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UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA JÚLIO DE MESQUITA FILHO FACULDADE DE CIÊNCIAS AGRÁRIAS E VETERINÁRIAS CAMPUS DE JABOTICABAL (SP) Sistema de Produção Agrícola do Brasil: Características e Desempenho Professor José Giacomo Baccarin Texto para Discentes de Graduação da Disciplina Desenvolvimento Agroindustrial e Política Agrícola, Departamento de Economia, Administração e Educação

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UNIVERSIDADE ESTADUAL PAULISTA JÚLIO DE MESQUITA FILHO

FACULDADE DE CIÊNCIAS AGRÁRIAS E VETERINÁRIAS

CAMPUS DE JABOTICABAL (SP)

Sistema de Produção Agrícola do Brasil:

Características e Desempenho

Professor José Giacomo Baccarin

Texto para Discentes de Graduação da Disciplina

Desenvolvimento Agroindustrial e Política Agrícola,

Departamento de Economia, Administração e Educação

Jaboticabal, SP

Abril de 2021

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SUMÁRIO

1 – Introdução 81.1 – O Sistema de Produção Agrícola do Brasil 101.2 –Organização do Trabalho 112 - Política e Protecionismo Agrícola 122.1 – Especificidades da Estrutura Produtiva e Políticas Agrícolas 122.2 - Protecionismo e Efeitos no Comércio Internacional Agrícola 152.2.1 - Componentes Tradicionais do Protecionismo Agrícola 162.2.2 - Negociações Internacionais do Protecionismo Agrícola 172.2.3 - Nível e Características Recentes do Protecionismo Agrícola 183 – Padrão de Consumo de Alimentos e Situação Nutricional 213.1 – Convivência da Desnutrição com a Hipernutrição 213.1.1 – As Metas de Universalização do Direito Humano à Alimentação 223.1.2 – Indicadores e Diagnóstico da Desnutrição 233.1.3 – Causas e Enfrentamento da Desnutrição 243.2 – Padrão Contemporâneo de Consumo Alimentar 253.2.1 – Repercussões na Saúde Pública 284 – Produção, Preços e Comércio Internacional Agrícola 294.1 - Variação do Consumo, Produção e Preços de Alimentos 294.2 – Recursos Naturais, Tecnologia e Produtividade Agrícola 314.3 – Agricultura e a Questão Ambiental 334.4 - Expansão e Mudanças no Comércio Internacional de Produtos Agrícolas 345 – Sistema de Produção Agrícola: Constituição, Integrantes e Críticas 365.1 – Constituição do Sistema de Produção Agrícola no Brasil 375.2 – Os segmentos do Sistema de Produção Agrícola 405.2.1 – Serviços e Insumos para Agricultura 405.2.2 - Agroindústria e Indústria Alimentícia 445.2.3 – Os Supermercados e a Distribuição de Alimentos 465.3 – Análise de Cadeias Agroindustriais Específicas 475.4 – Redes Alimentares Alternativas e Circuitos Curtos de Comercialização 506 – Política Agrícola Brasileira – Concepções e Fases Recentes 516.1 – A Modernização Conservadora da Agricultura Brasileira 516.1.1 – A Taxação da Agricultura e a Preocupação com o Abastecimento Alimentar 526.1.2 – A Questão Agrária 536.1.3 – Opção pela Transformação Tecnológica e Fortalecimento das Relações Agroindustriais 54

6.2 – Crise e Transição dos anos 1980 566.3 – As Reformas Liberalizantes dos Anos 1990 586.3.1 – A Abertura Externa 586.3.2 – Extinção de Órgãos Públicos e Desregulamentação de Cadeias Agroindustriais 596.3.3 – A Redução dos Gastos Orçamentários 606.3.4 – A Emergência da Agricultura Familiar e o Duplo Comando Institucional 616.4 – Sofisticação dos Instrumentos de Política Agrícola entre 2003 e 2014 627 – Políticas Agrícolas para Médios e Grandes Agricultores 637.1 – Política Nacional de Crédito Rural 647.1.1 – Condições, Modalidades e Programas de Crédito Rural 657.1.2 – Características Distributivas do Crédito Rural 677.1.3 – Títulos Privados para Financiamento do Agronegócio 687.2 – Preços Mínimos com Gastos e Estoques Mínimos 69

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7.2.1 – Instrumentos da PGPM 707.2.2 – Execução Recente da PGPM 717.3 – Risco Agrícola, Zoneamento Ambiental e Seguro Rural 727.4 – A Rede de Pesquisa Agropecuária do Brasil 737.5 – A Política de Defesa Sanitária 748 – A Política Fundiária e da Agricultura Familiar 758.1 – Situação Produtiva e Social da Agricultura Familiar 768.2 – A Política Fundiária 788.2.1 – Reforma Agrária e Colonização 798.3 – Políticas para a Agricultura Familiar 808.3.1 – Programa Nacional d Fortalecimento da Agricultura Familiar 808.3.2 – Programa de Compras Institucionais de Alimentos 828.3.3 – Outros Programas para Agricultura Familiar 83Bibliografia 84

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SIGLAS E ABREVIATURAS

AsA - Acordo sobre AgriculturaAFOLU - Agricultura, Florestas e Outros Usos da Terra.AFN – Alternative Food NetworksAGF – Aquisição do Governo FederalATER - Assistência Técnica e Extensão RuralABIC - Associação Brasileira da Indústria de CaféABIMAQ - Associação Brasileira de Máquinas e EquipamentosABRAPA – Associação Brasileira de Plantadores de AlgodãoABRASEM - Associação Brasileira de Sementes e MudasANDEF - Associação Nacional de Defesa VegetalANFAVEA -Associação Nacional de Fabricantes de Veículos AutomotoresABIA - Associação Brasileira de Indústria AlimentíciaANDA - Associação Nacional para Difusão de AdubosBCB – Banco Central do BrasilBNDES – Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e SocialBRF – Brazil FoodsCCAA - Cadeia curta de abastecimento de alimentoCEF – Caixa Econômica FederalCPR – Cédula de Produto RuralCEASA – Central de AbastecimentoCEPEA - Centro de Estudos Avançados de Economia Aplicada da ESALQ/USPCTC - Centro Tecnológico CanavieiroCCIR – Certificado de Cadastro de Imóvel RuralCDA-WA – Certificado de Depósito Agropecuário e Warrant AgropecuárioCDCA – Certificado de Direitos Creditórios do AgronegócioCRA – Certificado de Recebíveis do AgronegócioCVM – Comissão de Valores MobiliáriosCOBAL – Companhia Brasileira de AlimentosCIBRAZEM – Companhia Brasileira de ArmazenamentoCFP – Companhia de Financiamento da ProduçãoCONAB – Companhia Nacional de AbastecimentoCNA - Confederação da Agricultura e Pecuária do BrasilCONTAG – Confederação dos Trabalhadores da AgriculturaCOV – Contrato de Opção de VendaCMA - Cúpula Mundial da AlimentaçãoDAP – Declaração de Aptidão ao PronafDNTR/CUT – Departamento Nacional de Trabalhadores Rurais da Central Única dos TrabalhadoresER - Elasticidade Renda da DemandaEMBRATER - Empresa Brasileira de Assistência Técnica e Extensão RuralEMBRAPA – Empresa Brasileira de Pesquisa AgropecuáriaEGF – Empréstimo do Governo FederalEGF-COV – Empréstimo do Governo Federal com Opção de VendaEUA – Estados Unidos da AméricaET – Estatuto da TerraFAO - Organização das Nações Unidas para Alimentação e AgriculturaFEE – Financiamento Especial para Estocagem de Produtos AgropecuáriosFGPP – Financiamento para Garantia de Preços ao Produtor

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FLV – Frutas, Legumes e VerdurasFUNCAFÉ - Fundo de Defesa da Economia CafeeiraFGV - Fundação Getúlio VargasFIDA - Fundo Internacional de Desenvolvimento AgrícolaFNDE – Fundo Nacional de Desenvolvimento da EducaçãoGEE- Gases de Efeito EstufaGATT -Acordo Geral de Tarifas e ComércioGEE – Grau de Eficiência na ExploraçãoGUT – Grau de Utilização da TerraIRL – Imposto de Renda sobre o LucroICM (S) – Imposto sobre Circulação de Mercadoria (e Serviço)IOF – Imposto sobre Operações FinanceirasIPI – Imposto sobre Produto IndustrializadoITR – Imposto Territorial RuralIAC – Instituto Agronômico de CampinasIBGE – Instituto Brasileiro de Geografia e EstatísticaIBC – Instituto Brasileiro do CaféIEDI – Instituto de Estudos para o Desenvolvimento IndustrialIAA – Instituto do Açúcar e do ÁlcoolINCRA – Instituto Nacional de Colonização e Reforma AgráriaINMET – Instituto Nacional de MeteorologiaINMETRO - Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e TecnologiaIPCC - Acordo Internacional sobre Mudança ClimáticaKcal – QuilocaloriaKpd - Kcal/capita/diaLCA – Letra de Crédito do AgronegócioLEC – Linha Especial de Crédito à ComercializaçãoMCR – Manual de crédito ruralMGA - Medida Global de ApoioMERCOSUL – Mercado Comum do SulMAPA – Ministério da Agricultura, Pecuária e AbastecimentoMDA – Ministério do Desenvolvimento Agrário MST – Movimento dos Sem TerraNCA – Nota Comercial do AgronegócioODM - Objetivos do Desenvolvimento do MilênioODS - Objetivos de Desenvolvimento SustentávelOEPA – Organização Estadual de Pesquisa AgropecuáriaOMC – Organização Mundial do ComércioOMS - Organização Mundial da SaúdeONU- Organização das Nações UnidasOCDE (OECD) - Organização para a Cooperação e Desenvolvimento EconômicoPAP – Plano Agrícola e PecuárioPND – Plano Nacional de DesenvolvimentoPNRA – Plano Nacional de Reforma AgráriaPAC – Política Agrícola ComunitáriaPNATER – Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural para a Agricultura Familiar e Reforma AgráriaPEP – Prêmio de Escoamento de ProdutoPEPRO – Prêmio Equalizador Pago ao ProdutorPIB – Produto Interno Bruto

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PAA- Programa de Aquisição de AlimentosPRODEA – Programa de Distribuição de AlimentosPROP – Contratos Privados de Opção de Venda e Prêmio de Risco de Opção PrivadaPROAGRO – Programa de Garantia de Atividade AgropecuáriaPGPM – Programa de Garantia de Preço MínimoPGPAF – Programa de Garantia de Preço para a Agricultura FamiliarPMA - Programa Mundial de AlimentosPNAE – Programa Nacional da Alimentação EscolarPRONAMP – Programa Nacional de Apoio ao Médio Produtor RuralPRONATER – Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural na Agricultura Familiar e na Reforma AgráriaPNCF – Programa Nacional de Crédito FundiárioPRONAF – Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura FamiliarPROÁLCOOL – Programa Nacional do ÁlcoolPSE - Subsídio Equivalente ao ProdutorRBA – Receita Bruta Agropecuária AnualRAA - Redes Alimentares AlternativasRIDESA - Rede Interuniversitária de Desenvolvimento do Setor SucroalcooleiroSPS - Medidas Sanitárias e FitossanitáriasSAFC – Secretaria da Agricultura Familiar e do CooperativismoSEAFDA – Secretaria Especial de Agricultura Familiar e do Desenvolvimento AgrárioSAN- Segurança Alimentar e NutricionalSEAF – Seguro da Agricultura FamiliarSISBOV - Serviço de Rastreabilidade da Cadeia Produtiva de Bovinos e BubalinosSFSC - Short Food Supply ChainSINDIRAÇÕES - Sindicato Nacional da Indústria de Alimentação AnimalSINDAN - Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para a Saúde AnimalSINDIVEG - Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para Defesa VegetalSIBRATER – Sistema Brasileiro de Assistência Técnica e Extensão RuralSPA- Sistema de Produção AgrícolaSPAB- Sistema de Produção Agrícola do BrasilSNCR – Sistema Nacional de Crédito RuralSUASA – Sistema Unificado de Atenção à Sanidade AgropecuáriaSUDENE - Superintendência de Desenvolvimento do NordesteTEC – Tarifa Externa ComumTJLP – Taxa de Juros de Longo PrazoTRQ - Cotas de Importação com Tarifas ReduzidasTN – Tesouro NacionalTDA – Título de Dívida AgráriaTBT - Acordo sobre Barreiras Técnicas ao ComércioUE – União EuropeiaUNICEF - Fundo das Nações Unidas para a InfânciaUSDA - United States Department of AgricultureZARC – Zoneamento Agrícola de Risco Climático

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1 – IntroduçãoO propósito deste texto é desenvolver uma análise econômica da evolução do sistema de

produção envolvendo a agricultura brasileira, que permita compreender algumas de suas características histórico-estruturais, seu recente desempenho produtivo, marcado pela forte presença nas exportações mundiais e consequências sociais e alimentares.

