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- 1 - Revista Vozes dos Vales da UFVJM: Publicações Acadêmicas MG Brasil Nº 02 Ano I 10/2012 Reg.: 120.2.0952011 PROEXC/UFVJM ISSN: 2238-6424 www.ufvjm.edu.br/vozes Ministério da Educação Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri UFVJM Minas Gerais Brasil Revista Vozes dos Vales: Publicações Acadêmicas Reg.: 120.2.0952011 UFVJM ISSN: 2238-6424 Nº. 02 Ano I 10/2012 http://www.ufvjm.edu.br/vozes Você tem competência? Considerações em torno do conceito de competência nos estudos linguísticos José Nilton Cruz Júnior Mestrando do Programa de Pós-graduação em Língua e Cultura da Universidade Federal da BahiaUFBA Bahia - Brasil. E-mail: [email protected] Prof. Dr. Antonio Marcos Pereira Professor Adjunto do Instituto de Letras da Universidade Federal da Bahia UFBA Bahia - Brasil. E-mail: [email protected] Resumo: O presente artigo visa tratar da noção de competência a partir do uso inaugural desses termos nos estudos linguísticos contemporâneos. Para tanto, far- se-á uma breve contextualização histórica, retomando os trabalhos dos linguistas norte-americanos Noam Chomsky e Dell Hymes em torno dessa noção. Este trabalho tenciona problematizar o impacto que a noção de competência gerou para os estudos mais recentes em Linguística, bem como o tratamento que autores da atualidade dão a essa noção. Além disso, busca-se estabelecer uma relação conceitual da noção de competência com a Linguística Aplicada e com questões relacionas ao ensino aprendizagem de línguas. Palavras-chave: competência, ensino de línguas, linguística aplicada.

Você Tem Competência Considerações Em Torno Do Conceito de Competência Nos Estudos Linguísticos José Nilton

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Você Tem Competência Considerações Em Torno Do Conceito de Competência Nos Estudos Linguísticos José Nilton

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    Revista Vozes dos Vales da UFVJM: Publicaes Acadmicas MG Brasil N 02 Ano I 10/2012 Reg.: 120.2.0952011 PROEXC/UFVJM ISSN: 2238-6424 www.ufvjm.edu.br/vozes

    Ministrio da Educao

    Universidade Federal dos Vales do Jequitinhonha e Mucuri UFVJM Minas Gerais Brasil

    Revista Vozes dos Vales: Publicaes Acadmicas Reg.: 120.2.0952011 UFVJM

    ISSN: 2238-6424 N. 02 Ano I 10/2012

    http://www.ufvjm.edu.br/vozes

    Voc tem competncia?

    Consideraes em torno do conceito de competncia nos estudos lingusticos

    Jos Nilton Cruz Jnior Mestrando do Programa de Ps-graduao em Lngua e Cultura da Universidade

    Federal da Bahia UFBA Bahia - Brasil. E-mail: [email protected]

    Prof. Dr. Antonio Marcos Pereira Professor Adjunto do Instituto de Letras da Universidade Federal da Bahia UFBA

    Bahia - Brasil. E-mail: [email protected]

    Resumo: O presente artigo visa tratar da noo de competncia a partir do uso

    inaugural desses termos nos estudos lingusticos contemporneos. Para tanto, far-se- uma breve contextualizao histrica, retomando os trabalhos dos linguistas norte-americanos Noam Chomsky e Dell Hymes em torno dessa noo. Este trabalho tenciona problematizar o impacto que a noo de competncia gerou para os estudos mais recentes em Lingustica, bem como o tratamento que autores da atualidade do a essa noo. Alm disso, busca-se estabelecer uma relao conceitual da noo de competncia com a Lingustica Aplicada e com questes relacionas ao ensino aprendizagem de lnguas.

    Palavras-chave: competncia, ensino de lnguas, lingustica aplicada.

