condição de que as normas internas devem estar de acordo 1

“com os tratados internacionais ratificados pelo governo e em vigor no país” (BIANCHINI; MAZZUOLI, 2011). Ele é complementar ao controle de constitucionalidade, pelo qual as leis devem se adequar à Constituição do país.!190 Relacionais e Interdependentes

regime de transição para a justa compensação de violações como identificadas no imaginário nacional.

2. História: a ditadura, a corte, o caso O caso do jornalista Vladimir Herzog não foi o único durante o

período histórico da Ditadura no Brasil. Muitas violações dos direitos humanos foram vivenciadas no país, porém poucas ganharam a relevância que deveriam ou chegaram a ser julgadas em uma corte internacional.

Mais do que compreender este caso específico e como ele se desenvolveu, é necessário ter consciência da realidade histórica na qual o episódio se desenrolou, da importância da Corte Interamericana e seus mecanismos como formas de garantir o comprometimento dos Estados americanos com os direitos humanos e do significado do caso para a população brasileira e mundial.

2.1. Contexto histórico da ditadura militar Não eram tempos fáceis para os sonhadores no Brasil (JEUNET,

2001). Durante a década de 1970 o regime militar atingiu o auge da repressão, consequência do enrijecimento das medidas que tem como marco inicial o Ato Institucional número 5 (AI-5), decretado em dezembro de 1968 (ZAPPA; SOTTO, 2008, p 269). O AI-5 determinava, no meio de várias medidas ditatoriais, o recesso do Congresso Nacional sem apreciação judicial, a cassação de mandatos parlamentares, a suspensão dos direitos políticos da população, o confisco de bens considerados ilícitos e a suspensão do habeas corpus, ou seja, funcionava como uma carta branca mascarada para a tortura e o abuso contra os presos (ZAPPA; SOTTO, 2008, p. 269).

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A justificativa para tal repressão e abuso de poder se encontrava no suposto terrorismo contra o Estado brasileiro que, como bem maior, precisava ser defendido de todas as formas (GASPARI, 2002, p. 15). A ação violenta e rotineira da polícia era defendida como maneira necessária para acabar com as ameaças que rondavam o Brasil, porém faltava um risco nas dimensões como era defendido pelo governo (GASPARI, 2002, p. 16). A tortura se construiu como política de Estado contra inimigos públicos, surgindo primordialmente do poder e só se sustentando de maneira silenciosa, negada pelas autoridades que a cometem (GASPARI, 2002, p. 25). Estavam iniciados, a partir de então, os anos mais violentos e repressivos da ditadura militar brasileira.

A repressão maior pareceu surgir como resposta à resistência alcançada por alguns grupos da sociedade brasileira, fora e dentro das instituições. Durante o ano de 1968, ações contra o regime militar aconteceram ativamente, o que preocupava os militares e ameaçava a sua manutenção no poder do Estado brasileiro. Foi em 8 de fevereiro de 1968, em São Paulo, que aconteceu um assalto a banco que ficou conhecido como uma das primeiras ações de guerrilha urbana articulada por movimentos de esquerda (ZAPPA; SOTTO, 2008, p. 53). Em 1968 também foi consolidada a Ação Libertadora Nacional (ALN), sob a liderança de Carlos Marighella, além de vários outros grupos que começavam a partir para a ação armada com a intenção de desarticular o regime de exceção brasileiro (ZAPPA, SOTTO, 2008, p. 54).

Ainda em 1968 aconteceu a Passeata dos Cem Mil, em junho, e os movimentos operário e estudantil ganharam força, tornando-se inimigos potenciais do Estado (ZAPPA; SOTO, 2008, p. 141). Foi nesse ano que a Universidade de Brasília foi invadida em um ato extremamente violento, justificado pelo mandato de prisão de sete estudantes, entre eles Honestino Guimarães. Uma força conjunta do exército, da polícia militar e civil e do

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Departamento de Ordem Política e Social – DOPS realizou a operação na Universidade. O resultado da violência desmedida foram vários estudantes presos, entre eles Honestino, laboratórios e instalações destruídos e uma pessoa baleada (ZAPPA; SOTO, 2008, p. 94). Já no Rio de Janeiro, o estudante Edson Luís, com apenas 16 anos, foi morto em uma ação policial, impulsionando mais movimentos sociais e de resistência pelo país. Em Osasco, uma greve que paralisou 15 mil metalúrgicos em julho deixou o governo ainda mais fechado e temeroso quanto uma possível união entre movimentos. Todos esses fatos ocorreram no mesmo ano que a Organização das Nações Unidas - ONU escolheu profeticamente como sendo o Ano Internacional dos Direitos Humanos (ONU BRASIL, 2016). Além disso, na cena cultural e artística era construída uma verdadeira contracultura brasileira, com manifestações críticas sobre a situação política e social do Brasil. A causa estava lançada: era hora dos movimentos de resistência se armarem e o governo militar enrijecer a opressão.

É nesse contexto que o general Emílio Garrastazu Médici se torna o chefe da vez do regime em 1969, após o país ser governado temporariamente por uma junta militar (NAPOLITANO, 2014, p. 109). Ao novo presidente cabia a função de reprimir os movimentos contrários ao regime, além de consolidar a imagem deste com a população, evitando novos descontentamentos que poderiam ser causados por verdades escancaradas. A opressão ainda se valia de uma falsa democracia que era exaltada pelos militares no poder, como fica evidente na declaração de Médici:

Homem da lei, sinto que a plenitude do regime democrático é uma aspiração nacional [...] creio

necessário consolidar e dignificar o sistema representativo baseado na pluralidade dos partidos e na garantia aos

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direitos fundamentais do homem (NAPOLITANO, 2014,

p. 110).

Garantia aos direitos fundamentais do homem foi algo que não foi visto pelos participantes das ações de resistência contra o governo conhecidas como guerrilhas. As chamadas guerrilhas de esquerda, constituídas por dissidentes das organizações de esquerda brasileira e que tiveram sua aspiração à luta armada alimentada pelo desenrolar da Revolução Cubana na década de 1960, fortaleciam-se e se articulavam na época (NAPOLITANO, 2014, p. 112). Os grupos começavam a ter sucesso em suas ações, que oscilavam entre arrecadar fundos para o movimento, fazer publicidade para as massas sobre a revolução e realizar trocas de participantes presos. A repressão, porém, acabou por interromper a luta armada, matando seus principais líderes: Carlos Marighela em 1969 e Carlos Lamarca em 1971 (NAPOLITANO, 2014, p. 114).

No interior do Brasil, desenhava-se de maneira mais discreta a guerrilha rural organizada pelo partido político PCdoB, a conhecida Guerrilha do Araguaia, que era composta não só por ativistas políticos como também pela população local, largada à miséria pela falta de assistência do Estado. A Guerrilha alcançou algumas vitórias, porém depois de ações repetidas do exército brasileiro, treinadas especificamente para combater o grupo armado do Araguaia, o movimento foi exterminado em 1974 (NAPOLITANO, 2014, p. 115). Tortura, execução de prisioneiros e eliminação de qualquer relato ou memória da ação do Araguaia foi o que se sucedeu ao fim da guerrilha (PEIXOTO, 2011, p. 483). Em 2010 o caso foi levado à Corte IDH com o nome de Caso Gomes Lund e Outros (“Guerrilha Do Araguaia”) Vs. Brasil, fazendo com que o Brasil fosse julgado e as devidas reparações fossem determinadas (CORTE IDH, 2010).

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A derrota da luta armada criou um novo imaginário nos brasileiros. A morte heroica, na busca pela liberdade, foi substituída pelo sofrimento da tortura e violência sem resultados. O perfil dos que se envolviam com a resistência política no período de 1969-1974, de acordo com o projeto “Brasil Nunca Mais” , era de jovens de até 35 anos, estudantes e originais da classe 2

média brasileira, que inclusive, em uma ação quase inédita de repressão pelo Estado, não foram poupados ou descriminados pela sua posição social ou formação escolar (NAPOLITANO, 2014, p. 116). As técnicas de tortura, cada vez mais sofisticadas, misturavam a violência física e psicológica, envolvendo inclusive a família das vítimas, implantando informações falsas na busca de familiares por sobreviventes e destruindo a subjetividade dos que lutavam, tendo como principal arma o desaparecimento (NAPOLITANO, 2014, p. 122). O governo militar com sua violência parecia de fato ter alcançado o fim de qualquer ação revolucionária ou subversiva entre os inimigos do Estado.

