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Você, cidadão Fazendo a democracia funcionar a seu favor Eduardo Graeff Este é um livro sobre política para quem não gosta muito de política. Não parece uma receita de best-seller, eu sei. Mas pode interessar a você. Explico por quê. Livros sobre política costumam pôr todo foco nos políticos. Alguns, como O Príncipe de Maquiavel, dão conselhos ao governante sobre como manter e exercer o poder. Outros, como A Política como Vocação de Max Weber, analisam os motivos e condicionantes da ação do político profissional. O Que Fazer de Lenin trata dos objetivos e métodos de um ator coletivo – o partido revolucionário – que esteve no centro dos acontecimentos políticos no século passado. Grandes líderes, chefes de governo, políticos profissionais, dirigentes e militantes partidários, todos eles continuam atuantes e, aparentemente, dominantes na cena política. Mas a democracia abre espaço para um novo tipo de ator: o cidadão comum, que não vive da nem para a política. Seu papel ainda pode parecer secundário. Mas ganha importância na medida em que cada vez mais cidadãos tomam consciência dos direitos que a democracia lhes garante e descobrem novas maneiras de usa-los. É para você, cidadão, que este livro foi escrito. Não espero que ele lhe desperte nenhuma súbita paixão pela política. Se isso acontecer, por favor, não me culpe: é porque o interesse já estava aí, dentro de você, esperando para despertar. Tudo que eu gostaria é que o livro sirva para lembrar que é bom viver numa democracia, mesmo imperfeita, e lhe dê ideias sobre como fazer a democracia funcionar melhor a seu favor, das pessoas com quem você se importa e das causas que acha justas. Chama-lo de livro é um exagero, por enquanto: são menos de vinte páginas que dá para ler em uma hora. Espero corrigi-lo e expandi-lo aos poucos, com exemplos e questões relevantes sobre o assunto de cada capítulo. Suas críticas e sugestões nesse sentido serão muito bem vindas. Eduardo Graeff São Paulo, Fevereiro de 2014 Você pode copiar e redistribuir este trabalho em qualquer suporte ou formato, nos termos da licença Creative Commons Atribuição-NãoComercial-SemDerivações 4.0 Internacional. Cópia da licença pode ser consultada em http://creativecommons.org/licenses/by-nc-nd/4.0/deed.pt.

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Fazendo a democracia funcionar a seu favor.

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  • Voc, cidadoFazendo a democracia funcionar a seu favor

    Eduardo Graeff

    Este um livro sobre poltica para quem no gosta muito de poltica. No parece uma receita de best-seller, eu sei. Mas pode interessar a voc. Explico por qu.

    Livros sobre poltica costumam pr todo foco nos polticos. Alguns, como O Prncipe de Maquiavel, do conselhos ao governante sobre como manter e exercer o poder. Outros, como A Poltica como Vocao de Max Weber, analisam os motivos e condicionantes da ao do poltico profissional. O Que Fazer de Lenin trata dos objetivos e mtodos de um ator coletivo o partido revolucionrio que esteve no centro dos acontecimentos polticos no sculo passado.

    Grandes lderes, chefes de governo, polticos profissionais, dirigentes e militantes partidrios, todos eles continuam atuantes e, aparentemente, dominantes na cena poltica. Mas a democracia abre espao para um novo tipo de ator: o cidado comum, que no vive da nem para a poltica. Seu papel ainda pode parecer secundrio. Mas ganha importncia na medida em que cada vez mais cidados tomam conscincia dos direitos que a democracia lhes garante e descobrem novas maneiras de usa-los.

    para voc, cidado, que este livro foi escrito. No espero que ele lhe desperte nenhuma sbita paixo pela poltica. Se isso acontecer, por favor, no me culpe: porque o interesse j estava a, dentro de voc, esperando para despertar. Tudo que eu gostaria que o livro sirva para lembrar que bom viver numa democracia, mesmo imperfeita, e lhe d ideias sobre como fazer a democracia funcionar melhor a seu favor, das pessoas com quem voc se importa e das causas que acha justas.

    Chama-lo de livro um exagero, por enquanto: so menos de vinte pginas que d para ler em uma hora. Espero corrigi-lo e expandi-lo aos poucos, com exemplos e questes relevantes sobre o assunto de cada captulo. Suas crticas e sugestes nesse sentido sero muito bem vindas.

    Eduardo Graeff

    So Paulo, Fevereiro de 2014

    Voc pode copiar e redistribuir este trabalho em qualquer suporte ou formato, nos termos da licena Creative Commons Atribuio-NoComercial-SemDerivaes 4.0 Internacional. Cpia da licena pode ser consultada em http://creativecommons.org/licenses/by-nc-nd/4.0/deed.pt.

  • Voc, Cidado

    Sumrio

    1. Viva a liberdade 32. Seja voc mesmo 53. Ganhe o mundo 74. Curta as diferenas 95. Defenda-se 116. Exera seus direitos 137. Conecte-se 148. Saiba mais 169. Erga a voz 18

    10. Debata 2011. Delegue, mas fiscalize 2212. Cresa 24

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    1. VIVA A LIBERDADE

    Liberdade, essa palavraque o sonho humano alimentaque no h ningum que expliquee ningum que no entenda.

    Ceclia Meireles, Romanceiro da Inconfidncia

    Democracia quer dizer liberdade e voto.

    Das duas palavras, liberdade a que fala mais alto ao nosso corao. Nem todo mundo faz questo de votar. Muitos preferem passar longe de tudo aquilo que vem junto com o voto: polticos, partidos, campanhas eleitorais, longos discursos, discusses inflamadas, luta pelo poder. Mas todos ns damos valor nossa prpria liberdade e em geral respeitamos a dos outros, ou pelo menos concordamos que deveramos respeitar.

