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w OPINIÃO ANÁLISE INFORMAÇÃO ^5 C P y l Hom em -gabiru KmontoGMMÜf Amaro da Silva, trabalhador rural de 1,35 m de altura, conversa com fotógrafo de 1,76 m TAMANHO DA MISÉRIA Com 1,35 m, o trabalhador rural Amaro João da Silva, 47, e sua família fazem p&rte dos nanicos: uma das novas "espécies humanas" que a desnutrição fez surgir no ser- tão do Nordeste. Nas cidades, são chamados homem-gabiru porque, como os ratos, vivem do lixo.

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• OPINIÃO • ANÁLISE • INFORMAÇÃO

^5

C P y l Hom em -gabiru

KmontoGMMÜf

Amaro da Silva, trabalhador rural de 1,35 m de altura, conversa com fotógrafo de 1,76 m

TAMANHO DA MISÉRIA Com 1,35 m, o trabalhador rural Amaro João da Silva, 47, e sua família fazem p&rte dos nanicos: uma das novas "espécies humanas" que a

desnutrição fez surgir no ser- tão do Nordeste. Nas cidades, são chamados homem-gabiru porque, como os ratos, vivem do lixo.

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Quinzena Trabalhadores

TENDÊNCIAS DO TRABALHO, Setembro 1991

A SAÍDA PARA MOTIVAR O PESSOAL NA CONJUNTURA RECESSIVA

Há muito, as empresas tém buscado saída, visando motivar seus funcionários. A partir daí, constatam-se verdadeiros modismos, que se ampliam, à medida que cresce a crise no País.

A desburocratizaçáo representa a grande solução, a participação é o que importa, é preciso dar prêmios, é necessário melhorar salários, be- nefícios, qualidade e por aí vão as sugestões, cada qual visando a melhor solução.

É com base nestas afirmações que o professor da EAESP - Fun- dação Getúlio Vargas - Luciano dos Santos Gaino, expõe abaixo a questão da frustração de muitos funcionários com seus trabalhos.

Segundo Luciano, as escolas am- pliam a quantidade de cursos, au- mentam suas cargas horárias, buscam estágios, criam formas de pós-gra- duações, extensões universitárias as mais diversas. E despejam milhares de formados em diversos níveis nas mais variadas profissões.

Entretanto, os estudantes conti- nuam apáticos, os estagiários conti- nuam frustrados e os empregados continuam desmotivados. Esta si- tuação acontece em todos os níveis, em todas as profissões, constata ele.

Os descamisados, ou seja, aqueles que não vestiram a camisa de ne- nhuma profissão, continuam inun- dando o universo daqueles ditos economicamente ativos.

O Mercado de Trabalho

Enquanto os estudantes pagam preços elevados pelas mensalidades escolares, mais cresce a frustração causada pela nebulosidade do futuro de todos aqueles devidamente em- pregados, que recebem, no final do més, pequenos ganhos, que não le- vam a nada, que são achatados dia- a-dia, mas onerados pesadamente nos custos e encargos que pressio- nam os preços.

Luciano acrescenta que, no entan- to, nem tudo está perdido. Algumas empresas já acordaram para uma so-

lução razoavelmente simples. Ao invés de manter seus quadros

cheios de frustrados, fazem um en- xugamento singular: liberam o fun- cionário para ser dono do próprio nariz e se tornam seus clientes.

Já não são poucas as empresas que partiram para essa saída.

Contratando mão-de-obra externa, elas economizam e muito — não ape- nas nos encargos salariais, como também nos seus ativos imobilizados (móveis, equipamentos, espaço).

Relação de Cliente e Motivação Em contrapartida, aquele antigo

funcionário acaba por colocar muito mais no bolso no final do mês. Ele toma-se livre para trabalhar e quanto mais trabalha, mais fatura.

Luciano avalia que, o antigo fun- cionário, desmotivado, que aguarda o horário da saída, passa a ser seu próprio empresário, enfrentando a competitividade do mercado.

Ganhando mais, ele vive melhor, consome mais. Para vencer a compe- titividade, busca realizar suas tarefas em prazos menores, com mais quali- dade.

Apesar da solução estar evidente, ainda há muito receio por parte da "nossa gente".

Os tropeços começam na própria

cultura, construída à sombra de um milagre econômico, que mostrou ser o diploma, principalmente o univer- sitário, uma ferramenta a mais e de muito peso.

A cultura ainda nos diz que é me- lhor ter o pingadinho no final do mês do que "meter as caras" e confiar no taco, argumenta ele.

Mesmo os empresários continuam alimentando esperanças de que au- mentar os salários pode ser uma so- lução, esquecendo-se de que cada cruzeiro no bolso do trabalhador significa pelo menos outro tanto evaporado, diz Luciano.

Esquecem-se os empresários de que eles também estão comprometi- dos com uma sociedade mais justa e essa sociedade somente vai vigorar, quando a qualidade e o ganho de ca- da um for delimitado por aquilo que cada um souber fazer bem-feito. Cultura da População Trava

Luciano conclui que são indubitá- veis as qualidades deste modelo, mas serão fadadas ao esquecimento em virtude da cultura disseminada nes- ses anos todos, quando uma boa par- te da população passou anos so- nhando com um diploma, como se fosse a grande chave para abrir todas as portas.

Já está na hora de todos entende- rem que é preciso aprender a sobre- viver no mundo atual.

Que é preciso aprender a buscar, não o alto salário, mas trabalho dig- no, seja ele qual for e que todo tra- balho, desde que bem-feito, merece remuneração justa. Que trabalho bem-feito significa liberdade e que trabalho feito com liberdade reflete motivação, crescimento. E que todos esses aspectos significam liberdade e progresso.

Ensinando os homens a trabalhar sem patemalismos, as escolas, em- presas e a própria sociedade estarão gerando um País desenvolvido, pois terá um povo em condições de traba- lho e crescimento, arremata ele. •

ASSINATURAS: Individual Cri 5.000 (6 meses) eCr$ 10.000 (12 meses) Entidades sindicais e outros Cr$ 6.000 (6 meses) e Cr$ 12.000 (12 meses) Exterior (via aérea) US$ 50,00 (6 meses) e US$ 100,00 (12 meses) O pagamento deverá ser feito em nome do CPV - Centro de Documentação e Pesquisa Vergueiro em cheque nominal cruzado, ou vale postal DESDE QUE SEJA ENDEREÇADO PARA A AGÊNCIA DO CORREIO BELA VISTA - CEP 01390 - Código da Agência 40a300.

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A QUINZENA divulga o debate do movimen- to, contudo coloca algumas condições para tanto. Publicamos teses, argumentações e ré- plicas que estejam no mesmo nível de lingua- gem e companheirismo, evitando-se os ataques pessoais. Nos reservamos o direito de divul- garmos apenas as partes significativas dos tex- tos, seja por imposição de espaço, seja por so- lução de redação.

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WÍMÊÊÍi

Quinzena Trabalhadores

AGRlcultura Alternativa - Outubro 91

Informar ou desinformar ? • Mário Benedetti

Que significa desinformar? Como funciona? Quais os mecanismos concretos? Si per- guntas que se fazem muitas vezes no trabalho de comunicação. O certo é que da deseinformação não escapam gregos e nem troianos, tampouco os grandes, médios e pequenos meios de co- municação. O escritor uruguaio Mário Benedetti ò explica de forma acertada e introduz a perspectiva de uma ética comuni- cativa que parte da transparência da verdade, para encher de calor os gélidos caminhos da desinformação.

"A história tem sido des- figurada, escondida pelos donos do poder" afirma Eduardo Galeano, escritor uruguaio, e acho que esta afirmação pode ser aplicada, tex- tualmente, não só aos donos do poder político, mas também aos do poder informativo, que são geral- mente, uma extensão daqueles. O que é a desinformação senão uma desfiguração da história, mesmo que se trate daquela que se está fazendo neste instante?

Quais são as pessoas que têm verdadeiramente o poder no campo da informação? a esta altura, ninguém ignora que existe uma es- magadora hegemonia das transnacionais, de origem e capital norte-americanos, c já é lugar- comum assinalar que 80% das notícias internacionais circulam no mundo através de somente dois canais a "Associated Press" (AP) e a "United Press Internacional" (UPI), coisa que, como já disse, transforma o planeta numa aldeia transnacional. No Brasil, a Rede Globo desempenha este papel.

É óbvio que o mundo do sub- desenvolvimento é a vítima propiciatória desse poder. Tanto que as mais importantes agências do Terceiro Mundo transmitem apenas 50 mil palavras por dia, enquanto somente duas grandes agências norte-americanas emitem uma média diária de 8 milhões de palav- ras, ou seja, o suficiente para que o Terceiro Mundo se inteire de como vive, luta, sofre e morre através dessa gigantesca e quase exclusiva rede de difusão polílica.

As transnacionais não somente praticam a desinformação: também utilizam todo o código, uma gramática normativa dessa armadil- ha. Qualquer jornalista que tenha trabalhado num diário da órbita capitalista sabe que deve se ater a

esse código, o qual, por outro lado, sofre constantes ajustes e atualizações. Mencionemos somente uma das mais recentes: os homens que, armados, organizados e remunerados pelos Estados Unidos combatiam o govemo sandinista a partir de Honduras, jamais deviam ser chamados de contra- revolucionários, mais sim de lutadores democráticos, mesmo que em seu currículo figurassem longos anos a serviço dos Somozas, ou seja, de uma das ditaduras mais cruéis do continente.

Existe uma ampla série de. variantes desinfnrmativiu 1 - Informar o contrário do

acontecido. ' Esta variante é tão grotesca que hoje quase não se usa, ao menos nos jornais das grandes cidades, pois se corre o risco de cair no ridículo se outro órgão de imprensa (não necessariamente mais honesto, porém mais sutil ou mais hábil) colocar em evidência a inexatidão.

2 - Informar somente uma parte do sucedido. Do ponto de vista da vontade de desinformar, tem a vantagem de que o fato relatado ocorreu efetivamente e o leitor não tem por que saber que a porção omitida poderia dar a notícia um signigicado exatamente oposto àquele que se deduz da parte publicada.

3- Suprimir parte importante de uma citação, de modo que o transcrito sugira algo substan- cialmente diferente daquilo que o personagem em foco expressou. Do ponto de vista da desinformação, isto tem a vantagem de que, se aparece alguém que o contradiga, o erro pode ser explicado com uma simples errata. (...)

4 - Isolar uma citação de seu contexto. A citação pode ser textual e no entanto adquirir, em seu isolamento, um significado total- mente distinto.

5 - Distorcer um fato acon- tecido, mantendo uma parte da ver- dade. Desse modo pode parecer verossímil a inexatidão que o resto da notícia propõe.

6 - Título inexato ou tenden- cioso para uma notícia transcrita de forma verdadeira. Existe um bom numero de pessoas que percorrem as páginas de um jornal lendo so- mente as manchetes e títulos das notícias. O autor da manobra conta com este hábito para vender ao leitor a deformação de uma notícia.

7 - Uso tendencioso e dcsqualificador do adjetivo ou das aspas. Se uma notícia absolutamente verdadeira, mas que contradiz a

versão oficial das transnacionais, se acrecenta simplesmente a palavra suposto (o suposto responsável pelo incidente, a suposta vitima, etc.), a noticia pode mudar de sentido e, ao mesmo tempo, desqualificar aqueles que a introduziram no mercado da informação. Por outro lado, as aspas agregadas oportunamente a uma manchete podem semear a confusão ou deteriorar uma atitude. Um exemplo: Quando o porto de Corinto, na Nicarágua, foi bombar- deado pelos contras, um jornal de Madri informou que a delegação nicaraguense na Onu denunciaria a agressão. A notícia estava transcrita fielmente, mas o titulo a palavra agressão figurava entre aspas. Estas simples aspas transmitiam ao leitor uma série de comentários sub- liminares, que poderiam ser assim resumidos: "Estes nicaraguenses! Sempre denunciando ou inventando agressões".

Manipulação e desinformação

8 - Simulação de estilo objetivo. Como é notório, existe um estilo jornalístico objetivo, empregado (e comumente exigido dos jornalistas da chamada imprensa séria) não só como um sintoma de coerência in- formativa, mas também como um sintoma de coerência informativa, mas também como uma garantia de veracidade. Pois bem, o estilo ob- jetivo também pode ser simulado a fim de dar uma aparência de decoro à mais enganosa das informações.

9 - Desequilibrar os dados com determinada intenção política. É freqüente que, quando os jornais não têm outro remédio senão trans- crever uma notícia que pode desprestigiar, digamos, os Estados Unidos, tragam junto outra notícia, que pode não ter nada a ver, mas que desprestigia a outro lado. Um exemplo: quando os Estados Unidos invadem Granada, o jornalista deve procurar a forma de também men- cionar a presença soviéica no Afeganistão. Graças a este ex- pediente que, à primeira vista, pode parecer ingênuo, a propaganda norte-americana conseguiu que o Afeganistão continuasse sendo uma notícia de primeiro plano, enquanto que, de Granada, ainda ocupada por tropas norte-americanas, já ninguém fala. Sem falar em Guantánamo, ocupado pelos Estados Unidos há mais de 80 anos, uma vergonha a que ninguém, com exceção dos cubanos, faz referência.

10 - Editorializar com os títulos. Às vezes, o texto da noticia é de es- tilo lobjdivc. mas o lítuk) pode en- cerrar um julgamento político da mesma. A meados de 1985, forma feitas na Europa várias reuniões.

Destaque-se o fato de que a manipulação das grandes transnacionais da notícia con- tagia os jornais, mesmo os mais independentes, c também as empresas que efetuam sondagens

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Quinzena Trabalhadores de opinião. Como expressou Juan Somavi, diretor executivo do In- stituto Latino-Americano de Es- tudos Transnacionais, por ocasião da conferência da Srí Lanka, 'os telegramas de agências do Ter- ceiro Mundo não penetram a muralha dos interesses e valores imperantes". A rigor, existe uma pressão quase insuportável sobre os jornais e meios menos depend- entes, para que não contratem os serviços das agências do Terceiro Mundo. A própria existência das empresas que realizam pesquisas antes df cada eleição divulgada pela imprensa, se converteu num elemento significativo de pressão sobre a massa dos eleitores.

O grave é que os procedimentos da manipulação e desinformação não somente influem sobre os meios fiéis ao sistema. Não é raro que também contagiem os meios

progressistas, esquerdistas, an- ticapitalistas. Para alguns desses órgãos de informação, a resposta a tanta desinformação de direita não 6 senão praticar uma desinformação de esquerda. É assim que os jornais progressistas, inclusive de países socialistas, omitem às vezes < informações que possam ser incômodas, para a esquerda, mas que efetivamente ocorreram. Não nego que a intenção subjacente pos- sas ser respeitável, porém o silêncio informativo não apaga por si ne- nhum fato, por mais desagradável que seja. A ética jornalística não coincide com o famoso hábito do avestruz. A ética jornalística deve ser um valor intocável da imprensa de esquerda. A notícia em si é terri- tório sagrado. É a partir da notícia não manipulada que o meio de esquerda tem pleno direito de dar sua opinião, esclarecer o contexto

do fato noticiado, explicando os an- tecedentes do mesmo, e formular o prognóstico pertinente. (...)

' Se» verdadeiramente existe al- guma fóimula paia combater as manobras e mecanismos da direita desinformada, é convencer a opinião publica nacional e internacional òc que a nossa informação é verídica e que a ética que proclamamos, como req- uisito essencial para a implantação da justiça social, também inclui os nossos informadores.

Essa história que desfiguram e es- condem os donos do poder formativo, devem ser contada por nós com toda a sua verdade exposta, com toda força real, com as luzes e as sombras que formam parte da vida dos povos." •

* Mário Benedetti, escritor nraguaio, autor de "A trégua', que foi lançado este ano no Brasil. Também colaborador do AGRIcntun Alteraadra.

0 SINDICALISMO BRASILEIRO NOS ANOS 80 - Vários autores - Paz e Terra - 1991

A SUPRESSÃO DO MODELO SINDICAL DA DITADURA E A PRESERVAÇÃO DA ESTRUTURA SINDICAL

Armando Boito JR.

A supressão do modelo ditatorial de gestão do sindicalismo oficial não veio com a política de abertura sindical de Murillo Macedo. Essa supressão só se consumou sob o governo civil de José Samey, no decorrer dos anos de 1985-1988, graças à políti- ca de reforma sindical implementada pelo ministro Almir Paz- zianotto e à promulgação da nova Constituição.

A política de abertura sindical teve como resultado mais im- portante a recuperação da imagem bastante desgastada da es- trutura sindical brasileira. Ela logrou superar o isolamento no qual se encontravam os sindicatos oficiais. Tratou-se de uma vi- tória parcial da ditadura: abortar uma crise da estrutura sindi- cal, que é no que poderia se transformar a crise do modelo dita- torial de sindicalismo de Estado, caso a ditadura não efetuasse um recuo organizado na sua política sindical. Mas o preço dessa vitória parcial foi a permanência da crise do modelo ditatorial de sindicalismo de Estado. Para romper o isolamento dos sindi- catos oficiais, foi preciso atrair, como vimos, as lideranças sin- dicais emergentes e o próprio movimento grevista para o inte- rior da estrutura sindical. Tal fato tomava cada vez mais difícil o controle ditatorial sobre a ação dos sindicatos oficiais. A polí- tica de abertura sindical logrou obter uma sobrevida para o mo- delo ditatorial de gestão da estrutura sindical, mas não solucio- nou a sua crise.

Os elementos que provocavam a crise do modelo continua- ram agindo. Em 1983, inicia-se um período de recuperação da atividade sindical, que havia entrado numa fase de refluxo em 1981 e 1982. No ano de 1983, por motivo de greves de catego- rias e em função da preparação da greve geral nacional de julho daquele ano, o ministro Murillo Macedo voltou a intervir em vários sindicatos importantes, depondo as suas üiretonas. Ape- nas no mês de julho, depôs as diretorias dos sindicatos oficiais dos metalúrgicos de São Bernardo — a terceira deposição que vitímava São Bernardo num período de quatro anos —, dos pe- troleiros de Paulínia, petroleiros de Mataripe e bancários de São Paulo. Tais medidas punitivas indicavam, ao mesmo tempo, a persistência do modelo ditatorial de sindicalismo de Estado e a permanência de sua crise. É nessa época, também, principalmente a partir do ano de 1984, que se propaga entre os sindicatos ofi- ciais dirigidos por diretorias mais combativas a prática de enca- minhar pautas de reivindicações que desrespeitavam os limites

legais impostos pela política econômica do governo militar: o rit- mo e os índices dos reajustes obtidos fugiam, nos setores mais mobilizados, cada vez mais dos parâmetros oficiais.28

O movimento sindical organizado fundamentalmente no pró- prio interior da estrutura sindical oficial impôs, na conjuntura do advento da "Nova República", em 1985, a eliminação do mo- delo ditatorial de controle do sindicalismo de Estado. Nesse pro- cesso, o ministro do Trabalho Almir Pazzianotto, quando agiu de modo reformista, regra geral consagrou no plano da lei e das instituições aquilo que os sindicalistas mais combativos já vinham praticando desde o período do governo militar. As correntes sin- dicais, como o novo sindicalismo de São Bernardo e os comu- nistas do PC do B, que afirmavam que iriam "arrebentar a es- trutura sindical por dentro", demonstraram, num certo senti- do, que sua estratégia era viável. Elas arrebentaram por dentro aquilo que, de fato, queriam arrebentar: não a estrutura sindi- cal contra a qual não lutaram, mas o modelo ditatorial de sindi- calismo de Estado, os efeitos dessa estrutura, que é o que lhes interessava suprimir.

As medidas reformistas de Pazzianotto apontam para um controle flexível e indireto do governo sobre os sindicatos. O mi- nistro do Trabalho de José Sarney extinguiu o modelo rígido e detalhado de estatuto padrão, suspendeu o controle direto e mi- nucioso das DRTs sobre as eleições sindicais, reconheceu politi- camente as centrais sindicais — organismos que foram legalmente permitidos em diversas conjunturas do pré-1964, mas que a le- gislação da ditadura militar proibira —, abandonou a prática, no caso sem ter mudado a legislação pertinente, das deposições punitivas de sindicalistas, e, no geral, o governo Samey estabe- leceu políticas salariais que, ainda que restringindo muito o rit- mo e os índices legalmente permitidos para a reivindicação sin- dical, eram mais liberais do que o controle exercido pelos gover- nos militares.

Mas essa política de reforma da estrutura sindical tinha li- mites. Pazzianotto apresentou um projeto de lei de greve, que não chegou a ser aprovado, que estava muito longe do direito de greve sem normatização restritiva pleiteado pela CUT, e re- primiu violentamente, ou aceitou a iniciativa repressora do go- verno em importantes movimentos grevistas. A Marinha repri- miu brutalmente a greve dos marítimos, de março de 1987, e co-

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Quinzena © Trabalhadores

locou fuzileiros navais para operarem o porto do Rio de Janei- ro. O Exército reprimiu violentamente a greve dos trabalhado- res da usina hidroelétrica de Itaipu, em setembro de 1987, ferin- do a tiros vários operários. Também em 1987, as tropas do Exér- cito ocuparam as refinarias de petróleo para forçar a suspensão de uma greve dos petroleiros.

Nem essa política de reforma nem as medidas e leis aprova- das na Constituinte ou implantadas mais tarde pelo governo Fer- nando Collor eliminaram a estrutura sindical — de resto, não era esse o seu objetivo.

Almir Pazzianotto, embora tenha, por um breve momen- to, dado a impressão de que se esforçaria para que o Congresso Nacional aprovasse a ratificação da Convenção 87 da OIT, não tocou em nenhuma das pedras básicas da estrutura sindical.

A Constituição de 1988 elevou os principais elementos da estrutura sindical, que anteriormente eram normas contidas na CLT, à condição de normas constitucionais. A Constituição man- teve, no seu artigo 8?, a necessidade de reconhecimento do sin- dicato pelo Estado, a unicidade sindical, as contribuições sindi- cais obrigatórias, a divisão do movimento sindical por catego- rias e seu retalhamento por municípios; nos seus artigos 111, 112, 113 e 114 manteve a mesma estrutura básica da Justiça do Tra- balho e a sua tutela sobre o movimento sindical.

Duas novidades da Constituição de 1988 consagraram a su- peração do modelo ditatorial de sindicalismo de Estado. O inciso primeiro do artigo 8? estabelece que são vedadas ao "Poder Pú- blico a interferência e a intervenção na organização sindical". A letra da lei está, nesse ponto, em flagrante contradição, como todos os demais pontos do mesmo artigo, uma vez que estabele- cer o sindicato único, a organização por categoria, as contribui- ções sindicais obrigatórias, etc. significa a intervenção do "Po- der Público na organização sindical". Mas no seu espírito, o texto não é contraditório: os legisladores e sindicalistas entendem por intervenção apenas e tão-somente as intervenções próprias do mo- delo ditatorial de gestão do sindicalismo de Estado — deposi- ções de diretorias, eleições rigidamente controladas, etc. —, mas não as intervenções necessárias para o funcionamento e repro- dução da estrutura sindical. Em segundo lugar, o artigo 9? esta- belece o direito de greve de modo bastante amplo, consistindo um obstáculo jurídico à implantação de novas leis de greve nos moldes das que existiram no período dos governos militares.

Quanto ao governo Fernando Collor, este e o seu ministro do Trabalho ensaiaram, através de uma medida provisória, a "ex- tinção do imposto sindical". Alguns órgãos da grande imprensa saudaram a medida como o fim de décadas de sindicalismo tu- telado pelo Estado. O presidente da Força Sindical, Luís Antô- nio Medeiros, saudou tal medida como "democrática e moder- na"^ sustentou que Antônio Rogério Magri entrara para a his- tória por ter sido o ministro que aboliu o imposto e a estrutura sindical.29 Hoje, aquela medida caducou e o imposto sindical

continua sendo arrecadado. Mas o episódio permite alguns esclarecimentos.

