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São Paulo, 11 de July de 2022. OFÍCIO NCDH Nº 351/2018 Ref.: Propostas de Recomendação Honorável Comissionada Esmeralda Arosemena de Troitiño, O Núcleo Especializado de Cidadania e Direitos Humanos da Defensoria Pública do Estado de São Paulo (NECDH), criado pela Lei Complementar Estadual n.º 988 de 09 de janeiro de 2006, conforme sua atribuição legal de “promoção de direitos humanos” (art. 134 da Constituição Federal de 1988) e função de “representar aos sistemas internacionais de proteção dos direitos humanos, postulando perante seus órgãos” Art. 4º da LC 80/94, vem, respeitosamente, apresentar as seguintes propostas de recomendação para a superação do quadro sistemático de mortes causadas por agentes de segurança pública: 1. Desmilitarização da Polícia Militar: Sugestão de redação: Desmilitarização da Polícia, garantido o “ciclo único de polícia”, fomentando a educação em Direitos Humanos em toda formação dos(as) policiais, do Rua Boa Vista, 103 – 2º andar – São Paulo/SP – CEP: 01014-001 – Tel: (11) 3107-5080 [email protected] Página 1 de 13

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São Paulo, 25 de maio de 2023.

OFÍCIO NCDH Nº 351/2018

Ref.: Propostas de Recomendação

Honorável Comissionada Esmeralda Arosemena de Troitiño,

O Núcleo Especializado de Cidadania e Direitos Humanos da Defensoria

Pública do Estado de São Paulo (NECDH), criado pela Lei Complementar Estadual

n.º 988 de 09 de janeiro de 2006, conforme sua atribuição legal de “promoção de

direitos humanos” (art. 134 da Constituição Federal de 1988) e função de

“representar aos sistemas internacionais de proteção dos direitos humanos,

postulando perante seus órgãos” Art. 4º da LC 80/94, vem, respeitosamente,

apresentar as seguintes propostas de recomendação para a superação do quadro

sistemático de mortes causadas por agentes de segurança pública:

1. Desmilitarização da Polícia Militar:

Sugestão de redação: Desmilitarização da Polícia, garantido o “ciclo único

de polícia”, fomentando a educação em Direitos Humanos em toda formação

dos(as) policiais, do ingresso à formação continuada, com a aprovação de Planos

Estaduais de Educação em Direitos Humanos, conforme previsão do Programa de

Ação de Viena de 1993 e Plano Nacional de Educação em Direito Humanos.

Justificativa: Diferentemente de outros países da América Latina, o Brasil é

um dos únicos países que ainda não realizou uma verdadeira justiça de transição –

investigação e punição dos crimes praticados durante o período militar – de modo

que não foi permitido que a população tivesse acesso à verdade daquele período.

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Dessa forma, mesmo após a retomada da democracia, a polícia

brasileira manteve resquícios de métodos repressivos. Exemplo claro é atuação da

polícia ostensiva, que tem caráter militar, ou seja, formada na lógica do combate ao

inimigo e conflito de guerra, visando proteger em primeiro lugar o Estado, em

detrimento do respeito aos direitos fundamentais dos cidadãos.

Em 2016, a ONU denunciou o Brasil no Conselho de Direitos Humanos

por não punir policiais que matam.

Também no âmbito da ONU, na Revisão Periódica de 2012, a Dinamarca

recomendou ao Brasil: “Trabalhar no sentido de abolir o sistema separado da

polícia militar ao implementar medidas mais eficazes para vincular o

financiamento estatal ao cumprimento das medidas destinadas a reduzir a

incidência de execuções extrajudiciais pela polícia”.

Na RPU de 2017, o Reino Unido sugeriu: “introduzir o treinamento

obrigatório de direitos humanos para as instituições policiais e implementar um

programa de policiamento baseado em evidências, para reduzir as mortes por ação

policial em 10% em relação ao ciclo da Revisão Periódica Universal”

2.Efetivação do Controle Externo da Atividade policial por meio de

promotorias públicas especializadas

Sugestão de Redação: Recomenda-se que o Brasil institua Promotorias

Especializadas em Segurança Pública, com âmbito regional, de modo a cumprir o

determinado no art. 129, inc. VII da Constituição Federal de 1988, com atribuição

para controle externo da atividade policial, especialmente da polícia militar, de

maneira difusa e coletiva. Para casos complexos, especialmente os envolvendo

chacinas ou homicídios múltiplos com mesmo modus operandi, tal controle deverá

ser, desde o início, exercido pelo Ministério Público Federal em total cooperação

com as autoridades estaduais.

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Justificativa: Cabe ao Brasil, por meio dos órgãos do sistema justiça,

adotar medidas para prevenir, investigar e punir os responsáveis por violações de

direitos humanos resultantes de atos de violência por agentes do Estado.

Considera-se essencial a construção de mecanismos que projetem uma

política de segurança pública consubstanciada numa política pública de Estado.

Isso significa pautar a segurança pública como campo multidisciplinar, estabelecer

claramente as ações no seu âmbito, com começo, meio e fim, e com objetivos claros

que devidamente monitorados para fins de avaliação constante de sua efetividade.