    Ser livre, no sentido mais bsico, no estar submetido a priso, servido, violncia ou coao ilegal pelo governo nem por qualquer outro grupo ou indivduo.

    Entender o que liberdade fcil quando ela falta. De fato ela ainda s um sonho para grande parte da humanidade.

    No mundo, hoje, cerca de 10 milhes de pessoas esto presas. A maioria, supe-se, porque foi devidamente julgada e condenada por algum crime. Muitas, porm, por alguma falha da justia, ou porque no tiveram um bom advogado. Outras, pela simples razo de criticarem o governo so presos polticos ou prisioneiros de conscincia, como os chama a Anistia Internacional.

    Faz tempo que a escravido foi legalmente abolida no mundo, mas cerca de 30 milhes de homens, mulheres e crianas vivem em cativeiro escravizados por dvidas, sujeitos a trabalho forado, vtimas de explorao sexual.

    De 195 pases avaliados pela Freedom House em 2011, s 87 foram considerados livres. A maioria da populao mundial vive em pases classificados como parcialmente livres ou no-livres, tendo em vista o pouco ou nenhum respeito de seus governos pelos direitos dos cidados.

    Quem vive sob um governo ditatorial ou semidemocrtico tem, no mximo, uma liberdade condicional, precria, que pode ser diminuda ou suprimida a qualquer momento. Todo ano, milhares de pessoas deixam seu pas fugindo da opresso. Milhes ficam e lutam por liberdade. Muitos morrem lutando todos os dias.

    Mesmo em pases livres, existem reas dominadas por grupos criminosos que intimidam e exploram pessoas indefesas, acobertados pela impotncia, negligncia ou cumplicidade das autoridades.

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    Opresso, s vezes violenta, faz parte do cotidiano de milhes de mulheres submetidas autoridade de seus pais, irmos e maridos, segundo costumes antigos que ainda prevalecem em diferentes regies do planeta.

    Se voc vive num pas livre, a salvo de opresso de qualquer espcie, agradea sua sorte e aproveite. Viva a liberdade. Muitos tm que lutar por ela, mas quem luta, afinal, s quer uma coisa: poder viver em paz.

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    2. SEJA VOC MESMO

    Todos os homens nascem livres e iguais em dignidade e direitos. So dotados de razo e conscincia e devem agir uns para com os outros com esprito de fraternidade.

    Declarao Universal dos Direitos Humanos

    Ser livre, num sentido mais amplo, poder fazer o que voc quiser, nos limites da lei e do bom senso.

    Liberdade implica direitos iguais. Num pas livre, ningum pode ser legalmente "mais livre" que os outros. Igualdade de direitos implica, por sua vez, respeito pelas diferenas entre as pessoas. Cada homem e mulher tem valor como indivduo, com capacidades e necessidades nicas. Por isso tem direito de viver sua vida como quiser, desde que no viole o direito dos outros.

    Isso pode parecer bvio, mas uma tremenda novidade na histria humana.

    Por milhares de anos, o que as pessoas podiam ou no fazer, dizer e at pensar foi ditado por seu grupo social famlia, tribo, casta, classe, igreja, comunidade ou mais diretamente pelos chefes desses grupos. Afastar-se do rebanho para seguir alguma crena, desejo ou projeto pessoal era mal visto e at arriscado. Lembre-se do triste fim de Romeu e Julieta porque se apaixonaram, passando por cima da inimizade entre as respectivas famlias.

    Liberdade, para os antigos, era algo que se perdia e ganhava em grupo, como o povo judeu sofrendo e depois escapando do cativeiro no Egito.

    O indivduo livre para pensar e agir diferente do grupo um ideal moderno. Shakespeare, que at hoje nos comove com a tragdia de Romeu e Julieta, considerado um dos inventores dessa ideia. Dos palcos do teatro para a vida real, ela levou quatrocentos anos e escandalizou muita gente at ser aceita. Em muitos grupos e lugares, ainda enfrenta resistncia.

    Voc livre? A pergunta, nos tempos modernos, embute esta outra: voc ousa pensar com a prpria cabea? Ir atrs dos prprios sonhos?

    Para ser voc mesmo, voc no precisa desprezar a opinio dos outros, nem dar as costas a quem se importa com voc. Mas h momentos em que s voc pode dizer o que importante ou indiferente, certo ou errado, justo ou injusto, feio ou bonito, bom ou ruim para voc.

    Ser livre, nessas horas, escolher da melhor maneira que puder, ouvindo sua prpria razo e conscincia, com ajuda de Deus, se voc tem f.

    s vezes isso d medo. Porque, junto com a liberdade, vem a responsabilidade pelas consequncias das nossas decises, para ns mesmos e para os outros. E as consequncias nem sempre so o que esperamos. Mas prefervel ser responsvel pelos prprios acertos e erros do que

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    sofrer passivamente as consequncias das decises de outros.

    Se voc tambm pensa assim, conhece o gosto doce-amargo da liberdade e tem o que preciso para lidar com as possibilidades e dificuldades da democracia.

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    3. GANHE O MUNDO

    Nossas malas surradas se amontoavam na calada outra vez; ainda tnhamos muito cho pela frente. Mas no importa, a estrada a vida.

    Jack Kerouac, On the Road

    Que faz voc se sentir livre? Por mim, eu poderia responder, como os personagens de Kerouac: um carro com o tanque cheio e uma estrada pela frente.

    Outros bichos vo atrs de comida e chances de reproduo. O homem se espalhou pela terra em busca de comida, parceria e aventura. A curiosidade a atrao pelo desconhecido um sentimento quase to forte quanto o instinto de sobrevivncia na nossa espcie.

