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Walter c. kaiser jr teologia do antigo testamento

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W A L T E R C. KAISER JR.

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Copyright © 1978 Zondervan Corporation Título do original: Toward an Old Testament Theology Traduzido da edição publicada pela Zondervan Publishinf House - Grand Rapids, Michigan 49506, EUA

1a. edição: 1980 2a. edição (revisada): 1984 Reimpressões: 1988, 1996, 1997, 1999, 2000, 2007

Publicado no Brasil com a devida autorização e com todos os direitos reservados por SOCIEDADE RELIGIOSA EDIÇÕES VIDA NOVA,

Caixa Postal 21266, São Paulo, SP 04602-970 www.vidanova.com,br

Proibida a reprodução por quaisquer meios (mecânicos, eletrônicos, xerográficos, fotográficos, gravação, estocagem em banco de dados, etc.), a não ser em citações breves, com indicação de fonte.

Printed in Brazil / Impresso no Brasil

ISBN 978-85-275-0136-1

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ÍNDICE

PREFACIO VII

PARTE I DEFINIÇÃO E MÉTODO CAPÍTULO 1 A Importância da Definiçffo e Metodologia 2

CAPÍTULO 2 A Identificação de um Centro Teológico Canónico 22

CAPÍTULO 3 O Desenvolvimento de um Esboço para a Teologia do Antigo

Testamento 43

CAPÍTULO 4 As Conexões Através das Épocas Históricas de Temas

Emergentes 57

PARTE II MATERIAIS PARA UMA TEOLOGIA DO ANTIGO TESTAMENTO

CAPÍTULO 5 Protegômenos à Promessa: A Era Pré-patriarcal 73 CAPÍTULO 6 Provisões na Promessa: A Era Patriarcal 87 CAPÍTULO 7 O Povo na Promessa: A Era Mosaica 105 CAPÍTULO 8 O Local da Promessa: A Era Pré-monárquica 127 CAPÍTULO 9 O Rei da Promessa: A Era Davfdica 147 CAPÍTULO 10 A Vida na Promessa: A Era Sapiencial 169

CAPÍTULO 11 O Dia da Promessa: Século Nono 187 CAPÍTULO 12 O Servo da Promessa: Século Oitavo 199 CAPÍTULO 13 A Renovação da Promessa: Século Sétimo 228 CAPÍTULO 14 O Reino da Promessa: Os Profetas do Exílio 1 244

CAPÍTULO 15 0 Triunfo da Promessa: Os Tempos Pós-exflicos 258

PARTE III A CONEXÃO COM A TEOLOGIA DO NOVO TESTAMENTO

CAPÍTULO 16 O Antigo Testamento e o Novo Testamento 271

fNDICE DE AUTORES 279

tN DICE DE ASSUNTOS 283

ÍNDICE DE REFERÊNCIAS 287

iftDICE DE PALAVRAS HEBRAICAS 309

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Nenhum aspecto dos estudos vétera-testamentários é mais exigente do que a teologia. A pura magnitude e o escopo desta disciplina já foram suficientes para desencorajar a maioria dos estudiosos de entrarem com a sua contribuição antes de já estar à vista o f im das suas carreiras acadêmicas.

Tal cautela deveria ter solucionado a questão para este escritor. No entanto, quanto mais lia as teoiogias dos nossos dias, tanto mais inquieto me sentia. Senti que algumas opções importantes estavam sendo negligenciadas no diálogo contem-* poráneo. Este era especialmente o caso na área instável da metodologia e da defini-ção.

É nosso argumento que a teologia do Antigo Testamento funciona methor como serva à teologia exegética ao invés de desempenhar seu papel tradicional de suprir dados à teologia sistemática, O intérprete precisa de algum meio de facilmente obter a teologia que se relaciona com o texto que investiga. Este novo papel para a teologia bíblica vem apresentado na Parte I. Se nossa análise se revelar como verdadeira, poderá suprir o ingrediente que falta no debate cheio de perple-xidades entre um tipo a,C. de teologia, meramente descrita, e uma teologia imposta e normativa, tipo d.C. E nosso argumento que os próprios escritores, por meio de referências explícitas, alusões e suposições inferidas colocavam suas mensagens contra um pano de fundo de uma teologia acumulada que eles, seus ouvintes, e, agora, seus leitores, teriam que relembrar se eles realmente queriam atingir a pro-fundidade aa mensagem originalmente pretendida. E por esta razão que temos tomado partido ao lado do método diacrónico de Gerhard von Rad, porque é ele que melhor servirá as necessidades da exegese e levará adiante a visão original da disciplina.

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Havia outro assunto, também. A busca da unidade da mensagem do Antigo Testamento conforme se acha no seu atual formato conônico é pressuposta por todos no próprio nome da matéria — teologia, não teologias, do Antigo Testamento — mas quase universalmente se reconhece — a inexistência desta unidade. Se o texto tiver licença de falar por si mesmo antes de fazermos as nossas avaliações, então gostaríamos, vigorosamente, de propor que o elemento da "promessa" é aquele centro que pode ser demonstrado em cada período do cânon.

É nossa esperança de que esta obra possa ser expandida e refinada no de-curso dos anos enquanto colegas de todas as persuasões teológicas entrem em diálogo com este autor. Por este motivo, deliberadamente entramos num diálogo amplo, e esperamos que seja pacífico, com estudiosos que representam um espectro eclesiástico e teológico largo, com a esperança de que este cumprimento possa ser retribuído por aqueles que não participam do ponto de vista evangélico deste escritor. Naturalmente, a obra é endereçada a mais pessoas do que os profissionais da disciplina; também é escrito para suprir as necessidades de pastores, estudantes de colégios ou universidades, seminaristas, e os estudantes sérios do Antigo Testa-mento.

Ainda sobra mais uma tarefa feliz- Preciso reconhecer a ajuda de tantas pes-soas excelentes que ajudaram nesta obra. Estou especialmente grato por uma licença de primavera concedida pela Junta Educacional de Trinity Evangélica! Divinity School que me possibilitou o infcio deste projeto em 1975. Vários outros dividiram entre si a tarefa de datilografar os originais deste livro em alguma etapa da sua produção: Georgette Sattler, Jenny Wiers, Donna Brown, e Jan Woods. Mas eu devo muito mais à minha esposa, que foi meu apoio e melhor assistente. Sendo assim, dedico esta obra à glória de Deus, grato pela Sua graça por tudo quanto tem sido realizado neste texto. Que os leitores possam também achá-la útil para seu entendi-mento e interpretação da teologia do Antigo Testamento!

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Desde 1933 a teologia bíblica tem ocupado o lugar de honra nos estudos teo-lógicos. Especialmente proeminente durante este período foi uma forma existencial da disciplina conhecida como O Movimento de Teologia Bíblica. No entanto, com a publicação do artigo, agora merecidamente famoso, de Langdon B. Gilkey chama-do; "Cosmology, Ontology and the Travail of Biblical Language"1, e o discurso inaugural de James Barr, "Revelation Through History in the Old Testament and Modern Thought"2, começou o "rachar das paredes"3 do novo movimento. Estes dois ensaios atacaram o coração do Movimento de Teologia Bíblica ao desmascarar sua posição dividida de modernismo e Escrituras, Conforme a expressão de Giíkey,

1 Langdon B. Gilkey, "Cosmology, Ontology, and the Travail of Biblical Language", Journal of Religion 41 (1961}: 194-205; também publicado em Concordia Theological Monthly 33 (1962): 143*154,

James Barr, "Revelation Through History in the Old Testament and Modern Thought'', Interpretation 17 (1963): 193-205; também publicado em Princeton Seminary Bulletin 56 (1963). Uma expansão do mesmo aparece no livro de Barr: Old and New in Interpretation (Londres, SCM, 1966), págs, 65-102,

Brevard S. Childs, Biblical Theology in Crisis (Philadelphia: Westminster Press, 1970), pág, 61.

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"Seu ponto de vista acerca do mundo, ou cosmologia, é moderno, enquanto sua linguagem teológica é bíblica e ortodoxa"4 . Conseqüentemente, abria-se mão dos milagres bíblicos e dos discursos divinos, para não ofender as realizações do mo-dernismo enquanto a linguagem bíblica e referências freqüentes aos "podero-sos atos de Deus" (uma frase bíblica, mas que não deixa de ser conveniente por evitar a necessidade de se crer em milagres) foram conservadas.

Certas perguntas tinham de ser enfrentadas. Em que sentido(s) Deus "agia" na história? E o que significavam estes "atos"? A linguagem da teologia bíblica era

meramente uma ambigüidade de termos, ou deveria ser entendida analogicamente ou univocalmente com as coisas que indicava?

Gilkey e Barr concluíram que o Movimento da Teologia Bíblica, apesar dos seus trinta anos de atividade, permanecera dentro das categorias de liberalismo; de fato, dificilmente ultrapassara o tipo de liberalismo de Schleiermacher. Mesmo assim, a busca de uma terceira alternativa entre a posição tradicional conservadora e a agressiva posição liberal era uma tentativa honesta no sentido de se reter o que geralmente se concordava entre todos menos os conservadores, o resultado assegu-rado da crítica das fontes. 5 Isto deveria ser feito sem degenerar-se em intelectua-lismo tão estéril que deixaria o pastor local sem uma mensagem que pudesse pregar. Em seu rasto pelo menos dois influentes jornais americanos foram estabelecidos para ajudar a atravessar esta grande lacuna Theology Today em 19446 e interpreta-tion em 1947.7 A contribuição destes jornais, e de outros semelhantes, juntamente com a enorme bibliografia de monografias durante este período foi não somente impressionante como muitas vezes extremamente útiL

Mesmo assim, exatamente como a teologia do Antigo Testamento em alemão de Walther Eichrodt, em dois volumes, dera início à "idade de ouro" em 1933,3

A Gilkey, Concordia„ pág. 143.

5 Nenhum dos dois lados concedeu a vitória ao outro, a qualquer tempo. As críticas conservadoras mais recentes são: Kenneth Kitchen, Ancient Orient and Old Testament (Downers Grove, III: InterVarsity Press, 1966); Gerhard Maier, The End of the Historical--Critical Method (St. Louis: Concordia, 1977J.

6 "Our Aims", Theology Today 1 (1944): 3-11. 7 Balmer H. Kelly, " In Retrospect", Interpretation 25 (1971): 11-23.

Q

Na realidade, duas monografias cujos autores eram E. Konig (1922) e J. Hãmel (1931), e dois artigos de jornal importantes por C. Steuernagel (1925) e Otto Eissfeldt (1926) prece-deram a obra de Eichrodt, mas foi ele que marcou o passo e captou a atenção dos estudiosos em 1933. Ver, para um dos tratados mais extensivos da história da teologia bíblica do AT e uma bibliografia exaustiva, Robert C. Denton, Preface to Old Testament Theology, edição revista (Nova Iorque, Seabury Press, 1963). Bibliografia atualizada com Wilfrid J. Harrington, The Path of Biblical Theology (Londres: Gill and MacMillan, 1963) págs. 405-17,

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assim também a teologia do Antigo Testamento por Gerhard von Rad,9 em dois volumes, parece destinada a marcar o seu auge e ser o portento da sua ominosa reversão ao tipo de estudo que trata apenas da história da religião de Israel.

A gênese desta reversão poderia ser vista quando von Rad respondia à pergun-ta do objeto de uma teologia do AT de modo direto: era aquilo que Israel profes-sava a respeito de Javé, Estas profissões não eram declarações de fé; eram atos através dos quais o povo expressava sua consciência do seu relacionamento com Deus. Sendo assim, era impossível escrever uma teologia do AT; agora havia teo-logias do AT, Além disto, a verdadeira história dos fatos deveria ser separada da história interpretada que era a expressão da fé de Israel conforme se observa em credos tais como Deuteronômio 25:5-10. Nesta interpretação mutável e falsificada da história, a teologia bíblica, conforme a asseveração de von Rad, podia achar seu objeto!

Como se fosse para demonstrar o fato de que von Rad marcava uma linha di-visória, Roland de Vaux perguntou: "É possível escrever uma Teologia do Antigo Testamento'?"10 e Robert Martin-Achard fez um retrospecto de "La Theologie de i\ancien testament après les travaux de G- von Rad/'11 Todos concordaram, no en-tanto, que uma "crise" de fato chegara.

Alguns eram ainda mais dramáticos. Por exemplo, Horace Hummel anunciou com coragem: " A 'Teologia Bíblica' morreu, e IO VC [The interpreter's One-Volu-me Commentary on the Bible (Nashville: Abingdon, 1971)] é sua testemunha/'12

J. Christiaan Beker,13 Brevard S. Childs,14 B.W. Anderson/5 e Hans-Joaquin Kraus meramente chamaram a situação de crise.16

o Os dois volumes em Alemão de Gerhard von Rad apareceram em 1957 e 1960. As

versões em inglês surgiram em 1962 e 1965. p

1 0 Roland de Vaux, The Bible and the Ancient Near East, trad. Damian McHugh (Londres: Darton, Longman and Todd, 1971), págs. 49-62.

11 Robert Martin-Achard, "La Theologie de l'ancien testament après les travaux de G. von Rad, études Théologiques et Religieuses 47 ( 1972): 219-226.

1 2 Horace Hummel, " A Second Rate Commentary [review article]", Interpretation 26 (1972) : 341.

1 3 J. Christiaan Beker, "Biblical Theology in a Time of Confusion", Theology Today 25 (1968): 185-194.

14 Childs, Biblical Theology. 1 5 B.W. Anderson, "Crisis in Biblical Theology", Theology Today 28 (1971): 321-327. 1 6 HansnJoachin Kraus, Die Biblische Theologie: ihre Geschichte und Problematik (Neukir-

chener Verlag, 1970).

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A Importância da Definição e Metodologia 5

Já estava ficando óbvio que a era pós-von Rad estava se entregando a uma grande medida de auto-análise, e alguns problemas reais de metodologia haviam ficado sem solução. O que não era tão claro era se isto sinalizava um novo início, pois a nova década trouxe consigo uma lista inteiramente nova de contribuintes (ou será que alguns eram participantes atrasados da busca anterior?)

Houve uma contribuição evangélica do teólogo menonita Chester K, Lehman em 1971, chamada Bíblica/ Theology, vol. I, AT, No ano seguinte, Walther Zimmer-li, o teólogo alemão do cumprimento da promessa, contribuiu com sua Grundriss der alttestamentlichen Theologie, enquanto Georg Fohrer, após seu volume grande de History of Israelite fíeiigion (edição alemã, 1969} e seus estudos sobre Old Testa-ment Theology and History (alemão, 1969) contribuiu com Theologische Grund--strukturen des alten Testaments (1972). 0 estudioso católico irlandês W. J. Har-rington publicou The Path of Biblical Theology em 1973, e o Católico Americano John L. McKenzie acrescentou sua A Theology of the Old Testament em 1974. A estas monografias de maior importância devem ser acrescentadas as vintenas de artigos de jornais que continuaram a aparecer.

Sendo assim, é muito razoável perguntar: "Onde estamos agora?" E pode-mos responder que, no meio de toda confusão da década passada, algumas coisas se tornaram abundantemente claras. A despeito das suas mais altas esperanças, a teologia bíblica não tem conseguido reformular e aplicar de novo a autoridade da Bíblia.17 De fato, se houve mudança, é que a autoridade da Bíblia tem diminuído durante este período ao invés de aumentar-se.18 De um lado, não se tem evitado completamente a esterilidade da crítica das fontes, nem o historicismo da história das religiões, do outro lado.19 Nem sequer ocorreu em cada caso que a força da teo-logia filosófica tem sido trocada por uma metodologia que se recusou a colocar quaisquer grades "a priori" sobre o texto. Mais recentemente, alguns experimenta-ram uma grade de "teologia de processo"20, mas sempre tem havido uma longa lis-

1 7 James Barr, The Bible in the Modern World (Londres, SCM. 1973), pégs. 1-12; também chamado: "The Old Testament and the New Crisis of Biblical Author i ty" , interpre-tation 25 (1971): 24-40.

1 8 Ver os grandes esforços de John Bright, The Authority of the Old Testament (Nashville: Abingdon, 1967); Daniel Lys, The Meaning of the Old Testament (Nashville: Abingdon, 1967); e James D. Smart, The Strange Silence of the Bible in the Church (Philadelphia: Westminster Press, 1970), especial men te pdgs, 90-101,

19 Pieter A. Verhoef, "Some Thoughts on the Present-Day Situation in Biblical Theology", Westminster Theological Journal 33 (1970): 1-19.

2 0 James Barr, "Trends in Biblical Theology," Journal of Theological Studies 25 (1974): 267.

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ta de pretendentes filosóficos em pontencial esperando nos bastidores da teologia bíblica.

Se trinta anos de história nos ensinaram alguma coisa, ressaltou a necessidade desesperada de uma solução às questões não solucionadas da definição, método e objeto para a teologia do AT. Desde seu início, estes problemas metodológicos e de definição seguiram os passos de cada teólogo bíblico. A solução destas questões, mais do que qualquer outra coisa, libertaria a disciplina da sua periódica escravi-dão âs modas reinantes da filosofia e evitaria sua captura iminente por um histo-ricismo revivif ícado,

A Natureza da Teologia do Antigo Testamento Eichrodt iniciou a "idade de ouro" com um ataque bem merecido contra o

historicismo que reinava em seus dias. Afirmou que "a essencial coerência interior do Antigo e do Novo Testamento foi reduzida, por assim dizer, a um tênue fio de conexão histórica e seqüência causal entre os dois, com o resultado que uma causa-lidade externa... foi substituída por uma homogeneidade que era real".21 Sendo assim, o AT foi reduzido a uma coleção de períodos separados com pouca ou nenhuma unidade.

Depois de um quarto de século, porém, Gerhard von Rad veio completar qua-se um círculo completo e adotou a própria posição que merecera originalmente a repreensão de Eichrodt. Ao separar a intenção "querigmática", ou propósitos ho-miléticos, dos vários escritores do AT dos fatos da história de Israel, von Rad não somente negou qualquer fundamento histórico genuíno para a confissão da fé que Israel tinha em Javé, como também mudou o objeto do estudo teologia) de uma fo-calização sobre a Palavra de Deus e Sua obra, para os conceitos religiosos do povo de Deus. Para von Rad, não havia a necessidade de fundamentar o querigma da crença em qualquer realidade objetiva, ou qualquer história como evento. A Bíblia não é tanto a fonte da fé dos homens do AT como uma expressão da sua fé. Além disto, conforme a opinião dele, cada época histórica tinha uma teologia sem igual a ela, com tensões internas, diversidade e contradições à teologia das demais épocas do AT. De fato, não havia, para ele, nenhuma síntese na mente dos autores bíblicos ou nos textos, mas apenas a possibilidade de uma "tendência para a unificação".22

0 historicismo voltara! O AT não possuía qualquer eixo central ou continuidade de um plano divino; pelo contrário, continha uma narrativa de como o povo lia reli-

2 1 Walther Eichrodt, Theology of the Old Testament (Londres: SCM, 1961), pég. 30, 2 2

Gerhard von Rad, Old Testament Theology, 2 vols. (Londres: Oliver and Boyd, 1962), 1:11 a

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A Importânc ia da Definição e Metodologia 7

giosamente a sua própria história, sua tentativa de tornar reais e apresentar eventos e narrativas mais antigos.

0 objeto e enfoque do estudo da disciplina foi mudado da história como evento e da Palavra como revelação para uma abordagem tipo história-da-religião. Entrementes, von Rad criticou a teologia de Eichrodt, com seu tipo estruturai, por ter esta deixado de demonstrar que o conceito da aliança era de fato central para a totalidade do cânon do AT. Quanto a isso, o tipo diacrónico de teologia de von Rad, que tratava cada época sucessiva no cânon como um arcabouço organizacional para a teologia bíblica, estava mais perto do objetivo originalmente estabelecido pa-ra esta disciplina. O problema não estava no emprego de uma seqüência histórica de épocas, mas sim, em deixar o emprego legítimo da história engolir os interesses to-tais da disciplina.

Sempre que os interesses da história começavam a dominar, a disciplina entra-va na mesma esterilidade que procurara evitar em 1933. Ficou sem tocar na questão da teologia normativa. Conforme argumentava James Barr, tal teologia deixara de providenciar quaisquer razoes ou critérios para decidir-se o que devia ser tomado como normativo ou autoritatívo no AT ou como esta nova norma poderia ser a base de todas as nossas decisões teológicas,2 3

Se, porém, von Rad estava no caminho certo na abordagem diacrônica e longi-tudinal que prestava atenção à seqüência cronológica do AT e sua mensagem, Eichrodt também estava parcialmente com a razão quando observou que nenhuma teologia era possível se não houvesse alguns conceitos constantes ou normativos no decurso daquela história.

Onde se poderia achar estes elementos constantes? Infelizmente,; apesar das alegações ao contrário, a imposição de conceitualidade teológica e até de categorias teológicas derivadas de teologias sistemáticas ou filosóficas se tornaram comuns. Quando o tipo histórico-descritivo da teologia bíblica (Gabler-Stendahl) cedeu lugar a um tipo teológico-normativo (Hoffmann-Eichrodt), um pulo ilegítimo na prática exegética era sempre o resultado. Enquanto o tipo descritivo parou com aquilo que o texto significava, aqueles que insistiam em que o leitor das Escrituras avançasse para descobrir o que o texto significa para nós hoje, faziam assim na base de um sal-to tipo Kierkegaard em epistemologia e exegese. As formulações da normatividade surgem da moderna estrutura do leitor, ou mesmo de "leituras prontas, pressu-postas" das formulações da Teologia Sistemática, 0 então do texto antigo repenti-namente se tornou no agora das necessidades do leitor atual, ninguém sabendo como ou por qual processo.

23 Barr, Bible in the Modern World, pág, 79.

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Em tais modelos, a fé moderna e a proclamação contemporânea (Geschichte e querigma} facilmente tomavam o lugar da história (Historie) e exegese. E mesmo naqueles outros modelos em que a exegese e a história eram envolvidas, elas ten-diam a tornar-se uma finalidade em si mesmas, cheias de detalhes arqueológicos e uma totalidade fragmentada. A maior necessidade, naquele caso, era levar a efeito a exegese do texto individual à luz de uma teologia total do cânon. Mas como era esta teologia total do cânon? Mais uma vez, tornou-se aparente a insis-tência importunadora desta necessidade de identificar um padrão normativo.

Esta pergunta não foi a invenção da era moderna. Já havia muito, tinha ocorrido aos próprios escritores antigos. Esta busca por um centro, uma concei-tuai idade unificante, estava no próprio coração da preocupação dos que recebiam a Palavra divina e dos participantes originais na seqüência de eventos no AT. Para eles, a questão de fatualismo não era tão importante como a questão do signifi-cado; afinal das contas, em muitos casos eles até faziam parte ou eram participantes nos próprios eventos descritos no texto. O significado e a correlação destes fatos com aquilo que conheceram ou deixaram de apreender de eventos antecedentes, ou significados com os quais este novo evento pode agora se vincular eram muito mais importantes, 0 testemuniio e registro deles, portanto, de todas as interco-nexoes e meios através dos quais a atividade e a correspondente mensagem foram passadas de uma figura chave, geração, região, crise e evento para outra deviam ser de suprema importância em estabelecer o enfoque do nosso estudo. Se uma busca indutiva do registro do AT revelar um padrão constante de eventos progres-sivos, com significados e ensinamentos em que os recipientes ficavam cônscios da participação de cada evento selecionado num todo maior, então o caminho do progresso da disciplina teria sido fixado.

A questão seria esta: Será que o progresso da história incluía relacionamentos em que cada avanço em palavra, evento e tempo era organicamente relacionado com revelação anterior? A resposta, pelo menos em princípio, seria simples e direta. Tal progresso não poderia excluir relacionamentos orgânicos, sendo que o pró-prio registro do AT freqüentemente insistiria em fazer precisamente estas cone-xões. Muitos relutariam contra o factualismo ou originalidade destes vinculadores dos textos, dizendo que os "resultados assegurados" da crítica das fontes apagou a maioria deles ou desmascarou sua posição secundária ou terciária. Talvez o melhor que podemos fazer em prol de tais leitores (enquanto os evangélicos permanecem alienados [ ! ] das controvérsias teológicas) é insistirmos que esta desvantagem (com suas reivindicações de objetividade "científica") seja (temporariamente) vencida ao escutar o cânon como testemunha canónica de si mesma. Da nossa parte, cremos que todos os textos devam ser considerados inocentes de todas as acusações de artificialidade até que sua culpa seja comprovada por testemunhas externas claras, 0 texto deve ser tratado, primeiro, conforme seus próprios termos.

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A Importância da Definição e Metodologia 9

Todas as imposições editoriais designadas pelo modernismo (não derivadas de fontes reais — às quais os evangélicos não têm objeção — mas, pelo contrário, deduzidas de imposições gerais filosóficas e sociológicas feitas sobre o texto) que podem receber o crédito de atomizar o texto e de apagar os vinculadores que se devem atribuir, alegadamente, a redatores piedosos e mal orientados, devem ser excluídas da disciplina até comprovadas válidas pela evidência, A teologia bíblica sempre permanecerá uma espécie em vias de extinção até que os modos brutos da crítica de fontes imaginárias, da história da tradição e certos tipos de crítica de forma tenham sido detidos.

Semelhante protesto não pode ser facilmente interpretado como serido o equivalente de um conceito estático do desenvolvimento do registro. Pelo contrá-rio, insistimos que se o registro bíblico tem licença de falar sua própria intenção em primeiro lugar, claramente indica progresso, crescimento, desenvolvimento, movimento, revelações irregulares e esporádicas de significado, e seleções de eventos no pleno fluxo de correntes históricas. Concordamos com Père de Vaux que esta história não era apenas homileticamente útil; tinha que ser história real; senão, seria indigna de crédito pessoal e propensa a colapso interno pelo próprio peso das suas próprias invenções. Emprestando um antigo adágio, e pedindo desculpas por isto, algumas das gerações poderiam ter sido enganadas por algum tempo, mas nao todo o restante do povo o tempo todo.

Houve, portanto, verdadeiro progresso na revelação.24 Tal progresso, porém, não excluía nem um relacionamento orgânico nem a possibilidade de se levar a efeito, de vez em quando, uma plena maturação de um ou mais pontos de reve-lação ao longo desta admitida rota de crescimento. Nem a história nem a revelação procediam a um ritmo uniforme de maturação previamente estabelecido.

Mais freqüentemente do que o contrário, o crescimento era lento, atrasado ou até dormente, que só depois de um longo período deixava brotar um novo rebento irrompendo do tronco principal. Este crescimento, porém, conforme os escritores das Escrituras nos contam, sempre era vinculado ao tronco principal; um crescimento epigenético, i, e., havia um crescimento do registro de eventos, significados e ensinamentos no decurso de tempo, em redor de um centro fixo que contribuía vida â massa total emergente.

24 James Orr tratou deste problema nas suas preleções da Universidade de Lake Forest,

"The Progress!veness of Revelation", The Problem of the Old Testament (Londres: Nisbet, 1909), págs. 433-478. O outro homem que respondeu às obras por John Henry Newman e Adolph Harnack acerca do desenvolvimentismo foi Robert Rainey, Delivery and Development of Christian Doctrine {Edimburgo: T. & T. Clarkf 1974), págs. 35-73.

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Se o evento, significado ou ensinamento foi considerado como muda, tronco, galho, raiz, ou folha, tudo participava da vitalidade do organismo inteiro, Como tal, cada parte do processo histórico era qualitativamente perfeita como a totali-dade, embora certas partes fossem severamente limitadas ou na sua significância quantitativa para com o todo, ou na sua duração. Por exemplo, alguns eventos, significados, ou ensinamentos foram deliberadamente dados com uma declaração embutida de obsolescência que limitava o campo de sua aplicação a certos períodos históricos. Assim era a legislação do tabernáculo como as cerimônias que a acompa-nhavam: foi uma cópia feita segundo o padrão mostrado a Moisés no monte Sinai (Êx 25:9, 40; 26:30; Nm 8:4). Daí a sua limitação.

De vez em quando, o progresso histórico também permitia uma plena matu-ração de algum aspecto do registro, e, naqueles pontos, o texto nos deixa atônitos com o modo pelo qual o significado e o ensinamento ultrapassam a experiência e os tempos. Os homens e os tempos não tinham controle daquilo que era teologi-camente significativo, nem eram a medida da capacidade divina! Deve-se exercer, portanto, cuidado nesta área a f im de evitar que algum tipo de positivismo teoló-gico possa surgir para ditar aquilo que poderia ter acontecido, ou o que aconteceu mesmo, no progresso da revelação. Deus permaneceu sendo o Senhor soberano mesmo neste aspecto. Conseqüentemente, a rapidez da descrição da Criação, da Queda do primeiro casal humano, a extensão universal da promessa abraâmica, o sacerdócio de todo o Israel, ou a descrição que Isaías deu do novo céu e da nova terra não devem nos surpreender e serem julgados como sendo impossível. Somente o embaraço de um espírito de modernidade por demais refinado sentir-se ia obrigado por algum compromisso anterior a um princípio filosófico ou a uma sociologia do conhecimento para julgar impossíveis tais reivindicações textuais ainda antes de serem achadas culpadas na base de cânones aceitáveis de evidência.

A natureza da teologia do AT, conforme aqui é concebida, não é meramente uma teologia que está em conformidade com a Bíblia inteira, mas é aquela teo-logia que se descreve e se contém na Bíblia (genitivo subjetivo) e conscientemente vinculada de era em era enquanto todo o contexto antecedente e mais antigo se torna a base para a teologia que se seguia em cada era.

Sua estrutura é disposta historicamente, e seu conteúdo é exeg ética mente controlado. Seu centro e conceítualidade unificada se acham nas descrições, expla-nações e conexões textuais.

O Método da Teologia do Antigo Testamento Quatro tipos principais de teologias têm aparecido em anos recentes,

1. O tipo estrutural descreve o esboço básico do pensamento e da crença no AT em unidades tiradas por empréstimo da teologia sistemática, da

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sociologia, ou de princípios teológicos seletos e depois traça seu relacio-namento para com conceitos secundários (Eichrodt, Vriezen, van Ims-choot).

2, O tipo diacrónico expõe a teologia dos sucessivos períodos de tempo e das estratificações da história de Israel, Infelizmente, a ênfase recaía sobre as tradições sucessivas da fé e da experiência da comunidade reli-giosa (von Rad).

3, O tipo lexicográfico limita seu escopo de investigação a um grupo ou grupos de homens bíblicos e seu vocabulário teológico especial, e. g.f os sábios, o eloísta, o vocabulário sacerdotal, etc. Gerhard Kittel, editor, e G. W. Bromitey, trad., Theological Dictionary of the New Testament, 10 vols. (Grand Rapids: Eerdmans, 1964-74); Peter F. Ellis, The Yah-wist: The Bible's First Theologian (Notre Dame: Fides Publishers, 1968},

4, O tipo dos temas bíblicos leva sua busca afém do vocabulário do único termo chave para abranger toda uma constelação de palavras ao derredor de um tema chave (John Bright, The Kingdom of God; Paul e Elizabeth Achtemeier, The Old Testament Roots of Our Faith).

A ambigüidade dos métodos é óbvia; porque enquanto o tipo estrutural ressalta que uma teologia deve representar a formulação sistemática de idéias religiosas, o tipo diacrónico se desvia na direção de uma abordagem tipo história--dasHreligiões na sua insistência de que a teologia bíblica é uma disciplina pura-mente histórica que registra imparcialmente as crenças da comunidade religiosa sem procurar avaliar a relação que estes eventos e pensamentos possam ter com respeito à verdade religiosa normativa permanente. Os outros dois tipos geral-mente lutavam com a mesma questão básica, porém com um escopo muito mais limitado do cânon ou do alcance de idéias bíblicas.

Ambos os litigiantes principais no campo da teologia do AT, porém, tinham problemas metodológicos de maior vulto para o tipo de teologia do AT aqui visado. O tipo estrutural delineia um programa de estudos que é metodologicamente tão relacionado à teologia sistemática que sentimos dificuldade em descobrir a verdadeira utilidade da sua missão a não ser o valor heurístico de ver como pare-ceria uma teologia sistemática do Antigo Testamento- Mas como isto poderia servir para as necessidades teológicas ou exegéticas da comunidade da fé? E para que fazer tanto barulho em protesto contra a terrível imposição das categorias da filosofia ocidental ou das que pertencem às grandes confissões eclesiásticas da igreja cristã, se a estrutura que se resulta é apenas uma fraca concatenaçao do relacionamento entre Deus e o homem? Neste caso, a teologia bíblica não tem nenhuma missão independente e faz uma contribuição mínima, ou talvez nenhuma.

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Semelhantemente, o modelo diacrónico se desvia na direção da abordagem da história-da-religião, Embora tenha suprido o arcabouço sem igual e novo do progresso de eventos e pensamentos através dos acontecimentos históricos, sua tendência tem sido dar-se por satisfeito com uma apresentação que tem sido pura-mente descritiva na sua natureza. Assim sendo, embora a teologia bíblica tenha começado como uma reação contra a infertilidade da abordagem tipo história-da--religião-de-lsrael, parece agora que, devido á pobreza da sua própria metodologia, tem sido retomada por esta área da teologia. Esta, no entanto, não era necessaria-mente uma feição concomitante do método, conforme esperamos demonstrar mais tarde.

Há, portanto, uma metodologia distintiva para esta disciplina? Ou será que toda a labuta do último meio século tem sido sem resultado real? Há, pois, um tema ou plano, interno, persistente, distintivo e característico que demarcaria a preocupação central do AT? E será uma ajuda para o currículo teológico ou mesmo para a apreciação do leitor em geral, ter este piano demonstrado nas suas sucessivas contribuições? Tudo isto equivale a um sistema ou uma lógica que se edifica dentro do Antigo Testamento? E será que este padrão dá evidência que espere eventos e significados ainda além do alcance dos seus escritos canó-nicos? Ainda mais crucial, pode ser demonstrado pelas alegações dos participantes originais destes eventos e pelos pensamentos destes textos do AT que tinham consciência de um fluxo contínuo de eventos, significados e idéias que precediam a eles e que se sentiam obrigados a reconhecer algum tipo de exigências, perma-nentes e normativas, impostas sobre suas crenças e ações? Estes são os problemas difíceis de metodologia que a geração passada, bem como a nossa, tem tido dificul-dade em achar uma resposta, mormente porque esta disciplina fo i considerada como sendo a síntese de todos os "resultados assegurados" dos estudos do AT no decurso dos últimos dois séculos. Infelizmente, alguns destes resultados repre-sentavam uma escravidão tão grande a grades, sistemas, e filosofias como aquelas que a disciplina originalmente tentara evitar em 1933.

Nosso propósito é fazer uma forte distinção entre o método da teologia bíblica e o da sistemática e o da história das religiões. Há um centro ou plano interior ao qual cada escritor conscientemente contribuía. Um princípio de seletivi-dade já está evidente e divinamente determinado pela revelação rudimentar do tema divino de bênção — promessa para todos os homens em todos os lugares, quando o cânon tem seu início em Gênesis, caps. 1-11 e continua em Gênesis, caps. 12-50. Ao invés de selecionarmos os dados teológicos que achamos atra-entes, ou que suprem alguma necessidade corrente, o texto teria estabelecido suas próprias prioridades e preferências, Estes pontos de união podem ser identifi-cados, não na base de escolas eclesiásticas ou teológicas, mas, sim, por critérios tais como: (1) a colocação crítica de declarações interpretativas na seqüência

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textual; (2) a freqüência de repetição das idéias; (3) a recorrência de frases ou termos que começam a assumir uma qualidade técnica; (4) o retornar a temas que um precursor já levantara, muitas vezes com uma área de referência mais extensiva; (5) o emprego de categorias de asserções previamente empregadas que facilmente se prestam a uma descrição de um novo estágio no programa da his-tória; e (6) o padrão organizacional por meio do qual as pessoas, lugares e idéias eram marcados para aprovação, contraste, inclusão, e significado futuro e presente.

Não somente a tarefa da seletividade deve ser iniciada e guiada pelos con-troles textuais estabelecidos pelas intenções quanto à verdade da parte dos escri-tores do AT, mas estes mesmos homens também devem ser seguidos de perto na avaliação de todas as conclusões teológicas tiradas destes dados teológicos "selecionados".

Se estes juízos de valor, estas interpretações e estimativas que atribuíam a estas pessoas e eventos chaves no texto fossem apagados, deixados de lado, negligenciados ou substituídos por nossos próprios, não poderíamos culpar a nin-guém a não ser nós mesmos se parecer que a autoridade da Bíblia também evapo-rou sob nossos melhores esforços estudiosos. A verdade do assunto, seja benéfica ou não, é que estes escritores alegam que receberam a revelação divina na seleção e avaliação de tudo quanto foi registrado. Conseqüentemente, todas as teologias sérias precisarão se entender com ambos os aspectos desta reivindicação, para não falar da própria reivindicação de se ter recebido revelação.

Para repetir, então, em nossa metodologia proposta, a teologia bíblica tira sua própria estrutura de abordagem da progressão histórica do texto, e sua seleção e conclusões teológicas a partir daquelas que se acham no enfoque canónico. Assim sendo, concorda parcialmente com a ênfase histórica e seqüencial do tipo diacrónico da teologia do AT e da ênfase normativa do tipo estrutural.

No entanto, faz mais do que meramente sintetizar ou ecleticamente aceitar uma nova combinação daquilo que até agora tem sido uma coletânea de métodos antitéticos. Deliberadamente tenta derivar sua teologia de percepções exegéticas das seções canónicas, seja um parágrafo ou capítulo que faz um resumo, uma passagem chave de ensinamento, um evento estratégico conforme sua avaliação no contexto onde apareceu pela primeira vez e em referências subseqüentes no cânon, ou um livro inteiro ou grupo de livros que se vinculam tão estreitamente quanto ao tema, abordagem ou mensagem que produzem uma unidade explícita.

No meio de toda a multiplicidade e variedade de materiais, eventos e ques-tões, é nosso argumento que existe mesmo um centro para esta tempestade de atividade. Semelhante ponto de partida é suprido textualmente e confirmado textualmente como esperança central do cânon, preocupação sempre presente, e medida daquilo que era teologicamente significativo ou normativo, Embora

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o NT finalmente se referisse a este ponto focal do ensino do AT como sendo a promessa, o AT o conheceu sob uma constelação de palavras tais como promessa, juramento, bênção, descanso e semente. Também era conhecido sob fórmulas em três partes tais como: "Eu serei vosso Deus, vós sereis meu povo, e eu habitarei no meio de vós", ou a fórmula redentora auto-asseverativa espalhada na forma parcial ou integral 125 vezes em todas as partes do AT: "Eu sou o SENHOR vosso Deus que vos trouxe da terra do Egito", Também poderia ser visto como plano divino na história que prometia trazer uma bênção universal pela agência de uma escolha divina, não por merecimentos de uma descendência humana. "Em ti serão benditas todas as famílias da terra" (Gn 12:3).

A interpretação passiva de Gênesis 12:3 (também 18:18; 28:14 — em todos os casos o verbo está na forma do nifal) é tão crucial que BertiI Albrektson25

reconhece que se a forma nifal é passiva aqui e não reflexiva conforme a maioria das traduções modernas alegam, então uma clara referência a um plano divino mediante o qual Abraão é escolhido para ser o instrumento de Deus para alcançar todas as nações da terra é explicitamente ensinada no texto. Infelizmente, porém, ele se sente constrangido a rejeitar esta referência, baseando-se no fato de que esta fórmula aparece na forma hithpael (usualmente uma forma reflexiva) em Gênesis 22:18 e 26:4: "Abençoar-se".26

Neste ponto, porém, um forte protesto deve ser levantado, por várias razões exegéticas. Em primeiro lugar, em Gênesis 12:2 já se diz que a bênção divina é vinculada à pessoa de Abraão: "E tu [ou "ele", referindo-se ao nome ou ao povo de Abraão] serás uma bênção". Sendo assim, nem ele nem o seu povo hão de ser uma mera fórmula de bênção; nem ele meramente se abençoará a si mesmo! Abraão, pelo contrário, à parte do nifal controverso do versículo 3, seria o inter-mediário e fonte da bênção divina. Esta era sua missão destinada na primeira coletânea de promessas do versículo 2 antes de se avançar para uma declaração diferente e mais alta de propósito no versículo 3.

Todas as cinco passagens em Gênesis (tanto nas formas nifal e hithpael do verbo "abençoar") se tratam nos Targuns samaritano, babilónico (Onkelos), Jerusalém (Pseudo-Jônatas) como sendo passivas. De fato, a interpretação harmo-nística que insiste em interpretar três formas do nifal por duas formas do hithpael também está mal informada quando insiste num sentido uniforme reflexivo do

2 5 Bertil Albrektson, History and the Gods (Lund, Suécia: C.W.K. Gleerup Fund, 1967), pág. 79-

26 Para a forma hlthpaef deste verbo, ver Salmo 72:17, e o seu paralelismo no contexto, notando, porém, a tradução no passivo na Vulgata e na LXX.

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hithpael, porque isto não é verdade.27 Não se pode afirmar assim tão facilmente que o sentido do hithpael é claro, e portanto deve ser usado como a base da inter-pretação do sentido do "nifal disputado". 0 sentido de ambas estas raízes se mudou sobre a pressão do interesse polêmico em Rashi, depois em Clericus, e, agora, a maioria dos lingüistas e exegetas. Entretanto, o desafio lingüístico de O.T. Al lis tem ficado sem refutação e até sem reconhecimento por estudiosos contemporâneos — o sentido é claramente passivo e as implicações para a teologia bíblica do AT são maciças!

0 enfoque do registro recaiu sobre o conteúdo da aliança de Deus, que permanece epigeneticamente constante, L e., o acúmulo de materiais enquanto o tempo se passava, foi crescendo em derredor de um centro f ixo que contribuía com vida â totalidade da massa emergente. Este conteúdo era uma certa palavra de bênção e promessa. Era uma declaração garantida por uma promessa divina de que Deus livremente faria ou seria algo para certas pessoas em Israel naquele mo-mento, ef depois, para descendentes judaicos no futuro a f im deque Deus pudesse assim fazer ou ser algo para todos os homens, nações, e a natureza, de modo geral. Os efeitos imediatos desta palavra eram bênçãos divinas (acontecimentos ou a chegada de pessoas) usualmente acompanhadas por uma declaração promissória de uma obra futura ou completação da série — uma promessa divina. Sendo assim, os homens recebiam a promessa e aguardavam a promessa, tudo num só plano,

Na sua composição, no entanto, o registro continha interesses tão variados que incluíam: (1) bênçãos materiais de todos os homens e animais; (2) uma des-cendência especial para a humanidade; (3) uma terra para uma nação escolhida; (4) bênçãos espirituais para todas as nações; (5) a libertação nacional da escravidão; (6) uma dinastia e reino de eterna duração que um dia haveriam de abranger um domínio universal; (7) o perdão dos pecados, e assim por diante, mais e mais.

De nenhum princípio empurrado como "vara de adivinhação abstrata" por cima do texto poderia se esperar como resultado tantos valiosos frutos teológicos. Somente uma reivindicação que o próprio texto levantou poderia ter chamado nossa atenção para semelhante constelação de termos e conteúdo interconexos como se acha neste único plano de Deus — Sua promessa. O progresso dessa dou-trina pode ser medido e descrito historicamente. Além disto, incluirá seu próprio

2 7 A discussão mais definitiva que já houve deste problema é o artigo de O.T. Allis, "The

Blessing of Abraham", Princeton Theologicaí Review 25 (1927): 263-298, Ver especialmente pág, 281 onde ele faz uma lista dos seguintes exemplos de um possível significado passivo para 0 hithpael: Génesis 37:35; Números 31:23; Deuteronômio 4:21; 23:9; 1 Samuel 3:14; 30:6; 1 Reis 2:26; Jó 15:28; 30:16, 17; Salmos 107:17, 27; 119:52; Isaias 30:29; Lamentações 4:1; Ezequiel 19:12; Daniel 12:10; Miquéias 6:16.

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padrão para uma norma permanente por meio da qual se pode julgar aquele dia e todos os demais dias por uma vara de medida que reivindica ter sido colocada pelo próprio Deus sobre o escritor das Escrituras e, ao mesmo tempo, sobre todos os leitores subseqüentes.

0 Escopo da Teologia do Antigo Testamento Inevitavelmente surge a questão da limitação da disciplina. Deve incluir

matérias fora do cânon do AT? Deve tentar incluir todo o AT com todos os seus detalhes, ou pode desenvolver algum tipo razoável de cobertura representativa que apresentará os interesses de uma teologia total do AT?

À primeira pergunta respondemos que o escopo do nosso estudo é correta-mente restringido aos livros canónicos na coleção judaica. Acrescentar à nossa consideração os Apócrifos, matérias de Qumram, textos de Nag Hammadi, e escritos rabínicos enfraqueceria seriamente o propósito declarado de discutir a feição integrai da teologia dentro de uma corrente de revelação em que os escri-tores estavam contribuindo conscientemente, sob ordens divinas, para um registro existente de revelação divina. A possibilidade de descobrir a unidade ou centro do AT ou sua correlação com o NT seria perdida para sempre, pois a linha divi-sória temática perderia sua nitidez devido à intrusão daquilo que basicamente pertenceria á história da religião de Israel.

O julgamento do próprio Cristo é ainda mais determinante quanto a isto, pois Ele decisivamente indicou a coleção de livros judaicos conforme eram conhe-cidos nos Seus dias, e afirmou que eram aqueles que falavam dEle. Este julgamento deve solucionar a questão para todos os que crêem, e deve ser uma precaução para todos os demais estudantes da disciplina no sentido de restringirem o escopo dos seus estudos "teológicos" àquele cânon. Entretanto, certamente, uma abor-dagem tipo história-da-religião será necessária para alargar sua área de estudos para incluir no seu panorama toda a literatura intertestamentária.

O alvo de uma teologia do AT não é laboriosamente entrar numa discussão de cada pedaço de informação que diz respeito à história ou prática da religião. Sendo assim, todos os estudos meramente historiográficos, cúlticos, institucionais ou arqueológicos devem ser relegados a outras partes do corpo da teologia.

Isto não quer dizer que existe um "cânon dentro do cânon", como se fosse a prerrogativa do teólogo dar a certas partes do cânon uma posição de preferência enquanto denigre outras partes ao aplicar-lhes a etiqueta de posição secundária ou inferior. É verdade que a Bíblia, ta S/Ma, é uma palavra plural que indica a natureza composta dos livros que formam a totalidade. Esta nomenclatura externa não pode bastar como evidência para uma canonicidade múltipla.

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A presença de um tema central ou de um centro material que leva consigo a linha principal e significado da narrativa não pode, muito menos, ser empregada como ferramenta divisória para segregar níveis de canonicidade, autoridade ou valor de revelação. Se, ao invés disto, o centro pertence integralmente ao próprio texto, sua autenticação deve ser realizada sendo que reúne em si todas as partes apoiadoras do cânon. 0 próprio desenvolvimento de sistemas artificialmente plane-jados de bifurcar o texto mais uma vez implica em que o crivo do leitor ou estu-dioso moderno, através do que são passados todos os textos bíblícos, é mais exato e digno de confiança do que as reivindicações dos profetas ou apóstolos que esta-vam a par dos planos do Senhor e que receberam aquilo que registraram, Noutras palavras, aquilo que os leitores bíblicos modernos negaram aos escritores bíblicos, aqueles reivindicam para os seus próprios crivos! Não, a totalidade do texto canó-nico deve ser recebida num nível de igualdade.

Portanto, todo o texto é igualmente importante e vem nos julgar, ao invés de ser julgado por nós. Mas isto não quer dizer que tudo é importante pela mesma razão. Nem todo texto ensina doutrina. E não são todos os textos que dão ins-trução ética; o agregado total, no entanto, se presta para uma só totalidade unifi-cada com momentos especiais de surpresa quando o f io da história ou o ensino que o acompanha recebe um tremendo passo para a frente devido ao significado de uma nova palavra ou obra da parte de Deus. Daí, é possível ter unidade sem uniformidade, solidariedade sem constância estática. Havia pouca, ou nenhuma, uniformidade na forma, caráter, grau e regularidade de ocorrência de interdepen-dência que produziu uma harmonia de pensamento, propósito e vida.

Conseqüentemente, a teologia bíblica não precisa repetir cada detalhe do cânon a f im de ser autêntica e exata. De fato, o que seria mais preferido por parte da teologia seria o método que pudesse sintetizar os detalhes que muitos dizem ser "discrepantes", de tal modo que pudessem participar da estrutura teológica central do cânori e ressaltar deles a validade representativa, o aspecto distintivo, e a contribuição teológica ao centro material e formal da Bíblia.

Também não se nega que é possível escrever um tipo de teologia bíblica ba-«ando-se em seções específicas de um livro grande da Bíblia (e. g. !s caps. 40-66) ou em um grupo de livros que pertencem a uma etapa específica histórica em co-mum da revelação. No entanto, tal abordagem seccional sempre dependerá da totali-dade teológica maior. Isto é: em última análise, precisará ser informada por toda a teologia antecedente contra a qual esta seção pequena tenha sido projetada, e especialmente, pelo tema total do cânon. O acúmulo da mensagem total nunca ficava longe das mentes da maioria dos autores enquanto escolhiam as palavras ou vinculavam suas experiências àquilo que até então tinha sido sua herança religiosa e revelacional até àquele ponto no tempo. Note-se que este não é o procedimento usual da Analogia da Fé mediante a qual o NT ou teologia pos-

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terior tem licença de marcar o compasso de passagens anteriores. Pelo contrário, é aquilo que chamaremos a Analogia de Escrituras Antecedentes, mediante a qual a teologia canónica cronologicamente antecedente deve ser averiguada para ver se prestava informações à teologia que está sendo investigada*

Mais um fato precisa ser ressaltado: a teologia do AT é uma disciplina legí-tima e distinta da teologia do NT. Sem dúvida, a teologia do AT tem a obrigação de indicar as vinculações com a teologia do NT, assrm como a teologia do NT tem a obrigação de procurar suas raízes de vinculação no AT. Por causa da enormi-dade de manejar sessenta e seis livros que cobrem um período tão vasto de tempo, seria melhor embalar a teologia bíblica única sob as duas etiquetas dos dois testa-mentos, Além disto, se, conforme cremos ser possível argumentar, a teologia bíblica é em primeiro lugar uma ferramenta exegética e não primariamente uma ajuda na construção de uma teologia sistemática, então mais uma vez será mais útil se a única teologia bíblica fosse publicada em duas partes, uma para cada testamento. Assim, sem ficar desvinculado de um dos testamentos, poderia ser argumentado que o impacto e a utilidade da teologia seria maior se fosse embalada separadamente.

A Motivação para a Teologia do Antigo Testamento 0 impulso primário em construir qualquer teologia bíblica já não é um

protesto contra a teologia sistemática. Que certa alienação tenha existido no pas-sado entre os representantes das duas disciplinas — embora não fosse necessaria-mente assim — não se pode negar. Mas isto foi quando a disciplina estava buscando um conjunto separado de categorias, ao invés das da sistemática, e quando ambas as disciplinas estavam prontas a aceitar uma abordagem normativa à teologia, Agora, com as fortunas subindo da abordagem puramente descritiva è teologia bíblica, e uma aproximação maior, senão uma imitação aberta, aos métodos do estudo tipo história das religiões, a necessidade de distinguir entre estas duas disci-plinas é ainda mais urgente do que na luta anterior com a teologia sistemática.

Dado, porém, o interesse original da teologia bíblica nas raízes históricas da mensagem, enquanto está em seu desenvolvimento e o julgamento equilibrador que buscava identificar a coletânea de avaliações normativas do próprio texto, o propósito e papel desta nova disciplina deve ser declarado em termos bem dife-rentes do que ocorre atualmente.

Ao invés de descobrir uma parte sobreposta nas áreas sistemáticas ou histó-ricas, achamos que a teologia bíblica é uma ferramenta dupla do exegeta. Sua aplicação mais imediata está na área da hermenêutica, Aqui, sua contribuição não é nem competitiva nem meramente tolerada como abordagem alternativa a um corpo de material semelhante.

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Seu papel é tão distintivo quef sem esta teologia, a tarefa exegética seme-lhantemente cai num historicismo de uma descrição a.C- ou do primeiro século d.C, Sua mensagem se prende ao tempo e fica trancada no então do evento com muito pouca coisa para levar para o agora da proclamação ou da aplicação à situa-ção do leitor ou ouvinte.

Mesmo se a exegese evitasse a arapuca historicista através de práticas tão abomináveis quanto o apelar para a moralização, a alegorizaçao, a psicologização, a reinterpretação ou a espiritualização do texto, depois de ter cumprido suas obrigações profissionais de localizar o texto precisamente na situação do tempo e espaço do escritor, também poderia entrar num beco sem saída lingüístico em que o exegeta e o intérprete completam sua tarefa depois de analisar os verbos, identi-ficar as formas raras, e notar as conexões com formas cognatas importantes. Em-bora este exercício seja importante, não poderá ultrapassar um resultado pura-mente analítico.

Entretanto, o texto pede para ser entendido e colocado num contexto de eventos e significados. Estudos históricos colocarão o exegeta em contato com o fluxo de eventos no tempo e no espaço, e as análises gramaticais e sintáticas identificarão a coleção de idéias na seção imediata do período sob investigação. Qual disciplina, no entanto, colocará o exegeta em contato com aquilo que o escritor deste texto avulso achou de valor duradouro e de especial relevância para seus dias por causa das suas alusões explícitas ou implícitas aos grandes atos e avaliações teológicas da revelação anterior? É precisamente neste ponto que a teologia bíblica fará sua contribuição mais distintiva e sem rival.

Em cada exegese bem sucedida, deve haver alguns meios de identificar o centro ou cerne do cânon. Depois de localizar e colecionar este padrão distintivo e esta semelhança familiar como fruto de uma miríade de esforços exegéticos cobrindo a totalidade do cânon do AT, o exegeta, intérprete, pregador, leitor e ouvinte de partes individuais do texto estará capacitado a escutara Palavra norma-tiva de Deus.

Naturalmente, seria necessário repetir as advertências contra todas as impo-sições prematuras de generalizações variadas ou significados alegadamente enalte-cidos e contemporâneos do texto. Tal teologização inacabada não poderia, de modo algum, substituir aquela busca diligente de um princípio de unidade inter-namente derivado.

Semelhante reivindicação deve levar consigo sua própria verificação e justi-ficação. Se não puder demonstrar que seus interesses são precisamente aqueles que são levantados no progresso do crescimento destas ''normas centralmente acreditadas", então estes interesses devem ser abandonados e a busca iniciada de novo.

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Depois de localizado o centro certo, no entanto, a tarefa do exegeta deve ser completada depois de ele trabalhar os passos da exegese gramatical-h istórica--sintática-cultural, acrescentando o passo teológico,

A exegese teológica, quando se emprega juntamente com os passos gramatical--histórico sintático-cultural, empregará a Analogia das Escrituras Precedentes para ajudar o intérprete a fazer a transferência autorizada do então do contexto a.C. do AT para o agora do século vinte- Em contraste com o método empregado pela teologia sistemática chamado a Analogia ou Regra da Fé (que é uma cole-tânea das doutrinas fundamentais da fé tiradas dos capítulos principais e mais óbvios das Escrituras, sem notar especialmente o período de tempo em que surgi-ram ou informações semelhantes), a Analogia das Escrituras limita severamente seu emprego para aquela edificação do núcleo da fé que antecedeu no tempo e na história o texto sob investigação. Enquanto a Analogia ou Regra da Fé é dedutiva e coleciona todos os materiais sem levar em conta suas relativas datas, a Analogia das Escrituras é indutiva e coleciona apenas aqueles contextos ante-cedentes que existiam na mente do escritor das Escrituras enquanto escrevia a nova passagem, conforme se indica pela mesma terminologia, fórmulas ou eventos aos quais este contexto acrescenta outros em série.

Dependendo da parte do cânon onde o exegeta está trabalhando, ele empre-gará a teologia dos períodos que precederam seu texto, na medida em que ditos períodos ofereçam tópicos análogos ou idênticos, palavras-chave em comum, ou levantem outros interesses teológicos semelhantes. É esta analogia que "infor-ma"28 o texto suprindo o pano de fundo e a mensagem disponível à luz da qual esta nova revelação foi dada.

Ao invés de empregar textos do NT ou textos e idéias subseqüentes do AT para interpretar (ou, ainda pior, reinterpretar) o material antigo — o que é um ato de descarada rebeldia contra o autor e sua reivindicação de ter recebido autoridade divina para aquilo que relata e conta — conclama mos o novo teólogo bíblico a prover o exegeta com um conjunto de termos técnicos e teológicos que se acumulam, identificações dos momentos-chaves interpretativos na história do plano divino para o homem, e uma apreciação pela gama de conceitos agru-pados em derredor de um núcleo unificante — todos estes de acordo com sua progressão histórica no tempo.

Semelhantemente, seriam desnecessários expedientes tais como a tentativa de cobrir a lacuna entre a.C. e d.C. com o emprego da analogia da situação hu-

2 8 John Bright, Authority of the Old Testament (Nashville: Abingdon, 1967), pégs.

143, 170.

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A Importância da Definição e Metodologia 21

mana29 ou o método de reapresentar o texto em proclamação30 para contempo-rizar a mensagem.

O uso bem estudado dos resultados da teologia bíblica marcará a mensagem permanente como estando fundamentada na especificidade histórica. Dessa forma, a exegese terá os maiores benefícios dos esforços desta disciplina, enquanto, num modo menos direto, a sistemática também desejará consultar seus resultados com aqueles da teologia exegética, da história do dogmaf e da filosofia da religião.

29 Lawrence E. Toombs, The O/d Testament in Christian Preaching (Philadelphia: Westminster Press, 1961); idem, "The Problematic of Preaching from the Old Testament", interpretation 23 (1969): 302-314. Toombs disse: "Na medida em que nós do século vinte participamos do homem antigo numa humanidade em comum, suas avaliações da sua situação são potencialmente relevantes è nossa própria avaliação", íbid., pég. 303.

3 0 Martin Noth, "The Re-Presentation of the Old Testament in Proclamation", Essays on

Oid Testament Hermeneutics, ed. Claus Westermann, 2? edição (Richmond: John Knox, 1969}, págs, 76-88.

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Nenhuma disciplina tem lutado com mais coragem para cumprir sua missão básica, mas com resultados tão decepcionantes, do que a teologia bíblica do AT. Há, inerente em seu próprio nome, a pressuposição de que se pode achar uma unidade interior que vinculará juntamente os vários temas, conceitos e livros do AT. Infelizmente, porém, a julgar de toda a literatura disponível, essa unidade interior ou conceito central parece ter permanecido escondida ou talvez enter-rada sob toda a variedade e diversidade de forma e conteúdo no AT.

As Questões Envolvidas 0 verdadeiro problema, declarado com singelezar é o seguinte: Existe uma

chave para um arranjo metódico e progressivo dos assuntos, temas e ensinos do AT? E aqui temos a pergunta mais crucial e sensível de todas: Os escritores do AT tinham consciência desta chave enquanto continuavam a acrescentar à cor-rente histórica da revelação?

A resposta a estas perguntas determinará literalmente!o destino e a direção da teologia do AT, No caso de não ser possível demonstrar indutivamente tal chave a partir do texto, e se os escritores não escreviam deliberadamente a partir desta consciência, então teríamos de nos restringir a falar acerca de diferentes

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A Identificação de um Centro Teológico Canónico 23

teologias do AT. Conseqüentemente, a idéia de uma teologia do AT como tal precisaria ser abandonada de modo permanente. Não somente seria necessário reconhecer que não havia unidade para se descobrir no AT, como também seria necessário abandonar a busca de linhas de continuidade com o NT, legítimas e autor itativas,

Naturalmente, esta última hipótese não viria como surpresa para muitas pes-soas, porque já decidiram que esta situação já existe. Sendo assim, a maior parte das teologias do AT, embora retivesse a terminologia tradicional do AT, mudou seu enfoque da unidade para a variedade, de linhas de continuidade para tendências competitivas de diversidade. Este é também o julgamento de Rudolf Smend. Num ensaio importante no qual passa em revista os últimos 150 anos de teologia do AT, começa, dizendo: "A confiança com a qual se postulava a existência de um centro (Mitte) do Antigo Testamento, paulatinamente se diminuiu".1

Mesmo os próprios termos através dos quais nos referimos a este fenômeno têm permanecido ilusórios, A maioria se referia aproximadamente a um núcleo central de eventos e/ou significados no AT, que providenciava algum tipo de centro unificador para a enorme quantidade de detalhes. George Fohrer falava de um "Mittelpunkt"2 enquanto Rudolph Smend, conforme já notamos, escolheu "Mitte" e Günter Klein empregava "Zentralbegriff"} Outros termos incluíam "conceito central",4 "ponto focal", "idéia-raiz essencial", ou "idéia subjacente".5

A despeito das variações teminológicas, uma nota semelhante é soada em todos estes termos. Talvez a palavra "centro" seja a mais útil, mas também ela tem certas desvantagens. Peio menos ressalta o desejo tradicionalmente localizado na teologia do AT de identificar os pontos integrantes na totalidade do testamento, mas aquela palavra não indica qualquer edificação de materiais hístórico-lineares dentro daquele centro. Há, daí, ainda a necessidade de algum termo que possua tanto o aspecto dinâmico do crescimento da revelação como um ponto de referên-cia unificador para ele. Até aqui, nenhum termo deste tipo se sugeriu; mesmo assim, a idéia fica bastante ciara a partir dos vários termos que se aproximam do conceito de ângulos diferentes.

1 Rudolf Smend, "Die Mitte des Alten Testaments", Theologische Studien 101 (1970):7. 2 Georg Fohrer, "Der Mittelpunkt einer Theologie des AT", Theologische Zeitschrift 24

(1968): 161-72. 3 Gunter Klein, " 'Reich Gottes1 als biblischer Zentralbegriff", Evangelische Theologie 30

(1970): 642-70. 4 Walther Eichrodt, Theology of the Old Testament (Londres: SCM, 1961); pégs. 13-16.

Th. a Vriezen, An Outline of Old Testament Theology, edîçao (Newton, Mass.: Charles T. Branford Co, 1970), pég. 150.

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24 Teologia do An tigo Testamen to

Várias analogias também têm sido sugeridas para este conceito unificador que também contenha a idéia de desenvolvimento. Um conceito epigenético faz uso do relacionamento entre a semente do carvalho e a árvore plenamente crescida, É exatamente assim que a idéia central se amadurece enquanto a revelação progride até entrar na época do NT. Outra analogia emprega as dobras sucessivas de um mapa rodoviário. Mais uma vez, a ênfase recai na unidade com bastante provisão para expansão e desenvolvimento. Somente este tipo de ênfase dupla corresponderia simultaneamente às exigências de uma teologia do AT {com a unidade que isto subentende), e às exigências de uma revelação na história (com sua contribuição de desenvolvimento, progresso e alargamento}.

A Atual Relutância em se Adotar um Centro Tradicionalmente, tem sido um lugar-comum entre os teólogos bíblicos

achar uma advertência justificada contra a tentação por demais comum de impor o seu próprio preconceito filosófico ou arcabouço teológico sobre o testamento. Tais estruturas, externamente formuladas, não podem, naturalmente, servir como chave à ordem sistemática do conteúdo do AT, Há erros neste procedimento, por razões metodológicas e teológicas.

0 problema quanto à metodologia, é que nega a prioridade dos resultados de exegese cuidadosa. Ao invés de indutivamente derivar o centro a partir do testamento, uma grade estranha à forma e ao conteúdo do texto é encaixada precipitadamente, e, freqüentemente sem cuidados, sobre o material e o resul-tado é a obstrução do ponto de vista do próprio texto; grandes porções de mate-rial que não foram enquadradas sao deixadas penduradas fora do sistema imposto.

Quando se acrescenta a este fato a complicação adicional que todas as grades externas deixam de reproduzir ou participar de qualquer autoridade que poderia ter sido derivada do texto se a forma da sua-apresentação tivesse se aproximado àquela do próprio texto que estava investigando, então, o problema teológico também foi enfrentado. Os escritores do texto reivindicavam para si a possessão da intencionalidade divina na sua seletividade e interpretação daquilo que foi regis-trado. Como conseqüência, se a teologia bíblica não visar reproduzir as intenções do autor com respeito à verdade, no formato e conteúdo teológicos gerais delas, então essa geração de intérpretes necessariamente sofrerá uma correspondente perda de autoridade daquela palavra, e igualmente um colapso de confiança da parte de seus descendentes teológicos.

É, porém, possível identificar tal centro a partir dos próprios textos? Para alguns, isto poderia ser mais um exemplo de outra moderna "vara abstrata de adivinhação" mediante o qual o AT é forçado a entregar algum fruto teológico agradável (ou até menos agradável). Uma coisa é condenar, de todo o coração,

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A Identificação de um Centro Teológico Canónico 25

todas as tentativas de se impor ao AT uma chave ou um sistema, mas é alguma coisa bem diferente derivar indutivamente tal núcleo a partir do próprio testa-mento. É precisamente aqui que a maioria das teologias do AT naufragou, Na tentativa de guiar a nau entre o Caribdes da colocação do cânon em ordens crono-lógicas (que, conforme já vimos, muitas vezes teve como triste resultado nada mais do que um tratamento puramente descritivo) e a Cila de um arranjo tópico (que, também infelizmente, simplesmente adotava as categorias da filosofia, da teologia sistemática, ou algum sistema de alianças e dispensaçoes), freqüentemente sofreu naufrágio num ou noutro extremo. Como será que uma disciplina, cujo nome e definição procura o padrão, o plano, a pessoa, e o significado do registro, poderá se satisfazer com uma classificação puramente descritiva da informação e dos fatos no texto? Se esta disciplina for meramente uma ciência descritiva, deverá ser chamada "teologia"? A definição da teologia bíblica não deve se vin-cular estreitamente com a natureza da Bíblia?6 De outra forma, como poderia tomar categorias normativas arrancadas da sistemática e empregá-las para desdobrar o padrão de significado conforme o modo do próprio cânon de dizer as coisas?

0 propósito específico de cada narrativa e proposição na Bíblia não pode ser entendido em primeiro lugar â luz de sua contribuição à totalidade, ou ao propó-sito e mensagem totais? Será, no entanto, que uma leitura honesta do texto leva o leitor a tal propósito único alegado? Desde a segunda metade do século dezoito, homens do iluminismo e seus descendentes intelectuais se sentiram compelidos, como homens que faziam suas decisões na pesquisa, a insistirem na argumentação em prol da multiplicidade, variações e diversidade das Escrituras. De modo geral, não havia possibilidade de coerência interna já que, na estimativa deles, as tensões que se observavam equivaliam a contradições. A mesma opinião continua até ao presente momento, mesmo na teologia do NT-7

Mais recentemente, em estudos do AT, as vozes prestigiosas de G. Ernest Wright e Gerhard von Rad acrescentaram seu peso a um coro cada vez mais forte que resolveu não haver centro unificador no AT. G.E. Wright rejeita qualquer tema único, dizendo que não seria "suficientemente compreensivo para incluir dentro de si toda a variedade de pontos de vista".8 Von Rad, não menos terminan-

6 A. A- Anderson, "Old Testament Theology and Its Methods", Promise and Fulfillment, F. F, Bruce, editor (Edimburgo: T. & T. Clark, 1963). pág. 8.

7 E. Kasemann, "The Problem of a New Testament Theology", New Testament Studies

19 (1973): 242; W,G. Kümmel, The Theology of the New Testament (Nashville: Abingdon, 1973), págs. 15-17.

8 G, Ernest Wright, "The Theological Study of the Bible", Interpreter's One Volume Commentary on the Bible (Nashville: Abingdon, 1970), pág. 983*

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temente, assevera que o AT "não possui ponto focal conforme se acha no NT",9

É interessante notar, como foi feito acima, que até a segurança quanto ao NT entrou em colapso e seguiu a liderança do campo do AT.

Gerhard Hasel também se juntou a esta negação, dizendo que o teólogo bíblico "não pode e não deve empregar um conceito, idéia fundamental ou fór-mula como um princípio para sistematicamente ordenar e arranjar a mensagem querigmática do AT e como chave que determina desde o início como apresentará o conteúdo do testemunho do AT" . 1 0 Reconhece livremente, no entanto, que "o alvo final da teologia do AT é demonstrar se existe ou não existe uma unidade interior que vincula juntamente as várias teologias e temas longitudinais, conceitos e motivos",11 embora seja uma "unidade interior oculta".1 2

Mesmo assim, a questão tem de ser levada adiante: Será que a unidade é tão opaca assim? Estavam os autores das Escrituras meramente desconfiados ou mesmo ignorantes de qualquer plano-mestre divino por detrás do decurso dos eventos humanos, qualquer seletividade autoral daquilo que se devia incluir e excluir dos clamores pelas avaliações sobrenaturais daquilo que foi registrado? Alguém responderá imediatamente que esta pergunta levanta antes da hora a consi-deração dogmática quanto a se Deus, de fato, revelou-Se em escritos humanos.

E reconhecemos que isto poderia ser interpretado assim. Neste ponto, no entanto, desejamos apenas estabelecer que os escritores alegavam (quanto a concordar com eles ou não, não é a questão aqui) que se sentiam sob um imperativo divino. Tinham uma santa obrigação de falar aquilo que muitas vezes era contrário aos próprios interesses e desejos pessoais (cf a agonia da alma de Jeremias quanto a isto); mas precisavam falar.

Além disto, não somente uma justa representação das suas alegações atribui a Deus o conteúdo e seleção daquilo que registram, como também contém nume-rosas referências, patentes e latentes, a um acúmulo de promessas, ameaças e pessoas, e programas, que os antecedem, Além disto, alegam estar na sucessão

Gerhard von Rad, Old Testament Theology, 2 vols. (Londres: Oliver and Boyd, 1962), 2:362. (NOTA - Editado pela ASTE - Teologia do AT)

1 0 Gerhard Hasel, Old Testament Theology: Basic Issues in the Current Debate (Grand Rapids: Eerdmans, 1972), pág. 62. Ver também o estudo dele, "The Problem of the Center in the Old Testament Theology Debate", Zeitschrift für die AittestamentUche Wissenschaft 86 (1974): 65-82.

11 Hasel, Old Testament, pég. 93. Page H. Kelley chegou è mesma conclusão: "A busca de um tema unificante deve ser considerada válida, senão, o Antigo Testamento seria reduzido a uma coletânea de fragmentos literários sem relacionamento entre si", "Israel's Tabernacling God," Review and Expositor 67 (1970): 486,

1 2 Hasel, Old Testamentf pág. 93.

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A Identificação de um Centro Teológico Canónico 27

direta daquelas palavras anteriores, além de serem contribuintes no adicional desenvolvimento tanto do cumprimento como da promessa expandida para o futuro!

Por qual intermédio estas reivindicações foram conhecidas, e por que a comunidade de estudiosos repentinamente se amargou quanto à viabilidade de achar tal unidade, se esta reivindicação foi conscientemente transmitida conforme se argumenta aqui? Será que esta história bíblica registrada pode ser a fonte de significado e unificação teológicos?

A História Como o Veículo do Significado

Até a década de setenta, o pr incfpkjque se sustentava com a maior reve-rência entre a maioria dos teólogos bíblicos era que a história era o veículo prin-cipal da revelação divina no AT.1 3 Aquilo que se conhecia de Deus deveria ser conhecido primariamente através da história.

Através desta escolha, os teólogos do AT poderiam, conforme a esperança deles, destacar a singularidade de Israel em contraste com os povos vizinhos do antigo Oriente Próximo que investiam o mundo natural com miríades de potências divinas. Poderiam também, se tudo fosse conforme suas expectativas, contornar o embaraço do ponto de vista clássico que declarava que a revelação se localizava nas palavras das Escrituras.14

Por surpreendente que pareça, foi somente em 1967 que a base para a asse-veração tão freqüentemente repetida que a história era o veículo principal — e realmente, quase o único — da revelação foi finalmente submetida a uma análise total á luz das reivindicações da Bíblia comparadas com as da matéria comparativa do Oriente Próximo antigo, Foi Bertil Albrektson que fez isto, no seu livro History and the Gods. Sem duvida, James Barr já levantara um desafio vigoroso a este novo axioma da teologia bíblica no seu discurso inaugural de 1962,15 declarando que a revelação verbal tinha tanto direito de ocupar o centro do palco teológico como a história. Barr se queixou que era apenas apologética mente mais conve-niente subtrair secretamente a parte proposicional do registro bíblico da atenção pública. Mesmo à parte deste importante negligenciar do próprio sistema de signi-ficados dado na Bíblia, chegava-se a dizer que a revelação não se centralizava

1 3 G. E, Wright, O Deus que Age; Teologia Bíblica (Sao Paulo, ASTE, 1967), pág. 13; Vriezen, Outíine, pág. 189.

14 J. Baillie, The Idea of Revelation in Recent Thought (ISIova Iorque: Imprensada Univer-

sidade de Columbia, 1956) págs. 62 e segs. 1 5

James Barr, "Revelation Through History in the Old Testament and Modem Thought", Interpretation 17 (1963): 193r205-

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em história verdadeira, afinal das contas, ou seja, eventos conforme aconteceram "realmente" ou "de fato". Pelo contrário, a arena da atuação de Deus, conforme a reconstrução dos estudiosos, resultou em ser algo menos real do que os eventos que ocorrem no espaço e no tempo; mas, como se fosse para nos compensar por aquela perda, assevera-se que eram "querigmatica mente" mais Citeis!

Foi von Rad, mais do que qualquer outro, que aguçou o contraste entre as duas versões da história de Israel, Para ele, não houve "nenhuma bruta facta [no AT]; temos a história apenas na forma de interpretação, somente em refle-xão"-16 Havia, pois, dois tipos de história; aquele que se obtinha mediante a reconstrução feita pelo moderno método histórico-crítico, e o que se obtinha das confissões do credo de Israel, obtidas pelo método histórico-tradicional. O resultante do primeiro era o "mínimo criticamente assegurado", enquanto o se-gundo tendia "a um máximo teológico".17

Nesta dicotomia, o velho espectro de Immanuel Kant ainda estava assombran-i &

do os círculos acadêmicos, Von Rad, como seu predecessor em 1926, Eissfeldt, conseguiu dividir a realidade em duas partes: havia o mundo dos fenômenos do passado (que nos é disponível mediante a pesquisa histórico-crítica), e havia o mundo noumenal da fé. A fé de Israel, como teologia bíblica, tinha que ter como seu objeto, não os atos reais de Deus na história real, mas aquilo que o povo de tempos antigos confessava ter acontecido a despeito das modernas dúvidas críticas quanto à veracidade dos acontecimentos, Estas confissões de credo {e. g. Dt 26; 16-19) acerca de um número mínimo de alegados eventos na redenção passada de Israel eram representadas de novo no culto: ef como tal, "'nova narração" destes eventos constituía ao mesmo tempo o querigma e uma interpretação teológica do AT. Tratada deste modo, esta segunda versão da história de Israel era natural-mente sujeita a várias formas de adaptação, reinterpretação, reflexão e até atua-i • ~ 19 hzaçao.

1 6 Gerhard von Rad, "Antwort auf Conzelmanns Fragen/' Evangelische Theologie 24 (1964); Teologia do Antigo Testamento, 2:416 conforme citado por Gerhard F. Hasel, "The Problem of History in Old Testament Theology," Andrews University Seminary Studies 8 (1970):29 a quem devo, em vários lugares desta seção, a excelente análise advindo dele. Ele, por

* » M

sua vez, reconheceu seu endividamento à análise incisiva de Martin Honecker, "Zum Verständnis der Geschichte in Gerhard von Rad's Theologie des Alten Testament", Evangelische Theologie 23 (1963); cf. Hasel, Old Testament, cap. IL

11 Von Rad, Teologia, 1:108. 18 Otto Eissfeldt, ' Israelitisch-judische Religions-geschichte und alttestamentliche Theo-

logie", Zeitschrift für die Alttestamentliche Wissenschaft 44 (1926): 1 e segs. 1 9 Hasel, "Problem", pág. 34, para a documentação em von Rad.

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A Ident i f i cação de um Centro Teológico Canónico 29

Nesse ínterim, outro grupo de estudiosos estava argumentando com igual vi-gor em prol da outra alternativa: fé nos eventos históricos reconstruídos pela crítica das fontes, Franz Hesse20 rejeitou o argumento de von Rad em prol de fazer o nível confessional da história ser o objeto da fé, Como é que tal história errônea poderia ser o objeto de fé real? perguntou ele. A fé deve ter por base aquilo que realmente aconteceu, concluiu ele, e só a crítica histórica moderna é que nos pode contar o que realmente aconteceu ou não na tradição do AT.

Mas, qual teoria crítico-histórica ele tinha em mente? Havia pelo menos três tipos disponíveis: havia o que se chamava de Escola Baitimore de William Foxwell Albright e John Bright; o eixo A. Alt e Martin Noth; e G.E. Mendenhall da Universi-dade de Michigan. As avaliações quanto ao "mínimo histórico" da era prepatriarcal até a era da conquista, feitas por estas três escolas, eram especialmente críticas. Não havia disponível qualquer história científica de Israel — especialmente na base das premissas que se acham no método histórico-crítico.

Roland de Vaux também discordou vigorosamente com o ato de von Rad em localizar o objeto da fé dos israelitas e nossa numa estimativa da história subjetiva e muitas vezes falível. Seu desafio era direto: ou a interpretação da história dada é verdadeira, e tem sua origem em Deus, ou não é digna da fé de Israel e da nossa. Além disto, tal ponto de vista não somente é indigno da nossa atenção, como tam-bém é devastador uma vez que ataca o fundamento de toda a fé: "a veracidade de Deus".21

A solução de de Vaux, como o argumento de Wolfhart Pannenberg, é ressaltar a conexão "interna" ou "intrínseca"22 ou unidade de eventos e seus significados,23

Para de Vaux, a conexão estava no Deus que ordenou tanto os eventos quanto as in-terpretações, Pannenberg, de outro lado, ressaltava o "contexto" do acontecimento original com a interpretação que o acompanhava.

Concordamos, na medida em que estes dois homens insistiam na legitimidade e na necessidade de que a conexão errtre a história com seu significado canónico seja o ponto inicial apropriado para a teologia bíblica. Pois foi precisamente esta unida-de original dos eventos históricos com os significados que vjeram vinculados a eles que providenciou a possibilidade de se vencer o dualismo pós-kantiano e as tendên-

2 0 Citado por Hasel, Old Testament, pdgs, 31-34, 21

Roland de Vaux, The Bible and the Ancient Near East, trad. Damian Mchugh (Londres: Darton, Longman and Todd, 1971}, p3g. 57.

22 Ibid. pSg. 58. 23

Wolfhart Pannenberg, "The Revelation of God in Jesus Christ", Theology as History: New Frontiers in Theology 3 (1967): 127.

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cias positivas da historiografia moderna. Não somente tinham surgido novos câno-nes de história e historiografia cujas premissas eram antitéticas à totalidade da fé cristã, como também uma tirania do particular (no seu isolamento do todo) surgiria como preocupação apoiadora.

Eventos, fatos ou declarações foram vistos na sua individualidade, singulari-dade, e separação da sua contribuição â totalidade ou multiplicidade do contexto ou situação total. Mesmo se o evento fosse retido na sua plenitude (o que era raro), as palavras vinculadas eram nitidamente cortadas fora do acontecimento.

Foi aqui, mais do que em qualquer lugar, que se perdeu a unidade bíblica. Ao invés de se começar com a organização e plano reivindicados pelos próprios es-critores canónicos, um princípio de desenvolvimento natural ou de uma dialética hegeliana foi colocado sobre os textos, Quando os resultados se revelaram decepcio-nantemente estéreis na teologia — mesmo para o mais resoluto dos historiógrafos modernos — o vácuo resultante foi preenchido com novas categorias de "história", existencialismo ou secularização,

A não ser que a teologia bíblica se liberte da tirania do particular e dos gri-lhões de uma grade filosófico-historiográfica de modernidade imposta, que toma precedência sobre o texto, nenhuma esperança subsiste para qualquer teologia do AT. Nem o assim chamado mínimo cientificamente assegurado, nem o máximo teo-logicamente projetado vai nos levar para lugar algum. Ambos os sistemas, seja no nome da objetividade ou da fé, se vangloriam sobre os textos que têm direito, bem merecido, seja entre aqueles que reivindicam inspiração ou não, de serem ouvidos em primeiro lugar segundo os próprios termos deles e na sua própria plenitude ca nónica e contextual. Então, ao aplicar-se (como necessário é) quaisquer dispositivos medidores de veracidade, fatualismo ou validade de interpretação ao conteúdo totai {que é outra necessidade), não devem ser aqueles que de modo bairrista refletem os interesses locais de uma geração que possui preconceitos em prol doou contra qual-quer atitude específica para com a vida. Pelo contrário, todos os critérios devem abordar a questão de modo semelhante ao sistema americano de jurisprudência: um texto é inocente até ser comprovado culpado por dados, conhecidos, providencia-dos por fontes cuja veracidade naqueles pontos pode ser demonstrada ou que têm a mesma área geral de contemporaneidade como os textos sob investigação e cujo desempenho em produzir dados fidedignos tem sido bom,

Com esta abordagem, a história mais uma vez pode ser consultada na pleni-tude do seu contexto dos tempos e do contexto da interpretação que vem vincula-da a ela. Desta forma, a história pode concebível mente ser, mais uma vez, um veícu-lo de significado juntamente com a unidade do seu contexto.

Então, a história bíblica revelou qualquer plano divino? Ou devemos mais uma vez nos atolar em generalidades com respeito à importância da história sem o

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A Identificação de um Centro Teológico Canónico 31

benefício de um bom estudo indutivo da terminologia ou padrão de pensamento reivindicado pelos textos?

Felizmente, Bertil Albrektson fez um estudo preliminar dos termos hebraicos vinculados a um plano divino na história.24 No seu exame, achou dez passagens on-de *êsâh {comumente traduzido "conselho", mas também tendo o significado nestas passagens de "propósito" ou "plano") foi empregado numa forma verbal nominal. As passagens são:Salmos 33:10-11; 106:13; Provérbios 19:21; Isaías 5:19; 14:24-27; 19:17; 25:1; 46:10; Jeremias 49:20; 50:45; e Miquéias 4:12. Em duas outras pas-sagens, maffsabâh ("pensamento", "propósito") se emprega para o plano divino: Jeremias 29:11; 51:29.

Além destes dois termos, mais dois são acrescentados por Albrektson. São rrPzimmâh ("um plano hostil") em Jó 42:2; Jeremias 23:20; 30:24; 51:11 ederek ("caminho") em Salmo 103:7; cf. Êxodo 33:13; Deuteronômio 32:4; Salmo 18:31; Isaías 55:8-9; 58:2.

Quando Albrektson completou este estudo, concluiu, de modo decepcionan-te, que não achava nenhuma só intenção divina que demonstraria que Deus tem um plano fixo para a história de Israel e/ou para as nações, de um ponto do tempo para outro. Para ele, as palavras são imprecisas e de iargo escopo, sendo que se referem a várias intenções divinas mas não a um plano único. Atém disto, a distribuição destas passagens é algo limitada, sendo que parece que se agrupam em Jeremias, Isaías, Miquéias e nos Salmos,2 5

Em parte concordamos; a maioria destas passagens é uma expressão de uma aplicação individual da intenção de Deus a uma situação específica em Israel ou entre as nações, Como, porém, se pode fazer tal negação para um texto tal como Miquéias 4:12? O profeta não declara claramente que as nações pagãs não conhe-cem os pensamentos de Javé; que não entendem o Seu piano? Isto não está no con-texto de um plano que abrange muitas nações simultaneamente? Semelhantemente, em Salmo 33:10 os "desígnios [planos] das nações" se colocam em contraste com o plano de Javé que "dura para sempre" e "por todas as gerações" (v.11). Por certo, este modo de falar coloca o escritor na posição de alegar que Deus tem de fato al-gum planejamento de longo alcance que vai contra os movimentos e planos da comunidade mundial total.

Talvez o ponto mais fraco na linha de argumentação de Albrektson éque se-gue por demais estreitamente uma abordagem lexicográfica. Embora reconheça que o assunto pudesse estar presente ainda que não houvesse a paíavra para um plano,

24 Albrektson, History and the Gods, págs. 68-77. 25 Ibid. págs. 7fr77.

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ele não discute uma das mais grandiosas reivindicações de todas, feita em Isaías cap. 40 e nos capítulos seguintes. "A quem, pois, me comparareis? Quem anunciou isto

r

desde o princípio, para que possamos saber, antecipadamente, para que digamos: E isso mesmo". (Is 40:25; 41:26-28; 42:9; 44:7-8; 26:28; 45:21; 46:10-11; 48:3-6).

Ainda mais importante é a conexão entre a reivindicação divina quanto a ter anunciado, muito tempo antes de qualquer coisa assim ter acontecido, o decurso de eventos desde o início até ao fim, e o fato de que tudo isto estava de acordo com Seu "plano" e "propósito". O contexto que une estes temas de modo óbvio e explí-cito é Isaías 46:9-11: "Eu sou Deus.„ que declara o f im desde o princípio... que diz, Meu plano permanecerá, também cumprirei todo meu propósito (note a palavra "propósito" no singular) . . . Eu o formulei, certamente Eu o cumprirei." Deus está disposto a empatar, por assim dizer, a totalidade do Seu caráter e da Sua declaração quanto a ser o Deus único sem igual no fato de ter a capacidade de falar e declarar o futuro. Os deuses dos pagãos não podem fazer assim, Além disto, as declarações de Deus não são comentários desconexos à vontade, sobre isto ou aquilo, aqui e ali. Seguem um plano premeditado que abrange o começo e o f im das partes e do todo! Tudo acontecerá conforme Ele disse.

Declarações deste tipo, à parte de quaisquer considerações de um centro uni-ficado para a teologia do AT, nos levam de volta ao obstáculo original para a maioria dos modernos estudiosos da Bíblia: a predição! Realmente, Albrektson quase diz isto quando introduz o versículo-chave em Gênesis 12:3. Para ele, a escolha é clara: Javé faz aqui um exame da história do passado do ponto de vista do resultado atin-gido, onde "todas as nações da terra se abençoam a si mesmas"? Ou será que Javé está projetando um plano divino para os eventos futuros, dentro de um arcabouço universalístico em que "todas as nações da terra serão abençoadas"?26 A questão gira em torno da tradução da palavra crucial n ib^ku. Concordamos que os resulta-dos deste estudo não são de pequeno interesse para o progresso inteiro da teologia do Antigo Testamento.

Ora, já antecipamos esta questão, argumentando no capítulo passado que o sentido passivo não é somente possível ("todas as nações serão abençoadas") como também é a tradução exigida que se enquadra na única intenção quanto à verdade por parte do autor. Albrektson livremente concedeu que se fosse correta a tradução passiva — e ele reconheceu que tinha bastante apoio contemporâneo de O. Procksch, S.R. Driver, G. von Rad, e H.W. Wolff — então a passagem de fato alegou que Deus tinha um plano mediante o qual Abraão foi selecionado como Seu instrumento de bênção divina e através do qual Ele atingira todas as nações da terra.27

26 Ibid. pág. 78, 21 Ibid. pág. 79.

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A Identificação de um Centro Teológico Canónico 33

Muitos intérpretes, no entanto, assumem que se deve preferir a tradução re-flexiva ("todas as nações se abençoarão") sendo que a mesma mensagem dos em-pregos passivos de Gênesis 12:3; 18:18; 28:14 se dá na forma hithpael do verbo em 22:18 e 26:4. 0 não disputado hithpael, conforme argumentam, fixará o alcance de significados para o nifal disputado. Aqui, porém, argumentamos contra tal pro-cedimento. Além dos argumentos lingüísticos no capítulo 1,éde interesse mais do que passageiro que notemos a interpretação passiva do texto da Septuaginta e a de Atos 3:25 e Gálatas 3:8, que seguem a Septuaginta, Além disso, Gênesis 12:2 dis-sera que "ele" {i,e., Abraão ou "a nação") seria uma bênção"; resta ao versículo 3 dizer para quem e como.

Talvez a avaliação mais equilibrada da Gênesis 12:2-3 seja a que se acha na obra de C. von Orelli sobre profecia e reino de Deus.

Em primeiro lugar (vv. 2, 3) a bênção divina é vinculada à pessoa de Abraão, de quem se diz expressamente weheyeh berãkâh ["e ele será uma bênção"] que de modo algum significa meramente que ele mesmo será abençoado (Hitzig), ou que seu nome será uma fórmula de bênção, mas, sim, exalta-o como veículo e fonte da bênção divina {cf. Pv 11 ;25: nephesh berakâh, uma alma que acha prazer na bênção, da qual portan-to, fluem correntes de bênção). Como o próprio Abraão, em virtude do seu relacionamento especial com Deus, era veículo de bênção para os que viviam ao derredor dele, se mostra em Gn 20:7; que seu povo, do mesmo modo, haveria de transmitir a bênção divina, a dispensação da graça de Deus para o mundo, se vê em Is 19:24; Zc 8:13. Na passagem em estudo, o significado da breve relação é exposto no versículo 3# se-gundo o qual o relacionamento entre Deus e os homens depende da ati-tude deles para com Abraão (cf. 20:7), e o Senhor tratará bem os que desejam o bem de Abraão e que prestam homenagem à graça divina que se revela nele; e, do outro lado, o Senhor dirigirá Sua ira contra aquele que despreza aquele a quem Deus abençoou. O número no singular é de significância aqui. Somente poderá se tratar de pecadores avulsos que chegam a malentender aquele que é fonte de bênção a todos em derre-dor dele, ao ponto de condená-lo e odiá-lo, e nele, o seu Deus, O mun-do, como um todo, não sonegará a homenagem, e, portanto, desfrutará dos benefícios desta fonte de bênção - . . Certamente somos da opinião que o nifal aqui [v. 3] deve ter um significado próprio, distinto do hith-pael (assim também Tuch, G. Baur, Hengstenberg, Keil, Kautzsch, etc j . Em distinção ao piei (48:20) e hithpael, expressa mais a experiência objetiva da bênção divina. Só que, mesmo quando se emprega o hith-pael, a posição significante da palavra no f im da promessa exige, mesmo ali, algo mais do que uma mera honra cerimonial. A distinção, portanto,

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34 Teologia do An tigo Testamen to

não é de importância. O ato de abençoar não é nenhuma mera formali-dade, e por esta razão, o nome de Deus, ou de um homem que nele se emprega, é de alta importância. O primeiro mostra de quem se deve esperar o bem supremo, e o último mostra em quem se deve achar, através da intermediação de quem se pode atingir este bem, Não é, portanto, algo de pouco valor que está sendo afirmado, mesmo no sentido reflexivo. Não é meramente que a boa sorte de Abraão seria proverbial no mundo inteiro, como também todas as nações da terra verão que em Abraão se pode achar o sumo bem; e assim, efe seria o mediador sacerdotal da salvação, entre Deus e o mundo, sendo que a bênção de Abraão traria para as pessoas mais distantes o conheci-mento do verdadeiro Deus, e, em orando em prol de tal bênção, empre-gariam o nome de Abraão, que prevaleceu com Deus, Não fariam o último [orar em prol da bênção] (hithpael), a não ser que a bênção e virtude da sua pessoa e do seu nome já tivessem sido atestadas a elas (nifal) [grifos nossos].28

Não cabe a nós protestarmos contra o universalismo do texto tão primitivo na his-tória da revelação nem contra o aspecto futuro do seu desenvolvimento. Só precon-ceitos filosóficos e histórico-críticos poderiam subverter a intenção óbvia do autor em ambos estes aspectos. Mais uma vez, vamos aceitar o texto conforme os próprios termos dele, supondo ser ele inocente até sua culpa ser comprovada* Nada no texto dá a entender que Gênesis 12:2-3 e os textos paralelos sejam "retroprojeçoes" dos dias de bênção durante os reinados de Davi e Salomao, como H. Gunkel, W. Wolff, e outros gostariam de entender. Davi mesmo expressou surpresa e prazer embaraçado quando foi informado de que ele e seus filhos iam entrar na linha

L

direta desta bênção anterior (2 Sm 7:18-20). Na sua oração de resposta, referiu-se à promessa dada aos patriarcas e repetida em Deuteronômio, mostrando assim que esta já era aceita como parte da antiga palavra de revelação. Na~o era uma "retroprojeção" contemporânea nem uma reavaliação da fé dos antigos pais!

Sendo assim, respeitosamente pedimos deferência ao nosso argumento que exatamente onde Albrektson finalmente negou a possibilidade de que pudesse haver um plano unificador de Deus que governava a história e a fileira de estimativas dos autores quanto ao significado destas coisas, exatamente ali foi revelado o plano de Deus. Foi o plano, não somente para a história, mas também para toda a teologia bíblica.

2 8 C„ von Orel li, The Old Testament Prophecy of the Consummation of God's Kingdom

Traced in Its Historical Development, trad. J. J. Banks (Edimburgo: T, & T. Clark, 1889), págs. 107-108.

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A Identificação de um Centro Teológico Canónico 35

A Precedência Canónica para um Centro Os teólogos do AT perderam o único caminho para uma passagem segura

através destas águas traiçoeiras, Esse caminho tem de ser um tema indutivamente derivado, uma chave ou padrão de organização que os escritores sucessivos do AT abertamente reconheceram e conscientemente suplementaram no desabrochar sucessivo dos eventos e interpretação no AT. Se, conforme o nosso argumento, existe no meio de toda a variedade e multiplicidade do texto, um centro para esta tempestade de atividade, deve ser textualmente demonstrado que este é o próprio "ponto de partida" do cânon, e textualmente reconfirmado no testemunho unido do cânon que é sua própria preocupação sempre presente, sua esperança central, e sua medida constante daquilo que era teologicamente significante ou normativo!

Este centro textualmente derivado, que o NT haveria depois de chamar a "promessa" (epangeiia)t era conhecido no AT sob uma constelação de termos, A mais antiga de tais expressões era "bênção". Foi a primeira dádiva de Deus para os peixes, aves (Gn 1:22) e depois à humanidade (vers. 28).

Para os homens, incluía mais do que a dádiva divina de proliferação e domí-nio. A mesma palavra marcou o veículo mediante o qual todas as nações da terra poderiam prosperar espiritualmente por intermédio de Abraão e sua descendência: isto, também, fazia parte da "bênção". Obviamente, o primeiro lugar precisa ser concedido a este termo, como sendo o primeiro a significar o plano de Deus,

Havia outros termos, porém, McCurley29 contou acima de trinta exemplos onde o verbo dibber (usualmente traduzido "falar") significava "prometer". Os itens prometidos incluíam: (1) a terra (Éx 12:25; Dt 9:28; 12:20; 19:8; 27:3; Js 23:5, 10); (2) bênçãos (Dt 1:11; 15:6); (3) a multiplicação da possessão de Deus, Israel (Dt 6:3; 26:18); (4) descanso (Js 22:4; 1 Rs 8:56); (5) todas as coisas boas (Js 23:15); e (6)uma dinastia e um trono davídicos (2 Sm 7:28; 1 Rs 2:24; 8:20, 24-25; 1 Cr 17:26; 2 Cr 6:15-16; Jr 33:14). Notar também o substantivo dãbãr ("promessa") em 1 Rs 8:56 e SI 105:42.

A estas "promessas" Deus acrescentou Seu "compromisso" ou "juramento", assim tornando duplamente certas a palavra imediata de bênção e a palavra futura de promessa. Os homens agora tinham a palavra divina e um juramento divino sobre essa palavra (ver Gn 22; 26:3; Dt 8:7; 1 Cr 16:15-18; SI 105:9; Jr 11:5).30

7 9 Foster R. McCurley, Jr., "The Christian and the Old Testament Promise", Lutheran Quarterly 22 (1970): 401-410, especialmente pág. 402r nota. 2.

30 Gene IVL Tucker, "Covenant Forms and Contract Forms", Vetus Testamentum 15

(1965): esp. págs. 487-503, para o emprego de "Juramento" com promessa.

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36 Teologia do An tigo Testamen to

O argumento em prol deste centro indutivamente derivado se estende ainda além da abordagem lexicográfica ou de vocabulário seguida até aqui. Compreende também várias fórmulas de epitomização que resumiam aquela ação central de Deus em uma ou duas frases sucintas. Um exemplo disto é aquilo que chamamos a fórmula da promessa em três partes. Esta fórmula tornou-se a marca autenticadora de toda a teologia bíblica em ambos os testamentos, A primeira parte da fórmula foi dada em Gênesis 17:7-8 e 28:21, a saber: "Serei o teu Deus, eo da tua descen-dência Quando Israel estava no ponto de ser feito nação, mais uma vez Deus repetiu esta palavra e acrescentou uma segunda parte: "Tomar-vos-ei por meu povo" {Êx 6:7). Assim, Israel ficou sendo " f i lho" de Deus, Seu "primogênito" (Êx 4:22), uma "propriedade peculiar" (Êx 19:5-6). Finalmente, a terceira parte foi acrescentada em Êxodo 29:45-46 em conexão com a construção do taberná-culo: "E habitarei no meio de vós". Ali estava: "Eu serei vosso Deus; vós sereis meu povo, e eu habitarei no meio de vós", Esta fórmula seria repetida total ou parcialmente em Levítico 11:45; 22:33; 25:38; 26:12, 44, 45; Números 15:41; Deuteronómio 4:20; 29:12-13; e outros lugares. Mais tarde, apareceu em Jere-mias 7:23; 11:4; 24:7; 30:22; 31:1, 33; 32:38; Ezequiel 11:20; 14:11; 36:28; 37:27; Zacarias 8:8; 13:9; e, no NT, em 2 Coríntios 6:16 e Apocalipse 21:3-7.

Outra fórmula, achada em Gênesis 15:7: "Eu sou o SENHOR que te tirei de UR dos caldeus", foi expandida para abranger uma obra de redenção ainda maior: "Eu sou o SENHOR vosso Deus que vos trouxe da terrado Egito" (achada cerca de 125 vezes no AT). Ainda outra fórmula de Deus Se anunciar era: "Eu sou o Deus de Abraão, de Isaque e de Jacó". Todas as fórmulas deste tipo ressaltam uma continuidade entre o passado, o presente e o futuro, São partes do único plano de Deus que avança e se desabrocha.

Enquanto os registros progrediam, começou a emergir um acúmulo de várias metáforas e termos técnicos, Muitos destes tiveram seu enfoque no descendente davídico, Ele era a "Descendência", o "Renovo", o "Servo", a "Pedra", a "Raiz", o "Leão", etc*31 Na maioria das vezes, o texto othava para trás, para contextos anteriores que continham partes das mesmas metáforas e termos técnicos.

Mesmo assim, nem o vocabulário nem as fórmulas e termos técnicos pode-riam, por si só, comprovar o argumento em prol de um plano unificado para o progresso inteiro da teologia do AT. A ênfase deve cair em última análise onde caía para os próprios autores — numa rede de momentos intervinculados na histó-ria que assumiram significância por causa do seu conteúdo, livres alusões um ao outro, e sua unidade orgânica. O enfoque do registro caía sobre o conteúdo e os

3 1 Dennis C. Duling, "The Promise to David and Their Entrance into Christianity —

Nailing Down a Likely Hypothesis", New Testament Studies 20 (1974):55-77,

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A Identificação de um Centro Teológico Canónico 37

recipientes das numerosas alianças de Deus, O conteúdo permaneceu epigenetica-mente constante, ue., houve um crescimento — mesmo um crescimento esporá-dico, conforme alguns pontos de vista — enquanto o tempo se desenrolava, ao redor de um núcleo f ixo que contribuía vitalidade e significado à totalidade da massa emergente- O conteúdo era uma "bênção" divina, uma "palavra dada", uma "declaração", um "compromisso" ou "juramento" de que o próprio Deus, livremente, faria ou seria algo em prol de todos os homens, nações e natureza, de modo geral.

Conseqüentemente, o evento e/ou a declaração revelatório era freqüente-mente uma "bênção" imediata bem como uma "palavra" ou "compromisso" promissório no sentido que Deus operaria no futuro, ou que já tinha operado, em certo evento ou situação. Deus fizera assim de tal maneira que significado fora dado à história presente do homem, e, por isso, simultaneamente, a uma geração futura também.

Passagens-chaves do Antigo Testamento acerca da Promessa As duas personagens centrais eram, sem dúvida, Abraão e Davi. Suas respec-

tivas alianças foram registradas inicialmente em Gênesis 12:1-3 e2 Samuel 7:11-16 (cf. 1 Cr 17:10-14}. A promessa e bênção abraâmicas imediatamente prenderam a atenção daquele auditório original, como também fizeram com todos os leitores subseqüentes, por causa da natureza exaltada do seu conteúdo e a repetição das suas disposições em Gênesis, caps. 12-50. Semelhantemente, a promessa davídica tornou-se a esperança mais brilhante na maioria dos profetas que escreviam, e no cronista.

Talvez não seja demais apontar também para um consenso profético acerca da "Nova Aliança" anunciada do modo mais marcante em Jeremias 31:31-34. Levando-se em conta a dúzia e meia de referências à mesma aliança noutros lugares em Jeremias e nos outros profetas, com títulos tais como "aliança eterna", o "novo coraçao e novo espírito", "aliança da paz", ou apenas "Minha aliança", então a expectativa de uma nova obra de Deus seguindo as tinhas da aliança abraâ -mico-davídica tem uma ampla base.32 E como se fosse para sublinhar a importância já dada à Nova Aliança, Hebreus 8 e 10 a citam, e chega a ser a passagem mais longa do AT citada no NT,

Aqui, conforme parece, termina o consenso moderno. Qualquer discussão leal do próprio ponto de vista do cânon necessariamente incluiria uma discussão das passagens-chaves ou momentos centrais na história da revelação conforme

32 Walter C, Kaiser, Jr., "The Old Promise and the New Covenant: Jeremiah 31:34", Journal of Evangelical Theological Society 15 (1972): 14, notas 14-17,

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indicados pelos autores das Escrituras. Especialmente, de importância seminal são Gênesis 3:15; 9:25-27; e 12:1 -3.

Gênesis 3:15

Não pode haver dúvida que esta passagem tinha a intenção de ser uma inter-pretação básica acerca da primeira crise humana, Muito além do fato de Deus amaldiçoar "a serpente" (sempre com o artigo, e, portanto, sem dúvida, se refe-rindo a um título) "acima de" 3 3 todos os animais domésticos e todos os animais selváticos, consignando a sua sentença: "rastejarás sobre o teu ventre" e "comerás pó" 3 4 era a hostilidade divinamente implantada: "Porei inimizade" — uma inimi-zade entre a serpente e a mulher "entre a tua descendência e o seu descendente". Depois vem a passagem mais importante, porém mais disputada, de todas: "Ele (não ela) te ferirá a cabeça, e tu ferirás o calcanhar d Ele".

