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Plenário Virtual - minuta de voto - 29/05/2020 00:00 1 VOTO O Senhor Ministro Dias Toffoli (Relator): Antes do exame da questão constitucional submetida a esta Suprema Corte, gostaria de cumprimentar os representantes das partes recorrente e recorrida pelas sustentações orais apresentadas no ambiente eletrônico. Preliminarmente, indefiro o pedido retirada do feito do plenário virtual (evento 265), aplicando, ao caso, os fundamentos que lancei ao negar idêntica pretensão deduzida no evento 262, pois o julgamento em ambiente eletrônico não prejudica a análise da matéria, uma vez que o voto do relator, bem como as demais peças processuais podem ser visualizadas por todos os Ministros, o que propicia uma ampla análise do processo. Ademais, nos termos do art. 2º, § 2º, da Resolução/STF nº 642/19, que disciplina a matéria, os relatórios e votos inseridos no ambiente virtual são disponibilizados no sítio eletrônico do STF, durante a sessão de julgamento virtual e, por sua vez, o § 6º de seu art. 3º prevê a possibilidade de realizar esclarecimentos sobre matéria de fato, por meio do peticionamento eletrônico, permitida, ainda, a apresentação de sustentação oral, nos termos do art. 5º-A, §§ 1º e 2º . Consoante assentei no no despacho de 19 de maio deste ano, pedidos semelhantes ao presente têm sido sistematicamente indeferidos, citando-se, apenas para exemplificar, a decisão monocrática proferida nos autos da ADI nº 1.945 (Relª Minª Cármen Lúcia, DJe de 17/4 /20). No que diz respeito ao pedido de esclarecimento suscitado pelo amicus curiae na mesma petição (evento 265), indefiro-o pois a matéria não se amolda ao figurino de questão de fato. Em relação a matéria objeto da presente controvérsia, o assunto corresponde ao Tema nº 709 da “Gestão por Temas da Repercussão Geral do portal do Supremo Tribunal Federal” na internet . Cuida-se de recurso extraordinário em que se discute, à luz dos arts. 5º, XIII; 7º, XXXIII; e 201, § 1º, da Constituição Federal, a constitucionalidade do § 8º do art. 57 da Lei 8.213/1991, que veda a percepção do benefício da aposentadoria especial pelo segurado que continuar exercendo atividade ou operação nociva à saúde ou à integridade física. Para melhor compreensão da questão jurídica posta nos autos e maior certeza das coisas, cumpre rememorar o iter processual.

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VOTO

O Senhor Ministro Dias Toffoli (Relator):

Antes do exame da questão constitucional submetida a esta SupremaCorte, gostaria de cumprimentar os representantes das partes recorrente erecorrida pelas sustentações orais apresentadas no ambiente eletrônico.

Preliminarmente, indefiro o pedido retirada do feito do plenário virtual(evento 265), aplicando, ao caso, os fundamentos que lancei ao negaridêntica pretensão deduzida no evento 262, pois o julgamento em ambienteeletrônico não prejudica a análise da matéria, uma vez que o voto dorelator, bem como as demais peças processuais podem ser visualizadas portodos os Ministros, o que propicia uma ampla análise do processo.Ademais, nos termos do art. 2º, § 2º, da Resolução/STF nº 642/19, quedisciplina a matéria, os relatórios e votos inseridos no ambiente virtual sãodisponibilizados no sítio eletrônico do STF, durante a sessão de julgamentovirtual e, por sua vez, o § 6º de seu art. 3º prevê a possibilidade de realizaresclarecimentos sobre matéria de fato, por meio do peticionamentoeletrônico, permitida, ainda, a apresentação de sustentação oral, nos termosdo art. 5º-A, §§ 1º e 2º . Consoante assentei no no despacho de 19 de maiodeste ano, pedidos semelhantes ao presente têm sido sistematicamenteindeferidos, citando-se, apenas para exemplificar, a decisão monocráticaproferida nos autos da ADI nº 1.945 (Relª Minª Cármen Lúcia, DJe de 17/4/20).

No que diz respeito ao pedido de esclarecimento suscitado pelo amicus curiae na mesma petição (evento 265), indefiro-o pois a matéria não se

amolda ao figurino de questão de fato.

Em relação a matéria objeto da presente controvérsia, o assuntocorresponde ao Tema nº 709 da “Gestão por Temas da Repercussão Geraldo portal do Supremo Tribunal Federal” na internet . Cuida-se de recursoextraordinário em que se discute, à luz dos arts. 5º, XIII; 7º, XXXIII; e 201, §1º, da Constituição Federal, a constitucionalidade do § 8º do art. 57 da Lei8.213/1991, que veda a percepção do benefício da aposentadoria especialpelo segurado que continuar exercendo atividade ou operação nociva àsaúde ou à integridade física.

Para melhor compreensão da questão jurídica posta nos autos e maiorcerteza das coisas, cumpre rememorar o iter processual.

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A recorrida ajuizou ação na qual pleiteava o reconhecimento do tempode trabalho especial relativo às atividades de auxiliar de enfermagem eatendente de enfermagem exercidas nos períodos compreendidos entre 1º/10/1981 e 31/12/1983, 1º/4/1986 e 30/6/1989, 21/12/1989 e 8/12/1989 e, porúltimo, entre 9/12/1999 e a data da propositura da demanda. Na exordial, aautora afirma fazer jus à aposentadoria especial aos 25 anos de serviço ou,então, à conversão do tempo especial em comum, narrando que, contudo,por ocasião do primeiro pedido administrativo, protocolado em 6/10/2006, oINSS reconheceu apenas parte do período especial (8/1/1996 a 2/12/1997).

Ante a negativa na via administrativa, a recorrida recorreu ao Judiciário,pleiteando o reconhecimento do exercício de atividade especial desde oprimeiro vínculo de emprego, em 1º/10/1981, bem como a concessão deaposentadoria integral por tempo de contribuição, caso computados pelomenos 30 (trinta) anos de serviço, ou de aposentadoria proporcional, casocomputados ao menos 25 (vinte e cinco) de serviço ou, ainda, aaposentadoria especial, caso lhe fosse mais benéfica.

Na sentença, julgou-se parcialmente procedente o pedido e condenou-sea autarquia previdenciária a reconhecer e averbar como especial parte dosperíodos de trabalho indicados pela autora. Não foi reconhecida, todavia, aexistência de direito a qualquer modalidade de aposentação.

A autora, ora recorrida, opôs, então, embargos de declaração, sob aalegação de que havia omissão na sentença prolatada, uma vez que nãohavia sido apreciado o pedido de readequação da DER para a data em quecompletado o tempo suficiente para a aposentação. Alegou que, ainda queassim não fosse, poderia o Juiz, de ofício, alterar a data da DER paramomento posterior sem que tal importasse em julgamento extra petita. Osaclaratórios foram acolhidos, sem alteração, contudo, do resultado dojulgamento, visto que o Juízo considerou que não havia autorizaçãolegislativa para a alteração da DER pelo simples fato de ser mais benéfica aosegurado.

Contra tal sentença, ambas as partes interpuseram recurso de apelação.

O INSS, discordando dos períodos de labor reconhecidos comoespeciais, bem como dos critérios adotados pelo Juízo sentenciante para aconversão do tempo comum em especial, apelou requerendo a totalimprocedência do pedido.

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A autora, Cacilda Dias Theodoro, também recorreu contra o nãoreconhecimento do direito à aposentadoria. Alegou ter pleiteadoexpressamente a readequação da DER para a data a partir da qual faria jusao benefício, tendo em vista que continuou laborando após o protocolo dopedido administrativo e, em razão disso, faria jus ao reconhecimento daespecialidade desenvolvida, com posterior conversão em tempo comum,bem como à averbação do tempo de serviço compreendido entre a DER e adata em que completou todos os requisitos necessários para a concessão dobenefício pleiteado. Sustentou não ser dado ao Juízo de Primeiro Graudesprezar quase 5 (cinco) anos de labor em atividade especial exercido apóso primeiro requerimento administrativo enquanto se desenrolava apresente lide. Afirmou, adicionalmente, ser desarrazoado obrigar ademandante a ingressar com novo pleito administrativo, a fim de que,novamente negado, somente então ajuizasse ação judicial.

