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Volume 5 Número 19

Ano 5 Janeiro de 2018

: Prof. Dr. Fernando Santiago dos Santos (editor-chefe)

:

Prof. Dr. Ricardo dos Santos Coelho (editor associado) Prof. Me. Alequexandre Galvez (administrador da revista)

Prof. Dr. Rafael Fabrício de Oliveira (coordenador de Pesquisa e Inovação)

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Comitê gestor

Fernando Santiago dos Santos (IFSP São Roque, Editor-

chefe)

Frank Viana Carvalho (IFSP São Roque, Editor

associado/educação e filosofia)

Ricardo dos Santos Coelho (IFSP São Roque, Editor

associado/meio ambiente)

Ivy Judensnaider (UNIP, Editora associada/economia e

gestão)

Alequexandre Galvez (IFSP São Roque, Administrador

da revista)

Fernando de Oliveira Souza (IFSP São Roque, Revisor

de português e inglês)

Equipe editorial e colaboradores externos

Adna Viana Dutra (IFCE)

Alberto Paschoal Trez (IFSP São Roque)

Alessandra Aparecida Viveiro (Unicamp)

Alexandre Shigunov Neto (IFSP campus Itapetininga)

Amanda Faria Querido (Unitau)

André Rodrigues dos Reis (Unesp campus Tupã)

André Victor Lucci Freitas (Unicamp)

Anna Carolina Salgado Jardim (IFSP São Roque)

Beny Spira (USP)

Breno Bellintani Guardia (IFSP São Roque)

Caio Abércio da Silva (UEL)

Carlos Suetoshi Miyazawa (UFABC)

Cibelle Celestino Silva (USP São Carlos)

Cláudio Afonso Pinho Lopes (Universidade de Brasília)

Crislaine Valéria de Toledo-Plaça (FAAP-SP)

Daisi Teresinha Chapani (UESB)

Fabio Laner Lenk (IFSP São Roque)

Fernando Manuel Seixas Guimarães (Universidade do

Minho, Portugal)

Flavio Trevisan (IFSP São Roque)

Francisco Rafael Martins Soto (IFSP São Roque)

Guilherme Augusto Canella Gomes (IFSP Barretos)

Helena de Godoy Bergallo (UERJ)

Hudson Alves Pinto (Fiocruz/UFMG)

Iolanda Cristina Silveira Duarte (UFSCar Sorocaba)

Ivan Fortunato (IFSP Itapetininga)

João Garcia Caramori Júnior (UFMT)

Jorge de Lucas Junior (UNESP Jaboticabal)

Jorge Megid Neto (Unicamp)

Jose Ferraz Neto (IFSP Campinas)

José Hamilton Maturano Cipolla (IFSP São Roque)

Karina Arruda Cruz (IFSP São Roque)

Leonardo Pretto de Azevedo (IFSP São Roque)

Lucas Emmanuel Misseri (Universidad Nacional de Mar

del Plata, Argentina)

Luciano Elsinor Lopes (UFSCar São Carlos)

Magda Medhat Pechliye (Universidade Presbiteriana

Mackenzie) Marcio Pereira (IFSP São Roque)

Marco Antônio Andrade de Souza (UFES)

Milton Meira do Nascimento (FFLCH - USP)

Mônica Huguenin de Araujo Faria (UFRJ)

Nelio Fernando dos Reis (IFSP São Roque)

Patricia Fernanda Schons (IFSC)

Patrícia Riberto Lopes (Pref. Municipal de Belo Horizonte)

Rebeca Chiacchio Azevedo Fernandes (UFScar)

Rogerio de Souza Silva (IFSP São Roque)

Rosana Mendes Roversi (IFSP São Roque)

Sandro Eugênio Pereira Gazzinelli (Colégio Militar de

Belo Horizonte, MG)

Sandro José Conde (IFSP São Roque)

Sergio Santos de Azevedo (UFCG)

Silvana Haddad (IFSP São Roque)

Silvio Arruda Vasconcellos (USP)

Sonia Regina Pinheiro (USP)

Vânia Battestin (IFSP São José dos Campos)

Waldemar Hazoff Júnior (IFSP São Roque)

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O primeiro número de 2018 traz trabalhos bastante variados em temáticas e abordagens metodológicas de pesquisa, evidenciando, mais uma vez, o caráter interdisciplinar da Scientia Vitae.

Iniciamos este número com o trabalho de Ivan Fortunato, colaborador da revista e parceiro de muitos

projetos inter-campi no Instituto Federal de São Paulo. Ivan apresenta-nos um texto interessante sobre agricultura urbana e produção familiar na cidade de São Paulo, SP.

Na sequência, temos o trabalho curto, porém bastante específico, de Elisa Aoyama e Alexandre Indriunas versando sobre aspectos micromorfológicos da epiderme da folha de uma espécie da família Acanthaceae, Ruellia elegans. A única figura do texto é uma prancha composta por várias imagens detalhadas, resultantes do trabalho de investigação em nível microscópico.

O terceiro artigo desta edição é de autoria de Ana Beatriz de Aguiar, Luiz Felipe Martins, Mariana de Campos e Thaís Tomé e versa sobre um interessante estudo de caso envolvendo as teorias freireanas sob a óptica de conflitos socioambientais para a promoção da qualidade de vida ambiental. O aspecto de Freire abordado é sua conceituação sobre solidariedade humana.

Giovanna Oliveira, Luca Bonando e Rogério Silva apresentam-nos uma interessante reflexão sociológica tendo como base um clássico de nossa literatura, “O Cortiço”. A teia de saberes sociológicos oriunda da análise da obra é detalhadamente comentada neste ensaio.

Em seguida, Rodrigo Bombonati Moraes e Alequexandre de Andrade abordam um tema que está paulatinamente ganhando força em nível internacional: o empreendedorismo social. O artigo comenta sobre as principais características e os desafios desta tendência econômica atual.

O penúltimo artigo, escrito por Nicolas Mesquita, Francisco Soto, Mayara Costa e Adriano Costa, dá continuidade a estudos anteriores sobre sistemas de compostagem de carcaças de suínos por meio de diferentes substratos. Neste número, os autores trazem dados da avaliação térmica e de coliformes nesse sistema.

Este número termina com o trabalho de Daniela Martimiano, Larissa de Almeida, Tauane Santana e Éverton Santos. O trabalho destes autores versa sobre subsídios teórico-práticos a ser utilizados em aulas de Físico-Química a partir da tecnologia e da química envolvidos na produção de refrigerantes.

Desejo, em nome de toda a equipe da Scientia Vitae, boa leitura e que os conhecimentos gerados por

todos os trabalhos inéditos presentes nesta edição de início de 2018 possam ser de grande utilidade.

Fernando Santiago dos Santos Editor-chefe

Verão de 2018

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Agricultura urbana e produção familiar em São Paulo - SP Urban agriculture and family production in São Paulo State, Brazil

Aspectos micromorfológicos da epiderme foliar de Ruellia elegans Poir. (Acanthaceae) Leaf epidermal micro-morphological characters of Ruellia elegans Poir. (Acanthaceae)

A solidariedade humana de Paulo Freire e a análise de conflitos socioambientais para promoção

da qualidade de vida ambiental: um estudo de caso Paulo Freire's human solidarity and the analysis of socio-environmental conflicts to promote environmental life quality: a case study

Literatura e sociedade: “O Cortiço” à luz dos saberes sociológicos Literature and society: “O Cortiço” on the perspective of sociological skills

Empreendedorismo social: características e desafios Social entrepreneurship: characteristics and challenges

Avaliação da temperatura e de coliformes em um sistema de compostagem de carcaças de suínos com a utilização de diferentes substratos

Temperature and coliforms assessment in a composting system of swine carcass with the use of different media

A tecnologia e a química na produção de refrigerantes como ferramenta nas aulas de físico-química Technology and chemistry in the production of soda as a tool for physical-chemical classes

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Recebido em 20 jan. 2018; aceito em 29 jan. 2018; publicado em 12 mar. 2018. Este artigo foi originalmente publicado em espanhol na Revista Ciudades, Puebla (México), v. 110, p. 51-58, 2016, sob o título “Agricultura urbana y producción familiar”.

1 Professor do Instituto Federal de São Paulo, campus Itapetininga; docente permanente do Programa de Pós-Graduação em Educação da UFSCar, campus Sorocaba; colaborador do Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais da UFABC. E-mail: [email protected]

. O tema da agricultura familiar é central neste texto, em uma

discussão que procura conjugar o referencial teórico da sociologia e geografia agrárias, com a pesquisa ambiental urbana, norteada por estudos de interpretação de paisagens. É, nesse sentido, um ensaio transdisciplinar. Em uma aproximação metodológica desenvolvida sob a forma de um estudo de reconhecimento, foram feitas caminhadas de reconhecimento em uma pequena área de agricultura urbana familiar localizada na metrópole paulistana, flagrando em fotografias uma essa pequena produção ilhada em São Paulo, adicionando elementos retirados de conversas desinteressadas com esses agricultores, interpretando sua percepção sobre sua própria prática. O objetivo profícuo deste trabalho é concomitantemente teórico e metodológico: ao indicar que a metrópole não precisa ser estritamente de concreto e que a pequena produção agrícola tem espaço no maior símbolo de urbanização de todo hemisfério sul, procura-se suscitar questões que motivem futuras pesquisas.

: Agricultura familiar, agricultura urbana, São Paulo.

. Family farming is central theme to this text, in a discussion that will combine the theoretical sociology and geography of the land, with the urban environmental, guided by landscapes interpretation studies. This is, therefore, a trans-disciplinary essay. In a methodological approach developed in the form of a study of recognition, we walked around and through a small land of family farming located inside the metropolis area; we also took photographs of this farming field in Sao Paulo, and add some elements taken from conversations with these farmers, interpreting their perceptions about their own practice. The objective of this work is theoretical and methodological: to indicate that the city need does not to be strictly concrete and that the small farming area has the greatest symbol of urbanization throughout the South, it aims to raise questions that motivate future research.

Family farming, urban agriculture, Sao Paulo State, Brazil.

O tema da agricultura familiar é central neste texto, em uma discussão que procura conjugar o referencial teórico da sociologia e geografia agrárias, com a pesquisa ambiental urbana, norteada por estudos de interpretação de paisagens. É, nesse sentido, um ensaio cuja proposta principal é discutir o tema a partir de uma ótica transdisciplinar. Colaboram com essa costura plural os trabalhos que têm por lastro o conceito de agricultura urbana, cuja definição pode servir ao espaço cartográfico selecionado para essa pesquisa: um pequeno local de produção agrícola em São Paulo, Capital.

Primeiro, apresenta-se a cidade de São Paulo a partir da perspectiva da leitura de paisagens. Por esse prisma, recupera-se parte de sua historicidade, em especial sua rápida e desordenada urbanização ocorrida no século passado, com o propósito de situar a particularidade do local de produção aqui estudado em seu contexto. Porque na maior metrópole do País, em meio a tanto concreto armado, asfalto e velocidade no modo de ser, que devora as relações ambientais e de alteridade, em adição às enormes corporações alimentícias e os hipermercados, é possível encontrar refúgios de pequenas unidades de produção agrícola.

Em seguida, são expostos os resultados de um levantamento bibliográfico sobre o conceito de agricultura familiar, que revelam diversos caminhos para análise da agricultura que se realiza no interior da metrópole. Logo após os argumentos diversos sobre agricultura e agricultura familiar, e a partir de trabalhos nacionais e internacionais, é apresentada revisão sobre a conceituação de uma prática que, embora não seja recente, vem timidamente ganhando fôlego acadêmico, empírico e até legislativo. Trata-se agricultura urbana que, grosso modo, é a prática da agricultura dentro do perímetro urbano, e que se relaciona com o sistema da urbe.

A partir de um estudo de reconhecimento, busca-se demonstrar como uma dessas áreas de agricultura urbana e familiar consegue sobreviver na metrópole. Para esse reconhecimento, foram feitas caminhadas pelo local de produção agrícola indicado, flagrando em fotografias uma pequena produção agrícola ilhada em São Paulo, adicionando elementos retirados de conversas com esses agricultores, interpretando sua percepção sobre sua própria prática. O objetivo profícuo deste trabalho é, concomitantemente, metodológico e teórico: ao indicar que a Metrópole não precisa ser estritamente de concreto e que a pequena produção agrícola tem espaço no maior símbolo de urbanização de todo hemisfério sul, procura-se suscitar questões que motivem futuras pesquisas sobre a percepção e valorização não apenas de São Paulo, mas da organização do espaço urbano como um todo.

Sobre a paisagem paulistana e sua urbanização

O local de estudo selecionado para esta pesquisa está na cidade São Paulo, cuja história oficial iniciou-se, segundo a literatura, no dia 25 de janeiro de 1554. No entanto, sua história é extensa e não cabe neste trabalho tal retorno cronológico. Em verdade, o que aqui interessa é a sua rápida ascensão de pequena vila ao maior centro urbano de todo o hemisfério sul, cujo processo iniciou-se no final do século XIX, por conta da produção cafeeira, e expandiu-se na primeira metade do século XX graças à industrialização, verticalizando-se primeiramente no Centro e, em sequência, espraiando-se centrifugamente a leste e oeste, norte e sul, conectando-se aos municípios circunvizinhos. Hoje, além da enorme densidade populacional (12% do total nacional), a paisagem do município paulistano destaca-se pela grande

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quantidade de ruas, prédios e poucas árvores, em um movimento centrífugo, isto é, do centro para a periferia. O mapa (Figura 1) demonstra a concentração urbana da cidade. Bem ao centro, a mancha negra denota a urbanização máxima que, no excesso vertical, recebe o nome de “sombra”. São as áreas verdes existentes, ao Norte, o Parque da Serra da Cantareira e o Horto Florestal e, ao Sul, o Parque do Estado, o Jardim Zoológico, o Jardim Botânico, e a Área de Proteção Ambiental (APA) do Capivari-Monos e, a Leste, o pequeno espaço verde à APA do Parque e Fazenda do Carmo, que conjuga as áreas de lazer do Parque do Carmo e do SESC Itaquera.

Em destaque, a localização aproximada da área de produção agrícola em estudo: um terreno inserido na metrópole paulistana, próximo à APA do Parque do Carmo, no Bairro de São Mateus. Ainda que sua localização específica não seja divulgada, em respeito à privacidade de seus agricultores, trata-se de um pequeno local de produção familiar dentro da cidade de São Paulo, localizado em longa faixa não-edificável de mais de 10 quilômetros de distância entre a Rua Ararambê, no bairro do Aricanduva, e as APAs próximas ao Parque Estadual da Serra do Mar.

Figura 1. Croqui indicando local aproximado da área de estudo. Créditos: adaptado do Atlas Ambiental municipal de 2002. Disponível em: <http://atlasambiental.prefeitura.sp.gov.br/>; acesso em: maio 2012.

Para compreender melhor o que motivou a seleção desse terreno específico para esta pesquisa, é preciso tecer

algumas considerações sobre cidade de São Paulo, destacando, em especial, como esse pequeno trecho não edificado, utilizado para produção de alimentos, discorda de seu contexto urbano.

Os estudos sobre leituras de paisagem de Lewis (1979) revelam alguns aspectos contundentes para a compreensão dos lugares. Para o autor, toda paisagem antropicamente alterada – o que existe em praticamente quase todo o globo terrestre – torna-se uma paisagem cultural, que carrega, em sua própria morfologia e dinâmica, a cultura local. E a paisagem cultural de São Paulo revela que a relação entre o natural e o construído está desgastada há muito tempo. Novamente recorrendo à sua história, verifica-se que sua vontade de crescer e se desenvolver, sob o olhar da urbe de edifícios e avenidas, se mostrou voraz contra os cursos dos rios, canalizando-os ou aterrando-os (vide os rios Tietê, Anhangabaú, Pinheiros, Tamanduateí, Aricanduva, por exemplos), ou sobre a expansão horizontal que foi substituindo

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parte da vegetação natural por casas, condomínios, prédios e ruas. O mapa da figura 01 revela essa evolução urbana sobre a natureza, pois o que resta são APAs e alguns parques dispersos pelo território.

O que se observa, no concentrado urbano de São Paulo, é que os efeitos negativos da metrópole aparecem não apenas quantitativamente, como são sentidos qualitativamente no cotidiano. Por exemplo, as ilhas de calor há tempo são notórias principalmente nas áreas centrais verticalizadas, ou as enchentes, flagradas pelo jornalismo, que assustam e matam principalmente durante as torrenciais chuvas de verão. Também há as questões de habitação, e seus inúmeros cortiços e favelas. Segundo Balmant e Zonta (2011), os paulistanos reclamam do intenso tráfego, seja pelo excesso de veículos, pela falta de qualidade no transporte público, pelas ruas cheias de buracos e pela falta de espaço para estacionar seu veículo. Há, ainda, a poluição sonora e a proliferação do tráfico e usuários de drogas, em regiões centrais e em plena luz do dia.

Claro que também há aspectos positivos na paisagem paulistana. Não obstante, se destacamos seus problemas urbanos, é justamente porque neles se encontram as possibilidades de ações para re/vitalização. Por isso, pensar em um novo espaço para a urbe requer, no entanto, que este seja compreendido. E para isso, lemos a paisagem, conceito que não deve ser confundida com a natureza ou com o ambiente, nem tampouco com a área. A paisagem é a porção visual de determinada locação que, segundo Meinig (1979), é uma poderosa expressão simbólica, pois metaforicamente espelha a sociedade que a cria e recria. E com esse postulado em mente, é possível compreender que a paisagem urbanizada de São Paulo, inclusive sua expansão que ignora a natureza, domesticando-a ou destruindo-a, é, em verdade, a própria dinâmica da ambiência da metrópole. E é precisamente por causa dessa leitura de São Paulo, que a área de estudo selecionada para esta pesquisa chamou atenção: é como se esse pequeno espaço de agricultura urbana fosse uma espécie de afronta à ebulição progressista e civilizadora da Capital.

Agricultura familiar: embates teóricos

As questões agrárias desencadeiam inúmeros debates, além de desavenças epistemológicas e pragmáticas. Em verdade, essa desarmonia não é recente, mas resulta de longa construção histórica. Explica Le Goff (1988, p. 47) que, desde a Antiguidade, o trabalho no campo é menosprezado: “o camponês [...] é o grosseiro, o rústico, em oposição ao homem da cidade”. O autor vai além, e chega a postular que, na expansão do cristianismo, o camponês torna-se “o pagão por excelência”. Com isso, parece que há uma herança por demais antiga de desprezo pelo trabalho que alimenta o homem, e que tende a progredir com o sistema capitalista e sociedade de extremado consumo.

Segundo Gómez (2001), não há consenso na literatura sobre “agricultor familiar” e “camponês”. Para Lamarche (1993, p. 1044), por exemplo, a agricultura familiar é produto histórico do campesinato (conceito datado e, portanto, não cabe mais nas discussões), que “expressa a ideia de uma identidade entre família e exploração. A unidade de produção é um grupo de trabalho familiar, unidos por laço de parentescos e que se renova sobre a base das relações familiares”. Já sobre o [extinto] campesinato, o autor afirma que este se caracteriza por uma “inter-relação entre a organização da produção e as necessidades de consumo; o trabalho familiar não pode ser avaliado em termos de lucro; os objetivos da produção são os de produzir valores de uso e não valores de troca”.

Na visão sociológica de Paulilo (2004, p. 230), o campesinato refere-se ora a agricultores que tem pouca ou nenhuma ligação com o mercado, ora só podem ser utilizados em países com herança feudal; enquanto camponeses são “os agricultores que trabalham principalmente com mão de obra familiar e são considerados pequenos e médios proprietários e produtores”, sendo de cunho essencialmente político, no sentido de organização de sua comunidade.

Em História da Agricultura Brasileira, Linhares e Silva (1981, p. 118) explicam que os papéis da agricultura – fornecer alimento, matéria-prima e mão de obra –, fazem parte de um processo histórico, porque desde o Brasil colônia, sua função era produzir alimentos, além de ser dependente de uma lógica maior: “a agricultura no Brasil teve início com a colonização, estando, pois, desde o nascedouro, subordinada a impulsos externos, dependente de condicionamentos metropolitanos longínquos, de natureza mercantil”. Segundo os autores, enquanto a terra boa era destinada aos plantations da agricultura comercial, cabia à produção de alimentos a busca por novas terras. Em resumo, essa necessidade de encontrar novos espaços para o plantio possibilitou a formação do campesinato no País, no movimento que Linhares e Silva (1981, p. 130) chamam de brecha camponesa, que era o espaço-tempo na semana que os escravos tinham para se dedicar ao cultivo de alimentos.

Já na visão de Abramovay (1992, p. 77), existe um movimento de inserção do campesinato no modo capitalista de produção, sendo que “a integração crescente dos camponeses ao mercado subverte os elementos constitutivos da produção familiar e elimina o balanço entre o trabalho e o consumo como fator determinante das decisões econômicas, que se concentram cada vez mais na agroindústria”. Esse balanço é o equilíbrio entre braços e bocas que, para Chayanov (1974), deveria nortear o trabalho da agricultura. Mais tarde, Girardi (2008), com base nesse equilíbrio, explicaria que o campesinato seria um modo não capitalista de produção, equivalendo somente a “uma unidade onde se produz e consome familiarmente”, através de mão de obra familiar para subsistência.

Neves (1995, p. 22), por sua vez, apresenta duas visões opostas para caracterização de uma unidade familiar de produção agrícola, sendo que ambas são reducionistas e simplistas demais, e acabam por excluir da esfera da pequena produção “a sociabilidade, as relações personalizadas, a reciprocidade, a interdependência entre regras que orientam diversos domínios da vida social”. Essa polarização não é benéfica para a organização agrícola, uma vez que cria, de um

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lado, uma visão utópica da unidade familiar como local de resistência ao capitalismo voraz e, de outro, a pequena agricultura como esfera subordinada ao capitalismo e que, portanto, age em prol da acumulação e do lucro. E nessa direção, a autora explica que agricultura familiar e agricultura capitalista são heterogêneas, no sentido de que são diferentes em alguns aspectos, similares em outros, mas não necessariamente polares. Isso porque a agricultura familiar não está isolada da sociedade e, nem sempre, se oferece como local de resistência ou atende as demandas do mercado. O que a autora defende, portanto, é uma visão que não estigmatiza nem polariza, além de lembrar que não se trata de um movimento isolado, mas que estabelece relações com o espaço externo, podendo, inclusive, objetivar o lucro.

Em História das Agriculturas do Mundo, Mazoyer e Roudart (1998) referem como enganosa a ideia de que a melhor agricultura é a mecanizada e fertilizada. As agriculturas familiares, na visão dos autores, não tendem a desaparecer porque “estão em transformação contínua e participam da criação da modernidade”, ao mesmo tempo em que não é possível considerar que foram, simplesmente, substituídas pela agricultura mecanizada.