Ora, claramente o pronome traduzido "ele" é um pronome pessoal inde-pendente no masculino singular em hebraico, O problema surge do fato que o hebraico emprega um gênero gramatical que concorda com o antecedente mascu-lino "semente" ou "descendente" (zera') onde o inglês emprega o gênero neutro. O argumento, portanto, é que a única tradução apropriada do hebraico hu' seria "ele" ou "eles". A pergunta jaz aqui, portanto: 0 "descendente" e "ele", são coletivos, ou será que um ou outro é singular?

A questão, conforme nosso argumento, é mal colocada, especialmente se a intenção divina deliberadamente desejou designar uma noção coletiva que incluía uma unidade pessoal numa pessoa única que estava para ganhar a vitória para o grupo inteiro representado por ele. Que tal interpretação não é uma "retro-projeção" cristã tirada de um pesher ou midraxe do NT pode ser visto na tradução pré-cristã das Escrituras hebraicas na Septuaginta. O grego fez uso firme do prono-me masculino independente autos, que deixou de concordar com a palavra ante-cedente no gênero neutro, "semente" fsperma). R, A- Martin, numa nota brilhante

33 O hebraico min é uma partfcula de distinção e eminência, não uma partitiva ("qualquer

dos animais"); pelo contrário, é a forma comparativa ("mais do que os animais"). Nesta maldição, "a serpente" é distinguida de outras criaçocs divinas, por exemplo, os animais, e separada para maior repreensão. A mesma partícula é vista em Juízes 5:24: "Bendita acima das mulheres" (minnãsfm) bendita como nenhuma outra mulher (cf. Dt 33:24).

34 0 que está em referência aqui não é a dieta e o modo de locomover da "serpente", mas,

sim, a sua humilhação e subjugação (cf. SI 72:9; Is 49:23; Mq 7:17). Andar de barriga, i. e., a postura da serpente, veio a ser considerado desprezível (Gn 49:17; Jó 20:14, 16; SI 140:3; Is 59:5), Além disto, "comer pó" era o equivalente a "descer à sepultura" na Descida de Istar 5:8; notar, também, Amarna E.A. 100:36. Considere-se que Deus já fizera "coisas raste-jantes" na Sua criação e as pronunciara "boas".

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com respeito a este fenômeno, concluiu que em 103 vezes em que o pronome masculino hebraico é empregado em Gênesis, "em nenhum caso em que o tradutor traduziu literalmente ele tem rompido a concordância em grego, entre o pronome e seu antecedente, a não ser aqui em Gênesis 3 :15 ' \ 3 5 Segundo o argumento de Martin, longe de ser mera coincidência ou algum tipo de descuido, a quali-dade da tradução grega do Pentateuco é feita com muito mais cuidado em compa-ração com outros livros e seções. O que é mais importante, em outras ocasiões em que o mesmo tipo de escolha ocorria em Gênesis, entre o sentido literal e a concordância entre o antecedente e seu pronome, o tradutor deixou de lado a oportunidade de traduzir literalmente o pronome hebraico {a não ser no trecho em exame, Gn 3:15). Pelo contrário, fez uso livre do pronome feminino ou neutro requerido pela gramática grega — ainda quando o pronome hebraico exigiria um masculino — para concordar com seu antecedente gramatical. Isto torna extrema-mente impressionante a escolha da LXX de quebrar esta regra em Gênesis 3:15 — especialmente quando se considera o fato de que a LXX era uma tradução do terceiro ou segundo século a. C.

O que se pode dizer da intenção do autor hebraico? O argumento em prol de uma unidade singular de um grupo coletivo de descendentes é reforçado pelo sufixo singular que se refere à cabeça do descendente (da serpente — tradutor) hu' yesupkà ro^S; "Ele ferirá tua [singular] cabeça". Além disto, se entendermos a frase do autor em Gênesis 4:1, Eva pensava que chegou este libertador quando deu â luz a Caim. Ela disse; "Adquiri um homem, a saber, o Senhor". O hebraico diz 'et YHWH. Traduzir a partícula como "com" não faz muito sentido. Daí, deve ser um registro, assim como Lutero parece argumentar na sua tradução, da esperança errada de Eva que, com o nascimento de Caim, tivesse recebido alívio imediato de seu castigo. Seja qual for a decisão com respeito a Gênesis 4:1 (e não é decisiva, de modo algum), ficou claro, pela história subseqüente da revela-ção a Sem, Abraão, Isaque, Jacó, e seus descendentes, que uma criança represen-tativa continuava a ser uma garantia visível de Deus no presente e um penhor para o futuro. Além disto, este filho representava os interesses e destinos espirituais e materiais da totalidade das pessoas vinculadas a ele.

Gênesis 9:25-27 • 3 J ;

Consideramos que os seguintes comentários de von Orei li com respeito a esta passagem são cheios de senso exegético honesto. Sendo que a nossa geração,

3 5 R.A. Martin, "The Earliest Messianic Interpretation of Genesis 3:15," Journal of Biblical Literature 84 (1965): 427,

3 6 C. von Orelli, Old Testament Prophecy, pägs, 98 e segs.

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na sua maior parte, perdeu o contato com esta metodologia exegética, citaremos extensivamente várias seções do seu tratado:

Ao invés de ele mesmo abençoar a Sem, o velho pai [Noé], com uma olhada profética à salvação futura de Sem, abençoa .. no sentido de louvar. - . [quando] Deus é o objeto , . ,) Javé, o Deus de Sem, a Quem ele vê em união íntima com Sem. O oráculo de bênção assim se trans-forma em louvor daquele que é a fonte da bênção, e t l e comprovou que é isto que Ele é. A mais alta felicidade de Sem é que este Deus é o Deus dele. Aqui, pela primeira vez, conforme Lutero nota, achamos a combinação genitiva que depois se tornou comum: Deus de um homem, de uma nação, etc. Isto porque, quando a humanidade se separa em ramificações diferentes, a divindade universal também é especializada. Para uma porção da humanidade, o Deus vivo e verda-deiro fica num relacionamento de possessão mútua ., .

O segundo hernistíquio, porém, weyfêkòn be'ãh°iê sèm ["E ele habitará nas tendas de Sem"] é difícil. A principal questão a disputar é quem é considerado o sujeito de yfàkòn ["habitará"]. Entre teólogos atuais, von Hoffmann, Baumgarten, H. Schultz, seguindo o exemplo de Onkelos e outros expositores judaicos, e também Teodoreto, toma-ram Deus como o sujeito, que daria um significado atraente e altamente significante: Jafé ganha a extensão do mundo, mas a distinção de Sem consiste nisto, que Deus habita no meio dele, èãkèn é empregado especialmente em referência à habitação de Deus (Nm 35:34), Pelos teólogos judaicos posteriores, Sua presença graciosa é chamada, direta-mente, èektnâhf uma reminiscência de Onkelos. Não há peso na obje-ção usualmente feita contra esta interpretação, que o paralelismo

*

requer que Jafé seja o sujeito deste versículo, já que a situação de Sem foi definida no versículo anterior; pois, assim como se repete a maldição contra Canaã, assim também a bênção pronunciada sobre Sem poderá se repetir, e assim teríamos o arranjo poeticamente agra-dável: 1, A maldição sobre Canaã; 2. A bênção do primogênito, Sem, e sua antítese na maldição de Canaã; 3, A segunda bênção sobre o irmão do meio, com reminiscências da bênção mais alta sobre o pri-meiro, e a maldição sobre o terceiro.

Neste ponto, segundo nosso julgamento, von Ürelli tropeça. Ele continua:

No entanto, a maioria dos expositores antigos e modernos abre mão de referir ["habitar"] a Deus, e parece-nos que tem razão. Porque não pode ser negado que no primeiro hernistíquio a ênfase recai na repe-

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tição de ypt ["Jafé" e "alargar"] e não sobre Elohim, e por isto mesmo, a harmonia do estilo se conserva melhor ao referir a Jafé aquilo que se segue. Uma relação antitética das duas cláusulas (mas Eie habitará} devia necessariamente ter sido notada na linguagem empregada. Mais especialmente, esperávamos achar o nome Javé, sendo que Deus ha-bita como Javé nas tendas de Sem. A designação plural do lugar tam-bém pareceria estranha, sendo que Deus em todos os lugares sempre habita no Seu tabernáculo; isto, porém, poderá talvez ser explicado pela generalidade indefinida do oráculo.

Von Orellir porém, por mais apropriadas que sejam aquelas perguntas exce-lentes, também está agora num impasse exegético, porque qual poderia ser o signi-ficado de Jafé habitar nas tendas de Sem? Ele lutou com as opções da seguinte maneira:

Supondo, porém, que Jafé seja tomado como sujeito, sua habi-tação nas tendas de Sem não causa menos dificuldade. Alguns, não sem tendência anti-judaica, seguindo Justino M, (c. Trif. 139) enten-deram uma ocupação hostil do território semítico, que introduziria uma abrogação bem incompreensível da bênção da primogenitura de Sem . ., A habitação desta raça nas tendas de Sem parece dar a impressão, se não de conquista, pelo menos de um aperto inconveni-ente a ambos em contraste estranho com o ["alargamento"]. O emprego da frase para significar relacionamento pacífico e hospitaleiro não pode ser comprovado . . . Além disto, o refrão uniforme, em que o (amo ["para ele", ou "seu escravo"] tinha que ser tomado como singular, não favorece qualquer referência a Sem nesta frase.

Finalmente, von Orei li considera o modo de J, D. Michaelis ao tratar Shem como apelativo: "tendas de renome" em lugar de "tendas de Sem". Mas von Orelli também rejeita isto, por causa da ambigüidade que causaria com o emprego do nome próprio no versículo anterior. Fracamente conclui, depois de começar tão bem, que os provérbios hebraicos gostam de assonância, e, assim sendo, "Deus de Sem" e "as tendas de Sem" refletem sons muito semelhantes no hebraico!

Tirando a média, das duas opções para o sujeito de "habitar", pareceria preferível tomar o sujeito da frase anterior: Elohim. Esta é a posição gramatical mais lógica para se tomar. Certamente, Jafé como sujeito faz quase nenhum sen-tido, e o emprego de Shem como apelativo parece ser um passo de desespero. As objeções levantadas contra este ponto de vista já foram antecipadas por aquilo que Orei li dissera antes de alistar suas objeções, a não ser sua expectativa que Javé deveria ter sido o sujeito de "habitar", e não Elohim. Mas, em defesa de

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Elohim, podemos apenas notar que a plena revelação do "tabernácular" ou "habM tar" e a revelação da natureza ou caráter de Elohin como Javé, teria de esperar a revelação a Moisés em Êxodo 6 e 29.

Gênesis 12:1-3

Sendo que já discutimos o conteúdo e a importância daquela frase dispu-tada "em ti serão abençoadas todas as nações da terra", poderíamos apenas acres-centar aqui que a palavra tem uma óbvia qualidade resumidora, O "descendente" ainda está no centro do seu enfoque, enquanto acrescenta muitos aspectos novos, O fato de que é repetido e renovado tão freqüentemente em Gênesis 13, 15, 17, 22, 24, 26 e 28 também constitui outra razão porque os teólogos do AT devem achá-lo de grande significado.

As passagens de 2 Samuel 7 e Jeremias 31 serão discutidas mais tarde; por agora só consideramos os pontos rudimentares que contribuem para a composição do piano único de Deus. A promessa divina indicava uma semente (um descen-dente), uma raça, uma família, um homem, uma terra, e uma bênção de proporções universais — todos garantidos, conforme Gênesis 17, como sendo eternos. Neste propósito jaz o plano único de Deus. Neste plano único jaza capacidade de abran-ger tanta variedade e diversificação que o progresso da revelação e da história possam produzir. Nessa unidade de alvo e método, desdobrou-se uma marcha de eventos que os escritores descreveram, e em uma série de interpretações inter-conexas eles também corajosamente anunciaram os pontos de vista divinos norma-tivos quanto àqueles eventos, para aquela geração e para as que haveriam de vir.

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Um tratamento adequado dos agrupamentos conceptuais da teologia do AT exige que tenhamos consciência da seqüência de eventos históricos na vida de Israel. A teologia de Israel — ea nossa — está arraigada na história. Dessa forma, Hebreus 1:1-2 continuou essa seqüência quando afirmou que "Havendo Deus, outrora, falado muitas vezes, e de muitas maneiras, aos pais, pelos profetas, nestes últimos dias nos falou pelo Filho".

Contrariamente à opinião prestigiosa de Gerhard von Rad e sua escola, o AT de fato fazia reflexões sobre a história de Israel de acordo com um princípio pré-anunciado de seletividade.1 Esse princípio, mediante o qual incidentes histó-ricos eram incluídos ou rejeitados era a consistente declaração profética: "Assim diz o Senhor",

Esta declaração estava longe de ser mera assimiladora sincretista de tradições que, mecânica ou carismaticamente colavam tradições existentes e as interpretavam à luz do dia atual. Pelo contrário, havia um princípio único, um entendimento único de toda a revelação, que solucionava a situação para os escritores, Era a

1 Gerhard von Rad, Teologia do Antigo Testamento, 1:116 e segs.

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44 Teologia do Antigo Te st a men to

"Promessa" revelada de Deus, em que Ele seria a esperança de todos os homens e que levaria a efeito uma obra divina de implicações universais.

Esta ênfase não é a de uma imposição fideística de uma fé cristã posterior sobre o texto, nem o resultado de um mínimo cientificamente assegurado tirado de tipos destrutivos de crítica histórica e literária. Pelo contrário, é a reivindicação do próprio cânon conforme agora existe.

Além disto, uma ordem definida de eventos e significados centrais torna-se o sujeito repetido de numerosas seções nos Salmos (136, 105, 78) e nos profetas (Jr 2; Ez 16, 20, 23). Começando ou com a Criação ou com o chamado de Abraão, a narrativa usualmente seguia o mesmo padrão de seletividade e ênfase.

A substância daqueles eventos, especialmente selecionados e interpretados pelos escritores do AT, também poderia ser registrada em breves resumos, tais qual aquele que Gerhard von Rad designou como um Credo israelita antigo — Deuteronômio 26:5-9:

Arameu, prestes a perecer, foi meu pai, e desceu para o Egito, e ali viveu como estrangeiro com pouca gente; e ali veio a ser nação grande, forte e numerosa. Mas os egípcios nos maltrataram e afligiram, e nos impuse-ram dura servidão. Então, clamamos ao SENHOR, Deus de nossos pais; e Javé ouviu a nossa voz, e atentou para a nossa angústia, para o nosso trabalho e para a nossa opressão; E Javé nos tirou do Egito com podero-sa mão, e com braço estendido, e com grande espanto, e com sinais, e com milagres; e nos trouxe a este lugar, e nos deu esta terra, que mana leite e meL2

Semelhantemente, Josué 24:2-13 passou em revista mais ou menos a mesma narrativa histórica em uma forma que assumiu um status legal enquanto os cidadãos de Israel juntamente serviam como "testemunhas contra si mesmos" (v. 22) quanto à veracidade e significado desta seqüência histórica de eventos (cf> v, 27).

Nisto se acha a unidade interna da história de Israel e da sua teologia. Era mais do que uma forte tendência para a unificação";3 era um fato da vida, e vida dos fiéis. Foi enfileirada no varal da história, mas continha motivos conceptuais acom-panhantes que, segundo declaravam os escritores, não eram invenção própria mas, sim, formados por Deus. Ele tinha o direito exclusivo de interpretar, definir valores, ver significâncias, e indicar a interpretação para aquele tempo e para o futuro. O que se diz, porém, da seqüência histórica? Como é que se devem agrupar os eventos?

2 Ibid. pág. 122, 3 Ibid. pág. 118.

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O Desenvolvimento de um Esboço para a Teologia do Antigo Testa men to 45

Há uma convenção conceptual que se pode tomar emprestada da sistemática para a organização da teologia do AT? E, se houver um método de estudo que melhor se enquadre nas necessidades de um novo tipo responsável de teologia exegética que toma cuidadosa nota do emprego feito pelo autor quanto à linguagem, primeira-mente à luz da coletânea que herdou de termos e conceitos tirados dos antecedentes bíblicos até o dia dele, quais são os pontos divisivos disto, na história? A estas per-guntas procuramos responder.

Os Períodos Históricos da Teologia do Antigo Testamento Assim como os apóstolos do NT com suas epístolas, eram, de muitas manei-

ras, os intérpretes dos Atos e dos Evangelhos, assim também a teologia do AT po-9

deria semelhantemente começar com os profetas por um motivo bem semelhante, No entanto, mesmo para o fenômeno da profecia bíblica, havia a realidade sempre presente da história de IsraeL Toda a atividade salvíf ica de Deus em tempos anterio-res tinha que ser reconhecida e confessada antes de alguém poder ver mais firme e holisticamente a revelação adicional de Deus, Devemos, portanto, começar onde Deus começou; na história — história verdadeira e real — com a geografia, homens e eventos que a acompanharam,

Pro/egômenos à Promessa: a Era Pré-patriarcai

A aliança abraâmica é citada pela primeira vez em Gênesis 12:1-3. Marca o início não somente da eleição divina do homem através do qual salvaria o mundo inteiro se os homens apenas acreditassem, como também da história e da teologia de IsraeL

Sem dúvida, Abraão ocupou um lugar de destaque no auge da revelação, Nem por isto, porém, devemos menosprezar os momentos que levaram a isto como tendo pouca significância ou até nenhuma existência. 0 texto avança da extensão de toda a criação para o bairrismo e limitações que resultaram dos pecados sucessivos da humanidade. Mas também avança da tríplice tragédia do homem como resultado da Queda, do Dilúvio e da fundação de Babel para a universalidade da nova provisão da salvação da parte de Deus para todos os homens, através da descendência de Abraão,

Além disto, a palavra e conceito principal é a "bênção" repetida da parte de Deus — uma "bênção" que, no início, existia apenas no estado embrionário, mas que estava interligada com bênçãos e palavras de promessa subseqüentes das mãos de um Deus gracioso e amoroso- No início, trata-se da "bênção" da ordem criada, Depois, é a bênção da família e da nação, em Adão e Noé. 0 auge veio na quíntupla bênção para Abraão em Gênesis 12:1-3, que incluía bênçãos materiais e espirituais.

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46 Teologia do An tigo Testamen to

No sentido, portanto, de serem uma palavra antes de uma palavra, de se adian-tarem em forma germinativa, estas bênçãos da revelação em Gênesis 1-11 poderiam ser chamadas profegômenos à promessa.

0 espírito do modernismo tem achado objeções sérias quanto ao tratar Gê-nesis 1-11 de modo direto. Nós, no entanto, acreditamos haver pouca base para tais objeçoes, que são defendidas de modo inadequado. Nossa própria posição tem sido tratar os registros à altura daquilo que alegam ser, até que o contrário seja provado por artefatos, epígrafes, ou fatos evidenciais relacionados.4

Provisões na Promessa: Era Patriarca!

Esta era foi tão significativa que Deus Se anunciava como "Deus dos patriar-cas" (i\e., "pais"), ou "Deus de Abraão, de Isaque e de Jacó". Além disto, os pa-triarcas eram considerados "profetas" (Gn 20:7; SI 105:15). Aparentemente era porque pessoalmente recebiam a palavra de Deus. Freqüentemente, a palavra do Senhor "veio" a eles de modo direto (Gn 12:1; 13:14; 21:12; 22:1) ou o Senhor "apareceu" a eles numa visão (12:7; 15:1; 17:1; 18:1) ou na personagem do Anjo do Senhor (22:11, 15).

Os períodos de vida de Abraão, Isaque e Jacó formam outro tempo distinti-vo no fluxo da história. Estes três recipientes privilegiados da revelação viram, experimentaram e ouviram tanto, ou mais, durante o conjunto de dois séculos representado peias vidas combinadas deles, do que todos aqueles que viveram durante os milênios anteriores! Como conseqüência, podemos, com toda a seguran-ça, delinear Gênesis 12-50 como nosso segundo período histórico no desdobrar da teologia do AT, exatamente como foi feito por gerações posteriores que tinham o registro escrito das Escrituras,

O Povo da Promessa: a Era Mosaica

Um filho {Gn 3:15) nascido a um semita (Gn 11:10-27) chamado Abraão ha-veria de ser o instrumento para formar um povo e, finalmente, uma nação separada. Este chamado para aceitar a condição de nação significava que a "santidade" ou separação para Deus, não era um aspecto opcional. Portanto, ambos o conceitos receberiam mais atenção durante esta era da revelação.

Israel foi então chamado "reino de sacerdotes e nação santa" (Êx 19:6). Deus, com todo o amor, delineava os meios morais, cerimoniais e civis de se cumprir tão alta vocação. Viria no ato primário do Êxodo, com a graciosa libertação de Israel do Egito, operada por Deus, a subseqüente obediência de Israel, em fé, aos

4 Ver nosso estudo, "The Literary Form of Genesis 1-1 1", New Perspectives on the Testa-ment, ed. J.B, Payne (Waco, Texas; Word, 1970), pâgs. 48-65,

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O Desenvolvimento de um Esboço para a Teologia do Antigo Testa men to 47

Dez Mandamentos, a teologia do tabernáculo e dos sacrifícios, e semelhantes deta-lhes do código da aliança (Êx 21-23) para o governo civil.

Toda a discussão quanto a ser um novo povo de Deus se derivava de Êxodo 1-40; Levítico 1-27; e Números 1-36. Durante esta era inteira, o profeta de Deus foi Moisés — um profeta sem igual entre os homens (Nm 12:6-8), De fato, Moisés foi o padrão para aquele grande Profeta que estava para vir, o Messias (Dt 18:15 18).

O Lugar da Promessa: A Era Prê-Monárquica

Uma das partes da promessa de Deus que recebeu uma descrição detalhada nos eventos da história e nas páginas das Escrituras foi a conquista da terra de Ca-naã. A promessa da terra como lugar onde Deus faria descansar o Seu nome já tinha, a esta altura, seis séculos de idade, A antiga palavra dada a Abraão agora receberia pelo menos um cumprimento seminal. Dessa forma, Deuteronômio, com sua preo-cupação com respeito a este fugar de descanso (12:8-11) e o livro de Josué, com sua descrição da conquista daquela terra, claramente se juntam em conceito e ato.

Temos aqui, porém, uma clara unidade de história que pode ser distinguida tão nitidamente como o foram as eras patriarcal ou Mosaica pelas próprias declara-ções das Escrituras? E esta história deve se estender ao longo do período dos juízes para incluir a teologia das narrativas da arca da aliança em 1 Samuel 4-7? Estas per-guntas não aceitam conclusões decisivas — os tempos se tornaram tão distorcidos e tudo parecia estar em tantas mudanças subseqüentes devido ao declínio moral do homem e â falta da revelação da parte de Deus. De fato, a palavra de Deus se torna-ra "rara" naqueles dias em que Deus falou a Samuel (1 Samuel 3:1). Conseqüente-mente, as linhas de demarcação não se escrevem tão nitidamente, embora os temas centrais da teologia e os eventos-chave sejam bem registrados historicamente.

No plano, portanto, é permitir uma parte sobreposta durante este período da conquista e ocupação da terra, Esta parte sobreposta fica entre o tema do lugar de descanso e o surgimento de exigência de um rei para reinar sobre uma nação que se cansou da sua experiência em teocracia conforme ela era praticada por uma na-ção rebelde. O melhor que se pode dizer do período pré-monárquico é que era um tempo de transição.

A história de Josué, Juízes e até Samuel e Reis, no entanto, era avaliada do ponto de vista do padrão moral de Deuteronômio. E seus pontos principais de co-nexão foram facilmente discernidos: Deuteronômio 28, 31; Josué 1, 12, 24; Juízes 2; 1 Samuel 12; 2 Samuel 12; 1 Reis 8; e 2 Reis 17. Estes momentos significantes na história da revelação deste período são usualmente reconhecidos pela maioria dos teólogos bíblicos de hoje.

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O Rei da Promessa — a Era Davidica

Aquilo que Gênesis 12:1 -3 era para o período patriarcal, 2 Samuel 7 é para os tempos de Davi. Os quarenta anos do reino de Davi se comparam, quanto à sua du-ração, com a era mosaica, mas sua importância para as gerações futuras está além de toda a comparação,

Como prelúdio ò história deste período, os sinais precoces de aspirações régias no filho de Gideão, Abimeleque, o pedido do povo no sentido de lhe ser dado um rei, quando Samuel era juiz (1 Sm 8-10), e até o reinado de Saul nos preparam negativamente para o grandioso reinado de Davi (1 Sm 1 1 — 2 Sm 24; 1 Rs 1-2; e salmos davídicos reais tais como SI 2, 110, 132, 145).

A história e a teologia se combinavam para enfatizar os temas de uma dinas-tia real continuada, e um reino perpétuo com um domínio e alcance que se tornaria universal na sua extensão e influência. Mesmo assim, cada um destes motivos régios foi cuidadosamente vinculado com idéias e palavras de tempos anteriores: uma "des-cendência", um "nome" que "habitava" num lugar de "descanso", uma "bênção" para toda a humanidade, e um " re i " que agora reinava sobre um reino que duraria para sempre-

A Vida na Promessa: a Era Sapiência/

Os quarenta anos de Salomão foram marcados pela edificação do templo e por outro derramamento de revelação divina. Parcialmente, este período em muito se assemelha aos tempos pré-monárquicos, sendo que ele, também, é parcialmente transicional em seu caráter. Mesmo assim, também tinha seu próprio caráter dis-tintivo.

Nenhum período de tempo é mais difícil de se relacionar com a totalidade de uma teologia do AT que sempre avançava, do que este da literatura sapiênciaI desta era, achada em Provérbios, Eclesiastes, Cantares, e os Salmos Sapienciais. Mesmo assim, da mesma forma como a lei mosaica pressupunha a promessa patriarcal e edificava sobre ela, assim também a sabedoria salomônica presupunha tanto a pro-messa abraâmico-davídica como a lei mosaica.

O conceito-chave da era sapiência! era "o temor do Senhor" — uma idéia que já começou na era patriarcal como a resposta da crença fiel (Gn 22:12; 42:18; Jó 1:1, 8-9; 2:3), Foi este vínculo de conexão que fazia a promessa e a lei compartilha-rem da beleza e plenitude de toda a vivência humana no aqui e agora. O temporal veio a ser mais do que mera existência; a vida podia agora ter significado, prazer, e a unificação com valores e compromissos eternos.

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O Dia da Promessa: Século Nono

O "Dia da Promessa" é o primeiro de cinco grandes eras proféticas, cada uma com sua própria ênfase básica, estendendo-se da divisão do reino em 931 a.C. até a situação pós-exílica.

Agora que a "casa" de Davi e o templo de Salomão tinham sido estabelecidos, os objetos de cada uma das promessas com facetas múltiplas chegaram a um planal-to provisório no seu desenvolvimento, 0 monarca futuro de Deus agora era visível na linhagem de Davi, e a presença pessoal de Deus no meio dos Seus súditos que 0 adoravam era dramatizada no templo.

Sendo assim, os profetas poderiam agora focalizar sua atenção sobre o plano e reino de Deus no seu alcance mundial. Infelizmente, porém, o pecado de Israel tam-bém exigiu boa parte da atenção dos profetas. Mesmo assim, misturadas com estas palavras de julgamento havia, persistentemente enxertadas, perspectivas brilhantes de outro dia quando o domínio e governo eterno de Deus, conforme fora anunciado havia tanto tempo, receberia sua realização mais plena.

Muitos colocam Joel e Obadias no século nono como os mais antigos dos pro-fetas escritores. Enquanto Obadias poderia ser colocado em qualquer um dos três tempos diferentes na história de Judá, o melhor seria provavelmente durante o rei-nado de Jeorao (853-841 a. C.), quando Edom se revoltou contra Judá juntamente com os árabes e filisteus (2 Rs 8:20-22; 2 Cr 21:8-10, 16, 17).5

Da mesma forma, Joel usualmente é colocado no reinado de Joás de Judá (835-796 a. C.) uma vez que não se menciona a Assíria, a Babilônia ou a Pérsia na longa lista dos inimigos de Israel — presumivelmente porque ainda não estavam no cenário histórico.6 Se este reinado for o período geral do tempo, então o livro deve vir cedo no reinado, digamos de 835-820, enquanto o piedoso sumo sacerdote Joia-da agia como conselheiro do jovem rei Joás.

Independentemente da data final que se atribua a Joel e Obadias, sua teologia é clara: é o dia do Senhor. Há de vir um dia em que Javé se vindicará por obras de salvação e julgamento tão grandiosas que todos imediatamente reconhecerão es-tas obras como sendo divinas na sua causa. Naquele período, Deus completará tudo quanto os profetas antecipavam, e tudo quanto o remanescente fiel esperava.

5 As outras opções são: (1) durante o reinado de Acaz (743-715 a.C.); (2) na ocasião que Edom invadiu Judá (2 Cr 28:16-18); e (3) durante a queda de Jerusalém sob Nabucodonosor em 586 a.C. (2 Rs 25:1-21; 2 Cr 36:15-20K

6 É, porém, estranho que os arameus de Damasco não fossem mencionados também, por-que submeteram Joás a pesado tributo tarde no reinado deste (2 Rs 12:17-18; 2 Cr 24:23-24),

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A praga de gafanhotos em Joel e a preocupação de Obadias quanto à falta de amor fraternal por parte de Edom eram oportunidades para a renovação e expansão da antiga palavra de promessa da parte de Deus.

O Servo da Promessa: o Século Oitavo

A quinta-essência da teologia do AT atingiu seu auge durante o século oitavo. Incluía as obras de profetas tais como Jonas, Oséias, Amós, Isaías e Miquéias. Gra-ciosamente, cada um foi enviado mais ou menos uma década antes do julgamento ameaçado contra Damasco, capital da Síria, que caiu em 732 a. C., e Samaria, capi-tal das dez tribos nortistas de Israel, que caiu em 722 a. C.

Nada pode descrever adequadamente as alturas estonteantes que cada um des-tes profetas atingiu em seus escritos. De fato, "Com quem comparareis a Deus? ou que coisa semelhante confrontareis com ele? " perguntou Isaías aos de seus dias e dos nossos (Is 40:18}. Miquéias perguntou: "Quem, ó Deus, é semelhante a t i , que perdoas a iniqüidade? " (Mq 7:18). E Amós anunciou abertamente que Deus volta-ria a levantar "o tabernáculo caído de Davi" (Am 9:11).

O que dominava a era inteira, porém, era aquela teologia magnífica do AT, em forma pequena, de Isaías 40-66, com sua personagenrvchave, o Servo do Senhor, da descendência de Abraão e Davi.

A Renovação da Promessa: Século Sétimo

No fim do século sétimo chegou outra sucessão de profetas que escreviam: Sofonias, Habacuque, Naum e Jeremias. Mais uma vez Naum advertiu (como Jonas fizera mais de um século antes) que a destruição iminente cairia sobre a cidade as-síria de Nínive (o que ocorreu de fato em 611 a.C,}. Os outros três profetas, seme-lhantemente, deram advertências contra a capital de Judá, Jerusalém, que foi ata-cada em 606, 598, e que caiu finalmente em 586 a.C. Se os homens somente se arrependessem, poderiam se salvar dos horrores e da realidade da desolação que ameaçavam chegar,

Mesmo assim, a melancolia desolada não era a única palavra para Judá; havia a alegre perspectiva de uma aliança renovada para um remanescente crente e fieL Jeremias a entitulava a "Nova aliança" e edificou ao derredor dela um programa pa-ra o rejuvenescimento de todos os homens, nações e natureza no seu livrinho de consolo (Jeremias 30-33). E, para Sofonias, havia mais luz sobre aquele dia do Se-nhor que haveria de vir. Entrementes, Habacuque trovejava sua solução a seus pró-prios momentos de desespero e dúvida: o justo viveria pela fé.

Mesmo assim, os temas estavam clara e destacadamente presentes neste novo avanço. As linhas de continuidade se estendiam especialmente para aqueles dias em que a fórmula em três partes, primeiramente ouvida pelos patriarcas e por Moisés,

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O Desenvolvimento de um Esboço para a Teologia do Antigo Testa men to 51

seria uma realidade total: "Eu serei vosso Deus; vós sereis meu povo, e Eu habitarei no meio de vós." Assim haveria de ser então e no futuro.

0 Reino da Promessa: os Tempos Exflicos

Ezequiel e Daniel, enquanto viviam no Exílio Babilónico, continuavam a agu-çar ainda mais claramente como o "Bom Pastor" vindouro um dia reinaria sobre um Israel reunido, com doze tribos, em Canaã- Sim, o Filho do homem viria com as nuvens do céu e a Ele seriam dados domínio, glória e um reino dentro do qual todos os povos, nações e línguas serviriam a Ele. Seu domínio seria um domínio eterno que não passaria, e Seu reino seria de qualidade indestrutível. Os reinos da terra poderiam chegar e ir embora, mas o reino d Ele nunca sucumbiria.

Com esta nota régia, estes dois profetas exilados levaram Israel para o século sexto e para um dia novo para toda a humanidade. O escopo ea majestade daquilo que tão antigamente tinha sido prometido a Abraão e a Davi era estonteante.

O Triunfo da Promessa: os Tempos Pós-Exílicos

Juntamente, as história de Esdras-Neemias, Ester, Crônicas, e as profecias de Ageu, Zacarias e Malaquias formam a nota final da revelação do cânon do AT.

Avançam das condições de desânimo em Israel após o retorno dos setenta anos de cativeiro na Babilônia, para o triunfo completo da pessoa, palavra e obra de Deus. O que parecia pequeno e insignificante para eles num dia como 520 a.C. estava diretamente vinculado, em glória e durabilidade, com o encerramento da história humana, feito por Deus. O templo reedificado era pequeno e insignificante aos olhos deles? Mas era aquele templo mesmo cuja glória seria ainda maior do que a do templo de Salomão. Nenhum trabalho feito com a insistência dos profetas de Deus poderia ser julgado em bases somente empíricas. Havia a conexão maior da parte à totalidade do final da história dirigido por Deus. Os homens agora devem olhar para cima, crer, e trabalhar. Seu Rei estava para vir, montado num jumento, e trazendo salvação (Zc 9:9)- Ele ainda sairia para lutar contra todas as nações da terra, que, num certo dia final, se reuniriam para batalhar contra Jerusalém (Zc 14).

E, como se fosse para restabelecer a validade das raízes desta visão messiânica do reino de Deus na terra, o cronista fez uso da história passada de Israel para mostrar a normalidade desta visão conforme o padrão da "casa" davídica e o templo e culto salomônicos.

Assim se estendia a história de Israel no tempo, mas as raízes seminais de sua teologia permaneciam intactas enquanto a planta crescia, desenvolvendo-se em árvore formada, com cada crescimento novo.

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Os Ítens-Chave em cada Período Histórico A situação é exatamente aquela avaliada por Patrink Fairbairn:

Neste esboço que apresentamos, mormente porque vincula de modo feliz o começo com o fim, e exibe a analogia que subsiste entre o modo de Deus operar na natureza e na graça, somente alguns dos vínculos mais óbvios são notados, Quando se examina o assunto mais de perto, muito mais se descobre do desdobrar progressivo da primeira promessa e a interconexão entre ela e profecias subseqüentes e destas, por sua vez, uma com a outra,7

Assim sendo, a primeira palavra de benção/promessa da parte de Deus na Criação foi seguida por aquela palavra embrionária no Éden, dada è descendência da mulher: sempre haveria uma Descendência vitoriosa contra os ataques da descen-dência de Satanás. Antes de chegarmos aos tempos de Abraão, esta palavra é esten-dida no seu alcance, na bênção que Noé pronunciou sobre Sem, para uma raça ou linhagem inteira, em cujos tabernáculos Deus habitaria, Daí, os Itens-chave nesta época pré-patriarcal serem "bênção", "descendência" e uma raça no meio da qual Deus "habitaria".

Os patriarcas também receberam livremente a bênção de Deus num herdeiro ("semente"), numa herança ("terra"), e numa tradição herdada ("todas as nações da terra serão abençoadas" — o evangelho conforme Gl 3:8).

A era mosaica em primeiro lugar ressaltava Israel como " f i lho" de Deus, Seu "primogênito". Com o Êxodo, Deus chamou os israelitas conjuntamente para serem "sacerdócio real e nação santa" para Ele. Havia, subordinada a esta alta escolha para privilégio, uma eleição para serviço. Israel tinha que ser santo e limpo, "Santo" queria dizer total e inteiramente separado para Deus, em corpo, alma, e vida. "L impo" queria dizer que Israel tinha que ser preparado e digno da ado-ração a Deus, No Êxodo, instrução adequada na moralidade apropriada se vinculava com o caráter e obra permanentes de Deus, Semelhantemente, havia provisão para a restauração ao favor divino no caso de qualquer fracasso humano quanto a atingir aquele padrão moral, provisão esta que foi dada no sistema sacrificial,

Os temas da era pré-monárquica giram em torno do "descanso" de Deus, do Espírito de Deus, da arca da aliança, e da injunção de se amar, temer e servir a Deus com todo o coração, alma, força e mente.

Patrick Fairbairn, The Interpretation of Prophecy, 2? edição (Edimburgo: T. & T. Clark: 1856), pág. 185).

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O Desenvolvimento de um Esboço para a Teologia do Antigo Testa men to 53

Para Davi, era uma dinastia {"uma casa"), um " t rono" e um "reino". Para Salomão era o "temor a Deus" como princípio da sabedoria, do viver, do saber, e do agir» Assim como o palácio era o símbolo da era anterior da monarquia, especialmente sob os dias gloriosos de Davi, assim também o templo, e a casa edificada pela sabedoria, eram as marcas da era salomônica.

Os profetas então tomavam, em seqüência, os temas do dia do Senhor, do Servo do Senhor, da Nova aliança, do reino de Deus, e do triunfo do plano de Deus.

Tudo pertencia, porém, a um só plano. Conforme o resumo de Carl Paul Caspari:

Os profetas do antigo Testamento formam uma sucessão regular; sao membros de uma corrente contínua sem quebras . , . Quando, portanto, o Espírito de Deus vinha sobre um profeta e irresistivelmente o impul-sionava a profetizar (Amós 3:8), em primeiro lugar, isto ocorria natu-ralmente aqui e ali, às vezes mais, às vezes menos, vestia-se daquilo que o Espírito transmitia a ele em palavras de um ou outro dos profetas que ouvira ou lera — sendo que as palavras do seu precursor profético se apegavam à sua memória, formando parte das matérias de expressão das quais o Espírito fazia uso; e, em segundo lugar, que o profeta pos-terior se vinculava aos pontos de vista proféticos do anterior, e, no poder do Espírito profético ,. » ou os confirmava de novo por nova promulgação, ou os expandia e completava.8

E assim se poderia dizer com respeito ao cânon inteiro do AT,

A Provisão para Itens de Tipo Único Nem tudo era amena repetição, nem um remoldar em novas situações as

palavras de um ou mais dos precursores do escritor. Havia, para empregar outra vez as palavras de Caspari, "uma nova promulgação" que desenvolvia áreas de pensamento quase completamente novas naquele plano único da promessa de Deus.

Enquanto cada uma destas novas ramificações de ensinamento foram fre-qüentemente vinculadas por antecedentes históricos ou como resposta ao cânon acumulado até aquele ponto, muitas vezes eram tão surpreendentes na sua novidade que ameaçavam tentativas posteriores de achar a pista da sua continuidade dentro do cânon existente. O melhor exemplo disto, sem dúvida, é a literatura sapiênciaL

g Conforme citado por Fairbairn, ibid., pág. 199.

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54 Teologia do An tigo Testamen to

Era tão diferente e diversa da revelação que dizia-se anterior a ela, que muitos, até ao dia presente, não podem ver conexão alguma. Conseqüentemente, pode-se usar isso como sinal seguro de um item único e inovador se há pessoas dispostas a concluir que se trata de uma coisa estranha, avulsa, uma novidade inconexa.

Em segundo lugar depois da literatura sapiênciaI, quanto às conexões, vem a lei e sua colocação ao lado da promessa abraâmico<Javídica. Mais uma vez, porém, o texto insiste nos seus pontos de continuidade, especialmente com a era patriarcaL A quantidade enorme da revelação original que desenvolve aquilo que significa ser povo de Deus é estonteante, A lei também deve ser registrada como outro exemplo-chave de um item novo de primeira grandeza na revelação do plano único de Deus. De fato, é tão novo que a maioria, outra vez, duvida mais da sua conti-nuidade de que das suas capacidades inovadoras.

Há mais, no entanto, que deve ser alistado aqui, além da sapiência e da lei. Havia, de um lado, o constante estreitamento e o tornar mais específico daquilo que o cumprimento final haveria de ser. Era um tipo de eleição dentro da eleição, i.e., o homem Davi de uma tribo de Judá, de uma nação Israel, de uma raça de semitas, da descendência de uma mulher. Do outro lado, havia a expansão e comple-tação constantes das projeções nascentes, em eventos, pensamentos e expressão. Neste processo, houve o constante erguer dos termos técnicos, esperanças e con-ceitos dos precursores do escritor, enquanto continuava a corrente inteiriça e contínua dos detalhes emergentes do plano de Deus: Sua promessa. Cada novo escritor, no entanto, acrescentava algo ao tema. Os escritores do AT eram mais do que meros papagaios. Eram participantes numa longa linhagem de revelação, sem dúvida, mas também eram, por excelência, recipientes de revelação adicional.

O Esboço Resultante 0 formato que emerge como resultado para a teologia do AT, com sua

base longitudinal diacrônica e implicações normativas para teologia exegética ou para pregação expositiva, é o seguinte:

h

I. Prolegômenos à Promessa: a Era Pré-patriarcal A. A Palavra de Criação B. A Palavra de Bênção C. A Primeira Palavra de Promessa: Uma Descendência D. A Segunda Palavra de Promessa: 0 Deus de Sem E. A Terceira Palavra de Promessa: Uma Bênção para Todas as Nações

II. Provisões na Promessa: a Era Patriarcal A, A Palavra de Revelação

j

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O Desenvolvimento de um Esboço para a Teologia do Antigo Testa men to 64

B, A Palavra da Promessa 1. Um Herdeiro 2. Uma Herança 3. Uma Tradição Herdada

C- Uma Palavra de Segurança D, O Soberano da Promessa E. O Deus da Promessa

III, O Povo da Promessa: a Era Mosaica A. Meu Filho, Meu Primogênito B. Meu Povo, Minha Possessão C. Sacerdotes Reais D. Uma Nação Santa E. A Lei de Deus F. 0 Deus que Habita (O Deus "Tabernaculador")

IV, 0 Lugar da Promessa: a Era Pré-Monárquica A. A Herança da Terra

#

B. O Descanso na Terra C. 0 Lugar Escolhido na Terra D. 0 Nome Habitando na Terra E. A Conquista da Terra F. A História Profética na Terra

1. Arrependimento e Bênção 2. A Palavra Predita e o Evento Cumprido 3. Um Profeta como Moisés

V, O Rei da Promessa: a Era Davfdica A. Um Rei Prometido

1. Um Soberano Usurpador 2. Um Soberano Rejeitado 3. Um Soberano Ungido

B. Uma Dinastia Prometida 1. Uma Casa 2. Uma Descendência 3. Um Reino 4. Um Filho de Deus

C. Uma Carta Magna para a Humanidade D. Um Reino Prometido

1. A Arca e o Reino 2. Os Salmos Reais e o Reino 3. A Narrativa da Sucessão e o Reino

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Teologia do Antigo Testamento

VI. A Vida na Promessa; a Era Sapiência! A. O Temor do Senhor B. Vida no Senhor C. A Integração da Vida e da Verdade no Senhor D. Sabedoria da parte do Senhor E. Eudemonismo e o Senhor

Vi l . O Dia da Promessa: Século Nono A. Os Profetas e a Promessa B. A Promessa no Século Nono C. Edom e a Promessa: Obadias D. O Dia do Senhor: Joel

VIII. O Servo da Promessa: Século Oitavo A. Reedificando o Tabernáculo Cafdo de Davi: Amós B. Livremente Amando a Israel: Oséias C. A Missão aos Gentios: Jonas D. O Soberano de Israel: Miquéias E. O Teólogo da Promessa: Isaías

IX- A Renovação da Promessa: Século Sétimo A. Nova Visita è Missão aos Gentios: Naum B. 0 Dia do Senhor: Sofonias C. O Justo Viverá pela Fé: Habacuque D- A Palavra do Senhor: Jeremias

X. O Reino da Promessa: o Período do Exílio A. O Reinado do Bom Pastor: Ezequiel B. O Sucesso do Reino Prometido: Daniel

XI. O Triunfo da Promessa: os Tempos Pós-Exíiicos A. 0 Anel de Selar de Deus: Ageu B. O Herói Conquistador de Deus: Zacarias C. O Mensageiro de Deus da Aliança: Malaquias D- O Reino é do Senhor: Crônicas, Esdras-Neemias, Ester

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Cada vez que os teólogos bíblicos identificam alguns termos chaves, ou categorias, como centro teológico para organizar a teologia que se desenvolve, de um ou outro dos testamentos, ou ambos (como nós também fizemos aqui), imediatamente se vêem confrontados com a massa de ênfases diversas nas Escri-turas, Para alguns, é mais do que uma diversidade de matérias. A multiplicidade de idéias é explicada por nada menos de que contradições e mudanças de opinião entre os sucessivos escritores das Escrituras. Mesmo quando o texto é tratado de modo justo na sua forma canónica f ina l / a questão da diversidade ainda per-

1 Evitaremos a discussão que pertenoe à introdução ao AT ou à história da religião israelita, a saber: o processo da formação daquele texto, os resultados da crítica literária, e a crítica históríco-tradicional Basta dizer aqui que os evangélicos também acreditam em e fazem uso de alta crítica, crítica de forma, etc. Aquilo com que não podem concordará o emprego de fontes imaginárias ou hipotéticas (Crônicas e Reis se referem a muitas fontas reais, cf. Lucas 1:1-4) a pressuposições filosóficas ou sociológicas que não suportam o teste ao serem aplicadas a materiais epigráficos descobertos pelos arqueólogos de idade, estilo e natureza semelhante aot textos bfbticos, sendo que a antigüidade e autoria de muitos dos textos escavados são garantidas em outras bases) Cf. W.C. Kaiser, Jr., "The Present State of Old Testament Studies", Journal of Evangélica! Theotogical Society 18 (1975): 69-79,

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58 Teologia do Antigo Testamento

manece; e o alvo de atingir uma teologia unificada parece desesperadamente im-possível.

Mesmo assim, ainda depois das avaliações mais prejudiciais terem sido remo-vidas por um tipo objetivo de alta crítica, quatro pontos-chave de tensão permane-cem como símbolos do fato de que o AT parece conter uma variedade de pontos de vista mais do que um único tema integrado, Se fosse possível edificar pontes que atravessassem estas muralhas altas, talvez houvesse esperança para o projeto inteiro de escrever uma teologia do AT com um enfoque central. As quatro conexões cruciais são:

1. A "Bênção" pré-patriarcal ea "Promessa" patriarcal. 2. A "Promessa" patriarcal e a "Le i " mosaica. 3. O "Deuteronomismo" pré-monárquico e a "Promessa" davídica. 4. A "Teologia de Criação" Sapíencial e a "Promessa" Profética,

Seja o que mais for necessário como prolegômenos à teologia bíblica, as ênfases variadas destas eras tomam a primazia sobre qualquer outra discussão. Uma solução plausível para estas conexões reconhecidamente difíceis contribuiria significativa-mente ao tipo de teologia do AT que se procura produzir aqui,

A "Bênção" Pré-Patriarcal e a "Promessa" Patriarcal Parece haver pouca dúvida de que o motivo-chave das narrativas da criação

era a "bênção" de Deus sobre as criaturas do mar e do ar (Gn 1:22) e sobre o homem e a mulher (v. 28). Não havia dificuldade em explicar aquela bênção, tampouco; era uma capacidade e um resultado, para resumir Pedersen.2 A criação de Deus tinha que ser prolífica e abundante na terra.

Esta bênção divina foi continuada em Gênesis 5:2 e depois do Dilúvio em Gênesis 9:1, A bênção, porém, estava presente mesmo à parte da palavra "aben-çoar" ou da fórmula: "E Deus os abençoou, dizendo: 'Sede fecundos, multiplicai--vos e enchei a t e r r a ' C o n f o r m e Claus Westermann argumentou corretamente, a bênção é subentendida naquilo que ele chamou Heiisschilderung ("representação da salvação")-3 É nosso argumento que tais HeifsschUderungen também estão presentes em passagens pré-patriarca is tais como Gênesis 3:15 e9:27. Sendo assim, a bênção se vê no conceito, na fórmula, e nos atos divinos.

2 Johannes Pedersen, Israel: Its Life and Culture (Nova Iorque: Oxford University Press,

1926-40), pág. 182. Claus Westermann, "The Way of Promise Through the Old Testament", The Old Testa-

ment and Christian Faith, Bernhard W, Anderson, ed. (Nova Iorque: Harper & Row, 1963), págs. 208-9.

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As Conexões Através das Épocas Históricas de Temas Emergentes 59

O vínculo óbvio entre Gênesis 1-11 e a era patriarcal é um que o próprio texto faz com suas cinco repetições da "Bênção" dada a Abraão em Gênesis 12:1-3. Tanto Zimmerli4 como Blythin5 notaram esta associação de "bênção" com o tema de "promessa" no registro patriarcal. No entanto, não levaram, como nós levamos, suas observações de volta para Gênesis 1-11, nem notaram que esta ênfase recaía justamente onde as duas épocas se encontraram no cânon: Gênesis 12:1 e segs, A época anterior terminara com a pergunta: o que poderia ser feito errç prol das nações em geral que estavam mais e mais alienadas de Deus que as fizera e as aben-çoara com tanta proliferação? E a resposta veio na forma de outra bênção. Deus introduziu um semita tendo por nome Abraão- Nele, todas as famílias da Terra achariam bênção. De fato, o verbo "abençoar" aparece 82 vezes nas narrativas patriarcais. Assim sendo, a transição verbal e conceptual era suave, contínua e deliberada.

Mas há mais- A bênção foi expressamente continuada de pai para filho em várias situações, e.g. Isaque foi abençoado por causa do pai dele (Gn 26:24), Mesmo a fórmula de bênção observada nas narrativas da criação aparece de novo: "Eu sou o Deus Todo-poderoso; sê fecundo, e multiplica-te; uma nação e multidão de nações sairão de t i " (Gn 35:11).

Em conexão com o conceito de "bênção" havia a idéia de ter sucesso numa atividade, ou de ser tornado próspero por Deus, 0 verbo sã/ah (hisifah}, "tornar próspero", "trazer sucesso", foi empregado em Gênesis 24:21, 40, 42, 56 em para-lelismo com bãrak, "abençoar" (Gn 24:1, 27, 31). Era a indicação da parte de Deus de que Seu favor estava sobre os patriarcas — tudo quanto tentaram fazer era bem sucedido. Em conseqüência, sentimos confiança em associar estes dois conceitos de "bênção" e "promessa" através das duas eras, Embora não exista nenhum verbo ou substantivo distintivo em hebraico para "promessa", a raiz bãrak na forma intensiva do verbo hebraico servia admiravelmente bem por enquan-to. Deus, no ínterim, continuava a anunciar Seus atos de futura libertação assim como Ele graciosamente supria a humanidade e toda a criação com a capacidade e os resultados do sucesso al ie então.

Tanto a promessa como a bênção se intervinculavam tão de perto que muitos estudiosos se puseram a buscar meios de segregar suas origens e interesses. Nunca houve, porém, uma demonstração segura de dicotomização deles, muito menos um consenso entre estudiosos. Na base dos resultados da crítica histórico-tradi-

4 Walt her Zimmerli, "Promise and Fulfi l lment", Essays on Old Testament Hermeneutics, Claus Westermann, ed., 2?ed. (Richmond: John Knox, 1969), pigs. 90-93.

5 Islwyn Blythin, "The Patriarchs and the Promise", Scottish Journal of Theology 21 (1968): 72.

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60 Teologia do Antigo Testamento

cional, muitos estudiosos (começando com Albrecht Alt) têm alegado que cada patriarca tinha originalmente o seu próprio deus de clã, separado; "O Escudo de Abraão", "O Temor [ou 'Parente Próximo' conforme Albright queria] de Isa-que", e "O Poderoso de Jacó". Conforme Alt, "a escolha de Abraão e seus des-cendentes originalmente não tinha nada que ver com Javé e Sua escolha de Israel, e, sim, remontava-se à religião dos deuses do Pai".6 Sendo assim, havia dois atos de escolha (os patriarcas e Israel) e vários deuses (os três "deuses de clã" dos patri-arcas e o Javé de Israel). Semelhantemente, vinculadas a estas escolhas divinas, havia as promessas destes deuses que invariavelmente se focalizavam em dois assun-tos: o aumento da posteridade dos patriarcas e sua possessão da terra de Canaã, Mas, mais uma vez, Alt divide a totalidade, e concede aos patriarcas a primeira promessa e declara que a segunda é uma retroprojeção editorial de volta aos tempos patriarcais, feita subseqüentemente à entrada de Israel na terra.7

Enquanto Martin Noth8 asseverava que tanto a promessa de terras como a promessa de uma descendência eram muito antigas, atribuía a Jacó, e não a Abraão, a maior preeminência nesta era. Von Rad9 concordou semelhantemente. Para ele, a promessa dupla era muito antiga, remontando até ao tempo dos patri-arcas. Só que o entendimento israelita posterior quanto â terra prometida era muito diferente daquilo que os patriarcas entenderam. Para eles, explicou von Rad, tinha um cumprimento imediato e direto enquanto se estabeleceram na terra; mas, mais tarde, veio a significar um retorno final sob Josué depois de uma ausência do país.

Mesmo assim, ainda persistiu uma profunda tendência entre os estudiosos modernos no sentido de associar as passagens de "bênção" exclusivamente com preocupações de riquezas e filhos — talvez este fosse até um rudimento de vestígios da sociedade e religião cananita — enquanto as passagens de "promessa" focali-zavam a preocupação pela terra.1 0

Nem a promessa nem a bênção, porém, foram sincretisticamente criadas para o propósito imediato, a partir de experiências culturais ou imitações de outras religiões que cercavam a Israel. A repetida alegação dos patriarcas que as promessas

6 Albrecht Alt, "The God of the Fathers", Essays on Old Testament History and Religion, trad. R. A. Wiison (Garden City, N.Y,: Doubleday, 1968), pág. 82,

7 Ibid , págs. 83-84. 8 Martin IMoth, A History of Pentateuchaf Traditions, trad. B,W. Anderson (Englewood

Cliffs, N.J.: Prentice-Hall, 1972), págs. 54-58, 79-115, 147-56.

9 Gerhard von Rad, Teologia do Antigo Testamento, 1:168 e segs.

10 Ver, por exemplo, Blythin, "Patriarchs," pág. 70.

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As Conexões Através das Épocas Históricas de Temas Emergentes 61

foram dadas por revelações divinas, revelações que geralmente começavam com 'amar YHWH ou wayyo ámer YHWH (Gn 12:1; 13:14; 18:13; 31:3). Não é verdade, outrossim, que estas bênçãos, conforme a alegação, eram individuais e imediatas, enquanto, em contradistinção, as promessas eram corporativas e futuras na sua natureza. Peio contrário, as bênçãos-promessas foram endereçadas àqueles descen-dentes do presente e do futuro na linhagem inteira dos fiéis que tinham um indi-víduo histórico representativo (e.g. Abraão, Isaque, Jacó) como sinal, ou penhor, daquilo que Deus faria no futuro imediato e distante. Ao mesmo tempo, todos os descendentes eram coletivamente incluídos na bênção e promessa* Todas as tenta-tivas de dividir bênção-promessa desmascaram a artificialidade e subjetividade destes esquemas, porque o texto na sua atual forma canónica grita "não" a cada artifício desta natureza.

Daí concluirmos que a generosa palavra de Deus foi realizada na Sua "bên-ção" à humanidade em ambas as eras; "Sede fecundos, mutiplicai-vos e enchei a terra" (Gn 1:28; 9:1, 7; 12:1-3; 35:11) e na Sua promessa e nas várias represen-tações da salvação (Heiisschilderungen) em ambas as eras, também: um descendente, raça, terra, bênção para todas as nações, reis, etc. (Gn 3:15; 9:27; 12:2-3; 15:17), Alguns protestos dos estudiosos, de modo contrário, apenas servem para com-provar a confiabilidade geral desta ligação.

A "Promessa" Patriarcal e a "Lei" Mosaica Ainda mais séria era a disjuntura que surgiu entre a lei e a promessa. Aqui,

alguns acreditavam que até o apóstolo Paulo e o escritor ao Hebreus poderiam ser citados entre os que desvinculavam a unidade da lei e da promessa, se não duvidavam dos próprios fatos do texto do AT. As conexões, no entanto, eram mais uma vez tão claras em vários pontos que suspeitava-se, injustamente, que os materiais patriarcais tinham recebido retro projeções de matéria tirada do mais grandioso momento de todos — o momento da formação da nação na libertação do Egito,

Tomemos, por exemplo, a fórmula de auto-predição ou auto-revelação achada em Êxodo 20:2 (e cerca de 125 vezes no restante do AT): "Eu sou o SE-NHOR teu Deus, que te tirei da terra do Egito". Uma fórmula semelhante existia em Gênesis 15:7: "Eu sou o SENHOR que te tirei de Ur dos caldeus". Eram por demais semelhantes quanto à forma, conforme se alegava, para serem independentes uma da outra. Oue tipo de dependência, portanto, era atribuído? A prioridade de Êxodo 202 ! Mas por que não o padrão oposto — mormente porque o texto alegava semelhante padrão? Um texto deve ser considerado inocente até que seja comprovado culpado? Ou devemos sempre supor que, sendo que é religioso ou bem antigo cronologicamente, tem de estar sob suspeita?

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62 Teologia do Antigo Testamento

Semelhantemente, as indicações de uma epifania divina e os aspectos de temor e medo que cercavam o recebimento da aliança por Abraão em Gênesis 15:17 foram mostradas para Israel quando a aliança foi entregue no Sinai em Êxodo 19:18. A fumaça, a tocha de fogo e o fogareiro de Gênesis 15 formaram paralelos com a fumaça, fornalha e fogo de Êxodo 19. Os textos declaram:

E sucedeu que, posto o sol, houve densas trevas; e eis um fogareiro fumegante, e uma tocha de fogo que passou entre aqueles pedaços,

— Gênesis 15:17

Todo o monte Sinai fumegava, porque o SENHOR descera sobre ele em fogo; a sua fumaça subiu como fumaça de uma fornalha.

- Êxodo 19:18

Semelhantemente, a frase patriarcal "o Deus do meu/teu pai" continuava para dentro da época mosaica. Deus, ao chamar Moisés, disse:

Eu sou o Deus de teu pai, o Deus de Abraão, o Deus de Isaque, e o Deus de Jacó. Moisés escondeu o rosto, porque temeu olhar para Deus. — Êxodo 3:6

Quando Israel foi libertado de Faraó, o povo cantou:

Javé é a minha força e o meu cântico; ele me foi por salvação; este é o meu Deus, portanto eu o louvarei; ele é o Deus de meu pai, por isso o exaltarei.

- Êxodo 15:2

E, antes de Moisés se encontrar com seu sogro, Jetro, o fi lho daquele, Eliezer, é mencionado com a seguinte explicação acompanhando o seu nome:

0 Deus de meu pai foi a minha ajuda, e me livrou da espada de Faraó.

- Êxodo 18:4

É só comparar as mesmas fórmulas em Gênesis 26:24; 28:13; e 32:10.

O que Deus fez no Êxodo foi diretamente relacionado — aceitando-se aquilo que declara o cânon que temos — a um relembrar da parte de Deus da Sua aliança com Abraão, Isaque e Jacó (Êx 2:24; 3:13, 15-16; 4:5; 6:3, 5, 8). A promessa da terra tomou a primazia por um momento — Ele jurara que a daria aos pais (Êx 6:4, 8; 13:5, 11; 32:13; 33:1; Nm 10:29; 11:12; 14:23; 32:11). Os outros elementos da "bênção" antiga, porém, também estavam evidentes: Êxodo 1:7, 9 ressalta setuplamente (contando-se as expressões) o espantoso e rápido aumento

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dos israelitas para o maior desgosto dos egípcios. Além disto, havia o "primo-gênito", " f i lho" de Deus, em Êxodo 4:22, que também continuava o tema da "descendência". Dessa forma, o escritor de Êxodo viu o cumprimento de partes da promessa antiga de bênção dada aos patriarcas. A aliança não tinha sido es-quecida.

A continuidade da própria narrativa, no entanto, não era o problema que perturbava a maioria dos teólogos. Era a natureza dos materiais em ambas as ali-anças. Sinai impôs mandamentos, exigências e obrigações, enquanto os materiais em Gênesis pareciam refletir os dons da bênção e da promessa. Aquele era o con-traste que perturbava. Como poderia haver relacionamento no conteúdo das ali-anças?

Num estudo bem-recebido da estrutura literária do Hexateuco, Gerhard von Rad11 indicava o credo de Deuteronômio 26:5-9 — e credos semelhantes, tais como Josué 24:16-18 — com sua confissão restringida aos começos patriarcais, à opressão no Egito, à libertação do Egito e às peregrinações no deserto e à entrada em Canaã como o coração dos seis primeiros livros do cânon. O aspecto mais mar-cante é que os eventos do Sinai, de fato, o coração do Pentateuco, não são incluídos no credo. Von Rad tirou a conclusão, portanto, que os eventos do Sinai pertenciam a uma tradição que — por antiga que pudesse ter sido — era separada, e a uma história separada, que não tinha vínculos com o Êxodo ou com a experiência no deserto. Somente mais tarde, durante o Exílio, é que o assim chamado Javista ousou vincular a lei e o evangelho. Senão, o Sinai seria uma lenda cúltica de histo-ricidade duvidosa e uma intrusão que separava os materiais de Cades em Êxodo 17 da sua continuação em Números 10.

Houve, porém, fortes vozes de dissidência.12 Mais significativa de tudo era a clara associação do Êxodo com o Sinai em Êxodo 19:3-8 e 20:2-17. De fato, se o contexto total de duas das passagens de credo fosse considerado (para não falar do contexto total de Deuteronômio 26), elas, também, vinculariam a libertação do Egito com um apelo rio sentido de se aceitar as exigências da aliança sinaítica — Josué 24 e 1 Samuel 12.13 Como conseqüência, o Sinai não pode ser cortado da história ou teologia do Êxodo ou da promessa,

1 1 Gerhard von Rad, The Problem of the Hexateuch and Other Essaysé trad. E.W.T. Dicksen (Nova Iorque: McGraw-Hill Co., 1966), págs, 1-26.

11 Ver o resumo destes pontos de vista em Herbert B. Huffmon, "The Exodus, Sinai, and

the Credo", Catholic Biblical Quarterly 27 (1965): 102-3, notas 6-10. 1 3 Josué 24:25 se refere a estatutos, direitos, e testemunhas (vv. 22,27), e juramentos de

aceitação (w. 16, 21); assim argumentou J. A. Thompson, "The Cultic Credo and The Sinai Tradition", 7776 Reformed Theological Review 27 (1968): 53-64.

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64 Teologia do Antigo Testamento

O problema, no entanto, ainda permanecia. Como integrar, se era para inte-grar, as exigências de Êxodo 20 — Números 10 com as bênçãos das promessas de eras anteriores? Talvez a melhor maneira de fazer uma abordagem seja através de anotar, na era patriarcal, a conexão entre o mandamento, a promessa, e a bên-ção. A forma do mandamento veio tanto como imperativo quanto como proi-bição. Segundo P. V. Premsagar,14 a lista em Gênesis seria como segue:

12:1 "Sai da tua terra" 13:14 "Ergue os olhos e olha" 15:1 "Não temas" 15:9 'Toma-me uma novilha" 17:1 "Anda na minha presença, e sê perfeito" 22:2 "Toma teu f i lho, teu único filho t P. e vai-te" 26:2 "Não desças ao Egito. Fica na terra que eu te disser" 26:24 "Nao temas" 31:3 "Torr)a á terra dos teus pais" 35:11 "Sê fecundo, e multiplica-te".

Aqui, no entanto, o mandamento precedia a promessa e a bênção. Sinai era uma implicação e uma resposta natural à graça de Deus manifestada na promessa, es-pecialmente na representação da salvação nos próprios eventos do Êxodo. Para Abraão, a obediência não era uma condição da aliança. Mesmo assim, o dever da obediência foi especialmente ressaltado em Gênesis 22:18 e 26:5: "Porque obedeceste á minha voz , . . porque Abraão obedeceu â minha palavra, e guardou os meus mandamentos, os meus preceitos, os meus estatutos e as minhas leis". Foi assim que Hebreus 11:8 expressou o assunto: "Pela fé, Abraão . . . obedeceu". A fé tinha de ser juntada às obras para demonstrar sua eficácia e autenticidade.

Também deve-se afirmar que, se a promessa era uma dádiva da parte de Deus, a lei também era assim considerada. Os salmistas celebraram este ponto de vista {SI 1:2; 19:7-11; 40:8; 119), Moisés também expressou isto, quando perguntou, retoricamente: 'JQue grande nação há que tenha deuses tão chegados a si como o Senhor nosso Deus?" ou Que grande nação há, que tenha estatutos e juízos tão jus-tos como toda esta lei que eu hoje vos proponho?" (Dt 4:7-8.) A resposta de Israel foi repetida três vezes: "Tudo que o SENHOR falou, faremos" <Êx 19:8; 24:3, 7). Ao invés de repreender o povo por "temerariamente" ter aceitado condições tão ásperas quando promessas e bênçãos já estavam disponíveis, o Senhor respondeu:

1 4 P.V. Premsagar, "Theology of Promise in the Patriarchal Narratives", Indian Journal of Theology 23 (1974): 121.

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Em tudo falaram eles bem. Quem dera que eles tivessem tal coração que me temessem, e guardassem em todo o tempo todos os meus man-damentos, para que bem lhes fosse a eles e a seus filhos para sempre!

- Deuteronômio 5:28-29

Finalmente, a promessa não se opunha à lei de Deus pelas seguintes razões: (1) Tanto a promessa como a lei foram outorgadas pelo mesmo Deus que faz alianças; (2) Longe de ser um código legalístico ou um meio hipotético de mere-cer a salvação, a lei foi um meio de se manter comunhão com Deus — não a base de estabelecer esta comunhão; (3) A mesma lei que exigia um padrão de vida santo e igual ao caráter do próprio Deus, também tinha provisões para cobrir as faltas sob aquela lei, através do perdão e da expiação pelo pecado; e (4) 0 con-texto para toda e qualquer exigência da lei era o ambiente da graça: "Eu sou o Senhor vosso Deus que vos trouxe da terra do Egito" — Este é um evento de que até o patriarca Abraão tinha vaga consciência, conforme se vê em Gênesis 15:13-14: "A tua posteridade será peregrina em terra alheia, e será reduzida à escravidão, e será afligida por quatrocentos anos. .. e depois sairão com grandes riquezas". Naturalmente, alguns desconsideram isto, dizendo que se trata de um detalhe harmonizador projetado para trás para facilitar a transição, mas o texto deve permanecer inocente até que sua culpa seja comprovada por critérios melhores do que a imposição subjetiva de julgamentos de valores. Tais objeções, longe de oferecerem provas, meramente comprovam que a pedra de tropeço, achada não somente na literatura profética como também noutros lugares, continua a ser a reivindicação bíblica de poder predizer certos eventos antes de acontecerem.

O "Deuteronomismo" Pré-Monárquico e a "Promessa'' Davídica O texto central para o período davídico é 2 Samuel 7, Ao invés de entrar

como uma interrupção totalmente nova na história da revelação, cuidadosamente repete as antigas afirmações feitas na promessa e no Sinai, dando-lhes significado continuado na administração de Davi. Alguns destes aspectos em 2 Samuel 7 eram:

9: "Farei grande o teu nome" (Gn 12:2 et aL) 10: "Prepararei lugar para o meu povo, para Israel, e o plantarei"

(Gn 15:18; Dt 11:24, 25} 12: "Farei levantar depois de ti o teu descendente" {Gn 17:7-10,

19) 14: "Ele me será por filho" {Êx 4:22)

23-24: "Estabeleceste a teu povo Israel por teu povo para sempre, e tu, ó SENHOR, te fizeste o seu Deus" (Gn 17:7-8; 28:21; Êx 6:7; 29:45; Lv 11:45; 22:33; 25:38; 26:12, 44, 45; Nm 15:41; Dt 4:20; 29:12-13, et aL - duas partes da fórmula tríplice).

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Mesmo o peculiar verbo hebraico no plural em 2 Samuel 7:23 fo i uma alusão clara à pergunta idêntica em Deuteronômio 4:7-8: "Quem há como o teu povo, como Israel gente única na terra? a que tu, ó Deus, foste resgatar?" Assim, a aliança davídica tendia a absorver as promessas mais antigas feitas a Israel.

Como é, porém, que a bênção davídica de 2 Samuel 7 se encaixa — se de algum modo se encaixa — na teologia do "historiador deuteronomista"? O tipo de útero no mista de materiais usualmente incluía injunções com respeito a "guar-dar" os "estatutos, mandamentos, e juízos" de Deus, andando "nos caminhos de Javé" e fazendo "aquilo que é reto aos olhos de Javé", "com todo o teu coração e toda a tua alma". A maioria dos estudiosos bíblicos agora concorda com a con-clusão formulada em 1943 por Martin Noth:15 Os I ivros de Deuteronômio, Josué, Juízes, Samuel e Reis, do AT, dão evidência de um desígnio surpreendentemente unificado. 0 padrão ou norma para julgar a história de Israel durante a conquista, a colonização da terra, os juízes, a monarquia e a monarquia dividida era Deutero-nômio 5-30, trecho ao qual foi acrescentado Deuteronômio 1-4 como introdução posterior.16

A estrutura desta história unificada respirava as esperanças e ameaças de Deuteronômio. Emergiu especialmente nos comentários editoriais com respeito aos acontecimentos e personagens históricos selecionados ou em discursos bem colocados pelos atores principais naquela história: Josué 1:11-15; Josué 23; 1 Samuel 12; 1 Reis 8:14-61. Muitas vezes o escritor interpunha sua própria ava-liação quando não tinha disponívef um discurso para resumir a teologia dos tempos, e.g. Josué 12; Juízes 2:11-23; e 2 Rs 17:7-23.

Surpreendentemente, Noth não selecionou 2 Samuel 7 como articulação primária de pensamento deuteronômico. Até von Rad tendia a tratar a história de Davi de modo separado, alegando que era "notavelmente livre de acréscimos deutero no místicos",1 7 Efe introduziu aquilo que poderia ter-se alargado em outro abismo. Sugeriu que havia originalmente dois blocos separados de tradição que

15 Martin Noth, Ubertieferungs geschichtüche Studien !, Die samme Inden und bearbeiten-

den Geschichtswerke im Aiten Testamento (Tubingen: Max Niemeyer Verlag, 1943). Duvida-se que a obra deuteronomista inteira represente o tempo do Exílio, mas deixamos às introduções ao AT solucionar esta questão, porque não terá efeito negativo sobre nossas pesquisas teoló-gicas aqui. 16

A unidade de Deuteronômio como uma obra do segundo milênio a.C. agora é correta-mente defendida na base de semelhanças marcantes quanto à forma, entre Deuteronômio e tratados com vassalos feitos no segundo milênio, e,g. os tratados dos heteus, cf. Meredith Kline, Treaty of the Great King (Grand Rapids; Eerdmans, 1963).

1 7 Gerhard von Rad, Studies in Deuteronomy (Chicago: H. Regnery Co., (1953), pág. 86.

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somente na sua incorporação nestes livros foram trabalhados num tipo de fusão: a tradição Sinai/Moisés e a tradição Monte Sião/Davi.1 8

Nenhuma destas duas cunhas refletia precisamente o balanço de enfoque desta seção. Dennis J. McCarthy19 adequadamente demonstrou que 2 Samuel 7 funcionou de fato com outro dos momentos-chave na história de Israel conforme se reflete teologicamente em Deuteronâmio até Reis, inclusive. Deuteronômio fez mais do que meramente suprir a norma para a história, conforme o ponto de vista dele; marcou um padrão para relacionamentos literários subseqüentes.

Conforme a análise excelente de McCarthy, três passagens-chave esquemati-camente apresentavam declarações programáticas (Dt 31; Js 23, 2 Sm 7) e seis passagens subseqüentes mostravam como ou funcionavam ou fracassavam {havendo duas passagens para acompanharem cada um dos três padrões programáticos): (Js 1, 12; Jz 2, 1 Sm 12; e 1 Rs 8, 2 Rs 17). Somente a atribuição da centralidade de 2 Samuel 7 precisa ser acrescentada a este refinamento do ponto de vista de Noth.

Cremos que cada uma das ênfases separadas desta história — seja de cumpri-mento de palavra,20 arrependimento,21 e observância dos mandamentos e esta-tutos do Senhor como sendo a chave à longa vida na terra — pode ser harmonizada na promessa única. Para acrescentar a esta continuidade, há a clara identificação dos temas Sião/Davi e as matérias tipo Sinai/Moisés tanto em Deuteronômio como na seqüência Josué-Reis por Ernest W. Nicholsoa22

Ao repetir a evidência de Nicholson, gostaríamos apenas de inverter a ordem do fluxo de influência: ia de Deuteronômio para Davi e nao conforme a tese oposta desenvolvida por efe. Nossa razão é clara: o formato canónico da mensagem assim exige, e tem a prioridade até que seja achada evidência substancial ao contrário, Estes temas podem ser tabulados conforme se segue:

1. A obrigação de Davi e de todos os reis de seguirem a "lei de Moisés" (1 Rs 2:1 e segs.;9:4, 5).

18 Von Rad, Teologia, 1:334 e segs. i g

Dennis J. McCarthy, "Second Samuel 7 and the Structure of the Deuteronomic, History", Journal of Biblical Literature 84 (1965): 131-38.

2 0 Von Rad, Studies, pèg. 78; Teologia 1:339-40. 21

Hans Walter Wolff, "The Kerygma of the Deuteronomic Historical Work", The Vitality of Old Testament Traditions, co-au tores: Walter Brueggeman e H.W. Wolff (Atlanta: Knox Press, 197 5), pégs. 83-100. 12

Ernest W. Nicholson, Deuteronomy and Tradition (Philadelphia: Fortress Press, 1967), pâgs. 107-118.

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68 Teologia do Antigo Testamento

2. O apelo freqüente feito pelos reis davídicos à eleição de Israel, ao Êxodo, e à dádiva da terra prometida (1 Rs 8:16, 20-21, 34, 36, 53; cf. Dt 17:17, 18}.

3. O constante reconhecimento de Jerusalém como sendo o "lugar que Javé escolheu" (1 Rs 8:16, 44, 48; 11:13, 32; 14:21; 2 Rs 21:7; 23:27; cf. Dt 12).

4. A importância da "teologia do nome" ("Farei meu nome habitar ali") para a significância de Jerusalém (1 Rs 8:29; 14:21; 2 Rs 21:7; 23:27; cf. Dt 12).

5. A confiança de que a palavra de Javé não "falharia" Us 21:45; 23:14; 2 Rs 10:10; cf. Dt 13:1-5 ou 18:15 e segs.).

6. O constante surgimento de profetas (e.g. Natã, Aías o silonita, Jeú filho de Hanani, Elias, Eliseu) que falaram a infalível palavra do Senhor mas também ensinaram Israel e Judá a "guardar os meus mandamentos e os meus estatutos, segundo toda a lei que prescrevi a vossos pais e que vos enviei por intermédio dos meus servos os profetas" (2 Rs 17:13).

A esta lista acrescentaríamos o que é o mais significante de tudo:

7. O "descanso" prometido em Deuteronômio e Josué e a parte que Davi teve na sua contribuição àquele descanso (Js 21:43-45; 2 Sm 7:1, 11; 1 Rs 5:4; cf. Dt 12:8-11),

É claro que tanto a lei quanto a promessa foram incluídas nesta história. De fato, um elemento de condicionalidade foi levantado mesmo em 2 Samuel 7:11-16 e 1 Reis 2:4, conforme já acontecera em Deuteronômio 17:18-19. A promessa era de fato segura, e a linhagem davídica através da qual a promessa haveria de vir era garantida; mas, quanto a ser Davi e seus filhos apenas transmis-sores ou também participantes pessoais nestes benefícios conforme foram reali-zados nos tempos deles, isto não era tão certo; somente a própria vida deles, de fé e obediência, poderia determinar isto.

Concluímos, portanto, que não havia nem anomalia nem divergência de teologia nas narrativas davídicas e históricas dos livros proféticos anteriores de Josué, Juízes, Samuel e Reis. Tiveram sua origem no ambiente dos grandes dis-cursos mosaicos de Deuteronômio, continuavam, conforme Noth e outros indi-caram, nos discursos-chave de Josué 1,12, 23; Juízes 2; 1 Samuel 12; e atingiram um ponto alto em 2 Samuel 7 e suas respostas em 1 Reis 8 e 2 Reis 17.23

23 Ver os resumos excelentes de Carl Graesser, Jr. "The Message of the Deuteronomic

Historian", Concordia Theological Monthly 39 (1968): 542-51.

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A "Teologia da Criação" Sapiencial e a "Promessa" Profética Segundo alguns, a conexão a mais intransigente de todas é aquela entre a

teologia sapiencial e o restante da teologia do Antigo Testamento, £ tão alta-mente individualista e com tão poucos conceitos, termos ou fórmulas que for-massem vínculos com a teologia antecedente ou subseqüente de Israel que a maioria dos teólogos não tem esperança de unificá-la a qualquer tempo no restante da teologia do AT.

Cremos, não obstante, que a chave já surgiu em Gênesis 22:12 como a atitude de uma vida de fé na pessoa de Abraão: "temia a Deus". Tal era também o estilo do viver manifestado em José (Gn 42:18), Jó {1:1, 8-9; 2:3), e nas parteiras dos hebreus no cativeiro egípcio (Êx 1:15-21). A expressão "temer ao Senhor Deus" continuou em Êxodo 14:31; 20:20; Levítico 19:14, 32; 25:17; Deuteronômio 4:10; 5:26; 6:2,13, 24; 8:6; 10:12, 20; 13:4; 14:23; 17:19; 28:58; 31:12-13,

Num livro sapiencial, "o temor do SENHOR" rapidamente assumiu a posição de lema: "O temor do SENHOR é o princípio (rê^H) do saber, mas os loucos desprezam a sabedoria e o ensino" (Pv 1:7). Este temor sadio prolongava a vida e produzia a plenitude da vida {Pv 10:27; 14:27; 19:23; 22:4) assim como a lei mosaica produzia, a partir da fé, o mesmo fruto, L e,, vida (Lv 18:5). Assim, era providenciado um "caminho", ou, conforme se diz hoje, um estilo de vida, através desta atitude de reverência e confiança {Pv 2:19; 5:6; 10:17; 13:14; 15:24). Veio a ser uma verdadeira "árvore de vida" (Pv 3:18; 11:30; 13:12; 15:4).

Temer a Deus era "desviar-se do mal". Anunciado positivamente, pois, o temer ao Senhor era voltar-se para Deus numa vida de fé e confiança. Somente com tal compromisso alguém poderia receber, da parte do Deus que criou o mun-do, a capacidade de ter prazer nas atividades, que de outra forma seriam mundanas, de comer, beber e ganhar a vida. A plenitude da vida, seus padrões de significado, sua integração de fé, conhecimento e ações, e seu significado eram então realizados (Ec 3:11, 14; 5:7; 8:12; 12;13). Senão, o homem permanecia em falência, sem conseguir fazer com que tudo "se enquadrasse".

O temor do Senhor também era vinculado com a aquisição da sabedoria {Pv 1:7, 29; 2:5; 8:13; 15:33). Sendo que a sabedoria era uma característica de Deus, era d Ele o repartir com todos aqueles que entravam em relacionamento especial com Ele. De fato, fora através da sabedoria que criara o mundo (Pv 3:19--20; 8:22-31); e agora Ele daria uma participação naquela mesma sabedoria a todos aqueles que o temiam.

O que se diz, porém, do relacionamento entre a sabedoria e a teologia que a segue na era dos profetas escritores? Se o tema do temor ao Senhor começou na teologia patriarcal e continuou até aos tempos mosaicos, será que continuou

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ainda atém? De fato, continuou! Supriu tantos dos conceitos empregados por alguns dos profetas,24 e tinha um sabor tão fortemente profético que alguns estudiosos, sem justificativa suficiente, deram ao conceito da sabedoria edo temor ao Senhor uma etiqueta de reinterpretação profética da sabedoria.25

Muitas das técnicas, imagens ou padrões dos profetas eram comuns entre os sábios: o padrão x + 1 de Amós: "por três .. . e por quatro" {Amós 1:3, 6, 9, 11, 13 et al.); as perguntas retóricas baseadas em fenômenos naturais (6:12); a seqüência de causa e efeito (3:3-8); os oráculos dos ais (5:18; 6:1); o emprego por Isaías da alegoria da vinha {Is 5), e a parábola do lavrador (28:23-29); o em-prego por Jeremias da frase "aceitar a disciplina" {musãr, Jr 2:30; 5:3; 7:28; 17:23; 32:33; 35:13); e a ênfase que Ezequiel deu â punição individual (Ez 18:1 e segs,; também Jr 31:29-30)-26

0 lugar onde a doutrina da promessa seguida pelos profetas e a da sapiência se vincularam mais diretamente, porém, foi na predição acerca do sétuplo espírito de Emanuel em Isaías 11:1-2.27 Este "Rebento" (hòter) da "raiz" igeza*} de Jessé, pai de Davi, este "Renovo" fnêser) teria;

"o Espírito de sabedoria e de entendimento, o Espírito de conselho e de fortaleza, o Espírito de conhecimento e de temor do SENHOR".

Já em 2 Samuel 14, 16 e 20, a sabedoria era apresentada como virtude polí-tica. Os reis e soberanos precisavam deta para reger um povo ou uma cidade (Pv 8:14-16), A sabedoria, porém, também pertencia ao caráter de Deus e teve sua origem no temor a Ele. Sendo assim, quando Isaías {Is 11:1-10) profetizou que o governo futuro de um descendente davídico possuiria esta virtude política de "sabedoria" (hokmâh) juntamente com os demais temas sapienciais de "entendi-mento" (bínâh), "conselho" fèsâh), "fortaleza" (tfbürâh), "conhecimento"

24 J.L. Crenshaw, "The Influence of the Wise upon Amos: The Doxologies of Amos and Job 5:9-16, 9:5-10", Zeitschrift für die alttestamentliche Wissenschaft 79 <1967): 42-57.

i s William McKane, Proverbs (Philadelphia: Westminster Press, 1970), pág. 348. Também

Norman Habel, "The Symbolism of Wisdom in Proverbs 1-9", interpretation 26 (1972): 144, nota 24; págs. 143-149,

16 Para estes e outros exemplos, ver J. Lindblom, "Wisdom in the Old Testament

Prophets", Wisdom in Israel and in the Ancient Near Eastt M. Noth e D. Wínton Thomas, eds. (Leiden: EJ. Brill, 1955), págs. 202-3; David A. Hubbard, "The Wisdom Movement and Israel's Covenant Faith", Tyndate Bulletin 17 (1966): 8-1G.

21 Esta conexão é sugerida por A, Von Roon, "The Relation Between Christ and the

Wisdom of God According to Paul", Novum Testamentum 16 (1974): 207, 212.

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(da *at}, e o "temor do Senhor" (yir'at YHWH) — "Ele se deleita no temor do Senhor" — a conexão é mais do que acidental, É deliberada!

Concluímos, portanto, que é possível discernir a atuação dos próprios escri-tores bíblicos em fazerem as conexões entre os vários blocos de material e seções da história de Israel. Muitas vezes a vinculação era feita num discurso-chave, pro-nunciamento, ou refrão repetido que forma a base de uma seção inteira, Havia, portanto, itens importantes de continuidade; havia, porém, itens novos associados com referências familiares à repetição da bênção e promessa de um descendente, uma terra, uma bênção de alcance mundial, um descanso, um rei, uma dinastia, e um Deus que havitava com Seu povo.

Tudo isto, no entanto, poderia ser abrangido sob a única bênção compre-ensiva chamada a promessa, Esta categoria foi suficiente para abranger uma grande variedade de livros, temas e conceitos bíblicos. A despeito de um coro quase uni-versal ao contrário, a massa de dados não é nem intratável nem impossível. Produz, de fato, uma única teologia com um plano deliberado de Deus. Além disto, as Escrituras apresentam sua própria chave de organização, O AT possui sua própria unidade interna canónica que vincula as várias ênfases e temas longitudinais. Não se trata de uma unidade interior oculta. Está aberta e pronta para todos verem: é a Promessa de Deus.

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A marca específica de Gênesis 1-11 acha-se nas "bênçãos" no Éden, para Noé e para Abraão, A promessa de Deus, no sentido de abençoar todos os seres criados, sendo anunciada no início da narrativa pré-patriareal (1:22, 28), em pontos estraté-gicos no decurso da sua narrativa (5:2; 9:1), e na sua conclusão (12:1-3), firmam-se o tema, a unidade e os perímetros da teologia de Gênesis 1-11.

Infelizmente, este bloco de materiais bíblicos raramente tem sido tratado de acordo com a sua contribuição unificada à teologia. Por demais freqüentemente, os teólogos restringiram a sua atenção, conforme observou Claus Westermann,1 à dis-cussão da Criação, da Queda, e do pecado individual do homem diante de Deus. No entanto, a forma canónica da mensagem conforme a temos em Gênesis 1-11 exige do intérprete muito mais do que estes escassos resultados. Na Queda, o homem é colocado diante de Deus, mas também está localizado numa sociedade e no estado, conforme capítulos 4 e 6. Além disto, o homem recebeu muito mais do que a sua vida e sucessivas maldições.

0 padrão dos eventos em todos os onze capítulos está por demais estreita-mente entrelaçado para ser deixado ao lado pelo exegeta ou teólogo. Quanto à es-

1 Claus Westermann, Creation, trad. JJ . Scullion (Philadelphia: Fortress Press, 1974}, págs. 17-31. Sua análise de Gênesis 1-11 concorda em vários pontos com conclusões que já tínhamos tirado independentemente.

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trutura, exibem a justaposição da dádiva divina da bênção com a revolta do homem. A palavra divina de bênção é o ponto inicial de todo tipo de aumento e de domínio legítimo; segue após a tragédia central da seção — o Dilúvio — e termina a seção com a bênção do próprio evangelho. A revolta do homem, do outro lado, se eviden-cia primariamente nas três catástrofes que são: a Queda, o Dilúvio, e a destruição da torre de Babel. Aqui, também, a palavra divina está presente; só que se trata de uma palavra de julgamento e não de bênção.

Nem sequer este ritmo tríplice de bênção e maldição, de esperança e conde-nação, esgotou a estrutura básica e a teologia do texto na sua totalidade. 0 alvo de Deus para a história, embora fosse marcado pelas intervenções da Sua palavra em conjunturas criticamente importantes, recebeu a oposição da continuada rejeição destas bênçãos divinas nas áreas da família {4:1-16), realizações culturais {vv. 17-24), uma doutrina do trabalho (2:15), o desenvolvimento da raça humana (5; 10; 11:10-32), e do estado {6:1-6).

A linha dupla do fracasso do homem e da palavra especial da parte de Deus, oferecendo graça ou bênçãos, pode ser representada como segue:

O Fracasso do Homem

1. A Queda (Gn 3)

2. O Dilúvio {Gn 6-8)

3. A Dispersão (Gn 11)

A Bênção da Parte de Deus

a. A Promessa de uma Semente {Gn 3:15)

b. A Promessa de que Deus habitaria nas tendas de Sem (Gn 9:25-27)

c. A Promessa de bênçãos em escala mundial {Gn 12:1-3)

A Palavra da Criação Assim, porém, como começou a teologia dèsta seção, assim também começou

o mundo — através da palavra divina de um Deus pessoal que Se comunica. Dez ve-zes, o texto reitera esta declaração introdutória: "E disse Deus" (Gn 1:3, 6, 9,11, 14, 20, 24, 26, 29; 2:18). A criação, portanto, é, segundo a descrição, o resultado da palavra dinâmica de Deus» Conclamar o mundo em resposta direta à Sua palavra era agir como Jesus agia quando, em resposta à Sua palavra, homens eram curados. O centurião disse: "Apenas manda com uma palavra, e o meu rapaz será curado" {Mt 8:8). Assim também aqui, a palavra fo i dita, e o mundo veio a existir. Esta afir-mação teológica aparece mais tarde, nos Salmos:

"Os céus por sua palavra se fizeram, e pelo sopro de sua boca o exército deles Pois ele falou, e tudo se fez; ele ordenou, e tudo passou a existir."

- Salmo 33:6, 9.

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Prol ego menos à Promessa: A Era Pré-Pa triarca! 75

Não se pode determinar pelo texto se causas secundárias também foram colo-cadas em opção a f im de levarem a efeito o resultado. Cada vez que parece que o texto daria a entender uma criação mediária {í. e., onde as matérias existentes ou as forças da natureza possam ser autorizadas ou equipadas por Deus para fazerem a obra de levarem a efeito a ordem criativa — sendo que os três exemplos são: "Produ-za a terra" [Gn 1:11 ]; "Povoem-se as águas" [v. 20]; "Produza a terra" [v. 24]), o ver-sículo seguinte, em dois dos três casos (vv. 21, 25) atribui as mesmas coisas, que pa-reciam ser autorizadas a levar a efeito a nova obra, diretamente a Deus. Somente Gê-nesis 1:11 pode ser uma exceção à representação da obra de Deus como sendo cria-cão imediata, uma vez que o versículo 12 continua na mesma maneira de falar. No sntanto, pode ser que não passasse mesmo de modo de falar: um modo de ressaltar o recipiente (a terra ou as águas) dos benefícios da parte de Deus que foram surgindo.

De modo geral, porém, o método da criação era tão claro como a sua fonte: era Deus que criava, e Ele o fazia através da Sua palavra. A criação através da pala-vra, no entanto, enfatizava alguma coisa mais do que o método. Ressaltava, outros-sim, que a criação estava de acordo com o conhecimento prévio que Deus tinha do mundo, pois falou aquilo que já havia pensado e planejado. Semelhantemente, seu desígnio proposital e a função predeterminada de todas as coisas era sublinhado, uma vez que Ele freqüentemente dava nome àquilo que criou. Assim sendo, a essên-cia e o próposito da Sua criação eram esboçados desde o seu início- E se Ele dava nome a estas coisas, então Ele era possuidor delas, porque a pessoa somente dá no-me àquilo que possui ou sobre o qual recebe jurisdição,

Muitas vezes, o debate quanto ao período de tempo levado peia criação consome mais tempo e energia do que necessário. A teologia em geral não tem inte-resse neste debate. No entanto, a decisão com respeito a Gênesis 1 e 2 como relató-rio de um início absoluto ou um início relativo é de preocupação central na teolo-gia. Recentemente, muitas traduções modernas têm preferido uma construção tipo "quando . . . então" para Gênesis 1:1-3: "Quando Deus criou . . . a terra estando sem forma ., . então Deus disse".

Embora seja possível tal construção, na base da gramática, há argumentos fortes contra esta análise. Tanto a pontuação hebraica massorética como as trans-Iiterações gregas do texto hebraico em letras gregas, mostram de modo convincente que havia uma história de interpretação bem respeitável que entendia a primeira palavra, bereshit, como substantivo absoluto, "no princípio", e não como um substantivo hebraico construto, "ao início da criação".2 Portanto, Gênesis 1:1

2 Ver, para apoio e argumentos adicionais, E, J+ Young, Studies in Genesis (Nutley, N. J.:

Presbyterian and Reformed Publishing House, 1964), págs. 1-14. Ver também o artigo excelente por Gerhard F. Hasel, "Recent Translation of Genesis 1:1: A Critical Look", The Bible Trans-lator 22 (1971): 154-67.

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se compromete à doutrina do início absoluto de todas as coisas ("os céus e a terra") fora de Deus.

O emprego do verbo barã' "criar" (Gn l ;1, 21, 27; 2:3-4; 5:1 -2; 6:7), não pare-ce tão determinativo de um início absoluto como alguns esperam que deva ser- Em-bora o verbo seja de fato restringido, quanto ao seu emprego, a Deus como seu úni-co sujeito, e nunca se empregue com qualquer agência material, e seja traduzido pelo verbo grego mais forte para criar (ktizò) na LXX, mesmo assim, aparece na nar-rativa da criação como expressão paralela de duas outras palavras: 'ãsâh, "fazer" (Gn 1:26-27; cf. também seu uso paralelo em Is 41:20; 45:18, posteriormente) e yãsar, "formar, moldar" (Gn 2:7; cf. seu emprego posterior em Is 43:1; 45:18; Amós 4:13). Em Isaías 45:18, todos os três verbos surgem em paralelismo, desta forma desautorizando qualquer distinção importante entre eles:

Porque assim diz o SENHOR, que criou fbãrã') os céus, o único Deus, que formou (yãsar) a terra, que a fez fãsah) e a estabeleceu {kün); que não a criou (bãra') para ser um caos, mas a formou (yãsar) para ser habitada: Eu sou o SENHOR e não há outro.

Sem dúvida alguma, "criar" realmente aparece no início da ordem da criação (Gn 1:1), com a primeira existência da vida (v. 21) e com a indicação de que o ho-mem foi feito à imagem de Deus (v* 27). Isto, porém, não pode ser usado para apoiar o ponto de vista insustentável de uma evolução mecanística, com três inter-rupções divinas, por assim dizer, na criação da matéria, na criação da vida e na cria-ção da imago Dei, A evidência supra, do emprego paralelo dos verbos de criação já o refuta.

Concluímos, portanto, que Deus iniciou o processo da criação a partir de na-da mais do que a Sua própria palavra. Declarações mais detalhadas terão de esperar até que Hebreus 11:3 declare uma doutrina de ex nihüo, "do nada", em termos de-finitivos.

Os "dias" da criação chegam ao seu auge na criação do homem eda mulher. Estes eram o interesse principal do nosso escritor. Isto porque, em estilo típico que se observa em toda a obra do Gênesis, traçou rapidamente o quadro inteiro, dando conta dos detalhes que tinham apenas interesse passageiro antes de tratar pormeno-rizadamente com o assunto ou pessoas com que mais se preocupava. Adão e Eva foram feitos no sexto dia, mas a duração daquele "dia" fyôm) e os pormenores de

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Prolegômenos à Promessa; A Era Pré-Patriarca! 77

como foram criados se explicam em Gênesis 2:4 e segs. Até esta altura, o leitor fica conhecendo a elasticidade do autor no seu emprego da palavra "dia": tem o mesmo alcance de significados diferentes que se conhece no português moderno. É igual à luz do dia (1:5}; nossos dias civis que formam o ano (v, 14); e a extensão total da criação, ou, como diríamos, o dia da onça (2:4).

O sexto período de tempo da criação deve ter durado mais do que vinte e quatro horas, porque Adão tornou-se carente de companhia (Gn 2:20), Por certo, isto levou mais do que uma única tarde de pensamento ocioso! Além disto, foi-se ocupando com a tarefa de dar nomes aos animais quando sua solidão começava a aumentar. Finalmente, Deus criou uma mulher, e ainda era o sexto "dia".

Mormente através da influência de Agostinho, a igreja primitiva - conti-nuando até meados do século dezenove — tinha o ponto de vista majoritário de que tinha havido três "dias" da criação até que fosse criado o tipo de dia que há no calendário, no quarto dia (Gn 1 ;14). Sendo assim, o emprego da palavra que aqui propomos não é uma projeção para trás, feita modernamente, para um texto anti-quado que precisava ser libertado de embaraços. Era o ensino claro do próprio texto.

Alguns dos pormenores daquilo que se seguiu após a palavra divina citada em Gênesis 1:26' agora são preenchidos em 2:4 e segs„ Adão não ficou "v ivo" (nepeí hayyâh, literalmente, porém inexatamente: "alma viva") até que Deus tomou um pouco do pó da terra, deu-lhe forma e soprou nele o fôlego da vida. Sem dú-vida, há expressões antropomórficas aqui, mas todas elas são figuras da atividade di-reta de Deus. A vitalidade do homem era uma dádiva direta da parte de Deus, por-que antes disto não era "vivo" — pelo menos isto se sabe!

Eva também foi "edificada" fbãnâh} por Deus, mas de maneira tal que foi as-segurada a sua proximidade de Adão. Ela tinha de ser "osso dos (seus) ossos e carne da (sua) carne" (Gn 2:23), Juntamente originaram-se da mão de Deus. O homem es-tava tão vinculado à terra que, assim como se alterou a sua sorte, assim também pas-sou a ser a sorte da natureza; e a mulher era semelhantemente vinculada ao homem, porquanto "do varão foi tomada".

Ambos, porém, participavam em pé de igualdade na dá vida mais sublime já dada a qualquer das ordens da criação: a imagem de Deus. Homem e mulher partici-pavam da mesma maneira, e em pé de igualdade, desta marca mais sublime já colo-

*

cada na criação. E somente mais tarde, em termos do NT, que o conteúdo desta imagem ficará mais claro em termos de definições (e.g., conhecimento, Cl 3:10; reti-dão e santidade, Ef 4:24). No registro em Gênesis, o conteúdo exato desta imagem é

menos específico. Vemos que são expressos em conceitos tais como a possibilidade da comunhão e comunicação com Deus, o exercício de domínio e liderança respon-sáveis sobre a criação que pertence a Deus, e o fato de que, de algum modo que ain-

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da não foi especificado, Deus é o protótipo do qual o homem e a mulher são meras cópias, réplicas {selem, "estátua ou cópia lavrada ou trabalhada") e fac-símiles (cfímüt, "semelhança"}.3

A Palavra de Bênção A palavra da criação foi seguida por uma palavra de bênção. Por ela, todas as

criaturas do mar e do ar foram dotadas com capacidades reprodutivas e incumbidas de uma missão divina:

E Deus os abençoou, dizendo: "Sede fecundos, multiplicai-vos e enchei as águas dos mares; e, na terra, se multipliquem as aves/'

— Gênesis 1:22.

A raça humana co-participa com a ordem da criação mencionada no versí-culo 22, quanto a esta parte da bênção; mesmo assim, uma parte adicional da nossa bênção surge decididamente, segundo parece, da dádiva da imagem de Deus. Termos quase idênticos se empregam nos versículos 26 e 28 para ampliar uma parte da ima-gem que estava em lugar de destaque na mente de Deus quando tão graciosamente deu benefícios àquele primeiro casal: tinha de subjugar e ter domínio sobre toda a criação (v. 28).

Naturalmente, a missão divina de "subjugar" fkãbas) e "dominar" (rãdâh) não era uma licença para a humanidade abusar das ordens da criação. O homem não ti-nha de ser um tirano e uma lei para si mesmo. Ele tinha de ser apenas vice-regente de Deus, e a Ele, portanto, tinha que prestar contas, A criação foi um benefício pa-ra o homem, mas o homem tinha de ser proveitoso para Deus!

Mais uma vez, veio a palavra divina de bênção: "E abençoou Deus o dia séti-mo, e o santificou; porque nele descansou fsãbat} de toda a obra que, como Cria-dor, fizera" (Gn 2:3), 0 dia é chamado o Sábado CsabbãtJ, porque era o dia que comemorava a cessação fsãbat) da parte de Deus da Sua obra. Desta forma, fez divi-são entre a Sua obra de criação e toda a obra subseqüente (geralmente chamada providência). Assim, a história recebe um dos três marcadores de tempo divino que se acham na revelação: (1) o Sábado; (2) o "está consumado" de Salmo 22:31; João 19:30 (a divisão entre a redenção prometida e a redenção levada a efeito); e

A literatura com respeito à imagem de Deus é enorme* Algumas de contribuições mais representativas, porém recentes, são: D. J« A. Gines: The Image of God in Man", Tyndate Bulletin 19 (19681:55-103; James Barr, "The Image of God in the Book of Genesis - A Study in Terminology", Bulletin of John Ryiand's Library 51 (1968): 11-26.

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Pro/egô menos à Promessa: A Era Pré-Patriarcal 79

(3) o "tudo esta feito" de Apocalipse 21:6 (a divisão entre a história e a eter-nidade!).

Assim Deus fez com que o sétimo "d ia" fosse santo, como memorial perpé-tuo á completação do universo inteiro e de tudo quanto nele havia. Seu "descanso" tinha de ser simbólico para o homem, não somente no seu ritmo de trabalho e ces-sação da labuta como também para suas esperanças eternas. Esta terminação era tão decisiva que o escritor também abruptamente "cessa" sua narrativa dos eventos; não concluiu com a expressão esperada: "E houve tarde e manhã, o sétimo dia",

Tudo fora completado. Tudo tinha sido feito- Tudo era "bom"; de fato, era "muito bom" (Gn 1:31), Toda função , todo ser, e toda bênção necessária para le-var a efeito a vida e suas alegrias estavam disponíveis. Tudo, porém, era uma bonda-de ainda não testada.

A Primeira Palavra de Promessa: O Descendente Para testar a obediência do homem e a sua decisão livre quanto a seguir seu

criador, Deus colocou a árvore do conhecimento do bem e do mal no jardim do Éden, proibindo Adão e Eva de comerem do seu fruto. Em si, a árvore não conti-nha enzimas ou vitaminas mágicas; meramente representava a possibilidade de o homem rebelar-se contra a simples palavra de Deus. Ao comer do fruto, a huma-nidade ficaria "conhecendo", i.e., provaria experimentalmente, o lado oposto do bem que então estava desfrutando. A totalidade da experiência — tanto a boa como a ruim — ficaria dentro do repertório das suas sensações.

É necessário acrescentar outro fator antes que se possa entender a teologia da Gueda. A serpente (hannahas)r aquela criatura que era "mais sagaz que todos os animais selváticos" (Gn 3:1), também estava presente no jardim. A astúcia e sutileza da serpente era comparavelmente maior do que a de qualquer animal do campo.4

A maioria das pessoas sabe que o NT identifica esta serpente com Satanás: "O Deus da paz em breve esmagará debaixo dos vossos pés a Satanás" (Rm 16:20); "E fo i expulso o grande dragão, a antiga serpente que se chama diabo e Satanás, o sedutor de todo o mundo" (Ap 12:9; 20:2); "A serpente enganou a Eva com

4 A palavra hebraica mikkol pode ser entendida em Génesis 3:1, 14 como partitiva —

"qualquer dos animais selváticos" ou como comparativa "do que todos os animais selváticos", Em 3:14, porém, todos concordam que a mesma construção deve ser comparativa. O contexto também requer a interpretação que damos. Ver Paul Haupt: "The Curse on the Serpent", Journal o f Biblical Literature 35 (1916): 155-62.