A área sindical tem sido um dos temas que mais estiveram às voltas com propostas e projetos de mudança ao longo dos anos 80. Em termos de propostas governamentais "renovadoras", tal- vez só perca para o tema da reforma agrária. Muitas propostas ficam como idéias e especulações nos gabinetes ministeriais, cir- culam por algum tempo no noticiário e depois são esquecidas. Outras chegam a se converter em projetos é& lei. O Executivo remete-os para o Congresso, desinteressa-se pelo assunto e o pro- jeto morre nas gavetas dos parlamentares. Tal agitação reflete o declínio histórico da estrutura sindical e a crise do modelo di- tatorial de gestão dessa estrutura. Ora, trata-se de projetos que visam ajustar o sindicalismo de Estado às necessidades novas do governo, outras vezes são formas de sondar as posições de em- presários e sindicalistas, e, não poucas vezes, tudo é mero jogo de cena para impressionar os sindicalistas ou, inclusive, chantageá-los com a perspectiva de eliminação do que eles con- sideram ser o? "aspectos positivos" da estrutura sindical — o dinheiro seguro das.contríbuições compulsórias, a segurança le- gal e monopolísticâ da representação sindical, etc. A ideologia legalista vigente nb meio sindical permite que governos conser- vadores como Sarney e Collor possam chantagear o movimento sindical, "ameaçando-o" com a liberdade e autonomia sindical — embora nenhum desses governos tenha ousado até aqui dar o salto e suprimir, de fato, a estrutura sindical brasileira.

A dita eliminação do imposto sindical proposta por Collor parece ser um desses jogos de cena. Primeiro, que a eliminação pura e simples do imposto sindical não significa o fim da estru- tura sindical, já que, como vimos, o imposto não é o elemento essencial dessa estrutura. Segundo, que não há apenas um im- posto sindical, mas sim dois impostos: a velha contribuição anual de um trinta avós do salário, descontada de todos os trabalha- dores, que é arrecadada e distribuída pelo Ministério do Traba- lho, e a chamada contribuição assistencial, também descontada compulsoriamente de todos os trabalhadores, com a particula- ridade de não ter qualquer limitação no seu valor e de ser arre- cadada diretamente pelos próprios sindicatos oficiais. Como não há limites para essa contribuição, os sindicatos oficiais fizeram que suas assembléias aprovassem sucessivas majorações dessa taxa — o que não é difícil de se obter, já que os presentes na assembléia têm a liberdade de se isentarem do pagamento da taxa que estão impondo aos outros, associados ou não. Hoje em dia, é essa contribuição assistencial que representa a maior fonte de receita dos sindicatos. Collor, com sua medida provi- sória, tocara apenas no velho imposto sindical, mas não atingi- ra a contribuição assistencial. A dose exata: uma fatia suficien- temente grande para preocupar os sindicalistas, mas modesta- mente pequena para poder abalar as gordas finanças dos sindi- catos oficiais.

Este livro foi escrito por cinco pesquisadores

do sindicalismo brasileiro

que se propuseram a realizar um trabalho de

descrição, análise e balanço dos problemas do

sindicalismo brasileiro ao longo dos anos 80.

Unitário em sua temática e heterogêneo

ao nível da orientação teórica e das

idéias apresentadas por seus autores, o resultado

final e informativo e instigante.

*********************************** A VENDA NO CPV

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Trabalhadores

CENÁRIO SINDICAL NOV 91

Greves na área privada superam paralisações no setor público

Desde o início do governo Collor de Mello, 2.244 greves varreram o pais, mobii- zando 16 milhões de trabalhadores, que somaram 188 mil horas de paralisação em diversos segmentos da economia. No setor privado, concentraram-se 62% das greves realizadas contra 38% no setor público. A indústria foi o ramo de atividade que registrou o maior número de parali- sações (39%); o setor de serviços públicos ocupou a segunda posição com 28,6% das greves. A área de serviço: privados par- ticipou com 14% e o setor de transportes com 11,6% do total de greves.

O levantamento foi feito pelo Depar- tamento de Estudos Sódo-Econômicos e Políticos (Desep), da Central Única dos Trabalhadores (CUT), com base em infor- mações colhidas nos sindicatos e na im- prensa escrita, e comparadas com os dados fornecidos pelo Ministério do Trabalho. Ao analisarem a curva do movimento grevista ao longo de 16 meses de Governo Collor (Março/W a Junho/91), os técnicos do Desep observaram três momentos diferenciados na evolução do quadro de greves, conside- rando os números e o comportamento dos setores envolvidos.

RECUO E AVANÇO No primeiro momento, ocorreram duas

situações distintas: os números de greves dos meses de março e abril de 90 revelam os impactos das medidas econômicas, então adotadas, na dificuldade de mobilização dos trabalhadores. Naqueles meses foram registradas 209 greves e um total de 898.869 trabalhadores parados. Nos dois meses seguintes (Maio e Junho) houve uma am- pliação significativa do movimento grevista, sendo que, somente no môs de maio, o número de greves (246) superou o total registrado nos dois meses anteriores, com a paralisação de 1.184.429 trabalhadores.

De acordo com informações do Desep, em junho de 1990, ocorreu o maior número mensal de greves já registrado pelo órgão desde 1986, quando houve a campanha da unificação das categorias em luta. Foram 518 greves, que resultaram na paralisação de 2.133.568 trabalhadores. A principal característica desse momento foi a retomada das campanhas unificadas. Mesmo assim e apesar do grande número de greves, o número de grevistas no final do primeiro semestre de 1990 foi inferior ao observado, pelo Desep, em períodos anteriores.

GREVES LONGAS O segundo momento analisado pelo

Desep, de agosto a dezembro de 90, carac- terizou-se peia redução do número òe greves, pelo crescimento do número de grevistas e pelo aumento dos períodos de duração das

greves - o total de horas paradas, por greve, registrado naquele momento, foi o maior de todo o período em análise. Outra carac- terística observada foi a realização de campanhas emergendais e o crescimento das greves por empresa e/ou local de tra- balho, tanto no setor público quanto no setor privado.

Naqueles meses, o setor público, em- bora com partidpaçào percentual reduzida no número de greves, em relação ao período anterior, teve um aumento significativo no número de grevistas, com a participação de mais de três milhões de servidores (45,9% do total), prindpalmente nos setores de saúde e educação. Destaca-se, ainda, no período, a elevada participação do setor de serviços na esfera privada (19,9%) e dos trabalhadores rurais, especialmente dos canavieiros (6,6%), no total de greves.

REFLUXO • O terceiro e último momen- to (Janeiro a Junho/91) observado registra uma queda significativa no número de greves

(501) em relação aos dois primeiros mo- mentos, respectivamente, 863 e 880 greves. Entretanto, esse período foi marcado pelo maior número médio de trabalhadores para- dos por greve, considerando-se todo o espaço de tempo analisado. Ao todo, 4.837.209 trabalhadores cruzaram os braços entre janeiro e junho deste ano.

Os técnicos do Desep atribuem tal particularidade à retomada de campanhas salariais unificadas por categorias e à forte presença dos servidores públicos nos movimentos grevistas. No primeiro semestre de 91, os servidores representarm 62,3% do total de grevistas reunidos em 36,9% do total de paralisações. Em contraposição, a indústria apresentou queda significativa no percentual de partidpaçào nas greves (28,1%) e no índice de grevistas (13,2%) em relação aos momentos anteriores. Tal fato, segundo os técnicos do Desep, deveu- se, prindpalmente, ao agravamento do quadro recessivo da economia e à queda no nível de emprego.

TABEIAS/Elaboraçio: DESEP-CUT (atra- vés de informações coletadas na imprensa e nos sindicatos, cotejadas com as informações doSIGREV-MTB).

GREVES NO GOVERNO COLLOR

Mès/Ano Greves Grevistas Horas paradas

Mar/90 c 84 569.627 8.336 Abr/90 125 329.242 9.648 Mal/90 246 1.184.429 16.088 Jun/90 518 2.133.568 45.680 Ju|/90 257 1.017.313 19.966 Aoo/90 212 1.002.616 13.000 Set/90 170 1.990.900 14.224 Out/90 208 2.666.818 16.584 Nov/90 168 1.335.203 9.753 Dez/90 123 1.725.119 8.184 JafV91 64 356.540 2.736 Fev/91 109 933.768 4.456 Mar/91 103 1.162.333 4.925 Abr/91 94 952.402 3.865 Mai/91 94 1.945.104 4.200 JufV91 122 1.413.001 6.296

Acumulado 2.244 15.977.934 187.941

m gnves Intáídis e/ou encermüs t partir de 15/03/90

SETOR PÚBLICO X PRIVADO

Setor Greves V, Grevistas Horas paradas %

Público Privado Público/privado

851 1.391

2

37,9 62,0

0,1

9.351.049 6.559.135

67.750

58,5 41,1 0.4

82.369 43,8 105.236 56,0

336 0,2

Acumulado 2.244 100,0 15.977.934 100,0 187.941 100,0

Noa. porcaniuít em reüçio to KM de grmes. gnvlsat tdt hom ptrtdat ■ menstl» »cumulKio.

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Quinzena Trabalhadores

PARALISAÇÕES POR SETOR

Píndpiçào percentual no lool acumulado de yreves. de grevistas » de horas paradas

Por períodos do Governo Cdlor Vmomento de iy03/90a3WOy90

}'momento deO\/07tXla3y\'2JliO

Vmomento de 0)/OW a yyx&í

Ramo de atividade Greve Grevista Horas paradas %"' 1« 2« 3' 1« 2' 3' 1« 2' 3'

Indústria 46,3 38,0 28,1 23,5 20,5 13,2 46,7 38,5 21,9 Serviço público 28,7 23,6 36,9 41,9 45,9 62,3 36,9 30,8 46,9 Transporte 11,0 11,0 13,8 14,6 7,4 7,4 5,9 5,9 12.7 Serviços 8,3 19,9 13,4 8,0 8,8 14,0 8,0 18,4 11.2 Comércio 2,0 1,8 1,6 1,6 1,5 0,6 0.7 1.4 1,8 Comunicação 2,0 2,3 2,8 0,6 1,8 1,4 0,7 2,2 2.3 Financeiro 0,7 1,2 2,4 8,9 7,5 1,0 0.2 1.1 2.9 Agricola 0,8 1,1 1,0 0,8 6,6 0,1 0.8 1,2 0,2 Sem informações 0,1 0,9 0,1 0,5

Total n» 863 880 501 3.702.586 7.438.209 4.837.139 79.752 81.711 26.478 %» 38,5 39,2 22,3 23,2 46,6 30,2 42,4 43,5 14.1

GAZETA MERCANTIL 6.11.91

Metalúrgicos alemães iniciam campanha por 10,5% de aumento salarial em 92

por Cynlhia Malta de Frankfurt

Nos próximos meses, o governo da Alemanha de- verá olhar com especial atenção para a cidade de Frankfurt, coração finan- ceiro do pais e sede da maior feira de livros do mundo.

Os olhares das autorida- des, porém, não estarão concentrados apenas no imponente edifício do Bun- desbank, o banco central, ou no enorme prédio marrom-escuro em forma de torre onde todos os anos a feira de livros acontece. Um outro prédio, igual- mente alto e de gosto duvi- doso com suas janelas ne- gras e espelhadas, atrairá sua atenção: é a sede do maior sindicato trabalhista do mundo, a poderosa IG Metall, com 3,6 milhões de metalúrgicos associados, cujas negociações salariais serão iniciadas em feverei- ro de 1992.

"Estamos propondo 10,5% de aumento e os es- pecialistas (do setor priva- do) estão dizendo que 4% seria o limite. O governo diz que 6% seria suficiente para manter os padrões atuais. Mas nós não concor- damos. Nunca foi nosso ob- jetivo simplesmente man- ter (o 'status quo') e vamos lutar", afirma o vice- diretor do departamento de comunicação da IG Metall, Martin Oertel. As catego- rias que trabalham nas in- dústrias de base de ferro e aço são as primeiras a ne- gociar e o governo teme que se os 10,5% forem con- seguidos acabem servindo de parâmetro para todas as

demais, com efeitos desas- trosos para a já preocupan- te inflação. (A inflação, nos últimos doze meses até ou- tubro, foi de 3,5%.)

Para Oertel, no entanto, mais importante do que a porcentagem de aumento salarial que os metalúrgi- cos deverão negociar no próximo ano, é estreitar ao máximo a diferença de sa- lários entre os trabalhado- res do Leste e do Oeste da Alemanha reunificada. Dos 3,6 milhões de associados da IG Metall, 1 milhão tra- balha na ex-República De- mocrática Alemã e ganha, em média, menos da meta- de do que seus colegas do lado Oeste.

No ano passado, a IG Me- tall negociou seu primeiro contrato do lado oriental. Ficou acertado, então, que a equiparação salarial se- ria feita aos poucos, com salários iguais para os dois lados a partir de 1994. "Mas mesmo esse contrato está sendo criticado. Nos- sos críticos dizem que os aumentos salariais devem estar relacionados a au- mentos de produtividade. Isso não podemos aceitar porque vivemos uma situa- ção especial", diz Oertel. Ele afirma que em muitas cidades, dos cinco novos es- tados, o custo de vida já es- tá aumentando e os traba- lhadores precisam ganhar mais.

Além disso, continua ele, a diferença salarial está provocando mudanças sig- nificativas no mercado de trabalho, com efeitos nega- tivos sobre o nível já con- quistado pelo trabalhador do ocidente. Calcula-se que

cerca de meio milhão de alemães orientais estejam trabalhando no lado oci- dental e recebendo um sa- lário menor do que um ale- mão ocidental exercendo a mesma função. "É um sa- lário inferior, mas ainda mais do que recebia antes. Por isso eles vêm."

Por se tratar de uma "si- tuação especial", defende a IG Metall, o governo e o setor privado não devem tentar buscar soluções ape- nas aplicando as leis de mercado. "Os democratas cristãos (partido do chan- celer Helmut Kohl) têm de reconhecer que o mercado não tem condições de resol- ver isso. As idéias de Lud- wig Erhard não funcionam neste caso", observa Oer- tal, referindo-se ao profes- sor de economia, ministro das Finanças e chanceler que, no período pós- Segunda Guerra Mundial, foi responsável pela recu- peração e crescimento da economia alemã.

A IG Metall critica em especial a maneira pela qual o governo está tratan- do a questão das empresas localizadas na ex-RDA, cu- jo destino está sendo traça- do pela Treuhand, agência oficial que administra a privatização de cerca de 7 mil empresas. "Privatizar apenas não é suficiente pa- ra manter a produção in- dustrial nos novos estados. É preciso haver uma com- binação que ajude a rees- truturar a economia", diz Oertel. A IG MetaU está propondo que seja criada uma empresa "holding", a Treuhand Industry Hol- ding, cujos acionistas se-

riam divididos em três gru- pos: a própria Treuhand, os trabalhadores das em- presas alemãs orientais e "os contribuintes que estão financiando a unificação". Há poucos meses, o chan- celer Kohl, que no ano pas- sado havia prometido não elevar impostos em função da unificação, decretou au- mento nas taxas para co- brir parte dos gastos nesse processo. "Nos próximos meses estaremos conver- sando isso com o governo", diz Oertel, com a tranqüili- dade e determinação de quem pertence a uma enti- dade poderosa.

Não é apenas o número de associados ou o tamanho da sede da IG Metall que impressiona. Esse sindica- to, que possui em torno de 260 escritórios no país, on- de trabalham 2,8 mil fun- cionários, também é pode- roso financeiramente.

Cada associado contribui com 1% de seu salário bru- to para o caixa do sindica- to. A IG Metall possui 49% das ações do IFG Bank (ou- tro prédio que se destaca na paisagem de Frank- furt), além de uma indús- tria gráfica e uma livraria. Oertel prefere não detalhar o orçamento do sindicato mas informa que a receita anual está perto de 800 mi- lhões de marcos (USJ 470 milhões).

A IG Metall possuía tam- bém uma empresa de cons- trução, a Union Construc- tion Corapany. "Tivemos vendê-la porque estava sendo mal administrada. Os dirigentes investiram mal e os negócios não esta- vam indo bem", explicou

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Oertel. Na época, os jor- nais alemães publicavam notícias sobre corrupção na companhia.

Atualmente, Oertel diz que parte dos recursos está em aplicações financeiras, nos bancos. "Aplicar na bolsa de valores seria mui- to arriscado, mas os juros na Alemanha estão altos e estamos tendo retornos in- teressantes." O volume e disponibilidades da reser- vas financeiras da IG Me- tal! são um ponto funda- mental na sua linha de atuação em negociações salariais. "Temos de estar preparados para enfrentar greves no próximo ano. Quem sabe?" Daí o cuida- do ao falar em detalhes so- bre a situação financeira, que tem um papel estraté- gico na política do sindica- to.

Cada vez que a IG Metall decreta uma greve seus as- sociados recebe um "salá- rio de greve" pago pelo sin- dicato. Também recebem "salário de greve" qual- quer associado que, mesmo não estando participando da paralisação, for impedi-

do ae trabalhar porque sua função depende de mate- rial produzido pelo setor grevista. Para esses dois casos, a IG Metall já de- sembolsou de 1959 a 1987 quase 700 milhões de mar- cos (mais de US$ 410 mi- lhões ao câmbio atual). Somando-se os seguros contra acidentes de traba- lho, ou mesmo acidentes fo- ra do local de trabalho, além de assistência jurídi- ca e pensão para dependen- tes de trabalhadores mor- tos ou incapacitados, a IG Metall pagou aos seus membros pouco mais de 1,8 bilhão de marcos (US| 1,06 bilhão) naquele período.

O próximo ano será ain- da um ano delicado para a economia alemã. "Com re- lação a outros países ainda estaremos vivendo uma si- tuação especial. É difícil dizer, por exemplo, se a previsão do ministro.Mõllc- mann vai se realizar", co- menta Oertel. O ministro da Economia, Jürgen Mõllemann, prevê que a economia nos cinco novos estados deverá crescer 10% em 1992. "Os juros es-

Um século de mobilização por Cynthia Malta

de Frankfurt A história do maior sindicato traba-

lhista do mundo, a IG Metall, começou há cem anos quando era filndada a Fe- deração dos Metalúrgicos Alemães (DMV). Essa federação, aliada à fe- deração dos Metalúrgicos Cristãos, es- tabelecida em 1899, se tornou, no início deste século no mais poderoso sindica- to trabalhista alemão.

Naquela época, no auge do esforço da Alemanha para industrializar-se, os operários chegavam a trabalhar mais de dezesseis horas por dia. A carga de oito horas diárias seria estabelecida no inicio dos anos 20 e foi considerada uma das grandes vitórias do movimen- to sindicalista alemão.

No ano passado a IG Metall comemo- rou outra vitória: a carga horária se- manal está sendo reduzida de 37 horas (neste ano e no próximo), para 36 em 1993 e 35 horas em 1995. "Lutamos du- rante mais de 10 anos e finalmente con-

seguimos", diz o vice-diretor do Depar- tamento de Comunicação da IG Metall, Martin Oertel, acrescentando "se o operário trabalha menos horas, mais empregos podem ser criados".

A IG Metall neste ano começou outra "batalha". Desta vez na Justiça ale- mã. O sindicato está reivindicando a posse de velhos prédios localizados na antiga Alemanha Oriental, que ser- viam de escritórios ao sindicato dos metalúrgicos antes da reunificação. São 35 escritórios situados nos 5 novos Estados, cuja administração está sen- do feita pela Treuhand, agência do go- verno alemão responsável pela privati- zação ou extinção de cerca de 7 mil em- presas.

"A Treuhand alega que como os sin- dicatos foram dissolvidos e, portanto, como não existem, ela tomaria conta de suas instalações. Por isso, estamos pagando aluguel desses edifícios. Mas não concordamos e estamos com o ca- so na Justiça".

tão suDinao, os preços es- tão subindo e o governo es- tá precisando tomar di- nheiro emprestado. "Mas de uma coisa temos certe-

za: as companhias alemãs estão lucrando com a unifi- cação e nós vamos lucrar também." •

ISTOÉ SENHOR/1152-23/10/91

A democracia do giz Minas Gerais adota as eleições diretas para a escolha dos diretores de escolas

Exercer o cargo de diretor de escolas da rede estadual de ensino, em Minas Gerais, exige, desde o domingo, 13, um atributo es- pecial: o de ser aprovado no teste das umas. Esta saudável prática democrática - a das eleições diretas - incorporada, agora oficial- mente, à escolha dos dirigentes das unidades de 1" e 2'-' graus atende a uma antiga reivindi- cação dos professores, insatisfeitos com as velhas formas clientelistas de fazer política, ainda que à custa da educação. Inovadora em relação ao que é aceito em outras regiões do País, a fórmula mineira inclui também um concurso interno antecedendo o voto. Os can- didatos a diretores submeteram-se no do- mingo a uma rigorosa prova de múltipla es- colha onde se pretende avaliar sua capacida- de de resposta diante das diversas situações pedagógicas ou administrativas no dia-a-dia de uma escola Assim, os três primeiros co- locados no exame escrito poderão se habilitar a participar das eleições diretas marcadas para o dia 24 de novembro.

"O processo combina mérito, aptidão para a liderança e a participação da comunidade", afirma o secretário da Educação de Minas,

Walfrido Mares Guia. Seu otimismo é com- partilhado com os professores, como Ana Maria da Fonseca Carvalho, uma das seis candidatas da Escola Estadual Barão de Macaúbas, situada entre as mais tradicionais de Belo Horizonte. Ela pensa que o processo vai acabar com muitos vícios e proporcionará também uma oportunidade a todo o quadro de professores. Embora defensor das eleições

diretas para o posto de diretor sem o concurso prévio, o Sindicato Único dos Trabalhadores do Ensino(Sindiute)apóiaonovo processo de escolha lembrando que se trata de um avanço em relação às indicações políticas. "O pro- cesso reduz o autoritarismo e estimula a par- ticipação", avalia Antônio Roberto Lambertucci, secretário-geral da entidade.

Cerca de 15.800 candidatos disputam a direção de 4.710 escolas em 723 municípios. O resultado da primeira fase será apresentado alguns dias antes das eleições diretas. Os três primeiros aprovados poderão, então, levar suas propostas ao eleitorado composto por pais, alunos maiores de 16 anos e funcionários das escolas. De acordo com o sistema implan-

tado, o voto é paritário - assim o voto de pais e alunos terá um peso de 50% enquanto profes- sores e servidores fi- cam com os demais 50%, de forma que uma parte não se sobrepo- nha à outra. Elaborada pela Universidade Fe- deral de Minas Gerais, aprova vale 120pontos e a avaliação de títulos vale até 30 pontos. Para ser aprovado, o candi- dato terá de atingir um mínimo de 90 pontos.

Adotada pelo go- vernador Hélio Garcia

em 1986, durante seu primeiro mandato, a idéia não pôde ser concretizada por causa de um veto da^ Assembléia Legislativa. Desta vez, o projeto foi aprovado por unanimidade, conquistando o apoio dos dez parlamentares do Partido dos Trabalhadores, que retiraram um substitutivo onde se previa a eleição direta sem concurso. Em raras cidades não surgiram candidatos, havendo até mesmo o caso de 15 postulantes para um único cargo de direção Ao dar um exemplo de autonomia das escolas públicas, o sistema mineiro tem despertado curiosidade em outros Estados. As autorida- des educacionais do governo do Tocantins, por exemplo, pretendem implantar um siste- ma semelhante ao mineiro, convictos de .que diretor eleito, com mandato renovável a cada três anos, será mais competente e zeloso da qualidade do ensino. •

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Quinzena Trabalhadores AGRIcultura Alternativa Outubro 91

Movimentos populares: articulação nacional

Nos dias 18, 19 e 20 de outubro será realizada a II

Plenária Nacional dos Movimentos Populares, em São Bernardo do Campo,

São Paulo. O AGRIcuhura Alternativa, aprofundando

o debate sobre a Pró- Central reuniu várias pes- soas para ampliar o debate

sobre a criação da Pró- Central de Movimentos Populares. Participou

desse debate Zé Albino de Melo, Antonia Puerto

Gimenez, da Coordenação Nacional da Pró-Centml,

Luiz Henrique Cunha, economista e membro do

Diretório Regional do Par- tido dos Trabalhadores-

MG e Herbert de Souza, o Betinho, sociólogo,

secretário executivo do IBASE.

