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- o melhor a fazer por ora.Fitando-o com preocupao, o padre comentou:- Vossa alteza precisa descansar.- Sim, Jan, sinto-me cansado.Conversaram um pouco mais e logo se despediram.
TRINTA E DOIS
AosPRIMEIROS SONSdo alvorecer, Jan despertoue deparou com esplendo-
rosa figura luminosa em seu quarto. Atnito com a beleza e a leveza daqueleser espiritual que pairava no ar, como se flutuasse diante dele, fechou os olhoe abriu-os de novo, pensando estar ainda sob o efeito de um sonho. Com vozdoce, Elvira comentou:
- No, meu querido irmo Jan Huss, voc no est sonhando. Com o cora-o repleto de grande emoo pela sublimidade do esprito que o visitava, elebalbuciou:
- um anjo de Deus? Sorrindo, Elvira respondeu:- No sou um anjo, mas sou enviada de Deus para fortalec-lo em sua tarefSentando-se na cama, Jan prosseguiu:- O que devo fazer? Vem me orientar a no me afastar de Praga? Devo per-
manecer e continuar lutando?- Sabemos de sua coragem e determinao na tarefa que abraou; neste
momento, porm, cremos ser mais prudente acatar o pedido de Venceslau. Asituao muito conturbada; densas energias pairam sobre o rei e sobre toda Igreja.
- Desejo ardentemente ver a Igreja livre das teias em que se prendeu... Elano serve a Jesus, mas aos interesses de seus lderes.- Sim, Jan, decerto. Foi por isso mesmo que voc desceu Terra com a no-bre misso de lutar contra a cegueira que se instalou dentro da prpria IgrejaA ignorncia e a dureza de corao tm mantido os homens cativos de menteespirituais que desejam a todo custo retardar o progresso da humanidade.
Sorrindo, o servo de Deus respondeu:- Quo poucos compreendem isso... verdadeiramente uma enviada de
Deus.
- Estaremos sempre ao seu lado, dando-lhe fora e amparo, bem como detodos quantos buscam a Deus de todo o corao. Sua misso prossegue, Jan
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modelo de Jesus. Entregam-se assim, aos milhares, pesada hipnose que mantm suas mentes atadas a outras mentes presas ao mal, que campeiam por todparte.
- Compreendo. Seguirei fazendo tudo o que estiver ao meu alcance paraauxiliar os homens a despertar.
- Essa luz irradiar seu brilho pelo mundo.Envolvendo Jan Huss em luzes suaves, Elvira se despediu e partiu, deixan
do-o tranqilo e confiante. Jan dedicou o dia a preparar-se, e logo na manhseguinte, em obedincia ao rei Vesceslau, e sobretudo aos espritos que o ori-entavam, deixou a cidade de Praga.
No mosteiro, alheia situao ao seu redor, Vernica conservava na mentee no corao o desejo de vingar-se de Boris. Atribua a ele todo o seu sofrimento, fechando-se mais e mais voz da conscincia e at s advertncias quvinham de sua me, que vez por outra a visitava durante o sono fsico. Fixando-se em sentimentos menos elevados e deixando-os dominar-lhe o ser, Vernica se entregou ao controle de entidades espirituais que, agora, praticamentelhe dirigiam os pensamentos, mantendo-a sob forte hipnose.
Em uma noite muito fria, viu pela janela quando Boris chegou. Rapida-mente apossou-se de uma faca afiada na cozinha e foi para o quarto do primolevando a chave do quarto dele, que obtivera com outra novia. Escondeu-sno quarto esperando pela entrada do padre.
Ele abriu a porta, mas a manteve entreaberta, conversando com um clrigoque o acompanhava. Enquanto falavam, movido por inesperada intuio, sentiu uma presena diferente no quarto e de quando em quando olhava para ointerior do aposento, incomodado e desconfiado. Notou uma silhueta escondida atrs da cortina e, despedindo-se do outro, fechou a porta. Vernica nodemorou a saltar sobre ele, pronta a cravar a faca em seu peito. De sobreavisoBoris foi capaz de defender-se e os ataques feriram-lhe o antebrao e tambmo rosto. Depois de rpida luta, ele conseguiu deter o brao de Vernica e, agar-rando-a, imobilizou-a e carregou-a corredor afora, em busca de ajuda, poissentia que os ferimentos eram profundos. Entrou com ela no refeitrio, para odesespero de freiras e padres. Logo, alguns deles seguraram Vernica firmemente. Ela, absolutamente descontrolada, gritava todo tipo de improprios eacusava Boris de ter assassinado seu pai.
O primo foi socorrido e levado depressa ao seu quarto. Logo um mdicoentrava no mosteiro, chamado s pressas para socorrer o rapaz. Vernica, posua vez, foi levada diretamente para uma cela de clausura e trancafiada. O arcebispo Zbynek Zajc chegou e, depois de certificar-se da boa condio deBoris, foi v-la e a advertiu:
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- Ser julgada pelo santo oficio. Atentou contra a vida de um padre e issos pode ser coisa do demnio. Voc, alis, sempre esteve sob o domnio domal, no me admiro de ter agido dessa forma. Mas seus dias de loucura terofim. Em breve, ser condenada e pagar pelo mal que intentou contra o padrBoris. Seus dias esto chegando ao fim.
Ao invs de sentir-se intimidada, Vernica continuava a gritar, desvairada.J no temia pela prpria vida. Estava completamente desnorteada e enfraquecida. Hipnotizada por espritos que a dominavam, no tinha mais condies draciocinar com clareza.
Depois de algumas semanas, Boris, recuperado, participava de pequena reunio com o arcebispo, a portas fechadas, para decidir o futuro de VernicaZbynek argumentava:
- No entendo por que no resolvemos logo a situao dessa moa, levan-do-a fogueira. Queria que assim tivesse sido desde o princpio, quando elachegou aqui. Voc me impediu de fazer o que achava melhor, e agora veja: elacolocou sua vida em risco e pode faz-lo novamente, se no tomar cuidado.
- Ela no vai conseguir fazer mais nada contra mim. E eu quero, comosempre quis, v-la sofrendo um pouco mais antes de acabar com ela.
- Mas por qu?- Ora, no sei! Ela me causa repugnncia!- Mas qual a causa desse sentimento? Ela se insinuou de alguma forma, ou
tem outros motivos?Levantando-se, Boris caminhava de um lado a outro na sala, aflito. Depoiscom o olhar distante, refletiu em voz alta:
- No sei exatamente a causa de minha averso por Vernica, mas queroque ela sofra, que apodrea naquela cela ftida e nojenta, sem ver a luz do solsem falar com ningum. Isso, para ela, ser pior do que a morte. Depois, quando no tiver mais nada para sofrer, terei misericrdia e desferirei o golpe finana fogueira.
Fez-se pesado silncio na sala, at que o arcebispo, erguendo-se, disse:- Pois bem, que seja. Ela sua prima, seu problema e sua responsabilidade
Faa como quiser, mas tome cuidado com essa moa. Ela perigosaSem dizer nada, Boris despediu-se do arcebispo, beijando-lhe a mo. De-
pois dessa deciso acordada por ambos, Vernica permaneceu presa.Passaram-se quase dois anos. Exilado em Husinic, Jan Huss dedicou-se ao
textos, escrevendo uma de suas mais importantes obras: "A Eclsia".Enquanto isso, a situao j conturbada em Praga agravou-se com a doen
do rei. Venceslau foi finalmente vencido por ela e afastou-se para tentar tratmento. Imediatamente, Sigismundo assumiu o trono da Bomia, apoiado p
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Joo XXIII e pelo alto nvel hierrquico da Igreja. Diversos grupos que apoivam as idias de Jan Huss prosseguiam pregando contra as aes da Igreja; etre eles estava um fiel discpulo de Huss, conhecido como Jernimo de Praga.
Logo depois de assenhorear-se das circunstncias e incentivado por JooXXIII, e muito especialmente por entidades espirituais que ardilosamente odominavam, Sigismundo preparava uma sutil armadilha para Jan Huss.
TRINTA E TRS NA COLNIA ESPIRITUALprxima crosta, sentados em semicrculo em
ampla e iluminada sala, reuniam-se em orao Elvira, Constncia, Anglica
Helena, Henrique e mais quatro espritos. Silenciosos, pediam pela libertaode Constantino, ainda escravizado por Nbio e outras entidades que o serviamNaquela noite realizavam vibraes especiais destinadas quele irmo quetambm viera de Capela e que permanecia na escurido do orgulho e do egosmo, por no conseguir deixar a luz de Jesus brilhar em sua alma.
O grupo intercedia em favor daquele irmo, que espontaneamente se entregara s foras do mal e agora era por elas subjugado. Para ele rogavam a misericrdia e o socorro do Mestre. Constncia, enquanto orava, emocionada, deixava que grossas lgrimas lhe rolassem pela face. Ao final das vibraes receberam a manifestao de uma entidade de grande desenvolvimento moral, responsvel por equipes de resgate daqueles que se perdiam nas trevas. O elevadesprito lhes falou com amor.
- Venho, em resposta s suas preces, avisar-lhes que uma equipe de socor-ristas de nosso grupo descer ao orbe da Terra para o resgate de diversos espritos aprisionados pelos nossos irmos infelizes. Constantino est entre elesCom a graa de Deus, logo ser assistido em um pronto-socorro nas regiesdensas do plano espiritual do planeta.