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    INTRODUO

    O conceito de competncia dentro dos estudos lingusticos tem sido

    amplamente discutido e utilizado. Pesquisadores-docentes, sobretudo no campo de

    ensino de lnguas, recorrem a tal conceito no intuito de elaborar estratgias que

    sejam eficientes para o desenvolvimento de seu exerccio acadmico. Alunos de

    graduao, primariamente, e ps-graduao tambm so expostos a esse conceito

    ao longo do curso de Letras/ Lingustica e constroem um repertrio mnimo- assim

    se espera- de compreenso acerca do que vem a ser a chamada competncia.

    Entretanto, algo que aparece com certa frequncia na concepo desses

    agentes o entendimento por vezes ambguo do que, de fato, configura a

    competncia, seja qual for a apropriao do conceito terico desse termo tomada

    por quem o utiliza. Para muitos, a definio de competncia parece ser algo ainda

    camuflado, indefinido e subjetivo. Alguns veem tal conceito sob uma perspectiva

    dicotmica: por um lado, a competncia lingustica, inaugurada e defendida por

    Noam Chomsky, a partir da dcada de 1960; por outro, a reformulao ou a tentativa

    de problematizao desse conceito inaugural feita por Dell Hymes, na dcada de

    1970, o que conhecemos por competncia comunicativa.

    Decidir a favor de uma perspectiva e no de outra implica na tomada de uma

    determinada postura do professor, bem como do pesquisador, em sua prtica de

    ensino ou de pesquisa de modos seno diametralmente opostos, minimamente

    distintos. Atribuir um juzo de valor para qualquer uma dessas posturas requer

    bastante reflexo no que diz respeito s contribuies e empecilhos que essas duas

    principais perspectivas oferecem. Assim sendo, apropriado que exploremos a

    noo de competncia. Todos desejam possuir, em certa medida, alguma

    competncia, inclusive os tericos contemporneos que trabalham com a linguagem.

    Mas o que mesmo competncia? Existe uma definio conceitual que d conta

    dessa noo? Esse no apenas um problema de cunho terico, mas tem

    implicaes diretas no modo como atuamos enquanto pesquisadores, discentes ou

    docentes.

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    Revista Vozes dos Vales da UFVJM: Publicaes Acadmicas MG Brasil N 02 Ano I 10/2012 Reg.: 120.2.0952011 PROEXC/UFVJM ISSN: 2238-6424 www.ufvjm.edu.br/vozes

    1. UMA BREVE CONTEXTUALIZAO

    Em meados da dcada de 1960, o linguista norte-americano Noam Chomsky

    lana a sua obra intitulada Aspectos da Teoria da Sintaxe, onde o autor estabelece a

    dicotomia competncia versus desempenho. Nessa obra, a competncia definida

    como o conhecimento tcito que o falante-ouvinte possui da estrutura da sua

    lngua, conforme Oliveira (2007). Chomsky sugere que para que um indivduo seja

    competente linguisticamente ele deve possuir conhecimento internalizado de

    estruturas gramaticais de seu sistema lingustico. Quanto ao desempenho,

    realizao imperfeita da competncia, Chomsky prefere no se ater com maior

    vagar, dando primazia, em seus trabalhos, parte mais abstrata e teoricamente

    objetiva, isto , previsvel, da lngua.

    Justamente por tratar de questes cognitivas referentes a um conhecimento

    tcito internalizado da lngua, Chomsky interpretado, sob a perspectiva de alguns

    autores, tal qual Oliveira (2007), como um autor cujos trabalhos remontam teorias de

    cunho estruturalista, e por isso recebeu duras crticas quando do lanamento de sua

    proposta. Vale-se ressaltar, no entanto, que as contribuies de Chomsky para os

    estudos lingusticos emergem como divisores de guas nos estudos lingusticos

    modernos, uma vez que a partir de sua teoria gerativa transformacional houve

    grande inquietao na comunidade cientfica dos estudos lingusticos, de modo que

    isto favoreceu o surgimento de trabalhos posteriores que ora contestavam os

    postulados de Chomsky ora defendiam as ideias elaboradas por tal autor. No

    entanto, no nos deve passar despercebido a repercusso que a noo de

    competncia lingustica fomentou para a aparecimento de uma nova noo que

    ocuparia um lugar de destaque entre os linguistas e os pesquisadores da teoria da

    comunicao ou mesmo da etnografia da linguagem.