AGRIcultura - Qual a importância da cnaçáo de Pró-Central na atual conjuntu ra?

Zé Albino - Para iniciar o debate vou fazer um histórico da Pró-Central. Em agosto de 1989, foi realizado o 8o Encontro Nacional da ANAMPOS em Belo Honzonte, Minas Gerais. Uma das decisões importantes foi a de tirar uma comissão para encaminhar as resoluções aprovadas. A partir de fevereiro de 90 esta comissão deflagrou o processo de construção da Central. Convocou um seminário no Instituto Cajamar com lideranças dos movimentos populares de vános estados e vános municípios, onde, com cntnos bem discutidos, buscaram um nível de discussão aprofundado e a escolha dos delegados para participar das

Plenárias Estaduais. Finalmente nos dias 24, 25 e 26 de agosto de 1990, aconteceu a realização da 1* Plenária Nacional dos Movimentos Populares em Brasília. Esta Plenária se destacou pela presença maciça de delegados representantes dos movimentos populares, representando 18 estados, com mais de 4000 pessoas entre delegados, observadores e convidados. Foi aprovada como data indicativa o Congresso Nacional de fundação da Central em julho de 1992 e uma 2* Plenária Nacional em outubro de 91. Nessa 2* Plenária terá como objetivo avaliar o processo de preparação do Congresso e as providências e tarefas assumidas pela executiva e pelos movimentos e entidades.

Antonia - A organização de diversas lutas populares no nível estadual e nacional, que se observa principalmente a partir de 1985, cresceu muito no Brasil. De lutas e organizações localizadas, restritas a objetivos mais imediatos, surgem o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra, o Movimento Ecológico, o Movimento Negro, e de Moradia e a proposta de criação de uma Central de Movimentos Populares. Esta última tem sido fator de polêmica quanto a sua pertinência e enquanto proposta que visa a articulação e unificação das lutas populares. Porém não há nada pronto. O que se tem são indicações resultantes do processo de discussão. Indicações que serão aprofundadas na II Plenária Nacional. Concretamente o que há e a proposta de criação de uma central, a partir de um amplo debate. Pensar a articulação das lutas a partir de uma Central, não significa necessariamente estar criando um organismo de direção ao grande elenco de organizações populares existentes, mas fundamente buscar eixos e bandeiras de luta, que unifiquem e fortaleçam as ações

que desenvolvem.

Betinho - A minha primeira intervenção é lembrar que o adjetivo popular não expressa necessária e automaticamente o substantivo democracia. Muitos movimento e organizações populares podem representa interesses e proposta conservadoras e autoritárias. O Brasil está cheio desses exemplos. O movimento popular também é atravessado pelas contradições de classe de projetos de sociedade que disputam hegemonia em nosso mundo è país. Por isso mesmo, a questão de democracia é a referência fundamental tanto para se discutir a relação Movimentos e Partidos, como para se pensar a própria existência e articulação desses movimentos. Sem o norte de uma sociedade igualitária, libertária, democrática todo caminho é sem rumo.

Zé Albino - A Pró-Caitral propõe a articulação a nível nacional dos movimentos populares, através de uma Central Popular. Com pautas específicas mas um só objetivo - que é mudar a conjuntura do naí<: e construir algo novo -, os movimentos terão maior força política e um interlocutor a nível nacional. A maioria dos movimentos populares tem uma atuação localizada, e caráter reivindicatóna. Mas não basta reivindicar, é preciso apresentar política alternativa para o governo - que não tem nenhuma política para moradia, educação, saúde, transporte. A qualidade, aí, é outra: alguém tomou consciência da sua situação, exige seus direitos e ainda apresenta uma política alternativa para aquela determinada situação. O Movimento de Moradia, por exemplo, tem hoje uma proposta concreta: o Fundo Nacional de Moradia Popular, que seria gerido e administrado pelo próprio Movimento, em conjunto com outras entidades.

Luiz Henrique - A criação de uma Central de Movimentos Populares - prevista para 1992 -

poderá de fato potencializar a capacidade política e organizadva do Movimento Popular, credenciando-se como sua principal entidade representativa? Ou estaremos criando uma casa começado pelo teto? A proposta de criação da Central já é bem antiga no Movimento Popular e ganhou a simpatia e o concurso

militantes de múmero ativista em todo o país. Este apoio se explica pela inegável necessidade de articulação das lutas populares, hoje dispersas e viciadas pela praga do corporadvismo. A questão que coloco, no entanto, é se já há acumulo político (objetivo e subjetivo) capaz de sustentar a centralização do movimento nos termos da proposta da Central. Se não há - como é minha opinião -, qual o melhor processo para que uma articulação nacional dos movimentos se torne realidade no Brasil? Penso que as lutas populares nacionais em curso - como a da moradia, ou dos movimentos de saúde - só o melhor caminho para que o movimento leste sua capacidade política e organizadva de unificação. Não se conseguirá, a meu ver, nenhuma solidez organizadva de unificação. Não se conseguirá, a meu ver, nenhuma solidez organizadva do movimento sem um consenso de seus participantes sobre os objetivos políticos que o move. O que significa um consenso sobre um Programa de Luta e, por extensão, um Programa Alternativo de Governo. Porque o movimento (por seus ativistas conscientes) precisa esclarecer seus objetivos estratégicos? Queremos apenas uma melhoria nas terríveis condições de vida dos trabalhadores ou, além disso, queremos o triunfo do poder popular? Se se trata deste último, então, há um longo caminho a percorrer até a constituição de uma organização nacional.

Antonia - A proposta de criação de uma Central de Movimentos Populares vem sendo encaminhada a nível nacional por uma coordenação composta por representantes de 10 estados. O entendimento da Pró-Central sobre quais organizações estariam integrando esta proposta de Central de Movimentos Populares é de que são organizações e movimentos populares de natureza autônoma e que lutam pela conquista e defesa de direitos, ou seja, a cidadania plena. Por organizações e movimentos autônomos entende-se aqueles que têm o poder de decisão no próprio movimento, condição essencial para constituírem um centro real de poder capaz de definir seu próprio rumo e interferir no ramo do Estado e da sociedade. Movimentos como sindical, as

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Quinzena Trabalhadores pastorais ligadas às Igrejas e outros devem ter uma relação de complemento, de soma, considerando as possíveis lutas comuns. Incorpore-se a Pró-Central no direito a ter direitos e na articulação das lutas do nível locai ao nacional. A proposta da Central surgiu de vános encontros que mobilizaram centenas de pessoas, quando da atuação da ANAMPOS e, mais recentemente, da Coordenação da Pró-Central, visando a articulação e unificação de lutas. E, ainda, buscando construir uma referência de representação nacional dos diversos movimentos existentes e ser eixo de lutas para, estrategicamente, enfrentar o Estado burguês, que historicamente tem mantido a classe trabalhadora à margem de uma cidadania real e de fato. O isolamento dos movimentos populares facilita a ação cooptadora do Estado e os desloca de seus objetivos transformando-os, na maioria das vezes, em agências governamentais e não em representações da sociedade civil.

Zé Albino - Reforçando isto que Antoma colocou, vou dar um exemplo como é importante esta unificação de lutas. A Jornada Nacional de Luta pela Terra Campo-Cidade, em julho, não só articulou as entidades que promoveram - Movimento dos Trabalhadores Sem-Terra, o Departamento Rural da CUT e a Coordenação Nacional de Luta pela Moradia, em conjunto com a Pró-Central -, como também outras entidades e movimentos solidários com a questão da terra, e aconteceram ocupações e manifestações por todo o Brasil, na mesma semana. Já a 1 * Caravana de Movimentos Populares e Brasflia vai reunir numa mesma data, em novembro, diversos movimentos com pautas específicas mas com um único objetivo, de exigir do governo uma política que atenda suas reivindicações, e essas pautas terão sido discutidas por todos os movimentos. O mais político nessa Caravana, assim, 6 que o fato de irmos numa mesma data promove uma integração efetiva dos movimentos, criando uma foiça nacional

Betinho - A minha indagação sobre a conveniência ou não de criar uma Central de Movimentos Populares no Brasil tem vários enfoques. Vou tentar enumerar algumas delas: A especificidade dos movimentos populares está.

portanto, na sua diversidade e na sua autonomia era relação aos partidos e ao Estado. O movimento popular é o campo do plural, do diverso e a condição democrática de seu desenvolvimento é a autonomia. Nessa sentido pode-se perguntar se a criação de uma central de movimentos populares não terá como conseqüência prática a negação daquilo que constitui exatamente a riqueza e a condição de existência dos movimentos da sociedade civil, não tanto pelo fato de se querer articular movimentos, mas de pretendo1 ter uma articulação central (que tenderá a se propor também única) que tenderá a homogeneizar e a universalizar o diverso em nome da identidade, plural em nome do único. É de se perguntar também se uma articulação central de movimentos não se transformará também, naturalmente, em uma função própria de um partido político. Parece ser impossível em um país como o Brasil, onde os partidos ainda não se ligaram efetivamente aos movimentos da sociedade civil, reunir centenas de milhares de organizadores populares sem expressar politicamente esta reunião.

Zé Albino - O debate sobre a criação da Pró-Central tem sido muito rico. Também na discussão com o Movimento Sindical, a perspectiva é de trabalho conjunto. Isto está acontecendo em relação ao projeto "De olho no Fundo", lançado pela CUT, que trabalha a questão do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço, e já foi introduzido nas nossas plenárias. Se por um lado a Central Sindical reúne trabalhadores empregados, a Central Popular quer organizar os trabalhadores desempregados e autônomos, entre outras pessoas que não estão no mercado forma] de Trabalho. Outro ponto importante que está sendo discutindo é como manter uma Central Popular que, diferentemente do Movimento Sindical não tem fonte de renda.

Luiz Henrique - Nesse processo de solidariedade militante, construindo-se eixos fundamentais da luta, aprendendo a confiar um no outro, independente das origens política, a melhor conformação do que deva ser a unificação nacional do movimento irá se desenhando. Por isso, me parece equivocada a proposta de se chamar u Congresso agora (ano

que vem) para fundar uma Central de Movimentos Populares, ainda que se insista que se trata de uma proposta de centralização das lutas, não de movimentos. Na prática, a proposta da Central já se transformou numa tendência política do movimento, a tendência dos que estão pela Central. E como tal que essa tendência ocupa espaço no movimento e é reconhecida. Não se trata de negar que são justas as razões que fundamentam a a proposta da Central, nem de desconhecer que ela aglutina em vários estados o que há de melhor no movimento popular. Trata-se tão somente de advertir para a precipitação da proposta quando sequer existem experiências consolidadas de articulações de lutas e/ou movimentos no nível nacional ou municipal. Caso a Central venha a ser criada nas condições atuais do movimento, o problema da unificação deste, continuará subsistindo, porque a necessidade de elevação do movimento a um patamar superior não é uma questão meramente organizativa, mas fundamentalmente uma questão de entendimento sobre os eixos fundamentais da luta e a forma de desenvolvê-la.

Zé Albino - A U Plenária Nacional dos Movimentos Populares deverá confirmar a indicação do Congresso Nacional de fundação da Central Popular, continuando o processo de sua construção no País. As plenárias estaduais que antecederam e prepararam a Nacional tiveram debates muitos ricos, no sentido de discutir a articulação nacional dos movimentos populares e a

importância de ter uma instância onde seja possível elaborar políticas nacionais. O movimento popular começa a construir seu rosto nacional, e começa a se configurar como força política capaz de dar sua contribuição na construção de uma sociedade democrática. Mas, para isto, tem que estar organizado a nível nacional, porque só então terá seu interlocutor, alguém que o represente a nível nacional, que fale por ele.

Betinho - Parece ser impossível articular esses mesmos movimentos sem expressar politicamente essa articulação e a expressão política de um conjunto de movimentos populares acabará

por se transformar na representação política daquilo que se estará pretendendo 'apenas* articular. O que começa como articulação e em nome dessa articulação. Não se pretende com esse argumento negar a necessidade da articulação dos movimentos populares, ela vem se dando e continuará o seu caminho. O que se questiona e discute é a sua forma central, única. O que se questiona é a unicidade e nisso poderíamos até encontrar analogia na discussão da pluralidade e unicidade sindicais.

Antonia - Pensar a articulação das lutas a partir de uma Central, não significa necessariamente estar criando um organismo de direção ao grande elenco de organizações populares existentes, mas fundamentalmente buscar eixos e bandeiras de luta, que unifiquem e fortaleçam as ações que desenvolvem. Não seria este o fato que fez surgir alguns movimentos no nível nacional? As lutas populares organizadas nacionalmente não seriam uma manifestação real de que os grandes problemas político-sociais estão postos a todos, passando suas respostas e saídas, alternativas e populares, pela pressão e...? A motivação para articular as lutas de diversos movimentos não se limita a abrangência e ao alcance dos problemas ou à estrutura de funcionamento do Estado, mas a força organizativa, mobilizadora e de pressão política, que podem adquirir no processo das mudanças estruturais. A amplítudte de uma proposta como esa - criação de uma Central de

Movimentos Populares - baseada em princípios democráticos, plural, autônoma, participativa, cora voz, ação e decisão desde as bases das organizações, pode contribuir para trazer as lutas populares da micro à macro polítjpa, influindo nos rumos das transformações que ocorrem nas sociedades modernas.

Betinho - Creio ser legítimo nos perguntar se a criação de uma central de articulação de movimentos populares não vai na contramão do processo de fortalecimento dos partidos políticos e da institucionalização da democracia em nosso país, que poderá representar um ^^

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Quinzena Trabalhadores retrocesso que pede mais autonomia dos movimentos sociais, mais desenvolvimento da sociedade civil, maior articulação dos partidos com os movimentos sociais, maior subordinação do Estado aos partidos e a sociedade civil, maior desenvolvimento de uma cultura democrática que cultive o diverso e desconfie da unanimidade e da centralidade. Os movimentos populares sabem encontrar e têm encontrado mil formas de se articularem a nível Tocai, regional e nacional, mantendo sua autonomia e rejeitando todo. tipo de instrumentalização partidária que se faz ou se tenta fazer seu nome. Constituir uma Central pode ser constituir um partido não pelo fato de pretender articular o diverso mas pelo

fato de, sendo uma Central, ver-se automaticamente tentada a constituir-se em sua única representação, unificando para esse efeito o que de fato é diverso, eliminando a autonomia do que existe e se desenvolve exatamente através dela.

Antônia - Uma organização nacional que se constitua em uma referência de representação, de leitura da realidade geral e específica dos movimentos, sem dúvida será um instrumento de superação do isolamento das lutas e de desmascaramento da ação cooptadora do Estado. Poderá institucionalizar-se perante a sociedade como uma ação coletiva de diversas organizações, que avancem na

conquista da cidadania plena. Não se pode é trazer ao campo da proposta, a expectativa de solução das complexas questões dos movimentos e sim ter claro que será mais uma forca aliada ao grande projeto de construção de uma sociedade mais justa, mais humana e democrática. Tendo sempre presente que o processo de discussão e ação, criação e desenvolvimento é dependente do estágio político em que se encontram as organizações geradoras de sua existência.

Luiz Henrique - E para finalizar e aqui um princípio é indescartável: o da autonomia. O movimento deve sempre ser educado no princípio da soberania, de andar com as próprias pernas. Dessa maneira,

os trabalhadores saberão avaliar que eventuais medidas institucionais que os beneficiem são resultado não da benevolência dos políticos, mas uma expressão de sua pressão. Esta deve ser uma preocupação permanente do movimento, porquanto, no quadro de avanço, da barbárie capitalista, fazem-se necessárias medidas emerge nciais que tire a maioria dos trabalhadores brasileiros do infortúnio da fome, do desabrigo e do desamparo. A soberania popular é crucial para que os embriões do poder popular possam florescer em toda parte e se impor ao poder burguês, criando um novo Brasil, o Brasil da cidadania plena, o Brasil socialista. #

JORNAL DA CONVERGÊNCIA SOCIALISTA OUT 91

Visita do papa busca recuperar espaço da Igreja Silvia Contíni ■

João Paulo 2° diz que a Igreja deve se preo- cupar com as ques-

tões espirituais, e não po- líticas. Mas desde que se tomou papa, em 1978, fez 53 viagens e visitou mais de cem países, falando (sempre que possível, na língua do país visitado) dos mais diversos proble- mas morais e sociais, e orientando a ação dos pa- dres e das entidades liga- das à Igreja. A sua atuação é, sim, política: a política de uma poderosa organi- zação internacional que se apoia justamente no senti- mento religioso.

Durante séculos, essa organização foi a mais po- derosa de todo o chamado mundo ocidental, a que di- tava a "ordem mundial". Hoje ela se coloca decidi- damente a serviço da "nova ordem" que o impe- rialismo, chefiado pelos Estados Unidos, quer im- por em todo o planeta.

Seitas crescem no Brasil

Para essa "nova ordem mundial", é muito impor-

tante a situação do Brasil, que é o país de maior po- pulação católica. Os jor- nais e revistas destacam que o papa encontra o ca- tolicismo, no Brasil, em si- tuação bastante diferente de onze anos atrás. Não só o número dos que se

jiizem católicos diminuiu (de 89% para 72% da po- pulação, segundo pesqui- sa do Data/olha em várias cidades), mas também crescem a olhos vistos as seitas evangélicas e pente- costais. E qualquer ativista do movimento sindical ou popular sente que dimi- nuiu a atuação das CEBs (Comunidades Eclesiais de Base) e outros organis- mos da Igreja católica.

Uma das razões desse crescimento das seitas têm a ver com o crescimento da miséria em todo o país. As pessoas que sofrem o desemprego, as doenças, as condições de vida cada vez piores, procuram mi- lagres e promessas de sal- vação depois da morte. Assim se aproximam de diferentes religiões - e são vítimas de muitos aprovei- tadores que enriquecem com seus programas de

TV e grandes snows em estádios...

Ataque aos progressistas

Quanto mais os traba- lhadores e povos se mo- bilizam no mundo intei- ro, mais a Igreja católica se torna reacionária. Em lugar da participação nos movimentos sociais, a Igreja de João Paulo 2o

insiste no conformismo, em aceitar a situação PYisrpnre

Como parte dessa atitu- de, o papa tem combatido as correntes "progressis- tas" dentro de sua Igreja. Além de voltar atrás em muitos pontos da chama- da "doutrina social" da Igreja, ele puniu teólogos ligados à Teologia da Li- bertação (como frei Leo- nardo Boff), nomeou caí- deais conservadores e mo- dificou a organização da Igreja no Brasil (por exem- plo, subdividiu a arquidio- cese de São Paulo, dimi- nuindo a influência do progressista Cardeal Ams). Esses setores acabam se dobrando ã autoridade pa- pal, desistindo da pressão dos movimentos sociais, ou se refugiando em te-

mas menos polêmicos, como a ecologia.

Nesse quadro, o papa vem lamentar a "domina- ção econômica" que pro- voca miséria - mas só o que pede para combatê-la é a "boa vontade" dos go- vernos. Falou que é preci- so ter "moralidade admi- nistrativa". E o que pode responder o papa às vinte viúvas de líderes rurais as- sassinados, que foram lhe pedir justiça a reforma agrária?

O papa veio dizer aos bispos brasileiros que re- forma agrária não é pro- blema deles. Que eles deverflrsim, interferir po- liticamente, mas em te- mas "morais" - por exem- plo, contra o divórcio, contra o direito ao abor- to, pela maior censura ã televisão. Chegou até a falar contra a ocupação de terras.

A viagem do papa ao Brasil, como aos outros países, tem um objetivo preciso: contribuir ideolo- gicamente para que a ex- ploração e opressão capi- talistas sejam pacifica- mente aceitas pelos cató- licos. •

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Jornal do Brasil ■ 30.09.91

"O NORTE PRECISA COLOCAR ORDEM NA PRÓPRIA CASA"

Diretor do dentro de Estudos sobre o Brasil Contemporâneo, da Maison des Sciencs de l'Homme, em Paris, o economista Ignacy Sachs, polonês naturalizado francês, é um dos experts mundiais em acodesenvolvimento. Em 1972, participou da primeira

conferência da ONU sobre melo ambiente em Estocolmo. Em Paris, criou e dirigiu até o final dos anos 80 o Centro de Pesquisas sobre a Ecologia e o Desenvolvimento, na

Escola de Altos Estudos em Ciências Sociais. Sachs morou no Brasil por 15 anos nas décadas de 40 e 50 e atualmente acompanha a preparação da Rio-92 como pesquisador ligado ao programa Homem e Biosfera da Unesco. A seu ver está

havendo no Brasil um certo desconhecimento das regras do jogo da Rio-92 - debate sobre procedimentos em detrimento da discussão sobre informações substantivas.

Segundo Sachs, a sociedade civil terá espaço para influenciar as decisões oficiais da Rio-92, pressão necessária para que o mundo todo saia da conferência com

conceitos e práticas sobre desenvolvimento e meio ambiente num patamar acima do atual.

Maísa Lacerda Nazário Qual a importância da Rio-92 em

comparação à conferência da ONU so- bre meio ambiente realizada em Esto- colmo em 1972?

A Rio-92 constitui um passo à frente em relação a Estocolmo. Uma das conquistas de Estocolmo foi mostrar a relação que existe entre o meio ambiente e o desen- volvimento. Este nexo já figura nos termos de referência na conferência do Rio. Pen- so que esta será uma conferência sobre o desenvolvimento com o respeito ao meio ambiente. Estocolmo inovou porque foi a primeira das conferências internacionais organizada em círculos concôntricos: hou- ve a conferência entre governos no Parla- mento sueco, e uma série de conferências públicas, de personalidades de primeiro plano, organizadas pela secretaria. Houve também eventos organizados pelas orga- nizações náo-governamentais credencia- das junto à ONU. E off-off-Broadway aconteceram manifestações organizadas por diferentes grupos. Neste sentido, Es- tocolmo foi um maravilhoso Happening que tomou conta das ruas da cidade, além do recinto da conferência. Acredito que no Rio há condições para que isso aconteça e que haverá mecanismos para que os par- ticipantes da conferência sejam expostos a um certo número de propostas feitas fora dela.

Como deverá se desenrolar a Rio-92? A Rio-92 é uma conferência intergover-

namental sobre meio ambiente e desen- volvimento. Dentro da conferência pro- priamente dita delegações dos governos dos países-membros vâo discutir uma agenda minuciosamente elaborada durante quatro reuniões preparatórias. Não haverá portanto lugar para apresentar as mais va- riadas propostas, como se fosse uma reu- nião da Sociedade Brasileira para o Pro-

gresso da Ciência (SBPC) em escala mundial. Mas haverá lugar fora dela, nos eventos organizados pela sociedade civil com a ajuda das autoridades brasileiras e a simpatia da secretaria da conferência. Creio que se está exagerando a importân- cia do evento em si e subestimando a im- portância do processo de preparação. Fa- ço votos que nas propostas dentro da conferência e fora dela se dê um enorme passo à frente na conscientização da opi- nião pública e dos governos, mas também que se viabilizem formas de cooperação internacional. Seria uma pena tratar a conferência apenas como um grande fogo de artifício.

Quais os textos que podem sair da conferência?

O primeiro documento, que deverá ser assinado pelos chefes de Estado presen- tes é a Carta da Terra, que na visão mais otimista será uma segunda Carta dos Di- reitos Humanos. Ela deverá afirmar o di- reito da humanidade a um planeta não de- vastadora um meio ambiente saudável em solidariedade com as gerações futuras, e o direito ao desenvolvimento. Haverá tam- bém a Agenda 21, um documento muito abrangente que chamará a atenção dos governos e da opinião pública para temas, problemas e propostas institucionais con- siderados prioritários durante todo o pro- cesso. A meu ver, é aí que uma ação or- ganizada da sociedade civil tem as maio- res chances de exercer influência.