    Sair rua sem ser levado por um adulto, viajar sozinho, mudar-se da casa dos pais so marcos do nosso amadurecimento como pessoa.

    Mesmo quem geralmente prefere ficar sossegado no seu canto no gosta de se sentir preso a ele.

    O bicho-homem precisa das duas coisas: aventura e segurana, novidade e rotina. Gosta de partir e gosta de voltar para casa.

    Viajar pelo prazer de viajar um luxo caro. Quem pode, mesmo com dinheiro curto, experimenta. O movimento de turistas internacionais pelo mundo chega perto de 1 bilho de desembarques, segundo a Organizao Mundial de Turismo das Naes Unidas. O turismo domstico soma bilhes de viagens por ano.

    Para estudantes com boas notas, programas de intercmbio mantidos por governos e organizaes privadas so uma tima oportunidade de conhecer outro pas sem gastar muito.

    Mas a maioria das pessoas viaja mesmo por necessidade: regularmente, entre a casa e o trabalho ou a escola; eventualmente, de mudana atrs de melhores oportunidades de educao e emprego.

    Num mundo onde as oportunidades so escassas e mal distribudas, a movimentao das pessoas sofre restries. Turistas com dinheiro para gastar so benvindos em toda parte. Mas quase todos os pases limitam a entrada de estrangeiros em busca de emprego. Dezenas de milhes de imigrantes de pases pobres vivem em pases ricos como cidados de segunda classe, discriminados pela sociedade, maltratados pelas autoridades. Milhares so deportados anualmente.

    Por outro lado, governos ditatoriais dificultam a sada dos seus cidados, sabendo que muitos no voltaro e, no exterior, podem engrossar o coro de oposio ao regime.

    A China, para conter a migrao do campo para as cidades, limita a circulao de pessoas dentro de suas fronteiras.

    A democracia lhe permite circular livremente em seu pas e fora dele, desde que voc tenha meios

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    para isso e outros pases o recebam.

    A passeio ou a trabalho, por uns dias ou de mudana, longe ou perto, bom conhecer lugares e, principalmente, pessoas e culturas diferentes. Descobrir e apreciar as diferenas entre as pessoas faz de voc uma pessoa melhor e um cidado mais preparado para exercitar outros direitos que a democracia lhe garante.

    Escolha seus caminhos, e v em frente!

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    4. CURTA AS DIFERENAS

    Quando voc pergunta a pessoas criativas como elas fizeram algo, elas ficam meio sem graa porque realmente no fizeram, s enxergaram algo. Depois de um tempo aquilo lhes pareceu bvio. Isso porque foram capazes de ligar experincias que tiveram e sintetizar coisas novas. E a razo por que foram capazes disso que tiveram mais experincias ou pensaram mais que os outros sobre suas experincias.

    Steve Jobs

    Alguns dos lugares mais excitantes do planeta, como metrpoles globais, universidades de ponta, plos de indstrias criativas, tm uma coisa em comum: portas abertas para gente de todas as origens, cores e credos com vontade de experimentar, aprender e empreender.

    Voc no precisa se mudar para o Vale do Silcio para ter acesso a esse mundo. Um computador ligado internet ajuda. Saber um pouco de ingls tambm, enquanto ele funcionar como lngua global.

    Mas o principal : cabea aberta. A diversidade da experincia humana est em toda parte. s ter olhos para ver e imaginao para entender as diferenas.

    Por alguma razo o computador pessoal e a internet surgiram num lugar ensolarado e livre como a Califrnia e no, por exemplo, na Sibria. As pessoas so mais felizes e criativas quando no receiam ser discriminadas por causa da cor da sua pele, a comunidade a que pertencem, a f que professam, a maneira como amam ou seja o que for que as distinga da maioria. Inovaes podem florescer em climas frios. Em lugares onde grupos, ideias e comportamentos divergentes so perseguidos, no tem jeito: a criatividade congela.

    Buda, Confcio, Scrates, Jesus e outros guias espirituais da humanidade deram lies de tolerncia. Amai-vos uns aos outros pode se traduzir como: sejam gentis com seus vizinhos. Reconheam em cada um deles seu semelhante, por muito diferente que parea.

    Mais fcil dizer do que fazer. Preconceito, desprezo, medo, raiva do estrangeiro, herege, pervertido, subversivo, traidor, inimigo do povo, ou qualquer nome feio que se d ao outro, tm sido constantes na histria da humanidade. Intolerncia leva violncia. Cinco mil anos de histria escrita e muitos milhares mais para trs, segundo os arquelogos, registram uma sucesso quase ininterrupta de guerras e massacres.

    A democracia a primeira tentativa bem sucedida de organizar a convivncia humana em larga escala de maneira a reduzir ao mnimo a violncia entre pessoas e grupos diferentes. Para isso, ela abraa a tolerncia como um valor moral, como os antigos mestres ensinaram. E faz dela uma obrigao legal, que algo novo na histria. Pases livres tm leis que protegem e cidados que

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    respeitam grupos, ideias e comportamentos divergentes.

    Certos preconceitos so muito fortes; algumas pessoas custam muito a se livrar deles. s vezes preciso usar o bom senso para saber quando desafiar, quando contornar o preconceito dos outros.

    Exera seu direito de ser diferente com cautela mas exera! E no perca oportunidade de mostrar tolerncia em relao s diferenas dos outros. Antes de condenar algo ou algum, pergunte a voc mesmo:

    Ser que isso realmente me prejudica?

    No haver algo de bonito, certo ou pelo menos compreensvel nisso que primeira vista me parece totalmente feio, errado ou esquisito?