Sobre a produção familiar no Brasil, Wilkinson (2000, p. 11) traz um levantamento dos debates ocorridos na década de 1990 que, segundo o autor, ganharam novo fôlego “à luz da crise do modelo fordista e da emergência de uma nova ordem econômica”. Assim, em meados de 1990, as discussões sobre as questões relacionadas à agricultura no Brasil, especificamente sobre a produção familiar, passaram a ser foco de diversas pesquisas porque a reforma agrária, debatida na década de 1960 e logo arrefecida, voltou à arena de discussões políticas. Como resultado de seu levantamento, o autor apresenta correntes distintas sobre o pensamento agrário, que acabam se convergindo para um norte comum, ou seja, “na necessidade de estratégias e políticas que visam o desenvolvimento do espaço rural com a diversificação e a densificação dos mercados de trabalho e de produtos no meio rural”.

Para Graziano da Silva (2003), as divergências sobre as funções e as definições da pequena produção agrícola já se dão há mais de uma dúzia de décadas, sendo os debates intensificados em meados de 1960, no Brasil, por causa do Estatuto da Terra e as propostas de reforma agrária. Segundo o autor, a agricultura familiar foi a maior beneficiada com os discursos de distribuição de terras desapropriadas na reforma agrária, porque havia a tese de que a pequena produção era mais eficiente que o modelo histórico de plantations. No entanto, o autor apresenta outras duas hipóteses para esse privilégio: a primeira como uma reprodução do mito da propriedade familiar norte-americana, que foi base para a política da burguesia industrial no oeste do país, “idealizada até nos filmes de bang-bang”, e a segunda, como uma estratégica política nacional para “acabar com os planos de revoluções agrárias e guerrilhas no campo”. Mas, independentemente de qual tese tenha lastreado os ideais do Estatuto da Terra, nunca passaram de boas intenções, porque as vantagens econômicas da produção em larga escala, na barganha com fornecedores e no preço final dos produtos, tornam-se preferidos pelo mercado. O autor esclarece que, na economia capitalista, a pequena unidade produtiva tem, basicamente, os papéis de ofertar alimentos e matérias-primas, bem como fornecer mão de obra. Entretanto, apesar de se dar no modelo capitalista de produção, isso não significa que a agricultura familiar ocupe espaço no processo de acumulação.

Já na visão de Wanderley (2003), o campesinato pode ser analisado em duas vias complementares. Uma dessas vias compreende o campesinato como uma forma restrita de produção agrícola, que é gerida pela família. Nessa via, o camponês não tem uma profissão, mas um modo de vida pautado na tradição cultural, recusando-se a produzir “além da satisfação de suas necessidades básicas”. A outra via é a compreensão do campesinato como civilização, com suas dimensões econômicas, políticas, sociais e culturais, que acabam por se entrelaçar em toda sociedade. Sob esse prisma, o campesinato encaixa-se na lógica do capital, sendo o pequeno produtor aquele que consegue se adaptar às exigências do mercado e, portanto, “é um ator social da agricultura moderna”, tendo se profissionalizado com a modernização da agricultura pela mecanização, adubos e fertilizantes químicos, além do uso de sementes híbridas. Assim, o autor defende a tese de que a transição do campesinato tradicional para o mercantil é determinista e reduz sua complexidade, sendo necessário, portanto, considerar “pontos de ruptura e elementos de continuidade entre as duas categorias sociais”.

Deve-se considerar que há, ainda, em toda essa discussão, a dialética campo-cidade, na qual os limites entre o urbano e o rural tem se tornado cada vez menos óbvios, sendo que um pode estar no outro, e vice-versa, ou seja, nem toda produção agrária acontece somente no campo, ao passo em que pode se desenvolver também na cidade, ou nas áreas fronteiriças onde não se pode afirmar, com certeza, se é espaço urbano ou rural. Frente essa constatação, emerge a possibilidade de uma prática agrícola nomeada como agricultura urbana, permitindo até declarar que o limite campo-cidade não terá mais sentido nas próximas décadas. Mesmo que a agricultura urbana exista há bastante tempo, Mougeot (2000) explica que somente a partir de meados de 1990 que o termo deixou de ser exclusivo do meio acadêmico, passando a ser utilizado no mercado e na legislação. E ainda que tenha maior visibilidade em nível internacional, no Brasil temos importantes trabalhos, ainda que tímidos, contando com a contribuição, dentre outros, de Santandreu e Lovo (2007).

Sobre agricultura urbana

A literatura em agricultura urbana é recente: a primeira publicação especializada e exclusiva para a temática, organizada pelo Resources Center on Urban Agriculture & Food Security, a RUAF Foundation, com sede na Holanda, foi publicada em 2000. De acordo com Mougeot (2000), seis elementos definem a agricultura urbana: o tipo de atividade econômica, a localização, o tipo de área (se o produtor reside na área de cultivo, se a terra é cedida, arrendada,

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compartilhada, própria etc.), o sistema e o tipo de produção e, por fim, o destino dos produtos. Para o autor, todos esses elementos se aplicam à agricultura rural, exceto a localização, sendo que não basta a produção estar no espaço intraurbano, mas que deve se integrar e interagir com o ecossistema urbano.

No Brasil, Santandreu e Lovo (2007) ampliam essa ideia:

A AUP [Agricultura Urbana e Periurbana] é um conceito multidimensional que inclui a produção, a transformação e a prestação de serviços, de forma segura, para gerar produtos agrícolas (hortaliças, frutas, plantas medicinais, ornamentais, cultivados ou advindos do agro extrativismo, etc.) e pecuários (animais de pequeno, médio e grande porte) voltados ao auto consumo, trocas e doações ou comercialização, (re)aproveitando-se, de forma eficiente e sustentável, os recursos e insumos locais (solo, água, resíduos, mão de obra, saberes etc.). Essas atividades podem ser praticadas nos espaços intraurbanos, urbanos ou periurbanos, estando vinculadas às dinâmicas urbanas ou das regiões metropolitanas e articuladas com a gestão territorial e ambiental das cidades. Essas atividades devem pautar-se pelo respeito aos saberes e conhecimentos locais, pela promoção da equidade de gênero através do uso de tecnologias apropriadas e processos participativos promovendo a gestão urbana social e ambiental das cidades, contribuindo para a melhoria da qualidade de vida da população urbana e para a sustentabilidade das cidades (SANTANDREU; LOVO, 2007, p. 11).

Aqui, cabe uma única ressalva: devido à dialética urbano-rural (ou campo-cidade), discorda-se da utilização do

conceito de agricultura urbana para áreas fronteiriças (periurbanas), mas somente intraurbana. Assim, vê-se a agricultura urbana como ação importante para alimentar a população mundial, que cresce em larga escala, como reiterado na Declaração de Quito (DRESCHER, 2001), por exemplo. Algo similar surge no texto de Lee-Smith (2009), que coloca as capacidades de produzir, processar e distribuir alimentos, como “o aspecto mais básico da resiliência para as comunidades urbanas”. Ham e Pieschel (2009) afirmam que a agricultura urbana é uma estratégia ambiental em potencial, em especial para as grandes cidades, porque pode integrar áreas verdes. Ainda, a agricultura urbana, explica Tomkins (2009), reduz distâncias significativas entre a granja e a mesa: menor distância implica, ainda, a redução de emissão de gases de efeito estufa com seu transporte.

Assim, a literatura consultada exibe casos de sucesso, como relatado por Boukharaeva et al. (2005) sobre experiências na Rússia, França e Brasil, ou Harn e Pieschel (2009) que, ao apresentarem a lição de Casablanca, Marrocos, afirmam haver “novas formas híbridas de espaço rural-urbano, que resultam em vínculos de reciprocidade entre a cidade e o campo”. Lee-Smith (2009) relata sobre o exemplo de Toronto, Canadá; Tomkins (2009) sobre o caso de agricultura urbana em Londres, e Mougeot (2000) menciona as agriculturas familiares nas Filipinas, em Hong Kong e Dakkar. No Brasil, o trabalho de Santandreu e Lovo (2007) revela que a agricultura urbana (e periurbana, no caso) aparecem em diversas regiões metropolitanas, tais como Belo Horizonte, Curitiba, Porto Alegre, Rio de Janeiro, São Paulo, Brasília, Goiânia, Fortaleza, Recife, Salvador e Belém.

Especificamente em São Paulo, houve duas iniciativas da Secretaria da Agricultura: a lei 13.727 e o decreto 45.665 que, respectivamente, cria e regulamenta o Programa de Agricultura Urbana e Periurbana, o PROAURP, novamente regulamentado pelo decreto 51.801 em 2010. A legislação menciona Casas de Agriculturas Ecológicas e da gestão das subprefeituras, sob supervisão do Departamento de Agricultura e Abastecimento, mas não encontramos referências relevantes no sítio eletrônico da Secretaria da Agricultura de São Paulo, nem no sítio da Secretaria do Verde e do Meio Ambiente, tampouco em artigos científicos ou aqueles apresentados em congressos.

Apesar do insucesso na busca sobre o PROAURP de São Paulo, é possível inferir que a literatura tende a defender a agricultura urbana não apenas porque oferece nova perspectiva a espaços não edificáveis, mas, porque, potencialmente, pode ser forte aliada aos discursos e ações de sustentabilidade ambiental, saúde pública e seguranças alimentar e nutricional. É exatamente essa perspectiva teórica que motivou este estudo de reconhecimento: era preciso sentir a ambiência dessa agricultura que acontece dentro do maior espaço urbano de todo hemisfério sul.

Reconhecendo um pequeno espaço de produção agrícola na metrópole paulistana

Para investigação dessa pequena produção agrícola que pertence a Pedro (nome fictício), a metodologia utilizada foi a de estudo de reconhecimento in loco, momento em que tive o privilégio de conversar com o agricultor responsável pelo cultivo no terreno. Longe de uma imagem estereotipada e caricata do camponês, como visto nos romances e cinema que permeiam o senso-comum, Pedro em nada se assemelha àquele camponês do imaginário brasileiro: não usa chapéu de palha, suas camisas não são de flanela xadrez, mas prefere o uniforme do time de futebol para qual torce; nada de botinas, mas chinelos de dedo. Pedro mora na maior metrópole do hemisfério sul há mais de cinquenta anos. Possui aparelhos de televisão, automóveis, vive em meio às poluições do ar, da água, sonora e paisagística. Assim, diferencia-se da imagem estereotipada do habitante comum da metrópole paulistana, já que não vive aprisionado no escritório nem no trânsito, mas trabalha no campo.

A terra que planta não é sua, mas é uma concessão: trata-se de um terreno, na região de São Mateus, zona leste de São Paulo Capital, de propriedade da Eletropaulo que, por conta de suas torres de energia elétrica, não podem ser utilizados para construções (Figura 2).

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Figura 2. Terrenos não-edificáveis em agricultura urbana na cidade de São Paulo. Fotografias: Ivan Fortunato, jan. 2011.

Santandreu e Lovo (2007, p. 13) mostram que essa área ocupada por Pedro é um dos locais indicados para a

agricultura urbana, porque integra a categoria de terreno não-edificável. Claro que há diversas linhas de torres de eletricidade que não abrigam longo terreno sem função urbana, como, por exemplo, a Rodovia Fernão Dias, que liga a Capital Paulista com Belo Horizonte, perpassada por torres; ou, como visto no bairro da Barra Funda, zona oeste da Capital, torres de eletricidade partindo do cruzamento das ruas Dona Germaine Burchard e Júlio González ao lado de uma rua carroçável e a poucos metros de um edifício residencial. Os exemplos são inúmeros, como a própria Rodovia Anhanguera, as Marginais Pinheiros e Tietê, a Avenida Salim Farah Maluf, dentre outros. Mas, em São Mateus, ainda não se logrou uma grande avenida ao longo do terreno não-edificável, nem se valeu de brechas para construções próximas às torres de eletricidade. O espaço vago, sitiado de casas e edifícios resta sem função, a não ser o cultivo. E, segundo Pedro, seu contrato de utilização do solo deve ser renovado anualmente, o que tem sido feito há mais de duas décadas. Há espaços semelhantes no Rio de Janeiro (BICALHO, 1992), o que parece que a agricultura nas metrópoles somente coexiste porque ainda há torres de eletricidade que não permitem nenhum outro tipo de uso para esses terrenos... e essa assertiva evidencia-se e ganha força na fala do agricultor-urbano com quem conversamos.

Pedro disse que começou a trabalhar no campo com seu pai, imigrante português que chegou ao Brasil na década de 1950, instalando-se em um terreno cedido pela prefeitura de São Paulo na região do Iguatemi, zona leste da capital. Esse terreno não existe mais: teve que ser desapropriado para dar lugar a um piscinão, construído para tentar evitar as enchentes comuns e devastadoras da Capital que, perpassada por asfalto e outros terrenos impermeáveis, além da canalização dos rios, não encontra vazão para as fortes chuvas do verão. Hoje, em sua vocação herdada pelo pai, Pedro planta nesse terreno de pouco mais de um hectare (140 x 90m), dentre outros: alface, almeirão, brócolis, couve-flor, beterraba, cenoura, rúcula, coentro, cebolinha, salsinha, espinafre, rabanete, acelga etc. (Figura 3).

Figura 3. O cultivo de Pedro. Fotografias: Ivan Fortunato, jan.2011.

Essa produção é vendida em diversas feiras livres na região de São Mateus, na qual concorre com outros

feirantes que não são produtores, mas “compram no Ceasa”. Parte de sua produção também é consumida em casa. No caso específico de Pedro, sua área conjuga três das cinco atividades de agricultura urbana indicadas por Santandreu e Lovo (2007, p. 12), que são: produção agrícola, comercialização e autoconsumo. Pedro não pratica a transformação

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artesanal com a ajuda do poder público ou sociedade civil, nem presta serviços de pesquisa e capacitação ou assessoria. Ainda que algumas escolas da região visitem sua horta [sic], e crianças aprendam um pouco sobre alimentação verde, sobre plantio de hortaliças etc., isso não é o suficiente para qualificar seu espaço como local para pesquisas.

Pedro afirma sentir falta de espaços de cultivos na Capital. Quando perguntado se havia outros, ele pode citar quatro colegas que compartilham os terrenos da Eletropaulo, além de um ou dois produtores em São Rafael e São Miguel Paulista, também na Zona Leste de São Paulo. Falou sobre agriculturas familiares na região de Suzano e Poá, que fazem parte da Região Metropolitana de São Paulo, mas não do município. Ademais, esses espaços produtivos podem ter o mesmo destino que as plantações que existiam na Capital, onde Pedro trabalhou ou teve contato com as famílias: uma grande agricultura no Tatuapé deu lugar ao clube Sampaio Moreira, ou os terrenos ao longo da Avenida Sapopemba e do bairro Parque Novo Mundo, que deram lugar a edifícios.

Pedro é casado e tem quatro filhos: três homens e uma mulher. Sua esposa e filha ajudam na feira, mas não no cultivo. Isso ressoa com a ideia de Paulilo (2004, p. 233) de que “o acesso das mulheres à terra é menor que o dos homens no mundo todo”, e dos tabus e preconceitos que se formam em torno de posse, herança, e força de trabalho, sempre colocando a mulher em um plano secundário. Os três filhos já trabalharam na horta, mas atualmente só um deles continua, como assalariado, trabalhando na terra: o João (nome fictício) fez faculdade e o Paulo (nome fictício) escolheu outro caminho, explica.

E, como no movimento desenhado por Neves (1995), o assalariamento se faz necessário: Pedro tem dois funcionários. Aliás, tivemos, ainda, o privilégio de conversar com o funcionário que mora na pequena casa dentro do terreno, e que também tem a função de caseiro. Rodolfo (nome fictício) disse que sempre trabalhou com mato [sic] e que está há um ano na cidade, mas com muitas saudades do campo, porque considera, segundo suas próprias palavras, que “a cidade é muito violenta”.

Indo na direção apontada por Mazoyer e Roudart (1998), sobre o fato de a agricultura familiar não pode ser estigmatizada como puramente tradicional, na qual o cultivo se dá somente com enxadas e adubo orgânico, Pedro, seu filho Daniel (nome fictício) e os dois funcionários plantam e cultivam com o uso de um trator rotativo, fertilizante químico e adubo industrializado. Também há planos, explica, para modernizar a irrigação e, se conseguido subsídio para proteger com muros mais partes do terreno, ampliar a produção. Com isso, identifica-se na fala de Pedro suas dificuldades para manter-se no mercado capitalista: o desaparecimento da produção familiar na metrópole, pelo próprio movimento de urbanização que prefere o espaço construído ao natural, a concorrência dos hipermercados e dos grandes distribuidores de hortifrutigranjeiros, como o Ceasa, o “alto custo do adubo e do fertilizante”, dentre outros, acabam por tornar complicado e oneroso o trabalho de Pedro. Inclusive, a forte pressão surge na fala do próprio agricultor ao afirmar que, às vezes, surgem ideias de que o poder público pretende investir nos pequenos produtores, porém criando trabalhos assalariados em troca de sua produção.

Ao final da conversa, preocupados com o destino desse lugar, foi perguntado sobre o futuro da horta. Afinal, na época de nossa conversa Pedro já passava dos cinquenta anos de idade, e em uma década ou duas, possivelmente, terá que se aposentar do trabalho pesado na horta. Seu filho Daniel disse que, se a conjuntura permitir, continuaria o trabalho da família. O que se pode afirmar é que nossa conversa foi satisfatória, não apenas porque obtivemos as informações pertinentes para os fins deste estudo, mas, principalmente pela oportunidade de conhecer uma nova possibilidade em São Paulo, que longe de ser um novo condomínio, ou a transformação de um patrimônio sem uso em um novo shopping (por exemplos), trata-se de uma área verde que surge, espontaneamente (ainda que em um espaço não-edificável), como um local menos poluidor, que alimenta e gera renda.

Neste contexto, a agricultura urbana [aparece] como uma oportunidade de saída, democrática, participativa e construtora da cidadania, que necessita ser promovida e apoiada tanto pelo poder público como pelas organizações da sociedade civil preocupadas por um futuro melhor para o Brasil (SANTANDREU; LOVO, 2007, p. 25).

O trecho reproduzido na epígrafe surge como um toque de utopia para a agricultura urbana, tratando a respeito da construção de um lugar ideal para a vida humana. Os autores, ainda, expressam que, pela multifuncionalidade da agricultura urbana, é possível alcançar um status de cidade (1) produtiva, que promove o desenvolvimento econômico ao gerar renda e emprego; (2) ecológica, que permite a inserção de áreas verdes e terrenos permeáveis no espaço urbano, possibilitando a diminuição do desequilíbrio ecológico; (3) que respeita a diversidade social e cultural, uma vez que os autores identificaram que a maioria dos espaços de agricultura urbana são promovidos em assentamentos, em organizações não-governamentais e em outros espaços de inclusão social e no mundo do trabalho; e (4) que promove a segurança alimentar e nutricional, podendo contribuir para o combate à fome. Essa utopia, sintetizam os autores, reside na possibilidade da agricultura urbana melhorar as gestões ambiental e urbana, combater a pobreza, e promover a segurança alimentar, além de, nos espaços de ação sócio-educativa, agenciar possibilidades de inclusão à cidadania e respeito.

Ao fim e ao cabo, o único hectare que Pedro utiliza para plantar e alimentar pessoas na cidade de São Paulo

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pode parecer pequeno e irrelevante perto dos plantations mercantis, que conseguem grande produção e, consequentemente, grandes vendas. Mas, por meio de seu pequeno espaço produtivo, esse agricultor mostra que consegue não apenas sobreviver e alimentar sua família, mas também consumir produtos e serviços diretos e, dessa forma, inserir sua agricultura familiar na cadeia produtiva da metrópole paulistana. Destaca-se, por fim, a magnitude de seu hectare porque, apesar de pequeno, ele revela outras possibilidades para a urbe: área verde e de cultivo de alimentos. Dois fenômenos de que São Paulo carece.

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Recebido em 12 dez. 2017; aceito em 29 jan. 2018; publicado em 12 mar. 2018.

1 Professora Adjunto I da Universidade Federal do Espírito Santo. Universidade Federal do Espírito Santo, Centro Universitário Norte do Espírito Santo, Departamento de Ciências Agrárias e Biológicas, Rodovia BR 101 Norte, km 60, Litorâneo, São Mateus - ES. E-mail: [email protected]

2 Pesquisador voluntário na Universidade Federal do Espírito Santo (UFES), Centro Universitário Norte do Espírito Santo, Departamento de Ciências Agrárias e Biológicas; como docente da Faculdades Oswaldo Cruz/FATEC.

. O presente trabalho teve como objetivo caracterizar a

micromorfologia da epiderme foliar de Ruellia elegans Poir. (Acanthaceae). Foram analisadas as faces abaxial e adaxial da lâmina foliar em microscopia eletrônica de varredura. As folhas apresentaram-se anfiestomáticas e constatou-se a presença de tricomas glandulares e tectores pluricelulares. Dessa forma, podemos concluir que as características micromorfológicas da epiderme foliar podem contribuir para a taxonomia da família, em especial sobre os tricomas.

: Tricomas, estômato, taxonomia, Ruellieae.

. The objective of this study is to characterize the leaf epidermal micro-morphology of Ruellia elegans Poir. (Acanthaceae). Both leaf blade surfaces, ab-axial and ad-axial, were examined under scanning electron microscope. The leaves are amphi-stomatic and with glandular and pluricellular tector trichomes. This way, the epidermal leaf micro-morphologic characters can contribute for the family taxonomy, in special regarding trichomes.

Trichomes, stomata, taxonomy, Ruellieae.

Acanthaceae, família predominantemente tropical, compreende cerca de 3.500 espécies distribuídas em 250 gêneros, dos quais se destacam Justicia L., Ruellia L., Aphelandra R. Br. pelo número de espécies (MCDADE et al., 2008).

O gênero Ruellia compreende cerca de 600 espécies e é o segundo maior gênero da família em número de espécies, sendo somente superado por Justicia, com cerca de 700 espécies (EZCURRA, 1993).

Ruellia elegans Poir. ocorre nos estados de Minas Gerais ao Paraná e com registro no estado do Rio Grande do Norte, em áreas mais ou menos abertas ou em beiras de matas. Apresenta hábito arbustivo e, devido às suas flores vermelhas, é bastante empregada como planta ornamental (EZCURRA, 1993).