Quais os cenários possíveis para es- ta conferência?

Há três possibilidades. Um hiperoti- mista - sem muitas chances - que faria da Rio-92 o evento mais importante da histó- ria das Nações Unidas desde a sua cria- ção, Ele poderá se concretizar se chegar- mos a um consenso sobre a prioridade da

Meio Ambiente problemática do desenvolvimento. E, além disso, se conseguirmos harmonizar os objetivos sociais com a gestão ecologica- mente racional do planeta. No outro extre- mo, há uma perspectiva pessimista onde a retórica predominaria sobre as propostas concretas. Nós cairíamos aí no cenário do filme de Fellini E Ia nave va. Ela vai, mas corre para o desastre.

Por fim, há uma hipótese realista, inter- mediária, onde a Rio-92 serviria ao menos para clariar os desafios, fazer alguns avanços institucionais, colocar os países do norte frente às suas responsabilidades e promover uma cooperação mais efetiva no Sul. A realização deste cenário depen- de do que acontecerá no recinto da confe- rência e sobretudo fora dele, no Brasil e nos outros países. Vale a pena lembrar que em dezembro as ONGs do mundo in- teiro vão se reunir em Paris, a convite do presidente Mitterrand.

Seria bom que as ONGs com vocação desenvolvimentista e as de cunho ecológi- co aproveitassem a oportunidade para chegar a uma posição comum. É indispen- sável que elas compreendam o entrelaça- mento profundo entre as problemáticas do desenvolvimento e da ecologia e não se deixem empurrar para o falso conflito entre estes dois objetivos.

Quais os principais desafios da Rlo-92?

O que importa é o processo desenca- deado pelo evento e a sua continuidade no futuro. O principal desafio é mudar de pa- tamar. Propor medidas concretas para avançar na trilha de um desenvolvimento com um tríplice critério: maior eqüidade social, prudência ecológica e eficiência econômica. É preciso parar de discutir se se quer mais desenvolvimento e menos meio ambiente, ou mais proteção à nature- za e menos desenvolvimento. A ambição é avançar simultaneamente nas duas dire- ções. Obviamente, no centro da preocu- pação está uma finalidade social: como proporcionar hoje, amanhã sempre um sustento digno e sustentável a txlos os passageiros da nave espacial Terra.

Outro desafio é não se deixar envolver por uma discussão cada vez mais esco- lástica, e muitas vezes semântica, sobre o que é o desenvolvimento sustentável ou eco-desenvolvimento. Já sabemos, em grandes linhas, do que se trata. O proble- ma a discutir é como chegar até lá. Definir as estratégias de transição num horizonte de várias décadas.

O Sr. acha que os países do Norte chegarão à Rlo-92 dispostos a abrir mão de seu modelo de desenvolvimento?

Estamos todos embarcados na mesma nave espacial, mas ela não é homogênea. Ela tem pelo menos duas classes: os ca- marotes de luxo e o porão de navio negrei- ro. Chamemos os dois grupos de Norte e Sul. Na minha opinião, o Leste virou o se- gundo Sul. Os problemas são bastante si-

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Quinzena milares, só que o Leste tem dificuldade em admitir devido à sua posição geográfica. É razoável esperar que o Norte chegue à conferência disposto a pôr em ordem a sua própria casa. O problema central é a diminuição do consumo de energia fóssil. Se o efeito estufa é tão perigoso, é preciso agir não só onde os impactos são mais sé- rios, mas também onde há maior flexibili- dade de ação graças à riqueza acumulada e à tecnologia. A capacidade do Norte de avançar neste caminho será a pedra de toque de sua credibilidade frente ao Sul. O segundo problema é a necessidade abso- luta de reverter a direção do presente fluxo de recursos no mundo: do Sul pobre e en-

® dividaoo, para o Norte próspero. Não se pode dissociar qualquer ação de financia- mento e no âmbito do meio ambiente do fato de o sul estar financiando maciça- mente o Norte.

Quais os principais problemas na relação Norte-Sul?

A transferência de tecnologia é um pro- blema extremamente grave. Na maioria dos círcutos do Norte prevalece a opinião de que esta transferência deve ser exclu- sivamente comercial. Por outro lado, 41 países do Terceiro Mundo - inclusive o Brasil - Formularam uma demanda para a transferência não comercial de tecnologia.

BRASIL URGENTE. LULA PRESIDENTE QUESTÀO AGRÁRIA

Meio Ambiente A problemática urbana também promete

ter uma prioridade importante no debate. É preciso frear o êxodo rural, através de formas alternativas de modernização do campo - e não da agricultura. Isto significa analisar novas oportunidades tecnológicas para intensificar o emprego não-agrícola em pequenas aglomerações urbanas nas zonas rurais. Multiplicar os usos dos re- cursos da biomassa agrícola florestal e aquática através de novos padrões de aproveitamento adaptados a cada ecos- sistema e aos contextos culturais. Signifi- ca reconhecer como um valor não só a biodiversidade, mas também a sócio-di- versidade. •

Impactos ambientais O pacote tecnológico que se difun-

diu em certos setores da agricultura brasileira a partir dos anos 60 é inten- sivo em capital e energia. O uso de híbridos e de variedades melhoradas, de alta produtividade, abriu caminho para o consumo em grande escala de adubos químicos e pesticidas, en- quanto a motomecanização e a irriga- ção fora fortemente estimuladas. O modelo, que reforçou a concentração da propriedade, do acesso a recursos financeiros e do aconselhamento téc- nico, resultou no estímulo ás mono- culturas, que hoje ocupam imensa porção do território nacional.

Esse modelo - que põe agricultura em estreita dependência do setor in- dustrial e é poupador de mão-de-obra — nasceu nos países industrializados, em especial os Estados Unidos, e foi trazido para o Terceiro Mundo sob o nome enganoso de 'revolução verde'. A transferência da tecnologia foi feita por institutos internacionais de pes- quisa agronômica, firmas multinacio- nais e organismos bilaterais de pro- moção do desenvolvimento e de 'coo- peração' entre os países do Primeiro Mundo e o governo militar brasileiro.

Nos países de origem o pacote tec- nológico teve efeitos como erosão e poluição, causando desequilíbrios. Nada oue se compare, no entanto, aos danos ecológicos que decorreram da exportação desse modelo para ecos- sistemas distintos (e muitas vezes mais frágeis) por todo o Terceiro Mundo. O regime de chuvas, a composição dos solos, o ciclo hídrico, a insolação, o tipo de fauna e flora e as demais con- dições ambientais dos países tempera- dos — onde a tecnologia foi criada e testada — não se repetem nos trópicos. Os resultados foram arrasadores. No Brasil, gigantescos desmatamentos por queimada e o uso de tratores de estei- ra expuseram solos à erosão causada

pelo vento e a chuva, com a perda, em poucos anos, de imensas áreas aptas para a lavoura. Mudanças climáticas são perceptíveis em várias regiões, ve- rificando-se processos de desertifica- ção até no Rio Grande do Sul. A im- portação de tecnologias inadequadas vem ocasionando problema de salini- zação em solos irrigados, especial- mente no Nordeste.

Nos Últimos 30 anos, o país lite- ralmente queimou parte considerável do seu capital natural. Foram destruí- dos os banhados e campos do Sul, as florestas de araucária do Paraná e de Santa Catarina, a mata atlântica entre São Paulo e Bahia e os cerrados do Centro-Oeste. Agora, chegamos às dltimas fronteiras: Pantanal e Amazô- nia. Dos nossos ecossistemas notá- veis, apenas mangues e restingas não foram destruídos pelo avanço da agri- cultura e da pecuária, mas estão ameaçados por outros agentes, princi- palmente a especulação imobiliária. Foram milhares as espécies eliminadas antes mesmo de serem bem conheci- das. Nesse contexto, as áreas que permanecem pouco acessíveis ou fo- ram mantidas como reservas assumem valor inestimável, como bancos gené- ticos e fontes de conhecimento.

É bem conhecido o processo de fragilização das regiões ocupadas por monoculturas. Numa área qualquer, quanto maior o número de espécies e de ligações entre elas, maior a tendên- cia ao equilíbrio. Ou seja: quanto mais complexos, mais estáveis são os ecos- sistemas. É instável todo o sistema passível de ser globalmente afetado pela variação na quantidade de uma dnica espécie, ou de poucas delas.

A agricultura nada mais é do que o aproveitamento, pelo homem, de es- pécies vegetais adaptadas a ambientes temporários e instáveis: são elas que apresentam crescimento rápido e não

desenvolvem estruturas maciças. Ao derrubar matas para instalar a agricul- tura, o homem remove sistemas bioló- gicos complexos, multiestruturados, extremamente diversificados e está- veis. Coloca em seu lugar sistemas simples e instáveis. Passam a existir algumas espécies onde antes existiam centenas o mesmo milhares. Reduzin- do a diversidade e recobrindo vastas áreas com plantas iguais ou muito se- melhantes entre si (monocultura), o homem favorece a reprodução de certos herbívoros que, enfrentando poucos competidores, tendem a cons- tituir populações numerosas. Ocorrem flutuações drásticas em populações, com o surgimento de pragas capazes de alterar todo o precário equilíbrio e, em muitos casos, destruir as culturas.

Para estabilizar o ecossistema em uma situação tão diferente da que existe na natureza local é preciso in- terferir nele de forma permanente, aplicando muitos insumos e consu- mindo muita energia. O abuso dos métodos químicos de controle simpli- fica ainda mais o sistema e, no mo- mento seguinte, reduz sua estabilida- de, favorecendo novas erupções de pragas, cada vez mais fortes e fre- qüentes. Com o tempo, diminui a efi- cácia do controle químico abusivo. Algumas espécies desenvolvem resis- tência à ação dos agrotóxicos, toman- do pouco eficazes as dosagens até então consideradas normais. A capa- cidade de reprodução das pragas au- menta, pois os níveis populacionais ficam muito baixos e os predadores — em geral, organismos mais complexos — demoram mais a se multiplicar. Por fim, h á o problema da contaminação: os sistemas físicos (atmosfera, solo, águas) tendem a dispersar os produtos tóxicos, mas os sistemas biológicos (organismos vivos) tendem a concen-

.ÍSÍÍ

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Quinzena Meio Ambiente

trá-los. tntrando na seqüência de en- cadeamentos alimentares, os venenos se acumulam nos tecidos e atingem seus maiores níveis quando se chega ao topo de cadeia, que é o próprio homem.

O problema, entre nós, é grave: em 1988, o mercado nacional de agrotó- xicos foi o quarto maior do mundo, atingindo a cifra de 1,1 bilhão de dóla- res. Até hoje as autoridades brasileiras aceitam produtos banidos de outros países; vendem-se, sem restrições, substâncias proibidas; usam-se, fora dos padrões, venenos perigosos. E pouco se conhece sobre as conse-

qüências: acidentes e casos de intoxi- cação são acompanhados de forma as- sistemática; existem apenas pistas — muito preocupantes - sobre os níveis de contaminação de alimentos; falta um centro de referência que defina padrões analíticos aceitos em todo o país. A legislação federal sobre o as- sunto, datada de 1934, só agora está en vias de adaptar-se às mudanças tecnológicas.

Apesar do esforço de técnicos da Embrapa e de algumas instituições estaduais, o pacote tecnológico da agricultura também é para nós, em grande medida, uma 'caixa-preta' que ainda precisamos desvendar. •

Jornal do Brasil - 07.10.91

A saúde como problema ambiental

Geraldo Eulálio do Nascimento e Silva A Declaração de Estocolmo sobre o

Meio Ambiente teve ensejo de salien- tar que para a maioria da humanidade a eliminação da pobreza é mais im- portante do que a defesa do meio am- biente. Em outras palavras, para os países em desenvolvimento a elimina- ção da pobreza, da fome, da insalu- bridade, a falta de teto e de vestimen- tas representam o seu principal objeti- vo.

A Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, criada pela Assembléia Geral das Nações Unidas para avaliar a situação am- biental, chegou à conclusão, em seu Relatório de 1987, que "poucos go- vernos das cidades do mundo em de- senvolvimento... dispõem de poderes, recursos e pessoal treinado, para for- necer-ihes (às suas populações) as ter- ras, os serviços e os sistemas adequa- dos a condições humanas de vida: água potável, saneamento, escolas e transportes. O resultado disso é a pro-

iliferação de assentamentos ilegais de habitações toscas, aglomerações ex*- cessivas e mortalidade desenfreada decorrente de um meio ambiente in- salubre" ("Nosso Futuro Comum", p.266).

A Assembléia Geral, ao convocar a Conferência do Rio de Janeiro, in- cluiu dentre os problemas prioritários em matéria ambiental "a proteção da saüde humana e as melhorias das con- dições de vida". Dando prossegui- mento à questão, o Comitê Preparató- rio da Conferência pediu à Organiza- ção Mundial de Sadde a preparação de estudos com vistas à sua implementa- ção depois da Conferência de junho de 1992.

Como ocorre com todos os proble- mas ambientais, a questão da saúde

não pode ser abordada isoladamente, isto é, não pode ser desvinculada de outras questões como a pobreza, a água potável, o aumento populacional, a poluição da atmosfera, dos rios, dos lagos e dos mares, para citar apenas alguns exemplos. Dentro desta ótica é indispensável vincular o desenvolvi- mento, a degradação do meio am- biente e as suas conseqüências sobre a sadde humana, ou seja, que a sadde humana é ameaçada não só pela falta de desenvolvimento, mas também peio próprio desenvolvimento quando não acompanhado pela adoção de medidas de proteção.

Boas condições de saiubridade de- pendem sobretudo de um meio am- biente sadio. Verifica-se que, ao passo que nos países desenvolvidos quase todas as enfermidades ligadas à má qualidade de vida são raras, nos paí- ses em desenvolvimento a falta de de- senvolvimento e um assustador au- mento populacional, ligados à falta de água potável, de alimentação e de condições de saiubridade, são respon- sáveis pela alta taxa de enfermidades e conseqüentemente de mortes pre- maturas.

A falta de água encanada é a prin- cipal causa do baixo nível de sadde nos países em desenvolvimento junto com a falta de esgotps. Segundo ob- servação de Guilherme Fiúza, a au- sência de esgotos sanitários para mais da metade (65%) da população do país é o mais urgente problema ecoló- gico brasileiro - "a poluição por es- goto é hoje, ao mesmo tempo, a prin- cipal fonte de doenças e de poluição de águas no Brasil". Cita como exem- plo o caso da Baixada Fluminense, com uma população de três milhões de habitantes, onde apenas 20% das resi- dências possuem esgotos.

Mas não é só no Brasil que isto ocorre: os países do Mediterrâneo se viram obrigados a tomar medidas drásticas em decorrência não dos da- nos à saüde, mas também dos prejuí- zos ao turismo. Até há uma década, 90% da água de esgoto era despejada sem tratamento, mas os ültimos dados mostram que países como a França e a Itália estão tomando medidas positi- vas: a Espanha e a Grécia, porém, continuam sendo criticadas.

Embora o desenvolvimento seja considerado um dos fatores mais im- portantes na área da saüde, pode ser o fator de ameaça ao meio ambiente, como no caso da poluição atmosféri- ca, que tem graves conseqüências so- bre o aparelho respiratório. Mesmo reconhecendo os malefícios que cau- sam à saüde humana e os seus efeitos em relação ao efeito estufa, os grandes poluidores da atmosfera — Estados Unidos, Grã-Bretanha, Rüssia Sovié- tica e Japão — relutam em se compro- meter a diminuir substancialmente as emissões de gases de suas industrias e automóveis.

Mas não é só nos países industriali- zados que isto ocorre. No Brasil, Cu- batão-(SP) e Araucária-(PR) apresen- tam precárias condições ambientais e sofrem alta incidência de doenças res- piratórias, o mesmo ocorrendo em Santiago do Chile e na Cidade do México.

Na Polônia, em Zabrze, a incidên- cia de leucemia dobrou em 13 anos, obrigando crianças com menos de 12 anos a se submeterem a dololoras in- jeções na espinha. Na área de Kato- wice, 50% das crianças de 4 anos so- frem de doenças crônicas e, ao atingi- rem 10 anos, 75% necessitam de tra- tamento médico regular. Mas o pior foi o desastre ocorrido em Bhopal, na índia, em 3 de dezembro de 1984, que resultou na morte de 2.500 pessoas, dentre as quais 1.000 crianças.

A educação é fator importante na divulgação de conhecimentos ele- mentares capazes de evitar a meidên- cia de doenças infecciosas e princi- palmente os altos índices de mortali- dade infantil, como no combate à diar- réia, responsável pela morte de mi- lhões de crianças no Terceiro Mundo, em decorrência de alimentos ou água contaminada, a facilmente combatida mediante uma simples reidratação. A educação mateinal, ou seja, a trans- missão de noções eiementaies de hi- giene, é outra solução importante, so- bretudo nos países de assistência mé- dica deficiente.

Infelizmente, as questões ligas à saüde pübüca não têm, na maioria dos países, a atenção que merecem, pois como lembra o sanitarista Sérgio Arouca, "o que fica enterrado no sub-

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solo não dá voto". Embora o quadro seja sombrio, é

necessário salientar que os países em desenvolvimento não estão forçosa- mente fadados a sofrer alto nível de enfermidades e de mortalidade. Antes de mais nada, basta dizer que, embora o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento disponha de recur- sos para a saüde, apenas 7% dos paí- ses em desenvolvimento solicitam re- cursos para fins sanitários.

Mas mesmo com um PIB baixo, é possível, mediante uma política sani-

tária bem dirigida, inverter a situação, e o melhor exemplo neste sentido é dado por Cuba, onde os níveis sanitá- rios são dos mais aitos do mundo e onde a mortalidade infantil é das mais baixas. O próprio Brasil tem dado provas neste sentido nos programas de vacinação, principalmente na erradi- cação da paralisia infantil e de outras enfermidades que antes ceifavam a vi- da de milhares de crianças. •

Geraldo Eulálio do Nascimento e Silva é presi- dente da Sociedade Brasileira de Direito Interna- cional.

Meio Ambiente

Relatório Reservado - í a 8/09/91

Degussa ocupa mercado com equipamento antipoluição

Empresa será a única fornecedora de conversor para 650 mil veículos em 92

Isabel Pacheco Ecologia também é um ótimo negó-

cio. Que o diga a empresa alemã De- gussa que, a partir desta segunda-fei- ra, inicia no Brasil a montagem de catalisadores para a linha 92 de veí- culos da Volkswagen — também alemã - e da Fiat. Única fornecedora do equipamento antipoluente na América Latina, a empresa estima que, já no próximo ano, equipará 650 mil dos 700 mil veículos leves que serão fa- bricados no Brasil.

O diretorda Degussa Roberto Perei- ra não revela o preço final de cada conversor catalítico, mas garante que ficará bem abaixo da média interna- cional de USS 300, pois os metais tra- dicionais foram substituídos por ou- tros menos nobres (ródio e paládio), importados da África do Sul e da União Soviética.

POLÊMICA Na realidade, a vinda da Degussa

para o Brasil representa o desfecho de uma situação no mínimo curiosa: com o uso dos catalisadores, a industria automobilística eleva o preço dos veí- culos e antecipa de 1997 para 1992 (cinco anos, portanto) as metas do Programa de Controle de Poluição do Ar por Veículos Automotores (Pro- conve). O programa estabelece, para 1992, a emissão de 12 gramas de mo-

fnóxid de carbono por quilômetro ro- dado e, para 1997, reduz esse nível para dois gramas por quilômetro.

Na opinião de fontes qualificadas da Petrobrás e da iniciativa privada, tanta antecipação tem justificaftiva no grande e até então inexplorado merca- do brasileiro. Eles afirmaram ao RR que a mudança de alguns padrões.

como a retirada do chumbo e da nafta e a adição de álcool e de catalisadores à gasolina, já seria suficiente para ga- rantir as metas de 1992.

O diretor da Degussa discorda des- se ponto de vista e reforça sua opinião com informações da Companhia de Tecnologia e Saneamento de São Paulo (Cetesb), que atesta a necessi- dade de novas tecnologias para o al- cance das metas do Proconve.

AUTOCRÍTICA Foi a retirada do chumbo tetraetila

da gasolina que, na prática, abriu es- paço para o meganegócio da Degussa no Brasil. Componente que aumenta a octanagem do combustível, mas que é poluidor, ele deixou de ser adicionado a partir do fim de 1989, quando o ál- cool anidro acrescentou a potência necessária Hoje, apenas a refinaria de Manguinhos, responsável por 30% do fornecimento de combustível ao Rio de Janeiro, o utiliza, mas a partir de dezembro sua gasolina também terá chumbo zero.

Dirigentes da Petrobrás que, ao fi- nal da década de 80, decidiram pela retirada do chumbo da gasolina, hoje fazem autocrítica. "A decisão foi um erro", admite um deles, ao reconhecer que esta é uma das questões mais po- lêmicas no setor e que, sem duvida, não se inclui entre as prioridades do país no momento. Mas àquela época - afirmam —, o apelo popular de se ter uma gasolina ümpa de chumbo foi muito forte. Contribuíram, ainda, pressões de industria automobilística e da Cetesb.

O balanço feito agora por essas mesmas fontes é de que a retirada do chumbo acabou, na prática, resultando

em "um dos pouquíssimos negócios, em todo o mundo, com a dimensão do mercado cativo conquistado pela De- gussa". Também a instabilidade no suprimento de álcool traz outra duvida a esses mesmos interlocutores: sem chumbo e, na eventualidade de falta de álcool no próximo ano, como ficará o controle da octanagem da gasolina brasileira?

CARRO ECOLÓGICO Correndo por fora, a Degussa de-

fende seu equipamento como o mais barato em disponibilidade no mercado para combater a poluição ambiental e se prepara para, em 1997, duplicar a atual capacidade instalada (1 milhão de catalisadores/ano). O diretor Ro- berto Pereira lembra que ela atuará sozinha para atender ao Brasil e aos demais países do continente, mas des- caracteriza esse quadro de uma situa- ção de monopólio. "A opção foi a in- dustria automobilística", admite.

Antes que a Degussa se firmasse como única fornecedora, outras tenta- tivas foram feitas, entre Ias a dejoini venture entre a própria empresa edema e a Oxiteno, do grupo Ultra, que fra- cassou depois da concordata da Ceve- kol. Também não teve resultado con- creto a investida da empresa america- na Hengel Hard, em associação com o Banco Real. •

GAZETA MERCANTIL QUT 91

Há riscos ambientais no Mercosul

Evoristo Eduardo de Miranda*

Quais se- rão os im- pactos am- bientais da implantação doMercado Comum do Sul (Merco- sul)?

Ofuscados pelas con- seqüências econômicas des- se importante passo de inte- gração regional, os países participantes esqueceram- se de avaliar seu provável impacto ambiental. Seria es- se novo mercado uma amea- ça para o meio ambiente? Estudos realizados pelo Nú- cleo de Monitoramento Am- biental (NMA), da Embra- pa, tendem a indicar que o Mercosul poderá ser um péssimo negócio para a na- tureza.

Assinado em março deste ano, o Mercosul está sendo implantado em ritmo acele-

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Quinzena W Meto Ambiente

rado e deverá estar definiti- vamente concluído até o fi- nal de 1994. Ele promoverá um enorme espaço econômi- co comum entre Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai e estimulará a complemen- taçâo de setores específicos da econqroia de cada um dos países, ampliando a eficiên- cia e a escala de suas ativi- dades produtivas.

Acostumada a tratados mais declaralórios do que efetivos, a opinião pública dos países-membros obser- va passivamente sua insta- lação, cora exceção do Uru- guai. Ali, o Mercosul é objeto de chamadas a cada hora na televisão: "Uma janela para o futuro!". Trata-se de as- sunto tão popularizado que se pode discuti-lo cora qual- quer chofer de táxi em Mon- tevidéu.