Aliado à repressão silenciosa estavam outros meios de construção de uma imagem nacional de segurança e otimismo. Na década de 1970, o Brasil passava pelo “milagre econômico”, ilustrado pelo slogan “Nunca fomos tão felizes” (NAPOLITANO, 2014, p. 134). Com crescente índice de investimento e dependência do capital externo, o Brasil ficou entre as dez maiores economias mundiais, com um crescimento do PIB entre 1969 e 1973 de, em média, 11% ao ano. O custo social desse enorme crescimento deve ser questionado, considerando as perdas para a parte mais pobre da população, que não recebeu os ganhos diretos e de longo prazo da nova realidade

O projeto “Brasil Nunca Mais” foi uma iniciativa realizada pela Arquidiocese de São Paulo no final da 2

década de 1980, época também do fim da ditadura militar no Brasil. O objetivo do projeto era evitar a destruição de processos judiciais por crimes políticos no fim do regime, a pesquisa de novas informações sobre torturas praticadas na época e a garantia de divulgação de todos os casos para conscientização da população. O projeto foi coordenado pelo o Rev. Jaime Wright e por Dom Paulo Evaristo Arns, resultando em vários relatórios e um livro, disponíveis para consulta online (ARNS; SOBEL; WRIGHT et al, 2016).!195 Relacionais e Interdependentes

econômica. Entretanto, a inicial ampla oferta de emprego e inflação relativamente controlada amenizavam os efeitos da concentração de renda, facilitando também a boa imagem do governo para a massa (NAPOLITANO, 2014, p. 136).

Esse cenário de falso paraíso econômico viria abaixo no final da década, com o segundo choque do petróleo em 1979, expondo a enorme dependência brasileira em insumos e capital estrangeiros, a crescente dívida externa e os altos índices de inflação (NAPOLITANO, 2014, p. 137). Junto com a conjuntura econômica positiva do início de 1970, os militares criaram em torno do futebol a imagem de país próspero e unido, com a vitória da Copa do Mundo de 1970 e a criação do campeonato brasileiro em 1971, tirando o foco da população dos abusos de poder, violência e cerceamento de direitos por parte do regime (FARIAS; SOARES, 2016).

A limitação dos direitos era vista também na vida cultural e social, com a censura prévia, prisão e exílio de vários artistas e figuras públicas e com o medo que se instalava com mais força entre aqueles que tinham alguma manifestação contrária ao regime militar. O Decreto nº 1077 (1970) institucionalizava a censura prévia e determinava que, a partir de 1970, “não seriam toleradas as publicações e exteriorizações contrárias à moral e aos bons costumes quaisquer que sejam os meios de comunicação”. A liberdade de expressão era limitada por um “terrorismo cultural” por parte das autoridades, que se opunha a qualquer posicionamento intelectual político contrário ao comportamento militar no poder (NAPOLITANO, 2014, p. 187). Por “terrorismo cultural” entende-se as milhares de censuras e proibições nos meios de comunicação e nas manifestações intelectuais e culturais, além das prisões autoritárias de jornalistas, artistas e formadores de opinião, bem como

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a apreensão de livros e documentos que fossem considerados de caráter subversivo pelo Estado.

A partir do governo de Ernesto Geisel (1974-1979) começava uma abertura “lenta, gradual e segura” que se mostrava, porém, extremamente ambígua, na medida em que representava um embate ideológico entre conservadores e liberais dentro do próprio governo (FREITAS, 2007, p.83). No final da década, o cenário era de crise econômica aliada a uma tentativa de manutenção do status quo pelos militares, esboçando um contexto mais 3

democrático (FREITAS, 2007). Em 1979, uma lei de anistia questionável, excluindo pessoas que agiam contra a repressão já condenadas pelo regime e deixando um grande espaço para que crimes envolvendo a violação dos direitos humanos fossem perdoados, foi decretada, meio a um processo tortuoso e pouco revolucionário de abertura política (BASTOS, 2008, p. 601 a 605);

Sob esse contexto de pouca transparência política, manipulação das massas e abuso de autoridade foi que o Brasil passou pelos piores casos de violação dos direitos humanos, que, por mais que constantemente esquecidos, trazem consequências e devem ser discutidos no patamar atual. De acordo com a Comissão Especial sobre Mortos e Desaparecidos Políticos (1995), houve 362 desaparecidos no período da Ditadura. Alguns casos, como o de Stuart Angel, o da Guerrilha do Araguaia ou o do jornalista Vladimir Herzog, que marcou o início de uma nova postura popular diante da ditadura, são os que ganharam maior visibilidade, mas, infelizmente, não são os únicos.

A expressão satus quo se origina da expressão “status quo ante” que, no campo jurídico, significa no 3

estado em que as coisas estavam antes, no estado anterior (SANTOS, 2001). Dessa forma, a expressão como utilizada no texto se refere à manutenção das coisas como elas estavam, ou seja, a continuidade do regime militar sem rupturas ou mudanças.!197 Relacionais e Interdependentes

2.2. Convenção Americana sobre Direitos Humanos A Convenção Americana sobre Direitos Humanos (doravante CADH

ou Convenção, também conhecida como Pacto de São José da Costa Rica) foi assinada na Conferência Especializada Interamericana sobre Direitos Humanos, em San José, Costa Rica, no dia 22 de novembro de 1969. A Convenção representa a busca pela criação de um regime de liberdade pessoal e de justiça social, tendo como base a proteção dos direitos essenciais da pessoa humana (OEA, 1969).

A CADH tem como base a Convenção Europeia para a Proteção dos Direitos Humanos e Liberdades Fundamentais (doravante, Convenção Europeia), de 1950, texto de importância equivalente para o Sistema Europeu de Direitos Humanos; e o Pacto de Direitos Civis e Políticos das Nações Unidas, de 1966. Entretanto, estende-se muito mais que suas fontes na enumeração de direitos e disposições de garantias, o que resulta no questionamento da possibilidade de cumprimento da CADH na íntegra (GASPAROTO; GASPAROTO; VIEIRA, 2010; SALVIOLI, 2007; HANASHIRO, 2001).

A grande importância atribuída à Convenção Americana

sustenta-se por várias razões: é o primeiro tratado genérico regional e vinculante em matéria de direitos humanos no âmbito da OEA, criou a Corte Interamericana de Direitos

Humanos, e, finalmente, marcou, juntamente à Declaração [Americana dos Direitos e Deveres do Homem], o padrão mínimo que deve existir para a proteção atual dos direitos

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humanos no continente americano (SALVIOLI, 2007, p.

12, tradução nossa ). 4

A Convenção, em grande parte de sua extensão, faz referência aos chamados direitos civis e políticos. O art. 26 faz breve referência aos direitos econômicos, sociais e culturais, mas não os enumera – apenas obriga os Estados a tomarem providências internas e internacionais para garantir sua efetividade (GASPAROTO; GASPAROTO; VIEIRA, 2010). O Protocolo Adicional à Convenção Americana sobre Direitos Humanos em matéria de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, também conhecido como Protocolo de São Salvador, de 1988, foi responsável pela interpretação dos direitos econômicos, sociais e culturais de maneira mais sólida na Convenção (HANASHIRO, 2001).

Dentre os principais direitos presentes na CADH, destacam-se: o direito à vida (art. 4); o direito à integridade pessoal (art. 5); a proibição da escravidão e da servidão (art. 6); o direito à liberdade pessoal (art. 7); as garantias judiciais (art. 8); a liberdade de consciência e de religião (art. 12); a liberdade de pensamento e de expressão (art. 13); o direito de reunião (art. 15) e a liberdade de associação (art. 16) (SALVIOLI, 2007; OEA, 1979). Alguns dos artigos presentes na Convenção Americana, que não constam na Convenção Europeia, sua fonte de inspiração, são o direito de retificação ou resposta (art. 14); os direitos da criança (art. 19); o direito à nacionalidade (art. 20); o direito de circulação e de residência (art. 22); e os direitos políticos (art. 23) (SALVIOLI, 2007; OEA, 1979).

Do original, em espanhol: “La gran importancia asignada a la Convención Americana encuentra asidero en 4

varias razones: es el primer tratado genérico regional vinculante en materia de derechos humanos dentro de la OEA, ha creado a la Corte Interamericana de Derechos Humanos, y por último marca, junto a la Declaración, el “standard” mínimo que debe existir para la protección actual de los derechos humanos en el continente americano” (SALVIOLI, 2007, p. 12).!199 Relacionais e Interdependentes

Algumas disposições da Convenção são passíveis de derrogação em circunstâncias específicas, com exceção de direitos primordiais para a proteção da pessoa humana, como o direito à vida, direito à integridade pessoal e a proibição da escravidão e da servidão. Os direitos políticos e a liberdade de consciência e de religião também estão entre os direitos inderrogáveis presentes no texto da Convenção (OEA, 1979).

Em caso de guerra, de perigo público, ou de outra emergência que ameace a independência ou segurança do

Estado Parte, este poderá adotar disposições que, na medida e pelo tempo estritamente limitados às exigências da situação, suspendam as obrigações contraídas em virtude desta Convenção, desde que tais disposições não

sejam incompatíveis com as demais obrigações que lhe impõe o Direito Internacional e não encerrem discriminação alguma fundada em motivos de raça, cor,

sexo, idioma, religião ou origem social (OEA, 1979, p.01).