Entendemos agricultura como um conjunto de atividades econômicas que envolvem a exploração de lavouras e florestas (naturais ou plantadas) e a criação de animais ou atividades pecuárias, incluindo aquicultura e excluindo a caça e pesca ou exploração econômica de animais disponíveis na natureza. Comumente, agricultura, caça e pesca têm sido chamadas de setor primário da economia, diferenciado do setor secundário ou industrial e do terciário ou serviços.

Esta diferenciação não deve nos levar a uma visão estanque ou isolada do setor primário, pois a chamada agricultura moderna sofre profundas influências dos outros ramos econômicos (urbano-industriais), que lhe fornecem conhecimentos e tecnologias para sua produção, de um lado, e transformam industrialmente e agregam serviços aos seus produtos, antes deles serem consumidos, na outra ponta das cadeias agrícolas. Ou seja, o dinamismo da produção agrícola não depende apenas da estrutura agrária e dos interesses dos agricultores, mas também daqueles das empresas que têm na agricultura um mercado consumidor para seus produtos ou que processam ou distribuem e comercializam matérias primas e produtos primários.

Ademais, deve-se considerar que cada vez maior parcela da população vive nas cidades e não produz diretamente alimentos ou outros produtos agrícolas. A crescente urbanização implica na necessidade de aumentar os índices de produtividade da terra, dos rebanhos e, em especial, do trabalho, para que um número cada vez menor de pessoas trabalhando na agricultura consiga atender um número cada vez maior de pessoas morando nas cidades (FAO, 2017).

Exploremos um pouco mais a crescente integração técnica-econômica e subordinação do setor primário a ramos urbano-industriais. Ao longo do tempo, atividades, conhecimentos e fatores de produção, antes disponíveis na própria unidade produtiva agrícola, sofrem transformações ou são substituídos por outros que precisam ser adquiridos externamente àquela unidade, em grande parte de ramos de serviço e industriais.

A base tradicional da produção agrícola, caracterizada pelo uso intensivo de trabalho e tração animal, pela adubação orgânica, rotação de culturas ou utilização extensiva da terra e por variedades de plantas e raças não modificadas geneticamente, vai se alterando, com a incorporação de novos fatores produtivos. Neste processo, o estabelecimento agrícola aumenta sua dependência, produtiva e tecnológica, especialmente de ramos industriais. Os agricultores passam a adquirir de outras empresas - industriais, de serviços ou de outros ramos agrícolas – insumos biológicos (sementes, mudas, sêmen, embriões, alevinos, matrizes), químicos (combustíveis, adubos, agrotóxicos, rações, vacinas, medicamentos), mecânicos (tratores, colhedoras, outras máquinas e equipamentos), bem como produtos e serviços de informática e comunicação. Ao mesmo tempo, o conhecimento prático, rotineiro e secular do agricultor perde importância para as novas informações técnicas e de mercado de empresas e instituições de pesquisa, de disseminação de conhecimento e fornecedoras de insumos ou, mesmo, de processamento dos produtos agrícolas.

Não se conclua daí que no próprio setor agrícola, ao longo do tempo, não se tenham gerados novos conhecimentos e técnicas que aumentassem sua produtividade. Há vários exemplos que contradizem essa impressão, nas práticas de rotação de cultura e adubação verde, preparo do solo, aprimoramento fenotípico de raças e plantas, melhor utilização de animais de tração etc, conforme pode ser apreciado em Mazoyer e Roudart (2010). Contudo, isso não pode ser comparado, em intensidade e ritmo, às mudanças abruptas e profundas provocadas na base técnica agrícola pelo desenvolvimento da genética vegetal e animal e utilização dos insumos industriais e de serviços, em especial na segunda metade do século XX.

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Nesse processo de mudanças da forma de produção, chamado de modernização agrícola (para muitos Revolução Verde), ocorre aumento da produtividade do trabalho, decorrente, em primeiro lugar, da elevação da produção por área ou unidade animal,provocada, em especial, pela tecnologia químico-biológica. Segundo, porque a informatização e mecanização, além do uso de herbicidas, diminui a necessidade de pessoas ocupadas. Isto, mais a especialização ou redução de atividades não essencialmente agrícolas em seus estabelecimentos, leva à queda da ocupação agrícola e da população rural (FAO, 2017).

Essa modernização agrícola guarda estreita relação com interesses de crescimento e de rentabilidade de empresas privadas que aumentam as vendas de seus insumos ou máquinas ou ainda daquelas que processam/comercializam produtos de origem agrícola, à medida que passam a contar com maior oferta de matéria-prima. Para os agricultores, ela pode servir como mecanismo de diferenciação, com alguns ascendendo socialmente e outros sendo excluídos, especialmente os que dispunham de pequenas áreas de terra. Um dos resultados do processo, normalmente, é o aumento da área média e da concentração da posse da terra.

Além dos interesses privados, a modernização agrícola, com seus impactos produtivos, costuma ser estimulada por políticas públicas, através de ações nas áreas da pesquisa, extensão rural, infraestrutura, crédito subsidiado, seguro rural, garantia de preços e renda, entre outras. Entre outras, a razão é que se garanta oferta ou abastecimento de um dos produtos mais essenciais para a humanidade, o alimento.

Quanto às modificações na destinação dos produtos agrícolas, uma é a diminuição da produção para subsistência de agricultores e empregados rurais. O uso da terra e da força de trabalho para tal fim passa a ser comparado, cada vez mais, com o provável retorno a ser obtido na produção direcionada ao mercado, levando o estabelecimento e mesmo regiões agrícolasa se especializarem em um ou poucos produtos de (esperado) maior retorno econômico, conformando, frequentemente, áreas marcadas pela monocultura. Ao mesmo tempo, a ampliação do alcance geográfico dos mercados permite que os gêneros para alimentação e atendimento de outras necessidades fundamentais sejam obtidos fora da unidade agrícola.

A agroindústria artesanal rural (tecidos e roupas, artigos de couro e madeira, bebidas e alimentos etc.), de pequena escala e com baixa produtividade do trabalho, de maneira geral, é suplantada pela produção em larga escala e com alto índice de automação das agroindústrias modernas, que não se caracterizam por serem simples desdobramento da produção primária. Pelo contrário, com seu perfil normalmente oligopolístico, exercem forte influência sobre a produção e os preços primários, exigindo o fornecimento regular, sob certos parâmetros de qualidade e tecnológico, de grandes quantidades de matéria-prima para transformação industrial.

A expansão da agroindústria moderna e da indústria alimentícia, que, constantemente, lança novos produtos, faz com que o consumo final dos alimentos ocorra quase sempre após os produtos agrícolas sofrerem uma, duas ou mais transformações industriais. Este fato pode ser ilustrado pelo consumo de açúcar no Brasil, que se mantém próximo a 65 Kg/habitante/ano, com queda no consumo direto e aumento no consumo indireto, nos refrigerantes, sucos, pães, doces, confeitos etc. Algo semelhante ocorre com a farinha de trigo, cada vez mais consumida já transformada industrialmente em pão, macarrão, biscoito etc.

A cadeia produtiva de alimentos conta também com canais de distribuição (transporte, armazenamento), de propaganda e marketing e de comércio no atacado e varejo. Neste segmento, ganham importância os supermercados, que absorvem parcela considerável da renda aí gerada, substituindo equipamentos tradicionais, como açougues, padarias, quitandas, feiras livres e empórios, estendem sua ação ao atacado e tendem a se concentrar em imensas redes. Com isso, adquirem grande poder na negociação de preços e qualidade das mercadorias de seus fornecedores, sejam atacadistas, da indústria alimentícia ou empresas agrícolas.

No final da cadeia produtiva, no caso dos alimentos, percebe-se a conformação de padrão de consumo contemporâneo, com algumas características básicas, como o aumento do consumo

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fora de casa em relação ao doméstico. Adieta alimentar se diversifica, com expansão do consumo de frutas e verduras, enquanto outros,cereais e legumes,in natura ou com baixo grau de processamento, que constituíam fontes tradicionais de carboidratos e proteínas (arroz, feijão e mandioca e sua farinha, no exemplo brasileiro) são substituídos por proteínas de origem animal e produtos industrializados.

Além de serem baratos e em número cada vez maior, os alimentos devem ser práticos, com embalagens adaptadas a famílias pequenas, facilmente manipuláveis, exigindo pouco tempo para seu preparo doméstico. A questão nutricional fica, muitas vezes, subjugada pela noção de saciedade e apelo ao consumismo, levando à ingestão deficiente de alguns micronutrientes e acima do necessário de carboidratos, açúcares, sal e gorduras. Daí advém uma série de problemas de saúde pública.

Diante da maior integração técnico-econômica com outros setores, tem-se procurado analisar a produção agrícola modernizada como parte de um sistema produtivo, que sofre fortes e específicas influências de ramos industriais e serviços, fornecedores de insumos ou compradores de seus produtos, bem como do mercado consumidor, além de ser afetado por políticas públicas próprias. Este sistema será aqui denominado de Sistema de Produção Modernizada Agrícola, ou mais simplesmente, de Sistema de Produção Agrícola (SPA). Outros nomes correntes na literatura são Agronegócio, Complexos Agroindustriais, Cadeias Agroalimentares etc.

Do ponto de vista da sociedade, o SPA pode ser avaliado sob diferentes aspectos. Um diz respeito à sua capacidade de atender às necessidades sociais da produção, especialmente, de alimentos, mas também de produtos têxteis, móveis, papel e agroenergia. Estritamente, quanto à Segurança Alimentar e Nutricional (SAN), pode-se refletir sobre a eventual responsabilidade do SPA tanto em relação à desnutrição, que continua atingindo parcela considerável da população mundial, quanto ao crescimento dos índices de sobrepeso e obesidade.

Outro questionamento, com crescente importância, diz respeito aos impactos ambientais da agricultura moderna, com sua base química, que pode contaminar o solo, água e alimentos, e crescimento sobre áreas com reservas vegetais naturais e reservas de água doce. O balanço de emissão de Gases de Efeito Estufa (GEE) pelas atividades agrícolas é um tema cada vez mais presente na agenda ambiental.

Sob o ponto de vista social, questiona-se a capacidade da agricultura moderna de gerar ocupações, proteger a saúde dos agricultores e trabalhadores e garantir a sobrevivência da pequena produção ou da agricultura familiar.

1.1 – O Sistema de Produção Agrícola do BrasilO objeto principal deste trabalho é o ocorrido, contemporaneamente, no Sistema de

Produção Agrícolado Brasil (SPAB), destacando-se as datas de 1965 e 1990. A primeira marca uma efetiva opção da Política Agrícola pela modernização tecnológica da agricultura brasileira, ganhando destaque, inicialmente, os programas públicos federais de crédito rural e pesquisa agrícola. Por sua vez, 1990 confirma a opção política pela aplicação de amplo processo de liberalização/desregulamentação da agricultura brasileira, caracterizado pela redução das barreiras comerciais à exportação e importação, extinção de órgãos públicos,diminuição dos gastos orçamentários e da intervenção direta governamental nos mercados agrícolas.

Embora tenham sido criados novos instrumentos de política agrícola, inclusive os especificamente vinculados à agricultura familiar, e, em alguns anos, se constatasse uma presença mais intensa do Estado, o certo é que, após 1990, o nível de protecionismo público (vide definição no capítulo 2) à agricultura brasileira vem se revelando relativamente pequeno. No começo deste século, o protecionismo correspondia a menos que 5% da rendada agricultura brasileira, contra próximo a 30% para conjunto dos países desenvolvidos (RODRIGUES, 2006).

Mesmo assim, sob o ponto de vista econômico, o SPAB vem apresentando números favoráveis, em termos de crescimento da produção, da produtividade da terra e rebanhos e das

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exportações agrícolas. O Brasil se transformou, no século XXI, em um dos maiores exportadores mundiais de produtos de origem agrícola, com destaque para a soja e seus derivados (farelo e óleo), açúcar e etanol de cana-de-açúcar, café, suco de laranja, milho, celulose, carne bovina e de frango e outros.