Entusiasmo á parte, dos quase USJ 50 bilhões que re- presenta o Mercosul. Brasil e Argentina respondem por 93% desse total. Hoje, das exportações argentinas para o Brasil, cerca de 60% são de produtos agropecuários. Do Brasil para a Argentina, a agricultura representa me- nos de 8% das exportações. O Mercosul é um grande ne- gócio para o setor industrial e urbano brasileiro.

Para o consumidor brasi- leiro, o Mercosul também é uma ótima noticia. Haverá expansão comprovada era vários ramos da indústria, crescimento do emprego e uma queda relativa nos pre- ços de determinados produ- tos, sobretudo na área de ali- mentos, onde aumentará a oferta e a qualidade. O trigo, a lã, o leite, os queijos e o vi- nho argentinos, por exem- plo, ganham dos nossos era qualidade e preço.

Isso provocara a expansão e a redução de determinados tipos de agricultura. Essas alterações no uso tradicional das terras acarretarão mu- danças ambientais significa- tivas. É provável que o com- plexo cerealeiro e leiteiro da Argentina expanda sua área tradicional era direção ã pampa seca. A intensifica ção da pecuária nessa re giâo trará graves problemas ambientais, podendo-se as sistir até fenômenos de de sertificação.

Complexos hortigranjei ros, hoje inexistentes na pro vincia uruguaia de Colônia estão sendo projetados para o abastecimento de Buenos Aires. Novas bacias leiteiras estão sendo planejadas na fronteira cora o Brasil. As conseqüências ambientais desses projetos, inéditos nes- sas regiões, podem ser de- sastrosas era termos de ero- são e contaminação de solos e água. Notadamente por- que se trata da bacia do rio Uruguai, onde os problemas de uso inadequado das ter- ras já são críticos e a disputa pela água do rio Quarém tem levado a conflitos arma- dos entre agricultores e era torno da nossa fronteira.

Por outro lado, a redução da agricultura pode ser tão nociva ao raeio ambiente quanto sua expansão. Estu-

dos preliminares do NMA mostrara que a agricultura familiar do Rio Grande do Sul, Santa Catarina e Para- ná, sobretudo nas regiões serranas, deverá sofrer um impacto muito forte cora a abertura dos mercados.

Esses pequenos agriculto- res, que produzem ura pouco de tngo, de frutas de clima temperado, de uva para vi- nho e de pecuária de leite, tenderão a ser eliminados. A substituição de culturas pe- renes tradicionais, que pro- tegem o solo em áreas mon- tanhosas, deverá ocorrer em favor de culturas anuais. Também cora conseqüên- cias ambientais negativas: um blead de erosão e pobre- za.

A reconversão dos agricul- tores e de regiões inteiras es- tá na pauta de vários gover- nos, a exemplo do que acon- teceu na Europa com a im- plantação do Mercado Co- mum.

Mas ela deveria con- templar a questão ambien- tal, através de instrumentos de planejamento e ordena- ção territorial. Mudanças no uso das terras, regressões e expansões progressivas da agricultura deveriam ter seus impactos ambientais monitorados por programas nacionais e multinacionais. A troca de informações de- veria ser ampliada, no cam- po ambientai, entre as insti- tuições governamentais e não governamentais, sobre- tudo na bacia do Prata e nas áreas de fronteira agrícola do Paraguai e do Centro- Oeste brasileiro.

Grupos de trabalho do go- verno na área da agricultura estão começando a delinear estratégias para minimizar impactos SQcio-econômicQS negativos do Mercosul. Quanto aos ambientais, pa- rece que ninguém sequer pensou que possam existir. Aparentemente, nem o Mi- nistério da Integração ou do Mercosul, nem os ambienta- listas, nem a Secretaria Na- cional de Meio Ambiente, ocupados que andara cora a ECÒ-92, se maoifestarara sobre o tema.

Mas no Brasil, às vezes, é preferível o silêncio do que ouvir alguém pedir ura Ri- ma do Mercosul. Seguindo a velha tradição nacional, pa- rece que será melhor reme- diar que prevenir. Tomara não cheguemos na fase de ações paliativas para pro- blemas ambientais que se tomarão, sem necessidade, crônicos e permanentes. Quase tudo, era termos de impactos negativos, pode ser evitado a tempo no Mer- cosul.

Mais que isso. O Mer- cosul é uma oportunidade para que toda a bacia do Pa- raná, Paraguai e rio da Pra- ta possa ser planejada — em conjunto — em termos de meio ambiente, a exemplo do que já se faz no campo energético. As legislações ambientais, os padrões de qualidade dos alimentos e o uso de insumos — como ana- bolizantes e pesticidas — po-

derão ser baseados no que cada pais tem de melhor nesse campo. Urge ura pla- nejamento que se traduza era ordenação territorial concertada entre os países- raembros e acompanhada por uma rede específica de informação e monitoramen- to ambiental.

A bacia do Prata pode ser um excelente ponto de parti- da. Basta começar. •

* Doutor em Ecologio, pro- fessor do USP e chefe do Nú- cleo de Monitoromenlo Am- biental do Empresa Brasileiro de Pesquisa Agropecuária (Embrapo).

Economia GAZETA MERCANTIL 9.10.91

A nova ordem mundial

da Tire Economist

A situação geopolitica foi decisivamente alterada pe- las vitórias conquistadas pelas democracias na Guerra do Golfo Pérsico e na Guerra Fria. Decisiva- mente, mas não completa- mente: a guerra civil iu- goslava deixou claro que há limites a essa nova or- dem mundial. Os vitoriosos precisam agora encontrar respostas para novas e de- sagradáveis perguntas.

Antes da hora da verdade no mis passado em Mos- cou, George Bush sentiu-se tentado a colocar a pasta rotulada de Nova Ordera Mundial no arquivo. Se isso for verdade, ele já pode reabrir a pasta. Depois do fracassado golpe era Mos- cou, uma nova ordem co- meça a tomar forma, inde- pendentemente da poeira

, que continua a levantar o colapso da velha ordem.

Os últimos meses des- truíram o padrão dominan- te nos 45 anos anteriores. Mais importante ainda, o deus fracassado da econo- mia de comando foi final- mente deposto. A Europa Oriental já foi libertada dessa superstição pela re- moção do Exército de ocu- pação que a impunha. A li- beração dos russos e dos demais povos da ex-União Soviética pode agora come- çar de fato. E muitos ou- tros países começaram a remover seu exército inte- lectual de ocupação, ou se- ja, a crença de que Marx estava certo, pelo menos no que dizia respeito à econo- mia.

Esses países podem ago- ra voltar-se para a alterna- tiva capitalista. É bem ver- dade que o capitalismo tem suas variedades: a versão purista, a versão do merca- do social, a versão asiática que considera o pais como uma empresa. Mas sâo de- talhes. O mundo costuma- va ter duas maneiras seria- mente diferentes de tentar- se administrar uma «cono- mia. Atualmente, existe apenas uma.

Nem todos usarão essa revolução. Alguns dirigen- tes do Terceiro Mundo (ou nas ex-repúblicas soviéti- cas) continuarão tentando levar adiante uma econo- mia centralizada, na cren- ça de que isso fortalece seu poder. Alguns países nunca chegarão a juntar os ingre- dientes necessários para fazer funcionar o capitalis- mo. Mas é uma quase cer- teza de que as forças de mercado podem agora expandir-se não apenas na Europa Oriental, mas tam- bém mais profundamente nas economias (já.mais li- beralizadas) da Ásia, da África e da América Lati- na.

A mudança no regime po- lítico não é tão simples, já que a política nunca ofere- ceu opção clara e direta en- tre o comunismo totalitário e a democracia pluralista. Existem também — e con- tinuarão existindo — mal- feitores variados coman- dando antiquadas autocra- cias ou oligarquias, vários candidatos a democratas tentando transplantar e ali- mentar essa delicada plan- tinha em solos mal prepa- rados para ela, vários ter- roristas interessados em enterrar as duas versões mais aceitas e em colocar no poder alguma própria e confusa ideologia. Os con- flitos políticos, internos ou internacionais, também nâo deverão desaparecer — é só lembrar a situação no Oriente Médio — só por- que a Guerra Fria acabou.

Mas até mesmo o ditador antiquado depara-se agora com dificuldades. Ele ago- ra é obrigado a viver num mundo no qual o "micro- chip" e os satélites cons- tantemente transmitem as boas novas da democracia liberal para praticamente todos os cantos do globo. Ele já não pode mais pedir ajuda a uma superpotência ameaçando, caso a ajuda lhe seja negada, apelar pa- ra a outra. E, depois da Guerra do golfo Pérsico, ele sabe que existem limi- tes para as pressões que

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Quinzena

pode fazer sobre países vi- zinhos e sobre seu próprio povo.

A guerra colocou um pon- to final na ilusão de que a difusão das armas não nu- cleares estava colocando alcuns países mais pobres a uma distância menor, mi- litarmcnle, dos países mais ricos. Desde que ele pudes- se esmolar ou comprar os tanques e aviões mais re- centes, um ditador do Ter- ceiro Mundo podia impor- se ao mundo, n8o sem ris- cos, mas impondo riscos inaceitáveis a todos os que ousassem colocar-se no seu caminho As coisas náo sâo assim. A Guerra do golfo Pérsico mostrou que os ápi- ces do poder nâo nuclear continuam sendo o mono- pólio de alguns poucos paí- ses mais avançados; em al- guns casos, apenas dos Es- tados Unidos.

Resumindo, o Ocidente democrático, com seu ad- versário comunista fora de cena, tem agora o comando na maioria dos campos de batalha em potencial. NSo em todos. As guerras nâo sâo travadas unicamente com armas, mas com von- tade política. Os lideres ocidentais — tendo em vis- ta suas reações aos aconte- cimentos na Iugoslávia — nem sempre estarão unidos nas suas metas, e muito menos quanto ao uso da força para poder atingi-las. E mesmo se eles estives- sem unidos, o apoio dos seus eleitores poderia desfazer-se rapidamente se a vitória revelar nao ser rá- pida e relativamente sem derramamento de sangue. Dadas essas importantes e substanciais ressalvas, é certo que o Ocidente tem o poder de vencer quase to- das as batalhas das quais decidir-se a participar.

É claro que muitas pes- soas usarão essa (orça pa- ra encorajar a difusão das idéias do Ocidente. Os dita- dores, argumenta-se, nâo devem mais ter a oportuni- dade de pisotear arrogan- temente os direitos dos seus povos ao mesmo tem- po que insistem em que os demais não se introme- tam; as democracias de- vem assegurar pelo menos lum direito de intervenções ocasionais, para garantir a 'autodeterminação, um mí- nimo de liberdades básicas ie até, acrescentam alguns, tíe cuidados em relação ao tneio ambiente. Essa idéia Contém riscos óbvios. Mas nbleve apoio no mundo de- jrnocrático. junto à direita e ia esquerda. Manobrada com cuidado, poderá ser o pesullado mais importante Hos eventos de 1991.

No entanto, cm meio ao desmoronamento das ver- dades do passado, como uma nova ordem global, re- fletindo novas roalidades. irá emergir? A velha or- dem nâo pode ser substituí-

da com a facilidade com que a antiga sede central do Partido Comunista Polo- nês foi transformada na Bolsa de Ações de Varsó- via. Juntamente com as no- vas oportunidades surgem também algumas questões impalatáveis. Eis quatro delas:

• A multiplicação dos ti- gres: Será que o mundo é capaz de suportar a con- versão de uma grande quantidade de países de um sistema econômico inefi- ciente para outro eficiente? A maior parte das pessoas atualmente assume que os quatro países totalmente li- beralizados da Europa Oriental ex-comunista — Polônia, Hungria, Checos- lováquia e a Alemanha Oriental — irão, no decor- rer dos próximos quinze a vinte anos transformar-se em prósperas economias de mercado. A população total desses países é ligei- ramente maior do que a dos quatro "pequenos ti- gres" asiáticos — Coréia do Sul, Taiwan, Hong Cong e Cingapura. A decolagem econômica desses países terá um efeito pelo menos igualmente grande. Mas a expansão da família dos ti- gres nâo irá parar por aí. Esses (ilhotes já meio cres- cidos terão a companhia de partes da ex-Uniâo Soviéti- ca, de vários outros países do Sudeste Asiático e da América Latina, bem como de partes do Sul da China, e talvez da índia.

Tudo isso causará altera- ção nos padrões de comér- cio do mundo. Os quatro ti- gres do Extremo-Oriente quase quadruplicaram suas participações nas ex- portações mundiais totais no decorrer das duas últi- mas décadas. É bem ver- dade que esses países tam- bém estão absorvendo maiores quantidades de importações. Mas os países dos quais eles compram, nem sempre sâo os mes- mos cujas exportações es- tão prejudicando no restan- te do mundo. Grande parte da indústria norte- americana e européia oci- dental enfrentará dificul- dades — e começará a exi- gir proteção — a nâo ser que se modifique acompa- nhando as mudanças mun- diais.

Os mercados para as matérias-primas e para o capital também serão afe- tados. É bem verdade que as economias de mercado rapidamente passam a usar as matérias-primas de maneira mais comedida ou a encontrar substitutos, quando os preços aumen- tam. Mesmo assim, um mundo cuja produção total de bens está aumentando rapidamente, também ra- pidamente passará a usar mais insumos na sua pro- dução. O mesmo também é válido em relação ao capi-

tal. E verdade que as novas economias de mercado passarão a gerar grande parte do que necessitam. Mas a demanda total, na medida em que muitos paí- ses crescem de (orma si- multânea, poderá ser enor- me. Ou o fornecimento de capital aumenta — signiti- cando que o mundo como um todo terá de poupar mais — ou ocorrerá um au- mento nas taxas reais de juros. E isso acarretará um problema muito grande para os países mais fracos.

Os economistas certa- mente irão explicar que tu- do se acabará equilibrando no (inal; tudo será apenas um desconfortável periodo de transição. Sim, nfio res- ta a menor dúvida, mas es- se período de transição po- derá perdurar por anos, du- rante os quais o desconfor- to poderá ser grande e al- guns dos vencedores deste ano sentirão esse impacto na própria carne. E isso não irá agradar nem um pouco aos seus eleitores.

• Será que os vencedores podem manter-se unidos? O mau-humor resultante poderá complicar ainda mais a segunda questão que o Ocidente deveria es- tar formulando. Será que os grandes vencedores de 1991 — os Estados Unidos, as democracias européias, o Japão — poderão manter- se unidos? A resposta é que eles obviamente podem (a- zer isso, desde que se com- portem de maneira racio- nal; ou seja, se eles sentarem-se e calcularem calmamente onde estão os seus interesses econômi- cos, e o que poderia aconte- cer á política mundial, caso a união não seja mantida. Mas os países, como se sa- be, nâo costumam comportar-se como calcu- ladoras. O temor comparti- lhado da Guerra Fria ser- viu para unir as democra- cias. O desaparecimento desse temor poderá liberar forças irracionais, que pro- vocarão a desunião desses países

Dois cálculos rígidos e objetivos funcionarão a fa- vor da racionalidade. Os Estados Unidos precisam preservar a unidade das democracias, para poder Í£S UJD descontraído execuiivo-cnèfe da nova or- dem mundial. E tanto a Eu- ropa quanto o Japão conti- nuam necessitando do apoio militar norte- americano, para nâo terem de gastar muito mais com a própria defesa. Dois ar- gumentos fortes — mas al- go igualmente forte está puxando as coisas na outra direção.

Basta lembrar o atual impasse nas negociações comerciais do Acordo Ge- ral de Tarifas e Comércio (GATT). Ele não resulta apenas de motivos econô- micos. Uma das principais

Economia

causas é a recusa da Comu- nidade Européia em des- montar a sua política agrí- cola comum. Essa política é uma bobagem econômica e isso está mais do que visí- vel para a enorme maioria não-agrtcola da população da Comunidade Européia. Por que então manter essa política viva? Não apenas por causa da indevida defe- rência dos políticos aos vo- tos do campo, mas porque, no fundo, Isso traça uma li- nha que ajuda a Comunida- de a identificar-se. Isso de- termina uma identidade européia. O mesmo pode ser dito a respeito da Inten- sa relutância do Japão em abrir-se economicamente, de forma total, ao mundo externo. Um comércio realmente livre modifica- ria a tal ponto os hábitos dos japoneses que isso pro- vocaria mudança na ma- neira como eles mesmos se vêem. Ou seja, isso modifi- caria seu senso de identida- de.

Edward Luttwak, um norte-americano que gosta de pesquisar as coisas abaixo da superfície, acha que a competição econômi- ca poderá tomar-se o equi- valente moderno do velho empurra-empurra polltico- militar em busca da supre- macia. "A procura da con- quista de metas adversá- rias com meios econômi- cos", é como ele a define. As decisões econômicas são moldadas não apenas pelos cálculos conscientes de auto-interesse econômi- co, mas também por algo mais obscuro; a vontade de se impor, de se estabele- cer. Essa vontade está par- ticularmente forte, na Eu- ropa em 1991, e poderá tornar-se ainda mais forte, se os europeus concluírem que o colapso soviético per- mitirá que a Europa rompa em segurança os seus laços com a América.

Nesse caso, as negocia- ções do GATT poderão fra- cassar e o suposto sistema mundial de livre comércio poderá deixar de existir. O resultado seria o surgimen- to de três blocos comer- ciais concorrentes, a Euro- pa versus a América ver- sus o Extremo-Oriente O preço econômico seria ele- vado. E como alguns dos recursos naturais se encon- tram principalmente em áreas que sâo terras-de- ninguém entre os três gran- des blocos — o petróleo do golfo Pérsico é um exemplo óbvio —, a competição en- tre os três poderá revelar ser algo mais perigoso do que apenas uma corrida econômica.

• A Implementação da nova ordem: Isso também afetaria a resposta para a nossa terceira pergunta; Até que ponto os triunían- tes pluralistas de 1991 pode- rão contar com a possibili- dade de ser capazes de im- I

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por as regras da nova or- dem mundial — e do siste- ma necessário de imple- mentação — por meio das Nações Unidas?

Isso será bem mais difí- cil do que George Bush e o seu secretário de Estado, James Baker, supõem. Eles parecem acreditar que poderão continuar re- cebendo pelo menos o con- sentimento tácito da ex- Uniâo Soviética (ou da sim- ples Rússia) para o que os Estados Unidos e os seus aliados querem fazer no mundo, e, com esse apoio, a concordância dos chine- ses. Isso é um excesso de otimismo. O consentimento dos russos provavelmente ira depender cada vez mais do que eles irão receber em troca, inclusive somas enormes de ajuda ociden- tal. E se essas ajudas nSo se concretizarem, a coope- ração por parte deles pode- rá começar a deixar de existir. E, se uma Rússia economicamente eficiente eventualmente emergir, seria uma bobagem assu- mir que ela irá considerar- se aliada natural do velho Ocidente. Independente- mente de qual seja a natu- reza da política russa, os interesses nacionais da Rússia nâo serão os mes- mos do Ocidente.

E, se a isto tudo se acres- centar um divórcio entre as principais democracias do mundo atual, se o Grupo dos 7 dividir-se entre os seus componentes euro- peus, da América do Norte e do JapSo, a idéia de um mundo administrado pelo consenso internacional de- saparece, e juntamente qualquer perspectiva de uma intervenção concorda- da para acabar com os pro- blemas mais desagradá- veis do mundo.

• As regras da interven- ção: E isso nos leva à quar- ta questão, a mais polêmi- ca, a mais difícil e possivel- mente também a mais ur- gente de todas. Uma parte da nova situação, muitos acham, será uma mudança no conceito de soberania. As democracias querem desencorajar algumas das coisas piores que aconte- cem dentro das fronteiras nacionais. Como diz Ste- phen Solarz, membro do Congresso norte- americano, um ditador não pode ter permissão para usar o seu país como zona de fogo livre.

O conceito é bem aceito junto aos ultradireitistas dos Estados Unidos e da Europa, porque promove valores ocidentais. E tam- bém não chega a ser impo- pular entre os mais libe- rais: o ex-chanceler ale- mão Willy Brandt já disse que o mundo pode ter o di- reito de entrar nas frontei- ras nacionais tanto para proteger os direitos huma-

nos quanto para impedir desastres ecológicos. Des- de o final da Guerra do Gol- fo Pérsico já ocorreram quatro intervenções oci- dentais pela força, por par- te dos Estados Unidos e da Europa, no Iraque derrota- do, para ajudar os curdos; de forma pacífica, por par- te de diplomatas norte- americanos, para terminar a guerra civil da Etiópia; de forma fraca, pelos moni- tores de cessar-fogo da Co- munidade Européia na Iu- goslávia; e, de maneira fir- me, pelos soldados euro- peus no Zaire.

Essas intervenções, duas militares, duas diplomáti- cas, nos assuntos internos de outros países, foram jus- tificadas. No entanto, essa é uma maneira arriscada de administrar-se o mundo. As democracias não podem continuar se comportando por todos os lados, como se fossem um bando de cava- leiros andantes à procura do virgenzinhas a serem resgatadas e protegidas. Elas terão de elaborar al- gumas regras de auto- restriçôes; até mesmo, se bem que nâo unicamente, porque dentro de um país democrático, a intervenção de A freqüentemente eqüi- vale à agressão de B. Basta lembrar do caso do Vietnã (a guerra em relação à qual, aliás, a expressão "zona de fogo livre" foi in- ventada).,

Uma dessas regras é a de se ter certeza, na medida do humanamente possível, que as pessoas em cujo no- me a intervenção está sen- do ponderada, realmente a desejam. Isso nem sempre é algo auto-evidente. A Co- munidade Européia neces- sitou de longo período de tempo para compreender que a situação enfrentada pelos eslovenos e pelos croatas justificava qual- quer tipo de intervenção na Iugoslávia. Mas, segundo a evidência dos últimos anos, geralmente é possível dizer quando algo de especial- mente desagradável está acontecendo.

Também é necessário, se uma intervenção puder le- var a uma ação ação mili- tar, que se tenha bastante certeza de que os interven- tores poderão vencer. Há um ou dois anos, a maioria das pessoas, lembrando os acontecimentos no Vietnã e no Afeganistão, teriam as- sumido que a intervenção com qualquer coisa aquém de forças e quantidades enormes provavelmente le- varia ao fracasso inevitá- vel. Mas o galope da alta tecnologia em direção á vi- tória na Guerra do Golfo Pérsico fez com que as ex- pectativas se transferis- sem para o outro extremo. No entanto, é preciso lem- brar que esta guerra foi travada em condições pe-

cualíarmente favoráveis. Algumas intervenções fu- turas imagináveis poderão ser bem mais difíceis. As selvas são locais bem me- nos favoráveis do que os desertos para os soldados da alta tecnologia. Uma equipe de guerrilheiros é mais difícil de ser atingida do que uma coluna de tan- ques.

Considerando-se as in- certezas da guerra, uma terceira regra de interven- ção militar seria prudente; mesmo quando o pedido de ainda for mais do aue evi- dente, e mesmo quando os generais afirmarem que o trabalho poderá ser feito, nada deve ser feito a não ser que sirva a um caso cla- ro e demonstrável de auto- interesse. É extremamente triste se os tibetanos estão sendo oprimidos pelos chi- neses, e Isto poderá perfei- tamente justificar algumas sanções econômicas contra a China; mas — mesmo se eles pudessem ser vitorio- sos — isto não justificaria ordens para que paraque- distas saltassem sobre Lhasa.

Dizer isto parece subor- dinar a moral ao puro auto- interesse; e é isto mesmo. Mas também é uma manei- ra de se limitar a quantida- de total das intervenções. As democracias não podem mergulhar num sistema que lhes diga que elas po- dem consertar quaisquer coisinhas que lhes desagra- dem no restante do mundo. Isto eqüivaleria a um cami- nho de volta aos tempos dos impérios. Certamente, ne- nhuma das democracias modernas conseguiria um

desempenho muito bom na administração de um impé- rio, e nenhuma delas que têm o poder necessário pa- ra tentar isto possui as cre- denciais que a colocaria a salvo de acusações (por ve- zes justificadas) de que o auto-interesse foi o único motivo para as suas deci- sões.