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80 Teologia do Antigo Testamento

a sua astúcia . . . porque o próprio Satanás se transforma em anjo de luz" (2 Co 11:3, 14). Poucos, porém, reconhecem que ele é tratado como tal nestas passagens também,

A forma e o formato de Satanás não se devem deduzir do seu apelido de serpente, assim como o nome "dragão" não define a forma dele. Nem se pode determinar a morfologia deie pela maldição lançada sobre ele. Gênesis 3:14 mera-mente assevera que a derrota dele era tão certa que haveria de "rastejar sobre o seu ventre" (cf. Gn 49:17; Jó 20:14, 16; SI 140:3; Is 59:5; Mq 7:17). Além disto, a sua situação desprezível e a sua abjeta humildade eram tão reais que lamberia o pó ou conforme dizemos hoje: "beijou o pó" Ambas as frases seguem a expressão figurativa do oriente próximo antigo, representando seres humanos conquistados: ficavam prostrados, com o rosto em terra, defronte dos monarcas vitoriosos, muitas vezes formando nada mais do que o escabelo do trono real.5 Sem dúvida, os répteis não comem terra para se alimentarem, mas Satanás provaria a derrota como resultado do papei que desempenhou na tentação. Devemos, outrossim, observar com cuidado que Deus já criara "répteis", conforme Gênesis 1:24, e os pronunciara "bons" (v. 25)!

A serpente consistentemente falava por conta própria no diálogo com a mulher; não era representante de outra pessoa. Estava ciente do que Deus dissera; de fato, com seu próprio conhecimento, sabia as possíveis alternativas e eventuali-dades, Para a mulher, era uma pessoa e não algum dos animais, porque não expres-sou surpresa quando ela lhe falou, No entanto, ficou ofendida com a estreiteza distorcida que a serpente atribufa a Deus e à liberdade restrita do primeiro casaL Era grosseiramente injusto atribuir a Deus o fato de lhes ser negado o privilégio de comer de alguma das árvores do jardim.

O engano conseguiu, porém, impor o seu logro, e a mulher sucumbiu à forte pressão e argumentação astuta do próprio tentador. Adão também desobe-deceu, mas com menos motivos de pressão do que aquela que fora aplicada à mulher. Assim, a primeira tragédia do fracasso de três personalidades selecionadas pelo autor para reflexão teológica montou o cenário para uma nova palavra de bênção divina. Se haveria de vir alguma bênção de algum lugar, seria da parte de Deus.

Foi uma palavra profética de juízo e de libertação, dirigida à serpente (Gn 3:14-15), à mulher (v. 16) e ao homem (vv, 17-19). Em cada caso, foi declarada a razão da maldição: (1) Satanás logrou a mulher; (2) a.mulher escutou a serpente; e (3) o homem escutou a mulher — ninguém escutou a Deus!

5 Cf- Os Tabletes de Amarna, E,A. 100:36; Sai mo 72:9; Isa tas 49:23; Miquéias 7:17.

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Profegômenos à Promessa: A Era Pré-Patriarcal 81

Como conseqüência, a própria terra sentiria os efeitos da Queda do homem. Daria cardos e abrolhos, bem como causaria o suor humano. Ao mesmo tempo, filhos nasceriam com dor, e o fato da mulher "virar-se" para seu marido (t^üqâh), não "desejar", resultaria no fato dele "governar" fmâíal) sobre ela, A serpente, por sua parte, enfrentaria a vergonha da derrota certa.

No meio do canto fúnebre de pesar e repreensão, no entanto, surgiu a palavra surpreendente de esperança profética (Gn 3:15) da parte de Deus. Uma hostili-dade divinamente instigada ("porei inimizade") entre a pessoa da serpente e a mulher, entre a "descendência" daquela e o "descendente" desta, tendo como ponto culminante o surgimento triunfante de um "Ele" — sem dúvida um homem representativo dos descendentes da mulher. Ele desferiria um golpe mortal na cabeça de Satanás, enquanto o máximo que a serpente poderia fazer, ou mesmo seria permitida a fazer, seria dar uma mordida no calcanhar deste descendente masculino.

Não se revelou de imediato quem seria este descendente. Talvez Eva pen-sasse que Caim fosse aquele. Deu a seu filho o nome de Caim dizendo: "adquiri um varão, a saber, o SENHOR" (Gn 4:1), sendo que esta é pelo menos uma maneira de traduzir a frase enigmática. Independentemente de como se deve interpretar a expressão, Eva equivocou-se, e o texto bíblico apenas registra os anseios dela, e talvez indique a clara compreensão que ela tivera de Gênesis 3:15,

Deus, no entanto, não ficara em silêncio. Falara, e a Sua palavra profetizava um outro dia quando a reviravolta total do golpe temporário da serpente surgiria como resultado daquele que falara tão autoritativãmente.

Além disto, a bênção que Deus prometera â humanidade continuou de fato. Uma evidência daquela bênção se vê na genealogia dos dez homens mais significativos do período antediluviano registrados em Gênesis 5. Eram "frutí-feros" e "multiplicaram-se", assim como Gênesis 5:2 reafirmou aquela paiavra que disse: "Homem e mulher os criou; e os abençoou". E assim, tiveram "filhos e filhas".

A humanidade foi abençoada nos campos (Gn 4:1-2), e nos avanços cul-turais também (vv. 17-22). Além disto, a seleção dos vinte homens que levaram a genealogia até Abraão marcou o progresso daquela "descendência" prometida a Eva, bem como os intermediários daquela bênção para os seus contemporâneos.

Entrementes, o tema de julgamento continuou a marcar o registro. Houve outra notícia de banimento da presença imediata do Senhor. Assim como Adão e Eva foram expulsos do Jardim do Éden, em Gênesis 3:23-24, assim também Caim, o assassino do seu irmão Abel, foi condenado a ser "fugitivo e errante pela terra" {4:12-16),

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Aquele sentimento da presença de Deus tinha sido tão íntimo que, quando se trazia ofertas ao Senhor, era o próprio Senhor que em primeiro lugar inspecio-nava o homem (Gn 4:4-5) e, depois, a oferta. Deus atribuía mais valor à condição do coração do ofertante do que à oferta que este trazia. Assim aconteceu que ciúmes se irromperam na instituição da família, tendo como resultado o assassi-nato e a imposição necessária do tema de julgamento.

A Segunda Palavra de Promessa: O Deus de Sem A segunda crise do mundo veio com a subversão da instituição do estado, le-

vando um populacho desregrado a praticara iniqüidade. Antes disto, Lameque já co-meçara a perverter o propósito do governo, com sua tirania e poligamia jactanciosas (Gn 4:23-24). Não quis que ninguém o desafiasse nem repreendesse, Se Deus vinga-ria a Caim sete vezes, então Lameque queria ser vingado setenta vezes sete.

No meio da bênção divina — "Como se foram multiplicando os homens na terra. . ( G n 6:1) — surgiu o acúmulo da maldade. Os potentados daqueles dias, tendo adotado para si mesmos o tí tulo real empregado no oriente próximo de "f i -lhos de Deus",6 começaram autocraticamente a multiplicar esposas para si mesmos como bem entenderam. Sua cobiça por um "nome", ou seja, uma reputação {v. 4), levou-os a completarem os seus excessos e abusarem dos propósitos de seu ofício.

Deus, exasperado, deu por perdida a humanidade. Seu Espírito não conti-nuaria a Se esforçar com os homens (Gn 6:3). Tais "gigantes" {v. 4), ou aristocra-tas (nepHfm gibborím) tinham de ser interrompidos em suas iniquidades, Os (»ra-ções dos homens e das mulheres estavam continuamente cheios de maldade. Mais uma vez há de surgir o tema da expulsão, mas numa maneira muito mais trágica e definitiva: Deus estava para fazer desaparecer o homem da face da terra (v. 7).

"Porém Noé achou graça diante do SENHOR" (Gn 6:8), porque era "homem justo e íntegro entre os seus contemporâneos" (v, 9). Assim sendo, o segundo maior tempo de necessidade da terra, conforme este texto, haveria de rebecer o alívio, como aconteceu em Gênesis 3:15, com a operação da salvação da parte de Deus. Houve um remanescente justo — não por acidente nem por qualquer tipo de parcialidade. O pai de Noé, Lameque, achou em Noé — na ocasião do nascimento deste — a consolação de que seu trabalho na terra, previamente amal-diçoado pelo Senhor, agora passaria a ser aliviado com a ajuda de Noé (5:29). É patente a referência a Gênesis 3:17, e fica clara a unidade desta seção com capí-tulos 3 e 4.

6 Meredith Kline, "Divine Kingship and Gênesis 6:1-4", Westminster Theological Journal 24 (1961-62): 187-204.

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A iniqüidade forçando a intervenção divina não era uma sorte inevitável alocada a todos os homens agora que a Queda era um fato consumado. Existiram homens justos. Considere-se Enoque, "Andou Enoque com Deus" durante 300 anos, não como eremita solitário, mas como um homem que criava uma famífia de filhos e filhas (Gn 5:22). Deus ficou tão satisfeito com a vida de obediência e fé deste, que "já não era", quanto à vida na terra; "Deus o tomou para si" (v. 24). O texto trata da questão de um homem mortal ser introduzido na própria presença de Deus de modo tão simples que ficamos atônitos de não se seguir qualquer explicação adicional nem advertência. Será que a trasladação de Enoque servia como um paradigma para os homens do Antigo Testamento até que informações posteriores viessem a preencher as lacunas informativas? A revelação daquele fato sempre ficaria disponível se os homens quisessem meditar sobre as suas im-plicações.

Noé era daquela estirpe. Noé achou graça aos olhos de Deus. Noé era justo diante do Senhor no meio de sua geração (Gn 7:1). Instruído por Deus, construiu uma arca. Assim ele e a sua família experimentaram a salvação da parte de Deus enquanto o juízo veio sobre o restante da raça humana.

A bênção divina: "Sede fecundos, multiplicai-vos e enchei a terra", foi repe-tida mais uma vez; desta vez, fo i dirigida a Noé, à sua esposa, aos seus filhos, às esposas destes, e a toda criatura vivente na terra, no ar e no mar (Gn 8:17; 9:1, 7). Neste ponto, Deus acrescentou a Sua aliança especial com a natureza. Ele manteria "sementeira e ceifa, frio e calor, verão e inverno, dia e noite", sem interrupção, enquanto durasse a terra (8:22). O conteúdo destas promessas formava uma "ali-ança eterna entre Deus e todos os seres viventes de toda carne que há sobre a terra" (9:8, 11, 16) simbolizada pelo arco no céu. Juntamente com esta nota da bênção da parte de Deus havia a Sua promessa: "Não tornarei a amaldiçoar (gai/el) a terra por causa do homem" (8:21), uma lembrança de uma maldição semelhante pronunciada contra a terra em Gênesis 3:17, Semelhantemente, a referência ao "desígnio íntimo (yêser fêb) do homem" em 8:21 relembrou uma frase semelhante com o emprego da mesma palavra {yêser} em Gênesis 6:5. Consi-derando a repetida apresentação de tais aspectos, pode-se asseverar com confiança que a unidade da estrutura se estendia de Gênesis 1 -11P

7 Ver a discussão informativa por R. Rendtorff, "Genesis 8:21 und die Urgeschichte des Yahwisten", Kirche und Dogma 7 (1961): 69-81, conforme a citação por W,M. Clark, "The Flood and the Structure of the Prepatrrarchal History", Zeitschrift für die a/ttestamentfiche Wissenschaft 83 (1971): 205-10. Rendtorff argumentou que a era da maldição e a história primitiva terminaram juntas em Gênesis 8:21. Conforme indicou Clark, Gênesis 9:25, 26 traz de volta a maldição, mas é de aplicação limitada a Canaã, e é seguida por uma bênção imediata.

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84 Teologia do Antigo Testamento

A palavra de julgamento e de salvação atingiu seu ponto mais alto num acontecimento que se seguiu após a segunda crise da terra. Veio através de Noé, depois de ele ficar sabendo o que seu filho Cão lhe fizera enquanto estava dor-mindo, pesadamente, sob o efeito do vinho.

A estrutura de Gênesis 9:25-27 é uma estrofe de sete versos que é dividida em três partes pelo repetido refrão da servidão de Canaã, um filho do culpado Cão:

E disse: Maldito seja Canaã; Seja servo dos servos a seus irmãos.

— versículo 25

E ajuntou: Bendito seja o SENHOR, Deus de Sem; e Canaã lhe seja servo.

— versículo 26

Engrandeça Deus a Jafé, e habite Ele nas tendas de Sem; e Canaã lhe seja servo.

— versículo 27

Ora, a questão principal é esta: Quem é o sujeito do verbo "habite ele" em Gênesis 927? Concordamos com o juízo do Targum de Onquelos, Filo, Mairnô-nides, Rashi, Ibn Ezra, Teodoreto, Baumgartem e Delitzsch que o sujeito é "Deus". Nossas razões são as seguintes: (1) presume-se que o sujeito da cláusula anterior continue na cláusula seguinte onde o sujeito não é declarado; (2) o emprego do objeto indireto da linha anterior como sujeito (Jafé) exigiria fortes razoes contex-tuais para assim fazer; (3) o contexto dos próximos capítulos designa Sem como o primeiro em honra quanto às bênçãos; e 4) a frase hebraica weyískôn be'oh°lê sêm, "e ele habitará nas tendas de Sem", dificilmente faria sentido ao ser atribuída a Jafé, porque a Jafé já fora concedida a bênção da expansão.

O plano da profecia inteira parece dedicar apenas a primeira estrofe a Canaã, a segunda a Sem e Canaã, e a terceira a todos os três irmãos. No cômputo geral, portanto, a melhor opção é considerar que Deus prometeu a Sem uma bênção especial: Ele mesmo habitaria entre os povos semíticos. A palavra empregada para "habitar" se relaciona com o conceito posterior da teologia mosaica da glória Chequiná de Deus, pela qual a presença de Deus por sobre o tabernáculo foi evi-denciada pela coluna de nuvem de dia e o pilar de fogo de noite. Assim sendo, Sem seria aquele através de quem o "descendente" prometido anteriormente haveria agora de vir. Deus não dissera "Bendito seja o SENHOR, Deus de Sem"

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(Gn 9:26)? E por que empregou esta forma distintiva de tratamento? Poderá ser que havia vinculação entre a bênção e a habitação com Sem? E poderá ser que ambas eram a próxima provisão da parte de Deus para contornar a crise mais recente da terra?

A Terceira Palavra da Promessa: Uma Bênção Para Todas as Nações A terceira crise, e a final, que atingiu a terra durante este período da mistura

de bênção e maldição foi o esforço conjunto feito pela raça humana para organizar e conservar a sua unidade em derredor dalgum símbolo arquitetônico. Conforme a expressão humana: "Tornemos célebre o nosso nome, para que não sejamos espalhados por toda a terra" (Gn 11:4).8

Embora a bênção divina continuasse a se concretizar na multiplicação das pessoas {Gn 11:10-32) ao ponto delas encherem a terra com umas setenta naçõe (10:1-32), os pensamentos dos corações humanos mais uma vez se desviaram para longe da glória de Deus e da Sua providência, O julgamento divino contra os homens veio na forma dupla da confusão da linguagem deles e na dispersão dos povos por toda a face da terra. Mais uma vez, porém, o tema de pecado/mal-dição foi compensado com um tema de graça/bênção.

Ao invés de unir os homens em derredor de um projeto etnopolítico que visasse a glorificação do homem edas suas capacidades de satisfazer as necessidades de uma comunidade de nações diversificadas, Deus mais uma vez interveio com uma palavra de bênção. Foi uma palavra que culminava todas as outras bênçãos pronunciadas durante a narrativa pré-patriarcal. Cinco vezes seguidas, Gênesis 12:1-3 repetiu a palavra "bênção". E não era surpreendente que se tratasse de uma palavra dirigida a um descendente de Sem (cf. 9:27), Abraão. Ele mesmo seria abençoado, e por meio desta bênção, ele haveria de ser uma bênção para todas as nações da terra. Aquilo que as nações não podiam atingir pela sua própria organização e alvos, agora lhes seria concedido pela graça.

O número de pessoas incluídas em "todas as famílias da terra" (mfèpehòt ha 'adamah) é n mesmo da üsta das nações em Gênesis 10. Gênesis 10:32 não terminara dizendo: "São estas as famílias dos filhos de Noé" (mispehòt benê Nòah}? A promessa, portanto, era universal, e a participação nela seria apenas limitada à resposta da fé — assim como foi condicionada pela fé de Abraão.

Dessa forma, a terceira crise da terra foi mais uma vez resolvida pela palavra de graça do mesmo Deus que tratou do pecado do modo justo. Concluímos que a teologia desta seção é um desenvolvimento unificado, abrangido e levado adiante

Q Samuel Noah Kramer, "The 'Babel of Tongues': A Surrwrian Version", Journal of

American Oriental Society 88 (1968): 108-11.

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pela livre palavra de Deus. Começa com uma palavra de poder criador; termina com uma palavra de promessa,

A grande ruína da primeira desobediência humana, a distorção tirânica do poder político, e as orgulhosas aspirações à unidade numa base humanística levaram aos juízos da Queda, do Dilúvio e da dispersão da raça humana. Os fatores teoló-gicos achados em cada crise que perpetuaram o juízo divino foram os pensamentos, imaginações e planos de um coração maligno (Gn 3:5-6; 6:5; 8:21; 9:22; 11:4). A palavra salvadora de Deus, no entanto, era suficiente para cobrir toda falha. Juntamente com os temas de peca do/julga mento, veio uma palavra nova, com respeito a um descendente (3:15), uma raça entre a qual Deus habitaria (9:27), e a bênção das boas novas oferecidas a cada nação sobre a face da terra (12:3).

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Um novo estágio na revelação divina iniciou-se em Gênesis 12. Nesta nova era, houve uma sucessão de indivíduos que agora serviam como o meio escolhido por Deus para estender a Sua palavra de bênção para toda a humanidade. Rece-bendo a eleição divina para serviço e Sua chamada para bênçãos pessoais e de alcance mundial, Abraão, Isaque e Jacó vieram a ser marcas de uma nova fase na bênção divina acumulada.

A Palavra da Revelação A preeminência emergente atribuída à palavra divina na era pré-patriarcal

não diminuiu nos tempos dos patriarcas; pelo contrário, aumentou-se, De fato, pode-se notar que é uma das feições distintivas de Gênesis 12-50, pois repetidas vezes os patriarcas foram apresentados como sendo os recipientes freqüentes e imediatos de várias formas de revelação divina.1 Não é de se estranhar, portanto, que o registro os tratasse de "profetas" (Gn 20:7; e, mais tarde, em SI 105:15), homens que tinham acesso imediato à palavra e ao ouvido do Deus vivo.

1 P.V. Premsagar, "Theology of Promise in the Patriarchal Narratives", Indian Journal of Theology 23 (1974): 114.

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88 Teologia do Antigo Testamento

Em conjunturas cruciais na história destes homens, Deus Se dirigia a eles diretamente em palavras faladas (Gn 12:1, 4; 13:14; 15:1; 21:12; 22:1 ), com a fór-mula introdutória: "Veio a palavra do Senhor a ele" ou: "O Senhor lhe disse", Não era, portanto, somente a Moisés a quem Deus falava claramente "boca a boca" (Nm 12:6-8), mas também a Abraão, Isaque e Jacó.

Ainda mais espantoso era o fato de que o próprio Senhor aparecia (Ut* "Se deixava ver" [wayyèrê']) a estes homens, naquilo que subseqüentemente tem sido chamado uma teofania (Gn 18:1). A realidade da presença do Deus vivo sublinhava a importância e a autenticidade das Suas palavras de promessa, conforto, e orientação. Estas aparições, também chamadas epifanias, traziam o homem, Deus, e Seus propósitos para homens e mulheres a um relacionamento muito estreito. Todos os três patriarcas experimentaram o impacto da presença de Deus sobre as suas vidas (12:7; 17:1; 18:1; 26:2-5, 24; 35:1, 7, 9). Cada aparição de Deus marcava um desenvolvimento importante no progresso da revelação, bem como na vida destes homens. Nestas ocasiões, voltava a "abençoar" os homens, dando-lhes novos nomes, ou envia ndo-lhes numa missão que acarretava conse-qüências importantes para os patriarcas senão para o esquema teológico inteiro que se seguia.

Vinculada a estas teofanias, havia a manifestação do "Anjo do SENHOR" (Gn 16:7K2 A identidade deste Anjo específico parece ser algo mais do que apenas um mensageiro angelical da parte de Deus, Assim, freqüentemente recebia o res-peito, adoração e honra reservados somente para Deus; era, porém, consistente-mente distinguido de Deus. Seu papel e sua aparição são ainda mais óbvios durante o período dos juízes; no entanto, também neste período não há escassez de refe-rências a ele (16:7-11; 21:17; 22:11-18; 24:7, 40; 31:11, 13; 32:24-30; 48:15-16). Assim sendo, tinha uma identidade com Deus, e ao mesmo tempo, era enviado da parte dEie! Dizer que os patriarcas consideravam-no o equivalente de uma cristofania seria reivindicar demais. Uma coisa era certa: não era o Deus invisível. E agia e falava como o Senhor. Parece que o assunto ficou nisto, até a revelação posterior que esclareceu o enigma.

Durante esta era, Deus também falava através dos sonhos {halômt Gn 20:3; 31:10-11, 24; 37:5-10; 40:5-16; 41:1-32), e visões {mahazeh, mar'òt - 15:1; 46:2). A visão era um modo distintivo de comunicar novos conhecimentos a Abraão, num pano de fundo dramático no qual este tinha consciência de um panorama completo de detalhes (cap. 15). Jacó, da mesma forma, teve a experiência de uma visão semelhante que o conclamou a descer para o Egito (cap. 46). Os sonhos,

2 Ver Aubrey Ft. Johnson, The One and the Many in the Israelite Conception of God

(Cardiff: University of Wales Press, 1961), pigs, 28-33-

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Provisões na Promessa; A Era Patriarcal 89

no entanto, eram mais largamente distribuídos a pessoas tais como o rei filisteu Abimeleque, Labão, t io de Jacó, o copeiro e o padeiro egípcios encarcerados, Faraó, e o jovem e inexperiente José. Em todos estes casos, enfatizava-se o sonho como sonho; sua interpretação ou revelação nem sempre era parte integrante desta forma de Deus Se dirigir a homens e nações.

A Palavra da Promessa Quanto valor aquela era atribuía a natureza inovadora e benéfica daquela

palavra! Na realidade, desde o próprio início de Gênesis 12-50, a ênfase recaía sobre a palavra de bênção e promessa da parte de Deus. Para Abraão, esta única promessa apareceu em quatro etapas de desenvolvimento, que se acham em Gênesis 12:1-3; 13:14-16; 15:4-21; e 17:4-16 (talvez se possa acrescentar 22:15-18 também).

O conteúdo desta promessa era basicamente tríplice: um descendente, uma terra, e uma bênção para todas as nações da terra. Se pudéssemos selecionar uma ênfase nesta série, o luqar principal caberia ao último destes itens. Em cinco oca-siões separadas os patriarcas foram designados como bênção para todas as nações: Abraão em Gênesis 12:3; 18:18 e 22:1 7*1 8; Isaque em 26:3-4; e Jacó em 28:13-14. De fato, a bênção de alcance mundial era o propósito inteiro da primeiríssima declaração da promessa em 12:2-3.

Mesmo antes de surgir qualquer vocabulário técnico com respeito a entrar numa aliança, Deus prometeu que entraria num relacionamento com Abraão para assim ser e fazer algo para Abraão que seria de benefício tanto a ele como a todas as nações da terra. O escritor apresentou Gênesis 12:2-3 como a substância daquela palavra de bênção e promessa.

Em primeiro lugar, havia três frases curtas dirigidas a Abraão somente, empre-gando a forma exortativa do verbo hebraico.

1. "De ti farei uma grande nação-" 2. "Abençoar-te-« i ," 3. "Engrandecerei o Teu nome."

A terceira frase decfara algo que quase certamente está carregado de ironia. A busca de um "nome", ou seja, "renome", "reputação" e até "superioridade" tinha sido a ambição compulsiva daqueles reis tirânicos chamados "filhos de Deus" em Gênesis 6:1-4 e os arquitetos da Torre de Babel em Gênesis 11:4. Agora, o próprio Deus doaria a um homem, por motivos e razões só d Ele, aquilo que outros egoisticamente buscaram mas não atingiram-

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Além disto, o significado desta terceira frase e das duas anteriores fica bem claro pela primeira vez quando a frase seguinte é acrescentada às primeiras trás. Sem dúvida, deve ser interpretada como uma Oração Sub. Adv. Final. Declara o propósito e intenção divinos em abençoar tão generosamente a Abraão: "A f im de que (tu) sejas uma bênção" (Gn 12:2). O hebraico diz simplesmente: weheyêh berâkâh. Conseqüentemente, um alvo preliminar foi atingido neste relaciona-mento que acabou de ser anunciado. Abraão viria a ser uma grande nação, seria pessoalmente abençoado, e receberia um grande nome "a fim de que seja uma benção".

Mas, para quem? E como é que Abraão haveria de ser uma bênção? Parece que esta pergunta é respondida nas três cláusulas que seguem às que já foram citadas. Primeiramente, o Senhor acrescentou mais duas promessas em Gênesis 12:3, mais uma vez empregando o exortativo hebraico nos seus verbos.3

4. "Abençoarei os que te abençoarem." 5. "Amaldiçoarei os que te amaldiçoarem."

Nestas palavras, Deus não somente continuou a promessa, como também intro-duziu uma classe inteira de pessoas que reagiriam de vários modos a Abraão. É somente então que se chegou ao grande final. Desta vez, o verbo hebraico muda de repente para o "tempo perfeito"4 naquilo que não pode ser outra coisa senão uma Oração Sub. Adv. Final: "A f im de que em ti sejam benditas todas as famílias da terra"

Que vasto alcance passou agora a ser incluído naquilo que poderia ter sido um entendimento muito corriqueiro e pessoal entre um indivíduo e o seu Deus! Sem embargo, a maioria dos comentadores competentes continua a ter suas dúvidas quanto à tradução no passivo da forma nifal do verbo hebraico,5 mas deixam de perceber que a cláusula antecedente de resultado já declarara outro tanto, sem especificar para quem Abraão haveria de ser uma bênção. 0 texto é tão clara-mente uma resposta às necessidades das multidões formigantes alistadas na tábua

3 E. Kautzsch, Gesenius' Hebrew Grammar (Oxford: Clarendon Press, 1909], p. 325, diz que o exortativo que se segue após o imperativo exprime ou resultado ou intenção. A intenção se enquadra muito bem aqui.

4 Devo a H, C. Leupold, Exposition of Gênesis, 2 vols. (Grand Rapids: Baker Book House, 1968), 1:411-14# muitas das observações feitas nesta análise de Gênesis 12:2-3.

5 Ver nossa discussão na introdução, e especialmente a nossa referência ao artigo de O.T. Allis acerca de "Bênção de Abraão", que continha um argumento lingüístico irrefutável em prol da tradução no passivo deste nifal. Ninguém até hoje tentou responder à sua evidência,

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das nações ÍGn 10), e da multiplicação da linhagem de Sem (cap. 11), que facil-mente poderia ser classificado como um dos primeiros grandes textos de missão mundial que há nas Escrituras.

Até este ponto, a ênfase recaía na palavra de bênção da parte de Deus. Havia aqui a intenção deliberada de vincular esta nova fase de teologia com a ênfase pré--patriarcal. Cinco vezes, Deus prometera Sua bênção no curto espaço de dois versí-culos, mas era Abraão o ponto focal de atenção: ele é quem seria uma grande nação, ele é quem teria um grande nome, e ele é quem seria abençoado por Deus e bendito por todos os homens. Ainda não havia, em Gênesis 12:1-3, referência direta a um descendente ou uma habitação nas tendas de Abraão conforme fora prometido em Gênesis 1-11. Nem havia, ainda, referência a uma aliança {berft) que Deus haveria de "cortar" lkêrat - 15:18), "dar" (nãtan - 17:2), "estabelecer" [hêqím - 17:7, 19, 21), ou " jurar" [nisba f — 22:16). Conforme demonstram as referências dadas acima, isto estava para surgir à medida que Deus fosse Se revelando. Por enquanto, tratava-se de um relacionamento com um homem, servindo como base para os po-vos da terra receberem uma bênção. É interessante notar que a realização mesma de uma promessa tal como a constituição de uma nação teria de esperar vários séculos, até que Israel fosse libertado do Egito.

Um Herdeiro

Quando Javé apareceu a Abraão depois de este patriarca ter chegado em Siquém, aquela antiga palavra com respeito a um "descendente" foi reapresen-tada e dirigida, desta vez, a Abraão (Gn 12:7). A partir de então a importância desta dádiva de um filho que herdaria as promessas e as bênçãos veio a ser um dos temas dominantes da narrativa patriarcal. Surgiu em 12:7; 13:15, 16 ( 2 vezes); 15:13; 16:10; 17:7, 8, 9, 10, 13, 16, 19; 21:12; 22:17 (2 vezes), 18; 24:7; 26:3,4 (3 vezes), 24; 28:13, 14 (2 vezes); 32:12; 35:12; 48:3, 4.

À Eva fora prometida uma "descendência", bem como um indivíduo mascu-lino — o "descendente" aparentemente daquela "descendência". Agora, o progresso da revelação elaborava com grande especificação tanto o aspecto corpóreo como o aspecto representativo deste "descendente" prometido. Haveria de abranger um número tão grande, que, de modo hiperbólico, haveria de rivalizar o número das estrelas no céu ou de grãos de areia à beira-mar. Este descendente, no entanto, também seria outro " f i lho", nascendo primeiramente a Abraão, depois de ele ter perdido todas as suas esperanças de ter filhos, e, depois, ao filho deste, Isaque, e ao filho de Isaque, Jacó.

Uma linha de filhos sucessivos e representativos dos patriarcas, e considerados como parte integrante do grupo inteiro que representavam, estava de acordo com a idéia de "semente" já levantada em Gênesis 3:15. Além disto, no conceito de

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"semente" ou "descendente" havia os dois aspectos; o descendente como bene-fício futuro, e a descendência como atuais beneficiários das dádivas temporais e espirituais dadas por Deus. Conseqüentemente, "descendente" era sempre um substantivo singular coletivo; nunca aparecia como um substantivo no plural (e.g. como "fi lhos"). Assim sendo, o "descendente" (lit: "semente") era marcado como unidade, tendo, porém, flexibilidade de referência: ora a uma pessoa, ora aos muitos descendentes da mesma família. Este intercambio de referência, com a solidariedade corporativa que acarretava, era mais do que um fenômeno cultural ou um acidente de redação descuidadosa: era parte integrante e necessária de sua intenção doutrinária.

0 drama de possíveis obstáculos e frustrações que poderiam ter bloqueado de modo permanente a intenção divina neste ponto, ocupou uma boa parte do registro histórico desta era. A esterilidade parece ter importunado de modo tenaz todas as três esposas dos respectivos patriarcas: Sara (Gn 16:1; 17:15-21); Rebeca (25:21); e Raquel (30:1).. A velhice era outra ameaça no caso de Abraão (17:17; 18:11-13). Monarcas egípcios e filisteus quase furtaram de modo definitivo as esposas dos patriarcas, por causa das tremendas mentiras de cada marido (12:10--20; 20:1-18; 26:1-11). Além disto, havia os efeitos devastadores da fome (12:10), da hostilidade entre filhos (32:7-8), e a matança das crianças levada a efeito por Faraó (Êx 1:22). No meio de tudo isso, porém, o significado dos eventos ficou sendo precisamente aquilo que Deus definiu, dirigindo-Se a Sara: "Acaso para Deus ha coisa demasiadamente difíci l?" (heb. — hayippãlè' — "maravilhoso", "milagroso") (Gn 18:14).

Nem sequer o esforço feito por Abraão para conservar esta descendência haveria de contar, pois a vida inteira deste filho (e de cada um que haveria depois dele) era inteiramente uma dádiva da parte de Deus. Quando, portanto, Deus "testou" (nissâh) a fé de Abraão, pedindo que sacrificasse seu único filho — sim, aquele mesmo de quem dependia a totalidade do plano e da promessa de Deus — ele não colocou objeções (Gn 22:1-10). Temia a Deus (v. 12) e acreditava que Deus "providenciaria" (vv. 8, 14 — yir'eh) para que tanto ele como o menino voltassem ao grupo que os aguardava no sopé do Monte Moriá (v, 5),

Isaque também era mais do que mero fantoche. Ele também tinha profunda participação naquilo que acontecia. Mesmo assim, aprendeu obediência e confiança neste mesmo Senhor. Mais tarde na vida dele, quando Isaque selecionara Esaú para receber a sua bênção, e quando estava acontecendo tudo quanto possível, humanamente falando, para tudo sair errado, enquanto os filhos, a mãe e o pai urdiam tramas para resolverem quem seria o herdeiro marcado para continuar a linhagem da "descendência", Isaque mais uma vez aprendeu que a vocação e a eleição da parte de Deus não eram assunto do intelecto ou esforço humanos. Deus fez a Sua seleção do herdeiro da parte d Ele, independentemente das tentativas

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humanas ridículas e trágicas de colocar o ptano e dádiva de Deus em segundo lugar.

Uma Herança

A promessa da terra de Canaã, feita a Abraão, Isaque, Jacó e sua descendên-cia continuava presente em todas estas narrativas, como o segundo dos três temas principais (Gn 12:7; 13:15, 17; 15:7-8, 18; 17:8; 24:7; 26:3-5 (pl. "terras"); 28:1 -14; 35:12; 48:4; 50:24). Gênesis 15:18 deu a descrição da terra, dizendo que as suas fronteiras se estendiam "desde o rio do Egito até ao Eufrates", Gênesis 17:1-8 enfatizava que a terra seria uma "possessão perpétua", E Gênesis 15:1-21 explicou que o patriarca possuiria a palavra prometida com respeito à terra, masque apenas teria uma pequena experiência de estar pessoalmente na terra, porque a plena realidade seria protelada até è "quarta geração", depois de se encher "a medida da iniqüidade dos amorreus" (v. 16).

A partir do primeiríssimo momento da chamada que Deus dirigiu a Abraão, Ele falava desta "terra" ou "país" para onde haveria de enviar o patriarca (Gn 12:1). Conforme foi declarado nos capítulos anteriores deste livro, Albrecht Alt errou ao rejeitar a promessa da terra como uma parte autêntica da promessa patri-arcal. Semelhantemente, Gerhard von Rad não tinha base para negar que a entrada das doze tribos na terra fosse precisamente a mesma visão que os patriarcas tinham. Somente Martin Noth concedeu que tanto a promessa quanto à terra ea promessa quanto â descendência faziam parte da religião dos patriarcas. A fidelidade à mensa-gem do texto, na forma canónica que agora chegou até nós, exige que ambas as promessas sejam tratadas como sendo partes igualmente autênticas e necessárias da mensagem de Deus aos patriarcas.

A solenização desta oferta de terra ocorreu na aliança dos pedaços (Gn 15: 7-21), como tem sido chamada. Abraão, obedecendo as instruções dadas por Javé, tomou vários animais sacrificiais e dividiu cada um em dois pedaços, Depois do pôr<io-sol "um fogareiro fumacento e uma tocha de fogo passou entre aqueles pedaços" (v, 17), e Javé fez uma aliança no sentido de conceder aquela terra inteira a Abraão e á sua descendência.

Esta bênção material ou temporal não deveria ser separada à força dos aspec-tos espirituais da grande promessa de Deus. Nem deveria ser espiritualizada ou transmutada para tipificar a Canaã celestial da qual a Canaã terrestre seria apenas um modelo. O texto era enfático, especialmente o capítulo 17, em declarar que a aliança haveria de ser eterna. Já em Gênesis 13:15, porém, o oferecimento da totalidade daquela terra foi feito a Abraão "para sempre". E quando Abraão tinha noventa e nove anos, esta promessa foi transformada em "aliança perpé-tua" {berít *ôlãm — 17:7, 13, 19), e a terra haveria de ser "possessão perpétua"

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{'ahuzzat 'ôlãm - 17:8; e também 48:4). A palavra 'ôlãm, "perpétuo", "eterno", tem de acrescentar algo mais ao substantivo que acompanha, porque, no caso de uma aliança, já havia um forte senso de perpetuidade.6

As promessas ancestrais foram cumpridas pela colonização posterior da terra feita sob o comando de Josué. Esta, por sua vez, veio a ser um sinal ou penhor da concessão completa da terra que ainda seria feita no futuro, assim como as ocupações anteriores foram simultaneamente reconhecidas como "exposições, confirmações e expansões da promessa".7 Assim sendo, mesmo a ocupação da terra feita por Josué não esgotou a promessa quanto a esta terra como lugar es-colhido por Javé para o Seu povo. Porque assim como a promessa de um filho tinha sido expandida para abranger naquela filiação todos os descendentes do patriarca, assim também havia um "transbordamento" aqui, na promessa quanto ã terra.

Uma Tradição Herdada

0 terceiro elemento na promessa, da qual era o clímax, era que Abraão, e cada filho sucessivo da promessa, teria de ser a fonte de bênçãos; de fato, seriam a pedra de toque da bênção para todos os outros povos. Todas as nações da terra seriam abençoadas por eles, porque cada um deles era o mediador de vida para as nações (quanto a Abraão — 12:3; 18:18; 22:17-18; quanto a Isaque - 26:3-4; e quanto a Jacó — 28:13-14).

Mais tarde, o apóstolo Paulo indicaria esta frase, declarando que era o mesmo "evangelho" que ele pregava. Em palavras simples, as boas novas eram: "Em ti [na descendência prometida] serão abençoados todos os povos" (Gl 3:8). Assim, o embrião das boas novas da parte de Deus podia ser reduzido à palavra-chave "bênção". Aquele que foi abençoado agora vai levar a efeito bênçãos de propor-ções universais. Em contraste com as nações que buscavam um "nome" para elas mesmas, Deus fez de Abraão um grande nome a fim de que pudesse ser o meio de bênçãos para todas as nações.

Pode-se levantar a pergunta: Como é que as nações receberiam esta bênção através de Abraão ou de qualquer dos seus filhos sucessivos? 0 método terá de ser o mesmo que era para Abraão. Era mediante a fé: "Ele creu no SENHOR,

6 Ver os estudos algo insatisfatórios de E. Jenni, "Das Wort 'olam in AT" , Zeitschrift für

die alttestamentliche Wissenschaft 84 (1952): 197-248; idem, "Time", interpreter's Dictionary of the Bibler 4 vols. (Nashville: Abingdon, 1964), IV: 644; James Barr, Biblical Words for Time (Naperville: Allensons, 1962), pág. 69, n. 1.

7 Jürgen Moltmann, Teologia da Esperança (Rio de Janeiro: Herder, 1975), pág. 105.

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e isso lhe foi imputado para justiça" (Gn 15:6). Quer dizer, Deus computou isto em favor de Abraão como sendo justiça.

A tradução literal de Gênesis 15:6 é simplesmente que ele acreditou em Javé (he ** mfn ba YHWH). Isto naturalmente, era mais do que um vago assenti-mento intelectual à existência de uma deidade suprema dalgum modo geral. 0 objeto da sua fé tinha que ser achado no conteúdo da promessa total. Nesta promessa, a primazia deve ser dada à parte primeira, mais antiga e mais central dela: a pessoa do homem da promessa, que seria o descendente masculino que havia de surgir na descendência (3:15), Tanto é assim que, quando Deus Se encon-trou com Abraão pela primeira vez, o assunto de filhos não foi especificamente inclufdo, mas, sim, inferido (12:1-3), porque a primeira cláusula prometeu fazer de Abraão uma grande nação. Sua confiança, portanto, estava no Senhor — mas especificamente no Senhor que prometera.

Repitamos mais uma vez a súmula que von Orelli deu desta conexão entre Abraão e a fé das nações.

Como o próprio Abraão, em virtude do seu relacionamento especial com Deus, era um mediador de bênçãos para aqueles que o cercavam, se mostra em Gn 20:7; que seu povo, do mesmo modo, teria de trans-mitir a bênção divina, a dispensação da graça de Deus para o mundo inteiro, se vê em Is 19:24 e Zc 8:13, Nesta passagem, o significado da breve declaração é exposto no v, 3 (de Gênesis 12), e segundo isto o relacionamento de Deus com os homens depende da sua atitude para com Abraão (cf. 20:7), e o Senhor tratará bem aqueles que querem bem a ele e que prestam homenagem â graça divina que se revelava nele, e, por outro lado, mostrará Sua ira àqueles que desprezam e des-denham aquele que Deus abençoou, O número singular aqui tem es-pecial significância. Somente poderia haver pecadores individuais en-durecidos que entenderiam tão mal aquele que é fonte de bênção

para todos em derredor dele, ao ponto de condená-lo e odiá-lo, er

nele, ao Deus dele, O mundo, como um todo, não sonegará a home-nagem e, portanto, desfrutará do benefício desta fonte de bênção. Esta bênção é subentendida nas palavras finais [de 12:3] que coloca a coroa na promessa . . . Não há, porém, concordância entre os exe-getas se o nifal do verbo ["ser bendito"] se refere ao ato subjetivo de homenagem ou ao ato objetivo da bênção divina. Pelas palavras ante-riores, porém, segue-se que um ato inclui o outro.8

8 C. von Orelli, The Old Testament Prophecy of the Consummation of God's Kingdom Tra-ced in Its Historical Development, trad. J.J. Banks (Edinburgh: T. & T. Clark, 1889), p. 107.

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Sendo que o verbo "crer" em Gênesis 15:6 é a forma do verbo hebraico chamada hifil, de 'ãman (cf. português "amém"), Geerhardus Vos indicou "o sentido causatívo-produtivo"9 do verbo, e a preposição. Ambas estas palavras, conforme o julgamento dele, mostraram que a fé tinha a sua fonte e o seu objeto no Javé pessoal. Para Abraão, isto significava que ele tinha de renunciar a todos os seus esforços humanos no sentido de garantir a promessa, e depender da mesma Pessoa divina que falava do futuro, para trabalhar no presente, e no futuro cumprir aquilo que disse que faria. Assim, Abraão possuía as promessas de Deus como coisas ainda não realizadas quando ele possuía o Deus das promessas e a Sua palavra digna de confiança.

Algumas pessoas objetarão a uma interpretação de incondicionalidade im-posta sobre as promessas a Abraão. Citam-se, freqüentemente, cinco passagens como exemplos de estipulações colocadas sobre Abraão: Gênesis 12:1; 17:1, 9-14; 22:16; 26:5.

A primeira passagem está no imperativo: "Sai da tua terra, da tua parentela e da casa de teu pai, e vai para a terra que te mostrarei" (Gn 12:1). Este impera-tivo é seguido por dois imperfeitos e depois por uma série de imperfeitos exor-tai îvos nos versículos 2-3. Será, porém, que tal mandamento chega a ser uma condição formal imposta sobre a intenção divina de abençoar? Cleon Rogers, embora reconhecesse a existência de um certo elemento condicional presente ali, demonstrou corretamente que o acento da passagem recai nos exortativos que ressaltavam intenção mais do que obrigação, e que este tipo de construção ocorre em Gênesis 45:18 (onde se ressaltava aquilo que José pretendia fazer para seus irmãos) ou Gênesis 30:28 (aquilo que Labão pretendia fazer para Jacó) e Gênesis 27:3; I Samuel 14:12; 28:22; 2 Samuel 14:7.10 A ordem de " i r " , portanto, era um convite para receber a dádiva da promessa pela fé.11

À primeira vista, pareceria que Gênesis 17:1-2 impõe outra condição: "Anda na minha presença, e sé perfeito. Farei uma aliança entre mim e t i " . Mais uma vez, a seqüência era dois imperativos seguidos por dois imperfeitos exortativos,

9 Geerhardus, Vos, Biblical Theology (Grand Rapids: Eerdmans, 1954), p. 98, Gerhard von Rad, Teologia do Antigo Testamento, 2 vols., 1:171, ressaltou que o objeto de fé era "algo no futuro", o "plano para a história (Gn 1 5:5)" feito por Deus, e era isto que Abraáb acreditava e no que "se firmava".

1 0 Cleon L. Rogers, Jr. "The Covenant with Abraham and its Historical Setting", Biblio-theca Sacra 127 (1970): 252 e n.61.

11 Hans Walter Wolff também concorda; Walter Brueggemann e Hans Walter Wolff, "The Kerygma of the Yahwist", The Vitality of Old Testament Traditions (Atlanta: Knox Press, 1975), p. 47,

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O que era a verdade no que diz respeito a 12:1-3, também se aplica aqui. Além disto, a promessa já havia sido repetida várias vezes antes desta ocasião, em 12:1 -3, 7; 13:14-17; 15:7-21; e 16:10. Como conseqüência, alguns expositores argumen-taram que a força do verbo traduzido "farei" fwe *ettenâh) não significa "esta-belecer", e, sim, "fazer vigorar" ou "tornar operativa aquela que já vigora",12

O argumento idêntico seria aplicável para 17:9-14, onde a circuncisão poderia, à primeira vista, parecer ser outra condição da promessa. O versículo 11, porém, dirimiu a dúvida de forma completa: a circuncisão era apenas um "sina!" da aliança, e não a sua condição.

As últimas duas destas passagens são mais difíceis, Em Gênesis 22:16-18, foi dito a Abraão: "Porquanto (ktya'an 'a8er) fizeste isto [te dispondo a oferecer teu fi lho] abençoar-te-ei. . . porquanto ('èqeb *aser) obedeceste à minha voz". Em Gênesis 26:5, a bênção é repetida a Isaque "porque ('èqeb 'a$er) Abraão obedeceu á minha palavra, e guardou os meus mandamentos, os meus preceitos, os meus estatutos e as minhas leis". Ao nosso ver, a condicional idade não era vinculada á promessa, mas sim, apenas aos participantes que seriam beneficiados por estas promessas perpétuas. Se não ficasse evidente a condição de fé, então o patriarca viria a ser mero transmissor da bênção sem pessoalmente herdar qual-quer das dádivas dela de modo direto. Tal fé deve ser evidenciada por uma obedi-ência que brotou da fé. Certamente, a promessa não teve seu início no capítulo 22 nem no 26; esta já tinha sido estabelecida havia muito tempo. Cada capítulo, no entanto, tinha o seu momento sensível de teste ou de transição. Além disto, a eleição divina tinha o propósito não somente de abençoar a Abraão e à nação (18:18) como também o de incumbir a ele e a sua família do dever de "guardar o caminho do SENHOR, e praticar a justiça e o juízo; para que (lema'an) o SE-NHOR faça vir sobre Abraão o que tem falado a seu respeito" (v. 19),

Não se pode negar a conexão. O dever da obediência (a lei, se assim quiser) estava intimamente vinculado com a promessa como a seqüência desejada. Por-tanto, a transição para o tempo da lei de Moisés, que ainda estava no futuro, não deveria ser muito difícil para qualquer pessoa que realmente tivesse escutado de modo adequado a plena revelação da promessa na era dos patriarcas.

A Palavra de Certeza Em toda parte das narrativas patriarcais, havia ainda outro tema que ressoava

como outra parte da bênção da promessa. Era simplesmente a garantia da parte de Deus: "Eu estarei contigo".

1 2 Leupold, Genest's, 1:514; C. F. Keil e F. Delitzsch, Biblical Commentary on the Old

Testament, 25 vol. (Grand Rapids: Eerdmans, s.d.), 1:223.

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Na realidade, a primeira vez que a presença de Deus com os homens foi explicitamente mencionada foi quando o escritor comentou que Deus estava "com" ('et) Ismael, filho de Agar (Gn 21:20), Depois surgiu como palavra na boca dos filisteus, Abimeleque e Ficol, dirigida a Abraão: "Deus é contigo Vim) em tudo o que fazes" (21:22) e mais tarde para Isaque: "Vimos claramente que o SENHOR é contigo Hm)" (26:28),

De 104 exemplos desta fórmula da presença divina, empregando as duas preposições hebraicas traduzidas por "com" (*et e *im) no AT, 14 exemplos sur-gem nas narrativas de Isaque e Jacó, com respeito à certeza da parte de Deus. Deus apareceu a Isaque com as seguintes palavras de conforto: "Não temas, porque eu sou contigo Cet)" (26:24). Ou, conforme disse numa aparição anterior: "Habita nesta terra, e serei contigo Cim)" (26:3). Para Jacó, tratou-se de um sonho com uma escada, com o encorajamento da parte de Deus, quando tomou o caminho para Harã: "Eis que estou contigo Cim)'1 (28:15),

Com isso, Jacó prometeu: "Se Deus for comigo Cim), e me guardar nesta jornada que empreendo . . . então o SENHOR será o meu Deus" (Gn 28:20-21), Outra vez, quando Jacó estava para voltar para Canaã, o Senhor repetiu a Sua pro-messa anterior: "Eu serei contigo Cim)" (31:3). Assim sendo, Jacó repetiu a Labão que o Senhor realmente tinha estado com Cim) ele (31:5; 35:3). O filho de Jacó, José, também experimentou aquela mesma presença divina de Deus (39:2, 3, 21, 23).14 Assi

m como Jacó tinha sido favorecido e abençoado pelo Deus que conhecia os problemas que este tinha com as tramas de Labão, assim também José foi socor-rido e abençoado pelo mesmo Senhor que seguia a sua situação mutável no Egito.

A presença ativa de Javé manifestava Seu caráter, Seu poder e Sua capacidade para cumprir a palavra repetida da promessa. Era preeminentemente uma palavra de relacionamento pessoaL A presença divina, sem dúvida, já fora sentido por Abraão antes de as palavras terem sido colocadas numa fórmula da teologia da promessa. Por exemplo, a vitória que Abraão alcançou contra Quedorlaomer em Gênesis 14:13-24 era uma ilustração deste fato, ainda que a palavra não estivera presente. Outra ilustração semelhante era a intimidade da inquirição que Abraão fez de Deus, com respeito à justiça dEle em tratar com Sodoma e Gomorra (18: 23-33); o Juiz de toda a terra faria aquilo que era justo. Não tinha sido o "escudo" e "galardão sobremodo grande" de Abraão (15:1)?

1 3 Horst D. Preus, " T eth t 'im'' Theological Dictionary of the Old Testament eds. G.

J. Botterweck e H. Ringgren; trad. John T, Willis (Grand Rapids: Eerdmans, 1974 -)1;449-63, especialmente 456.

14 Charles T. Fritsch, "God Was With Him: A Theological Study of the Joseph Narrative", Interpretation 9 (1955): 21-34.

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Abraão recebeu a primeira parte daquilo que viria a ser a fórmula tríplíce, freqüentemente repetida, da promessa. Por enquanto, era a promessa divina: "Serei o teu Deus, e da tua descendência" (Gn 17:7), 0 Deus soberano de todo o universo agora condescenderia a Se chamar o Deus de Abraão e da sua descendência. Nisto consta a essência do relacionamento pessoal que havia entre eles, Não é de estranhar que Tiago dissesse que Abraão " fo i chamado amigo de Deus" (Tg 2:23}. 0 relacio-namento entre eles era de amor (18:19), ação (19:29) e bênção em tudo que Abraão fazia (21:22).

O Soberano Prometido Assim como a bênção que Abraão recebeu em Gênesis 12:1-3; 15 e 17, foi

transferida a Isaque em 26:3-6 e depois, a Jacó num sonho em Betei, em 28:13-14, e especialmente em Pada-Arã (35:9-12; cf. 46:1-4), assim Judá, o quarto filho do pa-triarca, recebeu-a com a bênção que Jacó pronunciou em 49:8-12.

É verdade que José recebeu uma porção dupla de herança, sendo que seus dois filhos foram em certo sentido adotados por Jacó (cf. bekòrat de 1 Cr 5:1), mas foi Judá que veio a ser o " l íder" (nagíd) entre seus irmãos. 0 fi lho mais velho, Ru-ben, perdeu o direito de primogenitura porque desonrou o leito nupcial do pai {Gn 35:22). Simeão e Levi, o segundo e o terceiro filhos de Jacó, foram deixados de lado por causa da escandalosa vingança que tomaram dos siquemitas (34:13-29). Assim pairou o manto da liderança sobre Judá.

Assim como Isaque abençoara Jacó em Gênesis 27:29, assim Jacó passou a transmitir a mesma supremacia sobre os irmãos a Judá em 49:8. Sua proeza faria de-le uma tribo principesca, e ele manteria a sua superioridade sobre os seus inimigos. Seu emblema seria o leão real. A ele são dados o cetro (sèbet) e o bastão (mehòqèq — 49:10} do soberano.

Qual é, porém, o significado da frase "até que venha Síló Vad kíyãbò'sílõh)? Mais uma vez, a opinião de von Orelli merece atenção cuidadosa:

O contexto, de um lado, e as mais antigas autoridades quanto ao texto, Y

do outro lado, nos levam à nossa tradução. Selfoh era a leitura do texto que foi legada pela antigüidade, e a LXX a interpretou de modo neutro: heós *ean 'elthê ta apokeimena auto [até que venham as coisas reserva-das para ele], Ao invés de empregar este sujeito neutro abstrato, toma-mos o sujeito pessoal que domina todo contexto, e traduzimos: até que venha para aquilo que lhe pertence, ou seja, para sua possessão descri-ta no texto seguinte. Cf. especialmente a bênção proferida por Moisés com respeito a Judá, em Dt 33:7: we jei 'ammô tebf ennu ["traze-o

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100 Teologia do Antigo Testamento

para seu povo"]. Como campeão das demais tribos, demonstrará energia incansável até que tenha conquistado seu território sem limites; e, en-tão, não somente as tribos de Israel prestariam homenagens a ele, como também outras nações se curvariam diante do seu domínio.15

No que diz respeito à frase final de Gênesis 49:10, a saber; "ea ele obedece-rão os povos" fwe!ô yiqqehat *ammTm}r continuou:

[povos] não se pode aplicar meramente aos israelitas ... mas, sim, deve se referir ao domínio nacional mais generalizado, que, segundo 27:29, faz parte da herança de Jacó, e que será a porção especial de Judá.16

Não é, portanto, sem justificação que Ezequiel, ou intérpretes posteriores, judeus e cristãos, tenham considerado isto como outro acréscimo à doutrina da des-cendência vindoura. Semelhantemente, a alusão de Ezequiel em 21:27 "até que ve-nha aquele a quem pertence de direito; a ele a darei" não pode ser considerada algo além dos limites.1 7 O Homem da promessa teria sucesso esmagador; reinaria sobre todos os povos da terra porque era Seu direito e destino assim fazer. Além disto, teria Sua origem na tribo de Judá, em IsraelI

O Deus da Promessa Nas narrativas patriarcais, havia uma série de nomes para Deus. Era El Olam,

"Deus eterno" (Gn 21:33); El Elyon, "Deus Altíssimo" (14:18-20, 22), ou Javé Yireh "o SENHOR proverá" (22:14). O nome mais freqüente e importante, porém,

1 5 Von Orelli, Prophecyr págs. 121-22. As recensões de Luciano e Orfganes da LXX, léem--se: heosan etthe apokeitai, "até que venha aquele a quem está reservado".

1 6 Ibid, Ver W. Gesenius, Hebraisches und Aramaisçhes Handworterbuch, 17? ed., F. Buhi, ed. (Leipzig, 1921), pág. 596^ Concluiu que 1ammim nunca se emprega acerca de Israel exclusivamente; refere-se a todos os povos, ou povos fora de Israel.

17 Para estudos adicionais, cf, W. L. Moran, "Genesis 49:10 and its use in Ezekiel 21:32", Bib/ica 39 (1958): 405-25. Ele vocalizara "Si ló" como say e lôh, e mudaria yabô' para o hifíl yõbã', "até que tributo seja trazido a ele, e dele 6 a obediência do povo", Moran, com razão, rejeita a leitura siíu (m) como alegado cognato acadiano com o significado de "príncipe, sobe* rano, rei" (que nSo ocorre na Ifngua acadiana, 405-409) e a leitura da Cidade Siló (que nunca

• y »

se soletra sylh em hebraico, 410-11), mas também rejeita (409-10, 14-16) porque o sujeito não expresso não pode ser "a vara" ou "o cetro", porque isto estraga o paralelismo. (Orelli, naturalmente, considerava que o sujeito pessoal dominasse a seção inteira). Além disto, T V deveria ter sido escrito sei/Ô hÔ% e se como pronome relativo é muito improvável sendo que este é um aspecto do dialeto do norte, (Respondendo a estes últimos dois problemas, chamamos a atenção ao paralelismo entre weiô e sf/oh nas duas linhas paralelas, e para o emprego de se em contextos não necessariamente do norte ou menos antigos).

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Provisões na Promessa; A Era Patriarca/ 101

era El Shaddai, usualmente traduzido "Deus Todo-Poderoso" (17:1; 28:3; 35:11; 43:14; 48:3; cf. também 49:25-'et Shaddai).

No livro de Jó, El Shaddai é termo empregado umas trinta vezes, começando com Jó 5:17. Isto não é algo inesperado, pois o prólogo e epflogo daquele Livro têm credenciais muito claras para colocarem os eventos de Jó na era patriarcal. Alguns destes indicadores safo: (1) as riquezas de Jó o colocam na classe de grandes donos de rebanhos (Jó 1:3, 10} tal como era (saque {Gn 26:13-14; cf. 30:29-30); (2) o fa-to de ele oficiar em sacrifícios em prol dos seusfilhos (Jó 1:5;42:8) pode, semelhan-temente, somente ser comparado com a era patriarcal ou pré-patriarcal; (3) a moe-da corrente (qesftâh — Jó 42:11) é a mesma que se menciona nos tempos de Jacó (Gn 33:19; cf, Js 24:32); (4) a longevidade de Jó (acima de 140 anos, ou cinco gera-ções, Jó 42:16) pode-se comparar com os 110 anos e três gerações de José (Gn 50: 23); e (5) a morte de Jó (42:17) se descreve exatamente nos mesmos termos aplica-dos á de Abraão (25:8) e à de Isaque (35:29),

Independentemente de qual o significado que os estudiosos acabem atribuin-do a Shaddai (seja "alimentador" ou "Deus da Montanha"),18 o padrão de emprego é claro nas seis referências patriarcais e na maioria das referências em Jó, que vão além de trinta. Este nome ressaltava a força e o poder de Deus; assim sendo, a LXX traduziu-o em Jó como ho pantokrátòr, o "Soberano de Tudo" ou o "Onipotente", Conforme Geerhardus Vos declarou,19 El Shaddai enfatizava a obra sobrenatural da graça de Deus. Assim como Ele dominava sobre a natureza, forçando-a a adiantar o Seu plano de salvação, El Shaddai indicava a capacidade de Deus de subjugá-la. Assim sendo, este nome vinculava a Sua obra na Criação com Sua obra poderosa através da história para levar o Seu plano a efeito.

Fora destas seis referências em Gênesis e as trinta e uma referências em Jó, este nome divino aparece em três outros lugares no Pentateuco (Êx 6:3; Nm 24:4, 16), quatro vezes nos Profetas (is 13:6; Jl 1:15; Ez 1:24; 10:5), e nos Salmos (68:15 [hebraico]; 91:1) e Rute (1:20-21). Juntamente, se encaixam no teor geral do nome e do seu emprego na era patriarcal; Deus é onipotente e um grande Soberano que poderá agir, e o fará, em prol daqueies a quem ama e que sao chamados de acordo com Seu propósito e plano.

Assim, a teologia desta seção foi entrelaçada ao redor daquela palavra do alto, suas bênçãos para uma descendência escolhida, e da certeza da presença divina que

1 8 Do ugarítico tdyf "montanhas", ou de sdt "seio"; contrastar sd, "campo", 1 9

Vos, Theologyf págs. 95-96. Ele notou a conexão em Isaías 13:6 e Joel 1:15 entre shaddai e o verbo hebraico sãdad, "subjugar, destruir". Cf, Frank M. Cross, "Yahweh and the God of the Patriarchs", Harvard Theological Review 55 (1962): 244-50.

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garantia a certeza do herdeiro prometido, herança e tradição dos patriarcas, e até o seu sucesso imediato. Tudo vinha da palavra de encorajamento da parte de Deus.

Estes homens foram tão abençoados que seus benefícios transbordavam para seus vizinhos. Daí declarar Labão que recebia bênçãos da parte de Javé, por estar perto de Jacó (Gn 30:27, 30). Da mesma forma, o Faraó foi abençoado pela sua proximidade de José (39:5).

Talvez houvesse este mesmo conceito de proximidade física no ato de comu-nicar a bênção do pai para o filho, conforme sugeriu H, Mowvley,20 Ao invés de si-tuar a raiz do verbo abençoar (brk) na raiz prqf "quebrar", conforme fez Gésenius, referindo-se ao dobrar ou quebrar os joelhos ao prestar homenagem ou dar graças, Mowvley seguiu J, Pedersen, von Rad e Procksch, que traduziram o verbo barak como sendo "colocar nos joelhos de". (Pode ser que José colocasse seus filhos nos joelhos de Jacó — Gênesis 48). E assim Isaque tocava e beijava Jacó enquanto trans-mitia a bênção a ele (Gn 27:27). Assim também Labão beijou seus netos e os aben-çoou (31:55}. Semelhantemente, aquele que lutou com Jacó tocou-lhe na articula-ção da coxa (32:25-32).

A própria palavra da bênção, porém, era certamente tão importante quanto o ato. A bênção consistia em muitas coisas: uma profecia, o próprio presente que re-sultava da bênção (Gn 33:11), uma capacidade concedida por Deus, para assegurar o cumprimento da promessa (17:16; 24:60), o galardão da prosperidade (15:1), a paz do Senhor (26:29), e nada menos do que a presença do próprio Deus (26: 3,28).21

A confiança dos patriarcas que sobreviveriam à morte, mesmo deixando de de-bater o meio ou método propriamente dito, surgiu juntamente com as demais bên-çãos daquela era. Abraão acreditava que o poderoso Deus poderia livrar seu filho da própria morte, em Gênesis 22. Ele tinha tanto direito a este ponto de vista quanto Gilgamés tinha por seu amigo, Enkidu, ou o mito de Tamuz tinha pela vegetação morta. Por isso mesmo, o texto patriarcal sempre distinguia com cuidado o fato de que cada patriarca " fo i reunido ao seu povo" após sçr enterrado na "sepultura" (Gn 25:8-9; 35:29; 37:35; 49:29, 31, 33). Além disto, o relacionamento deles com Deus, e a continuada associação d Ele com eles, não foram cancelados após a morte, porque Ele repetidas vezes Se identificava, o Deus vivo e pessoal, como sendo "o Deus de Abraão, o Deus de Isaque, e o Deus de Jacó" (Êx 3:6; cf. Marcos 12:26;

2 0 H. Mowvley, "The Concept and Content of 'Blessing' in the Old Testament",Bible

Translator 16(1965): 74-80. 21 Ib id pâgs, 78-79.

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Provisões na Promessa: A Bra Patriarca! 103

Lucas 20:37).2 2 Não admire, pois, que o salmista expressasse com confiança o fato de que os homens continuavam a desfrutar da comunhão com Deus além do tumulo (SI 16:10; 49:15; 73:24}. Semelhantemente, Jó argumentava em 14:14 que os ho-mens participavam da mesma perspectiva de "se renovarem" como tinha a árvore cortada (14:7).23

2 2 Para uma discussão mais completa, ver James Orr, Christian View of God and the

World, apêndice è preleção V (Grand Rapids: Eerdmans, 1947), págs. 200-10; Patrick Fairbairn, The Typology of Scripture, 2 vols. (Grand Rapids: Zondervan, 1963), 1:343-59.

23 Ver nossa discussão inteira no capítulo sobre a teologia sapiencial, pp, 1 75-177,

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A despeito dos quatrocentos anos de silêncio que separaram os tempos pa-triarcais da era mosaica, a teologia não se alterou por um só compasso. Por exem-plo, a breve recapitulação da família de Jacó se concluiu em Êxodo 1:7 com sete pa-lavras deliberadamente amontoadas uma sobre as outras. Estas eram evidência de que Deus tinha cumprido a Sua promessa: os descendentes de Jacó realmente "fo-ram fecundos", "aumentaram muito", "se multiplicaram" e "grandemente se forta-leceram", Foi uma alusão clara à bênção prometida em Gênesis 1:28 e 35:11.

A descedência, porém, agora era mais do que uma mera família; era um povo, uma nação. Nisto se acha a nova distinção para esta era. E a experiência desta na-ção dos atos graciosos de Deus era mais do que uma coletania de intervenções pes-soais para indivíduos selecionados. Neste caso, a nação inteira reafirmaria os atos de Deus, oomo confissão: "Javé libertou Seu povo do Egito". Mesmo assim, tudo fica-ria vinculado à mesma segurança consoladora do passado; "Eu serei contigo", por-que assim era o nome e o caráter de Deus. Seu nome era "Eu sou", Le.: Javé, o Deus que estaria dinâmica e efetivamente presente quando houvesse necessidade e quando os homens clamassem a Ele.

0 amor leal e graça fidedigna deste Deus que fazia alianças conforme as Suas promessas dominavam a transição entre estas eras, Ele escutara os gemidos de Israel,

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106 Teologia do Antigo Testamento

e Seu interesse pelos israelitas e Sua ação em prol deles foram descritos resumida-mente como o "lembrar-Se" da Sua aliança com Abraão, Isaque e Jacó (Ex 2i24). O Deus da libertação era o mesmo "Deus dos vossos pais" (3:13); "o Deus de Abraão, o Deus de Isaque e o Deus de Jacó" {vv. 15-16).

Anteriormente, Deus aparecera a Abraão, a Isaque e a Jacó no caráter e natu-reza de El Shaddai; agora, porém, Se manifestaria como Javé (Êx 6:3), ao livrar Is-rael e guiá-lo para a terra que jurou que daria aos patriarcas (6:8; 33:1). Mais uma vez, toda esta atividade divina poderia ser resumida num só conceito: era o "lem-brar-Se" da Sua aliança (6:5).

Assim sendo, o autor do Êxodo fez uma ligação direta entre o período dos pa-triarcas e do Êxodo; para ele, a aliança no Sinai era uma continuação teológica e histórica da promessa dada a Abraão. Ao invés de tratar o Egito e o Sinai como sen-do uma interrupção das promessas anteriores, as necessidades que aqui surgiram vie-ram a ser uma nova oportunidade para outra manifestação da lealdade divina á Sua promessa tão freqüentemente repetida.

Meu Filho, Meu Primogênito Os doze filhos de Jacó e os dois filhos de José se multiplicaram até se torna-

rem uma grande nação durante o período de escravidão no Egito, Depois de quatro-centos e trinta anos de escravidão (Êx 12:40), os filhos de Jacó tinham aturado de-mais; clamaram a Deus, pedindo socorro.

O socorro veio na pessoa de Moisés e nas intervenções e palavras milagrosas da parte do Senhor, O primeiro ato de Moisés como porta-voz recém-nomeado pelo Deus vivo foi ordenar categoricamente a Faraó; "Israel é meu filho, meu primogê-nito « , . Deixa ir meu f i lho" (Êx 4:22-23). Javé estava para ser revelado como "Pai" através das Suas ações: trouxe Israel à existência como nação; alimentou a nação e a guiou. A paternidade consistia nisto. Assim Moisés arrazoaria no seu discurso final a Israel: "Não é ele [o Senhor] teu Pai, que te adquiriu, te fez e te estabeleceu?" (Dt 32:6).

O texto significativamente empregou o singular para a comunidade inteirada Israel, coletivamente. Quando o AT se referia a israelitas individualmente, empre-gava o plural (e.g. "Filhos sois do SENHOR vosso Deus" [Dt 14:1 ]). O israelita indi-vidual, porém, também era um "f i lho de Deus" precisamente porque era um mem-bro do povo escolhido.

Embora seja verdade que era lugar-comum no antigo Oriente Próximo, os mo-narcas alegarem ser filhos dalgum deus — o que era especialmente verdade no Egito, onde pensava-se que o Faraó nascesse da união sexual entre o deus e a rainha — Israel evitava cuidadosamente qualquer idéia da filiação divina. Quando, porém. Deus empregou a designação: "meu filho, meu primogênito", não se tratava de um

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O Povo da Promessa: A Era Mosaica 107

epíteto descuidado ou uma licença poética. Era parte integrante da vocação divina e do ato de Deus em libertar Israel do Egito.

A filiação de Israel expressava um relacionamento:1 Israel era o filho de Javé, mas não meramente no sentido de cidadão de uma nação, membro de um sindicato de artesãos, ou discfpuio de um mestre. A palavra hebraica benf " f i lho" , pode ser entendida, em vários contextos diferentes, em todos estes sentidos. Aqui, porém, tratava-se de um relacionamento de família: um povo que formava a família de Deus. Israel não era uma família no sentido adotivo, ou no sentido de uma mera unidade étnica, política ou social. Pelo contrário, era uma família formada, salva e guardada por Deus, o "Pai" desta família.

Como filhos verdadeiros, os israelitas tinham de imitar seu Pai nas atividades. Tudo aquilo que o Pai é, o filho deve aspirar ser (e. g. "Santos sereis, porque eu, o SENHOR vosso Deus, sou Santo" [Lv 19:2 \passim). O filho, por sua parte, deve respeitar a vontade do Pai e demonstrar seu respeito e gratidão ao fazer aquilo que o Pai lhe manda fazer. O Pai, do outro lado, demonstraria Seu amor ao tratar com Seu filho de modo terno e leal.

O título "primogênito" (bekôr), por outro lado, usualmente significa o pri-meiro filho a nascer (e. g. Gn 25:25) ou a abrir a madre (e. g, Êx 13:2). No sentido transferido, conforme seu emprego aqui, significava o "primeiro na escala", "pri-meiro em preeminência". Assim sendo, doava seus recipientes direitos e honras es-peciais de herança e favores.

Os direitos de primogenitura eram ultrapassados quando outro filho era desig-nado o "primogênito", Aquilo que antes dependia da posição agora era removido e fundamentado na graça. Assim aconteceu com Jacó, que então recebeu o novo no-me de Israel Esaú era o primeiro quanto à posição do nascimento propriamente di-to, e depois veio Jacó (Gn 25:25-26); foi Jacó, porém, que recebeu o favor da parte de Deus e a surpresa de ser chamado Seu "primogênito". Semelhantemente, Efraim era o segundo filho de José, mas Jeremias reoonheceu-o como sendo "primogê-nito" de Deus (Jr 31:9).

Os leitores e teólogos do AT nem sempre apreciam a importância tanto do significado como do conceito de solidariedade coletiva nas expressões "Meu f i lho" e "Meu primogênito". "Descendência" é uma expressão coletiva que surgiu pela primeira vez em Gênesis 3:15 como pessoa que representava não somente o grupo inteiro identificado com a mesma como também a pessoa representativa última e final, que ainda haveria de vir. "Meu f i lho" e "Meu primogênito" também

1 Devo a Dennis McCarthy: "Israel, My Firstborn Son", The Way 5 (1965): págs. 183-91. muitos dos discernimentos neste ponto.

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108 Teologia do Antigo Testamento

funcionavam nesta mesma dupla capacidade. Eram expressões coletivas que repre-sentavam e incluíam aquele um que haveria de vir, e os muitos que já acreditavam nele.

Os leitores do NT não devem, portanto, ficar surpreendidos quando as mes-mas expressões forem empregadas com respeito a Jesus, o Messias. Ele, também, foi livrado do Egito e recebeu o mesmo nome de família "meu f i lho" {Mt 2:15; cf. Os 11:1). Além disso, era o "primogênito" pròtotokos de Deus (Rm 8:29; Cl 1:15, 18; Hb 1 :6 ; Ap 1:5). E Ele compartilhava do título pròtotokoi com to-dos os crentes, assim como acontecia com Israel no AT (Hb 12:23). A continui-dade das expressões, das identidades e dos significados em todas as partes de ambos os testamentos é mais do que um mero acidente. É evidência notável de um programa oriundo de um único plano e de um único povo de Deus unifi-cado,

Meu Povo, Minha Possessão Israel era mais do que uma família ou filho de Deus; Israel já se tornara

um gôy, uma "nação" (Êx 19:6). Este fato se tornou evidente pela primeira vez quando o Senhor disse a Moisés, na sarça ardente, "Certamente vi a aflição do meu povo, que está no Egito" (3:7), Moisés repetiu este título a Faraó, na exigên-cia categórica da parte de Deus: "Deixa ir o meu povo" (Êx 5:1; 7:14; 8:1, 20; 9:1; 10:3), Ser chamado "povo" Cam)2 significava que era um grupo social étnico com força numérica e unidade suficientes para ser considerado uma totalidade corporativa, Era, no entanto, tão intimamente vinculado a Javé que Ele o chamou "Meu povo".

A lealdade de Javé ao Seu povo se evidenciou nos eventos das pragas, do Êxodo e da viagem no deserto. Israel seria livrado da servidão a Faraó a f im de servir ao Senhor, Quando, porém, o monarca egípio consistentemente se recusou a cumprir as exigências de Javé, Seu poder (chamado o "dedo de Deus" em Êxodo 8:19; [cf+ Êx 31:18; SI 8:3; Lucas 11:20]) foi descarregado em graus sempre cres-centes de severidade contra Faraó, seu povo, e as terras e bens dos egípcios.

O objetivo, porém, não foi, nunca, a mera punição como retribuição pela obstinação de Faraó. As pragas tinham um propósito salvador tanto para Israel como para o Egito. Eram para convencer Faraó que Javé de fato falara e que deveria ser temido e obedecido; Israel não tinha escolha quanto a isto, e os egíp-cios também não.

2 Contrastar nossas concfusdes com as de Richard Deutsch, "The Biblical Concept of the

'People of God' Southeast Asia Journal of Theology 13 (1972) :4-12.

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O Povo da Promessa: A Era Mosaica 109

Este Deus era chauvinista e injustamente parcial a favor dos israelitas, em de-trimento da economia dos egípcios? Também não! O texto insistia que Suas pragas tinham também um apelo evangelístico aos egípcios. Cada catástrofe foi invocada assim: "para que saibais [os egípcios] que eu sou o SENHOR no meio desta terra" (Êx 8:22); "para que saibais que não há quem me seja semelhante em toda a ter-ra" (9:14; cf. 8:10); "a fim de mostrar-te o meu [de Deus] poder, e para que seja o meu nome anunciado em toda a terra" (9:16); "para que saibais que toda a terra é do SENHOR .. . [e que possais] temer ao SENHOR Deus" (vv. 29-30),

Os deuses do Egito não eram deuses de modo algum. Somente Javé era Deus, e Ele era Deus em toda a terra, e não somente no território dos patriarcas em Harã ou Canaã. Seu nome e Seu poder tinham de ser publicados em toda a terra, a f im de que todas as nações O "temessem", Le., "acreditassem nEle". E é isto mesmo que alguns dos egípcios fizeram. Alguns dos servidores de Faraó "temeram a palavra do SENHOR" (Êx 9:20), e fizeram aquilo que Moisés mandou. Sem duvida, esta é a explicação do "misto de gente" que deixou o Egito com Israel <12:38). Incluía aqueies gentios que chegaram a "conhecer", i.e-, a experi-mentarem pessoalmente, o Senhor Deus de toda a terra.

Mesmo depois de ter sido realizada a libertação milagrosa na noite da Páscoa, muitos egípcios ainda se apegaram ferrenhamente ao seu curso arrojado de confron-tação direta com este Deus incomparavelmente grande. Deus, na Sua paciência, deixou em aberto o oferecimento de graça enquanto eles perseguiram Israel na sua travessia do mar. Devem "saber que Eu sou o SENHOR" (Êx 14:4), mesmo depois de Deus ter recebido louvor e honra da parte de Israel pela Sua poderosa vitória sobre Faraó, seus carros e seus cavaleiros (v. 18).

O efeito sobre Israel foi assoberbante. Depois de ter visto o que Deus aca-bara de fazer com os egípcios empedernidos, "o povo temeu ao SENHOR, e con-fiaram no SENHOR, e em Moisés, seu servo" (Êx 14:31). Cantaram juntamente:

A tua destra, ó SENHOR, é gloriosa em poder, a tua destra, ó SENHOR, despedaça o inimigo.

— Êxodo 15:6

Ó SENHOR, quem é ramo tu entre os deuses? Quem é como tu glorificado em santidade, terrível em feitos gloriosos, que operas maravilhas?

— Êxodo 15:11 Toda a liberdade que Israel ganhara se devia a amor leal (hesed - Êx 15:13)

que Javé tinha para com Seu povot Outros povos ouviam e tremiam, mas o povo de Deus, a quem Ele comprara (qãnah — 15:16), viu a "salvação do SENHOR"

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110 Teologia do Antigo Testamento

(yeíí) 'aí YHWH — 14:13). A manipulação humana foi claramente excluída; era o "livramento" da parte de Deus (3:8; 6:6). Era o "parente-redentor" de Israel igô r ef — 6:6) que, com milagres e o "braço estendido" tomou-os e QS chamou "meu povo" (6:7).

O significado deste evento já tinha sido descortinado na cerimônia da Páscoa, celebrada durante a última noite de Israel no Egito. Aquele rito deveria ser celebra-do anualmente, juntamente com a explicação acreditada dada em Êxodo 13:14-16. Vocês devem dizer, foi a explicação, a gerações posteriores, que "o SENHOR matou todos os primogênitos na terra do Egito, desde o primogênito do homem até o pri-mogênito dos animais: por isso eu sacrifico ao SENHOR todos os machos que abrem a madre; porém a todo primogênito de meus filhos eu resgato (pãdâh)** (v. 15).

Assim foi Israel constituído em "povo". De fato, Êxodo 12:3 chama Israel de "congregação" Cedâh) pela primeira vez enquanto começava a preparar a refei-ção da Páscoa em cada família, Abraão se tornara numeroso; de fato, ele agora veio a ser uma grande nação, e os dois grandes atos redentores da parte de Deus, a Páscoa e o Êxodo, sublinharam a realidade desta nova realização.

A posição de Israel como "possessão escolhida ou prezada" de Deus [seguUâh — Êx 19:5), era a coisa mais surpreendente de todas. O que, afinal, fez com que Israel fosse tão valioso, e o que exatamente significava a frase? O significado deste termo especial foi elucidado por Moshe Greenberg, que indicou seu equivalente acadiano, sikiltum3 e por C. Virolleaud que notou o ugarítico sgit, que ele tradu-ziu por "proprieté" 4 A raiz básica deste termo era sakãlu, "separar uma coisa ou uma possessão". Era o oposto de bens imóveis tais como terras, que não podiam ser removidos. O segü//âh de Deus, do outro lado, era Seu tesouro móvel, O valor de Israel, portanto, se baseava no amor e na afeição que Deus dedicava a ele. Israel ficou sendo Sua possessão.

Mais tarde, em Deuteronômio, Israel também foi chamado "santo" (qadôí) além de ser a "possessão prezada". Estas passagens, porém, sempre se vinculavam com o conceito do "povo" ('a/T? - Dt 7:6; 14:2; 26:18, 19; também $emsegüífãh -14:21; 28:9); assim sendo, a mesma verdade foi conservada: Israel tinha de ser o tesouro distintivo ("peculiar") de Deus, separado para um propósito específico.

Com isto, temos um quarto termo novo para se referir à situação de Israel perante um Deus que o escolhera e chamara, não individualmente, e sim, coletiva-mente, e que dá o significado completo à sua condição de povo e de nação- Todo

3 Moshe Greenberg, "Hebrew segutlâ; Akkadian sikittu", Journal of American Oriental Society 71 (1951): 172 e segs.

Conforme citado por Moshe Wèinfeld, "The Covenant of Grant in Old Testament and Ancient Near East", Journal of American Oriental Society 90 (1970): 195, n, 103.

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O Po vo da Promessa: A Era Mosaica 111

o conceito pode ser reduzido a uma simples frase; "Tomar-vos-ei por meu povo" (Êx 6:7}, Esta afirmação veio a ser a segunda parte da fórmula tríplice: "Eu serei vosso Deus e vós sereis Meu povo". Agora só faltava a terceira parte: "E habitarei no meio de vós". Esta parte estava para chegar logo.

Quem, porém, era este Deus, e quem poderia ser comparado com Ele (Êx 15:11)? Moisés e Miriã já celebraram a resposta, na ocasião da libertação no Mar Vermelho, num cântico que celebrava a incomparável grandeza de Deus. O livra-mento que Ele operou ao salvar os israelitas do Egito (15:1-12), que também era um sinal da Sua futura ajuda na entrada em Canaã que aguardava o Seu povo (vv. 13-18), deixou bem clara a Sua soberania indisputável sobre os homens, as nações e a natureza: "O SENHOR reinará por todo o sempre" (v. 18).

Poucas passagens são mais essenciais para a análise do nome e caráter de Deus do que Êxodo 6:2-8.5 A distinção entre Seu aparecimento aos patriarcas como El Shaddai e Sua manifestação presente a Moisés como Javé (YHWH) con-tinua sendo fonte de debates e conjecturas entre os estudiosos. É certo que os patriarcas não tinham ficado sem conhecimento algum do nome "Javé", por-quanto apareceu no registro de Gênesis bem mais do que uma centena de vezes. O que Êxodo 6:3 ressaltou foram os dois verbos reflexivos no nifal, wã'erã' ("Eu Me revelei") e nôda *tf ("não me fiz conhecido"), e a preposição hebraica be

("por") antes de El Shaddai, e, por implicação, antes de Javé.

Esta preposição, conhecida como um beth essentiae, se deve traduzir "como", e significa que "Deus Se mostrou a Abraão, a Isaque e a Jacó no caráter de (i.e., com os atributos acompanhantes do nome de) Ef Shaddai; mas, no caráter do Meu nome Javé não Me fiz conhecido deles". O nome, portanto, revelava o caráter, as qualidades, os atributos e a essência das pessoas assim designadas.

Esta análise de Êxodo 6:3 pode ser confirmada por um exame de 3:13. Quando Deus prometeu que acompanharia a Moisés quando este estivesse diante de Faraó e o povo, Moisés perguntou: "Se os filhos de Israel me perguntarem: 'Quai é o nome deste Deus que nos tirará do Egito?' O que direi então?"

Conforme Martin Buber6 e outros já notaram, o interrogativo "quê?" (mâh) deve ser distinguido de "quem?" (mf). Esta palavra só pedia o tí tulo ou designação da pessoa, enquanto mâh, especialmente em conexão com a palavra "nome", procu-rava saber as qualidades, caráter, poderes, e capacidades que residiam no nome.

5 Ver W.C- Kaiser, Jr., "Name", Zondervan Pictorial Encyclopedia of the Bible, 5 vols. (Grand Rapids: Zondervan, 19751,4:364.

6 Martin Buber, Kingship of God (Nova Iorque: Harper & Row, 1967), págs. 104-6, 189-90; também, J. A- Motyer, The Revelation of the Divine Name {Londres: Tyndale, 1956), págs. 3*31,

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112 Teologia do Antigo Testamento

Assim sendo, a resposta voltou claramente. Seu nome era: "Eu sou o Deus que estará al i" (Êxodo 3:14). Não era tanto uma designação ontológica ou noção estática de ser (e.g, "Sou o que sou"); era, pelo contrário, uma promessa de uma presença dinâmica e ativa. Assim como Deus Se revelara no Seu controle sobre-natural sobre a natureza, para os patriarcas, agora Moisés e Israel, fi lho de Javé, conheceriam Sua presença numa experiência do dia a dia, como nunca antes tinha sido conhecida. Mais tarde, em Deuteronômio, isto se desenvolveria numa teolo-gia inteira de nomes. O nome veio a representar a presença do próprio Deus, no lugar da mera experiência dos efeitos da Sua presença sobre a natureza*

Sacerdotes Reais Esta possessão prezada, possuída de modo sem igual, estava destinada a vir

a ser um sacerdócio real do qual a congregação inteira fazia parte, Israel, o primo-gênito entre as nações, recebeu a posição de filiação, fo i tirado do Egito como se tivesse sido carregado com asas de águia, e os israelitas foram feitos ministros em prol deles mesmos e das nações. Este papel de mediador fo i anunciado em Êxodo 19:3-6.

Assim falarás â casa de Jacó, e anunciarás aos filhos de Israel: Tendes visto o que fiz aos egípcios, como vos levei sobre asas de águias, e vos cheguei a mim. Agora, pois, se diligentemente ouvirdes a minha voz, e guardardes a minha aliança, então sereis a minha propriedade peculiar dentre todos os povos: porque toda a terra é minha; vós me sereis reino de sacerdotes e nação santa.

O mundo inteiro pertencia ao Senhor; mesmo assim, bem no meio das nações colocara a Israel, A ele dera uma tarefa especial. Poucas pessoas conseguiram captar o significado deste texto melhor do que Charles A. Briggs:

Temos mais um desdobrar da segunda profecia messiânica [Gn 9:27] no sentido do habitar de Deus nas tendas de Sem agora se transformar no reino de Deus como Rei do reino de Israel.

O reino de Deus é um reino de sacerdotes, uma nação santa, Tem um sagrado ministério de sacerdotes, além da soberania com respeito às nações do mundo. Os israelitas, como santos, são os súditos do seu Rei santo, e, como sacerdotes, representanvnO e são mediadores d Ele para com as nações- Assim se desdobra o terceiro aspecto da

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O Povo da Promessa: A Era Mosaica 113

aliança com Abraão. Assim como a coisa essencial para Abraão tinha sido a descendência prometida, assim como a coisa essencial para Jacó tinha sido a terra prometida, assim agora, quando Israel se tornou uma nação, separando-se dos egípcios, e entrando em relacionamentos nacionais oom as várias nações do mundo, a coisa essencial veio a ser o relacionamento que, de um lado, ia adotar para com Deus seu rei, e, do outro lado, para oom as nações, pondo em primeiro plano o lado positivo daquele relacionamento. Isto é representado nesta pro-messa: como ministério de realeza e sacerdócio. Trata-se de um reino de sacerdotes, um reino e um sacerdócio combinados na unidade do conceito, sacerdotes reais ou reis sacerdotais.7

Briggs notou que o termo "reino de sacerdotes" fmam/eket kòhanfm) era mais um substantivo composto do que uma relação construta do caso genitivo. De fato, os termos se combinavam tão estreitamente na sua unidade, que Israel tinha de ser, ao mesmo tempo, reis-sacerdotes e sacerdotes reais. Isto tinha de ser aplicável a cada pessoa na nação como um todo, assim como todos tinham sido incluídos na filiação.8

Recentemente, William Moran9 argumentou convincentemente que "reino de sacerdotes" não é sinônimo de "nação santa". Era uma entidade separada. Além disto, mamfeket ocasionalmente significava " re i " (1 Reis 18:10; Is 60:11-12; Jr 27:7-8; Ag 2:22), especialmente nas passagens em prosa tais como Êxodo 19.

Para Moran, o estilo da passagem era marcantemente pessoal. Começou no versículo 3 "aos filhos de Israel" (iibenê yi$rã'êií, e terminou no versículo 6 "aos filhos de Israel" fel benê yj$'rã'êl). Na mensagem endereçada ao povo, versí-culos 4-6, a primeira cláusula e a última foram introduzidas pela forma enfática "vos" ('attemA Outras repetições de referências a pessoas ressaltavam a profun-didade do lado pessoal no modo de falar na aliança conforme Êxodo 19:3-6: "vos" {'etkem, duas vezes), "a mim" (//" três vezes) e a aliteração "embora tudo per-tença a Mim" ( k f t r k o / , K-L-K-L).

A natureza distintiva e a posição especial concedidas a esta nação, a proprie-dade particular (segQHâh) de Deus, eram envolvidas no sacerdócio universal dos

7 Charles Augustus Briggs, Messianic Prophecy (Nova Iorque: Charles Scribner's Sons, 1889), pág. 102.

8 Ibid. págs. 102-3, n. 2. 9 William L. Moran, " A Kingdom of Priests", The Bible in Current Catholic Thought ed,

John L McKenzie (Nova Iorque: Herder & Herder, 1962), págs. 7-20, esp. 14-16. Ver algumas revisões leves de Moran em Breuard S. Childs, The Book of Exodus (Philadelphia: Westminster Press, 1974), pág. 367; ainda cf., pág. 342, n. 6 e pág. 374, n. 6.

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114 Teologia do Antigo Testamento

israelitas. Tinham de ser mediadores da graça de Deus para com as nações da terra, assim como em Abraão "todas as nações da terra seriam abençoadas".

Infelizmente para os israelitas, eles recusaram o privilégio de serem um sacerdócio nacional, e preferiram ser representados por Moisés e Arão (Êx 19:16--25; 20:18-21), Portanto, o propósito original de Deus foi adiado {não desfeito ou derrotado para sempre) até os tempos do NT, quando, mais uma vez, fo i procla-mado o sacerdócio de todos os crentes (I Pedro 2:9; Apocalipse 1:6; 5:10). Mesmo assim, o papel de Israel, de agente escolhido por Deus para ministrar às necessi-dades das nações, não foi rescindido.

O povo sentiu fortemente a magnificência e santidade da presença de Javé, nos trovões da Sua voz e no efeito de raios produzidos por Sua presença, deixando o mundo natural em convulsões sismográficas. Dessa forma, os israelitas suplicaram a Moisés que se aproximasse de Deus em prol deles, recebendo as comunicações divinas para eles. Assim sendo, Moisés veio a ser o primeiro levita a representar o povo,10 Mais tarde, por autorização divina, Moisés consagrou Arão e os filhos deste para funcionarem no altar (Êx 28:1). Outros deveres vinculados com o san-tuário e o culto foram atribuídos à tribo de Levi na sua totalidade, depois de os membros da tribo terem comprovado a sua fidelidade durante o incidente do bezerro de ouro {Êx 32:25-29).

Mesmo assim, a cena tinha sido um evento sem precedentes nos anais dos homens. Falando deste encontro original com Deus no Sinai, Moisés perguntou ao povo em Deuteronômio 4:23-37:

". . , algum povo ouviu falar a voz de algum deus do meio do fogo, como tu a ouviste, continuando vivo? ., -

Dos céus te fez ouvir a sua voz , . . e sobre a terra te mostrou seu grande fogo . -. Porquanto Ele [vos] amou.

Agora, porém, a voz de Deus era ouvida por Moisés; e a obra mediadora em prol de Israel agora tinha de ser levada a efeito pelos sacerdotes, Arão e seus filhos, e pelos levitas. A natureza representativa do sacerdócio levítico ficou sendo ainda mais gráfica em Números 3:12-13. Para cada filho primogênito que nascia em cada família israelita, um levita era consagrado a Deus, tomando o lugar da morte daquele primogênito. Ao invés de completar as conseqüências lógicas suben-tendidas, da morte e sacrifício ao Senhor de cada criatura primogênita, para de-monstrar que Javé tinha a possessão da terra inteira, esta legislação interrompeu

10 Nota-se, porém, que aparentemente havia sacerdotes antes desta nova disposição (Êx 19:22, 24),

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O Povo da Promessa: A Era Mosaica 115

aquela inferência no caso dos primogênitos dos homens e mulheres. No caso deles, Deus se agradou prover os levitas como substitutos. Semelhantemente, o sumo sacerdote representava todos os israelitas, porque levava consigo os nomes das tribos de Israel, gravados no seu peitoril, enquanto entrava no santuário (Êx 28:29).

Este sacerdócio foi concedido a Arão "por estatuto perpétuo" {Êx 29:9), e renovado para Finéias (Nm 25:13). É importante notar que o ofício, o sacerdó-cio, era eternamente garantido, e não os indivíduos ou famílias específicos. Assim sendo, não foi ab-rogado quando, mais tarde, passou temporariamente dos descen-dentes de Finéias para a linhagem de Itamar. A conclusão, mais uma vez, é a mesma: a promessa continuou permanente, mas a participação nas bênçãos dependia da condição espiritual do indivíduo.

Urna Nação Santa Ainda outro tí tulo foi conferido a Israel em Êxodo 19:6. Haveria uma nação,

mas não como o tipo comum de nações que não conheciam a Deus, Israel teria de ser uma nação santa, Esta promessa, no entanto, seria vinculada à resposta do povo e sua condição preparada para receber a teofania. Tais requisitos seriam um "teste" conforme Êxodo 20:20:

Não temais; Deus veio para vos provar, e para que o seu temor esteja diante de vós, a f im de que não pequeis.

Esta aliança era uma mudança deliberada da aliança da promessa concedida aos patriarcas, para uma aliança condicional, em que "a obediência era a condição absoluta da bênção"?11 Será que Deus não ficou contente com a resposta do povo, comprometendo-se: "Tudo o que o SENHOR falou, faremos" (Êx 19:8; 24:3, 7)7 Isto poderia ser interpretado como "uma queda" e um "erro" que equiva-leria à "rejeição do tratamento gracioso de Deus para com eles"? 12 Qual era o rela-cionamento das declarações "se" (Êx 19:5; Lv 26:3 e segs.; Dt 11:13 e segs,; 28:1) e o mandamento: "Andareis em todo o caminho que vos manda o SENHOR vosso Deus, para que dema'an) vivais, bem vos suceda, e prolongueis os dias na terra que haveis de possuir" (Dt 5:33)?

1 1 James Freemen Rand, "The Old Testament Fellowship with God", Bibliotheca Sacra 109 (1952): 153. Notar a I. Scofield, Scofield Reference Bible (Nova Iorque: Oxford University Press, 1909), p. 20: "A Dtspensação da Promessa terminou quando Israel impensadamente aceitou a lei (Êx 19:8)."

12 Rand, "Fellowship", p. 155.

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116 Teologia do Antigo Testamento

O contraste implicado nestas perguntas era forte demais para o texto, Se a alegada natureza obrigatória desta aliança fosse demonstrada como base nova para se estabelecer um relacionamento com o Deus da aliança, então deve ser possível demonstrar que a mesma lógica pode ser aplicada às declarações condicio-nais que foram mencionadas no capítulo sobre a teologia patriarcal.13

Admite-se que o "se" é condicional. Éf porém, condição de^quê? Neste contexto, era uma condição da posição distintiva de Israel entre todos os povos da terra, do seu papel de mediador, e da sua qualidade de nação santa. Em resumo, poderia qualificar, tolher ou negar a experiência de Israel, quanto à santificação e ao ministério a outros; dificilmente, porém, poderia levar a efeito sua eleição, salvação, ou herança presente ou futura da antiga promessa. Israel deve obedecer à voz de Deus e cumprir a Sua aliança, não "a f im de que" (iema'an — Oração Sub. Adv. Final) viva e tenha tudo indo bem, mas "com o resultado que" {ÍemaJan — Oração Sub, Adv, Cons,)14 experimentará a vivência autêntica e tudo lhe irá bem (Dt 5:33),

Israel tinha de ser separado e santo; tinha de ser separado de, e diferente de todos os outros povos na face da terra, Como povo eleito ou chamado que agora estava sendo formado como nação sob a orientação divina, a santidade não era um aspecto opcional. Israel tinha de ser santo, porque seu Deus, Javé, era santo (Lv 20:26; 22:31-33). Sendo assim, a nação já não poderia ser mais consagrada a qualquer outra coisa ou pessoa (27:26) nem entrar em qualquer relacionamento rival (18:2-5).

A vida eterna ou o viver nos benefícios da promessa já não era condicionada por uma nova lei de obediência,15 Nem Levítico 18:5 produziu esta condição ao declarar: "Cumprindo os quais, o homem viverá por eles/' Andrew A. Bonar não tinha razão ao comentar o seguinte com respeito a este versículo:

Se, porém, como a maioria pensa, devemos entender que, neste lugar, a palavra [sic] "viverá por eies" significa que "a vida eterna pode ser obtida por eles", o escopo da passagem é que as leis de Deus são tão excelentes, bem como cada detalhe especial e minucioso destas leis,

13 Ver Gênesis 18:17 segs.; 22:18; 26:5. 14 Esta partícula hebraica é empregada para indicar conseqüência inevitável bem como

propósito; ver S.R. Driver, A Treatise on the Use of Tenses in Hebrew, 4? edição. (Oxford:Cla-rendon Press, 1906), pág. 200.

15 Para partes do argumento que se segue, e outros pormenores, ver WX. Kaiser, Jr., "Ljeviticus and Paul: 4Do This and You Shall Live' (Eternally? Í" , Journal of Evangelical Theo-logical Society 14 (1971): 19-28.

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O Povo da Promessa: A Era Mosaica 117

que se alguém fosse guardá-las sempre e com perfeição, esta própria observação seria vida eterna para ele. E as citações em Rm 10:5 e G) 3:12 determinam, segundo parece, que este seja o sentido verdadeiro e único aqui (grifos dele).16

Este ponto de vista, no entanto, deixa de levar em consideração os seguintes pontos:

1. Levítico 18 começa e termina {vv. 2, 30), com o ambiente teológico de "Eu sou o SENHOR vosso Deus". Sendo assim, a fidelidade à lei aqui era a santificação de Israel e a grandiosa evidência de que o Senhor já era, de fato, Deus de Israel.

2. Ao invés de imitar os costumes dos pagãos em derredor, o privilégio feliz de Israel seria manifestar a vida já iniciada pela fé, na sua obser-vância das leis de Deus.

3- Aquilo que Israel tinha de cumprir era os estatutos e juízos do Senhor, que se contrastavam marcantemente com os costumes e ordenanças dos egípcios e cananitas.

4. O mesmo ponto ressaltado em Levítico 18:5 será levantado mais tarde por Moisés em Deuteronômio 16:20 e por Ezequiel, em Ezequiel 20:11, G. A. Cooke resumiu-o sucintamente:

A mente antiga se fixava nos atos exteriores que revelam o estado interior, A mente moderna, porém, vai diretamente à condição in-terna,1 7

Patrick Fairbairn tinha uma opinião semelhante:

Nem Moisés nem Ezequiel, conforme é óbvio, queriam dizer que a vida de que falavam, que abrange tudo quanto é realmente excelente e bom, era para ser adquirida por meio de semelhante conformidade às regras celestiais; porque a vida neste sentido já pertencia a eles., . Fazendo estas coisas, viviam nelas; porque é assim que a vida tinha seu devido exercício e alimentação, e estava em condições para des-frutar os múltiplos privilégios e bênçãos adquiridos na aliança. E a mesmíssima coisa pode ser dita com respeito aos preceitos e ordenanças

1 6 Andrew A Bonar, A Commentary on Leviticus (1846; reimpresso e editado em Londres, Banner of Truth Trust, 1966), págs+ 329-30, Charles L. Feinberg também concorda, em The Prophecy of Ezekiel (Chicago: Moody Press, 1969), pág. 110: "A obediência teria trazido a vida, física e espiritualmente, temporal e eternamente (ver Dt 4:40; 5:16)/ '

1 7 G.A. Cooke, The Book of Ezekiel, I.C.C. (Edimburgo: T. & T. Clark, 1967), pág. 199.

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118 Teologia do Antigo Testamento

do evangelho no NT: o homem vive de acordo com a vida mais sublime da fé somente na medida em que anda em conformidade com estes; porque embora receba a vida mediante um simples ato de fé em Cristo, não pode exercê-la, mantê-la e desfrutá-la a não ser em conexão com as instituições e exigências do evangelho {grifos dele),18

5. Uma das maneiras de "cumprir" a lei era reconhecer a imperfeição da sua própria vida e assim fazer um sacrifício para a expiação dos seus pecados. Dessa forma, Levítico 18:5 não era uma oferta hipotética de vida eterna como recompensa pela observância perfeita da lei, A própria lei subentendia a existência de quebradores da lei, e providencia por eles, no grande sistema sacrificial que fazia parte daquela aliança da lei!

6, Além disto, o povo não tinha falado "impensadamente" ao declarar, em Êxodo 19:8: "Tudo o que o SENHOR falou, faremos". Pelo contrário, o Senhor falara em termos calorosos de aprovação em DeuteronÔmio 5:28-29: "Quem dera que eles tivessem tal coração que me temessem, e guardassem em todo o tempo todos os meus mandamentos, para que bem lhes fosse a eles e a seus filhos para sempre!" (cf. 18:18).19

Deve ser notado que até a aliança sinaítica teve seu início no amor, miseri-córdia e graça de Javé (Dt 4:37; 7:7-9; 10:15, passim). Quando Israel quebrava a lei de Deus, não perdia seu direito de herdar a promessa e sua certeza de trans-mitir a promessa aos seus filhos, assim como era o caso dos patriarcas, ou a linha-gem davídica mais tarde. Mesmo o envolvimento de Israel no incidente do bezerro de ouro não pôs término à fidelidade de Deus (Êx 32), Apenas ressaltava a neces-sidade da obediência para aqueles que alegavam ter experimentado a graça da

1 8 Patrick Fairbaîrn, An Exposition of Ezekiel (Evansville: Sovereign Grace Publisher®,

1960), págs. 215-16. 1 9 Notar também: J. Oliver Buswell, A Systematic Theoiogy of the Christian Religion,

(Grand Rapids: Zondervan, 1962), pág. 313: "As palavras en aute [Rm 10:5] e as palavras correspondentes em Gálatas 3:12, en autois, onde se cita a mesma passagem do Antigo^Tes-ta mento [l_v 18:5], não devem ser interpretadas como sendo instrumentais, mas, sim, como sendo locativos, indicando a esfera ou horizonte da vida de um homem piedoso . . . Moisés obviamente está descrevendo, não os meios de atingir a vida eterna, mas, sim, o horizonte dentro do qual uma vida piedosa na terra deve ser vivida." fkNew Scofield Reference Bible, E. Schuyíer English et aL, editores, (Nova torque: Oxford University Press, 1969), pá. 95, a-agora declara: "O 'se' do v. 5 é da essência da lei", e, portanto, "a razão fundamental porque 'a lei nunca aperfeiçoou coisa alguma' (Hb 7:18-19; cf. Rm 8:3)." Cremos que esta declaração ainda não atingiu o ponto fundamental. Mesmo a observação adicional com respeito à ordem não é correta: "Para Abraão, a promessa antecedeu a exigência; em Sinai a exigência antecedeu a promessa. Na Nova Aliança, a ordem abraãmica é seguida (ver Hb 8:8-12)."

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libertação da parte de Deus no Êxodo, e a verdade de que Deus é "compassivo, clemente e longânimo, e grande em misericórdia e fidelidade" (Êx 34:6).

A Lei de Deus Nenhuma fórmula apareceu com maior insistência durante este período

de tempo do que "Eu sou Javé", ou "Eu sou Javé teu Deus" (Lv 18:5, 30; 19:2, 4, 10, 12, 14, 16, 18, 25, 28, 30, 31, 32, 34, 37; 20:7, 8, 24, 26, passim). E eta era a base para toda e qualquer exigência imposta sobre Israel. Seu Senhor era Javé, o Deus que estava dinamicamente presente. E ainda mais: Ele era santo; Israel, portanto, não tinha escolha no assunto do bem e do mal se quisesse desfrutar da comunhão constante d Aquele cujo próprio caráter não tolerava nem toleraria o mal.

Para ajudar a jovem nação, recém-libertada de séculos de escravidão para os privilégios e as responsabilidades da liberdade, Deus deu Sua lei. Esta lei única tinha três aspectos ou partes: a lei moral, a lei civil, e a lei cerimonial.20

A Lei Mora!