Desde já, deve-se compreender que o avanço recente das exportações brasileiras de produtos de origem agrícola não se assemelha ao ocorrido em ciclos anteriores de exportação de produtos primários, como o do café, entre 1870 e 1930. Duas diferenças devem ser destacadas, não são mais os fatores naturais, quantidade de terras e clima, os maiores responsáveis pela competividade internacional do Brasil, mas as transformações tecnológicas e os ganhos de produtividade agrícola associados. Ademais, a participação do Brasil nas exportações mundiais agrícolas é muito dependente da ação de grandes agroindústrias, como frigoríficos, produtoras de papel e celulose, de açúcar e etanol, de suco de laranja, de farelo de soja etc., ao que se somam grandes comerciantes, muito presentes nas exportações de soja e café em grão, por exemplo.

Em termos de estrutura agrária e das questões sociais, contudo, os resultados não foram positivos. Aumentaram os já altos níveis de concentração da posse e propriedade da terra e grande parte dos agricultores continuou excluída dos benefícios da política agrícola e da modernização. Quanto ao trabalho agrícola, as pesquisas mostram que a ocupação agrícola vem caindo em termos absolutos e proporcionalmente aos setores industriais e de serviços no Brasil.

Relativamente à questão de SAN, o Brasil havia conseguido sair, em 2015, do chamado Mapa da Fome da FAO (Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura), mas, recentemente, os indicadores de insegurança alimentar e nutricional têm-se deteriorado (REDE PENSSAN, 2021). Por sua vez, pelo menos desde a década de 1990, osíndices de sobrepeso ou obesidade na população brasileira têm aumentado, inclusive entre crianças e adolescentes.

1.2 –Organização do TrabalhoNo capítulo 2, discorremos sobre justificativas e conteúdo dos instrumentos usados na

política agrícola e a diferenciação de seu nível entre os países. Tratamos do chamado Protecionismo Agrícola, conjunto de ações destinado a favorecer a produção agrícola nacional ou de um bloco de países em relação à de outros países ou blocos. O terceiro e quatro capítulos são dedicados a analisar alguns aspectos do mercado mundial agrícola e alimentar, comparando situações diversas de consumo alimentar, uso de fatores naturais e tecnologia, produção, exportação e importação agrícola. Além da importância em si, a abordagem da agricultura mundial justifica-se pela crescente internacionalização comercial da agricultura brasileira.

O capítulo 5 é destinado à compreensão do conceito de SPA. Priorizando o caso brasileiro, falamos de sua constituição histórica, da estrutura e estratégias de ação de seus principais integrantes e das relações entre eles. Tratamos também de sistemas alternativos que vêm se desenvolvendo como reação ao SPA convencional, associado à revolução verde e ao consumo de alimentos ultraprocessados. Por motivos ambientais, sociais e nutricionais, advoga-se a conformação de redes alimentaresalternativas, com uso de tecnologias preservacionistas, diferentes relações sociais ao longo das cadeias e maior consideração a atributos qualitativos dos alimentos, com destaque ao seu valor nutricional.

Nos três capítulos seguintes, abordamos a Política Agrícola do Brasil. Começamos, no capítulo 6, com uma contextualização das mudanças em suas orientações gerais, destacando aquelas ocorridas após 1990. Depois, tratamos dos tipos de políticas ou programas destinados a grandes e médios agricultores, no capítulo 7, e, no 8, da política fundiária e da agricultura familiar.

Os quatro últimos capítulos são destinados a analisarresultados econômicos, sociais e alimentares da agricultura brasileira após 1990. O capítulo 9 aborda o que se convenciona chamar de estrutura agrária, que envolve a distribuição da posse e propriedade da terra, variáveis agregadas do uso da terra, nível tecnológico dos estabelecimentos agrícolas e emprego/ocupação

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agrícola. No 10 faz-se uma associação do desempenho agrícola e do SPAB com indicadores macroeconômicos, de produção, inflação e comércio exterior. O tema do capítulo 11 é a SAN, em especial os aspectos ligados à disponibilidade e qualidade de alimentos no Brasil. Por fim, no capítulo 12 são abordadas questões referentes à competitividade agrícola brasileira e de suas principais cadeias, como uso de fatores de produção, níveis de produção e produtividade e quantidade e nível de processamento das exportações e importações agrícolas.

2 – Política e Protecionismo AgrícolaComumente os países aplicam um conjunto de ações públicas que influenciam na

tecnologia, produção e preços, riscos, qualidade sanitária e uso e propriedade da terra agrícola. Chamamos isto de Política Agrícola e entre seus instrumentos aparecerem o crédito e seguro rural, os preços mínimos, a pesquisa e extensão tecnológica, os regulamentos sanitários etc. Seu nível é variável entre os países, normalmente com os agricultores dos países ricos contando com maior volume de gastos públicos.

Algumas ações públicas de estímulo à produção nacional, em especial os incentivos de preços agrícolas, mais as restrições à importação de produtos de outros países constituem o Protecionismo Agrícola, que tende a ser maior também no caso dos países desenvolvidos. Em torno deste Protecionismo surgem conflitos econômicos e diplomáticos entre as nações, que procuram resolvê-los ou minimizá-los através de acordos multinacionais e da ação da Organização Mundial do Comércio (OMC).

Inicia-se o capítulo procurando associar os diversos instrumentos de Política Agrícola às especificidades de sua produção e mercados. Após discorre-se sobre os motivos, mecanismos e negociações diplomáticas relacionados com o Protecionismo Agrícola.

2.1 – Especificidades da Estrutura Produtiva e Políticas AgrícolasAo abordar as características próprias da produção e dos mercados agrícolas deve-se

tomar o cuidado de que elas não são permanentes, pois são afetadas por mudanças tecnológicas e nos mecanismos privados de comercialização, por exemplo. Considerando-se sempre este dinamismo, julgamos que ainda é necessário levar em conta que a produção agrícola apresenta especificidades, como: a) a dependência às condições naturais (insolação, temperatura, água e terra) e ao ciclo biológico de plantas e animais e sua interação com outros seres vivos, b) as características próprias de grande parte de seus mercados e produtos, entre elas a essencialidade dos alimentos, c) a forma como são gerados e difundidos os conhecimentos tecnológicos e d) a maneira como é apropriada a terra agrícola. Junto com outros determinantes, tais especificidades influenciaram na formulação e aplicação de políticas setoriais agrícolas.

O ciclo de vida de plantas e animais faz com que haja um intervalo de tempo considerável, de meses, às vezes de anos (para culturas permanentes e grandes animais), entre o plantio ou início da criação e a colheita ou obtenção dos produtos pecuários. Ao mesmo tempo, as condições climáticas de diversas regiões levam à diminuição do volume produzido de produtos pecuários, como o leite, em determinado período do ano, mais seco e frio. Já o cultivo, especialmente das grandes culturas agrícolas anuais, tende a se concentrar em poucos meses, nos mais quentes e chuvosos. Com isto, a produção agrícola tende a apresentar caráter sazonal, ou não ser constante, ao longo de determinado ano.

Várias técnicas, como irrigação, cultivo protegido, melhoramento genético de plantas e animais, estabulação, arraçoamento e outras podem contribuir para diminuir essa sazonalidade. A maior integração de mercados de diferentes países, com as estações de inverno e verão alternadas, também pode agir naquele sentido, tornando mais homogênea a oferta agrícola ao

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longo do ano. Isto é mais viável no caso dos produtos não perecíveis que não exigem sistemas de transporte sofisticados.

No caso da criação de animais em estábulos climatizados, especialmente os de pequeno porte, e de cultivos protegidos de legumes e verduras, em princípio, pode-se supor que o ciclo produtivo se inicie a qualquer momento e que, portanto, depois de algum tempo, seria possível obter uma produção contínua, todos os dias do ano. Contudo tal arranjo parece estar muito distante de ser aplicável massivamente no plantio de grandes lavouras e na criação de grandes animais.

O armazenamento é uma técnica corriqueiramente usada para distribuir a produção ao longo do ano, especialmente no caso dos grãos e café, implicando em custos operacionais e financeiros. Para vários produtos agrícolas, como frutas, legumes e verduras (FLV) e leite in natura, que são perecíveis, ele não pode ser empregado, podendo implicar em flutuações sazonais mais consideráveis nos seus preços.

Deve-se levar em conta também os maiores riscos climáticos (chuva e temperatura excessiva ou reduzida) e sanitários (desenvolvimento de doenças e pragas sem métodos de controle sob o domínio dos agricultores) a que estão sujeitas as atividades agrícolas e que podem comprometer, significativamente, seu volume produzido.

Sob o ponto de vista econômico e da gestão agrícola, esses fatos trazem uma série de implicações. Por exemplo, os gastos correntes do ciclo produtivo são realizados sem a obtenção concomitante de receitas produtivas, que se efetivarão após alguns meses ou anos. Ao mesmo tempo, iniciado o ciclo produtivo, as possibilidades de ajuste na produção são limitadas (pode-se aumentar ou diminuir o uso de adubos ou rações, por exemplo) e sua interrupção completa ou aumento de escala (tamanho da área ou número de animais) deve esperar um novo ciclo. Outrossim, ocorrências climáticas e sanitárias inesperadas podem afetar, consideravelmente, a produção e a renda esperada da atividade agrícola.

Outro ponto a considerar é que, diferentemente de boa parte dos produtos industriais e de serviços, os mercados agrícolas, no geral, produzem bens indiferenciados e são atomizados, com o empresário individual tendo participação diminuta na quantidade total produzida e não se constituindo em um formador, mas sim tomador de preços. Somado às dificuldades de ajuste imediato da produção e armazenamento e à concentração de oferta em determinados períodos do ano, isto tudo faz com que as flutuações dos preços agrícolas sejam mais comuns e bruscas, muitas vezes com quedas para valores abaixo dos custos médios de produção1.

Como se verá em capítulo posterior, a demanda da grande maioria dos produtos agrícolas, em decorrência de sua baixa Elasticidade Renda (ER), cresce em ritmo relativamente mais lento que a dos industriais e de serviços. Juntando a maior instabilidade de preços e os riscos climáticos e sanitários inerentes à atividade, alguns analistas concluem que a agricultura apresenta uma rentabilidade média, ao longo dos anos, menor que o restante da economia.

Sob o ponto de vista do consumidor, deve-se levar em conta que a agricultura é fundamental para garantir o fornecimento dos bens econômicos mais essenciais para as pessoas, que são os alimentos. A insuficiência de sua oferta pode provocar efeitos negativos nos índices de inflação e na SAN da população, não raramente estimulando conflitos sociais e políticos.

Diante desses fatos, é comum que um conjunto de políticas públicas seja instituído com os objetivos básicos de propiciar maior rentabilidade, diminuir riscos e instabilidade de preços e produção e assegurar oferta adequada de produtos primários.

Uma delas é o Seguro Rural, que estabelece compensação financeira em relação às perdas decorrentes de problemas climáticos ou sanitários, quando os mesmos não podem ser previstos e

1 Nos mercados da indústria de transformação, especialmente os oligopolizados, os preços são mais rígidos (fix prices) e o ajuste de curto prazo a uma conjuntura adversa se faz, num primeiro instante, pelo aumento de estoque e, logo a seguir, pela diminuição da produção. Para os produtos agrícolas, o ajuste no curto prazo dá-se, normalmente, via variação do preço de mercado (flex prices).

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evitados através de tratos culturais corretos. Outra, o Zoneamento Ambiental, indica os locais e épocas mais adequados de plantio agrícola, procurando diminuir as perdas originadas dos riscos climáticos e apontando solos e topografias mais aptos às diversas culturas.

Em ambos os casos, o interesse de participação da iniciativa privada é reduzido. No caso do seguro, porque a abrangência dos sinistros tende a ser muito grande, atingindo centenas ou milhares de agricultores de uma mesma região, o que eleva em demasia o valor de seu prêmio, levando vários governos a adotarem políticas de subvenção total ou parcial a ele. Quanto ao zoneamento, seu estabelecimento envolve gastos consideráveis, não amortizáveis privadamente, pois suas informações são disseminadas “livremente”, prescindindo de remuneração por parte do agricultor.

Outra política largamente utilizada é o Crédito Rural, para o qual normalmente se estabelecem taxas de juros abaixo das de mercado, quando não negativas. Tal política apresenta três modalidades: a) crédito de custeio, que garante capital de giro para a realização das despesas correntes até que se efetive a colheita ou venda dos produtos, b) crédito de investimento, que proporciona recursos para aquisição de bens permanentes, veículos, máquinas e equipamentos, animais, implantação de culturas permanentes, benfeitorias, construções rurais e melhorias duradouras nas condições de exploração da terra e compra de áreas agrícolas (crédito fundiário), c) crédito de comercialização, que possibilita ao agricultor antecipar recursos financeiros mediante a promessa de entrega futura da safra ou de seu correspondente em dinheiro, ou que permite a retenção da safra, à espera da recuperação dos preços de mercado.