A segunda parte da CADH estabelece a criação dos dois principais órgãos de proteção dos direitos humanos para o sistema interamericano: a Comissão Interamericana de Direitos Humanos e a Corte Interamericana de Direitos Humanos (OEA, 1979). A grande resistência por parte dos Estados americanos à plena adesão à Convenção, porém, gera uma dualidade estrutural e institucional para o sistema interamericano de direitos humanos, pautado simultaneamente na Carta Reformada da OEA e na Convenção Americana (HANASHIRO, 2001).

Alguns autores que concentram seus estudos no Sistema Interamericano de Direitos Humanos afirmam que “a Convenção Interamericana é considerada documento fundamental do sistema

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interamericano de direitos humanos, e respaldou a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, que vinha operando desde 1960” (GASPAROTO; GASPAROTO; VIERA, 2010, p. 54). Outros, por sua vez, afirma que “o Pacto de San José da Costa Rica é a pedra angular da proteção convencional do sistema interamericano” (SALVIOLI, 2007, p. 14, tradução nossa ). 5

O caso Vladimir Herzog e outros vs. Brasil, discutido neste artigo, envolve possíveis violações de disposições da Convenção Americana, a saber: o artigo 5.1 (direito à integridade pessoal); o artigo 8.1 (garantias judiciais); e o artigo 25 (proteção judicial). Eles estão relacionados principalmente à prisão arbitrária do jornalista e às ações tomadas pelo Estado brasileiro para investigar, processar e punir os responsáveis pela morte de Herzog (CIDH, 2015). O Brasil aderiu à Convenção Americana sobre Direitos Humanos no dia 9 de julho de 1992, ratificando-a em 25 de setembro do mesmo ano. A aceitação da competência da Corte IDH, por sua vez, foi feita em 10 de dezembro de 1998. Portanto, o país concorda em responder perante a Corte pelas violações ocorridas a partir desta última data (OEA, 2007).

De acordo com o princípio da retroatividade, presente no texto da Convenção, é válido ressaltar que apenas as violações de caráter continuado podem ser julgadas tomando como base a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, visto que as demais ocorreram antes do reconhecimento da competência da Corte IDH pelo Estado brasileiro. Ou seja, a impunidade dos responsáveis após a morte de Vladimir Herzog pode ser citada como descumprimento à CADH, mas não pode se aplicar à prisão arbitrária, à tortura e à morte do jornalista.

Do original, em espanhol: “El Pacto de San José de Costa Rica es la piedra angular de la protección 5

convencional del sistema interamericano” (SALVIOLI, 2007, p. 14).!201 Relacionais e Interdependentes

2.3. Vladimir Herzog Vlado Herzog, conhecido como Vladimir no Brasil, nasceu na

Iugoslávia em junho de 1937. Em 1941, com a perseguição aos judeus na Segunda Guerra Mundial, a família de Vladimir fugiu para a Itália e, em 1942, fixou-se definitivamente no Brasil, na cidade de São Paulo (INSTITUTO VLADIMIR HERZOG, [s.d.]). Cursou filosofia na faculdade de São Paulo, tendo como paixão paralela o cinema, assunto para o qual dedicou muito de seu trabalho. Em 1957, após um período de estágio no jornal Folha de São Paulo, Herzog foi integrado à redação do periódico, iniciando a partir de então sua carreira no jornalismo (INSTITUTO VLADIMIR HERZOG, [s.d.]).

O jornalista se mudou para Londres com sua esposa, em 1965, para trabalhar no serviço brasileiro da emissora de rádio e televisão British Broadcasting Corporation - BBC, consequência também da falta de espaço profissional no Brasil pós golpe (INSTITUTO VLADIMIR HERZOG, [s.d.]). Vlado e sua família retornariam para o Brasil em 1968, quando ele trabalharia na revista Visão e como professor de telejornalismo na Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP) e na Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (INSTITUTO VLADIMIR HERZOG, [s.d.]). Em 1975, foi indicado por Fernando Jordão para integrar a equipe da TV Cultura de São Paulo, tornando-se diretor de jornalismo (INSTITUTO VLADIMIR HERZOG, [s.d.]). Por conta do cargo, teve que passar pela aprovação do Serviço Nacional de Informações, mas, apesar de aceito, sua postura diante do trabalho jornalístico e seu compromisso com os fatos causaram denúncias dentro da emissora, especulando inclusive uma infiltração comunista no canal (INSTITUTO VLADIMIR HERZOG, [s.d.]).

A prisão de Herzog surgiu da “Operação Jacarta” feita pelo DOI-CODI (Destacamento de Operações de Informação - Centro de Operações de

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Defesa Interna), órgão de inteligência e repressão subordinado ao exército brasileiro. A operação deveria alcançar duas mil pessoas, na maioria militantes fichados do Partido Comunista Brasileiro (PCB), sindicalistas, políticos, estudantes e professores universitários e agentes comunitários vinculados à ala da igreja católica ligada ao então arcebispo de São Paulo, D. Paulo Evaristo Arns, além de um grande número de jornalistas, incluindo Vladimir (COSTA, 2004). Vlado era associado do Partido Comunista Brasileiro – PCB desde o período em que trabalhou na revista Visão. Mesmo sendo cético com questões ideológicas, o jornalista via no Partido uma forma de se posicionar contra o que acontecia no Brasil (INSTITUTO VLADIMIR HERZOG, [s.d.]).

Agentes do governo procuraram o jornalista no dia 24 de outubro de 1975, intencionando levá-lo para prestar depoimento a respeito de uma suposta ligação com o Partido Comunista Brasileiro. Vladimir, no entanto, convenceu-os de se apresentar espontaneamente na manhã seguinte (INSTITUTO VLADIMIR HERZOG, [s.d.]). No dia 25, na sede do DOI-CODI, Herzog foi friamente torturado, como era rotina da repressão no local, e morto ao final. O relato do jornalista Sérgio Gomes (2009) que estava também preso no momento mostra como foi a ação:

E lá naquela cela solitária, com o ouvido na janelinha, eu podia ouvir os gritos [...]. Pelo tipo de luta, pelo tipo de

grito, pelo tipo de porrada, sabia que estava sendo feito com alguém exatamente aquilo pelo que eu tinha passado e sabia o que podia acontecer [...]. Mais tarde sou informado

por um médico chamado David Rumell que tinham apagado um cara, não sabia ainda quem era. [...]. Foi de manhã, lá pela hora do almoço há uma azáfama, uma

correria. Ele foi torturado durante toda a manhã e lá pela hora do almoço se dá o tal silêncio. A pessoa para de ser

!203 Relacionais e Interdependentes

torturada e em seguida há uma azáfama, uma correria, a

gente percebe que tem alguma coisa estranha acontecendo. Eles tinham acabado de matar o Vlado (GOMES, 2009, p.01).

Mais do que assassinar Herzog, tentaram também não assumir a responsabilidade pela morte, criando uma grande farsa em torno de um suposto assassinato: uma foto foi registrada com Vlado supostamente enforcado em uma tira de pano, após ter se arrependido de uma confissão escrita que estaria rasgada no chão (INSTITUTO VLADIMIR HERZOG, [s.d.]). Na foto, porém, nota-se que a distância entre a janela com grade onde Vladimir teria amarrado o pano para se suicidar e o chão não seria suficiente para a morte, além do fato de que, na prática do encarceramento, qualquer objeto passível de uso para suicídio é tirado do alcance do suspeito (INSTITUTO VLADIMIR HERZOG, [s.d.]). Como mostrado pelo depoimento de muitos presos do período, inclusive do já citado Sérgio Gomes, o suicídio era uma via de escape para as atrocidades vividas no cárcere, entretanto não era alcançada com facilidade (GOMES, 2009).

Um Inquérito Policial Militar foi aberto, por se tratar de uma morte em ambiente oficial. O promotor Durval Araújo, apoiador do regime militar, posicionou-se considerando o suicídio como real, sem muitas discussões a respeito do cenário da morte e sem maiores investigações (INSTITUTO VLADIMIR HERZOG, [s.d.]). Há de se saber, todavia, que, além dos já relatados depoimentos de outros presos e tentativa grotesca de esconder o assassinato, nem mesmo a igreja judaica aceitou o suposto suicídio do jornalista. Apesar de ter sido defendido pelo promotor o contrário, Herzog não foi enterrado junto ao setor destinado aos suicidas no Cemitério Israelita,

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como é costume da religião, em suma, há também a justificativa teleológica contra a farsa do assassinato (DINES, 2005).