    A vida fica mais fcil, interessante e, s vezes, mais criativa quando vivemos e deixamos os outros viverem.

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    5. DEFENDA-SE

    Na primeira noite eles se aproximame roubam uma flordo nosso jardim.E no dizemos nada.Na segunda noite, j no se escondem:pisam as flores,matam nosso co,e no dizemos nada.At que um dia,o mais frgil delesentra sozinho em nossa casa,rouba-nos a luz, e,conhecendo nosso medo,arranca-nos a voz da garganta.E j no podemos dizer nada.

    Eduardo Alvez da Costa, No Caminho com Maiakvski

    Tolerante no quer dizer submisso. Para respeitar os outros, voc no precisa nem deve deixar que desrespeitem voc.

    A humanidade ainda no descobriu a cura da tendncia de o mais forte seja mais rico, poderoso, esperto ou agressivo abusar do mais fraco. Mas a democracia tem meios de conter os abusos. O meio bsico a lei, desde que ela seja igual para todos e aplicada com rigor, doa a quem doer.

    A polcia e a justia so braos fortes da lei aqueles que podem obrigar algum a fazer ou deixar de fazer alguma coisa contra a sua vontade. Isso no as torna em geral muito populares. Mas, em pases livres, sua misso proteger todos os cidados, sua vida e seu patrimnio, sem perseguir nem favorecer ningum. Elas so como o hospital ou consultrio do dentista: voc prefere passar longe, mas bom saber que esto l numa emergncia.

    O tempo que leva para a polcia atender a um chamado ou a justia resolver uma demanda so medidas do bom ou mau funcionamento da democracia para o cidado comum. Poucos minutos podem fazer toda a diferena para algum que precisa da proteo da polcia. A justia geralmente mais lenta. Dizem que ela tarda mas no falha. Mas, se tardar muito, acaba falhando e deixando pessoas merc da lei do mais forte.

    H outros braos especializados da lei para defender seus direitos de trabalhador, consumidor, contribuinte, cliente de servios pblicos e privados etc. rgos de fiscalizao, agncias reguladoras, tribunais administrativos a lista impressionante. A proteo efetiva que eles do, nem tanto, nem sempre. Como a polcia e a justia, eles podem ser lentos demais, ocupados

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    demais. Pior, podem ser presa de favoritismo ou corrupo, que so formas de os mais ricos, poderosos e inescrupulosos torcerem a lei a seu favor.

    Por honestos e atentos que sejam os mltiplos braos da lei, uma coisa eles geralmente no fazem: no se mexem sozinhos. Tm que ser acionados por algum. Saber qual deles acionar, e como, aumenta sua chance de ser atendido.

    s vezes isso no to bvio. Quando algum tenta forar a porta da sua casa, voc liga para a polcia. Mas o que fazer quando, por exemplo, aparece um dbito a mais na sua conta de telefone ou um crdito a menos no seu salrio, e a empresa responsvel se recusa a corrigir o erro?

    Alm de saber a qual autoridade recorrer, importante fazer isso sem demora. Os advogados tm um ditado: O direito no socorre ao que dorme. Perdeu o prazo, perdeu a causa. Obviamente, o direito tambm no socorre a quem desconhece o direito que tem, ou no consegue provar que tem.

    No perca o sono antecipando abusos, mas no durma no ponto se um abuso ocorrer. Conhea seus direitos. Na dvida, procure um advogado. Junte documentos, testemunhas. E recorra a tempo aos meios que a democracia lhe garante para se defender. Defender-se at mesmo, se for preciso, da negligncia ou m-f de quem pago para ser guardio da lei.

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    6. EXERA SEUS DIREITOS

    Toda vez que voc estiver em dvida, ou com o ego inchado, aplique o seguinte teste. Lembre-se do rosto do homem mais pobre e mais fraco que voc j viu, e pergunte a si mesmo se o passo que voc est pensando em dar vai ter alguma utilidade para ele. Ele vai ganhar alguma coisa com isso? Isso vai devolver-lhe algum controle sobre sua prpria vida e destino? Em outras palavras, isso vai contribuir para a emancipao dos milhes de famintos e espiritualmente carentes? Ento voc ver suas dvidas e seu ego se dissolverem.

    Mahatma Gandhi

    Pouco vale ser livre mas faminto, doente, analfabeto, sem emprego nem teto. A misria priva as pessoas da capacidade de controlar sua prpria vida. Sem isso, que resta da liberdade?

    Um pas livre e democrtico no se limita a reconhecer teoricamente os direitos de seus cidados. Tambm lhes d ou tenta dar condies bsicas para exercer efetivamente esses direitos. Isso inclui cuidar da sade de todos, educar os jovens, ajudar os desempregados e incapacitados e garantir aposentadoria para os velhos.

    A lista de direitos sociais varia conforme o nvel de renda e a histria de cada pas. Os pases escandinavos (Sucia, Dinamarca, Noruega), ricos e especialmente preocupados com a igualdade, so o modelo acabado de estado de bem-estar, que cuida bem das pessoas do comeo ao fim da vida. Outros pases ricos se aproximam, uns mais, outros menos, desse ideal.

    Pases pobres e emergentes lutam para, pelo menos, livrar seu povo da misria. O nmero de pessoas em situao de extrema pobreza no mundo tem diminudo mas ainda imenso: 1 bilho, ou 1/7 da humanidade, segundo o Banco Mundial. Alguns pases tm conseguido bons resultados com pequenos auxlios em dinheiro para os mais carentes, como a bolsa-famlia do Brasil.