É relativamente comum também o estabelecimento da política de Preço Mínimo, em que se procura assegurar, via crédito de comercialização, subvenção ao preço ou compra governamental, que o agricultor receba pelo seu produto preço acima do vigente no mercado e que cubra os custos operacionais médios ou que lhe assegure determinado nível de renda.

Um dos possíveis resultados dessa política é a elevação dos níveis de estoques públicos e privados de produtos agrícolas, que podem ser usados em situações de emergência, como nas catástrofes naturais, ou para comporem cestas alimentares destinadas aos setores mais pobres da população. Também podem reforçar o abastecimento do mercado, quando constatados movimentos altistas de preços. Neste caso, pode-se fixar um preço de liberação, em percentual acima do preço mínimo, a partir do qual os estoques começariam a serem desovados2.

A administração de estoques faz parte do que se costuma denominar de política de abastecimento alimentar, em que o atendimento das necessidades dos consumidores constitui-se no objetivo primordial. Neste caso, outras ações governamentais podem ser implantadas, como o desenvolvimento de rede pública varejista de alimentos ou de entrepostos públicos atacadistas de hortigranjeiros. Sem falar das políticas de controle de preços e de restrição à exportação de produtos considerados essenciais.

No aspecto qualitativo, ganham cada vez mais importância as ações públicas ligadas à defesa sanitária de animais e vegetais, com a preocupação de se evitar a propagação de pragas e doenças e se garantir a inocuidade e padronização dos alimentos. Por um lado, isto decorre da necessidade de se garantir maior nível de produção e, por outro, da elevação das exigências dos consumidores quanto à qualidade dos produtos primários. Além disso, as questões sanitárias, justificadamente ou não, têm se constituído em importante barreira no comércio internacional agrícola.

Quanto à geração de tecnologia ou política de Pesquisa Agrícola, deve-se considerar que os agricultores, individualmente, encontram dificuldades de mobilizarem recursos para tal fim.

2 A experiência de vários países mostra que estoques públicos, com frequência, se avolumam acima da capacidade de absorção dos mercados. Na história brasileira, na década de 1930, decidiu-se por queimar ou jogar ao mar milhões de sacas de café, estocadas em armazéns públicos e que não encontravam mercado consumidor. Nas décadas de 1980 e 1990, vários países desenvolvidos escoaram seus estoques excessivos de produtos agrícolas via exportação subsidiada, resultando em redução de preços internacionais e prejuízos a outros países exportadores.

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Empresas públicas e privadas, especialmente as fornecedoras de insumos, atuam nessa área, bem como na difusão de novos conhecimentos e técnicas, através de ações de Assistência Técnica e Extensão Rural (ATER).

É importante se dizer que parte das novas informações tecnológicas fica disponível gratuitamente a todos os interessados, o que afasta empresas privadas do seu desenvolvimento. Mesmo quando é possível a remuneração privada, há os que defendem que ela não ocorra ou que seja bastante limitada, dada a essencialidade dos alimentos.

O último ponto a ser destacado nessa seçãoé a ação governamental em relação à apropriação privada ou ao monopólio da terra agrícola. Costuma-se desenvolver uma série de regulamentações públicas, de preservação de nascentes e cursos d’água, do solo e da vegetação nativa nas propriedades privadas. Também é muito comum o estabelecimento de tributação territorial. Mais episodicamente, com motivações históricas, sociais ou econômicas, ocorrem ações de desapropriação (mais raramente, de expropriação) e de redistribuição da posse e propriedade da terra, denominadas de política de reforma agrária e de assentamento rural.

Antes de se seguir adiante, deve-se afirmar que outros fatores, não apenas as especificidades agrícolas, influenciam nos tipos e no volume de recursos despendidos com as políticas agrícolas. Um deles é a situação fiscal do país e as possibilidades de se alocarem recursos orçamentários em favor da agricultura. Outro é o grau de organização e mobilização das associações de agricultores que resulta na maior ou menor capacidade de influenciarem nas decisões governamentais.

2.2 –Protecionismo e Efeitos no Comércio Internacional AgrícolaA partir de 1980, observou-se queos fluxos econômicos internacionais, financeiros,

produtivos e comerciais, se expandiram acima do crescimento da produção econômica mundial, o que significa que houve aumento da integração econômica entre os países. Mais recentemente, após a crise de 2008, esta tendência foi amenizada, com crescimento de práticas protecionistas à produção nacional, inclusive com elevação de tarifas de importação (IEDI, 2020). Tais mudanças também foram observadas na agricultura, que mantém um nível de protecionismo superior ao verificado na indústria mundial.

O protecionismo agrícola costuma ser justificado sob diversos argumentos. Alguns mais tradicionais, como os que, partindo da essencialidade da alimentação, apregoam a necessidade de autossuficiência nacional da produção, garantindo a segurança e a soberania alimentar e evitando problemas sociais e geopolíticos. A segurança alimentar está associada ao direito do ser humano de ter acesso à alimentação, enquanto a soberania alimentar (na concepção aqui utilizada) diz respeito à capacidade de determinado país de produzir no seu território a comida necessária para sua população.

Em decorrência da natureza de sua produção e mercado, como visto no item anterior, entende-se que, de maneira geral, a produção agrícola fica sujeita a maiores riscos climáticos e sanitários, convive com forte instabilidade de preços e proporciona menor rentabilidade aos investimentos, o que justificaria a aplicação de um conjunto de políticas públicas específicas ao setor,nas áreas de crédito, seguro e preço mínimo, por exemplo.

O protecionismo agrícola pode ser justificado também sob o ponto de vista social, na medida em que beneficie agricultores familiares de pequeno porte, proporcione oportunidades de ocupação agrícola e ajude no combate da pobreza e extrema pobreza de determinado país. Os níveis de pobreza sempre são proporcionalmente mais altos no meio rural do que no urbano e em vários países isto também ocorre em termos absolutos (FAO, 2017a).

Mais recentemente, especialmente na Europa, passou a se difundir a tese de que se deve preservar o estabelecimento agrícola em face à sua Multifuncionalidade ou importância em diferentes áreas, além da produção e geração de emprego, como desenvolvimento regional, ocupação territorial, preservação da paisagem, do meio ambiente e tradições histórico-culturais.

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Leve-se em conta também que as barreiras impostas pelos países à importação de produtos de origem agrícola de terceiros, com base em argumentos ligados à saúde pública, sanidade dos rebanhos e lavouras, conformidade dos produtos e ecológicos, vêm ganhando importância nos últimos anos.

2.2.1 – Componentes Tradicionais do Protecionismo Agrícola Por volta dos meados dos anos 1990, o protecionismo agrícola podia ser entendido como

composto de três conjuntos de medidas:a) Barreira Tarifária e não Tarifária Tradicional à Importação Agrícola - a barreira

tarifária consistia no estabelecimento por determinado país de taxação ad valorem ou em valor fixo (tarifa específica) à importação de produtos agrícolas de outros países. No entendimento aqui estabelecido, barreira não tarifária tradicional consistia na fixação de proibições administrativas à importação de determinado produto, que podia ser total ou parcial. Neste caso, o país importador estabelecia uma cota de importação, normalmente distribuída entre seus aliados políticos.

b) Política de Apoio Interno - havia um conjunto de políticas públicas que implicavam em gastos orçamentários e que beneficiavam a produção agrícola ou a renda do agricultor de determinado país. Entre elas, estavam aquelas que se caracterizavam pela sua natureza ampla, não se destinando a segmentos específicos, englobando serviços gerais prestados pelo governo, como pesquisa agrícola, extensão rural, defesa e inspeção sanitária, classificação de produtos, divulgação de informações de mercado, educação rural, infraestrutura, manutenção de estoques públicos para segurança alimentar, programas internos de ajuda alimentar, programas de seguro agrícola, de ajustamento estrutural, ambientais e de apoio ao desenvolvimento regional. Considera-se, com alguma imprecisão, que este conjunto de medidas causava distorção nula ou desprezível nos mercados agrícolas internacionais, fato que levou a serem chamadas de políticas de caixa verde, em analogia com a sinalização do trânsito de veículos.

Existiam também políticas que provocavam distorções nos mercados, como as de sustentação de preços (preço mínimo) ou de redução subsidiada de custos de produção (subsídio a juros do crédito ou a preço de insumos) ou comercialização (subsídio ao transporte da produção agrícola). Entendia-se que estas medidas, ao garantirem uma oferta adicional, afetavam o interesse de outros países e, portanto, deveriam ser controladas pelos órgãos internacionais ligados ao comércio agrícola. Elas receberam a denominação de políticas de caixa amarela.

No caso de intervenção governamental no preço do produto agrícola, a situação mais comum era que o preço nacional ficasse acima do preço internacional. Mais raramente, podia acontecer o contrário, o preço nacional ficar abaixo do internacional, quando se aplicavam restrições à exportação agrícola.

Por fim, alguns países podiam desvincular, em parte, as transferências monetárias a seus agricultores da produção obtida. Para tanto, eram instituídas políticas da caixa azul, que consistiam em pagamentos para que o agricultor deixasse parte da área agrícola sem produção (set aside) ou mantivesse o tamanho do rebanho (BRASIL/MRE, 2006). Entravam também aqui os pagamentos associados a prestação de serviços ambientais, adoção de práticas de bem estar animal, à permanência dos agricultores na agricultura etc.

c) Subsídio à Exportação Agrícola- ficava caracterizado quando havia complementação governamental aos valores recebidos pelos exportadores no mercado internacional, como resultado de medidas de apoio interno (estabelecimento de preço mínimo) a produtos que depois eram exportados (por preço inferior ao mínimo), da venda externa de produtos de estoques públicos a preços inferiores aos de mercado interno, de subsídios ao custo de comercialização para exportação e de subsídios a produtos agrícolas (matéria-prima) incorporados em produtos para exportação. Em suma, exportava-se o excesso produtivo interno por um preço inferior àquele garantido ao agricultor do próprio país.

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Internamente, o protecionismo agrícola beneficiava os agricultores, empregados agrícolas e regiões agrícolas que o praticava, pelo menos no curto prazo. Trazia também um custo orçamentário, que podia ser confrontado com outros gastos públicos e era suportado mais facilmente pelos países com maiores orçamentos, justamente os desenvolvidos. Especialmente as barreiras tarifárias e não tarifárias tradicionais faziam com que o preço interno ficasse acima do internacional do produto, prejudicando os consumidores do país protecionista. Em grande parte das vezes, os agricultores conseguiam se organizar e reivindicar de maneira mais efetiva em favor de medidas protecionistas, suplantando os interesses difusos dos consumidores, que desejariam que as barreiras às importações se reduzissem.

Em relação ao conjunto das nações, o protecionismo agrícola de determinado país tendia a dificultar, via barreiras não tarifárias tradicionais e tarifárias, o acesso a seu mercado interno por outros países, gerar, via estímulo à renda e produção, excesso produtivo, passível de ser destinado ao mercado externo,de forma subsidiada e podendo aviltar os preços internacionais. Ou seja, as medidas protecionistas de alguns países podiam prejudicar os interesses socioeconômicos de outros e gerarem conflitos diplomáticos. Estes conflitos se refletiam nas rodadas multilaterais do comércio internacional, sendo que o embate entre protecionismo e liberalismo agrícola permanecia como um dos pontos mais importantes (e de difícil acordo) nas negociações patrocinadas pelos organismos supranacionais do comércio mundial.

Aos conflitos internos e externos em torno do protecionismo, se juntavam as críticas que organismos liberais, como a Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), faziam à sua continuidade.

2.2.2 - Negociações Internacionais do Protecionismo Agrícola Após a Segunda Guerra Mundial, ou até antes, diversos países montaram sofisticados

sistemas de proteção a suas agriculturas. Isto pode ser visualizado, por exemplo, desde os anos 1930, nas diversas edições da Farm Bill, nome genérico da Lei Agrícola dos Estados Unidos da América (EUA), e da Política Agrícola Comunitária (PAC), desde o final da década de 1950, que diz respeito à agricultura da União Europeia. Na virada das décadas de 1980 e 1990, o protecionismo agrícola tinha alcançado valores expressivos, como pode ser visto na citação abaixo:

“Os países da Organização Econômica para Cooperação e Desenvolvimento – OECD (...) gastaram em 1988 US$ 300 bilhões com subsídios e programas de apoio à agricultura, correspondendo a 3% do consumo e 10% da poupança dos países membros nesse mesmo ano. Em 1991 esses gastos se elevaram para US$ 322 bilhões, dos quais US$ 54 bilhões foram gastos pelos EUA, US$ 66 bilhões pelo Japão e US$ 11 bilhões pelo Canadá.” (MORAES, 1996: 25). Quase todo o restante foi gasto na Europa.

