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Vovo Nago Papai Branco

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  • Beatriz Gis Dantas

    Vov Nag e Papai BrancoUsos e abusos da frica no Brasil

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  • Copyright byBeatriz Gis Dantas. 1988

    CapaMoema Cavalcanti

    RevisoMarcia Coutourk Menin

    Oscar Faria Menin

    Dados de Catalogao na Publicao

  • SUMRIO

    Apresentao .Prefcio .Introduo .

    CAPITULO I

    111319

    II

    II

    II

    --:

    MEMRIA DE

    ]osefina Leite Campos.professar que com f e compe.tncia iniciou-me na aventura daAntropologia.

    Bilina de Laranjeiras,com quem aprendi que IniCiarfilhos-de.santo , tambm, um atode competncia e f.

    A configurao do prestgio em terreiros de Xang 31Os "de fora" classificam os terreiros 33Os Terreiros se vem a si mesmos 35Soh" as diferenas 41As Diferenas vistas pelos "de dentro" . . . . . . . . . . 42A Importncia dos terreiros vista pelos" de dentro" 44O Ideal e o real 46A Importncia dos terreiros vista pelos "de fora" 52As Razes do sucesso 54

    CAPITULO li

    O Nag fala de si . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 59Da histria ao mito 59O Culto domstico aos orixs 62O Relato sobre as origens 66A "Histria" da me-de-santo 70

    "Papai branco" 70"Vov nag" . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. 74O Trabalho 80A Predestinao 81

    Os Descendentes de Nag e seu lugar no grupo 87A Herana africana do terreiro nag 91Os Sinais da ortodoxia africana. . . . . . . . . . . . . . . . . . .. 91

    CAPITULO /li

    O Nag fala sobre "os outros'; . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. 117Mals - os que desapareceram por fazer o Mal 117De africano a Tor - a trajetria dos misturados 121

  • CAPITULO V

    Os usos da frica pelo terreiro Nag ' . . . . . . .. 217As Tradies e o culto ao passado da cidade 217O Nag e os "brancos": o recorte sobre as tradiespopulares 220

    O Padre, as tradies e o Nag 225A Linguagem da frica como estratgia de sobrevivncia 230Concluso ,.. 241Bibliografia 249Glossrio ,., '.,.. 257

    Tor - da tradio indgena degenerada ao que trabalhacom Exu para fazer o Mal .Umbanda - a que cobra dinheiro da irmandade ."Crentes - os que no combina com ns" ."Igreja Catlica - aquela com quem ns mistura" .A Lgica do 11 puro" e do "misturado" _ .

    CAPITULO IVA construo e o significado da "pureza nag" .Os Diferentes contornos dos 'nags puros" .A frica e o regionalismo nordestino .A Exaltao de'Nag e a "democracia cultural" .

    O Confronto entre a Lei e a Cincia - Nina Ro-drigues .

    O Caso de Pernambuco .. ' , ..O Caso da Bahia .

    Os Congressos Afro-Brasileiros e a popularizao daherana africana .

    A Significao da "volta frica" e da exaltao do"nag puro" .frica negada versus frica exaltada, um paralelo entrea Umbanda e o Candombl , , ..

    II

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    I

    APRESENTACO,

    Este trabalho repete a trajetria de muitos outros quehoje circulam sob a forma de livro. Em 1982, apresentei-o UNICAMP como Dissertao de Mestrado em AntropologiaSocial. Os examinadores Joo Batista Borges Pereira, PeterFry e Manuela Carneiro da Cunha apresentaram crticas esugestes que anotei com o propsito de incorporar ao reto-mar o trabalho para publicao. O tempo foi passando,tornei-me ciente de outras crticas e sugestes resultantes dediscusses e leituras diversas, mas no consegui retomar otrabalho e melhor-lo conforme o meu desejo. Os muitospedidos de cpias que atendi convenceram-me de que, decerto modo, ele j estava em circulao e, junto com a insis-tncia dos amigos em v-lo como livro, ajudaram-me a venceras resistncias de publicar a verso original, que conservamuitas das marcas do trabalho acadmico. Espero que ajudea ampliar as discusses sobre as chamadas religies afro-brasileiras, que tm sido objeto de poucas publicaes naltima dcada.

    De diferentes modos, pessoas e instituies contriburampara a realizao deste trabalho. Aqui expresso-lhes o meuagradecimento:

    Universidade Federal de Sergipe, pela oportunidadede afastamento para cursar o Mestrado, e CAPES/PICD,pela concesso de bolsa de estudo.

  • I ,'~p,]2 ApresentaoAos professores Maria Manuela Carneiro da Cunha,

    orientadora, e Peter Fry, co-orientador, que juntos viram nas-cer a idia deste trabalho, acreditaram nele e acompanharamsua elaborao, animando-me com entusiasmo, discusses,sugestes e amizade.

    Aos colegas e professores do Mestrado em AntropologiaSocial da UNICAMP, particularmente Rubem Csar Fer-nandes, Mariza Correa, Mauro Almeida, Antnio AugustoArantes Neto e Carlos Rodrigues Brando, pelas crticas esugestes, sobretudo quando da apresentao do projeto dotrabalho.

    A Gislia Gis Santana, que teve a pacincia de decifrarmeus manuscritos que Francisco Jos Costa Dantas e RosaVirgnia Bonfim revisaram em sua forma final.

    Aos muitos pais, mes e filhos-de-santo de Laranjeiras,em particular aos .membros do Terreiro de Bilina, que meaceitaram com meu "querer saber para estudo", diferente doseu saber-vivncia.

    Aos muitos parentes consangneos e afins, que me der.2.mapoio nos momentoS mais difceis, especialmente a IbarJnior e Slvia, os filhos, que partilhram comigo a disciplinae os sacrifcios impostos pela elaborao deste trabalho,: ame-nizados e dignificados pela presena amiga e estimulante. deIbar, companheiro de jornada.

    Aracaju, julho de 1986

    II,j

    ,

    PREFCIO

    Certa vez, confiou-me uma amiga negra que o maiorproblema que enfrentava como negra era que nunca sabiaquando ia ser carinhosamente aceita ou rudemente rejeitadapelos brancos.

    No pequeno bairro rural paulista de Cafund, onde mo-ram os descendentes de uma comunidade de escravos, e ondepesquiso sua "lngua africana" h algum tempo com CarlosV0t e Bob Slenes, conta-se a histria de dois senhores deescravos naquela. regio. Um era "bom", o outro "ruim". Oprimeiro cuidava de seus escravos, no negava comida nemajuda em tempos difceis. O segundo era cruel ao extremo:estuprava as escravas e no hesitava em aplicar a tortura daroda-d'gua por qualquer mnima infrao.

    Nos livros de histria, h (simplificando muito) duasrivais interpretaes "oficiais" das razes e da natureza dasrelaes raciais no Brasil como um todo. A primeira (e pormuito tempo dominante) reza que brancos e negros forjaram,cordialmente, e cada um com os dotes de sua cultura deorigem, uma "democracia racial". Nesta interpretao, asreligies afro-brasileiras representam a "contribuio" africanaao melting pol brasileiro. A segunda reclama o oposto: bran-cos e negros vivem em conflito. Os primeiros dominam impie-dosamente os segundos, que, atravs de vrias formas deresistncia, lutam bravamente para conquistar a igualdade.Nesta acepo, o Candombl, a Umbanda e a Macumba so

  • formas de "resistncia cultural", atravs das quais os negrosmantm sua identidade pr6pria vis--vis a "cultura brancadominante". H um contingente grande, poderoso e progra-mtico, defensor desta verso da histria, que pensa que aidentidade negra contempornea deve passar pelo Candombl,/ocus da tradio africana na Terra da Santa Cruz. Alis,em ambas as histrias, as religies afro-brasileiras so vistascomo extenses da frica no Brasil, mesmo se o "sincretismo"com a religio catlica romana apresenta alguns "desvios decaminho".

    Creio que nenhuma dessas histrias adequada. Creio,porm, que ambas, juntamente, se aproximam da verdade.A histria da formao das relaes raciais seguramenteuma histria de conflitos e alianas entre brancos e negros,uma complexa e intrincada trama de oposies e conivncias,de dios e paixes, de repugnncias e acolhimentos. Se verdade que Os brasileiros de ascendncia africana muitoevidente (os 45% da populao que se classificam de "pretos"e "pardos" para o recenseador do IBGE) so os mais pre-judicados em matria de salrio, tipo de emprego (ou desem-prego), expectativa de vida e vrios outros indicadores sociais, igualmente verdade que tamanha desigualdade no se efe-tuou mecanicamente atravs de uma clara oposio entrebrancos de negros, como o caso, por exemplo na Africa doSul. Entre ns, as fronteiras so borradas e mutveis: a misci-genao legio; nosso sistema de classificao racial reco-nhece no apenas brancos e negros mas loiros, morenos, cafu~zos, mamelucos, pardos, mulatos, pretos e sarars; brancos enegros caem juntos no samba; saboreamos hambrguer ebatatas fritas, mas a comida dos escravos nosso prato na-cional; alguns de n6s somos protestantes, quase todos socatlicos romanos, mas quem no macumbeiro tambm?

    No temos um HarIem, bairro exclusivo de negros;no temos dois grupos tnicos distintos, cada um com sualinguagem e cultura, como no Peru, por exemplo; e no temosformas religiosas que so restritas a um grupo tnico, como o caso das religies tradicionais e sincrticas dos Zulu eXhosa da frica do Sul. Temos, isto sim, gradaes e super-

    posloes nos planos biolgico, social e cultural, de tal formaque as teorias e interpretaes geradas alhures funcionammuito pouco para nos esclarecer a ns mesmos. Talvez sejapor isso que se escuta tanto dos brasileiros "s6 no Brasil",e, dos estrangeiros perplexos, "o Brasil realinente muitocomplexo, no d para entender". Talvez seja por isso tambmque os brasileiros como um todo gastam tanto tempo e angs-tia procurando sua "identidade nacional", e os segmentosnegros, sua "Iidentidade negra".

    Mesmo que Beatriz Gis Dantas no concorde com estasobservaes disparadas, foi seu livro, Vov Nag e PapaiBranco, que as provocou. Seguem, penso eu, o esprito de suaanlise da formao das religies afro-brasileiras na pequenae antiga cidade de Laranjeiras, no Estado de Sergipe.

    Vov Nag e Papai Branco um livro polmico, des-mistificador e iconoclasta. As duas grandes interpretaesda formao das religies afro-brasileiras simplesmente caempor terra perante a argumentao da Autora. Para ela, osterreiros que conhecemos hoje em dia no so simplesmentemanifestaes da "contribuio" do negro ao me/ling polbrasileiro. E nem, tampouco, resultado de um longo e mec-nico processo de "resistncia" dos negros contra a dominaodos brancos. A Autora descarta essas duas "histrias oficiais"para mostrar que a configurao das religies afro-brasileirasno se d apenas atravs do embate entre brancos dominantese negros dominados, nem tampouco atravs de uma simplesmistura de culturas; mas sim atravs de uma srie de alianase conflitos que entrecruzam as fronteiras entre senhores,escravos, polticos, psiquiatras, policiais, homens poderososde negcios, pais e mes-de-santo, padres e antroplogos. f.na justaposio das posies ideolgicas e tericas destes e deoutros atores sociais que se constitui a cada momento o pano.rama das formas religiosas denominadas afro-brasileiras".

    A herona do livro de Beatriz Gis Dantas Me Bilina,nascida Umbelina de Arajo, e finada chefe do terreiro "nag"mais tradicional de Laranjeiras: Terreiro de Santa BrbaraVirgem. A "Vov6 Nag" e o "Papai Branco" do ttulo sodois personagens fundamentais na biografia de Me Bilina_

    14 Prefcio IfI,t!r,!rI

    I

    Prefcio 15

  • "Aqui a pessoa pra fazer o santo no ten esse negciode ficar preso no quarto, nem de raspar t. cabea. Aquitoma a irmand.:,de como na Igreja. S vai pro quartodo santo quando vai receber ( ... ). Essa histria deficar preso na amarinha, raspar a cabea, se sujar todode sangue de galinha, isso inveno l de Alexandree dos baianos .. Mas nag no assim no. A gente faz o batismo: d ';onta e vela. As coisas da frica assim".