Uma intervenção justifi- cada necessita de uma víti- ma genuinamente merece- dora a ser resgatada; uma intervenção sensata neces- sita de uma sólida perspec- tiva de sucesso e de um in- teresse próprio a ser servi- do no decorrer do processo. O esforço para a salvação dos curdos pode, por pouco, ter passado nestes testes. Uma intervenção militar na Iugoslávia teria uma boaa causa e provavelmen- te faria com que a Europa s« tomasse mais estável caso fosse bem sucedida. Mas ela provavelmente não funcionaria: os países da Europa Ocidental, mes- mo se tivessem a vontade necessária para isto, não podem empregar a força necessária para impedir que os teimosos iugoslavos continuem brigando entre si, caso insistam nesse comportamento.

As democracias têm mo- tivos de sobra para serem cautelosas enquanto pisam em ovos no caminho da porta que se abriu recente- mente para elas. Se elas fi- zerem as coisas erradas, esta porta certamente se fechará novamente e com estrondo. Mas, se consegui- rem evitar alguns .erros bastante óbvios, realmente estarão ingressando num mundo inteiramente dife- rente. •

GAZETA MERCANTIL 16.10.91

Investimento na América Latina volta à moda

por Stephen Fidler do Financial Times

Por uma década, nunca tantos banqueiros bem ves- tidos saíram de Nova York e Londres rumo à América Latina. Em menos de dois anos, a região deixou de ser o agreste financeiro e vol- tou á moda pela primeira vez desde que irrompeu a terceira crise internacional de divida em 1982.

Os investidores foram atraídos pelas fartas co- lheitas a serem feitas nos mercados de ações e bônus latino-americanos. O mer- cado de ações da Argenti- na, por exemplo, cresceu 291,2% em dólar, desde o começo deste ano. Os bô- nus emitidos pelo México sob um acordo de reestru-

turação de dívida com os bancos estrangeiros em março do ano passado es- l5o entre os mais negocia- dos nos mercados interna- cionais de bônus; propor- cionaram retorno de 65% aos investidores desde que foram emitidos.

Os investidores em "portfólios" estão empol- gados com a América Lati- na em parte devido aos re- tornos elevados em investi- mentos mais convencio- nais. Como os países de lín- gua inglesa estão somente agora emergindo da reces- são e o crescimento desace- lerando em outros lugares, os retornos nas economias industrializadas foram paupérrimos. Isso constitui um forte contraste com os anos 80, quando os investi-

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dores perderam interesse nos chamados mercados em desenvolvimento emer- gentes para perseguir op- ções mais excitantes em países ricos.

O renasci me n t o «#tendeu-se ao investimen- .vp.direto: financiamento de «onstruçâo de fábrica e ins- utaçâo de empresas. Se- gundo a Organúaçâo de Cooperação e Desenvolvi- mento Econômico (OC- pE), os fluxos de recursos à América Latina prove- nientes de todas as fontes privadas aumentaram pa- ra quase.USI 24 bilhões no ano passado, em compara- ção com USJ 15 bilhões em Í989 e apenas USJ 6 bilhões pm 1986. li Essa mudança de senti- mento em relaçio à Améri- fa Latina não é puramente im. reflexo da falt£_de al- ternativas de investimento. Também está ligada a mo- dificações fundamentais na região durante os últimos anos.

Primeiro, a iniciativa de renegociação da dívida fei- ta em 1989 pelo secretário do Tesouro dos Estados Unidos, Nicholas Brady, al- terou o alvo da estratégia de divida internacional. Anteriormente, visava per- mitir que países devedores saíssem de seus problemas através de novos emprésti- mos. Pela primeira vez, a iniciativa previu, que os bancos fizessem conces- sões aos paises devedores para ajudar a afrouxar seus prazos de reembolso.

O México obteve o pri- meiro desses acordos dos bancos, finalizado em mar- ço do ano passado. Repre- sentou o divisor de águas para o país. Embora as concessões fossem modes- tas, produziram a confian- ça dos investidores dentro e fora do pais.

A Iniciativa Brady refle- te uma mudança geral de abordagem dos Estados Unidos, que nâo conside- ram mais a região um campo de batalha da Guer- ra Fria. A política norte- americana na América La- tina (com exceção de Cu- ba) deu mais ênfase nos anos recentes á parceria econômica do que ao matiz político dos governos lati- no-americanos. Em esma- gadora maioria, esses go- vernos sSo agora eleitos e a ditadura militar é uma ra- ridade, em contraste com a situação de uma.-década atrás.

Mais importante para os Investidores foi o enterro do antigo modelo de desen- volvimento econômico do- minado pelo Estado na América Latina, que é qua- se universalmente conside- rado um fracasso.

As empresas estatais es- tão sendo vendidas a inves- tidores privados em todo o continente, as economias

estão sendo abertas ao mundo exterior à medida em que as tarifas de impor- tação sSo reduzidas, os go- vernos fazem esforços sé- rios para manter os déficits fiscais sob controle, e o pa- pel do mercado é reconhe- cido. O clima para investi- mento em muitos países, portanto, melhorou radi- calmente.

A transição está mais avançada no México e no Chile. Rudy Dornbusch, professor de Economia do Instituto de Tecnologia de Massachusetts, afirma: "O México é visto pelo merca- do mundial de capitais co- mo a próxima Espanha. De fato, o México poderá ter desempenho ainda me- lhor".

Pesquisas feitas por ban- cos de investimentos de Wall Street e da City de Londres sobre a região pro- liferaram. Em uma avalia- ção, no mês passado, dos bônus emitidos por países em desenvolvimento, a Sa- lomon Brothers afirmou que os bônus emitidos pelo Chile e México deverão perder em breve seu estig- ma de "títulos de alto ris- co .

Paul Luke, do Chartered WestLB, um banco comer- cial baseado em Londres, declara: "Vê-se uma trans- formação gradual da Amé- rica Latina em uma região de nível adequado para re- ceber investimentos do mundo", A Salomon con- corda: "Acreditamos que o Chile já tem uma boa clas- sificação de risco de crédi- to de investimento" — sig- nificando que seus bônus sSo compras apropriadas para investidores conser- vadores nos Estados Uni- dos —, "enquanto o México está bem próximo atrás; a Venezuela merece menção

nesta categoria. Países menores que conseguiram avanços incluem o Uruguai e a Costa Rica. A Colômbia continua sólida, do ponto de vista econômico".

Ao contrário do México, Venezuela e Chile, nem a Argentina nem o Brasil chegaram a acordo cora os bancos credores. Apesar disso, o dinheiro está en- trando nestes países.

As autoridades brasilei- ras estimam que, nos pri- meiros sete meses do ano, os Ingressos no País totali- zaram US$ 6 bilhões. Gal- culam que até o fim do ano o ingresso de capital soma- rá USJ 10 bilhões-^anto a Argentina como o Brasil conseguiram levantar re- cursos no mercado de euro- bônus. Os fundos estão fluindo para os mercados de ações reduzidos de am- bos os paises na premissa de que, se as economias re- gistrarem uma reativação, os que chegaram cedo apu- rarão grandes lucros.

Um eurobônus para a Ar- gentina lançado no merca- do no mês passado pelo J. P. Morgan, o banco de No- va York, foi recebido com tanto entusiasmo que rapi- damente se expandiu de US$ 100 milhões para US$ 300 milhões. Apesar do cus- to para a Argentina ter stdo elevado, mais de 11% para fundos de um ano, a capta- ção de recursos dessa for- ma teria sido impensável um ano atrás.

O ingresso de investi- mentos está diminuindo as preocupações na América Latina de que as democra- cias emergentes da Europa Oriental desviassem os re- cursos da região. Os inves- tidores institucionais es- trangeiros afirmam que a América Latina oferece um número de vantagens

sobre a Ásia e a Europa Oriental:

• Os regulamentos que li- mitam o investimento es- trangeiro de capital em muitos mercados asiáticos emergentes, como a Coréia do Sul e Formosa — por exemplo, para fundos de país ou bônus conversíveis emitidos por algumas em- presas — não se aplicam em muitos países da Amé- rica Latina.

• Existe também uma variedade de veículos de investimento. Até à dívida bancária que criou a crise de dívida pode ser compra- da e vendida pelos investi- dores — normalmente com descontos expressivos so- bre o valor nominal — em um mercado secundário ativo. O programa de pri- vatização do México, cul- minando na venda do mo- nopólio telefônico, que ar- recadou mais de US$ 2 bi- lhões de mercdos interna- cionais, estimulou o inves- timento estrangeiro de ca- pital e foi seguido por es- tratégias semelhantes em outros lugares da região. As empresas mexicanas estão fazendo fila para se- guir o exemplo de sucessos anteriores em captar fun- dos de capital de mercados estrangeiros; e algumas também emitiram eurobô- nus com sucesso.

• Investidores mais ousa- dos lambem vêm exploran- do mercados de capital da America Latina, mercados que em outras parles do mundo estão freqüente- mente fechados a estran- geiros ou simplesmente não existem, como na Eu- ropa Orienta!

• Muitas economias latino-americanas (e, por- tanto, mercados) apresen- tam outra vantagem sobre a Europa Oriental — o po-

"ARGENTINA, UMA ESTRELA QUE SOBE

lindiceí do IfC, bíteaòo «oi dólares; janeio àt 1987 - 1001

O LUCRO DOS NOVOS MERCADOS

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tenciâl d* rtgrefio de capi- tal que saiu do pais, dinhei- r* fiáaríado no exterior em parte para evitar as políti- cas econômicas destruido- ras de riquezas de sucessi- vos governos.

O capital que escapou do México, estimado no seu auge em US$ 60 bilhões em meados da década de 1980, esti retornando ao pais. Países como a Argentina (embora nâo seja o caso do Brasil, onde a evasSo de capital foi um problema menor) conseqüentemente têm uma enorme reserva de fundos de investimentos em potencial. Seu retorno seria uma prova crucial de confiança na política eco- nômica.

A pesquisa da OCDE de- clara: "As recentes expe- riências mexicanas (e chi- lenas) sugerem que o po- tencial de uso sem obstru- ção de capital enviado ao exterior para financiar ou refinanciar a América La- tina é considerável."

Apesar dos numerosos fatores que atraíram os in- vestidores para a América Latina recentemente, exis- tem os que receiam que a empolgaçao possa fugir do controle.

Os investidores obtive- ram bons resultados no Mé- xico durante os últimos 18 meses. Mas o "status" de boa classificação de risco para o México pode perver- samente tornar mais difícil a venda dos títulos do go- verno mexicano. Alguns in- vestidores, especialmente no mercado de bônus, já perderam interesse nos bô-

nus mexicanos porque sua rentabilidade declinou de- vido à redução do ágio de risco do país e à queda das taxas de juros norte-ameri- canas. Em 1989, um dos primeiros dos novos bônus mexicanos foi lançado no mercado a mais de 90'o so- bre os bônus do Tesouro norte-americano de refe- rência; agora o México capta recursos a 2.50'o so- bre os títulos do Tesouro norte-americano.

"Honestamente penso que nlo estávamos tâo mal e nâo estamos táo bem", afirmou Pedro Aspe., o mi- nistro das Finanças do Mé- xico. Recentemente, o mi- nistro freou os emprésti- mos estrangeiros das em- presas privadas e públicas. Como os bônus mexicanos estão tomando-se um in- vestimento mais seguro e mais monótono, os investi- dores já estão procurando retornos mais empolgantes em outros lugares. Law- rence Brainard, da Gold- man Sachs, o banco de in- vestimento norte-america- no, afirma: "Todos estão procurando o próximo Mé- xico, mas algumas pergun- tas fundamentais estão sendo feitas".

A pergunta central que os investidores devem fa- zer antes de comprar os bô- nus de um governo ou de um órgão governamental, observa Brainard, é se o governo conseguiu contro- lar seu déficit orçamentá- rio. Exceto o México e o Chile, a maioria dos gover- nos fracassou nessa pro- va.

Também permanecem dúvidas profundas sobre os dois gigantes da região: Brasil e Argentina. Os in- vestidores podem estar fa- lando sobre o que é chama- do de "o fim do risco" na Argentina após o atual su- cesso do programa econô- mico do governo. Mas en- quanto ele conseguiu a es- tabilidade econômica Inter- na em apenas seis meses, a reviravolta econômica do México levou oito" anos pa- ra atingir seu atual estágio. O Brasil esti sendo mais conciliador com os bancos credores estrangeiros, mas a inflação está subindo alarmantemente — para o nível previsto de 19% neste mês.

"No México, estamos vendo a recompensa por ol-

econõmica. Na Argentina c no Brasil, é bem diferente As pessoas desses lugares estão praticando jogos de muito curto prazo e nem sempre conseguem salvar suas próprias peles", afir- ma Dornbusch.

O J. P. Morgan estima que GO^b do dinheiro que en- trou no México são recur- sos de curto prazo. O di- nheiro em outros mercados latino-americanos é ainda mais volátil.

Existe também o temor de que esses fundos volá- teis poderão desviar o ru- mo da política econômica. No Brasil, algumas autori- dades acreditam que existe o risco de um colapso do mercado de ações. Isso se- ria visto como provocado por Investidores estrangel-

FOLHA DE S. PAULO 9.10.91

ros. O mercado declinou 13.5% em termos de dólar no último mês, princlpal-

" mente em reação à decisão do governo de adiar a pri- vatização da Usimlnas. embora a desvalorização de 17% do cruzeiro não te- nha ajudado. O fato pode- ria levar a uma reação ad- versa na legislatura brasi- leira, uma Inversão dos passos dados até agora pa- ra melhorar o ambiente pa- ra os Investidores estran- geiros.

Mesmo assim, se a marc de Investimentos mudar, o capital de curto prazo sem- pre será o primeiro a che- gar. Os receios de que ou- tra crise de dívida esteja em formação deverão ser amenizados pelo conheci- mento de que os bancos não estão fazendo empréstimos gigantescos a taxas de juro flutuantes, como fizeram na década de 1970, e que uma grande proporção dos Ingressos é de Investimento de capital.

Enquanto o mundo finan- ceiro estava obcecado com a crise da dívida nos anos 80, os governos na América Latina queixavam-se que seus esforços de ajuste eco- nômico nunca encontra- ram quaisquer benefícios econômicos. Agora, pela primeira vez desde o come- ço dos anos 70 — um perío- do que Incorpora a década da crise de dívida e a déca- da que a provocou —, os In- vestidores provaram que estão dispostos a destinar recursos a países em de- senvolvimento onde vêem que a política econômica é boa. %

Estagflação derruba políticas convencionais

GILSON SCHWARTZ Da equipe de articulistas

A desvalorização do cruzeiro combinada a uma bruta] elevação dos Juros recoloca a economia brasileira na trilha típica dos anos 80. em que a prioridade dada ao entendimento com os credores externos desestrutura o ajuste in- terno. E o cenário conhecido como estagflação, uma espécie de labirinto em que as medidas de política econômica levam sempre a becos sem saída.

A estagnação da economia bra- sileira ocorre porque o cresci- mento coloca em risco a capaci- dade de gerar um excedente ex- portável, fonte de dólares para pagar a dívida externa.

A inflação permanece por três razões: os juros ajlos, a erosão fiscal f o [mp6cto*expansionísfa da troca de dólares dos exporta- dores por cruzeiros, que infla a quantidade de dinheiro em circu- lação.

Já se gastou muito papel e tintg para provar que a economia brasi- leira pode ao mesmo tempo cres- cer e gerar saldos comerciais com que se pague a dívida externa.

Tudo isso é muito bonito na teoria, mas na prática as crises cambiais se sucedem e a inflação dispara ao menor reaquecimento da economia, como ocorreu a partir do segundo trimestre de 1991.

Manter a recessão ajuda a au- mentar o saldo exportador (im-

porta-se menos quando não há mercado consumidor e, pelo mesmo motivo, exporta-se a qualquer custo). Mas a mtlaçao se acelera nessas condições.

Os juros altos usados para con- ter o consumo e combater a especulação pressionam os custos das empresas, levam à redução de prazos e são repassados aos pre- ços. E a chamada inflação de custos.

A recessão que facilita a obten- ção de saldos no comércio exte- rior tem outro efeito inflacioná- río, a erosão fiscal.

Quanto menores o consumo e a produção, menor a arrecadação de impostos.

Juros crescentes e impostos de- climmtes são uma combinação explosiva, que aumenta ao mes- mo tempo a dívida e o déficit do setor público.

Não há reforma fiscal que eli- mine essa erosão da renda nacio- nal que é, afinal, a fonte dos

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impostos. E um déficit crescente é uma notória pressão intlacioná- ria.

Finalmente, o esforço exporta- dor fecha o círculo de fogo em torno da política econômica.

Ao forçar o aumento das espor- tações, o governo precisa trocar os dólares dos exportadores por. cruzeiros. Aumenta a quantidade de dinheiro em circulação, os juros são capitulados para com- pensar o estrago e a ciranda

recomeça.

A economia brasileira gastou a década de oitenta nesse minueto suicida. No início dos noventa o governo Collor ensaia a mesma coreografia. «

Fim do sonho em Volta Redonda

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"Islo aqui cra a cidade de ope- rário. Hoje não é de ninguém". Na banca de camelô com que engorda a aposentadoria de pcâo da Compa- nhia Siderúrgica Nacional (CSN), à beira de um dos viadutos do centro, o mineiro Expedito Gomide da Costa, 63 anos, resume a sensação que tomou conta da Cidade do Aço. Acabou o Eldorado de prosperida- de c tranqüilidade erguido sob as cham inés da CSN desde os anos 40. Os 247 mil habitantes do municí- pio, a 134 quilômetros do Rio, vi- vem o desconforto de um pesadelo marcado pelo desemprego, pobre- za, violência e dúvidas quanto ao futuro.

Dcabrilde90até agora já foram demitidos quatro mil trabalhadores, preparando a estatal para ser priva- tizada - o que deve acontecer no primeiro semestre de 93. As ruas foram tomadas por camelôs, as ven- das no oümdrcio cairam e aumentou a criminalidade. A cidade, de porte médio, mas agora com 136 favelas, saiu do noticiário econômico e ga- nhou as manchetes policiais.

"De cidade que produzia aço c greves, Volta R&donda passou a ci- dade da cocaína c do contrabando

de armas" diz o presidente do Sin- dicato dos Metalúrgicos, Vagner Barcelos, ante as denúncias de que Volta Redonda virou rota do tráfico de drogas, ponto de contrabando de armamentos, teiritório livre de gru- pos de extermínio e paraíso de au- toridades sob suspeita de envolvi- mento em enriquecimento ilícito. Na escalada da violência, 265 pes- soas foram assassinadas em 1990 - mais de um crime a cada dois dias.

O todo-poderoso presidente da CSN, Roberto Procópio de Lima Netto, é considerado o vilão da cri- se econômica da cidade, declarado persona non grata pela Câmara Municipal c arquiinimigo da CUT. Seu orgulho é ter desmobilizado lobbies, quebrado a hegemonia da CUT na Companhia e adotado um método de racionalização produti- va - o Total Quality Control (TQC) - usado nos Estados Unidos c no Japão após a 2' Guerra Mundial. Mas a convalescença da CSN, com produção anual de cinco milhões de toneladas de aço c faturamento cm tomo de Cr$ 500 bilhões, levou a economia da cidade a adoecer de vez. O Sindicato dos Metalúrgicos aponta perdas salariais em tomo de 340%, desde maio de 90. No Sindi-

cato dos Engenheiros, às voltas com a demissão de 163 profissio- nais da siderúrgica nos últimos 17 meses, o diretor Sócrates Lopes Machado acusa Lima Netto de ter enxugado mais de Cr$ 90 bilhões da economia da cidade desde que assumiu o comando da CSN, cm abril de 90. Com poderes de minis- tro da Econom ia sobre a ddade, ele admite sua responsabilidade ante a choradeira que une operários, clas- se média c empresariado. "A Com- panhia não pode quebrar cm prol da comunidade" afirma, defendendo o aperto nos salários c as demissões.

Volta Redonda se despede dos bons tempos desde os anos 70, quando levas de peões atraídos pela ampliação da CSN deram partida à fa velização da cidade. A invasão da siderúrgica pelo Exército cm 88, quando trds operários foram mor- tos, c a morte do sindicalista e pre- feito Juarez Antunes (PDT), em acidente de carro cm 89, são feridas que ainda não cicatrizaram entre a população. O bispo católico, d. Waldir Calhciros, há 25 anos na cidade, resume o sentimento de de- samparo: "O sonho acabou". {Jor- nal do Brasil, 9/10/91) •

FOLHA DE S. PAULO 14.10.91

Arthur Andersen prevê onda de falências Uma pesquisa com 400 empresas mostrou que a maioria não tem sequer condições

DARIO PALHARES Da Reportagem Local

A economia brasileira poderá ser sacudida até o final do ano por uma violenta onda de insol- vència. O alerta foi feito ontem, em São Paulo, pela empresa de auditoria e consultoria Arthur Andersen, com base em pesquisa, de sua autoria, sobre o desempe- nho de um grupo de 400 empre- sas de dez setores nos dois pri- meiros trimestres de 1991.

"Em 27 anos de profissão, nunca vi uma situação tão grave quanto a atual", diz Márcio Orlandi, 47, sócio-diretor. "Os juros elevados e a demanda em baixa poderão provocar, em bre- ve, uma quebradeira de propor- ções, inéditas no país." O dado mais grave, segundo Orlandi, é

que há perspectivas concretas de um número expressivo de falên- cias. Motivo: as empresas, de um modo geral, estão com reduzidos estoques. Não teriam, portanto, garantias suficientes para oferecer a seus credores, caso decidam pedir concordata.

O capital de giro é ainda mais escasso. Segundo a Arthur An- dersen, ele caiu, na média, de dezembro de 89 a junho de 91, de 18% para 0,3% do patrimônio líquido das 400 empresas, que soma US$ 12 bilhões (Cr$ 7,6 trilhões pelo paralelo). Em alguns setores, aliás, o capital de giro já é negativo. E o caso dos fabrican- tes de máquinas e equipamentos. No final do primeiro semestre, a soma de seus bens e créditos a receber no curto prazo corres- pondia a apenas 78,3% de suas

de recorrer à concordata

dívidas de curto prazo (veja tabe- Ia).

"A situação dessas empresas é semelhante à do proprietário de vários apartamentos de US$ 1 milhão sem dinheiro para pagar as taxas de condomínio dos imó- veis", compara Orlandi. Para sair desse aperto, o único cami- nho seria aumentar as margens brutas (lucro bruto/vendas). Se- ria, pois a demanda, que já anda devagar, certamente rejeitaria es- se expediente. Quem pensou o contrário no primeiro semestre, acabou quebrando a cara.

Foi esse o saldo obtido pelo setor metalúrgico. No segundo trimestre do ano, ele aumentou suas vendas em 10% em relação a igual período de 91. De quebra, elevou a margem bruta de 21%, no período de janeiro a março.

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para 23 %, nos três meses seguin- tes. Apesar de todo esse esforço, fechou o segundo trimestre com prejuízo líquido de 12,4% sobre as vendas do período.