Defendeu, ademais, que o fato de não ter efetuado um novorequerimento administrativo para o reconhecimento dos períodoslaborados após a DER não é motivo para o não reconhecimento dessesúltimos, uma vez que não se exige o prévio requerimento administrativopara a propositura de ação judicial voltada a obter benefício previdenciário.Pugnou, ademais, que de nada adiantaria protocolar novo pedidoadministrativo, dado que, quando da análise do primeiro requerimento, oINSS somente reconheceu como especial o período entre 8/1/1996 e 2/12/1997 (de modo que o tempo admitido como especial seria insuficiente paraa aposentadoria).

O Tribunal Regional Federal da 4ª Região, examinando os recursos,houve, por bem, prover apenas o de Cacilda Theodoro. Aquele Colegiadoconcedeu-lhe a aposentadoria especial, e, afastando, por alegadainconstitucionalidade, o art. 57, § 8º, da Lei nº 8.213/91, ordenou a imediataimplantação do benefício previdenciário, determinando, ainda, que osefeitos financeiros da condenação incidissem a contar da data doajuizamento da ação, mediante reafirmação da DER.

O Tribunal Regional consignou-se o seguinte no acórdão recorrido, naparte que interessa para a discussão travada nestes autos:

“Desse modo, contando a autora mais de 25 anos de tempo deserviço especial e cumprida a carência exigida, tem direito à concessãodo benefício de aposentadoria especial.

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Quanto à data de início do benefício , deve ser a partir da data doajuizamento da ação, mediante reafirmação da DER, no caso, em 27/08

/2010 , considerando que a aposentadoria especial é uma subespéciede aposentadoria por tempo de serviço/contribuição.

Ressalte-se que, conforme determina o art. 29, II, da Lei 8.213/91,não incide o fator previdenciário no benefício de aposentadoriaespecial.

A respeito do termo inicial do benefício, o INSS tem defendidoque deve ser fixado na data do afastamento da atividade pelosegurado, por força do art. 57, § 8º, da Lei 8.213/91. Essa tese vinhasendo afastada, sob o fundamento de ter o segurado direito a receberas parcelas vencidas do benefício desde a data do requerimentoadministrativo, quando prossegue no exercício de atividade. Admitia-se, entretanto a aplicação do dispositivo legal tão somente paracondicionar a implantação do pagamento mensal do benefício aoafastamento da atividade.

Ocorre que nova reflexão sobre a incidência dessa restrição, arespeito da continuidade na atividade especial, conduz à mudança deentendimento, para deixar de aplicar a regra prevista no art. 57, § 8º,da Lei 8.213/91, pelas razões que passo a expor.

Conforme o art. 57, § 8º, da Lei nº 8.213/91, o segurado que receberaposentadoria especial e continuar a exercer atividade especial terá oseu benefício cancelado. Essa regra remete ao art. 46, da Lei nº 8.213/91, que estabelece o cancelamento da aposentadoria por invalidez, apartir do retorno do segurado ao trabalho. Não há, porém, paraleloentre os benefícios de aposentadoria por invalidez e aposentadoriaespecial, que justifique a aplicação, à aposentadoria especial, dessaregra proibitiva estabelecida para a aposentadoria por invalidez.

A aposentadoria por invalidez é benefício que se destina aamparar a incapacidade permanente do segurado para o exercício dotrabalho. Logo, o cancelamento da aposentadoria por invalidez é umaconsequência inafastável do retorno ao trabalho, à medida que aincapacidade terá cessado.

Já a aposentadoria especial é benefício que se destina a compensaro maior desgaste do segurado que trabalha em exposição a agentesprejudiciais à sua saúde ou integridade física, com a respectivaredução do tempo de serviço exigido, que pode ser de 15, 20 ou 25anos. Logo, a manutenção do trabalho com exposição a agentesprejudiciais à saúde ou integridade física não é incompatível com obenefício de aposentadoria especial, à medida que a concessão dessebenefício não é motivada pela incapacidade do segurado para oexercício da atividade nociva.

A concessão da aposentadoria especial, com tempo de serviçoreduzido em relação à aposentadoria por tempo de contribuição,objetiva permitir que o segurado possa deixar de exercer a atividade

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prejudicial. Embora esse fim deva ser prestigiado, não se deve obrigaro segurado a se afastar da atividade para obter o seu benefício, sobpena de estar impedindo o livre exercício do trabalho.

Por fim, cito a ementa do TRF da 4ª Região, em Incidente deArguição de Inconstitucionalidade nº 5001401-77.2012.404.000, queevidencia um entendimento jurisprudencial ainda não consolidado,mas oferece fundamentos relevantes para compreender a controvérsia:

‘PREVIDENCIÁRIO. CONSTITUCIONAL. ARGUIÇÃO DEINCONSTITUCIONALIDADE. § 8º DO ARTIGO 57 DA LEI Nº 8.213/91. APOSENTADORIA ESPECIAL. VEDAÇÃO DE PERCEPÇÃOPOR TRABALHADOR QUE CONTINUA NA ATIVA,DESEMPENHANDO ATIVIDADE EM CONDIÇÕES ESPECIAIS.

1. Comprovado o exercício da atividade especial por mais de 25anos, o segurado faz jus à concessão da aposentadoria especial, nostermos do art. 57 e § 1º da Lei 8.213, de 24-07-1991, observado, ainda, odisposto no art. 18, I, ‘d’ c/c 29, II, da LB, a contar da data dorequerimento administrativo.

2. O § 8º do artigo 57 da Lei n.º 8.213/91 veda a percepção deaposentadoria especial por parte do trabalhador que continuarexercendo atividade especial.

3. A restrição à continuidade do desempenho da atividade porparte do trabalhador que obtém aposentadoria especial cerceia, semque haja autorização constitucional para tanto (pois a constituiçãosomente permite restrição relacionada à qualificação profissional), odesempenho de atividade profissional, e veda o acesso à previdênciasocial ao segurado que implementou os requisitos estabelecidos nalegislação de regência.

3. A regra em questão não possui caráter protetivo, pois não vedao trabalho especial, ou mesmo sua continuidade, impedindo apenas opagamento da aposentadoria. Nada obsta que o segurado permaneçatrabalhando em atividades que impliquem exposição a agentesnocivos sem requerer aposentadoria especial; ou que aguarde para seaposentar por tempo de contribuição, a fim de poder cumular obenefício com a remuneração da atividade, caso mantenha o vínculo;como nada impede que se aposentando sem a consideração do tempoespecial, peça, quando do afastamento definitivo do trabalho, aconversão da aposentadoria por tempo de contribuição emaposentadoria especial. A regra, portanto, não tem por escopo aproteção do trabalhador, ostentando mero caráter fiscal e cerceandode forma indevida o desempenho da atividade profissional.

4. A interpretação conforme a constituição não tem cabimentoquando conduz a entendimento que contrarie sentido expresso da lei.

5. Reconhecimento da inconstitucionalidade do § 8º do artigo 57da Lei nº 8.213/91.

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(Incidente de Arguição de Inconstitucionalidade n. 5001401-77.2012.404.0000, Rel. Des. Federal Ricardo Teixeira do Valle Pereira,julgado em 24-05-2012)’ (Destaque nosso).

Por essas razões, o benefício de aposentadoria especial da autora édevido desde a data do ajuizamento da ação, mesmo que a seguradamantenha o exercício da atividade especial.”