Com muita emoo, Constncia ajoelhou-se em mudo agradecimento. Oelevado instrutor avisou:- Esteja preparada, minha irm, ele logo ser resgatado. Dever, ento, ir
ao seu encontro, no hospital, onde poder colaborar com sua recuperao.Sem hesitar, a amorosa Constncia respondeu:- Estarei pronta, senhor.Depois de outros esclarecimentos, o visitante espiritual desapareceu, dei-
xando no ambiente suave perfume e intensa energia de amor. Elvira encerrou
tarefa com sentida prece de gratido. Muito feliz, logo depois comentou, emconversa descontrada, abraando Constncia:
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- Que alegria, no , minha querida irm?- Sim, alegria indizvel. Estou feliz demais pela possibilidade de ajudar
Constantino. Desde Capela nos conhecemos e temos vivido diversas encarnaes como parentes prximos, estabelecendo vigoroso elo de amizade e ternura. No entanto, no foi sempre assim. Quando deixamos Capela, meu dio poele era imenso. Ferdinando havia arquitetado o aborto de meus filhos gmeose quando realizou seu intento eu no suportei e desencarnei junto com meusbebs. Eles logo foram socorridos e levados a uma colnia espiritual. Por outrlado, meu dio era to grande que atormentei Ferdinando sem descanso. Assimque chegamos ao plano espiritual da Terra, procurei por ele e o encontrei. Asituao espiritual dele me facilitava atingi-lo com meu dio. Por muito temponos perturbamos mutuamente, ora nos alternando no plano espiritual, ora ambos encarnados, e foram experincias muito dolorosas. Finalmente, o amor dDeus me alcanou e, ainda como hebreia, comecei a me preparar para recebeJesus e servi-lo, obedecendo a seus ensinos libertadores. Por ele fui enfim liberta dos pesados aguilhes do dio e do orgulho. Mas com Ferdinando fomais difcil. Quando encarnou como Constantino ele sentia que estava prontopara servir a Jesus. Sua grande evoluo intelectual e seus conhecimentos ocapacitavam para fazer frente pesada tarefa que se props realizar em favoda humanidade: apoiar o Cristianismo primitivo, ajudando os cristos a se fortalecerem e se estruturarem, preparando-os para crescer e tirar os homens da
escurido. Entretanto, como todos sabem, ele sucumbiu. O fato de estar preparado no foi suficiente. Ele no conseguiu dominar-se a si mesmo, e fracassouA bela mulher fez longa pausa antes de concluir, limpando as lgrimas:- Estou muito feliz por saber que, em breve, ele ser resgatado. Que Jesus o
ampare e abenoe.Alegremente apoiada pelo amoroso grupo, seguiram em animada conversa
em torno das tarefas de auxilio a que se dedicavam. Naquele mesmo instanteNbio, que estava ao lado de Sigismundo e sentiu as emanaes amorosas deConstncia e do grupo que a apoiava, resmungou, irritado:
- Esto a me cercar com essas vibraes irritantes. Mas no me impedirode destruir Huss, bem como de rechaar qualquer tentativa de reduzir meupoder sobre os homens...
Com seus planos em andamento e a ponto de se concretizarem, Nbio, in-teressado em acompanhar cada detalhe pessoalmente, afastara-se de Constantino. Algumas noites mais tarde, um grupo de espritos entrava nas dependncias onde estava preso aquele que fora imperador romano. Eram os socorristasque, adensando sua forma espiritual a fim de se assemelharem aos algozeslogo o localizaram; em rpida operao o libertaram e o levaram para o pron
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to-socorro, junto com outros espritos recolhidos na mesma expedio, sendotodos acomodados em ampla enfermaria e recebendo medicamentos e tratamento adequado a cada situao. Constncia, que ali os aguardava, comoveuse ao ver o estado em que se encontrava Constantino e se uniu queles que ohaviam resgatado, para ajud-los com ele e tambm com os demais. Depois drduo trabalho, encontrou Anglica, que indagou:
- Como ele est?- Agora sedado, em profundo sono; vai precisar de bastante tempo para
recobrar a conscincia. Dever reencarnar logo.- To depressa?- Sim, ser a melhor maneira de escond-lo de Nbio e de auxili-lo a re-
cuperar a conscincia. Ser enviado para a Terra, em condio de demncia, eesperamos que a famlia consiga suport-lo. O casal est preparado para geraa criana e creio que Constantino ser levado amanh mesmo.- No seria melhor deix-lo aqui por mais algum tempo?
- No seu estado atual, ainda sob forte influncia de Nbio, este seria capazde faz-lo fugir daqui e ir ao seu encontro, na primeira oportunidade. O melhopara ele, agora, ser regressar Terra o quanto antes. Ficar imvel, sobre umacama, sem poder falar ou se movimentar. Assim, aprisionado pelas condiesmateriais, ser mais difcil de ser encontrado. Poderemos ajud-lo, durante osono, e prepar-lo para regressar ao nosso plano em melhores condies.
- E por quanto tempo ficar na Terra?- Creio que no mais do que dezoito anos. E uma abenoada oportunidadeque ele ter, graas a Deus.
Anglica abraou a amiga e disse:- Que Jesus d a ele muita fora!- Que assim seja.
* * *Na manh seguinte, em Husinic, Jan Huss recebeu uma intimao de Si-
gismundo, que exigia sua presena no Conclio de Constana. O rei esclarecique seu objetivo com esse concilio era a pacificao religiosa da Bomia eque, pela influncia que Jan exercia sobre o clero e sobre o povo, sua presenseria fundamental.
Com a permisso da espiritualidade que o assistia, Jan Huss retornou aPraga e encontrou-se com o rei. Depois de longa conversa, durante a qual procurou, diplomaticamente, persuadir Jan a comparecer ao concilio, Sigismundoofereceu seu ltimo argumento:
- Eu lhe garantirei proteo para entrar e sair de Constana em segurana.
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Erguendo-se, caminhou at a mesa; tomou a pena, escreveu uma ordem edepois de sel-la com o anel real, entregou-a a Jan:
- Este um salvo-conduto que lhe permitir caminhar seguro por Constana. Tem minha palavra de que no ser molestado e sua vida no correr ne-nhum risco.
Jan pegou a ordem, pensou por alguns instantes e respondeu:- Est bem, comparecerei ao concilio, dando minha contribuio para qu
possamos esclarecer as questes de conflito e buscar alternativas para que situao religiosa da Bomia seja resolvida. Meu maior interesse auxiliar Igreja a retomar seu lugar na defesa dos reais interesses do Evangelho de Jesus
O rei, que fitava o padre e o ouvia atento, afirmou ao despedir-se:- Sua presena ser importante. Em breve nos veremos. Antes de retornar a
Husinic, Huss esteve com Jernimo, seu discpulo e seguidor. Este comentou:- No gosto da idia de voc participar desse concilia. Parece-me uma ar-madilha ardilosa. No confio em Sigismundo.Jan refletiu um pouco e ento concordou:- Tambm no confio nele. Sei que suas intenes so duvidosas. No en-
tanto, sinto que preciso comparecer e defender os ideais que abraamos. Se umpequeno grupo que seja, dos que ali estiverem, for tocado pela maneira comopensamos, teremos congregado novos defensores da reforma na Igreja. Precisaproveitar essa oportunidade para falar aos seus altos nveis hierrquicos, sen
do to-somente um porta-voz do alerta de Deus para que mudem o rumo dofatos.Tocando o ombro de seu mestre, Jernimo opinou, preocupado:- Estar pondo a prpria vida em risco...- Eu sei, meu amigo... Mas que valor tem a vida se no a colocamos a ser-
vio daquele que nos criou? Devo aproveitar a oportunidade de falar aos quatro cantos, em alta voz, os princpios esquecidos pelos nossos irmos, quecomo se dormissem, esto dominados por uma fora estranha que os aprisiona alma e o corao, impedindo-os de enxergar, de compreender? Ou prefervel esconder-me e esperar at que me prendam e faam o que quiserem? E notenha dvida de que faro isso, caso decidam. No! Minha vida ter mais valose for empregada em algo de um significado maior e mais til.
Depois de breve pausa, prosseguiu, inspirado por Anglica e Henrique, queo assistiam:
-Alm do mais, no estarei sozinho. Temos sempre o amparo do Senhor ede seus anjos. Deus estar comigo. Lembra-se da passagem das escrituras sa
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gradas em que Eliseu pede a Deus que abra os olhos de seu servo para que vejao exrcito espiritual que os acompanha?18
Jernimo, relembrando o texto, o citou:- E Eliseu orou, e disse: senhor, peo-te que lhe abras os olhos, para
que veja. E o Senhor abriu os olhos do moo, e ele viu; e eis que o monte esta-va cheio de cavalos e canos de fogo em redor de Eliseu.E uma belssima ereconfortante passagem do Antigo Testamento.
- Pois isso. Estarei em companhia de Deus e de seus enviados. Eles have-ro de me orientar e me guiar. Posso senti-los agora mesmo, aqui, junto dens.
Abraando-o fraternalmente, Jernimo pediu:- Deixe-me ir com voc. Serei seu defensor em tudo o que me for possvel.Alegre pela sugesto, Huss apenas ressalvou:- Deve ter plena certeza do que est fazendo, pois ao me acompanhar poder igualmente se arriscar.- No posso deixar de partilhar sua f e seus ideais, que igualmente so
meus. Como acabou de dizer, que melhor maneira de defend-los do que colocando a prpria vida a servio deles?
- Assim sendo, aceito sua prestimosa companhia, que me far grande bem.- Espere apenas alguns instantes que j retorno com o necessrio para a vi
agem.
Logo depois, ambos estavam a caminho de Constana.
TRINTA E QUATRO NAQUELE DIA A SALAfervia pelo burburinho dos presentes: cardeais, bis-
pos, prelados, mestres e doutores, os mais influentes da Europa, discutiam emtom acirrado. Presidiam as sesses o papa Joo XXIII e o rei SigismundoAmbos, perfeitamente sintonizados com Nbio e seus servidores, assimila-vam-lhes as emanaes mentais, tomando-as como seus prprios pensamentos
A reunio j ia avanada quando um mensageiro entrou e, falando ao ouvido do papa, deu-lhe importante notcia. O papa passou a informao ao reique de imediato interrompeu a sesso, informando a todos:
- Acaba de chegar seu mais destacado representante: Jan Huss. E ordenouao mensageiro:
- Que entre.
18 Texto bblico encontrado em II Reis, cap. 6, vs. 15, 16 e 17
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Sob olhares de reprovao e grande tumulto, Jan apareceu porta, seguidode Jernimo. O rei o convidou:
- Venha, Jan Huss, h lugar bem aqui, frente.Jan caminhou entre os inquisidores at o lugar indicado e sentou-se. En-
quanto passava, podia ouvir os sussurros:- E muita coragem, aparecer aqui...- Ele no sabe o que o aguarda...- Ele corajoso mesmo...- Ter o que merece...Acomodou-se na cadeira orou mentalmente, suplicando amparo e fora. A
reunio daquele dia transcorreu sem surpresas. Entretanto, na manh seguinteto logo Jan Huss colocou os ps no recinto onde seria conduzido mais um dide debates e discusses, o papa ordenou:
- Jan Huss, diante da mnima possibilidade de o senhor resolver se retirarde nosso concilio, ser detido no Convento dos Dominicanos, at que o chamemos para defender suas idias.