A anatomia dos órgãos vegetativos de Acanthaceae tem sido alvo de diversos estudos (AHMAD, 1975; SARITHA, BRINDHA; 2011; AOYAMA; INDRIUNAS, 2013), mais especificamente na tribo Ruellieae (TRIPP, FEKADU; 2014).

O presente trabalho teve como objetivo caracterizar a micromorfologia da epiderme foliar de Ruellia elegans.

Folhas inteiras retiradas do segundo ao terceiro nós foram coletadas no Instituto de Botânica em São Paulo - SP (Figura 1a) e fixadas em FAA (formaldeído:ácido acético:álcool etílico 50%, 2:1:18, v/v), de acordo com Johansen (1940), mantidas por 48 horas e, posteriormente, transferidas para etanol 70%. Para a análise da micromorfologia das superfícies foliares, as amostras retiradas da região mediana foram submetidas à desidratação etanólica até etanol 100% para posterior secagem ao ponto crítico com CO2. As amostras foram afixadas em suportes de alumínio e metalizadas com ouro para análise ao microscópio eletrônico de varredura. As características estruturais foram mostradas por meio de elétron-micrografia.

As superfícies foliares, tanto na face adaxial como abaxial, apresentam células epidérmicas com paredes sinuosas (Figura 1b, 1f) e inúmeros litocistos (Figura 1b). Tricomas tectores pluricelulares constituídos por três a quatro células foram observados (Figura 1c, 1h), corroborando com o observado por Tripp e Fekadu (2014), porém, não apresentam parede celular ornamentada como descrito por Tavares & Viana (1995) para Justicia pectoralis e por Aoyama e Indriunas (2014) para J. pectoralis e J. gendarussa. A partir da análise detalhada de MEV, pode-se observar com clareza a presença de quatro células apicais nos tricomas glandulares (Figuras 1d, 1g). A ocorrência de tricomas glandulares na família é extremamente frequente (METCALFE; CHALK, 1951), podendo os tipos variar entre pedicelados ou sésseis, inclusive no mesmo gênero (SARITHA; BRINDHA, 2011; AOYAMA; INDRIUNAS, 2013), e apresentarem números distintos de células apicais (AHMAD, 1975). Na espécie estudada, os estômatos são do tipo diacítico (Figura 1e, 1i), sendo este tipo o comum para as Acanthaceae (METCALFE; CHALK, 1951; INAMDAR, 1970; AHMAD, 1975, 1978; INAMDAR et al., 1983). Quanto ao padrão de distribuição dos estômatos, apresenta-se a configuração anfiestomática (Figura 1b, 1f) com maior ocorrência na face abaxial (Figura 1f).

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Figura 1. Resultados da análise microscópica de Ruellia elegans Poir. Os indicadores qualitativos desta figura (a-i) encontram-se devidamente explicitados no texto.

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Podemos concluir que as características micromorfológicas da epiderme foliar podem contribuir para a taxonomia da família, em especial sobre os tricomas.

AHMAD, K. J. Studies in some species of Lepidagathis and Barleria. Botanical Gazette, v. 136, p. 129-35, 1975 AOYAMA, E. M., INDRIUNAS, A. Morfoanatomia foliar de três espécies de Justicia L. (Acanthaceae). Enciclopédia Biosfera, v. 9, p. 2833-2844, 2013. ______. Micromorfologia e anatomia foliar de duas espécies de Justicia L. (Acanthaceae) de uso medicinal. Revista de Biologia Neotropical, v. 11, n. 2, p. 97-106, 2014. EZCURRA, C. Systematics of Ruellia (Acanthaceae) in Southern South America. Annals of the Missouri Botanical Garden, v. 80, n. 4, p. 787-845, 1993. JOHANSEN, D. A. Plant Microtechniche. Nova Iorque: McGraw Hill, 1940. INAMDAR, J. A. Epidermal structure and ontogeny of caryophyllaceous stomata in some Acanthaceae. Botanical Gazette, v. 131, n. 4, p. 261-8, 1970. INAMDAR, J. A.; BHATT, D. C.; CHAUDHARI, G. S. Structure and development of stomata in some Acanthaceae. Proceeding of the Indian Academy of Science (Plant Science), v. 92, n. 3, p. 285-296. 1983. McDADE, L. A.; DANIEL, T. F.; KIEL, C. A. Toward a comprehensive understanding of phylogenetic relationships among lineages of Acanthaceae s.l. (Lamiales). American Journal of Botany, v. 95, n. 9, p. 1136–1152. 2008. METCALFE, C. R., CHALK, L. Anatomy of the dicotiledons: wood structure and conclusion of the general introduction. Oxford: Clarendon Press, 1951. SARITHA, B., BRINDHA, P. Microscopic standardization studies on Justicia tranquebarensis L. Journal of Pharmacy Research, v. 4, p. 2897-2899, 2011. TAVARES, E. S., VIANA, V. R. C. Contribuição ao estudo de Justicia pectoralis Jacq. – Anador. Revista Brasileira de Farmácia, v. 76, p. 63-66, 1995. TRIPP, E. A.; FEKADU, M. Comparative leaf and stem anatomy in selected species of Ruellieae (Acanthaceae) representative of all major lineages. Kew Bulletin, v. 69, n. 4, p. 1-8. 2014.

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Recebido em 20 nov. 2017; aceito em 29 jan. 2018; publicado em 12 mar. 2018.

1 Instituto Federal de São Paulo, câmpus São Roque. E-mail: [email protected] 2 Instituto Federal Catarinense, câmpus Ibirama. E-mail: [email protected]

. O estudo teve como objetivo pesquisar o relacionamento

ambiental, através de um estudo de caso numa escola pública municipal do Estado de São Paulo. Foram verificadas e analisadas as interação entre ações sociais ambientais conjuntas e seus impactos. Abordou-se a questão da qualidade de vida, que é um direito fundamental para a nossa existência, conjuntamente aos conflitos socioambientais, guiados pela ética da solidariedade humana que visa um processo integrador e conjunto. Evidenciou-se a relação do meio com o sujeito percebendo a necessidade de buscar a transformação e interação deste com o intuito de envolver e estimular a prática da preservação de um bem comum - um córrego em destaque - localizado próximo do ambiente estudado.

: Paulo Freire, impactos ambientais, educação ambiental, escola municipal.

. The study aimed to investigate the environmental relationship, through a case study in a municipal public school in the State of São Paulo. The interaction between joint environmental social actions and their impacts were verified and analyzed. The issue of life quality, which is a fundamental right for our existence, together with the socio-environmental conflicts, guided by the ethics of human solidarity, aims at an integrative and joint process. The relationship between the environment and the subject was evidenced, perceiving the need to seek the transformation and interaction of the latter with the intention of involving and stimulating the practice of preserving a common good - a prominent stream - located near the studied environment.

Paulo Freire, environmental impacts, environmental education, municipal school.

O homem busca constantemente a qualidade de vida, por meio de novos conhecimentos, transformações e inovações, tentando suprir as necessidades humanas, sendo estas, de conforto, de segurança, de trabalho e renda, alimentação, saúde, energia, habitação e educação. No entanto a obtenção dos mesmos são dificultados por sistemas e ações prejudiciais, como por exemplo, o consumo exacerbado, impactos ambientais associados e a dependência de uma visão sistêmica deficiente.

O consumo exacerbado é a lógica da relação do homem com o meio, onde este primeiro causa certos impactos ambientais, que regem tanto em estâncias menores até de influência global conexos com o crescimento populacional, que confere consequentemente o crescimento industrial, alimentício, de commodities, e de serviços (CALGARO, 2009), tendo como consequência o agravamento da poluição, da geração de resíduos, a diminuição de recursos não renováveis, aumento da deterioração de áreas, intensificação do efeito estufa e mudanças climáticas.

Mesmo com o avanço tecnológico e a busca incansável pelo conhecimento, injustiças sociais e desigualdades de serviços básicos geram sofrimento a uma parcela da população que não possui a base para seu próprio desenvolvimento (HERCULANO, 2002). Percebe-se que além de não dispor dos princípios da qualidade de vida, estes não possuem os essenciais para tal conquista, sendo alguns regidos pela Lei 11.445, que institui a Política Nacional de Saneamento básico em nosso país (BRASIL, 1999) que assume a responsabilidade de assegurar o fornecimento de saneamento para todos. Um dos indicadores da gestão que corrobora a sobrevivência e melhora da vida da sociedade é a qualidade de vida, sendo esta adquirida através do conhecimento, da transformação e inventos no intuito de suprir as necessidades mencionadas.

A qualidade de vida não deve ser empregada visando o avanço econômico como seu único conferidor. O termo foi utilizado pela primeira vez, pelo presidente dos EUA, Lyndon B. Johnson, que em 1964 declarou: “o padrão de vida não pode ser medido através do balanço dos bancos. Eles só podem ser medidos através da qualidade de vida que proporcionam as pessoas”. Neste sentido, de acordo com a Ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira, a discussão ambiental está diretamente ligada à qualidade de vida das pessoas e ao futuro do planeta. Como país emergente, o Brasil tem de ter a questão ambiental como tema central, sendo estes temas relacionados com a segurança energética, climática, alimentar, a biodiversidade e a paz.

Nestas últimas décadas, a sociedade brasileira e mundial tem desenvolvido políticas públicas voltadas a conservação e preservação do meio ambiente. Mas, apesar de todos os avanços na área de legislação de informações sobre o assunto ainda estamos muito distantes de nos tornarmos seres conscientes, atuantes e praticantes de ações em prol do meio ambiente e da sustentabilidade do planeta (TRIGUEIRO, 2005).

Vilhena e Oliveira (2010) apresentam que mesmo com a presença deste desenvolvimento de políticas públicas voltadas à conservação do meio ambiente, a consciência ambiental necessita ser despertada por meio de práticas

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voltadas diretamente à população envolvida. Este processo deve ser integrado por um modelo norteador de uma gestão ambiental dinâmica, que tornem os sujeitos atuantes e praticantes de ações pró meio ambiente e sustentabilidade. Complementarmente, é necessário assimilar que a compreensão do modo como essas comunidades se relacionam com o meio ambiente é imprescindível ao sucesso do que é proposto, daí a importância de se identificar qual a representação social que cada parcela da sociedade tem do meio em que vivem.

Neste contexto, Fernandes (2004) apresenta que o espaço traz consigo a importância da prática de uma mudança social, sendo esta uma das principais implicadoras na conservação e preservação do meio ambiente, e afirma também que não deveria estagnar no estabelecimento de regras e leis que atribuem o que deve ser feito, pois estes não constroem valores, assim é preciso um trabalho educativo, feito de um jeito integrador e exemplar.

Significativas transformações foram evidenciadas nestes últimos anos envolvendo novas demandas sociais, culturais, espaciais, ambientais, educacionais e políticas compondo um cenário cada vez mais complexo que exige uma visão holística mais apurada, retomada do seu objeto de estudo, redefinição dos próprios objetivos, principalmente quando o assunto em questão está voltado prioritariamente para preservação e conservação do patrimônio ambiental dentro em um contexto de permanentes conflitos, onde a legislação por si só não se mostra capaz de agir na mesma velocidade e proporção dos impactos.

Neste contexto de mudanças holísticas contínuas e significativas, surge um profissional apto a trabalhar e propor soluções para garantir a o uso sustentável dos recursos e um futuro mais promissor para as futuras gerações: o gestor ambiental. Juntamente com os demais setores da sociedade, este profissional pode desenvolver ações que compreendem estas transformações como oportunidades para incluir e avaliar os impactos sociais, econômicos e ambientais. Sendo assim, este estudo considerou também a oportunidade de autorreflexão e de reflexão sobre este perfil profissional, com o foco da contribuição da educação ambiental no processo de construção de cidades sustentáveis, que não se faz sem sujeitos críticos, participativos, seres atuantes e éticos.

Desta forma, anuncia-se a possibilidade de concretização da possibilidade de uma sociedade sustentável, resultado da construção do estado democrático de direito, ética e diálogo permanente com a população. Seres atuantes em suas comunidades chamados muitas vezes de tribos de convivencialidade (SORRENTINO, 2007).

O processo educativo não se faz separado de outros processos que são essenciais a vida em sociedade. Neste sentido, todos os membros da sociedade seriam convidados a desempenhar a tarefa educativa de transformação da realidade. E a partir da educação que se constrói a formação ética. O aspecto relevante da pedagogia Freireana é a perspectiva epistemológica no processo de criar conhecimento (GADOTTI, 1997).

Diante desta questão o trabalho foi desenvolvido sob a ótica da transformação do sujeito que para Paulo R. N. Freire se dá em um processo emancipador e de intervenção e não através de uma educação para o sujeito e sim com o sujeito, uma educação capaz de colaborar na reflexão de seu pensamento superando esta consciência mágica, uma educação instrumento, integrada, ao tempo e ao espaço, que leva o ser humano a refletir sobre a sua vocação de ser mais, de ser sujeito (ZANARDI, 2013). Discutir questões ambientais e sustentabilidade exige aquilo que Freire entendia por comprometimento consigo e com a sociedade.

Este trabalho teve como objetivo geral analisar as ações educativas ambientais realizadas em uma instituição de ensino pública, visando à conscientização da população local através da construção da valoração do lugar onde moram, em virtude da necessidade de preservação e conservação e revitalização do meio ambiente.

O modelo de pesquisa utilizado foi a pesquisa de campo participante. O local escolhido foi a escola pública municipal de ensino fundamental EMEF Solano Trindade por ser uma escola que tem sua filosofia inspirada nos Direitos Humanos e que se preocupa com a melhoria da qualidade de vida ambiental dos seus alunos e da comunidade, localizada no município de São Paulo-SP. Após definição do local foi realizado um levantamento dos registros das ações ambientais desenvolvidas no território de iniciativa da escola ou da própria comunidade. Foram verificados documentos existentes na escola, anotações no caderno de campo contendo registros feitos de memória a partir das conversas informais com profissionais e moradores do bairro e pesquisas em bancos de dados disponíveis na internet e no sítio eletrônico da Prefeitura Municipal de São Paulo e da Secretaria do Verde e Meio Ambiente. Também foram realizadas análises documentais da escola, como o Projeto Político Pedagógico, Projetos do Programa Mais Educação São Paulo, livros de registro dos horários coletivos de formação – JEIF /PEA e projetos de pesquisa que foram ou que ainda estão sendo realizados na escola que tratam da questão ambiental e o estudo do mapa de zoneamento do Butantã. Sobre as condições de vida e de trabalho e demais informações sobre políticas públicas de saneamento básico e os resultados do índice de desenvolvimento humano, foram utilizados os documentos existentes na escola, anotações no caderno de campo contendo registros feitos de memória a partir das conversas informais com profissionais e moradores do bairro e pesquisas em bancos de dados disponíveis na internet e no sítio eletrônico da Prefeitura Municipal de São Paulo e da Secretaria do Verde e Meio Ambiente. Para a definição do conceito de qualidade de vida foram consideradas conceituações teóricas sobre o assunto e

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comparações com os relatos de moradores e de familiares dos estudantes. Diante da dificuldade para tal definição foi levado em consideração as necessidades, anseios e expectativas das pessoas, e a partir destas necessidades foi possível perceber o território e o conceito de qualidade de vida a partir de três perspectivas: A perspectiva das pessoas que moravam na Comunidade Morumbizinho, em Mar Vermelho e nas demais divisões existentes no bairro como as pessoas que moram nos prédios circunvizinhos ou condomínios fechados.

De acordo com o Projeto Político Pedagógico (PPP) da escola de 2011, que retrata o contexto histórico da região em que a escola se situa atualmente, a maioria dessas informações advém de relatos de moradores mais antigos. É relatado neste documento que em 1968 a área da região do bairro Jardim Boa Vista era ocupado por uma chácara, localizada onde é hoje situada pela presença do colégio Micael. Todo o terreno foi vendido, colaborando com a possibilidade de venda de parcelas daquele terreno. Com a falta de planejamento e crescimento contínuo e desenfreado, consequências negativas começaram a repercutir no bairro, sendo estas a ausência de transporte, luz, asfalto, escolas e de água potável, muitos naquela época realizavam a prática de abrir poços artesianos, sendo estes constituídos de água insalubre, além da utilização a água de uma mina que ficava nas ruas Sara Newton e Rose Lacombe (onde atualmente funciona a Unidade Básica de Saúde). Com a necessidade de eximir problemas existentes no bairro, foi formada uma organização de moradores - equipe nomeada de “União de Moradores do Jardim Boa Vista” - conseguindo em 1979 a legislação aplicável à esta organização. Esta equipe fragmentou-se e outra entidade foi criada, denominada “Sociedade dos Amigos de Bairro do Jardim Boa Vista”. A primeira prevaleceu e em 1987 a razão social foi alterada e assim foi criado um novo estatuto. Além dessa sociedade, em 2011 havia e ainda existe a “União de Moradores da Favela do Jardim Boa Vista”, surgida pela busca de melhorias e reivindicações sociais, resultado de um trabalho integrado da comunidade e entidades daquela região. Dentre as questões predominantes nas reivindicações do bairro destacam-se a distribuição de água, luz, ônibus e uma escola municipal. Após mobilizações sociais, melhorias foram concebidas, como por exemplo em 1977, momento em que foi criada a primeira linha de ônibus e já em 1980 a região conquistou a legalização do loteamento e água encanada. Além da construção de um barracão de madeira, na tentativa de atender a necessidade da construção de uma escola, em 1982 a Companhia de Construções Escolares do Estado de São Paulo (CONESP) cedeu o lugar e começou a funcionar a EMEI Deputado Gilberto Chaves. Outras conquistas foram alcançadas, tais como a criação de uma creche e o fechamento da pedreira, que causava impactos negativos para a população local, conferia rachaduras nas residências chegando a atingir a comunidade e as escolas, gerando poluição sonora e ambiental, além de problemas respiratórios. Este problema não afetava somente aqueles que viviam nas proximidades, mas sim abrangia a influência indireta de aspectos negativos da atividade da pedreira. Com a finalidade de solucionar este problema a sociedade local e bairros vizinhos se articularam e conferiram a convocação de órgãos e empresas, como a CETESB, IPT, Emplasa, Sindicato dos Geólogos, a própria empresa dona da pedreira (FIRPAVI), vereadores, deputados e entidades dos bairros, onde foi atribuído normas técnicas, com a falta de compromisso e atendimento da reivindicação dos moradores, houve a promoção de um movimento para o encerramento das atividades. O bairro conquistou em 1988 o asfaltamento de 97% das 24 ruas presentes no bairro. Em 1991 foi realizado um movimento pela construção de um posto de saúde. Em 2011, ainda existia ruas que não tinham redes de esgoto, sendo estas localizadas próximas à escola, e com o aumento populacional do bairro, que cresceu para 15 mil famílias gerou a carência de transporte público, que não conseguiu suprir as demandas necessárias, assim conferindo neste período um dos principais problemas, mas este não seria o único, soma-se a falta de segurança e a questão da iluminação pública. O córrego localizado nesta região, desde esta época, foi afetado pelo crescimento mobiliário em virtude do desenvolvimento de construções que repercutiram no desvio do seu leito, passagem e desembocadura, que a partir destas modificações geraram o agravamento de enchentes. A comunidade ainda luta por mais dignidade, por direitos básicos e por serviços de qualidade na iluminação, limpeza (mato/córrego), saneamento básico (esgoto), coleta regular do lixo doméstico (dia e horário certo), coleta seletiva e também caminhão para retirada de móveis velhos, quebrados (que comumente são jogados no córrego), segurança e o problema das enchentes em épocas de chuva. Diante de todos esses problemas a escola escolheu o córrego como propulsor de melhorias na comunidade, com o intuito de preservar um bem precioso e de extrema importância para a sobrevivência - a água – considerando também a falta de cuidado que envolvem riscos à saúde e a vida dos moradores. A Escola A EMEF Solano Trindade surgiu de mobilizações sociais. Projetos políticos pedagógicos da escola descrevem, à princípio, a Escola Municipal de Primeiro Grau (EMPG) Jardim Boa Vista como denominação inicial, conhecida pela comunidade como “barracão”, que começou a funcionar em 1980 em uma construção de madeira, onde próximo havia um prédio de alvenaria que abrigava os sanitários e também a cozinha. O Decreto n.º 16.529, de março de 1980, marcou a criação da Escola Municipal de Primeiro Grau (EMPG) Jardim Boa Vista. Em novembro do mesmo ano, a escola ganha o seu Patrono, o poeta Solano Trindade através do Decreto n°