    O estado de bem-estar valoriza tanto a independncia das pessoas quanto a solidariedade entre elas. Prepara-as para garantir o prprio sustento e as apia na adversidade. Quanto mais xito tiver no primeiro, menos precisar gastar no segundo.

    Em pases livres mas muito desiguais, como Brasil, ndia, frica do Sul, tudo isso ainda mais promessa que realidade. Cidados conscientes e exigentes dos seus direitos, no entanto, podem aproximar a realidade da promessa.

    Os direitos sociais no so um favor do governo nem de qualquer poltico ou funcionrio. So exatamente o que o nome diz: direitos. Benefcios garantidos por lei, custeados pelos impostos que voc e todos pagam.

    Lembre-se disso ao matricular seu filho ou voc mesmo numa escola pblica, procurar atendimento num hospital pblico, requerer seguro-desemprego ou aposentadoria. Saiba exatamente quais so os benefcios a que voc tem direito. E no se acanhe de reclamar se no for

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    atendido ou for mal atendido.

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    7. CONECTE-SE

    Se vocs querem melhores salrios, eu lhes digo o que fazer;Falem com seus colegas na fbrica;Organizem um sindicato, fortaleam-no,Se todos se unirem, ento, no demora.Vocs vo conseguir menos horas de trabalho,Melhores condies,Frias remuneradas,Levem seus filhos praia.

    Pete Seeger, Talking Union

    Para exercer seus direitos e alcanar seus objetivos, voc conta, em primeiro lugar, com seu prprio esforo e inteligncia. Mas no esquea: a unio faz a fora. H coisas que uma pessoa sozinha no consegue. H coisas que pode conseguir mais e antes unida a outras pessoas.

    Cada um de ns tem sua rede pessoal de famlia, amigos, vizinhos, colegas, conterrneos, igreja. Voc sabe como importante poder contar com o apoio deles. Uma rede de relaes ampla e variada aumenta sua capacidade de resolver problemas. Uma das piores coisas da vida se ver sozinho, sem ter a quem pedir ajuda numa hora difcil.

    A democracia lhe permite reforar sua rede social com outros laos importantes. Com trabalhadores do mesmo ramo de atividade, por exemplo.

    Nas fbricas enfumaadas do comeo do sculo XIX, um operrio trabalhava 12 horas ou mais por dia, seis ou sete dias por semana, por um salrio de fome, sem direito a frias nem aposentadoria. O sindicato foi o grande instrumento de luta para mudar essa situao. O prprio direito de organizar sindicatos e reivindicar melhorias foi conquistado com muita luta, que custou o emprego, a liberdade e, no limite, a vida de muitos trabalhadores.

    Mesmo em pases democrticos, como os Estados Unidos, greves foram duramente reprimidas at meados do sculo passado. Em pases no-democrticos, elas so reprimidas at hoje; sindicatos, quando permitidos, so controlados pelo governo ou pelo partido no poder.

    Na medida em que reivindicaes bsicas dos trabalhadores viraram direitos, os sindicatos perderam importncia. Hoje, na maioria dos pases, menos de 1/3 dos trabalhadores sindicalizado.

    Ao mesmo tempo, multiplicaram-se organizaes em defesa de outras causas: direitos dos consumidores, preservao do meio ambiente, igualdade de oportunidades para as mulheres e minorias desfavorecidas, melhorias dos servios pblicos e assim por diante.

    Seja qual for sua preocupao, do buraco na rua ao aquecimento do planeta, mais que provvel

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    que haja outras pessoas e organizaes pensando e querendo o mesmo que voc. A internet ajuda a encontra-las, onde quer que estejam.

    A conexo faz a fora. Redes virtuais, como Facebook e Twitter, so uma forma divertida de compartilhar experincias e informaes com seus amigos. Mas podem ser mais que isso: um meio poderoso de ampliar sua rede social real, aumentar sua capacidade de exercer seus direitos e alcanar seus objetivos.

    Leis e instituies democrticas so importantes mas no so tudo. A democracia funciona melhor quando os cidados so capazes de se unir e agir organizadamente por seus objetivos comuns, seja diante do governo, seja de outros grupos e organizaes poderosas.

    Use suas liberdades de reunio e associao para dar e receber apoio de outras pessoas com os mesmos interesses. Assim voc fortalece a democracia e a voc mesmo como cidado.

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    8. SAIBA MAIS

    Nos tempos antigos, aqueles que sabiam praticar o Tao no o usavam para esclarecer o povo, mas sim para mante-lo na ignorncia. A dificuldade de governar as pessoas vem de elas terem conhecimento demais.

    Lao Zi

    A rvore da liberdade no se d bem na sombra; precisa da luz do conhecimento para crescer e florescer. A ignorncia uma priso invisvel, sem paredes, mas tambm sem janelas. Saber e, principalmente, ser capaz de aprender coisas novas alarga o horizonte daquilo que voc pode querer e fazer.

    Informao a matria-prima do conhecimento. A democracia garante seu direito de dar, buscar e receber informao por todos os meios. Protege ou deveria proteger o sigilo da sua comunicao privada por carta, telefone e internet. Manda o governo a publicar toda informao relevante sobre suas prprias aes e decises. E estende essa obrigao a empresas e outras organizaes privadas que detm informaes de interesse pblico.

    A me do direito informao a liberdade de imprensa. No passado, ela se referia divulgao de notcias e opinies por meios impressos propriamente ditos, como panfletos, jornais, revistas e livros. Hoje, inclui a transmisso de informao por meios eletrnicos, como rdio, televiso e internet.

    Para a democracia, liberdade de imprensa to fundamental quanto eleies livres. Ditaduras podem at ter eleies, mas no toleram imprensa independente. Com os meios de comunicao sob seu controle, mais fcil para um ditador encenar eleies sem risco de perder.