Na sequência, deu-se a interposição do recurso extraordinário, o qual sevolta, em essência, contra a declaração de inconstitucionalidad e, peloTribunal a quo , do art. 57, § 8º, da Lei nº 8.213/91 , o qual exige do seguradoo afastamento da atividade nociva a fim de que continue percebendo oupasse a perceber o benefício de aposentadoria especial.

Os dispositivos envolvidos, a serem compreendidos em conjunto, são osarts. 46 e 57, § 8º, da Lei nº 8.213/91, cujas redações reproduzo:

“ Art. 46. O aposentado por invalidez que retornarvoluntariamente à atividade terá sua aposentadoria automaticamente

cancelada, a partir da data do retorno.(…)Art 57. A aposentadoria especial será devida, uma vez cumprida a

carência exigida nesta Lei, ao segurado que tiver trabalhado sujeito acondições especiais que prejudiquem a saúde ou a integridade física,durante 15 (quinze), 20 (vinte) ou 25 (vinte e cinco) anos, conformedispuser a lei.

(...)§ 8º Aplica-se o disposto no art. 46 ao segurado aposentado nos

termos deste artigo que continuar no exercício de atividade ouoperação que o sujeite aos agentes nocivos constantes da relação

referida no art. 58 desta Lei.”

O acórdão prolatado pelo Pleno do TRF da 4ª Região no julgamento doIncidente de Arguição de Inconstitucionalidade nº 5001401-77.2012.404.0000, resgatado pelo decisum combatido em suas razões dedecidir, assentou a inconstitucionalidade do referido art. 57, § 8º, com baseem pretensa violação dos arts. 5º, inciso XIII, 7º, inciso XXXIII, e 201, § 1º, daConstituição Federal, ofensas que o órgão recorrente sustenta inexistirem.

No caso concreto, a discussão interessa na medida em que aquilo queaqui se decidir acerca da constitucionalidade do dispositivo em comentoimpactará diretamente na data de início do benefício, sendo essencial,ademais, para se determinar se a recorrida continuará a receber os

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proventos de aposentadoria normalmente ou se deverá, como condição sine qua non , afastar-se de toda e qualquer atividade especial que porventura

ainda exerça. Esse é, em síntese, o quadro posto.

Qualquer que seja a solução a ser adotada, é imprescindível se examinarantes, de forma mais atenta, o que é a aposentadoria especial e, sobretudo,qual sua finalidade – ou, ainda, o que ela objetiva proteger.

Segundo Fernando Vieira Marcelo,

“[a] aposentadoria especial do Regime Geral de Previdência Socialé o benefício devido ao segurado que exerce atividade em condiçõesprejudiciais à saúde ou à integridade física, benefício que visa garantirao segurado uma compensação pelo desgaste resultante do tempo deserviço prestado em ambientes insalubres, penosos e perigosos (ecomo resultado disso, este receberá uma indenização social pelosdanos sofridos aposentando mais cedo)” (MARCELO, FernandoVieira. Aposentadoria especial. Leme: J. H. Mizuno, 2014. p. 33).

Maria Helena Carreira Alvim Ribeiro, por sua vez, anota o seguinte:

“A aposentadoria especial é um benefício que visa garantir aosegurado do Regime da Previdência Social uma compensação pelodesgaste resultante do tempo de serviço prestado em condiçõesprejudiciais à sua saúde ou integridade física.

(….)A Desembargadora Suzana Camargo, do Tribunal Regional

Federal da 3ª Região, registra que a aposentadoria especial tem porfinalidade proteger os trabalhadores que laboram ou laboraram ematividades que afetam a saúde ou integridade física, ‘reclamandoassim, a redução do tempo de serviço para obtenção do benefício, de

molde que os riscos a que estão sujeitos não se tornem fatais à vida.’Novamente assinala Wladimir Novaes Martinez que ‘de certo

modo a doutrina tem como assente tratar-se de uma indenizaçãosocial pela exposição aos agentes nocivos ou possibilidade deprejuízos à saúde do trabalhador, distinguindo-a da aposentadoria

por tempo de contribuição e da aposentadoria por invalidez.’Nilton Freitas anota que a aposentadoria especial constitui um

‘benefício em forma de ‘compensação’ para aqueles que se dispuseramou não tiveram alternativa ocupacional, a realizar atividades em queexpunham sua saúde ou integridade física aos riscos oriundos dotrabalho, em prol do desenvolvimento nacional’ ( Aposentadoriaespecial. Curitiba: Juruá, 2014. p. 33-34).

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Sérgio Pinto Martins também discorre acerca do benefício em questão:

“Aposentadoria especial é o benefício previdenciário decorrentedo trabalho realizado em condições prejudiciais à saúde ou àintegridade física do segurado, de acordo com a previsão da lei. Trata-se de um benefício de natureza extraordinária, tendo por objetivocompensar o trabalho do segurado que presta serviços em condiçõesadversas à sua saúde ou que desempenha atividades com riscossuperiores aos normais.

A aposentadoria especial é espécie de aposentadoria por tempo decontribuição. Não é espécie de aposentadoria por invalidez, pois nãocompreende invalidez.

(…)Difere, também, a aposentadoria especial da aposentadoria por

invalidez, pois nesta o fato gerador é a incapacidade para o trabalho ena aposentadoria especial esse fato inexiste. A aposentadoria especialpressupõe agressão à saúde do trabalhador por meio de exposição aagentes nocivos. A segunda decorre de incapacidade einsusceptibilidade de reabilitação do segundo. O aposentado de formaespecial não fica inválido para o trabalho, apenas não pode exerceratividade que o exponha a agentes nocivos à saúde.

Defere-se a aposentadoria especial quando o segurado tenhalaborado em atividades sujeitas a condições especiais queprejudiquem sua saúde e integridade física” ( Direito da SeguridadeSocial. São Paulo: Atlas, 2015. 35. ed. p. 374).

Independentemente do conceito ou do doutrinador a que se recorra, écerto que, em todos eles, uma constatação se repete: a aposentadoriaespecial ostenta um nítido caráter protetivo; trata-se, a toda evidência, deum benefício previdenciário concedido com vistas a preservar a saúde, obem-estar e a integridade do trabalhador submetido rotineiramente acondições de trabalho insalubres, perigosas e/ou penosas. Trabalha-se comuma presunção absoluta de incapacidade decorrente do tempo do serviçoprestado, e é isso que justifica o tempo reduzido para a inativação.

Surge aqui o primeiro obstáculo ao retorno ou continuidade no trabalhopor parte do beneficiário de aposentadoria especial - e ele é de ordemlógica.

Na aposentadoria especial, a presunção de incapacidade é absoluta –tanto que, para obtenção do benefício, não se faz necessária a realização deperícia ou a demonstração efetiva de incapacidade laboral, bastando apenase tão somente a comprovação do tempo de serviço e da exposição aos

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agentes danosos. Nessa hipótese, a aposentação se dá de forma precoceporque o legislador presume que, em virtude da nocividade das atividadesdesempenhadas, o trabalhador sofrerá um desgaste maior do que o normalde sua saúde. Dito em outras palavras, o tempo para aposentadoria éreduzido em relação às outras categorias porque, ante a naturezademasiado desgastante e/ou extenuante do serviço executado, entendeu-sepor bem que o exercente de atividade especial deve laborar por menostempo – seria essa uma forma de compensá-lo e, sobretudo, de protegê-lo.

Ora, se a presunção de incapacidade é, consoante dito, absoluta; se afinalidade da instituição do benefício em questão é, em essência, resguardara saúde e o bem-estar do trabalhador que desempenha atividade especial;se o intuito da norma ao possibilitar a aposentadoria antecipada éjustamente retirá-lo do ambiente insalubre e prejudicial a sua incolumidadefísica, a fim de que não tenha sua integridade severa e irremediavelmenteafetada, qual seria o sentido de se permitir que o indivíduo perceba aaposentadoria especial mas continue a desempenhar atividade nociva?Como se nota, sob essa óptica, a previsão do art. 57, § 8º da Lei n.º 8.213/91 éabsolutamente razoável e consentânea com a vontade do legislador.