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17.014, de Novembro de 1980. A EMPG Jardim Boa Vista torna-se Escola Municipal de Primeiro Grau (EMPG) Solano Trindade. O barracão é desocupado, cedendo lugar à EMEI Deputado Gilberto Chaves, o novo prédio da EMEF Solano Trindade, e em 1982 é inaugurado. Na ocasião, o prédio da escola foi inaugurado com a participação especial de Raquel Trindade, a filha do poeta Solano Trindade. Em Janeiro de 1999 é publicado o Decreto n° 37.796. A EMPG Solano Trindade torna-se Escola Municipal de Ensino Fundamental Solano Trindade. Atualmente a escola encontra-se na rua Gabriel de Carvalho, 60, Jardim Boa Vista (Zona Oeste), próxima do Colégio Waldorf Micael, no município de São Paulo, tendo a comunidade do Morumbizinho, a comunidade do Mar Vermelho e do córrego Itaim circunvizinhas. A escola baseia-se na declaração universal dos direitos do homem, na convenção sobre os direitos da criança e nas declarações das nações unidas, visando a melhoria da qualidade de vida. Inicialmente a instituição procurou conhecer o contexto e alguns dos projetos ambientais existentes no território que estivessem sendo realizados por equipamentos, associações de bairro ou moradores, para que fosse possível, em um segundo momento, pensar em ações educativas ambientais conjuntas visando a conscientização da população e das autoridades para os problemas ambientais existentes no bairro. Como seu objetivo central, a escola procura realizar um processo integrado e de parcerias, principalmente com entidades locais, além de promover a participação de discentes nas discussões, no envolvimento de projetos pedagógicos e discussões coletivas, ofertando um ensino de qualidade, estimulando a transformação no espaço de formação dos sujeitos e assim estimular projetos que visem o envolvimento destes, da sociedade na confecção de ações promotoras de mudanças. Acredita que a escola deve ser um espaço de encontros e de relações cujo papel está em formar integralmente os estudantes, buscando construir situações diversificadas e planejadas que possam colaborar na ampliação de conhecimentos, competências, habilidades, valores e atitudes. Solano Trindade Francisco Solano Trindade, nascido no dia 24 de Julho de 1908, no bairro de São José, em Recife (PE), é o patrono da escola Solano Trindade desde 1980. Além de poeta foi pintor, teatrólogo, ator e folclorista. O poeta foi um dos organizadores e idealizadores do I Congresso Afro-Brasileiro, realizado em 1934 na cidade de Recife e do II Congresso Afro-Brasileiro em Salvador. Em 1936 fundou a Frente Negra Pernambucana e o Centro de Cultura Afro-Brasileiro para divulgação dos intelectuais e artistas negros. No início da década de 40, o poeta segue para Belo Horizonte e depois para o Rio Grande do Sul, onde funda um grupo de arte popular em Pelotas. Em 1944 publicou o seu livro “Poemas de uma Vida Simples”. O poeta foi o grande criador da poesia “assumidamente negra”, segundo muitos críticos. Neste livro existia um poema chamado “Tem Gente com Fome”, e em virtude desta publicação o poeta foi preso, perseguido e o livro apreendido (CAMARGO, 2009). Em São Paulo também funda o Teatro Popular Brasileiro – TPB, onde desenvolveu intensa atividade cultural voltada para o folclore e para a denúncia do racismo. Em 1955 viaja para Europa com o TPB onde realiza espetáculos de canto e dança. Faleceu no Rio de Janeiro, em 19 de Fevereiro de 1974 (SOUZA, 2004). Ações educativas ambientais conjuntas: a escola e a comunidade De acordo com projetos políticos pedagógicos (PPP) da EMEF Solano Trindade, foi possível a partir da intervenção de um supervisor escolar, diante do fato da escola apresentar em seu próprio PPP a preocupação com o meio ambiente, questionar e trazer à tona a questão de um córrego poluído que ficava praticamente ao lado do muro da escola e que tanto afetava a saúde e a dignidade das pessoas. Além da situação de abandono o córrego era utilizado pela população como um local de descarte de resíduos comprometendo suas margens e leito. De dentro da própria escola era possível sentir o forte odor que vinha da água poluída deste córrego e anualmente o bairro tinha que lidar com o problema das enchentes, principalmente os moradores das ruas próximas a este córrego. De início a escola relutou apontando que esta questão do córrego não era de responsabilidade da escola e sim da população local e autoridades. A escola não tinha como resolver os problemas existentes na comunidade porque também não conseguia solucionar seus próprios desafios que, concentravam-se em situações relacionadas a violência e a indisciplina. Uma das atividades propostas pela supervisão escolar foi incentivar os funcionários da escola a conhecerem o bairro. Ocorreram visitas ao entorno para que os professores e equipe gestora conhecessem o contexto e a realidade local. A partir deste primeiro contato da escola com o bairro, os profissionais se mobilizaram para a primeira ação educativa ambiental envolvendo toda a comunidade escolar. A primeira ação ocorreu em maio de 2010 e foi divulgada através do Programa Amigos da Escola cuja temática em questão era a escola e a comunidade. Em 2013 a escola foi uma das escolas vencedoras do 1º Prêmio de Direitos Humanos com o projeto “Córrego Limpo, comunidade viva”. A Secretaria de Direitos Humanos e Cidadania em parceria com a Secretaria Municipal de Educação fizeram a publicação de um livro sobre práticas e vivências, relatos de experiências, contando um pouco sobre cada um desses projetos vencedores. Nesta publicação é possível acompanhar algumas das ações que foram feitas pela escola Solano Trindade, junto com outras instituições locais e comunidade escolar, para a melhoria das condições de vida ambiental da população. Algumas das ações realizadas foram: “Xeque-mate pelo Córrego” (Figura 1), “Todo Lixo Vira Arte” e “Cinema

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pelo córrego” (Figura 2). Todas estas atividades e ações foram consideradas e fizeram parte das discussões ocorridas durante o processo de reconstrução do Projeto Pedagógico, da formulação do Plano de Gestão, da elaboração dos Planos de Ensino e de Trabalho, das formações em horários coletivos (JEIF, PEA, Jornadas e Reuniões Pedagógicas) e elaboração.

Figura 1. Ações realizadas pela EMEF Solano Trindade: “Xeque-mate pelo Córrego”. Fonte: EMEF Solano Trindade, 2017.

Figura 2. Ações realizadas pela EMEF Solano Trindade: (A) “Todo o Lixo Vira Arte” e (B) “Cinema pelo córrego”. Fonte: EMEF Solano Trindade, 2017.

Foi evidenciada como uma das principais ações da escola a prática de articulações genéricas. Observaram-se articulações entre a teoria e práticas, entre a escola e a comunidade, entre a confecção de projetos de campo, entre o saber escolar e os demais saberes, entre os equipamentos que atuam em mesmo território, inter-secretarial, intersetorial e a existência de articulação entre controle social e políticas públicas. Durante o período de pesquisa e realização deste trabalho foi possível constatar a necessidade de transformação do cotidiano para que seja possível superar os desafios ambientais existentes no território que tanto afetam a vida das gerações atuais e futuras. De fato, vivemos a cultura do risco, passando por crises ambientais, onde o nosso poder de transformação tem sido superior a nossa capacidade de reflexão sobre as ações.

A escola mostrou-se atuante em ações e projetos em pró-meio ambiente e na promoção de melhorias na qualidade de vida ambiental. Evidenciou-se que a escola e a comunidade local podem intensificar a promoção da melhoria da qualidade de vida com a implantação de um parque linear. Infelizmente, evidenciou-se também que devido de rápidas mudanças e do desenvolvimento desenfreado no bairro Jardim Boa Vista ocorreram impactos negativos diretamente na área do córrego. Observou-se neste estudo o quanto a escola obtém um papel importante na construção de valores e práticas pedagógicas transformadoras e emancipatórias promovendo a vida como valor ético e político, contribuindo assim para a construção de sociedades sustentáveis, conjuntamente com a formação cidadã e do sujeito crítico. A educação ambiental a partir da perspectiva interdisciplinar, envolvendo todas as áreas do saber, como também a participação popular e dos demais setores da sociedade, sendo que as exigências legais na elaboração destas práticas nos projetos de escolas estão cada vez mais em pauta. E se a educação ambiental pode contribuir na construção de sociedades sustentáveis, o que tem feito a sociedade, as autoridades e demais instituições e empresas para que o direito a qualidade de vida ambiental seja uma atitude de respeito à vida?

A B

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A responsabilidade é conjunta, ou seja, todos nós somos incumbidos de preservar e conservar o meio ambiente, a fim de garantirmos um futuro sustentável e a sobrevivência do planeta. Portanto, os indivíduos tem a responsabilidade de assegurar que as futuras gerações sejam capazes de desfrutar os benefícios ambientais que existem atualmente (SCHWANKE, 2013). Sendo assim, feito de maneira colaborativa e respaldada em direitos e deveres, realizado de forma integrada e conjunta, os objetivos de assegurar o pouco que temos para os próximos será mais efetivo, sendo este, a falta da existência de um trabalho coletivo um dos principais problemas na promoção da preservação e conservação do meio ambiente. No entanto estes problemas de conexões, trabalhos coletivos, falta de sinergia e ações conjuntas em prol da execução de um objeto compartilhado não fica somente no âmbito ambiental, ocorre desde pequenas ações do dia a dia até projetos sociais de extrema importância (LIBERALI, 2010).

Observou-se, no decorrer do trabalho, a existência de irregularidades, como a criação de uma comunidade na região, que resultou em diversos impactos negativos ao córrego e à manutenção da qualidade do mesmo.

É imprescindível construir a consciência tão sonhada por protetores ambientais, como gestores ambientais, àquela que fará da proteção e conservação um dos estilos de vida buscados pela sociedade. Ainda estamos sujeitos a pensamentos insustentáveis de qualidade de vida, já que esta engloba primeiramente a questão ambiental, e ao adquiri-la consequentemente será possível conseguir cada uma das demais, mas no mesmo momento que existe este raciocínio não sustentável, existem também atitudes voltadas para o meio ambiente, compromissadas com o futuro do planeta e a o bem-estar das futuras gerações.

A EMEF Solano Trindade comprometeu-se no período investigado e se compromete com a prática de projetos e ações que permitam a promoção de aspectos ambientais visando a participação de todos na composição da valoração do espaço de convívio conjunto. Estas ações obtiveram grandes impactos na comunidade local e também no país, pois conferiram repercussões nacionais. Além de atribuir a ampliação do olhar sobre o contexto, fortalecendo assim a valoração e a transformação dos envolvidos, conferiu também práticas pedagógicas mais abrangentes e favorecendo o empoderamento dos espaços existentes na comunidade, trouxe a gestão social como pauta necessária na construção conjunta, entre a escola, comunidade, instituições locais, alunos e familiares nos projetos desenvolvidos. Por meio das análises conferidas no campo de pesquisa, conclui-se que a escola EMEF Solano Trindade apresenta um papel de exímia importância no bairro Jardim Boa Vista, não somente por fazer parte da história de luta e das conquistas (com memórias resguardadas), mas também porque possui, dentro e fora dos seus muros, um projeto integrador e um consolidado pensamento pró-meio ambiente.

Agradecemos à EMEF Solano Trindade pela oportunidade do desenvolvimento deste trabalho e também à comunidade do Jardim Boa Vista, que nos recebeu e compreendeu a importância do desenvolvimento deste estudo de caso.

BRASIL. Lei nº 9.795, de abril de 1999. CALGARO, C. Desenvolvimento sustentável e consumo: a busca do equilíbrio entre o homem e o meio ambiente. Relações de consumo - Meio ambiente, p. 45, 2009. CAMARGO, O. Solano Trindade, Poeta do Povo. São Paulo: Editora Laboratório do curso de Editoração, 2009. FERNANDES, R. S. et al. Uso da percepção ambiental como instrumento de gestão em aplicações ligadas às áreas educacional, social e ambiental. Anais e Resumos. Encontro Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ambiente e Sociedade, Florianópolis, Brasil, v. 21, p. 26, 2007. GADOTTI, M. Lições de Freire. Revista da Faculdade de Educação, v. 23, n. 1-2, 1997. HERCULANO, S. Riscos e desigualdade social: a temática da Justiça Ambiental e sua construção no Brasil. Anais e Resumos. I Encontro da ANPPAS, 2002. LIBERALI, F. C. Formação crítica de educadores: questões fundamentais. Campinas-SP: Editora Pontes, 2010 (Novas perspectivas em linguística aplicada, v. 8). PROJETO POLÍTICO PEDAGÓGICO DA EMEF SOLANO TRINDADE, 2011. PROJETO POLÍTICO PEDAGÓGICO DA EMEF SOLANO TRINDADE, 2012. SCHWANKE, C. Ambiente: Conhecimentos e Práticas. Rio Grande do Sul: Editora Bookman, 2013 (Série Tekne). SOUZA, F. Solano Trindade e a produção literária afro-brasileira. Afro-Ásia, n. 31, 2004.

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SORRENTINO, M. et al. Política pública nacional de educação ambiental não-formal no Brasil: gestão instituticional, processos formativos e cooperação internacional. Anais e Resumos. Conferência Internacional de Educação Ambiental, n. 4, 2007. TRIGUEIRO, A. Meio ambiente no século 21: especialistas falam da questão ambiental nas suas áreas de conhecimento. Campinas, SP: Autores Associados, 2005. VILHENA, R. H.; OLIVEIRA, M. P. Percepção ambiental e qualidade de vida sob o olhar do cidadão: estudo de caso na vila de São Sebastião de Arapixi, Chave, Ilha do Marajó. Disponível em: <http://www.anppas.org.br/encontro5/cd/resumos/GT3-486-436-20100520173608.pdf>. Acesso em: 10 fev. 2018. ZANARDI, C.; TEODORO, A. Educação integral, tempo integral e Paulo Freire: os desafios da articulação conhecimento tempo território. Revista e-Curriculum, 2016.

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Recebido em 20 nov. 2017; aceito em 29 jan. 2018; publicado em 12 mar. 2018.

1 Instituto Federal de São Paulo, câmpus São Roque. E-mail: [email protected]

. O presente estudo analisou a obra “O cortiço” de Aluísio

Azevedo por intermédio de conceitos sociológicos desenvolvidos comumente no Ensino Médio. Destacamos a importância do conhecimento das relações sociais presentes na obra para a melhor compreensão do enredo desse clássico da literatura brasileira, sobretudo pelo público estudantil, que o enxerga como leitura obrigatória para exames vestibulares. O trabalho desenvolveu-se a partir dos conteúdos básicos presentes nos livros didáticos de Sociologia para os estudantes secundaristas. À luz dos conceitos de Durkheim, Marx e Weber, observou-se uma abundância de questões sociais presentes no romance de Azevedo, existindo ainda diversos pontos a serem trabalhados futuramente.

: Literatura, romance, relações sociais, sociologia.

. The present study analyzed the work "O cortiço" by Aluísio Azevedo through sociological concepts usually developed in High School. We emphasize the importance of knowing the social relations present in the work to better understand the plot of this classic of Brazilian literature, especially by the student public, who sees it as a compulsory reading for vestibular exams. The work developed from the basic contents present in the textbooks of Sociology for the secondary students. In light of the concepts of Durkheim, Marx, and Weber, an abundance of social issues were present in Azevedo's novel, and there are still several points to be worked out in the future.

Literature, romance, social relationships, sociology.

A sensação de ler uma obra antiga e compreender questões sociais atuais ocorre, geralmente, quando nos debruçamos sobre um clássico da literatura (CALVINO, 1991). O livro “O cortiço”, publicado por Aluísio Azevedo em 1890, é um romance brasileiro frequentemente cobrado nos vestibulares que representa alegoricamente a ascensão do sistema capitalismo no Brasil e o crescimento desordenado dos nossos centros urbanos, processo cujas consequências são sofridas até os dias de hoje (AZEVEDO, 2011 [1890]). Portanto, é um clássico da literatura que dialoga com as questões históricas e prementes da realidade social do país.

Sua história se passa entre o cortiço do personagem João Romão e o casarão do seu vizinho, Sr. Miranda, situados no bairro de Botafogo, Rio de Janeiro. O enredo é composto por várias personagens, dentre elas destacam-se: João Romão, Bertoleza, Miranda, Zulmira, Estela, Botelho, Jerônimo, Rita Baiana, Pombinha e Leoni. No meio das características das personagens, e em suas relações, verificam-se episódios de preconceitos, segregações, desigualdades e homoafetividades, entre outras questões que também podem ser analisadas à luz do crivo da Sociologia (AZEVEDO, 2011; SILVA, 2013).

Apesar de já comprovada a importância da leitura de clássicos para desenvolver o senso crítico, fortalecer a imaginação e compreender a atualidade (CALVINO, 1991), muitos jovens ao se verem obrigados a lerem obras cobradas nos vestibulares, sentem-se aprisionados a uma literatura com palavras rebuscadas e monótonas, não desenvolvendo o gosto por esse tipo de leitura e, por conseguinte, desconhecer a sua importância.

Frente a isso, o processo de ensino-aprendizagem da literatura clássica nas escolas de nível médio deve-se atentar a conquistar o interesse dos estudantes em ler essas obras por prazer, contextualizando-as como ferramentas de compreensão e comparação com a realidade. Para isso, a disciplina Sociologia fornece conceitos que auxiliam o entendimento de fatos da realidade (GUILHERME, 2014).

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – Darcy Ribeiro (LDBEN – Lei 9.394/1996) ressalta a importância da Sociologia no processo de ensino aprendizagem da Educação básica. Afirma que aplicada à educação, a Sociologia “participa diretamente no aprendizado e exercício da cidadania dos alunos, empreendendo uma postura autônoma aos jovens, tornando-os capazes de refletir, criticar e aptos a alterarem o meio em que vivem.” (BRASIL, 1996, p.34).

Em virtude da relevância da leitura d’O cortiço pelos jovens e a importância do conhecimento da realidade brasileira para a compreensão dessa obra, o presente estudo busca mostrar como a aproximação de conceitos sociológicos com a narrativa de Aluísio Azevedo facilita e estimula a apreensão desse clássico da literatura brasileira pela juventude. O principal aporte teórico utilizado neste trabalho foi o livro O cortiço (2011) de Aluísio Azevedo, com a aplicação de conceitos sociológicos básicos, presentes em livros didáticos para estudantes do Ensino Médio (SILVA et al., 2013), tomando como base os principais autores para a iniciação do processo de ensino aprendizado do componente curricular de Sociologia, como Karl Marx, Émile Durkheim e Max Weber.

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A solidariedade de Émile Durkheim Na perspectiva durkheimiana, a organização comportamental da sociedade pode ser classificada em solidariedade orgânica e mecânica. A mecânica é definida por uma sociedade padronizada, com pensamentos, valores e culturas parecidas. Já na clássica história de Aluísio Azevedo, a formação do cortiço é acompanhada de diferentes personagens que formam uma sociedade complexa, ou como estabelecida por Émile Durkheim: orgânica. Essa sociedade apresenta, entre outras coisas, diversidades étnicas - como a figura do português Jerônimo e da baiana Rita; diversidade ideológica - como a existência de personagens ligados à erudição como o Sr. Miranda e Dona Estela de um lado, e a presença da cultura popular representada por João Romão, Bertoleza, Rita Baiana etc. Com o sistema capitalista, a divisão social do trabalho se torna tão desenvolvida e fragmentada que a interdependência entre os indivíduos é acentuada, ocorrendo a formação de um verdadeiro “Organismo Social”, outro conceito importante de Durkheim (SILVA et al., 2013). Esse organismo (sociedade) seria constituído por diversos componentes interligados, como igreja, família, escola, trabalho, etc. Quando um desses componentes entra em desequilíbrio, ocorre a anomia social. Segundo Durkheim (SILVA et al., 2013), para evitar as anomias sociais as instituições deverão estabelecer medidas coercitivas para alcançar o equilíbrio novamente. No trecho a seguir, Azevedo trata o cortiço como algo vivo, que está crescendo, um verdadeiro organismo.

E naquela terra encharcada e fumegante, naquela umidade quente e lodosa, começou a minhocar, a esfervilhar, a crescer, um mundo, uma coisa viva, uma geração, que parecia brotar espontânea, ali mesmo, daquele lameiro, e multiplicar-se como larvas no esterco (AZEVEDO, 2011, p. 21).

Outro conceito desenvolvido por Durkheim na obra As regras do método sociológico (1895), é o fato social, entendido como um conjunto de práticas, normas, costumes e pensamentos presentes na sociedade, que são externos ao indivíduo, independentes e coercitivos.

E assim, pouco a pouco, se foram reformando todos os seus hábitos singelos de aldeão português: e Jerônimo abrasileirou-se. A sua casa perdeu aquele ar sombrio e concentrado que a entristecia; já apareciam por lá alguns companheiros de estalagem, para dar dois dedos de palestra nas horas de descanso, e aos domingos reunia-se gente para o jantar. A revolução afinal foi completa: a aguardente de cana substituiu o vinho; a farinha de mandioca sucedeu à broa; a carne-seca e o feijão-preto ao bacalhau com batatas e cebolas cozidas; a pimenta-malagueta e a pimenta-de-cheiro invadiram vitoriosamente a sua mesa; o caldo verde, a açorda e o caldo de unto foram repelidos pelos ruivos e gostosos quitutes baianos, pela muqueca, pelo vatapá e pelo caruru; a couve à mineira destronou a couve à portuguesa; o pirão de fubá ao pão de rala, e, desde que o café encheu a casa com o seu aroma quente, Jerônimo principiou a achar graça no cheiro do fumo e não tardou a fumar também com os amigos (AZEVEDO, 2011, p. 84).

O trecho acima exemplifica a importância da interação e coerção social como fenômenos que influenciam a maneira de pensar, sentir e agir dos indivíduos. As lutas de classes de Karl Marx Utilizando conceitos de Karl Marx, pode-se analisar os conflitos que ocorreram dentro da obra O cortiço, a divisão social do trabalho e as constantes mudança estruturais e sociais que estiveram evidentes no decorrer do romance. Segundo Marx, o modo de produção da vida material condiciona o processo de vida social, política e intelectual. Portanto, a socialização e integração dos indivíduos em uma sociedade estão totalmente associados e dependentes aos meios de produção, consequentemente, essas relações sociais de trabalho dividem as pessoas entre possuidores e não possuidores dos meios de produção, formando-se as desigualdades (SILVA et al., 2013), ou seja, a divisão entre burguesia (exemplificado pela figura de João Romão) e proletários (o restante dos habitantes do cortiço). Essas duas classes, por terem interesses diferentes, geram conflitos, chamados luta de classes, conceito que para Marx move há tempos as sociedades. Nessas lutas, os detentores dos meios de produção buscam o lucro, não se importando com as condições dos trabalhadores. Estes, sempre vão lutar por qualidade de trabalho, igualdade de direitos e por ascensão social e econômica (SILVA et al., 2013). No trecho de diálogo seguinte, Jerônimo negocia com João Romão o preço de sua força de trabalho. Um busca pagar menos para ter mais lucro, enquanto o outro busca um salário maior.

- Quanto lhe dão lá? - Setenta mil-réis. - Oh! Isso é um disparate! - Não trabalho por menos... - Eu, o maior ordenado que faço é de cinqüenta. - Cinqüenta ganha um macaqueiro... - Ora! tenho aí muitos trabalhadores de lajedo por esse preço!

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- Duvido que prestem! Aposto a mão direita em como o senhor não encontra por cinqüenta mil-réis quem dirija a broca, pese a pólvora e lasque fogo, sem lhe estragar a pedra e sem fazer desastres! - Sim, mas setenta mil-réis é um ordenado impossível! - Nesse caso vou como vim... Fica o dito por não dito! - Setenta mil-réis é muito dinheiro!... (AZEVEDO, 2011, p. 40).

No cortiço essas lutas entre classes são notórias. Por exemplo, o conflito que ocorre entre João Romão e Miranda, no qual, de início, João Romão busca o seu progresso econômico e após atingir esse objetivo, percebe que contém o capital, mas não prestígio social de Miranda. Então João Romão vai a busca do título de Visconde, como mostra o fragmento do livro:

E via-se já na brilhante posição que o esperava: uma vez de dentro, associava-se logo com o sogro e iria pouco a pouco, como quem não quer a coisa, o empurrando para o lado, até empolgar-lhe o lagar e fazer de si um verdadeiro chefe da colônia portuguesa no Brasil; depois, quando o barco estivesse navegando ao largo a todo o pano — tome lá alguns pares de contos de réis e passe-me para cá o título de Visconde! Sim, sim, Visconde! Por que não? e mais tarde, com certeza, Conde! Eram favas contadas! (AZEVEDO, 2011, p. 196).