"Com raras exceções, os seto- res que aumentaram a produção nu primeiro semestre acabaram colhendo prejuízos", diz Orlandi. Esse fenômeno ocorreu em fun- ção dos elevados custos financei- ros, que engoliram o crescimento das margens e dos volumes. Ou seja, o esforço de vendas custou caro. E nada mudou nos últimos meses. "É impossível remunerar ativos com as atuais taxas de juros", diz Orlandi. "O governo precisa entender que o controle da inflação não pode pode colocar em risco o parque industrial bra- sileiro. Isso é um crime." •

O CAPITAL DE GIRO DESPENCA No mês de junho, em % '

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Móquinas e oquipomentos

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MÉDIA DAS 400 EMPRESAS Capital de giro/ patrimônio líquido, em%

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Relatório Reservado 28 de outubro a 3 de novembro de 199T

Descrédito no cruzeiro cria o 'dólar popular1

Elane Maciel

Enquanto economistas discutem se é ou não possível dolarizar a econo- mia brasileira, o povo parece ter me- nos dúvidas no efeito Orloff a cada dia que passa. As casas de câmbio comprovam: nos últimos dois meses, porteiros, empregados de açougue, vendedores ambulantes e serventes de edifícios têm comparecido aos balcões diariamente para trocar cruzeiros por

dólares. As quantias são muito pequenas 7

5, 10 ou 20 dólares por vez -, o mo- vimento é constante e a clientela cres- ce sempre mais.

Por conta disso, está aumentando também o número de casas de câmbio nos bairros comerciais das grandes ci- dades, para captar cruzeiros dos gran- des e dos pequenos.

O descrédito na moeda nacional e na política econômica é intuitivo: o

movimento nas casas mostra que os pequenos não fazem contas nem espe- ram o melhor momento para fazer ne- gócios. Simplesmente, se têm cruzei- ros no bolso, trocam por dólares. "Quando a moeda estabiliza, hora boa de comprar, o movimento cai. Quando os jornais anunciam grande elevação na cotação do dólar, a loja enche", diz cambista de Ipanema, na Zona Sul do Rio, ressaltando que cliente expe- riente faz exatamente o contrário. •

GAZETA MERCANTIL 5.10.91

/

Dolarização no Brasil, pânico em Washington

Alexandre Gambirosio*

Um dos efeitos sub- terrâneos mais impor- tantes da su- cessão de crises eco- nômicas pe- las quais es- tamos passando nos últi- mos anos tem sido o cresci- mento da poupança em dó- lar, por parte da classe mé- dia brasileira.

Nesse sentido, estamos de novo acompanhando a Argentina.

TodM MgeM (KIQ isso nSo esta seatfoieito por fal- ta de patriotismo ou por

raiva do atual governo. Hâ duas razões evidentes: por- que é mais prático lidar com valores que nao mu- dam todos os dias. E por- que é dever de cada ura a proteção de seu próprio pa- trimônio.

Essa observação de ca- ráter geral tem a sua im- portância, já que reflete uma possibilidade cada vez mais crescente de que a economia brasileira, por decisão do governo, seja "dolarizada". No estilo ar- gentino. Mas existe um ân- gulo engraçado na possível "dolarização" da moeda brasileira.

Eu acho que essa hipóte- se deve lançar a mais pro-

funda preocupação em Washington. Eu até imagi- no o presidente George Bush considerando o pro- blema com um profundo sentimento de pânico.

Os americanos já vi- nham se queixando da "brazllianização" de sua economia. Agora, podem descobrir que até a sua moeda está sob ataque.

Por exemplo, a partir da "dolarização" no Brasil, os burocratas em Brasília co- meçarão a conceber esque- mas para gastar dinheiro

âue já não existe na caixa o governo — e nem pode

ser emitido pela Casa da Moeda. Que tal um crédito rotativo com o Tesouro americano, ancorado nas exportações brasileiras do próximo século (que está tão pertinho)? Que tal um dólar ecológico?

O Banco Central poderá criar títulos da divida pú- blica que prometam paga-

mento em dólar. E com correção monetária, é cla- ro, que essa é invenção nos- sa. Os bancos privados não vão deixar, de descobrir fórmulas que introduzam uma ciranda pagável em dólar. A juros bem interes- santes (e haverá corrida de investidores a partir de No- va York).

O principal obstáculo, nessa "dolarização", será falta física do dólar. Mas a escassez de cédulas nunca foi problema, no Brasil, pa- ra inflacionar uma moeda. Basta botar um carimbo na nota. Ou que tal um dólar escriturai?

Sim, acho que Bush está muito preocupado. E se o exemplo da Argentina, e do Brasil, se espalhar pelo resto do planeta ? 9

' Editor associado de*t« jornal.

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Política Nacional VERMELHO E BRANCO 21.10.91

Soda barbárie?

Guilherme Haeser

O socialismo mantém ou não a sua atualidade? Com a derrocada dos regimes burocráticos do leste

europeu, ganhou peso a campanha mundial do im- perialismo proclamando sua vitória histórica, que te- ria enterrado os ideais socialistas e afirmado a atua- lidade do capitalismo. Muitos intelectuais e lutado- res, que outrora defendiam o socialismo, hoje fazem coro aos arautos da falência da economia planifica- da.

Qualquer que seja a face atual do capitalismo, es- te nào apresenta nada de novo. A atual recessão na economia dos EUA e a desaceleração de economias como a japonesa ou alemã, jogando por terra as ilu- sões de que as crises cíclicas estariam definitivamen- te afastadas. O imperialismo apenas adiou a sua cri- se, perante brutal aperto nas economias de países do Terceiro Mundo, como a América Latina, onde na década de 80 houve redução da produção, desman- telamento dos parques industriais, concentração de terras e aumento no nível de miséria.

Nos próprios países imperialistas, o ataque às con- dições de vida dos trabalhadores é uma realidade. Os sistemas previdenciários recebem menores investimen- tos, os serviços de saúde começam a ser privatizados, os ataques ao meio ambiente pioram as condições de vida e problemas sociais como o racismo voltam à tona.

Mitterrand e Felipe Gonzalez provam mais uma vez que a social-democracia serve como ponto de apoio ou como gestor da crise econômica do capitalismo ou de agente das rapinagens de grupos econômicos,

A época do capitalismo em ascensão, das conces- sões e reformas se encerrou ainda na virada do sécu- lo. Para sobreviver, o capitalismo em sua fase impe- rialista ataca as conquistas mais elementares arran- cadas com muita luta pelas massas. A incompatibi- lidade entre o lucro e as necessidades das massas se terna a cada dia mais real e trágica. As afirmações que o neoliberalismo reiniciaria nova fase de recupe- ração do capitalismo se chocam com a realidade. Os anos de Reagan reafirmaram o caráter mais parasi- tário e especulativo do capitalismo.

A derrocada do slalinismo A queda dos regimes burocráticos no Leste nào

demonstrou a falência do socialismo c sim da sua de- formação stalinista. As massas, com ações revolucio- nárias, derrubaram estes regimes e conquistaram a de- mocracia, mas a confusão provocada por décadas de stalinismo facilitaram a contra-ofensiva do imperia- lismo, apoiado nos novos governos da região.

A entrada da economia do capitalismo nestes paí- ses, ao invés de trazer a tão esperada prosperidade, está sendo responsável por um brutal ataque às con- dições de vida da população. A Polônia, primeiro país a aplicar tais planos, amarga uma queda de 307o na sua produção industrial, e o desemprego que em 89 era zero, hoje atinge mais de um milhão. O objetivo do imperialismo é transformar estes países em sub-

colõnias. Transição pacífica ou ruptura revolucionária?

Setores da ^esquerda" tendem a apresentar a de- mocracia burguesa como representante de um Esta- do mais moderno que antes. Estes mesmos compa- nheiros trazem uma discussão sobre princípios éticos absolutos e universais, entre os quais o pacifismo e o respeito às instituições.

A corrupção grassa não só no Brasil mas também nos Estados do "Primeiro Mundo". Começa a apa- recer um fenômeno generalizado de abstencionismo eleitoral. Os parlamentos em geral sustentam os go- vernos ou grupos econômicos. No Brasil, o TST, por exemplo, funciona como apêndice do governo, pu- nindo greves com demissões e acordos salariais que favorecem a política econômica de Collor.

Ainda assim afirmam que uma revolução traria custos sociais muitos altos. Ora, não podemos ser cúmplices das milhares de mortes diárias causadas pe- la miséria capitalista. O imperialismo mata conscien- temente para manter sua hegemonia, como na Pa- lestina ou Líbano, ou então no latifúndio (no Brasil já morreram 183 líderes dos sem-terra desde 83). Mi- lhares morrem, vítimas de epidemias. Os custos so- ciais do capitalismo são dezenas de vezes maiores que milhares de revoluções!!

O socialismo com democracia É falsa a afirmativa que a única democracia pos-

sível é a burguesa e que a alternativa a ela seriam Es- tados autoritários como os stalinistas. As ditaduras do Leste eram uma perversão do socialismo.

A vocação do socialismo é mais ampla. O Estado operário é por definição mais democrático que o mais democrático dos Estados burgueses, porque estará a serviço da maioria da população. Sua democracia se- rá a da mais ampla liberdade de imprensa e de ex- pressão, da liberdade absoluta para a cultura e as ciên- cias. Seu poder estará baseado nos organismos cria- dos durante a revolução e dará origem aos mais ple- nos direitos de cidadania, conceitos formais para a sociedade burguesa.

A classe trabalhadora tem condições de conduzir um processo de tal envergadura

Nós afirmamos que sim, pelo seu papel social, sua concentração e pelo papel que cumpre nas fábricas, escolas, agências de serviço, como organizadora e produtora das riquezas. Temos assistido nas duas úl- timas décadas ao movimento operário em cena, na vanguarda de verdadeiras insurreições de massas. O que falta é um processo claro de disputa da sua cons- ciência. Papel que aqui no Brasil, o PT e a CUT te- riam condições de conduzir. Sua tarefa central seria a disputa desta consciência a partir das lutas que a classe protagonizar. É um erro dispersar esta energia para canalizá-la unicamente como pressão às insti- tuições do regime como, por exemplo, o parlamento.

Por último, esta disputa deve se dai entendendo que o socialismo só será pleno e definitivo quando for um processo mundial, extinguindo as fronteiras e os muros que a burguesia criou. •

A* mm

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Poíitica Nacional

FOLHA DE S. PAULO - 27.10.91

Projeção externa do PT

Florestan Fernandes A essência de um partido nem sempre

se define em escala nacional. Os parti- dos de esquerda, especialmene, são determinados por nexos históricos na- cionais, continentais e mundiais. O PJ, ao constituir-se, sofreu e desencadeou influências a um tempo nacionais, con- tinentais e mundiais, como partido so- cialista de novo tipo. Aquilo que parer cia um epifenòmeno da incapacidade do governo ditatorial de submeter os parti- dos de oposição a uma reordenação programada, representava para o mp- vimento operário, para as organizações sindicais ou as centrais operárias e para uma esquerda sufocada um processo de liberação de largo alcance.

De 30/09 a 3/10 participei de um simpósio internacional, "Passado, Pre- sente e Perspectivas do Socialismo", da Universidade de Buenos Aires, e, no dia 4/10, de uma enorme manifestação do Partido Obrero. Ambas realizações demonstram o quanto palpita de vida o socialismo entre operários, jovens e professores de formação universitária^ e como o socialismo atravessa uma faâe específica, que não é de destruição e morte, mas de busca de soluções que o fortaleçam, como alternativa histórica a

civilização vigente. Os acadêmicos osci- lam, da reforma à revolução. Esquece- ram a lição de Marx e Engels, após a derrota que consolidou a dominação burguesa na Europa em meados do século passado: ir ao fundo do exame da contra-revoloção, do processo revo- lucionário latente e da evolução do modo de produção capitalista (articur lando economia, sociedade, ideologia e Estado), que propiciaram a vitória du burguesia, por conta própria ou asso- ciada à aristocracia. Sob esse aspecto é interessante salientar a conclusão desa- lentada do último expositor de "Desa- fios à Teoria Marxista": tentar-se um "socialismo más factible". Parece que os capitalistas, neste momento, se de* frontam com a mesma tormenta:. et procura de um "capitalismo mais prati- cável". A crise não é unilateral e o capitalismo, a cada dia que passa, torna-se mais e mais um "capitalismo difícil".

O que me chamou a atenção, nas conversas, foi a perspectiva de sociaJ- democratização unificada do PT. Para as correntes em conflito da esquerda argentina, o PT, principalmente, e a Frente Ampla uruguaia constituem pon- tos de referência central. O temor dê que o PT encerre,su^iformação, conver- tendo-se em partido centralizado no

FOLHA DE S. PAULO 2 7.10,91

tope, monolítico nas práticas organiza^ tivas e políticas, exclusivo na orientação ideológica, aparece como uma regres- são e a perda de um vigoroso modelo. A esquerda argentina, pelo que me foi dado ouvir, dividida em múltiplas ten- dências hostis, encara o PT como um marco e uma conquista. Não há con- formidade diante de uma inovação que enfraquece o movimento operário e a luta sindical, roubando dos trabalhado- res e oprimidos o impulso político à unificação dentro da diversidade.

Isso demonstra que a história percor- re as instituições-chave e desvenda quais são as forças sociais que dão corpo à sua existência. Os dilemas dos petistas cruzam-se medulamente cora as pugnas polftics dos trabalhadores argen- tinos e cora suas aspirações. Existe uma "imagem do PT", que circula no exterior, e provém de condições históri^ cas continentais (pelo menos latinora- mericanas). Ela também delimita o significado do PT e deve ser interpreta- da como um valor. Abandoná-la, eqüi- valeria a repudiar uma representação crucial: separar o PT do que ele prome- tia ser, não só para os brasileiros. •

Florestan Fernandes escreve ás segundas-ferns n»«a coluna

Lula diz que PT perdeu o 'ímpeto' CONGRESSO

00

A um mês da abertura de seu Io Congresso, o PT perdeu o

' im p e t o " ' , conforme ava- liação do presi- dente do parti- do. Luis Inácio Lula da Silva, exposta no seu "Manifesto aos Petistas"', um dos principais do- cumentos preparados para o even- to. A crise petista se reflete na falta de quorum nas reuniões dos diretórios municipais e nos cofres partidários vazios.

O "Manifesto aos Petistas", que começou a ser distribuído entre militantes, analisa 11 anos de existência do partido. "O PT. vem deixando de se caracterizar como um partido de lutas", diz. Para Lula, "as eleições não po- dem ser o único fator de motiva-

ção da militância". No congres- so, estão proibidos os temas can- didaturas e mudanças de cargo.

Para tentar alterar este quadro, o partido gastou Cr$ 30 milhões na organização do congresso, mas estima que precisará de mais de Cr$ 200 milhões no total. A quantia apurada até agora não cobre o custo dos 1.500 delega- dos e cerca de 250 convidados, calculado em torno de Cr$ 120 mil para cada um.

"As vezes, temos a impressão de que vários diretórios viraram clube de amigos", diz Lula no manifesto. Ele afirma que os diretórios passaram a ser "pouco representativos" e muitos têm vida "apenas cartorial".

Em pelo menos 30% dos en- contros municipais, faltou quo- rum porque alguns filiados, em débito com as contribuições men- sais (1% do salário), ficaram

impedidos de votar. Segundo o coordenador do 1? Congresso, Augusto de Franco, cada diretó- rio pagará as despesas de suas delegações. "Só será credenciado quem pagar", afirmou.

Segundo os organizadores, de 27 de novembro a I" de dezem- bro deverão circular por dia. no pavilhão Vera Cruz, em São Ber- nardo do Campo (SP), mais de 3 mil pessoas. Cerca de 190 mil exemplares de cinco edições do "Jornal do Congresso" já foram distribuídos desde a convocação, em 22 de fevereiro deste ano.

Durante os cinco dias de con- gresso estão previstas edições do jornal a cada oito horas, enquanto que um circuito de TV permitirá o acompanhamento das ativida- des. A campanha de finanças engloba a venda de bônus instan- tâneo, nos moldes da "raspadi- nha ", e de material promocional. •

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FOLHA DE S. PAULO 5.11.91

1) O Brasil não tem tradição democrá- tica. Em 500 anos de história, 400 foram de escravatura, cem de república, com 50 de ditaduras, e apenas 7 aninhos de "Nova Republica" e Brasil Novo. A devolução de 64 não foi uma interrup- ção. A verdadeira interrupção foi o goveno democrático de Juscelino Kubits- check.

2) A democracia não pode ser feita apenas a partir de grandes axiomas rigorosos, à moda de Rui Barbosa, "todo poder emana do povo e em seu nome será exercido", ou a moda dos economistas de hoje. Assim, a democracia tem tanta chance de dar certo quanto um choque econômico contra a inflação.

3) Infelizmente, também, a democra- cia não pode ser importada, como televisões ou automóveis. Precisa ser construída tintim por tintim, à moda da casa. E aqui no Brasil, os obstáculos são imensos: somos muito diferentes uns dos outros, uns muito ricos, outros tão pobres! Mas estamos juntos, na mesma casa, uns na cozinha, outros na sala de visitas, outros no porão, pedindo um prato de comida. Juntos nas raízes comuns, que se alimentam das águas do Tietê, sujas de esgoto, ou dos rios da Rondônia, poluídos de mercúrio. A democracia aqui requer, antes,de mais nada, a consciência da nossa herança autoritária secular e das diferenças tão grandes. '"4) Por isso, um grupo expressivo de brasileiros resolveu pôr mãos à obra. Gente dos mais diferentes partidos, PT, PMDB. PSDB, empresários do PNDE, da'agricultura, da Fiesp, sindicalistas da CUT, da CGT e da Força Sindical, OAB, Crea, Or- dem dos Econo- mistas, Emerson Kapaz, José Gre- .gori, Miguel Reale Jr., gente da es- querda e da direita se juntou e come- çou a conversar. Neste momento de dificuldades agudas, resolveu se reunir e trabalhar para restabelecer a confiança entre os brasileiros e dos brasileiros no Brasil, através de ações positivas. O movimento se chama Opção Brasil.

. 5) Nós acreditamos que a democracia é como uma partida de futebol. As emoções podem e devem ser descarrega- das e o jogo é duro e para valer. .Torcemos para times diferentes, somos de partidos, profissões e orientações políticas diferentes. Queremos jogar para ganhar, cada um torcendo pela sua visão de mundo. Ao mesmo tempo, temos a mesma paixão comum, pelo futebol e pelo Brasil. Ainda que o campeonato macional seja importante, o objetivo comum de todos nós é o campeonato mundial —queremos que o Brasil seja o

Opção Brasil, já JOÃO SAYAD

"Nesta tem em què se plantando tudo dá nasce uma fruta árida e harmônica, misto de bom crioulo e pulha de pamonha, organização de homens só de bem com os que estão de mal entre si com òs outros.''

íCark* Vogt, "Metalurgia")

campeão da prosperidade, da democracia e da justiça social.

As partidas podem às vezes ser quentes demais (quebram. a pema do craque adversário, o juiz rouba um pouco, a torcida joga latas de cerveja no time adversário). Mas desta vez, no Brasil, o campeonato democrático vai muito mal —o alambrado foi destruído, a torcida invadiu o campo, o juiz apelou. E a emoção que podia ser descarregada no futebol ou na torcida pelo bem comum do Brasil, está se tomando excessiva. Tomou-se um catalisador de violência e está atrapalhando o campeonato. É preciso chamar a atenção da torcida, que o objetivo é o futebol, o amor comum

pelo país, e que o jogo, para conti- nuar, precisa que se reatabeleça a confiança entre os torcedores, e que seja recuperada a consciência de que o objetivo é a paixão comum; pelo país.

6) As elites bra- sileiras, empresariais, trabalhistas, cien- tíficas e artísticas têm discutido preços, salários, mercados, tarifas. Mas deixou de lado temas muito importantes e que fazem falta: quem somos nós brasileiros? Hoje o brasileiro se envergonha de tudo —da miséria, da injustiça social, da corrupção e do fracasso de dez anos de estagnação e inflação. E não lembra do que se orgulhar.

7) O Movimento Opção Brasil vai trabalhar em duas frentes: primeiro agindo efetivamente para atacar de frente, e dentro de suas possibilidades, o que faz o brasileiro se envergonhar.. Depois, discutindo, recuperando as raízes do orgulho brasileiro: quem somos nós, o que gostamos na nossa forma de ser e o que queremos mudar.

8) Não há projeto, plano, ideal que possa ser efetivo, dar certo sem a tomada clara de consciência de quem são os brasileiros, "que Brasil é o verdadeiro Brasil"? E mais ainda: que Brasil o Brasil quer ser? Sem saber quem somos acabamos propondo o impossível: "eu quero ser você". O Movimento Opção Brasil quer discutir c propor a ideologia brasileira: quem somos, o que gostamos em nós mesmos, o que queremos ser.

9) No dia 11, às 18h30, no Tuca, o movimento será lançado publicamente. E temos, logo, várias tarefas a cumprir.

10) Começamos com a moralização das campanhas eleitorais. Hoje, a repre- sentação política do país está marcada pelo financiamento das campanhas elei- torais. E os brasileiros se envergonham dos seus representantes. "Não há demo- cracia sem políticos", diz o dr. Ulysses. Vamos batalhar para que a representação política recupere o respeito e a legitimi- dade; que todos os brasileiros tenham igual oportunidade na disputa democrá- tica, que os gastos de campanha sejam fiscalizados, que o horário gratuito de televisão não seja tão caro (que todos os candidatos tenham uma produção co- mum, fomecida pelas emissoras, por exemplo). A corrupção é item número um, hoje, segundo a Folha, da vergonha nacional. O finaoclamento das campa- nhas eleitorais instala a corrupção no coração /do processo democrático, o voto, e a coloca ao lado das principais autoridades políticas do país. Esta é que vamos combater.

11) Vamos fazer mais. Propor medidas para combater a miséria, moralizar os processos de licitação pública, salvar a criança brasileira e engajar o jovem e os estudantes brasileiros na construção da ideologia brasileira. Mesmo sendo dife- rentes, com histórias diferentes, amamos o Brasil e aqui vamos ficar para construir a nação democrática e de justiça social que queremos. •

JOÀO SAYAD, 45, doutor em Economia p«li Univtrsidid» de Yale (EUA), é presidem» do Banco Mimrutt S/A t professor da Faculdade de Economia da USP. Foi mMscro do Plane famento no governo Sarney.

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FOLHA DE S. PAULO 27.10.91

Exemplo espanhol mostra que acordo implica risco para todos

CLÓVIS ROSSI Da Reportagem Local

A história recente de pactos, acordos formais ou informais, entendimentos nacionais ou que nome se queira dar ao mecanismo demonstra que eles só ocorrem se estão dadas duas características: uma crise entendida como gravís- sima e intransponível pela maio- ria dos grandes atores políticos e sociais e uma liderança (ou mais de uma) com ousadia suficiente para entrar no jogo mesmo sa- bendo que vai ter'que ceder poder no ato ou, no mínimo, correr o risco de cedê-lo no desdobramen- to do processo.

Sob esse ponto de vista, é ilustrativa a história do mais ba- dalado dos pactos, os chamados "Pactos de Moncloa", assinados em 25 de outubro de 1977 na Espanha pelos principais partidos que haviam obtido representação parlamentar nas eleições gerais de junho do mesmo ano e pelas representações sindicais e empre- sariais.

Houve, primeiro, um pacto não-escrito más que penetrou na consciência das elites espanholas especialmente a partir da crise do petróleo de 1973. Ficou então evidente que o regime político fascistóide, implantado pelo ge- neralíssimo Francisco Franco na seqüência da guerra ciyil (1936-1939), impunha um limite intransponível ao crescimento da Espanha. Para continuar crescen- do, a Espanha precisava inte- grar-se à Europa e, para fazê-lo, necessitava desmontar o franquismo.

Nos últimos anos de vida, Franco costumava dizer que deixaria as instituições "atadas y bien atadas". De sua morte, em novembro de 1975, às eleições gerais de 1977 (as primeiras elei- ções livres em 40 anos), o nó deixado pelo franquismo foi desa- tado e limpou-se o caminho para o pacto seguinte, este sim coloca- do no papel.

"Era preciso, além do mais e ao mesmo tempo, fazer frente, com êxito, à crise econômica que

Principais pontos do Poeto do Moncldia *

Gastos púibUicog: Reformar o orçanwnto e o» gaito» públicos poro obter a realidade orçamentária, melhor'contrple dos gastos (especialmeote os da Previdência Social) e um menor crescimento dos despesas correntes.