    A vov Ismria, ou Birunqu, em nag, e africana. Opapai o tabelio Manoel Joaquim de Arajo, em cuja casa criada Bilina e onde trabalha sua me nos anos que seseguem abolio da escravido. Bilina criada catlica etambm sucessora de sua av Ismria na tradio religiosaafricana.

    Mas o terreiro nag da Me Bilina no apresenta asmesmas formas religiosas dos terreiros mais tradicionais ebem conhecidos de Salvador. Nestes, um princpio fundamen-tal o processo de iniciao incluindo a raspagem da cabea,recluso, sacrifcios etc. No Terreiro de Santa Brbara Virgem,entretanto, a iniciao, de acordo com Me Bilina, se fazatravs de um "batismo";

    A frica da Dona Bilina, ento, no a d,)s terreirosnags da Bahia. E foi essa "descoberta" que levou BeatrizGis Dantas para sua aventura antropolgica de tenlar desven-dar os processos atravs dos quais se produzem vtias fricasno Brasil, vrias formas de cultuar a tradio africana.

    Essa aventura envolve, em primeiro lugar J uma descriodetalhada do campo das religies afro-brasileiras de Laran-jeiras, mostrando o percurso histrico dos terreiros" os doisplos simblicos que organizam sua diferenciao imerna: oplo da pureza n,1g e o plo da "mistura" nos ~erreiros"tors". Mas, sempre extrapolando, primeiro da vida singularda Me Bilina para o contexto mais amplo de Laranjeiras,segundo para os movimentos de represso e proteo dosterreiros do Nordeste como um todo, e, finalmente, para aconfigurao simblica das religies afro-brasileiras a nvel

    17Prefcio

    Peter FryBarra de Guaratiba, maio de 1988

    nacional, a Autora consegue demonstrar que o "precipitado"afro-brasileiro de qualquer momento ou lugar resultante,como j disse, dos conflitos e alianas dentro e fora dos terrei-ros. Assim, na Bahia, os terreiros nags mais tradicionais somenos atacados pela polcia que os "terreiros de caboclo",ou seja, os mais :'sincrticos", j que os primeiros podemcontar com o forte apoio de poderosos intelectuais e po-lticos. Assim, dessa constelao de foras, favorece-se ummodelo de Candombl que se torna, aos poucos, hegemnicono Brasil: o modelo Jeje-Nag. Assim, tambm, a Autorainvestiga o regionalismo nordestino da dcada de 30 pararevelar mais uma razo para o fortalecimento desse modelocomo sinal diacrtico do Nordeste "africano" vis--vis o sulmais "europeu". Parece que a intelectualidade nordestina _destacando-se os antroplogos -, obrigada a abandonar aimpossvel tarefa de transformar aquela regio do pas numaextenso da Europa, resolve capitalizar sobre aquilo que noconseguiu extirpar: a verdadeira tradio africana.

    Sugere esta anlise que se poderia at interpretar ofenomenal sucesso dos recentes "blocos afros" do carnavalbaiano no apenas atravs dos esforos de auto-afirmaodos negros baianos como africanos, como tambm pelo est-mulo nesse sentido dado pelos polticos, antroplogos e ide-lagos locais - ansiosos por fortalecer os aspectos tidos como"positivos" da cultura local negra -, como ainda por aquiloque afirma a distino e singularidade da Bahia em contrastecom o resto do pas. .

    Finalmente, devo destacar uma ltima qualidade de VOVNag e Papai Branco, que faz deste livro algo muito especial:a "aventura" a que me referi acima uma aventura de intensapesquisa e questionamento. No h como no admirar a garrada Autora em garimpar as fontes, questionar seu significadoe seguir um argumento com passos firmes e seguros. Quemquer discordar ter um trabalho duro pela frente.

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    Prefcio16

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    INTRODUCO

    Os estudos sobre as chamadas religies afro-brasileiras "particularmente sobre o Candombl', tm privilegiado comocampo de anlise os contedos culturais e as especificidadesdesses contedos, quando no a procura de suas origens.Isto tem remetido' constantemente frica, e essa buscaincessante de africanismos, iniciada no sculo passado comNina Rodrigues, tem tomado feies diversas, desde o cotejomecnico e simples de traos culturais cuja semelhana comcongneres africanos apresentada como prova de "sobrevi-vncias" (Rodrigues, 1935, 1977; Ramos, 1951, 1961)2 at

    1. O termo afro-brasileiro tem sido objeto de crticas que denunciama sua carga ideolgica associada a pressupostos evolucionistas eracistas (Velho. 1975). Continuo usando-o, por no ter encontradoentre 05 termos alternativos propostos um que me satisfizesse. Cultosnegros ou religies negras tem o inconveniente de adscrever, a priori,significados que podem no encontrar correspondncia na prticasocial desses grupos religiosos; cultos de possesso alargam por de.mais o campo de observao, incluindo formas religiosas protestantes.Em face dessas dificuldades continuo a empregar o termo afro.brasi-leiro, incorrendo assim nos mesmos riscos do uso do termo M primi-tivo ~, que apesar de sua forte carga ideolgica continua tendo usocorrente na Antropologia, devido s dificuldades de substituio . Os termos marcados com asterisco constam do glossrio, no finaldo trabalho.2. Na Bibliografia. junto data da edio por mim consultada, apa.rece, entre parnteses, quando foi possvel localizar, a data da 1.aedio. o que permite situ.ar a ob~a em sua poca.

  • 3. Crenas e prticas rituais atrai s das quais se pretende estabelecervinculao de certos candombls i..s tradies religiosas de grupos afri.canos procedentes do Daom e da Nigria.4. Terreiro um termo que designa tanto o local do culto como ogrupo religioso e suas prticas em funo das quais se avalia seutradicionalismo, ou seja, sua fidelidade Africa. Em Salvador, o

    os estudos que tentam mostrar a persistncia dos traos cul-turais como parte de um sistema religioso africano alternativoe funcional (Herskovits, 1967; Ribeiro, 1952), ou aindacomo expresso de um verdadeiro pensamento africano (Bas-tide, 1971, 1978; Santos, 1976).

    Dessa busca da frica emerge a valorizao da purezados candombls. Paralelamente, a tradio nag'3 elevadas culminncias de africanidade e apresentada como modelode culto de resistncia no qual a manuteno da tradio dafrica e dos valores africanos permitiria uma forma alter-nativa de ser, se no a nvel das relaes econmicas epolticas, ao menos a nvel ideolgico. o que prope, porexemplo, Roger Bastide atravs do "princpio do corte" peloqual se explicaria que negros que se integram como forade trabalho na sociedade capitalista tenham uma autonomiaideolgica que seria garantida pela sua insero religiosa emgrupos de origem africana, guardies de um acervo culturale um pensamento que remetem frica (Bastido, 1971).

    Considerando os can.ombls, sobretudo os candomblsmais "puros", como reduto de africanidade e de resistncia,os autores que adotam e,.a postura metodolgica implicita-mente aceitam que, no Brasil, a presena de traos culturaisoriginrios da Africa, necessariamente. indica resistnciado negro. Transformar africanismos. autenticamente, emprovas de resistncia aceitar o pressuposto de que o signifi-cado dos traos culturais determinado por sua origem, semse atentar para o fato de que traos culturais, reais ou suposta-mente originrios da frica, podem ter significados diversosna sociologia brasileira. No se levando isto na devida conta,busca-se a frica no Brasil, e dessa busca incessante emergeo modelo nag construdo com os dados empricos dos ter-reiros*4 baianos, onde o nag persistiria em sua forma mais

    Gantois ou Il Ososi, o Engenho Velho ou Il Iy Iy-Nass, o SoGonalo do Retiro, mais conhecido como Ax Op Afonj e, commenor freqncia, o Alaketu ou Il Moroialaia so invariavelmenteapresentados como os mais tradicionais pelos estudiosos, desde NinaRodrigues no sculo passado at Juana Elbein dos Santos nos diasatuais. Do mesmo modo, os estudos sobre candombls resultam deobservaes nesses terreiros. Assim que no Gantois trabalharamNina Rodrigues e Artur Ramos. O Engenho Velho tomado comopadro por ~dison Carneiro na elaborao de ..Candombls da Bahia".Roget Bastide usa dados j publicados pelos seus antecessores sobreos candombls tradicionais, sendo aceito corno membro do Ax OpAfonj, que mais modername~te serve de base aos estudos de JuanaElbein dos Santos, enquanto o Alaketu foi estudado por Jean Ziegler(Lima. 1977:49.50).

    "pura", sendo este modelo transformado em categoria anal-tica pelos estudiosos que, significativamente, privilegiam osterreiros mais tradicionais como campo de estudo.

    Quando se ocupam dos outros, o nag mais "puro" sempre tomado como ponto de referncia. Nesta perspectiva,

    i r Umbanda, a Macumba, os Candombls de Caboclo e de, Angola, na medida em que se afastam do modelo, so tidoscomo 11degenerados". li deturpados", "sobrevivncias reUgia.sas menos interessantes", avaliaes que permeiam os traba-lhos que vo de Nina Rodrigues no fim do sculo passadoa Roger Bastide em anos recentes.:

    O que est subjacente neste raciocnio que o modelo"nag puro" representaria reahnente uma continuidade deinstituies culturais africanas que, para aqui transplantadase conservadas graas memria coletiva negra, reproduziam-se guardando fidelidade s origens, inclusive nos seus signifi-cados, tornando-se assim sinais de resistncia. Em contrapar-tida, os que se misturavam com outras tradies, degene-rando da sua pureza original, tornavam-se mais integrados.Obviamente integrao e resistncia passam a ser avaliadaspelo grau de "pureza", esta definida a partir dos traosculturais encontrados nos terreiros, e tidos como africanos.

    Abandonando essa postura metodolgica e retomandopistas de pesquisas propostas por Yvonne Velho, Peter Fry e.Patrcia Birman (Velho, 1975; Fry, 1977a; Birman, 1980),

    ~.II,

    I,I

    21IntroduoIntroduo20

  • 22 Introduo -Introduo 23

    interessa-me, justamente, tentar entender o que significa essabusca obstinada da frica e, particularmente, a glorificaoda tradio "nag mais pura": feita por toda uma correntede intelectuais. Mas tambm estou interessada em ver a ques-to pelo outro lado, ou seja, na perspectiva daqueles que seidentificam como descendentes de africanos, especificamentenags, e que apresentam a fidelidade Africa como um sinaldistintivo de si.

    Tentarei introduzir na anlise um aspecto que, de certomodo, tem sido deixado margem nos estudos sobre can-dombls, ou seja, a sua dimenso organizacional no -contextoscio-cultural e, poltico da sociedade mais ampla.

    Na medida em que a busca da frica era o objetivo b-sico da pesquisa sobre religies afro-brasileiras, privilegiava-se a cultura, concebida como entidade objetiva, como ele-mento determinante da identificao dos cultos com dadastradies tnicas que, transplantadas para o Brasil, adapta-vam-se e perpetuavam-se como podiam, mediante mecanis-mos de aculturao. Nesse tipo de anlise a cultura aparececomo um sistema autnomo, e ignora-se a sociedade globalna qual se desenvolvem os contatos intertnicos e culturais.Mesmo Melville Herskovits, cuja proposta de trabalho estudar o Candombl como uma totalidade, enfocando osaspectos da organizao social e econmica e no simples-mente os religiosos (Herskovits, 1967), de certo modo, isolaa unidade de culto do contexto mais amplo da sociedadebrasileira ou considera essa relao apenas no que toca aosincretismo, e assim, ao tentar compreender os cultos negroscomo um sistema alternativo, "uma subcultura que se integrana matriz da cultura brasileira geral" (Herskovits, 1954),ressalta no apenas a idia de continuidade da tradio afri-cana mas tem ainda uma viso muito restrita ao nvel cul-tural.