    Logo no incio da dcada de 1970, o linguista norte-americano Dell Hymes

    publica trabalhos em que discorda da postura chomskyana. Hymes afirma que a

    competncia lingustica, em si mesma, no suficiente para a interao

    comunicativa, uma vez que falar uma lngua implica estar integrado a determinada

    comunidade de falantes, a um conjunto de prticas sociais relacionadas

    comunicao entre pessoas. (MORATO, 2008, p.42) Essa nova noo elaborada

    por Hymes no necessariamente desconsidera o postulado de Chomsky. Em

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    momento algum Hymes afirma que a competncia lingustica inexiste ou que deva

    ser execrada. Hymes apenas sugere que necessrio algo que transpasse o nvel

    apenas intuitivo, levando em considerao que compartilhamos de uma comunidade

    de fala e que esta, por sua vez, estabelece normas que em certa medida regulam as

    estruturas gramaticais possveis a serem realizadas por um falante.

    Dessemelhante da teoria chomskyana, Hymes no pressupe um falante

    ideal, vivendo em uma comunidade de fala ideal. As condies de produo so

    influenciadas por fatores externos lngua, que figuram na esfera social e no

    puramente lingustica. Por esta razo, a competncia comunicativa parece mais

    incrementar do que negar a competncia lingustica, no sentido de que as duas

    teorias dialogam e permanecem vlidas e operacionalizveis a partir de perspectivas

    distintas.

    A partir de ento, a noo de competncia assume um lugar de destaque nos

    estudos lingusticos e passa a configurar um dos debates conceituais mais perenes

    em Lingustica. Prova disso, que ainda hoje muitos autores dedicam parte do seu

    trabalho para tratar do conceito do termo competncia. Entretanto, vlido chamar a

    ateno para o fato de que tais autores, por vezes, discordam, em parte, do que

    compe a competncia- ou as competncias- e do que exatamente sugerem essas

    competncias em termos funcionais.

    2. A QUESTO DA COMPETNCIA NA SEARA DOS AUTORES

    CONTEMPORNEOS

    A partir de agora, faremos uma explorao comparativa entre autores

    contemporneos que se apropriaram dos conceitos de competncia tanto de

    Chomsky quanto o de Hymes ou que dialogam com esses autores na tentativa de

    redescrever a noo de competncia, que continua bastante presente nos estudos

    lingusticos hodiernos.

    O primeiro caso que mencionaremos est presente no trabalho j mencionado

    de Morato (2008). A autora expe em termos gerais a noo de competncia

    referenciando as teorias de Chomsky e Hymes, aos quais aponta como sendo

    habilidade intrnseca dos indivduos e capacidade desenvolvida socialmente,

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    respectivamente (MORATO, 2008, p.39). A autora parece entrar em contradio por

    considerar essas duas posies antagonistas, ao passo que mais ao longo do seu

    texto afirma que

    [...] a noo de competncia em Hymes parece-nos mais complementar do que propriamente alternativa em relao de Chomsky, na medida em que aquela se acrescenta a esta ao focalizar a descrio das regras de uso social da linguagem (a competncia comunicativa), e no apenas o conhecimento gramatical ou o sistema de regras internalizado dos falantes. (MORATO, 2008, p.45)

    Morato ainda faz referncia ao trabalho de Kerbrat-Orecchioni (1986) que,

    segundo a autora, define competncia como atitude ou capacidade do sujeito de

    controlar as regras de uso da lngua em situaes e gneros variados (MORATO,

    2008, p.46). Essa competncia chamada de retrico-pragmtica, embora parea

    se aproximar em muito da competncia comunicativa de Hymes. Alm disso, Morato

    menciona, tambm nos trabalhos de Kerbrat-Orecchioni, uma chamada

    hipercompetncia, composta de mais quatro competncias distintas: lingustica

    (responsvel pela codificao e decodificao dos enunciados, portanto, distinta da

    competncia lingustica de Chomsky), enciclopdica, retrico-pragmtica e lgica.