    Em 2012, apenas 14% da populao do planeta viviam em pases com imprensa livre, e outros 43% em pases com imprensa parcialmente livre, de acordo com a Freedom House.

    Ditaduras suprimem a liberdade de imprensa violentamente, fechando meios de comunicao ou censurando seu contedo. Governos semi-democrticos usam seu poder financeiro e outras formas de presso para garantir apoio e silenciar a crtica dos meios de comunicao.

    Liberdade no combina com monoplio. Se voc tem acesso a uma nica fonte de informao, s vai saber das notcias que ela der, do jeito que der. Para estar bem informado, importante ter fontes diferentes e independentes e, na dvida, checar umas com as outras. Pases democrticos geralmente tm leis para evitar que uma ou poucas empresas controlem os principais meios de comunicao.

    Ouvir somente notcias e opinies que confirmam aquilo em que voc acredita pode ser cmodo, mas no inteligente. Informaes erradas ou tendenciosas dificilmente levam a decises certas.

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    Ouvir o outro lado no s uma questo de justia, mas de bom senso.

    A internet d acesso instantneo a uma vasta quantidade de informao sobre qualquer assunto, de qualquer lugar do planeta. E, diferentemente dos meios de comunicao mais antigos, uma via de mo dupla: permite a qualquer pessoa transmitir informao com uma velocidade e amplitude que antes eram exclusivas de grandes redes de rdio e televiso. Para governos ditatoriais, isso uma ameaa. Mesmo governos democrticos ainda no sabem bem como lidar com o poder que a internet d ao cidado comum.

    Na era da internet, informao o que no falta. O difcil, muitas vezes, selecionar e entender o que lhe interessa no meio da imensidade de informaes ao alcance de um clique.

    Para transformar informao em conhecimento preciso, no mnimo, saber ler e escrever. Cerca de 16% da populao adulta do mundo so analfabetos. A porcentagem de analfabetos funcionais, que soletram palavras mas no conseguem entender nem escrever textos simples, ainda maior, mesmo em alguns pases desenvolvidos. Para eles, as portas da aquisio de conhecimento permanecem fechadas, ou no mximo entreabertas. Esse o maior obstculo igualdade de oportunidades que a democracia promete.

    Use bem, e sempre, os meios e capacidades que voc tem para obter informao, checa-la e transforma-la em conhecimento.

    Seu poder como cidado aumenta na razo direta da informao que voc domina, multiplicada pelas pessoas e grupos com quem voc se conecta.

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    9. ERGA A VOZ

    Se liberdade significa realmente alguma coisa, significa o direito de dizer s pessoas o que elas no querem ouvir.

    George Orwell

    Voc j deve ter visto essa cena no cinema: nos Estados Unidos, a polcia, quando prende um suspeito, deve informa-lo que ele tem direito de permanecer em silncio para no se autoincriminar.

    H outras situaes, menos dramticas, em que o direito de calar mais importante que o de falar. Quem sempre fala tudo que pensa um tolo. Mas quem nunca abre a boca no ouvido quando precisa.

    A democracia lhe permite expressar livremente suas demandas, reclamaes e opinies, com a ressalva de sempre: desde que suas palavras no violem o direito dos outros.

    Quando o governo se faz de surdo, o cidado comum precisa falar mais alto. O grito dos governados serve para lembrar o governante democrtico das suas promessas e obrigaes, que o exerccio do poder s vezes leva a esquecer. Da mesma forma, os ricos e poderosos precisam eventualmente ser lembrados que no esto acima da lei.

    Os meios de comunicao so os alto-falantes da sociedade moderna. Nada como uma onda de matrias negativas no rdio, televiso, jornais e revistas de grande circulao para conter a arrogncia de uma pessoa ou empresa poderosa, ou acordar um governante desatento.

    Governos, empresas e pessoas poderosas tm acesso mais ou menos fcil aos meios de comunicao. um caso de ovo e galinha: eles tm acesso aos meios de comunicao porque so poderosos, e so poderosos porque, entre outras coisas, tm acesso aos meios de comunicao.

    Voc, cidado comum, que no tem a mesma facilidade para se fazer ouvir, pode ganhar espao nos meios de comunicao se for personagem ou testemunha de alguma histria impactante. Se no for, tem pelo menos duas alternativas.

    Primeiro, voc pode somar sua voz de movimentos e organizaes interessados na mesma causa. As formas de conseguir audincia variam: mensagens para autoridades ou para os prprios meios de comunicao, abaixo-assinados, manifestaes de rua. Nem sempre preciso reunir multides nem fazer discursos. Uma imagem vale mais que mil palavras. Atos de protesto, mesmo de poucas pessoas, podem gerar imagens com forte impacto na mdia. H alguns anos, cenas de ativistas da Greenpeace em lanchas tentando impedir barcos muito maiores de caar baleias se espalharam pelo mundo, chamando ateno para a causa da preservao da natureza.

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    Segundo, voc pode usar a internet. Por ser um meio de comunicao de mo dupla, que serve para receber e transmitir informao, a internet cada vez mais importante para divulgar causas e mobilizar pessoas. Nenhum governo ou grupo privado to poderoso que consiga ignorar uma reclamao quando ela se espalha feito vrus por e-mail e nas redes sociais. Se a causa for relevante, apresentada de uma forma que fale razo e/ou emoo das pessoas, pode atrair milhes de apoiadores, sem ter necessariamente por trs nenhuma organizao permanente. Isso acaba chamando ateno dos outros meios de comunicao, o que realimenta a repercusso na internet.