    Partindo de uma crtica Antropologia e particularmenteaos culturalists, por tratarem a cultura como algo abstratoque paira acima do contexto sociolgico, Roger Bastide seprope estudar os condicionamentos sociais das religies afro-brasileiras. Nessa perspectiva a manuteno dessas formas

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    religiosas deveria ser pesquisada em conexo com a estruturadual da sociedade, pois a "luta das civilizaes somente umaspecto da luta das raas ou das classes econmicas ... "(Bastide, 1971:96).

    Caberia assim analisar a-atuao dos atores "africanos"portadores. conforme assinala Roger Bastide, de uma "filoso-fia pragmtica e utilitarista", nesse contexto em que seusinteresses de grupos dominados eram antagnicos aos inte-resses dos dominantes. Entretanto, se interesses de gruposnegros estruturalmente inferiores aparecem na anlise daevoluo histrica dos cultos, explicando-se por eles, porexemplo, o desaparecimento dos deuses africanos da agricul-tura que deixam de ser cultuados no Brasil e, em contrapar-tida, o realce dado a orixs guerreiros como Ogum- (Bastide,1971 :97) ou, ainda, o fato de o Candombl representar umcentro de apoio e integrao para o negro desprotegido daps-abolio, no seu todo, porm, a anlise do autor terminapor diluir os interesses dos grupos dominados numa miradede fatores, tais como solidariedade entre senhores e escravos,e, aps a abolio, introduz o chamado "princpio do corte"para explicar por que o negro continua africano sendo, aomesmo tempo, brasileiro. Termina por concluir que o Can-dombl e outros tipos de religies africanas tm resistido atodos os caos estruturais, encontrando sempre o meio de seadaptar a novas condies de' vida ou novas estruturas sociais(Bastide, 1971:236-240), induzindo, desse modo, o leitora pensar que afinal o Candombl se manteve por uma capa-cidade intrnseca da civilizao africana em autoperpetuar-se.

    Autores como Abner Cohen e Fredrick Barth (Cohen,1969' Barth, 1969) vem a relao entre etnia e cultura demod~ diferente, ao deslocarem o enfoque do tnico dos con-tedos culturais para a anlise do grupo.

    Descartando a viso tradicional de etnia como corres-pondendo a uma unidade cul.tural mantida ~m isolamentosocial elou geogrfico, Frednck Barth considera o grupotnico como uma forma de' organizao social em que seenfatiza a interao. Apesar disso o grupo no se dilui, poismantm um complexo organizado de comportamentos e rela-

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    I

  • 24 Introduo Introduo 25

    es que marcam fronteiras tnicas entre "os de dentro" e"os de fora". Na construo e manuteno dessas fronteiras,traos culturais so usados como marcas diferenciais; masapenas algumas dessas diferenas so consideradas significati-vas pelos atores, e no a soma total das diferenas. O fococentral da investigao "a fronteira tnica que define ogrupo e no a matria ,cultural que ele encerra" (Barth,1969: 15).

    Por seu lado, Abner Cohen considera os grupos tnicoscomo grupos de interesse que manipulam parte de sua culturatradicional como meio de efetivar a articulao do grupo nabusca do poder: Assim, a etnicidade, antes de ser um fen-meno cultural, vista como um fenmeno essencialmente po-ltico, no qual normas, valores e mitos so relacionados eusados para expressar funes organizacionais. e opera dentrode um contexto poltico e atual, e no como um arranjosobrevivente e arcaico realizado no presente pelo povo conser-vador (Cohen, 1969).

    Para ambos os autores a cultura passa a ser no oelemento definidor da etnia, mas um arsenal geralmente usa-do para marcar distines, visto que a etnia implica umasituao de alteridade - afirmao do ns perante oS outros.

    Nessa perspectiva, o contato com os outros leva a umexacerbamento de certos traos da tradio cultural que setornam diacrticos; assim, a cultura original, ou parte dela,assume uma nova funo: a de marcar as diferenas. Signifi-cativo o exemplo apresentado por Manuela Carneiro daCunha a propsito dos nags que, no sculo XIX, retornamdo Brasil para Lagos, na Nigria, onde vo identificar-se comobrasileiros usando como sinal diacrtico bsico o catolicismo(por oposio ao protestantismo, islamismo e animismo) re-forado por outros traos culturais, alguns dos quais so tidosno Brasil como africanos (culinria e festas) e que elesapresentam como brasileiros para melhor marcar sua identi-dade (Cunha, 1977).

    Este e muitos outros exemplos levam a concluir que aetnia no pode ser definida apenas piela cultura, uma vez que

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    )

    esta pode ser manipulada pelo grupo que, movido por seusinteresses, busca um espao prprio ou esboa uma resistn-cia. Se tal colocao passvel de crtica por reduzir a cul-tura a interesses e razes prticas (Sahlins, 1979) ou, maisespecificamente no contexto da etnicidade, a algo que "nose pe, apenas se contrape" (Cunha, 1979), caberia talvezindagar em que medida os prprios interesses no so cultu-ralmente definidos. No pretendo enveredar por to intrin-cada questo terica, que se constitui, conforme assinalaMarshalI Sahlins, no eixo das discusses da Antropologiadesde suas origens (Sahlins, 1979).

    O que me proponho questionar a validade das compa-raes dos estoques culturais dos cultos afro-brasileiros,enfim, de culturas que esto submetidas a processos histricose sociais diferenciados, e analisar a utilizao do simblicopor diferentes grupos sociais; e o fao a partir da "glorifi-cao do nag" efetuada por uma corrente de intelectuais epor um grupo religioso que se auto-identifica como tal.

    A metodologia adotada uma tentativa de refletir sobrealguns aspectos da realidade multifacetada do Candombl,aspectos que restam ininteligveis, quando analisados apenaspelo comparativismo culturalista. A minha prpria experin-cia de pesquisa a este respeito significativa, Quando inicieium estudo sobre o terreiro Hnag puro", tentando enfocar osaspectos histricos, econmicos, organizacionais e rituais dessaunidade de culto inserida num determinado meio social (Dan-tas, 1976a). a insistncia com que os membros do gruporetomavam o discurso da "pureza nag" para atestar a suacontinuidade com a Africa levou-me anlise dos contedosculturais apresentados como sinais dessa "pureza africana"e sua comparao com'.os candombls nags da Bahia, tidoscomo os redutos mais vigorosos da Africa no Brasil. O resul-tado foi desconcertante, pois em muitos aspectos havia fla-grante desacordo quanto ~omposio dessa herana africana.Que houvesse diferenas entre a Africa e o Brasil, compreen-dia-se; afinal, havia diferenas histricas e estruturais muitosignificativas j assinaladas, alis, por Roger Bastide ao es-tudar o processo de interpenetrao de civilizaes atravs

  • 26 IntroduoIntroduo 27

    da persistncia das religies africanas no Brasil (Bastide,1971).

    Mas como explicar modificaes to drsticas no con.tedo cultural de grupos nags em dois Estados nordestinosvizinhos? Apresentar como tradio "nag pura" um contedocultural dessemelhante daquele presente nos candomblsnags mais "puros" da Bahia no seria uma idiossincrasiado terreiro estudado? Recorri ento bibliografia sobre osXangs*', tidos como mais africanizados do Recife; entre-tanto, a minha perplexidade no se desfez. A concluso quese impunha era que havia tambm diferenas no acervo cul-tural de outros' terreiros "nags mais puros" do Nordeste,diferenas que, em alguns casos, diziam respeito a elementostidos como nucleares no sistema de crena e valores dosgrupos de culto, como, por exemplo, na incorporao defiis.

    Diante disso, passei a repensar a "pureza nag" e per-ceber que os traos culturais invocados para atest-la re~or-tam-se e combinam-se diferentemente para estabelecer ocontraste e que seus significados, assim como as palavras,admitem uma polissemia e se definem no contexto social dopresente e na relao das foras que envolvem os estrutural.mente superiores e inferiores.

    O meu campo de observao foi o segmento afro-brasi-leiro de Laranjeiras, pequena cidade da zona aucareira deSergipe, e, particularmente, um terreiro que se auto-identificae reconhecido pelos demais como "nag puro".

    De 1970 a 1976 acompanhei de perto a vida desse terrei.ro. seus rituais, sua rotina, o relacionamento da me-de-santocom os outros terreiros e com diferentes segmentos da socie-dade mais ampla. A aceitao da minha presena por partedo grupo foi bastante facilitada por um trabalho anterior querealizara sobre a Taieira*, um ritual organizado pela me.de-santo e apresentado no contexto catlico da festa de So Bene-

    5. Xang o termo que em Pernambuco. Alagoas e Sergipe maisusualmente empregado para designar os cultos conhecidos na Bahiacomo Candombl.

    1

    dito. Por essa via eu me tornara conhecida de muitosmembros do terreiro e privava da amizade da me.de-santo,que um dia me sugeriu que escrevesse um livro tambm sobreo Xang. Isso veio ao encontro de uma idia que eu h m.uitoacalentava. Passei, {:nto, a freqentar a casa com o prOposltodeclarado de estiu'ilr o Xang, a fim de escrever um livrocomo fizera com a 'Taieira.

    Ser focalizada em livro. ter seu nome escrito em letra defrma e suas fotos publicadas como dirigente da Taieirafora, decerto, uma experincia gratificante para a me-de.s~nto.Embora, de certa feita, tenha deixado entrever como o hvro,ao tornar pblico um saber que era s seu, a privara domonoplio de informao sobre a Taieira, era evidente queo livro era elemento de aumento de seu status. A idia deque eu escrevesse um livro sobre o Xang dava-lhe. ~ possi-bilidade de increment-lo e aumentar o seu prestIgIO, e aoportunidade de iniciar um novo ciclo de trocas em que ainformao sobre o Xang era retribuda com pequenos fav?-res, contribuies para as festas e visitas constantes,. ~s quaisterminavam por valorizar a posio e o status rehglOso dame-de-santo e de seu grupo de culto. Afinal, o seu terreironag e no os outros, que fora escolhido pela "professorada Universidade" para fazer pesquisa, e isso reforava aideologia da singularidade do nag. Eu estava ciente dainterferncia que o pesquisador-observador provoca na Vidados observados e percebia que a minha presena junto aoterreiro entrava no jogo de avaliao de prestgio das casasde culto e interpretei como uma estratgia para tornar essapresen; mais prolongada, se no efetiva, a tentativa paraque se intensificasse a minha vinculao com o. g~u~o ?eculto. As pessoas deste recomendavam-me ~om lnslste~cl~:

    emplo que eu "no andasse de terreiro em terreiropor ex , argumentando que "arriscado a senhora andar por al por

    tors* pois esses torezeiros'" so malvados e a senhoraesses J pode pegar coisa ruim". Transferia-se assim para a pesqUIsa.dora um padro de conduta que faz parte do cdigo de ticados membros do grupo, sob a alegao de que eu era "quaseuma nag". Em vrias oportunidades a me-de-santo me

  • 28 IntroduoIntroduo 29

    advertia: "a senhora tem santo*" ou U santo forte* queprotege a senhora", afirmao que trazia implcita a idia deque essa proteo poderia ser aumentada se eu o cultuasseconvenientemente. A proposta contudo ficou no ar, no che-gando a ser formulada verbalmente. Eram evidentes, porm,as tentativas para que eu me vinculasse mais estreitamente vida do terreiro, se no atravs do batismo. que fixaria omeu santo, ao menos atravs do estabelecimento de um paren-tesco ritual via apadrinhamento da me-de-santo substituta.Com efeito, o convite que me foi dirigido para servir demadrinha quanpo esta foi solenemente investida na chefiado grupo no foi apresentado como uma simples gentileza,mas como uma revelao da falecida me-de-santo que teriaaparecido em sonho para transmiti-Ia. Estabelecer ur.1 vnculomais estreito do pesquisador com o grupo de culto era nos uma forma de assegurar per mais tempo a preser;a deleno terreiro, mas tambm de garantir mais um ponto de apoioentre pessoas de camadas mdias e com relativo acesso acertos setores institucionais. Era, enfim, alargar para almda classe baixa, onde habituaJ.mente recruta seus membros,a sua rede de relaes sociais, com possveis vantageils queda decorrem.