    Luciano Amaral Oliveira (2007) classifica a competncia lingustica de

    Chomsky como sendo uma teoria estruturalista, por se ater ao conhecimento

    gramatical, estrutural, ao passo que confere competncia comunicativa um

    carter scio-cultural, estados emocionais e psicolgicos. interessante notar que

    Oliveira aponta para o fato de que Hymes refere-se tambm habilidade de usar o

    conhecimento, e no somente o prprio conhecimento, para definir a competncia

    comunicativa. Conforme a perspectiva desse autor, a competncia qual Chomsky

    se refere equivale ao conhecimento tcito da lngua, no entanto, para Hymes, o

    conhecimento apenas parte da competncia. Portanto, a partir dos seus

    argumentos elaborados, o que Oliveira nos sugere uma oposio conceitual entre

    as duas competncias mencionadas.

    Oliveira faz referencia queles que se coadunaram ao pensamento

    hymesiano, os linguistas canadenses Merril Swain e Michael Canale. Em acrscimo

    ideia de competncia comunicativa, esses autores, em especial Canale, propem

    um aperfeioamento de conceito sugerindo mais quatro competncias: competncia

    gramatical que, assim como a competncia lingustica de Chomsky, refere-se aos

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    conhecimentos que um falante-ouvinte tem a respeito das regras e caractersticas da

    sua lngua; competncia sociolingustica, que se relaciona ao conhecimento das

    regras scio-culturais do uso da lngua; a competncia discursiva que se refere s

    regras do discurso; competncia estratgica, isto , que seria a habilidade do falante

    de usar estratgias verbais e no verbais para compensar possveis falhas nas

    demais competncias mencionadas.

    O linguista francs Daniel Coste (1997) apresenta a definio que o Dicionrio

    de Didtica das Lnguas (GALISSON; COSTE, 1976) d ao termo competncia

    comunicativa:

    [...] conhecimento representando uma contestao e uma extenso da noo chomskyana da competncia. Hymes designa sob a expresso competncia comunicativa o conhecimento (prtico e no necessariamente explicitado) das regras psicolgicas, culturais e sociais que comandam a utilizao da fala num quadro social. (Dictionnaire de didactique des langues apud COSTE, 1997, pg. 11)

    Como podemos observar nessa perspectiva, a competncia comunicativa no

    vista como oposta competncia lingustica, mas como uma postulao

    complementar, embora se afirme que aquela veio em contestao a esta. Isso

    provoca certo estranhamento, afinal de contas, o que mais relevante nesse caso- o

    fato de termos uma noo de competncia que contesta a outra, ou o fato de serem

    noes complementares? Coste ainda comenta sobre equvocos que tem surgido a

    respeito do uso da noo de competncia comunicativa. Numa dessas investidas, o

    autor argumenta que existe uma tendncia em se colocar tais competncias, a

    lingustica e a comunicativa, como sendo to somente complementares, sem

    nenhuma outra relao de imbricao. Coste defende que, em se tratando de

    lnguas naturais, no podemos desconsiderar o fato de que tanto a competncia

    lingustica quanto a competncia comunicativa configuram uma relao bvia de

    interdependncia, visto que o falante- ouvinte, em termos pragmticos de uso da

    lngua, precisa ter conhecimento das leis gramaticais e respeitar os limites impostos

    tanto pelo sistema lingustico quanto pela situao de interao comunicativa. Assim

    sendo, o autor afirma que, partindo do princpio de que uma lngua est vinculada a

    uma cultura, aprender uma lngua o mesmo que aprender uma competncia

    comunicativa.