Com essa ascensão socioeconômica, João Romão se transfere para a elite burguesa da época. Esse fator é determinante para a construção do seu personagem, no qual ocorre uma modificação de pensamentos referentes à sociedade. Esse fato evidencia os argumentos de Marx que cada classe social tem suas regras e condutas apropriadas e aqueles membros do proletariado que conseguem, por diferentes motivos, ascender, precisaram adotar a ideologia do grupo dominante para ser aceito. No limite, as condições materiais de existência determinarão, independentemente da origem social, a sua concepção de mundo. A ação racional de Max Weber Na análise de Max Weber, o objeto de estudo da sociologia deve ser o indivíduo, pois este é capaz de influenciar a sociedade. Esse pensador ainda define os motivos pelos quais os indivíduos geralmente agem, sempre pensando na interação com o outro – que o pensador alemão denominou de ação social (SILVA et al., 2013). N’O cortiço a maioria das ações dos indivíduos é tomada a partir de ações afetivas, na qual se pode exemplificar o comportamento repentino e drástico do “certinho” Jerônimo após conhecer e se apaixonar pela mulata Rita Baiana, corrompendo com seu casamento e sua responsabilidade. Entretanto, a ação racional orientada a fins que move as decisões de João Romão, que traceja um rumo racional para o seu desejo de se tornar rico, mostra que o taverneiro fará uso, de maneira planejada, de diferentes indivíduos para alcançar seu objetivo: ser aceito pela alta sociedade carioca. Em outras palavras, o romance aciona os tipos ideias de ação social exemplificada por Weber.

As características dos personagens e a relações interpessoais entre eles demonstram os aspectos culturais, raciais, de gênero e de sexualidade da sociedade da época em que a obra foi produzida. Aspectos culturais Desde o início da narrativa do romance O cortiço encaminha-se uma dualidade de culturas, que em maior número estão os brasileiros (simbolizado pelo João Romão e Rita Baiana), os quais possuem grande influência dos costumes característicos das camadas populares do Brasil naquela época, como o samba criado pelo pela população negra (SODRÉ, 1998). Já os portugueses (simbolizado pelo Sr. Miranda e Jerônimo) constituem-se por um grupo em menor quantidade, mas com grande expressividade. Estes são caracterizados como eruditos por pertencerem à elite, com maior nível de instrução e carregados de costumes “caros”. O poderio da cultura erudita não se justifica somente pelo meio econômico. João Romão acumulará tanta riqueza ao ponto de se tornar financeiramente mais poderoso que o Miranda. Contudo, a cultura do português prevalecerá e passará a influenciar nas ações do brasileiro dono do cortiço, possivelmente pelo fato de Miranda apresentar costumes requintados, valorizados socialmente. Esse episódio alude às ideias do pelo pensador italiano Antonio Gramsci, especialmente à sua teoria da “hegemonia cultural”, na qual ele defende que a imposição ideológica não ocorre pelo estamento das classes sociais segundo critérios econômicos, mas também pelas alianças e articulações bem fundamentadas de diferentes grupos (SILVA et al., 2013). Aspectos raciais Apesar dos principais grupos que ocupavam o cortiço serem de portugueses brancos e brasileiros negros (pretos, pardos e mulatos), o convívio entre as etnias era marcado por forte discriminação. Com destaque para a ex-escrava e companheira de João Romão, Bertoleza, uma figura discriminada pela cor da sua pele, seus trejeitos

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considerados inadequados e pela sua posição social. Esta personagem, negra e mulher, na condição total de inferioridade, aos pés de João Romão, é apresentada no romance numa condição de profunda submissão. Bertoleza aparece ao lado de João Romão no papel de criada e de amante, trabalhava incansavelmente para a construção do cortiço, entretanto nunca assumiu nenhuma importância social naquele local. No trecho a seguir está descrito a forma em que Bertoleza era vista por João Romão, deixando de ser um ser humano para ser vista como um animal (zoomorfização das personagens):

Bertoleza é que continuava na cepa torta, sempre a mesma crioula suja, sempre atrapalhada de serviço, sem domingo nem dia santo; essa, em nada, em nada absolutamente, participava das novas regalias do amigo; pelo contrário, à medida que ele galgava posição social, a desgraçada fazia-se mais e mais escrava e rasteira. João Romão subia e ela ficava cá embaixo, abandonada como uma cavalgadura de que já não precisamos para continuar a viagem. Começou a cair em tristeza (AZEVEDO, 2011, p. 137).

Outra figura negra do cortiço que é retratada de forma pejorativa é a Rita Baiana, um estereótipo de mulher brasileira “perfeita”, com sua sensualidade e rebeldia. No entanto, somente possui essa imagem porque foi construída ficcionalmente como uma mulher que atraia os homens e sua função era ser somente um objeto. Além disso, Rita Baiana também é apresentada como uma figura “burra” e aproveitadora. Aspectos de gênero e sexualidade Na narrativa, também se conjecturam conflitos entre diversas pessoas e grupos em relação à questão de gênero e sexualidade. Embora esse tipo de narrativa retrate questões consideradas avançadas para a época, a mesma está inarredável ao pensamento viril. Um exemplo notório dessa premissa é a relação abusiva entre Rita Baiana e Jerônimo. Aquela é uma personagem descrita como um símbolo sexual, rompendo paradigmas sobre a liberdade da mulher em pleno século XIX, e por sua vez, se casa com um português que a princípio é um homem íntegro e trabalhador, mas com o passar do tempo, Jerônimo começa a demonstrar um comportamento agressivo sobre Rita Baiana entrando em um ciclo violento, que podemos intitular como violência doméstica. O termo violência contra a mulher se fortalece na segunda metade do século XX com o intuito de propagar para a sociedade que as mulheres é o principal alvo da violência praticada pelos homens - que ocorre em diversas situações, principalmente na própria casa. A violência doméstica pode ser definida como todo tipo de violência exercida entre membros que habitam o mesmo ambiente, na maioria das vezes, familiar (SILVA et al., 2013). Além das tramas envolvendo o casal, outras histórias são difundidas na obra por personagens femininos. Um fato que chama a atenção é que o autor descreve algumas figuras levando em conta características físicas e psicológicas, principalmente das mulheres que fogem dos padrões. Nas descrições feitas por Azevedo (2011), algumas personagens são taxadas como loucas. Um exemplo notório é Paula, mais conhecida como Bruxa: Uma cabocla velha que exercia o papel de curandeira. Ela põe fogo no cortiço duas vezes e morreu na última tentativa. Durante muito tempo (especialmente na Idade Média), a igreja católica perseguiu todas e todos que fugissem dos padrões impostos pelo cristianismo, com o intuito de mantê-los no “caminho de Deus” usando poder e dominação. Dentre esses grupos estavam as bruxas. Pautando-se que as bruxas não estavam dentro daquilo que consideravam normal, surge o seguinte questionamento: Como são as bruxas? Por ímpeto, e dependendo da pessoa, ela responderia: Velha, nariguda, com verrugas, que usam chapéus pontudos e usam caldeirões. Tais respostas são reflexo do preconceito enraizado em nossa sociedade para estigmatizar todas aquelas mulheres que, de certa forma, fogem dos padrões impostos (SILVA et al., 2013).

Para a compreensão da organização do cortiço, considerando suas relações de poder, políticas e a participação pública entre seus moradores, deve-se conhecer a importância do papel de João Romão, o real dono e administrador do local. Obstinado na acumulação de riquezas, o dono da hospedagem passará a agir somente pelo o seu desejo de enriquecer. Quando alcança tal importância econômica, muda seu comportamento, passando a exercer um poder exploratório sobre os moradores, com viés econômico, tornando um ciclo incansável para a sua contenção individual em acumular riquezas. Esse comportamento é conceituado por Karl Marx como “lenda e pecado original do capitalismo”. Sereza (2014) também contextualiza esse conceito n’O cortiço:

A lenda teológica conta-nos que o homem foi condenado a comer o pão com o suor de seu rosto. Mas a lenda econômica explica-nos o motivo por que existem pessoas que escapam a esse mandamento divino. Aconteceu que a elite foi acumulando riquezas, e a população vadia ficou finalmente sem ter outra coisa para vender além da própria pele. Temos aí o pecado original da economia. Por causa dele, a grande massa é pobre e, apesar de se esfalfar, só tem para vender a própria força de trabalho, enquanto cresce continuamente a riqueza de poucos (SEREZA, 2014, p. 959-960).

A partir desse conceito, consegue-se compreender como se construiu a relação de poder de João Romão com os

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habitantes do cortiço, que de tanto acumular capital se torna o pivô das relações econômicas e de poder, “forçando” as pessoas ao seu redor a trabalharem para ele. Assim, o dono da estalagem passa a não realizar mais o trabalho braçal. O demasiado poder de João Romão o tornará, alegoricamente, o “Estado” do cortiço, o qual possuirá a centralização das decisões somente em suas mãos, formando um sistema político aristocrático e acima de tudo patriarcal – Bertoleza também ajudará a construir e desenvolver o cortiço, mas por ser uma figura feminina, negra, ex-escrava e pela ideologia individualista e machista da sociedade brasileira, não conquistará os privilégios e poderes de João Romão. Em um sistema patriarcal e aristocrático não existe democracia, com a inexistência da opinião do coletivo nas tomadas de decisões. No estado democrático de direito uma das formas de conhecer a opinião pública é por meio da eleição de representantes políticos, além da realização de referendos e plebiscitos (SILVA et al., 2013). No cortiço nenhum sistema democrático é estabelecido, pois João Romão somente decreta seus anseios e todos os moradores devem obedecer, caso ao contrário sofrerão sanções, como evidenciado no trecho a seguir:

Agora, na mesma rua, germinava outro cortiço ali perto, o “Cabeça-de-Gato” (...). E João Romão, estalando de raiva, viu que aquela nova república da miséria prometia ir adiante e ameaçava fazer-lhe à sua, perigosa concorrência. Pôs-se logo em campo, disposto à luta, e começou a perseguir o rival por todos os modos, peitando fiscais e guardas municipais, para que o não deixassem respirar um instante com multas e exigências vexatórias; enquanto pela sorrelfa plantava no espírito dos seus 100 inquilinos um verdadeiro ódio de partido, que os incompatibilizava com a gente do “Cabeça-de-Gato”. Aquele que não estivesse disposto a isso ia direitinho para a rua (AZEVEDO, 2011, p. 134-135).

As ações de João Romão para promover a harmonia são, na realidade, para que os seus negócios não sejam prejudicados e ele perca o controle, visando mais uma vez o benefício próprio. Como exemplo está o episódio em que Domingos, caixeiro de João Romão, engravidou a filha de dona Florinda - esta por sua vez cobra o compromisso do homem com sua menina. Em meio a discussão, João Romão intervém e obriga seu caixeiro a pagar um dote para a família de Florinda, em meio a protestos de Domingos, o dono do cortiço declara:

— E não principie com muita coisa, que lhe fecho a porta e deixo-o ficar às turras lá fora com esses danados! Você bem viu como estão todos a seu respeito! E, se há pouco não lhe arrancaram os fígados, agradeça-o a mim! Foi preciso prometer dinheiro e tenho de cair com ele, decerto! mas não é justo, nem eu admito, que saia da minha algibeira porque não estou disposto a pagar os caprichos de ninguém, e muito menos dos meus caixeiros! (AZEVEDO, 2011, p. 94).

O poderio de João Romão consegue ir além da tomada de decisões por conta própria, como uma espécie de “Estado” ele garante a harmonia no cortiço com o uso da força física e verbal. Essas atitudes muito se assemelham a ideia inicial de “contrato social” estabelecido por Thomas Hobbes (1588-1679), sem prevê, contudo, o bem do coletivo.

Conclui-se que o diálogo entre os conhecimentos de diferentes saberes contribui para despertar o interesse dos estudantes pelas obras clássicas da literatura brasileira. Além disso, no romance “O cortiço” observou-se uma abundância de questões sociológicas estudadas no Ensino Médio.

AZEVEDO, A. O cortiço. 38.ed. São Paulo: Ática, 2011. BRASIL. Lei nº 9394, de 20 de dezembro de 1996. Disponível em: <https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Leis/L9394.htm>. Acesso em: 12 ago. 2017. CALVINO, I. Por que ler os clássicos. 2.ed. São Paulo: Companhia das letras, 1993. GUILHERME, R. T. M. O que distancia o educando da literatura?. In: SANTOS, A. I. et al. (Orgs.). A gestão pública na visão dos técnicos administrativos em educação das Universidades Públicas e Institutos Federais. São Paulo: Digital Books, 2014. SILVA, A. et al. Sociologia em movimento. São Paulo: Moderna, 2013. SEREZA, H. C. O cortiço, romance econômico. Novos estudos - CEBRAP, n. 98, São Paulo, mar. 2014. SODRÉ, M. Samba, dono do corpo. São Paulo: Ed. Mauad, 1998.

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Recebido em 20 nov. 2017; aceito em 29 jan. 2018; publicado em 12 mar. 2018.

1 Instituto Federal de São Paulo, câmpus São Roque e Faculdade 28 de Agosto. E-mail: [email protected] 2 Instituto Federal de São Paulo, câmpus São Roque. E-mail: [email protected]

. A lógica produtiva que praticamos leva ao surgimento de

desigualdades econômicas e exclusões sociais de parte da população que não consegue se inserir no mundo do trabalho ou se inserem de modo bastante precário. Devido às diversas funções desempenhadas pelo Estado, muitas vezes essa população tampouco consegue ser atendida por políticas públicas que realmente transformem sua realidade. O empreendedorismo social surge nesse contexto e procura dar uma resposta tanto à carência econômica quanto aos problemas sociais de parte da população desassistida pelo Estado e pelas empresas privadas. Nesta Pesquisa Bibliográfica, objetivamos caracterizar o empreendedorismo social a partir de diferentes autores. Como resultado, constatamos que o empreendedorismo social é marcado: pela geração de renda própria, a partir da autonomia na gestão do empreendimento; pelo desenvolvimento do espaço público e empoderamento da população, tendo em vista a abertura ao diálogo e à participação da população; pela qualidade de vida, no que se refere à melhoria dos aspectos biológicos, psicológicos e sociais da população; pelas práticas sociais empreendedoras, devido ao estímulo à proatividade da população na busca e conquista de melhores condições de vida; pelas atividades social, cultural, econômica, ambiental e financeiramente sustentáveis, tendo em vista o desenvolvimento de empreendimentos que sejam duradouros e equilibrados entre os diversos participantes. Finalmente, consideramos que o empreendedorismo social pode ser uma resposta econômica e social à diminuição das desigualdades enfrentadas pela população à base da pirâmide.

: Empreendedorismo social, empoderamento, sustentabilidade.

. The productive logic we practice leads to the emergence of economic inequalities and social exclusion of part of the population that cannot enter the world of work or are inserted in a rather precarious way. Due to the diverse functions performed by the State, often this population cannot be served by public policies that really transform its reality. Social entrepreneurship arises in this context and seeks to respond to both the economic and social problems of the population that are not served by the state and by private companies. In this bibliographic research, we aim to characterize social entrepreneurship from different authors. As a result, we find that social entrepreneurship is marked by the generation of own income, from the autonomy in the management of the enterprise; the development of public space and the empowerment of the population, with a view to opening up dialogue and participation of the population; quality of life, as regards the improvement of the biological, psychological and social aspects of the population; by the entrepreneurial social practices, due to the stimulus to the pro-activity of the population in the search and conquest of better conditions of life; social, cultural, economic, environmental and financially sustainable activities, with a view to the development of projects that are long lasting and balanced among the various participants. Finally, we consider that social entrepreneurship can be an economic and social response to the reduction of inequalities faced by the population at the base of the pyramid.

Social entrepreneurship, empowerment, sustainability.

O empreendedorismo social entra no debate internacional como alternativa à falta de emprego e renda, do ponto de vista econômico, e à diminuição das políticas públicas promovidas pelo Estado, do ponto de vista político (KRONEMBERGER; COSTA, 2016; MARTIN; OSBERG, 2015; PNUD, 2015; ROSOLEN; TISCOSKI; COMINI, 2014; FISCHER; COMINI, 2012; BORZAGA; GALERA; NOGALES, 2008).

No Brasil, a questão do desenvolvimento local traz diferentes desafios adicionados ou similares aos encontrados nas economias centrais. Em nosso contexto, a questão da diminuição da desigualdade social alinha-se à necessidade de incrementar a cidadania, a democracia e a participação da população na vida pública (BOSE, 2012). Assim, o empreendedorismo social seria não apenas uma forma de geração de emprego e renda sustentáveis para população marginalizada como também uma possibilidade de empoderamento da população para aquisição ou manutenção de direitos (MORAES, 2017).

Nesta Pesquisa Bibliográfica, objetivamos caracterizar o empreendedorismo social a partir de diferentes autores, de modo que pesquisadores, sobretudo no campo da Administração, interessem-se pelo tema e desenvolvam atividades acadêmicas.

A escassa literatura ainda existente sobre o tema no campo da Administração nos fez decidir realizar uma Pesquisa Exploratória, quanto à sua finalidade. Mesmo essa escassez não nos impediu de realizar uma Pesquisa Bibliográfica, de certo modo, adequada a este trabalho. Para Gil (2008), essa pesquisa “é desenvolvida a partir de material já elaborado, constituído principalmente de livros e artigos científicos. (...) Parte dos estudos exploratórios podem ser definidos como pesquisa bibliográficas” (GIL, 2008, p. 51). Os artigos e teses utilizados foram selecionados em bases de dados nacionais e internacionais enquanto que os livros foram obtidos em bibliotecas universitárias. Utilizamos o

descritor “empreendedorismo social” para o levantamento bibliográfico

O Estado brasileiro passou por inúmeras reformas da administração pública na tentativa de melhorar o atendimento às demandas dos cidadãos por serviços públicos, bem como para diminuir os gastos desnecessários com

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atividades que pudessem ser feitas por entidades privadas. A Reforma do Estado e da Administração Pública, ocorrida em meados da década de 1990, procurou redefinir as funções do Estado e abrir espaço para que organizações não governamentais pudessem prestar serviços públicos à população, inclusive à pertencente na base da pirâmide, para atender as demandas decorrentes da falta de acesso ao mercado de trabalho ou devido às consequências de sua precária inserção (baixos salários, informalidade, empregos temporários etc.). O Quadro 1 resume o trabalho desenvolvido pelo Ministério da Administração e da Reforma do Estado (MARE), liderado pelo economista Bresser-Pereira (1995, p. 48): Quadro 1. Setores do Estado e formas de propriedade.

Pela Reforma, o Núcleo Estratégico e as Atividades Exclusivas continuariam sob a propriedade estatal com sua atual forma burocrática de gestão (contratação por concurso, necessidade de licitações para compra de fornecedores, orçamento aprovado pelo poder legislativo etc.). Já os Serviços não exclusivos e a Produção para o mercado receberiam um novo tratamento jurídico. Aqui, haveria a possibilidade de entes privados realizarem a prestação de serviço público, bem como a aquisição de empresas públicas. As setas 1 e 2 representam os processos de publicização e de privatização. Essa estrutura possibilitou um novo papel do Estado na sociedade, que passou a compartilhar com as organizações privadas a função de atendimento das demandas da sociedade por serviços públicos. Processo de publicização Fornecer à iniciativa privada a possibilidade de prestação de serviço público por meio do estabelecimento de contratos com o poder público. A ideia é imprimir mais eficiência e agilidade ao atendimento das necessidades dos cidadãos. Processo de privatização Fornecer à iniciativa privada a primazia na produção de bens e serviços comercializáveis.

Existem diversas condições para o surgimento e a sustentação do empreendedorismo social no Brasil e no mundo. Na Europa, o questionamento do papel do Estado na promoção de serviços públicos e realizador de ações para resolução de problemas sociais reforça a necessidade de existência de um novo modelo de agregação social e desenvolvimento local que seja mais autônomo e, portanto, menos dispendioso do ponto de vista público (PARENTE et al., 2011, p. 273). Já nos Estados Unidos da América (EUA), o empreendedorismo social pode ser entendido como uma decorrência quase que natural da relação Estado-sociedade. Devido ao “caráter omisso do papel do Estado” (PARENTE et al., 2011, p. 269), a sociedade há que se mobilizar para encontrar as soluções locais para suas demandas socioeconômicas. A despeito de, nos EUA, as organizações filantrópicas e de caridade terem decisivo papel na satisfação de determinada escassez da população, “o período Pós-Segunda Guerra Mundial e o New Deal fizeram com que o Estado depositasse nas autoridades locais e nas associações a tarefa de satisfazer as necessidades sociais emergentes” (DEFOURNY, 2011 apud PARENTE et al., 2011, p. 269), fazendo surgir a Escola de Inovação Social naquele país, cuja principal missão é a análise do empreendedor social. O New Deal (1933-1940) foi um conjunto de políticas intervencionistas, adotado nos EUA pelo então presidente Franklin Roosevelt, para tentar superar a crise econômica, advinda da quebra da bolsa de Nova Iorque (1929). Para tanto,

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adotou diversas medidas: controle de preços, realização de grandes obras públicas e outras medidas para geração de emprego e renda, maior liberalização do comércio internacional e fim do padrão-ouro como lastro financeiro (OUTHWAITE, 1996). Antecedentes e contexto internacional Alguns fatores levam ao desenvolvimento tanto do empreendimento social quanto do tradicional:

a) O declínio dos níveis de emprego e a apologia do autoemprego, concomitantemente à ascendência da ideologia neoliberal de redução do Estado [...], representando a flexibilização não só dos aparatos técnico-produtivos, mas também do trabalho [...]; b) O aprofundamento do processo de globalização e o acirramento da competição capitalista, motivando a busca por inovações contínuas e por novas oportunidades, como elementos de diferenciação competitiva dos agentes econômicos [...]; c) O avanço na organização civil e a maior pressão pelo “empoderamento” de segmentos sociais excluídos e regiões marginalizadas, projetando o empreendedorismo social e institucional, como expressão da capacidade de segmentos e organizações sociais, comunidade e instituições públicas organizarem e complementarem iniciativas pertinentes à melhora das condições de vida locais e à abertura de oportunidades para grupos sociais menos favorecidos (ALBAGLI; MACIEL, 2002, p. 2).