Tributação: Reformo fiscal que pusesse no mesmo nível do da Europa o antiquado sistema tributário, Incorporando uma reforma fia administração tributária que possibilitasse a vigência efetiva do novo quadro fiscal.

Mercado finançoiro:. Reforma do sistema financeiro com três objetivos fundamentais: praticar um controle monetário ativo e contínuo, liberar o sistema Financeiro e supervisionar o liauidez e solvência das instituições de crédito.

Trabalho: Definir um novo parâmetro de relações trabalhistas mediante o Estatuto dos Trabalhadores, flexibilizando ao máximo as condições de emprego e principalmente reduzindo em 40% os contribuições da Previdência Social por um ano paro os novos pastos de trabalho.

iniciativa privada: Reformar o limite da atuação çb empresa pública, estabelecendo um sistema de conlroie efidente e orçamento adequado às suas operações.

Fanu: "A Trimiçio i^ ^ Cmo: O E««npk^ Owq^di E^whok^ i^

nos golpeava com dureza, con- cluir nossa abertura ao exterior e iniciar nossa incorporação aos organismos e instituições que agrupam os partidos políticos, empreender toda üma série de reformas de nossas estruturas, largamente esperada, e organizar a convivência democrática sobre bases estáveis", escreveria Adol- fo Suárez, primeiro-ministro da época, para a coletânea de artigos que compõem o livro "A Transi- ção que Deu Certo".

De que crise econômica falava Suárez? "Uma persistente e agu- da taxa de inflação (que era o dobro da média dos países da OCDE, a organização que agrupa os 21 países mais ricos do mun- do), um intenso desequilíbrio do balanço de pagamentos (superior a US$ 4 bilhões) e uma queda da poupança privada e dos investi- mentos que eram identificadas no pequeno desenvolvimento da pro- dução e em uma elevada e cres- cente taxa de recessão (estagfla- ção)", responde, no mesmo li- vro. Enrique Fuentes Quintana, ex-ministro espanhol da Econo- mia.

Essa descrição corresponde, na

essência, ao quadro brasileiro de hoje. Faltam, aqui, alguém como Suárez e demais lideranças políti- cas, capazes de subscrever um acordo que implicava riscos para todos. Para o governo, porque um acordo que englobasse reivin- dicações da oposição e do sindica- lismo limitava obviamente sua margem de manobra.

Para a oposição, porque, se tudo desse certo, quem se fortale- ceria seria o governo e, por extensão, ficariam diminuídas as suas chances de chegar ao gover- no.

Os "Pactos de Moncloa" asse- guraram a governabilidade e, com ela, veio a consolidação da democracia em um país que emergia de 40 anos de ditadura, implantada na esteira de uma guerra civil que custou a vida de 1 milhão de espanhóis.

Mas não asseguraram a boa gestão econômica. Vítima dela, Adolfo Suárez perdeu as eleições gerais de outubro de 1982 e o principal líder oposicionista, o socialista Felipe González, ga- nhou a aposta na governabilidade feita cinco anos antes: tornou-se primeiro- ministro e está até hoje no cargo. «

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Internacional

VERMELHO E BRANCO 21.10.91

A crise do modelo social-democrata

Com a destruição do "socialismo real", o modelo social-democrata da Suécia — que combina desenvolvimen- to econômico, uma eficiente distribui- ção de renda e democracia política — parecia se afirmar como alternativa pa- ra camadas cada vez mais importantes da esquerda mundial. No entanto, o "modelo sueco" também está em crise, e os social-democratas acabam de sofrer sua pior derrota eleitoral desde 1932. O novo governo sueco será dirigido pelo conservador Carl Bildt, que defende cortes profundos nos gastos com servi- ços básicos, o incentivo à iniciativa pri- vada e o fim do sonho social-democrata, que garantia a cada sueco assistência médica gratuita, ensino público do pri- mário à universidade e uma aposenta- doria digna.

Os eleitores suecos, na verdade, pu- niram todos os partidos que tinham al- go a ver com o "modelo". Os social- democratas obtiveram 38,2% dos votos, perdendo 18 deputados. Seus aliados do Partido de Esquerda (o ex-PC) perderam 5 cadeiras, os Verdes foram expulsos do Parlamento (onde só entra quem tem mais de 4% dos votos) e até os partidos Liberal e Centrista — que em alguns mo- mentos apoiaram o ex-primeiro-ministro Ingvar Carlsson — receberam menos vo-

tos. Enquanto isso, saíram vencedores os partidos que defendem exatamente uma diferenciação social maior, através de cortes nos impostos (os mais altos da Eu- ropa), o que terá como conseqüência um abalo sério nos serviços sociais garanti- dos pelo Estado.

A crise do modelo sueco está ligada à perda de competitividade de sua indús- tria. Enquanto a previdência social con- some recursos cada vez maiores, a pro- dutividade cresce em ritmo muito infe- rior (apenas 1 % desde 1987, contra 4% dos alemães). Os operários suecos, por exemplo, têm direito a 90 faltas remu- neradas por ano, o que reduz os índices de produção. O custo alto da mão-de- obra inclusive levou as maiores empre- sas suecas (Volvo, Scania, Asea, Erics- son) a investir seis vezes mais no exte- rior do que dentro do país. Em conse- qüência, apareceu o desemprego, que era praticamente desconhecido da nova geração de suecos e atinge agora 3,5% da força de trabalho, combinando-se a uma inflação de 9,5%.

Os próprios governos social-demo- gratas perceberam que o modelo tinha fôlego curto e tentaram emendá-lo a partir do fim dos anos 80, por meio de velhos conhecidos dos brasileiros, os "pacotes de ajustes", com sua esteira de

i^bâ

cortes nos gastos públicos e con- gelamento de salários. Mas a ati- tude do governo foi limitada pela reação da poderosa central sindi- cal LO, ligada aos social- democratas. A política de apertar os cintos levou os trabalhadores — base tradicional de apoio dos social-democratas — a acusá- los de tentar reduzir suas con- quistas so- ciais. En- quanto isso, os empresários, ^^profissionais liberais e funcionários com salários mais altos se opunham à social-democracia, afirmando que ela engessava o desenvol- vimento econômico, ao insistir no predo- mínio do Estado sobre a iniciativa priva- da. Cercados pelas duas pontas, os social- democratas vinham perdendo votos lenta- mente, mas conseguiam governar graças à fraqueza dos adversários. Nesta última eleição, porém, os ventos antiesquerda que sopram do Leste atingiram também as costas da Suécia. E agora, o "estado de bem-estar social" entra para a lista dos modelos que a esquerda mundial deve sub- meter a uma profunda reavaliação. •

GAZETA MERCANTIL 6.11.91

Morrer cansado de tanto trabalhar

por Francisco Stella f agá de Tóquio

A palavra "karoshl" está em moda no Japão. Signifi- ca morrer pelo trabalho, morrer de cansaço de tanto trabalhar. NSo há estatísti- cas sobre o assunto.

O Ministério do Trabalho recusa-se a reconhecer ca- sos que a imprensa regis- tra com freqüência. Se o fi- zesse, disse a este jornal o advogado trabalhista Ken Tsuji, diretor da Associa- ção dos Trabalhadores do Japão, seria preciso indeni-

zar as famílias das víti- mas.

Mas a inquietude cres- cente da sociedade com re- lação ao excesso de traba- lho está produzindo resul- tados, afirma Tsuji Uma ampla campanha desenca- deada pelo governo procla- ma que o lucro não é a úni- ca finalidade do trabalho e que a taxa de crescimento da economia, em média de 4,5% ao ano, pode aumen- tar mais lentamente. Essa campanha deverá resultar na redução do número de horas trabalhadas aos ní- veis dos demais países in- dustrializados, prevê.

O Japão é o único país do mundo que ultrapassou a barreira das 2 mil horas trabalhadas por ano. No ano passado, por exemplo, cada trabalhador japonês completou a jornada média de 2.052 horas. Na Alema- nha, a média é de 1,6 mil horas; nos Estados Unidos e na Inglaterra, 1,8 mil ho- ras. O plano do governo ja- ponês é chegar a 1,8 mil ho- ras.

As estatísticas oficiais in-

dicam que a jornada diária de trabalho é de 7h43, e a jornada semanal, de 40h47. Na realidade, segundo Tsuji, os japoneses trabalham muito mais, por- que fazem muitas horas ex- tras. Também são austeros com férias. Se os emprega- dos tirassem exatamente as férias previstas em seus contratos de trabalho, te- riam em média 15,5 dias por ano. No entanto, eles tiram apenas 8,3 dias, em média. Abrem mão, portanto, da metade do período de des- canso, em geral por razões muito características do Ja- pão, que levam o emprega- do a assumir em conjunto com o empregador a tarefa de melhorar o desempenho da empresa.

São características espe- ciais como essa que, segun- do Tsuji, reduziram drasti- camente as áreas de atrito entre empresas e trabalha- dores a partir da metade da década de 70.

No pós-guerra, entre 1945 e 1955, houve inúmeras gre- ves principalmente nos se- tores automobilístico e de papel e celulose. Na década

de 60, os conflitos se repro- duziram e aconteceram in- cidentes drásticos entre os trabalhadores do poderoso grupo Mitsui.

Na década de 70, as gre- ves reduziram-se para ape- nas um sexto do número re- gistrado na década anterior e as relações trabalhistas pacificaram-se substancial- mente.^Tsuji acredita que essa harmonia deve-se es- pecialmente á relação de confiança entre emprega- dores e empregados, típica do Japão.

Os empregos são pratica- mente vitalícios e as empre- sas assumem a responsabi- lidade pela capacitação de seus funcionários. Não há diferenças marcantes de rendimentos entre executi- vos e trabalhadores. Em média, segundo Tsuji, o executivo tem rendimentos seis a oito vezes superiores aos dos subordinados.

Também a massa de sa- lários tem crescido a taxas superiores à do crescimento do Produto Interno Bruto (PIB). Os sindicatos têm obtido aumentos situados entre 5 e 6%.

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Outra característica do sistema trabalhista japonês é a existência de sindicatos por empresa. Existem no país 70 mil sindicatos. Na Alemanha, por exemplo, existem apenas 19, dividi- dos por ca tegorias proíissi& nais. Também o nível de sindicalização é muito baú xo. Dos 62,5 milhões de tra- balhadores japoneses, aper nas 12,2 milhões, ou 25,2%\ são sindicalizados.

As empresas em geral têm comitês de trabalho, de estrutura semelhante ao$ comitês de fábrica no Bra- sil, que resolvem grande parte dos conflitos traba- lhistas. Cerca de 80% das empresas grandes e cerca de 60% das empresas pe- quenas têm comitês.

A taxa de desemprego no Japão é uma das menores do mundo, de 2,1%. O pais enfrenta escassez de mão%

de-obra, o que tem levado milhares de descendenteÉ de japoneses residentes na América Latina a morar nd Japão. ',

O número de latinos americanos cresce rápida-^ mente, segundo Tsuji. Em, 198S, havia apenas 8 mil tra-<. balhadores latino-america-] nos no Japão. Hoje, há 150* mil, dos quais 120 mil são' provenientes do Brasil e lss mil do Peru. ^

CENÁRIO SINDICAL NOV 91

Moçambique luta por vida melhor

Com 16 milhões de habitantes dos quais 5 milhões vivendo em situação de pobreza absoluta, Moçambique inclui-se entre os dez países mais pobres do mundo. Apesar disso, e com apenas 14 anos de vida inde- pendente, o pais já conta com uma estrutura sindical organizada que, embora tenha reduzida representatividade - são 300 ma trabalhadores distribuídos por 14 sindica- tos nacionais - tem objetivos bem definidos, segundo relato do secretário geral da Or- ganização dos Trabalhadores de Moçam- bique (OTM), Soares Nhaca. Ao contrário do movimento sindical brasileiro, que ainda patina nos limites das reivindicações sala- riais, o sindicalismo moçambicano prioriza as reivindicações referentes a melhoria das condições de trabalho, tais como higiene e segurança nos locais de trabalho, trans- portes, criação de centros sociais, creches, refeitórios, etc.

O secretário geral da OTM explicou que, nesse contexto, o salário está vinculado a todas as outras questões, "pois não adianta ter maiores salários com péssimas con- dições de vida". O principio que orienta essa linha de pensamento, explicou ele, é o de que "nada importa se não houver saúde e segurança no trabalho". Além disso, a OTM vem discutindo a divisão dos impos- tos; a reivindicação da central sindical é para que as empresas assumam a maior parte dos encargos tributários.

ORIGEM - O embrião da atual estrutura sindical moçambicana nasceu em 1976, um ano antes da independência de Moçambique, pa iniciativa dos trabalhadores, que decidiram acabar com os sindicatos corporativos criados durante o período colonial. A ruptura, que deu origem aos conselhos de produção, mudou com- pletamente o perfil do sindicalismo moçambicano. Para se ter uma idéia, até 1976, os sindicatos exigiam grau de edu- cação mínimo para aceitar a filiação dos trabalhadores, numa população com 97% de índice de analfabetismo.

A partir daquele ano, os conselhos de produção, formados nos próprios locais de trabalho, tomaram-se a base da organi- zação dos trabalhadores, conduzindo o

processo até a realização da I Conferência Nacional da OTM, em 1983. Hoje, segundo Soares Nhaca, quase todas as empresas têm comitês sindicais e a OTM, única cen- tral sindical do país, está estruturada em todas as onze províncias de Moçambique, ligada aos 14 sindicatos nacionais.

REGRAS ■ Os trabalhadores e as em- presas moçambicanas submetem-se a uma lei de greve, que define a ética do compor- tamento para os dois lados. As negociações do contrato coletivo de trabalho são anuais e também contam com legislação específica. O salário mínimo é de Us$ 40 e, segundo o secretário geral da OTM, uma das reivindi- cações da central é que o valor mínimo pago seja sempre superior.

Com uma economia baseada, princi- palmente, na exportação de produtos do mar, castanhas de caju, algodão, pedras preciosas e semi-predosas. carvão e chá, Moçambique atravessa ainda um grande processo de migração interna e externa em conseqüência da guerra. Apesar disso, Soares Nhaca não tem dúvidas quanto à consoli- dação da democracia. "A unificação popu- lar, na luta armada contra o colonizador, diz ele, criou uma grande solidariedade entre as pessoas, por isso é difícil o opressor levar vantagem". •

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ESTE LIVRO NASCEU

DA IDÉIA DE RELATAR UMA

EXPERIÊNCIA, UM FATO NÃO COMUM.

UM PEDAÇO DE LUTA QUE MILHARES E MILHARES

DE TRABALHADORES TRAVAM NESTE PAÍS,

BUSCANDO UMA VIDA MAIS DÍGNA, ONDE

POSSAMOS USUFRUIR DAQUILO

QUE CONSTRUÍMOS. DECORRE DAÍ

A DECISÃO DE ESCREVER ESTE LIVRO.

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Quinzena mrnmmsí.... mmmmm

Internacional AGRIcultura Alternativa Outubro 91

O Desprezo Como Destino Fim da história? Para nós, isso

não é novidade nenhuma. Há cinco séculos, a Europa dccrtíou como crime a memória e a dignidade do Conlinenle Americano (América Lalina). Os novos donos destas terras proibiram relembrar a história e proibiram fazê-la. Deste então, so- mente podemos aceitá-la.

De peles negras, perucas brancas,- coroas de luzes, mantos de seda e pedrarias, os mortos de fome, no car- naval do Rio de Janeiro, sonham jun- tos e são reis por um instante. Durante quatro dias, o povo mais musical do mundo vive seu delírio coletivo. Mas na quarta-feira de cin- zas, ao meio-dia, a festa acaba. A polícia prende qüon continuar fan- tasiado. Os pobres tiram as penas, as pinturas e as máscaras visíveis - máscaras que desmascararão, máscaras da liberdade fugaz -, e põem as outras máscaras, as invisíveis, negadoras da cara, as máscaras da rotina, da obediência cega e da miséria. As rainhas voltam a lavar pratos e os príncipes a varrer as ruas até o próximo carnaval.

Eles vendem jornal que não sabem ler, costuram roupas que não podem vestir, lustram carros que jamais terão, constróem edifícios onde nunca morarão. Com os seus braços baratos, eles fazem produtos baratos para o mercado mundial. Eles construíram Brasília e de Brasília foram expulsos. Todo dia eles fazem o Brasil que é sua terra de exílio. Eles não podem fazer a história; estão con- denâdos a padecé-la.

Fim da história. 0 tempo aposenta-se, o mundo deixa de gritar. Amanhã é outro nome de hoje. A mesa está pronta e a civilização ocidental não nega a ninguém o direito de mendigar os res- tos. Ronald Reagan acorda e diz: "A guerra fria acabou. Nós ganhamos"... E Francis Fukuyama, funcionário do Departamento de Estado Americano, ganha inesperadamente sucesso e fama por descobrir que o fim da guer- ra fria é o üm da história. O capitalis- mo, que se autodenomina democracia liberal, é o porto de chegada de todas as viagens: "a forma final do governo humano". Tempos de gíória. Não há mais luta de classes c no Leste já não existem inimigos, mas aliados. A economia de livre mercado e a sociedade de consumo conquistam o consenso universal, o qual havia sido adiado pelo desvio histórico da ilusão marxista-leninista. Agora todos somos livres, iguais e fraternais do jeito que a Revolução Francesa queria. Reino da cobiça, paraíso terrestre.

500 anos de exploração

Como Deus, o capitalismo tem a melhor opinião de si próprio e não duvida da sua própria eternidade. Seja bem-vinda a queda do muro de Ber- lim. Mas Carlos Alzamora, diplomático peruano, diz num artigo recente que o outro muro, aquele que

* Eduardo Galeano

separa o muro opulento (rico), está mais alto do que nunca. Na Europa, um apartheid universal, a emergência do racismo, da intolerância e discriminação são cada vez mais freqüentes e castigam os intrusos que pulam esse alto muro para entrar na cidadela da prosperidade.

E está à vista. O muro de Berlim morreu de boa morte, mas não chegou a fazer trinta anos, enquanto que o outro muro celebrará em breve cinco séculos de' existência. O intercâmbio desigual, a extorsão financeira, a sangria de capitais, o monopólio da tecnologia c da informação c a alienação cultural são os tijolos que, dia-a-dia vão se amon- toando na medida em que cresce o canal da riqueza e soberania do Sul para o Norte do mundo. Com o di- nheiro acontece o oposto do que com as pessoas: quanto mais livre, pior. O neoliberalismo econômico que o Norte impõe ao Sul como o fim da história, como sistema único e último - consagra a opressão sob a bandeira da liberdade. Na economia de livre mercado, natural é a vitória do forte e legítima a aniquilação do fraco.

Assim o racismo i elevado i categoria de doutrina econômica. O norte confirma a justiça divina: Deus recompensa os novos escolhidos e castiga as raças inferiores, biologica- mente condenadas à preguiça, violência e ineficácia. Em um dia de trabalho, um operário do Norte ganha mais do que um operário do Sul em meio mês. Salários de fome, preços abaixos, preços de ruína no mercado mundial. O açúcar é um dos produtos latino-americanos condenados à in- stabilidade e queda. Houve durante muitos anos uma exceção: a União Soviética pagava a Cuba um preço equilibrado pelo açúcar. Agora, o capitalismo triunfante esfrega as mãos cheio de euforia.

A ordem vigente é a única possível; o comércio ladrão é o fim da história. Preocupado com o colestcrol e esquecido da fome, o Norte pratica, entretanto, a caridade.

, A irmã Teresa de Calcutá é mais efi- ciente do que Carlos Marx. A ajuda do Norte para o Sul é muito inferior às esmolas solenemente prometidas diante das Nações Unidas, mas serve para que o Norte coloque suas sucatas de guerra, mercadorias restantes e projetos de desenvolvimento que sub- descnvolvcm o Sul c multiplicam a hemorragia para curar a anemia. En- quanto isso, nos últimos cinco anos, o Sul doou para o Norte uma quantia infinitamente maior, equivalente a 2 planos Marshall em valores constan- tes, por conceitos de juros, lucros, royaltics e diversos tributos coloniais. Enquanto isso os bancos credores do Norte estripam os Estados devedores do Sul e ficam com as nossas empresas nacionais a troco de nada. Ainda bem que o imperialismo já não existe. Ninguém mais fala dele: por- tanto, não existe. Essa história acabou.

O Futuro é o Presente

O orçamento da Força Aérea dos Estados Unidos é maior do que a soma de todos os orçamentos de educação infantil do chamado Ter- ceiro Mundo. Desperdício de recur- sos? Ou recursos para defender o desperdício? A organização desigual do mundo, que finge ser eterna, poderia te sustentar se os países e as classes sociais que compraram o planeta fossem desarmados? O sis- tema oontaminpdo pelo consumismo e arrogância e avidamente engajado na destruição de terras^ mares, ares c céus monta guarda ao pé do alto muro do poder. Dorme com um olho só.

O Papa condenou energicamente o fugaz bloqueio, contra a Lituânia; porém, jamais disse nada sobre o blo- queio contra Cuba, que já tem mais de trirta anos, nem sobre o bloqueio contra a Nicarágua, que durou dez anos... O padre Jerzy Popielusko, as- sassinado pck) terror de Estado na Polônia, em 1984, ocupou mais espaço do que a soma de cem padres assassinados pelo terror da América Latina nos. últimos anos. Impuseram- nos o desprezo como costume. E agora nos vendem o desprezo como destino. O Sul aprende geografia nos mapas mundi onde é reduzido à metade do seu tamanho real.

O fim da história é uma mensagem de morte. O sistema, que sacraliza t canibal ordem inter- nacional, nos diz: "Eu sou tudo. Depois de mim, nada..."". A partir da teia de um computador se decide a boa ou má sorte de milhões de seres humanos. Na era das super empresas e da super tecnologia, alguns são mercadores e outros somos mer- cadoria. A magia do mercado fixa o valor das coisas e dos indivíduos. Os produtos latino-americanos valemos tão pouco. Tanto é normal que os nossos mortos sejam cotados a cem vezes menos que as vítimas do hoje desintegrado Império do mal.

Os mapa mundi do futuro o apagarão totalmente? Até agora a América Latina era a terra do futuro... Covarde consolo, mas era alguma coisa! Agora nos dizem que o futuro é o presente' «

Eduardo Galeano é jornalista e escritor uruguaio. Na década de 70, dirigiu em Buenos Aires, Ar- gentina, uma das mais repre- sentativas revistas do continente, Crisis. Autor de vários livras, entre eles, "As Veias Abertas para América Latina" é o mais con- hecido. Foi traduzido cm várias línguas. Também é colaborador do AGRIcultura Alternativa.

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DIALÉTICA Moacyr Felix

Com uma laranja com uma laranja na mao com uma laranja na mao. o negro do alto do caminhão

saudava o dia

E sorria.

No sorriso do homem negro negro negro (e ele nem sabia...) é que morava a certeza bela bela bela do que nele sorria: do tamanho do mundo a laranja seria na sua mão de negro como o sol um dia.

Como o cachorro e o^cavalo que o olhavam, também usados, como Pedro, o meu filho em cujo porvir se aclarava minha sombra de pê sobre a rua onde ele, o negro, qual flor do meu povo passava

Quase apenas um animal quase apenas uma criança quase apenas uma força natural numa densidade acuada de esperança

Com uma laranja na mão, o negro saudava o dia, saudava todos os dias.

MOACYR FÉLIX - In "Invenção de crença e descrença"

COMUNICADO

EM VIRTUDE DE NOSSA MUDANÇA DE SEDE

NÃO PUBLICAMOS A EDIÇÃO DA QUINZENA DE 15 DE NOVEMBRO,

PASSANDO A PUBLICÁ-LA NORMALMENTE

A PARTIR DESTE NÚMERO.

PEDIMOS A COMPREENSÃO DOS.LEITORES

E COMUNICAMOS QUE A EDIÇÃO EM FALTA SERÁ

COMPENSADA COM EDIÇÕES ESPECIAIS,

COMO TEM SIDO DE HÁBITO.