    Quando me ausentei para cursar o mestrado em Cam.pinas (1978/1979), embora continuasse informada sobre osacontecimentos' mais significativos da vida do terreiro eassumisse minha contraparte nesse sistema de troca, distanciei-me fisicamente do grupo. Este afastamento deixou-me mais vontade, quando do meu retorno ao campo, para transitarpelos outros terreiros em relao aos quais a minha mobili-dade era, de certo modo, restrita, pois, enquanto era muitofreqente a minha presena no terreiro nag, a expectEtivadeste era que eu tambm respeitasse as fronteiras entre ele e"os outros". Desde muito eu acompanhava a distncia oque se passava nos demais terreiros, particularmente suasrelaes com o nag, mas s agora me sentia vontade paravisit.los, estendendo assim o meu campo de observao P"raperceber como se configurava o segmento afro-brasileiro local,

    I)

    ,(

    os critrios micos' de classificao dos terreiros e atribuiode status, e o relacionamento entre eles e a sociedade maisampla. O capitulo I constitui-se, assim, de um mapeamentodo campo afro-brasileiro de Laranjeiras que, pela sua espe-cificidade, resulta numa apresentao rida mas necessriacomo pano de fundo para a anlise do nag, pois, sendo aetnicidade um conceito relcional, torna-se operativa em faceda presena de outros, com quem o nag disputar fiis eclientes no mercado de bens simblicos.

    Nos dois captulos seguintes, a palavra dada ao nagpara que ele fale de si e sobre os outros. No lI, a partir dasrepresentaes da me-de-santo nag sobre si e sobre o seuterreiro, procuro ver como ela busca legitimar-se pela Africa, qual estaria ligada pelas origens ("histria" do terreiro egenealogia dos chefes) e por uma herana cultural que teriasido conservada sem "mistura", o que constituiria a marcada sua distino no segmento afro-brasileiro local.

    No captulo 11I, com base nas representaes da me.de-santo nag sobre os outros terreiros e sobre a religio catlica,retomo as dicotomias Nag-Tor e Puro-Misturado, esboadasno captulo I, para analisar as categorias subjacentes a esteesquema de classificao (Africano. ndio e Bem-Mal), mos-trando atravs da combinao com a Igreja Catlica (que nodegenera a pureza nag) como os delineamentos da purezae da mistura seguem as linhas dos dominantes e dominadosna estrutura social.

    "A Construo e o Significado da Pureza Nag" consti-tuem o tema do capitulo IV, onde, alargando o meu campode anlise, procuro mostrar que a pureza nag no resultanecessariamente da fidelidade a uma tradio, mas de umaconstruo na qual os intelectuais tm papel destacado. Nestaperspectiva, a fidelidade Africa apresentada como umsinal distintivo do Nordeste e entra como componente doregionalismo dos anos 30. Mostro tambm como o "nagpuro" transformado de feitiaria em "verdadeira religio",

    6. tmico refere-se viso na.tiva, que est apoiada em termos eoo.ceptuais e categorias dos prprios pesquisados (Harris. 1968).

  • 30 Introduo

    ,,0

    permeada, porm, de aspectos exticos-primitivas-estticos, e,ainda, como nesse trnsito do Candombl, alvo de perseguiopolicial, para o Candombl nag exaltado, ele usado comosmbolo da nao e da democracia cultural brasileira.

    No ltimo captulo, restrinjo o meu campo de anlisenovamente ao nag de Laranjeiras para verificar como omovimento intelectual de exaltao do africano, enfocado nocaptulo anterior, se reflete numa pequena cidade do Nordestee como o terreiro' nag, tendo firmado sua exclusividade detradio africana mais pura, usa-a no mercado concorrehcialde bens simblicos em busca de sua sobrevivncia.

    Captulo IA configurao do prestgio

    em terreiros de xang

    Laranjeiras. que foi no sculo passado uma florescentecidade da zona aucareira de Sergipe. tida no apenas comoo foco inicial e o reduto mais forte da tradio nag nesteEstado (Oliveira. 1978), mas tambm como uma cidade ondeproliferam com vigor os chamados cultos afro-brasileiros.

    Na rea urbana funcionam 16 centros de' culto e quaseigual nmero se distribui pelos diversos povoados do muni-cpio.' Este tem uma rea de 161 km2 e uma populao de13.280 habitantes. dos quais 5.150 residem na sede munici-

    1. Diversos pesquisadores tm enfaiizado as dificuldades para se sabero nmero exato de terreiros e sua localizao numa cidade (vide, porexemplo, Mott, 1976:28). Mesmo trabalhando numa cidade pequena,enfrentei algumas dificuldades. sobretudo em relao aos terreirosmenores e aos de fundao recente. Tambm a mobilidade dos centrosde culto. alguns dos quais tm mudado para a' capital, e a efemeri.dade de outros levaram.me a muitas andanas inteis seguindo falsaspistas. Embora no seja importnte para os objetivos a que me pro-ponho saber o nmero exato de terreiros da cidade, esse nmero seguramente muito maior do que que consta nos folhetos informa-tivos sobre Laranjeiras. onde se ressalta, sobretudo, a presena donegro (Laranjeiras, Turismo, 1976). Certamente o nmero de terreirosda cidade elevado etp termos de Sergipe. No disponho de dadosseguros sobre o nmero de terreiros registrados neste Estado. Em1974 um jornal local (Gazeta de Sergipe, 6/3/74) falava da existnciade quase 1.200 terreitos no Estado, todos eles filiados a uma dascinco Federaes que .funcionavam quela poca. No tive condiesde apurar esse dado, que me par~ceu exagera:d0' Alegando que seus

    I

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    "i!

  • 32 Vov ~ag e papai branco A configurao do prestgio 33

    paI. Embora a rede de influncia dos terreiros no se cir-cunscreva aos limites municipais, nem mesmo estaduais,parece elevada a concen~ra!o de, casas de cu.lt? na localidade:A minha pesquisa foi limitada a sede mUnicipal e trabalheicom 10 terreiros, concentrando-me particularmente em umdeles.

    A identificao que esses terreiros fazem de si e dosoutros, o reconhecimento social da importncia desigual quelhes atribuda pelos prprios participantes dos cultos epelas pessoas "de fora" sero os tema.s dese~volvidosn~s~ecaptulo, que visa estabelecer a conflguraao do prestlglOnum mercado de Xang.'

    Terreiro expresso usualmente empregada tanto pelosparticipantes dos cultos, os lide dentr~", .como ~or pessoasf.o participantes, os "de fora", para mdIcar o ;,ocal e, ~omesmo tempo, o grupo religioso. Aparece tambm a desig-nao de casa de santo'" e centro *, esta mais f~eqent:n:enteusada quando se indaga sobre o nome do terreiro, Esta inva-riavelmente nos alvars de funcionamento concedidos pelasFederaes de Cultos Afro-Brasileiros e de Umbanda aosterreiros registrados, sendo tambm usada por. aqueles queresistem em se registrar. O terreiro, via de regra, compreendeum chefe e seus seguidores, gerahnente chamado.s "filhos ~ef"'. Ao conjunto d-se, por vezes, o nome de 1l'1T1:,ndade.Os termos filho-de-santo' e pai ou me-de-santo' sao po~cousados, sendo mesmo rejeitadcs por alguns chefes de terreiros

    arquivos estavam em fase de orgari,izao, ~uas das F~dera?es nega-ram o acesso ao pesquisador. Nas Outras ~res Fed~raoes. ttdas c~momenores, estavam registrados, segun~oas fichas eXistentes nl) arqUIVO,259 terreiros, no ano de 1974.2. A noo de mercado religioso .:!esenvolvida por Pier~e Bourdieu(1974) neste captulo restritivamente aplicada s agncla~ de cultoafro-brasileiro que. oferecendo os fclesmos servios. competem entresi na busca de fiis e clientes. O tertno cliente, no contexto ao Xang.tem sentido restrito. indicando aquele que busca servios mgicospara a soluo de problemas imediatos. diferindo assim do corpo defiis (filhos de santo*, filhos de f*), que mantm com Xango umarelao duradoura de filiao e cOII\prometimento.

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    1I

    quando empregados pelo pesquisador, sob a alegao de queum mortal no pode ser pai ou me de um santo,

    O termo santo' indica tanto orixs' africanos comoentidades caboclas, estas mais conhecidas como encantados',

    Todos os terreiros visitados tinham altares com santos',aos quais se dedicam festas realizadas com toques' de tambo-res e danas ao menos uma vez por ano. Alguns deles, porm,no tm um corpo de fiis (filhos de f'), dedicando-se,quase que exclusivamente, s consultas, chamadas localmentede reparos', e aos trabalhos', expresso que engloba umasrie de atividades voltadas para a soluo de problemasimediatos. Esses terreiros existem, portanto, em funo daprestao de servio a uma clientela que atendida indivi-dualmente e no cria vnculos em relao ao centro. Pres-cindindo de um corpo de fiis, estes realizam suas festas como concurso de filhos de f' de outros centros que a vodanar, o que inconcebvel para outros terreiros, ondedanar na roda' prerrogatva exclusiva dos seus membros,Estas e muitas outras diferenas so trabalhadas de modoa constituir uma diferenciao no interior do segmento localdos cultos afro-brasileiros; diferenciao que se expressa so-bretudo na oposio entre terreiros de nag e terreiros decaboclo.

    Os "de fora" classificam os terreiros

    Na identificao dos terreiros, os termos nag e caboclosurgem como indicativos de categorias de c1assficao mane-jadas com certa familiaridade, no s pelos dirigentes eparticipantes dos cultos como tambm pela populao dacidade de um modo geral.

    A partir de conversas informais, entrevistas realizadascom pessoas de diferentes camadas sociais e de redaes dealunos das 7," e 8." sries do 1.0 Grau, conclui-se que osno participantes dos cultos, quando se referem aos terreiros,usam a oposio nag-caboclo, mas preferencialmente empre-gam nag-tor',

  • 34 Vov nag e papai branco A configurao do prestgio 35

    Tor expresso da qual tm sido registrados significa-dos diversos, ora aparecendo como instrumento musical,ora como dana, porm sempre associada a ndios. EmAlagoas, na regio do baixo So Francisco, tor aparececomo uma

    "variante do catimb*. cerimnia onde os caboclos ou osencantados, atendendo ao mestre, baixam para ensinar re-mdios, como num Candombl de caboclos" (Cascudo,1969:708, grios no original).

    Sem se restringir a esse aspecto puramente curatvo, como sinnimo de terreiro de caboclo que o termo usadoem Laranjeiras. Apresenta contudo, ao menos nesta cidade,.uma conotao pejorativa, no tendo sido usado por nenhumchefe de .;terreiro caboclo para indicar o seu prprio centrode culto, "embora o usem, algumas vezes, para indicar t.erreirosde outrem, sobretudo dos seus rivais. A carga negatlv~ qucreveste o termo tor* se torna mais intensa no seu dertvadotorezeiro', que se aplica aos participantes dos cultos decaboclo.