Diante dos três elementos acima, podemos pensar que o contexto para o desenvolvimento do empreendedorismo social encontra-se nos fatores político-institucionais (redefinição do papel do Estado na sociedade com a desregulamentação social-trabalhista), diminuindo a participação do Estado na sociedade e incrementando a demanda por serviço social; globalização da economia (busca de novas tecnologias, mercados e redução de custos logísticos e produtivos), ampliando a concorrência e a busca pela produtividade; e o terceiro setor (organizações privadas com finalidades públicas), promovendo alternativas de emprego e renda a populações pertencentes à base da pirâmide. Do ponto de vista socioeconômico, alguns fatores contribuíram para o desenvolvimento do empreendedorismo social, tais como os citados por Parente e colaboradores (2011, p. 274), citados a seguir. Subida exponencial dos custos operacionais: percebemos que a busca de novos países produtores de mercadorias por corporações estrangeiras tem relação direta com a diminuição dos custos em mão de obra, impostos, transportes, energia, dentre outros. Estagnação dos recursos provindos de fontes tradicionais: a maior atenção a questões ambientais faz com que a indústria tradicional repense sua forma de obtenção e utilização de recursos naturais. Aumento do número de empresas em busca de financiamento: as sucessivas crises por que as economias mundiais passaram levaram as empresas a buscar financiamento externo para compensar o recuo do consumo. Aumento do número de pessoas com necessidades sociais: o aumento da concentração de riquezas e a falta de oportunidades de empregos, numa economia de menor atuação do Estado em questões sociais, aumenta a demanda por serviços sociais nos EUA. O contexto Europeu possui similaridades com o dos EUA ao mesmo tempo em que apresenta características próprias marcantes. Uma especificidade poder ser vista, já no século XIX, pela grande participação dos movimentos associativos como “partidos operários, sindicatos e cooperativas, de forma a garantir a dignidade de vida de populações mais desprotegidas” (PARENTE et al., 2011, p. 277). Similarmente aos EUA, a Europa tem padecido, no século XX, da incapacidade do Estado em garantir emprego, renda e satisfação das necessidades sociais. Num e noutro casos, estamos diante da emergência do considerado terceiro setor e sua articulação ao mesmo tempo econômica e social na tentativa de dar resposta às demandas não atendidas de parte da população. O terceiro setor complemente os outros dois setores da sociedade, quais sejam, o Estado (primeiro) e a Economia (segundo). É, geralmente, composto por organizações sem fins lucrativos, constituídas por entes privados, cuja finalidade é o atendimento de demandas públicas. É assim que na década de 1990, criou-se o International Research Networks (EMES) para investigar práticas de empresas sociais na redução da pobreza e na geração de emprego (BORZAGA; GALERA; NOGALES, 2008). Esse extenso e rico documento mostra que as reformas estruturais ocorridas na Europa, na perspectiva do mercado de trabalho, resultou em um novo grupo ameaçado pela exclusão social, incluindo pessoas com deficiência, pessoas acima dos 50 anos de idade, pessoas jovens com baixa qualificação, jovens mulheres com filhos, trabalhadores rurais e pessoas marginalizadas como ex-detentos, doentes mentais (sic), pessoas em situação de rua, imigrantes, trabalhadores pobres e minorias nacionais e étnicas. (BORZAGA; GALERA; NOGALES, 2008, p. 4, tradução nossa). Tais grupos de pessoas possuem menores oportunidades para se inserir no mercado de trabalho tradicional ao mesmo tempo em que carecem de adequada assistência advinda do poder público (BORZAGA; GALERA; NOGALES, 2008, p. 4,

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tradução nossa). Historicamente, podemos apontar alguns momentos em que o empreendedorismo social tomou corpo e passou a ser considerado como campo prático e de pesquisa. Dissemos alguns momentos, pois a própria literatura não é precisa em delimitar, de modo inconteste, seu surgimento. O documento da EMES nos traz a seguinte reflexão quanto ao surgimento do empreendedorismo social:

1) Desde meados de 1990, fundações americanas têm enfatizado o termo empreendedorismo social ao dar suporte a indivíduos que iniciam atividades focadas na missão social. Tais indivíduos comportam-se como empreendedores em termos de dinamismo, envolvimento pessoa e práticas de inovação. Já na Europa, a aposta das iniciativas do empreendimento social foi mais na direção de natureza coletivas e associativa do que individual. 2) O empreendedorismo social passou então a receber uma ampla (e por vezes, contraditória) gama de definições indo do ativismo voluntário sem fins lucrativos à responsabilidade social corporativa. Entre esses dois extremos, surgem outras definições, tais como: “iniciativas individuais, lançamento de novas iniciativas por organizações sem fins lucrativos, parcerias público-privadas com objetivo social etc.”Enquanto nos EUA enfatizam-se as questões legais e institucionais com limites difusos, pouco claros, a Europa insere o empreendedorismo social na esfera do terceiro setor. 3) A primeira manifestação conceitual do empreendimento social apareceu no final dos anos 1980 na Itália para designar iniciativas pioneiras. O parlamento italiano cunhou o termo “corporações sociais” a título de enquadramento legal. Diversos outros países europeus implicaram tais empreendimentos na categoria de terceiro setor. Daqui, a EMES International Research Network concebe tais organizações como “entidades autônomas e duradouras que provêm bens e serviços com orientação pública cujo sucesso combina a busca por objetivos sociais ao lado da adoção de comportamentos empreendedores” (BORZAGA; GALERA; NOGALES, 2008, p. 19).

Para tanto, na Europa, combinam-se diversos recursos advindos de subsídios governamentais ligados à missão social, rendas das atividades comerciais do empreendimento, doações privadas e/ou trabalho voluntário. Nos EUA, incluem-se projetos corporativos, criação de iniciativas sociais por empresas privadas e distanciamento das políticas públicas dos empreendimentos sociais (BORZAGA; GALERA; NOGALES, 2008, p. 19). Devemos considerar ainda os demais países que tornaram o empreendimento social uma realidade local. Um dos exemplos mais conhecidos é a iniciativa do indiano Muhammad Yunus, ganhador do Prêmio Nobel da Paz em 2006, por dar maior evidência ao termo negócios sociais e criar o Grameen Bank (ROSOLEN; TISCOSKI; COMINI, 2014, p. 89), que fornece crédito à população de baixa renda na forma de microcrédito. Contexto brasileiro No Brasil, a questão do desenvolvimento local traz diferentes desafios adicionados ou similares aos encontrados nas economias centrais. Em nosso contexto, a questão da diminuição da desigualdade social alinha-se à necessidade de incrementar a cidadania, a democracia e a participação da população na vida pública (BOSE, 2012, p. 31). Assim, o empreendedorismo social seria não apenas uma forma de geração de emprego e renda para população marginalizada como também uma possibilidade de empoderamento da população para aquisição ou manutenção de direitos. Vale destacar que no Brasil, concomitantemente, existem empreendimentos solidários, na perspectiva da Economia Solidária, e negócios sociais, caracterizados pela utilização de mecanismos de mercado para a solução de problemas sociais. (BOSE, 2012, p. 38) Economia Solidária é a forma de constituição de empresas por meio de cooperativas solidárias que, internamente, possuem uma estrutura democratizada (sem níveis hierárquicos) e, externamente, procuram trabalhar no formato de rede com outras cooperativas. Um dos grandes expoentes da Economia Solidária no Brasil é o economista Paul Singer. No primeiro caso, privilegia-se o coletivo na constituição de empreendimentos por meio de cooperativas. No segundo, privilegia-se o indivíduo na constituição de empreendimentos individuais ou mesmo familiares. Historicamente no Brasil, houve, nos anos 1990, um aprofundamento do processo de mudança da relação entre Estado brasileiro e a sociedade baseado na participação social, na formação de parcerias, na busca de integração das ações, nas articulações inter e intragovernamentais ainda desenvolver estratégias para a preservação ambiental, entendendo que tal cuidado resulta em ganhos para a qualidade de vida da população (KRONEMBERG; COSTA, 2016, p. 359). Do mesmo modo que ocorre na Europa, no Brasil, o empreendimento social (a) possui parceria com o Estado; (b) é considerado, majoritariamente, como pertencente ao terceiro setor; e (c) busca fontes de financiamento diversas para além das receitas próprias advindas do comércio ou serviço prestado. Comparativamente a outros países da América Latina, o empreendedorismo social brasileiro pouco dialoga com as políticas públicas, diminuindo a possibilidade de reprodução escalar. Além disso, a saída de financiadores estrangeiros desde a década de 1990 dificulta a concretização de projetos concebidos (BOSE, 2012).

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Finalmente, como o modelo do empreendedorismo social brasileiro organiza-se em torno do terceiro setor, cujas características apresentam-se desde anos 1970 e 1980, percebe-se que se incorporam “modelos de mercado em determinados projetos ou programas, buscando formas mais sustentáveis de financiamento e visando também ampliar e diferenciar sua atuação” (BOSE, 2012, p. 31).

O empreendedorismo social emerge na lógica de atendimento das necessidades da população que enfrenta a desigualdade social por meio de ações estatais e privadas ao mesmo tempo. Tem por objetivo “identificar e promover mudanças potencialmente transformadoras na sociedade”, de modo que se beneficiem grupos específicos de pessoas, “transformando suas vidas de modo permanente ao alterar um equilíbrio socioeconômico prevalecente que opera em detrimento de seus interesses” (MARTIN; OSBERG, 2015) Assim, o público-alvo do empreendedorismo social é o segmento social “marginalizado ou em desvantagem econômica que não conta com os meios para transformar seus prospectos sociais e econômicos” (MARTIN; OSBERG, 2015) Além disso, o empreendimento deve ser financeiramente sustentável, de modo que o equilíbrio econômico gerado não necessite de subsídios externos de contribuintes ou filantropia. Isso pode ser obtido com a redução dos custos advinda do aumento de beneficiários. (MARTIN; OSBERG, 2015). Novaes e Gil (2009) listam alguns campos de atuação do empreendedorismo social, destacando que todos eles se relacionam “à realidade social de cada grupo e à maneira como cada um deles lida com obstáculos específicos, preconceitos e também oportunidades” (NOVAES; GIL, 2009):

1. Empreendedorismo indígena; 2. Empreendedorismo em comunidades rurais; 3. Em comunidades de pescadores; 4. De artesãos; 5. Empreendedorismo entre portadores de necessidades especiais; 6. Empreendedorismo cooperativista; 7. Empreendedorismo entre afrodescendentes; 8. Empreendedorismo entre latino-americanos de segunda geração; e 9. Redes de empreendimentos sociais.

A Tabela 1 resume o papel do empreendedorismo social. Tabela 1. Papel do empreendedorismo social. Fonte: Martin e Osberg (2015).

É importante destacar, conforme nos mostram Martin e Osberg (2015), que há dois fatores-chave de sucesso para o empreendedorismo social: os atores sociais envolvidos e a tecnologia instrumental adotada. Por um lado, os empreendedores sociais colocam os clientes enquanto ator importante na transformação do equilíbrio de poder. Por exemplo, ao estimular a conscientização dos consumidores de determinados produtos ou serviços quanto aos danos sociais ou ambientais causados em sua produção. Além disso, traz o poder público para se responsabilizar pelas mudanças sociais necessárias. Por exemplo, ao denunciar transgressões às leis trabalhistas ou ambientais praticadas por determinadas empresas. Finalmente, as empresas privadas podem auxiliar o empreendimento social ao fornecer recursos materiais, financeiros, tecnológicos, know-how para seu desenvolvimento (MARTIN; OSBERG, 2015). Por outro lado, a tecnologia apresenta-se como um importante instrumento para a transformação da realidade local, favorecendo à valorização da cultura local. Isso pode ser conseguido pela substituição (diminuição dos custos), criação (solução inovadora de problemas) ou readaptação (solução de um problema existente em um novo contexto) tecnológica (MARTIN; OSBERG, 2015).

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O empreendedorismo social emerge na lógica de atendimento das necessidades da população que enfrenta a desigualdade social por meio de ações estatais e privadas ao mesmo tempo. Tem por objetivo “identificar e promover mudanças potencialmente transformadoras na sociedade”, de modo que se beneficiem grupos específicos de pessoas, “transformando suas vidas de modo permanente ao alterar um equilíbrio socioeconômico prevalecente que opera em detrimento de seus interesses” (MARTIN; OSBERG, 2015). Assim, o público-alvo do empreendedorismo social é o segmento social “marginalizado ou em desvantagem econômica que não conta com os meios para transformar seus prospectos sociais e econômicos” (MARTIN; OSBERG, 2015). Além disso, o empreendimento deve ser financeiramente sustentável, de modo que o equilíbrio econômico gerado não necessite de subsídios externos de contribuintes ou filantropia (MARTIN; OSBERG, 2015). Dimensões do empreendimento social Podemos assim dizer que o empreendedorismo social se apresenta como um processo dinâmico, portanto, em constante transformação, “pelo qual comunidades e seus membros identificam ideias e oportunidades econômicas e sociais, e atuam desenvolvendo-as, transformando-as em empreendimentos comerciais e industriais autossustentáveis” (MELO NETO; FROES, 2002, p. 64). Assim, o empreendedorismo social potencializa a transformação da sociedade a partir:

Da geração de renda própria: autonomia na gestão do empreendimento. Do desenvolvimento do espaço público: abertura ao diálogo e à participação da população. Justiça social e ética: possibilidade de redução das desigualdades econômicas e melhoria da condição de vida da população. Produção de redes sociais: estabelecimento de relações entre diversos agentes e setores econômicos e sociais. Qualidade de vida: melhoria dos aspectos biológicos, psicológicos e sociais da população. Práticas sociais empreendedoras: estímulo à proatividade da população na busca e conquista de melhores condições de vida. Atividades social, cultural, econômica, ambiental e financeiramente sustentáveis: desenvolvimento de empreendimentos que sejam duradouros e equilibrados entre os diversos participantes. Para que seja efetivamente realizado, o empreendimento social deve integrar uma série de dimensões da vida em sociedade, tais como: Psicossocial: autoestima, relações sociais cooperativas; Cultural: valorização e preservação das características locais; Econômica: geração de emprego e renda autogestionária; Política: estímulo à participação, transformação e autonomia; Ambiental: preservação do meio ambiente visando à qualidade de vida; Regulatória/institucional: estabelecimento de novas normas, regras e valores para o convívio social (MELO NETO; FROES, 2002, p. 64).

Em termos de benefícios, espera-se que haja uma significativa melhoria na qualidade de vida da população atendida pelo empreendimento. Além disso, a autoimagem da população deve alterar-se de modo positivo, uma vez que ela passa a ser protagonista de suas ações e não apenas sujeitos sociais passivos. A inovação é outro benefício desse tipo de empreendimento, pois novas ideias devem surgir para resolução de problemas específicos. O estímulo à participação é também fundamental no processo de transformação socioeconômica local. Para tanto, o conhecimento acerca da própria realidade (consciência) e formas gestionárias para dissolução de barreiras colocadas desenvolvem-se para atender as mudanças necessárias. Ao transformar a realidade e ver-se como proprietária de um empreendimento, outros valores passam a fazer parte da vida social, tais como a necessidade de participação, autonomia, autossuficiência e cooperação. O sentimento de conexão e de interdependência passa, então, a estimular diferentes formas de relações sociais. Exemplos de empreendedorismo social No Brasil, a empresa Geo Energética desenvolveu uma tecnologia que utiliza resíduos de usinas de cana-de-açúcar para produzir energia elétrica de modo mais limpo, renovável e que pode ser utilizada o ano tudo (ENDEAVOR, 2015). Como sabemos, os empréstimos geralmente são realizados por grandes instituições financeiras, que exigem diversas garantias para realizar a operação. Uma plataforma chamada Kiva foi criada para realizar microempréstimos (montantes de US$ 25,00, por exemplo) para mutuários de baixa renda. Os criadores da plataforma responsabilizam-se pela administração, custos legais e autorização de empréstimos por instituições locais. Isso tudo em escala global (MARTIN; OSBERG, 2015). A Rags2Riches faz a conexão entre os artesãos das Filipinas com compradores do mundo inteiro. Já a Goonj da Índia recolhe roupas e móveis que foram descartados nas áreas urbanas, reaproveitando-os em áreas marginalizadas (EXAME, 2013). Outro exemplo interessante pode ser verificado no Instituto Chapada, no Brasil, que desenvolveu uma metodologia de atualização profissional para professores e diretores de escolas (EXAME, 2013).

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Austin, Stevenson e Wei-Skillern (2012, p. 374-375) propõem que os empreendimentos sociais reconhecem uma necessidade social ou uma falha no mercado que pode ser satisfeita de modo superior. Porém, as demandas por programas ou serviços, geralmente, superam as capacidades dos empreendimentos sociais para suprir as necessidades. Um exemplo interessante dado pelo autores é a Associação de Cães-Guia para Cegos (Guide Dogs for the Blind Association), situada na Inglaterra. Especializada em criar e treinar cães-guia, tem como missão prover cães-guia, mobilidade e outros serviços de reabilitação para cegos e pessoas com visão parcial. Ao invés de assumir diversos serviços, a organização decidiu focar em sua missão, a fim de delimitar os recursos e suas capacidades para servir com mais eficiência. Os autores mostram que essa deve ser a postura dos empreendimentos sociais: “identificar os riscos relevantes e aproveitar as oportunidades de crescimento com pensamento disciplinado e estratégico” (AUSTIN; STEVENSON; WEI-SKILLERN, 2012, p. 375). Outro aspecto relevante que pode afetar empreendimentos sociais é o contexto externo que cerca essas organizações. As oportunidades e ameaças advindas da macroeconomia, das taxas e leis regulatórias e do ambiente social e político (AUSTIN; STEVENSON; WEI-SKILLERN, 2012, p. 375) podem servir tanto para as organizações criarem novas formas de atendimento das necessidades da população quanto para prevenir-se das ameaças. Em momentos de crise econômica, por exemplo, os autores mostram que os empreendimentos sociais tendem a crescer, devido à intensificação das necessidades da população por serviços sociais, mesmo com a diminuição dos recursos para financiar tais empreendimentos. Para Austin, Stevenson e Wei-Skillern (2012, p. 376), o “monitoramento do contexto pode capacitar o empreendimento social para identificar oportunidades quer seriam negligenciadas por empresas” de outro tipo. Para ilustrar, os autores apresentam o caso da Sesame Workshop, uma organização educacional sem fins lucrativos que atua nas necessidades críticas de desenvolvimento das crianças. No Brasil, conhecemos essa organização pela programa televisivo Vila Sésamo. Atuando num contexto bastante competitivo, procurou criar atividades que gerassem receita com “licenciamento global de produtos, publicação de livros, distribuição domestica e internacional de programas de televisão com linguagem local, coproduções e sindicalização mundial de seus programas educacionais” (AUSTIN; STEVENSON; WEI-SKILLERN, 2012, p. 376). Essa organização conseguiu com essas iniciativas aquilo que se espera de um empreendimento social que é a sustentabilidade financeira. A sustentabilidade financeira refere-se à possibilidade de a organização obter recursos financeiros para sua operacionalização sem depender de aportes voluntários, assistenciais ou de outro tipo público ou privado que não seja por meio de suas atividades. Uma terceira preocupação dos empreendimentos sociais deve ser com seu capital humano e financeiro. Ou seja, deve atentar-se à qualidade dos gestores, funcionários, financiadores e outros aspectos críticos para o sucesso do empreendimento. Para atrair bons recursos, os empreendimentos sociais devem ter uma forte reputação que inspire confiança entre seus contribuintes e um desejo de investir em empreendimento social e em sua missão” (AUSTIN; STEVENSON; WEI-SKILLERN, 2012, p. 376). Uma das grandes dificuldades apresentadas aos empreendimentos sociais é a pouca capacidade de remuneração dos funcionários, comparativamente aos setores lucrativos. Assim, devem contar com trabalhos voluntários para realizar suas atividades. Uma quarta preocupação deve ser com acordos mutuamente benéficos tanto para os empreendimentos sociais quanto para a fornecedores de recursos. As fontes de talentos, contatos, capital e levantamento de valores estão no centro das preocupações dos empreendimentos (AUSTIN; STEVENSON; WEI-SKILLERN, 2012, p. 378). Assim, os empreendimentos sociais devem-se basear em estratégias mais criativas para remunerar e incentivar funcionários, voluntários, membros e financiadores de forma não financeira, de modo que possa envolver seus stakeholders a partir do propósito ou do valor da causa em si mesma (AUSTIN; STEVENSON; WEI-SKILLERN, 2012, p. 379). A questão relativa às múltiplas relações internas e externas estabelecidas pela organização e que afetam o desempenho do negócio assume grande importância nos anos 1980. Tais relações são estabelecidas com diversos públicos considerados stakeholders: “consumidores, empregados, fornecedores, acionistas e a comunidade onde a organização está inserida” (CAMPOS, 2006, p. 112). Duas outras constatações são de grande importância. A primeira é que os empreendimentos sociais assumem como clientes, em princípio, muito mais os investidores do empreendimento do que os consumidores. Isso porque, devido à baixa renda, muitas vezes as receitas com vendas de bens e serviços não cobrem os custos de operação. Logo, devem procurar satisfazer as pretensões dos investidores iniciais. Por conta disso, em segundo lugar, o tempo do empreendedor social gira muito em torno da busca de financiamento do empreendimento junto a investidores para conseguir cobrir seus custos operacionais (AUSTIN; STEVENSON; WEI-SKILLERN, 2012, p. 379). Como sabemos, os investidores de quais natureza querem receber o retorno de seus investimentos. Mas como mensurar o retorno de um empreendimento social? A quantificação ou precisão na mensuração dos impactos sociais do empreendimento “é complicada devido à

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natureza do fenômeno social, a multicausalidade dos fatores subjacentes e o longa manifestação temporal” (AUSTIN; STEVENSON; WEI-SKILLERN, 2012, p. 379), o que dissuade os investidores em muitos casos. Os empreendedores sociais devem atentar-se, assim, ao impacto social das inovações sociais, de modo que sejam capazes de convencer participantes e contribuintes para que a cadeia de produção de valor-social possa gerar retornos sociais superiores (AUSTIN; STEVENSON; WEI-SKILLERN, 2012, p. 379). Estrutura do empreendedorismo social A discussão sobre oportunidades, pessoas, capital e acordos, realizada anteriormente, pode agora ser ilustrada (Figura 1).

Figura 1. A estrutura do empreendedorismo social. Fonte: Austin e colaboradores (2012, p. 380).