Desarrazoado, ilógico e flagrantemente contrário à ideia que guiou ainstituição do benefício é, justamente, permitir o retorno ao labor especialou sua continuidade após a obtenção da aposentadoria – prática quecontraria em tudo o propósito do benefício e que significa ferir de morte suarazão de ser.

De se notar o surgimento aqui, também, de uma outra contradição, bemapontada por André Studart Leitão, que aproveita a oportunidade paraapresentar uma interessante reflexão:

“Com a devida vênia ao mestre e não obstante a força de seuselaborados argumentos, parece-nos que a possibilidade de obeneficiário de uma aposentadoria programável exercer determinadasatividades laborais representa uma enorme contradição do ponto devista lógico-jurídico.

Como salientamos em outra oportunidade, a incoerência está noconvívio normativo de duas realidades totalmente contraditórias eopostas. Afinal, se a aposentadoria visa a substituir os rendimentos dotrabalho, haja vista a presunção absoluta de incapacidade fisiológicado indivíduo, como é possível admitir que o aposentado continueexercendo atividade? Cria-se, de um lado, a presunção, e, de outro, asua respectiva elisão.

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Não se pode olvidar que a seguridade social, enquanto ferramentainstitucional da ordem social, tem por base o primado do trabalho ecomo objetivos o bem-estar e a justiça sociais. Apesar da já consagradaautonomia didática do direito previdenciário, não há dúvida de que oseu ambiente e estrutura normativas encontram-se umbilicalmenteligados à esfera trabalhista. A lógica é simples: o principal escopo daprevidência social é substituir a renda do trabalhador durante asadversidades inesperadas (infortúnios) e após a sua passagem para ainatividade.

Não é possível dissociar o sistema previdenciário da realidadelaborativa do país. A previdência não pode ser vista isoladamente, sobpena de restar caracterizada a total ineficácia de suas medidas desustentação e políticas de inclusão social. O sistema previdenciárioexiste para servir a reunião de pessoas que integram a sociedade, enão determinados indivíduos que vivem situações peculiares. Dessamaneira, permitir que o beneficiário de uma aposentadoriaprogramável tenha liberdade plena para exercer o trabalho, semprejuízo do benefício, implica privilegiá-lo em detrimento de umapessoa desempregada que ambiciona uma vaga no mercado detrabalho. E isso dá ensejo a uma situação de injustiça: dupla renda deum lado (aposentadoria e rendimentos do trabalho) e nenhuma rendade outro. Exatamente nesse sentido, são as palavras de ReinholdStephanes:

‘A aposentadoria não é um complemento de renda do qual otrabalhador, depois de certo tempo de serviço, pode dispor. Não fazsentido que o cidadão, após obter a aposentadoria, retorne ao mercadode trabalho para disputa, com os mais jovens, os empregosdisponíveis. Não faz sentido, igualmente, que a sociedade arque comos custos desse benefício, se o cidadão ainda tem plena capacidade detrabalho, sendo certo que a aposentadoria precoce não teve seufinanciamento adequado.’

(…)Não se está propondo qualquer obstáculo ao trabalho, até porque

a liberdade de seu exercício é amplamente consagrada pelaConstituição. O que não se pode admitir é o recebimento simultâneode proventos de aposentadoria e de remuneração decorrente doexercício de atividade por conta alheia. Não existe coerência em criaruma presunção absoluta de incapacidade fisiológica e, ao mesmotempo, uma exceção manifesta a essa presunção, em manifestoprejuízo à sociedade, especialmente àqueles que tanto buscam umaposição no mercado de trabalho”(LEITÃO, André Studart. Aposentadoria especial – doutrina e jurisprudência. 2. ed.Florianópolis: Conceito Editorial, 2013. p. 183-184).

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Há de se ter em perspectiva, ainda, um outro ponto: declarar ainconstitucionalidade do dispositivo questionado para permitir a volta ou acontinuação na atividade nociva implica violar o princípio da isonomia ecriar odiosa forma de tratamento desigual entre os cidadãos, o que écontrário aos espíritos da Constituição da República e da legislação regentecorrelata. Senão, vejamos. Ao indivíduo que desempenha atividade especialé dispensado tratamento distinto e mais benéfico do que aquele conferidoaos demais. Tal diferenciação apoia-se, como não poderia deixar de ser,num fator de discrímen. O trabalhador empregado em atividade especial,consoante já exaustivamente apontado, goza da faculdade de aposentar-secom muito menos tempo de serviço do que o trabalhador comum, contandoainda com um outro diferencial: a não incidência do fator previdenciário.Tal distinção, a qual, em um primeiro momento, poderia parecerinaceitável, encontra respaldo naquilo que se expôs como a razão de ser daaposentadoria especial: a inúmeras vezes repisada necessidade de proteçãoà saúde desse trabalhador específico. O aposentado especial passa para ainatividade mais cedo e com mais vantagens porque entende-se quedesempenha labor mais danoso que a média – e, ao aposentá-lo, o PoderPúblico não visa outra coisa que não poupá-lo. Esse é o motivo do tratodiferenciado. Mas se o beneficiário, ao lograr obter o benefício, ao invés deafastar-se da atividade, continuar nela, ter-se-á, então, privilégio odioso.Explico.

Conforme acentua, Diego Henrique Schuster,

[a] aposentadoria especial se apresenta como uma técnica deproteção específica da previdência social, com condições de evitar aefetiva incapacidade do trabalhador pela redução do tempo decontribuição. A aposentadoria especial é uma prestação previdenciária– diferente das demais aposentadorias – devida ao segurado que tivertrabalhado, durante 15, 20 ou 25 anos, sujeito a ‘condições especiaisque prejudiquem a saúde ou a integridade física’, referencial previstono art. 201, § 1º, da Constituição brasileira, onde assume nítido caráterde direito subjetivo de natureza fundamental e social, e reafirmadopela Lei nº 8.213/91, na qual o benefício tem regulamentaçãoprovisória.

(…)Na medida em que o fundamento constitucional a justificar a

concessão de uma aposentadoria especial é o princípio da igualdade,determinando o art. 201, § 1º, da CF/88 um tratamento diferenciadopara aqueles que não tiveram outra alternativa ocupacional que não

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implicasse a exposição de sua saúde e/ou integridade física aos riscosoriundos do trabalho, este benefício previdenciário se apresenta comouma espécie de ação afirmativa, considerando que[,] no Brasil, oprimado da ‘sadia qualidade de vida’ (CF/88, art. 225), com relação àscondições de trabalho, nem sempre é observado. Nesse sentido, aaposentadoria especial é considerada um benefício excepcional:

‘[...] deve-se indagar: qual a finalidade da previsão constitucionaldo benefício previdenciário da aposentadoria especial? Por óbvio, é ade amparar, tendo em vista o sistema constitucional de direitosfundamentais que devem sempre ser perquiridos – vida, saúde,dignidade da pessoa humana -, o trabalhador que laborou emcondições nocivas e perigosas à sua saúde, de forma que apossibilidade do evento danoso pelo contato com os agentes nocivoslevam à necessidade de um descanso precoce do ser humano, o que éamparado pela Previdência Social.’ ( Aposentadoria especial: entre oprincípio da precaução e a proteção social. Curitiba: Juruá, 2016. p. 38-39).

Dito em outras palavras, a aposentação é oportunizada em condiçõesmais vantajosas, mas em contrapartida espera-se o afastamento do laborespecial, uma vez que a presunção de incapacidade é absoluta e o que sebusca é preservar a saúde provavelmente debilitada pelos esforços levadosa cabo por meio de um descanso precoce.