    Tor ou caboclo categoria que se ope a nag. ~ste termo genrico que no Brasil designava grupos pr?vementesdo Sul e do Leste da Repblica Popular do ~enm. (antigoDaom) e do Sudoeste da Nigria, entre os quais se mcluemos Ketu, Sabe, Oi, Egb, Ijex, Ijebu. Como lembra }~anaElbein dos Santos, a exemplo da palavra loruba na Nlgerla,o termo nag no Brasil foi aplicado coletivamente a diversosgrupos vinculados por uma lngua comum e qu:. terlam che-gado ao Brasil nos fins do sculo XVIII e ImclO do, XIX,concentrando-se nos Estados do Norte e Nordeste, particular-mente em Salvador e Recife (Santos, 1976:29). Atualme.nte,nag indicativo de um conjunto de p;ticas e c:enas tldascomo de origem africano-ioruba, atraves das qUalS se defmeuma nao de Candombl (Serra, 1978:37-38).

    Para os habitantes de Laranjeiras, a existe um t~rrei~onag que se ope aos demais, tidos como tors. ~ cla~s,flca~ao pois sumria: excludo o nag, tudo o mais e tore, terreirO

    de caboclo. Um pouco mais matizada a classificao dosdirigentes de terreiros que se ver em seguida.

    Os Terreiros se vem a SI mesmos

    Os chefes de culto, via de regra, tm um bom conheci-mento dos terreiros da cidade e alguns deles chegaram a enu-merar quatorze casas de santo* J . sua localizao. dirigentee nao'. Ao classificar os terreiros, alguns deles fizeramuso de categorias no enumeradas pelos "de fora", apresen-tando assim um quadro de identidade mais nuanado, queinclui diferentes naes africanas como Ketu *, Ijex *, Jeje * ,Angola', alm do Nag'. Essas especificaes contudo apa-recem sempre na auto-identidade que o dirigente apresentado seu terreiro, passando quase sempre despercebida aosdemais chefes de culto, para os quais o que no nag oucaboclo ou associao dos dois simplesmente misturado'ou enrolado'. Veja-se o quadro abaixo.

    ,QUADRO I .,Classificao dos terreiros segundo os dirigentes de culto

    TERREIROS AUTO. CLASSIFICAOIDENTIDADE PELOS OUTROS

    PAI.DE-SANTO

    So Jernimo I Caboclo Caboclo/TorSo Sebastio Caboclo MisturadoTupinamb Caboclo Caboclo/Tor/MisturadoSanta Brbara Nag Nag (adjetivado de "puro",Virgem "legtimo". ~verdadeiro".

    lO africano ")So Jos Nag Nag/Caboc1o-nagfilhos de Ob Ob (Nag), Ketu, lje. Nag-caboclo/N ag-angola/

    x, Angola, Caboclo, Caboclo/Tor/MisturadoJeje

    Ulufan Nag. Kctu. Ijcx. Caboclo/Tor/EnroladoCaboclo

    Santa Brbara Angola Caboclo/TorSo Jernimo 2 Jeje Caboclo/TorOgum de Ronda No de nao Tor/Misttlrado

  • )36 Vov nag e papai branco

    A configurao do prestgio 37

    Nesse quadro de classificao, misturado emerge comouma categoria que parece ter dupla significao: ora sin-nimo de caboclo, ora indica fuso de caboclo, nag e outrasnaes. interessante observar que o adjetivo "puro" ecorrelatos, que aparecem com freqncia associados a umterreiro nag, jamais foram usados em relao a algum terreirocaboclo. Retornarei, no devido momento, a essa questo do"puro" e do "misturado" J do nag e do caboclo .. Por oratentarei buscar os vnculos existentes entre os terreiros como fim de estabelecer elos de ligao entre a auto-iden;idadee a identidade atribuda pelos outros na medida em que estaparece elborada em cima da "histria do terreiro", muitocolada vivncia do seu dirigente e s suas vinculaes ante-riores com outros centros de culto, onde, afinal, teria recebidosua formao. O que se pretende uma breve reconstituioda histria dos terreiros e as ligaes de uns com os outros, base do que se procurar pensar a maior ou menor equiva-lncia entre auto-identidade e identidade atribuda.

    Graficamente a vinculao entre os diversos terreiros esua identidade pode ser representada distribuindo-os em doiscampos separados por urnt linha vertical. nos quais 'se situame interagem os terreiros.

    oO

    NAGO

    Terreiro no passadoTerreiro hojeVinculo de origemTrajclri. do lerreiroInfluencia

    CABOCLO E OUTROS

    Tome-se como ponto de partida o terreiro nag de SantaBrbara Virgem, onde a equivalncia entre a auto-identidade ea identidade atribuda total. Representaria a continuidaded~ um terreiro dos antigos escravos africanos, dos quais des-cendia a chefe crioula, h alguns anos falecida (1974), queo dirigiu por mais de cinqenta anos seguindo sempre atradio recebida dos ancestrais nags e conservando-a atos dias de hoje.

    A histria do terreiro Filhos de Ob, que se autodefinecomo ob (nag) e secundariamente como jeje, ketu, ijex,angola e caboclo, seria semelhnnte do anterior. Mas, a partirde um dado momento, o dirigente que o regeu por mais demeio sculo, tambm falecido h poucos anos, teria no ape-nas atualizado a tradio dos nags e outras naes africanasatravs da Bahia mas tambm incorporado ao terreiro o cultodos caboclos. Desse modo, ter-se-ia deslocado do campoNag para os limites do campo Caboclo, tornando-se "mis-turado". Sua influncia na formao de outros terreiros dacidade muito grande. Pelo processo de fisso que rege ocrescimento dos cultos, dele derivam diretamente o terreiroSo Jernimo 1, que se autodefine caboclo; o Ulufan, nag,ketu, ijex e caboclo por autodefinio; e o So Jernimo 2,que se identifica como jeje. Teria influenciado tambm, indi-retamente, mais dois outros terreiros. cujos chefes no seligam a ele por filiao de f, mas freqentavam-no, habitual-mente, no passado. Trata-se do So Sebastio, que se dizcaboclo e aceito como tal, e do So Jos, que se auto-define como nag, sendo classificado pelos demais dirigentesde culto ora como nag, ora como caboclo-nag. A histriadeste ltimo terreiro remontaria tambm aos africanos, queteriam deixado santos da Costa. sob a guarda dos seus des-cendentes crioulos. Estes, sob a influncia do terreiro Filhosde ')b, teriam "misturado" nag com caboclo. Durantemuitos anos os dirigentes do terreiro, que se sucediam dentroda parentela,' seguiram a dupla tradio de culto at que, h

    3. Vivaldo Costa Lima chama ateno para o fato de que a sucessodas chefias dos terreiros se faz, mais freqentemente, segWldo a li.

  • 38 Vov nag e papai branco A configurao do prestgio 39

    aproximadamente oito ou dez anos, sua chefe, sob pretexto deque os santos africanos estavam zangados e castigando-a,empreendeu o "retorno s origens". Aproximou-se do terreiroSanta Brbara Virgem, o "nag puro", e sob a imposio desteteria suspendido as prticas caboclas. Encontra-se assim nolimiar da fronteira e, enquanto uns chefes de culto aceitamseu retorno ao nag, outros vem-no ainda como um caboclo-nag.

    Quanto ao terreiro Tupinamb, deriva de um famoso ehoje extinto terreiro caboclo da cidade. O Santa Brbara seliga a um centro. de outra localidade, enquanto o Ogum deRonda se apresenta como prescindindo de vnculos com outrosterreiros, e sua dirigente diz-se uma iluminada', que desenvol-ve sobretudo consultas'. Tendo se filiado a uma das Federa-es de Umbanda, esta tem incentivado o culto s entidades,reunidas num elaborado santurio, e a realizao de rituaispblicos efetuados com o concurso de filhos de santo' deoutros centros, num esforo evidente de transformar o queera um centro de consulta num terreiro de Umbanda.

    O esboo da histria dos terreiros, reconstruda a partirdas informaes dos seus dirigentes, mostra que h uma cor-relao entre esta e a classificao que feita pelos demaischefes de culto. Tomando-se a oposio caboclo-nag comoa vertente de classificao, tem-se que, com exceo de umcaso, h correspondncia, maior ou menor, entre a 3UtO-identidade dos terreiros e a identidade que lhes atribudapelos outros. A nica exceo seria o So Jos, que reivindicaa identidade exclusiva com o nag, e este reconhecimento lhe negado por uma parte dos chefes de terreiro, certamenteem face das suas flutuaes ao longo da fronteira caboclo-nag. Com isto o terreiro Santa Brbara Virgem aparece comuma identidade exclusiva, reconhecida no s pelos "de fora"mas por todos os chefes de culto ao segmento afro-brasileirolocal. E visto como o nico terreiro nag Hpuro", "legtimo","verdadeiro" e "africano". Desse modo, recobrindo a oposi-

    nhagem do santo do que a linhagem familiar (Lima, 1977). No seise. no caso presente. havia correspondncia entre as duas.

    o nag versus caboclo, que bsica tanto para os "de den-tro" como para os "de fora", constri-se uma outra oposioentre "puro" versus "misturado",

    Em face da existncia de um sistema mico de classifi-cao dos terreiros, indaga-se sobre a possibilidade de esta-belecer equivalncia entre este e outros sistemas de classifica-co divulgados pela literatura sobre cultos afro-brasileiros,tais como Umbanda, Candombl etc. Como essa questo vista pelos laranjeirellses de um modo geral e pelas pessoasque participam dos cultos? Ao contrrio de Xang, termomuito conhecido e usado para indicar indistintamente os ter-reiros e os cultos, Candombl e Umbanda quase no sousados. Significativamente num total de cinqenta e duasredaes de estudantes, Umbanda apareceu apenas uma vez,sendo apresentado como sinnimo de Candombl. Este ltimotermo foi usado dez vezes, oito das quais como sinnimo deTor (caboclo) e oposto a Nag; uma vez como "a designaomais apropriada para indicar os cultos" e outra como sin-nimo de Umbanda.4

    Os dirigentes de culto tambm no usam estes termos,a no ser quando inquiridos sobre as diferenas entre ascategorias caboclo e nag. Mesmo assim apenas trs delesusaram-nos. Seguem-se alguns depoimentos: "Tor negciode caboclo. Mas meu tio chamava ele de Candombl". Ouento: "Tor Candombl pela Bahia. Tor aqui mas oCandombl da Bahia mais ketu. Tor mais Umbanda".(Chefes de terreiro)

    O que se deduz, alm da existncia de um sistema pr-prio de classificao centrado nas categorias caboclo-nag, que, quando solicitados a esclarecer este esquema, os chefesde terreiro tentam estabelecer equivalncias com outro esque-ma de classificao, que supem mais conhecido do pesquisa-dor. Nesta tentativa nota-se que h uma tendncia a aproxi-

    4. Foi pedida aos estudantes uma redao sobre "Terreiros de Caboclo.Nag, Xang, Candombl, Urnband2, Tor". Quanto aos chefes deculto em se tratando de entrevistas, no forneci .nenhuma categoria e,quando necessrio. usei as categorias fornecidas por "eles: Nag eCaboclo.

  • mar o Tor ora do Candombl da Bahia, ora da Umbanda.No entanto jamais se fez tentativa de estabelecer equivalnciasdo Candombl com o Nag. Seria de se esperar que, sendoo Nag tido localmente como o depositrio da "tradioafricana mais pura", atributo que em outros meios se reivin-dica para os candombls mais antigos da Bahia, fosse feitauma aproximao entre ambos. Entretanto, na cidade, Can-dombl foi associado ao plo mais "misturado" e despresti-giado, que o Tor. Para o mundo afro-Iaranjeirense, ainfluncia da Bahia sobre os cultos locais, longe de incentivara "preservao da pureza africana", teria agido no sentido deacentuar as "misturas". A este respeito a histria dos terreiros bastante elucidativa, particularmente se vista a partir dacasa de santo. Filhos de Ob, conforme visto anteriormente.