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    Revista Vozes dos Vales da UFVJM: Publicaes Acadmicas MG Brasil N 02 Ano I 10/2012 Reg.: 120.2.0952011 PROEXC/UFVJM ISSN: 2238-6424 www.ufvjm.edu.br/vozes

    Jos Carlos P. Almeida Filho (2008) discute relaes de ensino-aprendizagem

    em lnguas estrangeiras e menciona que, no intuito de formar professores

    capacitados para a atividade docente, necessrio o desenvolvimento de cinco

    competncias bsicas: a competncia espontnea ou explcita, uma denominada

    competncia lingustico-comunicativa, competncia terica, a competncia

    resultante sinttica ou aplicada e a competncia profissional/reflexiva. notrio o

    fato de que esse autor se apropria do vocbulo competncia e atribui variadas

    adjetivaes. Almeida Filho faz um esforo em enumerar competncias a serem

    desenvolvidas tanto pelos docentes que trabalham com ensino de ensino de lnguas,

    mas no formula nenhuma reflexo a respeito dessas competncias. D-se, nesse

    caso, nfase ao uso do termo competncia como sendo um pressuposto do sucesso

    para os docentes que trabalham com o ensino de tais e quais lnguas estrangeiras.

    Mas a noo de competncia, a exemplo de autores j mencionados, aparece de

    forma enigmtica, fragmentada e pluralizada.

    Chama-nos tambm a ateno o fato de que os Parmetros Curriculares

    Nacionais - doravante PCN- faam referncia competncia, ao menos na parte

    dedicada ao ensino da Lngua Portuguesa, no ensino fundamental e mdio. Os PCN

    fazem aluso a uma competncia discursiva como sendo questo central no

    processo de ensino-aprendizagem de Lngua Portuguesa. No intuito de esclarecer o

    conceito dessa terminologia, o documento afirma em uma nota de rodap que a

    competncia discursiva , naquele documento,

    [...] compreendida como a capacidade de se produzir discurso- orais ou escritos- adequados s situaes enunciativas em questo considerando todos os aspectos e decises envolvidos nesse processo (Parmetros Curriculares Nacionais, Lngua Portuguesa, 1997, p. 29)

    Nos Objetivos Gerais de Lngua Portuguesa para o Ensino Fundamental os

    PCN afirmam que a passagem do aluno pelo ensino fundamental deve proporcionar-

    lhe o desenvolvimento progressivo de uma competncia, sem qualquer adjetivao,

    mas aponta que esta competncia deva permitir que aluno tenha aptido quanto

    resoluo de problemas e acesso aos bens culturais e participao plena no

    mundo letrado. Fica claro como a noo de competncia, embora em alguns

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    momentos figure com uma definio terminolgica assumida, ganha um carter

    impreciso e generalista.

    Ainda considerando o que os PCN dizem a respeito da competncia, ou

    competncias, vale notar que na parte de Ensino de Lngua Portuguesa no terceiro e

    quarto ciclos do ensino fundamental esse documento faz referncia novamente

    competncia discursiva, mas, se observarmos com maior cautela a definio que

    dada, veremos de imediato que se trata conceitualmente da competncia

    comunicativa hymesiana:

    Um dos aspectos da competncia discursiva o sujeito ser capaz de utilizar a lngua de modo variado, para produzir diferentes efeitos de sentido e adequar o texto a diferentes situaes de interlocuo oral e escrita. o que aqui se chama de competncia lingustica e estilstica. (Parmetros Curriculares Nacionais,Lngua Portuguesa,1998, p. 23)

    A meno competncia lingustica, que aqui no posta como habilidade

    inata, no se refere mesma postulada por Chomsky e a competncia estilstica,

    que seria a capacidade de adequar o estilo de fala s situaes comunicacionais de

    forma conveniente ao contexto, parece integrar aquilo que concebemos como

    competncia comunicativa. Ao trmino das consideraes acerca do uso da noo

    de competncia nos PCN, permanecem os seguintes questionamentos: se

    demasiadamente imprecisa e generalista a noo de competncia, para que nos

    serve? Justifica-se o fato de que esse documento use a noo de competncia

    comunicativa hymesiana e lhe atribua outro termo- a competncia estilstica?