Por mais que as autoridades quisessem dar o assunto como encerrado, a repercussão da morte entre a população e a inquietação da esposa de Vlado, Clarice Herzog, fez com que o caso se tornasse marca na oposição ao regime militar e defesa dos direitos humanos no país. É importante lembrar o cenário de 1975: Geisel era o presidente e, apesar de defender a distensão gradual do regime, ações dúbias ainda colocavam em questão a efetividade da abertura, ocasionadas por uma disputa entre mil i tares “l inha dura” e “liberais” (FREITAS, 2007, pp. 83 – 86). A partir dessa disputa, o ano de 1975 foi o ano de perseguição aos membros do PCB, uma vez que a luta armada já havia sido desmantelada. A contrariedade entre a continuidade da repressão e o discurso de distensão não passou despercebida pela população. Logo que o caso se tornou público, o apoio foi recebido de vários setores nacionais e internacionais: sindicatos, estudantes, até mesmo a silenciada imprensa se manifestou, dentro dos limites da censura (FREITAS, 2007, p. 90).

O caso Herzog serviu como ponto de união entre as várias frentes combativas ao regime, dando ânimo à luta em um cenário menos favorável para a repressão desmedida. Mais de 600 pessoas estavam presentes no velório de Vladimir Herzog, estudantes e professores da Universidade de São Paulo entraram em greve, houve um culto ecumênico na Catedral da Sé em homenagem ao jornalista e uma série de manifestações pró-Direitos Humanos se desenrolaram a partir de então (FREITAS, 2007, p. 94).

Mesmo com a censura policial ao ato da Sé, dificultando a chegada ao local do culto, oito mil pessoas compareceram, tendo a presença de lideranças marcantes na luta pelos Direitos Humanos como D. Paulo Evaristo Arns (FREITAS, 2007, p. 94). A morte de Herzog representou, portanto, a

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possibilidade de mudança, provando a insatisfação da sociedade civil com o regime, e representa até os dias atuais a necessidade de discutir e reparar as atrocidades contra os direitos humanos que esse período representou na história do país.

3. Disputas até a Corte Interamericana de Direitos Humanos Em 19 de abril de 1976, Clarice Herzog e seus filhos, Ivo e André,

intentaram uma ação declaratória na Justiça Federal de São Paulo, que foi, posteriormente, distribuída para a 7ª Vara Cível. A ação tinha por objetivo declarar a responsabilidade da União Federal de indenizar a família, na forma do artigo 4º do Código de Processo Civil de 1973 (equivalente aos artigos 19 e 20 do Código de Processo Civil atual), pela prisão, torturas e morte do jornalista Vladimir Herzog, já que a família havia levantado fatos que contradiziam a nota dos técnicos do inquérito policial, a qual constava suicídio (OAB SP, 2014).

Os advogados dos autores, Heleno Cláudio Fragosos, Sérgio Bermudes, Marco Antônio Rodrigues Barbosa e Samuel Mac Dowell de Figueiredo, trouxeram como pontos basilares da defesa os artigos 107 da Constituição Federal e 15 do Código Civil Brasileiro, os quais definem a obrigatoriedade de as pessoas de direito público responderem pelos danos causados por seus funcionários a terceiros. Além disso, a defesa sustentou a ilegalidade e arbitrariedade da prisão, uma vez que foi efetuada em desacordo com o artigo 153, §12 e 14 da Carta Magna (EC nº1/ 69), isto é, não houve flagrante delito nem ordem escrita por autoridade competente. Ademais se evidenciou o desrespeito à integridade física e moral do detento, constituindo, portanto, abuso de autoridade nos termos dos artigos 3° e 4° da Lei Federal de n° 4.898, de 9 de dezembro de 1965 (OAB SP, 2014).

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Em 2 de julho de 1976, o Procurador da República, Tito Bruno Lopes, em defesa da União, alegou a carência de ação por parte dos familiares do jornalista por se basearem em fatos considerados inexistentes pela Justiça Militar e por esconder, subjacentemente, uma ação condenatória contra a União. Assim, o Procurador sustentou que a responsabilidade civil é independente da criminal e que, de acordo com o artigo 1.525 do Código Civil, não se poderia questionar sobre o fato ou a autoria se as questões já teriam sido confirmadas no crime – referência aos laudos dos legistas Arildo de T. Viana e Harry Shibata, os quais confirmaram a inexistência de sinais de violência ou tortura (OAB SP, 2014).

Inicialmente, o juiz do processo era o doutor João Gomes Martins Filho, que, depois de decorridas todas as etapas do processo, preparou a sentença e a leria em 26 de junho de 1978, dois anos depois da propositura da ação. Todavia, quatro dias antes da audiência na qual a sentença seria dada, a 7ª Vara Federal recebeu um telex de Brasília, que informava a concessão de uma medida liminar junto ao Tribunal Federal de Recursos, requerida pela União (OAB SP, 2014). Os militares acreditavam que Martins, por estar perto de se aposentar, teria menos a perder condenando a União do que um juiz substituto, com toda a carreira pela frente. Dessa maneira, a manobra foi suficiente para impedir o sentenciamento do magistrado e para postergá-lo até o recesso da Justiça Federal e a consequente aposentadoria compulsória do doutor Gomes Martins, que completou 70 anos (OAB SP, 2014).

Assim, o magistrado Márcio José de Moraes assume a 7ª Vara da Justiça Federal e, em 29 de outubro de 1978, profere, finalmente, a decisão do processo n° 136/76. Nela, o juiz julga a ação procedente e declara a existência de relação jurídica entre os autores e a ré (União), de modo que a última recebeu a obrigação de indenizar aqueles, em cinquenta mil cruzeiros, pelos

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danos materiais e morais decorrentes da morte de Vladimir Herzog. O juiz, por verificar a existência de crime de ação pública, determinou que todos os autos e depoimentos do respectivo processo fossem encaminhados ao Procurador-geral da Justiça Militar para as devidas providências legais, nos termos do artigo 40 do Código de Processo Penal. Por fim, segundo a sentença, os autos deveriam subir ao Tribunal Federal de Recursos para fins de duplo grau de jurisdição (OAB SP, 2014).

Em termos práticos, o magistrado concluiu que a prisão de Herzog foi feita de modo ilegal, anulou o laudo que atestava a morte por suicídio, por ter sido feito sem a presença de dois peritos, como era exigido, mediante o estabelecimento da relação jurídica entre autores e ré, e realçou os depoimentos de testemunhas que lá estavam presentes, como os jornalistas Rodolfo Konder e George Duque Estrada.

No segundo grau de jurisdição, o Egrégio Tribunal Federal de Recursos confirmou a sentença. Assim, manteve-se a corajosa decisão de Márcio José de Moraes, diante da vigência do regime e do Ato Institucional nº 5, devolvendo aos brasileiros a confiança no Poder Judiciário e desenvolvendo grande importância na luta contra o excessivo autoritarismo e o medo incutido pela Ditadura Militar (OAB SP, 2014).

Em 1992, o Ministério Público de São Paulo pediu a reabertura de inquérito policial para esclarecer detalhes acerca da morte do jornalista em conformidade com a sentença do magistrado Moraes. No entanto, o Tribunal de Justiça de São Paulo - TJSP optou pelo arquivamento do pedido, fundamentado pela existência da Lei da Anistia – escolha, em 1993, confirmada pelo Supremo Tribunal de Justiça – STJ (RONCAGLIA, 2008).

Entretanto, é necessário ressaltar que houve divergências entre os próprios membros do Ministério Público quanto à tentativa de

!208 Relacionais e Interdependentes

responsabilização da União. Existiam aqueles que entendiam que o Brasil tinha por obrigação punir os crimes contra direitos humanos praticados no regime militar por se enquadrarem em crimes lesa-humanidade , conforme o 6

pacto São José da Costa Rica, assinado em 1992, mas havia também aqueles que entendiam que o entendimento do TJSP e do STJ deveria se manter – ou seja, a Lei da Anistia teria anistiado todas essas práticas (RONCAGLIA, 2008).

Em maio de 2008, seis procuradores paulistas, de pensamento contrário ao do TJSP e do STJ, ajuizaram ação civil pública contra a União e contra dois ex-comandantes do DOI-CODI, Carlos Alberto Brilhante Ustra e Audir Santos Maciel, com base em novos fatos e no princípio da independência funcional - possibilidade de autonomia entre os membros do Ministério Público. Em outubro de 2008, no entanto, a Advocacia-Geral da União (AGU) emitiu parecer em outro processo contra os ex-comandantes do DOI-CODI, reforçando a ideia que os crimes de tortura praticados no período da Ditadura Militar teriam sido perdoados pela Lei de Anistia (RONCAGLIA, 2008).