O contexto das exigências morais de Deus era duplo: "Eu sou Javé teu Deus" e "Eu te tirei da terra do Egito, da casa da servidão" (Êx 20:2). Conseqüente-mente, o padrão de medição moral para decidir aquilo que era certo ou errado, bom ou mal, se fixava no caráter imutável e impecavelmente santo de Javé, o Deus de Israel. Sua natureza, atributos, caráter e qualidades supriam a vara de medida para todas as decisões éticas. Havia, porém, pela mesma prova, um ambi-ente de graça — o ato livre e amoroso da libertação do Egito* Israel não precisava observar a lei a f im de ser libertado do Egito. Pelo contrário, sendo que ele tinha sido redimido de modo tão dramático, a alavanca da obrigação não poderia ser facilmente rejeitada por Israel,

Se alguém duvidar que a graça estivesse no primeiro plano da lei, deve meditar cuidadosamente sobre a seqüência do Êxodo, a viagem para o Sinai, a graça de Deus para com Israel durante as peregrinações, e Seu perdão daqueles idólatras e sexualmente depravados que prestavam culto ao bezerro de ouro.

A forma da lei moral, como se acha principalmente nos Dez Mandamentos (Êx 20:2-17; Dt 5:6-21) era esmagadoramente negativa. Isto, porém, nada tinha

20 Para uma defesa da idéia de a lei ter "partes mais pesadas ou sérias", ver W.C. Kaiser, Jr.,

"THe Weightier and Lighter Matters of the Law: Moses, Jesus and Paul", Current issues in Biblical and Patristic interpretation: Studies in Honor of Merri/i C. Tenney, ed. G.F. Hawthorne (Grand Rapids: Eerdmans, 1975Ï, págs. 176-92.

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120 Teologia do Antigo Testamento

a ver com o tom ou o alvo daquela lei, Era simplesmente mais fácil exprimir as restrições dos fiéis em poucas palavras, porque a sua liberdade era bem vasta. Além disto, toda a moralidade tem dois lados de qualquer forma — todo ato moral é, ao mesmíssimo tempo, o refrear-se de um modo contrário da ação, e a adoção do seu oposto. Assim não faria qualquer diferença se a lei fosse colocada negativa ou positivamente. Além disto, quando um mal era proibido, como, por exemplo, o assassinato, aquela lei não era cumprida quando as pessoas meramente se absti-nham de violentamente arrancar a vida do seu próximo. Somente era "cumprida" quando homens e mulheres faziam tudo quanto lhes era possível para ajudar a vida dos seus vizinhos. A vida humana era considerada valiosa porque a raça humana foi feita è imagem de Deus, e assim sendo, a vida se baseava no caráter de Deus. A vida humana, portanto, tinha que ser preservada e encarecida tambémI Ninguém podia se recusar a fazer um e outro, i.e., recusar a conservar ou procurar melhorar a vida dos seus vizinhos. A inatividade no campo moral nunca poderia ser o cumpri-mento da lei; ela seria equivalente a um estado de morte. De Israel exigia-se algo mais do que meramente refrear-se de fazer alguma coisa proibida.

0 Decálogo, no entanto, contém três declarações positivas: "Eu sou o SE-NHOR teu Deus" (Êx 20:2); "Lembra-te do dia de sábado" (v. 8); e "Honra a teu pai e a tua mãe" (v. 12), A cada uma destas declarações com formas verbais nfiò-finitas as demais declarações negativas eram por sua vez subordinadas, 21

Estas três injunções positivas introduziram três esferas de responsabilidade humana:

1, O relacionamento do homem com seu Deus (Êx 20:2-7) 2, O relacionamento do homem com a adoração (vv. 8-11) 3, O relacionamento do homem com a sociedade (vv. 12-17).

Na primeira esfera de responsabilidade, ao homem foi ordenado que amasse a Deus com uma veneração interna e externa apropriada pela Sua pessoa e obra, A segunda esfera declarava a soberania de Deus sobre o tempo do homem, e a terceira definia a santidade de vida, do casamento, dos bens, da verdade, e dos desejos interiores,22

A Lei Cerimonia!

A mesma lei que fez tão grandes exigências da parte dos seres humanos também providenciou, para os casos de fracasso em atingir estes padrões, um

2 1 J. J. Owens, "Law and Love in Deuteromomy", Review and Expositor 61 {1964)574-83.

2 2 Para maiores detalhes, ver W.C. Kaiser, Jr,, "Decalogue", Baker's Dictionary of Christian Ethics, ed, C. F, H, Henry (Grand Rapids: Baker Book House, 1973), pigs. 165-67,

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sistema minucioso de sacrifícios. A parte sacrificial, no entanto, era apenas um dos três fios que pertencem à lei cerimonial. Era necessário tomar nota do taberná-culo com a sua teologia do "Deus que taberna cu lava" entre o Seu povo (um desen-volvimento deste aspecto será dado mais adiante), ea teologia da impureza e da pu-rificação.

Começando com o último em primeiro lugar, deve-se insistir que o " impuro" não era equacionado na mente do escritor com aquilo que era sujo ou proibido. O ensinamento desta seção das Escrituras não era que o asseio era a melhor virtude depois da piedade. Por valiosa que seja esta idéia, a palavra no texto era pureza, não limpeza.

Em palavras simples, a pureza significava que o adorador estava qualificado para se encontrar com Javé; " impuro" significava aquele que não tinha as qualificações necessárias para comparecer diante do Senhor. Esta doutrina estava intimamente vinculada com o ensino acerca da santidade. "Sede santos", insistia o texto repe-tidas vezes, porque "Eu o Senhor teu Deus sou santo"- Semelhantemente, a santi-dade no seu aspecto positivo era uma inteireza: uma vida inteiramente dedicada a Deus e separada para o Seu uso.

Muitas das ações básicas da vida deixavam a pessoa impura. Alguns destes atos eram freqüentemente inevitáveis — tais como cuidar dos mortos ou dar à luz — mas, mesmo assim, tornavam a pessoa impura. Ao invés de empregar esta palavra como seu título para ensinar higiene ou padrões sanitários, Moisés a empregava para fixar nas mentes dos adorados a "qualidade diferente" do ser e da moralidade de Deus em comparação com os homens.

Deus não mandara Moisés tirar as sandálias dos seus pés porque a terra em que pisava era santa? E por que assim? A atitude do íntimo do coração de Moisés não era preparo suficiente para um encontro correto com Deus? Obviamente que não! O preparo apropriado para a adoração também levava a atos externos que abrangiam a pessoa inteira e não somente o seu coração- Embora a primazia pertencesse a um coração aberto e arrependido, a humanidade ainda precisa adotar um ponto de vista santo quando se prepara para se encontrar com Deus, Ele era radicalmente diferente dos seres humanos em geral.

Os quebradores da lei, no entanto, não foram deixados sem remédio, A comu-nhão com Deus tinha como condição única a fé nEle mesmo e naquilo que promete-ra; se fosse quebrada pelo pecado, era retificada pelo perdão da parte de Deus, tendo como base um resgate conforme Deus mesmo ordenara. O princípio era: "A vida da carne está no sangue, Eu vo-lo tenho dado sobre o altar, para fazer expiação pelas vossas almas" (Lv 17:11). Sendo assim, os meios de tratar com o pecado foram pro-videnciados pelo próprio Deus, no sistema de sacrifícios.

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122 Teologia do Antigo Testamento

Nem todos os sacrifícios visavam o problema do rompimento da comunhão entre Deus e os homens. Alguns, tais como as ofertas pacíficas e as ofertas de comu-nhão eram tempos preciosos quando as pessoas compartilhavam entre si as dádivas de Deus, na presença dEie. Outros, porém, tais como os holocaustos, as ofertas pelo pecado, ou as ofertas pela culpa, eram especificamente previstos para preencher o hiato causado pelos efeitos danificadores do pecado,

0 perdão não podia ser barato, e não era, assim como o perdão humano exigia que alguém pagasse, se a realidade do perdão tinha que ser algo mais do que mero chavão. Da mesma forma, o perdão divino exigiria um preço. E aquele pagamento estava envolvido na teologia da expiação (hebraico: a raiz kpr).

Há, pois, quatro palavras hebraicas básicas que empregavam kpr: um "leão", uma "vila", "calafetar" um navio com piche como no caso da arca de Noé, e "res-gatar mediante um substituto", É esta quarta raiz de kpr, kipper, que nos interessa aqui.

Algumas pessoas têm argumentado que a quarta palavra se relacionava com a terceira, "calafetar", e com palavras cognatas do Oriente Próximo, que significavam "cobrir". O uso hebraico das palavras, porém, impunha algo diferente. A forma do substantivo indicava claramente que um substituto dalgum tipo sempre estava em vista (e.g., Êx 21:30; 30:12; Nm 35:31-32; SI 49:8; is 43;3-4).23 Assim, o verbo denominativo significava, da mesma forma: "livrar ou resgatar alguém mediante um substituto". O homem, por causa do seu pecado contra Deus, tinha de considerar a sua própria vida como confiscada por Deus; Deus, porém, tinha estipulado que as vi-das dos animais servissem como resgate, por enquanto, até que o Deus-homem mais tarde pudesse dar a Sua vida como o único substituto apropriado e f ina l

Quantos pecados podiam receber a expiação por este sistema em Israel? Todos os pecados devidos â fraqueza ou impetuosidade eram passíveis de expia-ção, tendo sido cometidos consciente ou inconscientemente. Levítico especifica-mente afirmou que o sacrifício pelos pecados voluntários era para pecados tais como mentira, fraude, perjúrio, ou extorsão {Lv 6:1-7). E, no grande dia da Expia-ção (Yom Kippur), "todos" os pecados de " todo" Israel, de "todos" que verdadei-ramente se arrependeram ("afligiram as suas almas" [Lv 16:16,21,29,31]} foram perdoados. Na realidade, a frase mais persistente em todas as instruções para sacrifí-cios dadas em Levítico era a garantia: "e ele será perdoado" (Lv 1:4; 4:20,26,31,35;

o ^

Leon Morris, The Apostolic Preaching of the Cross (Grand Rapids: Eerdmans, 1955), págs. 160-78 e J. Hermann, "Kipper and Kopper", Theological Dictionary of the New Testament, 9 vols,, Gerhard Kittel, ed.f e G.W. Bromley, trad. (Grand Rapids: Eerdmans, 1965), 3:303-10. Hermann concluiu dizendo: "Seria inútil negar que a idéia de substituição esteja pre-sente até certo grau", pág. 310.

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O Povo da Promessa: A Era Mosaica 123

5:10,16; 16:20-22}. Assim sendo, a distinção antiga mas falsa, entre os pecados conscientes, ou seja, "atrev ida mente", e inconscientes, ou seja, conforme se expli-cava, pecados cometidos em ignorância daquilo que a lei disse sobre o assunto, não era justificável- Os pecados inconscientes (bi^Pgãgâh), ou, melhor, cometidos "em erro", incluíam todos os pecados que surgiam das fraquezas da carne e do san-gue. O pecado de Números 15:27-36, porém, o pecado "atrevido" (beyâd rêmâh lit. "com mão alta"}, era claramente o de rebeldia contra Deus e Sua palavra. Assim foi explicado em Números 15:30-31: "injuria ao SENHOR.» pois desprezou a palavra do SENHOR", É isto que o NT chama de blasfêmia contra o Espírito Santo ou o pecado imperdoável. Era alta traição e revolta contra Deus, com o punho cerrado e levantado; um piquete contra o céu! Isto, porém, nâo tinha de ser colocado na mesma ciasse de pecados juntamente com o assassinato, o adultério e outros seme-lhantes. A traição ou blasfêmia contra Deus era muito mais séria, Realmente era um ataque contra o próprio Deus,

Se todos os pecados, a não ser a revolta imperdoável contra Deus, eram perdo-áveis, qual era o papel desempenhado pelos sacrifícios, e qual era a eficácia deles? Subjetivamente, eram muito eficazes.24 O pecador recebia, de fato, alívio comple-to. Seus pecados foram perdoados na base de palavra de um Deus fiel e de um subs-tituto aprovado por Deus. Naturalmente, a eficácia dependia também do estgdo do coração do pecador (Lv 16:29,31; e, mais tarde, SI 50:1(M3; Pv 21:27; Is 1:1 M 4 ; Jr 6:20; 7:21; Os 5:6; 6:6; Am 5:25; Mq 6:6-7). E houve alívio da penalidade e da lembrança dos seus pecados. No dia de Expiação havia dois bodes para indicar duas partes do mesmo ato — um bode foi morto como substituto a f im de que os peca-dos fossem perdoados, e outro bode foi levado embora Va z — "bode" — 'azai — "levar embora" — Lv 16:26) para ilustrar o fato de que estes mesmos pecados foram esquecidos no sentido de Deus já não Se lembrar deles contra Israel.

Não obstante, o pecado do homem ainda não foi objetivamente solucionado. O sangue de touros e bodes nunca poderiam levar embora ou remover o pecado, e o AT não alegava que o fazia {Hb 10:4)1 Estes eram animais substitutos, e não pes-soas; portanto, somente poderiam ser símbolos do sacrifício verdadeiro que ainda estava para vir. Assim sendo, houve, no ínterim, um "deixar impune" iparés/s —

Rm 3:25) dos pecados do AT, na base da Palavra declarada de Deus até que Ele mais tarde providenciasse o substituto final da parte d Ele mesmo, alguém que era verdadeiro homem, mas que não pecou.

24 Recebi grande ajuda no meu entendimento de partes deste argumento de Hobart

Freeman, "The Problem of Efficacy of Old Testament Sacrifices", Buffet in of Evangeficaf Theo-fogicaf Society 5 (1962): 73-79,

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124 Teo/ogia do Antigo Testamento

A Lei Civii

No que diz respeito à teologia, este aspecto da lei de Deus era a mera aplica-ção da lei moral às partes selecionadas da vida da comunidade, especialmente onde, naqueles dias, era provável o desenvolvimento de tensões. A verdadeira justiça e san-tidade da parte dos juízes e governantes devia ser medida pelas exigências do Decá-logo. Sendo assim, a lei ctvil ilustrava a sua prática nos vários casos ou situações com que a liderança se defrontava durante a era mosaica,

O Deus que Tabernaculava O fato individual mais importante na experiência desta nova nação de Israel

era que Deus viera "tabernacular" (lãkanj ou "habitar" no meio dela. Em nenhum lugar esta declaração foi feita com mais clareza do que em Êxodo 29:43-46, onde foi anunciado com respeito ao tabernáculo;

Ali [na entrada] virei aos filhos de Israel para que por minha glória se-jam santificados, e consagrarei a tenda da congregação e o altar... E ha-bitarei [taberna cu la rei] no meio dos filhos de Israel, e serei o seu Deus. E saberão que eu sou o SENHOR seu Deus, que os tirou da terra do Egi-to, para habitar no meio deles; eu sou o SENHOR seu Deus.

Agora ficou completa a promessa tríplice. Uma das fórmulas mais freqüentemente repetidas da promessa seria:

Eu serei seu Deus (ou deles) Vós (ou eles} sereis o Meu povo. E eu habitarei no meio de vós (deles}.

Já na primeira declaração com respeito ao assunto, a habitação de Deus com Seu povo era vinculada ao tabernáculo, De fato, um dos nomes do santuário de Deus em forma de tenda era miskãnf que claramente se relacionava com o verbo sãkan, "habitar, ter sua tenda, tabernacular". Usualmente, a língua hebraica prefe-ria empregar a palavra yasab "sentar-se, morar" quando falava de residência perma-nente, e era assim que fazia quando falava de Javé habitando no céu. No entan-to, conforme Frank Cross indicou, o verbo empregado invariavelmente quando o texto indicava a presença de Javé habitando com os homens na terra, no taber-náculo, e, mais tarde, no templo, era íakan.2 5 Dessa forma, pareceria, justamente

2 5 Frank M, Cross, J r , "The Priestly Tabernacle", The Biblical Archaeologist Reader, editores David N. Freedman e G. Ernest Wright (Garden City, N, Y.: Anchor Books, 1961), págs, 225-27.

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O Povo da Promessa: A Era Mosaica 125

como Cross sugeriu, que estes dois verbos contrastavam a transcendência fyãiab) divina com a imanência divina. E, no caso do tabernáculo, era o lugar onde faria a Sua residência temporária. Um novo sentimento da "proximidade" e presença ati-va de Deus estava para pertencer a Israel.

A única exceção a esta distinção achava-se no emprego de yãíab e seus derivativos para expressar o fato de que Deus estava "entronizado", ou sentava-se no trono,26 especialmente no emprego deste verbo em conexão com a peça central dos móveis no tabernáculo; "Aquele que está entronizado sobre os querubins" (1 Sm 4:4; 2 Sm 6:2; 1 Cr 13:6; SI 99:1; Is 37:16), A arca da aliança de Deus com seu propiciatório, ou lugar de expiação, sombreada pelos dois querubins, era a mais íntima de todas as expressões da proximidade de Deus ao Seu povo. Êxodo 25:22 comentou:

Ali virei a t i , e, de cima do propiciatório, do meio dos dois querubins que estão sobre a arca do testemunho, falarei contigo acerca de tudo o que eu te ordenar para os filhos de Israel.

A teologia do tabernáculo tinha de ser formada na declaração de propósito em Êxodo 25:8: "E me farão um tabernáculo, para que eu possa habitar fêãkan) no meio deles."27 O aspecto central deste tarbenáculo, tanto na teologia da expia-ção como na teologia da presença divina, era a arca da aliança de Deus.

A presença divina de Javé era tão central e tão significativa na era mosaica, que quatro outras formas se empregam para falar dela: a "face", "aparência" ou "presença" do Senhor fpãnfm}; Sua "glória" (kãbôd); o "anjo do Senhor" (mai f ak YHWH);e Seu "nome" (Sém). A passagem que vincula a maioria destes temas de pre-sença divina é Êxodo 33.28 Ali, Mo isés tinha pedido a Deus que lhe mostrasse Sua "glória" (v. 18), a f im de que pudesse ter a certeza de que a "face" l e., a "presen-ça" {vv. 14-15) de fato lhe iria adiante. A este pedido, Deus aquiesceu ao fazer toda a Sua "bondade" passar diante de Moisés, e ali Deus proclamou na frente de Moisés o "nome" Javé (v. 19). Protegido pela "mão" de Deus enquanto esperava "na fenda da penha", a realidade da presença de Deus foi verificada por Moisés enquanto via os "efeitos posteriores" ("minhas costas", ,ahòrãy) da radiância (glória) da presença

26 Ib id , pág. 226. 27

Para maiores detalhes, ver R.E. Clements, God and Temple: The Presence of God in Israel's Worship (Philadelphia; Fortress Press, 1965), págs. 35 e segs, e Gerhard von Rad, Teo-logia do Antigo Testamento, 1:234-36, Ele argumenta que a habitação permanente de Deus era vinculada à arca, enquanto o mô'edf "o encontro com Deus", estava em conexão com a tenda. o «

Page H- Kelley, "Israel's Tabernacling God", Review and Expositor 67 (1970): 488^89.

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126 Teologia do An tigo Testamento

de Deus depois de ter passado diante dete (vv. 21-23). Quanto ao anjo que acom-panharia a Israel, a promessa tinha ficado igualmente clara. Êxodo 23:20-21 de-clarou:

Eis que eu envio um Anjo diante de t i , para que te guarde pelo cami-nho, e te leve ao lugar que tenho preparado. Guarda-te diante dele, e ouve a sua voz, e não te rebeles contra ele, porque não perdoará a vossa transgressão; pois nele está o meu nome.

Ele era o mesmo que foi mencionado em Êxodo 32:34 como "meu Anjo [que] irá adiante de t i " , Se o nome — i.e., o caráter, natureza, ou atributos — de Deus esta-va "nefe", poderia Ele ser menos do que o Verbo não encarnado tabernaculando en-tre eles? De fato, a presença de Deus estava com Israel, e Ele lhe daria "descanso" (Êx 33:14). Para uma promessa tão importante como esta, Deus assinou Seu nome, por assim dizer, em Êxodo 29:46: "Eu sou o SENHOR",

A teologia daqueles dias girava em torno destes três conceitos predominantes: a redenção (do Egito), a moralidade, e a adoração. Conforme disse Bernard Ra mm:

O homem redimido é chamado para a moralidade; o homem moral é chamado à adoração, O homem redimido mostra seu arrependimento na qualidade de sua vida moral; demonstra a sua gratidão em sua ado-

~ 2 9 raçao.

79 Bernard Ramm, His Way Out (Glendale, Calif.: Regal Books, 1974}, p£g. 148,

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O espfrito e a teologia de Deuteronômio se estenderam muito além dos limites dos dias finais da era de Moisés, e até além dos limites de uma obra única. Deuteronômio serviu de introdução à maioria, se não a totalidade, dos profetas anteriores: Josué, Juízes, Samuel, Reis. A tese de Martin Noth, já referida no capítulo 4, considerava Deuteronômio até 2 Reis uma obra original que se propunha a escrever uma história de Israel de Moisés até ao Exílio, interpretando-a do ponto de vista da teologia. Esta interpretação foi uma das contribuições mais perspicazes aos estudos do AT neste século. Definir se foi a obra de um só autor que escreveu a maior parte de Josué -2 Reis, depois de se passarem as sombras da queda da Samaria em 721 a, C, e a queda de Jerusalém em 586 a. C,, é outra coisa. Pou-quíssimo debate, porém, pode existir quanto â motivação teológica básica e tonali-dade profética geral destes livros,

O estreito relacionamento entre Deuteronômio e os livros de Josué até 2 Reis, inclusive, que os estudiosos se deleitam em chamar obra do historiador deu-teronômico, pode se ver a cada passo. O lugar de primazia entre estas semelhanças é ocupado pela fraseologia deuteronômica que Moshe Weinfeld1 alistou com muitos pormenores.

1 Moshe Weinfeld, Deuteronomy and the Deuteronomic Schoo/ (Oxford: Clarendon Press, 1972), apêndice A, págs, 320-59. Ver também a lista de S. R. Driver, A Crítica! and Exegeticai Commentary on Deuteronomy (Nova Iorque Charles Scribner's Sons, 1916), págs, Ixxviii--Ixxxiv.

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128 Teologia do Antigo Testamento

Deuteronômio contribuiu, além da influência da linguagem e do estilo, com a tradição teológica básica. Segundo Gordon J. Wenham2, os livros de Deutero-nômio e Josué são vinculados teologicamente por cinco feitmotifs (razões básicas}: (1) a guerra santa da conquista; (2) a distribuição da terra; (3) a unidade de todo o Israel; (4) Josué como sucessor de Moisés; e (5) a aliança. Cada um destes cinco temas apareceu no primeiro capítulo de Josué: guerra santa (vv, 2, 5, 9, 11, 14); a terra (vv. 3-4, 15); a unidade de Israel (vv. 12-16); o papel de Josué {vv, 1-2, 5,17); e a aliança (vv, 3, 7-8,13, 17-18},3

Ainda há mais, porém. Nestes livros, a tradição da aliança abraâmico<laví-dica será vinculada à aliança sinaítico-mosaica. Por exemplo, Davi e seu sucessor reconheceram a sua obrigação quanto a obedecer à J'lei de Moisés", a guardar os estatutos, mandamentos e ordenanças de Deus aii escritos, a f im de prosperarem em todas as suas atividades e serem estabelecidos (1 Rs 2:1-4; 9:4-5). De fato, Salomão apelava livremente à obra antiga de Deus no Êxodo eà doação prometida da terra àquela geração {1 Rs 8:16, 20, 34, 36, 53).

Uma das preocupações mais imediatas, porém, que vinculavam as tradições patriarcais e mosaicas aos profetas anteriores de Josué — 2 Reis era a referência freqüente feita ao local que Javé escolheria, ou já tinha escolhido, para a habi-tação do Seu nome. Estreitamente vinculado com este conceito, havia o tema do "descanso", da "herança", que seria a possessão de Israel ao entrar na terra, Es-tas duas ênfases surgem como os dois temas teológicos dominantes da era pré--monárquica,

A teologia dos profetas anteriores, no entanto, é mais do que uma mera coleção de temas deuteronômicos. Para estes profetas anteriores (o que outras pessoas chamam de história deuteronômica de Josué-Juízes-Samuel-Reis), havia, conforme Dennis J. McCarthy já indicou,4 três declarações programáticas que dominavam tanto a história quanto a teologia desde o Êxodo até ao Exílio: Deu-teronômio 31, Josué 23, e 2 Samuel 7. Estas três passagens surgiram de três dos momentos mais emocionalmente carregados da história de Israel; O cântico fi-nal de Moisés (Dt 31), o discurso final de Josué (Js 23), e a declaração divina inesperada feita a Davi quando este planejava construir a casa de Deus {2 Sm 7). Estas declaraçoes-chave sublinhavam a ênfase profética nas bocas dos porta-

2 Gordon J. Wenham, "The Deuteronomic Theology of the Book of Joshua", Journal of Biblical Literature 90 < 1971 ) : 140-48.

3 Ibid-, p. 141. 4 Dennis J. McCarthy, " I I Samuel 7 and the Structure of the Deuteronomic History",

Journal of Biblical Literature 84 ( 1965) ; 131 -38.

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O Locaf da Promessa: A Era Pré-Monárquica 129

-vozes de Deus para os momentos mais cruciais m história e teologia de Israel, Seis outras passagens, no entanto, deram seqüência a estas três declarações pro-gramáticas, com discursos bem colocados pelos participantes principais naquela história {Js 1:11-15; 1 Sm 12; 1 Rs 8:14-61) ou a avaliação e resumo daqueles tempos feitos pelo próprio escritor (Js 12; Jz 2:11-23; 2 Rs 17:7-23}, Na reali-dade, duas passagens eram combinadas com cada um dos três textos programá-ticos, O padrão resultante foi o seguinte;

L Deuteronômio 31 A, Josué 1 B.Josué 12

II. Josué 23 A. Juízes 2:11-23 B. 1 Samuel 12

IIL 2 Samuel 7 A. 1 Reis 8 B, 2 Reis 17

Embora esta estrutura nos ajude a compreender o plano teológico glo-bal nos profetas anteriores (Josué — 2 Reis), não pode formar o progresso to-tal da teologia para a totalidade da história subseqüente de Israel, do Êxodo até ao Exílio - isto negligenciaria assuntos em demasia, e. g. a teologia sapiência! e os profetas posteriores. Sua adoção aqui não diminui o tema já descoberto nas eras pré-pat ria real, patriarcal ou mosaica. O tema de ambos os discursos de despedida, pronunciados por dois dos maiores líderes de Israel, Moisés e Josué, se centralizava no cumprimento momentâneo daquela promessa anunciada desde a antigüidade: uma terra, um descanso, e um locai escolhido por Javé (Dt 31:2-3, 5, 7, 11, 20, 23; Js 23:1, 4, 5, 13, 15). Estes três aspectos dominaram a transição da era mosaica para a era pré-monárquica.

A Herança da Terra Sessenta e nove vezes, o escritor de Deuteronômio repetiu a promessa que

Israel viria um dia a "possuir" e "herdar" a terra que lhe fora prometida- Espora-dicamente, vinculava esta promessa especificamente à palavra que Abraão, Isaque e Jacó receberam (Dt 1:8; 6:10, 18; 7:8; 34:4). Assim, Israel era forçado a rela-cionar a conquista iminente de Canaã, sob a liderança de Josué, com a promessa de Deus, e não a qualquer sentimento de superioridade nacional.

Tanto a terra de Canaã como o povo de Israel eram igualmente chamados "herança (naha!âh) de Javé" (1 Sm 26:19; 2 Sm 21:3; 1 Rs 8:36) ou Sua "pos-

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130 Teologia do Antigo Testamento

sessão" {*ahuzzâh, Js 22:19; yerussãh/ 2 Cr 20:11), Desde o tempo em que Êxodo 19:5 chamou Israel de "propriedade peculiar" (seguHâh)s de Javé, a nação veio a ser "povo próprio" de Deus no meio de todos os povos da terra (Dt 7:6; 14:2; 26:18) e "povo de herança" {'am naha!âhf Dt 9:26r 29; 32:8-9; 1 Rs 8:51, 53; 2 Rs 21:14).6 Assim é que Israel tornou-se o povo prometido, e Canaã, a terra prometida.

Em Deuteronômio, a terra veio a ser a área especial de enfoque. Repetidas vezes, em cerca de vinte e cinco referências, a terra foi chamada uma dádiva de Javé (Dt 1:20, 25; 2:29; 3:20; 4:40; 5:16, passim), E esta dádiva foi a mesma terra já prometida aos "pais" {Dt 1:8, 35; 6:10, 18, 23; 7:13; 8:1; 9:5; 10:11; 11:9, 21; 19:8; 26:3, 15; 28:11; 30:20; 31:7, 20-21, 23; 34:4). É difícil entender como von Rad queria confundir a questão, dizendo que, já que a terra pertence a Javé, "é agora bem claro que esta noção é de uma ordem totalmente diferen-te daquela da promessa da terra aos patriarcas antigos" 7 Sua linha de argumento não se sustenta diante das claras asserções do texto. Decerto, o fato de que Javé é o verdadeiro dono da terra não é -sinal de sincretismo com aspectos da religião cananita. Embora Baal pudesse ter sido considerado como Senhor da terra e doador de todas as bênçãos, na religião cananita, Javé era Senhor do mundo inteiro — Sua palavra criadora, para citar uma excelente frase de von Rad, já decidira aquela questão. Conseqüentemente, não havia dois pontos de vista quanto à herança da terra. Somente podia pertencer a Israel por ser, primeiramente, a terra de Ja-vé, e d Ele para dar a quem quisesse e por quanto tempo quisesse, Deuteronô-mio não começara com a mesma observação a respeito de alguns dos habitantes anteriores da Transjordânia? Os emins, horeus e zanzumins tinham sido desapos-sados e destruídos pelo Senhor (Dt 2:9, 12, 21) e todas as terras deles tinham sido dadas por Deus a Moabe, Edom e Amom, assim como Israel semelhante-mente recebera Canaã das Suas mãos. A comparação com Israel é feita naquele

5 A palavra "peculiar'' é derivada do latim, peculiar is que, por sua vez, se deriva de pecuüumé um termo técnico indicando os bens privados que uma criança ou um escravo tinha licença para possuir. Em Alalakh, o cognato siki/tu é a "possessão preciosa'' do deus. Devo a J. A. Thompson 3 origem desta matéria, Deuteronomy (Downers Grove, III.: Inter Varsity Press, 1975), págs. 74-75, n. 1,

6 Cf. J. Hermann, I fNaha!âh and Nahal in the Old Testament", Theological Dictionary of the New Testament, 10 vols., Gerhard Kittel, ed., e G.W, Bromiley, trad. (Grand Rapids: Eerdmans, 1965), 3769-76. Também Patrick D. Miller, Jr., "The Gift of God: The Deuteronomic Theology of the Land", Interpretation 22 {19691:451-61,

Gerhard von Rad, "The Promised Land and Yahweh's Land in the Hexateuch", The Problem of the Hexateuch and Other Essays, trad. E.W. True men Dicken (Nova Iorque: Mc-Graw-Hilt, 1966), pág. 88; idem, Teologia do Antigo Testamento, 1:296-301.

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O Loca! da Promessa: A Era Pré-Monárquica 131

mesmo contexto: "assim como Israel fez à terra da sua possessão, que o SENHOR lhes tinha dado" {Dt 2:12).

Concorda-se que Levítico 25:23 de fato declarou: "A terra é minha [diz Javé]; pois vós sois para mim estrangeiros e peregrinos". Isto, porém, estava em desacordo com as promessas feitas aos patriarcas que eles possuiriam a terra? Nunca na história de Israel ela possuiu totalmente a terra, terreno ou solo em nosso sentido da palavra; sempre lhe era concedida por Javé como feudo medi-ante o qual podia cultivá-la e viver nela por tanto tempo quanto servisse a Ele. Esta terra, porém, como o mundo inteiro, pertencia ao Senhor — como também pertencia a abundância que nela havia e as pessoas que nela viviam. Foi essa a lição ensinada a Faraó nas pragas repetidas ("Para que saibais que a terra é do SENHOR" [Êx 9:29]) e a Jó {"Pois o que está debaixo de todos os céus é meu" [41:11]), e mais tarde em Salmo 24:1 e naquele grande comentário acerca da aliança com Davi, Salmo 89: 11.

Da mesma forma, von Rad se preocupava demasiadamente com o fato de que a palavra "herança" (nahaiâh) era persistentemente empregada para indicar terras tribais, mas que em nenhum lugar no Hexateuco a terra inteira foi chamada "herança" de Javé.8 Havia, no entanto, exemplos do seu emprego com respeito à terra inteira. J. Hermann9 notou que era a incumbência de Josué dirigir Israel no empreendimento de tomar a terra inteira como "herança", ou, na forma verbal, "recebê-la por herança" {Dt 1:38; 3:28; 31:7; Js 1:6 - a forma hifil do verbo nèhai). Naturalmente, a ênfase do momento caía sobre cada tribo. Cada uma tinha que ser satisfeita separadamente e fazer a sua parte para receber o seu "quinhão" (hebeí - Js 17:5, 14; 193), "parte" (hêleq - Dt 105; 12:21; 14:27; 18:1; Js 18:5, 7, 9; 19:9), ou "sorte" {gôrãi - Js 14:2; 15:11; 16:1; 17:1; 18:11; 19:1, 10, 17,24, 32, 40, 51).

Antes disto, os patriarcas possuíram apenas uma pequena parte daquela terra, um local de sepultamento, como prenda do cumprimento futuro. Sendo assim, num sentido real, Canaã era "a terra das suas peregrinações" (Gn 17:8; 28:4; 36:7; 37:1; 47:1; Éx 6:4). Os patriarcas possuíam principalmente a promessa mas não a própria realidade total.

A terra era uma dádiva, mas Israel tinha de "possuir" fyãras) a mesma; assim sendo, o recebimento da dádiva tinha uma ação correspondente, uma ação militar. Ambas estas noções, conforme indicou Mil ler10, se localizavam lado a

8 IbicL págs, 82, 86. 9 Hermann, "Nahaiâh", p, 771.

1 0 Miller, " G i f t p . 454.

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132 Teologia do Antigo Testamento

lado na expressão "a terra que Javé lhes dá para possuí-la" (Dt 3:18; 5:31; 12:1; 15:4; 19:2, 14; 25:19), A soberania divina e a responsabilidade humana eram idéias complementares mais do que pares antitéticos,

0 que Deus deu somente poderia ser chamada uma "terra boa" {Dt 1:25, 35; 3:25; 4:21-22; 6:18; 8:7, 10; 9:6; 11:17) assim como a Sua obra na criação recebera Sua palavra de aprovação. Era uma "terra que mana leite e mel" (Dt 11:9; 26:9, 15; 27:3; 31:2o).11 De todas as maneiras, a herança prometida era uma dádiva encan-tadora — pertencia a Javé e dada em arrendamento a Israel como cumprimento parcial da Sua palavra de promessa. Nesta terra, Israel seria abençoado {Dt 15:4; 23:20; 28:8; 30:16), mas ênfase especial era dada ao abençoar o solo (28:8). Assim, a "bênção" de Deus mais uma vez veio a ser um dos conceitos vinculadores que uniam a teologia dos períodos anteriores com a da era pré-monárquica.

Descanso na Terra Uma das novas disposições acrescentadas à revelação do tema da promessa

que sempre se expandia, era a disposição de "descanso" para Israel.1 2 Este descanso era tão especial que Javé o chamou de descanso dEte (SI 95:11; Is 66:1). Foi precisamente este aspecto do tema da promessa que providenciou um vínculo-chave entre o fim do livro de Números e os tempos de Davi: os dois textos nos pontos opostos do período de tempo são Deuteronômio 12:9-10 e 2 Samuel 7:1, 11,

Em nenhuma parte das promessas patriarcais surgiu o "descanso" {menuhâh) como uma das bênçãos futuras da parte de Deus aos país ou a Israel. Quando, porém, surgiu pela primeira vez em Deuteronômio 12:9, entende-se que talvez já tenha sido conhecido na tradição do povo:

11 J, A. Thompson, Deuteronomy, págs. 120-21, notou que esta mesma frase aparece na Histófia Egípcia de Sinuhe [ANET, 18-25, linhas 80-90), quatro vezes em Êxodo (3:8,17; 13:5; 33:3), Levítico (20:24), quatro vezes em Números (13:27; 14:8; 16:13, 14), cinco vezes em Deuteronômio (ver acima).

1 2 Para um desenvolvimento das idéias desta seção, ver W. C., Kaiser, Jr., "The Promise

Theme and the Theology of Rest", Biblioteca Sacra 130 (1973): 135-50. Ver também Gerhard von Rad, 'There Remains a Rest for the People of God: An Investigation of a Biblical Conception", Hexateuch and Essays, págs. 94-102. Uma abordagem neotestamentária ao problema é E. Kàsemann, Das Wandernde Gottesvolk (Güttingen: Vandenhoeck and Ruprecht, 1957); J, Frankowskí, "Requies, Bonum Promissum populi Dei in VT et in Judaísmo (Hb 3:1-4:11)," Verbum Domini 43 (1965): 124-49; O. Hofius, Katapausis: Die Vorstellung von Endzeitlichen Ruheort im Hebräerbrief (Tübingen: J.C.B. Mohr, 1970); David Darneil, "Rebellion, Rest and the Word of God: An Exegetical Study of Hebrews 3: 1 -4:13" (dissertação de Ph. D,, Duke University, 1974); e Elmer H, Dyck, "A Theology of Rest" (dissertação de M.A., Trinity Evangelical Divinity School, 1975).

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O Loca! da Promessa; A Era Pré-Monárquica 133

Porque até agora não entrastes no descanso fn^nOhah) e na herança (naha!âh} que vos dá Javé vosso Deus.

Deve-se, porém, notar que o "descanso" (nüah) já havia sido prometido a Moisés em Êxodo 33:14 quando levou Israel para fora do Egito. Mais tarde, em Deu-teronômio 3:20, Moisés outra vez prometeu que o "descanso" (nüah) logo viria a todos os seus compatriotas ao possuírem a terra de Canaã. Ambas estas palavras eram cognatas do termo empregado em Deuteronômio 12:9. De fato, a raiz hebraica nüah "descansar", forneceu a maioria das palavras para o conceito de descanso. Cada vez que a forma hifil desta raiz era seguida pela preposição te t "para" mais uma pessoa ou grupo, usualmente se revestia de uma posição legal técnica. As-sim, em cerca de vinte ocorrências de hênfah íe, era um lugar concedido pelo Senhor (Éx 33:14; Dt 3:20; Js 1:13, 15; 22:4; 2 Cr 14:5); uma paz e alívio dos inimigos em derredor (Dt 12:10; 25:19; Js 21:44; 23:1; 2 Sm 7:1, 11; 1 Rs 5:18 [5:4]; 1 Cr 22.9, 18; 23:25; 2 Cr 14:6; 15:15; 20:30; 32:22 [leitura provável?]); ou uma cessação de tristeza e labutas no futuro (Is 14:3; 28:12).

O substantivo nfinühâh, "lugar de descanso", ou "descanso" veio a assumir um "status" técnico também. Quando Jacó abençoou a Issacar, a porção de terra dada a este foi chamada um "lugar de repouso" (Gn 49:15). Pelo que podemos per-ceber, este emprego ainda não era técnico, Não se pode, no entanto, negar as associações fortes de um "descanso" geográfico, espacial, e material em textos subseqüentes tais como Deuteronômio 12:9; 1 Reis 8:56; 1 Crônicas 22:9; Isaías 28:12; e Miquéias 2:10. Este "descanso" era um "local" onde Javé "plantaria" Seu povo, onde poderia viver sem nunca mais ser perturbado.

Havia, no entanto, algo mais neste "descanso" do que a geografia, O des-canso era onde parava a presença de Deus (nas peregrinações no deserto — Nm 10:33) ou onde Ele habitava (1 Cr 28:2; SI 132:8, 14; Is 66:1). Era, sem dúvida, por esta razão que Davi ressaltava o aspecto de fé e confiança como base para se entrar naquele descanso em Salmo 95:11. A condição não era automática.

Por enquanto, "descanso" significaria a qualidade de vida na terra da herança depois de ela ser ocupada. O próprio Javé daria a Israel descanso na terra (Dt 3:20; 12:10; 25:16). Assim Josué 21:44-45 resumiu a promessa e sua realidade:

O SENHOR lhes deu repouso em redor, segundo tudo quanto jurara a seus pais; nenhum de todos os seus inimigos resistiu diante deles; a todos eles o SENHOR lhes entregou nas mãos. Nenhuma promessa falhou de todas as boas palavras que o SENHOR falara à casa de Israel: tudo se cumpriu.

Isto, porém, acabou dando origem a um enigma. Se Josué cumprira o descanso prometido, o que alegava 2 Samuel 7:1, 11, já que surgiu de um período posterior?

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134 Teologia do Antigo Testamento

E corno é que se podia chamar a Salomão, de tempos ainda posteriores, um "ho-mem de descanso" (1 Cr 22:9; 1 Rs 8:56)? Como é, outrossim, que devemos enten-der os aspectos espirituais e materiais do descanso? A solução destas questões pode ser achada no ponto de vista do AT de cumprimento, Gerações especialmente no-meadas recebiam a sua participação na completação do plano único de Deus, Esta, de uma só vez, servia como confirmação parcial da palavra divina de longo afcance, e como prestação contemporânea do cumprimento. Esta última, por sua vez, fun-cionava simultaneamente como meio de vincular aquela palavra ao seu cumpri-mento último ou culminante, uma vez que estes tipos de cumprimento, periódicos e em prestações, eram genericamente parte integrante daquele evento último. Sendo assim, havia um significado único na mente do autor, embora este pudesse conhecer ou experimentar múltiplos cumprimentos daquele único significado! Não se pen-sava que a promessa tivesse recebido o seu efeito final mesmo no aspecto da ter-ra.13 Dessa forma, o descanso era mais do que a entrada na terra e a sua divisão entre todas as tribos; tinha de ser, também, uma condição final que permearia a terra inteira. Assim, depois de Israel ter entrado na terra, recebeu a advertência de que somente desfrutaria da qualidade de vida que Deus planejara para ele se continuamente obedecesse aos Seus mandamentos (Dt 4:10; 12:1; 31:13). A exten-são da possessão que Israel exercia sobre a terra também era importante, antes que se pudesse dizer que a promessa fora completamente cumprida.

Foi desta maneira, também, que Estêvão expressou o assunto no seu discurso em Atos 7:4-5:

Deus o trouxe para esta terra , , . Nela não lhe deu herança , . , mas prometeu dar-lhe a posse dela, e depois dele à sua descendência.

A ênfase de Josué 21:43-45 ainda recata sobre a palavra prometida que não desapontara Israel, e que nunca o faria. Era outro assunto saber se Israel manteria seu privilégio de permanecer na terra. Tinha que escolher entre a vida e a morte, o bem e o mal. Escolher a vida e o bem era "obedecer" a um mandamento que resumia os demais: Amai ao Senhor vosso Deus. A presença do condicional "se" não abria o caminho para "um declínio da graça para a lei",14 assim como não o fazia para os patriarcas ou para a geração de Moisés, e muito menos para a aliança davídica que ainda estava para vir! Sendo assim, a promessa de se herdar o descanso de Deus era protegida mesmo na eventualidade de pecados subseqüentes pelos

3 Numa conexão diferente, ver von Rad, Teologia, 2:383, 4

Conforme a sugestão de von Rad, "Promísed Land", Hexateuch and Essays, pág. 91.

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O Locaf da Promessa: A Era Pré-Monárquica 135

descendentes dos recipientes, 0 descanso não era nenhum cheque em branco mediante o qual as gerações futuras poderiam furtar-se dos padrões de Deus, na base dos lauréis dos seus pais. Esta promessa somente lhes pertenceria se eles se apropriassem dela mediante a fé — este era o benefício espiritual e imediato do "descanso",

No seu cumprimento final, o Deus do descanso — cuja casa de "descanso" (nrPnühâh) continha a arca da aliança do Senhor e Seu escabelo (1 Cr 28:2), edifi-cada pelo "homem de descanso" a quem Deus dera descanso de todos os seus inimigos (1 Cr 22:9) — mais uma vez descansaria no Seu templo na era messiânica futura (SI 132:14; cf, 2 Cr 14:6), "naquele dia" quando "o Senhor tornará a estender a mão para resgatar o restante do seu povo" (Is 11:11). É neste contexto que uma série de salmos (93-100) — designados variadamente como "Salmos Apocalípticos", "Salmos Teocráticos" (Delitzsch), "Salmos do Milênio" (Thor-luck}, "Cânticos do Milênio" (Binnie)r "Grupo de Salmos Milenários" (Herder), "Salmos da Segunda Vinda" (Rawlinson), "Salmos de Entronização" (Mowinckel), ou "Salmos Reais" (Perowne) — nos quais se descreve o Senhor como Rei reinando sobre todos os povos e terras (Salmos 93:1; 96:10; 99:1), que o Salmo 95 levantou a oferta de outra vez se entrar no descanso de Deus. Para o salmista, aquela antiga oferta de descanso era, em última análise, vinculada aos acontecimentos da segunda vinda. Parece que qualquer outro descanso era apenas um "antegozo", ou sinal, do descanso sabático final que ainda estava para vir no segundo advento.J 5

O Lugar Escolhido na Terra Uma das frases mais calorosamente debatidas na teologia de Deuteronômio

é a assim-chamada centralização do culto sacrificial num único santuário em Jeru-#

salém. De fato, este trampolim foi o ponto de partida e pedra-chave de todas as demais deduções feitas no sistema de Wellhausen de crítica literária.16 A ale-gação feita foi que as exigências cülticas de Deuteronômio eram um claro avanço comparadas com a lei do altar no "Livro da Aliança" do Sinai:

Um altar de terra me farás, e sobre ele sacrificarás os teus holocaustos, as tuas ofertas pacíficas, as tuas ovelhas e os teus bois; em todo lugar onde eu fizer celebrar a memória do meu nome, virei a ti, e te abençoarei.

- Êxodo 20:24.

15 Ver W.C Kaiser, "Promise Theme", págs. 142-43. Ver também nossa discussão de Hebreus 3:7 — 4:13 nas págs. 145-49 daquele mesmo artigo.

1 6 J. Wellhausen, Prolegomena to the History of Israel, trad. J. S. Black e A. Menzies (Edimburgo: T & T. Clark, 1885), pág, 368.

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136 Teologia do Antigo Testamento

Isto quer dizer que â lei siriaítica limitava a prática de sacrifícios apenas aos luga-res santificados pela presença divina — aqueles lugares nos quais Deus ordenou que Seu nome fosse lembrado porque foi em cada um destes locais que Ele Se encontrara com Seu representante ou povo.

Será, porém, que Deuteronômio estava invertendo estas direções sinaíticas quando mandou que Israel buscasse ao Senhor:

No lugar [sítio] que Javé escolher para ali por o seu nome (Dt 12:5,

11, 21; 14:23-24; 15:20; 16:2, 6, 11; 26:2)

ou

No lugar que o SENHOR escolher (Dt 12:14, 18, 26; 14:25; 16:7, 15-16; 17:8, 10; 18:6; 31:11; Js 9:27)?

Tanto as leis do Deuteronômio como as do Êxodo insistiam que o local do sacri-fício devia ser indicado e escolhido pelo Senhor, e não pelos homens. Os sacrifí-cios não podiam ser oferecidos "em todo lugar que vires" (Dt 12:13).11

Além disto, quando se examina o contexto de Deuteronômio 12, o contraste não é entre muitos altares a Javé e um dos ditos altares; pelo contrário, o con-traste é entre aqueles altares erigidos a outros deuses, cujo nome deve ser destruído, e o "lugar" onde haveria de permanecer o nome de Javé (vv. 2-5). Assim, ao invés de revogar a legislação sinaítica, Deuteronômio edificou sobre ela. Mais uma vez, ouvimos falar de um "lugar" (maqôm) onde Javé "faria Seu nome ser lembrado" {ou "habitar"), onde se poderiam fazer sacrifícios e ofertas, e onde a bênção se resultará.18

A atenção dos estudiosos, porém, se focalizou no artigo e no número do subs-tantivo na expressão "o lugar" em Deuteronômio 12:5, 14. Oestreicher argumentou que o artigo era distributivo e não restritivo, e que a falta de artigo na expressão "numa das tuas tribos" (v. 14) devia receber uma interpretação generalizada, devido a uma expressão análoga no escravo fugitivo em Deuteronômio 23:16 [17].19

Assim sendo, a tradução de Deuteronômio 12:14 seria:

Em cada lugar que Javé escolher em qualquer das tuas tribos.

17 Kol hammãqôm; (cf. Gn 20:13; Dt 11:24; Js 1:3), M. H. Segal, The Pentateuch: its Composition and Its Authorship (Jerusalém: Magoes Press, 1967), pág. 87, n. 17,

1 8 Conforme o argumento de G.T Manley, The Book of the Law (Londres: Tyndale Press,

1957), pág. 132. 19 Th. Oestreicher, "Dtn xii. 13f. im Licht von xiiL 16f., "Zeitschrift für a/ttestamen-

tfiche Wissenschaft 43 (1925): 246-49. Deuteronômio 23:16 seria traduzido: "Contigo ficará [o escravo], em qualquer lugar que escolher entre tuas cidades" [grifos meus}

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O Loca/ da Promessa; A Era Pré-Mo nárq uica 137

O singular na expressão "o lugar" indicaria uma classe de lugares e não uma locali-dade única, assim como aconteceu em Deuteronômio 23:16.

E. W. Nicholson, no entanto, discordou desta analogia- O sujeito da lei de Deuteronômio 23:16 era uma classe de pessoas, a saber, escravos fugitivos procurando refúgio, enquanto o sujeito da lei de Deuteronômio 15:5-7 era Javé. Além disto, o singular "lugar" seria estranho se o escritor quisesse dizer; "nos lu-gares que Javé escolher nas tuas tr ibos".20 Os argumentos de Nicholson, con-trários aos de Oestreicher, são provavelmente corretos, Ainda assim, não bas-tam para apoiar uma hipótese de centralização. 0 assunto não versava sobre um altar de Javé contra muitos altares de Javé — nada se diz quanto a este tópico. Trata-se apenas da intenção de Javé de colocar o Seu nome num local ainda não mencionado por nome, depois de o povo chegar em Canaã, Na realidade, Deutero-nômio 27:1-8, com sua injunção para construir um altar no monte Ebal, levanta uma falha fatal para a teoria do altar centralizado. "Manifestamente ordena aquilo que, supostamente, a lei proíbe, e, para piorar tudo, emprega as próprias palavras de Êxodo 20:24 que Deuteronômio supostamente revoga".21

No máximo, Deuteronômio ensinava que Javé selecionaria um local em Canaã depois de ter ajudado Israel a "herdar" a terra e achar o "descanso" (Dt 12:10-11) de modo semelhante àquilo que fizera no passado, Faria "habitar seu nome" no lugar escolhido por Ele, Esta promessa vinculava a teologia de Emanuel e da glória Sequiná das eras patriarcal e mosaica. E assim como Deus escolhera um homem entre toda a humanidade, a saber: Abraão, e uma tribo entre os doze filhos de Jacó, a saber: Judá, assim também agora escolheria um lugar, em uma das tribos, no qual Seu nome habitaria. Ali faria a Sua morada (12:5), e ali Israel viria para adorá-Lo. De muitas maneiras, funcionaria da mesma maneira como o tabernáculo funcionara durante tanto tempo.

O Nome Habitando na Terra Há três outras expressões teologicamente importantes, vinculadas com a

promessa do "lugar". São frases nas quais Javé promete:

1, "Fazer habitar fêakan) o seu nome ali" (Dt 12:11; 14:23; 16:2, 6, 11; 26:2),

'2 0 E-W. Nicholson, Deuteronomy and Tradition (Philadelphia: Fortress Press, 1967), págs. 53-54, Cf. pág. 53, n. 1 para uma lista dos que questionam a exegese dele. Acrescentar a isto Manley, Book,

21 Manley, ibid., pág, 134; cf. também James Orr, The Problem of the Old Testament

(Londres: J. Nisbet & Co,, 1909), págs. 174-80; Gordon J. Wenham, "Deuteronomy and the Central Sanctuary," Tyndale Bulletin 22 (1971): 103-18, esp. 110-14.

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138 Teologia do An ti go Te stamen to

2. "Pôr fsTm) o seu nome ali" (Dt 12:5, 21; 14:24; 1 Rs 9:3; 11:36; 14:21; 2 Rs 21:4, 7; 2 Cr 6:20; 33:7).

3. "O meu nome estará ali" (1 Rs 8:16, 29; 2 Rs 23:27).

Tira-se demais desta matéria quando alguns, seguindo von Rad, fazem com que esta "teologia do nome" tome o lugar da "teologia da glória" mais antiga, decla-rando que o próprio Javé já não fica pessoalmente presente na arca da aliançar

mas que, agora, é somente Seu nome que fica presente.22 O próprio von Rad notou, porém, que o "nome" já estava presente em Êxodo 20:24 e Êxodo 31, O "nome" aqui, como na teologia antecedente, representava a totalidade do ser, do caráter e da natureza, assim como foi empregada a palavra "nome" na proi-bição dada no Sinai quanto a tomar o nome do Senhor Deus em vão. Roland de Vaux não podia concordar com von Rad, tampouco. Estas três frases signifi-cavam "reivindicar a propriedade",23 Embora seja verdade que a "santa habi-tação" {me'ôn qòdeS — Dt 26:15} de Deus, e o "lugar da sua habitação" {mekôn hbet - 1 Reis 8:30, 39, 43, 49) fiquem no céu, a segunda expressão também se acha no Cântico do Mar (Êx 15:17) em paralelismo com o "santuário" do Senhor,

A questão parece ser que Deus é transcendente por ter Sua moradia per-manente (ysb, ibt) no céu; é, porém, imanente também, sendo que habita (skn) na terra (Êx 25:8; 29:45; Lv 26:11; Nm 16:3) na Sua glória, no Seu anjo, no Seu nome e, agora, num "lugar" que Ele ainda iria escolher (Dt 12:5), Não existe nenhuma evidência no sentido de que Deuteronômio ou Moisés rejeitavam de qualquer forma este assim-chamado conceito dialético da habitação divina. O céu não é a moradia exclusiva de Deus — Ele pode "sentar-se" ou "estar entro-nizado" ali, mas Ele também "tabernaculava" na terra. E Deuteronômio acres-centou á lista das Suas manifestações de Si mesmo a Israel — o lugar onde faria Seu nome (Sua pessoa) habitar. Aquilo de que Deus já era dono, Ele agora aberta-mente possuiu ao mandar "colocar" ou "chamar" Seu nome sobre ele.

A Conquista da Terra Javé era conhecido como um "Homem de guerra" depois da Sua célebre

vitória no mar Vermelho (Êx 15:3). Mesmo antes de haver um rei para ser líder de Israel, o Senhor safa à frente do exército israelita (Jz 5:5, 13, 20, 23). E as regras para tais guerras foram dadas em preceitos legais explícitos em Deuteronô-mio:

o <} Gerhard von Rad, Studies in Deuteronomy {Chicago: Henry Regnery Co., 1953),

págs. 38-44, 2 3 Conforme citação por Weirifeld, Deuteronomy, pág. 194, n. 2.

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O Local da Promessa: A Era Pré-Monárquica 139

1. As leis das batalhas <20:1-15). 2. As leis acerca de lindas prisioneiras {21:10-14). 3. A destruição dos santuários cananitas (12:1-4). 4. 0 extermínio dos habitantes anteriores (20:16-20). 5. A purificação antes da batalha (23:9-14), 6- A guerra com Amaleque (25:17-19),

Estas leis foram ilustradas em Josué 1-11, onde quatro descrições inteiras deste tipo de guerra foram dadas com detalhes;

1. A conquista de Jericó (Js 6), 2. O segundo ataque a Ai (Js 8). 3. A campanha no sul (Js 10). 4. A campanha no norte (Js 11).

Duas outras descrições registraram a falha de Israel em levar a efeito este tipo de guerra:

1. O primeiro ataque a Ai (Js 7). 2* O tratado com os gibeonitas, não aprovado (Js 9).

Gerhard von Rad chamou estas guerras de "guerras santas".24 Na realidade, eram "guerras de Javé" (1 Sm 18:17; 25:28); portanto, não se devia dar início a tais batalhas, por parte de qualquer líder ou grupo, sem primeiramente consultar ao Senhor (1 Sm 28:5-6; 30:7-8; 2 Sm 5:19, 22, 23). Depois de Israel ter recebido da parte de Javé a certeza de que a batalha que se esperava era d Ele próprio, então soavam-se as trombetas, e surgia o grito: "Javé entregou o inimigo em nossas mãos" (Jz 3:27; 6:3; 7:15; 1 Sm 13:3). A guerra começava oom a promessa de Javé quanto ao sucesso, e com uma exortação para lutar com coragem, Israel precisava apenas confiar e não temer (Js 1:6, 9; 6:2; 8:1; 10:8; 11:6). Os homens eram então "con-sagrados" ao Senhor, pois a sua missão os separava de toda atividade mundana (1 Sm 21:6; 2 Sm 11:11). Javé ia à frente do exército e habitava no arraial (Dt 23:14; Jz 4:14) e "pelejava" em prol de Israel (Dt 1:30). O líder militar do exér-cito, embora freqüentemente especialmente dotado com poderes, dependia do Senhor em última análise, porque Ele podia salvar por muitos ou por poucos (Jz 7:2 e segs.; 1 Sm 13:15 e segs.). Isto foi vividamente demonstrado na visão que Josué teve do "comandante do exército do Senhor" que ficava em pé, com a espada na mão, pronto para agir (Js 5:13-15). No auge da batalha, Javé enviou terror ou pânico (mehümâh, harnam} ao coração do inimigo, o que levou à sua derrota (Js 10:10; Jz 4:15; 1 Sm 5:11; 7 : 1 0 f p a s s i m ) .

2 4 Von Rad, Studies, pägs. 45-59; idem, Der heilige Krieg im alten Israel (Zurich: Zwingti Verlag, 1951); Gordon J. Wenham, 'The Deuteronomic Theology of the Book of Joshua", Journal of Biblical Literature 90 (1971): 141-42.

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140 Teologia do Antigo Testamento

Neste tipo de guerra, ninguém devia tomar despojos, porque tudo nesta guerra está sob "interdição" (hêrem = hêramf "destruir totalmente" — Dt 20:17; 2:34; 3:6; 7:2). Era a propriedade exclusiva do Senhor, tinha, portanto, de ser totalmente dedicada à destruição (Js 6:17-27; 1 Sm 15:3), Coisas que não podiam ser queimadas, tais como objetos de prata, ouro ou ferro, tinham de ser colocadas no santuário de Deus, A "interdição" era o oposto do holocausto voluntário medi-ante o qual o ofertante de livre vontade entregava o animal inteiro num ato de submissão total {Lv 1; cf. Rm 12:1-2). Aqui, Deus, depois de muita longanimidade e espera divinas, exigiu tudo quanto já Lhe pertencia desde o início — a vida, possessões, valores, como holocausto involuntário. O assunto abrangia mais do que a mera destruição; era uma "punição religiosa" que significava "a separação da esfera profana e a entrega ao poder de Deus",25 Assim como Deus predissera a Abraão, Ele esperaria até que se enchesse "a medida da iniqüidade dos amorreus" (Gn 15:16). E esperou mesmo — durante seiscentos anos! Agora, Josué estava cumprindo aquela palavra.

A teologia deste tipo de conquista enfatizava o padrão da prioridade do mandamento divino e a fidelidade com que aquela palavra divina seria cumprida. Quando os homens eram responsavelmente obedientes, então Deus ficava soberana-mente presente; e.g,, na campanha de Israel no sul: "O SENHOR fez cair do céu sobre eles grandes pedras" (Js 10:11), porque "o Senhor pelejava por Israel" (v. 14). Quando, porém, os israelitas "não pediram conselho ao SENHOR" (Js 9:14), ou quando tentaram atacar Ai depois de o pecado individual de Aca, em furtar de Deus aquelas coisas em Jericó que eram "dedicadas a destruição", deixar uma nuvem de impureza moral sobre a totalidade do povo (7:11, 13, 19), os resultados eram catastróficos e vergonhosos,

A História Profética na Terra Além do cumprimento da promessa abraâmica da terra, com a sua anteci-

pação da conquista, distribuição, descanso e lugar para o nome de Deus habitar, havia outro elemento teológico importante em Deuteronômio e nos profetas anteriores. Era a estrutura que se acha em Josué até 2 Reis, e mencionada antes neste capítulo. No caso do livro dos Juízes, o sentido e o significado das narrativas achava-se no ciclo familiar de apostasia, punição, arrependimento, compaixão divina, um libertador, e um período de descanso na terra. Este ciclo foi declarado

2 5 Johannes Bauer, "Bari" (= 'Interdição"), Sacramentum Verbi (Nova Iorque: Herder & Herder, 1970), 1:55. Cf- também G.FL Driver, "Herbrew Homonyms", Vetus Testamentum Suppfements 16 (1967):56-59, que percebe duas raízes por detrás de herem: hrmr acadiano haramu "cortar, separar", e hrm, árabe harama, "proibido, declarado i l íci to".

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O Local da Promessa: A Era Pré-Monárquica 141

pela primeira vez em Juízes 2:11 — 3:6, mas, subseqüentemente, serviu como esboço para as experiências de várias gerações. Teologicamente, o aspecto mais significante era, conforme observou Carl Graesser, Jr.,26 que as frases, os conceitos e as ênfases teológicas eram os do livro de Deuteronômio. Compare-se:

Juízes 2:11 com Deuteronômio 4:25; 6:13, Juízes 2:1 2 com Deuteronômio 4:25; 6:14. Juízes 2:14 com Deuteronômio 6:15.

O impacto de Deuteronômio sobre Juízes 2:11-14 foi tão pesado como fora sobre Josué 1:2-9 onde, segundo Graesser, "mais do que cinqüenta por cento" daquele discurso poderia "ser reproduzido palavra por palavra de versículos em Deutero-nômio".27 Compare-se:

Josué 1:2 com Deuteronômio 5:31, Josué 1:3-4 com Deuteronômio 11:24. Josué 1:5 com Deuteronômio 11:25; 31:6. Josué 1:6 com Deuteronômio 31:23, Josué 1:7-8 com Deuteronômio 5:32. Josué 1:9 com Deuteronômio 31:6-

Qual era, no entanto, a chave ou conceito organizacional que fazia com que esta história fosse mais do que apenas um relatório enfadonho de fracassos constantes? Qual era a utilidade de dar os pormenores destas narrativas, mesmo para aqueles dias, e muito menos para as gerações futuras? Cremos que Hans W. Wolff tenha corretamente identificado aquela porção perdida de teologia, na doutrina do arrependimento,28

O Arrependimento e a Bênção

Juízes 2:7 começou com uma nota ominosa, dizendo que enquanto Josué vivia, o povo servia ao Senhor. A partir de então, porém, a história era sempre a mesma: "Fizeram o que era mau diante do SENHOR • . . Deixaram a Javé. *. e

26 Carl Graesser, Jr.: "The Message of the Deuteronomic Historian", Concordia Theological

Monthly 39 (1968): 544, n. 10* Para uma lista completa de linguagem "deuteronômica", ver S. R. Driver, introduction to the Literature of Old Testament (Nova Iorque: Meridian Books, 1956), págs. 99-102. Ver também Weinfeld, Deuteronomy, apêndice A, págs, 320-59 e S. R, Driver, Commentary on Deuteronomy (IMova Iorque: Charles Scribner's Sons, 1916), LXXVIII-LXXXIV.

27 Ibid., pág. 545, n. 19. 28 Hans Walter Wolff, "The Kerygma of the Deuteronomic Historical Work", The Vitality

of Old Testament Traditionsr Walter Brueggemann e Hans W, Wolff, co-autores (Atlanta: John Knox Press, 1975), págs. 83-100.

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foram-se após outros deuses. • . Pelo que a ira do SENHOR se acendeu contra Israel,, , e os entregou na mão dos seus inimigos ao redor" {Jz 2:11-12, 14). Então "clamaram a Javé (Jz 3:9; 4:3; cf. também 1 Sm 12:19) — e aí estava. O grande sofrimento finalmente achava uma vozr e Israel, desesperado, ia "voltando" $üb) ao Senhor.

A base para esta injunção achava-se em Deuteronômio 30:1-10. Trás vezes, a palavra-chave "converter-se" foi repetida (vv. 2, 8, 10). "E se te converteres a Javé teu Deus.. . com todo o teu coração, e com toda a tua alma", então Deus voltaria a abençoar o Seu povo.

O primeiro emprego profético do termo "arrepender-se", "voltar" ao Senhor, aparece em 1 Samuel 7:3,

Se é de todo o vosso coração que voltais (sãbfm) a Javé, tirai dentre vós os deuses estranhos e os Astarotes, e preparai o vosso coração a Javé, e servi a ele só, e ele vos livrará da mão dos filisteus.

Wolff achou em 1 Reis 8:46 e segs. "a conexão mais impressionante" com Deuteronômio 30:1-10 — especialmente a frase rara "tomar algo ao coração" (hêSíb 'el lêb - Dt 30:1b e 1 Rs 8:47a [traduzida: "recordar se" e "lembrar-se"]; cf, também 1 Sm 7:3), Duas vezes durante sua oração de dedicação do templo, Salomão orou para que Deus fosse misericordioso para com Israel se este povo "se arrependesse" e "voltasse" a Ele (1 Reis 8:46-53).

Semelhantemente, 2 Reis 17:13 resumiu a mensagem "por intermédio de todos os profetas e de todos os videntes" de Israel e Judá, Era simplesmente "vol-tai-vos" (subu):

Voltai-vos fsubü) dos vossos maus caminhos, e guardai os meus man-damentos e os meus estatutos, segundo toda a lei que prescrevi a vossos pais e que vos enviei por intermédio dos meus servos os profetas.

A mesma palavra também se podia empregar no mais alto elogio já dado a qualquer rei israelita. Foi dito com respeito ao rei Josias em 2 Reis 23:25:

Antes dele não houve rei que lhe fosse semelhante, que se convertesse (sãb) a Javé de todo o seu coração, e de toda a sua alma, e de todas as suas forças, segundo toda a lei de Moisés; e depois dele nunca se levantou outro igual.

Ele era fiel ao tipo davídico; era, porém, fiel ao mandamento sinaítico também, Não havia dualidade aqui. Era uma e a mesma coisa. De fato, a diferença entre as vidas dos reis de Israel e Judá, quanto à moralidade e à religião era tão marcante que Davi e Jeroboão ficaram sendo, respectivamente, padrões de piedade e de

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O Loca/ da Promessa; A Era Pré-Monárquica 143

impiedade, Todo rei do norte era condenado porque "andou no caminho de Jero-boão, fifho de Nebate, e no seu pecado, o qual fizera Israel cometer" (1 Rs 14:16; 15:26, 30, 34; 16:26; 22:52; 2 Rs 3:3; 10:29, 31; 13:2, 6; 14:24; 15:9, 18, 24, 28; 23:15; cf. também 1 Rs 12:30; 13:34; 2 Rs 17:21-22). De qualquer rei bom de Judá, dizia-se: "Andou diante de Mim como Davi, seu pai" (1 Rs 3:3, 14; 11:4, 6, 33, 38; 14:8; 15:3, 5, 11; 2 Rs 14:3; 16:2; 18:3; 22:2).

De todos os reis de Israel e de Judá, somente Ezequias e Jostas recebem louvores incondicionais, enquanto seis outros — Asa, Josafá, Joás, Amazias, Uzias e Jotão — receberam encómios qualificados. Os demais consistentemente despre-zavam os mandamentos e orgulhosamente se recusaram a arrepender-se.

O arrependimento era a base para qualquer nova obra de Deus após um período de fracasso. E o resultado daquele arrependimento era o "bem" (tôb) que Deus lhes faria. Foi Walter Brueggemann29 que indicou este tema de "bon-dade" como paralelo ao tema de "arrependimento" ressaltado por Wolff, Para ele, este tema era um termo da aliança. Falar "bem" ou "corretamente" (tôb) em tudo quanto disseram {Dt 5:28; 18:17) era, para Israel, honrar um tratado formal ou obrigação de aliança (cf. as únicas duas outras ocorrências, 1 Sm 12:23; 1 Rs 8:36; e talvez 2 Rs 20:3}.30

Num sentido mais lato, porém, Israel também era recipiente do "bem". Como tal, o "bem" funcionava como sinônimo para saíôm, "paz", no seu sentido mais compreensivo e santo, conforme Brueggemann observou, enquanto em Deute-ronômio 30:15, o "bem" era um sinônimo da "vida".3 1 Assim, cada "bênção" (que a esta altura já era um termo teológico antigo) era incluída na vida boa que incluía a própria vida (Dt 5:16, 33; 6:18, 24); a longevidade (4:40; 5:16; 22:7); a terra (5:16, 33; 6:18); e o aumento e a multiplicação da própria família (6:3). Israel tinha de "obedecer" a f im de que Javé pudesse lhe fazer "bem" (12:25, 28; 19:13; 22:7),

No mesmo texto em que Wolff descobriu a chamada tríplice programática ao "arrependimento" (Dt 30:2, 8, 10), Brueggemann achou duas ofertas divinas para tornar Israel "mais próspero (tôb) e numeroso do que seus pais" (vv. 5, 9). Esta bondade ultrapassava qualquer mera descrição, e se avançava para a categoria de promessas e confissão. A terra dada a Israel era uma "boa terra" (Dt 8:7-10), porque Israel "louvaria ao SENHOR seu Deus pela boa terra que lhe havia dado"

2 9 Walter Brueggemann, "The Kerygms of the Deuteronomic Hrstorian", /nterpretation 22

(1968): 387-402. 3 0

Ibíd., pág. 389, n. 6, 7, se referem a tratados em aramaico nos quais ocorre tôb. 31 Ibid., pág. 391.

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(note-se também a palavra de promessa com respeito à terra em Dt 1:8, 25; 6:10, 18),

A mesma palavra de bondade e de bênção podia ser percebida na casa daví-dica que praticava o "bem" que Saul recusou-se a fazer (1 Sm 16:16; 20:7, 12, 31). Davi, porém, podia fazer o "bem", porque Javé o concedera a ele: "Quan-do o SENHOR te houver feito o bem" (1 Sm 25:31; cf, 1 Rs 8:66). Dessa forma, a promessa-chave a Davi em 2 Samuel 7:28, que duraria "para sempre" (naquele capítulo, o advérbio "para sempre" aparece oito vezes), era chamada "este bem" que Deus tinha prometido ao Seu servo. Tudo quanto se relacionava com o bem-estar do reinado de Davi podia ser resumido nesta palavra "bem" (2 Sm 2:6).

Assim, o "arrependimento" tem um contratema: a Israel foram oferecidas a bênção, a promessa e a certeza da parte de Deus. Este equilíbrio impediu que o teólogo, conforme Brueggemann comentou corretamente, achasse em Deutero-nômio apenas lei, obediência, julgamento, maldição e arrependimento; havia, também, a fidelidade e bênção de Deus, para com uma aliança e uma promessa que Ele não renega.32

A Palavra da Predição e o Evento do Cumprimento

Foram especialmente os historiadores proféticos que acharam "boa" a palavra de Deus. Suas palavras foram cumpridas na história: "Nenhuma promessa falhou de todas as boas palavras que o SENHOR falara à casa de Israel: tudo se cumpriu" (Js 21:45; 23:14; 1 Rs 8:56; 2 Rs 10:10). Isto porque aquela palavra não era uma palavra "vazia" frèq) ou destituída de poder (Dt 32:47); uma vez pronunciada, atingia o seu alvo.

Semelhante série de palavras "boas" pronunciadas pelos profetas poderia ser formada em outro arcabouço inteiro para outro aspecto do plano único de Deus que abrangia estes dias de entrar-se na herança, descanso e lugar prometidos onde Ele colocaria Seu nome. Foi Gerhard von Rad33 que indicou este fio de profecia e cumprimento que permeia os historiadores proféticos. Cada palavra divina de predição falada pelos profetas tinha seu evento histórico correspon-dente. A lista que ele fez inclui:

Palavra Criadora

Promessa Tópico Cumprimento

2 Sm 7:13 Salomão, o edificador do templo 1 Rs 8:20

32 Ibid., pág, 38, 33 Von Rad, Studies, págs. 74-91.

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2 Rs 22:15-20 Josias escapará dos maus dias iminentes

1 Rs 16:1-4 Js 6:26

2 Rs 1 ;6 O doente Acazias morrerá 2 Rs 21:10-16 Os pecados de Manassés trarão desgraça

1 Rs 11:29-36 1 Rs 13:1 -3 1 Rs 14:6-16

1 Rs 22:17 1 Rs 21:21

A divisão do reino Josias profana o altar de Betei O reino de Jeroboão desarraigado O reino de Baasa desarraigado A maldição sobre a reedif icaçao de Jericó A morte de Acabe na batalha O julgamento contra Acabe e sua família

1 Rs 12:15 2 Rs 23:16-18 1 Rs 15:29 1 Rs 16:12 1 Rs 16:34 1 Rs 22:35-38 1 Rs 21:27-29; 2 Rs 9:7 2 Rs 1:17 2 Rs 23:26; 24:2 2 Rs 23:29-30

Esta teologia da história ressaltava a prioridade da palavra criadora de Deus. As dez tribos do norte já tiveram a sua sorte selada com a apostasia de Jeroboão (1 Rs 14:16). Judá, porém, por causa da palavra de promessa dirigida a Davi por Javé, continuou a subsistir (1 Rs 11:13, 32, 36), Javé queria deixar "uma luz em Jerusalém" (1 Rs 15:4) - uma alusão óbvia à casa davídica e à promessa diri-gida a Davi (2 Sm 21:17; SI 132:17; cf. 2 Sm 14:7).

Quando Davi falou esta palavra para seu filho Salomão: "Javé confirme a palavra, que falou . . . nunca te faltará sucessor ao trono de Israel" (1 Rs 2:4), Salomão realizou o cumprimento daquela bênção na sua própria vida {1 Rs 8:20, 25), que Javé também confirmou diretamente a Salomão (1 Rs 9:5). Mais tarde, Isaías {55:3) fez referências a isto, e chamou esta "boa" palavra de "fiéis miseri-córdias prometidas a Davi" (hasedê Dãwid}* Assim, as antigas palavras de bênção e de promessa ainda estavam sendo renovadas, aumentadas e cumpridas- Conforme a expressão de von Rad, o profeta "mudava as marchas da história com uma palavra de Deus".34

Um Profeta Semelhante a Moisés

Toda referência feita à descendência prometida por todas as eras, pré-patriar-cal, patriarcal e mosaica, tinha sido genérica na sua natureza; pintaram a redenção futura em termos de "descendente" da mulher, de raça de Sem, a "descendência" de Abraão, a tribo de Judá e o reino de Israel. Quando, porém, Moisés profetizou em Deuteronômio 18:15-19, dizendo que Javé lhe dissera: "Suscitar-lhes-ei um profeta do meio de seus irmãos, semelhante a t i " , a pergunta surge: Ete Se referia a um simples "profeta" no singular, um conceito coletivo, ou uma idéia genérica? E este "profeta" era outra figura messiânica?

34 Von Rad, Teologia, 1:342.

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Pelo contexto, alguém poderia, na primeira leitura, apenas esperar um profeta individual, vindo de Israel e comparável com Moisés. No entanto, o ofício profético não foi transmitido aos sucessores de Moisés como foi o caso da linhagem davídica. Pelo contrário, o ministério e a pessoa de Moisés estavam fora da classe usual de profetas, porque ele havia sido colocado sobre toda a casa de Deus (Nm 12:7), Além disto, cumprira as funções sacerdotais antes de ter sido inaugurado o sacer-dócio arônico (Êx 24:4-8). Ademais, cada um dos ofícios paralelos de " ju iz" (Dt 17:8-13), " re i" (vv. 14-20), e "sacerdote" (18:1 -8) era coletivo e genérico, e não individual no contexto imediato.

Concluímos, assim, que esta promessa também é genérica. Moisés reconheceu que a sua obra era incompleta; podia ver, porém, outro profeta em vista, que, diferentemente dele mesmo, completaria o ministério de instrução e revelação da parte de Deus. Este profeta vindouro seria (1) um israelita, "do meio dos seus irmãos" (Dt 18:15, 18); (2) "semelhante" a Moisés (vv. 15, 18); e (3) autorizado a declarar a palavra de Deus com autoridade (vv. 18-19). Esta expectativa era algo bem conhecido mesmo antes dos dias de Jesus. Filipe achou Natanael e anun-ciou: "Achamos aquele de quem Moisés escreveu na lei, e a quem se referiram os profetas" {João 1:45). Semelhantemente, a mulher samaritana concluiu que Jesus era aquele "profeta" (4:19, 29); e a multidão perto do mar da Galiléia excla-mou: "Este é verdadeiramente o profeta que devia vir ao mundo" (6:14), Pedro também citou a passagem em consideração, no seu discurso no templo, aplicando-a a Jesus (At 3:22-26), e assim também fez Estêvão (7:37).

Resumo

A chave para a teologia deste período continuou sendo a herança da terra e o "descanso" no qual Israel entrou mediante a fé. E isto, outrossim, no próprio "lugar" onde Javé faria habitar o Seu nome. E a tíistória de Israel seria marcada pelo "bem" na condição de se "arrepender" e aceitar a "boa" palavra profética enviada da parte de Deus naquelas conjunturas cruòiais da sua história.

A estrutura interna da narrativa de como Israel vencia ou fracassava com respeito a entrar plenamente naquele "descanso" se acha na história profética com suas declarações programáticas e seus comentários de avaliação colocados na boca dos porta-vozes principais. Nesta seqüência, era a palavra de Deus através dos Seus mensageiros que mostrava o caminho. O povo seguia em obediência ou arrependimento — ou em colapso total. A promessa de Deus, porém, continuou a sobreviver na casa de Davi independentemente da inaptidão presente de todos os lados.

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A promessa de Deus dada a Davi em 2 Samuel 7 precisa ser classificada entre os mais brilhantes momentos da história da salvação. Quanto à importância e prestí-gio, é igualada apenas pela promessa feita a Abraão em Gênesis 12 e mais tarde, à totalidade de Israel e Judá na Nova Aliança de Jeremias (Jr 31:31-34). Portanto, este segmento de quarenta anos tirado das narrativas dos historiadores proféticos (Josué até 2 Reis) merece um tratamento extensivo e separado, embora sua locali-zação básica esteja nas obras dos profetas anteriores.

Há, porém, matéria textual a ser considerada além de um mero capítulo como 2 Samuel 7 ou seus comentários posteriores, tais como em Salmo 89. Em nosso tra-tamento diacrónico da teologia, e em nosso desejo de fazer com que a teologia bí-blica funcione como ajuda básica à teologia exegética, primariamente, mais do que à teologia sistemática, precisaremos incluir os seguintes na era davídica: (1) aqui-lo que os estudiosos, de Leonhard Rost1 em diante, têm chamado a "narrativa da sucessão" {2 Sm 9-20 e 1 Rs 1-2; i. e., o restante da história de Davi a partir do f im

i Leonhard Rost, Die Überlieferung von der Thronnach fo/ge Davids (Stuttgart: W* Kohl-

hammer Verlag, 1926).

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de 1 Sm 16-31 e de 2 Sm 1-8; 21-24) e (2) os salmos reais {SI 2, 18,20, 21, 45, 72, 89, 101, 110, 132, 144:1-11). Semelhantemente, já que havia uma vinculação tão íntima entre Davi e a arca em boa parte de sua teologia, este capítulo também le-vará em consideração (3) "a história da arca" {1 Sm 4:1—7:2) e aquela experiência momentosa na vida de Davi quando levou a arca para Jerusalém (2 Sm 6).

Um Rei Prometido Deuteronômio 17:14-20 tinha cuidadosamente especificado o seguinte:

Quando entrares na terra, que te dá o SENHOR teu Deus, e a possuíres, e nela habitares, e disseres: Estabelecerei sobre mim um rei, como todas as nações que se acham em redor de mim, estabelecerás, com efeito, sobre ti como rei aquele que o SENHOR teu Deus escolher.

— Versículo 14.

O sistema monárquico, portanto, não era, por si mesmo, fora do plano de Deus. apenas precisava esperar a hora certa e a seleção feita por Deus. Até este momento, o governo de Israel tinha sido aquilo que Josefo chamou uma "teocracia"2 dentro da qual a soberania e o poder pertenciam a Deus, Não é verdade que Israel já canta-ra na ocasião do Êxodo: "O SENHOR reinará por todo o sempre" (Êx 15:18)? Quando, porém é que a monarquia prometida seria estabelecida dentro da teo-cracia?

Um Soberano Usurpador

Havia, neste ínterim, vários começos falsos* Gideão recebera a oferta de poder "dominar sobre" (mãíal) os homens de Israel depois da sua vitória formidável so-bre Midiã (Jz 8:22). Não somente ele seria o soberano, como também havia o ofere-cimento de uma soberania hereditária: "Tu, teu filho e o filho de teu f i lho". A tu-do isto, Gideão recusou incondicionalmente, asseverando, pelo contrário, o princí-pio: "O SENHOR vos dominará" (v. 23).

O filho de Gideão, no entanto, não era tão relutante assim. Depois da morte de seu pai, Abimeleque tornou-se rei de Siquém (Jz 9:15-18). Este usurpador {pois é isso que ele seria, sendo Javé o rei verdadeiro), f i lho de uma serviçal de Gideão, tomou um nome novo. Martin Buber3 argumentara que "pôr um nome" nunca se empregava em conexão com o dar nome a uma criança na ocasião do nascimento;

2 Flávio Josefo, Contra Apião, 2. 16. 164-66.

Martin Buber, Kingship of God, 3® edição revista e aumentada, trad. Richard Sheimann (Nova Iorque: Harper & Row, 1967), pág. 74.

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O Rei da Promessa: A Era Davídica 149

pelo contrário, empregava-se sistematicamente o verbo "chamar". Esta expressão significa; "dar um nome novo" (cf. 2 Rs 17:34; Ne 9:7. Se Gideão deu um nome novo ao seu filho, então provavelmente o fez na ocasião da sua rejeição do ofício de rei, declarando, pelo contrário, que Deus, seu pai, era seu rei; daí, Abi, "meu pai", é melek "rei". A expressão em Juízes 8:31 também pode ser traduzida, "No-mearam-no", ou, até, "Ele indicou para si mesmo" o nome "meu pai [antes de mim] era — realmente — um rei!"

A ironia é ressaltada com clareza em Juízes 9:6, onde a raiz maíak "reinar, ser rei", aparece duas vezes: 'JE tornaram rei 'pai-rei' como rei"- A experiência inteira terminou em tragédia para Abimeleque e para seu "reino".

Um Soberano Rejeitado

A geração de Samuel não era, tampouco, mais sábia quando também exigiu um rei antes do tempo {1 Sm 8:4-6), baseada na suposição falsa que Deus era inca-paz de ajudá-la agora que Samuel ficara velho e seus filhos eram moralmente cor-ruptos (vv, 1-3). Esta exigência, também, era uma rejeição da soberania de Javé (8:7; 10:19). A situação inteira entristeceu Samuel sobremaneira (8:6).

À primeira vista, a oposição de Samuel parece estranha à luz da promessa de Deuteronômio 17:14-20, onde diretrizes foram dadas sobre como agir na eventua-lidade de o povo desejar um rei. A oposição de Samuel, porém, como a de Javé também, era uma condenação do espírito do povo e seus motivos para desejar um rei: os israelitas queriam ser "como todas as nações" em terem um rei (8:5,20). Era também uma tácita declaração de descrença no poder e na presença de Deus: queriam um rei para ir na frente deies e lutar nas suas batalhas (v. 20),

Deus graciosamente cedeu aos pedidos do povo, depois de Samuel ter feito todo o possível para tornar os israelitas conscientes das responsabilidades de vive-rem sob a tutela de um rei (1 Sm 8:10-19). Receberam o que pediram: Saul. E Saul cumpriu a tarefa que Deus lhe deu:

E ele livrará o meu povo da mão dos filisteus; porque atentei para o meu povo, pois o seu clamor chegou a mim.

- 1 Samuel 9:16; cf. 10:1-

Assim foi. Por onde quer que Saul voltasse sua mão, tinha tão poderosamente a for-ça da parte de Deus como líder cheio do Espírito, que saiu vitorioso contra toda a nação contra a qual lutou (1 Sm 14:47; cf. 2 Sm 1:17-27 no lamento de Davi). Saul, além disto, desarraigou todos os tipos de superstição e ocultismo proibidos pela lei de Moisés (1 Sm 28:9), e, segundo parece, ainda cuidava de assuntos pormenoriza-dos do tipo tratado em Levítico, tais como o comer do sangue (14:34). Era o "es-colhido" (10:24) e "ungido" (10:1) da parte,de Deus,

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150 Teologia do Antigo Testamento

O que se diz, porém, da natureza perpétua daquele reinado? Em nenhum lu-gar houve promessa a Saul, ou sequer a Samuel, de que a oferta era de um reinado hereditário; mesmo assim, 1 Samuel 13:13-14 demonstrou que a possibilidade esti-vera presente, apesar de tudo:

Pois teria agora o SENHOR confirmado o teu reino sobre Israel para sempre. Já agora não subsistirá o teu reino. O SENHOR buscou para si um homem que lhe agrada, e já lhe ordenou que seja príncipe sobre o seu povo, porquanto não guardaste o que o SENHOR te ordenou,

Nada haveria de excepcional nisto se a promessa de um soberano que surgiria da tribo de Judá não tivesse sido dada, mas, na realidade, já fora dada em Gêne-sis 49:10. Os símbolos daquele ofício, um cetro e a vara de um soberano, não se apartariam de Judá até à vinda daquele a quem pertenciam legitimamente. Como é, pois, que o SENHOR poderia oferecer a Saul um reino perpétuo — especialmente considerando que ele era da tribo de Benjamim? Não havia dúvida que Israel deveria ter um rei algum dia — isto já fora deixado em Números 24:17 e Deuteronômio 17:14, E Israel poderia ter feito alguns começos falsos — até prematuros, Aqui, porém, o Senhor disse a Saul, rstrospectivamente, que o reino poderia ter sido per-pétuo — ali jaz a dificuldade.

A solução a este enigma não se poderia achar num ato alegadamente traiçoei-ro de Samuel que, contrariamente àquilo que as Escrituras declararam, teria deposto Saul por conta própria, escolhendo Davi no lugar daquele. Não se podia resolver es-ta questão específica, tampouco, ao culpar somente o povo por ter eleito um rei se-gundo o seu próprio coração (1 Sm 12:13), porque Saul também era aquele que "Javé escolhera" {9:16; 10:1,24; 12:13). Foi Patrick Fairbairnque chegou mais pró-ximo á solução desta questão:

Depois do povo ter sido solenemente admoestado quanto à sua culpí em pedir a nomeação de um rei na base dos seus princípios mundanos. receberam licença para erguerem um dentre eles ao trono... E para tor-nar manifesto a todos quantos tinham olhos para ver e ouvidos para ou-vir, qual era o propósito divino quanto a isto, o Senhor permitiu que a escolha caísse nalguém que — como representante da sabedoria e proeza mundanas do povo — estava pouco disposto a reinar em humilde sub-missão à vontade e autoridade do Céu, e que seria portanto, substituído por alguém que agiria como representante de Deus, levando distintiva-mente o nome de servo d Ele.4

4 Patrick Fairbairn, The Typology of Scripture, 2 vols. (Grand Rapids: Zondervan, 1963), 1:121-22.

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O Rei da Promessa: A Era Da vídica 151

Foi assim que Deus deliberadamente permitiu que a lição demonstrasse aos ho-mens que somente Deus era o Rei supremo, e que qualquer governo tinha de funcio-nar sob a sua autoridade, Foi assim que a sorte caiu temporariamente para Benja-mim (10:20) ao invés de para Judá. Saul era incomparável5 com todos os demais porque somente ele, à exclusão de todos os demais, era o homem que Deus escolheu segundo Samuel (v. 24). Sua estatura (v, 23) era um sinal, mas foi sua eleição divina que realmente o fez incomparável.

Desconhece-se, em última análise, se Deus teria dado a Saul o "reino" que mais tarde seria conhecido como reino das dez tribos que subseqüentemente se se-pararam e que foram dadas a Jeroboão, conservando apenas "uma tr ibo" (nota-se que Judá e Benjamim aqui estavam sendo consideradas como uma só tribo!) para Seu servo Davi para que sempre tivesse uma "lâmpada" em Jerusalém, a cidade que Deus escolhera para ali colocar o Seu nome (1 Reis 11:33-37),6 Uma coisa é certa: Efraim sempre estava procurando motivos para briga, e estava pronta a desafiar as demais tribos ou separar-se delas à mínima provocação durante todo o período dos juízes (Jz 8:1; 12:1). Em conseqüência, já havia muito, existia a possibilidade de uma separação. Isto pelo menos sugere o que teria havido para Saul se ele tivesse continuado obediente a Deus.

A monarquia permitida devia, mesmo conforme a previsão em Deuteronômio 17:14-20, ser limitada a certas restrições, O povo não devia nomear pessoa algu-ma que nao fosse escolhida por Deus, e o rei não devia fazer sua própria vontade e beneplácito; tinha de reinar de acordo com a lei de Deus. Sendo assim, Israel ainda tinha algum tipo de teocracia, mediante a qual o rei reinava meramente como vice-rei de Javé, o soberano celestial.

E um lugar comum entre estudiosos recentes, dividir as narrativas acerca da instituição da monarquia em duas fontes básicas: uma que favorecia a monarquia (1 Sm 9:1-10; 11:1-11,15; 13:2-14:46) e a outra que era posterior, com um ponto de vista d eu tero no místico e anti-monárquico (1 Sm 7:3-8:22; 10:17-27; 12:1-25). Mais recentemente, Hans-Jochen Boecker7 mostrou que é por demais simplista co-locar a etiqueta de anti-monarquista em 1 Samuel 8 e 12, É verdade que estas pas-

c Para uma discussão desta fórmula de incomparabil idade, ver C.J. Labuschagne, The

Incomparability of Yahweh in the Old Testament (Leiden: EJ. Brill, 1966), págs. 9-10. 6 J. Barton Payne, "Saul and the Changing Witl of God", Bibliotheca Sacra 129 (1972):

321-25, Ele distingue entre a vontade permissiva de Deus e Sua vontade diretiva, em permitir que Saul fosse o primeiro rei, mas deixou de vincular Gênesis 49:10 e 1 Samuel 13:136 a esta discussão, de modo direto,

7 Conforme citado por Bruce C. Birch, "The Choosing of Saul at Mizpah", Catholic

Biblical Quarterly 37 (1975): 447-48, n. 4,

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152 Teologia do An ti go Testamento

sagens dão uma aceitação mais condicional do reinado como sendo uma instituição da parte de Deus, mas isto era principalmente porque a monarquia levava consigo um perigo maior de apostasia.

Estes capítulos não eram mais antimonarquistas do que a fábula de Jotão em juízes 9:7-21, Segundo a análise cuidadosa de Eugene H. Maly,8 esta fábula conti-nha uma caricatura de Abimeleque, que queria ser rei, e uma descrição figurativa da destruição iminente que aguardava os siquemitas. A inutilidade do reinado do espi-nheiro (Abimeleque) e a predição do fogo que sairia do espinheiro para destruir os siquemitas não era uma condenação generalizada da própria monarquia; pelo contrário, sua critica era dirigida contra aqueles que eram tão estultos que busca-vam proteção desta natureza e que levavam a sério o próprio rei indigno. Mais uma vez, a ênfase recaía sobre a reação humana, e não sobre a própria instituição.

Um Soberano Ungido

Quando Saul foi rejeitado, o Senhor procurou "um homem segundo o Seu coração" (1 Sm 13:14); e Davi, o fi lho de Jessé, foi a Sua escolha, Em primeiro lugar, Davi foi ungido pelo profeta Samuel (1 Sm 16:13); depois foi ungido como rei de Judá (2 Sm 2:4); e a unção final foi sobre todo o fsrael (2 Sm 5:3). Assim como Saul fora chamado "ungido do Senhor" (maêtah YHWH, 1 Sm 24:6 [7], 10 [11]; 26:9,11,16,23; 2 Sm 1:14,16) por dez vezes, assim também agora, Davi é "ungido", e "daquele dia em diante o Espírito do SENHOR se apossou de Davi" (1 Sm 16:13), Ele também foi chamado "ungido" do Senhor por dez vezes. O óleo da unção, quando se empregava no culto, era um símbolo do Espírito divino; na consagração de reis, porém, assinalava a dádiva do Espírito de Deus para ajudar o re,i de Israel a administrar o seu reino. Marcava Davi como recipiente e representante da majestade divina. Saul, também, recebera o "Espírito de Deus" (1 Sm 11:6, como também o receberam os "juízes" antes dele, desde Otoniel a Samuel, Quando, porém, Saul se afastou do Senhor depois de um início brilhante ao libertar Israel dos filisteus (1 Sm 9:16: 14:47), ele se tornou totalmente inepto para governar o povo, devido à perda do dom de governar dado pelo Espírito.

Embora o título "ungido" fosse aplicado duas vezes, por transferência, com respeito aos patriarcas em Salmo 105:1 5, e uma vez com respeito a Ciro, um rei por chamamento divino (Is 45:1; cf. 1 Rs 19:15), era somente com respeito ao rei que se empregava de forma absoluta. Subseqüentemente, a palavra veio a ser o título do grande Descendente de Davi que estava para vir e çompletar o reino de Deus que se

Eugene H. Maly, "The Jotham Fable — Anti-Monarchical? " Catholic Biblical Quarterly 22 (1960): 299-305.

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O Rei da Promessa; A Era Davídica 153

esperava. No total, o substantivo "ungido" ocorre trinta e nove vezes no Antigo Testamento. Vinte e três vezes, é o tí tulo do monarca reinante de IsraeL9

Isto quer dizer que sobraram nove passagens nas quais o "ungido" se referia a alguma pessoa que estava para vir, usualmente na linhagem de Davi ( 1 Sm 2:10; 2:35; SI 2:2; 20:6; 28:8; 84:9; Hc 3:13; Dn 9:25-26), Era o rei da parte de Javé que reinaria sobre Seu reino eterno na terra; simultaneamente, porém, era aquele Ho-mem escolhido na linhagem da eleição, que tinha o direito de se assentar no trono de Davi como representante de Deus. Embora este termo não tenha sido, de modo algum, o mais claro ou mais freqüente no AT, o costume o definiu como sendo o termo mais apropriado, em preferência a todos os demais títulos, para descrever o Rei esperado — o Messias,

Uma Dinastia Prometida Havia, porém, mais do que uma monarquia ern jogo. Após a promessa dada a

Abraão, deve se classificar a palavra de bênção derramada sobre Davi. A passagem clássica do AT que trata com esta nova adição à promessa e ao plano de Deus que sempre se expandiam, era 2 Samuel 7, com a passagem equivalente em 1 Crônicas 17, e seu comentário em Salmo 89.10 Era a narrativa da proposta de Davi de edi-ficar uma "casa" ou templo, para o Senhor, e a revelação que Natã recebeu com a contra-proposta da parte de Deus, que Ele não permitiria que Davi a construísse, mas, pelo contrário, Javé faria com que Davi fosse uma "casa" (2 Sm 7:5-11)!

A crítica histórica e literária nem sempre achou por bem tratar 2 Samuel 7 de modo uniforme, e muito menos, de modo gentil. É provável que a estimativa mais violenta do texto fosse a de R. H. Pfeiffer,11 com sua acusação que a mente do au-tor era "confusa", seu texto "obscuro, complexo", "mal escrito", cheio de "péssima gramática e de estilo maçante", repleto de "repetição até à náusea" e de "bobagens fradescas" O capítulo inteiro, conforme a opinião dele, era um midraxe judaico de fins do quarto século a. C., baseado em Salmo 89, sem valor literário ou histórico!

Embora outros, tais como Hermann Gunkel, invertessem a direção da depen-dência literária, e declarassem o Salmo 89 como uma expansão poética livre de 2

Além das três exceções supra, "ungido" também se empregava com respeito aos sacerdotes levfticos (Lv 4:3, 5, 16; 6:22 [15]>,

Para muita matéria que se segue, e para maiores detafhes, ver W.C, Kaiser, Jr., "The Blessing of David: A Charter for Humanity", The Law and the Prophets, John Skilton, ed, (Philadelphia: Presbyterian and Reformed Publishing House, 1974), págs. 298-318.

1 1 R . H h Pfeiffer, Introduction to the Old Testament (Nova Iorque: Harper & Row, 1953), págs. 368-73.

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154 Teologia do Antigo Testamento

Samuel 7, John L. McKenzie e C. J. Labuschagne1 2 adotaram uma posição interme-diária, dizendo que tanto o escritor do livro histórico como o do salmo tinham de-pendido de uma fonte original e comum. E, contrariamente à opinião daqueles que considerariam 2 Samuel 7:13 como um "acréscimo deuteronômico", este versículo não somente deve ser considerado como genuíno, mas também como, precisamente, o ponto-chave da teologia da passagem inteira.

Uma Casa

Pode ser demonstrado que o papel de edificador de templo era estreita-mente vinculado com o estabelecimento de um reinado no antigo Oriente Próximo. Tal conexão foi demonstrada no excelente estudo de F. Willesen.13 Assim, con-forme 2 Samuel 7:13, a "casa" de Davi tinha de ser estabelecida por Javé antes de haver a possibilidade de se edificar o templo. A edificação do templo somente poderia ser a completação e efeito coroador da criação de um reino por Javé. Esta mesma ênfase dada à necessidade da obra de Deus em estabelecer o reino assumindo a prioridade sobre a construção de uma casa de adoração também pode ser vista em 7:11c, onde o " t u " recebe posição enfática no texto hebraico: "A ti também o SENHOR te faz saber que ele mesmo fará casa para ti" (cf, "ele", i.e., Salomão e o verbo "edificar" em 7:13a, 5òh 0 contraste, portanto, era entre um reino estabelecido por homens e um totalmente levado a efeito por Javé,

Deus prometeu fazer para Davi uma "casa" (bayit). O que, poderia isto significar? Bayit se referia mais do que a uma residência; era também uma família: pais, filhos e parentes. Noé, por exemplo, entrou na arca com "toda a sua casa" {Gn 7:1), e obviamente não com o edifícío no qual moravam; e Jacó ordenou que sua "família" (lit. "casa") lançasse fora seus deuses estranhos (35:2). Mais tarde, todas as tribos podiam ser divididas em "casas" (agrupamentos familiares grandes, Js 7:14), e a posteridade de uma família, rei ou dinastia seria chamada sua "casa" (Êx 2:1; 1 Rs 11 :38; 12:16; 13:2).

Para 2 Samuel 7, o significado de "dinastia" era o mais apropriado, mor-mente considerando-se que a expressão "a tua casa e o teu reino serão firmados para sempre diante de t i " (v. 16) somente poderia significar que a "dinastia" de Davi reinaria para sempre. Este foi o novo acréscimo ao plano da promessa: tudo quanto tinha sido oferecido aos patriarcas e a Moisés agora estava sendo

1 2 John L McKenzie, "The Dynastic Oracle: II Samuel 7", Theological Studies 8(1947): 195; C.J. Labuschagne, "Some Remarks on the Prayer of David in II Samuel 7", Studies on the Book of Samuei (Steüenbosch, África do Sul: 1960), p. 29. Para pormenores do problema sinótico nestes textos, ver nosso ensaio, "Blessing of David", págs. 300-303.

1 3 F. Willesen, "The Cultic Situation of Psalm 74", Vetus Testamentum 2 (1952): 289 segs.

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O Rei da Promessa: A Era Davídica 155

oferecido à dinastia de Davi, E isto não era tudo; perduraria para o futuro distante (v. 19). Oito vezes, em 2 Samuel 7, Javé prometeu que faria de Davi uma casa (vv. 11, 13, 16, 19, 25, 26, 27, 29), sem contar a ocorrência de idéias paralelas com o emprego de outros termos. Explicou-se que a "casa" de Davi era uma linhagem de descendentes (vv. 12, 16, 19, 26, 29), que o Senhor lhe daria de modo perpé-tuo. Usualmente os monarcas se preocupavam, uma vez que tinham conseguido impor um período de paz após um longo período de conquistas militares, com a durabilidade do seu reino (cf, Nabuoodonosor em Dn 2). Davi, porém, foi aliviado desta preocupação. Sua "dinastia", trono e reino seriam seguros para sempre; foram estabelecidos pelo Senhor.

Um Descendente

Embora a palavra "descendente" fosse empregada uma só vez em 2 Samuel 7:12, esta promessa de uma dinastia que teria uma longa linhagem de descendentes era uma lembrança de uma palavra semelhante dirigida a Abraão. "Descendente" (ou "descendência") tinha um significado coletivo de "posteridade", como também tinha em Gênesis 3:15; 12:7; 13:15. Ao mesmo tempo, porém, o descendente indicava uma pessoa única que representava o grupo inteiro, e era a garantia da linhagem de descendentes que ainda viria- Dessa forma, o "descendente" de Davi edificaria o templo proposto (2 Sm 7:13), referindo-se aqui ao indivíduo único, Salomão. Ao mesmo tempo, porém, nunca faltaria à casa que perduraria perpetua-mente um descendente para assentar-se no trono de Davi. De fato, conforme certa expressão em 2 Crônicas 22:10, Atalia queria extirpar "toda a descendência real" {kof zera* hammamlãkâh), i.e>, a dinastia inteira,

Um Reino

Conforme já foi notado, um item da promessa durante a era dos patriarcas e do Êxodo era que Israel teria "reis" (Gn 17:6, 16; 35:11; cf. 36:31), incluindo um "reino" (Èx 19:6; Nm 24:7) e um "domínio" (Nm 24:19). Agora, aquele reino estava sendo atribuído a Davi e à sua família, conforme 2 Samuel 7:23-24, 26, 27.

Não era que Deus abdicara Seu domínio ou que o Seu reino tivesse chegado ao fim, pois este reino de Davi que acabara de ser anunciado era tão estreitamente vinculado ao reino de Deus, que o trono e reino davídicos foram mais tarde cha-mados os do próprio Senhor, Assim, 1 Crônicas 28:5 diz que Salomão se assentava "no trono do reino do Senhor sobre Israel", 2 Crônicas 13:8 se refere ao "reino do SENHOR", e, em 2 Crônicas 9:8, o rei é colocado por Deus "no seu [de Deus] trono como rei para o SENHOR teu Deus". Já em 1 Samuel 24:6 e 2 Samuel 19:21 foi chamado "o ungido do SENHOR", Sendo assim, a teocracia e o reino davídico, em virtude da sua posição especial na aliança, eram considerados como

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156 Teologia do Antigo Testamento

uma só coisa- Eram tão inseparavelmente vinculados que, quanto ao futuro, seu destino era idêntico.