O modelo proposto acima procura alinhar as oportunidades que um negócio social pode ter com os desafios externos e internos que deve superar. No empreendimento social, a proposta de valor social (SVP – social value proposition) é o centro que integra e relaciona as outras três dimensões (pessoas, oportunidades e capital). A proposta de valor social deve ser o foco principal dos empreendimentos sociais, uma vez que a existência dessas organizações se justifica pelos impactos e transformações sociais que realizam, mais do que pelos ajustes internos e externos que operacionalizam (AUSTIN; STEVENSON; WEI-SKILLERN, 2012, p. 381). Parece óbvio que a proposta de valor dos empreendimentos sociais deva vir em primeiro lugar na operacionalização desse tipo de organização. Contudo, devido à dificuldade encontrada para recrutar, reter e motivar as pessoas, devido à limitada capacidade de remuneração e à necessidade de busca de investimentos para a operacionalização do empreendimento, devido às poucas receitas advindas das vendas de produtos e serviços à população de mais baixa renda, devido à pouca atenção dada às novas oportunidades que poderiam ser aproveitadas pelo desenvolvimento de inovações tecnológicas, de produtos ou serviços, muitas vezes o propósito social do empreendimento fica em segundo plano, dando lugar à busca de sobrevivência financeira. Assim, Austin, Stevenson e Wei-Skillern (2012, p. 376) centralizam a SVP para que todas as outras dimensões (pessoas, oportunidades e capital) estejam orientadas para a maximização da criação de valor social. O contexto externo (demográfico, macroeconômico, político, sociocultural, legal-regulatório e tributário) deve ser analisado para a avaliação das oportunidades e ameaças que possam atrair ou repelir investidores e potenciais funcionários, além de determinar o posicionamento do empreendimento. Diante disso, alguns questionamentos podem ser feitos para orientar os empreendedores sociais na criação do valor social da organização: Demografia: - Qual o perfil do público a ser atendido em termos de idade? - De que modo o crescimento ou a diminuição populacional afeta o empreendimento? Macroeconomia: - Como a situação de emprego/desemprego afeta o andamento ou posicionamento do negócio? - De que modo as taxas de juros ou política fiscal estimulam o investidor a colocar seu dinheiro num negócio social? Político: - De que maneira o negócio social pode se favorecer das políticas públicas implementadas pelos governos nos diferentes

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níveis federativos? Sociocultural: - Quais são os aspectos sociais e culturais do público a ser atendido pelo empreendimento social? - Quais aspectos sociais levam à necessidade de desenvolvimento de um empreendimento social para atender determinada carência? Legal-regulatório: - Quais exigências devem ser atendida para a constituição de um empreendimento social? - Quais leis podem facilitar ou dificultar a captação de recursos financeiros junto a investidores? - Quais são as leis que regulamentam o atendimento de determinada demanda social (educação, saúde, cultura, meio ambiente etc.)? Tributário: - Quais benefícios fiscais o empreendimento social pode utilizar para diminuir seus custos administrativos? - Quais incentivos fiscais são oferecidos aos investidores? - De que modo o empreendimento social recolhe os impostos? A análise do contexto auxilia na estruturação do empreendimento, de modo que sua missão possa ser atingida com a mobilização dos capitais humanos e financeiros disponíveis. Temos aqui então uma maneira de entender o empreendimento social de modo estratégico, por meio de uma perspectiva de planejamento, tal qual ocorre, ou deveria ocorrer, com os empreendimentos que visam ao lucro.

Podemos listar os seguintes desafios a serem superados para a implementação sustentável do empreendedorismo social (MELO NETO; FROES, 2002, p. 36):

1) Participação da população: Mudança no comportamento da população Engajamento no processo Desenvolvimento de processos participativos 2) Resultados esperados: Preservação da cultura local Uso sustentável de áreas naturais Autogeração de renda e emprego 3) Novas relações estabelecidas Novas formas de inserção social Iniciativa autossustentada

Primeiramente, o empreendedorismo social exige a participação da população no processo decisório do empreendimento. Isso faz com que cada um se torne protagonista do projeto a ser criado e desenvolvido e não apenas executores de tarefas delegadas. Tal protagonismo tem recebido o nome de empoderamento, em tradução do termo inglês empowerment. Empoderamento “significa o aumento do poder, da autonomia pessoal e coletiva de indivíduos e grupos sociais nas relações interpessoais e institucionais, principalmente daqueles submetidos a relações de opressão, discriminação e dominação social” (Vasconcelos, 2004 apud WENDHAUSEN; BARBOSA; BORBA, 2006). Em segundo lugar, o empreendimento deve gerar a valorização da cultura local, ou seja, do modo de vida da população e não a sua anulação. Por vezes, quando uma grande empresa se instala em uma região, a comunidade no entorno sofre graves consequências em termos de adaptação à lógica da empresa. Deve ainda desenvolver estratégias para a preservação ambiental, entendendo que tal cuidado resulta em ganhos para a qualidade de vida da população. Finalmente, o empreendimento social deve gerar emprego e renda à comunidade, de modo que a economia local seja dinamizada. Isso pode ocorrer com a geração de renda à população por meio de emprego, o que leva ao aumento da circulação de mercadorias pelo consumo local e ao aumento da necessidade de contratação de funcionários na comunidade. Em terceiro lugar, o empreendedorismo social deve ser capaz de inserir a população na sociedade de modo inovador, criando oportunidades autônomas ao invés de assistenciais (pública ou privada), dependentes e heterodeterminadas. Assim, espera-se que resulte a “vigência de novos padrões de sociedade que se traduz na emergência de comunidades ativas, bem informadas, participantes e com alto grau de mobilização e articulação” (MELO NETO; FORES, 2002, p. 31). Contudo, muitas dúvidas surgem ao pensarmos como seria possível o desenvolvimento de emprego e renda pela e para a população de mais baixa renda, sem que o Estado ou as empresas privadas servissem de sustentação aos empreendimentos sociais. Ou seja, como a população de mais baixa renda pode constituir seu próprio empreendimento

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autonomamente? Mais uma vez, Melo Neto e Froes (2002) no auxiliam a refletir sobre essa questão ao proporem os seguintes questionamentos (Quadro 2): Quadro 2. Os desafios do empreendedorismo social. Fonte: Melo Neto e Froes (2002, p. 37)

Os desafios podem, então, ser resumidos da seguinte maneira: - Tornar a população protagonista do desenvolvimento social e econômico locais, enfrentando as contradições pertinentes aos agrupamentos sociais. - Estabelecer conexões estruturantes entre as políticas públicas e o empreendedorismo social, de modo que se regulem as relações Estado-empreendimentos sociais e sirvam de sustentação, ao menos, inicial para desenvolvimento dessas organizações. - Tonar o empreendimento sustentável no longo prazo, mesmo com aporte de financiamento público ou privado no início das atividades. - Valorizar a cultura local e o meio ambiente para o bem-estar da comunidade e seu desenvolvimento integral. Verificamos que o empreendedorismo social serve para a geração de emprego e renda para a população de baixa renda ao mesmo tempo em que busca a valorização da comunidade em seus aspectos sociais, culturais e políticos, além da preservação ambiental na busca da melhoria da qualidade de vida social.

O empreendedorismo social procura fornecer uma resposta a problemas sociais e econômicos, vivenciados pela parcela da população pertencente à base da pirâmide social. Tal resposta ocorre na forma de empreendimentos produtivos (indústria, comércio ou serviços) que, por um lado, gera emprego e renda à população de mais baixa renda e, por outro lado, utiliza métodos inovadores para a valorização da cultura local, preservação ambiental e ampliação da cidadania por meio da participação popular nas reflexões acerca dos problemas e soluções às carências de sua vida cotidiana. Para que o empreendedorismo social seja concretizado, Melo Neto e Froes (2002, p. 28-29) apontam alguns pré-requisitos que devam ser considerados: 1- Construção de uma nova relação entre a comunidade, o Estado (ou o governo) e as empresas privadas, de modo que o empreendedorismo social seja potencializado com estrutura para tornar-se (auto)sustentável. 2- Proporcionar efetivas oportunidades para transformação das condições de vida da população que sofre diversos tipos de exclusão social e política, econômica.

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3- Apostar no empoderamento da população para o combate à pobreza, à degradação do meio ambiente e da sociedade, por meio da efetiva participação em seu desenvolvimento socioeconômico e da ampliação do espaço público. 4- Utilizar os instrumentos de gestão para auxiliar nas inovações e condução dos negócios sociais, de modo que se promova a equidade social, econômica, ambiental e cultural. 5- Conceber novas formas de geração de emprego, renda e riqueza que privilegiem o desenvolvimento socioeconômico e ambiental de modo sustentável, contemplando a qualidade de vida, estabelecimento de ações afirmativas e novo patamar ético das relações. Assim, espera-se que resulte a “vigência de novos padrões de sociedade que se traduz na emergência de comunidades ativas, bem informadas, participantes e com alto grau de mobilização e articulação” (MELO NETO; FORES, 2002, p. 31).

Atendendo ao objetivo desta pesquisa, observamos que o empreendedorismo social tem características muito próximas do empreendedorismo tradicionalmente trabalhado nos cursos de Administração ou Gestão. Contudo, algumas características marcam suas diferenças, como serem voltados à base da pirâmide, a necessidade de preservação da cultura local, a busca da sustentabilidade ambiental como processo vital para a sobrevivência do grupo, o empoderamento da população para ter legitimidade social e a inovação baseada nas práticas específicas ao grupo social.

O empreendedorismo social surge como uma forma de realização de empreendimentos sociais, culturais, ambientais, produtivos, tecnológicos, entre outros, com a finalidade de auxiliar no desenvolvimento socioeconômico local de regiões, por vezes, marginalizadas, de modo que se aproveitem oportunidades de negócio, advindas de necessidades não atendidas tanto pelo Estado quanto por empresas privadas.

Para estudos futuros, sugerimos pesquisas empíricas para levantamento de experiências de empreendedorismo social, tendo em vista os desafios a serem superados tanto quanto os ganhos obtidos.

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Recebido em 20 nov. 2017; aceito em 29 jan. 2018; publicado em 12 mar. 2018.

1 Instituto Federal de São Paulo, câmpus São Roque. 2 Mestrando em Saúde Ambiental. Centro Universitário Faculdades Metropolitanas Unidas. E-mail: [email protected]

. Objetivou-se avaliar a temperatura e a redução de coliformes

totais (CT) e termotolerantes (TT) em um sistema experimental de compostagem de carcaças de suínos (CS) com a utilização de diferentes substratos. Foram feitos dois tratamentos com duas repetições em cada um (tipo fatorial 2 x 2). No primeiro tratamento, foi utilizada CS e dejeto sólido de suíno (DSS), na proporção de 6:1. No segundo, foi utilizada a mesma proporção do primeiro, porém o substrato foi o lodo de dejeto suíno (LDS). Coletaram-se amostras para análises microbiológicas e aferiu-se a temperatura semanalmente em todos os canteiros. As análises de CT e CTT mostraram redução destes microrganismos ao longo do experimento em ambos os tratamentos, e apenas no tratamento CS e DSS obteve-se elevação da temperatura em níveis de termofilia.

: Suinocultura, coliformes, resíduos, tratamento.

. The objective was to evaluate the temperature and the reduction of total coliforms (TC) and thermo tolerant (TT) in an experimental swine carcass (SC) composting system using different substrates. Two treatments were done with two replicates in each (2 x 2 factorial type). In the first treatment, SC and solid swine waste (SSW) were used, in a ratio of 6: 1. In the second one, the same proportion of the first one was used, but the substrate was the swine slurry (SS). Samples were collected for microbiological analyzes and the temperature was checked weekly in all beds. The TC and TT analyses showed reduction of these microorganisms throughout the experiment in both treatments, and only in the treatment SC and SSW obtained temperature elevation in thermophilic levels.

Swine, coliforms, waste, treatment.

A suinocultura é uma importante atividade econômica do agronegócio brasileiro. A extensa cadeia produtiva, composta por granjas de suínos, empresas e setores afins, proporciona geração de empregos e renda de forma crescente. A atividade é considerada como responsável pela sustentação econômica e social de muitos municípios brasileiros, principalmente da região Sul (OLIVEIRA et al., 2016).

Diante da demanda crescente do mercado consumidor de carne suína, a suinocultura incorporou uma série de inovações em suas técnicas de criação que permitiram produzir proteína animal em áreas cada vez menores (CORREIO et al., 2016). Porém, a intensificação da produção contribui para um aumento da demanda de água, o principal insumo na produção de suínos (PALHARES, 2011) e levou a suinocultura a se tornar uma atividade potencialmente poluidora (RIZZONI et al., 2012).

Esta situação se deve ao aumento da produção de dejetos de suínos (DS) que está atrelado ao crescimento da atividade. Em uma granja de suínos de ciclo completo, cada matriz alojada pode produzir até 25 m³ de dejetos ao ano (MARCHESAN et al., 2014). E quando comparado com a geração de dejetos humanos, o volume produzido por suínos é quatro vezes maior (ANDREAZZI et al., 2015).

Além dos DS, compostos por urina, fezes, pelos, resíduos de ração, água (bebedouro e da limpeza) e outros materiais presentes no processo de criação, são ricos em nitrogênio, fósforo, carbono, metais pesados (em algumas situações) e microrganismos com potencial patogênico. Quando dispostos em locais inadequados, estes resíduos contribuem para a emissão de gases de efeito estufa (GEE), eutrofização de rios, contaminação do solo e corpos d’água, dentre outros impactos (RIZZONI et al., 2012).

Os DS são muito utilizados como fertilizantes agrícolas, pois são ricos em nutrientes e matéria orgânica. Porém, a disposição inadequada deste material, gera uma sobrecarga no solo de nutrientes (nitrogênio e fósforo, principalmente) e de metais provenientes do complemento alimentar das rações dos suínos. Grande parte destes elementos é carregada para os corpos hídricos por meio da lixiviação principalmente, contribuindo para à eutrofização, alteração da biodiversidade e mortandade de seres aeróbios, afetando negativamente a qualidade das águas e solo (CAPOANE et al., 2014).

Neste contexto, a compostagem se mostra como uma alternativa eficiente na minimização do potencial poluidor dos DS, assim, como de outros resíduos provenientes da suinocultura, como carcaças de animais mortos. A compostagem trata-se de um processo natural que promove a decomposição de materiais orgânicos por meio da ação de diferentes grupos de microrganismos aeróbios presentes no substrato. Ou seja, consiste na reciclagem da matéria orgânica presente nos resíduos que origina um composto equilibrado e rico em nutrientes (COSTA et al., 2015; FRANQUETO et al., 2016).

A eficiência do processo se dá pela combinação de fatores como temperatura, umidade, pH, granulometria,

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aeração e dimensões das leiras (BONAMIGO et al., 2014; VALENTE et al., 2015). O processo pode ser resumido em duas fases distintas. A primeira é identificada pela temperatura elevada, devido às intensas reações de decomposição, e a segunda, onde os microrganismos atingem um equilíbrio dinâmico, e a temperatura se estabiliza (COSTA et al., 2015).

Além de gerar um material com valor agregado (composto orgânico), a compostagem promove a redução do volume e massa dos resíduos, sendo uma solução para a sobrecarga dos aterros sanitários. É uma alternativa economicamente viável, devido o baixo custo de implantação e operação (JARDIM et al., 2014), elimina o mau odor gerado no processo de decomposição, presença de moscas, redução ou eliminação de agentes patogênicos, e principalmente, atende às exigências ambientais. Devido a estas vantagens, a compostagem é um dos métodos mais utilizados para destinação de carcaças e restos de animais (FRANQUETO et al., 2016).

O tratamento adequado destes resíduos possui relevante aplicação ambiental e sanitária, visto que a cepas de algumas bactérias, como a Escherichia coli e Salmonella spp ficam viáveis por muito tempo nas carcaças e restos de animais mortos, podendo afetar a segurança sanitária do produto final (carne suína). Sabe-se que as doenças de origem alimentar preocupam cada vez mais o mercado alimentício. Assim, buscam-se cada vez mais alternativas que sejam capazes de eliminar qualquer fonte de contaminação (ZANELLA et al., 2016).

A Salmonella spp na suinocultura se mostra complexa pelo fato da contaminação poder ser em qualquer etapa do processo de produção, por isso, os suínos são o segundo maior veículo de transmissão. Ela pode não representar grande risco a saúde clínica dos suínos, mas implica na contaminação do produto final, sendo introduzida na cadeia alimentar humana, podendo levar a uma toxinfecção alimentar ou contaminação do meio ambiente (MOURA et al., 2014).

A Escherichia coli é uma bactéria bacilar encontrada no trato intestinal dos suínos, sendo responsável por prejuízo econômico na suinocultura, devido a morte dos animais por colibacilose, gastos com medicamentos e assistência veterinária e redução ou atraso na evolução do animal para ganhar peso. A limpeza e desinfecção tanto dos comedouros quanto das baias e o tratamento de carcaças e restos de animais mortos, estão diretamente ligados a propagação da E. coli (ZANELLA et al., 2016). Esse grupo de patógenos tem grau elevado de infectividade devido a capacidade de produção de toxina mesmo em pequenas quantidades (MACHADO et al., 2014).

Desta forma, há a necessidade do manejo adequado no processo de descarte das carcaças e restos dos animais que vieram a óbito, para que não estejam dispostos no solo ou nos corpos receptores, comprometendo o meio ambiente e a sanidade (FRANQUETO et al., 2016). Assim, é necessário o desenvolvimento de investigações com o objetivo de se escolher o melhor substrato para o tratamento de carcaças e restos de suínos mortos por sistema de compostagem para acelerar o processo de decomposição da matéria orgânica ou melhorar alguma característica do composto final (KUNS et al., 2008).

A escolha e processamento do substrato são importantes, pois é o que determina as características do composto do ponto de vista sanitário e ambiental (SUNADA et al., 2015).

Os DS apresentam características favoráveis para utilização como forma de substrato na compostagem de carcaças de suínos. Ele contém grande concentração de matéria orgânica e uma vasta quantidade e variedade de microrganismos aeróbios, que são responsáveis pela degradação da matéria orgânica. Os microrganismos, devido a intensificação de suas atividades, fazem com que a temperatura aumente significativamente, atingindo 65º C e 70ºC (varia em cada processo). É nesse período em que os microrganismos patógenos são eliminados. Com a estabilização da temperatura, se tem um composto estável, isento de patógenos e rico em nutrientes também presentes no dejeto (ZANOTELLI et al., 2011; HACHMANN et al., 2013).

Outro material que pode ser utilizado é o lodo de DS que pode ser resultante do processo de digestão anaeróbia do tratamento do dejeto suíno liquido por meio de biodigestores das granjas de suínos. Ele apresenta grande semelhança com o lodo de estação de tratamento de esgoto, tendo grande carga orgânica e de microrganismos, variando a quantidade de metais presentes. A compostagem desse lodo tem se mostrado eficiente na redução ou eliminação de patógenos, mas, pesquisas são necessárias para que se avance no sentido de utilizá-lo como fonte de substrato para a compostagem de carcaças de animais (MARQUES, 2014, CARVALHO et al., 2015).

Diante disto, o presente trabalho teve como objetivo avaliar a temperatura e a redução de coliformes totais e termotolerantes em um sistema experimental de compostagem de carcaças de suínos com a utilização de diferentes substratos.

O trabalho foi realizado na área experimental do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo, câmpus São Roque, no período compreendido entre maio a agosto de 2017. O experimento constituiu-se de dois tratamentos com duas repetições do tipo fatorial 2 x 2 (Figura 1). Os canteiros, com volume de 0,4 m³ cada, foram construídos em alvenaria (bloco de cimento) e com piso impermeabilizado. A produção de chorume foi retida em um tanque com o fundo impermeabilizado. Os canteiros estavam protegidos contra a incidência de raios solares diretos e chuva. No primeiro tratamento, foi utilizado o dejeto sólido de suíno (DSS) e carcaça de suíno (CS), na proporção de

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6:1, conforme metodologia proposta por Maragno, Trombin e Viana (2007) e adaptada para este trabalho. No segundo, usou-se a mesma proporção do anterior, porém o substrato foi o lodo de dejeto de suíno (LDS) originado de biodigestor anaeróbio. Em ambos os tratamentos, a CS foi triturada previamente em pedaços de aproximadamente 3 cm de largura e de comprimento com o objetivo de aumentar a área de contato dos microrganismos com o material a ser decomposto.

Figura 1. Representação esquemática do experimento compostagem de carcaças de suínos (CS) com dois diferentes substratos: dejeto de suíno (DS) e lodo de dejeto suíno (LDS). Fonte: Dos autores, 2017.

A matéria orgânica utilizada no experimento (CS, DSS e LDS) foi adquirida de uma granja de suínos tecnificada de ciclo completo localizada no município de Ibiúna- SP. Após o preenchimento de cada canteiro, não ocorreu nenhuma intervenção por 30 dias para a formação da microbiota inicial. Após esse período, procederam-se reviramentos periódicos e manutenção de teores de umidade satisfatórios entre 60 e 80%, para a oxigenação do sistema e a sua completa estabilização. Para obtenção de amostras, foram considerados quatro pontos de coleta em cada canteiro, sendo dois na área central e os demais em dois pontos extremos do canteiro e de lados opostos. As análises bacteriológicas e a determinação de unidades formadoras de colônias (UFC) foram efetuadas com o uso da técnica utilizada por Vanderzant, Splittstoesser, (1992) e Silva, Junqueira e Silveira (2007). A temperatura foi aferida diariamente às 15 horas, desde o dia zero, com a introdução do termômetro durante três minutos no interior do sistema de compostagem.

Os gráficos 1 e 2 representam os resultados obtidos a partir da mensuração da temperatura ao longo das semanas em ambos os tratamentos (GD e GL).

Gráfico 1. Representação gráfica da temperatura (°C) do Grupo com Dejeto (GD1 e GD2) durante o período experimental (média semanal)

Considerando os valores médios descritos, ao comparar os dois grupos, observou-se que nos grupos GD1 e GD2 ocorreram picos de elevação da temperatura nas primeiras semanas, caracterizando a fase termófila do processo de compostagem que durou até a quinta semana para o tratamento GD2 e até a sétima semana no GD1, com maior temperatura média de 55°C na segunda semana em ambos, e posteriormente a fase mesófila com redução e estabilização da temperatura chegando a menor temperatura média de 21°C e 20°C. Ao contrário, observou-se que os grupos GL1 e

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GL2 não obtiveram elevação da temperatura, com médias semanais situadas na fase mesófila, permanecendo durante todo experimento sem oscilações significativas. Este fato que pode ser explicado pela alta umidade visível do lodo e baixa atividade da maioria dos microrganismos em temperaturas abaixo de 20°C (TAVARES et al., 2016).

Gráfico 2. Representação gráfica da variação da temperatura (°C) do Grupo com Lodo (GL1 e GL2) durante o período experimental (média semanal).

No tratamento GD1, após o primeiro reviramento ao fim dos 30 dias, observou-se outro pico na temperatura, destacando a importância da aeração proporcionada pelo reviramento já que as altas temperaturas são importantes na compostagem para redução e eliminação dos microrganismos patogênicos, constatado também por Costa e colaboradores (2006). Os reviramentos posteriores não influenciaram para outros picos de temperatura e no GD2 não houve aumento de temperatura significativo após este procedimento. Nas Tabelas 1 e 2 estão descritos, respectivamente, os resultados obtidos nas análises CT e TT de cada um dos tratamentos. Tabela 1. Resultados médios de coliformes totais expressos em UFC1¹.mL-1 nos dois tratamentos ao longo das semanas, Grupo com Dejeto (GD) e Grupo com Lodo GL).