Sem dizer palavra Jan fitou o rei, que lhe evitava o olhar. Sob os protestosde Jernimo, Jan foi levado para o convento e colocado em uma cela infectaLogo que ele deixou o salo, instauraram contra ele um processo inquisidopara que esclarecesse perante aquele concilio suas idias. De fato, tanto JooXXIII como a grande maioria da audincia daquele grupo de clrigos odiavam
Jan Huss pela oposio declarada que fazia situao estabelecida pela IgrejaJan representava-lhes ameaa conscincia, que no suportava a verdade.Iniciou-se assim, naquele dia, um longo e cansativo julgamento, que durou
mais de um ano. Jan Huss ficou sob a guarda do bispo de Constana e o transferiram, como medida de maior segurana, para o torreo do Castelo de Gottlienben, onde foi preso a correntes. E assim permaneceu, dia e noite. Mais tardefoi transferido novamente para o Convento dos Franciscanos.
O concilio condenou as teorias de Wyclif e, por fim, depois de longos ecansativos dias, apresentaram a Huss o seu tratado a Eclsia, acusando-o depregar em seu contedo a heresia e a insurreio. Depois de todo aquele tempo, Jan j estava consciente do que o aguardava. Escreveu cartas aos amigosagradecendo a amizade que lhe dedicavam e animando-os por se terem conservado fiis verdade.
Quando confrontado, para que se retratasse frente ao concilio, Jan Husssustentou seus ideais:
- No posso dobrar-me diante de meus irmos, os quais julgo equivocadosO Cristo o chefe da Igreja, e no Pedro, e a minha regra bsica de f a Bblia; no so os dogmas contaminados pelos interesses materiais que se imis
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curam em nosso meio, como ervas daninhas, destruindo os ideais puros deamor e humildade pregados e exemplificados por Jesus. Ele meu Mestre esomente a ele me curvo...
Sob ordem de Joo XXIII, prenderam-no de imediato e o levaram nova-mente ao cativeiro. O papa ordenou recesso at a manh seguinte, quando seencontrariam no refeitrio do convento.
Sob a gritaria que se instalara no recinto, o papa encarou Sigismundo econcluiu:
- Quero encerrar esse julgamento amanh.Na manh de5 de julho, os membros do concilio se reuniram para julgar o
acusado. A reunio estava agitada. O julgamento comeou sem a presena doru, que chegou apenas e to-somente para ouvir a sentena, previamente definida pelos responsveis pelo concilio. Foi Joo XXIII quem a leu:
- O ru culpado de heresia. Sua sentena a morte pela fogueira.No dia seguinte Jan Huss foi conduzido a um terreno vazio. Enquanto ca-minhava para a execuo, encontrou-se com Jernimo, que lhe acompanharos mnimos passos. O amigo gritou:
- Estamos com voc, Jan Huss! Nenhum de seus ideais ir perecer!Jan respondeu, firme:- Estou pronto para morrer na verdade do Evangelho, que ensinei e escrevi
Morro a servio de Jesus e de seus ensinamentos.
Ao alcanarem o local preparado para a execuo, despiram-no, amarra-ram-no a um poste, ajuntaram lenha sua volta e lhe puseram fogo. To logo amarraram, Jan Huss, viu-se circundado pelas entidades espirituais que o amparavam. Seu olhar se deteve em Elvira, que emitia intensa luz. O grupo deespritos envolvia o corpo fsico de Jan Huss em intensa energia, anestesiandolhe os centros nervosos e atenuando a dor do fogo em sua pele. Assim, convicto de que tomara a melhor deciso e de que se entregava por amor ao Evangelho, Jan no sentia medo. Ao contrrio, a bela viso que tinha era o prenunciodas alegrias que o aguardavam ao transpor aquele momento, e ele elevou, emmeio s chamas, melanclico canto ao Pai celestial.
Em intenso trabalho, a equipe de espritos o desligou do corpo fsico, queardia em chamas. Seu corpo espiritual foi auxiliado e recebido por eles. Elviro amparava e logo partiram, rumo colnia espiritual. Assim deixava a TerraJan Huss, o precursor da reforma protestante.
Naquela mesma tarde, no mosteiro em Praga, Vernica agonizava em suacela. Enfraquecida, definhara dia a dia. O dio por Boris a consumia. Em vo me tentava lhe falar em sonho; ela j no a via nem a escutava. Mesmo assim
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Gergia continuava empreendendo todos os esforos para auxiliar a filha. Comentava com os outros que ali estavam para ajud-la:
- No vamos desistir. Enquanto ela estiver viva, temos uma centelha de es-perana.
Um dos companheiros comentou:- O estado dela muito grave. No nos escuta e sua vibrao refratria ao
nosso auxlio, impedindo-a de receb-lo. Nossos recursos se esgotaram.Com os olhos rasos de lgrimas, Gergia argumentou:- Eu sei. Mas acima de todas as circunstncias est Deus, nosso Pai.Ela fez breve pausa, depois prosseguiu:- Foi um longo preparo para que esta encarnao pudesse acontecer. Tan-
tos envolvidos, todos os esforos que empreendemos para que ela tivesse essoportunidade... Tanto tempo estudando e se preparando e, agora, a encarnaotermina, muito antes do tempo previsto, pela sua desistncia da vida.O grupo permaneceu em silncio. Depois, notando que a situao da moase agravava rapidamente, um deles disse:
- Ela deve ser desligada. Sua energia vital chegou ao fim. Vernica suspi-rou fundo e com um longo gemido foi desligada em definitivo do corpo fsicoAtordoada e confusa, observou seu corpo e gritou de pavor. Logo viu as entidades espirituais densas que lhe dominavam o pensamento e os sentimentos eembora tentasse fugir, horrorizada, elas a seguiam, dizendo:
- Agora, voc definitivamente nossa. No h como escapar. Acabou tudoVoc nos pertence.Ela corria desesperada pelos corredores do mosteiro, deparando com cria-
turas horrendas a cada canto em que virava; apavorada, corria ainda mais. Emvo Gergia buscava fazer-se visvel filha. Ela no conseguia registrar a presena amorosa da me. Gergia orientou os amigos:
- Devem regressar agora; outros deveres os aguardam. Agradeo pelomuito que se dedicaram minha querida Vernica. Vou acompanh-la e cuidardela. Em algum momento, Deus haver de me permitir socorr-la. Preciso ficar e ajud-la.
Os amigos se despediram num abrao, retornando colnia espiritual.Passado muito tempo, Vernica, com os cabelos desalinhados, os olhos ar-
regalados de pavor e a respirao ofegante, estava sentada junto ao protetolateral da ponte de Csar. Olhava para o rio que corria abaixo, sem conseguicompreender o que acontecia. Ao redor, via pessoas que caminhavam e derepente sumiam, para novamente aparecer e continuar a andar. Ouvia gritos eurros de dor dilacerante, sem saber de onde vinham. s vezes presenciava verdadeiras procisses de religiosos que, em bando, seguiam imagens ou cruzes
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Todas as pessoas pareciam indiferentes, alheias ou assustadas. Ela estranhavao que via, porm estava perturbada demais para entender sua nova situaoObservava, ento, o rio. A gua, que flua abundante, de sbito tornara-se geloAs rvores, secas, perdiam todas as folhas, para logo aps receberem novaramagens. Da mesma maneira, o rio logo se transformava em forte correntezaCompletamente atordoada, Vernica chorava. Quando percebia a aproximaodas entidades que a perseguiam, corria esbaforida sem destino, para se ver outra vez na ponte sobre o rio. Depois de infinitas repeties de tais cenas, elapensou:
- Devo estar louca.E subindo no peitoril do protetor da ponte, resolveu tirar a prpria vida
Olhou em torno: o belo Castelo de Praga erguia-se majestoso e imponente; otelhados das casas eram to belos que pareciam brinquedo de criana. Contemplou o cu e disse em voz alta:- No suporto mais. S me resta morrer!
Atirou-se no rio, sendo envolvida pela gua fria; no demorou muito, o riocongelou de novo e ela se sentiu aprisionada nas guas. Debateu-se at ficatotalmente exaurida. Sem foras para lutar, perdeu os sentidos. Depois do qulhe pareceu uma eternidade, percebeu que algum lhe afagava os cabelos. Abriu os olhos e viu um rosto delicado a observ-la. A mulher com voz suavebuscava acalm-la:
- Fique calma, minha filha, tudo ficar bem.Sem reconhecer a me, ela indagou, encolhendo-se:- Quem voc? O que quer comigo? O que aconteceu? Estava no rio e a-
gora estou aqui?Gergia estendeu a mo, mas Vernica retraiu-se assustada, insistindo:- O que houve? Como sa do rio? Por que no morri? Paciente, a me disse- As guas congelaram e voc ficou presa nelas. Passei pela ponte e a vi
Voc perdeu os sentidos, mas consegui tir-la de l.- Onde estou? Que lugar este? Como vim parar aqui?- Aqui um hospital. Eu a trouxe para receber ajuda. Todos so amigos,
no tenha medo.- Ningum meu amigo. Todos me odeiam, me detestam. Thomas se a-
proximou devagar, com o corao dodo; a filhaestava completamente transtornada e fora de si. Levando um com gua on-
de haviam depositado medicamentos para que ela dormisse sono profundo ereparador, entregou o copo a Gergia, que o ofereceu jovem:
- Tome, voc precisa de gua fresca. Logo se sentir melhor. Desconfiada,Vernica recusou:
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- No quero. E se colocaram veneno na gua? E se foi Boris quem mandouvocs aqui para me matar?
- Veja, vou tomar um pouco para voc ter certeza de que apenas gua.Ela tomou metade do lquido e o ofereceu novamente filha:- Agora a sua vez, vamos. E apenas gua...Vernica, que estava sedenta, finalmente cedeu e tomou a gua com sofre-
guido. Assim que terminou, forte torpor a envolveu e tentou gritar:- O que fizeram comigo? Vocs me mataram... Gergia afagou-lhe os ca-
belos e disse:- Durma, filha, descanse. Estar melhor quando acordar. Agora entregue-se
ao sono que a tranqilizar.Vernica, embora assustada, no pde conter a sonolncia que a dominou e
dormiu profundamente.