Mais informações com respeito a este reino podem ser colhidas dos salmos reais {2, 18, 20, 21, 45, 72, 89, 101, 110, 132, 144} e dos salmos escatológicos ou de entronamento (47, 93-100). Por enquanto, foi dito a Davi em 2 Samuel 7 que o rteino era irrevogável e eterno (vv. 13,16 [2 vezes], 24, 25, 26, 29 [2 vezes]).

Um Filho de Deus

A proclamação divina: "Eu lhe serei por Pai, e ele Me será por f i lho" (2 Sm 7:14) era especialmente surpreendente, Ora, "Pai" deve ter sido um título que Davi empregava naturalmente com respeito a Deus, pois deu a um dos seus filho o nome de Absalão, "meu Pai (Deus) é paz". De fato, Moisés já ensinara a mesma coisa a Israel quando perguntou: "Não é Ele teu Pai -. , que te fez e te estabe-leceu?" (Dt 32:6}.

O conceito de filiação, outrossim, não existia sem seus antecedentes teoló-gicos de tempos passados. Todos os membros de Israel eram Seus filhos, Seu primo-gênito (Êx 4:22; 19:4}. É Interessante notar que "o vocabulário diplomático inteiro do segundo milênio se arraigava na esfera famil iar".14 Assim, tal linguagem era muito apropriada para esta aliança com Davi,

O que havia de novo era que Javé agora tratava o filho de Davi de modo que trazia claras lembranças das promessas aos patriarcas e a Moisés. Isto era mais do que o costume do Oriente Próximo de dar um título de filiação divina: "f i lho do deus-x"; era uma dádiva divina, e não uma orgulhosa jactância humana. Era também uma particularização da palavra antiga dada a Israel (a saber. Seu "primo-gênito") que agora seria dirigida ao descendente de Davi (SI 89:27). Agora, de um modo totalmente sem igual, Davi podia chamá-Lo "meu Pai" (v. 26), sendo que cada descendente de Davi tinha este relacionamento de filho do seu Deus. Mesmo assim, não se declara que qualquer descendente de Davi individual viria a realizar de modo puro ou perfeito este conceito sublime de filiação a Deus. Mas, se um dia alguém haveria de ser qualificado para este relacionamento, também precisaria ser um filho de Davi,

Uma Carta Magna para a Humanidade O que Deus prometera a Davi não era um tema totalmente novo, sem relacio-

namento para com Suas bênçãos anteriores. Já tinha existido um longo desenvolvi-

14 Moshe Weinfeid, "The Covenant of Grant in the Old Testament and in the Ancient Near

East", Journal of American Oriental Society 90 (1970): 194.

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O Rei da Promessa: A Era Davídica 157

mento teológico que poderia informar, isto é, contribuir è, aliança com Davi. Entre os temas familiares já conhecidos a Davi, que foram passados em revista nesta palavra dirigida a ele em 2 Samuel 7, havia:

1, "Farei grande o teu nome" (2 Sm 7:9; cf. Gn 12:2, etal.).

2, "Prepararei lugar para o meu povo, para Israel, eo plantarei" (2 Sm 7:10; cf. Gn 15:18; Dt 11:24-25; Js 1:4-5).

3, "Farei levantar depois de ti o teu descendente" (2 Sm 7:12; cf. Gn 17:7-10, 19),

4, "Ele me será por f i lho" (2 Sm 7:14; cf, Êx 4:22).

5, "Eu serei o teu Deus e tu serás meu povo" (2 Sm 7:23-24; cf, Gn 17:7-8; 28:21; Êx 6:7; 29:45; Lv 11:45; 22:33; 23:43; 25:38; 26:12, 44-45; Nm 15:41; Dt 4:20; 29:12-13;passim).

6, A natureza sem igual de Deus (2 Sm 7:22; cf. Êx 8:10; 9:14; 15:11; Dt 33:26; SI 18:31 [32]; 89:6 [7], 8 [ 9 I pass im) .

7, A natureza sem igual de Israel (2 Sm 7:22; cf, Êx 1:9; Nm 14:12; Dt 1:28-31; 5:26; 7:17-19; 9:14; 11:23; 20:1; 33:29; passim; e espe-cialmente o verbo no plural em 2 Sm 7:23: "Quem há como o teu povo, como Israel gente única na terra? a quem tu, ó Deus, foste [sic] redimir", uma citação deliberada de Dt 4:7-8, com a mesma peculiaridade gramatical).15

8, O emprego excepcional de "Adonai Javé" (2 Sm 7:18-19 [2 vezes], 22, 28-29), que não aparece outra vez em Samuel ou Crônicas, Pro-vavelmente, o significado especial deste nome, que surge apenas cin-co vezes antes disto, seja aquele captado por R. A, Carlson,16 que notou que foi este o nome empregado quando Deus prometeu a Abraão uma descendência, em Gênesis 15:2, 8. Seu emprego repe-tido em 2 Samuel 7 é por demais marcante para ser acidental.

15 Para uma lista de vinte e quatro assim-chamadas semelhanças deuteronomlsticâs a 2 Samuel 7, ver Frank M. Cross, Jr. Canaan/te Myth and Hebrew Epic (Cambridge: Harvard University Press, 1973), págs. 252-54.

1 6 R,A. Carlson, David the Chosen King: A Tradio-Historicai Approach to the Second Book of Samueltrad. Eric Sharpe e Stanley Rudman (Estocolmo: Almqvist and Wiksell, 1964), pág. 127, As outras cinco instâncias de "Adonai Javé" são Deuteronômio 3:24; 9:26; Josué 7:7; Juízes 6:22; 16:28, Note-se o conteúdo de promessa em cada oraçao, Em Reis, o nome duplo só ocorre em 1 Reis 2:26; 8:53, enquanto "Adonai" aparece em 1 Reis 3:10F 15; 22:6; 2 Reis 7:6; 19:23.

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158 Teologia do Antigo Testamento

Portanto, a bênção de Abraão foi continuada numa bênção de Davi: "Com a tua bênção", orou Davi, "será bendita para sempre a casa do teu servo" (2 Sm 7:29),

Quando, porém, Davi de repente entendeu aquilo que lhe fora dado nesta proposta alternativa, ficou completamente dominado pela gratidão. Sentindo a sole-nidade e a importância do momento, entrou na presença de Deus, proferindo uma oração que pode ser esboçada como segue:

1. Graças pelo favor divino a ele agora (vv. 18-21),

2. Louvores pela obra de Deus em prol de Israel no passado (vv, 22-24).

3. Oração para que Deus cumprisse esta promessa no futuro {vv. 25-29).

0 ponto alto da oração veio em 2 Samuel 7:19, depois de Davi ter protes-tado no versículo 18 que ele era pessoalmente indigno da honra tão singularmente grande- Perguntou, de fato, "O que há de tão especial em mim? E o que há de tão especial na minha família?" A resposta que esperava era "Nada!" Sentia, obvia-mente, que a bênção da parte de Deus era incomparavelmente maior do que qual-quer coisa que tivesse merecido. Depois, acrescentou no versículo 19a seu pasmo adicional: "E como se esta bênção [agora, para mim e minha família] não bastasse na Tua estimativa. Senhor Deus, também estendeste a Tua promessa com respeito à dinastia do Teu servo para o futuro distante".

Imediatamente após, no versículo 196, surgiram as palavras: "E isto é ins-trução [lit. " le i " ] para todos os homens (wezò't tôrat hê'ãdãm). Que tipo de frase é formado por estas palavras? Era uma frase interrogativa, ou uma excla-mação? Considerando o contexto, e as formas paralelas de wezò't tôrat seguido por um genitivo no AT,1 7 deve ter sido um tipo de exclamação. Nada mais se encaixaria na seqüência, ao juntar esta frase com versículos 20 e segs.

O que, pois, era "isto"? O antecedente teria de ser a substância do oráculo e não a maneira ou o modo pelo qual chegaram estas grandiosas palavras a Davi. O ponto central da questão não era que Davi perguntava, "É esta Tua maneira usual em falar a homens tais como eu?" Uma interpretação deste tipo cometeria dois erros: (1) preferiria encarar estas palavras como pergunta; e, mais sério, (2) insistiria em traduzir a palavra " le i " (tôrâh) com sentidos inteiramente anômalos tais como "costume", "maneira", ou "estado" conforme fazem as bíblias mais conhecidas no inglês ("Authorized Version", "New American Standard Bible" e "New English Bible"), Tais palavras, no entanto, servem para traduzir palavras hebraicas tais como: hòq, mispàtf egôrêi

t 7 Ver nosso artigo, "Blessing of David", pág, 311.

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O Rei da Promessa: A Era Davídica 159

Conforme concluiu WiUis J, Beecher:

" Isto" deve significar, logicamente pelo contexto, a revelação mencio-nada na passagem que trata da "descendência" de Abraão, Israel, e Davi, que existirá e reinará para sempre, f i lho de Javé, rei de Javé, e canal de bênçãos, da parte de Javé, para todas as nações.18

C. R D. Erdmann argumentou, semelhantemente, que:

Deve ser o contexto das palavras do Senhor com respeito ao futuro da sua casa que o comove . . . não o fato de que o Senhor Se condes-cende a e le . . . mas aquiio que Ele agora faiou a ele . . . Este é o pre-ceito ou torah divino . . . para as pobres criaturas humanas,19

Como, pois, se deve entender a palavra tôrah? Usualmente, tôrâh é "instru-ção, ensino"; deriva-se da raiz verbal yãrâh, "dirigir", "ensinar", "instruir". Entre as 220 ocorrências no AT deste substantivo, é somente em 17 casos que significa algo diferente da "lei de Deus",20

A "lei do homem" não pode ser traduzida por "lei de Adão'*, sendo que nenhuma referência a Adão ou a uma aliança feita com ele surge em qualquer outro lugar na era davídica. Nem se pode interpretar: "lei do Homem" i.e., do Senhor Deus, sendo que tal emprego da expressão não era conhecido até aqueles tempos. Nenhuma destas traduções servirá.

Sendo que " isto" em 2 Samuel 7:19ò se refere ao conteúdo da promessa traçada com tanta paciência nas palavras de Nata, e sendo que se sabia que esta promessa se estendia a "todas as nações da terra" já nas antigas revelações aos patriarcas, concluímos que a melhor tradução é "Esta é a magna carta para a humanidade".

É possível que Henri Cazelles21 tenha colocado seu dedo na expressão cognata exata, equivalente à "Carta Magna da Humanidade" de Davi, quando, em 1958, indicou o termo acadiano tèrit nJ$ê. Conforme ele traduziu a frase aca-

1 8 Willis J. Beecher, "Three Notes", Journal of Biblical Literature 8 (1887): 138. 1 9

C. F, D. Erdmann, The Books of Samuel em J. P. Lange, A Commentary on the Holy Scriptures, 12 vols. (Nova Iorque: Scribner, Armstrong & Co., 1877), III: 434. 2Q i - j

Ver nosso artigo, "Blessing of David", pág. 313r nrs 48, 49, para documentação. 2 1

Henri Gazelles, "Review of Roland de Vaux's Les Institutiones de L 'ancien Testament" Vetus Testamentum 8 (1958): 322; idem, "Shiloh, the Customary Laws and the Return of the Ancient Kings", Proclamation and Presence, John T. Durham eJ. R. Porter, eds. (Rich-mond: John Knox Press, 1970), pág, 250.

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160 Teologia do Antigo Testamento

diana, era um oráculo "que determina o destino dos homens", ou: "o decreto com respeito à humanidade em geral",

É exatamente assim na nossa passagem! Davi, reconhecendo que acabara de receber uma dinastia, domínio e reino para todo o sempre, exclamou em gozo que não se podia conter: "E esta é a Carta Magna para toda a humanidade, ó Senhor Deus!"22 Dessa forma, o antigo plano de Deus haveria de continuar, só que agora incluiria um rei e um reino. Além disto, esta bênção abrangeria o futuro de toda a humanidade,

Um Reino Prometido Por seis vezes, o reino de Davi fora declarado eterno (2 Sm 7:13, 16, 24,

25f 26, 29). Esta dádiva a Davi, porém, era "um cheque em branco de validade ilimitada?"23 M. Tsevat, juntamente com uma grande quantidade de outros comen-taristas, não pode aceitar que esta acentuação do seu caráter irrevogável ou incon-dicional faça parte da passagem original. Pelo contrário, prefeririam tratar como normativo o tema de condicional idade que ressaltava a cláusula "se" e a necessi-dade da lealdade e da fidelidade conforme se vê em 2 Samuel 7:14-15; 1 Reis 2:4; 8:25; 9:4-5; Salmos 89:31-38 [30-37]; 132:11-12.

O próprio Davi, no entanto, meditou sobre esta mesma promessa em 2 Samuel 23:5, e chamou-a "aliança eterna" (berft 'o/ãmA Suas palavras exatas foram: "Certamente minha dinastia é estabelecida por Deus, pois Ele fez comigo uma aliança eterna, planejada em cada detalhe24 e garantida". O mesmo pensa-mento é repetido por Davi no salmo real (21:6-7[7-8]) onde se regozijou porque Deus o fez bendito para sempre e porque "a misericórdia [amor da aliança] do Altíssimo [para com Davi] jamais vacilará".

Salmo 89:28-37 [29-38] também comentou sobre a imutabilidade desta aliança eterna. Duraria "para sempre" (28, 29, 36, 37); "como os dias do céu" (29), "como o sol" (36} e "como a lua" (37). Deus não "violaria nem modificaria a palavra que Seus lábios proferiram" (34); "jurou pela Sua santidade que não seria falso a Davi" (35)!

Mesmo assim, ainda ruge o argumento em prol da condicionalidade. Esta aliança não poderia ser quebrada (parar)? Realmente, embora a aliança com Abraão

22 Para um tratamento do paralelo 1 Crónicas 17:17, que tem três dessemelhanças, ver W.C- Kaiser, Jr., "Blessing of David", págs. 315-16.

2 3 Matitiahu Tsevat, "The Steadfast House: What was David Promised in 2 Samuel 7:116-

16? " Hebrew Union College Annual 34 (1963): 73. 24 Ibid, pág, 74 para esta tradução de "cada detalhe".

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O Rei da Promessa: A Era Da vfdica 161

também fosse "perpétua" (Gn 17:7, 13, 19), o homem não circuncidado "que-brou-a" (v. 14). Mesmo a "afiança eterna" posterior seria quebrada pelos habitantes da terra {Is 24:5), e o Israel adultero desprezou o "juramento" de Deus (a aliança) ao ponto de "invalidar {iehêpèr) a aliança" eterna (Ez 16:59, 63).25

A solução destes casos de aparentes quebras, frustrações, e invalidações da aliança era a mesma que se aplicava às cláusulas "se" que deram tanta preocu-pação a Tsevat e outros: "Se os teus filhos guardarem a minha aliança e o teste-munho que eu lhes ensinar, também os seus filhos se assentarão para sempre no teu trono" (SI 132:12; cf, 2 Sm 7:146-15; 1 Rs 2:4; 8:25; 9:4-5; SI 89:30-33). A "quebra" ou condicional idade apenas pode se referir à invalidação pessoai e individuai dos benefícios da aliança, mas não pode afetar a transmissão da promessa aos descendentes na linhagem, É por isso que Deus podia incondicionalmente afirmar Sua fidelidade e a eternidade da aliança ao falar a Davi, a despeito dos homens desprezíveis que haveriam de surgir no meio da linhagem deste. Neste caso, pois, Ele acha tais pessoas em falta, mas não acha falta com Sua aliança abraâmico-davídico-nova (cf. Jr 31 ;32; Hb 8:8).

Esta mesma situação é revelada pelas últimas pesquisas com respeito aos tratados dos heteus e neo-assírios com respeito a promessas de conceder terras. M. Weinfeld,26 ao vincular as "concessões reais" feitas a Abraão e Davi, com as concessões de "terra" e "casa" (dinastia) na política heteu-sírio-palestínica, de-monstrou que a dádiva incondicional também era explicitamente protegida contra quaisquer pecados subseqüentes cometidos pelos descendentes dos recipientes. Nestes tratados, as concessões de "terra" ou dinastia poderiam ser postergadas ou confiscadas quanto ao indivíduo — mesmo assim, tinham de ser passadas adiante para o próximo na linhagem ao invés de ser concedidas a alguém fora da família especificada. Assim foi a situação de Davi: homens indignos poderiam surgir, mas a bênção nunca seria revogada quanto à família; sendo assim, foi uma "aliança eterna".2 7

2 5 Para uma revisão da evidencia, e uma opinião contrária, ver Marten H. Woudstra, "The

Everlasting Covenant in Ezekiel 16:59-63/' Calvin Theoíogicai Journal 6 (1971): 27-28, 31-33. Weinfeld, "Covenant of Grant", págs. 189-96. Notem-se suas observações brilhantes

mesmo sobre a alegada condicionalidade da aliança mosaica, pág, 195. 21

Mais recentemente, H. Neil Richardson, "The Last Words of David: Some Notes on II Samuel 23:1-7," Journal of Bibücal Literatura 90 (1971): 259, 263, seguindo F,M, Cross, Jr. (embora ambos "com certa hesitação"), acha um epíteto para El aqui em 2 Samuel 23, Tradu2 assim: "O Eterno me deu sua aliança". Esta, porém, é uma sugestão muito improvável, considerando a falta de jeito da expressão e a ausência do nome divino El, como em Gênesis 21:33.

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162 Teologia do Antigo Testamento

A Arca e o Reino

Nada estava mais intimamente vinculado à presença e ao poder de Javé do que a arca da aliança. Isto se podia ver especialmente na "história da arca" em 1 Samuel 4:1 - 7:2. 2 Samuel 6, porém, também ressaltava a importância dela para o reino que Davi estava para receber conforme os pormenores do capí-tulo seguinte. A introdução da arca em Jerusalém, um enclave politicamente neutro perto da fronteira que separava Judá das tribos do norte, foi importante para esta-belecer a extensão do reino sobre todo o Israel,

Esta conexão entre Davi, o reino e aquilo que a maioria tem chamado de culto, não era um argumento em prol da monarquia sacra!.28 Isto se pode ver melhor ao traçar, em primeiro lugar, o desenvolvimento da narrativa com respeito à arca.

Êxodo 25:10-22 registrou a proposta para a construção da arca, e Êxodo 37:1-9 narrou a própria construção dela por Bezaleel. Durante a peregrinação no deserto, a arca da aliança do Senhor ia três dias de viagem diante de Israel, para procurar lugares de descanso para o povo (Nm 10:33-34). Tão importante era esta "caixa" { ' arôn; cf, o "caixão" de José em Gn 50:26, e a "caixa" de contri-buições de Joiada em 2 Reis 12:9 e segs. [10 e segs.] e 2 Cr 24:8 e segsj, que o "Cântico da Arca" igualava a presença dela com a presença de Javé:

Partindo a arca, Moisés dizia: Levanta-te, SENHOR, e dissipados sejam os teus inimigos, e fujam diante de ti os que te odeiam, E quando pousava, dizia: Volta, ó SENHOR, para os milhares de milhares de Israel.

- Números 10:35-36

Quando, por outro lado, Israel se presumiu em lançar um ataque por conta própria sem estar acompanhado pela "arca da aliança do SENHOR" foi totalmente derro-tado (Nm 14:44). Quando, porém, ela acompanhou a marcha de Israel através do Jordão (Js 3-4) e em derredor de Jericó (Js 6), a nação foi finalmente bem suce-dida. Somente a própria pecaminosidade de Israel poderia frustrar a sua eficácia.

Quando a arca foi removida de Siló e perdida aos filisteus (1 Sm 4-5), a única conclusão era I ca bode — foi-se a glória de Deus. A presença dela, porém, era por demais poderosa para os filisteus; dessa forma, transportaram-na de volta a Bete--Semes sem sofrer mais julgamentos (1 Sm 6), depois de uma praga ter assolado toda a cidade filistéia onde a arca tinha sido colocada nesse ínterim. Uzá, porém,

2 8 Para uma refutação da monarquia sacra, ver Arthur E. Cundall, "Sacral Kingship — the

Old Testament Background", Vox Evangélica 6 (1969): 31-41,

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O Rei da Promessa: A Era Da vídica 163

foi repreendido quando impulsivamente estendeu a mão para segurar a arca cam-baleante enquanto Davi começava a trazê-la a Jerusalém (2 Sm 6). Neste caso, os homens sabiam muito bem qual era o meio ordenado para tratar com a santidade de Deus. Dessa forma, ficaram sujeitos a maior condenação do que os filisteus que, na sua ignorância, tinham tocado na arca e empregado um carro de bois para transportá-la (1 Sm 6).

O ponto alto das narrativas da arca se acha em 2 Samuel 6 e Salmo 132, onde sua função e significado se vinculam estreitamente com a presença de Javé, sendo que, nas palavras de von Rad, "Onde estiver a arca, ali Javé sempre estará presente",29 Em que sentido, porém, deve ser entendida a presença de Deus? A arca era: (1) testemunha àquela presença, (2) uma garantia da presença de Javé, (3) um sinal ou penhor da Sua presença, (4) um domicílio da Divindade, (5) idên-tica com Javé, ou (6) uma extensão e representação da Sua presença?30 Basica-mente, era um penhor da Sua presença, porque aquela presença não era automá-tica nem mecânica. Somente existia quando aquela presença era "agarrada pela fé" 3 1 conforme Israel logo aprendeu em 1 Samuel 4:1-7:2. Não se tratava, tam-pouco, da mera "santidade de objetos". O Senhor não Se contentava somente com mera exterioridade de coisas, nem com mera interioridade. Ambos os aspectos eram importantes: o interno e o externo.

A entronização de Javé também se associava com a arca e com o expiatório (kappòret). Seu próprio nome era "SENHOR dos exércitos, que se assenta acima dos querubins" (2 Sm 6:2; cf. 1 Sm 4:4; 2 Rs 19:15; 1 Cr 13:6}. A conclusão de Woudstra é que este nome, quando se emprega com referência à arca, indica a "onipotência, glória e majestade" de Deus.32 Falava ao mesmo tempo da natu-reza da Sua condescendência, da natureza da Sua habitação entre os homens, e da realidade da Sua pessoa.

Portanto, quando Davi trouxe a arca para um santuário em forma de tenda, em 2 Samuel 6:17, até que pudesse edificar o templo, deu um passo para frente em estabelecer o reino que Deus lhe dera. Os dois tópicos, a saber: a arca e o reino

2 9 Gerhard von Rad, Teologia do Antigo Testamento, 1:237.

3 0 Para documentação, ver Henton Davis, "The Ark of the Covenant", AnnuaI of the Swedish Institute 5 (1966-67): 43-47, Ver também R.E, Clements, God and the Temple, Philadelphia: Fortress Press, 1965), págs. 28-39 e Marten H. Woudstra, The Ark of the Cove-nant From Conquest to Kingship (Philadelphia: Presbyterian and Reformed Publishing House, 1965), págs, 13-57.

3 1

A frase é de Woudstra, ibid,, pág, 46. 32 Ibid., pág. 77.

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164 Teologia do Antigo Testamento

davfdico, são os assuntos de Salmo 132, que celebra o "juramento" feito a Davi e o grito de sinal ou cântico da arca: "Levanta-te, SENHOR, entra no lugar do teu repouso . . . por amor de Davi, teu servo" (132:8-10).

Os Sa/mos Reais3 3 e o Reino

Os Salmos reais estão saturados com a ideologia da dinastia davídica, e pressupõem a promessa e o juramento recebidos por ele. Formavam uma unidade, centralizada no rei davídico que, como filho de Javé, residia em Sião, a cidade escolhida, reinava sobre o povo de Javé, e era herdeiro da promessa.

0 Salmo 2 contrastava a hostilidade das nações dirigida contra o Senhor £ o Seu Ungido com a resposta divina dada a elas, quando investiu com realeza Seu filho, o Rei davídico,

Eu, porém constituí o meu Rei sobre o meu santo monte Sião.

Proclamarei o decreto do SENHOR: Ele me disse: Tu és meu fi lho, eu hoje te gerei.

Pede-me, e eu te darei as nações por herança, e as extremidades da terra por tua possessão.

- Salmo 2:6-8

Dessa forma, Ele, como Filho de Deus, reivindicou o direito de reger o mundo inteiro. Não era a continuação eterna da casa de Davi que estava em vista aqui, mas, sim, a conclusão triunfante do relacionamento filial, divinamente estabelecido, da pessoa da descendência de Davi para com Deus. Esta soberania pessoal fo i explicada por von Orelli34 como segue:

Nestas palavras [v, 7] Ele reconheceu que Ele pertencia muîto intima-mente a Ele mesmo, até investindo-0 com a realeza diante de Deus. A expressão "Eu te gerei" sugere, ainda mais fortemente do que a simples expressão "Tu és meu f i lho", que o rei messiânico tinha rece-

^ ^ a

A discussão mais antiga de "Die Königspsalmen" surgiu em 1914, por Hermann Gunkel. Em 1933, Gunkel e Begrich publicaram o estudo mais compreensivo, Einleitung in die Psalmen, ed. J. Begrich (Gottingen: Vandenhoek & Ruprecht, 1933), págs. 140-71. Ver, agora, Keith R. Crim, The Royal Psalms (Richmond: John Knox Press, 1962).

34 C. von Orelli, The Old Testament Prophecy of the Consummation of God's Kingdom

Traced in its Historical Development, trad. J.J. Banks (Edimburgo: T, 8t T, Clark, 1889), pág. 161.

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O Rei da Promessa: A Era Davídica 165

bido de cima uma vida mais sublime. No caso de quem falava, a outorga desta dignidade forçosamente tinha de ser um ponto definido de tempo, 0 "hoje" era o seu aniversário messiânico, seja este o dia em que pela primeira vez entrou visivelmente no exercício do seu cargo, ou o dia em que a grandeza interior de tudo isto foi revelada a ele através de uma mensagem profética ou de inspiração pessoal.

Séculos mais tarde, Paulo marcaria aquele "hoje" na vida do Messias como sendo o dia da Sua ressurreição (Atos 13:30-33}. Foi este o dia em que foi podero-samente "demonstrado" Filho de Deus ( R m l :3-4).

Numa bela combinação da teofania sinaítica {vv, 7-15) com um Rei Davi invencível {vv. 31-46), o Salmo 18 e o seu paralelo verbal em 2 Samuel 22 retratam a vitória e o triunfo de Davi, Como resultado, o nome de Deus foi louvado pelas nações, e a aliança foi guardada para sempre {SI 18:47-50),

Os Salmos 20 e 21 parecem formar um par de petição (20:4) e resposta (21:2), A oração pela vitória no Salmo 20 foi respondida com alegria e ações de graças rias numerosas bênçãos do Salmo 21. O inimigo foi tão completamente derrotado que a escala dos eventos ultrapassou o poder de qualquer rei e mais uma vez exigia o Messias (SI 21:9ò-12).

O rei davídico foi chamado "Elohim" no Salmo 45:6- Os juízes de Israel também representavam a Deus e também eram chamados "Elohim", sendo que a solenidade de chegar-se diante de um juiz era comparável com o chegar-se diante de Deus (Êx 21:6; 22:8, 9, 28; cf- SI 82:1, 6), Mesmo assim. Salmo 45:6 reivindicou ainda mais para os juízes do que Êxodo exigia:

O teu trono, ó Deus, é para todo o sempre; cetro de eqüidade é o cetro do teu reino.

Assim, não somente foi o ofício de rei identificado com a Deidade, como também a própria pessoa do rei com sua dinastia regeria como Deus para sempre! (Notem-se vv, 2, 16-17). Assim como o rei davídico fo i chamado no Salmo 89:26-27, " f i lho" de Deus, Seu "primogênito" e "o mais elevado" ( ye/yôn , "Altíssimo" quando se aplica a Deus), assim também o seu trono, por metonímia, agora era chamado Elohim no Salmo 45. Desta forma, aquilo que Deus representava no Céu, Davi foi nomeado para ser, como símbolo e garantia do reino de Deus na terra, A lin-guagem humana parecia estar pronta para irromper todas as barreiras ao descrever este relacionamento filial, sem igual, entre um homem e Deus.

O texto hebraico não tolera o abrandamento que a maioria das traduções modernas insiste em aplicar (e,g. em inglês: RV, RSV, NEB, mas não JB nem NASB). E os escritores do NT não deixaram de ver o impacto deste versículo,

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166 Teologia do Antigo Testamento

em Hebreus 1:8-9.35 O mistério desta passagem é que o "Deus" a quem o salmista se dirige é, Ele mesmo, nomeado por Deus!

O Salmo 72 ressalta a retidão, bênção, eternidade e extensão mundial do reino davídico,36 Partindo das palavras de 2 Samuel 23:1-7, o Salmo 72:6-7 repre-sentava o rei justo como sendo sol e chuva para seus súditos. Enquanto eles flores-ciam, assim prosperava o reinado ilimitado- A bênção real final dos versículos 16-17 faz lembrar a teologia de Gênesis e as bênçãos de Moisés em Levítico 26 e Deuteronômio 28.

0 comentário mais detalhado de 2 Samuel 7 se acha em outro salmo real, Salmo 89. Depois de comentar a aliança davídica nos versículos 3-4, 19-37, os versículos 38-51 lamentam o colapso da monarquia e imploram que Deus continue fiel à Sua promessa a Davi, Semelhantemente, o Salmo 101, outro salmo real, ora pedindo orientação para o soberano escolhido por Deus,

Um dos salmos mais citados no NT, porém, é o satmo real, Salmo 110, Aqui, o salmista combinou o sacerdócio com a realeza na pessoa do Messias. Assim, pois, como a nação inteira tinha sido constituída como reino de sacerdotes e nação santa, assim agora o monarca davídico foi feito um rei-sacerdote como aquele que se chamava Melquísedeque, cuja história e vida formavam um paralelismo com o homem da promessa anterior a Davi, Abraão, O cetro da conquista nas mãos do novo rei davídico que estava para vir resumiria a predição de Balaão — ou seja, seu domínio conquistador esmagaria todos os seus inimigos.

Assim como Davi, sem dúvida, certo dia parou para meditar na grande vitória que Deus dera àquele homem da promessa anterior a ele, Abraão, quando este enfrentou quatro reis da Mesopotâmia (Gn 14), e ganhou, parando apenas para pagar dízimos ao sacerdote de Salém (Jerusalém?) no caminho para casa, Davi também se sentia refrigerado (SI 110:7) como se tivesse bebido profundamente das águas de um ribeiro fresco, A mesma promessa pertencia a ele também; e, sendo assim, o resultado das suas batalhas, reinado e dinastia era uma conclusão já prevista conforme fora o caso de Abraão.

O Salmo 132 combinava a chegada da arca em Jerusalém com o juramento feito a Davi acerca de sua dinastia. 2 Crônicas 6:41-42, que cita versículos 8-10, mostra que este salmo estava em uso nos dias de Salomão na dedicação do templo, e que a arca terminara sua tonga viagem. Agora o reino de fato fora estabelecido

35 Ver o excelente clássico, Oswald T, All is, "Thy Throne, O God, Is For Ever and Ever", Princeton Theological Review 21 (1923): 236-66.

Ver Roland E. Murphy, "A Study of Psalm 72 (71 )" (Dissertação de doutorado em filosofia, Universidade Católica da América, 1948).

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í O Rei da Promessa: A Era Davídica 167

por Deus, pois o templo estava completo e o penhor da presença de Deus estava no templo de Salomão.

O último salmo real é o Salmo 144, que é substancialmente semelhante ao Salmo 18. Davi, depois de ter trazido à memória o padrão divino de libertação, cantou um "cântico novo" na nova era do porvir (SI 96:1; 98:1; 149:1; cf. Ap 5:9; 14:3).

Duvida-se que estes salmos representem, conforme pensava H.J, Krause, uma festa real em Sião, com uma procissão que representava a entrada de Javé em Jerusalém para comemorar a transferência da arca. As mesmas dúvidas poderiam ser aplicadas à escola de Uppsala e a Sígmund Mowinckel com seus "salmos de entronização" que são erradamente traduzidos para declarar "Javé Se tomou rei" (SI 47, 93, 96-99), ao invés da tradução certa "Javé reina". Mesmo assim, nada há de substancial nestes pontos de vista para afetar a teologia destes salmos.

Mais significativo é o fato de que, o que acontecia ao rei, acontecia ao povo. Suas vidas eram totalmente vinculadas com a dele. Quando ele agia em fidelidade e retidão, a prosperidade e a bênção eram os resultados (SI 18; 45:6-7; 101). Quan-do, porém, o rei era rejeitado, eles também o eram. O rei, portanto, ficou sendo o canal de bênçãos e julgamentos de Deus. Assim também seria com o último Davi ou o novo Davi; só que Seu domínio seria sem limites, e Seu reino seria reto, justo, e cheio de toda perfeição.

A Narrativa da Sucessão e o Reino

Conforme já foi indicado anteriormente neste capítulo, Leonhard Rost convenceu a maioria dos estudiosos que 2 Samuel 9-20 e 1 Reis 1-2 formam uma "história da corte" em que os primeiros dois capítulos de 1 Reis providenciaram a chave para a obra total. Sustentava-se que Salomão sucedeu a Davi, no lugar dos seus irmãos mais velhos Amnon, Absalão e Adonias, porque, diferentemente dos seus irmãos, não imitou o pecado de Davi com Bate-Seba.3 7

Um propósito tão limitado para incluir esta seção entre os oráculos divinos para Israel (i.e., a justificativa do reinado de Salomão) foi achado em falta por Jackson,38 uma vez que 1 Reis 3-11 continuou, dando os detalhes de tantas falhas

37 Para algumas das contribuições mais importantes a uma imensa bibliografia, ver Jared

J. Jackson, "David's Throne: Patterns in the Succession Story", Canadian Journal of Theology 11 (1965): 183-95; R.N, Whybray, The Succession Narrative (Naperville: Alienson, Inc. 1968); James W. Flanagan, "Court History or Succession Document?" Journal of Biblicaf Literature 91 (1972): 172-81.

3 8 Jackson, ibid. pág. 185.

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168 Teologia dó Antigo Testamento

na vida de Salomão, (Será que o "redator final"[?] poderia ser tão ineficiente e ingênuo?) E, embora o texto, no seu plano interno, ressalte uma "delineação de caráter", para empregar a excelente frase de Jackson, há aqui algo mais do que mera moralização acerca do caráter da famflia de Davi,

Trata-se da "historiografia teológica" segundo a expressão de von Rad, e o início da "operação da profecia de Natã".39 Embora o ungido tenha sido engo-dado nas suas próprias concupiscências, embaraçado por revoltas na sua própria família, e amaldiçoado por outros, a garantia da parte de Deus ficou firme. Não se tratava de "até que ponto Davi manteve o controle legítimo sobre os reinos de Judá e Israel", conforme os argumentos que Flanagan apresentou, com alguns modos interessantes de encaixar narrativas,40 mas, sim, de como Javé controlava o destino humano para Seu próprio propósito. É verdade que só houve três decla-rações explícitas da intervenção de Javé:

Porém isto que Davi fizera, foi mal aos olhos do SENHOR. - 2 Samuel 11:27

Teve ela um filho a quem Davi deu o nome de Salomão; e o SENHOR o amou. — 2 Samuel 12:24

Pois ordenara o SENHOR que fosse dissipado o bom conselho de Aitofel, para que o mal sobreviesse contra Absalão. (Este é possivel-mente o versículo mais crucial do documento inteiro.)

- 2 Samuel 17:14

No entanto, assim como Ronald Hals demonstrou para o livro de Rute,41 aqui também a teologia da intervenção divina era, muitas vezes, mais implícita do que explícita. E tudo girava em torno do plano de Deus para o trono e reino de Davi. No meio da tragédia e fracasso dos homens, o propósito e a promessa de Deus sempre avançavam, inexoravelmente*

39 Von Rad, Teo/ogia, 1:316. 40 J, W. Flanagan, "Court History," päg, 173. 4 1 Ronald Hals, Theology of the Book of Ruth (Philadelphia: Fortress Press, 1969), pägs»

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Os estudiosos judeus e protestantes usualmente consideram apenas os Livros de Jó, Provérbios, Eclesiastes e Cantares de Salomão como sendo livros sapiência is, enquanto a erudição católica acrescenta os livros extra-canônicos de Eclesiástico (Ben Siraque) e a Sabedoria de Salomão. Ambos os grupos acrescentavam vários salmos a estes quatro (ou seis) livros.

Os critérios para se distinguir salmos sapienciais podem ser divididos em duas categorias: formais (estilo literário) e temáticos (conteúdo). Fazendo uso dos estudos de Roland E, Murphy,1 Sigmund Mowinckel,2 e R.B.Y, Scott,3 pode-se fazer uma montagem do seguinte estilo distinto dos salmos sapienciais: (1) estilo

1 Roland E, Murphy, "Psalms", Jerome Biblical Commentary, 1 vol., Raymond E, Brown, Joseph A. Fitzmyer, e Roland E, Murphy, editores (Englewood Cliffs: Prentice-Hall, 19681, pSg, 574; idem, "The Classification of Wisdom Psalms", Vetus Testamenturn Supplement 9 (1963): 156-67,

2 Sigmund Mowinckel, "Psalms and Wisdom", Vetus Testamentum Supplement 3 (1955):

204-24. 3 R,B.Y. Scott, The Way of Wisdom (Nova lorque: Macmillan Co., 1971), pigs. 193-201.

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170 Teologia do Antigo Testamento

alfabético tal como nos salmos acrósticos; (2) ditados numéricos: e.g. "três, sim, quatro"; (3) "bem-aventuranças" Casrê); {4} ditados daquilo que é "me-lhor"; (5) comparações, admoestações; (6) discursos de um pai para seu filho; (7) o emprego de vocabulário e fraseologia sapiencial; e (8) o emprego de pro-vérbios, símiles, perguntas retóricas, e palavras tais como "escuta-me". Exem-plos de temas sapienciais são: (1) o problema da retribuição; {2) a divisão en-tre os justos e os ímpios; (3) exortações para se confiar pessoalmente no Senhor; (4) o temor do Senhor; e (5) a meditação da lei escrita de Deus como fonte de delícias.

Empregando tanto o critério formal como o temático, facilmente se pode classificar os seguintes salmos como salmos sapienciais: 1, 37, 49 e 112. A estes se pode acrescentar 32, 34, 111, 127, 128 e 133. Considerando a meditação na lei de Deus como um critério, pode-se incluir os Salmos 119 e 19:7-14 também. Talvez o Salmo 78 com seu convite: "Escutai, povo meu, a minha lei" e suas formas do provérbio (mãsãf) e enigma (hídôt) (v. 2), também se qualifique para a classi-ficação entre os salmos sapienciais. Concluímos, portanto, que os Salmos 1, 19b, 32, 34, 37, 49, 78, 111, 112, 119, 127, 128 e 133 pertencem è categoria sapi-encial juntamente com os quatro livros de sabedoria.

No decurso dos últimos quarenta anos, a maior parte das pesquisas com respeito à literatura sapiencial tem tratado do relacionamento entre os escritos sapienciais de Israel e os dos seus vizinhos do Egito e da Mesopotâmia. Surgiu, no entanto, outro desenvolvimento bem-vindo. Algumas pessoas se lançaram à tarefa de descobrir as conexões entre a sabedoria e a Criação,4 entre a sabedoria e Deuteronômio,5 entre a sabedoria (ou sapiência) e os profetas.6

A literatura sapiencial era, de fato, o recipiente dos legados teológicos dos tempos mosaicos e da história profética dos profetas anteriores, O melhor argu-mento em prol de uma clara conexão entre estas eras (embora numa ordem inver-tida de dependência comparada com a que sustentamos aqui) foi o estudo feito

A Walther Zimmerli, "The Place and Limit of Wisdom in the Framework of the Old

Testament Theology", Scottish Journal of Theology 17 (19641: 146-58. 5 Moshe Weinfeld, "Wisdom Substrata in Deuteronomy and Deuteronomic Literature",

Deuteronomy and the Deuteronomic School (Oxford: Clarendon Press, 1972), págs. 244-74; ver também Erhard Gerrtenberger, "Covenant and Commandment", Journal of Biblical Lite-rature 84 (1965): 38-51, esp, 48-51.

6 William McKane, Prophets and Wise Men (Londres; SCM, 1965); ver também nosso capitulo 4 para uma discussão adicional destas questões.

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A Vida na Promessa: A Era Sapiênciai 171

por Moshe Weinfeld de "Os Substratos Sapiência is em Deuteronõmio e na Litera-tura Deuteronômica".7

Segundo Weinfeld, a presença de líderes e magistrados que eram "homens capazes, tementes a Deus, homens de verdade, que aborreçam a avareza" (Êx 18:21},"homens sábios, entendidos e experimentados" (Dt 1:13-17; cf. Nm 11: 11-30) se correspondia bem com as qualidades que se exigiam dos líderes na litera-tura sapienciaL Assim, em Provérbios 8:15-16 era pela sabedoria que "reinam os reis, e os príncipes decretam justiça . - - governam os príncipes, os nobres e todos os juízes da terra". Weinfeld notou que até a fraseologia achada na nomeação dos juízes em Deuteronõmio 1:9-18; 16:18-20, a saber: "não ser parciais no juízo", se vê outra vez apenas em Provérbios 24:23; 28:21.

Alguns dos paralelismos principais alistados por Weinberg, entre Deutero-nõmio e a literatura sapiênciaI eram:

1. "Nada acrescentareis à palavra que vos mando, nem diminuireis dela" {Dt 4:2; cf. 12:32 [13:1]), "Toda palavra de Deus é pura . . . Nada acrescentes às suas palavras" (Pv 30:5-6).

2. "Não mudes os marcos do teu próximo" (Dt 19:14; cf. 27:17). "Não removas os marcos antigos que puseram teus pais" (Pv 22:28; cf. 23:10).

3. "Na tua bolsa não terás pesos diversos {'eben wã 'ãben) > , , duas sortes de medida Vêpah we'êpâh). * . [porém] peso integral e justo {'eben íefèmâh). Porque é abominação ao SENHOR8 teu

T"T

Deus todo aquele que pratica tal injustiça" (Dt 25:13-16).

7 Weinfeld, "Wisdom Substrata", págs, 244-45. Segundo nossa ordem, Deuteronõmio é claramente um documento do segundo milênio que exibe, na inteireza, o mesmo esboço mostrado pela Gattung literária dos tratados heteus de vassalagem. Cf. M. Kline, Treaty of Great King (Grand Rapids: Eerdmans, 1962); Kenneth Kitchen, Ancient Orient and Old Testament (Downers Grove: In ter Varsity Press, 1964); R,K, Harrison, introduction to the Old Testament (Grand Rapids: Eerdmans, 1969). Outros estudiosos que acreditavam que Deuteronõmio influenciara a sapiência bíblica são alistados por Weinfeld, "Wisdom Substrata", pág. 260, n. 4. Nomeia, entre outros, A, Robert, "Les attaches fittéraires bibüques de Prov,t 1 - 9", Revue BibUque 43 (1934): 42-68, 172-204, 374-84; 44 (1935): 344-65, 502-25. O.E, Oesterley, Wisdom of Egypt and the Old Testament (Londres: Society for Promoting Christian Knowledge, 1927), pág, 76 e seg.

g A expressão "abominação diante do Senhor" surge, conforme Weinfeld, "Wisdom

Substrata", pág- 268, quatro vezes no Ensino de Amenemope (14:2-3; 13:15-16; 15:20-21; 18:21-19:1, Em Deuteronõmio, aparece em 7:25-26; 12:31; 17:1; 18:9-12; 22:5; 23:18; 24:4; 25:13-16; 27:15 e em Provérbios em 3:32; 11:1, 20; 12:22; 15:8-9, 26; 16:5; 17:15; 20:10, 23.

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172 Teologia do Antigo Testamento

"Dois pesos {'eben wã'ãben) são coisa abominável ao SENHOR" (Pv 20:10, 23); "mas o peso justo" Veben $etemâh) é o seu prazer" (Pv 11:1),

4. "Quando fizeres algum voto ao SENHOR teu Deus# não tardarás em cumpri-lo" {Dt 23:21-23), "Não te precipites com a tua boca .. . quando a Deus fizeres algum voto . , . cumpre o voto que fazes" Ec 5:1 -5).

5. "Não sereis parciais no jufzo" {Dt 1:17; cf. 16:19). "Parcialidade no julgar não é bom" {Pv 24:23; cf. 28:21).

6. "A justiça seguirás, somente a justiça, para que vivas" (Dt 16:20). "O que segue a justiça achará vida" (Pv 21:21; cf. 10:2; 11:4, 19; 12:28; 16:31).

Estes exemplos são, naturalmente, apenas um começo. Bastam, porém, para ilustrar a verdade de que a sabedoria não era completamente separada, quanto aos conceitos e quanto à teologia, de matérias que, segundo nosso juízo, são ante-riores aos tempos sapienciais. A influência da sabedoria também estendeu-se além de seus dias até a era dos profetas. Este desenvolvimento já foi parcialmente traçado no capítulo 4.

Independentemente de até onde ou em que direção aquela influência fo i se espalhando, a pergunta-chave é: Qual rubrica teológica ou termo especial englo-bava a promessa e a lei juntamente com a sabedoria? Cremos que tal conceito fosse "o temor de Deus/do Senhor".

O Temor do Senhor O temor do Senhor, mais do que qualquer outra frase, vinculava a promessa

patriarcal juntamente com a lei e a sabedoria. Hans Walter Wolff argumentou em prol deste mesmo fato,9 pelo menos por parte daquela revelação, baseado no ponto de vista dele quanto às fontes, quando observou:

A palavra normativa de Deus pronunciada no monte Sinai diante de todo Israel, se dirige ao mesmo alvo que Ele estabeleceu para os patri-arcas: o temor a Deus, que produzia obediência através da confiança na promessa de Deus {Gn 22).

9 Hans Walter Wolff, The Vitality of Old Testament Traditions, Walter Brueggemann e Hans W. Wolff, editores (Atlanta: John Knox Press, 1975), p. 75.

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A Vida na Promessa: A Era Sapiência/ 173

Wolff, em seguida, foi traçando nalgumas matérias patriarcais e mosaicas aquilo que ele julgava ser um dos temas dominantes — o temor a Deus. Surgiu na era patriarcal como a resposta da fé obediente de Abraão em Gênesis 22:12 quando ele se dispôs a oferecer seu filho Isaque a Deus; na resposta da fé dada por José (Gn 42:18); e especialmente na qualidade de vida, divinamente apro-vada, evidenciada por Jó (1:1, 8-9; 2:3).

Na era mosaica, aumentou-se a visibilidade do temor a Deus. As parteiras estavam entre as pessoas que temiam a Deus (Êx 1:17). Desse modo, "o povo aumentou e se tornou muito forte" {v. 20), e as famílias das parteiras prospe-raram — e, mais uma vez, o texto sublinhava a razão — "porque as parteiras te-meram a Deus" (v. 21). Assim também Israel temia a Deus no Êxodo (Êx 14:31); de fato, se aquele temor sempre ficasse com eles, não pecariam (20:20)- Sendo que o Senhor era Deus de Israel, os israelitas sempre deveriam temê-Lo (Lv 19:14, 32; 25:17, 36, 43) e assim, viver,

Foi, porém, o livro de Deuteronômio que fez com que o temor ao Senhor se tornasse um ponto focal de preocupação (4:10; 5:29; 6:2, 13, 24; 8:6; 10:12, 20; 13:4; 14:23; 17:19; 28:58; 31:12-13). Este temor não era um sentimento artificialmente produzido de pavor numinoso; era, pelo contrário, o resultado de ouvir, aprender e responder à Palavra de Deus (4:10; 8:6). Em Deuteronômio, o te-mor ao Senhor andava juntamente com o "guardar Seus mandamentos", "andar após Ele", "servi-Lo", "amá-Lo", e "apegar-se a Ele" {cf. espec. 10:12-13; 13:5). Portanto, temê-Lo era amá-Lo, apegar-se a Ele, e servi-Lo (10:20; 13:4-5).

Temer a Javé era o entregar-se a Javé pela fé, assim como fizeram alguns dos egípcios (êx 9:20,30; cf. o "misto de gente" que deixou o Egito juntamente com Israel em 12:38). Além disto, Salomão não tinha orado em prol de "todos os povos da terra" que viriam a conhecer Seu nome e temê-Lo em 1 Rs 8:43?

Era necessário, no entanto, aprender como temer a Javé (Dt 4:10; 14:23; 17: 19; 31:12-13; SI 34:11 [12]), Este temor era um princípio orientador para todos os aspectos da vida e "todos os dias que na terra viverem" (Dt 4:10; 5:29; 14:23; 31:13; Pv 23:17).10 Incl uía a obediência, o amor, a lealdade e a adoração do crente, con-forme a conclusão tirada por R. N. Whybray.11 Foi assim que Obadias disse a Elias: "Eu, contudo, teu servo, temo ao SENHOR desde a minha mocidade" (1 Reis 18:12).

10 Ver a discussão de Weinfeld do "Temor de Deus", ''Wisdom Substrata", págs. 274-81; Gerhard von Rad, Wisdom in Israel (Nashville: Abingdon, 1972), págs. 65-73; Bernard J. Bam-berger, "Fear and Love of God in the Old Testament", Hebrew Union College Annuai 6 (1929): 39-53.

1 1 FUM. Why bray, Wisdom in Proverbs (Londres: SCM, 1965), págs. 96-97.

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174 Teologia do Antigo Testamento

Quando chegamos aos livros e salmos sapienciais, vemos que o temor ao Se-nhor já se tornou a essência do conhecimento e sabedoria divinos. Embora esta frase tenha ocorrido pouco mais do que duas dúzias de vezes, além das formas com sufi-xos tais como "teu temor" ou as declarações verbais, suas localizações muitas vezes são estratégicas e freqüentemente serviam como o próposito inteiro para se escrever alguns destes livros. Em Provérbios 1:7, servia como lema do livro inteiro, enquanto em Eclesiastes 12:13-14 funcionava como resumo total do argumento do livro intei-ro (cf. também Ec 7:18; 8:12). Semelhantemente, em Jó 28:28 formava o clímax dramático do poema inteiro com respeito à sabedoria, poema este que, por sua vez, era o âmago de todo o debate tempestuoso. Ao invés de considerar Jó 28 como uma interrupção interposta no fluxo do argumento entre Jó e os seus amigos, devemos reconhecer que era a tentativa do escritor no sentido de dar aos seus leitores uma perspectiva revelatória no meio de tanta conversa destituída da sabedoria divina, Assim, em três dos quatro livros sapienciais, o temor a Deus/ao Senhor era critica-mente importante para entendê-los.

O "temor ao Senhor", além de surgir como lema do Livro de Provérbios, ocorre treze vezes neste Livro: 1:29; 2:5; 8:13; 9:10; 10:27; 14:26-27; 15:16, 33; 16:6; 19:23; 22:4; e 23:17. Além disto, devemos também considerar as for mas ver-bais em 3:7; 14:2; 24:21; e 31:30.

Este temor era o "princípio" (rêsft, Pv 1:7} do conhecimento, o "primeiro princípio" (fihiiâh, 9:10) da sabedoria. Quando os homens estavam em relaciona-mento correto com Deus, então seu relacionamento era apropriado para entende-rem os objetos e o próprio mundo.

Quando os homens temiam ao Senhor, também evitavam o mal IS! 34:11,14; Jó 1:1, 8; 2:3; 28:28). De fato, odiavam o mal (Pv 3:7; 16:6) e, pelo contrário, an-davam na retidão (14:2) e não na perversidade (16:17). Os resultados deste tipo de vida eram o aumento da duração de vida (10:27), o aumento das riquezas e da honra (22:4), e segurança e proteção (1426; 19:23). A conexão da bem-aventu-rança e da qualidade de uma vida santa com o temor a Deus não era acidental.

Os crentes que temiam a Deus facilmente se distinguiam dos seus opostos no Livro dos Salmos também- Eram pessoas dedicadas e justas na congregação do Se-nhor (SI 34:7,9 [8,10]; assim acontecia também nos Salmos não sapienciais tais co-mo 25:12,14; 33:18; 103:11,13,17; 145:19). Ele é o homem que guarda a lei de Deuse nela medita de dia e de noite (19:7-14; 112:1; 119:33-38, 57-64). Louva o nome de Javé (22:22-23) e o favor do Senhor repousa sobre ele (33:18; 103:13; 147:11).

Eclesiastes também contribuiu para ensinar algo semelhante: Deus fizera o ho-mem de tal maneira que, sem um conhecimento pessoal do Deus vivo, i,e., o temor dEle, tudo o mais seria insípido (Ec 3:14). Tudo, porém, iria para aqueles que te-

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messem a Deus (8:12), e se sairiam vitoriosos depois de se terem apegado à verda-deira sabedoria enquanto rejeitavam o mal (7:18). A própria adoração destes homens refletiria sua situação de tementes a Deus (5:1-7). Esta, de fato, era a integridade e totalidade dos homens e mulheres; temiam a Deus e guardavam Seus mandamentos. Foi este o propósito inteiro em se escrever o Livro de Eclesiastes (12:13),

Pode, portanto, ser dito em plena confiança que o temor ao Senhor era o con-ceito dominante e princípio teológico organizante na literatura sapiênciaI. Era a resposta da fé à palavra divina da promessa e da bênção, exatamente como funcio-nara nos dias de Abraão e Moisés,

Aqui havia, no entanto, muito mais do que apenas uma resposta de fé, crença, obediência e adoração. Era o modo de entrar no entendimento e gozo de todas as coisas cr iadas.12 U ma das bênçãos de Deus era Sua obra de criação; esta também fazia parte da Sua obra na história! E verdade que aquela não tinha relacionamento direto com o processo redentor em Israel, mas, mesmo assim, era uma das Suas pala-vras e obras de bênção — em todos os sentidos da palavra: uma dádiva graciosa à hu-manidade, E a própria sabedoria mediante a qual Efe originalmente criara o mundo, Ele agora oferecia aos homens e mulheres como Sua sabedoria. Sem aquela sabedo-ria, a humanidade ficaria destituída de liderança eficaz, e iria para a falência quanto à sua apreciação ou apreensão de Deus, dos homens e das coisas; de fato, a própria vida perderia o sentido, e ficaria isenta de satisfação e alegria. Quando, porém, o te-mor ao Senhor guiava os homens pelo caminho, então a vida era uma bênção de Deus.

A Vida no Senhor A conexão entre o temor do Senhor e a vida se afirma explicitamente nos

seguintes textos de Provérbios:

O temor do SENHOR prolonga os dias da vida, mas os anos dos perversos serão abreviados,

- 10:27

O temor do SENHOR é fonte de vida, para evitar os laços da morte.

- 14:27

O temor do SENHOR conduz à vida; aquele que o tem ficará satisfeito, e mal nenhum o visitará.

- 19:23

12 Zimmerli, JIPlace and Límit", págs. 146-58.

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176 Teologia do Antigo Testamento

O galardão da humildade e o temor do SENHOR são riquezas e honra e vida.

- 22:4

Assim como Levítioo 18:5 dera o seguinte conselho a todos aqueles cujo Deus era o Senhor: "Cumprindo estes [juízos], o homem viverá por eles", assim também os livros sapiência is continuaram o tema. Demonstram que: (1) a obediência é "o ca-minho da vida" (Pv 2:19; 5:6; 10:17; 15:24); (2) o ensino dos sábios e o temor ao Senhor são "fontes da vida" (13:14; 14:27); e (3) a sabedoria, a retidão e uma língua mansa são, cada uma, "árvore de vida" (3:18; 11.30; 13:12; 15:4).

Aquela tinha sido a mensagem da lei de Moisés, Desde o momento em que Is-rael recebeu a graça e a redenção da parte de Deus, o povo foi exortado a "observar" e "cumprir" todos os mandamentos do seu novo Senhor, "para que vivais" (Dt 8:1), Esta vida não era apenas algo matérialístico; pelo contrário, tinha raízes e alvos espi-rituais. Os homens não podiam viver de pão somente, mas de toda palavra que pro-cedia da boca do Senhor (v. 3), Assim, os israelitas tinham a vida e a morte colo-cadas diante deles: foram exortados a escolherem a vida (30:15,19). Poderiam fazer assim ao amarem ao Senhor seu Deus, e "apegando-se a ele: pois disto depende a sua longevidade" (v.20).

Resolver o problema do relacionamento entre o Sinai e a promessa era resol-ver o problema do relacionamento entre a sabedoria e a promessa/3 Conforme observou Roland E. Murphy, estes temas sapienciais de "temor do Senhor", "justi-ça", "entendimento" e "honestidade" teriam sido identificados pelos judeus daque-la época "como as idéias morais expressadas na Lei",14 Portanto, confiar pessoal-mente no Prometido que estava para vir (conforme fez Abraão em Gn 15) era a mesma coisa que ficar entre aqueles que "temiam ao Senhor". Juntamente oom esta decisão inicial de se entregar ao Deus que prometera um herdeiro {o "Descenden-

13 Ver, provisoriamente, Walter C. Kaiser, Jr«, "The Law of the Lord: Teaching the Paths of Life", The Old Testament in Contemporary Preaching (Grand Rapids: Baker Book House, 1973), págs. 49-69, 118 e segs. Coert Rylaarsdam, Revelation in Jewish Wisdom Literature (Chicago: University of Chicago, 1946], pág. 23, indicou também a instrução dos pais atada ao pescoço (Pv 6:20-22; 7:3) como sendo semelhante à função da lei como guia em Deuteronômio 6:4-9; semelhantemente, "os justos" possuirão a terra como herança (Pv 2:21; 10:30; cf, Dt 4:21, 38; 15:4; 19:10; 21:23; 24:4; 25:19; 26:1). Alfred von Rohr Sauer argumentou, incorretamente, que a sabedoria e a lei foram juntadas posteriormente em Esdras, "Wisdom and Law in Old Testament Wisdom Literature", Concordia Theological Mon-thly (1972): 607,

1 4 Roland E, Murphy, "The Kerygma of the Book of Proverbs", Interpretation 20 (1966): (1966): 12.

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A Vida na Promessa: A Era Sapiência! 177

te"), uma herança {a "terra") e uma tradição ("na sua descendência serão abençoa-das todas nações da terra"), inclufa-se o estilo de vida subseqüente de obediência à palavra e aos mandamentos de Deus. O resultado ou fruto desta confiança e obe-diência se podia resumir numa só palavra: "vida". Por definição, portanto, temer a Deus era apartar-se do mal e escolher o caminho da vida, Todo orgulho, arrogância, perversidade no falar e comportamento tortuoso, deviam ser abandonados na vida do homem que temia ao Senhor (Pv 3:7; 8:13; 14:2; 16:6; 23:17).

A Integração da Vida e da Verdade no Senhor 0 maior argumento já apresentado em prol da unidade de toda a verdade,

seja daquela que se chama secular e daquela que se chama sagrada, se vê no Livro de Eclesiastes. Todo o ponto de vista de Salomão era positivo, não sendo uma atitude negativa ou meramente naturalista, O tema do temor a Deus surgiu seis vezes (3:14; 5:7; 7:18; 8:12 [2 vezes], 13), antes do grande final do seu argumento inteiro ter chegado ao auge em 12:13: "Ouçamos a conclusão do assunto: Teme a Deus, e guar-da os seus mandamentos; porque isto é a plenitude fkoi haãadâm} do homem". [Tradução do autor.]

Ninguém produziu um ensaio mais programático sobre este Livro do que J. Stafford Wright.15 Segundo a opinião dele, Eclesiastes 3:11 era um dos versículos--chave:

Tudo fez Deus formoso no seu devido tempo; também pôs a eternidade [hã'òfãm] no coração do homem, sem que este possa descobrir as obras que Deus fez desde o princípio do mundo.

O homem, em si mesmo e por si mesmo, conforme o argumento de Cónego Wright, não podia juntar as peças do quebra-cabeça da vida — seja secular, seja sagrada. Mesmo assim, ansiava por saber como fazer tudo se encaixar, porque ele tinha um vácuo, criado por Deus, do tamanho da eternidade, ardendo por receber sua satisfa-ção naquele ser que tinha sido criado à imagem de Deus, A "vaidade de vaidades" de Eclesiastes, portanto, não era que a vida era enfadonha, cheia de futilidade, de vazio, ou a conclusão frustradora de que nada fazia com que a vida valesse a pena. Não!

15 J. Stafford Wright, "The Interpretation of E eclesiastes", publicado originalmente em Evangelical Quarterly (1964) e agora, com a bondosa permissão do autor, é reproduzido numa antologia que o autor deste estudo compilou e que agora está convenientemente disponível em Classical Evangelical Essays in Old Testament Interpretation (Grand Rapids: Baker Book House, 1972), págs. 133-50.

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178 Teologia do Antigo Testamento

Pelo contrário a "vaidade" [hebei]1 6 era apenas que a vída em e por si mesma não podia oferecer a chave do seu próprio significado, nem podia verdadeiramente li-bertar a pessoa. Nenhuma parte do universo de Deus, que, nos outros aspectos, era bom, podia providenciar uma solução que a tudo abrangesse para integrar a verdade, a erudição e a vivência.

r Era somente quando alguém chegava a temer a Deus que começava a perceber a unificação da verdade, da erudição e da vivência (cf, Ec 7:14 e 8:14 também). A vida era deliberadamente esboçada em contrastes tão marcantes como: a vida ea morte, a alegria e a dor, a pobreza e a riqueza, de tal forma que cada homem pudes-se reconhecer que, à parte de um relacionamento de dedicação total (o "temor") a tal Senhor, nada viria a fazer sentido, e nunca poderia chegar a fazê-lo!

As acusações de epicurismo, ateísmo e hedonismo foram enfrentadas dire-tamente por Otto Zockler:

Numa época que tendia a abandonar a fé no governo santo e justo do mundo exercido por Deus, ele [o escritor de Eclesiastes] ainda se apega a esta fé, com constância comovente, e ele defende o fato de que o go-verno sábio do Deus Eterno e Onipotente, em contraste com a zombaria frívola dos tolos (2:26; 3:20 segs.; 5:1; 5:17-19; 8:14; 9:1-3; cf. 2:13; 4:5; 10:2 segs,; 10:13,14}... Ele nunca se cansa de indicar a justa retri-buição futura como motivo para se temer a Deus, que é a virtude prin-cipal dos sábios, que a tudo abrange (3:14-17; 5:6; 6:6,10; 8:12 segs,; 10:9; 12:13,14), nem se cansa de apoiar a constância inabalável na vo-cação individual como a melhor forma da prudência.,, (cf. 2:10; 3:22; 5:1 7,18; 8:1 5, etc),1 7

Mais uma vez, era óbvia a conexão com a lei: temer a Deus e guardar Seus mandamentos eram estreitamente vinculados, O conselho dado neste livro era apli-cado às situações mais práticas da vida, mas seu alvo era recomendar o mesmo pa-drão de retidão que a lei de Moisés ordenou. Sua própria contribuição à expansão que se desdobrava daquele mesmo âmago da verdade era o fato de que o temor ao Senhor era tanto o começo como a essência de uma vida verdadeiramente integrada.

1 6 Theophile J. Meek argumenta que "neste livro curto, parece que hebei vem sendo empregado em cinco sentidos diferentes, pelo menos; ' fút i l ' (mais freqüente, e. g., 1:2); 'vazio' íe. g., 6:12); 'lastimável' (e, g., 6:4); 'sem sentido' (et g., 8:14); e 'transitório' (er g., 11:10)", Ver seu artigo, "Translating the Hebrew Bible", Journal of Biblical Literature 79 (1960): 331.

1 7 Otto Zockler, Proverbs of Solomon em J,P. Lange, A Commentary on the Holy Scriptures, 14vols. (Nova Iorque: Scribner, Armstrongs Co., 1877), 10:17.

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A Vida na Promessa: A Era Sapiência! 179

Não havia nenhum divórcio entre o secular e o sagrado, a fé e o conhecimento, a erudição e a crença, a fé e a cultura.

Além disto, Gerhard von Rad, com toda a razão, fustigava aqueles que, tais como William McKane, queriam aplicar um padrão evolucionário à sabedoria por meio de sugerir que a sapiência primitiva era, primeiramente, fundamentalmente secular, sendo depois "batizada" eteologizada para entrar na religião javística, Von Rad disse, com respeito a uma passagem tal como Provérbios 16:7-12, onde "expe-riências do mundo" se alternavam com "experiências de Javé": "Seria loucura supor que houvesse algum tipo de separação, como se, num dos casos, estivesse falando o homem de percepção objetiva, e, no outro caso, o crente em Javé".1 8 No entanto, Von Rad tinha cedido um pouco. Isto porque, embora notasse que a chamada da sabedoria era sempre uma chamada divina, embora fosse expressada num mundo secular, e separadamente das coisas sagradas, ressaltou que esta chamada divina J'não se legitimava pela história da salvação, mas, sim, da criação",19 Assim, chegou á conclusão de que os ensinadores sapienciais não tinham interesse algum em

... procurar uma ordem para o mundo... Não se pode dizer de modo al-gum que uma ordem mundial existe entre Deus e o homem,.. Os ensi-nadores atuam dentro de uma dialética que é fundamentalmente in-capaz de solução, falando, de um lado, de regras válidas, e, do outro la-do, de ações divinas ad hoc,20

Esta negação, no entanto, separa a sabedoria do restante do Antigo Testamento e dos seus próprios objetivos declarados. Isto porque, embora possamos concordar que a Criação desempenha um papel maior do que antes, na teologia,21 devemos igualmente reconhecer o interesse do escritor bíblico em integrar tudo isto.

Apresentar o tópico da integração da verdade, dos fatos e do entendimento é apelar para a unidade da verdade que foi possibilitada pelo Deus único que criou um

I Q Gerhard von Rad, Wisdom in Israel (Nashville: Abingdon, 1972), pág. 62. Cf. William

McKane, Prophets and Wise Men (Naperville: Allenson, Inc., 1965), pág. 47, H, Carl Shank , fez alguma crítica de dicotomias entre natureza e graça que se acham nalguns dos comen-

tários de Leupold, Delitzsch, Hengstenberg, e nas notas deScofield; ver o artigo dele, "Qohe-leth's World and Life View as Seen in His Recurring Phrases", Westminster Theological Jour-nal 37 (1974): 57-73, esp. 60-65, onde propõe uma dicotomia entre fé e vista no lugar da-quela*

1 9 Gerhard von Rad, Teologia do Antigo Testamento, 1:452. 2 0 Von Rad, Wisdom in Israel, pág. 107. 2 1

Ver Zimmerli, "Place and L imi t " , págs. 146-58, "A sabedoria pensa resolutamente dentro do arcabouço de uma teologia de criação'1, pág. 148,

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180 Teologia do An tigo Testamento

UNI-verso. Assim, a base doutrinária para quaisquer normas de verdade e de caráter se fundamenta, em última análise, numa doutrina da Criação e da pessoa do Criador. Deve ser mencionado, com todo respeito, além disto, que a sabedoria tem um lugar na história entre Deus e Israel tanto quanto o monte Sinai e a aliança mosaica. Quem viu o lugar da primeira, percebe a função da outra. Israel, como todas as criaturas aqui na terra, devia temer ao único Deus verdadeiro, Javé, Os padrões universais se-riam aquelas normas previstas na lei de Deus (SI 19, 119; Ec 12:13) e naqueles pro-vérbios que tratavam da "vida", do "conhecimento", do "entendimento" edo "te-mor a Deus". Conseqüentemente, uma cosmovisão compreensiva bem como o pleno desfrutar da vida era impossível sem um reconhecimento do Criador, o mesmo Deus que falara nos Seus mandamentos. Devemos nos lembrar que esta mesma prioridade de "temer a Javé" era exatamente aquilo que Deuteronômio exigira; só que ali era uma condição prévia à guarda da lei e do viver autêntico. Tanto a sapiência quanto a lei refletiam respostas adequadas daqueles que tinham fé autêntica na promessa.

A Sabedoria da Parte do Senhor A sabedoria não pode subsistir separadamente da fonte da sabedoria; não

pode, portanto, ser conhecida nem aplicada à parte do "temor ao Senhor",

A sabedoria se acha com Deus, e não em nenhum outro lugar; e, a não ser que a busca pela sabedoria faça com que o homem dobre seus joe-lhos em respeito e reverência, conhecendo sua própria incapacidade pa-ra se tornar sábio, a sabedoria permanece sendo, para ele, um livro se* lado.22

Cinco passagens em Provérbios, pelo menos, associam a sabedoria com o temor ao Senhor (1:7,29; 2:5; 8:12-14; 15:33). O temor ao Senhor faz com que o homem se deleite na sabedoria e na instrução (1:7), aceite conselhos e repreensão (vv. 29-30), e escute a sabedoria, o entendimento, e o conhecimento de Deus (2:1-6),

Sem dúvida, a passagem didática com respeito à sabedoria que ocupa uma po-sição chave é Provérbios 8, Este capítulo pode ser esboçado como segue:

A. A Excelência da Sabedoria (Pv 8:1-21) 1. No seu Apelo (vv. 1-3) 2. Na sua Verdade (vv. 4-12) 3. Nos seus Amores e Ódios (vv, 13-16) 4. Nas suas dádivas (vv. 17-21)

22 Lawrence E. Toombs, "Old Testament Theology and the Wisdom Literature", Journal

of Bible and Religion 23 (1952): 195.

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A Vida na Promessa : A Era Sapiênciaf 181

B, As Origens da Sabedoria (Pv 8:22-31} 1. Sua Existência antes que houvesse mundo (vv. 22-26) 2- Sua Participação Ativa na Criação (vv. 27-31)

C. As Bênçãos da Sabedoria (Pv 8:32-36) 1. A Admoestação Final {vv. 32-33) 2. A Bênção Prometida (vv, 34-36).

O lugar central desta discussão é ocupado pelo versículo 13 com a sua asseve-ração: "O temor do SENHOR consiste em aborrecer o mal; a soberba, a arrogância, o mau caminho, e a boca perversa, eu os aborreço". McKane, no entanto, não podia aceitar o versículo 13a conforme constava. Repetiu no seu comentário de Provér-bios23 o mesmo argumento que desenvolvera no seu livro Prophets and Wise Men,24

a saber: "o temor a Javé não é um ingrediente original da sabedoria original", era, pelo contrário "uma reinterpretação profética da sabedoria" e "imposta" sobre o sábio antigo para lhe dar um sabor mais javístico!25 Para apoiar esta tentativa de reinterpretar a passagem em Provérbios, foi asseverado que Provérbios 8:12-14 de-pendia de Isaías 11:1 e segs., que falava de um espírito (ruah) de sabedoria (hokmâh) e entendimento (bínâh), um ruah de conselho Cesâh) e poder (geburâh). Se, porém,

23 William McKane, Proverás; A New Approach (Philadelphia: Westminster Press, 1970),

pág. 348. Argumenta que o versículo 13a "interrompe a transição regular do v, 12 para v. 14". 14 McKane, Prophets, pág. 48 seg.

2 5 Norman Habel, , fThe Symbofism of Wisdom in Proverbs 1 - 9", Interpretation 26 (1972): 144, n. 24; 143-49, argumentou, incorretamente, em prol de uma divisão semelhante, porém interna, entre as "matérias sapienciais [empíricas] antigas" e as "reinterpretações javísticas" ilustrada em Provérbios 2:1-19 onde os versículos 9:11, 12-15 ilustram aquelas, e versículos 5-8, 16-19 ilustram o processo reinterpretativo. Parece, no entanto, que este esquema tem parco apoio exegético, e que o padrão foi imposto de modo intrusivo sobre o texto e a seqüência textual, sem qualquer evidência. Segundo parecer embora há décadas os estudiosos bíblicos tenham argumentado que a posição histórica da literatura sapiencíal tinha de seguir o suposto desenvolvimento literário de todas as demais nações — poema, narrativa e sabedoria (vindo após a literatura profética, e, mais especificamente, depois de Ezequiel por causa do fator predominante de elementos tais como recompensa pessoal), agora, desde 1924, com a descoberta e publicação dos antigos textos sapienciais egípcios, abandonaram, em larga medida, aquele ponto de vista. Os estudiosos estão recuando para uma nova linha de defesa que permite que os antigos "ditados sapienciais empíricos" sejam colocados no primeiro lugar na ordem cro-nológica, mas que restringe os ditados sapienciais teológicos a reinterpretações do tipo profé-tico de uma era bem posterior, Que se trata de táticas de óbvio desespero deve ser claro para todos aqueles que pesquisam e trabalham com dados tirados do antigo Oriente Próximo e da literatura sapiencial da Bíblia,

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182 Teologia do Antigo Testamento

se pode demonstrar que Provérbios é salomônico26 na sua maior parte, e se todas as alegações evolucionárias acabam se revelando tão sem fundamento como argumentos acima, então, a sabedoria que foi colocada à disposição da humanidade e dos reis em Provérbios foi a mesma sabedoria, com suas qualidades acompanhantes, que se acha-va nas descrições proféticas do rei messiânico que estava para vir.

Segundo Provérbios 8:12, a sabedoria ficava bem com a prudência, e facil-mente a guiava. Seu poder intelectual incluía todos os planos cuidadosamente pensados. Ela oferecia conselho, entendimento e a energia para levar a efeito todos os deveres atribuídos a reis, nobres, príncipes e soberanos da terra.

Sua prioridade temporal era ressaltada pelo emprego das seguintes dez pala-vras: 0 " iníc io" da Sua obra, rè'sft (Pv 8:22); a "primeira" das Suas obras "anti-gas", qedem.. . me'èz (v. 22); "desde a eternidade", mê'ôiãm (v. 23); "primeira-mente", mero's (v. 23); "desde o princípio" miqqadmê (v. 23); "quando não havia", be*ên (v. 24); "antes que os montes fossem formados", beterem (v. 25); "antes" de haver outeiros, lipnê (v. 25); "nem o princípio" do pó ter sido feito, werò's {v. 26), Ainda há mais três verbos que descrevem como ela veio a existir: o Senhor "me criou", qãnânf (v. 22); "nasci", nissaktC (v, 23), ou, se o verbo for derivado denãsík ("príncipe), " fu i nomeada"; e "nasci" hôiãitfiv, 24).

Uma vez que Provérbios 8:22-31 era uma expansão de Provérbios 3:19, que declarou que "O SENHOR com sabedoria fundou a terra, com inteligência esta-beleceu os céus", a discussão do termo 'ãmôn no versículo 30 não precisa ser muito difícil. Sem alterar a vocalização do texto para 'amün (particípio passivo qal de 'ãman, "nutr i r " daí, "lactente, criancinha"), podemos traduzir "Estive ao lado dEle, o Mestre Artífice"27 A sabedoria, portanto, alega ter estado pre-sente na criação; de fato, até declarou que funcionou como um dos meios através dos quais Javé criou o mundo. Sendo assim, 'ãmôn ficou em aposição ao pronome que representava Javé; e a sabedoria surgiu como um dos traços-chave de caráter manifestados na criação.

Tudo isto sugeriu algo diferente de uma hipostatização28 ou de uma origem

2 6 Ver as declarações internas, e discussões tais como: R.IC Harrison, introduction to

the Old Testament {Grand Rapids: Eerdmans, 1969), págs. 1010-21; Gleason L. Archer, Jr, Merece Confiança o Antigo Testamento? (São Paulo: Edições Vida Nova, 1979), págs. 530-41.

27 Assim argumenta Mitchell Dahood, "Proverbs 8:22-31: Translation and Commentary", Catholic Biblical Quarterly 30 (1968): 518-19.

2 8 Hei mer Ringgren, Word and Wisdom: Studies in the Hyposta tization of Divine Qualities

and Functions in the Ancient Near East (Lund: Hakan Ohlssons Boktryckeri, 1947).

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A Vida na Promessa: A Era Sapiênciai 183

mitológica29 da sabedoria. Whybray, no entanto, chegou à seguinte conclusão:

Os termos empregados para descrever a origem da sabedoria são meta-mórficos e não mitológicos, e a única palavra que pode ser interpretada como sendo uma referência à sua atividade ['ãmôn] na criação não vai, essencialmente, além da declaração em 3:19- Tudo quanto aqui se diz com respeito a ela pode ser interpretado naturalmente como sendo uma parte, propriamente dita, à personificação poética de um atributo de Javé.30

Desta forma, a conexão ou associação (não, portanto, a plena equivalência) do "temor do Senhor" com a sabedoria significava a natureza intrinsecamente religiosa de toda e qualquer sabedoria. Mais uma vez, podemos perceber que o homem arrogante, em si mesmo e de si mesmo, nunca poderia, agora ou no futuro, compreender nem receber conselhos prudentes. Isto tinha de começar com um relacionamento pessoal para corn o Senhor, a essência do qual continuava a "in-formar" a totalidade do pensar, viver e atuação daquele homem. Assim, da mesma maneira como o atributo da santidade de Deus supria a vara de medida ou norma para a teologia mosaica, assim também o atributo divino da sabedoria providenciava a norma para todos aqueles que se relacionavam com ela no "temor a Javé".

O Eudemonismo e o Senhor Muitos dos ditados sapienciais parecem, à primeira vista, revelar um tipo

de pragmatismo básico algo materialista; isto é, parece que inculcam obrigações morais meramente em prol do bem-estar ou felicidade da pessoa, Uma interpre-tação de "motivação de vantagens", no entanto, deixa de perceber a intenção do autor em atingir a verdade, mediante declarações tais como as seguintes:

A justiça dos retos os livrará, mas na sua maldade os pérfidos serão apanhados. — Provérbios 11:6

O que trabalha com mão remissa empobrece, mas a mão dos diligentes vem a enriquecer-se. — Provérbios 10:4

Pelo contrario, o homem sábio era aquele que observava um plano e ordem divinos estabelecidos em todas as coisas. Sendo assim, a prosperidade e a bênção

29 Cf. Mitchell Dahood, "Proverbs 8:22-31," pig. 521; W. F. Albright, "Some Canaanite--Phoenician Sources of Hebrew Wisdom", Wisdom in Israel, I fe tus Testamentum Supplement 3 (Leiden: E. J, Brill, 1955), p^gs. 1-15.

3 0 Whybray, Wisdom, pig. 103.

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184 Teologia do Antigo Testamento

não eram procuradas com finalidades em si mesmas, como se o sábio estivesse arbitrariamente fazendo do sucesso um novo ídolo. Pelo contrário, de acordo com a pronunciamento de Deus quanto ao "bom" em Gênesis 1, os sábios apro-vavam o trabalho, as coisas e a própria retidão como "bons", vindicando a si mes-mos. A diligência, a obediência às leis de Deus, e o trabalho honesto recebiam seu galardão; no entanto, nem o aivo nem o motivo podiam ser achados na bênção e no galardão por si mesmos. Todo evento na vida era abrangido no plano de Deus (Ec 3:1 — 5:20), Foi Deus quem fez tudo formoso no seu devido tempo (3:11), cada coisa com seus atributos. Embora "o coração do homem pode fazer planos", segun-do Provérbios 16:1: "a resposta certa .. . vem do SENHOR". Os homens podem planejar seus caminhos, "mas o SENHOR lhes dirige os passos" (163; 19:21; 20:24; 21:2). Em última análise, não se trata do homem ganhar sua própria recompen-sa; é Deus que galardoa31 a todo homem conforme as suas obras (24:12) — e isto se baseia nos princípios de Sua obra "boa" na Criação e no Seu caráter,

É verdade que, externamente, parecia que havia desigualdades, e a ordem divina nem sempre era transparentemente óbvia. Mesmo assim, as adversidades ou aflições nem sempre nem necessariamente eram males (Ec 7:1-15), assim como a prosperidade e o sucesso materiais nem sempre nem necessariamente eram bens, tampouco (6:1-12). Além disto, aquela ordem e propósito divinos muitas vezes podiam continuar escondidos e desconhecidos embora homens bons tais como Jó procurassem descobri-los. Foi somente no discurso de Eliú que ficou sendo claro que Deus estava empregando o sofrimento como meio de ensino (müsar)32

e como método para "abrir os ouvidos a Jó" (Jó 33:16; 36:10, 15).

O Pregador, neste ínterim, argumentava em pro! da remoção dos desen-corajamentos que, segundo parecia, eram contrários ao plano de Deus {Ec 9:1--12:8). Mesmo os aspectos da vida chamados mundanos, tais como o comer, o beber, e o desfrutar dos benefícios do salário eram descritos como sendo "dádivas" de Deus (2:24; 3:13; 5:18-20; 8:15; 9:9). Nada havia, porém, de inerentemente bom no homem para ele ser capaz de tirar prazer mesmo da sua existência mun-dana, separada de Deus (2:24; 3:12). Esta capacidade dè ser feliz, abençoado, e de ter prazer mesmo no comer, beber, nas riquezas, nos bens, e na própria esposa era, na ordem divina, uma dádiva dos Céus.

31 Ver o retrospecto da literatura mais recente com respeito è idéia de retribuição no AT, com quatro aspectos de retribuição no livro de Deuteronômio, por John G. Gammie, "The Theology of Retribution in the Book of Deuteronomy", Catholic Biblical Quarterly, 32 (1970): 1-12.

32 Jim A. Sanders, "Suffering As Divine Discipline in the Old Testament and Post-Biblical

Judaism", Colgate Rochester Divinity School Bulletin 28 (1955): 28-31,

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A Vida na Promessa: A Era Sapienciai 185

Cantares de Salomão celebrava a última dádiva na lista acima, dedicando um livro inteiro àquele tema. Aqui também, se Salomão é o autor desta obra (e é assim que declara o texto conforme o temos em Ct 1:1; 8:12), então a introdução à obra pode ser achada em outro trecho pelo mesmo escritor: Provérbios 5:15-21. Ali, numa alegoria sobre a fidelidade conjugal, assemelhava o desfrutar do amor físico nos laços conjugais com o beber da própria cisterna e do seu próprio poço. Ele disse:

Seja bendito o teu manancial, e alegra-te com a mulher da tua mocidade, corça de amores, e gazela graciosa. Saciem-te os seus seios em todo o tempo; e embriaga-te sempre com as suas carícias. .. Porque os caminhos do homem estão perante os olhos do SENHOR, e ele considera todas as suas veredas.

— Provérbios 5:18-19, 21

Assim, quando Cantares de Salomão 4:12,15 repetiu,

Jardim fechado és tu, minha irmã, noiva minha, manancial recluso, fonte selada . . . És fonte dos jardins, poço das águas vivas,

dava continuação a muitas das mesmas metáforas e à mesma teologia. O propó-sito de Livro, entretanto, se declara em Cantares de Salomão 8:6-7. O amor era uma "chama de Javé"; não podia ser extinguido, trocado, ou tentado por outros bens tais como riquezas, posição ou honra. Salomão, na verdade, tinha tentado atrair a jovem sulamita para deixar seu namorado pastor lá onde vivia, mas tudo foi em vão. Salomão podia ficar com sua "vinha de confusão" (8:11), e, ainda mais, suas "m i l " esposas (v. 12), Quanto ao pastor, porém, ele tinha sua própria "vinha" (esposa) somente para ele (v. 12). O livro, portanto, tinha a intenção de ser um comentário sobre Gênesis 2:24 e um manual da bênção e da recompensa do íntimo amor conjugal, uma vez que Javé acendera a chama e dera a capacidade para ter prazer nisto. De outro lado, ele não poderia ser comprado por dinheiro algum — conforme Salomão aprendeu por a margas, experiências, e registrou sob a direção divina.

E o que se diz daquele bem acima de todos os bens — a imortalidade, ou até a ressurreição do corpo? Nenhum texto ensinou este fato mais claramente, nem foi tão calorosamente contestado em bases textuais ou hermenêuticas do que Jó 19:23-27. É claro que Jó perdera qualquer esperança nesta vida (17:1, 11-16); assim, clamou que seria vindicado após a sua morte, e não antes, E será

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que ele acreditava que isto incluiria a ressurreição do seu corpo? Jó 19:26 é difícil. Será que "da minha carne" significa que aparte do seu corpo, ou de dentro do seu corpo, esperava ver a Deus? O versículo 27 decide a questão: "Os meus olhos o verão, e não outros".

Esta exegese ainda é recebida como profundo ressentimento. Alega-se que a idéia é por demais avançada, mesmo para a era salomônica, e muito mais para a era patriarcal na qual deve ser corretamente localizada. Naturalmente, tal objeção teria de deixar de considerar a preocupação do homem antigo com a questão da morte e da imortalidade, Teria de desprezar o fato de que a economia estatal total do Egito já tinha sido organizada para enfrentar esta única questão da exis-tência pessoal corpórea do homem após a morte. Também seria necessário esque-cer-se, se for possível, o mito babilónio de Adapa e a narrativa com respeito a Enoque na era pré-patriarcal, Mesmo se desprezarmos todas estas evidências sóli-das, porém, ainda teremos de enfrentar Jó 14:7:

Porque há esperança para a árvore, pois mesmo cortada ainda se renovará (yahaifp}<

Isto porque, ao redor do toco de uma árvore abatida, um broto após outro con-tinua a brotar como continuação da árvore que, sem isto, estaria morta. Assim também acontece com o homem em Jó 14:14:

Morrendo o homem, porventura tornará a viver? Todos os dias da minha labuta esperaria, até que voltasse a brotar (hafípãtf).

Aqui o temos! Jó 14:14 declarou em termos análogos aquilo que acontece à árvore abatida, aquilo que acontece com o homem! Bem poucos comentaristas fariam a ligação entre os dois versículos, mas o escritor teve a intenção de que seus leitores a fizessem. Cumpriu sua intenção ao empregar a mesma raiz hebraica, no mesmo contexto, em Jó 14:7, 14.

Semelhantemente, Eclesiastes 3:17 argumenta que Deus há de Se encontrar com o homem, como Juiz deste, naquele dia futuro marcado para o julgamento (cf, 12:14); porquanto o espírito do homem se dirige para cima (note-se o artigo no particípio e não o interrogativo) enquanto a vida do animal vat para a terra (3:21-22), Sendo assim, o homem deve fazer algo enquanto ainda tem fôlego, e deve fazê-lo para a glória de Deus. No entanto, qualquer ato de qualquer signifi-cado teria de ter seu início numa atmosfera de confiança na prometida ordem divina das coisas, ou seja, no temor a Deus.

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Agora que tanto a "casa" de Davi como o templo de Salomão tinham sido estabelecidos, a promessa de Deus tinha chegado a um planalto provisório no seu desenvolvimento, Sendo assim, a narrativa do Êxodo, que declarara que Israel era filho de Javé, Seu próprio povo, um reino de sacerdotes, e uma naçao santa, foi continuada e renovada na promessa de uma descendência davídica que possuiria uma dinastia, trono e reino de duração eterna, todos os quais seriam uma carta magna para a humanidade. Aquele que haveria de reinar em nome de Deus agora estava visível na linhagem de Davi.

Os Profetas e a Promessa Os profetas agora podiam focalizar a sua atenção no plano e reino de Deus

que abrangiam o mundo. Infelizmente, porém, o pecado de Israel exigia uma porção significante da atenção dos profetas. Mesmo assim havia, misturadas com as palavras de juízo e condenação, as brilhantes perspectivas do reino eterno de Deus conforme este fora anunciado havia tanto tempo nas promessas.

É justamente aí que se vê aquilo que é genial na doutrina da promessa. Tinha, conforme notou Willis J. Beecher, uma natureza dupla: "Era uma profecia

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188 Teologia do Antigo Testamento

permanente do tempo do porvir, e também era uma doutrina religiosa disponível para o ínterim".1

Assim, a promessa profética não era um grupo de predições espalhadas que somente depois vieram a fazer sentido quando Cristo chegou e reinterpretou muitas das antigas palavras proféticas. Se, pois, os profetas fossem apenas prognos-ticar ou prever o futuro, então, o foco das suas mensagens teria caído em duas coisas apenas: a palavra falada antes do evento e o próprio evento que era o cumpri-mento. Embora este ponto de vista quanto à profecia possa ser apropriado e legí-timo em si mesmo, não consegue captar precisamente aquele aspecto que mais cativava os corações e mentes dos escritores e santos do A,T. Mais uma vez, foi Beecher que melhor descreveu o que era aquela diferença. Segundo ele, a palavra promessa devia ser preferida à mera predição, porque a promessa dos profetas também incluía

os meios empregados para aquele propósito. A promessa, os meios, e os resultados estão todos em mente ao mesmo tempo , . . Se a pro-messa abrangesse uma série de resultados, poderíamos vincular qualquer dos resultados individualmente com a cláusula de predição, como profecia cumprida. Até este ponto, o nosso modo de pensar seria correto. Se, porém, confinássemos nosso pensamento àqueles itens na promessa cumprida, então seríamos levados a uma idéia inadequada e, provavelmente, falsa, quanto à promessa e seu cumprimento. A f im de compreendermos devidamente os elementos de predição, devemos vê-los à luz dos demais elementos. Toda promessa cumprida é uma predição cumprida; é, porém, de extrema importância considerá-la como sendo uma promessa e não como sendo mera predição.2

Igual importância tinha a conexão inseparável entre a palavra profética e a história e a geografia dentro das quais se localizava aquela palavra. As mensagens dos profetas não eram predições heterogêneas anunciadas a esmo no meio daquilo que, sem elas, seria uma ladainha enfadonha de castigos. Além disto, a predição nem sequer era o aspecto principal da profecia. Pelo contrário, os profetas eram proclamadores de retidão, que pregavam tanto a lei quanto a promessa para motivar o povo ao arrependimento e a uma vida de obediência, dentro da vontade e do plano de Deus. Suas predições freqüentemente eram anunciadas como incentivos

1 Willis J. Beecher, The Prophets and the Promise (1905; edição reimpressa, Grand Rapids: Baker Book House, 1975), pág. 242.

2 Ibid., pág. 376.

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aos seus contemporâneos quanto à vida santa naquele tempo, uma vez que o futuro pertencia a Deus e a Seu reino justo.

Naturalmente, mais coisas podiam ser achadas nestas predições do que vis-lumbres do futuro, tipo novidade, espalhados como se fossem pedacinhos de bombons para despertar o apetite de uma mentalidade sensata ou oculta. Os pro* fetas, longe de terem propósitos tão caprichosos, muitas vezes colocaram suas palavras com respeito ao futuro na fraseologia e padrões conceptuais das profecias do passado. Deliberadamente tomavam emprestados elementos da promessa abraâ-mica e davídíca, suplementando-os. Então, para eles, o futuro fazia parte da única promessa cumulativa de Deus, Sendo assim, as assim chamadas passagens mes-siânicas nos profetas escritores eram, na sua maior parte, repetições, suplemen-tos, implicações homiléticas, e amplificações da promessa conforme ela fora ori-ginalmente dada a Abraão, Israel ou Davi. Estas predições, portanto, não eram desconexas ou espalhadas a esmo; pelo contrário, eram brotos do tronco da dou-trina da promessa que era comum a todas elas.

Alguns, por certo, vão levantar objeções contra inclusões, naquele plano único da promessa, que dizem respeito à carreira nacional de Israel com suas pos-sessões geográficas. Sem dúvida, alguns estudiosos judaicos e racionalistas chegaram à conclusão que, já que a carreira política de Israel e suas possessões geográficas ocupavam uma ênfase tão óbvia nas predições da promessa, que não se pretendia dizer nada mais do que o seguinte: estas predições não passavam de meras aspi-rações demográficas e políticas da nação de Israel, conforme as visualizações dal-guns dos bardos proféticos de Israel! Em conseqüência, todas as demais tentativas para aplicar esta promessa è igreja ou a Jesus Cristo eram falsas, e excediam em muito qualquer coisa que os profetas tenham a qualquer tempo pretendido dizer. Semelhante conclusão, porém, deixou de levar a sério o próprio AT, e, muito menos, as realidades históricas.

Muitos intérpretes cristãos, do outro lado, erraram da mesma maneira, só que foi o lado oposto da promessa que ressaltaram. Negavam que tivesse sobrado alguma coisa na promessa para o Israel nacional depois da chegada da era cristã. No entanto, já no começo deste século Willis J. Beecher, do corpo docente de Princeton, comentou:

Se o intérprete cristão persiste em excluir o Israel étnico do seu con-ceito de cumprimento, ou em considerar a participação de Israel na questão como sendo meramente preparatória e não eterna, ele entra em conflito com o testemunho claro de ambos os Testamentos [e poderíamos agora acrescentar "como a história também"] . . . As declarações bíblicas, corretamente interpretadas, incluem no cumpri-mento não somente Israel, a raça com a qual a aliança é eterna, como

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também o Cristo pessoal e Sua missão, com o Israel espiritual inteiro, dos redimidos de todas as eras. O Novo Testamento ensina isto como doutrina cristã, para levar pessoas ao arrependimento e para a edifi-cação; e o Antigo Testamento o ensina como doutrina messiânica, para levar pessoas ao arrependimento e para edificação . . . Tanto a interpretação exclusivamente judaica quanto a interpretação exclusi-vamente cristã são igualmente erradas. Cada uma delas é correta naquilo que afirma e incorreta naquilo que nega,3

A promessa era, portanto, nacional e cosmopolita. Israel ainda haveria de receber aquilo que Deus prometera incondicionalmente: a qualidade de nação, o rei davídico, a terra, e riquezas. As nações da terra, no entanto, também rece-beriam a bênção prometida, através da descendência de Abraão. De fato, até os confins da terra se voltariam para o Senhor (SI 72:11, 17), Tais implicações cosmo-politas desta grandiosa promessa seriam posteriormente o assunto do concílio de Jerusalém em Atos 15, e Pauto faria do tópico inteiro uma parte da sua discussão do plano redentor de Deus em Romanos 9-11,

Concluímos, portanto, que a promessa de Deus nos profetas era um piano unificado e único que era eterno no seu escopo e cumprimento, embora tenha havido planaltos climatéricos no decurso do avanço da história do seu desenvolvi-mento, No seu desenvolvimento, era cumulativo. Quanto ao seu escopo, era tanto nacional quanto cosmopolita, enquanto Israel e todas as tribos, povos e nações eram vinculados, pela fé, em um único programa. Semelhante doutrina do Messias com muitos dos seus aspectos acompanhantes era, segundo E, Jenni,4 sem qualquer "contra-parte" verdadeira em toda a literatura e ideologia do antigo Oriente Pró-ximo.

A Promessa no Século Nono A divisão do reino depois dos dias de Davi e Salomão foi a primeira de uma

série de crises que Israel enfrentaria como resultado dos efeitos corrosivos do pecado. Inexoravelmente, as nuvens tempestuosas do julgamento divino conti-

r

nuariam a se amontoar enquanto um sem-número de videntes proféticos inter-cediam com as dez tribos do norte ("Efraim" ou, muitas vezes, simplesmente "Israel") e com as duas tribos do sul ("Benjamin" e, mais freqüentemente apenas, "Judá" para representar ambas) para se arrependerem e para abandonarem o

3 Ibid., pág, 383, 4 E. Jenni, "Messiah", Interpreter's Dictionary of the Bible, 4 vols. {Nashville: Abingdon,

1962}, 3:361.

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O Dia da Promessa: Sécu/o Nono 191

caminho de ruína que escolheram, Como, porém, a nação permanecia endurecida e resoluta na sua preferência pela idolatria maligna e pela rebelião contra Deus, os profetas declararam, de modo sempre mais definido, que o povo de Deus preci-saria mais uma vez passar pelo cadinho do julgamento divino antes de ser libertado e, finalmente, ter licença para cumprir seu verdadeiro destino. Portanto, a forma presente da instituição divina da nação tinha de ser julgada, esta, porém, seria seguida por outro novo dia, novo servo, nova aliança, e novo triunfo da parte de Deus,

O primeiro sinal deste novo desenvolvimento surgiu com Elias e Eliseu (1 Rs 17 — 2 Rs 9), cujo envolvimento direto na arena política do reino do norte era mais pronunciado nas suas ações do que nas suas palavras. Nas suas pessoas, simbo* lizavam dois aspectos do poder divino no seu relacionamento com o povo: Elias era o poder divino judicial que se opunha a um povo rebelde e que continha vio-lência sem medidas; Eliseu era o derramamento da bênção divina quando o povo se arrependia.5 Logo depois, no entanto, veio a palavra de Deus transmitida através de uma longa fileira de profetas escritores, iniciando-se, provavelmente, nos minis-térios de Obadias e Joel

Sem qualquer pretensão de impor uma solução final, pode-se argumentar com um grau razoável de certeza que Obadias e Joel foram os primeiros profetas escritores.6 Quanto a ambos estes profetas, o tema da sua mensagem era um futuro dia do Senhor {yôm YHWH). Este dia foi assinalado por sua presença parcial já nos eventos trágicos da alegria maliciosa de Edom em ver sua rival, Jerusalém, ser humilhada por um invasor (Obadias) e também numa praga devastadora de gafanhotos e numa seca (Joel) em Israel.

Independentemente de quaisquer efeitos imediatos daquele dia que estava iminente, seu surgimento final seria o tempo de um divino acertar as contas com Israel e com todas as nações quando o Senhor voltaria pessoalmente, revelando Seu caráter justo. Seria um período mais marcado por seu conteúdo do que pela duração do tempo ou pelo comprimento daquele "dia". Como os "últimos dias"

5 Devo este simbolismo a C von Orei li, The Oid Testament prophecy of the Con-summation of God's Kingdom Traced in its Historical Developmentr trad. J. J, Banks (Edimburgo: T. & T. Clark, 1889), pág. 194.

6 Para uma discussão da história desta atribuição de data, ver Leslie Allen, The Books of Joel, Obadiah, Jonah and Micah (Grand Rapids; Eerdmans, 1976), págs. 129-33. As provas detalhadas expostas por Caspar! em 1842 ainda parecem ser preferíveis a uma data de 586 a. C. ou de após o exflio. Assim, o Livro pode ser colocado no reinado de Jeorão (2 Cr 21:8-10, 16-17), 848-841 a, C,; cf, G.L. Archer, Jr., Merece Confiança o Antigo Testamento? f (São Paulo: Edições Vida Nova, 1979), págs. 337-341.

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192 Teologia do Antigo Testamento

('aharít hayyãmfm), ou a "era f inal" que começou a ser discutida em Gênesis 49:1 e Números 24:14, o dia do Senhor é aquele tempo de juízo mundial durante o qual Deus fará conhecida a Sua supremacia sobre todas as nações e sobre a própria natureza.7 Javé Se vindicará através das Suas grandes obras que todos os homens reconhecerão como sendo divinas na sua origem. O juízo seria universal, inescapáve! e retribuidor.

Edom e a Promessa: Obadias Pela primeira vez na literatura profética, achamos em Obadias a frase "dia

do Senhor". Por causa do orgulho de Edom (vv. 1-9) e sua ação violenta contra seu irmão, Jacó (vv. 10-14), esta nação receberia, naquele dia do Senhor, o mesmo tratamento que as nações pagãs {vv. 15-21), Assim como os amalequitas tinham representado a parte oposta ao reino de Deus através da sua ação selvagem de retaguarda contra os israelitas doentes e idosos que tinham se atrasado pelo ca-minho (Êx 17:8-15; Dt 25:17-19), assim também Edom tinha chegado a repre-

118 sentar o reino dos homens, Edom era, agora, "a quinta-essência do paganismo" (Ob vv, 15-16; cf. Is 34:2, 5 e Ez 35:14; 36:5). Marten Woudstra declarou o caso com clareza, como segue:

Por mandamento e aprovação divinos esta inimizade [e, poderíamos acrescentar, note-se aquela antiga palavra "inimizade" em Gn 3:15] existia entre o povo de Deus e as nações, sendo que estas últimas eram consideradas como representantes das forças de descrença . . . Uma olhada em êx 23:22 ["serei inimigo dos teus inimigos"] deve deixar claro que esta inimizade era real. . ,

Isto esclarece a nota de seriedade final que permeia alguns dos Salmos, tais como SI 137 e SI 139:21-22. Nestes Salmos o israelita fiel se iden-tifica com a causa de Deus. Aquela causa não pode triunfar a não ser mediante a derrota total de tudo quanto se opõe a ela.9

Neste caso, zombar e alegrar-se às custas da "herança" de Javé, a casa de Israel (e.g. Ez 35:15), era zombar e desafiar o próprio Javé, porque Ele já Se vinculara

7 Embora as duas expressões nunca sejam formalmente vinculadas, nem haja a idéia de julgamento incluída em "dias vindouros", é fato que Deuteronâmio 31:17-18 vincula o julgamento de Deus com "aquele dia" vindouro.

8 Patrick Fairbairn, The Interpretation of Prophecy (Londres: Banner of Truth Trust

1964), pig. 222,

9 Marten Woudstra, "Edorn and Israel in Ezekiel", Calvin Theological Journal 3 (1968)' 24-25.

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O Dia da Promessa; Século Nono 193

a um povo e a um país (Dt 4:33 e segs,) com o propósito de salvar todos, Além disto, Ele era o Soberano de todas as nações de qualquer modo (Dt 32:8, 9), e, sendo assim, qualquer gracejo quanto à Sua obra de bênção ou julgamento entre Israel era completamente fora de lugar. Assim, Edom não escaparia daquele juízo divino iminente que também recairia sobre as nações.

Em contraste com a destruição destas nações, porém, haveria um remanes-cente, um grupo de sobreviventes, l i t "escapados" fpe/êtâh; cf. Joel 2:32 [3:5] e Is 37:32 quando a palavra forma um paralelo com a palavra mais comum para "remanescente" se'êrft), em Monte Sião (Ob v. 17) que emergiria vitorioso de novo, sob o ímpeto da energia divina que voltaria a ser doada a ele. Então, Israel mais uma vez estenderia seu domínio sobre a terra antiga de Canaã e sobre os territórios que a cercavam, inclusive o Neguebe, o território dos filisteus, Gileade, ao leste do Jordão e a Síria, estendendo-se ao norte até Sarepta no Líbano — toda esta área conforme a promessa feita ao patriarca Jacó e a José (Ob vv, 18-20}. Davi e Salomão já tinham reinado parcialmente sobre estas terras, mas depois as perderam, Elas, porém, haveriam de voltar naquele dia.

O método que Deus empregaria para restabelecer Seu reino seria através de "salvadores" v. 21), cumprindo o ofício de "julgar" e "reger" (sõpetím), assim como fizeram nos dias dos juízes (Jz 2:16, 18), Sião, i,eF, Jerusalém, seria o centro, e "o reino será do SENHOR" (Ob v. 21).