Note-se: aquele que se aposenta na modalidade especial não ficaimpedido de trabalhar em outras atividades. Caso necessite complementarsua renda, lhe é dado buscar fontes de proventos em outras ocupações quenão aquelas demasiado danosas à saúde.

Logo, o que justifica que ele se aposente em condições mais favoráveisque as dos demais e continue a exercer a atividade danosa? Ele seaposentará mais cedo, perceberá um valor maior que os demaisaposentados e poderá persistir na atividade que justamente ensejou seuafastamento e da qual o legislador intencionava exatamente retirá-lo? Elepoderá continuar a auferir quantia extra na atividade lesiva, usando aaposentadoria especial como complementação de renda quando,evidentemente, esse nunca foi o intuito do benefício? Vide a injustiça dacoisa: o trabalhador que, aposentado por invalidez, retornar ao labor, teráseu benefício cancelado por motivo lógico e justo - o fator que levou aotratamento diferenciado tornou-se ausente.

O que respalda, portanto, o percebimento da aposentadoria especialquando aquele que com ela foi agraciado decide, de vontade própria,

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continuar a desempenhar o trabalho lesivo à saúde? O benefício foiinstituído precisamente para tirá-lo desse trabalho!

Permitir a persistência no trabalho especial significa premiar otrabalhador por descumprir a finalidade da norma instituidora e darorigem a um tratamento diferenciado injustificado entre os cidadãos, umavez que, aquele que se aposenta por outras modalidades, embora possacontinuar a trabalhar após a passagem para a inatividade, levará muitomais tempo para se aposentar em melhores condições. Caso deseje inativar-se aos 15, 20 ou 25 anos de serviço, como o aposentado especial, seusproventos de aposentadoria serão sensivelmente menores do que os desseúltimo. Desse modo, é possível dizer que afastar a constitucionalidade doart. 57, § 8º, da Lei nº 8.213/91 seria corroborar com a criação de umtratamento discriminatório entre segurados desprovido de fundamentaçãoou de razoabilidade. Afinal, se o indivíduo entende-se apto a permanecerna atividade especial, não há que se falar em incapacidade laboral – se elenão se adequar ao espectro de proteção da norma, nela não deve serenquadrado, devendo-lhe ser dispensado tratamento semelhante àqueledado aos demais.

Quanto às violações do texto constitucional aventadas no acórdãorecorrido e também naquele prolatado no Incidente de Arguição deInconstitucionalidade julgado pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região,com a devida vênia, entendo serem inexistentes.

No que tange à alegada ofensa ao art. 5º, inciso XIII, da Carta Política, oqual apregoa ser livre o exercício de qualquer trabalho, ofício ou profissão,contanto que atendidas as qualificações profissionais que a lei estabelecer,não vislumbro, na proibição insculpida no art. 57, § 8º, da Lei nº 8.213/91,desobediência alguma ao referido comando constitucional.

Note-se que, embora se trate de cláusula pétrea, não se admitindomodificação tendente a aboli-la, não é defesa a restrição motivada, razoávele proporcional, que respeite o núcleo do direito fundamental. Entendo seresse o caso.

O dispositivo em tela não introduz proibição total ao trabalho após aobtenção da aposentadoria especial. O aposentado é absolutamente livrepara laborar no que desejar, sendo colocados obstáculos apenas no quetange aos serviços tidos como prejudiciais à saúde cujo desempenhojustamente ensejou sua aposentação antecipada.

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É uma questão de observância da teleologia da norma instituidora, derespeito à finalidade da lei e, sobretudo, de proteção à saúde, à integridadee ao bem-estar do obrador.

Adicionalmente, é de se ter em vista que, mesmo em relação ao laborespecial, não há propriamente proibição, mas sim a colocação de umaescolha ao obreiro, o qual, optando por persistir na atividade, terá seubenefício suspenso. Na hipótese, a limitação colocada, a qual não se mostrade modo algum onerosa ou penosa em excesso, uma vez que inexisteinterdição total ao trabalho ou colocação de óbice intransponível ao labor,harmoniza-se com o dever e vontade do Poder Público de agir paraproteger o trabalhador, o que é albergado e incentivado pelo textoconstitucional. Não entendo, portanto, como possa haverinconstitucionalidade por violência ao art. 5º, inciso XIII, da Constituição daRepública.

A propósito, saliento que não prospera o argumento da Corte a quo deque a regra em comento não possui caráter protetivo, visto não vedar otrabalho especial, mas apenas o pagamento da aposentadoria.

Primeiramente porque, como exaustivamente demonstrado, adisposição do art. 57, § 8º, da CF insere-se perfeitamente no contexto deproteção ao trabalhador que permeia o benefício da aposentadoria especial,na medida em que, ao condicionar o percebimento da aposentadoria aoafastamento da atividade lesiva, atua como fator de desestímulo ao retornoà atividade ou à continuidade nela; em segundo lugar porque, ainda queassim desejasse, não haveria como o legislador estabelecer a vedaçãoabsoluta ao trabalho, inclusive o especial, por força do retromencionado art.5º, inciso XIII, da Lei Fundamental.

Relativamente ao argumento segundo o qual a proibição de trabalhoperigoso ou insalubre existente no art. 7º, inciso XXXIII, da Carta Magna sóse destina aos menores de dezoito anos, corroboro a bem apresentadaponderação da Procuradoria-Geral da República no sentido de que essainterdição não conduz à conclusão de que, em defesa da saúde dotrabalhador, outras restrições a atividades laborais realizadas em contatocom agentes nocivos não poderiam ser realizadas. Como bem pontuou oMinistério Público,

“pensar de modo contrário seria limitar o âmbito de atuação doPoder Público em defesa da segurança e da integridade física e mental

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daquele que, historicamente, encontra-se em situação devulnerabilidade nas relações laborais”.

De mais a mais, não seria razoável esperar que a Constituição, eunicamente ela, trouxesse em seu corpo todas as restrições aplicáveis aosdireitos e garantias fundamentais. Tanto é assim que facilmente se detectaem diversas passagens da Lei Maior dispositivos em que se delega aregulamentação – inclusive de eventuais restrições - de uma determinadaprerrogativa ou garantia à legislação infraconstitucional.

O texto constitucional é dotado de cláusulas abertas exatamente paraevitar o engessamento, bem como para permitir ao legislador acompanharas evoluções verificadas no mundo e promover as adaptações necessáriascom maior facilidade e agilidade – e aqui encontram-se englobado o deverde atuar em defesa da segurança e da integridade física e mental dotrabalhador. Disso resulta que, salvo disposição constitucional expressa emsentido contrário, a lei ordinária poderá, sim, estabelecer limitações adireito fundamental, conquanto calcada em motivo justo e legítimo epreservada a essência daquele, devidamente observados a razoabilidade e aproporcionalidade, exigências que me parecem devidamente cumpridaspela regra ora questionada.

Não obstante, ainda que a proibição inserta no mencionado art. 7º,inciso XXXIII da CF fosse a única admissível relativamente ao exercício deatividade especial, afronta não haveria, uma vez que, consoante ditopreviamente, a regra do art. 57, § 8º, da Lei de Planos de Benefícios daPrevidência Social não estabeleceu propriamente uma outra vedação, masuma escolha a ser feita pelo segurado.

O mesmo se diga quanto à alegação de inobservância do art. 201, § 1º,da Constituição da República, o qual dispõe ser vedada a adoção derequisitos e critérios diferenciados para a concessão de aposentadoria aosbeneficiários do regime geral de previdência social, ressalvados os casos deatividades exercidas sob condições especiais que prejudiquem a saúde ou aintegridade física, ou quando se tratar de segurados portadores dedeficiência.

Não se mostra viável extrair do texto da norma em comento o alegadoveto à proibição de simultaneidade entre a percepção da aposentadoriaespecial e a realização das atividades que deram causa ao adiantamento daaposentação.