TRINTA E CINCO DEPOIS DA MORTEde Jan Huss, foi a vez de Jernimo de Praga, seu discpu-
lo, enfrentar destino idntico. Seguiu defendendo os princpios de Huss, e cerca de um ano mais tarde foi igualmente queimado na fogueira, condenado como hertico. Estava fincado na histria um dos importantes marcos no combate ao poder abusivo da Igreja Romana, que a partir daquele momento e durantquase um sculo enfrentaria focos de "reformadores" em diversas regies, oquais eram emudecidos pela violncia da inquisio. As fogueiras crepitavampor toda parte, tirando a vida daqueles que ousavam reagir maneira como aIgreja conduzia as questes espirituais. Mesmo assim, crescia gradativamenteo nmero dos oponentes.
As lutas prosseguiam, e pouco a pouco aqueles que eram chamados de re-formadores ganhavam fora. Finalmente, em outubro de 1517, o monge agostiniano alemo Martinho Lutero publicou as suas'95 teses contra as indulgn-cias"'e o movimento da reforma protestante espalhou-se por toda a Europacomo um rastilho de plvora. Da em diante, quanto mais a Igreja Catlicatentava conter e coibir as manifestaes favorveis reforma e ao movimentoprotestante que surgia, mais ele se fortalecia. Em pouco tempo instaurou-seuma guerra sem precedentes no movimento cristo, entre catlicos e protestantes, em praticamente todo o continente europeu. Muitos grupos protestantesnasceram em vrios pases, dando origem a novas seitas e denominaes. Es
ses cristos - que se fragmentaram em muitas formas diferentes de crer e com
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preender - tinham como base de f a Bblia e negavam, em sua grande maioriaos dogmas catlicos.
Mesmo sem admitir, a Igreja Catlica Romana perdia o poder absoluto, eisso deixava descontrolados os seus altos nveis hierrquicos, especialmente opapa e seus principais assessores. No aceitavam o movimento nascente e desejavam calar seus adeptos a qualquer custo.
Os interesses continuavam a determinar as decises de reis e monarcas.Muitos que detestavam o poder da Igreja logo passaram a adotar o protestantismo como religio oficial, fazendo nele interferncias que melhor o adequassem s suas necessidades pessoais.
Na verdadeira guerra que se deflagrou entre os cristos catlicos e protes-tantes, (mais tarde denominada contra reforma), os ltimos passaram a ser incansavelmente perseguidos. Sob a presso e os ataques que sofriam, muitoperdiam a vida, levando grandes grupos a deixarem a terra natal em busca depaz. Assim, muitas caravanas de quakers, sheikers, puritanos, dentre outrosdeixavam a Europa e partiam para o continente recm-descoberto.
Comeava a colonizao material e espiritual da nao que se tornaria osEstados Unidos da Amrica do Norte.
Nos bastidores daquela guerra entre os cristos estavam falanges de espri-tos renitentes do mal, que insistiam em opor-se a Deus e a Jesus, comprometidos em impedir o progresso da Terra. Autnticos inimigos do bem, agiam de
forma muito organizada, buscando sufocar todas as manifestaes da verdadeTinham os homens sob controle por meio dos lderes da Igreja Catlica Romana, que, muitas vezes sem conscincia, os serviam. Quando a reforma eclodiuabalando temporariamente seu domnio, estimularam a perseguio e destruio dos reformadores, como forma de impedir-lhes o avano.
Esses espritos, tramando contra o avano do bem e da luz, reuniram-se emconselho para avaliar o caminho a trilhar. Extremamente organizados e agindode modo estratgico e inteligente, discutiam sobre como recuperar o terrenoperdido. Entre eles estavam Nbio e seus assessores. O primeiro participavadas decises. Depois de ponderarem a situao e os riscos que ela envolviapara seus interesses de controle sobre a humanidade, um deles comentou:
- Algumas das idias aqui cogitadas so vlidas, mas creio que tero resul-tado passageiro. Acirrar a perseguio poder trazer reao ainda maior doprotestantes. Precisamos encontrar outro jeito.
Vrias foram as sugestes.- Estudemos de perto os protestantes e suas fraquezas, que, por certo, todo
tm - props Nbio.
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-O orgulho dos homens prossegue sendo nosso maior trunfo - outro sen-tenciou. -Podemos at-los aos nossos interesses, desde que os faamos moverse por ele. Nbio argumentou:
- Vamos us-lo, ento, a nosso favor.- E como faremos isso? - questionou algum.Depois de curto silncio, Nbio abriu largo sorriso e falou, irnico:- Esses protestantes, no anseio de mudar o que vem de errado na Igreja,
apegam-se Bblia, no mesmo?A concordncia foi geral.- Pois vamos aprision-los letra, afastando-os da essncia qual muitos
se ligam com genuna devoo. Transformemo-los em escravos da letra mortda Bblia, instaurando confuso em suas maneiras de compreend-la. medida que se agarrem ao limitado entendimento da Bblia, em seu zelo pela ver-dade, poderemos criar entre eles a incompreenso, a desunio e seu conseqente enfraquecimento. Iro se perder. O orgulho far o resto, e logo se tornaro nossos servos outra vez.
Houve grande confuso no salo, pois muitos rejeitavam a proposta deNbio. Queriam oposio declarada, mais violncia. Ao se acalmarem, um dolderes falou:
- A sugesto de Nbio merece ateno e estudo. Acho que podemos esta-belecer uma estratgia de enfraquecimento de seus valores e crenas, afastan
do-os, assim, do pernicioso Cristianismo. Isso o que mais nos interessa. Va-mos usar suas fraquezas contra eles, e domin-los. Pensaro, todos eles, queesto com a verdade, e vivero pela parte da verdade que enxergam, por elalutaro, mataro... Por ela nos serviro.
Erguendo-se, a entidade dominadora caminhou at Nbio e disse, fitando-o- Muito bem, Nbio. Estudaremos sua idia, e tiraremos dela o melhor pro-
veito. Queremos ter os homens sob nosso controle. Prossiga e concretize osseus projetos em sua rea de atuao. Assim que obtiver bons resultados, replicaremos entre os demais.
- Quero acompanhar aqueles que esto se deslocando para as Amricas.- Por qu? Sua regio aqui, entre os pases anglo-saxes.- Eu sei. No entanto, o novo continente oferece condies propcias im-
plantao de mais ampla forma de domnio. Alm do mais, sei que muitos denossos servidores reencarnaram em famlias que emigraram para l. Grandenmero de nossos amigos romanos esto reencarnando naquela regio. As facilidades econmicas que oferecem nos podem ser de grande utilidade paramanipularmos suas fraquezas, acenando com o enriquecimento que todos de
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sejam. E depois, quem sabe o que se poder desdobrar desse processo? O outroresmungou, em resposta:
- A descoberta das Amricas foi postergada o quanto pudemos. Nada queleva o homem a se transformar nos interessa. Mas no pudemos evitar.
- Ento usemos essa transformao em nosso favor. D-me a autorizao etransferirei meus domnios para aquela regio. Muitos protestantes esto indopara l, instalando-se e construindo uma estrutura de sociedade que precisa sedetida. Focam a educao no estudo da Bblia e vem o trabalho como formade servir a Deus. O progresso ser conseqncia certa dessa estrutura.
- E o que pensa fazer?- Interferir para que esse progresso siga os rumos que nos convm, impe-
dindo que alcance os aspectos espirituais e morais. No restante, quanto maisprogredirem na direo que nos interessa, melhor.
- Comece a implantar seu plano aqui mesmo. Se obtiver resultado, poderir para as Amricas, estender seu domnio sobre eles.Mais algumas discusses e a grande assemblia se desfez.Nbio iniciou imediatamente vigoroso ataque contra os protestantes, do-
minando-lhes a mente o quanto podia, deturpando, atravs do orgulho, suadedicao sincera ao Evangelho, fazendo-os apegar-se cegamente s palavrada Bblia, afastando da verdade todos os que conseguia, pela limitao de seucoraes.
***Alheia ao que sucedia na crosta da Terra, aps muitos anos em penosa con-dio - acordando e adormecendo novamente, para outra vez despertar em angstia e sofrimento -, Vernica comeou a passar mais tempo acordada. Gergia, Thomas e ela residiam em pequena e bela residncia, que em tudo lembrava as casas aconchegantes de Praga, conquanto sem os exageros de luxo e sofisticao. Vernica ocupava um dos quartos, que mais parecia uma enfermaria. Chegado o momento em que estava pronta para se levantar, Gergia ajudou-a a sentar-se na cama e ela indagou:
- Quem voc, afinal? Por que cuida de mim com tanto carinho...?Deixando-se envolver pela ternura da me, Vernica caiu em pranto con-
vulsivo. Gergia sentou-se ao seu lado e pediu:- Procure controlar-se, filha. importante para o seu restabelecimento.Limpando as lgrimas que lhe desciam pela face, ela, por fim, conseguiu
falar.- Me! Como pude no reconhecer voc? Perdoe-me por no ter consegui
do escutar seus conselhos, nem fazer o que me ensinou...Abraando a jovem com ternura e aconchegando-a em seu colo, ela disse:
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- Minha filha, temos muito a aprender ainda. Voc precisa ficar forte, parapoder entender melhor tudo o que se passou.