Entre 1947 e 1994, as discussões multilaterais sobre o comércio internacional deram-se no âmbito da instituição chamada Acordo Geral de Tarifas e Comércio (GATT). Em 1986, o GATT deu início a sua oitava rodada de negociações, chamada Rodada Uruguai, que se encerrou em 1994. A principal deliberação foi a criação da Organização Mundial do Comércio (OMC), estrutura permanente e com maior poder de elaboração de normas e julgamento de contenciosos comerciais do que o GATT.

A Ata Final da Rodada Uruguai contemplava 15 acordos, podendo-se destacar três com consequências para o comércio agrícola mundial. Um deles foi o Acordo sobre Barreiras Técnicas ao Comércio (TBT), que delibera sobre a adoção pelos países de normas, regulamentos técnicos e procedimentos de avaliação de conformidade para os produtos no comércio internacional. Outro foi o Acordo sobre Aplicação de Medidas Sanitárias e Fitossanitárias (SPS), com o objetivo de harmonização entre os países das medidas que visem à proteção à saúde de pessoas, sanidade de plantas e animais, procurando evitar seu uso indevido como barreira ao comércio internacional (INMETRO, 2009).

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O mais importante, com carátermais geral, foi justamente o Acordo sobre Agricultura (AsA). Conforme o nível de desenvolvimento do país, previa-se que o protecionismo agrícola sofresse alterações e fosse diminuído em três áreas: acesso ao mercado (barreiras tarifárias e não tarifárias tradicionais), políticas de apoio interno e subsídios às exportações, em um prazo máximo de 10 anos, a partir de 1995. Simplificadamente, dever-se-iam reduzir os valores das tarifas de importação, substituir barreiras não tarifárias por tarifas, diminuir o volume financeiro da chamada Medida Global de Apoio (MGA), relacionada com as políticas da caixa amarela, bem como abaixar os subsídios à exportação3.

Não se pode deixar de destacar que a proposta de redução do protecionismo agrícola revelava-se inédita. Até então, havia se avançado, ainda no âmbito do GATT, na diminuição exclusivamente do protecionismo industrial.

As maiores reduções deveriam se dar nos países desenvolvidos, que dispendiam cerca de 90% dos US$ 197,7 bilhões declarados pelos países como fazendo parte da MGA (COELHO & WERNECK, 2004), e eram responsáveis, em especial os da Europa, por mais de 90% dos gastos relativos aos subsídios à exportação de produtos agrícolas (CONTINI, 2004).

Havia um entendimento de que as mudanças liberalizantes do AsA eram insuficientes e se planejava se firmar, no século XXI, novo acordo para redução mais significativa do protecionismo agrícola. Em 2001, iniciou-se uma nova rodada de negociações multilateral do comércio mundial, a Rodada de Desenvolvimento de Doha (Qatar), mas que não conseguiu ser concluída. O máximo que se alcançou é um acordo entre os países para a proibição dos subsídios à exportação agrícola, a partir de 2013.

Enquanto não se chega a um novo acordo multilateral sobre o comércio mundial, os acordos bilaterais e regionais vêm avançando, como é destacado pela FAO (2017). Neste caso, estabelecem-se regras específicas de comércio entre os países que fecham o acordo (algumas vezes, blocos econômicos), não extensíveis automaticamente aos demais países.

2.2.3 - Nível e Características Recentes do Protecionismo AgrícolaDesde 1987, a OCDE mede o nível de protecionismo agrícola através de vários

indicadores, conforme pode ser visto na Figura 2.1. Eles guardam correspondência, mas não são os mesmos que os adotados pela OMC.Os gastos orçamentários (budgetary) podem-se direcionar a serviços gerais de apoio à agricultura (correspondente à caixa verde) ou a agricultores específicos (correspondente às caixas amarela e azul), ao que se somam as transferências aos consumidores, como os subsídios a preços de alimentos.

Figura 2.1 – Estrutura do Protecionismo Agrícola, segundo a OCDE.

Fonte: OCDE (2019).

3 Para maiores detalhes sobre as deliberações do AsA consulte-se Baccarin (2011, pag. 27 e seguintes).

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Por sua vez, as chamadas transferências de mercado (markettransfers) estão associadas às tarifas de importação e exportação, que descolam os preços internos dos preços internacionais. Normalmente, o Subsídio Equivalente ao Consumidor (CSE) tem valor negativo e o Subsídio Equivalente ao Produtor (PSE), positivo, indicando que há transferências implícitas (via tarifas de importação) do consumidor para o agricultor.

Tratemos com mais detalhes do PSE, que estima o valor monetário das transferências de consumidores e contribuintes a agricultores específicos.

“A transferência de renda dos consumidores aos produtores ocorre quando determinadas políticas de suporte de preço desconectam os preços domésticos dos preços internacionais, resultando em preços aos consumidores superiores aos vigentes na ausência dessas políticas. As transferências dos contribuintes ocorrem quando o governo implementa políticas agrárias que implicam gastos orçamentários, como pagamentos diretos, subsídios na compra de insumos, entre outros.” (BERALDO, 2000, pag. 42)

De 1986 a 88, o PSE dos países da OCDE (na maior parte, desenvolvidos) registrou média anual de US$ 243 bilhões, equivalentes a 37% da Receita Bruta Agrícola (%PSE). Respectivamente, esses valores passaram para US$ 254 bilhões e 30%, no triênio 2002-04, e US$ 246 bilhões e 22%, no triênio 2008-10(OCDE, 2005, 2013). A queda mais significativa no porcentual do que no valor absoluto do PSE, de 2002-04 a 2008-10, se deveu, em grande parte, ao aumento da renda agrícola decorrente da elevação de preços de seus principais produtos.

No triênio 2016-2018, o % PSE no conjunto dos países da OCDE estava na casa dos 18,5%, continuando sua trajetória de queda, embora ela tenha se interrompido após 2013 (OCDE, 2019). Por sua vez, entre os países em desenvolvimento, o % PSE tem aumentado no presente século, ainda que continue relativamente baixo. No triênio 2016-18, entre 12 países emergentes4, o % PSE atingiu a média de 9%, pouco menos da metade daquele dos países da OCDE (OCDE, 2019). É importante se dizer que se, em vez de relacionar os gastos com PSE com a renda agrícola, o fizer com o Produto Interno Bruto (PIB) observa-se maior proximidade entre países desenvolvidos e em desenvolvimento.

Consultando a situação específica de países e da União Europeia (UE), observa-se no Gráfico 2.1 diferentes níveis de % PSE, em 2016-18. Quatro apresentavam % PSE negativo, com destaque à Argentina, por taxarem às exportações de produtos agrícolas. Entre os desenvolvidos, havia os não protecionistas, como Austrália e Nova Zelândia, os com nível de protecionismo médio, EUA e Canadá, com nível alto, UE e, muito alto, Japão, Coréia do Sul, Suíça, Islândia e Noruega. O Brasil, com 2,6% de PSE, alinhava-se aos países pouco protecionistas, característica que vem se consolidando desde 1990, como se verá em capítulo posterior.

Gráfico 2.1 - % PSE em diferentes países e regiões do mundo, triênio 2016-18.

ArgentinaIndia

Nova Zelândia

Chile

África

do Sul

Costa Rica

Canadá

ColômbiaChina

Turquia

Filipinas

Coréia do Sul

Islândia

-20.00-10.00

0.0010.0020.0030.0040.0050.0060.0070.00

Países

Fonte: OCDE (2019).

4 África do Sul, Argentina, Brasil, Cazaquistão, China, Colômbia, Costa Rica, Filipinas, Índia, Rússia, Ucrânia e Vietnã.

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Os gastos orçamentários embutidos no PSE caíram e alteraram sua composição. Reduziu a participação dos gastos de sustentação de preços de produtos e de subsídios aos preços dos insumos e aumentou a dos gastos associados à restrição do uso de fatores, manutenção da área plantada ou do tamanho do rebanho, adoção de práticas preservacionistas e de bem-estar animal ou que mantêm o valor recebido pelo agricultor no ano corrente igual ao dos anos anteriores. Isto ficou muito evidente na Europa, em que os gastos do segundo tipo superaram os do primeiro tipo, em 2016-18, contra apenas gastos do primeiro tipo, em 2000-02 (OCDE, 2019).

Quanto às tarifas médias de importação de produtos agrícolas, entre 2000 e 2016, elas se reduziram de 21% para 12%, nos países em desenvolvimento, e de 12,5% para 9,5%, nos desenvolvidos (FAO, 2017b). Contudo, ainda continuam bem mais altas que as tarifas médias de importação de produtos industriais, na casa dos 5%.

As barreiras não tarifárias tradicionais foram substituídas por tarifas, normalmente muito altas e impeditivas à importação. Por determinação da OMC, nestes casos, os países importadores têm que garantir acesso mínimo de 5% a seu mercado, cobrando tarifas menores e distribuindo cotas de importação com tarifas reduzidas (TRQ), o que acaba sendo feito de acordo com interesses econômicos e políticos. As cotas de importação, portanto, mudaram de forma, mas continuaram existindo e as tarifas extracotas se mostram proibitivas, bem acima das praticadas nas cotas.

Outras duas práticas comuns no comércio mundial agrícola são a escalada e os picos tarifários. A primeira é resultante da cobrança de tarifas relativamente mais altas dos produtos com maior grau de processamento de uma cadeia produtiva. A FAO demonstra que as tarifas médias praticadas no comércio internacional nas cadeias do cacau e do café são mais baixas para os produtos primários (amêndoa de cacau, café em grão), intermediárias para produtos com pequeno grau de processamento (manteiga de cacau, café torrado e moído) e altas para produtos com maior grau de processamento (chocolate, bebidas prontas derivadas do café) (FAO, 2017b). Algo semelhante acontece com soja e cadeia têxtil, em que os países praticam tarifas maiores para roupas, intermediárias para tecidos e bem menores para as fibras agrícolas (algodão, linho, seda, lã). A escalada tarifária dificulta aos países exportadores de matérias-primas, normalmente em desenvolvimento, que as processem em seu território e vendam produtos mais elaborados.

Para alguns produtos considerados sensíveis, muitos dos quais sofreram processo de tarificação, as tarifas de importação situam-se muito acima da tarifa média, não sendo raro ultrapassarem a 100%. Isto é chamado de pico tarifário e é praticado, por exemplo, pela UE na importação de carne bovina extra cota Hilton. Na safra 2015/2016, a tarifa de importação no âmbito da cota Hilton era de 20% ad valorem. Extra cota se cobrava uma tarifa de 12,8% ad valorem mais 303,4 euros por 100 Kg de carne (CANAL RURAL, 2018).

É comum também as exportações agrícolas serem afetadas por barreiras não tarifárias, ligadas à conformidade do produto e questões sanitárias. Embora haja regulamentação internacional, derivada dos acordos TBT e SPS, de 1994, permanecem muitas disputas entre os paísesem torno deste tema. Este tipo de barreira é de difícil quantificação e, não raramente, os países exageram em sua aplicação. Neste caso se constitui a chamada barreira técnica:

“Barreiras Técnicas às Exportações são barreiras comerciais derivadas da utilização de normas ou regulamentos técnicos não transparentes ou que não se baseiam em normas internacionalmente aceitas ou, ainda, decorrentes de adoção de procedimentos de avaliação de conformidade não transparentes e/ou demasiadamente dispendiosos, bem como de inspeções excessivamente rigorosas”.(INMETRO, 2009).

Embora possa se dizer que o protecionismo agrícola dos países desenvolvidos tenha diminuído nas últimas três décadas, ele continua bem maior do que o observado no caso dos produtos industrializados. Países, como o Brasil e Argentina, que apresentam custos de produção relativamente baixos e têm se revelado grandes exportadores de produtos de origem agrícola, acabam por serem prejudicados por tal situação.

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Outro ponto a considerar sobre o protecionismo é que seu nível é afetado pela conjuntura agrícola. Em momentos em que os mercados agrícolas estão com preços favoráveis aos agricultores, estes diminuem suas pressões em favor de medidas protecionistas. O inverso também é verdadeiro.

3 – Padrão de Consumo de Alimentos e Situação NutricionalMuito longe de ser homogênea, a agricultura apresenta grande diversidade quanto à sua

estrutura e desempenho produtivo entre os países e regiões do mundo. Também a disponibilidade de alimentos se apresenta diferenciada, assim como aspectos qualitativos do seu consumo, destacando-se o quesito nutricional.

As diferenças evidenciam-se na estrutura agrária (distribuição da posse e propriedade da terra), disponibilidade de recursos naturais (terra e água, em especial), nível tecnológico, importância econômica e crescimento da agricultura, quantidade de pessoas moradoras do meio rural ou que dependem da renda agrícola, nível de pobreza dos agricultores (FAO, 2017a).