    O que ainda nos deve chamar a ateno em relao aos PCN que se trata

    de um documento de carter oficial, recomentado pelo Ministrio da Educao para

    abalizar os procedimentos dos docentes que cuidam do ensino de Portugus como

    Lngua Materna. Portanto, imaginemos, trata-se de um aporte terico-conceitual que

    se espraia em todo o territrio nacional, atingindo todos os docentes de discentes

    que esto numa situao formal e institucionalizada de ensino de Portugus.

    Portanto, h uma relevncia significativa neste documento e dos conceitos de que

    trata, em virtude de seu carter oficial e de sua expanso no contexto educacional

    brasileiro contemporneo.

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    3. Lingustica Aplicada e as Competncias: interseces

    sempre vlido destacar que o termo e a noo de competncia no so

    propriedades da Lingustica Aplicada (LA). Essa rea dos estudos lingusticos, por

    sua formao histrica, no entanto, apropriou-se desse conceito numa tentativa de

    elucidar as questes tericas e prticas que giram em torno do ensino de lnguas,

    sobretudo o ensino de lnguas estrangeiras.

    Almeida Filho (2007) aponta para o fato de que a LA j superou a marca de

    uma cincia ligada aplicao de teorias da Lingustica Tradicional cujo enfoque se

    estabelece nas metodologias de ensino de lnguas estrangeiras. Embora em sua

    fundao a LA tenha sido marcada pelo ensino de lnguas- impulsionado pelo

    contexto histrico da Guerra Fria, momento em que se fazia necessrio estabelecer

    contato com aliados falantes de outras lnguas- pode-se notar que a vocao atual

    predominante da LA gira em torno de questes que priorizam os aspectos sociais

    tendo a lngua como o foco do problema.

    Alm disso, a LA constitui-se como uma disciplina interdisciplinar, ainda que

    possua seus prprios construtos tericos. Moita Lopes (1998, p.114), a respeito

    dessa questo, postula que o linguista aplicado, partindo de um problema com o

    qual as pessoas se deparam ao usar a linguagem na prtica social e em um

    contexto de ao, procuram subsdios em vrias disciplinas. Portanto, pensar em

    LA contemporaneamente nos remete a temticas que dialogam sistematicamente

    com a engrenagem social na qual estamos imersos como utentes de uma lngua,

    seja ela qual for.

    A partir dessas questes, a problemtica do desenvolvimento de

    competncias na relao ensino-aprendizagem no deve ser apenas visto como um

    problema de cunho terico ou cientfico. A relao entre competncia e ensino- e

    no s o ensino de lnguas- algo que se constri dentro de um determinado

    contexto social e tem impacto direto naquilo que acontece dentro da sala de aula

    bem como naquilo que integra a realidade para alm dos muros da escola.

    A carga semntica que se faz em torno da noo de competncia uma

    questo que tem a ver com o social, com a formao identitria do sujeito e com o

    ethos construdos por esses sujeitos em seus diversos papis sociais. Afinal,

    nenhum docente que trabalhe com ensino de lngua desejar ser taxado pelos seus

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    alunos ou seus colegas e gestores de incompetente. Do mesmo modo, os

    discentes que esto sendo submetidos a uma disciplina cujo enfoque seja o ensino

    de lngua- mas tambm em qualquer outra disciplina- no desejar ser visto como

    um sujeito incompetente, dado o estigma social que est latente no valor

    semntico dos vocbulos competente ( aquele que est apto, habilitado a realizar

    algo e o faz com destreza) e incompetente ( aquele que incapaz, inapto, que no

    tem competncia). Assim sendo, o desenvolvimento de uma competncia ou, como

    preferimos, de um conjunto de competncias na relao ensino-aprendizagem de

    lnguas, maternas e estrangeiras, atinge questes sociais e de formao de

    identidade, bem como na autoestima dos indivduos que participam desse processo.