Mais calma, a jovem olhou em volta e perguntou:- Afinal, que lugar este?Aproveitando a boa disposio da filha, Gergia convidou:- Quer dar um passeio? Acho que j est forte o suficiente para sair dessa
cama.- Eu gostaria muito, mas e se Boris me encontrar? Vai prender-me de novo.Sorrindo, Gergia a tranqilizou:- No se preocupe, ele no pode encontr-la por ora.- Voc me escondeu...Ela parou e, fitando a me, falou sria:-O que est acontecendo? Voc no pode estar aqui falando comigo... Vo-
c morreu...Oferecendo o brao para que ela se erguesse, a me respondeu:- Venha, apie-se em mim. Vamos caminhar pelos lindos jardins deste par-
que. O ar puro lhe far bem, e eu explicarei tudo.Vernica obedeceu e, amparada pela me, colocou-se em p pela primeira
vez em muito tempo. Saram e encontraram Thomas, que, atento ao que sepassava, as aguardava na sala. A princpio a jovem no reconheceu o pai, parlogo em seguida abrir largo sorriso e atirar-se em seus braos, soluando:
- Pai! Como senti sua falta. Perdoe-me, por favor, pelo que fiz a voc...Afagando seus cabelos, o pai lamentou:- Voc s prejudicou a si mesma. Todavia, graas misericrdia de Deus,
ter possibilidade de prosseguir sua jornada, quando estiver mais fortalecida.Ladeada pelos pais, a jovem saiu apoiada nos braos dos dois at alcana-
rem lindo jardim. Vernica examinou o lugar, curiosa:- Onde estamos? A no ser por algumas casas que se assemelham s de
Praga, em nada reconheo a nossa cidade.Olhando a filha com carinho, Gergia indagou:- Voc ainda no compreendeu?- No compreendo nada. Acho, sim, que estou sonhando... Um lindo so-
nho, do qual logo vou despertar no mosteiro, na cela infecta em que me encontro, e continuar aquele sofrimento desesperador.
A me procurou esclarecer:- Foi naquela cela infecta, filha, que voc acabou por perder sua existncia
na Terra.Fitando os grandes olhos da me, ela perguntou:- Do que est falando?
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- Voc deixou o corpo fsico, Vernica, sua encarnao terminou. Habitaesta colnia espiritual h mais de cem anos.
Diante da expresso perplexa da filha, prosseguiu:- J no mundo espiritual, permaneceu longo tempo inconsciente. Demora-
mos a conseguir recolh-la.Assustada, a jovem gritou:- No verdade! Quem so vocs?- No percebe que sou sua me? No sente o amor que nos une? Em ex-
trema agitao, Vernica teve de sentar-se em um bancopara respirar. Depois de alguns minutos, dirigiu-se aos dois:- No acredito. Isso s pode ser um pesadelo. Resoluta, Gergia convidou:- Pois bem, voltemos nossa casa. Vamos lev-la por uma viagem no temp- Acha que o momento? - Thomas questionou.- Ela no pode mais fugir. tempo de enfrentar a realidade, para no per-der novas oportunidades.Voltaram para a acolhedora residncia. Acomodaram Vernica na cama e
posicionaram sua frente uma tela onde imagens sucessivas se faziam visveis. Cenas de sua ltima existncia passavam diante dela, que logo se reconheceu e comeou a relembrar. Ao ver Boris, pediu:
- Por favor, parem! Eu me lembro, agora me lembro. Parem... J no su-porto!
Abraando a jovem, Gergia disse:- Chega de fugir, Vernica, voc precisa acordar. Est perdendo tempoprecioso. Deve voltar em breve Terra. Mas para que isso lhe seja til, precisaaproveitar o tempo de que ainda dispe em nosso plano para se preparar.
Vernica tremia e ameaou desmaiar. Gergia e Thomas a sustentaram e-nergeticamente. Thomas saiu para buscar auxlio. Um pequeno grupo de amigos veio dar sustentao importante conversa dos trs. Vernica continuavatremendo e confessou, entre lgrimas:
- Tenho medo.- Sei que tem. Inconscientemente sabe de tudo o que houve e teme que a
histria se repita.Depois daquele dia, longas conversas foram trazendo memria de Ver-
nica sua ltima experincia na Terra e ela, dolorosamente, teve de enfrentarseu fracasso. Lentamente, a me a conscientizava de sua situao e aconselhava nova encarnao, para que pudesse comear a refazer seus caminhos. Aopoucos, toda a verdade foi sendo assimilada, inclusive sua existncia e seusatos como Fausta. Foi ento que ela, entristecida, recordou Constantino.
- Onde ele est agora?
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- Est na Terra, encarnado.- E como est?- Depois de permanecer por muito tempo desencarnado, sob o domnio da
entidades espirituais inimigas do bem, s quais se entregou durante a valiosaexperincia como imperador romano, sua situao espiritual se deteriorouAtravessou sculos nessas condies, sendo por fim resgatado, e, devido aoestado de demncia em que se encontrava, foi necessrio reencarnar, assumindo um corpo totalmente comprometido. Sua primeira possibilidade de reencarne foi fracassada. Devido grave situao espiritual em que se detinha, o corpo fsico - carga gentica cedida pelos pais - no suportou e a me sofreu umaborto. Assim foram diversas tentativas, at que a gestao chegou at o final eele permaneceu encarnado por alguns anos. Outras encarnaes em situaosemelhante se sucederam e atualmente ele se encontra na Terra. Ainda prisioneiro de um corpo malformado, com comprometimento da inteligncia. Adeturpao de sua fora mental, e a utilizao desta para o mal de que foi instrumento, agora se reflete em um corpo com crebro doente.
Com um abafado grito de horror, Vernica colocou a cabea entre as mose chorou amargurada. Quando conseguiu se acalmar, ergueu o rosto e, entrelgrimas, disse me:
- Gostaria de v-lo...- Filha, tudo a seu tempo. Acredite em mim, voc no est preparada para
encontr-lo no estado atual; v-lo assim poderia perturb-la a tal ponto quedificultaria seu prprio restabelecimento. preciso que voc tambm se fortalea e se prepare para uma futura reencarnao.
O olhar distante e entristecido de Vernica levou Gergia a manter longosilncio. Depois, tomando as mos de filha, disse:
- Tenha pacincia.- Muito do que voc me diz mistrio para mim. Como posso retornar ao
corpo outras vezes? Por mais que tente compreender, tudo me parece complicado. E por que esquecer o que vivemos? Por que no conseguimos lembrapara poder acertar?
- Nosso passado por demais delituoso. As lembranas mais nos atrapa-lhariam do que ajudariam. No obstante, trazemos de forma inconsciente aquilo que devemos realmente recordar.
Gergia fez rpida pausa e prosseguiu:- Temos um anjo da guarda ao nosso lado, para cuidar de ns e nos lembrar
de tudo o que essencial. Mas precisamos deixar que ele o faa. Precisamosconfiar em Deus e ser submissos aos seus desgnios.
Vernica deu um profundo e triste suspiro e falou:
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- ... Eu no consegui, no escutei ningum.- Escutou aqueles que desejavam prejudic-la, impedindo sua marcha evo-
lutiva. Deixou seus defeitos a dominarem e no o inverso, como deveria terfeito.
- E agora? O que ser de mim?- Aproveite o tempo aqui na colnia... Dedique-se a aprender e a servir
seus semelhantes, trabalhando, assim, seus defeitos. Fortalea sua f e volte Terra com a firme disposio de sair vitoriosa da prxima experincia.
- E se no for capaz? Se no escutar outra vez o que todos j tentaram medizer?
- Vamos providenciar uma encarnao na qual voc ser portadora de os-tensiva mediunidade. Ser impossvel deixar de escutar a voz dos espritos, aoquais ter a oportunidade inclusive de auxiliar, como forma de resgatar partede seus pesados dbitos com a lei divina. E ser auxiliada de perto por Thomas, que voltar Terra com voc.
Fixando olhar triste na me, ela indagou:- E voc?- Ficarei neste plano, amparando-os, enquanto estiver ao meu alcance.Vernica abraou a me demoradamente, e ento perguntou:- Quanto tempo ainda tenho aqui?- Dispe de tempo suficiente. Aproveite e se prepare o melhor que puder
Ser importante que voc e Thomas recebam Constantino como filho. AfinalTambm entre eles existe antiga ligao.- Sim, Thomas foi o mais fiel amigo que Constantino teve. Lembro-me
bem de seu rosto... Seu nome era... Marco?- Isso. Agora, voc precisa adquirir condies para acolher como filho a
quele a quem to ligada, para am-lo e ampar-lo, com renncia e abnegao, aprimorando os seus prprios valores morais,. No ser tarefa fcil, mapoder contribuir muito para seu desenvolvimento espiritual.
- E ele, estar melhor do que hoje?- Possivelmente um pouco melhor.- Ser que terei a capacidade de me dedicar a ele?- Ter de vencer seu egosmo, seu orgulho e aprender a amar. Thomas esta-
r ao seu lado, colaborando para seu xito.Aps longo tempo em silncio, deixando-se envolver pela beleza e suavi-
dade da natureza sua volta, ela por fim disse:- Vou tentar, me.Incentivando a jovem, Gergia afirmou:- Voc pode conseguir! Acredite!
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Alguns anos mais tarde, Vernica recebia novo corpo denso e retornava Terra para outra tentativa de reparar erros e refazer seu caminho, harmonizando-se com a lei divina, para poder avanar rumo ao objetivo de evoluo parao Criador.
TRINTA E SEIS PENSILVNIA, OUTONOde 1841. O vento agitava os galhos das rvores
frondosas, assobiando por entre as folhas. Grossos pingos de chuva comearam a cair e Lris chamou da porta da ampla cabana, construda com pedra emadeira:- Venha, Stephanie! A tempestade se aproxima, corra! A jovem gritou dopoo de onde tirava gua:
- J estou acabando. Precisaremos da gua, se a chuva demorar a passar...- Est bem, termine e venha logo!Stephanie encheu dois baldes, que veio trazendo presos a uma ripa de ma-
deira, cada um em uma das extremidades. O vento soprou ainda mais forte e ame insistiu, assustada:
- Vamos, Stephanie, corra! O vendaval vai pegar voc! Derrubando quasemetade da gua que trazia, a jovem apertouo passo e conseguiu alcanar a porta. Entrou, ajudada pela me, que dizia:- Meu Deus, precisa tomar mais cuidado. Esses vendavais so perigosos..
V trocar de roupa, est ensopada.Tirando a nica pea que lhe protegia a cabea, o pequeno chapu comu-
mente utilizado pelas mulheres das comunidadesquakers19 , ela pediu:- Pode esquentar-me s um pouco de gua? Estou congelando...- De que adiantou buscar, ento? Vai gastar no banho...- Me, por favor, somente uma caneca de gua, para esquentar um pouco.- Est to frio e o inverno ainda custa a chegar...- Estamos no incio do outono, eu sei; mesmo assim, est frio l fora.Abrindo a cortina que protegia a janela, a me olhou pelo vidro e comen-
tou:- Este pas estranho... Aqui o tempo parece bravo.- Onde voc nasceu era diferente?