Especificamente, ao se pensar na tecnologia agrícola e integração da agricultura com outros ramos da economia, pode-se considerar que haja tendência de expansão do sistema formado em torno da agricultura modernizada (ou convencional, em nossa denominação), fortemente integrada a ramos urbano-industriais, com alta tecnologia (biológica, química, de informação e mecânica) e produtividade, em que se verifica uma tendência de crescimento do tamanho médio dos estabelecimentos agrícolas.

Contudo, essa situação está muito longe de ser generalizada, sendo que no outro extremo constata-se a existência da agricultura de pequena escala, voltada para a subsistência da família do agricultor, com grande número de pessoas ocupadas por área ou animal e assentada em métodos tradicionais de cultivo, que continua predominando em vastas regiões, especialmente nos países menos desenvolvidos. Como não poderia deixar de ser, entre os extremos, há uma série de situações intermediárias.

Além disso, atualmente, constata-se o fortalecimento de movimentos que apregoam a necessidade do desenvolvimento de tecnologias alternativas, com fundamentação agroecológica ou orgânica, e que questionam, entre outros, a base química da modernização agrícola ou da revolução verde e se posicionam contra a transgenia. Há movimentos também em favor da aproximação entre agricultor e consumidor, diminuindo os intermediários nas cadeias agrícolas e elevando o consumo de produtos in natura, o que proporciona melhoraria na qualidade nutricional da alimentação.

Mesmo entre os que praticam e defendem a agricultura convencional, há quem entende ser necessário levar em conta, além da redução de custos de produção e ganhos de produtividade, questões ambientais e sociais. A preocupação ambiental se traduz, muitas vezes, em estimativas da emissão líquida de GEE pelas atividades agrícolas e respectivas cadeias.

Quando à disponibilidade e consumo de alimentos, costuma-se refletir sobre a Segurança Alimentar e Nutricional (SAN) das diversas nações. O termo alimentar se associa mais à questão quantitativa e o nutricional à qualidade biológica dos alimentos e da alimentação.

Este capítulo trata da situação de SAN nos países e regiões do mundo, com destaque à avaliação da disponibilidade e padrão de consumo dos alimentos. No capítulo seguinte serão abordadas questões relativas à produção e preço agrícola, seguida pela questão ambiental e, após, pela abordagem do comércio internacional agrícola.

3.1 - Convivência da Desnutrição com a HipernutriçãoNas últimas décadas, os índices desobrepesoe obesidade, ligados ao sedentarismo e à

dieta desbalanceada, têm aumentado nos países desenvolvidos e, mais rapidamente, nos em

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desenvolvimento, se constituindo em um dos cinco principais fatores de risco de morte no mundo (FAO, 2012).

Ao mesmo tempo, diversos indicadores mostram que a desnutrição continua alcançando centenas de milhões de pessoas no mundo, em especial nos países mais pobres. Embora possa parecer óbvia, entendemos que esta associação entre desnutrição e pobreza deve ser sempre destacada, quando se assume o compromisso de debelar a fome no mundo.

3.1.1 – As Metas de Universalização do Direito Humano à AlimentaçãoNa década de 1990 foram estabelecidas duas metas para diminuição da desnutrição no

mundo. Em 1996, a FAO promoveu, em Roma (Itália), a Cúpula Mundial sobre Alimentação (CMA), na qual os representantes de mais de 180 países se comprometeram a reduzir pela metade o número absoluto de pessoas famintas em seu território, entre 1990 e 2015.

Em 2000, entre os Objetivos do Desenvolvimento do Milênio (ODM), firmados no âmbito da Organização das Nações Unidas (ONU), foi estabelecida a meta de redução pela metade da proporção da população desnutrida, entre 1990 e 2015 (ONU, 2007).

Transcorridos os 25 anos previstos nessas duas metas, os números apontam que elas não foram atingidas, com frustração maior da proposta pela CMA. Especificamente para os países em desenvolvimento, os dados mostram que no triênio 1990-92, a média anual de desnutridos era de 990,7 milhões de pessoas, 23,3% de sua população total, valores que passaram para 779,9 milhões e 12,9%, em 2014-16 (FAO, 2015).

Maisrecentemente, em setembro de 2015, os países da ONU aprovaram a Agenda 2030, contendo 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), que se desdobram em 169 metas. O segundo objetivo (ODS 2) propõe, até 2030, acabar com a fome, alcançar a segurança alimentar e melhoria da nutrição e promover a agricultura sustentável, conforme o Quadro 3.1.Quadro 3.1 - Metas do Objetivo de Desenvolvimento Sustentável Número 2, da ONU.2.1. até 2030, acabar com a fome e garantir o acesso de todas as pessoas, em particular os pobres e pessoas em situações vulneráveis, incluindo crianças, a alimentos seguros, nutritivos e suficientes durante todo o ano;2.2. até 2030, acabar com todas as formas de desnutrição, incluindo atingir até 2025 as metas acordadas internacionalmente sobre desnutrição crônica e desnutrição em crianças menores de cinco anos de idade, e atender às necessidades nutricionais dos adolescentes, mulheres grávidas e lactantes e pessoas idosas;2.3. até 2030, dobrar a produtividade agrícola e a renda dos pequenos produtores de alimentos, particularmente das mulheres, povos indígenas, agricultores familiares, pastores e pescadores, inclusive por meio de acesso seguro e igual à terra, outros recursos produtivos e insumos, conhecimento, serviços financeiros, mercados e oportunidades de agregação de valor e de emprego não-agrícola;2.4. até 2030, garantir sistemas sustentáveis de produção de alimentos e implementar práticas agrícolas resilientes, que aumentem a produtividade e a produção, que ajudem a manter os ecossistemas, que fortaleçam a capacidade de adaptação às alterações climáticas, às condições meteorológicas extremas, secas, inundações e outros desastres, e que melhorem progressivamente a qualidade da terra e do solo;2.5. até 2020, manter a diversidade genética de sementes, plantas cultivadas, animais de criação e domesticados e suas respectivas espécies selvagens, inclusive por meio de bancos de sementes e plantas diversificados e bem geridos em nível nacional, regional e internacional, e garantir o acesso e a repartição justa e equitativa dos benefícios decorrentes da utilização dos recursos genéticos e conhecimentos tradicionais associados, como acordado internacionalmente;2.a. aumentar o investimento, inclusive via o reforço da cooperação internacional, em infraestrutura rural, pesquisa e extensão de serviços agrícolas, desenvolvimento de tecnologia, e os bancos de genes de plantas e animais, para aumentar a capacidade de produção agrícola nos países em desenvolvimento, em particular nos países menos desenvolvidos;2.b. corrigir e prevenir as restrições ao comércio e distorções nos mercados agrícolas mundiais, incluindo a eliminação paralela de todas as formas de subsídios à exportação e todas as medidas de exportação com efeito equivalente, de acordo com o mandato da Rodada de Desenvolvimento de Doha;

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2.c. adotar medidas para garantir o funcionamento adequado dos mercados de commodities de alimentos e seus derivados, e facilitar o acesso oportuno à informação de mercado, inclusive sobre as reservas de alimentos, a fim de ajudar a limitar a volatilidade extrema dos preços dos alimentos.Fonte: ONU (2015).

São metas mais ambiciosas e amplas que as estabelecidas na década de 1990, com a incorporação, no que diz respeito à produção agrícola, de ações em favor da preservação ambiental e diversidade genética e do aumento da produtividade da terra e dos rebanhos. Fala-se em adoção de um conjunto de políticas públicas e em controles sobre os mercados de commodities, inclusive em âmbito internacional.

3.1.2 - Indicadores e Diagnóstico da DesnutriçãoAs deficiências nutricionais podem ser avaliadas sob diversas formas. Entre elas, a

ingestão reduzida de micronutrientes, como ferro, vitamina A, iodo, zinco e cálcio, que atinge próximo a dois bilhões de pessoas no mundo (FAO, 2017). Além da debilidade física, estas deficiências estão associadas a doenças, como no caso da vitamina A, que pode resultar em cegueira, ou de cálcio, em osteoporose.

Há também aqueles indicadores relacionados com o total de consumo alimentar. Entre eles a prevalência da subalimentação, a cargo da FAO, que diz respeito à estimativa do número de pessoas que não conseguem acessar a quantidade mínima de calorias necessária para o ser humano, na média um pouco abaixo de 2.000 quilocalorias (Kcal) por dia. Para esta estimativa, leva-se em conta a disponibilidade de alimentos, pesquisas de consumo familiar e distribuição de renda e aspectos demográficos (idade, sexo e estatura). A disponibilidade, medida em Kcal, é obtida somando à produção nacional de alimentos a importação e subtraindo a exportação, as perdas e o uso não alimentício (plantio de nova safra).

O Gráfico 3.1 apresenta dados recentes da prevalência da subalimentação. Observa-se que após queda entre 2005 e 2015, a partir daí tanto o número quanto a porcentagem de desnutridos vêm aumentando. Em 2018, estima-se que existiam cerca de 822 milhões de pessoas subalimentadas, 11% da população mundial. Com estas informações, pode-se estabelecer que muito dificilmente a fome no mundo será extinta até 2030, como previsto na ODS 2.Gráfico 3.1 - Número e porcentagem de pessoas subalimentadas no mundo, entre 2005 e 2018.

Fonte: FAO et al (2019).Entre as regiões, a situação mais grave, em 2018, era da África, com 19,9% de

subalimentados, seguido pela Ásia, com 11,3%, América Latina e Caribe, 6,5% e Oceania, com

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6,2% de pessoas desnutridas. Na América do Norte e na Europa, a desnutrição atingia menos que 2,5% da população, abaixo da margem de erro considerada nas estimativas da FAO (FAO et al, 2019).

Outro indicador de desnutrição é o de Inseguridade Alimentária, que contempla três níveis: a) Seguridade Alimentária – a pessoa tem acesso suficiente aos alimentos, em quantidade e qualidade; b) Inseguridade Alimentária Moderada – a pessoa enfrenta incertezas em sua capacidade de obter alimentos e se vê obrigada a aceitar menos qualidade ou quantidade nos alimentos que consome; c) Insegurança Alimentária Grave – a pessoa fica sem alimentos e, nos piores casos, não come nada em um ou mais dias. Dos 7.633 milhões de habitantes da terra, em 2018, estimava-se que dois bilhões enfrentavam Inseguridade Alimentária Moderada ou Grave. No caso dos países desenvolvidos, esta soma alcançava 8,0% da população local (FAO et al, 2019).

Considerando-se as medidas de desnutrição de natureza clínica, percebem-se avanços e retrocessos. Por exemplo, o porcentual de crianças abaixo de 5 anos com atraso no crescimento diminuiu no mundo, de 25%, em 2012, para 22%, em 2018. Em direção contrária, o porcentual de mulheres em idade fértil (15 aos 49 anos) com anemia, cresceu de 30%, em 2012, para 33%, em 2016 (FAO et al, 2019).

3.1.3 - Causas e Enfrentamento da DesnutriçãoDando um passo adiante, podem-se discutidas as causas da desnutrição. Há sempre os

que apregoam que a humanidade, diante do crescimento populacional, não consegue produzir alimentos suficientes para todos. Isto não encontra respaldo ao se analisar a disponibilidade de alimentos no mundo; ela era de 2.597 Kcal/capita/dia (Kpd), em 1990-92, aumentou para 2.710 Kpd, em 2000-02, para 2.840 Kpd, em 2010-12, e alcançou 2.903 Kpd, em 2014, valores acima do mínimo julgado necessário ao ser humano (FAO, 2013, 2015a). Ou seja, na média, há alimentos suficientes para todos e a disponibilidade por pessoa continua se elevando.

Ao proceder-se uma análise mais desagregada, se percebe, pela Tabela 3.1, que a disponibilidade média aumentou em todas os agrupamentos de países em desenvolvimento e se manteve constante apenas para o conjunto dos países desenvolvidos, onde ela já era bastante alta no início do período.Tabela 3.1 – Disponibilidade média de alimentos em Kcal/pessoa/dia e sua variação entre 2000-02 e 2010-12, no mundo e em algumas regiões.

Região Kcal/pessoa/dia Variação2000-02 2010-12 Absoluta Porcentual

Países Desenvolvidos 3.370 3.370 0 0,0Países em Desenvolvimento 2.550 2.720 170 6,7África 2.410 2.530 120 5,0América Latina e Caribe 2.820 2.960 140 5,0Ásia 2.550 2.730 180 7,1Oceania 2.430 2.550 120 4,9Mundo 2.710 2.840 130 4,8Fonte: FAO, 2013.