Quanto ao cumprimento desta profecia, Obadias combinou num só quadro aquilo que a história separou em tempos e eventos diferentes. Na realidade, Judas Macabeu, João Hircano, Alexandre Janeu e a oposição dos zelotes ao domínio romano levaram a efeito o colapso dos edomitas ou idumeus,10 Aquilo, porém, era apenas uma amostra do triunfo final de Deus contra todas as nações hostis aparentadas. Dessa forma, o dia do Senhor percorria toda a história do reino de Deus de tal modo que ocorria em cada julgamento específico como evidência do seu cumprimento completo que estava perto eque se aproximava,

O Dia do Senhor: Joel A ocasião11 para a profecia de Joel foi uma praga terrível de gafanhotos

seguida por uma seca desoladora — ambas sendo prenúncios do grande e terrível

10 Flávio Josef o, Antigüidades dos Judeus, 12. 8. 1; 13. 9. 1; 13. 15, 4; Guerras dos Judeus, 4. 9. 7.

1* A maioria dos estudiosos conservadores atribuem a Joel a data de cerca 830 a. C., durante a infância do rei Joás e a regência de Jeoiada o Sumo Sacerdote; cf. Archer, Merece Confiança o Antigo Testamento?, págs. 342-346 e A. F, Kirkpatrick, The Doctrine of

the Prophets (Londres: Macmillan, 1897).

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194 Teologia do Antigo Testamento

dia do Senhor. Embora a hora fosse já muito adiantada, ainda haveria a oportuni-dade para o arrependimento, Teria, porém, de ser uma tristeza genuína e do fundo do coração por causa dos pecados, e uma meia-volta na vida (Jl 2:12-13),

Quando o povo respondesse com jejuns, choro e orações (2:15-17}, "Então o SENHOR se mostrou zeloso da sua terra, compadeceu-se do seu povo, e, respon-deu [às orações deles]" (vv. 18-19). Com o versículo 18, o tom deste Livro é inver-tido. Onde antes o juízo prevalecera em 1:1-2:17, agora a bênção e a esperança dominariam o restante do Livro. Semelhante mudança somente poderia ser atri-buída a dois fatos: (1) o Senhor Deus deles era "misericordioso, e compassivo, e tardio em irar-se, e grande em benignidade" (2:13b) e (2) o povo se arrependeu, "rasgando o coração e não as vestes" (v, 13a). Em resposta ao seu arrependimento, Deus prometeu que os abençoaria. Os dons de Deus se dividiam em dois grupos: (1) a benção imediata de uma terra produtiva (vv. 19-27) e (2) a promessa de um futuro derramamento do Espírito de Deus sobre toda a carne (2:28-32 [3:1-5]). A bênção, portanto, faria parte do conteúdo daquele "dia".

Entrementes, o restante da descrição do dia do Senhor era muito semelhante àquilo que Obadias escreveu, Era "assolação do Todo-Poderoso" (1:15-16), "dia de escuridade e densas trevas", "dia de nuvens e negridão!" (2:2), um dia "mui terrível"; "Quem o poderá suportar?" (v. 11).

O dia do Senhor, porém, era, aqui também, mais do que julgamento. Era um tempo de libertação para todos aqueles que invocariam o nome do Senhor (2:32), acompanhado por sinais cósmicos anunciando a sua chegada (vv. 30-31). E, conforme já foi notado, era caracterizado pelo derramamento do Espírito de Deus sobre toda a carne (vv. 28-19).

O tempo marcado para o derramamento do Espírito foi deixado indefinido, "depois disto" {'aharê kênPor certo, o "depois disto" poderia se referir a 2:23bF

onde a chuva temporã e a serôdia viriam "como outrora" (bãrfsôn); "depois", um pouco mais tarde, o Espírito seria derramado. Note-se, porém, que 2:29 [3:2] repetiu a frase inicial de 2:28 ("derramarei o meu Espírito"), só com uma pequena mudança: "naqueles dias" {bayyãmfm hèhèmmâh). Portanto, o sentido escatoló-gico que o apóstolo Pedro deu àqueles versículos no dia de Pentecoste se pode achar em 2:29 se não estiver em 2:28. Este derramamento não poderia ter sido no futuro imediato uma vez que o versículo 26 retrata um período de calma pros-peridade que precederia a qualquer crise mundial introduzida no versículo 28.12

Quando Pedro citou esta passagem no dia de Pentecoste, localizou aquela bênção "nos últimos dias" {en tais eschatais hemêrais, At 2:17). Semelhante ponto de

i 2 Von Or ell i, Old Testament Prophecy, pág, 205, n.

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O Dia da Promessa; Século Nono 195

vista da duração do período escatológico, começando com a era cristã e se esten-dendo até â segunda vinda, se acha em va'rias passagens do NT (e.g. Hb 1:1-2; 1 Pe

:20; 2 Pe 3:3), Além disto, o mesmo fenômeno de ter eventos próximos e distantes, ou cumprimentos múltiplos, todos fazendo parte da mesma e única intenção do autor de transmitir a verdade, apareceu na "visão de Obadías do dia do Senhor com sua mais imediata" vitória sobre Edom e na vitória total, no futuro distante, do reino de Deus. Assim, o Pentecoste fazia parte do dia do Senhor. Haveria, porém, ainda outro dia final — se não muitos outros no ínterim — em que Deus derramaria Seu Espírito como a chuva "sobre toda a carne" (cf. Jl 2:23).

Qual, pois, seria a extensão desta bênção sobrenatural do Espírito? Usual-mente, quando o AT empregava a expressão "toda a carne" (koi bãsãr), queria dizer a totalidade da raça humana (Gn 6:12-13; SI 145:21, passim). Neste contexto imediato, a frase "vossos filhos e vossas filhas", conforme alguns, categoricamente a limitaria a todos os judeus.3 3 Isto não é totalmente certo, O que é certo é que a diferença de idade (jovens e velhos}, de sexo (filhos e filhas) ou de posição (servos e servas) não afetaria a universalidade deste dom do Espírito. Assim, aquilo que Moisés expressou apenas como um ideal desejável para cada israelita em Números 11:29 agora seria visto como sendo uma realidade. Naquele dia, Israel não somente serviria ao Senhor como reino de sacerdotes (Êx 19:6), mas como profetas, tam-bém. Sem dúvida, este benefício seria estendido além dos judeus, assim como, mais tarde, o apóstolo Paulo viu sua aplicação a toda a humanidade em Romanos 10:12-13.

Além do derramamento do Espírito de Deus sobre toda a carne, os céus e a terra ficariam convulsionados com sinais poderosos semelhantes àquela grande libertação do Egito, quando Deus enviou as pragas de sangue e de fogo (Éx 7:17; 9:24) e quando Ele apareceu no monte Sinai em pilares de fumaça (19:18). Assim, o mundo atual seria trazido para uma conexão íntima com o julgamento e a sal-vação da parte de Deus, enquanto Ele interferia na história humana. O dia de juízo original de Joel 2:1 e segs,, interrompido temporariamente pelo arrependimento de Judá, teria de surgir de novo no futuro. Quem, porém, invocasse o nome do Senhor, durante aqueles dias, seria "salvo" {yimmãiêt, "ser tirado de modo desa-percebido"). No monte Sião, capital do reino de Deus, haveria "os que forem

1 3 Conforme comentou Allen, Books, pág. 98, n, 10, a tradução de JB e NEB [em inglês], "toda a humanidade" era, portanto, inexata, daí a grande surpresa de um Pentecoste dos gentios em Atos 10:45. Em Ezequiel 39:29F Deus tinha prometido especificamente que "derramaria o Seu Espírito sobre a casa de Israel". As duas expressões, no entanto, não podem ser diferentes sem se excluírem mutuamente? É interessante notar que Pauio aplicou esta passagem à chamada universal do evangelho em Romanos 10:12-13,

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salvos" (pelêtâh), e "sobreviventes" {s^rfdfm, 2:32 [3:5]). Enquanto nações escapavam, no entanto, Javé julgaria e destruiria todas as nações no vale de Josafá (3:2 [4:2]).

Neste caso também, tinha havido uma teologia antecedente que informava esta doutrina do dia do Senhor (Êx 32:34; Dt 31:17-18, 29; cf, Gn 49:1; Nm 24:14; Dt 4:30). O que tinha começado em Êxodo 32:34 como um "dia da minha visi-tação" quando "meu Anjo" vingaria seus pecados, agora foi projetado daquele dia e da nação Israel para o tempo do fim, e para todas as nações. O "dia da visi-tação de Javé" estabelecido contra o pecado do Seu povo, em julgamento, foi crescendo. Agora, já não era apenas um "dia de visitação" que poderia ser qualquer tempo de castigo nacional; era "o dia da Sua visitação", um dia que se destacava como sendo supremo quando se comparava com outros dias. Naquele conflito final na terra, o Rei Javé derrotaria de modo decisivo todas as nações reunidas que se levantavam contra os exércitos de Deus. De repente, a foice de julgamento começaria a agir, e teria início a ceifa e o pisar do lagar. O céu e a terra tremeriam, e multidões iriam se precipitar para o campo da batalha no vale da decisão.

Joel 3:1-21 [4:1-21] veio a ser a passagem clássica para o restante do AT, no que diz respeito ao julgamento final de Deus sobre todas as nações. Veio tam-bém a ser a declaração clássica do resultado bem-aventurado para o povo de Deus. Este povo possuiria, também, uma terra muitíssimo fértil, enriquecida com fontes de águas correntes, e gotejando com vinho e leite. E, como clímax de tudo, Javé pessoalmente habitaria em Sião,

Repetidamente se dizia que este dia do Senhor estava "perto" (qãrôb, Ob v. 15; Jl 1:15; 2:1; 3:14 e, mais tarde, em Is 13:6; Sf 1:7, 14; Ez 30:3; passim), Beecher fez a seguinte advertência:

Esta representação é feita por profetas que viviam separados por muitas gerações, e, portanto, por profetas que sabiam que outros profetas já a fizeram gerações antes. Isto talvez indique que os profetas pen-sassem do dia de Javé [Yahaweh] [sic] como sendo genérico, e não uma ocasião que ocorreria de uma vez para sempre; pelo contrário, seria uma ocasião que poderia ser repetida conforme a exigência das circunstâncias.1 4

1 4 Beecher, Prophets, pcig. 311; idem, "The Day of the Lord in Joel", Hornifeticaf Review 18 (1889): 355-58; idem, "The Doctrine of 'The Day of the Lord' Before Joel's Time", Homi-leticai Review 18 (1889): 440*51; idem, "The Doctrine of The Day of the Lord' in Obadiah and Amos", Homiieticai Review 19 (1890): 157-60,

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Ef naturalmente, aquele tempo final seria o clímax e a súmula de todo o restante. Embora os eventos dos próprios tempos deles se encaixassem no padrão do julga-mento futuro de Deus, aquele dia final era, não obstante, incomensuravelmente maior e mais permanente nos seus efeitos salvadores e julgadores.

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No século oitavo a.C. surgiu uma intensa atividade profética, divinamen-te inaugurada, mormente para advertir o reino do norte da sua iminente des-truição caso não se arrependesse nem invertesse o seu modo de vivert Infeliz-mente, com a exceção de respostas em grau mínimo do tipo daquela que foi dada á pregação de Miquéias, que, segundo a informação em Jeremias 26:18-19, tiveram um efeito momentâneo em Judá durante o reinado de Ezequias, as dez tribos do norte se precipitaram para a destruição. Isto aconteceu finalmente em 722 a.C., quando a capital delas, Samaria, caiu pouco depois da queda da cidade principal da Síria, Damasco, em 732 a.C.

Deus, na Sua graça, providenciou quatro décadas inteiras de pregação profé-tica antes desta calamidade durante o século oitavo, mas tudo sem resultado. Este grupo de proclamadores incluiu Amós, Oséias, Jonas, Miquéias, e o maior deles todos: Isaías. Alguns deles começaram suas advertências e promessas enquanto a nação ainda estava jubilosa com os sucessos de Jeroboão II, e com a expansão territorial, as riquezas e o luxo que seu reinado trouxera. Os ricos espreitavam os pobres e favoreciam os réus da sua própria classe, nos tribunais. E todos igual-mente perderam sua credibilidade quando procuraram andar sincretisticamente com Baal e Javé. As práticas religiosas se tornaram em máscara para todos os tipos

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de pecados de imoralidade, injustiça e lascívia. Ou o juízo ou o arrependimento teriam de surgir logo, para não ferir a credibilidade de Deus.

Reedificando o Tabernáculo Caído de Davi: Amós Para tempos tais como aqueles, Deus preparara um boieiro e colhedor de

sicomoros, da cidade de Tecoa, ao sudeste de Jerusalém, na parte mais agreste de Judá. Este habitante do sul foi enviado ao norte cerca de 760-745 com uma mensagem urgente de juízo e salvação.

O registro do ministério de Amós foi colocado em três seções bem ordenadas: (1) em 1:1-2:16 trovejou contra Israel e seus vizinhos por sua falta de justiça uns para com os outros, e todos para com o próprio Deus; (2) em 3:1-6:14 exortava Israel a buscar a Deus {5:4, 6f 14) ou, senão, se preparar para um acerto de contas, face a face (4:12); e (3) em 7:1-9:15 recebeu cinco visões, oferecendo, no início, alguma proporção de escape, mas depois se endurecendo até não haver modo algum de escape a não ser na oferta escatológica, da parte de Deus, de esperança futura apesar da destruição certa que agora esperava,

Amós, de modo muitíssimo claro, contemplava a Deus como sendo Senhor sobre toda a terra. Não somente foi Ele quem libertou Israel do Egito e dos amor-reus (Amós 2:9-10), como também tinha determinado outras libertações seme-lhantes a Êxodo (9:7): os filisteus de Caftor e os sírios de Quir; estes, juntamente com os etíopes, tinham sido favorecidos por Javé de modo sem igual. Conseqüente-mente, todas as nações tinham de se conformar com o Seu padrão de justiça. Toda nação que deixava de viver à altura daquele padrão ficava condenada, não pelos seus próprios deuses, mas, sim, pelo Deus único, Javé. A lista de queixas divinas contra estas nações foi conferida por Amós: barbarismo na guerra, praticado por Damasco (1:3-5) e Amom (vv. 13-15); incursões escravistas e comércio de escravos praticados pela Filístia (vv. 6-8) e por Tiro (vv, 9-10; a hostilidade dos edomitas contra seu irmão Jacó (vv. 11*12); a profanação dos ossos do rei edomita pagão, feita pelos moabitas (2:1-3); a rejeição da lei de Deus por parte de Judá (vv. 4-5); e os desvios morais das dez tribos do norte (vv- 6-16), Todas as nações tinham de aprender tão rapidamente quanto possível que a norma estabelecida pelo caráter e pela lei de Javé definia os padrões mediante os quais o domínio justo de Deus julgaria todas as nações universalmente.

Este Senhor da história era o Monarca soberano por direito de Criação. Em três hinos, Amós celebrou a grandeza d Aquele "quem forma os montes, e cria o vento, e declara ao homem qual é o seu pensamento" (Amós 4:13; cf, 5:8-9; 9:5-6). De fato, Senhor dos Exércitos era Seu próprio nome. Era, porém, mais do que Criador. Era, também, o controlador da história e dos destinos dos homensP

Seu emprego da fome, seca, crestagem, pestilência e guerra poderia ter um propó-

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O Servo da Promessa: Século Oitavo 201

sito redentor se os homens apenas quisessem escutar; quando, pois, os homens dei-xavam de escutar o preceito da palavra dos Seus servos, os profetas, talvez escu-tassem Sua penalidade que seguia a não obediência aos preceitos — não em retri-buição pelos pecados tanto como um dispositivo para prender a atenção deles, Note-se a série de cinco penalidades em Amós 4:6-11 que caíam como o triste badalar de um cântico fúnebre, uma após outra, com o refrão ainda mais triste depois de cada carga de julgamento divino: "contudo não vos convertestes a mim, disse o SENHOR" {4:6b, 8bê 9bt 106, 11 b). E, depois, veio o golpe mais devas-tador de todos; "prepara-te, ó Israel, para te encontrares com o teu Deus" (4:12), É como se o juiz tivesse feito a contagem contra o lutador no conteúdo; "um — dois — três — quatro — cinco —" e depois dissesse: "Vencido!" — porque era este o conteúdo do "encontro" com Deus: o f im do reino do norte! Israel e Judá junta-mente tinham sido advertidos que tal era o método de Deus quanto ao tratar com os homens e as nações. Tinham sido advertidos das perspectivas alternativas do acúmulo ou do julgamento ou de bênçãos, dependendo da reação deles, já numa parte bem antiga do cânon, em Levítico 26 e Deuteronômio 28. Algumas partes do vocabulário de Amós, na realidade, tinham sido informadas por estas passagens de modo direto, assim como foi o caso de muitas das expressões dos seus colegas proféticos quanto a este assunto.

Deus fez mais do que agir na história. Falava! E, tendo Ele uma vez falado, Amós foi compelido a profetizar (3:8)- A conexão entre aquele recebimento das estimativas, significados, interpretações e intimações de Deus, e a proctamaçao delas feita pelos profetas, era demonstrada numa série de declarações de causa e efeito em 3:2-8, Seria possível, por exemplo, que a trombeta soasse numa cidade (como nossa sereia de alarme contra bombardeio), sem que o povo tivesse medo? Duas pessoas poderiam se encontrar (especialmente no meio de um lugar abarro- -tado de gente), a não ser mediante acordo prévio? Portanto: podia Deus falar e Amós deixar de profetizar?

Repetidas vezes, Amós ressaltava a posição sem igual de Israel na história. Quando Amós fez Israel lembrar: "De todas as famílias da terra somente a vós outros escolhi" (3:2), não estava reivindicando um status favorecido nem um partidarismo chauvinista para Israel; apenas lembrava os israelitas da eleição divina. A palavra "conhecer" neste contexto da aliança não tinha nada que ver com o reconhecimento ou aprovação dos atos da pessoa ou nação; tratava-se com a dádiva divina da escolha — uma escolha não merecida conforme Deuteronômio 7:8 passim deixara claro.

Semelhantemente, toda a auto-satisfação arrogante nas assembléias solenes, festas, ofertas e melodias era ofensiva ao Deus que, antes de tudo, inspecionava o coração dos homens. Uma condição prévia mais pertinente às observâncias reli-

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202 Teologia do Antigo Testamen to

giosas significativas era a retidão e a justiça (5:21-24). Fora disto, Javé desprezava e rejeitava todas as práticas religiosas.

Toda a conversa com respeito ao ansiar-se pelo Dia do Senhor como pana-céia de todos os presentes males da sociedade pertencia à mesma classe acima — pois Israel nem sabia de que falava (5:18-20), Para aqueles que não estavam prepa-rados para o dia do Senhor, seria um dia de trevas. Para tornar tudo mais gráfico, Amós fez uma descrição da irrealidade destes escapistas religiosos. Aquele dia seria como o caso de um homem que fugia de um leão para então dar de encontro com um urso; e quando, com grande esforço, escapava aos trágicos entreveros com o leão e o urso, conseguindo se refugiar em casa, apoiava-se contra a parede, acabou sendo mordido por uma serpente. Não se podia brincar com aquele dia, nem desejá-lo, se os homens não estivessem vivendo e andando na verdade.

O perigo da complacência não era menos ameaçador, conforme 6:1-8, com a falta de compaixão pelas necessidades dos outros ou pelo desastre que logo estava para destruir Samaria. Embora a oração de intercessão em prol de Israel, proferida pelo profeta, tivesse de fato libertado Israel de desgraças certas em duas ocasiões (7:1-3, 4-6), mesmo assim, quando o prumo de retidão foi colocado ao lado da nação, ela estava moralmente desalinhada (7:7-9), ea calamidade nacio-nal já era uma conclusão prevista (8:1 -3; 9:1 -4).

Não obstante tudo isto, haveria esperança além da calamidade da queda de Samaria. Com um grande clímax teológico ao Livro em 9:11-15, Deus prometeu que reedificaria a casa de Davi, que, na sua atual condição dilapidada, somente poderia ser comparada a uma "barraca" ou "choupana" (sukkâh). Aquilo que era normalmente chamado "a casa (bet) de Davi" (2 Sm 7:5, 11; 1 Rs 11:38; Is 7:2, 13), ou dinastia de Davi, logo entraria num estado de colapso, com "bre-chas" e "ruínas", O particípio ativo hebraico ou ressaltava seu estado atual, a casa que estava "caindo", ou seu estado de ruína no futuro imediato, a casa que estava "para cair". Assim, a dinastia de Davi sofreria, mas Deus a restabeieceria da sua condição arruinada, porque prometera a Davi que a casa d Ele seria uma casa eterna.

Os sufixos nas palavras de 9:11 tem interesse especial para o teólogo. C, F, Keil comentou, com respeito a esta passagem, que o sufixo feminino plural em "brechas das mesmas" (pirsêhen) somente poderia se referir à divisão trágica da casa davídica (que simbolizava o reino de Deus) em dois reinos, o do norte e o do sul (cf. 6:2, "estes reinos").1 Deus, porém, "repararia as suas brechas". Sendo

1 Carl Friedrich Keil, The Twelve Minor Prophets, 2 vols., em C.F. Keil e F. Delitzsch, Biblical Commentary on the Old Testament, 25 vols. trad. James Martin (Grand Rapids: Eerd maris, 1949), 1:303.

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assim, ainda antes de Ezequiel (37:15-28) ter retratado a unificação das dez tribos do norte com as duas tribos do sul, Amós já tivera uma visão do mesmo resultado. O sufixo masculino singular em "ruínas dele" (harisotayw) se referia ao próprio Davi e não â "choupana" que é feminino. Sob um novo Davi vindouro, portanto, a casa destruída daquele Messias vindouro ressurgiria de entre as cinzas. Deus, além disto "a reedificaria {benftíhã} como fora nos dias da antigüidade". Desta vez, o sufixo é feminino singular, e se refere naturalmente à choupana caída que seria reedificada. Porém, a frase "nos dias da antigüidade" claramente aponta para a teologia antecedente de 2 Samuel 7:11-12, 16, onde Deus prometera que levantaria a descendência de Davi após ele, dando-lhe um trono, uma dinastia, e um reino que perduraria para sempre.

A interpretação da promessa davídica em 2 Samuel 7 como "carta magna para a humanidade" (2 Samuel 7:19) foi repetida aqui por Amós (9:12): "para que possuam o restante de Edom e todas as nações que são chamadas pelo meu nome, diz o SENHOR". Para muitos, o versículo 12 é até mais problemático do que o versículo 11 — especialmente com suas referências "ofensivas" ao "restante de Edom" ($e'èrft_ 'edôm}. Gerhard Hasel2 notou que Amós empregou o tema do remanescente com três aplicações: (1) para ir contra a arrogante alegação de que todo o Israel era o remanescente (3:12; 4:1-3; 5:3; 6:9-10; 9:1-4); (2) para des-crever um verdadeiro remanescente de Israel (5:4-6, 15), um sentido escatológico; e (3) para incluir o "restante de Edom" juntamente com todas as nações vizinhas, como beneficiários da promessa davídica (9:12). Foi este papel representativo de Edom, que já vimos em Obadias, que volta a ser selecionado para menção aqui. Isto porque a nota epexegética no versículo 12, "e [até todas as nações] gentios que são chamadas pelo meu nome", surpreendentemente não colocava Edom na posição de nação esmagada pela máquina militar de Davi ou de Israel; pelo contrário, fala da sua incorporação espiritual no reino restaurado de Davi junta-mente com os gentios que também eram "chamados pelo Seu nome".

O emprego da frase "chamado pelo Meu nome" no AT sempre colocava cada um dos objetos assim designados na possessão divina.3 O que Deus ou os homens nomeavam, possuíam e protegiam, seja em se tratando de cidades (2 Sm 12:28); Jr 25:29; Dn 9:18-19) ou homens e mulheres (Is 4:1; Jr 14:9; 15:16; 2 Cr 7:14), Dessa forma, Moisés prometeu, quando Israel estava andando pela fé: "E todos os povos da terra verão que és chamado pelo nome do SENHOR, e terão

2 Gerhard Hasel, The Remnant (Berrien Springs: Andrews University Press, 1972),

pigs. 393-94. 3

Para urn estudo completo, ver W.C. Kaiser, Jr., "Name", Zondervan Pictorial Encyclo-paedia of the Bible, 5 vols. ed. M.C Tenney (Grand Rapids: Zondervan, 1975), 4:360-70,

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medo de t i " (Dt 28:10). Quando, no entanto, se recusaram a crer, eram "como os que nunca se chamaram pelo Seu nome" (Is 63:19). A frase, pois, é muito semelhante â de Joel 2:32 [3:5]: "Todo aquele que invocar o nome do SENHOR".

O verbo "tomar posse de" (yírsu) foi escolhido, semelhantemente, por causa da teologia antecedente da profecia de Balaão em Números 24:17-18 que predissera que uma "estrela" e um "cetro" surgiriam em Israel, quando, então, "Edom será uma possessão . , . mas Israel fará proezas". Segundo a predição de Balaão, esta Pessoa de Jacó exerceria domínio sobre todos, porque seu reino se espalharia para cobrir todas as nações que, já naquela época, representavam todos os reinos dos homens: Moabe, Sete, Edom, Amaleque e Assur, Amós, porém, não acrescenta á antiga revelação divina o fato de que Deus, por um plano divino, "tomará posse" de um justo e fiel "remanescente" de todas as nações, inclusive a amargurada nação de Edom? Sendo assim, alguns edomitas fiéis, juntamente com todos os demais que invocavam o nome do Senhor seriam "enxertados" (para empregar a expressão de Paulo) em Israel, como parte integrante do povo de Deus-4

Amando Livremente a Israel: Oséias Nenhum profeta demarca e ilustra o amor de Deus mais claramente do que

Oséias, Sua experiência conjuga! foi a chave tanto do seu ministério como da sua teologia. Foi um quadro da santidade de Deus que ficava firme na sua justiça, enquanto o coração de Deus amava ternamente aquilo que era totalmente repug-nante.

Oséias trazia esta mensagem do amor de Deus na sua vida, e não somente na sua palavra. No início do seu ministério, recebeu a ordem de casar-se com Gômer, filha de Diblaim, ordem dada na expressão: "Vai, toma uma mulher" (1 ;2),5 Sendo que não parece haver nenhum significado especial no nome dela e no de seu pai, e sendo que tudo parece estar lavrado em prosa estritamente narrativa, rejeitamos a in-terpretação de se tratar de visão ou alegoria. Pelo contrário, em nosso modo de enten-der a gramática da passagem, Gômer não era uma meretriz quando Oséias se casou com ela, assim como os filhos, ainda por nascer, não eram "filhos de prostituição"

4 Ver meu artigo, "The Davidic Promise and the Inclusion of the Gentiles (Amos 9:1-15

and Acts 15:13-18): A Test Passage for Theological Systems", Journal of the Evangelical Theo-logical Society 20 (1977): 97-111.

5 Cf. em outros trechos: Gênesis 4:19; 6:2; 19:14; Êxodo 21:10; 34:16; 1 Samuel 25:43, Notar também a figura de linguagem, zeugma, onde um verbo liga dois objetos enquanto, de rigor, só acompanha um deles: "Toma uma mulher . . . . e filhos". Cf. Génesis 4:20: "Os que habitam em tendas e gado", também 1 Timóteo 4:3.

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O Servo da Promessa; Século Oitavo 205

até depois de nascerem e depois de receberem este estigma sobre o nome deles por causa do estilo de "vida fácil" da mãe. isto porque os únicos filhos mencionados são os que ela deu a Oséias {notar especialmente 1:3, "e lhe deu um f i lho"}; e, já que foi ele quem deu o nome aos filhos (1:4,6,9), era bem provavelmente os dele mesmo.

Para muitas pessoas, a construção de Oséias 1:2ò tem se revelado dificultosa: "Vai, toma uma mulher de prostituições, e terás filhos de prostituição". Isto pode significar resultado mais do que propósito, tal como acontece também em Isaías 6:9-12 e Êxodo 10:1; 11:10; 14:4. Era, portanto, um modo de declarar, de uma só vez, o mandamento divino e o resultado e a experiência dele decorrente. E assim ficou sendo em Oséias 2:2,5,7 que Gômer, como Israel, deixou a segurança do seu casamento e foi correndo atrás de outros amantes. Aquele padrão de fidelidade con-jugal seguida por promiscuidade espiritual era precisamente aquilo de que Jeremias 2:2 faria lembrar o Israel de tempos posteriores: "Lembro-me de ti... quando eras jovem . . . e de como me seguias no deserto/'

Portanto, Deus mais uma vez faria assim: "a atrairei, e a levarei para o deserto, e lhe falarei ao coração" (2:14 [16]) assim como Oséias recebera a ordem da parte de Deus: "Vai outra vez, ama uma mulher [Gômer]... adúltera" (3:1). Tudo isto era dirigido simultaneamente contra a prostituição física e espiritual de Israel; isto por-que, conforme o mandamento divino, Oséias deu aos seus filhos os nomes: Jezreel, "Deus espalhará", Lo-ruhama, "Desfavorecida" [sem receber misericórdia], e Lo-Ammi, "Não-meu-povo'\ Somente o amor de Javé que não cede diante de nada poderia revogar o julgamento daquela geração, porque o dia haveria de vir em que, conforme as antigas promessas, o povo ficaria tão incontável quanto a areia na praia (Os 1:10 [2:1]; cf. Gn 22:17; 32:12}. Naquele dia Israel seria "semeado por Deus" (Jezreel), e seria chamado "Meu povo" Cammf), e "filhos do Deus vivo" (Os 1:10^ 11 [2:1-2]; 2:23 [25], Este vocabulário faz lembrar em muito a revelação dada a Moisés (Éx 4:22; 34:15-16; Dt 31:16), embora fosse mais extensivamente desen-volvido por Oséias. O amor de Javé permaneceria fiel a despeito da infidelidade de Israel (3:1), porque mesmo depois da disciplina apropriada, seria novamente despo-sado a Deus (2:19 [21]). Semelhante amor remontava à libertação que Deus ope-rou, tirando a nação do Egito (12:9 [10]; 13:4). A ameaça quanto a levá-lo simboli-camente de volta para o Egito (8:13; 9:3; 11:5) é mais uma lembrança da adver-tência mosaica em Deuteronômio 28:68, Mesmo assim, o Seu amor ainda triunfará. Oséias apresenta Javé como um pai que vigia enquanto seu filho dá seus primeiros passos (11:1 e segs.), um médico que ajuda a Israel (7:1; 11:3; 14:4), e como um pastor (13:5).

Assim, há uma ênfase dupla em Oséias: a retidão de Deus e o amor de Deus. Porque Ele é justo (2:19 [21]; 10:12), os homens devem "voltar-se" (sub) ao Se-nhor (5:4; 6:1; 7:10; 11:5; 12:6 [7]; 14:2) e "buscar" (bãqas em 3:5; 5:6, 15; 7:10;

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também sãhar em 5:15; darás em 10:12). Alguns dos mais graciosos convites ao arrependimento em toda a Escritura se acham em 6:1-3 e 14:1-3, Assim, o julga-mento não falaria a palavra final; a graça de Deus é que falaria, "Depois tornarão os filhos de Israel, e buscarão ao SENHOR seu Deus, e a Davi, seu rei; e, nos últimos dias, tremendo, se aproximarão do SENHOR e da sua bondade" (3:5), Não se trata-ria do rei davídico deportado mas, sim, do descendente messiânico de Davi que já tinha sido prometido {2 Sm 7; Amós 9:11 e seg).

O hesed de Deus, sendo esta a única palavra que o profeta tinha disponível para descrever "as riquezas da graça de Deus no coração de Deus",6 ficaria evi-dente quando Ele mais uma vez Se desposasse com Israel (2:19 [21 ]). Assim, "guar-daria a aliança e Seu amor da aliança", conforme a promessa de textos mais anti-gos (Dt 7:9, 12; 1 Rs 8:23; cf. posteriormente, Ne 1:5; 9:32; Dn 9:4; 2 Cr 6:14). Faria assim "porquanto amou teus pais, e escolheu a sua descendência depois deles" (Dt 4:37). Quanto è nação de Israel, ela, por sua vez, devia retribuir o mesmo "amor leal" (hesed) a Javé (Os 4:1; 6:4,6; 10:12; 12:6 [7]). Esta era uma das três palavras-chave importantes na "controvérsia" (ríb) ou processo jurídico de Deus contra Israel (4:1). Israel não tinha "verdade" i'emet), nenhuma "misericórdia", "bondade amorosa" ou "amor leal" (hesed)f e nenhum "conhecimento de Deus" (da éat 'etohtm),

Cada uma destas acusações foi então retomada em ordem inversa, e cada se-ção culminava com um quadro brilhante de um dia futuro melhor, quando o amor de Deus romperia a barreira do pecado persistente de Israel. Sua falta de "conheci-mento de Deus" (4:1,6; 5:4) era evidente, pela sua prostituição física e espiritual. Usualmente, a expressão "conhecimento de Deus" significava teologia ou doutrina; o que faltava a Israel era o respeito para com a lei de Deus — e. g., cinco dos Dez Mandamentos são citados como amostra em 4:2, Mas também significava uma ex-periência pessoal de Deus (cf, 5:4; 6:2; 13:4) e relacionamento com o único Deus verdadeiro.

Dessa forma, conforme disse Deus: "Irei, e voltarei para o meu lugar, até que se reconheçam culpados e busquem a minha face" (5:15). A primeira seção {4:2— 5:15) terminou com uma bela promessa em 6:1-3 com respeito a um dia em que Deus sararia o povo depois de feri-lo; então os homens conheceriam ao Senhor, porquanto Ele os levantaria de novo,

A segunda acusação, a falta de hesed foi proferida em 6:4—10:15, com a calo-rosa promessa quanto ao amor de Deus concluindo aquela seção em 11:1-11. O co-

6 George Farr, "The Concept of Grace iri the Book of Hosea", Zeitschrift für alttesta-mentliche Wissenschaft 70 (1958): 102,

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ração de Javé recuava dentro d Ele quando pensava em entregar as tribos do nor-te (11:8; cf, Dt 29:23 onde o mesmo verbo "destruir", ''entregar à destruição" se emprega com respeito às cidades de Sodoma, Gomorra, Admá e Zeboim); e Sua compaixão foi profundamente comovida.

A terceira seção em 11:12 [12:1] a 13:16 [14:1] desenvolveu a acusação de falta de "verdade" f*emet} ou "fidelidade" Cemunâh) e terminou com um apelo e uma promessa de alcance magnífico em 14:1-9 [2-10]. As palavras de Deus eo Seu amor gratuito seriam tudo quanto Israel precisaria. A bênção prometida seria res-taurada se Israel voltasse para o Senhor e oferecesse o sacrifício dos seus lábios. De fato: "Eu os remirei do poder do inferno, e os resgatarei da morte: onde estão, ó morte, as tuas pragas? Onde está, ó inferno, a tua destruição?" (13:14). Deus, por-tanto, acabaria remindo Seu povo, pois nem se poderia imaginar qualquer mudança de intenção da parte d Ele quanto a isto (13:14 b).

A Missão aos Gentios: Jonas A graça de Deus se estendeu ao mais hostil e agressivo dos vizinhos gentios de

Israel — os assírios. Surpreendentemente, eram mais responsivos ao mensageiro de Deus do que eram os israelitas, para a maior mortificação de Jonas. Este tivera prazer em profetizar com respeito à expansão das fronteiras nacionais de Israel (2 Reis 14: 25) durante o reinado de Jerobão II. Mas, anunciar de antemão o julgamento divino contra Nínive, a ser concretizado dentro de apenas quarenta dias, seria oferecer a esta cidade uma oportunidade para arrependimento, e, portanto, para a misericor-diosa suspensão divina da sentença pronunciada por Deus; contra isto, Jonas obje-tou com uma paixão.

A teologia do livro7, portanto, gira em torno da extensão da graça de Deus aos gentios. É mais uma aplicação de Gênesis 12:3, Boa parte daquilo que ensina se centraliza no caráter de Deus conforme a revelação do mesmo já feita em Êxodo 34:6, Conforme o lembrete que veio à língua de Jonas em 4:2, o Senhor é clemente, misericordioso, tardio em irar-se e grande em benignidade ihesed). Javé é Criador de tudo (1:9) e o Soberano de todos os assuntos da vida, conforme se revela no Seu controle do mar (v, 15), e na Sua providência em preparar um grande peixe (v. 17), uma planta (4:6), um verme (4:7) e um vento calmoso oriental (v. 8). Seu poder não era limitado de modo nenhum; Ele era o Juiz de toda a terra (Gn 18:25). Ele era o ator principal neste livro; e a palavra dEle era, conforme Jonas 1:2, a primeira, co-mo também a última (4:11).

7 Para uma boa avaliação geral do livro, ver John H. Stek, "The Message of the Book of

Jonah", Calvin Theological Journal 4 (1969): 23-50.

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208 Teologia do Antigo Testamento

Nínive custara ao únioo Deus vivo enormes trabalhos e esforços; não poderia, portanto, ter compaixão dela como Jonas teve da mamoneira (qfqãyôn), que, em contraste, não custara a Jonas nenhum esforço ou trabalho? A forma elíptica destes dois versículos é tanto mais gráfica quando é vista diante do pano de fundo da teologia clara do livro; Deus quer que os gentios também tenham uma participa-ção na Sua graça. Desta forma, assim como Jonas afirmou na sua confissão credal em 1:9; "Temo ao SENHOR", assim também os marinheiros politeístas "temeram em extremo ao SENHOR; e ofereceram sacrifícios ao SENHOR, e fizeram votos" (1:16).

Assim foi também que os ninivitas afirmaram a soberania de Deus em 3:9, dizendo: "Quem sabe se voltará Deus e se arrependerá, e se apartará do furor da sua ira". Nínive foi poupada assim como o próprio Jonas tinha sido salvo do afogamen-t o — o assunto da sua oração de ações de graças em Jonas 2, que era repleta de cita-ções do Saltério.

Salvar gentios não era uma novidade no plano divino. Já havia muito tempo, Deus estava fazendo isto, como no caso de Melquisedeque, a multidão dos egípcios, Jetro, Raabe, Rute e outras pessoas assim. Os gentios, também, eram objetos da Sua misericórdia, assim como Amós 9:7 já proclamara. Agora, Nínive também podia declarar que recebera semelhante distinção,

O Soberano de Israel: Miquéias Como seu contemporâneo Isaías, Miquéias ressaltava a incompatibilidade di

Deus. Como se fosse um aviso prévio quanto á natureza do seu ministério, seu pró-prio nome significa: "Quem é como Yah [weh]?" A mensagem dele também termi-nou com a mesma pergunta: "Quem, ó Deus, é semelhante a ti, que perdoas a ini-qüidade?" (7:18). Javé era o "SENHOR de toda aterra" (4:13); e este fato foi evi-denciado, como também era o caso da maioria dos profetas, na combinação dupla de obras divinas: julgamento e salvação. Em três mensagens, cada uma começando com "Ouvi" (1:2; 3:1; 6:1), Miquéias clamou contra o pecado de Israel e de Jacó. Os pecados deles passaram por toda a gama de maldades, incluindo a idolatria (1:7a), a prostituição (1:7b), gula e cobiça (2:1-2), perversão da verdadeira doutri-na e religião (2:6-9; 6:2-7), falsos profetas (3:5-6), ocultismo (3:7) e presunção (3:901), Repetidas vezes, tinham violado os Dez Mandamentos: a assim chamada segunda tabela (6:10-12) e a primeira tabela (6:13-15).

Deus, porém, há de intervir. 0 vocabulário da teofania, completo com os te-mas já familiares de terremoto e fogo, deu início à profecia em 1:2-4. Javé viria des-truir o reino do norte, com sua capital, Samaria, Esta intervenção local era o come-ço do julgamento divino, que sempre começava na casa de Deus; aquela mesma fú-ria e ira, no entanto, seria também derramada "sobre as nações que não obedece-ram" a Ele (5:1 5).

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Miquéias, no entanto, não podia deixar o argumento parar aí, assim como ne-nhum outro profeta de julgamento ou ruína tinha podido fazer. Ele também, no fim de cada uma das suas três seções, dava aqueles vislumbres de esperança brilhan-te que cintilavam com os antigos fios de meada da promessa. Assim, Miquéias 2:12-13 foi a primeira de tais palavras de esperança, A meia-volta foi tão repentina que a maioria dos estudiosos não acha possível que o mesmo profeta pudesse ter mudado tão rapidamente suas palavras de sentenças pesadas, Leslie Allen8, no entanto, já de-monstrou a semelhança entre a expressão e aquela creditada a Isaías em 2 Reis 19:31. Notou, também, que a palavra "porta" no versículo 13 era uma recordação da expressão "porta de Jerusalém" em 1:12 e "porta do meu povo" em 1 :9, Encai-xava-se, portanto, precisamente dentro do esquema e contexto internos do escritor,

O sentido desta expressão era duplo; Javé voltaria a reunir Suas ovelhas, "o restante de Israel", em dia futuro não especificado, guiando-as pela porta, como "Cabeça" e "Rei" delas. Três vezes, no versículo 12, prometeu-se a Judá e Israel a mesma libertação que já tiveram do Egito (Êx 13:21; Dt 1:30,33). "Todos vós" [2: 12] conforme a promessa registrada por Miquéias, sereis reunidos e guiados por aquele "que abre caminho" (happòrès, o carneiro guia de rebanho), através das por-tas das cidades dos seus inimigos, Assim como o bloqueio feito por Senaqueribe, fechando Ezequias dentro de Jerusalém, fora repentinamente varrido para longe, numa só noite, numa maneira decisiva, assim também seria naquele dia maravilhoso em que o Rei Javé conduziria a procissão do Seu povo em sua nova volta ao lar,

O âmago da mensagem de esperança proferida por Miquéias encontra-se nos capítulos 4 e 5; e aqui aparecem três etapas. Em primeiro lugar, deu a Jerusalém a certeza de que, a despeito do fato de que "Jerusalém se tornaria em montões de ruí-nas" (3:12), mesmo assim, conforme Isaías dissera (Is 2:2-4),"O monte da casado SENHOR será estabelecido no cume dos montes" [ou: "como cume"] (Mq 4:1-5). A segunda etapa (Mq 4:6-13), semelhante a Amós 9:11 e segs., deu certeza a Sião de que ela finalmente triunfaria sobre todas as nações embora, por um curto tempo, a " torre" de Davi perderia seu "primeiro domínio" e a "filha de Sião" sofreria, por algum tempo, as dores de quem está para dar à luz. A maior predição de todas, no entanto, previu que as labutas de muitos anos seriam trocadas por um soberano cujo nome seria "Paz", e que nasceria na pequena cidade de Belém, cumprindo-se assim a promessa antiga (5:1-15),

Estes eventos aconteceriam "nos últimos dias" (4:1), uma frase cujo significa-do já tinha sido estabelecido pela teologia antecedente: tudo isto faria parte do dia

O Leslie Allen, The Books of Joel, Obadiah, Jonah and Micah (Grand Rapids: Eerdmans,

1976), p. 301.

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210 Teologia do Antigo Testamento

do Senhor. O destino da própria cidade de Jerusalém seria invertido, Agora ocuparia o lugar central nos pensamentos, importância e viagens das nações. Daquele centro seriam irradiados não somente ensinamentos doutrinários e éticos como também arbitragem para todas as nações (4:3a)! O resultado do reinado do Messias em Sião seria uma era sem precedente e ininterrupta de paz e de prosperidade em segurança (4:36-4),

Miquéias, mais uma vez, prometeu que uma "parte restante" seria reunida de novo (4:7a) quando, "o Senhor reinaria sobre eles no monte Sião" (4:7b)< A "torre do rebanho" (v. 8, migdal 'èder} era, provavelmente, um lugar perto de Jerusalém (Gn 35:21), cerca de uma milha distante de Belém, conforme Jerô-nimo.9 Simbolizava, portanto, por metonfmia, a cidade natal de Davi. O "monte" (4:8, Jòpei)t ou Ofel, era o nome convencional do encosto sudeste da colina do templo em Jerusalém, onde Davi reinara. A ambos lugares, "o primeiro domínio" (4:8) seria restaurado. Deus estava fazendo todas as coisas, inclusive a cessão tempo-rária da glória da naçao e suas grandes labutas, conforme o "plano" e os "pensamen-tos" de Deus (4:12). No fim, o poderio militar de Sião seria como se a nação tivesse "chifre de ferro" e "unhas de bronze" enquanto triunfava sobre seus inimigos (4: 13; cf. aquele que provavelmente é um xará [homônimo] de Miquéias, Miquéias ben Inlá em 1 Reis 225}.

Estas dores de parto ainda produziriam fruto. De Belém, ou Efrata, conforme o nome antigo dela (cf. Rt 1:2), viria o "Dominador" (móêèI — aquele que reina) davídico. Conforme comentou von Orei li:

De Belém, que quase nem sequer tinha a categoria de uma cidadezinha do interior, surgirá Alguém cujo nome aqui é misteriosamente suprimi-do, sendo mencionada apenas a dignidade que O aguarda...- Além disto, o aspecto misterioso que se segue forma um contraste significativo com a obscuridade do local de nascimento do Messias: "Suas origens são des-de os tempos antigos, desde os dias da eternidade". Isto quer dizer ape-nas que Sua ascendência pode ser seguida até chegar-se aos tempos mais antigos, que é, portanto, de boa descendência, como é, de fato, o caso de os ancestrais de Davi remontarem até Perez, fi lho de Judá (Rute 4:11 e segs.)? Embora seja necessário reconhecer que 'ôfãm em discursos poé-tico-proféticos nem sempre tenha um alcance ilimitado (cf. Amós 9:11), aqui daria um sentido muito fraco, especialmente para o hebraico, pen-

9 Charles L. Feinberg, Jonah, Micah, Nahum (Nova Iorque: American Board of Missions to Jews, 1951), pág. 87. Outros se referem à "torre das ovelhas" no encosto sul da colina do templo.

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sar que se tratasse apenas da descendência física de Jessé, o humilde an-cestral, ou de Judá. Entendia-se como fato consumado que todo israeli-ta fosse descendente de Jacó-Abraão já por natureza, Ou será que esta descrição, em termos solenes, contendo duas definições de um período muito extenso de tempo, ensina a existência do Messias antes de existir tempo, de tal modo que tenhamos aqui, assim como em João 1:1 e segs.f e 8:58, testemunho irrefutável à preexistência de Cristo? As ex-pressões qedem 'ôlãm, e os conceitos gerais dos Israelitas, são um pouco por demais metafísicos para fazer jus a semelhante inferência. Além disto, falando com precisão, não se afirma uma existência pré-mundana, mas, sim, uma origem em tempos imemoriais. Em Miquéias 7:20, qedem se emprega em referência às promessas patriarcais. Tratamos, portanto, a expressão com mais justiça ao entendermos que significa que o futuro soberano a surgir em Belém é aquete que tem sido o alvo do plano divi-no no desenvolvimento das coisas,,,. Seus inícios estão arraigados no plano primeval de redenção feito por Deus.10

O escopo dos poderes deste novo soberano davídico seria de alcance mundial Defendeira a Israel (5:5-6), capacitá-lo-ia a vencer seus inimigos (5:7-9), e pessoal-mente inutilizaria todas as armas de guerra (5:10-15). A "Assíria" do versículo 5 ti-pifica e representa todos os ihimigos de Israel naquele dia futuro em que as nações tentariam solucionar de uma vez por todas "a questão judaica", O resultado aqui é o mesmo que já foi traçado em Joel 3. Haveria, no entanto, príncipes suficientes ("sete pastores e oito príncipes") para enfrentar todos os ataques do inimigo, O "restante de Jacó" seria como orvalho e chuvisco (5:7), como leão ou leãozinho (5:8), isto é: uma fonte de bênção para os justos e conquista dos ímpios.

O que Deus exigia da parte dos homens no ínterim (6:6) era: (1) o trata-mento justo e equitativo do próximo e (2) uma vida diligente de fé vivida em comunhão estreita com Deus (6:8), Aquilo era a epítome e a quinta-essência da lei, A precisão cerimonial como finalidade em si mesma era tão desprezada por Deus como era inútil para seus praticantes.

Miquéias concluiu a sua mensagem com suas expectativas confiantes para o futuro, e suas orações em prol de Israel (7:7-20). "Esperarei no Deus da minha salvação" (7:7), orou, no seu salmo de confiança (7:7-10). Depois de orar em prol do cumprimento do propósito de Deus pela sua terra e povo (7:14-17; cf. vv„

1 0 C- von Orelli, The Old Testament Prophecy of the Consummation of God's Kingdom Traced in Its Historical Development; trad. J.J. Banks (Edimburgo: T. & T. Clark, 1889}, págs. 307-a

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11-13), entoou um cântico de louvor a Deus (7:18-20) por Seu perdão incompa-rável e "misericórdia" ou "amor inabalável" {hesed} (7:18), que mais uma vez, demonstrou exatamente aquilo que Deus jurara11 aos pais deles, Jacó e Abraão. Seriam os pecados e iniqüidades deles, e não suas pessoas, que seriam "lançados nas profundezas do mar" (7:19). De fato, a teologia de Miquéias vai gritando a pergunta de Isaías 40, "Com quem comparareis a Deus?"

O Teólogo da Promessa: Isaías Isaías foi, sem possibilidade de dúvida, o maior de todos os profetas do

Antigo Testamento, pois seu pensamento e doutrina cobriam uma gama tão variada de assuntos quanto seu ministério foi de longa duração. Embora seus escritos possam ser divididos em duas partes, sendo que os capítulos 1-39 estavam vincu-lados mormente ao julgamento e os capítulos 40-66 enfatizavam o consolo em primeiro lugar, o livro consta como unidade com seus próprios aspectos de conti-nuidade, tais como a frase sem igual e distintiva "o Santo de Israel" que ocorre doze vezes na primeira parte e quatorze vezes na segunda parte.1 2

A segunda parte da obra de Isaías é, de si mesma, uma verdadeira teologia inteira do Antigo Testamento- Poderia muito bem ser chamada "O Livro de Ro-manos do Antigo Testamento", ou: "O Novo Testamento dentro do Antigo Testa-mento", Seus vinte e sete capítulos abrangem o mesmo escopo dos vinte e sete livros do Novo Testamento. O capítulo 40 começa com a previsão da voz de João Batista clamando no deserto, assim como começam os Evangelhos. Os capítulos 65-66 chegam ao seu ponto culminante com o mesmo quadro descrito no Apoca-lipse de João, caps. 21-22 dos novos céus e da nova terra. Encaixado entre estes dois pontos terminais, há o ponto central, Isaías 52:13-53:12, que éa maior decla-ração teológica quanto ao significado da expiação, em toda a Escritura.

A primeira parte dos escritos de Isaías, no entanto, não é menos significante. Seus "livros" sucessivos, conforme a expressão de Franz Delitzsch,13 são os livros

11 O juramento de Deus recebe um tratamento especial em Salmo 105:8-11. Ali, e em todas as suas demais ocorrências (Gn 22:16; 26:3; 50:24; Êx 13:5, 11; 33:1; Nm 11:12; 14:16; 23; 32:11; em Deuteronômio, Josué, Juízes, e Jeremias 32:22) "o conteúdo deste juramento é a dádiva da terra", conforme James L Mays, Micah: A Commentary (Philadel-phia: Westminster Press, 1976), págs. 168-69.

1 2 Os conservado res já indicaram cerca de quarenta frases ou sentenças adicionais que

aparecem em ambas as partes de Isaías como evidência em prol da sua unidade, et G leas on L. Archer, Jr., Merece Confiança o Antigo Testamento? Edições Vida Nova, págs. 369 e segs.

1 3 Franz Delitzsch, The Prophecies of Isaiah, 2 vols, em C.F. Keil e F. Delitzsch, Biblical

Commentary on the Old Testament 25 vols. trad. James Martin (Grand Rapids: Eerdmans, 1969), 1: v-vii; 2: v.

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do Endurecimento {caps. 1-6), do Emanuel {7-12), das Nações (13-23), o Pe-queno Apocalipse (24-27; 34-35), a Pedra Angular e os Ais (28-33), e Ezequias (36-39).

Conforme nosso modo de encarar o assunto, Isaías deve ser chamado o teólogo dos teólogos. E, quando se tratava da continuação da promessa de Deus, Isaías sobrepujava tanto no seu emprego da teologia antecedente da promessa abraâmico-mosaico-davídica como na sua contribuição àquela doutrina e seu desenvolvimento da mesma.

O Santo de Israel

A chamada de Isaías, registrada no capítulo 6, estava no coração da sua teologia. Enquanto adorava no templo, foi-lhe concedida uma visão do Senhor exaltado no Seu trono, com Sua glória — as abas das Suas vestes — enchendo o templo. Então escutou os anjos em atendimento entoando louvores à santidade superlativa de Deus, e viu a glória de Deus que enchia a terra.

Esta visão, com sua linguagem antropomórfica porém altamente teológica, é a chave para a teologia de Isaías. Nestes dois conceitos centrais, santidade e glória, Isaías recebeu, cotocados diante dele, os temas da sua profecia e ministério.

Javé era o Deus três vezes santo cujas qualidades de único, separado e trans-cendente eram tão imediatamente aparentes até para o profeta que este exclamou: "A i de mim! Estou perdido! porque sou homem de lábios impuros" (Is 6:5). Tal qual Moisés em tempos passados, I saias ficou sabendo que, sendo santo o Senhor Deus, Israel também tinha de ser santo. A santidade de Deus podia ser vista na Sua perfeição moral, Sua retidão, e na Sua conduta pura,

Não somente Isaías era indigno, em comparação com a santidade de Deus; Israel também era indigno: "habito no meio dum povo de impuros lábios" (v. 5). Foi esta a razão de se colocar os capítulos 1-5 antes da narrativa do chamamento de Isaías no capítulo 6. Dava todos os pormenores da necessidade da mensagem de Isaías a Israel, no sentido de ou se arrepender ou enfrentar o julgamento, Israel era mais um rebelde {1:2, 4), hipócrita (1:10-15), e violador zombador dos manda-mentos (5:8-23) do que "nação santa" de Deus ou Seus ''sacerdotes reais".

Javé era santo ou separado do Seu povo, não somente na Sua moralidade, como também no Seu ser. Os ídolos, "a obra das mãos dos homens" (2:8, 20), eram "coisas de nada" e "nulidades" Celíttm, 2:8, 18, 20 [2 vezes]). Além de Javé, não havia outro. Esta transcendência e soberania majestosa fazia do ensino da incomparabilidade de Deus uma das doutrinas mais grandiosas de Isaías, espe-cialmente na pergunta, muitas vezes repetida, de Isaías 40: "A quem, pois, me comparareis?"

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Assim, o julgamento divino tinha de ser pronunciado quando uma população obstinada endurecia seu coração como resultado do ministério de tsaías desta palavra de santidade (6:9-12). Parece que havia uma multidão de pessoas em Judá que entendiam erroneamente que a teologia real, com sua promessa incondicional dada a Davi, fosse uma aprovação global de tudo quanto o povo fazia, seja de bom, seja de ruim. O povo presumia, falsamente, que Deus nunca visitaria Sião com des-truição — isto devastaria Sua promessa e Seu plano eterno. Portanto, conforme o raciocínio mal-avisado deles, Deus estava forçado a ficar com os israelitas — por bem ou por mal — e, no momento, era reconhecidamente para o mak Grande surpresa, no entanto, haveria de sobrevir sobre eles. Isaías anunciou que pregaria "Até que sejam desoladas as cidades e fiquem sem habitantes, as casas fiquem sem moradores, e a terra seja de todo assolada, e o SENHOR afaste dela os homens" (Is 6:11-12).

Falar desta maneira parecia ser um ato de traição- Não há dúvida de que soava como uma rejeição da promessa patriarcal com respeito à terra e à eleição mosaica de um povo. Foi então que o segundo motivo da visão do Senhor que Isaías tivera no templo desempenhou seu papel: a glória de Deus.

A glória de Deus ainda haveria de encher toda a terra. Haveria, sem dúvida, um remanescente, aqui chamado "a décima parte" VasTrTyyâh, 6:13), que perma-neceria como toco depois de tombada a árvore, E "a santa semente é o seu toco", disse Isaías com uma olhada triunfal e obviamente retrospectiva, para a palavra dada a Abraão e no Éden com respeito â "descendência" prometida. Desenvolveu este tema no Pequeno Apocalipse de Isaías 24-27 e 40-66, O estado final glorioso "no fim dos tempos" do plano de Deus colocaria Jerusalém numa posição exaltada como centro das nações e centro para se receber instrução nos caminhos do Senhor (2:2-4; cf. a discussão em Miquéias). Sião seria o centro a partir do qual o povo de Deus, recém-reconstituído, viria após um julgamento catastrófico (30:15). Assim, intérpretes honestos que levam este capítulo do chamamento (6) a sério, não acham que o tema de triunfo e de glória seja uma intrusão ou detração, assim como não consideram que a exigência para santidade é diminuída por causa da ameaça de julgamento. Ambos são motivos autênticos em Isaías.

O Renovo de Javé

Quem é o "renovo" ou "ramo" (semah) de Isaías 4:2-6? Há muito poucas pessoas que duvidam de que aquele que é chamado "o Renovo", conforme segue abaixo, é o Messias. Além disto, não duvidam de que os profetas posteriores de-pendem de Isaías 4:2 ao citarem este título, Os profetas que empregam este título para representarem o Messias são:

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"Renovo de Javé" (Is 4:2) "Renovo de Davi" (Jr 23:5-6) "Meu Servo, o Renovo" (Zc 3:8) "O homem cujo nome é Renovo" (Zc 6:12)

Em Isaías 4:2, o "Renovo de Javé" é a dinastia davídica na sua natureza humana ("o fruto da terra"), bem como na divina {"de Javé"). Neste caso, o "Renovo" seria um termo equivalente para "Ungido" ou "Santo".

Muitos, no entanto, levantam a objeção de que "Renovo" ainda não era uma designação fixa para o Messias; além disto, o seu paralelismo com "o fruto da terra" (4:2) favorecia uma referência ao brotar da terra sob a influência bené-fica de Javé. O Messias, no entanto, conforme demonstram os capítulos seguintes, era o Mediador destes benefícios, e Ele mesmo era o maior de todos os benefícios.

Devemos estranhar, portanto, que os profetas posteriores tenham aplicado este t í tulo à fonte viva e pessoal de todas estas dádivas nos dias do fim? Algumas destas dádivas, já achadas nesta passagem, são: (1) a promessa de que a terra seria frutífera; (2) a certeza de um remanescente de "sobreviventes"; (3) a santidade da parte restante; {4) a limpeza e purificação da sujeira moral do povo; e (5) a glória radiante da presença pessoal de Javé, habitando em Sião com Seu povo para sempre, A "nação santa" de Êxodo 19:6 seria, finalmente, completamente realizada, bem como a "habitação" permanente de Javé no meio dela. Até a "nu-vem de dia" e "fogo de noite" (4:5) seriam renovados. Assim como estes tinham sido as provas visíveis da presença de Deus no deserto (Êx 14:19 e segs.), assim seria uma sombra de dia e iluminação de noite, para proteger a cidade de Deus de toda violência.

Emanuef

O que foi deixado sem definição na passagem do "Renovo [ou Broto] do Senhor" agora recebeu formato e definição pessoais nas profecias de Emanuel em Isaías 7-11. Esta palavra veio na situação da guerra siro-efraimita em que Peca, rei de Israel, fez uma aliança com Rezim, rei da Síria, para avançar contra Acaz, rei de Judá, visando instalar o filho de Tabeal como rei no trono de Davi, Esta ameaça contra Jerusalém e Judá foi enfrentada pelo convite dado por Isaías a Acaz no sentido de "crer" em Deus a f im de que o próprio Acaz "tenha crédito", ou seja, "estabelecido" (7:9). Deus, na realidade, comprovaria a validade da Sua boa oferta em situação tão improvável, ao dar um sinal (i.e., operar um milagre) que Acaz poderia escolher nas profundezas ou nas alturas.

Acaz, no entanto, como verdadeiro descrente, fez uma "piedosa" rejeição da ajuda de Javé com uma referência oblíqua a Deuteronômio 6:16 no sentido de não tentar ao Senhor seu Deus. A verdade no caso era que pouca coisa espe-

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rava da parte de Javé; atém disto, é provável que já procurara, secretamente, o apoio de Tiglate-Pileser, rei da Assíria (2 Reis 16:7 e segs,).

Apesar disto, o Senhor foi adiante e deu um sinal. Era o seguinte: "Porque ftu] a virgem conceberás e darás à luz um fi lho; lhe chamarás Emanuel" (7:14). Ora, é importante notar várias coisas: (1) a palavra vaimâh significa "virgem" em todos os casos nos quais se pode determinar o sentido;14 (2) tem o artigo definido, "a virgem"; (3) o verbo "chamar" está na segunda pessoa feminina e não na terceira pessoa feminina; e (4) as palavras deste versículo fizeram uso de fraseologia bíblica mais antiga: no nascimento de Ismael (Gn 16:11); no nasci-mento de Isaque (Gn 17:19); e no nascimento de Sansão (Jz 13:5, 7). Portanto, o sinal dado a Acaz consistiu em repetir para ele as frases já familiares empre-gadas ao prometer o nascimento de um filho.

Esta passagem, no entanto, tratava do nascimento de três fithos, todos os três sendo sinais em Israel (8:17-18). Cada um dos três fo i introduzido, e depois ficou sendo objeto de uma profecia mais pormenorizada, conforme segue:

1, Sear-Jasube — "um resto volverá" 7:3 10:20, 21, 22; 11:11, 16.

2, Emanuel — "Deus conosco" 7:14 8:8, 10.

3, Maer-Salal-Has-Baz - "apressa-se o despojo, precipita-se a presa" 8:1, 3 r 4^ 10:2,6.

Em cada uma destas passagens, menciona-se um filho que nasce em cumprimento da promessa que fora feita a Davi, no sentido de que sua descendência fosse eterna . . . Na segunda metade do seu discurso com respeito aos três filhos, Isaías assim reitera a promessa que fora feita a Davi, e nela insiste, Faz dela o alicerce da sua repreensão ao povo pela corrupção deste . . .

Aqueles que o escutavam entendiam que, quando Acaz se recusou a pedir o sinal oferecido, o profeta repetiu para ele, de forma nova, a promessa de Jeová com respeito à descendência de Davi, e fez com que isto fosse um sinal de que Jeová não somente cumpriria Sua pro-messa atual como também puniria Acaz por sua falta de fé. Pode-se

14 Além da ocorrência neste texto, ocorre também na narrativa de Rebeca (Gn 24:43); a irmã de Moisés (Êx 2:81; na frase "o caminho do homem com uma donzela" (Pv 30:19); e no plural no Salmo 68:25 [26]; Cantares de Salomão 1:3; 6:8; e os títulos do Salmo 46 e 1 Crônicas 1 5:20.

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duvidar se qualquer um deles tivesse em mente a idéia de alguém exatamente como Jesus, nasceria de uma virgem, num século futuro; certamente pensavam nalgum nascimento que haveria na linhagem perpétua de Davi, que tornaria especialmente significativa a verdade, "Deus conosco".15

Além disto, antes que este filho, o nascimento mais recente na linhagem de Davi, pudesse distinguir entre o certo e o errado (7:16-17), uma revolução política de grandes proporções tiraria do poder tanto Peca como Rezim. Deve-se, no en-tanto, ter em mente vários outros fatos, logo de imediato, a f im de identificar corretamente este " f i lho" . Segundo 8:8, 10, ele é chamado príncipe da terra ("tua terra, ó Emanuel"), e é considerado o ungido esperado da casa de Davi em 9:6-7 [5-6] ("para que se aumente o seu governo e venha paz sem f im sobre o trono de Davi e sobre seu reino . .. para sempre"), Além disto, Isaías, como seu contem-porâneo, Miquéias, a cada ponto pressupõe que um período de julgamento deve preceder a gloriosa era messiânica. Portanto, este sinal e nascimento não podem ser a completação dos "últimos dias", seja qual for sua natureza exata.

Quem, pois, era este menino? Sua dignidade messiânica exclui totalmente a idéia de que ele pudesse ter sido o filho de Isaías, nascido dalguma jovem recém-- casada ao profeta após a suposta morte da mãe de Sear-Jasube. É muito menos provável que seja uma referência a alguma virgem de idade de casamento ou a alguma virgem ideal específica, presente na ocasião da proclamação desta profecia, pois o profeta dissera de modo ctaro; "a virgem". Ê preferível entender que o menino fosse um filho do próprio Acaz, cuja mãe, Abi, filha de Zacarias, é mencio-nada em 2 Rs 18:2 — a saber, seu filho Ezequias. É bem conhecido que esta era a interpretação judaica mais antiga, mas também supõe-se que Ezequias não pudesse ser o "sinal" profetizado em 7:14 uma vez que, segundo cronologias atuais, ele teria nove anos de idade naquela ocasião (cerca de 734 a.CJ, Aquele último argu-mento deve ser muito bem estudado antes de ser adotado. A cronologia de Israel e Judá tem sido estabelecido com segurança, com apenas uma exceção menor — uma dificuldade de dez anos no reinado de Ezequias. Sem debater o ponto nesta ocasião, gostaria de sugerir com coragem que somente Ezequias preenche todos os requisitos do texto de Isaías e, ao mesmo tempo, demonstra como este podia ser parte integrante daquela pessoa messiânica que completaria tudo quanto está dito nesta profecia de Emanuel. Somente nesta "prestação", a mais recente, da promessa abraâmica-davídica é que se podia ver que Deus ainda estava ficando "com" Israel em todo o Seu poder e presença.

Willis J. Beecher, "The Prophecy of the Virgin Mother: Is vii: 14", Homi/eticai Review 17 (1889): 357-58,

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Em Isaías 9:6, uma série de epítetos descritivos se atribui a este filho recém-nascido, que seria o ponto final da linhagem de Davi. Ele é "maravilhoso Conse-lheiro", "Deus Forte", "Pai da Eternidade",1 6 e "Príncipe da Paz". Estes quatro nomes representam, respectivamente, (1} a vitória devida aos Seus planos sábios e grande perícia na batalha; (2) o Conquistador irresistível (cf. 10:21); (3) o domí-nio paterno do Messias, com Seu atributo divino de eternidade; e (4) o reino paci-fico eterno do Messias. Não haveria limites ao Seu governo, nem à paz sob o regime dEle, porque Ele estabeleceria Seu reino em justiça e retidão para sempre (Is 9:7), 0 quadro de toda a natureza em descanso e livre de hostilidades (11:6-9) é sem igual entre as descrições da paz que seria observada durante aquela era. Há, além disto, uma predição gráfica da restauração tanto do norte como do sul para a terra "naquele dia" (11:10-16). E, do toco do pai de Davi, Jessé, brotaria aquele "rebento", o "renovo" (hèzer), sobre quem pairaria o sétuplo dom do Espírito do Senhor enquanto dominava e reinava com retidão ede modo a inspirar respeito (11:1-5). O quadro inteiro da pessoa e obra futuras do Messias era pintado em termos da promessa davídica, como caloroso encorajamento para Israel.

O Senhor da História

O propósito e plano de Javé abrangia a terra inteira com suas nações. As nações se levantavam e caíam de acordo com aquele plano (Is 14:24-27). Quando, porém, o orgulho nacional se exaltava, e motivava-se por agressão imperialista, estas nações logo receberam a advertência de que não podiam continuar assim desapiedadamente. Mesmo quando eram instrumentos estabelecidos por Deus para executar julgamento contra Israel, não deviam queimar, matar e destruir à vontade; poisr neste caso, Javé voltaria a lembrar a estas nações que não passavam de machados na mão d Ele. O machado não deve pretender ser igual àquele que com ele corta, assim como a serra não poderia ser maior do que aquele que com ela serrava (Is 10:15). Assim, Assíria aprenderia que servia a vontade do Deus vivo e não a sua própria vontade.

As profecias concernentes a cerca de dez nações foram compiladas em Isaías 13-23. A mais espantosa de todas se acha no capítulo 19 de Isaías. Era uma men sagem de condenação contra o Egitor em que o próprio Javé castigaria o governo (19:2-4), a economia (19:5-10) e a sabedoria (19:11-13) do Egito. Como se fosse para sublinhar a fonte destes julgamentos, o versículo 14 ressalta mais uma vez que foi Javé que derramou um espírito de confusão no Egito.

16 Não é "Pai da Presa", que não se coaduna com o atributo permanente de "Prfncipeda Paz"; peio contrário, o hebraico *3b fadsignifica "Pai da Eternidade", conforme o significado de 'adem Gênesis 49:26; Isaías 57:15; e Habacuqtie 3:6.

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Tinha de haver, no entanto, um outro "dia", fazendo parte daquele grande "dia" do futuro, "Naquele dia" Judá aterrorizaria o Egito segundo o plano do Senhor dos Exércitos (19:16-17), E um soberano severo oprimiria seus próprios súditos egípcios (19:20); Javé, no entanto, libertaria o Egito de modo milagroso de tal maneira que este país faria uma terceira parte da adoração ao Senhor, junta-mente com Israel e a Assíria, tendo uma herança do Senhor junto com estas duas nações (19:24-25). Assim, embora o Senhor tivesse de ferir o Egito, Ele o sararia ao enviar um juiz ou "salvador" assim como fizera em prol de Israel no período dos juízes. Então o Egito adoraria ao Deus vivo juntamente com Israel (19:18-19, 21-22}.

Assim como Javé tinha tratado com Samaria e Damasco durante a guerra siro-efraimita, assim também trataria com todas as nações. Somente Ele seria sobe-rano, a despeito de toda a suposta soberania delas. Além disto, finalmente triun-faria sobre elas todas, Este processo de sacudir as nações se conta de modo dramá-tico no "Pequeno Apocalipse" de Isaías 24-27.

A Pedra Angular

A orgulhosa Samaria ainda estava em pé quando a profecia de Isaías 28, anunciando o fim desta "flor caduca" de Efraim, foi pronunciada. Havia, no en-tanto, uma repreensão para Jerusalém também, porque, como foi o caso no capí-tulo 7, Judá se voltara para a Assíria, pedindo socorro, ao invés de apelar para o Senhor. A palavra dos profetas tinha sido desprezada como trivialidade, porque o povo se imaginava seguro contra a morte e contra o Seol. A sorte deste povo, porém, também estava selada. Suas mentiras e fraudes não serviriam para esconder nada: seriam apanhados na inundação transbordante.

Nesse ínterim, Adonai, o Senhor soberano, estava colocando em Sião uma pedra fundamental. A passagem básica que informou a teologia deste texto é Gênesis 49:24, onde o "Poderoso de Jacó" é chamado a "Pedra de Israel". Seme-lhantemente, Deuteronomio 32:4 identificara Deus como uma Rocha (sür)f e Isaías 8:14 identificou Deus como rocha tanto como pedra. Em contraste com o abrigo inseguro oferecido pelas mentiras, a pedra ficou firme e inamovível.

Desde o momento em que a dinastia davídica foi inaugurada, esta pedra tinha ficado em Sião, Era, portanto, uma "pedra de teste", para que os homens fossem testados por ela. Embora o próprio Senhor seja chamado Pedra de tropeço e Rocha de ofensa em Isaías 8:14, a pedra, aqui no capítulo 28, é Sua revelação e obra no mundo. Aquela pedra ficaria firmemente fixa na sua posição, e de valor precioso, de tal modo que todo aquele que nEla confiasse não ficaria perturbado. Tal pessoa ficaria calma e à vontade, em contraste como refúgio excitado, agitado e falso anteriormente oferecido pelas mentiras dela.

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Foi dito de Abraão que "creu" {he'emfn, Gn 15:6) e Deus computou isto em prol dele como "justiça" (sedãqéh). Aquela fé era uma entrega total ao Senhor, do fundo do coração; era confiança na promessa divina que, mais tarde, foi repe-tida aos demais patriarcas e a Davi, Salomão e à linhagem deles. A promessa divina era o objeto e o conteúdo da sua fé. A exigência da parte de Isaias quanto â fé surgiu pela primeira vez com o emprego do verbo h e ^ m f m em 7:9; depois disto, foi empregado em 11:5 e 28:16. Era uma confiança fiel, era considerar Deus como objeto firme de fé. A raiz batah se emprega com respeito à crença em Deus em Isaías 30:15, mas também se emprega com referência à falsa confiança em Isaías 30:12; 31:1; 32:9-11, Outras grandiosas palavras de fé ou crença em Isaías são: "esperança" [qiwwâh, 8:17; 40:13); "esperar em" {hikkâh, 8:17; 30:18); e "des-canso" (nuah, 28:12 [duas vezes]; 30:15).

Uma Breve Teologia do Antigo Testamento

Uma das seções mais notáveis de todo o AT é Isaías 40-66. No seu plano geral, é disposta em três grupos de nove capítulos: capítulos 40-48, 49-57, e 58-66. Em cada um destes grupos de nove mensagens, focaliza-se um aspecto específico da pessoa e da obra de Deus. Chega tão perto de ser uma declaração sistemática da teologia do AT como é o livro de Romanos no NT. Seu movimento majestoso começa ao anunciar a pessoa e a obra de João Batista, e vai girando até atingir as alturas estonteantes do servo sofredor e triunfante do Senhor ao atingir-se a metade do segundo grupo de nove. Este auge, no entanto, passa a ser superado de novo, pela mensagem final com respeito aos novos céus e à nova terra.

Em cada uma destas três seções, há uma figura central. Em Isaías 40-48, a figura-chave é um herói que viria do oriente para redimir Israel do cativeiro, a saber: "Ciro". A revelação com respeito a este herói, surgindo bem no meio dos discursos (44:28-45:10), serviu de corajoso desafio aos ídolos ou deidades que se abraçavam naqueles tempos, na esperança de que libertariam o povo. Sua incapacidade de falar coisa alguma com respeito ao futuro, no entanto, somente poderia levar a uma única conclusão: Javé era de fato o único Deus, e eles não eram coisa alguma.

Em Isaías 49-57, a figura central é o "servo do Senhor", que combinava na sua pessoa a totalidade do povo de Israel, o profeta e a instituição profética, e o Messias no Seu papel de Servo. Mais uma vez, a descrição culminante e sua obra mais importante se localizavam no ponto central deste grupo de nove: 52:13--53:12. A salvação levada a efeito por este servo tinha aspectos tanto objetivos como subjetivos (54:1-56:9); de fato, a sua obra final e terminal abrangeria a glorificação de toda a natureza.

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O terceiro grupo de nove capítulos, 58-66, anunciou com triunfo o raiar de um novo dia de salvação para toda a natureza, as nações e os indivíduos. Havia, no centro deste grupo de nove capítulos, um novo princípio de vida — o Messias cheio do Espírito Santo (61:1-63:6) que tinha os poderes e dignidades dos ofícios de profeta, sacerdote e rei.

Assim, em cada grupo sucessivo de nove capítulos, celebrava-se mais um aspecto da Deidade e da obra de Deus. Nesta ordem, a ênfase recai sobre as Pessoas da Divindade como Pai, "Servo" [Filho], e Espírito Santo. Na Sua obra, são: Criador e Senhor da história, Redentor, e Supremo Soberano de tudo no "escaton" (tempo do fim). As cinco forças principais na mensagem de Isaías são; Deus, o povo de Israel, o evento da salvação, o profeta, e a palavra de Deus. Finalmente, esta mensagem até tem vários aspectos estilísticos distintivos. Tem uma pletora de auto-asseverações divinas, tais como: "Sou o primeiro e o últ imo", ou: "Eu sou Javé"; uma longa série de frases com particípios depois da fórmula: "Assim diz o Senhor", ou: "Eu sou o Senhor", que continuam a dar pormenores do Seu caráter especial; e um número profuso de palavras a posiciona is que aparecem depois dos nomes de Javé ou Israel, bem como grande abundância de verbos para descrever a obra de Javé de julgamento ou salvação. Assim é o estilo desta seção mais magnífica do AT. Agora, porém, tratemos cada um destes grupos de nove capítulos um após outro, para examinar mais detidamente aquela teologia.

1, O Deus de Tudo (Isaías 40-48). 0 tema do chamamento de Isaías volta nesta seção, enquanto se louva repetidas vezes a santidade e a justiça de Deus. Deus é "o Santo" (40:25; 41:14, 16, 20; 43:3, 14; 47:4; 48:17; e também con-tinua em seções posteriores, em 49:7 [ duas vezes]; 54:5; 55:5). Ele também é reto tsedeq), i.e., direto, certo e fiel a uma norma que é Sua própria natureza e caráter. Sua retidão podia ser percebida da melhor forma na Sua obra de salvação, porque o profeta muitas vezes vinculava Sua retidão e Seu cumprimento da promessa da aliança (e.g. 41:2; 42:6-7; 46:12-13; notar, mais tarde: 51:1, 5, 6, 8; 54:10; 55:3; 62:1-2). Somente com respeito a Deus é que se podia dizer: "Ele tem razão" (41:26) ou: "Ele é Deus justo e Salvador" (45:21), que proclama "o que é direito" (45:19) e que aproxima os homens à Sua justiça (46:13).

Sua natureza pode ser vista especialmente no fato de ser Ele sem igual e auto-suficiente. Na famosa coletânea de seis variações feitas por Isaías da fórmula de auto-afirmação divina, demonstrou a incomparabilidade1 7 de Javé: Além dEle não havia outro Deus (44:6, 8; 45:5-6, 21). Assim, permaneceu a pergunta: "A

1 7 Para um estudo excelente deste conceito, ver J.C. Labuschagne, The Incomparability of

Yahweh in the Old Testament (Leiden: E.J. Brill, 1966), esp. págs, 11-12, 123-4, 142-53.

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quem, pois, Me assemelhareis?" (40:18, 25; 46:5). As formas de auto-afirma-w 1 B *** çao sao:

"Eu sou Javé" ou "Eu sou Javé teu Deus" (41 ;13; 42:6, 8; 43:3, 11; 45:5, 6,18)

"Eu sou o primeiro e Eu sou o últ imo" {41:4; 44:6; 48:12) "Sou eu mesmo"

(41:4; 43:10, 25; 46:4; 48:12) "Eu sou Deus" (43:12; 46:9)

"Eu sou o teu Deus" (41:10)

As obras de Deus também eram enumeradas neste primeiro grupo de nove capítulos. Ele era Criador, Parente-Redentor, Senhor da história, Rei de tudo, e Revelador do futuro.

Isaías repetidas vezes ressaltava o fato de que Deus "criara" (hara'}; "fizera" fãsah ou pâ'al); "estendera" {nètâh), "esticara" frâqa'}, "estabelecera" (kuri), e "fundara" (yãsad) os céus e a terra. Neste vocabulário, com tantas lembranças de Gênesis 1-2, estabeleceu a capacidade criadora de Deus como parte das Suas credenciais como Senhor legítimo da história presente do homem edo seu destino final (40:15, 17, 23-34; 42:5; 43:1-7; e, mais tarde, em 54:15-16).

Javé era, também, um Parente-Redentor {gô'e!)r assim como era Boaz para com Rute. O verbo redimir fgã'af) e seus derivados aparecem vinte e duas vezes. Aqui, Isaías fez uso do motivo do Êxodo como sua fonte (cf. Êx 6:6; 15:13; Is 45:15, 21). Esta redenção abrangia (1) a redenção física da escravidão (43:5-7; 45:13; 48:20; e, mais tarde, 49:9, 11,14; 52:2-3; 55:12-13); (2) a redenção interior, pessoal e espiritual, com a remoção do pecado pessoal de Israel (43:25; 44:22; 54:8) e dos gentios (45:20-23; 49:6; 51:4-5); e (3) a redenção escatológica quando Jerusalém e a terra seriam reedificadas (405-10; 43:20; 44:26; 45:13; 49:16-17; 51:3; 52:1,9; 53:11-12). Javé era um Parente-Redentor sem igual.19

Na ocasião da profecia, Javé era, como sempre, Aquele que dirige a própria história, e as nações não Lhe davam medo algum (40:15, 17). De fato, líderes

1 8 Ver a discussão por Morgan L. Phillips, "Divine Se If-Predi cation in De utero-1 sai ah".

Biblical Research 16 (1971): 32-51. 1 9

Ver F, Holmgren, The Concept of Yahweh as Gô'el in Second fsaiah (Diss, do Seminário Teológico Union, Nova Iorque: Microfilmes da Universidade, 1963). Também: Carroll Stu hl mue 11er, Creative Redemption in Deu tero* fsaiah (Roma: Biblical Institute Press, 1970),

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estrangeiros eram levantados para cumprir a vontade dEle na história {conforme a ilustração tão a propósito de Ciro em 41:1-4); e eram resgatados ou conquis-tados pela autoridade dEle {43:3-14; 44:24-45:8; 47:5-9), Não é de se admirar que Ele foi chamado "Rei" em quatro ocasiões. Era "Rei de Jacó" {41:21); "vosso rei" de Israel (43:15); "Rei de Israel" {44:6); e, conforme o resumo em 52:7: "O teu Deus reina!" Isaias também empregou os títulos reais adicionais de "Pastor" (40:9-11), "Testemunho", "Príncipe" e "Governador" em Isaías 55:4.20

Mais uma obra precisa ser acrescentada antes de deixarmos a teologia deste grupo; Javé era o revelador do futuro. Antes de as coisas acontecerem, o profeta recebia informações a respeito delas (41:22-23, 26; 42:9; 43:9-10; 44:7-8; 45:21; 46:10-11; 48:5). O desafio aos deuses, que eram rivais indignos e, na realidade, nulidades na melhor das hipóteses, era declarar aquilo que haveria de acontecer no futuro, seja de bom, seja de ruim. A mais gráfica de todas as predições era dar o nome de Ciro e citar duas das suas maiores obras em prol de Israel quase dois séculos antes da sua realização {44:28), Isaías deixou seu argumento depender de obras tais como estas. Javé era o Deus dos deuses, Senhor dos senhores, e além de toda comparação. Ele era o Deus de tudo.

2. O Saivador de Tudo (Isaías 49-57). Duas palavras resumiriam o segundo ponto da plataforma do livro de mini-teologia de Isaías: servo e salvação. Era, no entanto, a figura do servo do Senhor que recebeu as luzes da ribalta nesta seção.

Os avanços na descrição desta figura incorporada de "servo" já se podem observar no emprego da forma no singular, vinte vezes em Isaías 40-53, e, na forma do plural, dez vezes em Isaías 54-66,21 Para demonstrar que o servo é um termo coletivo, além de ser um termo individual que representa um grupo inteiro, pode-se tomar como base dois jogos de dados: {1) o servo é Israel inteiro em doze das vinte referências no singular (41:8-10; 43:8-13; 43:14-44:5; 44:6-8, 21-23; 44:24--45:13; 48:1, 7, 10-12, 17); (2) os quatro grandes cânticos dos servos de Isaías 42:1-7; 49:1-6; 50:4-9; e 52:13-53:12 todos apresentam o servo como um indi-víduo que ministra a Israel. Nisto jaz um dos mais misteriosos problemas para aqueles estudiosos que rejeitam a solidariedade corporal do servo.

Israel, o servo, é "descendente de Abraão", o "amigo" patriarcal de Deus (41:8). Abraão foi chamado e abençoado quando era ele único, e subseqüente-mente foi multiplicado {51:2; cf. 63:16). Ora, Deus já chamara Abraão de servo dEle em Gênesis 26:24; e Moisés já se referira a Abraão, Isaque e Jacó como sendo

'JO Carroll Stublmueller, "Yahweh-King and Deutero-lsaiah", Bíblicai Research 11 (1970): 32-45.

21 Isaías 54:17; 56:6; 63:17; 65:8^9; 13 [3 vezes], 14-15; 66:14.

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servos do Senhor {Êx 32:13; Dt 9:27). De fato, todos os israelitas eram conside-rados servos dEle em Levítico 25:42, 55, Assim, a descendência prometida ainda estava no centro das bênçãos de Deus {43:5; 44:3; 45:19, 25; 48:19; 53:10; 54:3; 59:21; 61:9), "Os meus eleitos herdarão a terra . . . são a posteridade bendita do SENHOR" (65:9, 23; 66:22). Esta descendência era "servo" de Deus, ou, conforme surge em Isaías 54^66 com regularidade, Seus "servos". Conforme notou John Bright,

A figura do Servo oscila entre o indivíduo e o grupo . . . Ele é o Reden-tor vindouro do verdadeiro Israel, que, através do Seu sofrimento, possibilita o cumprimento da tarefa de Israel; ele é o ator central na "coisa nova" que está para acontecer.22

Nos quatro cânticos do servo, muitos títulos ou descrições do indivíduo se repetem em atribuições idênticas feitas com respeito a Israel nos poemas isaiá-nicos, como, por exemplo:

Um individuo Todo Israel

42:1 "meu escolhido" 41:8-9 49:3 "meu servo" 44:21 49:6 "uma luz para os gentios" 42:6; 51:4 49:1 "me chamou desde o ventre da minha mãe" 44:2, 24; 43:1 49:1 "fez menção do meu nome" 43:1 b

No entanto, por mais marcante que seja esta evidência, o servo dos cânticos tem a tarefa e missão de trazer Israel de volta, de reunir Israel para Ele, "para restaurar as tribos de Jacó, e tornar a trazer os remanescentes de Israel" (49:5-6), Portanto, não se pode fazer uma equivalência total entre o servo do Senhor e Israel como servo, em todos os aspectos. O que parece ser ambivalente éo mesmo tipo de oscilação que se descobre em todos os termos coletivos já observados antes, na doutrina da promessa. Sempre abrangiam a totalidade de Israel, mas, simultaneamente, sempre se focalizavam num representante único que simbolizava o destino do grupo inteiro no tempo imediato e no futuro culminante. A conexão podia ser descoberta não nalguma teoria psicológica da personalidade, mas, sim, na "aliança eterna", "que consiste nas fiéis misericórdias prometidas a Davi" (Is 55:3; 61:8; cf. 2 Sm 7), O servo do Senhor era a pessoa messiânica na linhagem davídica naqueles tempos, e, finalmente, aquele novo Davi final vindouro, que era chamado o Descendente, o Santo (hãsíd}r o Renovo, etc.

2 2 John Bright, Kingdom of God (Nashville: Abingdon, 1953), págs. ISOesegs.

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O Servo da Promessa: Século Oitavo 225

O segundo grupo de nove capítulos também deu detalhes da salvação conquis-tada pelo Servo. Numa verdadeira reviravolta dos eventos, o profeta Isaías mostrou que Deus tiraria a taça da ira divina dos lábios de Israel, e a colocaria na bocados opressores desta nação (51:22-23; cf. o profeta Naum, do século sétimo (1:11-14). Além disto, previa-se para o futuro um novo êxodo e uma nova redenção (52:1 -6). Estas "boas novas" fmeba$ser) viriam a Sião, e depois, todos os confins da terra veriam a salvação da parte de Deus (52:9-10; cf. 40:9).

Este Servo, que reinaria em pessoa, um fato que assustaria todos os reis da terra (52:15), também seria Aquele que sofreria em prol da humanidade inteira, a f im de tornar disponível a expiação da parte de Deus. O primeiro advento deste Servo faria pasmar muitas pessoas (52:13-14), mas Seu segundo advento deixaria os reis da terra sem respiração (52:15) — naquilo jazia o ministério do Servo. Seguiu-se Sua rejeição: os homens rejeitariam Sua mensagem (53:1), Sua pessoa (53:2); e Sua missão (53:3). Seu sofrimento vicário, no entanto, operaria a expiação entre Deus e os homens (53:4-6); e, embora Ele seja submetido ao sofrimento (53:7), à morte (53:8) e ao sepultamento (53:9), Ele seria subseqüentemente exaltado e ricamente galardoado (53:10-12). A iniqüidade de toda a humanidade, portanto, fo i colocada sobre o Servo do Senhor,

O resultado do sofrimento do Servo era que a "descendência" ou "posteri-dade" "possuiria as nações", porque sua tenda seria estendida, as cordas seriam alongadas, e as estacas seriam firmadas mais profundamente (54:2-3), Javé então seria "o Deus de toda a terra" (54:5; 49:6). Assim, seria "como era nos dias de Noé", quando Javé voltava para "reunir Israel" e oferecer Sua "misericórdia" ou "amor inabalável" (hesed) e a "aliança da paz" (54:5, 9-10). Ao mesmo tempo, a oferta gratuita da salvação era feita a todas as nações através do filho de Davi (55:3-5; cf. 55:1-2, 6-9; 49:6; e o comentário do NT em Atos 13:45-49; 26:22^23).

3. O Fim de Toda a História (fs 58-66)- A inauguração do "escaton" foi fortemente marcada pelo f im das "coisas anteriores"23 (41:22; 42:9; 43:9, 18; 44:8; 46:9; 48:3) e a introdução da "coisa nova" por parte de Deus. Haveria um "novo" arrependimento sincero (caps. 58-59), uma "nova" Jerusalém (cap. 60), e "novos" céus e "nova" terra (65:17-25; 66:10-24; cf. 2 Pe 3:13; Ap 21:1-4).

Esta seria a era do Espírito Santo, conforme 63:7*14. Uma chamada sairia para um novo Moisés que conduziria um novo êxodo (63:11-14) e que daria a eles aquele "descanso" (nüah) prometido a Josué havia muito tempo. Assim como o servo recebeu o poder do Espírito de Deus (42:1), assim também era esta Pessoa

23 C,R. North, "The Former Things and the 'New Things' in Deutero-lsaiah", Studies in Old Testament Prophecy, ed. H.H. Rowley (Edimburgo: T, & T. Clark, 1950), pégs. 111-26,

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ungida. De fato, Ele foi considerado o mesmo que o servo em Isaías 61:1 — "0 Espírito do SENHOR Deus está sobre mim, porque o SENHOR me ungiu". Ali, Ele descreveu a alegria da Sua missão (61:1-3) e o conteúdo da Sua mensagem (61:4-9), incluindo:

1. "Vós sereis chamados sacerdotes do SENHOR, e vos chamarão ministros de nosso Deus" (61:6;cf. Êx 19:6).

2. A "aliança eterna" será levada a efeito (61:8).

3. A sua "posteridade" será conhecida entre as nações como sendo aqueles que Deus verdadeiramente abençoou (61 ;9).

Até o equipamento e caráter deste Servo messiânico, cheio do Espírito, foram notados em 61:10-11. Seria vestido com "vestes da salvação" e "faria brotar a justiça e o louvor perante todas as nações".

0 Redentor viria no último dia por amor a Sião {Is 59:20), Ele seria vestido como guerreiro (59:15ò-19) e declararia a guerra contra toda a maldade e pecado, especialmente contra aquele tipo de estilo de vida hipócrita descrito em Isaías 57--59:15a. Seria investido com as palavras e o Espírito de Deus (59:21). Então Jeru-salém deixaria de experimentar violência, porque o Senhor da glória seria seu bem principal (cap. 60). A riqueza das nações viria fluindo para Jerusalém enquanto toda a humanidade chegava para louvar ao Senhor (60:4-16). Então, a cidade exal-tada de Jerusalém teria paz paira sempre, e a presença do Senhor da luz eterna tornaria obsoleta a luz do sol ou da lua (60:17-22).

Enquanto o "dia da vingança" (63:4-6) e o "ano de redenção" trariam julga-mento às nações quando Deus pisaria as nações no Seu lagar, conforme Obadias e Joel proclamaram, o propósito irrevogável de Deus para uma cidade de Jerusalém reedificada, a ser habitada pelo "povo santo" de Deus, seria realizado (cap. 62). Embora as vestes do Herói fossem aspergidas com o sangue do lagar (63:1-6; cf. Is 34; Joel 3:9-16; e, mais tarde, Zc 14; Ez 38-39), ele seria vindicado enquanto esta era chegava ao fim, iniciando-se uma nova era.

Parte daquele mundo renovado — pois é assim que se deve interpretar a palavra "novo" — do porvir, em que habitava a retidão, incluía os novos céus e a nova terra. Mais uma vez, os quadros paradisíacos de Isaías, quanto à paz na natureza, ficaram em primeiro plano {cf. Is 11 e 65:17-25; 66:10-23). A morte seria abolida {cf. Is 25:8), e o domínio e reino, de alcance mundial e eterno, do Rei davídico novo e final, teria seu início. Somente a condenação à tormenta eterna pronunciada sobre os ímpios que não se arrependeram até ao f im, inter-rompe este quadro, pois tais pessoas ficariam em agonia perpétua, apartadas de Deus por toda a eternidade.

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Assim Isaías terminou sua magnífica breve teologia. Sua dependência da teologia antecedente era evidente a quase cada passo, Isaías, enquanto relacio-nava o "servo" com os ensinos a respeito da "descendência" dados anteriormente (Is 41:8; 43:5; 44:3; 45:19, 25; 48:19; 53:10; 54:21; 61:9; 65:9, 23; 66:22) e com a "aliança" já dada (Is 42:6; 49:8; 54:10; 55:3; 56:4, 6; 59:21; 61:8}, contando-se também o que se disse quanto a "Abraão" (41:8; 51:2; 63:16) ou "Jacó" (41:21; 44:5; 49:26; 60:16) e "Davi" e "a aliança eterna" (55:3; 61:8), fez uma sistemati-zação em grande escala da totalidade do plano, pessoa e obra de Deus no breve espaço de vinte e sete capítulos, Não é de se admirar que a sua teologia tenha afetado tão profundamente aos homens no decurso dos séculos.

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O século sete marcou um dos períodos mais críticos da história inteira da nação de Israel, porque ela estava cambaleando para a beira da destruição nacional e o cativeiro babilónico, havia muito tempo já predito, No século anterior, a nação--irrnã de Judá, composta das dez tribos do norte já tinha sofrido a calamidade depois de se recusar a se arrepender do seu pecado a despeito da bateria de profetas que, pela graça divina, foi enviada para advertMa do perigo que se aproximava. A introdução do culto idólatra do bezerro, com suas formas acompanhantes de apostasia, foi especialmente desastrosa. Finalmente, em 722 a,C., Samaria caiu diante dos invasores assírios (2 Reis 17); o f im veio de forma repentina, e a terra voltou a desfrutar paz.

Judá, no entanto, nao aprendeu nada desta lição. Ele também foi se precipi-tando de cabeça para o desastre, provocando o juízo de Deus a cada passo, com pouquíssimas suspensões temporárias da sentença por causa da justiça e bondade exercidas para com Deus ou os homens.

Mais uma vez, Deus enviou profetas, desta feita para advertir a Judá. O tema deles era a iminência do julgamento divino, Naurn deu advertência quanto ao julgamento divino contra Nínive, por causa da maldade daquela cidade e por causa de ela ter destruído Samaria de modo desapiedoso em 722 a.C., ultrapassando

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o método e o grau do julgamento divinamente autorizado contra Samaria. Sofonias reapresentou a mensagem de Joel e Obadias; para ele, no entanto, o dia do Senhor não era somente um dia de julgamento de alcance mundial, como também um dia em que Judá seria punido, A mensagem de Habacuque levou consigo a repre-ensão divina contra o pecado de Judá e também contra os desmandos orgulhosos la Babilônia ao administrar esta repreensão, O maior destes porta-vozes de Deus,

no entanto, era Jeremias. Nenhum outro profeta agonizava tanto ao ter de proferir palavras amargas de julgamento iminente como aquele homem. Não obstante, foi a ele que também se concedeu uma palavra muito surpreendente com respeito a outro dia futuro quando Deus cumpriria Sua antiga palavra de promessa feita aos patriarcas e a Davi. Assim, por mais notáveis que tenham sido aqueles tempos, mais notáveis ainda eram as palavras dos profetas. Ao invés de tirarem a conclusão de que a antiga promessa agora fracassara, e que o plano eterno de Deus tinha sido rescindido prematuramente, projetavam a sua continuidade lá para o futuro,

Uma Volta à Missão aos Gentios: Naum A profecia de Naum foi o complemento para a de Jonas, porque, enquanto

Jonas celebrava a misericórdia de Deus, Naum registrou a marcha inexorável do julgamento divino contra todos os pecadores pelo mundo inteiro. Jonas 3:10 tivera seu enfoque em Deus como sendo misericordioso e perdoador, Naum 3:1-8, porém, agora demonstrou a ira judicial de Deus contra toda a maldade.

No entanto, mesmo neste livro de julgamento, a misericórdia de Javé não estava totalmente ausente. Naum anunciou triunfantemente que Javé era "tardio em irar-se" (1:3a), "bom", e "fortaleza no dia da angústia" (1:7). Sendo assim, embora Ele jamais deixe passar nem inocenta o culpado (1:36) porque é "Deus zeloso" {'ei qannôl e Aquele que vinga as injustiças (1:2), não é destituído de amor e perdão.

Naum começou, na sua introdução simples porém formidável: "Deus zeloso [não tanto no sentido de 'ciumento' é Javé". Falsos conceitos populares com respeito a este adjetivo qannô f e o substantivo qin*âh com ele relacionado, não devem ser vinculados aquilo que Naum quis dizer,1 ou seja: um Deus de suspeitas, desconfiança e medo de concorrência. Esta palavra, em se aplicando a Deus, signi-ficava: (1) aquele atributo que exigia devoção exclusiva (Êx 20:5; 34:14; Dt 4:24;

5:9; 6:15); (2) aquela atitude de ira dirigida contra todos os que persistiam em se

1 Walter A Maier providenciou a substância principal desta nossa definição, em The Book of Nahum (St. Louis: Concordia Publishing House, 1959), págs. 149-50- Sua defesa das doutrinas de Naum nas págs. 70-87 é excelente, e sem comparação em outras obras sobre Naum.

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oporem a Ele (Nm 25:11; Dt 29:20; SI 79:5; Ez 5:13; 16:38, 42; 25:11; Sf 1:18); e (3) a energia que Ele dispendia ao vindicar Seu povo (2 Reis 19:31; Is 9:7; 37:32; Jl 2:18; Zc 1:14; 8:2)- Desse modo, Seu zelo era o precursor da Sua vindicaçao ou do castigo iminente (Dt 4:24; Js 24:19), Ele era o Juiz, o "Vindicador" [nòqêm,1

não "vingador"); Javé, afinal, depois de ter havido muitos anos de aflições impostas pelos assfrios, agiria para vindicar Seu povo. Até os assírios seriam forçados a reconhecer a soberania universal do Senhor

Mencionam-se três tipos de transgressão cometidos pela Assíria. O primeiro, em Naum 1:11, é provavelmente uma referência ao ataque malogrado de Sena-queribe contra Jerusalém (2 Reis 18), quando seus generais zombavam do povo da aliança de Deus, os judeus, com insultos quanto à incapacidade de Javé (2 Reis 18:22 e segs.). Esta transgressão era o mesmo tipo de falta religiosa come-tida pelo Faraó do Êxodo. O segundo grupo de pecados se acha em 3:1 — a culpa sangüinária de Nínive enquanto levava a efeito algumas das guerras mais assassinas e brutais já conhecidas no antigo Oriente Próximo.3 Além disto, estava cheia de engano e mentiras; não se podia contar com ela em quaisquer das suas nego-ciações. Até o despojo dela era um testemunho facilmente disponível de como eia desprezara os direitos de propriedade de outras nações. O terceiro grupo de pecados aparece em 3:4, tratando-se de uma prostituição, que, neste caso, era a venda de nações enquanto diplomatas disputavam entre si para decidirem a sorte de outras nações. Naum, conseqüentemente, não era um nacionalista orgu-lhoso revelando desdém e desprezo no que diz respeito aos pagãos. Pelo contrário, uma das suas queixas era que Nínive vendia "os povos com a sua prostituição e as gentes com as suas feitiçarias" (3:4) de tal modo que os pecados dela passavam "continuamente" sobre todas as nações (3:19). Além disto, quando viesse a queda de Nínive, seria um alívio além de uma advertência às demais nações, porque o Senhor disse: "Mostrarei ás nações a tua nudez, e aos reinos as tuas vergonhas" (3:5). Todos os pecados de Nínive de roubo, pilhagem, prostituição, assassinato e fomentação de guerras, eram, além de serem pecados básicos, também come-tidos contra Javé e contra o Seu plano para as nações (1:11).

Uma palavra de bênção ou promessa também se acha em Naum. Deus ainda "conhece os que nele se refugiam", e seria sua "fortaleza no dia da angústia"

2 George Mendenhall, "The 'Vengeance' of Yahweh", The Tenth Generation (Baltimore: Johns Hopkins Press, 1973), págs. 69*104,

Ver as jactâncias de Assurbanípal e Salmanéser colecionadas em D. D, Luckenbill, Ancient Records of Assyria and Babylon, 1:146-48, 213; 2:319, 304, conforme sua citação por Hobart Freemann, Nahumf Zephaniah, and Habakkuk (Chicago: Moody Press, 1973), págs. 36-38.

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(1:7). Na realidade, F, C. Fensham, 4 seguindo a indicação de W. L. Moran, identi-ficou a palavra "bom" (tôb) como sendo um termo pertencente à aliança em Naum 1:7. E, seguindo o estudo feito por H. W, Wollf em Oséias, e por Herbert B, Huffmon nas matérias do Oriente Próximo, Fensham também vinculava a palavra "saber", "conhecer" {yãda'} com a aliança que Deus fizera entre Si mesmo e Seu povo (1:7). Dessa forma, enquanto os inimigos de Deus sofreriam o calor da Sua ira (1:6, 8), Seu próprio povo da aliança ficaria seguro na Sua fortaleza.

As "boas-novas" (mebsser) que Nínive estava para ser destruída (Naum 1:15 [2:1 ]) eram uma lembrança da justiça e fidelidade de Deus, assim como o fora nas palavras paralelas de Isaías 52:7. Assim como tinha havido uma reviravolta das fortunas de quem saíra de Nínive (Senaqueribe) e que planejara e falara mal-dades contra Javé e Seu povo da aliança, para então descobrir que a situação acabou ficando bem diferente, assim também a taça de aflição tinha sido tirada de Israel e fora dada ãs nações opressoras em Isaías 51:22-23. Isaías 52:10-13 prosseguiu, indicando a obra universal da salvação da parte de Deus, e o Seu Servo que seria o instrumento dEle através do qual Seu reino total sobre toda a humanidade seria implantado. Naum 2:1-2 [2-3], no entanto, também colocou as "boas-novas" com respeito à destruição de Nínive lado a lado com a obra de Javé em restaurar "a ma-jestade de Jacó e o esplendor de Israel" A totalidade de Israel ("Jacó" e "Israel") seria "restaurada" (sub)f enquanto aqueles que saquearam e destruíram os seus sarmentos (cf. SI 80:8-16) seriam derrotados e aniquilados.

O Dia do Senhor: Sofonias O ministério de Sofonias foi exercido nos dias de Jostas, aquele rei notável (1:

1). Iniciou sua profecia de forma abrupta, anunciando um julgamento universal de "toda a face da terra" (1:2) e dos "homens" (1:3). Os termos e o escopo deste julga-mento divino iminente eram precisamente aqueles que Deus determinara antes do dilúvio dos tempos de Noé (Gênesis 6:7). O Dia do Senhor estava "perto" (Sf 1:7). Seria "o dia do sacrifício de Javé" (1:8), "o grande dia de Javé", "o dia da indigna-ção de Javé", "dia de terror e angústia", "dia de desolação e destruição", "dia de nuvens e densas trevas", "dia de escuridade e negrume", "dia de trombeta e de reba-te [alarme de batalha]" (1:14-16).