Assentada essa premissa, sugere-se a criação de órgão no Ministério Público -

Promotoria de Segurança Pública -, com competência e prerrogativas para

articular com outros agentes, dentro ou fora da esfera pública, o monitoramento

das ações e objetivos da política de segurança pública traçados pelo Executivo,

assim como do respeito pelos agentes públicos executores direitos e indiretos da

referida política da legislação atinente aos direitos humanos e à lisura

administrativa, superando os estreitos limites da política de segurança pública

como mera persecução penal para combate da criminalidade.

O controle externo da polícia não envolve apenas a apuração criminal de

casos de violência policial ou abuso de autoridade. Esse tipo de controle deve

ocorrer exclusivamente no âmbito da ação penal – motivo pelo qual caberia

essencialmente a outras Promotorias (Criminal ou do Júri), e não à Promotoria de

Segurança Pública ora sugerida. Deve passar também por buscar a) transparências

dos Procedimentos Operacionais Padrão de atuação policial, que devem ser

públicos; b) atuação nas falhas e deficiências nos laudos periciais, tanto do local do

fato, quanto perícias necroscópicas, sendo necessária a participação da Polícia

Científica, IML e demais autoridades competentes, no debate e aperfeiçoamento do

sistema de perícias no Estado de São Paulo; c) combate

à criminalização das Comunidades e expressões culturais como funk, hip hop,

break, etc. Há muitos relatos de que em algumas comunidades é imposto toque de

recolher e que há repressão de jovens quando estes utilizam do espaço público

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para recreação. É necessário mapear estas violações e dar uma resposta efetiva a

este tipo de prática, além de tratar da questão além da ideia de segurança pública

em seu viés repressivo, mas instar promotores(as) a cobrarem políticas públicas

para a juventude periférica, voltada à educação, lazer, esporte, trabalho, saúde e

demais direitos sociais.

Sugere-se, ainda, que em sede de atuação penal excepcional por parte do

Ministério Público Federal, priorize-se a atuação em casos de grande complexidade

e gravidade, como nos casos de chacinas. A devida apuração das circunstâncias e

responsabilização dos agentes envolvidos, em muitos desses casos complexos,

podem ser mostrar inefetivas, em parte por conta das dificuldades inerentes a esse

tipo de situação, mas também por insuficiência de suporte estatal. Por isso, nesses

casos, considera-se que a atuação penal por parte da Promotoria de Segurança

Pública do Ministério Público Federal e Estadual se faria estratégica.

3. Restauração da dignidade das vítimas

Sugestão de Redação: Recomenda-se que o Brasil garanta, facilite,

promova e respeite o direito das vítimas de participação efetiva em todos as fases

do processo, sem receios de represálias, aprimorando-se e investindo-se nos

programas de proteção de vítimas e testemunhas para casos extremos (PROVITA e

PEPECAM), mas adotando medidas legislativas ou de outra natureza para que

programas de proteção com medidas menos gravosas às vítimas sejam também

disponibilizados.

Justificativa: O enfoque no combate à criminalidade puramente pela via

penal acaba, frequentemente, fazendo com que os esforços estatais se canalizem no

sucesso da persecução penal, relegando a segundo plano a restauração da

dignidade da vítima. Aqui, ressalte-se que a pretensão punitiva não

necessariamente corresponde à restauração do direito das vítimas – que são,

justamente, o sujeito tutelado. Por isso, mesmo em caso de ações penais de Rua Boa Vista, 103 – 2º andar – São Paulo/SP – CEP: 01014-001 – Tel: (11) 3107-5080

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iniciativa pública, é preciso que as vítimas tenham seus interesses priorizados na

atuação do Ministério Público, dentro dos limites legalmente impostos.

Apesar da existência de recomendação pela Corregedoria do MP-SP para

que as promotorias criminais atendam familiares das vítimas e também ouçam na

própria promotoria as testemunhas que tenham medo de depor na delegacia, nem

sempre tal recomendação é seguida.

O acesso facilitado às peças produzidas no inquérito por parte dos

familiares também não é garantido, sendo tal obrigação, de passar infomações de

seu conteúdo, dos(as) delegados(as) e dos(as) promotores(as) de justiça, sendo

que há relatos de que tem sido negado tal direito quando há participação de

policiais na ocorrência;

Em razão do temor de represálias e corriqueiras ameaças sofrida por

pessoas em casos envolvendo violência institucional, há urgência na elaboração de

uma política institucional do Ministério Público para oitiva protegida de pessoas

em tais condições, bem como aperfeiçoamento dos Programas PROVITA e PPCAM,

uma vez que estes impõem medidas muito gravosas e que podem significar uma

nova vitimização.

4. Fortalecimento e Ampliação do trabalho das Defensorias Públicas

Sugestão de Redação: Fortalecer e ampliar o trabalho das Defensorias

Públicas em todos o país, de modo a garantir a expansão no atendimento de

vítimas de violências, inclusive praticada por agentes de Estado, viabilizando o

cumprimento da Emenda Constitucional 80/2014, que fixa o prazo de oito anos

para que a União, os estados e o Distrito Federal dotem todas as comarcas de

defensores públicos, também em observância às Resoluções da OEA nº

2.656/2011, 2.714/2012, 2.801/2013, 2.821/2014 e 2.887/2016.