O problema destes dados é que eles revelam uma situação média e, como já visto no item anterior, parcela considerável da população não consegue acessar uma quantidade suficiente de comida. É o caso de agricultores de subsistência de regiões que enfrentam problemas climáticos ou sanitários, que comprometem a produção agrícola local, sem que seus habitantes tenham outras fontes de renda para comprar os alimentos de outras regiões.

Desastres naturais (terremotos, furacões, maremotos) se juntam a acontecimentos mais frequentes, como secas e inundações, trazendo efeitos negativos na produção agrícola, emprego e renda e nutrição das pessoas. Os conflitos militares internos e entre nações têm crescido nos

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últimos anos, em especial nos países da África e da Ásia, agravando a situação de desnutrição (FAO, 2017a). Também conjunturas econômicas mais desfavoráveis podem implicar em aumento da pobreza e da fome.

Em uma visão estrutural ou de longo prazo, pode-se dizer que a causa básica da fome é a insuficiência de renda das pessoas. Ou seja, fome está associada a indicadores de pobreza e extrema pobreza da população. Estes indicadores guardam relação tanto com a renda per capita quanto com sua distribuição entre as pessoas. Em dois países com mesmo nível de renda per capita, a desnutrição tende a ser maior naquele com renda mais concentrada.

A partir desse diagnóstico, a FAO entende que o principal mecanismo de combate à fome devam ser as políticas de incentivo a investimento e crescimento econômico, especialmente as voltadas para agricultura, onde são maiores os níveis de pobreza e desnutrição. Ressalte-se que nos países que apresentam altos índices de desnutrição, a agricultura tende a ter um peso muito grande em suas economias.

Pode-se também pensar na intervenção pública em favor da melhor distribuição de renda. Isto pode-se dar taxando relativamente mais a parcela mais rica da população e aumentando os gastos públicos destinados aos mais pobres.

Neste sentido, a FAO recomenda que sejam implantadas (ou reforçadas, em conjunturas adversas) ações de proteção social que proporcionem, imediatamente, aumento do acesso à alimentação pelas famílias mais pobres. Podem ser citados como exemplos,programas de suplementação de renda (Food Stamp, nos EUA, Bolsa Família e Benefício de Prestação Continuada, no Brasil), seguro desemprego, criação de frentes de trabalho etc.

De maneira geral, entende-se que a suplementação em dinheiro é melhor do que a distribuição de alimentos, porque os recursos monetários tendem a ser gastos localmente, servindo de estímulo à economia da região beneficiada, e por razões práticas. A distribuição de alimentos tem dificuldades logísticas e podem ocorrer desvios de finalidade na ação, com os alimentos não chegando a quem realmente precisa ou mesmo sendo comercializados e não doados. Contudo, em situações emergenciais, resultante de desastres naturais ou conflitos militares, com efeitos contundentes na economia local, a doação de alimentos se apresenta quase que como única solução viável.

3.2 - Padrão Contemporâneo de Consumo AlimentarA alimentação ou o padrão de consumo de alimentos de determinada sociedade tem

múltiplos determinantes, sendo afetado por fatores econômicos, sociais, políticos, históricos e culturais.

“Independentemente da óbvia necessidade de se manter a saúde física, considerações relacionadas com a etnicidade, status e prestígio, capacidade econômica, aceitação dentro de grupos sociais ou religiosos particulares, esnobismo alimentar, pressão publicitária e ajustes psicológicos, são todos eles aspectos da cultura que desempenham papéis importantes na determinação das preferências alimentares”. (Shack citado por BLEIL, 1998:5)

Assumimos que a principal tendência atual é a disseminação no mundo do padrão de consumo agroindustrial (OLIVEIRA & THÉBAUD-MONY, 1996). Contudo, é importante se considerar que este padrão se diferencia de acordo com a renda do consumidor, continuam existindo (resistindo) diversos hábitos alimentares regionais e estão se fortalecendo movimentos em favor de padrões alimentares alternativos, por razões sociais, culturais, ambientais e de saúde.

As características básicas do padrão de consumo agroindustrial são: a) crescimento das refeições realizadas fora do domicílio; b) importantes alterações na composição da cesta de alimentos e; c) predominância de alimentos industrializados, que atraem os consumidores com apelos de preço, saciedade mais que de nutrição, afirmação social e praticidade na apresentação, preparo e compra.

O desenvolvimento de tal padrão de consumo está ligado a fatores como a disseminação da produção em massa, a urbanização, a maior presença da mulher no mercado de trabalho, a

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diminuição do tamanho das famílias, a evolução das formas de distribuição e os gastos com propaganda e marketing.

A generalização da produção em massa, com as mudanças tecnológicas associadas, eleva a produtividade do trabalho e rebaixa custos médios das várias etapas das cadeias agroalimentares, o que junto ao crescimento das relações assalariadas e do rendimento médio dos trabalhadores, amplia o mercado consumidor dos produtos e serviços. Além disto, há constantes lançamentos de novos produtos pela Indústria Alimentícia, levando à maior diversidade na cesta de consumo.

A urbanização tem o significado de afastar grande parte dos consumidores da produção direta de alimentos e criar imensos mercados de consumo geograficamente concentrados. Além disso, especialmente nas grandes cidades, fica limitado o retorno para a casa nos horários de almoço, ganhando importância as refeições fora do domicílio, em refeitórios industriais, no próprio local de trabalho, ou em bares e restaurantes. Estes atraem também os chamados consumidores solitários, pela sociabilidade que oferecem e por eventuais vantagens de custo e de conforto em relação à confecção doméstica da própria refeição.

Uma expressão moderna desse fenômeno são as redes de fast food ou refeições rápidas, em que a racionalidade da escala, redução de custos e diminuição do tempo de preparo e da refeição sobrepujam o valor nutritivo e o prazer de uma refeição demorada. O típico cardápio fast food é composto por pão, hamburger, batata frita, refrigerante, sorvete e torta, ricos em carboidratos, gorduras e açúcar. Alternativamente, no Brasil desenvolveu-se o self servisse ou comida por quilo, em que também não se perde tempo e há redução dos custos operacionais, mas que possibilita (se este for o desejo do consumidor) a montagem de refeição mais equilibrada, com maior presença de fibras, vitaminas e sais minerais.

O número reduzido, quando não unitário, de membros das famílias estimula o oferecimento de embalagens com porções menores. A disseminação do trabalho feminino e o ritmo intenso da sociedade moderna limitam o tempo disponível para o preparo doméstico das refeições. Desta maneira, ganham espaço os produtos fatiados ou picados e higienizados, os congelados, os temperos, molhos e sucos prontos, os embutidos, o leite longa vida, carnes temperadas e empanadas, produtos instantâneos ou misturados, os prontos e adequados para consumo em trânsito ou em frente à televisão ou ao computador doméstico. A economia de tempo no preparo dos alimentos se soma à economia de tempo nas compras em supermercados que concentram no mesmo local todos os produtos alimentícios, além de outros.

Mesmo porque novos produtos são frequentemente lançados, o consumo dos alimentos é estimulado por imensos gastos publicitários e promocionais, que, no mais das vezes, não valorizam suas qualidades intrínsecas (muitas vezes, de pequena monta) e procuram atingir, especialmente, os jovens, que tendem a incorporar mais facilmente novos hábitos alimentares (BLEIL, 1998).

Além do consumo de massa, estimulado pelo barateamento dos alimentos e refeições, observa-se a exploração dos chamados nichos de mercado, voltados para consumidores de maior poder aquisitivo, e em que são valorizados atributos qualitativos ligados ao paladar, forma de produção ou origem do produto. Exemplo típico é do mercado cafeeiro, em que ao consumo do café torrado e moído tradicional, ainda amplamente predominante, se junta o consumo de cafés especiais, com grão e bebida de melhor qualidade, sabor mais específico e marcados pela origem em determinada região. No mesmo sentido, alguns grupos de consumidores demandam FLV exóticas e carnes com cortes especiais e texturas diferenciadas.

Outras mudanças verificadas na composição da dieta alimentar são a perda de importância de fontes de carboidratos e proteínas vegetais tradicionais (no Brasil, mandioca, arroz e feijão, conforme Schlindwein & Kassouf, 2007) e o crescimento do consumo de carnes e laticínios, frutas e verduras e açúcar. Especificamente, quanto às proteínas animais considere-se:

“De hecho, com elcrecimiento económico a largo prazo em todo el mundo desde princípios de la década de 1960, el aumento del consumo de alimentos de origem animal há superado

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notablementeelcrecimientodel consumo de otros importantes grupos de alimentos. El consumo de leche por persona há sido casiel doble em los países em desarollo, el consumo de carne y pescado se há triplicado y el consumo de huevos se há multiplicado por cinco”. (FAO, 2012:18).

Ademais, leve-se em conta que o padrão de consumo agroindustrial apresenta gradação entre categorias sociais e países, de acordo com o nível de renda e desenvolvimento, fato retratado na seguinte citação:

“Segundo estudos da Unilever, até aproximadamente US$ 5 mil de renda per capita anual, a demanda por alimentos de uma população se resume a cereais e produtos in natura. A partir desta faixa de renda tem início a demanda por produtos básicos de mercearia. Os produtos congelados passam a fazer parte da dieta das famílias com renda per capita a partir de US$ 10 mil. Finalmente, os produtos pré-preparados, variedades de marca e produtos frescos modernos só deverão entrar na cesta de consumo de compradores com renda per capita acima de US$ 15 mil anuais” (BELIK, 2001, pag.45).

Neste mesmo sentido, pode-se considerar a citação abaixo, com parte de seu conteúdo sendo comprovada nos gráficos 3.2 e 3.3.

“Os dados existentes em nível mundial sugerem que o aumento da renda familiar vem acompanhado de maior variedade na dieta. Quanto maior o rendimento, maiores as porcentagens de gastos destinadas a alimentos não básicos, como os de origem animal, os azeites vegetais, as frutas e hortaliças e os alimentos processados que podem conter altos níveis de gordura, açúcar e sal. O consumo de carne, pescado e produtos lácteos aumenta significativamente com o aumento da renda o consumo de frutas e hortaliças também aumenta, mas de forma menos acentuada, e o consumo de cereais e legumes decresce”. (FAO, 2017a, pag. 34, traduzido do espanhol)

Gráfico 3.2- Relação entre PIB per capita e quantidade de calorias provenientes de alimentos básicos, países em desenvolvimento, 2010.

Fonte: FAO (2017).É importante reforçar o fato de que a menor diversidade da dieta alimentar dos mais

pobres se revela nas maiores dificuldades de consumo de proteínas animais e produtos in natura e mais nutritivos, como frutas e verduras, ao mesmo tempo, que tende a ocorrer consumo excessivo das chamadas calorias vazias, da farinha de trigo não integral e do açúcar de cana ou beterraba. O próprio nome já revela sua baixa qualidade nutricional, mas que, além de baratas, promovem uma sensação de saciedade e fornecem energia necessária para o dia a dia.

Pode-se afirmar também que, apesar do avanço do modelo agroindustrial, mantêm-se diferenças entre países, com alguns se destacando por tentarem manter seus tradicionais padrões de consumo. Ao mesmo tempo, pode-se perceber que algumas regiões apresentam dietas que se distinguem por serem mais saudáveis, elevando a expectativa de vida de suas populações. São os casos da dieta do Mediterrâneo, caracterizada pelo consumo de grãos integrais, de azeite de

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oliva, de peixe e pouca carne vermelha, e da dieta do Japão, baseada em peixe, vegetais, derivados de soja e pequena ingestão de açúcar.Gráfico 3.3 - Relação entre PIB per capita e quantidade de calorias provenientes de alimentos de origem animal, países em desenvolvimento, 2010.

Fonte: FAO (2017).

3.2.1 – Repercussões na Saúde Pública Como já afirmado, ao padrão de consumo agroindustrial está associada uma série de

mudanças produtivas e tecnológicas nas diversas etapas das cadeias agroalimentares, produção de insumos agrícolas, produção agrícola, bem como na sua transformação e distribuição. Isto fez com que a disponibilidade de alimentos no mundo crescesse em ritmo elevado, embora, como já visto, em vários países a desnutrição continue atingindo grande parcela da população.

Outrossim, é importante que se considerem críticas que dizem respeito à qualidade deste padrão de consumo.São claras as evidências que parte significativa da população consome quantidades de alimentos acima do necessário e de forma nutricionalmente desequilibrada, com excesso de gorduras, açúcares, carboidratos e sal e insuficiência de proteínas, vitaminas, sais minerais e fibras. O sedentarismo é o ingrediente adicional que leva ao aumento do número de pessoas com sobrepeso ou obesidade, inclusive em crianças e adolescentes, e de problemas de saúde decorrentes, como os cardiovasculares, diabetes e alguns tipos de cânceres.