Obadias, Joel, Amós e Isaías, todos eles, já haviam falado deste dia, mas foi somente Sofonias que ressaltou com mais vigor a universalidade do seu julgamento

4 F. C. Fensham, "Atividades Legais do Senhor Conforme Naum", Biblical Essays: Pro-ceedings of the Twet th Meeting of "Die ou-Testamentiese Werkgemee nsk ap in Suicf Afrika", A-H, van Zyl, ed. (Potchefstroom, 1969), pág. 18.

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enquanto, surpreendentemente, predizia a conversão das nações como um dos fru-tos deste dia. Sendo assim, exortava: "Cala-te diante do SENHOR Deus [de todas as coisas]! Porque o dia do SENHOR está perto, pois o SENHOR preparou o sacrifí-cio, e santificou os seus convidados" (1:7). Isaías 13:3 já fizera alusão àquela festa sacrificial e aos hóspedes que eram os inimigos ferozes que o Senhor convocaria contra Seu povo. Então começaria o julgamento, contra Judá em primeiro lugar (Sofonias 1:4), pois é assim que o julgamento sempre começa: na, casa de Deus. Se-ria uma repreensão divina contra Judá por ter introduzido o culto a Baal, aos cor-pos celestiais, e a Milcom (1:4-6).

Judá deveria, pelo contrário, "buscar" fbiqqes) e "perguntar por" (darás) Javé 0:6), Podia-se definir aquela busca: tratava-se de uma atitude de humildade (*anawâh) que voltava para trás para lançar sua confiança em Javé e se aproximar dEle (2:3; 3:12). Tal gente humilde da terra observava e praticava os mandamentos de Javé, porque a vontade de Deus também era a deles (2:3). Estes também eram conhecidos como aqueles que "temiam" a Deus e aceitavam a Sua "disciplina" fmusãr) em Sofonias 3:7.5

Todos estes três termos vinculavam a mensagem do profeta à literatura sa-piência I: tratava-se dos humildes, os tementes a Deus, e aqueles que aceitavam cor-reção. Fariam parte dos "restantes" erft, 2:7,9; cf. 3:13) ou "rebanho" (so'n, 2:6) do futuro, que desfrutariam da bênção prometida de Deus depois de Javé ter triunfado sobre as nações.

Além do terrível e temível dia do Senhor, Sofonias via o raiar de uma nova era. Os deuses da terra desapareciam; e, desde os países distantes da terra ("ilhas", que significa aqueles países que cercam o mar mediterrâneo), todos orariam a Javé (2:11). Semelhante significado pedagógico do julgamento das nações já tinha sido ensinado em Isaías 24-27- Agora, "cada um do seu lugar" (Sf 2:11), onde tinha sua moradia, prestaria homenagem ao Senhor.

Conforme o resumo da ordem das promessas feito por Kapelrud,6 estas eram as seguintes: (1) os fiéis seriam escondidos no dia da ira (2:3); (2) o remanescente passaria a habitar pacificamente ao longo da orla marítima (2:7); (3) Israel tomaria vingança dos seus inimigos (25) ; (4) estrangeiros invocariam o nome do Senhor (3:9); (5) a vergonha e a iniqüidade terminariam e cessariam para sempre (3:11-13). Estas promessas foram seguidas por um grito final e triunfante: "O Rei de Israel, o SENHOR, está no meio de t i ; tu já não verás mal algum" (3:15),

5 Ver a excelente discussão da terminologia de Sofonias em Arvid S. Kepelrud, The Message of the Prophet Zephaniah (Oslo: Universitetsforlaget, 1975), págs. 5&-102.

6 Ibid., pág. 91.

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A purificação da linguagem ("lábio"} das nações, que anteriormente tinha si-do profanada pelos nomes dos deuses estranhos, era muito semelhante àquilo que

•m

Isaías prometera à Etiópia {Is 18:7) e ao Egito (Is 19:18). Então os pobres e os hu-mildes se regozijariam conforme Isaías prometera em 29:19, e conforme a precau-ção que von Orelli pronunciou tão aptamente:

Se Sofonias não falou do mediador humano nos dias da redenção, que haveria de brotar do tronco de Davi, dá testemunho ainda mais podero-so do alvo divino, o qual até o Messias teria de servir para cumprir, a sa-

ber: o reino futuro bendito de Deus, que, segundo este profeta também, teria seu centro em Sião, enquanto distribuiria vida e bênção pelo mun-do inteiro.., O alcance do plano divino, a universalidade do julgamento que deve servir aos propósitos deste plano, [e] a universalidade da re-denção à qual se chegou, são assuntos nos quais Sofonias se demora com ênfase especial*.. Suas visões giram em torno dos pináculos das pro-fecias de Isaías, iiuminando-as a partir de uma consciência mais plena da vasta gama alcançada por elas,7

Os Justos Viverão pela Fé: Habacuque Se Sofonias ressaltava humildade e pobreza de espírito como exigências pré-

vias para se entrar nos benefícios da companhia dos fiéis, Habacuque exigia fé como o requisito mais indispensável. Todos estes, no entanto, fazem parte do mesmo qua-dro,

Sofonias ressaltava a idolatria e sincretismo religioso de Judá, ao passo que Habacuque ficava alarmado com o aumento de ilegalidade, injustiça, iniqüidade e rebeldia. Seu próprio coração era tão sensível a estas coisas, que clamava a Deus, pedindo alívio; ou ele mesmo teria de ser alterado ou o pecado do povo tinha de ser tratado por meio do julgamento (1:2-4).

A solução divina era tão direta como perturbadora para este profeta: os babi-lônios invadiriam Judá e o castigariam (1:5-11). Isto apenas aumentava a agoniado profeta, pois como é que Deus podia empregar um agente mais ímpio para punir um povo menos maldoso (1:12-17)?

A resposta àquela pergunta foi adiada até que tinham sido entregues os cinco ais em 2:6-20. Aqui, Habacuque lembrava a Babilônia, conforme a Assíria já tinha sido advertida em Isaías 10, que Deus era Aquele que manejava o machado de jul-

7 C. von Orelli, The Of d Testament Prophecy of the Consummation of God's Kingdom Traced in its Historical Development, trad. J J , Banks (Edimburgo; T. & T. Clark, 1889), pág. 322.

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gamento, e as nações, portanto, devem tomar cuidados especiais quanto às pessoas e os métodos envolvidos nas suas guerras.

Não é de se estranhar que Habacuque chamasse sua mensagem de "fardo" ou "sentença" {massa', 1:1). Massa' ocorreu 67 vezes no AT,8 sendo provavelmente uma palavra derivada da raiz/7s'y "erguer", "levantar", A primeira referência na qual esta palavra foi empregada foi uma profecia, o conteúdo da qual foi citado detalha-damente em 2 Reis 9:25-26- Ali, Jeú lembrava a Bidcar, seu ajudante, no momento da morte de Jorão, que o Senhor pronunciara este massa7 contra Acabe, pai deste último: "Tão certo como vi ontem à tarde o sangue de Nabote e o sangue de seus fi-lhos, diz o SENHOR, assim te retribuirei neste campo". Foi assim que Jeú se referiu à profecia de Elias em 1 Reis 21:19,29, chamando-a de fardo ou sentença. Assim, massa' não podia ser nada menos do que uma "sentença" da parte de Deus (con-forme a tradução correta da Bíblia de Jerusalém) que fora passada contra Acabe e seus filhos por causa de este ter assassinado Nabote para obter sua vinha. Em Isaías, nove dos seus onze oráculos contra as nações estrangeiras eram designados massa' (Is 13:1; 14:28; 15:1; 17:1; 19:1; 21:1, 11,13; 23:1). Naum (1:1) e Habacuque (1:1) tinham caracterizado suas mensagens por este nome (cf., mais tarde, Jeremias 23:33-40, onde se descreve o emprego zombeteiro que o povo fazia óe massa', e Zacarias 9 e12). Estas profecias todas ressaltavam a nota grave e solene do seu conteúdo. As versões modernas que traduzem massa' como "pronunciamento" ou "oráculo" dei-xam de captar o aspecto de "veredicto" ou "sentença". Habacuque obteve da parte de Deus Seu veredicto contra o pecado de Judá, e contra a crueldade excessiva de Babilônia em executar o julgamento divinamente decretado contra Judá.

Mesmo em massa' no entanto, havia alguma coisa mais do que julgamento di-vino, O oráculo central que se acha em Habacuque 2:4 era uma palavra de esperança e salvação. A impotância desta palavra notável era indicada pelas instruções que acompanharam, no sentido de gravá-la em tábuas de pedra claras de forma que qualquer transeunte pudesse lê-la facilmente (2:2). Este registro teria de testemu-nhar, nos dias posteriores, depois de a palavra ter sido cumprida, que Deus era fiel à Sua palavra.

Esta palavra, no entanto, não foi avançando até chegar a uma condenação aberta da Babilônia, que Habacuque poderia ter esperado. De certa forma, esta con-denação já fora pronunciada em Habacuque 1:11: "Fazem-se culpados esses, cujo poder é o seu deus". Aquilo que era necessário demonstrar a Judá, a Habacuque e às

O estudo mais recente foi feito por J.A„ Naudé, "Maéáa' no Antigo Testamento com Referência Especial aos Profetas", Bibticat Bssays, págs. 91-100, Notar também o estudo feito por P.A.H. de Boer, "o Significado de Maáéã' " Oudtestamentische Studièn, (Leiden: E.J. Brill, 1948), pág. 214esegs.

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gerações futuras era o contraste marcante entre o caráter dos ímpios e o povo de Deus, os justos. Definir o caráter de alguém era mais ou menos determinar seu destino final.

Habacuque 2:4a descreveu o caráter da Babilônia: "Eis o soberbo! Sua alma não é reta nele". Sua opinião insuflada de si mesmo e das suas realizações era exata-mente o oposto da atitude do crente humilde e pobre de espírito preconizado por Sofonías, Em contraste com a arrogância e presunção deste líder ensoberbecido do reino da impiedade, havia a descrição do crente no versículo 4b\ "Mas o justo vive-rá pela sua fé". Assim, os justos "não morreriam", conforme Habacuque já prome-tera em 1:126; pelo contrário, "viveriam" (2:4) a despeito dos horrores do juízo iminente,

O que Habacuque e seus ouvintes entendiam com "viver pela sua fé" (be*emünãtôfí9 A palavra, quando se empregava com respeito a coisas físicas, signi-ficava "firmeza" (Êxodo 17:12), mas, no campo moral, significava "firmeza moral" ou "fidedignidade", como, por exemplo, no viver diário e no comércio (Provérbios 12:17). Significava também, ao ser aplicada a Deus, que se podia confiar na Sua fi-delidade à Sua palavra (Deuteronômio 32:4). Em Habacuque 2:4, a fé era simples-mente uma confiança inabalável na palavra de Deus, Em contraste com a disposição arrogante dos ímpios, o crente fiel, como Abraão em Gênesis 15:6 e Isaías em Isaías 28:16; 30:15, confiava de modo inalterável no Deus que prometera a salvação e no Homem da Promessa que haveria de vir. Era uma entrega sólida, firme e total a Javé, "uma confiança humilde e sincera como de criança, na credibilidade da mensagem divina de salvação".10

Portanto, apesar das aspirações da Babilônia no sentido de edificar um i m -pério, outra potência iria possuir a terra: "Pois a terra se encherá da glória do SENHOR, como as águas cobrem o mar" (Hc 2:14). Trata-se claramente de um emprego da passagem mais antiga, em Isaías 11:9, com ligeiras modificações.

Habacuque, depois desta proclamação corajosa, orou em prol da rápida che-gada triunfante do advento divino. Qualquer coisa que acontecesse no sentido de castigo aplicado pelos babilônios, ele orou no sentido de que isto tivesse um efeito benéfico na obra de Deus, a f im de que o antigo plano pudesse ser renovado, e as-sim, a misericórdia fosse misturada com a ira que deveria vir.

Então, tomando emprestada a linguagem da revelação de Deus no monte Si-nai (3:3 e segs.) e da vitória d Ele pelas mãos de Josué quando o sol cessou de bri-

9 Devo a von Ore Mi, Oid Testament Prophecy, pág. 325, esta análise da palavra *emûnâh. 10 Ibid., pág. 326.

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lhar e a lua foi repreendida durante uma chuva de pedras (Josué 10:12-14), Haba-cuque descreveu outra teofania que ainda estava para vir. Ele estava francamente amedrontado pelo aspecto aterrador da glória de Deus, conforme ela aparecia neste "dia de angústia"; seu júbilo e alegria, no entanto, se achavam no mesmo Senhor em que já aprendera a colocar sua confiança e fé. A salvação do Seu povo que Deus rea-lizaria (3:13) incluiria a salvação do Seu Messias, que "feriria o telhado [i.e., o rei-no ou dinastia] do perverso" (3:13), Por ter sido esmagado o reino dos ímpios, este já não poderia proteger os seus habitantes. A redenção do povo de Deus, no entan-to, era garantida. Com isto, o profeta ficou confiante e cheio de júbilo (3:16,18-19).

A Palavra do Senhor: Jeremias Jeremias era o profeta da "palavra do Senhor" (1:2). Conforme J.G.S.S.

Thomson,11 Jeremias empregou "Assim diz o SENHOR" ou frases semelhantes, cer-ca de cento e cinqüenta e sete vezes, das trezentas e quarenta e nove ocasiões nas quais tais frases se empregam no AT.

"Eis que ponho na tua boca as minhas palavras" (Jeremias 15 ; 5:14), con-forme Jeremias repetia como base da sua autoridade para falar em nome de Deus. Se lhe aplicassem mais pressão para expficar a mecânica da sua recepção da revela-ção divina, ele então descreveria não somente como falava mas também escrevia se-gundo o que Deus mandava (36:1-2). Baruque, o secretário de Jeremias, prestou o esclarecimento que o profeta tinha o hábito de ditar (36:18, imperfeito no hebrai-co) enquanto Baruque escrevia (particípio ativo) no pergaminho. Isto foi acontecen-do por um longo período de tempo. O que Baruque escrevia "vinha da boca" de Jeremias, e o que Jeremias falava vinha da parte do Senhor.

Aquela palavra era mais do que uma revelação objetiva falada em benefício de outras pessoas. Era alimento para a alma do próprio profeta (15:16; cf, 1:4 e segs.), "gozo e alegria para o coração". A palavra do Senhor, do outro lado, veio a ser um opróbrio para ete (20:8), porque o ministério daquela palavra freqüentemen-te parecia ser infrutífero (20:7-8), e sem qualquer bom resultado. Mesmo assim, uma compulsão interior levou Jeremias a persistir ainda depois de ele ter resolvido de-sistir de falar em nome do Senhor Deus colocara aquela palavra no seu coração, e ardia como fogo nos seus ossos até que fosse libertada no falar. A maioria das as-sim chamadas confissões de Jeremias (11:18-23; 12:1-6; 15:10-20; 17:14-18; 18:18-23; 20:7-11) era conflitos tais como este. Na sua comunhão pessoal com Deus, tinha desnudado as profundezas da sua própria agonia de alma, enquanto cla-mava: "Violência e destruição" (20:8), e o povo, em troca disto, zombava deie.

1 1 James G*S.S, Thomson, The Old Testament View of Revelation (Grand Rapids: Eerdmans, 1960), pégs. 60-61.

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Jeremias pleiteava a sua causa diante do seu Senhor e buscava a vindicação da parte de Deus.

As profecias de Jeremias podem ser divididas em três partes, sem incluir um capítulo introdutório que descreve o seu chamamento, e um capítulo histórico para concluir: (1) suas mensagens anteriores a Judá (caps. 2-24); (2) suas profecias de juízo e consolação (caps. 25-45); e (3) suas mensagens para as nações (caps. 46-51). Cada um destes grupos tinha sua própria contribuição distintiva à teologia do AT.

A Vaidade da Religião Externa

Na sua famosa Mensagem à Porta do Templo (Jr 7-10; cf. cap, 26), Jeremias demonstrou tanto o estilo como a essência do seu chamamento para profetizar em Judá. Enquanto o povo foi entrando na casa de Deus, Jeremias anunciou três propo-sições principais: (1) A freqüência na casa de Deus não era um substituto pelo verda-deiro arrependimento (7:4 e segs.); (2) A observância de atos religiosos não era um substituto pela obediência ao Senhor (7:21 e segsP); (3) Possuir a palavra de Deus não era um substituto pela resposta positiva àquilo que a palavra declarava (8:8 e segs.).

O povo chegara a ter uma confiança ímpia na forma externa da lei cerimo-nial e da teocracia. Sentia que estava imune a qualquer punição ameaçada da parte de Deus, enquanto se firmava no lema: "Templo do SENHOR, templo do SE-NHOR, templo do SENHOR é este" (7:4). Deus não podia nem queria tomar por assalto Seu próprio santuário e moradia — assim pensava Judá! Judá, neste ínterim, continuava a roubar, assassinar, adulterar, jurar falsamente, queimar incenso a Baal, e andar após outros deuses para então vir, e ficar descaradamente na presença de Deus, dizendo: "Estamos salvos para continuarmos a praticar estas abominações!" [Tradução do autor; ver ARA] (7:10).

Pelo contrário, clamava Jeremias, Judá ainda veria o que aconteceria. Não era tanto o sacrifício por si mesmo que Deus procurava receber — era, muito mais, a obediência que precedia ao sacrifício. Ete não falara "em prol de" Cai debar) holocaustos, mas, sim, recomendava aquilo que Moisés ressaltara em Deu-teronômio: "Andai em todo o caminho que eu vos ordeno" (Jeremias 7:22-23).

Semelhantemente, aquela palavra deveria ter feito Judá corar de vergonha, mas, pelo contrário, transformou-a em pomada para curar superficialmente a ferida deste povo. Havia, na realidade, uma rejeição descarada daquela palavra. Todas estas charadas, no entanto, não levariam Judá para lugar algum. O vazio de semelhante religião sem coração e sem dedicação levaria diretamente até o dia da ira de Deus contra Judá, e, em última análise, contra todas as nações.

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Jerusalém, o Trono de Javé

Numa predição muito espantosa, Jeremias anunciou o seguinte em 3:16-17:

"Sucederá que, quando vos multiplicardes e vos tornardes fecundos na terra, então, diz o SENHOR, nunca mais se exclamará: A arca da aliança do SENHOR! ela não lhes virá à mente, não se lembrarão dela nem dela sentirão falta; e não se fará outra. Naquele tempo chama-rão a Jerusalém o trono do SENHOR; nela se reunirão todas as nações em nome do SENHOR, e já não andarão segundo a dureza do seu coração maligno".

As antigas promessas de Gênesis 1:28 ainda eram lembradas enquanto a promessa de Deus chegava è sua conclusão naquele dia final. Por estranho que parecesse, aquele objeto mais central de toda a adoração de Israel já não teria signi-ficado, nem sequer viria à mente de quem quer que fosse; isto porque a presença de Deus já não precisaria de um símbolo quando Ele próprio seria claramente discernível.

Jeremias, ao dizer assirn claramente pronunciava sentença nas instituições cerimoniais da legislação mosaica, que tinham sido dadas com obsolescência embu-tida. Eram apenas modelos da realidade, que existia à parte destas cópias temporá-rias da mesma. Repetidas vezes, Moisés recebera a advertência de que o taberná-culo tinha que ser construído conforme um "modelo" {Êxodo 25:9, 40; 26:30; 27:8) ou "plano" que lhe fora mostrado na montanha. Aqui, Jeremias desenvolveu aquela idéia, ao declarar que haveria um dia em que já não seriam necessários. Ao invés de ficar simbolicamente entronizado entre os querubins, Deus seria entro-nizado em Jerusalém. Esta palavra não poderia ser superada como declaração da interioridade, da qualidade imediata de acesso a Deus, e da auto-revelação de Deus.

Então, as nações seriam atraídas para a glória de Deus {3:17; cf. Isaías 2:2-3; Miquéias 4:1-2), e o coração obstinado de Judá teria sido tratado e transformado por uma obra que Jeremias ainda estava para descrever.

Javé Nossa Justiça

O "Renovo Justo" já anunciado em Isaías 4:2 é o mesmo descendente de Davi previsto em Jeremias 23:5-7 e 33:14-22. O nome especial dado a este "Re-novo" ou "Ramo" fsemah) é "Javé nossa Justiça" (YHWH sidqênü), um nome que faz lembrar o "Emanuel", "Deus está conosco" de Isaías.

Este nome era compartilhado com Jerusalém, sendo que esta cidade haveria de ser o trono de Javé. Assim, o domínio e o reino deste novo descendente de Davi final seria conforme os interesses da retidão. Ele procederia sabiamente, e a retidão do povo de Deus seria fundamentada, não em qualquer instituição,

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lei ou ação externa, mas, sim, no caráter de Javé. Naquele dia, Javé estabeleceria e protegeria a retidão do Seu povo.

De especial significância em Jeremias 33:14-22 era a obra do "Renovo", que seria a culminação de várias profecias antigas: (1) a aliança com Noé, quanto à perpetuidade das estações; (2) a aliança com Abraão, quanto â descendência incontável; (3) a aliança com Finéias com respeito â perpetuidade do sacerdócio; e (4) a aliança com Davi com respeito ao reino eterno da sua descendência. Em cada caso, estas alianças tinham sido declaradas "perpétuas" ou "eternas", e tam-bém eram eternas nas projeções de Jeremias.

A Nova Aliança

O coração da teologia do AT e da mensagem de Jeremias era seu ensino com respeito à Nova Aliança em Jeremias 31:31-34. Esta mensagem de Jeremias, colocada no contexto do "Livro da Consolação" (caps. 30-33), alcançou os piná-culos altaneiros de um Isaías (caps. 40-66). As seis estrofes dos capítulos 30-31 eram de significância especial: (1) 30:1-11, a grande angústia de Jacó no dia do Senhor; (2) 30:12-316, a ferida incurável de Israel foi sarada; (3) 31:7-14, os primogênitos de Deus são restaurados à terra; (4) 31:15-22, Raquel chorando pelos seus filhos no exílio; (5) 31:23-34, a Nova Aliança; e (6) 31:35-40, a aliança invio-lável concedida a Israel.12 Notemos que o contexto inteiro dos capítulos 30-33, meticulosamente vinculou a estrofe da Nova Aliança com a restauração da nação judaica.

E a quinta destas seis estrofes que constituiu a maior passagem didática com respeito à continuidade e descontinuidade entre o Antigo e o Novo Testa-mento. E, porém, precisamente neste ponto onde a perplexidade do teólogo bíblico chega ao auge: Para que chamar esta aliança de "Nova aliança", especialmente quando se considera que a maior parte do conteúdo que se apresenta na "Nova" não passa de repetição daquelas promessas que já eram conhecidas na aliança abraâmico-davídica que já existia? Quais eram os itens essencialmente novos que "não eram conforme" (Jr 31:32) e "já não" ("jamais") semelhantes à antiga aliança (31:34 [duas vezes])?

1. Seu Nome. Este é o único lugar no AT onde ocorre a expressão "nova aliança" (31:31); parece, no entanto, que tal conceito era bem mais difundido. Tomando por base conteúdo e contextos semelhantes, as seguintes expressões

12 Este esboço foi sugerido por Charles A, Briggs, Messianic Prophecy (Nova Iorque:

Scribners, 1889), págs. 246-47. Um esboço, essencialmente idêntico, é dado por George H. Cramer, "Messianic Hope in Jeremiah", BibHotheca Sacra (1958): 237-46.

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podem ser consideradas equivalentes às da Nova Aliança: a "aliança eterna" em sete passagens (Is 24:5; 55:3; 61:8; Jr 32:40; 50:5; e, mais tarde, em Ez 16:60; 37:26); um "novo coração" e um "novo espírito" em três ou quatro textos (Jr 32:39 [LXX] ; e, mais tarde, em Ez 11:19; 18:31; 36:26); uma "aliança de paz" em três passagens (Is 54:10; e, mais tarde, em Ez 34:25; 37:26); e "uma aliança" ou "minha aliança", que se coloca no contexto de "naquele dia" em três passagens (Is 42:6; 49:8; 59:21; Os 2:18-20). Isto totaliza dezesseis ou dezessete passagens de maior importância com respeito à "Nova Aliança",

Mesmo assim, Jeremias 31:31-34 permaneceu sendo o trecho clássico no assunto, conforme se percebe em várias linhas de evidência. Foi esta passagem que estimulou Orígenes a dar aos últimos vinte e sete livros da Bíblia o nome de "o Novo Testamento".1 3 Era, também, o maior trecho do AT a ser citado por extenso no NT, a saber, em Hebreus 8:8-12, sendo parcialmente repetido poucos capítulos mais tarde em Hebreus 10:16-17. Além disto, era assunto de nove outros textos do NT: quatro textos que tratavam da Ceia do Senhor (Mt 26:28; Mc 14:24; Lc 22:20; 1 Co 11:25); duas referências paulinas a "ministros da nova aliança" e o futuro perdão dos pecados de Israel (2 Co 3:6; Rm 11:27); e três referências adi-cionais em Hebreus (9:15; 10:16; 12:24; cf. as duas grandes passagens didáticas citadas acima).

2. Seus Contrastes. Jeremias 31:32 explicitamente contrastou esta nova aliança com uma aliança antiga feita com Israel na época do Êxodo. Repetidas ve-zes, Jeremias tinha ressaltado este tipo de antítese na sua mensagem: "Nunca mais dirão isto . ., mas. - n ã o assim . . . mas isto" (Jr 3:16; 23:7-8; 31 29; cf. 16:14--15). Assim, Jeremias procurava fazer uma revisão dos valores pervertidos de Israel e das suas muletas religiosas. Ezequiel mais tarde empregou a mesma fórmula — "jamais direis" (18:2 e segs.) — para introduzir máximas em uso corrente entre o povo como forma de juramento ou declaração religiosa que precisam de equi-líbrio e correção, devido a uma ênfase exagerada em apenas um aspecto do ensino inteiro.14

A verdade no caso é que Jeremias não achava falta na aliança sinaítica. Tanto Jeremias como o escritor posterior aos Hebreus eram enfáticos na sua deter-

I 3 T,H. Home, introduction to the Criticai Study and Knowledge of the Hoiy Scriptures,

2 vols. (Nova Iorque: R, Carter and Brothers, 1858}, 1:37. Ver, também, Geerhardus Vos, Biblical Theology (Grand Rapids: Eerdmans, 1954), pág. 321, Albertus Pieters deu a mesma avaliação em The Seed of Abraham (Grand Rapids: Eerdmans: 1950), pág. 61.

14 Notar, também, Ezequiel 12:22; cf. 12:27 e Jeremias 12:23, Ver, para uma discussão com conclusões diferentes, Moshe Weirvfeld, "Jeremiah and the Spiritual Metamorphosis of Israel", Zeitschrift fur aittestamentliche Wissenschaft 88 (1976): 17-55,

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minação do problema da aliança feita nos dias de Moisés. O problema era com o povo, e não com o Deus que fez a aliança nem com a lei moral ou as promessas reafirmadas a partir dos dias dos patriarcas e incluídas naquela antiga aliança. O texto de Jeremias 31 ;32 explicitamente apontou o dedo acusador quando disse: "e/es anularam a minha aliança". Foi assim também em Hebreus 8:8-9: "Repre-endendo-os . . . pois efes não continuaram na minha aliança" (grifos nossos).

0 verbo hèpèru ("quebraram") não era restringido à aliança sinaftica ou tipos obrigatórios de alianças, em contraste com os tipos promissórios feitos a Abraão e Davi, pois o mesmo verbo ocorreu na aliança abraâmica (Gn 17:14: "0 incircunciso . . , essa vida será eliminada do seu povo; quebrou [hépér] minha aliança").15 Até a aliança eterna e irrevogável com Davi continha algumas qualifi-cações que definiam a invalidação, frustração ou destruição para o indivíduo dos benefícios daquela aliança {1 Cr 22:13; 28:7; SI 132:12). Jeremias, na verdade, tinha argumentado, em 31:35-37, que as estrelas cairiam do céu e os planetas girariam fora das suas órbitas antes de Deus abandonar Sua promessa total à nação de Israel.

3. Sua Continuidade. A melhor análise da estrutura de Jeremias 31:31-34 é aquela feita por Bernhard W. Anderson,16 A expressão ne'um YHWH ("diz o Senhor") apareceu quatro vezes: duas vezes na primeira seção, indicando seu início (31:31a)r e sua conclusão (31:326); e duas vezes na segunda seção, mar-cando, outra vez, seu início (31:33a) e seu f im (31:34ò). Na segunda seção (31:34), havia, também, duas cláusulas culminantes kt ("porquanto").

Quando se discriminam, os itens de continuidade que se acham nesta pas-sagem da Nova Aliança, ficam sendo: (1) o mesmo Deus das alianças, "minha aliança"; (2) a mesma lei, Minha tora (note-se que não é aigo diferente do que no Sinai); (3) a mesma comunhão divina prometida na antiga fórmula tríplice: "Eu serei vosso Deus"; (4) a mesma "descendência" e "povo", "eles serão meu povo"; e (5) o mesmo perdão: "perdoarei as suas iniqüidades".

15 Notar a importância crucial atribuída à diferença entre alianças condicionais e incon-dicionais em Charles Ryrie, Oispensationaiism Today (Chicago: Moody Press, 1965), págst

52-61, e a forte negação disto em 0,T\ Allis, Prophecy and the Church (Philadelphia: Presby-terian and Reformed Publishing House, 1945), págs. 31-48. Ver D.F. Payne, "The Everlasting Covenant", Tyndafe Bulletin, 7-8 (1961): 10-17: "Uma Nova Aliança? Sim, mas apenas os detalhes sem importância da 'Antiga' eram obsoletos, e nem mesmo o autor da Epístola aos Hebreus, segundo parece, conseguiu chegar ao ponto de chamar de 'obsoleta' a Antiga Aliança".

1 6 Bernhard W. Anderson, "The New Covenant and the Old", The Old Testament and Christian Faith, Bernhard W. Anderson, ed. (Nova Iorque: Haper and Row, 1963), pág. 230, n. 11.

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242 Teologia do Antigo Testamento

Mesmo os aspectos de interioridade, comunhão, individualismo e perdão tinham sido ou indiretamente indicados ou plenamente conhecidos na afiança feita com os pais. Deuteronômio 6:6-7; 10:12; e 30:6 tinha insistido que Israel colocasse as palavras da lei sinaítica no seu coração. De fato, Salmos 37:31 e 40:8 deram a entender que, para algumas pessoas, a situação ja' era assim: "Dentro em meu coração está a tua lei". 0 perdão da parte do Senhor também era cele-brado naquela fórmula freqüentemente repetida: "SENHOR Deus compassivo, clemente e longânimo, e grande em misericórdia e fidelidade; que guarda a miseri-córdia em mil gerações, que perdoa a iniqüidade, a transgressão e o pecado" (Êx 34:6-7; Nm 14:18; Dt 5:9-10; SI 86:15; Joel 2:13; Jonas 4:2; e, mais tarde, Ne 9:17, 31), Na realidade, Ele removia a transgressão "quanto dista o Oriente do Ocidente" (SI 103:8-12),

Isto posto, a palavra "nova" neste contexto significaria a aliança "reno-vada" ou "restaurada" (cf. acadiano edêSü "restaurar" templos, altares ou cidades arruinadas; hebraico hds, palavra esta vinculada com a tua nova e ugarítico hdt, "renovar a lua"). Concluímos, portanto, que esta aliança era a renovação e ex-pansão da antiga promessa abraâmico-davídica.

4. Seus Aspectos Totalmente Novos. Havia, também, alguns ftens de descon-tinuidade, No caso de empregarmos todas as dezessete passagens acima, alguns dos ftens seriam; (1) um conhecimento universal de Deus (Jr 31:34); (2) uma paz universal na natureza, e a ausência de armas militares (Is 2:4; Os 2:18; Ez 34:25; 37:26); (3) uma prosperidade material universal (Is 61:8; Os 2:22; Jr 32:41; Ez 34:26-27); (4) um santuário de eterna duração no meio de Israel (Ez 37:26, 28); e (5) a possessão universal do Espírito de Deus (Joel 2:32 e segs.).

Nesta lista, a Nova Aliança transcende todas as proclamações anteriores das bênçãos de Deus. Assim sendo, a Nova Aliança é mais compreensiva, mais eficaz, mais espiritual e mais gloriosa do que a antiga — tanto assim, na realidade, que em comparação pareceria que era totalmente diferente da antiga aliança. Na verdade, porém, era nada menos do que o progresso da revelação.

A "nova" começou com a promessa "antiga" feita a Abraão, Moisés e Davi; e sua renovação perpetuou todas aquetas promessas e muito mais.

5. Seus Endereçados, Assim como as promessas abraâmicas e davídicas foram feitas diretamente a cada um destes homens, assim também a Nova Aliança foi feita com toda a casa de Israel e toda a casa de Judá. Ora, se parece que este endereçamento de Jeremias 31:31 foi por demais restrito, e, portanto, de aplicação limitada em tempos pré-cristãos, assim também eram as promessas a Abraão e a Davi.

Nisto, porém, se acha a solução de todas estas passagens, porque a "descen-dência" que tiraria benefício das promessas abraâmicas e davídicas incluía todos

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A Renovação da Promessa: Século Sétimo 243

os fiéis de todas as eras, Da mesma forma, os benefícios da Nova Aliança eram aplicáveis a todos os fiéis, pela mesma razão, George N. H. Peters demonstrou que

temos referências bem claras a . . . [uma] renovada aliança abraâmica, juntamente com a davídica, [como] sendo uma característica distintiva de, e fundamental para, o período messiânico, e.g,, Miquéias 7:19-20; Ezequiel 16:60-63; Isaías 553.1 7

Basta notar que a Nova Aliança também fazia parte daquela era messiânica! Aqui, então, havia um novo ponto firme para enfrentar o antigo empate, A Nova Aliança, de fato, estava sendo endereçada a um Israel nacional restaurado do futuro; mesmo assim, porém, em virtude de sua vinculação específica com as promessas abraãmicas e davídicas contidas em todas elas, era apropriado falar de uma participação dos gentios nesta Aliança, naquela época e no futuro. Os gentios seriam adotados e enxertados na aliança de Deus com o Israel nacional,18

O século sétimo foi o grande momento de destruição iminente para a nação; mesmo assim, no meio das advertências fiéis dos servos de Deus, veio uma série de promessas de esperança, das mais espetaculares.

1 7 George N,H. Peters, The Theocratic Kingdom, 3 vols. (Grand Rapids: Kregel, 1957), 1:322. Ver também Francis Goode, "God's Better Covenant with Israel in the Latter Day", The Better Covenant 5? edição (Philadelphia: Smith, English & Co., 1868), págs. 239-71,

i s Para mais discussão acerca das implicações neotestamentárias, ver W.C. Kaiser, Jr., "The

Old Promise and the New Covenant", Journal of the Evangelical Theological Society 15 (1972): 11-23.

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CAPÍTULO

0 pior acontecera. Jerusalém caíra em 586 a,CM e a maioria dos seus cidadãos entrou num cativeiro de setenta anos na Babilônia. Agora chegariam ao f im, dentro em breve, as notas ominosas de ameaças, e a nova ênfase da teologia profética seria a libertação e o novo nascimento de Israel, o povo de Deus,

O contemporâneo mais jovem de Jeremias, Ezequiel, tinha sido deporta-do com o rei Joaquim em 597 a.C., cerca de uma década antes de Jerusalém ter sido destruída pela Babilônia, Daquele lugar de Exílio continuava a advertir Ju-dá na primeira seção do seu livro (Ez 3:22-24:27). Nas suas profecias, meticufo-sãmente datadas, voltou-se a advertir as nações durante as horas escuras do cerco e da queda de Jerusalém (Ez 25-32). (Notem-se a predição da queda em 24:21-23 e o relatório do acontecimento em 33:21, como típo de parêntese das mensagens às nações.) A partir de então, os oráculos de esperança e promessa assumem seu lugar em Ezequiel 33-48, Com o término da antiga ordem davídica, somente so-brara um lugar para se ir: ao novo Davi, com Seu trono e Seu reino, Isto tornou--se a esperança que sustentava um povo que perdera todos os símbolos externos da esperança; era, também, o enfoque que abrangia todo o mais, em Ezequiel e Daniel.

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O Reino da Promessa; Os Profetas Exíiicos 245

O Reino do Bom Pastor: Ezequiel Ezequiel, sacerdote por descendência, foi vocacionado para ser um vigia

em prol de Israel. Seu ministério estava repleto dalgumas das ações simbó-licas mais exóticas levadas a efeito por todos os profetas. Ele gostava de alegorias e parábolas, e fazia uso delas mais freqüentemente do que seus colegas. Em suas mãos, o emprego da linguagem apocalíptica recebeu novo ímpeto, especialmente na terceira seção da sua obra, Foi, no entanto, sua visão inaugural, mais do que qualquer outra coisa, que explicou o tema da sua obra: a glória de Deus. A lin-guagem de Ezequiel era, muitas vezes, repetitiva quanto ao estilo. Uma das frases mais freqüentes era: "Então sabereis que eu sou o SENHOR". Esta frase apareceu 54 vezes, isto sem incluir outras 18 expansões da mesma frase. A santidade de Deus era também ressaltada em contraste com a pecaminosidade de Israel, especial-mente na parábola da enjeitada achada (16:1-63), na parábola das duas irmãs (23:1-49), e a revisão histórica em 20:1-31, com sua frase repetida: "0 que fiz, porém, foi por amor do meu nome, para que não fosse profanado diante das nações, no meio das quais eles estavam" (20:9,14, 22).

A partir do primeiro momento, no entanto, Ezequiel deixou bem claro que, a despeito do pecado profundo de Israel, Javé Se lembraria da Sua aliança com a nação, exatamente como prometera que faria, nos dias da juventude dela (Ez 16:60):

Mas eu me lembrarei da minha aliança, feita contigo nos dias da tua mocidade; e estabelecerei (hèqtm: (1) estabelecer aquilo que ainda não subsiste ou (2) fazer ficar de pé, ratificar, estabilizar, ressuscitar aquilo que já está presente) contigo uma aliança eterna.

Neste caso, "estabelecer" se entende melhor conforme o significado número dois: era uma ratificação daquilo que já existia. Naturalmente, seria necessário julgar a nação por causa do seu pecado, conforme Ezequiel 16:59 notou:

Eu te farei a ti como fizeste, que desprezaste o juramento, ao ponto de tiehâpêr, o ie de circunstâncias atendentes) invalidar a aliança.

Mesmo assim, as promessas e suas bênçãos continuariam!

A Glória de Javé

O trono de Deus domina cada cena e palavra do livro de Ezequiel (Ez 1:4-28). A visão deste trono constituía a chamada de Ezequiel enquanto se assentava ao lado do " r io " Guebar; e sua magnificência era suficiente para assegurar o profeta de que, assim como o carro celestial do trono de Deus que facilmente poderia

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246 Teologia do Antigo Testamento

levar Sua presença para o leste, oeste, norte ou sul, assim também aquela mesma presença de Deus estaria com ele.

A cena era muito semelhante àquela que João haveria de experimentar na ilha de Patmos enquanto escrevia o livro do Apocalipse (caps. 4-5). No caso de Ezequiel, tratava-se de uma plataforma de cristal em cima da qual estava um trono de safira, com Alguém entronizado tendo a semelhança e aparência de um homem (1:26). A plataforma era sustentada por quatro criaturas vivas que, por sua vez, eram associadas com rodas as quais, segundo parece, eram semelhantes às roldanas dos móveis modernos: podiam girar em qualquer direção sem precisarem de um mecanismo de orientação, Tudo isto era pontuado com o pipocar dos raios, o estrondear do trovão, e um arco-íris de cores cercando a cena inteira. Obviamente, a figura central não era outra pessoa senão Aquele que estava entronizado; uma personagem que impunha respeito e cuja aparência irradiava fogo e brilho.

Quanto ao significado de tudo isto, a Ezequiel foi dito que era "a aparência da glória de Javé" (1:28). A conexão entre o fogo e a presença do Senhor era bem conhecida em IsraeL Moisés tivera experiência dela na ocasião de sua chamada diante da sarça ardente. Israel, auando estava no deserto, via o pilar de fogo; Elias, no monte Carmelo, teve uma experiência da poderosa presença consumidora de Deus; na realidade, somente Daniel (7:9 e segs.) haveria de descrever detalhada-mente seu encontro com "o Ancião de dias". Uma coisa, porém, era certa:o puro peso, gravidade {kãbêd, "ser pesado", depois: "glorificar") da Sua presença evocava da parte de Ezequiel uma atitude de adoração (1:28ò), porque sentia que estava na presença imediata de Deus, Este encontro com Javé consolaria e dirigiria o profeta, além de plasmar a sua mensagem inteira. Deus triunfaria a despeito do fracasso aftamente trágico de Israel, Sua promessa não morreria; continuaria firme.

A presença de Deus continuaria a acompanhar o Seu profeta, a Sua promessa, o remanescente, e Seu reino futuro: mesmo assim, Sua presença deixaria seu lugar de residência onde Ele tinha habitado desde os dias das peregrinações de Israel. Quando Ezequiel foi transportado numa visão para o templo em Jerusalém (8:2-4), para ali ser testemunha ocular dos horríveis pecados de Judá cometidos bem dentro da casa de Deus, tornou-se claro que a glória de Deus já não poderia permanecer ali. Havia ali absurdos indizíveis tais como "a imagem dos ciúmes" (postes da deusa Asera? cf. 2 Cr 33:7, 15) erigida no templo (8:36); o culto prestado aos animais (8:7-13); mulheres chorando num ato de magia simpática por Tamuz, o deus sumeriano da vegetação (8:14-15); e a adoração do sol (8:16-18).

A única seqüela possível era aquela registrada em Ezequiel 10:18: "Então saiu a glória do SENHOR da entrada da casa" De fato, para Judá, seu governo, seu fingimento religioso, e suas instituições religiosas, tratava-se de Icabode: "Foi-se a glória"!

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O Reino da Promessa: Os Profetas Exilicos 247

Javé, o Santuário

Durante aqueles tempos de Exílio, o próprio Javé seria o verdadeiro templo daqueles que realmente tinham fé (Ez 11:16-20}: "Sim, Eu os removi para bem longe entre as nações; e, sim, Eu os dispersei por aquelas terras, e fiquei sendo para eles, durante pouco tempo, um santuário nas terras para onde foram".

Os homens haveriam de aprender que o próprio Javé era mais importante do que edifícios e todos os ornamentos de pompa, Ainda mais, Ele haveria de restaurar o povo à terra, num dia futuro, trazendo-os de todos os países para onde tinham sido dispersados (11:17). É somente naquele futuro que todas as antigas abominações teriam sido removidas, e uma nova capacidade interior implan-tada no povo — seu homem interior teria sido transformado de tal modo que Ezequiel não poderia chamar a transformação de outra coisa senão um "novo espírito", "um só coração", e um "coração de carne" (11:19). Tal já tinha sido a antiga visão de Isa ias 4:2-6 e Jeremias 30-31,

O Novo Reino Davfdico

Ezequiel 17 é uma alegoria do cedro do Líbano (i.e., a casa de Davi) com sua acusação formal contra o último davidita, Zedequias, que confiou no Egito ao invés de confiar em Javé. Nem tudo foi perdido, porém, porque esta história terminou em 17:22-24 com a promessa de uma ponta de galho, um renovo tenro no ponto mais alto deste cedro majestoso, que cresceria até sobrepujar todas as demais árvores (reinos).

A águia da Babilônia levaria a ponta mais alta do cedro para o cativeiro; Deus, porém, exaltaria o humilde. Mais uma vez, Javé quebraria outro renovo, desta vez tirado do galho transplantado, e plantaria esta nova muda de volta nos altos montanhosos de Israel, Ali, aquilo que parecia ser de total insignificância cresceria até se tornar em árvore poderosa debaixo da qual todas as aves dos céus procurariam abrigo. Todos os reinos da terra viriam àquela nova árvore, reconhe-cendo a inferioridade deles e a superioridade dela.

Mais uma vez, a idéia central era o tema do Novo Soberano Mundial da parte de Deus, vindo de origens humildes (cf. Is 7:14 e segs.; 9:6 e segs.; 11:1 e segs*; Mq 4:1 e segs.). Embora Zorobabel fosse a próxima personagem davídica a governar, e embora este tenha sido transplantado do exílio na Babilônia para Sião, é claro que ele não esgotou os termos universais desta passagem.

0 remanescente herdaria todas as antigas promessas dadas a Davi e Abraão, E o reino de Deus triunfaria sobre todas as nações; de fato, sob o abrigo daquele reino habitariam todos os tipos de nações (ou, conforme a figura oriental gostava de expressá-lo, todas as aves dos céus e todos os animais de todos os tipos buscariam abrigo nela).

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248 Teologia do Antigo Testamento

O Rei Legítimo

Uma última prestação no desenvolvimento da doutrina da promessa se acha na primeira seção de Ezequiel, 21:26-27 [31-32], Enquanto o profeta desencadeava sua mensagem de destruição contra Jerusalém, o templo e a terra de Israel (cf. Ez 20:45-21:17), recebeu ordens no sentido de marcar a encruzilhada onde o rei da Babilônia, no seu avanço, teria de resolver se tomaria a estrada do sudeste, para os amonitas, ou a estrada para Jerusalém. Muito embora Nabucodonosor empregasse adivinhações (belomancia, necromancia e hepatoscopia, 21:21), Javé já (!) tinha determinado que a sorte cairia para ele continuar caminho até Jerusalém (21:22).

Quanto ao príncipe davídico perverso, Zedequias, ele deveria remover seu "diadema" (misnepet) e o sumo sacerdote sua "coroa" (tiara ou turbante, 'atarâhf

cf„ Êx 28:4, 37, 39; 29:6; 39:28, 31; Lv 8:9; 16:4) . Isto porque o reino e o sacer dócio, conforme tinham sido conhecidos até aquele ponto na história de Israel, seriam abolidos e sofreriam interrupção por algum tempo. Continuariam em ruínas até que o advento d Aquele que foi nomeado por Javé os reivindicaria para Ele (2127 [32], 'ad bô f *aser lô hammispãt, "até a vinda daquele que tem direito a isto").

Esta passagem é notavelmente semelhante a Gênesis 49:10. Sem dúvida, Ezequiel estava deliberadamente relembrando a promessa messiânica dada a Judá como esperança única de Judá na sua hora de tragédia* Quando as linhagens de Davi e de Arão tinham deixado de levar avante a sua missão divina, então os sím-bolos da promessa teriam de cessar até que Aquele a Quem pertenciam o reino e o sacerdócio juntos viesse reivindicá-los. Na vinda d Ele, o diadema e a tiara seriam dados a este Rei-Sacerdote novo e último, o Messias.

Neste ínterim. Sua contrapartida continuava a se manifestar numa série de anti-messias. Havia o rei da Babilônia em Isaías 14:12 e segs>, e agora, o rei de Tiro em Ezequiel 28:11 e segs. Cada mensagem era endereçada não tanto a uma figura histórica como para alguém que epitomizava o representante final (Anti-cristo) da descendência da Serpente conforme a profecia em Gênesis 3:15. A história não era uma contenda entre meros mortais; era, simultaneamente, uma batalha sobrenatural pelo domínio,1 e Satanás tinha sua própria sucessão de tiranos que correspondiam à linhagem davídica de Deus, além da sua própria pessoa culmi-nante, o tirano dos tiranos.

1 Anthony Williams, "The Mythological Background to Ezekiel 28:12-19", Biblical Theo-logy Bulletin 6 (1976): 49-61,

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O Reino da Promessa: Os Profetas Exíficos 249

O Bom Pastor

Se havia uma passagem individual que estava no coração da contribuição feita por Ezequiel ao avanço da promessa, esta era Ezequiel 34:11-31: "Eis que eu mesmo procurarei as minhas ovelhas, e as buscarei . .. apascentá-las-ei com justiça". Sem dúvida, esta passagem serviu de pano de fundo para a mensagem de Jesus com respeito ao "Bom Pastor" em João 10.

Naturalmente, o quadro do pastor indica o Soberano benevolente a quem se podia confiar o papel de liderança. Estas notícias, seguindo, nesta ocasião, imediatamente após a queda de Jerusalém, eram deveras boas novas, informando da existência de um Líder que recolheria a nação ferida e espalhada. Esta mesma figura do terno Pastor aparece em Salmos 78:52-53; 79:13; 80:1; Isaías 40:11; 49:9, 10; Jeremias 31:10; e, mais tarde, em Zacarias 11.

Prometeu-se alivio para este rebanho tão surrado, numa era escatológica, "no dia de nuvens e de escuridão" (34:12; cf. Joel 2 2 ; Sf 1:15). Então Javé destruiria os opressores {"os gordos e os fortes") que tinham espoliado os fracos (34:16).

Assim como Jeremias 30:9 indicara um novo Davi vindouro, assim também Ezequiel 34:23-24 agora prometeu:

Suscitarei para elas um só pastor, para as apascentar, o meu servo Davi, e ele as apascentará; ele lhes servirá de pastor. Eu, Javé, lhes serei por Deus, e o meu servo Davi será príncipe no meio delas; eu, Javé, o disse.

Já a esta altura, estes temas são muito familiares. O Servo de Deus é aquela perso-nagem representativa que, segundo a promessa, haveria de englobar nEle mesmo o grupo inteiro conhecido como "descendência" de Abraão, Isaque, Jacó e Davi. Parte da fórmula tríplice aparece aqui também: "Eu lhes serei por Deus". Isto também fazia parte da antiga doutrina da promessa (ver 34:30 para uma repetição mais plena da fórmula). E quando Deus indicava Davi, facilmente voltava à mente a promessa da dinastia, reino e trono eternos. Ezequiel gostava muito de chamar aquele Rei davídico futuro de "príncipe" (nàsf), De fato, vinte vezes em trinta e oito, no seu emprego desta palavra, "príncipe" se refere a um Rei davídico vindouro, o Messias.

Como se fosse para garantir que os leitores e ouvintes desta mensagem fariam a ligação entre esta palavra com respeito ao Bom Pastor e a antiga Promessa, Eze-quiel recebeu ordens no sentido de dar a esta promessa com respeito a um "prín-cipe" davídico futuro e seus efeitos paradisíacos sobre a natureza, o nome de "aliança de paz" (34:25) da parte de Deus. Este é apenas um nome alternativo para a Nova Aliança, pois sua expulsão de todas as feras, e seu quadro de segurança, fertilidade e produtividade, são semelhantes àquilo que Isaías (11:6-9) e outros

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250 Teologia do Antigo Testamento

profetas esperavam (Os 2:22; Joel 3:18; Amós 9:13-14; e, mais tarde, Zc 8:12}, A "paz" daquela aliança é a harmonia restaurada que existe num mundo no qual as coisas funcionam conforme deveriam operar, sem intrusões negativas ou decep-ções esbanjadoras.

A Nova Purificação e o Novo Nascimento

Há uma passagem que chega perto de se igualar à majestade e ao escopo da passagem da Nova Aliança em Jeremias; é Ezequiel 36:25-35. Aqui, Ezequiel prometeu que Javé, "por Seu santo nome" (não por amor a Israel, 36:22a, 32a; cf. 36:226, 326), vindicaria Israel, ao reunir os israelitas de todos os países para onde tinham sido dispersados. Assim, "através de" Israel, todas as nações da terra reconheceriam que Deus cumprira aquilo que prometera, e, sendo assim, Sua santa reputação e pureza de caráter permaneceriam sem mancha alguma.

Isto, porém, ainda não era nem metade do assunto. Mais importante era o fato de que aqueles que haveriam de entrar na Nova Aliança através da fé pessoal experimentariam aquilo que von Orelli declarou com tanta clareza

a purificação ou justificação (3625), e o novo nascimento positivo através do Espírito de Deus (36:26-27), em conseqüência do qual o povo doravante terá a capacidade e a vontade de guardar os manda-mentos d iv inos. . . O próprio Senhor teria de aspergir este povo im-puro .. . O coração humano, fonte de toda a volição e inclinação (Dt 30:6), de todo o desejo e esforço, é impróprio para o serviço de Deus (Gn 8:21), conforme demonstra a totalidade da história de Is-rael .. . Deus dará o Seu povo aceito um novo coração, tendo o mesmo relacionamento com o coração velho que a carne tem com a pedra, a saber: ao invés de um coração duro, obstinado, sem receptividade, haverá um coração sensível à palavra e vontade de Deus, receptivo a tudo quanto é bom, ou, conforme disse Jeremias, como uma tábua mole na qual Deus pode escrever Sua santa lei. E o novo Espírito que vai encher estes corações receptivos será o Espírito de Deus, que impulsiona à guarda dos mandamentos divinos. .„ Cada membro individual nasceu de novo da água e do espírito . . , embora a felicidade externa, que é o fruto desta obra interior da graça, se apresente segundo as limitações do AT (36:28-29), o próprio ato da graça, de onde surge a paz com Deus, se vê com clareza divina.2

2 C. von Orefli, The Of d Testament Prophecy of the Consummation of God's Kingdom

Traced in its Historical Development; trad. J J . Banks (Edimburgo: T. & T. Clark, 1889), pág. 322 (grifos dele).

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O Reino da Promessa: Os Profetas Exíiicos 251

Não é de se estranhar que Jesus tenha Se maravilhado por causa de Nico-demos nada saber com respeito ao novo nascimento e da obra do Espírito Santo (João 3:10}. Este, como ensinador dos judeus, deveria conhecer bem esta passagem, e, portanto, a doutrina com respeito a este assunto. Os homens poderiam ser purificados pelo mesmo Senhor que, através da outorga do Espírito, faria neles um transplante de coração, dando-lhes novo nascimento. Atividades semelhantes do Espírito já tinham sido enumeradas em Joel 2:28-32 e Isaías 42:1; 44:3; 59:21, Então, um povo purificado voltaria a viver numa terra purificada, como o Jardim do Éden (36:35}, onde a bênção edênica mais uma vez reinaria sem haver desafio contra ela (36:37-38).

Um Israel Reunido e Restaurado • r

E muito provável que o vale onde Ezequiel recebeu sua visão dos ossos secos em Ezequiel 37:1 tenha sido o lugar idêntico onde recebeu sua primeira revelação da destruição iminente de Jerusalém (322). Neste caso, o Livro teria sido encaixado de modo ímpar entre os dois eventos maravilhosos.

Os ossos secos espalhados eram a casa inteira de Israel (37:11) à qual Eze-quiel, conforme a ordem frustradora que recebeu, deveria "profetizar" (37:4). Enquanto obedecia, o milagre do reajuntamento ocorreu através da palavra de Deus pregada e da poderosa obra de Deus.

Estes homens, porém, embora tivessem sido restaurados, ainda não foram revivificados; estavam mortos! Sendo assim, Ezequiel recebeu a ordem de "profe-tizar" outra vez, e o hálito e a vida entraram naqueles que tinham sido mortos (37:9).

O ensino foi expressamente dado por Ezequiel 37:12-14:

Eis que abrirei as vossas sepulturas, e vos farei sair delas, ó povo meu, e vos trarei à terra de Israel , „ , Porei em vós o meu Espírito, e vivereis, e vos estabelecerei na vossa própria terra.

Sendo assim, o Israel restaurado seria como Adão, em cujas narinas foi soprado o fôlego da vida. Este capítulo, portanto, não trata da doutrina da ressurreição pessoal do corpo, mas, sim, da ressurreição nacional.

Além disto, os dois irmãos separados, ou seja, as dez tribos do norte, José ou Efraim, e as duas tribos do sul, Judá e Benjamim, voltariam a ficar unidas, sob um novo Davi, naquele dia de ressurreição nacional de acordo com Ezequiel 37:15-28. Naquela passagem, Ezequiel recebeu a ordem de juntar dois pedaços de pau, marcados, respectivamente, Judá e José, para formar um só pau (37:16-19).

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252 Teologia do Antigo Testamento

Então formariam, pela primeira vez depois de 931 a.C., "uma só nação" (37:22a), sob *'um só rei" (v. 226), com o único Deus (v. 23), tendo "um só pastor, meu servo Davi" (v. 24). E este estado duraria "para sempre" (v. 25} como parte da "afiança perpétua" de Deus (v. 26}. O "tabernáculo de Javé estaria com eles" (cf. os temas de "descanso" e "lugar" da história profética da era de Josué), e Ele seria Deus deles e eles seriam povo de Deus; então as nações saberiam que Deus santificou a Israel, quando o santuário dEle estiver para sempre no meio deles {vv. 27-28}.

Ezequiel, com aquele tema fundamental, passou a dar uma descrição por-menorizada da terra restaurada de Israel, depois de ter tratado da batalha com Gogue e Magogue nos capítulos 38-39. Naquela terra, um novo templo voltaria a ser a peça de arquitetura dominante. Deste templo sairia uma torrente de vi-da que cresceria, quanto à profundidade e ao poder, enquanto avançaria na dire-ção do mar que antes era conhecido como Mar Morto (cf, SI 46:4-5; Is 33:13-24; Joel 3:9-21). Ao longo das suas margens havia árvores de vida que davam folhas medicinais e frutas mensais num quadro da nova Jerusalém como paraíso res-taurado.

No entanto, Ezequiel 40-80 é meramente uma descrição ideal e simbólica, ou é uma realidade profética? Considerando a profundidade da idéia aqui, cada uma destas categorias é talvez um pouco simplista demais. Conforme nosso ponto de vista, haverá um templo verdadeiro, recolocado no meio da terra. Ali, a adoração ao Deus vivo continuará, conforme é descrita aqui em termos daqueles aspectos concomitantes do culto que eram conhecidos nos dias em que Ezequiel escrevia. (Comparar isto com a maneira de os profetas descreverem as armas das batalhas escatológicas futuras em termos dos implementos de guerra conhecidos naqueles dias, a saber: arcos e flechas, lanças e cavalos.)

Certamente, quando Ezequiel descrevia o rio da vida e as frutas, estava se aproximando mais da terminologia apocalíptica tal como a encontramos mais

r

tarde no Apocalipse de João. Há, isto sim, a certeza da realidade de um céu restau-rado e de uma terra restaurada, onde "o Senhor estaria presente" (Ezequiel 48:35) na nova Jerusalém de Israel. A conclusão da profecia de Ezequiel, portanto, é uma expansão e elaboração adicional de Isaías 65 e 66, que fala dos novos céus e da nova terra. Aqui, a ênfase recai sobre o fato de o Senhor ter Seu tabernáculo no meio do Seu povo adorador, em que a natureza é curada e restaurada ao seu plano e produtividade originais.

O Sucesso do Reino Prometido: Daniel A teologia de Daniel é claramente a antítese dos reinos sucessivos da raça

humana. Em contraste com estes reinos, há o reino de Deus, sempre presente,

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O Reino da Promessa: Os Profetas ExíUcos 253

que triunfará no fim. Daniel, outro exilado juntamente com Ezequiel,3 olhou para além da catástrofe do colapso de Jerusalém e da linhagem davídica, para aquele reino de Deus eterno que fora prometido,

A Pedra e o Reino de Deus

O sonho de Nabucodonosor conforme está registrado em Daniel 2 é o palco desta profecia. Naquele registro, descrevesse uma imagem colossal que se compõe de quatro metais, cada um com menos valor do que o anterior, e aumentando-se a fraqueza e a divisão ao proceder-se da cabeça até chegar aos dedos dos pés. Esta imagem representa a alternativa humana àquela "Pedra" que cai sobre o pé do colosso, esmagando e esmiuçando a imagem inteira. Depois disto, a "Pedra" tor-na-se um grande reino que enche a terra inteira, A "Pedra" faz lembrar a "Pedra Angular" de Isaías (Is 28:16), enquanto os metais claramente se identificam como sendo os quatro impérios que se iniciavam com a Babilônia, seguida pelo domínio repartido da Média-Pérsia, o império greco-macedônio, e o império romano ou ocidental,

A interpretação dada em Daniel 2:44 era clara como cristal:

Mas, nos dias destes reis, o Deus do céu suscitará um reino que não será jamais destruído; este reino não passará a outro povo: esmiuçará e consumirá todos estes reinos, mas ele mesmo subsistirá para sempre.

Assim como em Obadias 21, o reino era de Javé, e assim seria aqui*

O Ancião de Dias

O capítulo que forma um paralelo ao sonho de Nabuoodonosor em Daniel 2 é a visão de Daniel no capftulo 7. Havia quatro reinos, como antes; e a cabeça de ouro que Nabucodonosor viu, identificada com a Babilônia no capítulo 2, era o "leão" que Daniel viu (7:4). O tronco e braços de prata que o monarca viu, era o "urso" de Daniel (7:5), que mais tarde era identificado oom o carneiro tendo dois chifres em Daniel, como sendo a Média com a Pérsia. O ventre e quadris de bronze ou cobre em Danief 2 era, em Daniel 7:6, um leopardo com quatro cabeças e quatro asas. Este é o mesmo que o bode peludo visto por Daniel, que desenvolveu quatro chifres pequenos em Daniel 8:21-22, que representa Alexandre

3 Não temos hesitação em defendermos um Daniel do sexto século. O argumento em

prol desta data, embora extremamente impopular com os estudiosos da Bíblia, ainda tem de ser defendido, em bases da evidencia, e não por motivos doutrinários. Ver os argumentos do meu colega, Gleason L, Archer, Jr,f Merece Confiança o Antigo Testamento? (São Paulo: Edições Vida Nova, 1979), págs, 319-347, e a bibliografia que ele cita ali.

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Magno da Grécia e os quatro generais que o sucederam, A imagem com pernas de ferro e barro que Nabucodonosor viu ficou sendo uma fera terrível e indescritivel-mente horrível em Daniel 7:7. Este é um quadro de um império ocidental ou roma-no que, finalmente, foi dividido entre dez reis mais um anticristo jactancioso (7:24-25) que subjugaria três dos dez reis e gritaria contra o Altíssimo e consumiria os san-tos de Deus por um período designado de tempo, até à chegada do reino eterno de Deus (7:256-27).

Em Daniel 7, então, surgem os mesmos quatro impérios mundiais; desta vez, porém surgiam sucessivamente saindo do mar tempestuoso. Outra vez, porém, quan-do o tempo deles se esgotou, depois de o soberano surgindo de entre os dez chifres do quarto animal ter feito o pior que podia contra o Deus do céu e Seus santos, o "Ancião de dias" se aproximou em julgamento. Daniel disse, nos versículos 13 e 14:

Eu estava olhando nas minhas visões da noite, e eis que vinha com as nuvens do céu um como o Filho do homem, e dirigiu-se ao Ancião de dias, e o fizeram chegar até ele. Foi-lhe dado domínio e glória, eo rei-no, para que os povos, nações e homens de todas as línguas o servissem; o seu domínio é domínio eterno, que não passará, e o seu reino jamais será destruído.

Em contraste com a natureza animal dos impérios dos homens, um Mediador humano vem da parte do Deus Altíssimo, cujo rosto e pessoa imediatamente fazem lembrar a visão de Ezequiel e de Isaías. Assim, o Messias vindouro não somente se-ria o verdadeiro Davi, como também seria o verdadeiro Filho do homem,4 combi-nando na Sua pessoa a alta posição da humanidade e a posição reservada exclusiva-mente para Deus. Sua origem celestial foi ressaltada pelo fato de que "vinha com as nuvens do céu" (7:13, que é mais explícita do que a pedra que caía, em 2:34), e Sua divindade foi sublinhada pelo reino e domínio permanente e indestrutível que foi dado a Ele (7:14).

Aquelas potências mundiais governadas por aqueles impulsos selvagens, sen-suais e egoístas que eram horripilantes com feições distorcidas, chifres, dentes e apetites carnívoros, agora enfrentariam o juízo divino enquanto o Ancião de dias tomava Seu assento na Corte da Justiça* Suas vestes eram de branco brilhante e pu-ro como neve, os cabelos da Sua cabeça eram como lã pura, e Seu trono era como uma massa fogosa de chamas. O julgamento seria conforme o que estava escrito nos livros (7:10), e tronos de julgamento estavam estabelecidos na terra (7:9). O séquito

4 Ver E, J. Young, "Daniel's Vision of the Son of Man", The Law and the Prophets, ed J. Skilton (Nutley, N. J. Presbyterian and Reformed Publications, 1974), pigs, 425-51,

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O Reino da Promessa; Os Profetas Exí/icos 255

do Ancião de dias era imenso: dez mil vezes dez mil serviam a Ele e ficavam de pé diante d Ele (cf. o séquito celestial do juiz em Zacarias 14:5),

Os Santos do Altíssimo

Os "Santos do Altíssimo" (7:18,22,27 na frase aramaica qaddísê 'eiyônfn),5

aos quais foram dados o reino e o domínio após o julgamento das nações, perten-ciam à mesma linguagem que a "nação santa" {gôy gados, Êxodo 19:6) ou o "po-vo santo" Cam qadôs, Deuteronômio 7:6; 26:19) da era mosaica ou a "descendên-cia" prometida a Eva e aos patriarcas. A Israel já tinha sido prometido um grande reino no AT (Nm 24:7; Is 60:12; Mq 4:8), e este reino deveria ser governado pelo Rei davídico futuro. É de interesse mais do que passageiro que "os santos" perten-ciam a Deus (notar o genitivo possesivo) e que formavam um remanescente assim como Isaías falara de uma "santa semente" [zera'qodeIs6:13}6 que permanece-ria após as destruições repetidas.

As Setenta Semanas

O futuro de Jerusalém e da nação de Israel foi esboçado para Daniel enquanto ele ficava entendendo que os setenta anos de cativeiro profetizado por Jeremias (29:10) quase tinham chegado ao fim. Aquele futuro consistia em setenta períodos de sete, ou semanas (Dn 9:20-27) dispostos em três grupos: (1) um grupo de sete semanas; (2) outro grupo de sessenta e duas semanas; e (3) um grupo final de uma

J

semana. Daí, 490 semanas (i. e., anos) deviam ser divididas em 49, 434, e 7 anos, respectivamente. O propósito desta extensão adicional do tempo, antes de a consu-mação esperada começar, foi descrito nos seis infinitivos do versículo 24:

para fazer cessar a transgressão para dar f im aos pecados para expiar a iniqüidade para trazer a justiça eterna para selar a visão e a profecia para unir o Santo dos Santos.

A ordem dos eventos antes da chegada da plena redenção incluía a libertação completa do pecado e da culpa, a cessação da atividade profética, e a introdução do

5 Para os defensores mais recentes do ponto de vista israelita, e para a bibliografia massiva, ver V.S. Poythress, "The Holy Ones of the Most High in Daniel vi i", Vetus Testamenturn 26 (1976): 208-13; e Garhard F. Hasel, "The Identity of the Saints of the Most High in Daniel 7", Bibfica 56 (1976): 173^92,

6 Um fato notado por G. Hasel, ibid, pág, 191.

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reino da retidão com seu santuário ungido em Sião, conforme a predição em Eze-quiel 40-48, Zacarias 3:9 e segs., e seus antecessores.

A maior parte dos comentadores concorda que os 490 anos começaram com o decreto de Artaxerxes, baixado no vigésimo ano do seu reinado em 445 a.C. (Ne 2:1 -8},7 que permitiu a reedificação da cidade de Jerusalém, e que continuaram até se completarem 483 daqueles 490 anos, até à primeira vinda do Messias, Há, porém, grandes diferenças entre os comentaristas quanto à existência de um hiato de duração indeterminada entre as primeiras 69 semanas, ou 483 anos, e a última se-mana de 7 anos, ou se aquela semana também se esgotou no decurso do primeiro sé-culo cristão, durante a perseguição da igreja primitiva, simbolizada pelo martírio de Estêvão, A posição anterior indica a anotação temporal de "depois [do período] das sessenta e duas semanas" (9:26) e a morte do Messias (cerca de 30 d. CJ e a des-truição do templo (70 d. CJ, enquanto o segundo destes dois grupos tende a equa-cionar o "ungido" e o "príncipe" do versículo 26, e argumentar em prol da comple-tação da setuagésima semana durante o primeiro século a. d

Ao nosso ver, o "Ungido" (MâsTah, 9:26), "o Ungido, o Príncipe" fmalíah nagfd, v, 25) é o mesmo que o "Filho do Homem" em 7:13 que voltará à terra em triunfo depois de ter sofrido a morte na terra.

O Chifre Pequeno Insolente

Em contraposição ao remanescente santo de Deus no dia final, ficará o "chifre pequeno" (7:8), "príncipe" (9:26ó-27), ou " re i " que "fará segundo a sua vontade", "se engrandecerá sobre todo deus, e "falará coisas incríveis" (11:36).

Assim como orei da Babilônia em Isaías 14 e o rei de Tiro em Ezequiel 28 fun-cionavam como subrogados pelo Maligno no desafio dele contra Deus e Seu povo, assim também Daniel viu em visão a aparência de alguém que acabou sendo Antíoco (Epifânio) IV. Sua profanação do altar do santuário ao sacrificar sobre ele um porco (11:31) e sua violação da sua aliança eram parte integrante daquele Anticristo final que viria como "besta" (Apocalipse 13), o "homem do pecado" (2 Tessalonicences 2), ou o "chifre pequeno" ou "príncipe" de Daniel. Isto não significava que Daniel estava indeciso entre uma personagem histórica ou escatológica, para cumprir aquilo que ele queria dizer. Pelo contrário, o sentido era um só do começo até ao fim. Mas, como a escola posterior antioquiana de interpretação explicava pelo seu princípio

7 A palavra para decreto é, literalmente, a "palavra". Conforme um estudo recente lido por Dr> A. MacRae na reunião anual de 1976 da Sociedade Evangélica Teológica, aquela "palavra" era a mesma dada por Jeremias. Assim, ele favoreceria dois hiatos, de duração não especifica-da, entre a sétima semana e sessenta e duas semanas, e entre a sexagésima nona e a setuagésima semana, respectivamente.

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O Reino da Promessa: Os Profetas ExfUcos 257

de " T h e o r i a a o profeta foi concedido uma visão do futuro em que viu não somen-te o cumprimento final como conclusão da palavra que pronunciou, como também ele viu e falou de uma ou mais das personagens ou meios que tanto se harmoniza-vam com um ou mais dos aspectos daquele cumprimento final, que ficavam sendo uma parte coletiva ou corporada da predição única. O apóstolo João descreveu, de forma semelhante, seu entendimento desta pessoa: "Vem o anticristo, também ago-ra muitos anticristos têm surgido" (1 João 2:18), Juntamente, incorporavam uma "descendência" inteira (Gênesis 3:15); tinham, no entanto, de vez quando, seus re-presentantes que eram apenas sinais ou arautos do Anticristo final, assim como cada filho escolhido dos patriarcas sucessivos e daviditas reinantes era representante em-bora fazendo parte integrante do significado único a respeito do verdadeiro Descen-dente, Servo e Davi que estava para vir.

A Ressurreição Futura

"Nesse tempo", "tempo de angústia, qual nunca houve, desde que houve na-ção", Deus livraria Seu povo e introduziria Seu reino eterno (12:1). A completação projetada da promessa, com seu domínio, trono, e reino chegaria à fruição.

Como se descreve em Isaías 26:19, Deus restauraria à vida aquele piedoso gru-po de fiéis, através de uma ressurreição corpórea dos mortos. Uma classe desfrutaria da vida eterna, porque seus nomes foram escritos no livro (12:1-2). A outra classe seria ressurreta para a vergonha eterna e desprezo, i. e., sua condenação (cf. Is 24:22; 66:24)- A Jó tinha sido garantido que, assim como uma árvore brotaria outra vez mesmo depois de ter sido cortada, assim também um homem viveria de novo (Jó 14: 7, 14). Na realidade, ele ansiava pela oportunidade de ver seu Redentor com seus próprios olhos mesmo depois de os vermes terem destruído seu corpo (19:25-27).

Assim, enquanto o colosso de tentativas humanas para tiranizar os homens chegou ao f im com o irrompirnento do reino de Deus e do Seu Rei, conforme a promessa antiga porém renovada, surgiu um rei final e com domínio absoluto que era a consumação de todo o poder e os reinos dos homens, o antimessias. O Messias de Deus, no entanto, facilmente venceria aquele maligno, introduziria Seu próprio reino, e daria aquele domínio reto e eterno para Seus "santos", muitos dos quais Ele ressuscitaria corporalmente do pó da terra; e eles brilhariam como estrelas para todo o sempre.

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Com a permissão do rei persa, Ciro, divinamente predita mas não menos sur-preendente por isto, uma pequena porção da nação exilada voltou a Jerusalém, sob a liderança de um representante da casa real davídica, Zorobabel, e o sumo sacerdo-te, Josué. A cada passo, porém, as lembranças da sua total derrota sob os babilônios ficaram por demais evidentes.

Ainda enquanto lutavam para deitar de novo os alicerces daquele símbolo mais importante da presença de Deus, seu santuário, o desânimo foi tomando conta deles; e o projeto inteiro veio a ficar totalmente paralisado durante dezesseis longos anos (Esdras 4:24), Tudo estava errado: faltavam-lhes os meios, depois faltava-lhes a disposição, e, finalmente, até a vontade de construírem o templo; isto porque cada tentativa da parte deles tinha de enfrentar a oposição constante tanto de dentro do seu pequeno grupo como da parte de fora (Esdras 3:12-13; 4:1-22). Assim teria fica-do a situação se Deus, na Sua graça, não tivesse enviado os profetas Ageu e Zacarias (Esdras 5:1).

Ageu : O Anel de Selar de Deus O problema teológico deste período era apenas o seguinte: Onde se podia

achar a atividade e a presença de Deus? Por certo, não estava no estado político des-

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O Triunfo da Promessa: Os Tempos Pós-Exíücos 259

mantelado nem no templo destruído, Dessa forma, as circunstâncias da vida força-ram os homens a alargarem seu modo de pensar oom respeito à promessa interna de Deus enquanto parecia que suas circunstâncias externas estavam em grandes dificul-dades. Aqueles dezesseis anos de indiferença para com a construção da casa de Deus, no entanto, se revelavam caros demais, não somente às custas do desenvolvimento espiritual de Israel, como também na forma dos seus reveses materiais recentes.

No ano 520 a. C., Ageu enfrentou a desculpa irreverente do povo no sentido de o tempo ainda não ser oportuno (um modo de, na realidade, culpar a Deus por não lhes ter concedido mais prosperidade a f im de que pudessem erigir o templo), pedindo ao povo que aplicasse a mesma lógica às suas próprias moradias luxuosas (1:24).

Na realidade, o fato de o templo permanecer em "ruínas" (hàreb, 1:4) se tornara em desgosto tão grande para Javé que Ele convocou uma "seca" {hòreb, v.

RR

11) sobre as ceifas deles. Mais uma vez, onde o preceito de Deus não tinha sido res-peitado, então a penalidade de Deus foi empregada para atrair a atenção do povo. Assim, o pequeno grupo dos que voltaram estava semeando mais e ceifando menos, comendo e bebendo sempre mais, e gostando disto sempre menos, usando mais e mais roupas, e sentindo sempre menos os efeitos aquecedores das mesmas, e ganhan-do sempre mais, tendo, porém, a capacidade de negociar sempre menos (1:6). É com isto que deveriam se comover e considerar cuidadosamente (1:5,7; cf. 2:15,18). Não era que cada revés isolado tivesse de ser interpretado como mais uma evidenciada disciplina divina contra a nação. Quando, porém, estas calamidades começaram a che-gar numa série de sempre maior severidade, de tal maneira a afetarem o prestígio e o bem-estar da nação inteira, então aquela nação deveria saber que era a mão de Deus que estava contra ela, e os cidadãos deveriam voltar-se a Ele. Este princípio foi anunciado pela primeira vez em Levítico 26:3-33 e foi anunciado entre a maioria dos profetas, especialmente Amós 4:6-12,

Por estranho que pareça, o povo respondeu e obedeceu à palavra do Senhor e à voz de Ageu o profeta (1:12). Deus acrescentou Seu antigo nome e Sua promessa com as palavras: "Eu sou convosco" (1:13; 2:4) enquanto Seu Espírito despertava a liderança e o povo para trabalharem na casa do Senhor (1.14).

A prova de que Deus ainda habitava com Israel, conforme a antiga promessa dada em conexão com o tabernáculo (Êx 29:45-46), e a fórmula tríplice, se podia perceber no fato de que Ele fazia Seu Espírito habitar entre eles (2:5). Além disto, o pequeno início daquele segundo templo se vinculava diretamente com o destino, glória e honra a serem recebidos no futuro templo de Deus descrito por Ezequiel e outros; porque Ageu perguntou diretamente em 2:3, "Quem há entre vós que, ten-do edificado, viu esta casa [o segundo templo] na sua primeira glória [o templo de Salomão]?" Depois, ele proclamou corajosamente, "Farei abalar todas as nações,

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e as cousas preciosas1 de todas as nações virão, e encherei de glória esta casa, diz o Senhor os Exércitos" (2:7). Todos os três templos eram o único e o mesmo, enquanto participavam no esplendor do reconhecimento universal dado ao templo de Javé naquele dia final. De fato, as nações derramariam suas riquezas para aquela casa em .reconhecimento da soberania de Javé, conforme as visões em Isaías 54:11-14; 60; Jeremias 3:14-18; e Ezequiel 40-48. Dessa forma, os homens não deviam desprezar as coisas pequenas feitas no nome, poder e plano de Deus. Antes, porém, que tal dia pudesse chegar, haveria uma convulsão de alcance mundial nos campos físico, polí-tico e social (2:7,21-22). Isto estava bem de acordo com o tema profético, já fami-liar, do dia do Senhor. Os julgamentos divinos e o triunfo indisputável de Deus foram descritos por Ageu em termos empregados com respeito a conquistas do pas-sado, quando Deus agira decisivamente em prol de Israel, e. g, no mar Vermelho quando "caíram os cavalos e os seus cavaleiros", ou na libertação através de Gideão quando cada um caiu "pela espada do outro". Assim, Javé sacudiria os céus e a terra e "derrubaria" (cf. Sodoma e Gomorra) o trono dos reinos e destruiria a força dos reinos das nações (2:22).

O segredo deste sacudir para a casa real de Davi tornou-se claro em 2:23 quan-do Ageu declarou que "naquele dia" Javé tomaria Zorobabel, um descendente de Davi, "servo" de Deus, e faria dele "um anel de selar" {hôtam}. Portanto, o derrubar dos reinos era para exaltar a pessoa davídica vindoura. Assim, Zorobabel, o atual her-deiro ao trono de Davi, tinha, no seu ofício e pessoa, um vaíor que seria elevado a uma posição excepcionalmente gloriosa quando a catástrofe de alcance mundial lan-çaria todos os impérios em competição para seu término final.

Este "anel de selar" era o selo de autoridade que tinha sido abruptamente ti-rado de Jeoiaquim (também chamado Jeconias e Conias) em Jeremias 22:24, por-que Deus rejeitara sua liderança. O emprego de selos em marcar bens e documentos era bem conhecido no antigo Oriente Próximo; o anel de selo, portanto, era sem dúvida a insígnia real empregada nas autorizações e autenticações do poder e pres-tígio daquele governo (cf. o anel de selar em Cantares 8:6, Eclesiástico 17:22). Este novo davidita será o sinal divino para o mundo de que Ele pretendia comprir Sua antiga promessa. As "misericórdias de Davi" eram "certas", "fiéis" ou "imutá-veis" (Is 55:3). Mesmo o tí tulo de "Meu Servo" era mais do que a linguagem polida

1 A palavra "desejo, tesouro de todas as nações" íhemdat koi hqggôylm, 2:7} é claramente plural, não sendo, portanto, uma referência ao Messias. No entanto, Herbert Wolf, "The Desire of All Nations in Haggai 2:7: Messianic or Not? " Journal of the Evangelical Theological Society 19 (1976): 97-102, indicou outras passagens do AT em que o verbo no plural e o substantivo igualmente no plural se referem claramente a um indivíduo; assim sendo, a referência poderia ser messiânica.

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da corte, Nos lábios de Javé, era uma clara referência àquela entidade corporativa, com um individuo que incorporava o grupo inteiro, conforme já fora anunciado por Isaías (e. g. Is 42:1) no século oitavo a. C,

O Herói Conquistador de Deus: Zacarias Com oito visões noturnas (1:7 - 6:8) e duas mensagens tipo "fardo" (9-11;

12-14), o sacerdote-profeta Zacarias traçou o crescimento do Reino de Deus, a partir dos seus começos humildes até sua vitória triunfante contra toda força oposi-tora. Trabalhando em estreita cooperação com Ageu, Zacarias proclamou a mais in-tensiva chamada ao arrependimento já dada por qualquer profeta do AT (Zc 1:1-6) em novembro de 520 a. C. O mal que "alcançara" (hfShtgü, v. 6) a nação na catás-trofe de 586 a, C. e nos setenta anos de exílio era exatamente o que Moisés adverti-ra, com exatamente o mesmo vocabulário em Deuteronômio 28:15,45.

Nas oito visões que mutuamente se complementam, Zacarias recebeu um quadro total como resposta divina àqueles que questionavam a validade da antiga promessa e do futuro de Sião. Na primeira visão, o relatório dos quatro cavaleiros era desanimador, pois as nações da terra estavam descansadas e em conforto (1:11) a despeito das repetidas ameaças de destruição iminente. Chegando-se ao ponto da oitava visão, no entanto, os quatro carros já completaram sua obra de levarem a efeito o julgamento de Deus em todas as direções (6:1-8). O modo de ser levado a efeito tudo isto foi descrito na segunda visão, onde os quatro chifres (1:18-21 [2:1-4]), o mesmo, sem dúvida, que as quatro potências mundiais sucessivas vistas por Daniel, foram humilhados e quebrados por quatro ferreiros levantados por Deus. Embora o juízo tivesse de ser pronunciado sobre as nações, Jerusalém passaria por uma reconstrução, alargamento e exaltação (2:1 e segs. [2:5 e segs.]). Seu aspec-to mais importante era: "Pois eu lhe serei, diz Javé, um muro de fogo em redor, e eu mesmo serei, no meio dela, a sua glória" (2:5 [9]; cf. Is 60:19; Ap 21:23); e "Porque eis que venho e habitarei no meio de ti, diz Javé. Naquele dia muitas nações se ajun-tarão a Javé, e serão o meu povo; habitarei no meio de ti, e saberão que Javé dos Exércitos é quem me enviou a t i " (2:10-11 [14-15]).

Meu Servo o Renovo, a Pedra

0 estabelecimento externo da cidade de Deus como residência pessoal de Javé devia ser precedido por uma obra divina de purificação interior. Isto porque Zacarias, na sua quarta visão, viu o sumo sacerdote Josué trajado de vestes sujas, de pé na presença dos anjos do Senhor, tendo as acusações de Satanás lançadas contra ele. Para o acusador, o Senhor ordenou silêncio; para o sumo sacerdote sujo, no entanto, ordenou a remoção das vestes imundas, a f im de ele ser vestido com trajes novos e finos, A culpa da nação inteira repousava sobre o sumo sacer-

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dote, e todo o povo estava imundo (cf. Ag 2:11-14). Havia, também, a promessa do restabelecimento do ofício de sumo sacerdote depois de uma longa interrupção (Zc 3:7). "A iniqüidade desta terra", conforme Javé prometera, seria "tirada num só dia" (v, 9), Sendo assim, Josué, representante daquele "reino de sacer-dotes" (Êx 19«) era um "sinal" fmôpêt, 3:8).

Era uma "maravilha" que o sumo sacerdócio existisse mesmo depois da longa interrupção do Exílio; mas ele também era um sinal do futuro, O advento do verdadeiro representante de Deus, do único adequado, era o Messias, que é aqui chamado por três títulos.

0 "Renovo" ou "Rebento" de 3:8 e 6:12 era outro nome próprio para o último davidita, que surgiria do meio da obscuridade, já era conhecido em Isaías 4:2 e Jeremias 23:5-6. O fato de Ele aparecer como o "Servo" em conexão com

*

o sacerdócio não pode ser mera coincidência. Aqui fica bem claro que o "Renovo" ou "Servo" não somente seria sucessor de Davi mas também de Josué. Assim como Isaías declarara que o Servo daria Sua vida como substituição por muitos, desse modo removendo a iniqüidade dos mesmos, da mesma forma também Zaca-rias 3:9 prometeu que o Messias assim faria "num só dia".

Se, porém, o "Servo-Renovo" representava o primeiro advento do Messias, então a "Pedra", como em Daniel 2:34-35, representava o segundo Advento do Messias. Assim, na passagem mais pormenorizada de Zacarias 6:9-15, onde a Zaca-rias foi ordenado que fizesse "coroas" da prata e do ouro trazidos da Babilônia. Este evento resume as oito visões noturnas e o escopo delas num único ato — dádivas principescas vindas da distante Babilónia eram apenas precursoras das riquezas das nações que viriam em grandes quantidades para Jerusalém quando o Renovo Messias for recebido como Rei dos reis e Senhor dos Senhores. Estas dádivas foram transformadas em coroa para o Sacerdote-Rei, o "Homem" cujo sobrenome era o "Renovo", que "edificaria o templo do SENHOR", "assentar--se-ia no seu trono e dominaria", e "seria sacerdote no seu trono" (6:12-13). O mesmo Senhor que ajudou na edificação daquele segundo templo reinaria como Sacerdote e Rei — ambos os ofícios numa só Pessoa! A perspectiva delineada por Zacarias em 8:20-23 era que numerosos povos viriam buscar o Senhor residente em Jerusalém, ao ponto de dez homens pegarem na orla da veste de um judeu, dizendo: "Iremos convosco, porque temos ouvido que Deus está convosco".

O mesmo Sacerdote-Rei era o tema de Salmo 110, só que ali Ele era um Rei conquistador; aqui, em Zacarias 6, Ele está entronizado em domínio pacífico.

O Rei da Humildade e Retidão

Quando Zacarias começou a tratar da primeira das suas mensagens tipo "fardo", predisse o progresso vitorioso de Alexandre Magno (Zc 9:1 e segs.h O

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O Triunfo da Promessa: Os Tempos Pós-Exíiicos 263

tema já tinha sido proposto: tinha de vir um julgamento no qual Deus destruiria as potências mundiais dos gentios que também tinham o domínio sobre Israel. O verdadeiro Rei de Israel estava para vir, e Sua investidura no ofício seria simbo-lizada pela Sua chegada montado num jumento {9:9, cf. Jz 5:10; 10:4; 12:14}.

Seu caráter era "reto", a mesma descrição empregada por Isaías (9:7; 11:4-5; 32:1). Mas também tinha sido "libertado" e era, portanto, vitorioso, como marca da graça de Deus para com Ele. Ele era "humilde" ou até "af l i to", o mesmo con-ceito atribuído ao "Servo do Senhor" em Isaías 53:7. Este, porém, era o novo Rei de IsraeL Ele era meigo, e mesmo assim era vitorioso. Destruiria os implementos da guerra (Zc 9:10a), e mesmo assim, reinaria em paz sobre toda a terra (9:10ò). Este segundo quadro era idêntico ao de Isaías 9:1-7; 11:1-9; e Miquéias 5:2-5. "Domine ele de mar a mar, e desde o rio (Eufrates) até aos confins da terra" con-forme Salmo 72:8 proclamara (cf. Zc 9:1 Où).

Mesmo depois de Israel ter sido trazido de volta è sua terra após o exílio na Babilônia, porém, a perspectiva de uma nação reunificada ainda apareceu em Zacarias 10:9-12- A importância desta passagem e sua data avançada pós-exílica não deve passar desapercebida para aqueles que interpretam de modo espiritual a promessa da terra ou como bênção temporal que foi perdida por uma nação rebelde devido à sua falta de obediência à parte dela da aliança condicional {?). Pelo contrário, esta esperança sempre queimava com mais brilho, quanto mais Israel se tornava mais e mais desesperadamente espalhado.

O Pastor Ferido

Israel tivera soberanos (pastores) malignos, que tiravam vantagens do seu rebanho, mas o Bom Pastor foi de início aceito, e depois rejeitado, e vendido por trinta moedas de prata (Zc 11:7-14). Enquanto dominava sobre eles no pas-sado, empregara duas varas chamadas "graça" e "união" {no Jam, hobifm); quando, porém, estas duas varas foram quebradas, então chegou ao f im o poder que este reinado fraternal exercia em nome de Deus, Assim, o Senhor, através do Seu repre-sentante davídico, foi demitido da nação. Então, como estimativa do serviço dEle, pesaram o preço que se pagava por um escravo (Êx 21:32): trinta moedas de prata! Sendo assim, o Pastor veio a ser o Pastor-Mártir (Zc 13:7-9) em prol das ovelhas que rejeitaram a Sua liderança.

Em outra seção porém (Zc 12:10-13:1), o povo prantearia Aquele que trans-passara, como se chora amargamente peio primogênito. O Pastor não merecia pessoalmente o sofrimento — sofria em prol dos pecados do Seu povo.

Naquele dia, porém, o Espírito seria derramado sobre o povo, o Espírito divino de graça e súplica, para misericórdia e o clamor de verdadeira penitência do coração, e tristeza genuína pela rejeição do Messias, E, como Ezequiel tinha

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264 Teologia do Antigo Testamento

predito que o Espírito de Deus daria o conhecimento de Javé e do Salvador, assim este mesmo Espírito abriria convicção e arrependimento nos corações israelitas.

Aquele Dia Final de Vitória

Ainda havia uma batalha decisiva a ser ganha por Javé. Naquele dia, Ele juntaria as nações da terra enquanto tentavam tratar de modo decisivo e conclu-sivo com a "questão judaica" {Zc 14:1-2)- Aquele foi o próprio dia selecionado pelo Senhor dos Exércitos, no qual sairia e lutaria contra aquelas nações {v. 3), Com grandes convulsões na natureza, o Senhor da Gtória desceria com nuvens (Dn 7:13) juntamente com todos os Seus santos (Zc 14:5), estabelecendo Seus pés no Mente das Oliveiras (14:4-5). Então a história e o primeiro aspecto do grande plano salvífico da promessa divina chegaria ao f im no mais decisivo triunfo já testemunhado, Ele também permaneceria vencedor sobre todos os homens, nações e a natureza (14:9 e segs.) A santidade ao Senhor seria o motivo domi-nante daí em diante (14:20-21), enquanto a riqueza das nações se reuniria para adoração ao rei presente, o "Descendente" prometido (14:14 e segsj. Dezessete vezes nesta segunda mensagem tipo "fardo" de Zacarias 12-14, Zacarias procla-mara: "naquele dia"; e vinte e duas vezes indicara "Jerusalém", e treze vezes "as nações". Somente estas estatísticas podem corretamente identificar o tempo, os temas e os participantes ressaltados nestes capítulos; era a hora mais gloriosa da história da terra, enquanto seu Criador, Redentor e Monarca Reinante voltava para completar aquilo que já há muito tempo prometera fazer.

O Mensageiro da Aliança da Parte de Deus: Malaquias Mais um profeta, agora mais tarde no século quinto a.C, respondia às zom-

barias incrédulas e blasfemas de um povo imerso nas suas próprias misérias, quei-xando-se assim: "Onde está o Deus do juízo?" (Ml 2:17).

A resposta de Malaquias foi simples: "Virá o SENHOR a quem vós buscais" (3:1). No entanto, antes da Sua vinda, Javé enviaria um mensageiro para preparar o caminho diante dEle (3:1), assim como Isaías também profetizara (40:1 e segs.), porque era necessário que a humanidade estivesse moralmente pronta para seme-lhante advento. Quando, no entanto, o Mensageiro da aliança [Mal'ak habberfth, 3:1) chegasse ao Seu templo, não seria outro senão o Messias prometido, porque o dia da Sua vinda era também o dia do Senhor tão freqüentemente mencionado pelos profetas (3:2).

"O SENHOR" [hã'àdônf notem-se o artigo e a forma no singular) virá ao "Seu templo"; assim sendo, Ele era Javé (cf. Is 1:24; 3:1; 10:16, 33). Este "anjo (ou mensageiro) da aliança" era o Mediador através de Quem o próprio Senhor tomaria Sua habitação no Seu próprio templo, Esta nova residência no templo foi

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O Triunfo da Promessa: Os Tempos Pós-ExíUcos 265

parcialmente realizada pela graciosa presença de Deus no templo que foi edifica-do como resposta à pregação de Ageu e Zacarias, e assim chegou ao f im a ausência da glória de Deus, imposta por Ele mesmor mencionada em Ezequiel 11:23.

Malaquias, porém, agora viu também uma habitação pessoal deste "anjo da aliança", o Messias vindouro, no Seu templo. Além disto, tão intensiva era esta presença que conteria um perigo terrível para todos os pecadores. Malaquias perguntou: "Mas quem pode suportar o dia da sua vinda? e quem subsistir quando ele aparecer?" (3:2). Deste modo, tratava-se de uma repetição da promessa feita na ocasião do Êxodo: Javé haveria de Se manifestar de modo especial na pessoa do Anjo teofánico. Foi o que prometera em Êxodo 23:20-21:

Eis que eu envio um Anjo diante de t i . ., pois nele está o meu nome

(cf. Êx 23:23; 32:34; 33:2).

Assim, a geração de Malaquias, como os ouvintes de Amós no século oitavo a.C. (Amós 5:18, 20) estava errada ao ansiar pelo dia do Senhor como se aquele dia fosse panacéia para um povo despreparado. A presença do Senhor poderia significar que todos seriam consumidos, porque não haveria meio de misturar a Santidade dEle com os seus corações endurecidos (cf. Êx 33:3).

Seria necessário que os corações dos homens fossem testados como em fornalha ou pelo sabão a f im de se remover as escórias ou sujeira do pecado. Tal julgamento cairia especialmente sobre os sacerdotes (3:3) que precisariam de ser purificados antes de serem empregados no serviço dEle.

O precursor é primeiramente chamado "mensageiro" (3:1) e depois, "o profeta Elias" (4:5), Provavelmente não devemos pensar em Elias, o tesbita, fato que é às vezes encorajado pela trasladação de Elias para o céu sem passar pela experiência da morte. Mas, na analogia do novo ou segundo Davi, assim também haveria um novo ou segundo Elias. Seria um homem no "espírito e poder" de Elias, assim como Jesus indicou João Batista e disse que ele era Elias, porque vinha "no espírito e poder de Elias" (Mt 11:14; 17:11; Lc 1:17). Assim, a obra do segundo Elias também seria tornar os corações dos pais para os filhos, e dos filhos para os pais em reconciliação. Porque se os homens não quisessem volun-tariamente se dedicarem ao Senhor de coração total, então Ele seria forçado, de modo último e final, a vir visitar a terra com "maldição" (hêrem, 4:6 [3:24]), Esta "maldição" era uma "interdição" ou "dedicação involuntária" ao Senhor de tudo, mediante a qual Ele finalmente tomava aquilo que Lhe pertencia como repreensão contra a recusa absoluta de dar a Ele qualquer parte,

Malaquias, no entanto, tinha a certeza de que tudo não terminaria na escu-ridão e no desespero:

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266 Teologia do Antigo Testamento

Mas desde o nascente do sol até ao poente é grande entre as nações o meu nome; e em todo lugar lhe é queimado incenso e trazidas ofertas puras; porque o meu nome é grande entre as nações, diz o SENHOR dos Exércitos.

— Malaquias 1:11

0 sucesso de Javé era tão extensivo geograficamente como o circuito do sol, e Seus locais de culto se situavam não somente em Jerusalém como "em todo lugar" onde homens e mulheres trariam "ofertas puras", ou seja, um culto não estragado por mãos ou corações impuros, O nome de Deus seria "grande" e altamente exal-tado entre os gentios. Sendo assim, a discussão mosaica do "local" e das ofertas chega ao auge de uma universalidade de pureza desconhecida na história passada ou presente, mas sem dúvida uma parte real do futuro.

0 Reino é do Senhor: Crônicas, Esdras-Neemias, Ester No fim da longa subida histórica de Israel, começando com a não-existência

e culminando com o status de nação, e da destruição para um estado enfraquecido no período pós-exílico, o cronista {talvez um escritor, ou mais, de Esdras, Neemias, Ester, 1 e 2 Crônicas) selecionou aqueles eventos e palavras históricos do reino davídico e salomônico que poderiam ser utilizados para projetar a imagem da consumação escatológica antecipada da promessa no novo Davi. O reino dele que se esperava ser o clímax da antiga promessa reacenderia as esperanças no meio das trevas do fraco crescimento durante o período pós-exílico.

O Povo da Promessa

O cronista tinha uma visão de um Israel reunido num dia futuro com a capital em Jerusalém, de modo semelhante aos dias gloriosos de Davi e Salomão. Quarenta e uma vezes em Crônicas e oito vezes em Esdras-Neemias ele se referiu a "todo Israel" além de frases adicionais tais como "toda a casa de Israel" ou "Todas as tribos de Israel". Este tema de "todo Israel" realmente sublinhava a descrição profética da reunificação futura do reino dividido em um só reino unido (e.g. ts í 1:13; Os 1:11 [2:2]; Jr 3:18; Ez 37:15).

0 povo seria o povo de Deus, uma congregação Cèdâh) unida de Israel en-quanto viviam, amavam e adoravam a Javé com um coração íntegro [ou perfeito] (fibãb sãlêmh Esta expressão ocorre nove vezes em Crônicas, de um total de trinta vezes no AT inteiro, mas há, no todo, cerca de trinta referências em Crô-nicas a "coração" no sentido de relacionamentos certos ou errados. Conforme disse o profeta Hanani ao rei Asa:

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Porque, quanto ao Senhor, seus olhos passam por toda a terra, para mostrar-se forte para com aqueles cujo coração é totalmente dele.

— 2 Crônicas 16:9

Vida na Promessa

A Tora ou lei de Deus era o padrão mediante o qual o povo de Deus recebia a sua instrução. 0 cronista se refere trinta e uma vezes ao nome de Moisés, compa-rado com doze vezes em Samuel-Reis; e a palavra "Tora" foi empregada quase quarenta vezes em Crônicas comparando-se com apenas doze vezes em Samuel-•Reis. Catorze vezes a lei foi designada "a Tora do Senhor", ou "de Deus" ou "do Senhor Deus".2

Em Neemias 8 há a narrativa de como Esdras trouxe a Palavra de Deus con-sigo, lendo-a ao povo que escutava atentamente (vv. 8-9). Enquanto lia, Esdras "dava explicações" (v. 8, som sekei)- Assim como o rei Josafá anteriormente enviara um grupo de homens para instruírem o povo de Judá na Tora do Senhor (2 Crônicas 17:9), assim agora Esdras nestes tempos pós-exílicos

tinha disposto o coração para buscar a lei do SENHOR e para a cumprir e para ensinar em Israel os seus estatutos e os seus juízos.

— Esdras 7:10

Assim como a Salomão tinha sido prometido a bênção dos benefícios da promessa incondicional de Deus à casa de Davi "se" tomasse o cuidado de observar tudo quanto o Senhor ordenara a Moisés (1 Cr 22:12; 28:7), assim também "todo Israel" foi conclamado a andar de "todo o coração" conforme tudo quanto Deus ordenara na lei de Moisés. Aquilo seria o caminho de vida e de bênção. O plano eterno de Deus era parte integrante deste equilíbrio entre soberania divina e respon-sabilidade humana.

2 Estas estatísticas são tiradas de Jacob M. Myers, "The Theology of the Chronicler", The

Anchor Bible: / Chronicles (Garden City: Doubleday, 1974), págs. Ixxviii e seg, A bibliografia sobre a teologia do cronista está se aumentando constantemente em dias recentes. Algumas das contribuições mais recentes, com boas bibliografias, são: Roddy L. Braun, "The Message of Chronicles: Rally Round the Temple", Concorc/ia Theological Monthly 42 (1971): 502-14; P, Ackroyd, "The Theology of the Chronicler", Lexington Theological Quarterly 8(1973): 108-16; Phillip Roberts, "An Evaluation of the Chronicler's Theology of Eschatology Based on Synoptic Studies Between Samuel-Kings and Chronicles" (Tese de M. A,, Trinity Evangelical Divinity School, 1974); John Goldingay, "The Chronicler as a Theologian", Biblical Theo-logy Bulletin 5 (1975): 99-126; H.G.M. Williamson, "The Ascension of Solomon in the Books of Chronicles", Vetus Testamenturn 26 (1976): 351-61.

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268 Teologia do Antigo Testamento

Embora seja verdade que o cronista mais freqüentemente ressaltava o aspecto da agência divina em eventos humanos em contraste com a narrativa paralela registrada em Samuel-Reis que focalizava a agência humana, havia uma mensagem no livro que ressaltava ambos os aspectos da soberania divina e da responsabilidade humana. Nos casos em que os homens estavam claramente errados, Deus ainda permitiu que a causa ou situação ficasse de pé, "porque esta coisa foi feita da minha parte", disse Javé. Por exemplo, no caso de Roboão ter rejeitados sábio conselho no sentido de ele reduzir os impostos, recusou, e assim dividiu o reino, mas "isto vinha de Deus, para que o SENHOR confirmasse a palavra que havia dito por intermédio de Aías" (2 Cr 10:15, cf. 11;4).3

Esta apresentação dual dos eventos da história de Israel durante os dias pós-exílicos também levou â técnica de referências indiretas a Deus em escrever histórias tais como o livro de Ester. Ronald M. Hals4 desenvolveu um argumento excelente em prol da causalidade divina em tudo, embora fosse ausente o Seu nome: as referências oblíquas porém significantes a "outra parte" {mãqôm, Et 4:14), a forma passiva em Ester 9:22, "o mês que ihes foi mudado de tristeza em alegria", e aquelas coincidências (?) bem cronometradas da insónia do rei (6:1) ou a leitura acerca de favores antigos de Mordecai prestados ao rei (v. 2). Mesmo a pergunta "quem sabe?" de Ester 4:146 não é uma pergunta de desespero ou de frustração, mas, sim, um meio retórico que contém sua própria resposta para os que refletem com cuidado nos acontecimentos,

O Reino da Promessa

A promessa de Deus, dada a Davi, foi repetida em 1 Crônicas 17:14- "Mas o confirmarei na minha casa e no meu reino para sempre, e o seu trono será esta-belecido para sempre". Assim Davi bendisse Javé na sua oração de ações de graças pelas dádivas voluntárias tão generosas e abundantemente supridas por Israel em resposta â necessidade de um templo a ser edificado por Salomão.

Tua, SENHOR, é a grandeza, o poder, a honra, a vitória e a majestade; porque teu é tudo quanto há nos céus e na terra; teu, SENHOR, é o reino, e tu te exaltaste por chefe sobre todos.

3 Para passagens adicionais, ver 1 Crônicas 10:13; 113; 21:7; 2 Crônicas 12:2; 13:18; 14:11-12; 16:7; 17:3, 5; 18:31; 20:30; 21:10; 22:7; 24:18, 24; 25:20; 26:5, 7, 20; 27:6,

4 Ronald M. Hals, "Comparisons with the Book of Esther", em The Theology of the Book of Ruth (Philadelphia: Fortress Press, 1969), págs. 47-53.