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O que se tem ali é a censura a qualquer iniciativa destinada a introduzirtratamento diferenciado a segurados do RGPS, salvo aqueles exercentes deatividades especiais e os portadores de deficiência. O dispositivoconstitucional em questão não desceu, tampouco pretendeu descer, aminudências relativas à disciplina da aposentadoria especial, limitando-se afornecer respaldo à eventual concessão de um tratamento diferenciado àsduas categorias mencionadas em face das demais espécies de aposentados.

Note-se, ademais, que, na parte final do art. 201, § 1º, da ConstituiçãoFederal, o legislador cuidou de remeter à lei complementar os termos emque se daria essa disciplina diferenciada. Eis que, desse modo, por não tirardo corpo da Lei Fundamental e, em especial, do apontado art. 201, § 1º,qualquer oposição nítida àquilo que introduzido pelo art. 57, § 8º, da Lei nº8.213/91, entendo, por bem, afastar também esse fundamento agitado parafins de demonstração da inconstitucionalidade.

A recorrida sustenta também a ocorrência de violência ao princípio daisonomia, uma vez que aos trabalhadores portadores de deficiência, osquais igualmente submetem-se a condições diferenciadas para aaposentação, é dado retornar ou permanecer em seu labor, sem risco decorte do benefício. A aventada desigualdade não se sustenta, uma vez quenão se está efetivamente diante de tratamento distinto para situaçõessemelhantes. Isso porque, conforme salienta o eminente Procurador Geralda República, “tendo em vista que a permanência dos portadores dedeficiência em atividade não acarreta prejuízo à sua saúde ou à sua

integridade física, tal discrímen é plenamente justificado”.

O portador de deficiência, tal qual aqueles indivíduos que laboram emsituações nocivas, aposenta-se em tempo reduzido, quando comparado aodos demais, em razão de suas condições de saúde e limitações físicas.Ocorre que, em seu caso, o que justifica a precocidade da passagem para ainatividade não são as condições de trabalho, mas sim a condição daprópria pessoa. O indivíduo não se aposenta porque labora em condiçõesperigosas ou insalubres; o legislador não pretendeu afastá-lo mais cedo dotrabalho a fim de resguardar seu bem-estar, mas sim porque ele possuilimitações físicas que tornam aconselhável o descanso precoce.

Obviamente, um portador de deficiência que eventualmente exerçaatividade especial, caso opte por aposentar-se, estará submetido, do mesmomodo, à regra que determina a interrupção do pagamento do benefício emcaso de não afastamento da atividade perigosa.

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Dito isso, não há que se falar também em contrariedade ao mandamentodo tratamento isonômico.

Do acórdão do Incidente de Arguição de Inconstitucionalidade exaradopelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região extraem-se, ainda, dois outrosargumentos manejados para fundamentar a declaração deinconstitucionalidade com os quais, com todo o respeito, não há como seconcordar.

Consignou aquele colegiado que o art. 57, § 8º, da Lei nº 8.213/91 nãopossuiria caráter protetivo algum, pois nada obsta que o segurado aguardepara se aposentar por tempo de contribuição, a fim de poder cumular obenefício com a remuneração da atividade, caso mantenha o vínculo.Quanto a esse ponto, de se ter em vista que

“[n]o primeiro caso, o segurado não se beneficiou com a concessãoantecipada da prestação previdenciária. Quanto ao segundo caso, defato, o sistema é falho, já que a vedação refere-se exclusivamente aobeneficiário de aposentadoria especial que volta a trabalhar. Diantedisso, nada obsta que alguém converta todos os períodos especiais emtempo comum para recebimento de aposentadoria por tempo decontribuição (ao invés de uma aposentadoria especial). Contudo, nãopodemos esquecer que essa trajetória alternativa implicaria enormeprejuízo para o trabalhador. É que a aposentadoria especial, aocontrário da aposentadoria por tempo de contribuição, não sofre aaplicação do fator previdenciário. De qualquer maneira, parece-nosóbvio que a conclusão justa não pode ter como premissa uma fissurado sistema.” (LEITÃO, André Studart. Aposentadoria especial –doutrina e jurisprudência. 2. ed. Florianópolis: Conceito Editorial,2013. p. 190).

Ainda quanto à sustentada inexistência de intuito de proteção, assentouaquele Colegiado que nada impede que, se aposentando sem a consideraçãodo tempo especial, o indivíduo peça, quando do afastamento definitivo dotrabalho, a conversão da aposentadoria por tempo de contribuição emaposentadoria especial.

Concluiu, desse modo, aquele Juízo que a regra em questão não tem porescopo a proteção do trabalhador, limitando-se a ostentar caráter fiscal, bemcomo a cercear de forma indevida o desempenho da atividade profissional.Com toda a vênia, conforme ressalta o outrora citado André Leitão, o

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Tribunal Regional Federal da 4ª Região parte, em seu raciocínio, depremissa equivocada, eis que a desaposentação, ao menos até o presentemomento, não constitui direito do aposentado.

Tendo perpassado os argumentos lançados para fundamentar adeclaração de inconstitucionalidade do art. 57, § 8º, da Lei de Planos deBenefícios da Previdência Social, rejeitando-os todos, reafirmo, agora demaneira mais explícita, minha convicção, a qual vai no sentido dainquestionável constitucionalidade do dispositivo. E isso não só porque,consoante foi dito nos parágrafos iniciais deste voto, o dispositivoimpugnado se coaduna perfeitamente com aquilo que pretendiam os arts.201, § 1º, da Constituição Federal e o art. 57, caput , da Lei nº 8.213/91 aopreverem as bases da aposentadoria especial, mas também porque, aointroduzir a necessidade de o trabalhador abandonar a atividade nociva, ocitado dispositivo reforça o propósito de que o trabalhador se retire dolabor especial antes de ter sua incolumidade física e psíquica severamenteabalada.

No julgamento do ARE nº 664.335/SC-RG, o Supremo Tribunal Federalassentou ser íntima a relação entre o trabalho em condições insalubres,contido no direito fundamental à previdência social, o princípio dadignidade da pessoa humana e os direitos à vida, à saúde, ao meioambiente de trabalho equilibrado, tendo a Corte chegado à conclusão deque a finalidade da previsão constitucional do benefício previdenciário daaposentadoria especial é amparar, considerado o sistema constitucional dedireitos fundamentais, o trabalhador que laborou em condições nocivas eperigosas a sua saúde, de forma que a possibilidade do evento danoso pelocontato com agentes nocivos torna imprescindível o descanso precoce, oque é amparado pela Previdência Social.

Essa conclusão, aliás, confere uma orientação a ser observada para finsde averiguação da consentaneidade da norma questionada com o texto daCarta da República.

Relativamente ao direito à saúde, não há que se falar emincompatibilidade, pois, na espécie,

“a saúde é um direito que se concretiza por meio de ações deprevenção de acidentes e doenças relacionadas ao trabalho,considerando os conceitos de promoção da saúde e do bem-estar

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social e entendendo que a aposentadoria especial é apenas parte deum conjunto de ações em favor da segurança e da saúde dotrabalhador.

Acrescente-se que a aposentadoria especial é, enquanto reduçãodo tempo de exposição às situações de trabalho com potencial decausar danos, uma medida de prevenção e precaução. É uminstrumento que pode considerar o fator idade relacionando-o aodesgaste físico e mental e às exigências de determinada atividade” (cf.LIMA, Cristiane Queiroz Barbeiro. Aposentadoria especial comoinstrumento de proteção à segurança e saúde dos trabalhadores.Seminário sobre Aposentadoria Especial como um Instrumento deProteção à Segurança e Saúde do Trabalhador, 25 setembro 2008, SãoPaulo. In: I Seminário sobre Aposentadoria Especial como umInstrumento de Proteção à Segurança e Saúde do Trabalhador:

[conferências proferidas] . São Paulo: Fundacentro, 2010. p. 15)

Assim, o artigo indigitado, ao dispor que se aplica o disposto no art. 46ao segurado aposentado nos termos desse artigo que continuar no exercíciode atividades ou operação que o sujeite aos agentes nocivos constantes darelação referida no art. 58 da Lei nº 8.213/91, não está fazendo outra coisasenão homenageando a saúde do trabalhador, elevando o grau de proteçãoofertado a ela pelo legislador a um nível ainda maior. Isso porque, aodificultar a retomada do labor especial, evita que o cidadão continue asubmeter-se a condições especialmente lesivas a seu bem-estar.