    As alternativas no so excludentes. Para ter mais chance de ser ouvido, voc pode apostar nas duas: unir-se a movimentos e organizaes existentes, e usar a internet para engrossar ou comear um movimento a favor de uma causa importante para voc.

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    10. DEBATA

    No posso ensinar nada a ningum. S posso faze-los pensar.

    Scrates

    Voc pode ser mais um apoiando uma causa, e isso importante. Agora, se quiser influenciar mais o curso das aes a favor dessa causa, vai precisar fazer mais que simplesmente dizer sim ou no. Vai ter que estar preparado para expor e defender suas ideias para os outros interessados.

    As cidades da Grcia antiga que inventaram a palavra e a prtica da democracia tinham uma praa, chamada gora, onde todos os cidados podiam discutir e votar diretamente assuntos do governo da cidade. Isso seria praticamente impossvel hoje, em pases ou mesmo cidades com milhes de habitantes. Ainda que houvesse espao para reuni-los, no se descobriu como organizar discusses com tanta gente. Pela internet, talvez, mas por enquanto isso s uma ideia.

    A democracia moderna representativa: as decises do governo no so tomadas diretamente pelo povo, mas por seus representantes eleitos. Isso no nos impede de discutir assuntos de interesse comum com familiares, vizinhos, amigos, colegas, membros da igreja etc. Acrescente a isso mltiplos fruns de discusso sobre os mais variados assuntos na internet, e como se tivssemos acesso, no a uma, mas a vrias goras.

    Discusses informais entre amigos podem ser divertidas ou chatas, calmas ou inflamadas, esclarecedoras ou confusas, mas no tm que ser necessariamente conclusivas. Se o objetivo da discusso, no entanto, chegar a alguma concluso prtica, convm seguir certas regras: esperar sua vez de falar, no falar demais para dar vez aos outros, manter-se dentro do assunto em discusso, no ofender nem provocar gratuitamente quem pensa diferente etc. Uma discusso assim pode ser chamada de debate, para diferenciar do mero bate-papo.

    A democracia pode ser definida como governo pelo debate, mais at que pelo voto. Como o debate livre deixa as divergncias entre as pessoas aparecerem, as decises da democracia muitas vezes parecem confusas e so, em geral, mais demoradas. Est longe de ser uma forma de governo perfeita. Mas ainda no se inventou nada melhor que o debate para homens e mulheres livres buscarem solues razoveis para seus problemas comuns.

    Numa ditadura, o chefe supremo no precisa ouvir ningum antes de decidir seja o que for; s ouve se quiser, a quem quiser. A experincia mostra que essa uma forma de governo imbatvel para tomar decises rpidas. O problema que essas decises so quase sempre injustas, frequentemente desastradas e difceis de voltar atrs.

    Debater no s falar: principalmente ouvir. Quem sabe ouvir e entender os outros tem mais

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    chance de ser ouvido e entendido.

    Saber ouvir uma aplicao do princpio democrtico da tolerncia. Ele supe que as opinies dos outros, por muito diferentes que sejam das minhas, podem conter um gro de verdade, e que esse gro pode servir de base para chegarmos a algum acordo, ainda que parcial.

    No preciso ser poltico para exercitar a arte do debate. Pratique-a voc tambm, sempre que a ocasio se apresentar. Oua com boa vontade as opinies dos outros, tentando entender as preocupaes deles, e exponha as suas com tranquilidade. Disponha-se a ceder um pouco para chegar a um meio-termo aceitvel, mesmo que no seja o ideal para voc.

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    11. DELEGUE, MAS FISCALIZE

    Quando no se colocam limites aos representantes do povo, eles no so defensores da liberdade, mas candidatos tirania.

    Benjamin Constant

    Ento chega o dia da eleio e voc talvez se pergunte:

    Por que me dar ao trabalho? Se a democracia me garante a liberdade, no sou livre para escolher no votar?

    De fato, voc . Em pases onde o voto opcional, como os Estados Unidos, o no-comparecimento pode chegar perto dos 50% do eleitorado. Mesmo em pases onde o voto obrigatrio, como o Brasil, a penalidade para quem no comparece s urnas em geral simblica, como uma pequena multa.

    Se voc quer razes para votar, em todo caso, aqui vai uma importante: eleio sua chance de mudar pacificamente um governo que voc desaprova, ou manter um que voc aprova. Essa uma vantagem da democracia: ela prev e facilita a alternncia no poder. Em regimes no-democrticos, sem eleies limpas, mudar de governo uma operao arriscada, que passa frequentemente por conspiraes, golpes de estado, levantes populares, conflitos sangrentos, espalhando insegurana e prejuzos por toda a sociedade.

    Quem passa muito tempo no poder comea a se achar seu dono; acaba ficando acomodado ou prepotente, ou ambos. Ter prazo certo para disputar eleies faz o governante lembrar suas obrigaes para com os governados. Quando a maioria est insatisfeita, pode votar na oposio. Um governo pelo menos passvel tem chance de continuar, ainda mais se a oposio no apresentar candidatos que paream capazes de fazer melhor.

    Na prtica, as pessoas escolhem um candidato por motivos variados, dos mais razoveis aos mais tolos. Isso no faz diferena na hora de contar os votos. Uma regra fundamental da democracia : um homem (ou mulher), um voto. Todos os cidados so iguais diante da urna.

    Uma boa escolha pode fazer diferena, porm, na hora que o candidato eleito assume o cargo. O voto uma espcie de procurao que voc passa para algum manejar recursos que voc e todos os cidados entregam ao governo por meio dos impostos. voc quem acaba pagando pelos erros de um procurador ou representante mal escolhido.

    Para evitar decepes, convm fazer algumas perguntas bsicas sobre qualquer candidato:

    Ele merece minha confiana? Tem boa reputao?