    Nesse sentido, a LA, preocupada com questes sociais tendo a lngua como o

    foco central, dialoga com o tema aqui tratado. A competncia lingustica e a

    competncia comunicativa, bem como as demais competncias que surgem a partir

    dessas duas primeiras, so parte de uma engrenagem maior que se instala no ideal

    de ensino de lngua materna e estrangeira e que, aqui no Brasil, atinge toda a classe

    docente e, consequentemente, a classe discente, tendo em vista ser uma das bases

    tericas que fundamentam o texto dos PCN para o ensino de Lngua Portuguesa em

    todas as escolas do territrio nacional.

    CONCLUSO

    O conceito de competncia ainda tem muito valor para os estudos

    lingusticos, desde o seu surgimento na dcada de 1960 com os trabalhos de

    Chomsky e, j na dcada de 1970, com os trabalhos de Hymes at o momento

    contemporneo. Muitos autores usam o termo em suas pesquisas acadmicas, na

    prtica docente e at mesmo para construrem a sua concepo de lngua. Os

    alunos de graduao e ps-graduao, em especial aqueles que tm uma inclinao

    para o ensino, tambm recorrem noo de competncia como uma ferramenta

    conceitual que lhes auxiliar no fazer pedaggico.

    No entanto, o termo competncia e suas inmeras adjetivaes, longe de ser

    um consenso entre tais agentes, tornam-se cada vez mais controverso, ambguo e

    mal definido. Isso tem implicaes diretas para a concepo do professor que est

    sendo formado. Deixamos aqui alguns questionamentos que so fruto de reflexes

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    Revista Vozes dos Vales da UFVJM: Publicaes Acadmicas MG Brasil N 02 Ano I 10/2012 Reg.: 120.2.0952011 PROEXC/UFVJM ISSN: 2238-6424 www.ufvjm.edu.br/vozes

    sobre o conceito de competncia na grande seara dos estudos lingusticos

    contemporneos: Que tipo de competncia necessrio dominar para ser um

    docente capaz de trabalhar com o ensino de lngua estrangeira ou materna em sala

    de aula?At que ponto o entendimento dessa noo terica interfere nas prticas de

    ensino dos professores de lnguas?Que tipo de competncia, ou competncias,

    buscaremos desenvolver na classe discente em situaes de ensino aprendizagem?

    A partir dessas consideraes podemos tomar conscincia de que a prtica

    docente envolve tambm uma reflexo terica daquilo que constitui o fazer

    pedaggico. Evidentemente, compreender a noo de competncia no

    necessariamente nos tornar melhores docentes de lngua materna ou estrangeira.

    Mas, a partir desse entendimento, seremos capazes pensar de modo mais eficaz

    sobre a nossa atuao, como discentes ou docentes pesquisadores.

    Abstract: This article has an intention to address the notion of competence from the

    inaugural use of these terms in contemporary linguistic studies. To do so, shall be a brief historical contextualization, resuming the work of the American linguists Noam Chomsky and Dell Hymes around this notion. This work intends to discuss the impact that the notion of expertise generated to the most recent studies in Linguistics, as well as the treatment of today's authors has given this notion. In addition, we seek to establish a conceptual relationship of the concept of competence with the applied linguistics and teaching related issues with language learning.

    Keywords: competence, language teaching, applied linguistics.

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    Revista Vozes dos Vales da UFVJM: Publicaes Acadmicas MG Brasil N 02 Ano I 10/2012 Reg.: 120.2.0952011 PROEXC/UFVJM ISSN: 2238-6424 www.ufvjm.edu.br/vozes

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