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126 v27 DE NOVEMBRO DE 2008 sistemas salobros. A pioneira foi Maria José Costa, 59 anos, professora catedrá- tica na Faculdade de Ciências da Univer- sidade de Lisboa (FCUL) e a primeira pes- soa a doutorar-se em estudos de estuários, no País. Costumava andar regularmente sobre as águas do rio mais importante da Península Ibérica, mas hoje tem mais um papel de coordenação, já que lidera o gru- po de zoologia do Instituto de Oceanogra- fia (IO) da FCUL. Nesse âmbito, chefia a monitorização ambiental que o centro de investigação assegura, na zona de inter- venção da Expo’98, situada entre a marina do actual Parque das Nações e a foz do rio Trancão. A VISÃO acompanhou a última dessas saídas ao estuário do Tejo, efectuada por uma equipa constituída por dois biólogos do IO, além de Maria José Costa e um pes- cador que há anos se pôs à disposição dos investigadores. Desde 1997, que Manuel Mendes, 79 anos, lhes aluga o seu Manelito e, assim, integra a missão de perceber o que mudou no Tejo depois de as indús- trias pesadas terem sido substituídas pe- los jardins do Parque das Nações. Quatro vezes por ano, ajuda os cientistas a me- dir a temperatura e o oxigénio da água e a colher as amostras de lamas. A análise destes dados permite determinar o grau de poluição das comunidades de peque- nos invertebrados que servem de base à cadeia alimentar. Naquele dia soalheiro, o ritual repetiu-se – largar a draga, guardar e catalogar a reco- lha em sacos de plástico. Sete vezes. A ope- ração é simples, mas o espaço no barco não abunda. A meio da manhã, o Manelito está cheio de sacos de lama e água. Devíamos ter trazido botas de borracha... A ida ao Tejo é mesmo o mais fácil; de vol- ta ao «caótico» laboratório, começa a parte «penosa». É preciso conservar as amostras em formol e rosa-de-bengala (um químico que dá cor a todos os seres microscópicos presentes) para, mais tarde e depois de inú- meros processos de depuração – o Instituto inventou, até, um tanque para a realização desses processos – analisar os organismos encontrados, um a um. Estes procedi- mentos demoram meses e são efectuados por vários investigadores do Instituto de Oceanografia. Em face dos resultados obtidos, ao longo de uma década, Maria José Costa não hesi- ta: «O ecossistema está claramente melhor, sobretudo no que respeita aos peixes.» Não se poderá dizer o mesmo dos estuá- rios do Douro, Guadiana e Minho – o PNA classifica-os como «mal conhecidos no seu conjunto» e identifica a falta de «planos hidrográficos actualizados, sobretudo nas zonas a montante». CORREDORES E MATERNIDADES Nascer, viver ou passar - é para isto que as espécies de peixes utilizam os estuários. Uma das funções mais importantes é ser- virem de nursery aos peixes nascidos no mar, mas que vivem e se alimentam na foz dos rios, durante grande parte da vida. As abundantes quantidades de alimento, a temperatura e um número reduzido de predadores levam espécies como o roba- lo, o linguado ou a sardinha a depender do estuário até voltarem ao mar para se repro- duzirem. Há também os chamados peixes migra- dores. Uns vivem no mar e reproduzem- -se em água doce, efectuando a postura nos estuários (anádromos); outros fazem o percurso inverso (catádromos). O rio Mi- nho, o mais valioso para estas espécies em Portugal, é o único que alberga migradores anádromos como o salmão e a truta. O sável é uma espécie deste grupo que a acção humana tornou ameaçada em toda a Europa. «Era a marca do rio Minho mas a população diminuiu bastante. As barra- gens são uma barreira que impede os peixes de continuar a subida do rio e assim dei- xam de ter habitat disponível», nota Carlos Antunes, 46 anos, director do Aquamuseu do rio Minho. A mesma situação se verifica no caso do meixão, a fase juvenil da enguia. FOTOS: MARCOS BORGA ESTUÁRIOS SOCIEDADE RIO MINHO A pesca do sável está em extinção por causa das barragens Uma das funções mais importantes dos estuários é servirem de «creches» aos peixes nascidos no mar SUL A Ria Formosa é um dos mais importantes viveiros de peixes do País

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CORREDORES E MATERNIDADES classifica-os como «mal conhecidos no seu conjunto» e identifica a falta de «planos hidrográficos actualizados, sobretudo nas zonas a montante». 126 v 27 DE NOVEMBRO DE 2008 RIO MINHO A pesca do sável está em extinção por causa das barragens SUL A Ria Formosa é um dos mais importantes viveiros de peixes do País FOTOS: MARCOS BORGA