    A propsito da denominao dos cultos, merece serlembrado que, no s em Laranjeiras, mas em Sergipe demodo geral, o termo mais usualmente empregado pelas cama-das populares para design-los Xang, tal como ocorre emAlagoas e Pernambuco. Isto parece intrigante quando se sabeda dependncia econmica e poltica que marcou a histria deSergipe em relao Bahia, onde os cultos so, denominadosde Candombl. Esta denominao, que em Sergipe usualentre os letrados, no chegou a se impor entte as camadaspopulares, o que indica tambm que a influncia da Bahiasobre o segmento afro-brasileiro de Sergipe no to avassa-ladora como fazem supor estudiosos da expanso do modelode culto jeje-nag baiano (Carneiro, 1964: 121-126) e comopodem sugerir a proximidade geogrfica e a dependnciahistoricamente reconhecida no plano econmico e poltico.Esta questo da denominao dos cultos ser retomada adiante(vide captulo IV).

    Voltando questo da correspondncia entre categoriasmicas e as veiculadas pela ampla literatura sobre cultos afro-brasileiros, percebe-se que h um descompasso entre elas,e como o meu objetivo , neste momento, ver como se per.cebem e se apresentam as diferenas dentro do campo religio-so, trabalhei com as categorias das pessoas dos cultos que

    Sobre as diferenas

    tm como oposio bsica caboclo versus nag, que remete aoutra oposio, entre ndios e negros.

    II

    I

    41A configurao do prestgio

    "Meu terreiro caboclo. Meu santo caboclo Rescaza (... )Eu sou descendente de ndio. A minha av era ndia. Foipegada a casco de cavalo e a dente de cachorro no Ama-zonas e criada em Simo Dias." (SE) (Chefe de terreiro)"Nos tempos pra trs s tinha aqui em Laranjeiras nag emal (... ) Os caboclos quem formou foi Manu de Zuna.Ele aprendeu l na aldeia. Ele se criou l e veio de lfugido." (Chefe de terreiro)

    A origem atribuda tradio cultural veiculada por essesterreiros seria o ponto de partida para as diferenas observ-veis entre eles. Os terreiros caboclos se ligariam, em suasorigens, aos ndios, enquanto os nags se vinculariam Africa.Esta idia expressa de diferentes modos, por diversos agentessociais, conforme se pode ver a seguir:

    Segundo as pessoas da localidade, a origem diferenciadados cultos estaria na base das 'diferenas que separam osterreiros nags dos caboclos.

    Para os "de fora", ou seja, os no participantes doscultos, essas diferenas se encontram nas entidades cultuadas,

    "O nag nao de preto velho, dos negros escravos afri-canos. Foram eles que deixaram:' (Estudante)"O culto afro-brasileiro Filhos de Ob representa o direitode tradio e sucesso da falecida presidente Joaquina Mariada Costa, africana de origem, filha da cidade de Ob, dasseitas de nag.. ." (Estatuto do terreiro)/la terreiro nag de Bilina dos tronco velho dos africano.f: diferente de ns caboclo que vem dos ndios." (Chefe deterreiro)

    Se atravs da ligao com os ndios que se explica oCaboclo, recorrendo-se ligao com a Africa que se

    explica a origem dos terreiros nags:

    Vov nag e papai branco40

  • 42 Vov nag e papai branco A configurao do prestgio 43

    na atuao desses centros quanto prtica do Bem e du Male, sobretudo, no ritual. Foi em torno desses aspectos que sedetiveram os estudantes que, em suas redaes, trabalharamsobre as diferenas.' Segundo estes, no Nag cultuam-se osmortos e os orixs, enquanto no Tor cultuam-se os caboclose o Diabo. Em decorrncia de sua vinculao com as forasdo Mal, o Tor "vive de fazer feitio", enquanto o Nag seriamenos malfico,6 Mas sobretudo em relao ao ritual queas diferenas so expressas em maior nmero e com maisnuanas, embora se restrinjam aos rituais externos abertos aopblico e conhecidos localmente como festejos". As diferenasenumeradas dizem respeito poca das festas, aos toques"dos tambores, s danas e s vestes. Estas, particularmente,so citadas com alta freqncia como sinal distintivo: "asvestes do nag so brancas, as do tor so coloridas eestampadas",

    As Diferenas vistas pelos "de dentro"

    Para os dirigentes de terreiros a diferena fundamentalentre os nags e os caboclo.s ':trabalhar" ou "n~ traba~har"com a "esquerda", o que sIgmflca recorrer a Exu , l~~ntl~lc~.do como o "Co", o "Inimigo", as "foras do Mal ~. SIgm-ficativamente, exceo de um deles que apela tambem paraelementos diferenciadores no ritual,' os chefes de terreiro,alm de se reportarem s reais ou supostas origens, limitaram-se a trabalhar essa oposio: "terreiro de caboclo trabalha.com esquerda" enquanto "nag no trabalha com a es-

    5. Num total de 52 redaes de alunos, 14, ou seja, 26%, tratamda distino entre Nag e Tor.6. Essa viso maniquesta que associa Tor ao Mal e Nag ao Bemaparece nas redaes que trabalharam sobre as diferenas e?tre eles.Noutras, os cultos, inclusive o Tor, aparecem como amblValentes,trabalhando para fazer o Mal e tambm para curar as pessoas.7. Trata-se do terreiro nag que trabalha mais em cima das diferenas.pois ele que precisa distinguir-se e delimitar, bem claramente. suasfronteiras.

    querda". Registre-se que num total de dez chefes de cultoentrevistados, sete deles recorreram a este sinal diacrtico, edentre estes apenas dois terreiros se autodefiniam comonag; os demais identificaram-se como caboclos ou caboclo-nag.' Importante tambm registrar que, embora fizessemuso desse critrio diferenciador, alguns chefes de terreirolevantaram dvidas quanto sua veracidade, sugerindo queo Nag tambm trabalharia com Exu, sob o disfarce de umoutro nome.

    HBilina no garanto que trabalhasse com a esquerda. Masela tinha Bar* assentado. E Bar o nome de Exu pelanao nag." (Chefe de terreiro)

    No obstante. h uma grande concordncia, mesmo entredirigentes que competem por prestgio e rendas no mercadomgico-religioso local, em apresentar o Nag como avesso manipulao do Mal e voltado para a prtica do Bem. [;significativo o seguinte trecho do depoimento de um chefede culto que se autodefine como caboclo, referindo-se dirigente do terreiro nag:

    "... da fazia aqueles banhos, com aquela fora dos orixs,ajudava e no precisava de Exu. Podia fazer trabalhos praajudar, mas no arriava Exu. S usava ervas e banhos. Agente arreia o trabalho de. cho, com galinha, cachaa,lcool, plvora e farofa que passa no corpo do povo"(Chefe de terreiro).

    Desse modo, o fato de no "trabalhar com a esquerda"no implica descartar a existncia de uma clientela girandoem torno do Nag em busca da prestao de servios. Comoser visto oportunamente, admite-se a exstncia dessa cliente-la, que seria satisfeita em seus desejos atravs da habilidadedo chefe do terreiro nag em lidar com os orixs da frente"e deles conseguir a soluo dos problemas, sem a necessidadede recorrer a Exu. Desse modo, ao Nag, ao qual, como foi

    8. Vide quadro I, p. 35.

  • 10. A dirigente do terreiro Santa B"rbara Virgem faleceu no finalde 1974 e a casa ficou, at 1979, sob uma chefia provisria, que foiento confirmada. O terreiro Filhos de Ob, aps a morte de seuantigo chefe, em 1976, ficou sob a chefia de uma filha de santo, quetambm morreu e foi substituda por outra. no final de 1979.

    "so terreiros grandes que tm muitos filhos", o nmero de"carros que param na sua porta", "por ser falado no rdio ena TV", ou ainda por "danar na porta do palcio l emAracaju",

    Os critrios utilizados para atribuio de importncia aosterreiros podem ser agrupados em duas categorias. De umlado sinais externos, portanto, indicadores atravs dos quais possvel avaliar o sucesso de um terreiro: nmero de filia-dos, trnsito livre em certos setores dominados pelas camadassuperiores representados pelos meios de comunicao, con-vite do governo e presena dos ricos em busca de serviosmgicos. De outro lado razes internas que estariam na baseda explicao do sucesso, tais como: a origem africana doterreiro, sua antigidade e a capacidade ritual do seu lder,elementos que teriam a ver diretamente com a fora' doterreiro, conceito importante nas interpretaes micas sobreo prestgio dos terreiros, ao qual retornarei adiante.

    Convm chamar a ateno para o fato de que os doisterreiros apontados como mais importantes, apesar das die-renas de trajetria em relao ao legado original e suaidentidade, tm muito em comum. Alm da antigidade quelhes atribuda, na direo de ambos permaneceram. nosltimos cinqenta anos negros que teriam convivido com osltimos africanos da cidade e com eles ter-se-iam iniciado noculto. Ambos faleceram h alguns anos, estando os dois ter-reiros no momento sob a guarda de chefias recentementeconfirmadas. 10 Este fato no provocou, ao menos at o mo-mento, uma reordenao da escala de prestgio dos terreirosestabelecida pelos prprios chefes de culto. Isto no significaque reconheam, nos novos dirigentes, a plena capacidaderitual que s ser comprovada com o tempo. De um delesafirma-se mesmo que ainda "no tem licena para fazertrabalhos", o que abriu espao para que outros terreiros

    ii,

    45A configurao do prestgioVov6 naga e papai branco

    viSto, se'8ssocia 8 "n"oo de upureza"J acrescentada a idiade,Bem .

    A Jmportncia dos terreiros vista pelos "de dentro"

    Em face da multiplicidade de terreiros hoje existentesna cidade, uns recentes, outros antigos, uns grandes, outrospequenos, uns nags, outros caboclos, quais os terreiros tidoscomo mais importantes? Na histria dos centros, acima esbo-ada em suas linhas gerais, o terreiro Filhos de Ob se destacasobretudo como terreiro-matriz donde se originaram vriosoutros. Seria isso um indicativo de importncia? Quais oscritrios que num mercado de Xang so usados para reconhe-cimento de importncia e prestgio?

    Nesta parte do trabalho tentarei ver como essa questo percebida a partir "de dentro", ou seja, pelos prpriosdirigentes dos cultos. Estes, quase por unanimidade, concor-dam que os terreiros Santa Brbara Virgem e Filhos de Obso os mais importantes da cidade. Na avaliao por eles feita,estes dois aparecem mais ou menos equiparados, enquanto osque se lhes seguem (o Ulufan, o So Jos e o So Jernimo 2)esto deles muito distaneiados em termos de reconhecimentode importncia por parte dos chefes de culto.9

    Para justificar a importncia atribuda aos terreirosSanta Brbara Virgem e Filhos de Ob, usam os seguintesargumentos: "so terreiros que tm mais de cem anos" J ou"so antigos, histricos", "tm fundamento.". "vieram dosafricanos", "sabem fazer as coisasJJ.- A estes acrescentam-se:

    9. Solicitados a enumerar os terreiros mais importantes da cidade,alguns chefes de culto preferiram no faz--l.o, e os demais assim f.epronunciaram:Terreiro Santa Brbara Virgem - citado oito vezes (quatro vezes em1.0 lugar, quatro em 2., aps o Filhos de Ob e o Ulufan).Terreiro Filhos de Ob - citado sete vezes (quatro em 1.0 lugar, duasem 2., aps o Santa Brbara Virgem, e uma em 3., aps o Ulufan),Terreiro Ulufan - citado trs vezes (uma das quais em 1.0).Terreiros So Jos e So Jernimo 2 - cada um com uma citao(nenhuma em 1. lugar).