Tabela 2. Resultados médios de coliformes termotolerantes expressos em UFC1.mL-1 nos dois tratamentos ao longo das semanas, Grupo com Dejeto (GD) e Grupo com Lodo GL).

Ao analisar estes resultados, observou-se que, apesar da temperatura não ter atingido a fase termófila nos grupos GL1 e GL2, houve redução de coliformes totais e termotolerantes ao longo das semanas. Ambos os tratamentos experimentais se mostraram eficientes na eliminação desses microrganismos, apresentando redução de 99,87% dos coliformes termotolerantes, que corresponde a eficiência máxima de acordo com a metodologia utilizada. A eliminação destes microrganismos é um aspecto fundamental quando se trata do tratamento de resíduos como dejetos e carcaças de animais, por meio da compostagem, haja vista os potenciais riscos sanitários e ambientais associados (SÁ et al., 2014). Por exemplo, o consumo de água contaminada pela bactéria Escherichia coli pode levar a ocorrência de diarreias e outras doenças gastrointestinais no homem. Desta forma estes elementos (presença ou ausência

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deles) são considerados como bioindicadores de qualidade ambiental, especialmente da água para consumo humano (OLIVEIRA et al., 2015). De acordo com a Portaria n° 2.914 de 12 de dezembro de 2011 do Ministério da Saúde a água destinada para o consumo humano deve apresentar ausência de coliformes termotolerantes em 100 mL de amostra. Já a Resolução nº 274 de 29 de novembro 2000 enquadra as águas próprias para consumo na categoria aquelas que “quando em 80% ou mais de um conjunto de amostras obtidas em cada uma das cinco semanas anteriores, colhidas no mesmo local, houver, no máximo, 250 coliformes fecais (termotolerantes) ou 200 Escherichia coli ou 25 enterococos por l00 mililitros”. Diante destas exigências da Legislação, considerando que a disposição inadequada dos resíduos da suinocultura no meio pode contribuir para degradação dos recursos hídricos, gerando desdobramento na saúde humana e animal, e que é de responsabilidade do suinocultor dar destinação ambientalmente adequada para os seus resíduos, é imprescindível a aplicação de tecnologias, como a compostagem, capazes de reduzir o potencial poluidor da atividade e eliminar microrganismos patogênicos (SERPA FILHO et al., 2013).

Concluiu-se que houve redução de coliformes totais e termotolerantes ao longo das semanas, em ambos os tratamentos, com melhor resultado no grupo com LDS. Nota-se que, apesar do tratamento com LDS não apresentar a etapa termófila, comum nos processos de compostagem, ele foi eficiente na redução de CT e TT.

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Recebido em 20 nov. 2017; aceito em 29 jan. 2018; publicado em 12 mar. 2018.

1 Instituto Federal de São Paulo, câmpus São Roque. 2 Centro Paula Souza – Etec de Mairinque, SP

3 Escola Senai de Sorocaba, SP. Centro Paula Souza – Etec de Mairinque, SP.

. Este artigo relata uma experiência de aulas práticas de físico-

química, utilizando a tecnologia e a Química na produção de refrigerante. A atividade foi desenvolvida juntamente com uma turma de estudantes do segundo semestre do curso técnico em Química da Escola Técnica Estadual de Mairinque, situada no interior paulista, com discussões em grupo, utilização de vídeos, análise e leitura de artigo relacionado ao tema e realização de experimentos envolvendo o refrigerante, os mesmos puderam se familiarizar com os controles de produção, suas etapas, as matérias-primas utilizadas, as diferentes estruturas químicas e suas relações, e a percepção dos componentes do refrigerante pelo sabor, nas análises sensoriais realizadas. Observou-se que o uso do refrigerante, algo familiar para os alunos como alimento, os motivou como material de ensino de química, neste sentido, o refrigerante foi efetivo para o desenvolvimento de discussões e apresentação de teoria de forma natural e bem aceita pelos estudantes.

: Físico-Química, refrigerante, experimentos.

. This article reports an experience of practical physics-chemistry classes using technology and chemistry in the production of soda. The activity was developed together with a group of students of the second semester of the technical course in Chemistry of the State Technical School of Mairinque, located in the interior of São Paulo, with group discussions, videos, analysis and reading of articles related to the subject and experiments on the soda, they were able to familiarize themselves with the production controls, their steps, the raw materials used, the different chemical structures and their relationships, and the perception of the components of the soda by the flavor, in the sensorial analyzes performed. It was observed that the use of soda, something familiar to the students as food, motivated them as teaching material of chemistry, in this sense, the soda was effective for the development of discussions and presentation of theory in a natural way and well accepted by the students.

Physicochemical, soda, experiments.

O refrigerante, aquela bebida que para muitos tem sabor agradável, sendo indispensável nos lanches e demais refeições do dia a dia, surgiu como produto medicinal no século XIX, onde sabores como gengibre e limão eram acrescentados à água carbonatada. Em 1886 é inventada a famosa Coca Cola, uma mistura de caramelo e água carbonatada. Desde lá diversas evoluções, como a forma de se embalar, conservantes, e infinidades de sabores sugiram. No Brasil, o Art. 23 do Decreto nº 6.871 de 2009, define refrigerante como uma “bebida gaseificada, obtida pela dissolução, em água potável, de suco ou extrato vegetal de sua origem, adicionada de açúcar” (BRASIL, 2009).

O refrigerante é considerado uma bebida não alcoólica, carbonatada, geralmente com elevadas quantidades de corantes e conservantes, e que quando não são nas suas versões light ou diet contêm também um elevado teor de açúcar, com aroma sintetizado de fruta e gás carbônico, dando o aspecto borbulhante (OLIVEIRA et al., 2011). É uma bebida extremamente consumida no mundo por diferentes públicos. O Brasil é o terceiro produtor mundial de refrigerantes, perdendo para os Estados Unidos e México (PALHA, 2005; ROSA et al., 2006).

O processo de fabricação do refrigerante é dotado de uma série de etapas que envolvem processos tecnológicos e de automação industrial. Um conjunto de equipamentos, tubulações, sensores e válvulas, são subconjuntos fundamentais à linha de produção, ao mesmo tempo em que uma série de reações químicas acontece mediante a junção dos ingredientes utilizados no processo de fabricação da bebida.

Basicamente, seu processo de fabricação consiste na elaboração do xarope e envasamento, não se excluindo as etapas de análises de qualidade, controle de contaminação, e logística.

A elaboração do xarope é dividida em duas etapas, a primeira chamada de elaboração do xarope simples, que consiste na dissolução do açúcar cristal em água quente, sem contato com o ar, para se evitar contaminação, o mesmo, após dissolução é armazenado em tanques esterilizados e passa pelo seu segundo processo de elaboração, a elaboração do xarope composto, onde os demais componentes do refrigerante são acrescidos, toda mistura acontece em tanques inoxidáveis, e passa por agitação para melhor homogeneização. Nesta etapa são inseridos os conservantes, acidulantes e os antioxidantes de forma controlada de acordo com a formulação da bebida (LIMA; AFONSO, 2009).

O envasamento ocorre após a elaboração do xarope, consiste no envasamento do produto ao seu recipiente final, aquele entregue ao consumidor. Na linha de envasamento, o xarope é misturado à água e ao gás carbônico (LIMA; AFONSO, 2009).

Em todo seu processo de fabricação há atenção máxima a contaminantes, como microrganismos, ou até mesmo o ar, o contato manual é mínimo, o processo é quase que exclusivamente automatizado. Com uma gama de processos de produção que incluem misturas e transformações químicas, o refrigerante é um ótimo instrumento didático.

Para Lima e Afonso:

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O refrigerante é uma ferramenta versátil e de baixo custo para aulas práticas ou demonstrativas, facilitan¬do o aprendizado de diversos concei¬tos, tais como solubilidade dos gases em água, interações químicas (dipolo permanente – dipolo induzido), pKa, pH e efeito da pressão e da temperatura no comportamento dos gases (LIMA; AFONSO, 2009, p. 215).

O refrigerante é algo cotidiano na vida dos estudantes, algo que os mesmos possuem familiaridade como alimento, o que pode instigá-los ao conhecimento. Considerando este aspecto, é importante que o aluno entenda de forma clara e objetiva o que é ensinado em sala de aula durante a sua formação básica, de modo que possa relacionar o que é ensinado com a sua vida fora do ambiente escolar. Além disso, possa compreender situações específicas no ambiente que o cerca na condição de cidadão.

Marcondes e Peixoto (2007) apontam como os principais problemas no ensino de Química: a deficiência de aprendizagem com baixos níveis cognitivos, a falta do uso da experimentação durante as aulas, as aulas meramente expositivas e a falta de relação do conteúdo com o cotidiano dos alunos. Partindo desse pressuposto, a Química pode ser estruturada com relações existentes em três eixos fundamentais: as transformações químicas, os materiais e suas propriedades e os modelos explicativos.

Para Drehmer e Rosa (2012), o ensino é mais eficaz quando se utilizada aquilo inserido no cotidiano dos estudantes, os diálogos e as problematizações surgem de forma natural, assim como a assimilação teórica.

Observa-se ainda que muitos conteúdos básicos da Química podem ser tratados em sala de aula ou em um laboratório. Nesta perspectiva, este trabalho teve como objetivo discutir a produção de refrigerantes como proposta no ensino de Química, especificamente em aulas práticas experimentais da disciplina físico-química.

O trabalho apresenta uma característica de pesquisa experimental de cunho qualitativo, e foi desenvolvido junto a um grupo de alunos matriculados no segundo semestre do curso Técnico em Química da Escola Técnica Estadual de Mairinque, durante quatro aulas da disciplina físico-química. Os materiais utilizados no desenvolvimento destas aulas foram dois vídeos disponíveis na internet, sendo o primeiro: “A fantástica fábrica da Coca-Cola” (MANUAL DO MUNDO, 2013), e o segundo: “Aprenda Como se Faz refrigerante” (TV INDÚSTRIA CUIABÁ, 2011). Juntamente com os vídeos foi apresentado aos alunos o artigo cientifico: “A química do refrigerante”, publicado pela revista Química Nova na escola, também disponível na internet. Para a apresentação dos vídeos aos alunos foi necessário um televisor e um leitor de DVD. A impressão do artigo para leitura ficou a cargo dos estudantes. Para as aulas experimentais, foram utilizados refrigerantes de diversos sabores e marcas, copos e colheres descartáveis, bicarbonato de sódio, indicadores de pH, béqueres de 250 ml, e refrigerador. As aulas foram divididas em três etapas, as quais estão descritas a seguir. Processo Investigativo Nesta etapa foi realizada uma avaliação diagnóstica com os alunos por meio de perguntas e respostas dialogadas, com o objetivo de se levantar as concepções prévias dos alunos acerca da relação do tema em questão com o conteúdo da disciplina. Esta avaliação foi essencial para a descoberta das dificuldades e familiarização da turma com o tema, assim como para o planejamento das demais etapas pelo docente. Processo Formativo Nesta etapa foi realizada a apresentação dos vídeos “A fantástica fábrica da Coca-Cola” e do vídeo “Aprenda Como se Faz refrigerante”. Os vídeos foram apresentados para um melhor entendimento do conteúdo, e da tecnologia aplicada ao processo de fabricação da bebida seguido de debate e a construção de um fluxograma de produção. Além da leitura e discussão do artigo “A química do refrigerante” e de uma aula prática experimental utilizando a bebida, no laboratório de físico-química da escola. A apresentação dos vídeos durou em média 13 minutos, a leitura do artigo, realizada pelos alunos em sala de aula, ocorreu logo depois de um breve debate, onde foram ponderados os principais tópicos tratados nos dois vídeos. Após a leitura do artigo, foi proposta uma atividade em grupo, que desenvolveu a discussão sobre o artigo lido. Os experimentos da aula prática, divididos em duas aulas de 50 minutos, foram baseados em quatro experiências demonstradas no artigo “A química do refrigerante”, todas as experiências foram realizadas em grupo, uma turma de 20 alunos dividida em cinco grupos de quatro indivíduos. Na primeira experiência (Análise sensorial: efeito do CO2), os alunos degustaram refrigerantes idênticos, com porcentagens diferentes de CO2, sem a informação desta diferença, os mesmos deveriam indicar o que foi percebido. A segunda experiência (Análise sensorial: sacarose ou edulcorante?) se resume ao uso de refrigerantes normais e diet, sem identificação, sendo degustados pelos alunos. Nesta experiência o aluno deve identificar qual refrigerante contém sacarose (presente no refrigerante comum) e qual contém edulcorante (presente no diet), descrevendo suas diferenças. Na terceira experiência (Efeito da temperatura e da pressão na solubilidade dos gases), foram usados diversos

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refrigerantes, parte refrigerada a aproximadamente 10ºC, e parte exposta ao sol. Ao abrir ambos os alunos devem observar e anotar o comportamento dos produtos. Na última experiência da aula prática (Dissolução de bicarbonato de sódio no refrigerante) os alunos utilizaram um refrigerante sem corante, bicarbonato de sódio, béquer de 250 mL, indicadores de pH e uma colher descartável. Nesta experiência os alunos devem observar a variação de pH na bebida ao ser adicionado o bicarbonato de sódio. Processo Avaliativo No processo avaliativo, foi solicitado aos alunos que montassem um fluxograma do processo de fabricação do refrigerante e respondessem a um questionário com questões abertas, elaborados com base nos vídeos assistidos e na leitura do artigo. A participação dos alunos nas discussões e na aula prática, também serviram como ferramenta avaliativa, auxiliando o docente na percepção do grau de interesse da turma pelo tema. As questões sugeridas foram: O que você entende por refrigerante? De acordo com o artigo lido, elabore de forma genérica o processo de fabricação do refrigerante. De forma genérica aponte a composição química do refrigerante. Analise e o rótulo e verifique se aponta o pH do refrigerante. Caso contrário verifique o mesmo utilizando a fita pHmetro. Qual a importância do CO2 e da embalagem na qualidade do refrigerante? Escreva com suas palavras sobre a importância da análise sensorial na produção de refrigerantes. Um relatório da aula prática, executados pelos grupos, foi solicitado aos mesmos. Neste, os procedimentos, observações e conclusões das experiências deveriam constar, sendo esta a atividade avaliativa final sobre o tema.

No processo investigativo, observou-se que os alunos apresentaram lacunas frente ao tema abordado com dificuldades de organizar e expressar as suas ideias de maneira construtiva, forma geral, demonstraram apenas noções básicas da bebida, apontando preferências de consumo diante das diferentes marcas e pontuando alguns ingredientes básicos da composição da bebida dentre os quais citamos: açúcar, água, gás carbônico e corante. Observaram-se de forma recorrente os comentários dos alunos acerca da marca e da qualidade do produto no critério sabor. Alguns comentários dos alunos seguem apontados para evidenciar a observação:

“Para mim o melhor é a Coca-Cola. Ainda mais depois de um churrasco”. (Aluno 01) “Eu gosto muito de refrigerante, tomo praticamente todos os dias”. (Aluno 02) “O guaraná é melhor que o Kuat professor, alguns tem gosto de remédio”. (Aluno 03)

No processo formativo a leitura do artigo e exibição dos vídeos trouxe um melhor entendimento sobre a produção de refrigerante assim como a composição química da bebida, sobretudo, uma melhor correlação com os conteúdos químicos. Os alunos puderam visualizar e discutir as etapas do processo de fabricação do refrigerante, descrevendo as principais operações, equipamentos e matérias-primas utilizadas. Concordando com isso, na concepção de Francisco Junior (2010) o ato de ler e escrever são habilidades que devem ser trabalhadas nas aulas de Ciências, uma vez que, muitos estudantes apresentam dificuldades de interpretar questões e problemas envolvendo Física, Química, Matemática etc., devido às deficiências na capacidade de interpretação de enunciados, sobretudo, em virtude da formação que estes tiveram como afirma Queiroz (2001, p.143):

Indubitavelmente, a capacidade de escrever bem é extremamente importante para uma carreira de sucesso em ciências e em outras profissões. Assim, esta dificuldade que alguns alunos de química apresentam, em parte como um reflexo da formação recebida na universidade, pode ser limitante para o seu futuro.

A autora conclui, de forma geral, que o professor de química apresenta mais afinidade em utilizar e avaliar o nível de entendimento dos alunos sobre o que é ensinado mediante ao uso que questões usuais de múltipla escolha ou do tipo "falso ou verdadeiro". Enfatiza ainda que o “ato de escrever envolve muito mais do que simplesmente expor ideias armazenadas na cabeça. Nesse sentido, faz-se necessário que as ideias sejam repensadas e organizadas para, finalmente, serem expostas” (QUEIROZ, 2001, p. 146). Ainda neste contexto, a leitura é uma forma de comunicação, é um ato para compreender inúmeras informações presentes na realidade do ser humano. O leitor consegue caracterizar um segmento de um texto a partir de habilidades que são desenvolvidas durante o seu processo de formação, considerado muito complexo e contínuo, visto que, quanto mais ele reflete sobre o que lê, mais estabelece a relação com o texto lido. A leitura mediada do artigo foi de suma importância para que os alunos entendessem acerca da descrição das etapas do processo de fabricação do refrigerante, assim como, os conceitos teóricos e as aplicações dos conteúdos químicos por meio dos experimentos descritos na leitura. Foi possível mostrar através dos vídeos a tecnologia empregada nos processos automatizados nas indústrias de bebidas. Para evidenciar a compreensão dos alunos quanto ao processo de produção da bebida, reproduzimos um

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fluxograma elaborado por um dos alunos (Figura 1).

Figura 1. Fluxograma simples da produção de refrigerantes elaborado por um aluno. Fonte: Arquivo Pessoal (2017).

A aula prática foi utilizada para que os alunos tivessem contato com aquilo que foi estudado, aplicando os conceitos descobertos nos vídeos, discussões e leitura. Nos dois primeiros experimentos da aula prática, por meio de análise sensorial, os alunos perceberam a existência e a característica do CO2 na bebida, assim como a existência e a diferenciação de sacarose ou edulcorante na formulação do refrigerante, avaliando seu poder de doçura, conforme pode ser visto um dos momentos da degustação (Figura 2).

Figura 2. Momento da degustação do refrigerante pelos alunos. Fonte:

Arquivo Pessoal (2017). No terceiro experimento foram aplicados os conceitos de temperatura e pressão, e a relação com a solubilidade dos gases utilizando a própria bebida. E no quarto experimento os alunos tiveram contato com a temática de dissolução de sais no refrigerante, utilizando uma amostra de bicarbonato de sódio, apresentando diferentes pH (Figura 3). No processo avaliativo foi observada uma ascensão de conhecimentos, referente àqueles absorvidos pelos alunos. Cada atividade foi complementar a outra, transmitindo cada vez mais subsídios aos questionamentos dos estudantes. Os alunos elaboraram o fluxograma do processo produtivo, assim como, descreveram de forma específica cada etapa do processo. Além disso, responderam de forma satisfatória as perguntas do questionário elaborado com base no artigo discutido em sala de aula. Como também responderam de forma satisfatória o relatório de aula prática, um roteiro de todas as atividades executadas em laboratório.

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Figura 3. Dissolução de bicarbonato de sódio em refrigerante de limão (a) início do processo (pH = 3,0); Desprendimento do CO2 após três minutos (b); Após dez minutos (pH = 7,0). Nesse não há a liberação de CO2. Fonte: Lima e Afonso (2009).

Uma abordagem contextualizada no ensino de Química seria aquela em que o aluno sinta-se estimulado e desperte o interesse pelo conteúdo abordado, bem como a busca de novos conhecimentos relacionados à temática discutida em sala, de modo que construa seu próprio conceito e, assim, poder posicionar-se frente a uma situação real presente no meio em que esteja envolvido, relacionando as questões sociais, políticas e econômicas, bem como o uso de tecnologias e criação de novos produtos.

A proposta em utilizar os aspectos tecnológicos e o processo industrial apontados na produção de refrigerantes, assim como, as relações com o ensino de físico-química, foi o principal foco do trabalho. Mesmo sendo uma proposta já discutida pelos autores do artigo publicado na Química Nova na escola, a análise e leitura do trabalho, propiciou um momento de aprendizagem para os alunos, sendo possível utilizar e discutir uma situação cotidiana aos conceitos químicos estudados na teoria e nas aulas práticas de físico-química.

Agradecemos aos alunos que motivam cada vez mais seus professores na busca e na descoberta de novas formas de ensinar, da mesma forma agradecemos aos profissionais da Escola Técnica Estadual de Mairinque, pelo carinho e dedicação, e ao Instituto Federal de Ciência e Tecnologia de São Paulo – Campus São Roque, que nos agraciou com a utilização deste trabalho em sua VI Jornada de Produção Científica e Tecnológica.

BRASIL. Decreto Nº 6.871, de 4 de junho de 2009. Regulamenta a Lei no 8.918, de 14 de julho de 1994, que dispõe sobre a padronização, a classificação, o registro, a inspeção, a produção e a fiscalização de bebidas. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2009/decreto/d6871.htm>. Acesso em: 06 jan. 2018. DREHMER, M.; ROSA, E. A da. Os refrigerantes como tema gerador em aulas de química. In: PARANÁ. Secretaria de Estado da Educação. Superintendência de Educação. O professor PDE e os desafios da escola pública paranaense. Curitiba: SEED/PR, 2014. FRANCISCO JUNIOR, W. E. Estratégias de leitura e educação química: que relações. Química Nova na Escola, v. 32, n. 4, p. 220-226, 2010. LIMA, A. C. S.; AFONSO, J. C. A química do refrigerante. Química nova na Escola, v. 31, n. 3, p. 210-215, 2009. MANUAL DO MUNDO. A fantástica fábrica da Coca-Cola. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=ZuIg6cD4cHw>. Acesso em: 07 jul. 2017. MARCONDES, M. E. R.; PEIXOTO, H. R. da C. Interações e Transformações-Química para o ensino médio: uma contribuição para a melhoria do ensino - Fundamentos e propostas de ensino de química para a educação básica no Brasil. Itajaí, SC: Ed. Unijuí, 2007. OLIVEIRA, A. C. S. et al. Impacto do consumo de refrigerantes na saúde de escolares do Colégio Gissoni. Revista Eletrônica Novo Enfoque, v. 12, n. 12, p. 68-79, 2011. PALHA, P. G. Tecnologia de refrigerantes. Rio de Janeiro: AmBev, 2005. QUEIROZ, S. L. A linguagem escrita nos cursos de graduação em química. Química Nova, v. 24, n. 1, p. 143-146, 2001.

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