A primeira vez que foi dada a definição de crimes lesa-humanidade (ou de crimes contra a humanidade) foi 6

na Carta de Londres do Tribunal Militar Internacional, matriz-diretora dos Julgamentos de Nuremberg e de Tóquio, dando-lhes o seguinte reconhecimento técnico: “homicídio, exterminação, escravização, deportação, e outros atos desumanos cometidos contra qualquer população civil, antes ou durante guerras; ou perseguições por motivos políticos, raciais ou religiosos na execução de ou em conexão com quaisquer crimes dentro da jurisdição do Tribunal, violando ou não a lei doméstica do país no qual foram perpetrados”. No entanto, a evolução do termo foi consagrada no Estatuto de Roma, de 1998, que enumera tais crimes: “a)Homicídio; b) Extermínio; c) Escravidão; d) Deportação ou transferência forçada de uma população; e) Prisão ou outra forma de privação da liberdade física grave, em violação das normas fundamentais de direito internacional; f) Tortura; g) Agressão sexual, escravatura sexual, prostituição forçada, gravidez forçada, esterilização forçada ou qualquer outra forma de violência no campo sexual de gravidade comparável; h) Perseguição de um grupo ou coletividade que possa ser identificado, por motivos políticos, raciais, nacionais, étnicos, culturais, religiosos ou de gênero, tal como definido no parágrafo 3º, ou em função de outros critérios universalmente reconhecidos como inaceitáveis no direito internacional, relacionados com qualquer ato referido neste parágrafo ou com qualquer crime da competência do Tribunal; i) Desaparecimento forçado de pessoas; j) Crime de apartheid; k) Outros atos desumanos de caráter semelhante, que causem intencionalmente grande sofrimento, ou afetem gravemente a integridade física ou a saúde física ou mental” (CARVALHO, MOREIRA; 2015).!209 Relacionais e Interdependentes

Quanto ao outro grupo de membros, percebeu-se movimentação no sentido de manter e reforçar o entendimento defendido pela AGU. Exemplo disso é o parecer elaborado pelo procurador Fábio Elizeu Gaspar, o qual requeria judicialmente o arquivamento das investigações instauradas devido à prescrição dos crimes e à intangibilidade da coisa julgada formal. O documento em questão foi entregue, em setembro, para a 1ª Vara Criminal Federal da Subseção São Paulo e, posteriormente, homologado pela juíza Paula Mantovani Avelino por afirmar que, no Brasil, não há lei em vigor que tipifique crimes contra a humanidade (MINISTÉRIO PÚBLICO FEDERAL [MPF], 2014).

Destarte, evidencia-se a construção de um entendimento predominante, defendido por diferentes tribunais brasileiros, de colocar uma lei ordinária em posição superior a um tratado internacional e aos direitos humanos – mesmo adotando posições diametralmente opostas em decisões similares, como no caso do depositário infiel . Para consolidar tal 7

posicionamento, todas as possibilidades de recurso no Brasil foram esgotadas, de modo que, segundo a procuradora Eugênia Fávero, em entrevista para o veículo de notícias G1, a busca por justiça caberia aos familiares e às organizações civis no âmbito da Comissão Interamericana de Direitos Humanos para alcançar a Corte (GLOBO, 2009).

Ainda que esgotados todos os recursos, Clarice Herzog tomou uma última atitude para conceder mais dignidade e veracidade ao falecimento de Vladimir. Em 2012, a viúva fez um requerimento para a Comissão Nacional da

No chamado “caso da prisão do depositário infiel” (Habeas Corpus 87.585 e Recursos Extraordinários 7

466.343 e 349.703, julgados em conjunto em 2008), o Supremo Tribunal Federal decidiu que os tratados de direitos humanos que fossem ratificados pelo Congresso Nacional como emendas constitucionais (procedimento disposto no art. 5º, §3º, da Constituição Federal), ocupariam posição de norma constitucional na hierarquia normativa brasileira; os tratados de direitos humanos ratificados de modo tradicional, por sua vez, ocupariam posição superior às leis comuns, mas inferior à constituição, o que se denomina “posição supralegal” (VENTURA, 2011).!210 Relacionais e Interdependentes

Verdade pedindo a retificação do assento de óbito (COMISSÃO NACIONAL DA VERDADE [CNV], 2012). Assim, a CNV deliberou e encaminhou cópia do parecer da assessoria para a Justiça de São Paulo, já que entendeu que a decisão de Moraes anulou o laudo de suicídio e que, até o requerido, a União se apresentou responsável por Herzog, porque não provou a culpa exclusiva da vítima. Em 30 de agosto de 2012, a CNV pôde encaminhar, ao Juízo de Registros Públicos de São Paulo, a recomendação para que se retificasse o registro do óbito de Vladimir Herzog – substituição de “asfixia mecânica” para “lesões e maus tratos sofridos durante interrogatório em dependência do II Exército (DOI-CODI) ” (CNV, 2012). No dia 15 de março de 2013, a família Herzog recebeu o novo documento, acrescentando mais um avanço na história do caso.

No entanto, ainda era necessário que se alcançasse a responsabilização do Estado brasileiro pela omissão e dos torturadores de Vladimir pelos atos feitos, o que levou a família do jornalista a proceder conforme a procuradora Eugênia Fávero apontou. Em 28 de março de 2012, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) abriu oficialmente o Caso Vladimir Herzog e enviou ao Estado brasileiro a denúncia feita pelo Centro pela Justiça e o Direito Internacional (CEJIL), pela Fundação Interamericana de Defesa dos Direitos Humanos (FIDDH), pelo Grupo Tortura Nunca Mais de São Paulo e pelo Centro Santo Dias de Direitos Humanos da Arquidiocese de São Paulo. A intenção maior das organizações peticionárias era garantir a justiça e chamar o Brasil a tomar decisões que assegurem a manutenção do Estado Democrático de Direito e consolidem a democracia no país em questão (CEJIL, 2012).

No dia 22 de abril de 2016, a Comissão IDH enviou o Caso Vladimir Herzog e outros Vs. Brasil à Corte IDH (INSTITUTO VLADIMIR HERZOG,

!211 Relacionais e Interdependentes

2016). A sentença deverá ser pronunciada pelo órgão judicial em questão em até dois anos a partir de seu recebimento, isto é, seu prazo limite será em abril de 2018.

Apesar de ter chegado recentemente à Corte, já existem especulações sobre a decisão que virá, com base na análise de outros casos similares e expectativas por parte das Organizações Não Governamentais. Estas esperam que tal decisão pressione o Brasil a reinterpretar a Lei da Anistia, a considerar os crimes da ditadura como crimes lesa-humanidade (ESTADÃO, 2016) e a fazer com que o STF se antecipe aos órgãos judiciais internacionais em outros casos de dívida histórica, aplicando o controle de convencionalidade , já que a 8

Corte possui jurisprudência no sentido de considerar inadmissíveis as disposições de anistia, as disposições de prescrição e o estabelecimento de excludentes de responsabilidade, que pretendam impedir a investigação e punição dos

responsáveis por graves violações dos direitos humanos, como a tortura, as execuções sumárias, extrajudiciais ou arbitrárias, e os desaparecimentos forçados (CEJIL, 2012,

p.01).

4. Precedentes importantes Precedentes judiciais são apontados como uma das fontes do direito

internacional (THIRLWAY, 2010). Decisões judiciais retiram a sua autoridade de terem sido emitidas em observações a tratados e costumes existentes, em uma cadeia de referências que acaba por levar às opiniões de doutrinadores

Segundo Valério Mazzuoli (2011, p.81, apud RUSSOWSKY, 2012, p.64), controle de convencionalidade 8

está ligado à “compatibilidade vertical das normas do direito interno com as convenções internacionais de direitos humanos em vigor em um determinado país”, sendo a possibilidade de um juízo ou tribunal controlar a convencionalidade, que poderá ser realizada através da via difusa, na qual todo o juiz ou tribunal poderá controla-la, ou pela via concentrada, no qual o controle se concentra em um tribunal apenas (o guardião da constituição, no caso brasileiro, o STF).!212 Relacionais e Interdependentes

tradicionais como Vattel, Grotius, Bynkershoek e Vitória, os quais consolidaram o costume existente à época como “direito natural”. Mesmo que a maior referência para a definição das fontes do direito internacional, o Estatuto da Corte Internacional de Justiça , reconheça a aplicação puramente 9

subsidiária de suas decisões, vide os seus artigos 38 e 59 (ESTADOS UNIDOS DA AMÉRICA, 1945), juízes da própria Corte já afirmaram que o tribunal se refere frequentemente aos seus precedentes para prover previsibilidade, em entendimento da consistência como a essência do raciocínio jurídico (CIJ, 2004).

Assim, postas as discussões sobre quais são as verdadeiras fontes do direito internacional de lado, faz-se aqui uma referência a precedentes específicos que podem ser levados em conta pela Corte IDH no caso Vladimir Herzog. A razão de escolha dos precedentes em questão é a discussão neles realizada sobre a Lei de Anistia brasileira, tanto de um ponto de vista interno (pelo Supremo Tribunal Federal), quanto de um ponto de vista externo (pela própria Corte IDH).