19 Nome dado aos membros de um grupo religioso de tradio protestante, aSociedade Religi-osa dos Amigos,criada em 1652 pelo ingls George Fox.
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Como se investigasse na memria fatos distantes, a me confirmou:- Cheguei neste pas ainda criana, mas lembro bem que o vilarejo onde
morvamos na Inglaterra era um lugar mgico, maravilhoso, especial...Enxugando os cabelos com um pano, Stephanie comentou:- Fala sempre com tanto carinho de sua terra natal que sinto vontade de co-
nhec-la.Lris suspirou fundo, ajudando e filha a secar os longos cabelos.- Isso um sonho impossvel. Jamais poderemos voltar. Agora nosso lar
aqui e estamos melhor do que l, pode acreditar em mim. Vi muitos perderemos familiares pela perseguio dos padres e bispos. Nesta terra estamos seguros e temos liberdade para praticar nossa religio em paz, graas a Deus. Aindmais com voc assim...
Stephanie, que sorria, ficou sria e fitou a me j com os olhos marejadosdizendo:- Faz tempo que no acontece, mas voc no me deixa esquecer... -Temostido muito trabalho para cuidar de voc, filha, e precisa compreender que, seestivssemos em nosso pas, j poderia ter sido morta.
- Eles ainda fazem isso, me? Queimam as pessoas?- Fale baixo que suas irms esto brincando ali e podem escutar. So jo-
vens demais para ter de ouvir sobre esses fatos absurdos.Baixando a voz, ela indagou novamente:
- Queimam ainda?- Parece que no, que isso j acabou...- Graas a Deus!- Sim, horripilante... Brbaro. E espero que nunca mais acontea...Lris ficou pensativa. Stephanie, que observava a me, aps algum tempo
rompeu o silncio:- Precisamos falar de um assunto importante.- Depois do jantar... Agora venha ajudar-me.Mais tarde, quando as filhas mais novas e o pai j dormiam, Lris costura-
va algumas peas de roupas luz do lampio e da grande lareira acesa. Sentando-se perto da me, Stephanie repetiu:
- Precisamos conversar.- Outra vez sobre aquele assunto?- Sim, voc tem de me entender. Eu quero me casar... A me interrompeu,
rspida:- Voc ainda muito jovem.- Tenho a mesma idade que voc quando se casou com papai. Eric e eu nos
amamos e desejamos nos unir.
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Depois de longo silncio, que para a jovem parecia interminvel, a me in-dagou:
- E a famlia dele, o que diz?- Eles no se opem.Erguendo-se e arrumando cuidadosamente a costura dentro de uma cesta
ela disse:- Vou dormir, estou muito cansada.- Me, no fuja. Quero me casar com Eric e ter minha prpria famlia, para
ser realmente feliz.- Pois muito bem. Embora no acredite que esteja preparada para tal res-
ponsabilidade, especialmente pelos seus problemas, no posso proibi-la. Noentanto, insisto em que pense com cuidado. A vida conjugal vai desviar suaateno da consagrao a Deus, que deveria cultivar acima de tudo. Voc sabeque tem muitos problemas e deveria se dedicar nica e exclusivamente a Deuspara procurar redimir-se e obter a graa divina. Temo por sua sanidade, Ste-phanie.
- Voc no quer que eu seja feliz, isso? - a jovem explodiu. Virando umtapa no rosto da moa, Lris disse em voz abafada: - Baixe esse tom comigoSou sua me e exijo respeito. V deitar-se agora. Est perdendo o controleoutra vez. Depois conversaremos sobre essa questo.
Stephanie sentiu o sangue subir como se fosse transbordar de sua face. Fi-
cou rubra de raiva. A me parecia no nutrir por ela afeto algum. Correu parsua cama e chorou baixinho. Sentia-se injustiada. Era a filha mais velha e opais no lhe davam a devida ateno. No era to nova quanto a me dizia. Jestava para completar dezesseis anos e tinha grande desejo de sair daquelacasa. Quase no suportava os pais, que pareciam no a amar de verdade. Nocompreendia bem o que ocorria sua volta. Seus pais eram muito religiososlevavam os filhos Igreja todos os domingos, liam o livro sagrado e faziamoraes constantemente. Viviam em numerosa comunidade protestante dequakers, seguindo seus ensinamentos. Mas dentro de casa no conseguia ver opais fazerem aquilo que pregavam. Seu pai, David, era presbtero respeitado ncomunidade, preparando-se para ser pastor de sua Igreja. A me dizia sempreque o que o impedia de ser efetivado era o problema dela. Os membros noaceitariam um pastor com problemas familiares srios. "Ser por isso que nome amam?", pensava ela, insistente.
Tais pensamentos no a deixavam conciliar o sono e j era madrugada altaquando, ainda derramando lgrimas, escutou uma voz sussurrada:
- No confie neles. Querem acabar com voc.
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Ergueu-se, certa de que uma de suas irms havia acordado, porm a vozno era de nenhuma delas. Olhou e viu claramente um menino sentado no canto do quarto. No tinha mais do que dez anos. Ela indagou, amedrontada:
- Quem voc? O que deseja em minha casa?- No s sua, minha tambm.- Quem voc? - ela insistiu.- No me reconhece?- No, claro que no.- Sou seu irmo, Peter.Ela empalideceu e soltou um grito de pavor. As irms acordaram e logo a
me entrava no quarto, seguida pelo pai, perguntando:- O que foi, filha? O que houve?Stephanie apontou para o garoto, que agora ria dela, e disse:- ele, me. O Peter est aqui.- Pare com isso, vamos. Acalme-se. Est tendo outra alucinao.- No estou. Ele est ali - a moa sustentava Apontou para o canto onde via
o menino e continuou:- Est com uma cala branca, curta, e uma camisa linda, de mangas longas
com detalhes bordados nas pontas. E est segurando um carrinho de madeira.Dessa vez foi a me que gritou horrorizada e disse, olhando para o pai:- No posso mais. No suporto que ela o descreva assim. No suporto...
E em pranto deixou o quarto das filhas. O pai aproximou-se da jovem e repreendeu, severo:- Voc est vendo o demnio em pessoa. Essa criatura que afirma ver no
seu irmo. Os mortos no voltam, no podem comunicar-se conosco. Assimnos diz a Bblia. O que voc v o prprio demnio tentando engan-la. Voc rebelde e geniosa. Precisa curvar-se diante de Deus e seguir seus ensinamentos. S assim poder ser perdoada e ficar livre de seu perseguidor.
-Pai, me ajude, por favor, estou com muito medo. No me deixe aqui sozi-nha com ele. Peter... Esse ser mau...
- Vamos orar.O pastor foi at seu quarto buscar a Bblia. Peter caminhou at a jovem e
disse:- Viu o que fez? Agora ele vai voltar com aquelas oraes interminveis,
que eu detestava quando estava vivo e muito menos gosto agora, que vim pareste outro lado. Afinal, por que tem tanto medo de mim? Sou seu irmo.
A jovem tremia a cada palavra ouvida e dizia baixinho para si mesma: noescute, no d ateno a ele, o demnio, no Peter...
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TRINTA E SETE A IGREJA ESTAVA LOTADA, como era de costume nas manhs de domingo.
Apesar do frio que fazia, prenunciando um inverno rigoroso, todos estavampresentes. Eric procurava por Stephanie com ansiedade. J fazia quase um mque no a via e estava preocupado. Era um rapaz alto e forte, com olhar decidido e firme, ao mesmo tempo em que demonstrava ternura e carinho no tratocom as pessoas. Tal como ela, era o filho mais velho da famlia e j contavaquase 28 anos. O pai tentou cas-lo trs vezes com jovens da comunidade, maEric insistia em que se casaria com outra jovem que esperava crescer. Manti-nha em segredo a sua identidade, pois Stephanie era uma garota discriminadpela comunidade, devido ao seu comportamento diferente e especialmente po
sua sensibilidade, que ningum compreendia. Entretanto, a me do rapaz jhavia percebido seus sentimentos e os respeitava, apesar de o ter aconselhado buscar outra jovem.
Naquela manh a pregao foi feita pelo presbtero David, que falou maisuma vez sobre a necessidade de a comunidade se manter unida e atenta, parano se misturar e assim ficar imune aos apelos mundanos, que eram apelossatnicos, com a inteno de destru-los.
Deveriam manter-se sempre distantes de outras comunidades, para no secontaminar e permanecer puros. Ao final do culto, ficou porta cumprimentando os fiis. Eric aguardou que o templo esvaziasse e acercou-se do pastor.
- Bom dia, senhor.- Bom dia, meu filho.- Stephanie est bem?Srio, o pastor o fitou nos olhos antes de responder:- Est, sim.- No a tenho visto...- Ela esteve doente, mas est quase boa...- Doente? No soube de nada.- Somos discretos com nossos problemas, filho. E somente Deus quem
precisa saber deles.- Sim, senhor, eu entendo, mas senti a falta dela aqui na igreja. J faz tem-
po que no a vejo.David cumprimentou outros que se aproximavam e respondeu, desviando a
ateno:- Ela est melhor, logo vai poder vir casa do Senhor.
E deixando o jovem plantado porta, saiu em companhia de outros fiis. Orapaz apenas balbuciou:
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- Claro.Depois saiu e foi ao encontro dos pais.Ao chegar em casa David sentou-se mesa, contrariado e inquieto. Lris
percebeu, porm nada comentou. Ele, sem conseguir comer, bateu na mesacom fora e extravasou a irritao:
- Como ela est?- Triste, mas est bem.As outras trs filhas remexiam a comida do prato, de cabea baixa, sem co
ragem de encarar os pais. Ele disse:- No podemos continuar a escond-la desse modo. Estamos chamando a
ateno. Esto notando a falta dela. Precisamos dar um jeito nessa situao..Ou nos livramos dela, ou...
A esposa interveio, aflita:- David, o que isso? Do que est falando?- Ora essa, voc sabe. No suporto conviver com ela! Traz vergonha sobre
nossa casa!- Ela est melhor.- Continua falando dele...- No, no tocou mais no assunto.Fez-se breve silncio, depois Lris perguntou:- Quem perguntou dela?