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Justificativa: A Defensoria Pública tem como missão institucional a

promoção dos direitos humanos e a defesa, em todos os graus, judicial e

extrajudicial, dos direitos individuais e coletivos, de forma integral e gratuita1.

É preciso consolidar caminhos institucionais para encaminhar denúncias de

violência desproporcional sofrida por estas pessoas.

Por outro lado, parentes de pessoas vítimas de violência letal

frequentemente relatam temer retaliações contra si ou contra outros familiares

caso acionem qualquer instância oficial para buscar reparação pelos danos

sofridos. Nestes casos, a Defensoria deve tomar todas as providências ao alcance

para assegurar esta reparação às vítimas ou a seus familiares.

A Resolução 60/147 da Assembleia Geral da ONU, que estabelece Princípios

e diretrizes básicos sobre o direito das vítimas de violações manifestas das normas

internacionais de direitos humanos e violações graves do direito internacional

humanitário, define diversas formas de reparação, as quais são atribuição da

Defensoria buscar tais medidas de maneira extrajudicial e judicialmente.

Neste sentido, toda vítima de violência policial tem interesse jurídico no

acompanhamento do inquérito policial, do processo penal e do procedimento

correcional, bem como tem direito a pleitear reparação no cível perante a fazenda

pública, ou mesmo pela via administrativa, com pedido indenizatório aduzido na

Procuradoria do Estado. A assistência jurídica integral deve atentar para todos

estes aspectos.

Igualmente, os parentes de vítimas de violência letal têm interesse no

acompanhamento do processo penal e do procedimento correcional, bem como o

direito a reparação, que poderá estar fundada no próprio fato morte; nas falhas

estatais nas investigações e na consecução do direito à verdade e à justiça; e na

1 Art. 134. A Defensoria Pública é instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, incumbindo-lhe, como expressão e instrumento do regime democrático, fundamentalmente, a orientação jurídica, a promoção dos direitos humanos e a defesa, em todos os graus, judicial e extrajudicial, dos direitos individuais e coletivos, de forma integral e gratuita, aos necessitados, na forma do inciso LXXIV do art. 5º desta Constituição Federal.

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inércia estatal na identificação da pessoa falecida e na comunicação do falecimento

à família.

Infelizmente, de acordo com a

Associação Nacional de Defensoras e

Defensores Públicos, o Brasil tem hoje

5.900 defensores para oferecer apoio

jurídico à população vulnerável. No

entanto, seriam necessários mais 6 mil

profissionais, mais que o dobro dos que

existem hoje.

Segundo o Ministério da Justiça, o

ideal é que um defensor público atenda

um grupo de 15 mil pessoas. Embora

São Paulo tenha 750 defensores

públicos, o estado é o que mais carece

desses profissionais. Ele é o primeiro no

ranking de estados com maior

defasagem: um profissional atende 22

mil pessoas.

5. Controle disciplinar efetivo exercido pelas Corregedorias das Polícias

Sugestão de Recomendação: Recomenda-se o fortalecimento e maior

autonomia da Ouvidoria e das Corregedorias de Polícia, com corpo técnico provido

por profissionais de carreira própria e específica para tal atividade de controle de

desvio, proibindo-se qualquer forma de delegação da atividade de apuração para

setores de disciplina do próprio Batalhão da pessoa investigada, garantindo-se: a)

o afastamento imediato dos serviços de policiamento ostensivo ou de missões

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externas, ordinárias ou especiais, de todos os policiais envolvidos em ações que

resultarem em morte, até que se esclareçam as circunstâncias do fato e as

responsabilidades; b) que todos os policiais envolvidos em tal ação que resultou

em morte, não participem de processo de promoção por merecimento ou por

bravura, até que se esclareçam as circunstâncias do fato e as responsabilidades; c)

o acompanhamento psicológico constante aos policiais envolvidos em mortes

decorrentes de intervenção policial;

Justificativa: As medidas hora sugeridas já estão todas previstas da

Resolução n. 8 de 21 de dezembro de 2012, do Conselho de Defesa dos Direitos

Humanos, todavia, não vem sendo respeitadas na prática.

Além disso, há receios que a Ouvidoria da Polícia sofra ataques em relação

à sua autonomia, consubstanciado em projetos de lei que tem tentado alterar a

foram de escolha do Ouvidor da Polícia, que hoje é realizado pela sociedade civil.

Aproveitamos a oportunidade para externar nossos protestos de

consideração e apreço.

Rafael Lessa Vieira de Sá MenezesDefensor Público do Estado de São Paulo

Núcleo Especializado de Cidadania e Direitos Humanos

Davi Quintanilha Failde de AzevedoDefensor Público do Estado de São Paulo

Núcleo Especializado de Cidadania e Direitos Humanos

Daniela Batalha TrettelDefensora Pública do Estado de São Paulo

Núcleo Especializado de Cidadania e Direitos Humanos

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