Ao prestigiar a saúde, a disposição legal prestigia também o direito àvida, intrinsecamente ligado ao primeiro, visto que reforçar a necessidadede afastamento da atividade especial implica não só mitigar a chance dedesenvolvimento de doenças ocupacionais capazes de levar à incapacidadedefinitiva e, eventualmente, à morte, mas também reduzir a probabilidadede o indivíduo vir a se lesionar ou mesmo a falecer em algum acidente detrabalho (uma vez que, não raro, o próprio local de trabalho descortina-seperigoso e propício à ocorrência de intercorrências graves).

Também o direito a um meio ambiente de trabalho equilibrado épromovido, de certa forma, pela vedação de simultaneidade entre apercepção do benefício da aposentadoria especial e a realização deatividades que ensejam a aposentação antecipada. Isso porque, ao tornardemasiado onerosa para o aposentado especial a permanência no trabalhoinsalubre ou perigoso, funciona como um fator a incitar a pessoa a procuraruma segunda fonte de renda em ocupações menos traumáticas e que exijam

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menos do corpo e da mente, propiciando, assim, um alongamento daexpectativa de vida e do vigor para o trabalho, bem como uma minoraçãodos riscos para a incolumidade física e psíquica do trabalhador.

Quanto à dignidade da pessoa humana, revela-se efetivada por tudoaquilo que já se demonstrou. Proteger a dignidade do ser humano envolve,dentre outros, propiciar-lhe um ambiente de labor digno, que lhe permitaauferir seu sustento sem comprometer sua saúde e bem-estar ao ponto de setornar incapaz para qualquer atividade; inclui, ainda, oferecer-lhe o auxíliodo Estado quando se torne impedido ou proibido de continuar a exercer suaprofissão. E isso é respeitado pela previsão legal acerca da qual secontroverte.

Ao se dificultar o acúmulo dos proventos da aposentadoria com osalário pelo desempenho da atividade especial, está-se a prestigiar adignidade da pessoa humana na medida em que se torna mais vigorosa arede de proteção incidente sobre ela; ao mesmo tempo, não se desampara otrabalhador que opta por se retirar- do labor especial, dado que o Estadocuidará de prover-lhe a renda que deixou de obter com a cessação dosserviços.

Não se pode olvidar, adicionalmente, que a regra do art. 57, § 8º, da Leinº 8.213/91 efetiva uma outra previsão constitucional: a do art. 7º, incisoXXII, da Constituição da República. Tomo a liberdade de reproduzir, nesseponto, excerto do irretocável parecer exarado pela Procuradoria Geral daRepública:

“Por outro lado, extrai-se das disposições da Carta Magna umcuidado com a saúde do trabalhador, que se revela, de modo maisimediato e explícito, na previsão de redução dos riscos inerentes aotrabalho, por meio de normas de saúde, higiene e segurança (art. 7º,XXII).

A preocupação do constituinte com a saúde do trabalhadortambém pode ser notada em outros direitos que lhe são conferidos,tais como o direito a um salário mínimo capaz de atender a suasnecessidades vitais básicas e às de sua família em saúde, entre outrasdimensões relacionadas à fruição de uma vida plena, e os direitos quetêm por objetivo evitar que aquele que trabalha não seja submetido aencargos, tarefas e deveres superiores aos que suas forças lhepermitem cumprir – repouso semanal remunerado, férias, limites dejornadas de trabalho e aposentadoria (art. 7º, XIII, XIV, XV, XVII).

Constata-se, assim, que a tônica do constituinte foi a da proteçãoao trabalhador. Em sintonia com essa ideia, no âmbito do Direito do

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Trabalho, o princípio da proteção – ou princípio tutelar -, que informaque aquele ramo do Direito “ [...] estrutura em seu interior, com suasregras, institutos, princípios e presunções próprias, uma teia deproteção à parte hipossuficiente na relação empregatícia – o obreiro

[...]” , é considerado basilar.É evidente, porém, que, no patamar civilizatório atingido pela

sociedade contemporânea, ainda se mostra necessária ao bomandamento da vida comunitária, para que se maximizem aspossibilidades de expressão individuais e o bem-estar coletivo, arealização de atividades laborais em circunstâncias que se contrapõema essa lógica tutelar, de maneira que há situações concretas em quetais regras protetivas devem ser excepcionadas.

(…)De mais a mais, como a lógica do constituinte – expressa de modo

cristalino no caput do art. 7º, ao introduzir um rol de direitosconferidos aos trabalhadores com a expressão ‘além de outros quevisem à melhoria de sua condição social’ - é a da progressivaconquista de patamares civilizatórios mais elevados e, porconseguinte, de ampliação da proteção erigida em torno da dignidadedo trabalho e do trabalhador, deve-se manter, no caminhar dasociedade, com o progresso da ciência e da tecnologia, a busca de cadavez menos situações que excepcionem o sistema e cada vez maisrestrições a essas excepcionalidades.”

É verdade que, como salientado previamente, a previsão do art. 57, § 8º,da Lei nº 8.213/91 colide, em certa medida, com aquela insculpida no art. 5º,inciso XIII, da Constituição Federal, relativa à liberdade de ofício. Caberememorar, nesse ponto, aquilo que já foi exposto mais detalhadamente emoutro capítulo do voto: nenhum direito é absoluto, a restrição é motivada eatende a preceitos constitucionais de mesmo status , a limitação levada aefeito preserva o núcleo do direito fundamental e, por último, a condiçãocolocada pelo legislador é não só razoável como também proporcional,atendendo de maneira satisfatória aos requisitos da necessidade, daadequação e da proporcionalidade em sentido estrito.

Por último, resgato preocupação externada pelo Ministro Luiz Fux porocasião do julgamento do ARE nº 664.335/SC-RG, no que foi seguido pelosdemais componentes desta Corte, no sentido de que, relativamente àaposentadoria especial,

“ [o] problema se torna ainda maior ao levarmos em conta oinegável apoio da situação pelos próprios empregados, pois grandeparte deles, pela desinformação, não se preocupa com os enormes e

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indisponíveis benefícios que teriam com uma providência deeliminação completa dos riscos, mas comumente, pensam somente napossível redução de seus vencimentos e no aumento do tempo para seaposentar. Nesse aspecto, é válido ressaltar que algumas atividadesrealmente não permitem, segundo a tecnologia hoje disponível, asuperação do entrave da insalubridade, justificando a aplicação daspolíticas preventivas e compensatórias vigentes, e a consequentemanutenção do status quo , já que são indispensáveis para odesenvolvimento da sociedade.

Porém, isso não quer dizer, e essa é a mensagem relevante, quenão se deve abrir mão de perseverar na elisão de todo e qualquerlabor que se afigure prejudicial à saúde humana, especialmenteaquelas sabidamente carregadas de risco à própria vida dotrabalhador (amianto e outros produtos reconhecidamentecancerígenos, v.g. ), ainda que se admita a impossibilidade de seuintegral alcance, em muitos dos casos. Dessarte, insta esclarecer que aeliminação das atividades nocivas deve ser a meta ‘mor’ da Sociedade– Estado, empresariado, trabalhadores e representantes sindicais -,que devem se debruçar incessantemente na preocupação com a saúdedos trabalhadores, como exige a Constituição da República ao erigircomo pilares do Estado Democrático de Direito a dignidade humana,a valorização social do trabalho e a preservação da vida e da saúde.”