  • 46 Vov nag e papai branco A configurao do prestgio 47

    QUADRO 11Antigidade dos terreiros segundo os dirigentes dos cultos

    o Ideal e o real

    COR DO CHEFE

    BrancaMulata-claraBra~caNegraNegra~egraBrancaNegra

    MulataBranca

    Chefes de terreiro segundo a corll

    TERREIRO

    Os terreiros Santa Brbara Virgem e Filhos de Ob,apontados como os mais importantes, remontam ao sculoXIX e nisto se diferenciam dos demais. O que se observa,porm, que a importncia de um terreiro no se mede sem funo dos anos de existncia. Os terreiros que, com gran.de distncia, se seguiram aos acima indicados na escala deimportncia enunciada pelos chefes de culto foram o Ulufan,com treze anos de fundado, o So Jos, que existe h maisde meio sculo, seguidos de um terreiro fundado h seisanos apenas. Enquanto isso, centros de culto com mais dequinze anos de funcionamento foram apontados como "terrei-ros fracos".

    A origem ligada aos nags e a ascendncia africana doschefes foi outro critrio usado pelos "de dentro" para atri-buio de importncia aos terreiros. Tendo em vista que umaascendncia africana direta expressar-se-ia no fentipo e, sobre-tudo, na colorao da pele, apresento a seguir esta "marcaracial" dos chefes de terreiro.

    QUADRO III

    So Jernimo ISo SebastioTupinambSanta Brbara VirgemSo JosFilhos de ObUlulaoSanta BrbaraSo Jernimo 2Ogum de Ronda

    11. Em face da ausncia de objetividade na classificao da cor daspessoas, este quadro foi feito pela pesquisadora e comparado com aclassificao apresentada por chefes de terreiro, sem que se regis-trassem diferenas significativas entre as duas classificaes.

    ANOS DE FUNCIONAMENTO

    15 anos8 anos1 ano

    mais de 100 anosmais de 50 anos

    mais de 100 anos (seguramente desde 1906)13 anos15 anos6 anos10 anos

    aumentassem sua clientela tornando-se assim mais conhecidos.O que ocorre que apesar de, geralmente, haver identidadeentre o prestgio do terreiro e o do chefe, em face da recen-tidade que marca as sucesses, avalia-se a importncia dosditos terreiros em termos dos antigos chefes. Com efeito, elescontinuam sendo referidos como "terreiro do finado Alexan-dre" e "terreiro da finada Bilina". S com o passar dos anoso desempenho das novas chefias recm-empossadas ratificarou alterar esse perfil de importncia atribuda aos centrosde cultos afro-brasileiros da localidade. Trabalhei pois coma viso que os "de dentro" tm dos terreiros sob a chefiados dirigentes antigos. Do mesmo modo, ao longo do trabalho,fao uso do "presente. histrico", transcrevendo falas depessoas j falecidas e a elas me referindo no presente.

    Feito esse esclarecimento, explorarei um pouco mais oscritrios internos de avaliao de importncia dos terreirosanalisando-os comparativamente em relao aos vrios cen-tros de culto.

    TERREIRO

    So Jernimo I

    So SebastioTupinamb

    Santa Brbara VirgemSo Jos

    Filhos de ObUlulaoSanta Brbara

    So Jernimo 2

    Ogum de Ronda

  • 48 Vov nag e papai branco A conjzgurao do prestgio 49

    Dentre os quatro dirigentes negros. trs deles preten-dem uma ligao direta com a Africa, apresentando os seusterreiros como continuidade de terreiros fundados por nags.Consideram-se guardies de santos da Costa', que lhes teriamchegado s mos por via de herana familiar de antepassadosafricanos. Sobretudo a falecida dirigente do terreiro SantaBrbara Virgem insistia muito no fato de descender de avsafricanos e ter sido criada por uma nag.

    "Meus quatro avs vieram da Africa. Mas a minha mej era crioula nascida no Brasil. Agora, eu fui criada coma minha, av por parte de mame. Se chamava Ismria,nome que recebeu no Brasil. Pela frica seu nome eraBirunqu. Era nag mesmo," (Chefe de terreiro)

    o estabelecimento de vnculo estreito com a Africa eo convvio com os africanos so maneiras e proclamarconhecimento dos segredos do culto, fora'. e assim legiti-mar-se perante o segmento afro-brasileiro local onde orix' tido como mais forte do que caboclo'.

    Do mesmo modo. o poder espiritual atribudo ao afri-cano ou descendente deste seria maior que o atribudo abrancos e mulatos. fato que pode ser interpretado como reco-nhecimento do "poder dos fracos", poder atribudo aos queesto fo:a da estrutura formal de poder da sociedade (Dou-glas, 1976). De acordo com este critrio mico de atribuiode importncia. se estaria reconhecendo aos chefes negros,descendentes diretos de africanos, maior fora' devido suavinculao com a Africa. Referindo-se dirigente do terreiroSanta Brbara Virgem, seguem-se alguns depoimentos queproclamam sua autoridade decorrente da ligao com a fricae a sua origem:

    fi ela faza aqueles banhos, com aquela fora dos orixs,ajudava as pessoas e no precisava de Ex".:'.." (Chefe deterreiro)"Aquela mulher uma danada. J tomou n~:osei quantosconsulentes meus. Ela tem muita fora. e adivinhou ofuturo deles. Pudera. Dizem que ela africana." (Carto-mante)

    Mas a mesma gnese nag e a ascendncia africana sopretendidas pelo terreiro So Jos, e embora parcialmentereconhecidas pelos demais chefes de culto. a importncia quese lhes atribuam est muito aqum da dos terreiros Filhos deOb e Santa Brbara Virgem, e mesmo abaixo do terreiroUlufan, que dirigido por um branco. Isto sugere que umasuposta ou real ascendncia africana. por si s, no confereimportncia, nem sequer quando vem associada antigidade,como o caso do terreiro So Jos.

    Competncia ritual um termo que usarei para englobarmltiplas atividades enumeradas pelos chefes de culto quandoinquiridos sobre a significao do "saber fazer as coisas".expresso por eles usada como indicativo da importncia dosterreiros. Aqui, a exemplo do que ocorreu quando se falou daascendncia africana do dirigente. a avaliao do terreiro sefaz muito em funo das habilidades do chefe. da sua fora'.

    Fora' um poder mfstico e simblico. Na terminologiados cultos nags da Bahia. como assinala Juana Elbein dosSantos. chamada de ax', sendo transmissvel por meiosmateriais e simblicos. Como todo poder. pode aumentar oudiminuir de acordo com a atividade ritual. Num terreiro, o seu chefe o portador mximo do ax'. devendo zelar pelasua preservao e desenvolvimento, transmitindo-o a novosfiliados atravs da iniciao ritual (Santos, 1976: capo I1I).Ter muitos filhos de santo'. congregar em torno de si umgranc;e nmero de seguidores, uma decorrncia, um sinalexterno de poder. Avaliando os terreiros da cidade, todos oschefes de culto concordavam que onde havia maior nmerode filiados era nos terreirbs Santa Brbara Virgem e Filhos deOb, ratificando desse modo as declaraes dos seus dirigentesa partir das quais foi elaborado o quadro IV.

    A afiliao de um indivduo a um terreiro se faz atravsde diferentes fases rituais que levam a uma vinculao cres-cente com entidades e com o chefe que o inicia. Ter capaci-dade para realizar todas as fases do processo - lavagem dacabea', confirmao' e feitoria do santo' - indcio doconhecimento e da fora' do chefe de terreiro e. por conse-guinte, critrio de atribuio de importncia ao centro.

    !

  • TERREIRO N.o DE FILIADOS ViNCULO COMO TERREIRO

    So Jernimo 1 LavadoSo Sebastio NenhumTupinamb NenhumSanta Brbara Mais de 100 Confirmados e batizadosVirgem

    So Jos 20 a 30 Confirmados e batizadosFilhos de Ob Mais de 200 Lavados, confirmados e feitosUlufan 15 Lavados e confirmadosSanta Brbara 11 FeitosSo Jernimo 2 12 Confirmados e feitosOgum de Ronda Nenhum

    Referindo-se aos terreiros que no dispem de um corpode fiis em torno do chefe, um dirigente de culto assim seexpressou: "E terreiro de brincadeira. Bate tambor para opovo brincar. No sabe de nada" (Chefe de terreiro). Regis-tre-se que nenhum destes centros que prescindem de filiadosfigurou como terreiro importante na avaliao dos chefes deculto. Em contrapartida, como vimos, o Santa Brbara Virgeme o Filhos de Ob foram indicados, unanimemente, como osque reuniam maior nmero de filiados. Sobre este ltimoterreiro diz uma informante: fi Pra mim o mais importante ele. Alexandre fazia os filhos, batizava, tirava ia. do quarto.Aqui em Sergipe s ele e Nan do Aracaju faz isso" (Chefe deterreiro). A excluso do Santa Brbara Virgem neste depoi-mento bastante significativa. Neste centro o processo deafiliao segue linhas diferentes do acima citado, que corres-ponde em suas linhas gerais ao famoso modelo jeje-nag decandombls baianos. No devido momento retornarei a essadiferena. Por ora importante salientar que os demais terrei-ros sero avaliados, pelos outros chefes, em funo da maior

    12. Os terreiros Santa Brbara e So Jernimo 2 declaram ter filhosfeitos, mas o processo de iniciao no inclui um perodo de reclusocomo no Filhos de Ob. Segundo os seus dirigentes ~feito no p dosanto, catula e bola no p do santo 6, ou seja. diante do altar, novai para a camarinha.

    51A configurao do prestgio

    ou menor aproximao a esse modelo que, exceo do Filhosde Ob, no chegam a executar por completo," mas o terreiroSanta Brbara Virgem, o "nag puro", teria seu modelo pr-prio, diferente, africano e portanto legtimo: "O Nag no fazfeitorio. Coisa de Nag diferente" (Chefe de terreiro).

    O reconhecimento de dois modelos diferentes e legtimosde vincular fiis aos centros de culto remete oposiofundamental entre Caboclo e Nag. A competncia de umchefe de terreiro se revela tambm pela eficcia dos traba-lhos que realiza. Estes carreiam para o eentro uma clientelaem busca de soluo para seus problemas. Os terreiros Filhosde Ob e Santa Brbara Virgem, no tempo em que eramregidos pelos antigos chefes, eram unanimemente reconhecidoscomo os que atraam maior nmero de clientes.

    Mas a fora. de um chefe se mede tambm pelos ritosque executa para cultuar as divindades. Realizar sacrifciosde bois sempre lembrado como um ato onde essa fora.se expressa com vigor.

    Membros do terreiro nag, que tentavam repensar critica-mente suas crenas e prticas religiosas em face dos conhe-cimentos recebidos em escolas (num caso em escola de nvelsuperior), confessavam sua rendio ao Xang diante dafora. demonstrada pela dirigente do culto por ocasio dossacrifcios de bois. A propsito desta mesma chefe de terreiro,relata-se na cidade um caso ocorrido numa localidade prximaonde ela teria ido realizar uns rituais a convite de umfiliado. Usineiros que no simpatizavam com o Xang propo-sitalmente teriam soltado um boi bravo para acabar com oajuntamento de pessoas, exatamente no momento em queiam iniciar-se as danas sagradas. O animal enfurecido inves-tiu contra a assistncia, porm, a um simples sinal da chefedo terreiro teria se prostrado a seus ps. O ocorrido hoje

    Vov nag e papai branco

    QUADRO IV

    Os terreiros e seus filiados, segundo os dirigentes dos cultos

    50

  • 52 Vov nag e papai branco A configurao do prestigio 53

    repetido em Laranjeiras como uma demonstrao evidenteda fora' da chefe de culto. Na viso dos dirigentes deterreiro da cidade, apenas em dois centros sacrificavam-sebois aos orixs: no Santa Brbara Virgem, dirigido por meBilina, e no Filhos de Ob, dirigido por Alexandre. Aps amorte destes, um chefe de centro de um povoado prximo,cujo prestgio est em franca ascenso, teria sacrificado umboi, fato que, muito recentemente, tambm teria se repetidono terreiro Santa Brbara Virgem, j sob a nova chefia.