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126 v 27 DE NOVEMBRO DE 2008

sistemas salobros. A pioneira foi Maria José Costa, 59 anos, professora catedrá-tica na Faculdade de Ciências da Univer-sidade de Lisboa (FCUL) e a primeira pes-soa a doutorar-se em estudos de estuários, no País. Costumava andar regularmente sobre as águas do rio mais importante da Península Ibérica, mas hoje tem mais um papel de coordenação, já que lidera o gru-po de zoologia do Instituto de Oceanogra-fia (IO) da FCUL. Nesse âmbito, chefia a monitorização ambiental que o centro de investigação assegura, na zona de inter-venção da Expo’98, situada entre a marina do actual Parque das Nações e a foz do rio Trancão.

A VISÃO acompanhou a última dessas saídas ao estuário do Tejo, efectuada por uma equipa constituída por dois biólogos do IO, além de Maria José Costa e um pes-cador que há anos se pôs à disposição dos investigadores. Desde 1997, que Manuel Mendes, 79 anos, lhes aluga o seu Manelito e, assim, integra a missão de perceber o que mudou no Tejo depois de as indús-trias pesadas terem sido substituídas pe-los jardins do Parque das Nações. Quatro vezes por ano, ajuda os cientistas a me-dir a temperatura e o oxigénio da água e a colher as amostras de lamas. A análise destes dados permite determinar o grau de poluição das comunidades de peque-nos invertebrados que servem de base à cadeia alimentar.

Naquele dia soalheiro, o ritual repetiu-se – largar a draga, guardar e catalogar a reco-lha em sacos de plástico. Sete vezes. A ope-ração é simples, mas o espaço no barco não abunda. A meio da manhã, o Manelito está cheio de sacos de lama e água. Devíamos ter trazido botas de borracha...

A ida ao Tejo é mesmo o mais fácil; de vol-ta ao «caótico» laboratório, começa a parte «penosa». É preciso conservar as amostras em formol e rosa-de-bengala (um químico que dá cor a todos os seres microscópicos presentes) para, mais tarde e depois de inú-meros processos de depuração – o Instituto inventou, até, um tanque para a realização desses processos – analisar os organismos encontrados, um a um. Estes procedi-mentos demoram meses e são efectuados por vários investigadores do Instituto de Oceanografia.

Em face dos resultados obtidos, ao longo de uma década, Maria José Costa não hesi-ta: «O ecossistema está claramente melhor, sobretudo no que respeita aos peixes.»

Não se poderá dizer o mesmo dos estuá-rios do Douro, Guadiana e Minho – o PNA

classifica-os como «mal conhecidos no seu conjunto» e identifica a falta de «planos hidrográficos actualizados, sobretudo nas zonas a montante».

CORREDORES E MATERNIDADES Nascer, viver ou passar - é para isto que as espécies de peixes utilizam os estuários. Uma das funções mais importantes é ser-virem de nursery aos peixes nascidos no mar, mas que vivem e se alimentam na foz dos rios, durante grande parte da vida. As abundantes quantidades de alimento, a temperatura e um número reduzido de predadores levam espécies como o roba-lo, o linguado ou a sardinha a depender do estuário até voltarem ao mar para se repro-duzirem.

Há também os chamados peixes migra-dores. Uns vivem no mar e reproduzem- -se em água doce, efectuando a postura nos estuários (anádromos); outros fazem o percurso inverso (catádromos). O rio Mi-nho, o mais valioso para estas espécies em Portugal, é o único que alberga migradores anádromos como o salmão e a truta.

O sável é uma espécie deste grupo que a acção humana tornou ameaçada em toda a Europa. «Era a marca do rio Minho mas a população diminuiu bastante. As barra-gens são uma barreira que impede os peixes de continuar a subida do rio e assim dei-xam de ter habitat disponível», nota Carlos Antunes, 46 anos, director do Aquamuseu do rio Minho. A mesma situação se verifica no caso do meixão, a fase juvenil da enguia. FO

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ESTUÁRIOS SOCIEDADE

RIO MINHO A pesca do sável está em extinção por causa das barragens

Uma das funções mais importantes dos estuários é servirem de «creches» aos peixes nascidos no mar

SUL A Ria Formosa é um dos mais importantes viveiros de peixes do País