Compreendo que, para esse desiderato, a vedação da simultaneidadeentre a percepção do benefício da aposentadoria especial e a realização dasatividades que deram causa à aposentação precoce do trabalhador afigura-se de grande valia, uma vez que atua como fator impulsionador doabandono das atividades laborais lesivas, propiciando a preservação daintegridade e do bem-estar do trabalhador que, após longos anos deexposição a agentes nocivos, já deu sua contribuição para a sociedade,devendo, a partir de um determinado momento da vida, ser preservado.

Por sua vez, no tangente ao pleito de que se fixe como momento deinício do benefício não a data de entrada do requerimento no INSS, mas simaquela em que a autora efetivamente afastou-se da atividade especial, tenhoque ele não prospera.

A Lei n.º 8.213/91, em seu art. 57, § 2º, cuidou de disciplinar o tema dadata de início da aposentadoria especial fazendo uma remissão ao art. 49daquele mesmo diploma legislativo. Eis que, desse modo, a legislação deregência já cuidou de regular o assunto, estabelecendo que o benefício serádevido (i) da data do desligamento do emprego, quando requerida até essadata, ou até noventa dias depois dela (inciso I, alínea a); (ii) da data dorequerimento, quando não houver desligamento do emprego ou quando for

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requerida após o prazo previsto na alínea a (inciso I, alínea b). Conforme senota, inexiste, no referente ao assunto, vácuo legislativo, de modo que,afastar a previsão do art. 57, § 2º, da Lei de Planos de Benefícios daPrevidência Social para fazer valer, em detrimento dessa norma, o art. 57, §8º (quando esse sequer foi editado com vistas a regular a questão da data deinício dos benefícios), significaria evidente violência às prerrogativas doPoder Legislativo.

Dito de outra forma, caso acolhido o pedido da autarquia nesse ponto, oSupremo Tribunal Federal estaria claramente a legislar, o que lhe éterminantemente vedado. O legislador, no exercício de suas atribuiçõesconstitucionalmente conferidas, houve por bem fixar uma determinadadisciplina para a data de início do benefício – essa disciplina encontra-se noart. 57, § 2º, da lei nº 8.213/91. Referida norma encontra-se em harmoniacom o ordenamento jurídico e até o momento não teve suaconstitucionalidade questionada. Não há razão, portanto, para se negaraplicação a ela. O que o INSS pretende é que o Supremo Tribunal Federalignore a existência desse dispositivo, perfeitamente válido e eficaz, edetermine a aplicação, em seu lugar, do art. 57, § 8º, do mesmo diplomalegislativo, o qual se destina, aliás, a cuidar de situações distintas: asdaquelas hipóteses em que o trabalhador permanece ou retorna à atividadeespecial. Ora, é evidentemente defeso a esta Corte atender a um tal pleito,ante a evidente afronta à separação de Poderes e à vontade do legislador,legitima e validamente expressa.

Caso houvesse expressa e absoluta incompatibilidade entre as regrasinsculpidas nos arts. 49; 57, § 2º; 57, § 8º, da Lei nº 8.213/91, poder-se-ia falar,talvez, em acolhimento do pedido para que se defina como data de início daaposentadoria especial o dia do afastamento da atividade. Não sendo esse,todavia, o caso, o espírito que deve orientar o intérprete é sempre o dapreservação das normas. Os arts. 49 e 57, § 2º, cuidam do início dobenefício; o art. 57, § 8º, versa sobre suspensão da aposentadoria. Inexistecolisão imediata apta a tornar impossível o convívio das citadas regras.

Considere-se, por exemplo, cenário em que o segurado, à data fixadacomo de início do benefício, continua no labor especial ou a ele retorna. Ofato de ele permanecer ou retornar à atividade não significa que a data deinício será alterada – isso porque as datas de início, por cristalina previsãolegislativa, orientam-se pelo art. 49, não pelo art. 57, § 8º. Esse retorno oucontinuidade significa apenas que o percebimento dos proventos daaposentadoria ficará suspenso enquanto perdurar o labor nocivo – esse é oconteúdo do art. 57, § 8º, o qual, em momento algum, visou a dispor sobre a

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data de início do benefício, mas sim, vale ressaltar, sobre hipóteses desuspensão de aposentadorias especiais já concedidas.

De todo modo, não me parece que, ocorrendo o reconhecimento dodireito à aposentadoria especial ao trabalhador que não se afastou daquelaatividade nociva, a DIB deva ser fixada na data do afastamento do labor enão na data do requerimento. Isso porque, julgada procedente a ação,subentende-se que a resistência da autarquia era, desde o requerimento,injustificada. Dito de outro modo, o postulante efetivamente fazia jus aobenefício desde o requerimento administrativo. Deverá ele ser penalizadopor uma resistência imotivada do INSS, sobretudo quando sabidamente osprocessos administrativo e judicial alongam-se por tempo demasiado? Nãoé razoável exigir o afastamento do trabalho logo quando da postulação, poisentre essa e o eventual deferimento decorre um tempo durante o qual oindivíduo evidentemente necessita continuar a obter renda para seusustento, sendo incerto, ademais, nesse primeiro momento, inclusive, odeferimento da aposentação.

Quando, ao final do processo, o segurado tem seu direito àaposentadoria reconhecido e fica evidenciada a falta de fundamento para aresistência do INSS desde a entrada do requerimento, o segurado deve serpenalizado com a postergação da data de início do benefício para omomento em que ele se afastar da atividade? Com a devida vênia, aqui meafigura acertada a convicção esboçada pelo Tribunal a quo , o qual, arespeito desse ponto, assinalou que o segurado, quando prossegue noexercício da atividade, possui direito a receber as parcelas vencidas dobenefício desde a data do requerimento administrativo.

Isso registrado, vislumbro como mais acertado, quanto a esse temaespecífico, que, nas hipóteses em que o indivíduo solicita a aposentadoria econtinua a exercer o labor especial, a data de início do benefício deva ser adata de entrada do requerimento, remontando a esse marco, inclusive, osefeitos financeiros. Efetivada, contudo, seja na via administrativa, seja najudicial a implantação do benefício, uma vez verificada a continuidade ou oretorno ao labor nocivo, cessará o benefício previdenciário em questão.Entendendo ser essa uma compreensão que bem harmoniza a segurançajurídica, o direito do segurado e o conteúdo do art. 57, § 8º, da Lei nº 8.213/91. Submeto essa conclusão à apreciação do Plenário.

Inclino-me, portanto, a acolher parcialmente o pleito. Reconheço a constitucionalidade do art. 57, § 8º, da Lei n.º 8.213/91 e, por extensão, da

vedação de simultaneidade entre a percepção do benefício da aposentadoria

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especial e a realização de atividades especiais. Entretanto, relativamente aopedido para que se fixe como data de início das aposentadorias especiais adata de afastamento da atividade, encontro-me convencido de que ele nãomerece prosperar.

Ante todo o exposto, dou parcial provimento ao recurso extraordinárioe submeto à apreciação do excelso Colegiado a seguinte tese de repercussãogeral, a qual subdivido em dois enunciados:

i) É constitucional a vedação de continuidade da percepção deaposentadoria especial se o beneficiário permanece laborando em atividadeespecial ou a ela retorna, seja essa atividade especial aquela que ensejou a

aposentação precoce ou não.

ii) Nas hipóteses em que o segurado solicitar a aposentadoria econtinuar a exercer o labor especial, a data de início do benefício será a datade entrada do requerimento, remontando a esse marco, inclusive, os efeitosfinanceiros. Efetivada, contudo, seja na via administrativa, seja na judicial aimplantação do benefício, uma vez verificado o retorno ao labor nocivo ou

sua continuidade, cessará o benefício previdenciário em questão.

É como voto.