    Tem experincia e competncia compatveis com o cargo que quer ocupar?

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    Suas crenas e opinies so parecidas com as minhas?

    Suas propostas atendem s minhas necessidades e preocupaes?

    As perguntas valem tanto para candidatos ao Executivo (prefeito, governador, presidente) como ao Legislativo (vereador, deputado, senador).

    Mesmo quem preenche os requisitos para o cargo pode sair da linha se no tiver que prestar contas a ningum. A democracia parte do princpio que todo governante falvel, como qualquer ser humano. Por isso, evita que um s indivduo ou grupo concentre todo o poder. Divide-o entre vrios ramos do governo (Executivo, Legislativo, Judicirio) e manda uns controlarem os outros.

    Mas ningum melhor que voc mesmo, cidado-eleitor, para fiscalizar aqueles a quem voc deu seu voto (ou no deu, mas que assumem obrigaes para com todos os cidados quando so eleitos).

    Cada uma das liberdades e direitos que discutimos antes servem para isso, entre outras coisas. Permitem a voc dizer alto e claro aos seus representantes o que voc espera deles; conferir o que fizeram e deixaram de fazer no exerccio do cargo; aplaudir quando acertarem e reclamar quando forem incompetentes, negligentes ou desonestos.

    Voc no precisa nem quereria, suponho, viver metido em reunies, assinando peties, participando de manifestaes pblicas. Para exercer seu papel de cidado-eleitor, no entanto, voc precisa se dispor a fazer isso s vezes, na hora certa, quando sentir que sua voz pode ajudar a estimular o governo da sua cidade, regio ou pas a fazer a coisa certa, ou dissuadi-lo de fazer a coisa errada.

    E se o governo, mesmo assim, no ouvir ou for incapaz de responder? No desanime: espere a prxima eleio e vote para manda-lo embora.

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    12. CRESA

    A democracia a pior forma de governo, exceto todas as demais formas que tm sido experimentadas de tempos em tempos.

    Winston Churchill

    Liberdade e voto so bons mas no enchem barriga.

    Mesmos pases ricos com tradies democrticas slidas tm problemas de pobreza, desigualdade, desemprego, desamparo, inflao, poluio, doenas, drogas, crime, violncia.

    Em muitos pases, as prprias instituies democrticas tm problemas graves de corrupo, abuso de poder, discriminao de grupos e regies, paralisia das decises, eleies tumultuadas, apatia dos eleitores.

    De fato, a democracia est longe de ser um remdio mgico para os males da poltica e da sociedade. A pergunta : voc a trocaria por outra forma de governo que prometa resolver esses problemas?

    Em tempos de crise econmica ou instabilidade poltica, o apoio democracia diminui. Mesmo em circunstncias mais normais, o nvel de confiana nos polticos, partidos e parlamentos tende a ser baixo.

    Apesar disso, pesquisas mostram que a maioria das pessoas, em diferentes partes do mundo, concordaria com Churchill: prefere viver numa democracia, com todos os seus defeitos e limitaes.

    H pelo menos duas razes para essa preferncia. Primeiro, se governos democrticos no so necessariamente melhores para promover o crescimento econmico, so em geral melhores para cuidar das pessoas. Quando se descuidam, a cobrana da oposio, da imprensa e da sociedade os obriga a pelo menos tentar fazer melhor. Governos no-democrticos, imunes a esse tipo de cobrana, ignoram mais facilmente as aflies de seu povo. Na China de Mao Ts-Tung, milhes morreram de fome entre 1958 e 1961, sem que o governo nem o povo tomassem conhecimento da catstrofe em toda sua extenso.

    Segundo, as pessoas preferem viver numa democracia porque se sentem mais respeitadas, alm de mais seguras e apoiadas. A histria registra exemplos raros, verdade de tiranos benevolentes com seu povo. Mas s a democracia trata seus cidados como agentes livres, com inteligncia e autonomia para definir seus prprios objetivos e tomar suas prprias decises. A diferena no est s nem tanto no que o governo faz ou deixa de fazer. O mais importante o que a democracia permite a voc, cidado, fazer por voc mesmo, pelas pessoas com quem voc se

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    importa e pelas causas que acha justas.

    No abra mo da sua liberdade em troca de promessas que depois voc no ter chance de cobrar de um governo no-democrtico.

    A democracia uma forma de convivncia pacfica entre homens e mulheres imperfeitos. Exera os direitos que ela lhe assegura com tranquilidade e amor ao prximo. Cada gesto de tolerncia e solidariedade que voc fizer para um concidado, ou receber dele, um passo a mais da sua comunidade na longa estrada da civilizao, deixando a violncia para trs.

    A democracia uma aposta na nossa capacidade de aprender com os prprios erros. Use as oportunidades que ela lhe oferecer com ousadia e criatividade para superar seus prprios limites, vencer obstculos, resolver problemas e crescer como pessoa. Crescer, principalmente, na qualidade e variedade dos pensamentos, sentimentos e experincias que puder compartilhar com outras pessoas.

    A democracia uma das mais belas invenes da humanidade. Uma forma de governo imperfeita, s vezes instvel, mas flexvel e sempre possvel de melhorar. Aproveite o que ela tem de bom e retribua. Nossos filhos e netos agradecero o que fizermos, como cidados ativos, para preservar e enriquecer essa herana para eles.

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    1. Viva a liberdade2. Seja voc mesmo3. Ganhe o mundo4. Curta as diferenas5. Defenda-se6. Exera seus direitos7. Conecte-se8. Saiba mais9. Erga a voz10. Debata11. Delegue, mas fiscalize12. Cresa