4.1. No Supremo Tribunal Federal: a ADPF 153 Dos casos selecionados indicados, a ADPF 1253 do STF, e o caso

“Gomes Lund”, da Corte IDH, o do STF foi decidido primeiro, em 2010 (BRASIL, 2010). Por meio da ação, o Conselho Federal da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) buscava ou declaração de não-recepção pela Constituição Federal de 1988 da Lei 6.683/79 (Lei da Anistia) ou necessidade

As previsões relevantes desse estatuto já existiam no Estatuto da Corte Permanente de Justiça 9

Internacional, de 1922. Historicamente falando, esse tribunal está para a Corte Internacional de Justiça assim como a Liga das Nações está para a Organização das Nações Unidas (GUILLAUME, 2011).!213 Relacionais e Interdependentes

de interpretação específica do art. 1º, §1º, dessa lei (interpretação conforme a 10

constituição). De acordo com a OAB, não seria possível, em razão de diversos preceitos fundamentais da Constituição, a anistia de agentes públicos responsáveis pela prática de homicídios, desaparecimentos forçados, abuso de autoridade, lesão corporal, estupro e atentado violento ao pudor. O parágrafo atacado estaria violando a isonomia em matéria de segurança, retirada do art. 5º, caput, em razão de uma anistia para vários tipos de crimes de qualquer natureza “relacionados” (terminologia atécnica) aos crimes políticos resultar em uma anistia apenas para aqueles que praticaram crimes reconhecidos juridicamente, e não delitos não reconhecidos, como: o direito à informação do art. 5º, XXXIII, já que a lei impediria que as vítimas tomassem conhecimento da identidade de responsáveis por atrocidades que teriam sido cometidas; os princípios democrático e republicano, já que a lei teria sido aprovada por Legislativo ilegítimo; o princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III), ante o uso da dignidade do povo brasileiro como moeda de troca em um alegado acordo político de transição de regime.

Vários órgãos foram consultados. A Câmara dos Deputados defendeu que a lei foi aprovada devidamente. O Senado Federal defendeu que a lei já teria produzido todos os seus efeitos assim que entrou em vigor, o que teria ocorrido na vigência da ordem constitucional anterior. A Advocacia-Geral da União apresentou diversas opiniões do Poder Executivo, tanto pela procedência do pedido (Consultoria Jurídica do Ministério da Justiça), quanto pela improcedência (Secretaria-Geral de Contencioso da Advocacia-Geral da

In verbis: “Art. 1º É concedida anistia a todos quantos, no período compreendido entre 02 de setembro de 10

1961 e 15 de agosto de 1979, cometeram crimes políticos ou conexos com estes, crimes eleitorais, aos que tiveram seus direitos políticos suspensos e aos servidores da Administração Direta e Indireta, de fundações vinculadas ao poder público, aos Servidores dos Poderes Legislativo e Judiciário, aos Militares e aos dirigentes e representantes sindicais, punidos com fundamento em Atos Institucionais e Complementares. § 1º - Consideram-se conexos, para efeito deste artigo, os crimes de qualquer natureza relacionados com crimes políticos ou praticados por motivação política” (BRASIL, 1979).!214 Relacionais e Interdependentes

União). Pela improcedência, também foi sustentado que a lei já teria produzido todos os seus efeitos e que a anistia foi ratificada pela Emenda Constitucional 26/85. A Procuradoria-Geral da República opinou pela improcedência do pedido, em razão do contexto histórico da lei, a qual não estaria beneficiando pessoa específica, e sim retirando o caráter delituoso de crimes cometidos por pessoas em geral. Esse contexto histórico seria o de um regime de transição que evitou maiores conflitos. Alguns amici curiae também se pronunciaram 11

(BRASIL, 2010). Eros Grau foi o ministro-relator do processo. Ao votar pela

improcedência do pedido, o ministro atacou todos os pontos levantados pela OAB: não haveria violação à isonomia porque ela consiste justamente em tratamento desigual entre os desiguais; não haveria violação ao direito à informação porque a lei não restringiria esse direito, sendo inclusive garantido, com base em precedentes do STF, o acesso a documentos do regime militar; não haveria violação aos princípios democrático e republicano ante contradições desse argumento, o qual resultaria na não-recepção de nenhuma lei anterior a 1988, no não reconhecimento da anistia aos que teriam praticado crimes políticos, na ilegalidade das indenizações concedidas pelo Estado por práticas da ditadura, etc.; não haveria violação à dignidade humana por ser essa argumentação exclusivamente política que não entende o processo de construção da anistia como construção da história brasileira. Além disso, diversos outros argumentos foram apresentados para sustentar a visão da Lei da Anistia como parte do pacto que permitiu a formação da própria Constituição que serve de paradigma, afinal, o dispositivo questionado (que

“Amicus curiae” (plural: amici curiae) ou “amigo da corte” é representante de pessoa ou entidade que não 11

é parte do processo, mas que é autorizada a se manifestar sobre questões técnicas e jurídicas relevantes para permitir que a corte tenha o melhor conhecimento sobre as repercussões da decisão tomada. No STF, pode intervir em processos de controle concentrado de constitucionalidade (STF, s. d).!215 Relacionais e Interdependentes

forma a parte principal da lei) já se encontrava na Emenda Constitucional 26/1985, que convocou a Assembleia Nacional Constituinte . Além do mais, 12

não haveria violação ao art. 5º, XLIII da Constituição (prática da tortura como insuscetível de fiança, graça e anistia) em razão de esse inciso só alcançar anistias consumadas posteriormente à sua vigência . Quanto à Lei da Anistia, 13

também não poderia falar em violação à Convenção das Nações Unidas contra a Tortura e Outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes por ser anterior à sua ratificação (BRASIL, 2010).

O STF não enxergou defeitos formais no pedido e o admitiu. A ação foi julgada improcedente, nos termos do voto do relator. Celso de Mello e Cezar Peluso concordaram com o relator e abordaram também que ações práticas do Estado a serem tomadas caso o pedido da OAB fosse acolhido seriam impossíveis, já que a pretensão punitiva estaria prescrita. Os ministros

Walter Claudius Rothenburg (2013) defende que a Lei da Anistia teria sido absorvida pela Emenda 26/85, 12

a qual teria sido revogada pela Constituição de 1988. Deve-se dizer, contudo, que, conforme hermenêutica positivada no Decreto-Lei 4.657/42 (atual Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro), “a lei terá vigor até que outra a modifique ou revogue” (BRASIL, 1942), o que coloca em dúvida a possibilidade de a Lei da Anistia ser considerada “absorvida” pela Emenda 26. É válido, contudo, o questionamento sobre a possibilidade de se considerar essa emenda na avaliação da ordem constitucional presente, ante a possibilidade de ela ser aplicada tanto como anterior à manifestação de vontade do poder constituinte (na linha de Rothenburg), quanto como parte dessa manifestação (na linha de Eros Grau). Ricardo Lewandowski também afasta a possibilidade de consideração da Emenda 26, já que os vícios legais da Lei da Anistia (apontados em seu voto pela procedência parcial da ação) continuaram sob a égide da Constituição de 88, a qual apenas tratou, no art. 8º do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, de certas categorias de pessoas (definidas no art. 2º da Lei 10.559/2002), e não de quaisquer que teriam cometido crimes políticos e conexos a estes (BRASIL, 2010).

No entendimento de Eros Grau, a Lei da Anistia consistiria “lei-medida” (Massnahmegesetze), e leis 13

desse tipo não seriam afetadas por constituição posterior em razão de não consistirem em comandos abstratos e gerais quando editadas, sem estabelecerem uma regra para o futuro (BRASIL, 2010).!216 Relacionais e Interdependentes

Ricardo Lewandowski e Ayres Britto foram os únicos dos 9 que participaram 14

do julgamento e votaram pela procedência (parcial) do pedido.

4.2. Na Corte Interamericana de Direitos Humanos: o caso Gomes Lund e outros ("Guerrilha do Araguaia") vs. Brasil

A Guerrilha do Araguaia foi um movimento instalado no sul do Pará e divisa com o estado de Goiás, às margens do Rio Araguaia, por militantes do Partido Comunista do Brasil (PCdoB) para oferecer treinamento de resistência armada ao regime militar. De acordo com relatório da Comissão Nacional da Verdade, os militares descobriram a guerrilha por acaso e realizaram, entre 1972 e 1975, três expedições à região para erradicar o movimento. Na última expedição, não havia mais registro de guerrilheiros vivos e, a partir de tal fato, o governo militar optou por manter o silêncio sobre os acontecimentos na região (LIMA, [s.d.]).

No caso retratado, diversos crimes e desrespeitos aos direitos humanos foram cometidos por agentes do governo e, posteriormente, anistiados pela lei 6.683/79. Dessa forma, as famílias das vítimas ingressaram com ação civil pública na Justiça Federal, em 1982, objetivando compelir o Estado brasileiro a conceder informações sobre o paradeiro das pessoas desaparecidas e sobre as circunstâncias de cada morte. Como o Brasil negou-lhes o direito à informação e à verdade, os familiares optaram por denunciar o Estado à Comissão Interamericana de Direitos Humanos (LIMA, [s.d.]).