    De acordo com a teologia nag, o sacrifcio e~tra nadinmica geral dos terreiros como elemento de manutenoda harmonia dos componentes do sistema, na medida em querestitui e redistribui o ax' (Santos, 1976: capo X). Relacio-na-se assim diretamente com o sistema de fora', que nocaso especfico se manifestaria inclusive na capacidade deimolar animal de grande porte, detentor de grande forafsica, que se queda imvel ante a fora sobrenatural dame-de-santo.

    Em resumo, o que se est tentando mostrar que paraos "de dentro" a importncia dos terreiros se explica, emgrande parte, pela fora' dos seu. chefes.

    A Importncia dos terreiros vista pelos "de fora"

    Os critrios de atribuio de importncia usados pelaspessoas da cidade so basicamente os mesmos dos "de den-tro". Remetendo antigidade, origem dos africanos e capa-cidade dos falecidos chefes, a grande maioria dos entrevista-

    o dos elegeu os terreiros Santa Brbara Virgem e Filhos de Obcomo os mais importantes, seguido. pelo Ulufan, So Jos,Ogum de Ronda e So Jernimo 2.'" A escala de prestgio

    13. A escala de prestgio dos terreiros st:gundo os "de fora" foi esta-belecida a partir do ordenamento dos lerreiros apresentado por 22entrevistados, aos quais pedi que enumerassem, em ordem de impor~tncia, trs terreiros. O resultado foi o seguinte:Terreiro Santa Brbara Virgem - citado dezenove vezes (dez em1.0 lugar, oito em 2. e urna em 3.).

    , .

    muito semelhante dos pais-de-santo. No entanto, uma dife-rena se observa no ordenamento dos terreiros feito pelos "defora" se comparado ao ordenamento feito pelos "de dentro".Na escalo de prestgio apresentada por aqueles figura um ter-reiro que, embora no seja antigo e no tenha sequer filhos desanto', se destaca pela eficcia mgica que atribuem aostrabalhos' da sua dirigente. o caso do terreiro Ogum deRonda, a respeito do qual diz uma entrevistada:

    "Hoje o terreiro mais famoso o de Neuza. Faz muitotrabalho. Ela trabalha direto. Os terreiros antigos, afama-dos, caram muito com a morte dos donos" (Cliente dosterreiros) .

    Este seria um caso extremo, pois o terreiro indicadocomo mais importante no dispe sequer de um corpo defiis. Contudo, o centro que na cidade estaria mais prximode disputar prestgio com os "tradicionais", segundo a visodos "de fora", seria o terreiro Ulufan, invocando-se sempre aeficcia dos trabalhos realizados como justificativa de suaimportncia, que tambm apresentada como decorrente desua origem a partir do Filhos de Ob.

    Observa-se assim que, ao menos para uma parcela mino-ritria dos "de fora", que vem o terreiro sobretudo como

    Terreiro Filhos de Oh - citado quatorze vezes (sete em 1.0 lugar,seis em 2. e uma em 3.).Terreiro Ulufan - citado oito vezes (duas em 1.0 lugar, trs em 2.e trs em 3.).Terreiro So Jos - citado seis vezes (duas em 1.0 lugar, uma em2:' e trs em 3.).Terreiro Ogum de Ronda - citado quatro vezes (uma em 1.0 lugar,uma em 2. e duas em 3.).Terreiro So Jernimo 2 - citado trs vezes (uma em 2:' lugar, duasem 3.).Terreiros So Jernimo 1 e So Sebastio - citados uma vez cadaum, sempre em 3. lugar.A escala de importncia dos terreiros segundo os "de fora n : SantaBrbara Virgem, Filhos de Ob, Ulufan, So Jos, Ogum de Ronda,So Jernimo 2. Segundo os "de dentro" : Santa Brbara Virgem,Filhos de Ob. Vluran. So Jos, So Jernimo 2.

    I""

    1I':1I1"II

    II"

  • 54 Vov nag e papai branco

    14. Com freqncia as pessoas falam dos santos ~ortes'" dos ant.igosnags. ora para acusar indivduos que deles tenam se apropnadoindevidamente, ora para lamentar o desperdcio de que quem os temsob guarda no saiba deles cuidar.

    para quem os possui, se no se tem habilidade para delescuidar, a sua fora" resulta inaproveitada e no traz bene-fcios para ningum.14 A fora* est associada competnciapara lidar com o sobrenatural. Essa competncia pode seradquirida atravs de aprendizado ou mesmo de "revelao",o que supe a atribuio de um vnculo com o sobrenatural(vide captulo 11).

    Desse modo os critrios de antigidade, origem africanae competncia ritual se interpenetram na constituio da for-a" da chefia do grupo e, portanto, na importncia do ter-reiro. Isto leva concluso de que, tanto para os "de dentro"como para os "de fora", a configurao do prestgio no merca-do de Xang seguiria de perto a atribuio de ligao do chefecom o sobrenatural; seria, portanto, de um lado derivado doseu carisma e do outro da sua tradicionalidade.

    Enfim, seria na fora" do chefe que residiria a expli-cao para o sucesso do terreiro. Desse modo, fora", cate-goria teolgica, assume um status de categoria analtica naexplicao do sucesso dos cultos.

    Alguns autores tm chamado a ateno para o fato deque muitos estudos sobre cultos afro-brasileiros, ao. tentaremexplicar o prestgio dos terreiros, o fazem, exclUSivamente,em termos da teoria mica dos cultos e, desse modo, se cons-tituem numa repetio da ideologia popular acerca do Can-dombl mais do que em explicao dos mecanismos atravsdos quais os terreiros se reproduzem socialmente (Fry, 1977a,1977b; Silverstein, 1979).

    Vrios estudos, mesmo quando consideram que o prestf-gio dos terreiros se mede tambm pela riqueza exibida sobre-tudo nos rituais pblicos, sugerem que so os filiados, recru-tados entre as classes baixas, que sustentam materialmente oterreiro, no levando na devida conta a insero das camadasmdias' e altas, mesmo nos candombls mais tradicionais, eo que representa sua presena em termos de recursos e pres-

    uma agncia alternativa na soluo de problemas imediatos,a competncia na "feitura de trabalhos" um dado impor-tante a ser considerado. Supondo a pouca experincia dosdirigentes recm-empossados nos centros antigos, uma partedos entrevistados, que constitui a clientela em potencial dosterreiros, dirige sua ateno para os terreiros que julgam maisequipados, no momento, para atend-los em suas eventuaisnecessidades. Desse modo, a eficcia mgica ganha maiordestaque na avaliao que uma parte dos "de fora" fazdos terreiros. I tambm possvel que essa maior nfase queos "de fora" deram aos trabalhos" como indicativo da impor-tncia do terreiro seja devida ao fato de julgarem que, nofundo, eu estava interessada em saber do melhor terreiropara mandar fazer algum trabalho". I atravs dessa via quegeralmente as pessoas com aparncia de classe mdia ou altase interessam pelos terreiros.

    De qualquer forma, a tendnca dos "de fora" a privi-legiarem a capacidade dos chefes em fazer trabalhos eficientes uma maneira de explicar a importncia dos terreiros pelafora dos dirigentes, e por esta via aproximam-se da visodos "de dentro", cuja escala de prestgio ratificada em suaslinhas gerais pelos "de fora".

    As Razes do sucesso

    Fora" um termo que aparece com muita freqncianos terreiros para indicar o poder do chefe como sendo umpoder vinculado ao sobrenatural. I atravs dela que, em'ltima instncia, se explica a nvel mico a eficcia dos tra-balhos mgicos executados em benefcio da clientela e osucesso do chefe de terreiro em lidar com os orixs, delesassegurando benefcios para si e seu grupo de fiis. A fora"de um terreiro demonstrada pela habilidade do chefe emlidar com as entidades, o que implica conhecimento dastradies e segredos do culto. Mesmo quando esta fora"reside em santos de pedra" deixados pelos africanos, tidoscomo santos fortes" cuja posse representa fora em potencial

    A configurao do prestgio 55

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  • 56 Vov nag e papai branco A configurao do prestigio 57tgio para os cultos (Carneiro, 1967c; Herskovits, 1958;Bastide, 1971; Ribeiro, 1952):

    Anlises mais recentes tm se preocupado em ver apresena das classes mdias e altas no Candombl e o quesignificam no s para sua sobrevivncia mas tambm paraa configurao do seu prestgio. Tomando como fulcro desua anlise a prpria famlia de santo, Leny Silverstein mostracomo nos candombls baianos da atualidade esta famlia seamplia atravs do og., geralmente indivduo de classe mdia,que uma vez iniciado lfpas~a a se relacionar de uma maneirafictcia ou ritual com a nova famlia, e assume obrigaesacarretadas por 'tal relacionamento" (Silverstein, 1979: 157).Desse modo, ampliando as teias do parentesco ritual, a me-de-santo estende seus vnculos para alm das barreiras declasse e raa e recruta na classe mdia os recursos materiaise humanos, graas aos quais seu terreiro pode sobreviver.Nesta perspectiva, o poder do chefe e o prestgio do seuterreiro no se circunscrevem fora* do seu dirigente, masse explicam pela "converso de recursos sociais e simblicosem vantagens econmicas" (Silverstein, 1979: 158).

    Sem estabelecer entre o econmico e o simblico estalinearidade de causa e efeito, Peter Fry, inspirando-se emErnest Gellner, analisa a economia dos terreiros vendo-acomo um circuito em que a atribuio de carisma e os indi-cadores de sucesso se relacionam circularmente atravs de umsistema de feedback em que um realimenta o outro, Se umpai-de-santo ostenta sinais externos de sucesso (muitos filhosde santo, clientela, riqueza, brilho nos rituais pblicos etc.),deve ser um pai-de-santo a quem se atribui muita fora .Assim, os sinais externos do sucesso do chefe do terreiroreforam o carisma que lhe atribudo, e este, por sua vez,redunda na ampliao do Crculo de influncia do terreirono s6 entre as camadas baixas mas nas camadas mdias ealtas da sociedade, de onde advrn o dinheiro para mantero brilho das festas e, circularmente, aumentar o status e asqualidades de um pai-de-santo com muita fora. (Fry, I977b).

    Teoricamente isto geraria terreiros imensos, mas naprtica esta expanso autocontida por vrios fatores. No

    caso dos terreiros que se autodefinem como "puros" e tradi-cionais, por exemplo, um fator limitativo desse crescimento a necessidade de controle sobre os filiados, de modo alhes garantir condies de manter os padres de moralidadee a ortodoxia dos rituais que invocam para distingui-los dosdemais. De outro lado a ajuda mtua que se efetiva atravs damediao direta da me-de-santo tornar-se-ia difcil num ter-reiro muito ampliado. onde j no fossem possveis os con-tatos face a face. Na tentativa de entender a atribuio destatus e prestgio a grupos de culto, processo que no secircunsctve ao mundo dos terreiros mas se desenrola nainterao destes com a sociedade mais ampla, tentarei, noscaptulos subseqentes, ver como um terreiro capitaliza suafidelidade frica e auto-identificao nag para tornar-seum terreiro de prestgio.

    Escrito h mais de seis anos, com base numa pesquisa decampo realizada na dcada de 70 e incio de 1980, este cap-tulo, que faz o mapeamento dos cultos afro-Iaranjeirenses,merece uma ligeira referncia ao presente, Devido ao dinamis-mo prprio dos terreiros, enquanto formas sociais vivas, oquadro aqui esboado j no corresponde exatamente reali-dade atual: alguns terreiros visitados quela poca j no maisexistem, ao passo que outros ampliaram seu espao de atuao,embora o Santa Brbara Virgem e o Filhos de Ob continuemcomo os terreiros mais destacados da cidade. Permanece bsicaa oposio caboclo versus nag, e se acentuou a retomada datradio africana. Desse modo, terreiros tidos como original-mente nags, que ao longo de sua histria tinham incorporadoo culto aos caboclo