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O Triunfo da Promessa: Os Tempos Pós-Exíficos 269

Riquezas e glória vêm de ti, Tu dominas sobre tudo, na tua mão há força e poder; contigo há o engrandecer e a tudo dar força. -1 Crônicas 29:11-12

Este "reino de Javé" que estava "nas mãos dos filhos de Davi" (2 Cr 13:8} pertencia ao Senhor. O rei de Israel era meramente o vice-regente de Deus que devia seu ofício a Deus e que simbolicamente continuou aquele reino como penhor da ocupação triunfal daquele trono por parte de Deus. Assim, para ajudar os espí-ritos desanimados de um povo pisoteado, o cronista revivificou a imagem do reino no auge da sua maior potência a f im de expor as glórias do reino do Messias.

Portanto, o enfoque sobre o templo, as ordenanças vinculadas ao templo, e a ênfase dada á música e à oração em tempos de reavivamento e adoração eram uma doxologia apropriada Àquele a que pertencia o reino e cujo reinado já come-çara entre os que crêem, mas que ainda haveria de exercer domínio total sobre os céus e a terra. Aquela antiga palavra profética de promessa não fracassara, nem viria a fracassar,

Esta mensagem visava um auditório bem maior do que os próprios israelitas, porque o propósito total das listas genealógicas em 1 Crônicas 1-9 não se esgotou quando servia meramente para autenticar aqueles que não tinham certeza quanto à sua linhagem e que queriam ser incluídos no sacerdócio dos dias de Zorobabel Exibia, outrossim, a conexão da nação com a raça humana inteira e assim se dirigia a todos os descendentes de "Adão", A palavra não era tão direta quanto em Gênesis 12:3, "Na tua (de Abraão) descendência serão benditas todas as nações da terra". A inferência da genealogia, no entanto, e a explícita reivindicação da promessa feita com Davi conforme foi desdobrada na teologia do reino do cronista, deixou claro que toda a humanidade foi afetada pela enormidade da obra escatológica de Deus,

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Não há nenhuma melhor súmula da conexão que existe entre o Antigo e o Novo Testamento do que aquela que foi dada por Willis J. Beecher nas suas preieçoes Stone pronunciadas em Princeton pouco após o infcio deste século:

A proposição de que o Antigo Testamento contém grande número de predições com respeito ao Messias vindouro, e de que estas são cumpridas em Cristo Jesus, pode ser bíblica na sua substância, mas dificilmente o é quanto à sua forma. A Bíblia oferece muito poucas predições senão na forma de promessas ou ameaças, É diferente das teologias sistematizadas sendo que se [recusa a desvincular] a predição da promessa ou da ameaça , . * [e] enfatiza uma promessa mais do que muitas predições. Esta é a tônica que prevalece em ambos os testamentos — uma multidão de especificações que desdobram uma única promessa, e a promessa serve como uma doutrina religiosa central-

Esta generalização bíblica do assunto pode ser formulada como segue: Deus deu urna promessa a Abraão, e, através de/e, á humanidade inteira; uma promessa eternamente cumprida e se cumprindo na história de

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Israel; e principalmente cumprida em Jesus Cristo, sendo Ele aquilo que éprincipal na história de Israel (grifos dele).1

A Palavra-chave Neotestamentária para o Antigo Testamento Os escritores do Novo Testamento deram a este plano ou desenvolvimento

único o nome de "promessa" {epangeüa}, Cerca de quarenta passagens podem ser citadas de quase todas as partes do NT que contêm esta palavra "promessa" como a quinta-essência do ensino do AT. Além disto, há apenas uma promessa; é um plano único. Paulo, diante da corte de justiça, afirmou.

E agora estou sendo julgado por causa da esperança da promessa que por Deus foi feita a nossos pais, a qual as nossas tr ibos, , . almejam alcançar. — Atos 26:6-7

Sua confiança, portanto, dependia de uma única promessa, não de uma predição ou de certo número de prognósticos espalhados, Era um plano único de Deus bem específico, para beneficiar a um só homem, e, através deste, trazer benefícios ao mundo inteiro,

Esta promessa única pode ser identificada como sendo aquela que fora dada a Abraão e repetida a Isaque, Jacó, e Davi. 0 escritor aos Hebreus disse que Deus "fez promessa a Abraão"; mas Abraão também, "depois de esperar com paciência, obteve a promessa" (Hb 6:13-15, 17). Além disto, Isaque e Jacó eram "herdeiros com ele [Abraão] da mesma promessa", "não obtiveram, contudo, a concretização da promessa, por haver Deus provido cousa superior a nosso res-peito" (11:9, 39-40). O texto, longe de mostrar uma contradição, distingue entre o receber a palavra da promessa, suas amostras parciais do cumprimento total, e o receber o cumprimento culminante em todos os seus aspectos- Obviamente, não receberam aquele último aspecto, tinham, porém, a promessa juntamente com uma prova da mesma também; "obtiveram promessas", "não a concretização da promessa" (vv, 33, 39). Semelhantemente, Paulo identificou a "promessa" feita "a Abraão e à sua descendência" como sendo aquela que se firmava sobre a graça, e era firme a toda a descendência no sentido "de ser herdeiro do mundo" (Rm 4:13, 16),

A promessa úníca consistia de muitas especificações; sendo assim, foi possível para os escritores do NT falarem de promessas, empregando o plural: "As promessas

1 Willis JT Beecher, The Prophets and the Promise. (1905, edição reimpressa, Grand Rapids: Baker Book House, 1975), pág* 178. Note-se que estou profundamente endividado para com Beecher peto esboço e boa parte da substância que se segue na definição da promessa.

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O Antigo Testamento e o Novo Testamento 273

feitas aos pais" (Rm 15:8-9; cf. 9:4); "herdam as promessas" (Hb 6:12) ou Abraão que tinha "as promessas" (Hb 7:6; cf, 11:13p 17). O uso do plural, porém, não enfraqueceu o conceito de uma doutrina única da promessa que a tudo englo-bava, que incluía as ameaças e as bênçãos, Israel e as nações, o Messias e toda a comunidade dos fiéis de todos os tempos; pelo contrário, indicava sua natureza de múltiplas facetas e sua largueza de escopo.

Para os escritores do NT, esta única promessa de Deus sintetizava tudo quanto Deus começara a fazer e a dizer no AT, e que continuava fazendo na própria nova era deles. Entre os aspectos de variedade abrangidos por esta única promessa estava a palavra de bênção do evangelho para os gentios (Gl 3:8, 14, 29; Ef 1:13; 2:12; 3:6-7); a doutrina da ressurreição dentre os mortos {At 26:6-8; 2 Tm 1:1; Hb 9:15; 10:36; 2 Pe 3:4, 9; 1 Jo 2:24-25); a promessa do Espírito Santo numa nova plenitude (Lc 24:49; At 2:33-39; Gl 3:14); a doutrina da redenção do pecado e das suas conseqüências (Rm 4:2-5, 9-10; Tg 2:21-23); e a maior de todas, a pro-messa de Jesus, o Messias {Lc 1 £9-70, 72-73; At 2:38-39; 325-26; 7-2, 17-18; 13:23, 32-33; Gl 3:12).

A promessa era continuamente cumprida no AT; mesmo assim, aguardava alguns cumprimentos culminantes em conexão com os dois adventos do Servo--Messias. Mesmo assim, a promessa ia além destes dois adventos e ficou eterna-mente operativa e irrevogável (Gl 3:15-18; Hb 6:13, 17-18). À geração dos crentes do primeiro século, conforme Hebreus 6:18 (notar o emprego de nós) foram dados dois sinais inabaláveis e imutáveis de que a promessa era tão irrevogável e livre de mudanças para eles (e daí para as gerações que se sucediam) como era para o pa-triarca, A palavra de promessa divina (Gn 12:15) e o juramento divino (Gn 22). Deus assim Se obrigou de modo eterno.

A própria fraseologia adotada pelos escritores do NT semelhantemente demonstrava uma forte predileção da parte deles no sentido de empregarem os mesmos termos técnicos e metáforas empregados no AT, Há, por exemplo, nume-rosas referências a meu Filho, meu Santo, Servo, Efeito ou Escolhido, Messias, Reino, Renovo, Lâmpada de Davi, Semente, Raiz de Jessé, Chifre, Leão, Estrela, etc.2 No ponto de vista deles, estavam contribuindo para uma só doutrina contínua,

A Unidade do Antigo Testamento e do Novo Testamento Contrastes baratos e fáceis demais entre os dois testamentos são tão abun-

2 Para uma lista detalhada da lista davfdica de referências no Novo Testamento, ver

Dennis Duling, "The Promises to David and their Entrance into Christianity — Nailing Down a Likely Hypothesis", New Testament Studies 20 (1974): 55-77.

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274 Teologia do Antigo Testamento

dantes hoje como são de idéia errada.3 A bem-conhecida tentativa de Márcion de extirpar o AT do cânon da igreja era claramente um fracasso. Infelizmente, conforme o próprio Márciom reconheceu, bem demais, tal iniciativa precisa também levar consigo o corolário necessário de extirpar boa parte do NT semelhantemente, sendo que este por demais de vezes retratava Deus de modo bem semelhante e empregava muitas partes da doutrina do AT e da cultura judaica. Em maior ou menor grau, outros seguiram a liderança dada por Márciom, Para Schleiermacher, Harnack, Kierkegaard e o mais jovem dos Delitzsch, o AT era apenas uma perda de tempo ou uma religião pagã.

A solução de Ortgenes não era melhor. Sua saída do problema da quanti-dade e tipo de continuidade e descontinuidade entre os dois testamentos era mudar o sentido óbvio de muitas passagens do AT, transformando-as em alegorias. No seu livro, De Principus, 4:9, propôs este remédio:

Ora, a razão para a apreensão errônea de todos estes pontos. . . não é outra senão a seguinte: que as Sagradas Escrituras não são entendidas por eles conforme o significado espiritual, e, sim, conforme o seu significado literal, .. Todas as partes narrativas, referindo-se a casa-mentos, ou à geração de filhos, ou a batalhas de vários tipos, ou a quaisquer outras histórias, não se pode supor que sejam outra coisa senão a forma externa de coisas escondidas e sagradas.

Recentemente, David Leslie Baker tentou classificar as soluções recentes ao problema do relacionamento entre os dois testamentos,4 Basicamente, Baker achou três soluções diferentes: (1) Arnold A. van Ruler e Kornelis H, Miskotte representavam uma solução veterotestamentária em que o AT era a Bíblia essencial e real, sendo que o NT era a sua seqüela ou meramente glossário de terminologia. (2) Rudolf Bultmann e Friedrich Baumgartel tomavam, do outro fado, o NT como a Bíblia essencial da igreja, e o AT era considerado seu testemunho preliminar ou pressuposição não-cristã. (3) Há uma variedade de soluções que Baker agrupou sob a rubrica de "soluções bíblicas", Estas incluíam a abordagem cristológica de

o Robert Gordis, Judaism in a Christian World (Nova Iorque, McGraw-Hill, 1966), págs.

136-37, cita Claude G, Montefiore (Synoptic Gospels, 2:326) na sua brilhante resposta a tais contrastes artificiais, ao citar uma^série de retrogressões do Antigo para o Novo Testamento como uma refutação devida àqueles que dolorosa e artificialmente fazem o oposto,

4 David L, Baker, "The Theological Problem of the Relationship Between the Old

Testament and the New Testament: A Study of Some Modern Solutions", (tese de doutorado, Universidade de Sheffield, agosto de 1975); agora publicado como Two Testaments: One Bible (Downers Grove, III.: Inter Varsity Press, 1976).

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O Antigo Testamento e o Novo Testamento 275

Wilhelm Vischer, onde cada (!) texto do AT apontava para algum aspecto da pessoa, obra ou ministério de Cristo; a abordagem tipológica, em que o AT era investigado para procurar suas semelhanças ou correspondências históricas e teológicas com o NT; e a abordagem da história da salvação, em que o AT era "atualizado" no NT. Outros, dentro deste grupo de "soluções bíblicas" sugeriram uma tensão contínua no assunto da continuidade e descontinuidade entre os testamentos, e,g. Th. C. Vriezen, H. H. Rowley, C. H. Dodd, John Bright, e Brevard S. Childs.

Nossa solução, segundo parece, não se enquadra em qualquer uma destas três categorias, individualmente. A imposição de gráficos externos sobre as matérias bíblicas sempre deve ser rejeitada. Sendo assim, a seleção de uma parte do cânon do testamento em preferência a outra é tão arbitrária e deduzida por fora como a aplicação dalgum princípio tal como uma abordagem cristo lógica, tipológica ou da história da salvação. Onde o texto, conforme agora existe, não valida tal princípio organizacional, então deve ser deixado de lado a favor dalgum que possa ser indutivamente validado. O objetivo da disciplina da teologia bíblica é discernir qual fluxo de continuidade, se tal houver, os escritores revelavam nas suas obras. Tinham conhecimento de contribuições antecedentes ao seu assunto ou a assuntos relacionados? E já indicaram que estes poderiam ser agrupados, ou que tinham que ser diferenciados daquilo que foi dito a pessoas de gerações prévias?

As evidências já colhidas do cânon do AT na parte II da nossa obra argu-mentam com clareza que estes homens do AT acreditavam fortemente que faziam parte de uma única tradição- Mas, pelo mesmo argumento, as conexões com o NT eram mais do que continuidades histórlco-cro no lógicas, citações textuais de escritores anteriores, ou heranças étnicas e culturais em comum- A conexão de matéria e terminologia era ainda mais óbvia e claramente deliberada do que as conexões da história, da literatura e da cultura. Seria impossível descrever a mensagem de um escritor do NT sem se referir è Semente, ao povo de Deus, ao reino de Deus, â bênção de Deus para todas as nações, e ao dia do Senhor, etc. Além disto, estes assuntos em comum levavam um vocabulário em comum que tendia a se tornar em termos técnicos por causa de seu freqüente aparecimento em junturas críticas no argumento,

Além disto, a história tinha uma certa força compulsora dentro dela, porque, conforme a expressão freqüente dos escritores do evangelho, o Messias "devia" (dei)5 sofrer e então ressuscitar gloriosamente. Semelhantemente, os apóstolos

5 Marcos 8:31; Lucas 17:25; 22:37; 24:7, 26; Atos 17:3. Ver W. Grundmann, "Dei" , Theological Dictionary of the New Testament, 10 vols., Gerhard Kittel, ed. e G.W. Bromiley, trad. (Grand Rapids: Eerdmans, 1965), 2:21 e segs.

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276 Teologia do Antigo Testamento

se consolavam em tempos de perseguição contra a igreja primitiva, dizendo que isto não era mais nem menos do que aquilo que fora profetizado pelos escri-tores do AT, e a esperada antipatia que já ocorrera historicamente contra o Ungido de Deus {At 4:25-30), Tudo fora predestinado no "plano" de Deus, para empregar a palavra de Pedro e de João.

Este não era um emprego "casual" e " l ivre" do AT. Em contradistinção com a maioria das avaliações modernas do emprego do AT pelo NT, os escritores apelavam para o AT de modo bem sóbrio e comedido. Em raras ocasiões, se refe-riam ao AT somente para propósitos ilustrativos (e.g. "estas coisas [hatina] podem ser colocadas de outro modo [a/légoroumena]", Gl 4:24). Quando, porém, citavam o AT como fonte de doutrina ou em disquisiçõesque visavam impressionar a parte judaica do seu auditório com as óbvias continuidades nesta nova religião, não poderiam estar longe da intenção de transmitir a verdade estabelecida pelos escri-tores do AT, e, em nossa opinião, não falharam quanto a este objetivo.

A Melhor Aliança A chave para o entendimento da "melhor aliança" em Hebreus 8:6 é observar

a equação feita entre a promessa abraámica (Hb 6:13; 7:19, 22) e a Nova Aliança (8:6-13). Sendo que a aliança mosaica era a primeira a ser completamente atuali-zada e experimentada pela nação, a abraámica não é a primeira conforme a nume-ração do autor. A aliança mosaica tinha suas falhas (v. 7), mas isto não por causa de qualquer aspecto inadequado da parte do Deus que fez a aliança; pelo contrário, muitas das disposições tinham uma obsolescência embutida deliberada e planejada. Isto foi indicado desde o início quando as instituições cerimoniais e civis eram expressamente chamadas "oópias" ou "padrões" feitas segundo a realidade (êx 25:9; Hb 9:23). Muitos eram ensinos temporários até que chegasse o "f iador" da "superior aliança" (Hb 7:22), A superioridade veio do progresso da revelação e não dos erros ou deliberada falsa informação das alianças anteriores.

Naturalmente, a aliança sinaítica ou mosaica era, conforme argumentamos acima, um desenvolvimento da abraámica; mesmo assim, muitas das suas disposições eram meramente preparatórias. Assim, quando Deus renovou a antiga promessa patriarcal, que continuou nas promessas Sinaítica e Davídica nada foi cortado, abrogado, lançado fora ou substituído a não ser aquilo que era assim claramente limitado desde a sua primeira aparência. Assim, Jesus, mediante a Sua morte, renovou a aliança, mas não instituiu uma aliança inteiramente "nova".

Nosso argumento não é apenas que a Nova Aliança cumpriu as promessas espirituais feitas à semente de Abraão. É certo que a parede de separação foi que-brada entre judeus e gentios que criam (Ef 2:13-18); mas isto mais uma vez não implicava nem explicitamente ensinava que as identidades ou promessas nacionais

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O Antigo Testamento e o Novo Testamento 277

foram removidas, assim como não significavam que as distinções entre macho e fêmea foram abandonadas. O que Paulo está ensinando é que os crentes gentios foram "enxertados" na oliveira judaica (Rm 11:17-25)6 e feitos "co-herdeiros, membros do mesmo corpo e co-participant es da promessa em Cristo Jesus por meio do evangelho" (Ef 3:6). Sendo que "a salvação vem dos judeus" (João 4:22) e sendo que há apenas um aprisco, um Pastor, e, ainda, "outras ovelhas, rião deste aprisco" (João 10:16) não seria muito surpreendente ver os escritores do NT acrescentando à tese emergente do AT que havia apenas um povo de Deus e um programa de Deus embora houvesse vários aspectos daquele povo único e programa único,

Paulo fez com que os crentes gentios fossem parte da "famflia de Deus" (Ef 2:19) e parte do "descendente de Abraão" (Gl 3:16-19). Além disto, chamou--os de "herdeiros" conforme a promessa (Gl 3:19), "herança" esta que era parte da "esperança do seu chamamento" (Ef 1:18) e parte da "eterna aliança" dada a Abraão (Hb 9:15), Assim, os gentios, que eram "separados da comunidade de Israel" (Ef 2:12) e "estrangeiros e peregrinos" (v. 19) às "alianças da promessa" (v. 12), foram levados a co-participar em parte das bênçãos do povo de Deus,

No meio desta unidade do "povo de Deus" e da "família da fé" no entanto, ainda permanece uma expectativa de uma herança futura que também concluirá a promessa de Deus com uma nação de Israel revivifícada, o reino de Deus, e os novos céus e a nova terra. Mais uma vez, é evidente que já participamos de alguns benefícios da época futura; grande parte, porém, daquele mesmo plano unificado ainda aguarda um cumprimento futuro e eterno.

Ver a magnífica análise desta passagem por Bruce Corley, "The Jews, the Future, and God; Romans 9 - 1 1 S o u t h w e s t e r n Journal of Theology 19 (1976): 42-56.

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Achtemeier, Elizabeth 11 Achtemeier, Paul 11 Ackroyd, P. 267n Albrektson, Bertil 14, 27, 31, 31 n, 32, 34 Albright, William F. 29, 60, 183n Allen, Leslie 191, 195n, 209n Allis, O. T. 90, 165n, 241 n Alt , Albrecht 29( 60, 93 Anderson, A, A, 25n Anderson, Bernhard W, 4, 58n, 241 Archer, Gteason L, Jr. 182n, 191n, 193n,

21 2n, 253n

Bail lie, J, 27n Baker, David U 274 Barr, James 2, 3, 5, 7, 27, 78n, 92 Bauer, Johannes 140n Baumberger, Bernard J. 1 73n Baumgartel, Friedrich 274 Baur, G. 33 Beecher, Willis J, 159, 159n, 187, 188, 189,

196n, 217n, 222, 271 Begrich, J. 164n Beker, J. Christiaan 4 Birch, Bruce C. 1 51 n Blythin, Islwyn 59, 60n Boecker, Hans-Jochen 1 51 Bonar, Andrew A. 116, 117n Braun, Roddy J. 267n Brueggemann, Walter 67n, 143 Briggs, Charles 112, 113, 239n Bright, John 5nf 11, 20, 29, 224, 275 Bromiley, G. W. 11 Bruce, F„ F. 25n

Buber, Martin 111, 148 Buswell, J, Oliver 118n Bultmann, Rudolph 274

Carlson, R. A. 157 Caspari, Carl Paul 53 Cazelles, Henri 159 Chi Ids, Brevard S. 2, 4, 113n, 275 Clark, W. M. 83n Clements, R, E. 125n, 163n Clines, D. J, A. 78n Cooke, G, A, 117 Corley, Bruce 277n Crenshaw, J. L. 70n Crim, Keith R, 164n Cross, Frank M. 101n, 124, 157n, 161 n Cundall, Arthur E, 162

Dahood, Mitchell 182n, 183n Darnell, David 132n Davis, Henton 163n de Boer, P. A, H. 234n Delitzsch, Franz 97n, 212 Delitzch, Frederick, 274 Denton, Robert CH 3 Deutsch, Richard 108n Dodd, C, H. 275 Driver, G. R, 140n Driver, S. R, 32, 116n, 128n, 141 n Duling, Dennis C, 36n, 273n Dyck, Elmer K 132n

Eichrodt, Walther 3, 6, 7, 11, 23n Eissfeidt, Otto 3, 28

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280 Teoiogia do Antigo Testamen to

Ellis, Peter R 11 English, E. Schuyfer 118n Erdmann, C, F. D, 159n Fairbairn, Patrick 53n, 103n, 117, 118n,

150, 192n Farr, George 206 Feinberg, Charles L 117n, 210n Fensham, Fh C. 231 n Flanagan, J. W> 167 Fohrer, Georg 5, 23 Freeman, Hobart 123n F ritsch, Charles T. 98n

Gabler, J, P. 7 Gammie, John G, 184n Gesenius, W, 100n Gil key, Langdon B. 2, 3 Goldingay, John 267n Goo de, Francis 243n Gordis, Robert 274n Graesser, Carl, Jr. 68n, 141 Greenberg, Moshe 110 Grundmann, W. 275n Gunkel, Hermann 34, 153, 164n

Habel, Norman 70n, 181n Hals, Ronald 168,268 Hämel, J. 3 Harnack, Adolph 9n, 274 Harrington, Wilfrid J. 3 , 5 Harrison, R. K. 171n, 182n Hasel, Gerhard 26, 28n, 29n, 76n, 203,

255n Hengstenberg, E. W. 33 Hermann, J. 122n, 130, 131 Hesse, Franz 29 Hitzig, F. 33 Hoffmann, Johann G. 7 Holmgren, F. 222n Honecker, Martin 28n Hörne, T. H. 240n Hubbard, David A. 70n Huffmon, Herbert B. 63n, 231 Hummel, Horace 4n

Imschoot, P. van 11

Jackson, Jared J. 167 Jenni, E. 94n, 190 Johnson, Aubrey 88n Josephus, Flavius 148, 193n

Kaiser, Walter C. Jr. 37n, 46n, 57n, 111n, 116n, 119n, 120n, 132n, 135n, 1 53n, 158n, 168n, 1 76n, 203n, 204n

Kant, Immanuel 28 Kapelrud, Arvid S. 232 Käsemann, E. 25n Kautzsch, E. 33, 90 Keil, Carl F. 33, 203n Kelley, Page 26n, 125n Kelly, Balmer H. 3 Kierkegaard, Soren 7, 274 Kitchen, Kenneth 171n Kittle, Gerhard 11 Klein, Günter 23 Kline, Meredith 66n, 82n, 1 71 n König, E, 3 Krause, H. J. 4, 167 Kümmel, W. G, 25n

Labuschagne, C. J, 151 n, 154, 221 n Lehman, Chester K. 5 Leupold, H. C. 90, 97n Lindblom, J. 70n Luckenbill, D. D. 230 Lys, Daniel 5

MacRae, Allan 256n Mater, Walter 229 Maly, Eugene K 152 Manley, G. T. 136n, 137n Martin, R. A, 38 MartirhAchard, Robert 4 Mays, James L. 212n McCarthy, Dennis 67, 107n, 128 McCurley, Foster R.f Jr, 31 McKane, William, 70n, 1 70n, 179, 181 McKenzie, John U 5, 113n, 154 Meek, Theophile J. 178n Mendenhall, George E. 29, 230n Michaelis, J. D. 41 Miller, Patrick D., Jr. 130n, 131 Miskotte, Kornelis H. 274 Moltmann, Jürgen 94n Moran, W. L lOOn, 113, 231 Montef iore, Claude G. 274n Morris, Leon 1 22n Motyer, J, A. 111 n Mowinckel, Sigmund 167, 169 Mowvley, H. 102 Murphy, Roland E. 166n, 169, 176 Myers, Jacob M, 267n

Page 287: Walter c. kaiser jr   teologia do antigo testamento

indice de A utores 281

Naude, J. A. 234n Newman, John Henry 9 Nicholson, Ernest W. 67, 137 North, C. Ft. 132n Noth, Martin 21 n, 29, 60, 66, 70n, 93, 127

Oester ley, O. E. 171n Oestreicher, Th. 136 Orelli, C. von 33, 34n, 39, 40, 41, 95, lOOn,

164, 191n, 194n, 211, 233, 235n, 250 Origen, 274 Orr, James 9, 103n, 137n Owens, J. J. 120n

Pannenberg, Wolfhart 29n Payne, D. F. 241 n Pedersen, Johannes 58, 102 Peters, George N, H. 243 Pfeiffer, R. H. 153 Phillips, Morgan L. 222n Pieters, Albertus 240n Poythress, VernS. 255n Premsagar, P. V, 64, 87n Preuss, Horst D, 98n Procksch, O. 32, 102

Rad, Gerhard von 3, 4, 7, 25, 28, 32, 43, 44, 60, 63, 66, 67n, 93, 96n, 101, 125n, 130, 131, 132n, 134ntf 138, 139, 144, 145, 163, 168, 179, 179n

Rainey, Robert 9 Ramm, Bernard 126n Rand, James Freeman 115n Rendtorff, Rolf 83ri Richardson, H. Neil 161 n Ringgren, Helmer 182 Robert, A. 171 n Roberts, Phillip 267n Rogers, CI eon 96 Roon, A, von 70n Rost, Leonard 147 Rowley, H. H. 275 Ruler, Arnold van 274 Rylaarsdam, Coert 1 76n Ryrie, Charles, 241 n

Sanders, Jim A. 184

Sauer, Alfred von Rohr 176n Schleiermacher, F. 3, 274 Schultz, H. 40 Scofield, C. I. 115n Scott, R. B. Y. 169 Segal, M. H. 136n Shank, H. Carl 179n Smart, James 5 Smend, Rudolf 23 Stekr John H. 207n Stendahl, K, 7 Steuernagel, C. 3n Stuhlmueller, Carrol 222n, 223n

Thomas, D. Winton 70n Thompson, J. A. 63n, 130n, 132n Thomson, James G. S. S, 236 Toombs, Lawrence E. 21 n, 180n Tsevat, Matitiahu 160n Tucker, Gene M. 35n

Vaux, Roland de 4, 29, 138, 159n Verhoef, Pieter 5 Virolleaud, C. 110 Vischer, Wilhelm 275 Vos, Geerhardus 96, 101n, 240n Vriezen, Th. C. 11, 23n, 275

Weinfeld, Moshe 110nr 128, 138n, 141n, 156n, 161, 171, 173, 240n

Wellhausen, J. 135 Wenham, Gordon 128, 137n, 139 Wester mann, Claus 58, 59n, 73 Whybray, R. N, 183 Willesen, F, 154 Williams, Anthony 248n Williamson, H. G, M. 267n Wolf, Herbert 260n Wolff, Hans Walter 32, 34, 67n, 96n, 141,

172, 231 Woudstra, Marten H. 161 n, 163n, 192 Wright, G. Ernest 25, 26, 27n Wright, J. Stafford 1 77

Young, Edward J. 76nf 254n Zimmerli, Walther 5, 59, 170n, 179n Zöckler, Otto 178n

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Abordagem Tipológica Abordagem Tipológica — 274, 275 Abordagem Tipo História da Salvação — 274,

275 Adonai Javó - 157,157n, 219 Aliança (pacto) - 7, 15, 62, 63, 65, 83,

89, 91, 105, 106, 113, 115, 116, 128, 131, 143, 155, 157, 160, 165, 166, 189, 201, 221, 227, 231, 239, 245, 249, 252, 263, 277

Aliança Sinaítica - 62, 63r 106, 118, 128, 135, 142,176, 240, 241, 276

Alianças Condicionais - 96, 97, 116, 134, 160-61, 241 n, 263

Amor de Deus — 204, 206 Analogia da Escritura (antecedente) — 18, 20,

21,196, 203, 227, 275 Analogia da Fé - 1Q, 20, 21 Ancião de Dias - 253-54 Anel de Selar - 258, 260-61 Anjo (mensageiro) da Aliança — 265 Anjo do Senhor - 44, 85, 125, 126, 138,

196 Anticristo — 253, 256 Arca da Aliança - 47, 52, 125, 135, 138,

148,161-63, 166, 237 Arrependimento - 67, 121, 141-43, 146,

189, 191, 194, 196, 199, 205, 207, 261, 264

Atos Poderosos de Deus — 3 Auto-afirmação Divina - 221, 222 Autoridade - 5, 14, 145,151

Bênção Bênção - 14, 15, 16, 32, 34, 35, 36, 37,

39, 40, 41, 45, 48, 52, 59, 60, 61, 62, 63, 65, 71, 73, 74, 80, 81, 83, 84, 85, 86, 87, 89, 90, 91, 93, 94, 95, 98, 100, 101, 102, 103, 115, 132, 142, 143, 144, 156, 157, 159, 165, 166, 174, 175, 183, 189, 191, 192, 193, 194, 201, 211, 232, 237, 245, 268, 272, 273, 275, 277

Beth essBntiae — 111

Bom Pastor - 50, 205, 248-49, 263-64

Cânon Cânon - 6, 7, 8, 12, 13, 16, 17, 18, 20, 21,

25, 29, 30, 35, 43, 51, 53, 57. 61, 63, 67, 71, 274, 275

Carga (peso ou sentença) — 233, 234 Carta Magna Para a Humanidade — 156-59,

187, 203 Casa de Davi - 48, 51, 52, 143, 146, 153,

154-55, 161, 164, 202, 217, 258, 260 Centro Para a Teologia — 8, 17, 23, 24,

32,35 Código da Aliança — 46 Comunhão - 65, 77, 121, 241 Congregação - 110, 112, 267 Conhecimento de Deus - 206, 242, 264 Continuidade e Descontinuidade — 274 Coração, perfeito — 267-68 Credo - 4, 28, 44, 63 Crescimento Epigenético — 9, 16, 24, 36 Criação - 58, 59, 68, 73, 74-75, 76, 77,

132, 144, 170, 175, 180, 181, 183, 200, 222

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284 Teologia do Antigo Testamento

Crítica da Forma — 9 Crítica das Fontes (ou Criticismo Histórico)

- 5, 9, 28, 29, 34, 44, 57n, 136, 151, 153

Culto (Adoraçãb) - 121, 126, 219, 232, 252, 266. 267, 269

Dedo de Deus Dedo de Deus - 108 Descanso - 14, 35, 47, 48, 52, 68, 71, 79,

128,129, 132-35,145, 146, 251 Deus do(s) Pai (st - 60,62 "Deuteronomismo" - 65, 66, 127,140,151,

154 Dez Mandamantos (Decálogo) — 119, 120,

123, 207, 208 Dia do Senhor {ou Aquele dia) — 49, 50, 52,

135. 191, 201-202, 205, 206, 209. 218, 219, 229. 231, 232, 238, 239, 249, 260, 261, 264, 265, 275

Dinastia (de Davi) - 71, 154-55, 163, 165, 166,187, 202, 203, 21 5

Disciplina - 70, 205, 232, 259

Eleição Eleição - 53, 67, 87, 93, 98, 116, 151, 201 Emanuel - 213, 215-18, 238 Epangelia - 35, 272 Épocas — 6, 57 Era pós von Rad — 4, 29 Espírito de Deus, Espírito do Senhor —

52,152, 193-96, 218, 242, 250, 264 Espírito Santo - 221, 226, 250, 273 Eudemonisrno — 186,189 Evangelho (ou Boas Novas — 94, 118, 225,

231, 274, 277 Exegese ou Teologia Exegética — 44, 54,

147, 181 n, 186 Ex nthilo — 76

Expiação - 122-23, 125, 225

Fé Fé - 69, 93, 95, 96, 97, 98, 177, 234-35 Filho - 36, 52, 62, 65, 106, 107, 156,

157,163, 164, 187, 216-17, 273 Filho de Deus - 106, 156 Filho do Homem - 50, 254 Fórmula tríplice {ou em três partes) — 14,

36, 50, 65, 99, 111, 124, 259 Glória de Deus/Senhor Glória de Deus/Senhor - 86, 124, 125,

138, 213, 214, 235, 238, 245-46, 261, 264, 265

Glória "Shekinah" - 85,137 Graça - 65, 74, 82, 86, 96, 105, 109, 114,

118, 119, 175, 205, 206, 207, 264, 272 Guerra Santa — 128, 139-40

História das Religiões História das Religiões - 5, 7, 12, 13, 17,

19, 25 História da Tradição - 9, 28, 57n, 60 Historicismo — 6

Imagem da Deus Imagem de Deus — 76, 77, 78,120 Impuro (sujo) — 121 Incomparabilidade de Deus - 208, 214, 222 Intenção de Verdade do Autor - 24, 34, 39,

183,194, 274 Interpretation — 3

Interpreter's One Vofume Commentary — 4

Javé Javé - 106, 109, 111, 112, 114, 115, 116,

119, 130, 131, 132, 134, 136, 137, 138, 139, 140, 141, 144, 145, 148, 149, 150, 154, 155, 156, 163, 167, 173( 178, 181, 182, 183, 191, 192, 198, 201, 205, 209, 215, 216, 218, 219, 220, 221, 222, 223, 225, 230, 231, 232, 235, 238, 245, 246, 247, 248, 249, 260, 261, 262, 265, 266, 268, 269

Javista — 63 Julgamento, Juízo — 80, 81, 85, 87, 143,

186, 187, 190, 191, 192, 193, 194, 195, 199, 200, 201, 205, 207, 208, 211, 212, 214, 215, 221, 226, 227, 228, 229, 231, 232, 233, 234, 237, 254, 260, 261, 26a, 265

Juramento - 14, 35, 36, 163, 166, 212n, 273 Lâmpada (de Davi) Lâmpada {de Davi) - 151, 273 Lei (de Deus) - 48, 53, 58, 61, 63, 64, 65,

67, 68, 69, 98, 117-18, 119-24, 1?8, 137, 149, 159, 172, 174, 175, 176, 178, 180, 184, 188, 200, 211, 240, 241, 267, 268

Liberalismo — 3 Literatura de Sabedoria - 48, 53, 170, 171,

181 n, 232 Lugar para o nome (divino) — 67, 128, 129,

135-38,140, 145, 157, 251

Movimento de Teologia Bíblica Movimento de Teologia Bíblica — 2, 3

Page 290: Walter c. kaiser jr   teologia do antigo testamento

índice de Assuntos 285

Nação N a ç ã o - 108,112,115, 116 Nação Santa - 46, 52, 110, 113, 115, 166,

187, 214, 215, 250 Narrativa de Sucessão — 147, 167-68 Nome (divino) - 47, 48, 65,67, 111-12,125,

126, 138, 174, 203, 259, 263, 265, 266 Nome (Reputação Humana) — 82, 89, 95,

157, 194 Nova Aliança - 37, 50, 52, 118n, 147, 161,

190, 239-43, 250, 276 Nova Canção — 166 Novo Nascimento — 250 Novos Céus e Nova Terra — 213, 220, 225,

226-27, 252, 277

Obsolescência Obsolescência - 10, 276

Pai Pai - 106, 107,156, 205 Palavra de Deus (em cumprimento) — 67, 68,

74, 99, 132, 140, 143-44 Parente Redentor — 222 Páscoa - 109,110 Pecados inconscientes — 122-23 Pedra - 36, 220, 252-53, 262 Pequeno Livro de Consolo — 50 Perdão - 16, 119, 121-23, 241 Plano (ou propósito de Deus) — 16, 26, 30,

31, 32, 34, 41, 48, 52, 71, 93, 102, 114, 134, 144, 148, 153, 154, 168, 184, 187, 188, 189, 204, 208, 210, 214, 218, 226, 229, 233, 260, 264, 268, 275, 277

Positivismo — 10, 29 Possessão preciosa — 110, 114, 130 Povo (de Deus) - 108, 110, 111, 116, 130,

149, 150, 187, 190, 191, 195, 205, 211, 221, 226, 229, 238, 240, 241, 244, 251, 261, 267, 275, 277

Pragas - 108-9 Primogênito - 36, 52,62, 106-108,110, 112,

114, 115, 156, 165, 239 Principal Pedra de Esquina - 213, 219-20,

253 Profeta, o - 46, 144 Promessas - 14, 16, 26, 35, 43, 45, 46, 47,

48, 49 passim Punição - 70

Queda Queda - 73, 74, 79, 80, 85

Rebento Rebento — 70 Redimir - 110 Rei - 48, 51, 71, 113, 135, 145, 148-152,

153, 159, 163, 164, 165, 166, 189, 205, 222, 251,264

Reinado - 16, 48, 50, 51, 52, 113, 149, 150, 151, 153, 154, 155-56, 159, 160-68, 187, 193, 203, 216, 217, 218, 244, 247, 252--254, 257, 261, 266, 269, 270, 273, 275, 277

Reino de Sacerdotes - 46, 52, 112,113, 166, 187, 195, 214, 262

Religião Cananita — 130 Remanescente - 192, 203, 208, 209, 211,

214, 215, 232, 246, 247, 255, 256 Renovo (Broto) - 36, 70, 115, 218, 225,

230, 238, 262, 273 Resgate - 121-122 Ressurreição - 185-86, 257, 273 Reunido ao seu Povo — 103 Revelação Progressiva — 9, 36, 41, 51, 88,

91, 276

Sábado Sábado - 78, 135 Sabedoria - 53, 69, 70, 170, 172, 173, 174,

178, 180-93 Sacrifícios (ou oferendas) — 51, 81, 115,117,

121-23,136, 140, 207, 231, 237, 266 Salmos Escatológicos (ou de Entronização —

156,166, 269 Salmos Reais - 147, 156, 160, 163-66 Salmos Sapienciais - 48, 169,170, 173 Salvação - 51, 65, 82, 83, 110, 116, 195,

200, 221, 223-25, 231, 234, 235, 277 Santidade - 46, 114, 116, 121, 123, 162,

183, 204, 213, 215, 221, 245, 264, 265 Santo, o — 225, 274 Santos do Altíssimo — 254-55 Semente (Descendência) - 1 4 , 16, 36, 38, 39,

41, 48, 61, 63, 65, 81, 85, 86, 89, 91, 92, 99, 101, 102,107, 113,145, 155,157, 176, 187, 189, 214, 216, 224, 225, 226, 227, 241, 242, 256, 264, 273, 275, 277

Seol — 219 Serpente, a (Satã) - 37, 38, 52, 79, 80, 81,

248 Servo do Senhor — 36, 50, 52, 221, 223-25,

249, 256, 260, 261, 262, 263, 273 Shaddai - 101, 106, 111 Siló - 99 Soberano Davfdico - 211, 247

Page 291: Walter c. kaiser jr   teologia do antigo testamento

286 Teologia do Antigo Testamento

Solidariedade Corporativa (ou genérica) — 92, 107, 108, 145, 197, 223, 256, 261

Tabernáculo Tabernáculo - 10, 46, 85, 121, 124-26, 138,

238, 259 Tabernáculo Caído de Davi - 50, 202-204 Temor de Deus/ Senhor - 48, 52, 69, 70, 71,

109, 115, 171, 172-75, 176, 177, 180, 181, 183, 186, 207

Templo de Salomãb — 48, 51 Teofania - 88, 164, 208, 235 Teologia Diacrõnica — 7,11,13, 54,147 Teologia Estrutural — 7, 10, 11, 13 Teologia Normativa - 7, 12, 13, 16, 19, 35,

42, 172 Teologia do Processo — 5 Teologia Sistemática - 11, 12, 19, 25, 44,

147, 271

Page 292: Walter c. kaiser jr   teologia do antigo testamento

Terra, a - 16, 35, 41, 52, 60 ,61, 62,67, 89, 93, 94, 95, 113, 128, 129, 130, 131, 132, 137, 143, 145, 161, 176, 189, 211, 215, 222, 232, 251, 252, 262, 263

Theoiogy Today — 3

Ungido, o

Ungido, o - 50-51,156, 215, 226, 256

Verdade Verdade - 176-80, 206 Vida - 69, 95, 117, 135, 143, 172, 174,

175-176 Yom Kippur Yom Kippur - 122

Zeio (ciúme) de Deus Zelo (ciúme) de Deus - 229-230

Page 293: Walter c. kaiser jr   teologia do antigo testamento

Gênesis Gênesis 14, 38, 39, 63,

76n, 76, 77,102, 111, 165

1-11 12, 45, 46n, 59, 73, 73n, 83, 91

1-2 75, 222 1 184 1 1-3 75 1 76 n, 76 1 3 74 1 5 77 1 6 74 1 9 74 1 11 74, 75 1 12 75 1 14 74, 77 1 20 74, 75 1 21 75, 76 1 22 35, 58, 73, 78 1 24 74, 75, 80 1 25 75,80 1 26-27 76 1 26 74, 77, 78 1 27 76 1 28 35, 58, 61, 73,

78, 105, 237 1:29 74 1:31 79 2:15 74 2:18 74 2:23 77 2:3-4 76 2:3 78

2:4ss, 77 2:4 77 2:7 76 2:20 77 2:24 185 3-4 82 3 74 3:1 79, 79n 3:5-6 86 3:14-15 80 3:14 79, 79n 3:15 37, 38, 39n, 39, 46,

59 ,61 ,74 ,80 , 81, 82, 86, 91, 95, 107, 155, 192, 248, 256

3:16 80 3:17-19 80 3:17 82, 83 2:23-24 81 4 73 4:1-16 74 4:1-2 81 4:1 39,81 4:4-5 81 4:12-16 81 4:17-22 81 4:17-26 74 4:19 204n 4:20 204n 4:23-24 82 5 74,81 5:1-2 76 5:2 58, 73, 81 5:22 82

5:24 82 5:29 82 6-8 74 6 73 6:1-6 74 6:1-4 82 n, 86 6:1 82 6:2 204n 6:3 82 6:4 82 6:5 83, 86 6:7 76,82, 231 6:8 82 6:9 82 6:12-13 194 7:1 83, 154 8:17 83 8:21 83, 83n, 86, 250 8:22 83 9:1 58, 61, 73, 83 9:7 61,83 9:8 83 9:11 83 9:16 83 9:22 86 9:25-27 37, 39, 74, 83 9:25-26 83n 9:25 83 9:26 84 9:27 59, 61, 84, 86,113 10 74, 86, 90 10:1-32 86 10:32 86 11 74,90

Page 294: Walter c. kaiser jr   teologia do antigo testamento

2!

11 11 11 12

12 12 12

12

12

12

12;

12: 12:

12: 12: 13 13: 13: 13: 13: 13: 13: 14 14: 14: 14 15

15 15:

15 15 15: 15

15: 15: 15:

15 15 15: 15

Teologia do Antigo Testamento

86, 89 15:16 93, 140 74, 86 15:17 62, 93

46 15:18 65 ,91 ,92 , 157 12, 37, 46 16:1 92

87,89 16:7-11 88 87, 147, 273 16:7 88

59 16:10 88,97 37. 41, 45 ,47 ,59 , 16:11 216 61, 73, 74, 86, 89, 17 41, 61, 93 ,99

9 1 , 9 4 , 9 7 , 9 9 17:1-8 92 46, 61,64, 88, 93, 17:1-2 97

97 17:1 46, 64, 88, 97,101 33, 34, 61, 89, 17:2 91

90n, 97 17:4-16 89 14, 33, 65, 17:4 240

90,157 17:6 155 14, 32, 33, 86, 89, 17:7-10 65, 157

90. 94,95, 17:7-8 36, 65. 157 207, 269 17:7 91 ,93 ,99 ,159

88 17:8 91, 92, 93, 132 46 ,88 ,91 ,92 , 17:9-14 97

97, 155 17:9 91 92 17-10 91 92 17:11 97 41 17:13 91, 93, 160 97 17:7 160 89 17:15-21 92

4 6 , 6 1 , 6 4 , 8 8 17:16 91, 103, 155 91, 92, 93, 155 17:17 92

91 17:19 65 ,91 ,93 , 157, 92

166 99

101 101

41 ,61 ,62 ,88 , 99, 176, 274

92 46, 64, 88,

99, 103 157 89

96 n 94, 95, 220,

235 93,97

92 36,61

157 64 66 91

17:21 18:1 18:11-13 18:13 18:14 18:17ss. 18:18 18:19 18:23-33 18:25 19:14 19:29 20:1-18 20:3 20:7 20:13 21:12 21:17 21:20 21:22 21:33

160, 216 91

46,88 92 61 92

116n 14, 33, 89, 94, 98

98 ,99 99

207 204n

99 92 88

33, 46, 87, 96 136 n

46, 88, 91 88 98

98,99 101, 161 ri

22

22:1-10 22: t 22:2 22:5 22:8 22:11-18 22:11 22:12 22:14 22:15-18 22:15 22:16-18 22:16 22:17-18 22:17 22:18

24 24:1 24:7 24:21 24:27 24:31 24:40 24:42 24:43 24:56 24:60 25:8-9 25:8 25:21 25:25-26 25:25 26 26:1-11 26:2-5 26:2 26:3-6 26:3-5 26:3-4 26:3

26:4 26:5 26:13-14 26:24

26:28 26:29

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índice de Referências 289

27:3 97 39:21 99 27:27 103 39:23 99 27:29 100 40:5-16 88 28 41 41:1-32 88 28:3 132 42:18 48, 69, 172 28:13-14 89, 92, 95, 99 43:14 101 28:13 62,91 45:18 97 28:14 14, 33,91 46 88 28:15 99 46:1-4 99 28:20-21 99 46:2 88 28:21 36, 65, 157 47:1 132 30:1 92 48 103 30:27 102 48:3 91, 101 30:28 97 48:4 91, 92,93 30:29-30 101 48:15-16 88 30:30 102 48:20 33 31:3 61, 64,99 49:1 191, 195 31:5 99 49:8-12 99 31:10-11 88 49:8 100 31:11 88 49:10 100, 100n, 150, 31:13 88 151 ri, 248 31:24 88 49:15 133 31:55 103 49:17 3fin, 80 32:10 62 49:24 219 32:12 101, 205 49:25 101 32:7-8 92 49:26 218n 32:24-30 88 49:29 103 32:25-32 103 49:31 103 33:11 103 49:33 103 33:19 101 50:23 101 34:13-29 100 50:24 92, 212 35:1 88 50:26 162 35:2 154 35:3 35:7 35:9-12 35:9 35:11

99 88 99 88

59, 61, 64, 101,

Êxodo Êxodo 1-40 1:7 1:9

63, 106, 136,165 46

62, 105 62, 157

105, 155 1:15-21 69 35:12 91,92 1:17 172 35:21 209 1:20 172 35:22 100 1:21 172 35:29 101, 103 1:22 92 36:7 132 2:1

• 154

36:31 155 2:8 216n 37:1 132 2:4 62, 106 37:5-10 88 3:6 62, 103 37:35 15n 3:7 108 39:2 99 3:8 110, 132n 39:3 99 3:13 62, 106, 111 39:5 102 3:14 112

3:15-16 62,106 3:17 132n 4:5 62 4:22-23 106 4:22 36, 62,65, 156,

157, 205 5:1 108 6 41 6:2-8 111 6:3 62, 102, 106, 111 6:4 62, 132 6:5 62,106 6:6 110, 222 6:7 36,65,110,111,157 6:8 62, 106 7:14 108 7:17 195 8:1 108 8:10 109, 157 8:19 106 8:20 108 8:22 109 9:1 108 9:14 109, 157 9:16 109 9:20 109, 173 9:24 195 9:29-30 109 9:29 131 9:30 173

0:1 205 0:3 108 1:10 205 2:3 110 2:25 35 2:38 109, 173 2:40 106 3:2 107 3:5 71, 132n, 212n 3:11 62, 212 3:14-16 110 3:15 110 3:21 209 4:4 109, 205 4:13 110 4:18 109

1955. 215 4:13 69, 109, 172 5:1-12 111 5:2 62 5:3 139 5:6 109

Page 296: Walter c. kaiser jr   teologia do antigo testamento

290 Teologia do Antigo Testamento

15:11 109,111, 159 15:13-18 111 15:13 109, 222 15:16 110 15:17 138 15:18 111, 148 17 63 17:8-15 192 17:12 235 18:4 62 18:21 171 19 62, 113 19:3-8 63 19:3-6 112, 114 19:3 113 19:4-5 113 19:4 156 19:5-6 36 19:5 110, 115, 130 19:6 46, 108, 113, 115

155, 195,215, 226, 254, 262

19:8 64, 115, 115n, 118 19:16-25 114 19:18 62, 195 19:22 114n 19:24 114n 20-Núm 10 63 20:2-17 63, 119 20:2-7 120 20:2 61, 119, 120 20:5 229 20:8-11 120 20:8 120 20:12-17 120 20:12 120 20:18-21 114 20:20 69, 115, 172 20:24 136, 137,138 21:23 46 21:6 165 21:10 204n 21:30 122 21:32 263 22:8 165 22:9 165 22:28 165 23:20-21 125, 265 23:22 192 23:23 265 24:3 64, 115 24:4-8 145

24:7 64, 115 25:8 125, 138 25:9 10, 238, 276 25:10-22 162 25:22 125 25:40 10, 238 26:30 10,238 27:8 238 28:1 114 28:4 248 28:29 115 28:37 248 28:39 248 29 41 29:6 115, 248 29:43-46 124 29:45-46 36,259 29:45 65, 138, 157 29:46 126 30:12 122 31 138 31:18 108 32 118 32:13 62, 224 32:25-29 114 32:34 126, 196,265 33 125 33:1 62, 106, 212n 33:2 265 33:3 132n, 265 33:13 31 33:14-15 125 33:14 133 33:18 125 33:19 125 33:21-23 125 33:14 126 34:6-7 241 34:6 118, 207 34:14 229 34:15-16 205 34:16 204n 37:1-9 162 39:28 248 39:31 248

Lev f tico Levítico 116n, 122 1-27 46 1 140 1:4 122 4:3 153n

4:5 153n 4:16 153n 4:20 122 4:31 122 4:35 122 5:10 123 5:16 123 6:1-7 122 6:22 (15) 153n 8:9 248 11:45 36, 65, 157 16:4 248 16:16 122 16:20-22 123 16:21 122 16:26 123 16:29 122, 123 16:31 122, 123 17:11 121 18 117 18:2-5 116 18:2 117 18:5 69, 116, 117, 118,

118n, 119, 175 18:20 117 18:30 119 19:2 107, 119 19:4 119 19:10 119 19:12 119 19:14 69, 119, 173 19:16 119 19:18 119 19:25 119 19:28 119 19:30 119 19:31 119 19:32 69, 119, 173 19:34 119 19:37 119 20:7 119 20:8 119 20:24 119, 132n 20:26 116,119 22:31-33 116 22:33 36, 65, 157 23:43 157 25:17 69, 172 25:23 131 25:36 172 25:38 36, 65, 157 25:42 216, 224

Page 297: Walter c. kaiser jr   teologia do antigo testamento

índice de Referências 291

25:43 25:55 26

172 224

165, 201

Deuteronfrmio Deuteronômio até II Reis

127 26:3-33 259 Deuteronômio 34 ,47 ,66 , 26:3ss. 115 67, 110, 112, 26:11 138 120n, 127,128, 129, 26:12 36, 65, 157 130, 132n, 135, 136, 26:44-45 157 137, 137n, 138, 139, 26:44 36,65 140, 143, 170, 1 70n, 26:45 36, 65 171,173, 180, 184n, 27:26 116

1-4 212n, 237

66 Números 1:8 130, 143

Números 133 1:9-18 171

1-36 46 1:11 35

3:12-13 114 1:13-17 171

8:4 10 1:17 171 8:4 10 1:20 130 10 63 1:20 130

10:29 62 1:25 130, 132, 143 10:29 62 1:28-31 157 10:33-34 162 1:28-31 157

10:33 162 1:30 139, 209

10:35-36 162 1:33 209

11:11-30 171 1:35 130, 132

11:12 62, 212n 1:38 131

11:29 195 2:9 130

12:2-8 88 2:12 130, 131 12:7 145 2:21 130 13:27 132n 2:29 130 14:8 132n 2:34 130 14:12 157 3:19 132 14:16 212n 3:20 130, 133 14:18 241 3:24 157n 14:23 62, 212n 3:25 132 14:44 162 3:28 131 15:27-36 123 3:36 140 15:30-31 123 4:2 171 15:41 36, 65, 157 4:7-8 64, 66, 157 16:3 138 4:10 69, 134, 173 16:13-14 132 n 4:20 36, 65, 157 24:4 102 4:21-22 132 24:7 155, 255 4:21 15n, 176n 24:14 191, 195 4:24 229, 230 24:16 102 4:25 141 24:17-18 204 4:30 195 24:17 150 4:32, 37 114 24:19 155 4:3358. 192 25:11 230 4:37 118, 206 25:13 115 4:38 176n 31:23 15n 4:40 117n, 130,143 32:11 62, 212n 5:30 66 35:31-32 122 5:6-12 119 35:34 40 5:9-10 241

5:9 226 5:16 117n, 130,143 5:26 69, 157,173 5:28-29 64,118 5:28 142 5:31 132, 141 5:32 141 5:33 115,143 6:2 69, 173 6:3 35,141, 143 6:4-9 176n 6:6-7 241 6:10 130, 143 6:13 69, 173 6:14 141 6:15 141,229 6:16 216 6:18 130, 132,143 6:23 130 6:24 69, 143, 173 7:2 140 7:6 110, 130, 254 7:7-9 118 7:8 130, 201 7:9 206 7:12 206 7:13 130 7:17-19 157 7:25-26 171n 8:1 130, 175 8:3 176 8:6 69, 173 8:7-10 143 8:7 35,132 8:10 132 9:5 130 9:6 132 9:14 157 9:26 130, 157n 9:27 224 9:28 35 9:29 130 10:9 131 10:11 I X 10:12-13 173 10:12 69, 173 10:12 242 10:15 118 10:20 69, 173 11:9 130, 132 11:13ss. 115 11:17 132

Page 298: Walter c. kaiser jr   teologia do antigo testamento

292 Teologia do An tigo Testamento

11:21 130 11:23 157 11:24-25 65,157 11:24 136n, 141 11:25 141 12 68, 136 12:1-4 139 12:1 132, 134 12:2-5 136 12:5-7 137 12:5 136, 137, 138 12:8-11 47 12:9-10 132 12:9 132, 133

12:10-11 137 12:10 133 12:11 136, 138 12:13s. 137n 12:13 136 12:14 136 12:18 136 12:20 35 12:21 131, 136, 138 12:25 143 12:26 136 12:28 143 12:31 171 n

12:32 (13:1) 171 13:1-5 68 13:4-5 173 13:4 173 13:5 173 13:14 69 14:1 106 14:2 110, 130 14:21 110 14:23-24 136 14:23 69, 138, 173 14:24 138 14:25 136 14:27 131 15:4 132, 176n 15:6 35 15:20 136 16:2 136, 138 16:6 136, 138 16:7 136 16:11 136, 138 16:15-16 136 16:18-20 171 16:19 172

16:20 117, 172 17:1 171 n 17:8-13 146 17:8 136 17:10 136 17:14-20 146, 148, 149,

151 17:14 148, 150 17:17-18 67 17:18-19 68 17:19 69, 173 18:1-8 146 18:1 131 18:6 136 18:9-12 171n 18:15ss. 68 18:15-19 145 18:15 46, 146 18:17 142 18:18-19 146 18:18 46, 118, 146 19:2 132 19:8 35,130 19:10 176n 19:13 143 19:14 132,171 20:1-15 139 20:1 157 20:16-20 139 20:17 140 21:10-14 139 21:23 176n 22:5 171 n 22:7 143 23:9-14 139 23:9 15n 23:14 139 23:16s. 136n 23:16 {17) 136 23:16 136n,

137

23:18 171 n 23:20 132 23:21-23 172 24:4 171 n, 176n 25:5-10 4 25:13-16 171 n, 172 25:17-19 139,192 25:19 132,133,134,

176n 26 63

26:1 176n 26:2 136,138 26:3 130 26:5-9 44 ,63 26:9 132 26:15 130, 132, 138 26:16-19 28 26:18 35, 110, 130 26:19 110, 254 27:1-8 137 27:3 35, 132 27:15 171n 27:17 171 28 47, 165, 201 28:1 115 28:8 132 28:9 110 28:10 204 28:11 130 28:15 241 28:45 241 28:58 69, 173 28:68 205 29:12-13 36, 65, 157 29:20 230 29:23 206 30:1-10 142 30:1b 142 30:2 141, 143 30:5 143 30:6 241,250 30:8 141, 143 30:9 143 30:10 141, 143 30:15 143, 176 30:16 132 30:19 176 30:20 130, 176 31 47, 67,128, 129 31:2-3 129 31:5 129 31:6 141 31:7 129, 130,131 31:11 129, 136 31:12-13 69, 173 31:13 134,173 31:16 205 31:17-18 192n 31:20-21 130 31:20 129, 132 31:23 129, 130,141 31:29 195

Page 299: Walter c. kaiser jr   teologia do antigo testamento

índice de Referências 293

32:4 31,219,235 32:6 106, 156 32:8-9 130 32:8 193 32:9 193 32:29 157 32:47 143 33:24 38n 33:26 157 33:7 100 34:4 130

Josué Josué — Reis 67 Josué até II Reis 127,128,

129, 140, 147 Josué 47,66,68,127,

128, 128n, 139n, 212n

1-11 139 1 47, 67, 68, 129 1:1-2 128 1:2-9 140 1:2 128, 140 1:3-4 128,140 1:3 128, 136n 1:4-5 157 1:5 128,140 1:6 131,139,141 1:7-8 128,141 1:9 128,139,142 1:11-15 66,129 1:11 128 1:12-16 128 1:13 128,133 1:14 128 1:15 128,133 1:17-18 128 1:17 128 3-4 162 5:13-15 139 6 139, 162 6:2 139 6:17-27 140 6:26 144 7 139 7:7 157n 7:11 140 7:13 140 7:14 154 7:19 140

8 139 24:22 44, 63n 8:1 139 24:25 63n 9 139 24:27 44, 63n 9:14 140 24:32 101 9:27 136 10 139 Ju tzes 10:8 139 Juízes 47, 66, 68, 127, 10:10 139 128, 140, 212n 10:11 140 2

w f

47, 67, 68 10:12-14 235 2:7

* w

141 10:14 140 2:11-3:6 140 11 139 2:11-23 66, 129 11:6 139 2:11-14 140 12 47, 66, 67, 68, 129 2:11-12 141 14:2 131 2:11 140 15:11 131 2:12 140 16:1 131 2:14 140, 141 17:1 131 2:16

¥

17:5 131 2:16 193 17:5 131 2:16 193

17:14 131 2:18 193

18:5 131 3:9 141 18:7 131 3:27 139 18:9 131 4:3 141 18:11 131 4:14 139 19:1 131 4:15 139 19:10 131 5:5 138

19:17 131 5:10 263

19:24 131 5:13 138

19:32 131 5:20 138

19:40 131 5:23 138 19:40 131 5:23 138 19:40 131 5:24 38 n 19:51 131 5:24 38 n

21:43-45 68, 134 6:3 139 21:43-45 133 6:22 157n 21:44-45 133 6:22 157n 21:44-45 133

7:2ss. 139 21:44 133 7:15 139 21:45 68, 143 7:15 139

22:4 35, 133 8:1 151

22:19 130 8:22 148

23 66, 67, 68, 8:23 148 f * i 128, 129 8:31 149

23:1 129, 133 9:6 149

23:4 129 9:7-21 152

23:5 35, 129 9:15-18 148

23:13 35, 129 10:4 263 23:14 68, 143 12:1 151

23:15 35, 129 12:14 263

24 47, 63 13:5 216

24:2-13 44 13:7 216

24:16-18 63 16:28 157n

24:16 63n Rute 24:19 230 Rute 168 24:21 63 n 1:2 210

Page 300: Walter c. kaiser jr   teologia do antigo testamento

294 Teologia do Antigo Testamento

1:20-21 4:1 1SS.

I Samuel Samuel - Reis

Samuel

2:10 2:35 3:1 3:14 4-7 4:1-7:2 4-5 4:4 5:11 6 7:3-8:22 7:3 7:10 7:28 8-10 8 8:1-3 8:4-6 8:5 8:6 8:7 8:10-19 8:20 9:1-10 9:16 10:1 10:17-27

101 210

267, 267n, 268

47, 66, 68, 127, 128, 157

153 153 47

15n 47

148, 161, 163 162

125, 163 140 162 151 141 140 143

48 151 149 149 149 149 149 149 149 151

149, 150, 152 149, 150

151

13:3 13:13-14 13:13b 13:14 13:15ss, 14:12 14:34 14:47 15:3 16-31 16:13 16:16 18:18 20:7 20:12 20:31 21:6 24:6(7) 24:6 24:10(11) 25:28 25:31 25:43 26:9 26:11 26:16 26:19 26:23 28:5-6 28:9 28:22 30:6 30:7-8

139 150

151 ri 152 139 96

149 149, 152

139 147 152 143 139 143 143 143 139 152 155 152 139 143

204n 152 152 152 130 152 139 149 96

15n 139

10:19 149 II Samuel 10:20 151 1-8 147 10:23 151 1:14 152 10:24 149, 150, 151 1:16 152

1:17-27 149 I Samuel 11 -11 Samuel 24 2:4 152

48 2:6 143 11:1-11 151 5:3 152 11:6 152 5:19 139 11:15 151 5:22 139 12 47, 63, 66, 67, 5:23 139

68, 129, 151 6 148, 161, 162 12:1-25 151 6:2 125, 163 12:13 150 6:17 163 12:19 141 7 41, 47, 65, 66, 67n, 12:23 142 67,68, 128, 128n, 13:2-14:46 151 147, 153, 154, 154ri,

155, 156, 157, 157n, 165, 203, 205, 224

7:1 _ — f — — r

68, 132, 133 7:5-11 153 7:5 202 7:5b 154 7:9 65, 157 7:10 65, 157 7:11-16 34, 37, 68 7:11b-16 160 n 7:11-12 203 7:11 68, 132, 133,

155, 202 7:11c 154 7:12 65, 155, 157 7:13 144, 154, 155,

156, 160 7:13a 154 7:14-15 160 7:14b-15 161 7:14 65, 156, 157 7:16 154, 155, 156,

160, 203 7:18-21 158 7:18-19 157 7:18 158 7:19 155, 158, 203 7:19a 158 7:19b 158, 159 7:20ss. 158 7:22-24 158 7:22 157 7:23-24 65, 155, 157 7:23 66, 157 7:24 156, 160 7:25-29 158 7:25 155, 156, 160 7:26 155, 156, 160 7:27 155 7:28-29 157 7:28 35 7:29 155, 156,

158, 160 9:20 147, 167 11:11 139 11:27 167 12 47 12:24 167 12:28 203 14 70 14:7 96, 145 16 70

Page 301: Walter c. kaiser jr   teologia do antigo testamento

a

17:14 167 19:21 156 20 70 21-24 147 21:3 130 21:17 144 22 164 23 161n 23:5 160 23:1-7 161n, 165

1 Reis Reis 47, 57n, 66,

67, 68, 127, 128, 157n

1 Reis 1711 Reis 9 191 1-2 48, 147, 167 2:1-4 128 2:1 ss 67 2:4 68 ,145,160,161 2:24 35 2:26 15n, 157n 3-11 167 3:3 142 3:10 157n 3:14 142 3:15 157n 5:4 68 5:18(5:4) 133 8 47, 67, 68, 129 8:14-61 66, 129 8:16 68, 128, 138 8:20-21 68 8:20 35, 128, 145 8:23 206 8:24-25 35 8:25 145, 160. 161 8:29 68, 138 8:30 138 8:34 68, 128 8:36 68, 128, 130, 142 8:39 138 8:43 138, 173 8:44 68 8:46-53 142 8:46ss. 142 8:47a 142 8:48 68 8:49 138 8:51 130 8:53 68, 128, 130, 157n

índice de Referências 295

8:56 35, 133, 134, 144 II Reis 8:66 144 1:6 145 9:3 138 1:17 145 9:4-5 67, 128, 160,161 3:3 142 9:5 145 7:6 157n 10:10 68 8:20-22 49 11:4 142 9-7 145 11:6 142 9:25-26 234 11:13 68, 145 10:10 143 11:29-36 145 10:29 142 11:32 68, 145 10:31 142 11:33-37 151 12:9ss, 162 11:33 142 12:17-18 49 n 11:36 138, 145 13:2 142 11:38 142, 154, 202 13:6 142 12:30 142 14:3 142 12:15 145 14:24 142 12:16 154 14:25 207 13:1-3 145 153 142 13:2 154 15:18 142 13:34 142 15:24 142 14:6-16 145 15:28 142 14:8 142 16:2 142 14:16 142, 145 16:7ss. 216 14:21 68, 138 17 47, 67, 68, 129, 15:3 142 • » • w 15:3 142 228 15:4 145

17:7-23 228

15:5 142 17:7-23 67, 129

15:11 142 17:13 68, 141

15:26 142 17:21-22 142

15:29 145 17:34 148 15:30 142 18 230 15:34 142 18:2 217 16:1-4 145 18:3 142 16:12 145 18:22ss. 230

16:26 142 19:15 163

16:34 145 19:23 157n 16:34 145 19:31 208, 230 18:10 113 20:3 142 18:12 173 21:4 138 19:15 152 21:7 68, 138 21:19 234 21:10-16 145 21 ;21 145 21:14 130 21:27-29 145 22:2 142 21:29 234 22:15-20 145 22:6 157n 23:15 142 22:9 210 23:16-18 145

22:17 145 23:25 142

22:35-38 145 23:26 145 22:35-38 145 23:27 68, 138 22:52 142 23:27 22:52 142 23:29-30 24:2 25:1-21

145 145 49n

Page 302: Walter c. kaiser jr   teologia do antigo testamento

296 Teologia do Antigo Testamento

1 Crônicas 20:30 133, 268n Crônicas 51, 56, 57n 21:8-10 49, 191 n

157, 267, 267n 21:10 268n 1 Crônicas 266 21:16-17 49, 191 n 1-9 269 22:7 268n 5:1 99 22:10 155 10:13 268n 24:8ss. 162 11:9 268n 24:8ss. 162

13:6 268n

24:18 268 13:6 125, 163 24:18 268

15:20 216n 24:23-24 49 n

16:15-18 35 24:24 268n 17 153 25:20 268n 17:10-14 37 26:5 268n

17:14 269 26:7 268n

17:17 160n 26:20 268n

17:26 160n

27:6 268n 17:26 35 27:6 268n 17:26 35 28:16-18 49 n

21:7 268n 32:22 133 22:9 133, 134. 135 33:7 138, 246 22:12 268 33:15 246 22:13 241 36:15-20 49 n 22:18 133

36:15-20

23:25 133 Esdras 28:2 133, 135 Esdras-Neemias 51. 56. 266 28:5 155 28:7 241,268 Esdras 176n, 266

29:11-12 w ^ ^

269 3:12-13 258 w ^ ^

269 4:1-22 4:24

258 258

II Crônicas 5:1 258 II Crônicas 266 7:10 260 6:14 206 6:15-16 35 Noe mias

6-20 138 Neemias 266

6:41-42 166 1:5 206

7:14 203 2:1-8 255 9:8 155 8 267 10:5 268 8:8-9 267 11:4 268 8:8 267 12:2 268n 9:7 149 13:8 155, 269 9:17 241 13:18 268n 9:31 241 14:5 133 9:32 206 14:6 133, 135 9:32 206

14:11-12 268n Ester 15-15 133 Ester 51, 56, 266, 268n 16:7 268n 4:14b 268 16:9 267 6:1 268 17:3 268n 6:2 268 17:5 268n 9:22 268 17:9 268 18:31 268n Jô 20:11 130 Jó 101, 102, 169

1:1 1:3 1:5 1:8-9 1:8 1:10 2:3 5:9-16 5-17 9:5-10 14:7 14:14 15:28 17:1 17:11-16 19:23-27 19:25-27 19:26 20:14 20:16 28 28:28 30:16 33:16 36:10 36:15 41:11 42:2 42:8 42:11

42:16 42:17

Salmos Salmos 1 1:2 2 2:2 2:6-8 2:7 8:3 8:10 18 18:7-15 18:31 -46 18:31 18:31(32) 18:47-50 19 19b 19:7-14

48,69,172, 174 101 101

48, 69, 172 174 101

48, 69, 172,174 70n 101 70n

103, 186, 257 103, 186, 257

15n 185 185 185 257 186

38n, 80 38n, 80

173 173, 174

15n 184 184 184 131 31

101 101

101 101

31 170 64

48, 148, 156, 164 153 164 164 108 102

148, 156, 164, 166 164 164

31 157 164 180 170

170, 174

Page 303: Walter c. kaiser jr   teologia do antigo testamento

índice de Referências 297

19:7-11 64 20 148, 156, 164 20:4 164 20:6 153 21 148, 156, 164 21:2 164 21:6-7(7-8) 160 21:9b-12 164 22:22-23 174 22:31 78 24:1 131 25:12 174 25:14 174 28:8 153 32 170 33:6 74 33:9 74 33:10-11 31 33:11 31 33:18 174 34 170 34:7(8) 174 34:9(10) 174 34:11(12) 173 34:11 174 34:14 174 37 170 37:31 241 40:6 123 40:8 64, 241 45 148, 156, 165 45:2 165 45:6-7 166 45:6 165 45:16-17 136 46 216n 46:4-5 252 47 156, 166 49 170 49:8 122 49:15 103 50:10-13 123 68:15<Heb) 102 68:25- (26) 216n 72 148, 156, 165 72(71) 166n 72:6-7 166 72:8 263 72:9 38n, 80n 72:11 190 72:16-17 165 72:17 14n, 190

73:24 103 74 154n 78 44, 170 78:2 170 78:52-53 249 79:5 230 79:13 249 80:1 249 80:8-16 231 81:1 165 82:6 165 84:9 153 86:15 241 89 147, 148, 153,

156, 165 83:3-4(4-5) 165 89:6(7) 157 89:8(9) 157 89:11(12) 131 89:19-37(20-38) 165 89:26-27(27-28) 165 89:26(27) 156 89:27(28) 156 89:28-37(29-38) 160 89:28(29) 160 89:29(30) 160 89:30-33(ing.) 161 89:30-37(31-38) 160 89:34(35) 160 89:35(36) 160 89:36(37) 160 89:37 (38) 160 89:38-51 (39-52) 165 91:1 102 93-100 135, 156 93 166 93:1 135 95 135 95:11 132, 133 96-99 166 96:1 166 96:10 135 98:1 166 99:1 125, 135 101 148, 156, 165, 166 103:7 31 103:8-12 242 103:11 174 103:13 174 103:17 174 105 44 105:8-11 212n

105:9 35 105:15 46, 87 105:42 35 106:13 31 107:17 15n 107:27 15n 110 48, 148, 156, 165

263 110:7 166 111 170 112 170 112:1 174 119 64, 170,180 119:33-38 174 119:52 15n 119:57-64 174 127 170 128 170 132 48, 148 132 156,162,163,166 132:8-10 163, 166 132:8 133 132:11-12 160 132:12 161,241 132:14 133, 135 132:17 145 133 170 136 44 137 192 139:21-22 192 140:3 38 n, 80 144 156, 166 144:1-11 148 145 48 145:19 174 145:21 195 147:11 174 149:1 166

Provérbios Provérbios 48, 70n, 169,

174, 176n, 181, 182 1 -9 70n, 181 n 1:7 69,173,174,180 1:29-30 180 1:29 69, 1 74, 180 2:1-19 181 n 2:1-6 180 2:5 69,174,180 2:9-11 181n 2:12-15 I 8 l n 2:19 69, 176

Page 304: Walter c. kaiser jr   teologia do antigo testamento

298 Teologia do Antigo Testamento

2:21 3:7 3:18 3:19-20 3:19 3:32 5:15-21 5:18-19 5:21 6:20-22 7:3 8 8:1-21 8:1-3 8:4-12 8:5-8 8:12-14 8:12 8:13-16 8:13 8:13a 8:14-16 8:14 8:15-16 8:16-19 8:17-21 8:22-31

8:22-26 8:22 8:23 8:24 8:25 8:26 8:27-31 8:30 8:32-36 8:32-33 8:34-36 9:10 10:2 10:4 10:17 10:27 10:30 11:1 11:4 11:6 11:19 11:20 11:25 11:30

176 n 174,177 69, 176

69 182, 183

171n 185 185 185

176n 176 n

180 180 180 180 181 180

181n, 182 180

69, 174,176, 181 181, 181n

70 181n

171 181 180

69,181, 182, 182n, 183n

181 182 182 182 182 182 181 182 181 181 181 174 172 183

69,176 69, 174,175

176n 171 n, 172

172 183 172

171n 33

69, 176

12:17 12:22 12:28 13:12 13:14 14:2 14:26-27 14:26 14:27 15:4 15:8-9 15:16 15:24 15:26 15:33 16:1 16:5 16:6 16:7-12 16:9 16:17 16:31 17:15 19:21 19:23 20:10 20:23 20:24 21:2 21:21 21:27 22:4 22:28 23:10 23:17 24:12 24:21 24:23 28:21 30:5-6 30:19 31:30

Ectesiastes Eclçsiastes

1:2 2:10 2:13 2:24 2:26

235 171n

172 69, 176 69, 176

174, 176 174 174

69, 176 69,176

171n 174

69, 176 171n

69, 174, 180 184

171n 174, 176

179 184 174 172

171n 31, 184

69, 174, 175 171 n, 172 171 n, 172

184 184 172 123

69, 174, 175 171 171

173, 174, 176 184 174 172 172 171

216n 174

48, 169, 174, 176, 177n

178 178 178

184, 185 178

3:1-5:20 184 3:11 69, 177, 184 3:12 185 3:13 184 3:14-17 178 3:14 69, 174, 176 3:17 186 3:20ss. 178 3:21-22 186 3:22 178 4:5 178 5:1-7 174 5:1-5 172 5;1 178 5:6 178 5:7 69, 176 5:17-19 178 5:17 178 5:18-20 184 5:18 178 6:1-12 184 6:4 178n 6:6 178 6:10 178 6:12 178n 7:1-15 184 7:14 178 7:18 174, 175, 177 8:12 69, 174, 175, 177 8:12ss. 178 8:13 177 8:14 178, 178n 8:15 178, 184 9:1-12:8 184 9:1-3 178 9:9 184 10:2ss. 178 10:9 178 10:13 178 10:14 178 11:10 178n 12:13-14 173 12:13 69,174, 177,

178, 180 12:14 178,186

Cantares de Salomão Cantares 48,168,185 1:1 185 1:3 216n 4:12 185

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índice de Referências 299

4:15 185 8:10 216,217 6:8 216n 8:14 219 8:6-7 185 8:17-18 216 8:6 260 8:17 220 8:11 185 9:1-7 263 8:12 185 9:6-7(5-6) 217

9:6ss. 247 Isaías 9:6 218 Isaías 31,49, 55,212, 9:7 218, 230, 263

212n, 215, 218 10 233 1-39 212 10:2 216 1-6 213 10:6 216 1-5 213 10:15 218

1:2 213 10:16 265

1:4 213 10:20 216

1:10-15 213 10:21 216, 218

1:11-14 123 10:22 216

1:24 265 10:33 265

2:2-4 209,214 11 226 2:2-3 238 11:1-10 70 2:4 242 11:1-9 263 2:8 213 11:1-5 218 2:18 213 11:1-2 70 2:20 213 11:1ss. 247 3:1 265 11:1-2 182 4:1 203 11:4-5 263

4:2-6 214,247 11:5 220 4:2 214,215, 238, 262 11:6-9 218, 249 4:5 215 115 235 5 70 11:10-16 218 5:8-23 213 11:11 135, 216 5:19 31 11:16 216

6 213 13-23 213, 218 6:5 213 13:1 234

6:9-12 207, 214 13:3 232

6:11-12 214 13:6 101,101n, 197

6:13 214, 255 14 256

7-12 213 14:3 133 7-11 215 14:21 ss. 248 7 219 14:24-27 218 7:2 202 14:24-26 31 7:3 216 14:28 234 7:9 215, 220 15:1 234

7:13 202 17:1 234

7:14ss. 247 18:7 j « A »

233 M M - d

7:14 216, 217, 217n 19 218

7:16-17 217 19:1 234

8:1 216 19:2-4 218

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19:16-17 219 19:17 31 19:18-19 219 19:18 233 19:20 218 19:21-22 218 19:24-25 218 19:24-31 95 21:1 234 21:11 234 21:13 234 23:1 234 24-27 213,214, 219, 232 25:5 161,239 24:22 257 25:1 31 25:8 227 26:19 257 28-33 213 28 218 28:1 Iss. 248 28:12 133, 220 28:16 220, 235, 253 28:23-29 70 29:19 233 30:12 220 30:15 214, 220, 235 30:18 220 30:29 15n 31:1 220 32:1 263 325-11 220 33:13-24 252 34-35 213 34 226 34:2 192 34:5 192 36-39 213 37:16 125 37:32 192, 230 40-66 17, 50, 212, 214,

220, 239 40-53 223 40-48 220 40 31, 212,213 40:1ss. 265 40:9-13 223 40:9-10 222 40:9 225 40:11 249 40:15 222 40:17 222

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300 Teologia do Antigo Testamento

40:18 50, 222 40:23-24 222 40:25 32, 221,222 40:31 220 41:1-4 223 41:2 221 41:4 222 41:8-10 223 41:8-9 224 41:8 223, 227 41:10 222 41:13 222 41:14 221 41:16 221 41:20 75, 221 41:21 223, 227 41:22-23 223 41:22 225 41:26-28 32 41:26 221,223 42:1-7 223 42:1 224,225,251,261 42:5 222 42:6-7 221 42:6 222, 224, 227, 240 42:8 222 42:9 32, 223, 225 43:1-7 222 43:1 76, 224 43:1b 224 43:3-14 223 43:3-4 122 43:3 221,222 43:5-7 222 43:5 224, 227 43:8-13 223 43:9-10 223 43:9 225 43:10 222 43:11 222 43:13 222 43:14-44:5 223 43:14 221 43:15 223 43:18 225 43:20 222 43:25 222 44:2 224 44:3 224, 227 250 44:5 227 44:6-8 223

44:6 221, 223 44:7-8 32, 223 44:8 222, 225 44:21-23 223 44:21 224 44:22 222 44:24-45:13 223 44:24-45:8 223 44:24 224 44:26-28 32 44:26 222 44:28-45:10 220 44:28 223 45:1 152 45:5-6 221

45:5 222 45:6 222 45:12 32 45:13 222 45:15 222 45:18 76, 222 45:19 221, 224, 227 45:20-23 222 45:21 221, 223 45:25 224, 227 46:4 222 46:5 222 46:9-11 32 46:9 222, 225 46:10-11 32, 223 46:10 31 46:12-13 221 46:13 221

47:4 221 47:5-9 223 48:1 223 48:3-6 32 48:3 225 48:5 223 48:7 223 48:10-12 223 48:12 222 48:17 221, 223 48:19 224, 227 48:20 222 49-57 220, 223 49:1-6 223 49:1 224 49:3 224 49:5-6 224 49:6 222, 224, 225 49:7 221

49:8 227, 240 49:9-10 249 49:9 222 49:11 222 49:14 222 49:16-17 222 49:23 38n, 80n 49:26 227 50:4-9 223 51:1 221 51:2 223, 227 51:3 222 51:4-5 222 51:4 224 51:5 221 51:6 221 51:8 221 51:22-23 225, 231 52:1-6 225 52:1 222 52:2-3 222 52:7 223, 231 52:9-10 225 52:9 222 52:10-13 231 52:13-53:12 212, 221, 223 52:13-14 225 52:15 225 53:1 225 53:2 225 53:3 225 53:4-6 225 53:7 225, 263 53:8 225 53:9 225 53:10-12 225 53:10 224, 227 53:11-12 222 54:66 223, 224 54:1-56:9 221 54:2-3 225 54:3 224, 227 54:5 221, 225 54:8 222 54:9-10 225 54:10 221, 227, 240 54:11-14 260 54:17 223n 54:15-16 222 55:1-2 225 55:3-5 225 55:3 145, 221, 223, 224

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índice de Referências 301

227, 239, 242, 260 55:5 221 55:6-9 225 55:8-9 31 55:12-13 222 56:4 227 56:6 223n, 227 57-59:15a 226 57:15 218n 58-66 220, 221, 225 58-59 225 58:2 31 59:5 38n, 80 59:15b-19 226 59:20 226 59:21 224, 226, 227,

240, 250 60 225, 226, 260 60:4-16 226 60:11-12 113 60:12 255 60:16 227 60:17-22 226 60:19 261 61:1-63:6 221 61:1-3 226 61:1 226 61:4-9 226 61:6 226 61:8 224, 226, 227, 239,

242 61:9 224, 226, 227

61:10-11 226 62 226 62:1-2 221 63:1-6 226 63:4-6 226 63:7-14 226 63:11-14 226 63:16 223, 227 63:17 223n 63:19 204 65-66 212 65 252 65:8-9 223n 65:9 224, 227 65:13 223n 65:14-15 223n 65:17-25 225, 226 65:23 224, 227 66 252 66:1 132, 133

66:10-24 225 66:10-23 226 66:14 223n 66:22 224,227 66:24 257

Jerem ias Jeremias 31, 50, 56, 236,

237, 239n 1:2 236 1:4ss. 236 1:9 236 2-24 237 2 44 2:2 205 2:30 70 3:14-18 260 3:16-17 237 3:16 240 3:17 238 3:18 267 5:3 70 5:14 236 6:20 123 7-10 237 7:4ss. 237 7:10 237 7:21ss. 237 7:21 123 7:22-23 237 7:23 36 7:28 70 8:8ss. 237 11:4 36 11:5 35 11:18-23 236 12:1-6 236 12:23 240n 14:9 203 15:10-20 236 25:16 203, 236 16:14-15 240 17:14-18 236 17:23 70 18:18-23 236 20:7-11 236 20:7-8 236 20:8 236 22:24 260 23:5-7 238 23:5-6 215, 262 23:7-8 240

23:20 31 23:33-40 234 24:7 36 25-45 237 25:29 203 26 237 26:18-19 199 27:7-8 115 29:10 255 29:11 31 30-33 50, 239 30-31 239, 247 30:1-11 239 30:9 249 30:12-31:6 239 30:22 36 30:24 31 31 41 41:1 36 31:7-14 239 31:9 107 31:10 249 31:15-22 239 31:23-34 239 31:29-30 70 31:29 240 31:31-34 37, 147,

240, 241 31:31 239, 242 31:31a 241 31:32 161, 239, 240

31:32b 241 31:33 36 31:33a 241 31:34 37n, 239, 241, 242 31:34b 241 31:35-40 239 31:35-37 241 32:22 2 l2n 32:33 70 32:38 36 32:391 L XX) 240 32:40 240 32:41 242 33:14-22 239 33:14 35 35:13 70 36:1-2 236 36:18 236 46-51 237 49:20 31 50:5 240

Page 308: Walter c. kaiser jr   teologia do antigo testamento

302 Teologia do Antigo Testamento

50:45 31 20:14 51:11 31 20:22 51:29 31 20:45-21:1-7

21:21

Lamentações 21:22

4:1 15n 21:26-27(31-21:27 21:27(321

Ezequiel Ezequiel 51. 56, 181n, 21:32

23 192n, 244, 245

21:32 23

1:4-28 245 23:1-49

1:24 102 24:21-23

1:26 246 25-32

1:28 246 25:11

1:28b 246 28

3:22-24:27 244 28:12-19

3:22 241 30:3

5:13 230 33-48

8:2-4 246 33:21

8:3b 246 34:11-31

8:7-13 246 34:12

8:14-15 246 34:16

8:16-18 246 34:23-24 10:5 102 34:25 10:18 246 34:26-27 11:16-20 247 34:30 11:17 247 35:14 11:19 240, 247 35:15 11:20 36 36:5 11:23 265 36:22a 12:22 240n 36:22b 12:27 240n 36:25-35 14:11 36 36:25 16 44 36:26-27 16:1-63 245 36:26 16:38 230 36:28-29 16:42 230 36:28 16:59-63 161n 36:32a 16:59 161, 245 36:32b 16:60-63 242 36:35 16:60 240, 245 36:37-38 16:63 160 37:1 17 247 37:4 17:22-24 247 37:9 18:1ss. 70 37:11 18:2ss. 240 37:12-14 18:31 240 37:15-28 19:12 15n 37:15 20 44 37:16-19 20:1-31 245 37:22a 20:9 245 37:22b 20:11 117 37:23

245 37:24 252 245 37:25 252 248 37:26 240, 242, 252 248 37:27-28 252 248 37:27 36

2) 248 37:28 252 100 38-39 226, 252 248 39:29 195n

100n 40-48 252, 256, 260 44 48:35 252

245 244 Daniel 244 Daniel 50, 52, 244, 253, 230 253n, 256 256 2 155, 253

248n 2:34-35 253 196 2:34 254 244 2:44 253 244 7 253, 255n 249 7:4 253 249 7:5 253 249 7:6 253 249 7:7 254

240, 242, 249 7:8 256 242 7:9ss. 246 249 7:9 254 192 7:10 254 192 7:13 254, 256, 264 192 7:14 254 250 7:18 255 250 7:22 255

250 7:24-25 254

250 7:25b-27 254

250 7:27 255 250 8:20 254 240 8:21-22 254 250 9:4 207 36

250 9:18-19 203 36

250 9:20-27 255 250

9:20-27 255 250 9:24 255 250

9:24 255

250 9:25-26 153

251 9:25 256

251 9:26 256

251 9:26 b-27 256

251 11:31 256

251 11:36 256

202, 251 12:1-2 257

266 12:1 257

251 12:10 15n 252 252 Oséias 252 Oséias 50, 56, 204, 205,

Page 309: Walter c. kaiser jr   teologia do antigo testamento

índice de Referências 303

206n,241 14:1-9(2-10) 207 1:9-10 200 1:2 204 14:1-3 205 1:9 70 1:2b 205 14:2 206 1:11-12 200 1:3 205 14:4 205 1:11 70 1:4 205 1:13-15 200 1:6 205 Joel 1:13 70 1:9 205 Joel 50,56,191,193, 2:1-3 200 1:10-11(2:1-2) 205 196n 2:4-5 200 1:10(2:1) 205 1:1-2:17 94 2:6-16 200 1:11(2:2) 266 1:15-16 194 2:9-10 200 2:2 205 1:15 101,101n, 195 3:1-6:14 200 2:5 205 2:1ss. 195 3:2-8 201 2:7 205 2:1 195 3:2 200 2:14(16) 205 2:2 194, 249 3:3-8 70 2:18-20 239 2:11 194 3:8 52, 201 2:18 242 2:12-13 194 3:12 203 2:19(21) 205, 206 2:13 241 4:1-3 203 2:22 242, 249 2:13a 194 4«-12 259 2:23(25) 205 2:13b 194 4:6-11 201 3:1 205 2:15-17 194 4:6 b 201 3:5 206 2:18-19 194 4:8b 201 4:1 206 2:18 194, 230 4:9b 201 4:2-5:15 206 2:19-27 194 4:10b 201 4:2 206 2:23 195 4:11b 201 4:6 206 2:23b 194 4:12 200,201 5:4 205, 206 2:26 194 4:13 76, 200 5:6 123, 206 2:28 194 5:3 203 5:15 206 2:29 194 5:4-6 203 6:1-3 206 2:28-32(3:1-5) 194 5:4 200 6:1 205 250 5:6 200 6:2 206 2:28, 29 194 5:8-9 200 6:4-10:15 206 2:29(3:2) 194 5:14 200 6:4 206 2:30-31 194 5:15 203

6:6 205, 206 2:32ssr 242 5:18-20 202

7:1 205 2:32(3:5) 192, 194, 196, 204

5:18 5:20

70, 265 265

7:10 205 3 212 5:21-24 202 8:13 205 U 212

123 9:3 205 3:1-21(4:1-21) 196 5:25 123

10:12 206 3:2(4:2) 196 6:1-8 202

11:1-11 206 3:9-21 252 6:1 70

11:1 ss. 205 3:9-16 216 6:2 202

11:1 108 3:14 195 6:9-10 203

1 1 3:18 250 6:12 70 1 1 .o AUD 7:1-9:15 200 11:5 206 7:1-9:15 200

11:8 207 Amõs 7:1-3 202 11:12{12:1 )-13:16(14:1 ) 207 Amós 50, 56, 70n, 7:4-6 202 12:6(7) 206 196, 200 7:7-9 202 12:9(10) 205 1:1-2:16 200 8:1-3 202 13:4 205, 206 1:3-5 200 9:1-15 204n 13:5 205 1:3 70 9:1-4 202, 203 13:14 207 1:6-8 200 9:5-6 200 13:14b 207 1:6 70 9:7 200, 208

Page 310: Walter c. kaiser jr   teologia do antigo testamento

304 Teologia do Antigo Testamento

9:1 Iss. 209 3:9-11 208 9:11-15 202 3:12 208 9:11-12 205 4-5 209 9:11 50, 202, 203, 210 4:1ss. 247 9:12 203 4:1-5 209 9:13-14 249 4:1-2 238

4:1 209 Ob adias 4:3a 210 Obadias 49, 50, 56, 192 4:3 b-4 210

196n, 203 4:6-13 209 1-9 192 4:7a 210 10-14 192 4;7b 210 15-21 192 4:8 210, 255 15-16 192 4:12 31, 210 15 196 4:13 208, 210 17 193 5:1-15 209 18-20 193 5:2-5 263 21 193, 253 5:5-6 211

5:5 212 Jonas 5:7-9 211 Jonas 50, 56, 207, 207n 5:7 212 1 2 207 5:8 212 1 9 208 5:10-15 212 1 15 207 5:15 208 1 16 208 6:1 208 1 17 207 6:2-7 208 2 208 6:6-7 123 3:9 208 6 « 212 3:10 229 6:8 212 4:2 207, 242 6:10-12 208 4:6 207 6:13-15 208 4:7 207 6:16 15n 4:8 207 7:7-20 212 4:11 207 7:7-10 212

7:7 212 7:11-13 212

Miquèias 7:14-17 212 Miquêias 31, 50, 56, 214 7:17 38n, 80, 80 n 1:2-4 208 7:18-20 212 1:2 208 7:18 50, 208, 212 1:7a 208 7:19-20 243 1:7b 208 7:19 212 1:9 209 7:20 211 1 :12 209 2:1-2 208 2:6-9 208 Naum 2:10 133 Naum 50, 56, 229, 229n, 2:12-13 209 230, 230n, 231n 2:12 209 1:1 234 2:13 208 1:2 229 3:1 208 1:3a 229 3:5-6 208 1:3b 229 3:7 208 1:6 231

1:7 1:8 1:11-14 1:11 1:15(2:1) 2:1-2(2-3) 3:1-8 3:1 3:4 3:5 3:19

Habacuque Habacuque

1:1 1:2-4 1:5-11 1:11 1:12-17 1:12b 2:2 2:4 2:4a 2:4b 2:6-20 2:14 3:3ss. 3:5 3:13 3:16 3:18-19

Sofonias Sofonias 1:11 1:2 1:3 1:4-6 1:4 1:6 1:7 1:14-16 1:14 1:15 1:18 2:3 2« 2:7 2:9 2:11 3:7

229, 231 231 225 230 231 231 229 230 230 230 230

50, 56, 233, 234 234 233 233 234 233 235 234 234 235 235 233 235 235

218n 153, 236

236 236

50, 56, 231 231 231 231 232 232 232

196, 231 231 196 249 230 232 232 232 232 232 232

Page 311: Walter c. kaiser jr   teologia do antigo testamento

índice de Referências 305

3:9 232 Zacarias 9:10a 263 3:11-13 232 Zacarias 51, 56, 261 9:10b 263 3:12 232 1:1-6 261 10:9-12 263 3:13 232 1:6 261 11 249 3:15 232 1:7-6:8 261 11:7-14 263

1:11 261 12-14 261, 264 Ageu 1:14 230 12 234 Ageu 51, 56 1:18-21(2:1-4) 261 12:10-13:1 263 1:2-4 259 2:1ss.(2:5ss.) 261 13:7-9 263 1:4 259 2:5(9) 261 13:9 36 1:5 259 2:10-11(14-15) 261 14 51,226 1:6 259 3:7 262 14:1-2 264 1:7 259 3:8 215, 262 14:3 264 1:11 259 3:9ss. 256 14:4-5 264 1:12 259 3:9 262 14:5 255, 264 1:13 259 6 263 14:9ss. 264 1:14 259 6:1-8 261 14:14ss. 264 2:3 259 6:9-15 262 14:20ss. 264 2:4 259 6:12-13 262 2:5 259 6:12 215, 262 2:7 260, 260n 8:2 230 Malaquias 2:11-14 262 8:8 36 Mat aqu ias 51, 56, 264 2:15 259 8:12 250 1:11 266 2:18 259 8:13 33,95 2:17 264 2:21-22 260 8:20-23 262 3:1 264 2:22 113, 260 9:11 261 3:2 265 2:23 260 9 234 3:3 265

9:1 ss. 262 4:5 265 9:9 51, 263 4:6(3:24) 265

APÓCRIFOS

Eclesiástico 8:13 177 Sabedoria de Salomão Eclesiástico 169 17:22 260 Sabedoria de Salomão 169

NOVO TESTAMENTO

Mateus 1:17 265 1:45 146 2:15 208 1 £9-70 273 3:10 251 8:8 74 1:72-73 273 4:19 146 11:14 265 11:20 108 4:22 277 17:11 265 17:25 276n 4:29 146 26:28 240 20:37 103 6:14 146

22:20 240 8:58 211 Marcos 22:37 276n 10 249 8:31 276n 24:7 276n 10:16 277 12:26 102 24:26 276n 19:30 78 14:24 240 24:49 273

Atos Lucas João Atos 45 1:1-4 57 n 1:1 ss. 211 2:17 194

Page 312: Walter c. kaiser jr   teologia do antigo testamento

306 Teologia do Antigo Testamento

2:25 33 Gálatas 2:33-39 273 3:8 33, 52, 94, 273 2:38-39 273 3:12 117, 118n, 273 3:22-26 146 3:14 273 3:25-26 273 3:15-18 273 4:25-30 276 3:16-19 277 7:2 273 3:19 277 7:4-5 134 3:29 273 7:17-18 273 4:24 276 7:37 146 10:45 195n Efésios 13:23 273 1:13 273 13:30-33 165 1:18 277 13:32-33 273 2:12 273, 277 13:45-49 225 2:13-18 276 15 190 2:19 277 15:13-18 204n 3:6 277 17:3 276n 3:6-7 273 26:6-7 272 4:24 77 26:6-8 273 26:22-23 225 Colossenses

1:15 108 Romanos 1:18 108 Romanos 220 3:10 77 1:3-4 164 3:25 123 II Tessalonicenses 4:2-5 273 2 256 4:9-10 273 4:13 272 1 Timóteo 4:16 272 4:3 204n 8:3 118n 8:29 108 II Tim&teo 9:4 273 1:1 273 9-11 190, 277n 10:5 117, 118n Hebreus 10:12-13 195, 195n Hebreus 61, 240, 241 n. 11:17-25 277 272 11:27 240 1:1-2 43, 195 12:1-2 140 1:6 108 15:8-9 273 1:8-9 166 16:20 79 3:1 -4:13 132n

3:7-4:11 132n 1 Coríntios 3:7-4:13 135n 11:25 240 6:12 273

6:13 273, 276 II Coríntios 6:13-15 272 3 « 240 6:17 272 6:16 36 6:17-18 273 11:3 80 6:18 273 11:14 80 7:6 273

7:18-19 118n

7:22 8 8:6 8:6-13 8:7 8:8 8:8-9 8:8-12 9:15 9:23 10 10:4 10:16 10:16-17 10:36 11:3 11:8 11:9 11:13 11:17 11:33 11:39 11:39-40 12:23 12:24

Tiago 2:21-23 2:23

I Pedro 1:20 2:9

II Pedro 3:3 3:4 3:9 3:13

I João 2:18 2:24-25

276 37

276 276 276 161 241

118n, 240 240, 273, 277

276 37

123 240 240 273

76 64

272 273 273 272 272 272 108 240

7:19 276

Apocalipse Apocalipse 1:5 1« 4-5 5:9 5:10

273 98

195 114

195 273 273 225

257 273

252 108 114 246 168 114

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12:9 13 14:3

79 20:2 256 21-22 168 21:1-4

Page 314: Walter c. kaiser jr   teologia do antigo testamento

índice de Referências 307

79 21:3-7 36 212 21:6 79 225 21:23 261

Page 315: Walter c. kaiser jr   teologia do antigo testamento

'ab 'ad 218n 'ahuzzâh 130

*

'ahuzzat'ôlãm 94 d

'aharê kèn 194 'ahant hayyâmím 192 'a / íõra/ 125 , e mrm 213 'e/ K/sra 'êl 113 'ãman 96 'ãmd/7 182 'amar 61 , é W 207 'arôn 162 'ar tem 113 'et 98 'etkem 113

be 111 be 'emõnâtô 235 òãfa/7 220

* *

b eyãd rãmâh 123 bayyâmím hêhêmmâh 194 bayit 154 bekôr 107 bekòrãt 99 bênâh 77

70 benrtíhâ 203

òãrã' 76, 222 bãri 'íôn 194 bêrak 59, 102 biqqet 232 berê?rr 75 berft 91 berft 'ôlãm 93, 160 bisegãgâh 123

gô'et 110, 214 gebürah 70 gêza' 70 gôy qãdôí 255 gôrãi 131

dãbâr 35 dibber 35 demut 78 da 'at 71

^lohím 206 tíãraí 232

hã'ãdôn 264 he'e~mm 220 he'emm baYHWH 95 /íróe/178 h ayippâlè' 92 hannèhãê 79

Page 316: Walter c. kaiser jr   teologia do antigo testamento

310 Teologia do Antigo Testamento

ha 'òtàm 177 he peru 241 happòrès 209 hèqtm 91, 245 harisotâyw 203 hêííb 'ei iêb 142 hisêtgu 26 í

wâ 'era '111 we 'ettenâh 97 wezò 't tôrat hà 'adam 158 weheyèh beràkâb 90 wayyêrã' 88 we/ô yiqqehat 'ammím 100

zera' 38 zera' qòdè} 255

hebei 131 hob/rm 263 hídôt 170 //ôfãm 260 hbter 70 p •

/íMtafi 220 hokmâh 70,177 /Ja/ôm 88 ha/fpãtn86 hêieq 131 hemdãt koi haggôyfm 260n hêníahie 133 » /íãs/y 224

109, 206, 207, 212, 224 hasedê Dãwid 145 hãrèb 259 hòreb 259 hêrem 140, 265

tôò 231 •

yãbô' 100n YHWH 111 YHWH stdqenü 238 yahat?p 186 yôm 76

yom YHWH 191 yimmaiet 195 yasad 222 /asar 76 yeser ieb 83 yarSh 159 yir 'eh 92 yir 'at YHWH 71

K/rsw 204 yerussah 130 yahb 124 yiskon 40 , 84 yeiu'at YHWH 110 ylb 138

kt 241 A:a6ec/ 246

78 kfya'an 'a$er 97 JWVfto/113 /fo/ basar 195

ha 'adam 177 /to/ zera 'hammamlakah 155 kun 76, 222 kipper 122 Araraf 91

//* 113 la/em 266

iibene yisra 'ei 113 !ehaper 161, 2 4 5 iema'an 9 7 , 116

mf 111 mebasser 225 miqdal 'eder 210 mah 111" mehumah 139 mahazeh 88

M

mehoqeq 99 mikko! 79 n mekon sebet 138 mafak 149

Page 317: Walter c. kaiser jr   teologia do antigo testamento

J -

Indice de Palavras Hebraicas

maf'ak habberîî 264 mal'âk YHWH 125 mam/eket kòhantm 113

W-B

min 38 n menûhâh 133 môpêt 262 mûsâr 70 r 184, 232 me 'ôn qódes 138 misnepet 248 mâqôm ï 35, 268 mar'ôt 88 massa r 234 Mas fa h 256 mãs Ta h nâgîd 256 mãsTah YHWH 152 miïkân 124 mâsa/ 81 ,148 maia/170 môïë/210 môïi'Tm 193 mãpehòt hã 'adamâh 85

ne'um YHWH 241 nibrekû 32-34 nègfd 99 nôda 'tî 111 nêzer 218 nûah 132-133, 220, 225 nàhai 131 nahalâh 129,131, 133 nêtâh 222 nissâh 92 no 'am 263 nepi/fm gibborîm 82 nepes hayyâh 77 /ïëser 70 nhqèm 230 nâsT' 249 /7/&a'91 nâfa/î 91

sukkâh 202

'écfcï/ï 110, 266 'ad bô ' 'aaser lô hammispàt 248 'az + 'aza/ 123 'atârâh 248 'a! debar 237 'd/â/7193-94, 211 'aimâh 216 7m 98 'am 108, 110 'amm/ 205 'am qêdôs 255 'anàwâh 232 'èqeb 43ser 97 'èsâh 70 'àsah 76,222 'Hîrîyyêh 214

pâdâh 110 p ^ t í f t 193, 196 pan Tm 125 pirsêhen 2 0 2 pàrar 160

secteg 221 sã/a/; 59 > * selem 78 « semaft 214, 238 sûr 219 .R

qedem 211 qaddtSê 'eiyônm 255 gac/c5s 110 qiwwâh 220 qannÔ ' 229 gâ/rë/) 109 qârôb 196 </es/>7? 101

re 174 rîb 206 râdâh 78 rèq 144 ràqa'222

Page 318: Walter c. kaiser jr   teologia do antigo testamento

312 Teologia do Antigo Testamento

ífto 138 som s'ekei 267 s'erîdîm 196 s e 'êrft 193, 232 se 'êrft 'edôm 203 sQb 142, 205, 231 sehet 99 sãbat 78 sèkan 124,125, 137

sei lo lOOn

seUoh 99 sêm 125 sbpeUm 193

tehillâh 174 tôrâh 158-159 tesûqâh 81