Em 7 de agosto de 1995, o Centro de Justiça e Direito Internacional (CEJIL) e a Human Rights Watch apresentaram petição inicial junto à

Lewandowski se ateve ao uso do termo “conexos” e ao que seria um crime político para estabelecer 14

critérios que permitiriam a persecução penal de agentes do Estado, os quais não estariam todos automaticamente abrangidos pela anistia concedida (ou seja, a anistia não seria “ampla, geral e irrestrita”). Conclusão semelhante foi tomada pelo ministro Ayres Britto, embora com explicação mais teleológica e consideração de que não estariam abrangidos pela anistia os crimes do art. 5º, XLIII, da Constituição (ROESLER; SENRA, 2012).!217 Relacionais e Interdependentes

Comissão Interamericana de Direitos Humanos, buscando responsabilizar o Brasil pela detenção arbitrária, tortura e desaparecimento forçado de 70 pessoas, entre membros do Partido Comunista e camponeses, e por sua omissão, além de acusá-lo pela violação do direito à verdade e à informação (LIMA, [s.d.]). Apenas em 26 de março de 2009, a Comissão submeteu a demanda à Corte IDH para a análise condizente com a CADH.

Assim, tal qual no caso Herzog, depara-se com questões relativas a abuso de autoridade e diversas práticas de desrespeito aos direitos humanos que ocorreram no espaço temporal da ditadura militar e não foram investigadas nem punidas da forma correta. É possível também correlacionar os casos no âmbito do desinteresse estatal em investigar e apurar os fatos ocorridos, já que se encontra da mesma forma o uso da Lei da Anistia como um “escudo protetor” e o esgotamento de recursos internos rodeado de decisões com fundamento pouco convincente. Por fim, outra similitude apresentada, cujo destaque é imprescindível, é a clara opção do Brasil por submeter o controle de convencionalidade ao controle de constitucionalidade.

Uma vez que a primazia de um dos controles, no Brasil, foi um dos temas mais debatidos pelas partes na sentença do caso Gomes Lund, faz-se necessário compreender que os juristas clássicos entendiam que a validade de uma lei dependia, exclusivamente, de sua compatibilidade com a Constituição do Estado (controle de constitucionalidade), de modo que a escolha brasileira seria a mais correta e a única possível dentro desses padrões. No entanto, com o estabelecimento do paradigma do Estado Democrático de Direito, pode-se dizer que a validade de determinada lei está também vinculada à conformação com os tratados internacionais ratificados pelo governo e em vigor no país (controle de convencionalidade) (GOMES, 2009), o que leva a opção brasileira a obstaculizar seus laços internacionais.

!218 Relacionais e Interdependentes

Diante da explicação, pode-se inferir a existência de países que optam pela aplicação cega do controle de constitucionalidade e acabam por legalizar diversos crimes, como foi o caso da Alemanha nazista, mas há também os países que se subordinam por completo ao controle de convencionalidade, apontando para maior respeito de seus deveres internacionais e para o cumprimento dos compromissos assumidos com a assinatura de tratados. Analisar-se-á, então, a discussão sobre a prioridade de controles no âmbito do Caso Gomes Lund, destacando a argumentação feita pelo Brasil e o contra-argumento levantado pela Corte IDH e pelos familiares das vítimas.

Argumentando em sentido contrário à aplicação do controle de convencionalidade no caso, o Brasil alegou, já nas exceções preliminares, que lhe deveria “ser facultada a oportunidade de debater e deliberar democraticamente o tema relacionado ao objeto da demanda no âmbito de seu ordenamento jurídico interno” (CORTE IDH, 2010, p. 18). Isto é, o país contesta a validade de uma decisão da Corte que venha a revisar decisões tomadas pela mais alta corte de um Estado – no caso, o Supremo Tribunal Federal no julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 153 – e que, consequentemente, acaba por ferir sua soberania, deixando de priorizar a resolução interna de problemas.

Em resposta, a Corte IDH traz que, da mesma forma que o controle de constitucionalidade é a palavra final judicial no âmbito interno dos Estados são incumbidos aos tribunais supremos ou constitucionais nacionais, “à Corte Interamericana de Direitos Humanos cabe o controle de convencionalidade e a últ ima palavra quando o tema encerre debate sobre direitos humanos” (CORTE IDH, p. 119, 2010). Portanto, há o entendimento de que, à medida que o Estado adota livremente a Convenção e assume, para com ela, um compromisso, ela passa a equivaler a uma Constituição supranacional, de

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modo que todos os poderes públicos, esferas nacionais e legislações federais, estaduais e municipais estão obrigados a respeitá-la e a ela se adequarem (CORTE IDH, 2010). Sendo assim, para esclarecer violações de obrigações internacionais cometidas por Estados aderentes, a Corte pode e deve examinar processos internos e suscitar um controle de convencionalidade – ou seja, não se espera um reexame ou uma revogação da Lei da Anistia, mas sua adequação à Convenção, tendo por intuito permitir investigações e punições dos crimes de Lesa-humanidade.

É interessante notar que o STF estabeleceu a supralegalidade dos tratados de Direitos Humanos anteriores à emenda constitucional 45, como o 15

Pacto São José da Costa Rica. Esse entendimento tornou inaplicável, em decisão do tribunal em questão, o mandamento constitucional que permitia a prisão civil do depositário fiel, alegando a necessidade de controle de convencionalidade por parte do Brasil, signatário da CADH. Por consequência, questiona-se o porquê de tamanha resistência brasileira no que tange à aplicação de tal controle à Lei de Anistia. “Acaso o mesmo tratado que num momento serviu para relativizar a aplicação de um dispositivo constitucional não tem a mesma força para impedir a aplicação de lei ordinária? ” (LIMA, 2014).

Após a tramitação de todas as fases do processo, a Corte condenou o Brasil pela violação dos seguintes direitos elencados na CADH: direito ao reconhecimento de personalidade jurídica, direito à vida, direito à integridade pessoal, direito à liberdade pessoal, direito às garantias judiciais, direito à

Tal qual exposto na nota de rodapé n° 2, em 2008, o Habeas Corpus 87.585 e os Recursos Extraordinários 15

466.343 e 349.703 foram julgados em conjunto pelo Supremo Tribunal Federal. Na situação em questão, chamada de “caso da prisão do depositário infiel”, o ministro Gilmar Mendes proferiu voto de suma importância na definição da tese de supralegalidade dos tratados que versem sobre Direitos Humanos. Estes, quando ratificados de modo tradicional, ocupariam posição superior às leis ordinárias, mas inferior à Constituição, sendo, portanto, supralegais (VENTURA, 2011).!220 Relacionais e Interdependentes

liberdade de pensamento e expressão e direito à proteção judicial. Por unanimidade, a Corte IDH delimitou os deveres que o Estado deveria cumprir, muitos deles condizentes com a necessidade de realização de um controle de convencionalidade:

(a) conduzir a investigação penal dos fatos do presente caso a fim de esclarecê-los, determinar os responsáveis e aplicar as sanções cabíveis; (b) realizar todos os esforços com o objetivo de determinar o paradeiro das vítimas desaparecidas e, se for o caso, identificar e entregar os restos mortais a suas famílias; (c) oferecer tratamento médico e psicológico ou psiquiátrico que as vítimas requeiram; (d) publicar a sentença no Diário Oficial, o resumo da sentença em jornal de circulação nacional, assim como a íntegra da sentença em meio eletrônico e a publicação da mesma em forma de livro; (e) realizar um ato público de reconhecimento de responsabilidade internacional sobre os fatos do presente caso; (f) continuar com as ações desenvolvidas em matéria de capacitação e implementar, em um prazo razoável, um programa ou curso permanente e obrigatório sobre direitos humanos, dirigido a todos os níveis hierárquicos das Forças Armadas; (g) Tipificar o delito de desaparecimento forçado de pessoas, em conformidade com os parâmetros interamericanos. Enquanto cumpre com esta medida, o Estado deve adotar todas as ações que garantam o efetivo julgamento e, se for o caso, a punição em relação aos fatos constitutivos de desaparecimento forçado por meio dos instrumentos existentes no direito interno; (h) prosseguir desenvolvendo as iniciativas de busca, sistematização e publicação de toda a informação sobre a Guerrilha do Araguaia, bem como da informação relativa a violações de direitos humanos ocorridas durante o regime militar e; (i) pagar indenização por danos morais e materiais às

vítimas (CEIA, 2013, pp. 127-128).

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Apesar de a sentença ter sido proferida em 2010, o Estado brasileiro não cumpriu integralmente os pontos determinados, como se pode observar o desrespeito ao direito à informação relativo às graves violações de direitos humanos ocorridas, especialmente, no período do regime militar (MPF, 2014). Evidencia-se, portanto, que o Brasil não tem acompanhado a onda de evolução que tem atingido o Estado, o Direito e a Justiça, fragilizando ainda mais a democracia brasileira e demonstrando sua preferência por uma opção por um direito desumanizado e repleto de injustiças.