- O filho dos Stenton.- Eric?- Esse mesmo.- S podia ser...- Por qu?- Est interessado em nossa filha.- O qu?! Eles so uma famlia decente. Como o filho poderia se interessar
por uma louca como nossa filha?- David, no fale assim. Ela garantiu que se gostam de verdade. Ele pegou
a mulher pelo brao, que apertou enquanto perguntava:- E o que mais disse? Esto em pecado? Desvencilhando-se com esforo da
pesada mo do marido, elarespondeu:- Acredito que no. Stephanie me disse que querem se casar.- Ela muito jovem.- Tambm acho. Foi o que lhe disse.David voltou a acomodar-se na cadeira e, pensativo, colocou algumas gar-
fadas de carne na boca. Passado algum tempo declarou:
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- Quer saber? Acho que devem se casar mesmo. Mas vamos exigir que orapaz venha morar aqui conosco, e nos ajude na propriedade. Ser a nossacondio.
Lris ficou em silncio; depois, vendo que as filhas haviam terminado o jantar, mandou:
- Vo para o quarto. Quero conversar com seu pai. Vamos, depressa.Elas sumiram, indo direto para o quarto, e Lris virou-se para o marido,
questionando:- Por que no deixa logo que ela se v? Voc a odeia, no ?- No, no isso... claro que no a odeio... E que ela to problemtica
vendo e ouvindo coisas o tempo todo... No consigo olh-la nos olhos... Elame incomoda.
- Ento, David, deixe que se case e v morar longe daqui. Ser melhor paraela e para todos ns. Se o rapaz quer assumir esse fardo, pois que seja!Enquanto conversavam, uma entidade espiritual, que protegia a famlia,envolveu o pastor David (que fora Boris em encarnao pregressa) em suaveenergias e lhe disse aos ouvidos da alma:
- Deixe que ela se case, que assuma as responsabilidades que precisa ter.Continuaro perto um do outro, mas ela precisa seguir sua jornada. No a impea de crescer.
As palavras da amorosa entidade espiritual ganharam fora no corao do
pastor e ele falou, depois de muito pensar:- Pois bem, v busc-la. Quero ter uma conversa com ela agora mesmo.No demorou muito e Stephanie apareceu na sala, visivelmente mais ma-
gra. Ficou de p, diante do pai, tentando ocultar a raiva terrvel que sentia deleDe cabea baixa, evitava fit-lo nos olhos. Ele disse, assim que a viu:
- Quero saber sobre as intenes desse rapaz, o Eric.- Por que, pai?- Ele perguntou por voc hoje sada do culto, e sua me me disse que vo-
cs tm inteno de se casar. verdade?- Sim. Ns nos amamos e queremos nos casar.- E a famlia dele? Concorda?- Eric me contou que a me j sabe e aceita.- Emma sempre me pareceu um pouco desajuizada. E Michel?- No sei, mas se vocs concordarem Eric vai falar com os pais que deseja
casar-se logo.Aproximando-se da filha, David segurou-a pelos ombros com as duas
mos e, chacoalhando-a, indagou:- Por que tm pressa? Esto em pecado? Responda!
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- No, claro que no! Eric me ama, j disse, e queremos construir nossafamlia. Alm do mais, ele j tem 28 anos.
- Vinte e oito? Deveria ter algum juzo...David soltou a jovem e caminhou pela sala, depois se virou para ela e disse- Pois bem, diga a ele que venha falar comigo imediatamente. Caso suas
intenes sejam srias, e com a concordncia da famlia, tero meu consentimento.
- Quer dizer que no preciso voltar para o sto?- Por enquanto, no.O esprito de Peter acompanhava toda a conversa e disse jovem:- Esto tramando alguma coisa. Fique atenta!Ela o ouviu, mas no demonstrou. No falava mais com ningum sobre a
presena constante do irmo, que no a deixava sozinha. Desejando sair daquela casa, onde se sentia sufocar, indagou:- Posso procurar por Eric agora mesmo?
- No. Vocs se vero no prximo domingo, no culto dominical, e entoconversaro.
- Mas, pai...- No quero filha minha correndo atrs de ningum. Fique dentro de casa e
ajude sua me. No domingo pea a ele que venha me ver.Stephanie permaneceu calada a semana toda. Tinha medo de falar algo que
prejudicasse suas expectativas de casar-se com o jovem que amava, e de ver-selivre de vez daquela famlia que a desprezava. Aproveitou-se de uma sada dopai, que fora chamado a atender um senhor doente, para procurar Eric. Sabiaexatamente de seus hbitos e foi ao seu encontro. O rapaz cortava lenha, quando a viu e correu para abra-la.
- Stephanie, quanta saudade!Ao saber da deciso de David, ele ficou satisfeito e tranquilizou-a:- No se preocupe, vou falar hoje mesmo com meu pai.- Estou com medo. Tomando-lhe as mos, ele indagou:- Medo por qu?- E se seu pai no permitir? Afinal, eu sou meio...- No diga isso.- Sou mesmo louca, Eric.- Por favor - ele pediu -, no fale assim... Isso no verdade.- Ser que no, Eric?- Claro que no.- Ento por que tenho visto constantemente meu irmo, Peter, que j mor-
reu? Sou amaldioada...
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- Sim, sem novidades.- Nenhum comportamento estranho?- No. J decidiu o que vai fazer caso o rapaz realmente a pea em casa-
mento?- Vou conversar com os pais dele para ver como a famlia pensa. Se estive-
rem de acordo, colocarei como condio que ele nos ajude no cuidado da terrpor alguns anos, e s depois vou liber-los para viverem suas vidas livrementeQuero ficar de olho nela.
- E acha que Eric vai aceitar?- Ou aceita, ou no vai desposar nossa filha.- Est certo.Os dias se arrastavam para Stephanie. Naquele domingo, ao contrrio do
que era seu hbito, pulou da cama logo que o sol nasceu. Estava ansiosa demais para permanecer deitada. Sabia que Eric falaria com seu pai naquela manh. Foi at a cozinha e sentou-se perto da janela, contemplando o nascer dosol. Estava absorta em seus pensamentos, quando escutou uma voz familiar:
- Ento acha que vai conseguir viver em paz, longe desta casa?Stephanie virou-se, espantada, e viu Peter bem perto. Deu um grito e falou:- Afinal, o que voc quer de mim?- Quero vingana!- Mas do que est falando?
- Eu odeio todos vocs pelo que me fizeram.- Eu no lhe fiz nada...- Claro que fez! Voc nasceu e estragou tudo. Antes era somente eu, tudo
era para mim. Depois voc chegou e tirou minhame!Chorando, nervosa, ela disse:- Eu no tenho culpa, no lhe fiz nada. Nem me lembrava de voc... V em
bora, por favor! V embora. No pode continuar me assustando desse modo.- Pois saiba que a atormentarei at o fim de seus dias. E tambm a esse
homem que chama de pai. Vocs vo sofrer nas minhas mos.- Por favor, pare...- O que est havendo aqui? Com quem estava falando?Ao ouvir a voz do pai, Stephanie sentiu o sangue sumir-lhe do rosto alvo
Aquele era um dia muito importante, e no queria que nada atrapalhasse seusonhos. Respirou fundo e falou pausadamente, enquanto limpava as lgrimas:
- Estava orando e me emocionei.Sem esboar reao, David fitou-a e determinou:
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- Pois ore em silncio. No precisamos de estardalhaos para manifestarnossas necessidades a Deus. Ele sabe tudo de que precisamos. Mantenha adiscrio, Stephanie.
Depois de uma pausa, considerou:- No sei se est pronta para nos acompanhar igreja hoje. Talvez seja me-
lhor ficar aqui mais alguns dias, antes de se expor. Tenho dvida de que estejabem de fato.
Enquanto Peter ameaava avanar sobre ela, Stephanie, em pnico, emboraarregalasse os olhos, mantinha-se em absoluto silncio. David observou a filhpor alguns momentos e ela falou:
- Estou muito bem, pai. J no tenho nenhuma daquelas vises e sinto-medisposta e tranqila. Deus est me auxiliando a ficar boa.
Sem responder, o pai foi at o quarto e voltou todo arrumado. Depois quetodos fizeram o desjejum, saram juntos para o templo. Ao trmino do cultoEric, novamente esperando que todos sassem, aproximou-se do pastor juntocom os pais e saudou:
- Bom dia, senhor.- Bom dia, Eric.- Preciso conversar com o senhor, sobre assunto importante.- Diga.- Gostaria de casar-me com sua filha.
David olhou para os pais do rapaz e perguntou:- Os senhores esto de acordo? Michel respondeu:- Sabemos do grande carinho que Eric nutre por Stephanie. No h nada
que os impea de se casarem.- Podem ir at minha casa hoje tarde, para conversarmos melhor?- Sim, claro. Estaremos l.Emma, cumprimentando o pastor, disse:- Levarei aquela torta de ma que o senhor tanto aprecia.No meio da tarde, estavam todos reunidos na sala de estar de David. Ste-
phanie, ao lado de Eric, sentia o corao descompassado. Desejava que nadainterferisse naquele momento, mas tinha medo. Olhava de vez em quando paros lados para ver se Peter aparecia, mas no havia nem sinal do menino. Aofinal da conversa, David apresentou sua condio:
- A nica restrio que tenho se relaciona ajuda que Stephanie nos d,pois temos muito trabalho em casa, e tambm na igreja. Por isso ser necessrio que Eric participe dos nossos servios do campo por dois ou trs anos, atque uma das outras meninas cresa um pouco mais e possa auxiliar Lris. En
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quanto isso, vamos precisar tambm da colaborao de Stephanie, de vez emquando.
Os pais do rapaz, surpresos, no sabiam o que dizer. Eric apertou as mosde Stephanie entre as suas e sentiu-as midas de suor. Disse ento:
- Eu concordo. Faremos uma pequena cabana depois do rio, que fica bemperto, e assim eu e Stephanie poderemos ajudar.
- Ento est tudo certo.* - Podemos marcar a data? - perguntou Eric, levantando-se.- Est com pressa, rapaz?Olhando a amada com ternura, ele respondeu:- De fato, estou.- E para quando deseja marcar?- Preciso de um ms para erguer a pequena cabana. Pode ser daqui a dois
meses.Lris se espantou:- E muito rpido. No teremos tempo de fazer todos os preparativos...Mais do que depressa, Stephanie ergueu-se, tomou o brao do noivo e disse- Teremos sim, me. Dois meses o suficiente para as providncias bsicasTocando os cabelos da filha, Lris controlava as lgrimas ao dizer:- Voc to jovem, filha...Sem responder, Stephanie apertou o brao de Eric, que, voltando-se para a
futura sogra, tranquilizou-a:- No se preocupe, vou tomar conta de sua menina. Embora to jovem, seque me ama muito. Terei pacincia com ela, fique sossegada.
Enquanto se despediam, Eric assegurou novamente a Lris:- No se preocupe, vou cuidar bem dela.Tocando de leve o brao do rapaz, ela disse com leve sorriso:- Assim espero, Eric. Stephanie uma garota delicada. Olhando nos olhos
da sogra, Eric afirmou:- Sei disso, no se preocupe.Stephanie observou a famlia visitante subir na carroa e desaparecer na es
trada. Sorrindo, no conseguia conter a alegria. Muito lhe custava no gritar edanar de contentamento. At que enfim estaria livre daqueles que no a amavam...
Os dois meses passaram rpido. Stephanie no tinha tempo para nada, di-vidindo a ateno entre a ajuda nas tarefas cotidianas da famlia e os preparativos para o dia to esperado. Sua alegria era to grande que nem mesmo a presena constante de Peter a perturbava. Certo dia, ele a observava cuidando da
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roupas das irms mais novas. Olhou-a longamente, sem dizer nada, depoisfalou:
- Voc no ser feliz!A garota o encarou e disse, sem se alterar:- Diga o que quiser. Serei muito feliz fora daqui.- Mas voc no vai sair daqui.- Vou, sim. Terei minha pequena e linda casa, que transformarei num para-
so, meu e de Eric.- Est enganada. Continuar dominada por eles... Stephanie sorriu e disse:- Pode falar o que quiser, Peter, no vou escut-lo. Agora me deixe, tenho
muito a fazer.Levantando-se, foi at o quintal buscar mais roupas secas para dobrar.
TRINTA E NOVE AINDA QUE ESTIVESSEansiosa, o grande dia chegou quase sem que Stepha-
nie se desse conta. Naquela manh ensolarada, a pequena igreja estava enfeitada com lindos arranjos de flores do campo e lotada pela comunidade religiosaAo apontar na porta da igreja, a noiva parecia reluzir de tanta felicidade. Senticomo se realizasse um sonho antigo, muito mais antigo do que ela prpria. Alide p, diante da porta fechada, com seu lindo vestido branco e a enorme grinalda que fizera questo de colocar, sentia-se plena e realizada. No pensavaem mais nada. Seu corao transbordava de satisfao. Quando as portas seabriram, caminhou como se seus ps no tocassem o cho, como se flutuasseno ar. Eric sorria para ela, igualmente feliz.
A cerimnia foi simples e curta. Enquanto David a celebrava, Peter se es-condia atrs das cortinas que cobriam o fundo do templo, como se brincasse desconde-esconde. Stephanie se concentrava, mas no podia deixar de seguicom os olhos os movimentos rpidos e os pulos do garoto. David percebeu qualgo a distraa e com o olhar chamou sua ateno; imediatamente a jovem baixou os olhos, buscando no deixar mais que o irmo, fora do corpo fsico, adistrasse.
Ao final da singela celebrao, Eric beijou-lhe a testa com doura e faloubaixinho:
- Amo voc e quero faz-la feliz.Stephanie mais uma vez sorriu satisfeita e pensou que nada, daquele dia
em diante, poderia atrapalhar a concretizao dos seus sonhos. Depois, todoforam para uma grande rea da comunidade, onde se realizavam as comemo
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raes. Uma enorme mesa havia sido montada, com comida, frutas e doces. Afesta se estendeu at o final da tarde, quando, finalmente, os noivos se despediram dos convidados e se prepararam para partir. Entre um convidado e outroEric sussurrou no ouvido da esposa:
- Tenho uma surpresa para voc.- O que ?- Logo saber.Ao cumprimentar o sogro, Eric disse:- Pastor David, eu e Stephanie faremos uma breve viagem antes de nos ins-
talarmos em nossa cabana.- Voc no havia dito nada... Quando pretendem partir?- Vamos agora mesmo, assim que sairmos daqui. Fitando a filha, irritado,
David indagou:- Voc j sabia?Eric se antecipou, olhando a esposa com ternura:- No, estou fazendo uma surpresa. Ela acaba de saber. Vamos voltar em
duas ou, no mximo, trs semanas.Contrariado, David perguntou:- E para onde vo?- Tenho um primo que mora em Lebanon, ao norte de Nova York. Ele no
pde comparecer ao nosso matrimnio devido aos compromissos que tem po
l, mas nos convidou para passarmos alguns dias com ele. Foi extremamentegentil, e eu gostaria de atender ao seu convite. Logo as novas responsabilidades nos ocuparo por completo e no quero ausentar-me por muito tempo, conforme o senhor e eu combinamos.
Sem saber o que argumentar diante do inesperado, ele disse apenas:- Espero que no falte com sua palavra, rapaz, e cumpra tudo o que combi
namos.- No vou decepcion-lo, pastor David. Abraando a esposa, ele enfatizou:- Nenhum de ns ir decepcion-lo.David virou-se para cumprimentar outros convidados que se retiravam, e
Eric e Stephanie saram. De mos dadas, correram para a carroa e acomodaram pequena bagagem. Ele tomou as rdeas dos animais e partiram.
Sorridente ao lado do marido, a jovem exclamou, ao alcanarem a estrada:- Nem acredito que estamos fazendo esta viagem! Que surpresa maravilhosSorrindo tambm, Eric pousou nos dela seus olhos grandes e brilhantes e
perguntou:- Est feliz?
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- Trabalhamos com afinco, porm quando vamos vender a colheita os preos so sempre baixos. Querem que meu pai processe o trigo que produzimosdizem que assim o preo ser maior. E o aconselharam a adquirir escravospara ajudar na lavoura.
- Que horror, Eric!- Tambm tenho horror a essa prtica.- Esto mesmo trazendo negros para nosso pas, como escravos?- Muitos, principalmente nos estados do sul.- Isso errado, no ?- Totalmente. Pessoas no deveriam ser transformadas em escravos. Meu
pai tambm no concorda, e por isso trabalhamos muito. Dizem que os escravos so um bom investimento, pois paga-se uma nica vez e eles trazem lucropor muito tempo.
- No gosto desse assunto, Eric.- Pois falemos de outras coisas. A jovem sorriu e perguntou:- Pode comear me contando o que gosta de comer. Vou preparar pratos
deliciosos. Aprendi alguns que minha me ensinou.- Que tal falarmos sobre filhos?A jovem ficou sria e muda. No pensara em filhos, nem por um nico m
mento. Desejara casar-se e ter a prpria famlia, estar com Eric, com quem sentia realmente amada. Quanto a filhos, no pensara nisso. O rapaz insistiu:
- Quero ter filhos logo, e voc?Sem esperar resposta, fitou-a e disse feliz:- Vamos ter vrios. Quero pelo menos seis filhos.- Seis? Por que tantos?- Ora, meus pais tm cinco e seus pais quatro. Muitos de nossos irmos na
comunidade tm seis e at oito filhos. No acho tanto assim. Quero ter muitofilhos. Esse meu sonho, uma famlia grande e feliz.
Abraou a jovem, que continuava em silncio.- E voc, quantos filhos gostaria de ter?Stephanie hesitou. No sabia o que responder, e disse por fim:- No precisamos ter tantos filhos. Quero dois ou trs...- Est brincando comigo. Do que tem medo?- No sei, acho que filhos do muito trabalho...- E muita alegria tambm. Vamos, trs muito pouco. Pelo menos quatro!Sem saber o que dizer e no desejando criar nenhum desconforto naquele
momento mgico que vivia, respondeu:- Deus nos dar os filhos que quiser. Ele nos abenoar e teremos uma lin-
da famlia.
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- E claro. Eles esto no porto, prontos para serem transferidos de embarca-o.
- Todos homens?- Vinte homens e trs mulheres.- Voc disse que eram todos homens! deles que precisamos para o traba-
lho na lavoura.- E voc esquece que pode diluir o preo deles, ao se reproduzirem?Paul ficou em silncio. Tomaram caminhos separados at o cais, onde se
encontraram outra vez. Sean declarou:- Caso deseje negociar comigo outra vez, venha sozinho. Se souber que h
mais algum por perto, nossos negcios acabaro... E no gosto de tomar pre juzo, est entendendo? Diga isso ao seu patro.
Sean entregou uma chave ao outro e apontou com a cabea:- aquele navio preto e vermelho. Esto trancados no poro, todos amor-daados. No faa barulho. Trs de meus homens esperam para ajudar.Paul tomou a chave e Sean, ajeitando as duas sacolas de couro nos ombros
andou em sentido contrrio ao porto e sumiu na noite escura.
QUARENTA
DEPOIS DE LONGA VIAGEM, a carruagem finalmente alcanou seu destino eentrou na cidade de New Hampshire. Stephanie, ansiosa e atenta, no deixavescapar nenhum detalhe. No se sentia cansada, e sim cheia de entusiasmoNunca antes havia sado dos restritos limites da comunidade quaker em quevivia, e aquela viagem representava liberdade.
Assim que o veculo parou, Eric pulou e ajudou-a a descer. Logo avistaramElder20, primo de Eric, que os aguardava.- um grande prazer receb-los aqui, em nossa casa. Desejo felicidade avocs dois.
Afetuoso, abraou Eric e depois, com um discreto gesto de cabea, cum-primentou Stephanie:
- Muito prazer, senhora. Seja bem-vinda nossa famlia.Ela sorriu e agradeceu. Acomodaram-se na carroa e seguiram para o vila
rejo de Lebanon. A jovem examinava Elder com ateno: homem de cerca de
20 Elder Evans, membro da Comunidade dos Shakers de Lebanon.
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35 anos, estatura mediana, cabelos negros e semblante serenoc confiante; fa-lava pausadamente, sem ansiedade. Logo estavam na acolhedora residncia doprimo, que vivia com a famlia em uma das comunidades shakers que se haviam instalado nos Estados Unidos. Era uma casa agradvel, longe da vila, situada bem no meio de rvores e junto a uma nascente que se transformava emriacho de guas cristalinas.