5. Medidas a serem tomadas e competência da corte O artigo 63 da Convenção Americana sobre Direitos Humanos dá

ampla liberdade à Corte IDH para determinar remédios para assegurar direitos e liberdades violados, com possibilidade de determinação de reparação das consequências da violação feita e ordem de pagamento de indenização (OEA, 1969). Na prática, a corte faz uso do amplo poder que lhe é concedido e ordena amplas ações a serem tomadas pelos Estados-parte. Destaca-se casos em que foi ordenado que juízes no México se atualizassem sobre direitos de gênero , que o Chile alterasse suas leis sobre liberdade de expressão , que a 16 17

pena de morte não fosse mais aplicada pela Guatemala (HUNEEUS, 2011) e 18

que a Nicarágua adaptasse suas normas eleitorais para considerar as comunidades indígenas e étnicas como cidadãos plenos (NEVES, 2009). 19

No entanto, ao mesmo tempo em que, em muitos casos (como é o caso da Guerrilha do Araguaia), a Corte IDH ordena ações a serem tomadas por

Caso Gonzáles et al. (“Cotton Field”) v. México, de 2009 (HUNEEUS, 2011).16

Caso Claude-Reyes v. Chile, de 2006 (HUNEEUS, 2011).17

Caso Raxcacó-Reyes v. Guatemala, de 2005 (HUNEEUS, 2011).18

Caso Yatama v. Nicarágua, de 2005 (NEVES, 2009).19

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juízes e procuradores de Estados latino-americanos, raramente eles obedecem. Isso pode ocorrer em razão da própria organização desses Estados, em que juízes e procuradores têm atingido independência funcional cada vez maior (HUNEEUS, 2011), a exemplo da independência funcional do Ministério Público no Brasil, conforme o art. 127, § 1º, da Constituição Federal (BRASIL, 1988), ou do princípio da inércia da jurisdição, conforme o art. 2º do Código de Processo Civil (BRASIL, 2015).

As recomendações da CIDH (a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, não a Corte IDH) de ações a serem tomadas pelo Estado brasileiro, contudo, não avançam em questão de possibilidade de cumprimento. Em resumo, a CIDH (2015) recomenda: investigação judicial sobre prisão, tortura e assassinato de Vladimir Herzog; adoção das medidas necessárias para garantir que a Lei da Anistia e outras disposições do direito penal não sejam um obstáculo para a persecução penal de violações de direitos humanos; outorga de reparação aos familiares de Vladimir Herzog e celebração de atos simbólicos; reparação material e moral adequada das violações declaradas.

No relatório da CIDH (CIDH, 2015), várias recomendações de medidas a serem tomadas sobre a Corte IDH são feitas. No entanto, essas recomendações são de difícil cumprimento. Ressalta-se a dificuldade de cumprimento da recomendação de investigação sobre os fatos envolvendo Vladimir Herzog ante o já esgotamento das possibilidades processuais para tanto e a já afirmada independência do Ministério Público e inércia do Judiciário. É também difícil o cumprimento da recomendação de desconsideração da Lei da Anistia, da prescrição, da coisa julgada e dos princípios da irretroatividade e do non bis in idem para a persecução de 20

O non bis in idem é reconhecido como direito fundamental no processo penal, mesmo que não previsto 20

expressamente na constituição brasileira. De acordo com o mandamento, é proibido que o Estado processe ou penalize outra pessoa duas vezes por um mesmo crime (MAIA, 2005).!223 Relacionais e Interdependentes

violações de direitos humanos, ante a pouca discussão existente sobre a possibilidade de direitos processuais reconhecidos como fundamentais para a proteção do cidadão contra violações do Estado (LOPES JÚNIOR, 2016) serem afastados para investigação de categorias específicas de violações.

Além de problemas nas recomendações apontadas, destaca-se a dificuldade de cumprimento da reparação aos familiares de Vladimir Herzog, ante a já existência de programa de reparação de vítimas da ditadura militar no Brasil (vide a Lei 10.559/2002) e a necessidade de alinhamento entre Legislativo e Executivo para a criação de um programa particular direcionado à família de Vladimir Herzog (o que pode não ser bem visto pela população em geral). Ademais, a CIDH (2015) recomenda uma “reparação adequada no aspecto moral”, adequação essa que pode ser disputável.

Casos como este (de entrelaçamento entre uma ordem normativa nacional e uma ordem normativa internacional) levantam discussões sobre a própria natureza do Estado, o qual, ao mesmo tempo que retira a sua soberania do direito internacional público, é agente de formação desse direito internacional (FISCHER-LESCANO, 2003). Não se pode adotar um pensamento de perspectiva única, que coloca em primazia ou a ordem internacional, ou a ordem nacional, já que, ao mesmo tempo que a ordem internacional não se realiza sem a contribuição das ordens constitucionais internas (estas, mais próximas da população e da democracia local), a ordem nacional necessita, para a sua sobrevivência, de trocas (de experiência jurídica, comercial, etc.) com outros Estados, os quais têm visões distintas sobre o que constitui o direito internacional (NEVES, 2009).

Mesmo que a ordem internacional seja frequentemente associada com perspectivas mais abertas sobre o que está incluso nos direitos humanos, com uma visão limitadora da possibilidade de ação estatal, não é possível afastar

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totalmente a ordem nacional como responsável por essa limitação. Um exemplo é a previsão de prisão perpétua no Estatuto de Roma e a proibição dessa pena pela Constituição Federal brasileira, a qual, ao mesmo tempo, reconhece a submissão do Brasil à jurisdição do Tribunal Penal Internacional (TPI) (NEVES, 2009). Este é mais um caso de entrelaçamento complexo sobre a ordem nacional e a ordem internacional que coloca em dúvida como as normas (no caso, a previsão de prisão perpétua pelo Estatuto de Roma e o compromisso do Brasil em colaborar com penas do TPI desde que não seja aplicada pena incompatível com a lei brasileira) devem ser aplicadas.

6. Conclusão Compreende-se que a Corte Interamericana de Direitos Humanos

deverá lidar com diversas questões jurídicas relevantes para chegar a uma decisão condizente com a Convenção Americana sobre Direitos Humanos. No entanto, faz-se necessário ressaltar as dificuldades que serão interpostas até a oficialização da sentença, em abril de 2018, relativas a alguns embates entre o direito nacional e o direito internacional e, consequentemente, à tentativa de estabelecer a transição de regimes brasileiros da forma mais estável possível.

A dualidade entre os controles de convencionalidade e constitucionalidade; a dicotomia entre o respeito à soberania do país e a efetivação dos direitos humanos em conformidade com a Convenção Americana sobre Direitos Humanos, da qual o país é signatário; a divergência de posicionamento dos próprios magistrados nacionais do caso e dos órgãos que compõem a máquina estatal brasileira; e, por fim, o desacordo de fatos apresentados até o momento (laudos e alegações elaboradas pela União ainda no regime militar e os depoimentos de jornalistas que estavam no DOI-CODI no momento da morte de Vladimir Herzog); todas são, resumidamente, !225 Relacionais e Interdependentes

algumas das questões jurídicas de maior relevância para o sentenciamento correto da Corte IDH. No entanto, além de ter de lidar com todas estas situações um dos grandes desafios que tal sentença enfrentará é a problemática da transição dos regimes no Brasil.

Como se pôde observar, a compreensão de que a transição entre os regimes ditatorial e democrático foi mediada por uma lei de anistia ampla e irrestrita para ambos os grupos, torturadores e ativistas, é a teoria mais aceita no Brasil atualmente. E, justamente devido a esse entendimento majoritário, o Estado brasileiro tem enfrentado dificuldades para aplicar de fato a CADH e realizar o controle de convencionalidade. Sendo assim, a decisão a ser tomada pela Corte é de importância sem precedentes, já que terá de superar a tensão existente entre conservar a paz e, consequentemente, o entendimento pacificado no país pela ADPF 153, ou estabelecer a justiça, mediante perscrutação e julgamento dos responsáveis pelas atrocidades cometidas no regime militar.

Dessa maneira, pontos importantes para o presente trabalho são, evidentemente, relatar fatos históricos de grande importância, explicar a tramitação do processo no âmbito nacional e internacional e apontar para o valor que carregam os direitos humanos. Todavia, o artigo em questão tem como finalidade maior trazer à tona uma perspectiva crítica e estimular os leitores a sempre buscarem todas as facetas que uma mesma história pode apresentar.

Sendo assim, apresentar os fatos considerados verdadeiros pelos grupos detentores do poder – que impõem suas realidades e valores, marginalizando as individualidades e os pensamentos divergentes –, o objetivo é evidenciar as realidades vividas por todos aqueles que se posicionaram contra o regime militar vigente à época. Por toda a luta travada para

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universalizar os cuidados na sociedade brasileira – mediante o estabelecimento de um ambiente democrático e a aplicação adequada dos direitos humanos –, o presente artigo foi desenvolvido.

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