No Gráfico 3.4 fica evidenciada a elevação, no presente século, do sobrepeso e da obesidade na população mundial, em crianças, adolescentes e adultos. Nas Américas, a situação tende a ser mais grave, tanto entre os países desenvolvidos e em desenvolvimento; na América do Norte o sobrepeso total atingia 67,5% e na América Latina e Caribe, 59,6%da população adulta, em 2016 (FAO et al, 2019).

Como reação, já há algum tempo, observam-se ações voltadas para a ingestão de alimentos mais saudáveis nos diversos segmentos do SPA. Desta forma, passaram a se criar raças de animais com menor teor de gordura, as chamadas carnes brancas se valorizaram, gorduras animais foram substituídas por óleos vegetais, desenvolveram-se as linhas diet e light. Vem crescendo, em substituição aos refrigerantes, o consumo de bebidas mais naturais, como água mineral, sucos de frutas e chás, bem como o de vegetais frescos ou in natura.

No campo da regulamentação pública, observa-se o estabelecimento de normas sobre a presença de sal, gorduras trans e aditivos nos alimentos, controle de propaganda e exigência de

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maiores informações nutricionais nos rótulos dos produtos, propostas de maior taxação de produtos baseados em calorias vazias, ações visando à melhoria nutricional da alimentação escolar, entre outras.Gráfico 3.4 – Porcentagem de sobrepeso e obesidade na população mundial, por faixa etária.

Fonte: FAO et al (2019).Há movimentos que questionam mais profundamente as bases produtivas ligadas ao

padrão de consumo agroindustrial, que serão apresentados no final do capítulo cinco.

4 – Produção, Preços e Comércio Internacional AgrícolaNo capítulo anteriorforam analisadas algumas características da demanda de alimentos no

mundo. Neste pretende-se confrontar a demanda e a produção de alimentos e outros produtos de origem agrícola e as consequências em seus preços. Sempre é bom lembrar que a agricultura além de produtos destinados à alimentação humana, produz para alimentar os animais, para biocombustíveis e para outros fins (roupas, móveis, papel etc.).

Outros pontos a serem abordados são o uso dos recursos naturais e de técnicas modernas, os ganhos de produtividade e os efeitos ambientais da atividade agrícola. Em decorrência, pretende-se discutir a competividade internacional de diversas regiões e continentes do mundo, com suas implicações nas respectivas participações na produção e no comércio internacional agrícola.

4.1 -Variação do Consumo, Produção e Preços de AlimentosO Gráfico 4.1 evidencia que os preços dos alimentos apresentam forte variações no curto

prazo, ou seja, mostram muita instabilidade. Apesar disto, podem ser contatadas algumas tendências de longo prazo. Nas últimas quatro décadas do século XX, observou-se uma queda de quase 50% nos preços reais (descontada a inflação) dos alimentos no mundo. A principal causa foram os avanços tecnológicos, associados à chamada Revolução Verde, que resultaram na redução do custo unitário de produção agrícola, permitindo seu aumento mesmo com preços em

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queda. Também o forte protecionismo agrícola, vinculado aos estímulos à produção nos países desenvolvidos, em especial os da Europa, contribuiu para este aumento produtivo.Gráfico 4.1 - Variação nominal e real do Índice FAO de Preços de Alimentos, 1961 a 2019.

Fonte: FAO (2020).Ao contrário, no presente século, constatou-se forte e rápida elevação de preços dos

alimentos, que atingiram os valores máximos entre 2010 e 2012, voltando aos patamares do início dos anos 1960. Isto trouxe graves consequências sociais, especialmente para aqueles mais pobres, que gastam parcela significativa de suas rendas com alimentação.

Alguns poderiam supor que tal fato teria decorrido de a oferta de alimentos não ter acompanhado, no período mais recente, o crescimento populacional. Os números não confirmam esta suposição.Assim, entre 1991-2000, a produção total do setor agrícola mundial aumentou 2,5% ao ano e a produção per capita elevou-se em 1,0% a. a., enquanto de 2001-2010, esses valores foram, respectivamente, de 2,6% e 1,4% a.a.(FAO, 2012a). Também, como já visto, a disponibilidade de alimentos cresceu 4,8% no mundo, entre os triênios 2000-02 e 2010-12 (FAO, 2013). Ressalte-se que esses dois crescimentos foram mais expressivos nos países em desenvolvimento do que nos desenvolvidos.

O que aparenta ter acontecido, de fato, é que o crescimento da oferta, ainda que significativo, não foi suficiente para atender a elevação da demanda de alimentos, daí derivando pressões altistas em seus preços. Deve-se entender que a demanda não é afetada apenas pelo número de consumidores, mas também por variações em sua renda e hábitos de consumo.

Entre os fatores que dificultaram a oferta crescer ainda mais expressivamente podem ser elencados a maior destinação de área agrícola para produção de biocombustíveis e as mudanças no protecionismo agrícola dos países desenvolvidos, que diminuiu em volume financeiro e se mostrou menos vinculado à produção. Além disto, houve elevação do custo da produção e do transporte agrícola decorrente do encarecimento do petróleo e derivados, inclusive alguns fertilizantes e agrotóxicos, além do diesel.

Do lado da demanda, deve-se destacar o crescimento da renda, em especial em países muito populosos, como China e Índia, pressionando para cima o consumo per capita e total de

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alimentos. É bom lembrar que a China aumentou muito sua participação nas importações agrícolas no presente século.

A isto se associa a maior presença de proteínas animais na dieta da população, exigindo maior produção de grãos para compor as rações, especialmente milho e soja. Estima-se que sejam necessários oito quilos de grãos para se produzir um quilo de carne (MALUF & SPERANZA, 2013).

Ao se fazer uma análise por tipo de produtos, os de origem agrícola apresentaram menor expansão da produção do que os de origem animal, o que está de acordo com a maior incorporação de proteína animal no consumo alimentar contemporâneo. Dentre os produtos agrícolas, especialmente as frutas e verduras se destacaram, com taxas expressivas de expansão em sua produção, embora sua importância absoluta continue reduzida. Também a soja e o milho tendem a apresentar maior dinamismo produtivo, justificado pela sua destinação para rações animais e biocombustíveis. Já entre os produtos animais, merece destaque o crescimento da produção de carne de frango, de lácteos e da aquicultura, enquanto as de carne suína e bovina mostraram tendência de estagnação (FAO, 2013). A pesca também tem se mostrado estagnada, com sua produção sendo suplantada pela aquicultura a partir de 2004 (OCDE & FAO, 2019).

A partir de 2012, os preços reais dos alimentos apresentaram queda, contudo, sem voltarem aos patamares do início do século XXI. As projeções da OCDE & FAO (2019) indicam que, entre 2019 e 2028, estes preços tendem a se estabilizar ou mesmo apresentar leve queda. Neste período, dentro do nível de conhecimento já acumulado, há potencial tecnológico para expansão da oferta agrícola, mas isto pode ser atrapalhado pelas consequências negativas à produção das mudanças climáticas que enfrentamos.

Além disto, deve-se considerar que oacréscimo da produção agrícola necessário para se evitar pressões altistas nos preços dos alimentos poderia ser menor se houvesse redução nassuas perdas, nas etapas iniciais das cadeias agroalimentares, e desperdícios, no comércio varejista e no consumo. A FAO estima que no mundo se perdem ou se desperdiçam 30% da produção dos cereais, entre 40 e 50% dos tubérculos, frutas e hortaliças, 20% das oleaginosas e 30% do pescado. Nos países mais ricos os desperdícios ocorrem especialmente no consumo e nos mais pobres as perdas são maiores na colheita e no transporte de grãos (FAO, 2012).

Evitar as perdas exige aprimoramentos técnicos e administrativos, cujos custos devem ser compensados pelo aumento de vendas. O desperdício no comércio varejista, especialmente de produtos perecíveis, muitas vezes, está ligado a questões mercadológicas, com comerciantes jogando fora produtos com aparência considerada desagradável, ainda que apresentem condições próprias de consumo e que poderiam ser vendidas a preços mais baixos ou doados. Nas residências dos mais ricos dá-se pouca importância ao fato de que parte dos alimentos comprados vai para o lixo, comportamento consumista que, evidentemente, não atinge apenas produtos alimentícios.

4.2 –Recursos Naturais, Tecnologia e Produtividade AgrícolaA disponibilidade de recursos naturais, em especial água e terra, deve continuar sendo

considerada ao analisar a participação atual e potencial das diversas regiões no mercado agrícola mundial. Por exemplo, há fortes restrições de água, de superfície, subterrânea e proveniente de chuvas, no Norte da África e no Oriente Médio. No Ásia Oriental o uso da água é muito intenso e próximo ao seu limite, com a irrigação por inundação de arroz sendo praticada em larga escala. Ao mesmo tempo, nesta região, bem como na Europa (pelo menos na sua parte ocidental), a terra agricultável está quase toda usada. Por sua vez, a América Latina e a África Subsaariana apresentam dotação mais favorável tanto de terra quanto de água, permitindo expansão extensiva da produção agrícola.

Além do mais, mesmo quando existem água e terra passíveis de serem usadas para a agricultura, devem-se considerar seus outros possíveis usos. Além da agricultura, a água deve

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Page 32:  · Web viewEsta diferenciação não deve nos levar a uma visão estanque ou isolada do setor primário, pois a chamada agricultura moderna sofre profundas influências dos outros

atender as necessidades da indústria e do consumo humano, principalmente em grandes cidades. No caso da terra, pode-se optar pela manutenção da vegetação natural em lugar de sua exploração agrícola, com fins ambientais, mas também econômicos, ainda que indiretos.

Em termos globais, estimava-se que, em 2009, dos 13 bilhões ha da superfície terrestre, 12% destinavam-se aos cultivos temporários e permanentes5 e 25% às pastagens cultivadas e naturais (pradarias), parte das quais poderia ter seu uso intensificado por cultivos temporários e permanentes ou por substituição de pastagens naturais por cultivadas. Outros 31% eram ocupados por florestas, a maior localizada na Sibéria (Rússia) e a segunda, a Amazônica, na América do Sul. Nos 32% restantes estavam áreas das cidades, com infraestrutura e não propícias a agricultura, como cordilheiras, geleiras e desertos.

Na realidade, desde os anos 1960, o crescimento da produção agrícola tem sido maior do que o da população e mais ainda do que o da terra agrícola. “Apesar da população global mais do duplicar desde 1960 e a produção de alimentos mais que triplicar, o total de terra para uso agrícola cresceu apenas próximo a 10%” (OCDE&FAO, 2019, pag. 40).

No Gráfico 4.2 verifica-se que, até 1960, população, terra e produção agrícolas cresciam em taxas parecidas. A partir de então, o crescimento da área agrícola se revelou pequeno, com tendência à estabilização após 2000, projetando-se que tal fato terá continuidade nas próximas décadas. Enquanto isto, população e produção agrícola cresceram fortemente, a segunda em intensidade bem maior, o que também deverá continuar ocorrendo no futuro. Gráfico 4.2 – Índice de crescimento da população, produção e área agrícola mundiais, no longo prazo.

Fonte: OCDE & FAO (2019).Um exemplo da pequena importância da expansão da área para aumento da produção

agrícola pode ser obtido em projeção realizada pela OCDE & FAO (2017) para o milho. Projetava-se que, entre 2016 e 2026, o crescimento da produção desta lavoura dependeria em 90% da elevação da produção por área e em apenas 10% do aumento da sua área plantada.

A terra, os rebanhos e os agricultores tiveram sua produtividade aumentada pelo uso mais intenso e aprimoramento qualitativo de adubos, agrotóxicos, melhoramento genético vegetal e animal, rações e suprimentos minerais, medicamentos veterinários, máquinas e equipamentos agrícolas, tecnologia de informação, além de melhorias no manejo e cultivo de solo, plantas e 5 Cultivos temporários incluem lavouras e hortícolas com ciclo de até um ano, pastagens temporárias e terras em pousio temporário. Nos permanentes se computam culturas agrícolas com ciclo de vida plurianuais, como café, cacau, seringueira, árvores frutíferas, videiras etc. e não se consideram plantios para lenha e madeira (FAO, 2005).

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animais. Também se conseguiu maior aproveitamento da água disponível, através da construção de canais e dutos, desenvolvimento de técnicas mais eficientes de irrigação, maior conhecimento do clima e melhoramento genético voltado para a obtenção de plantas mais adaptadas às condições climáticas adversas.

Um indicador sintético que revela o ganho de produtividade na agricultura mundial é a Produtividade Total dos Fatores (PTF), que compara a variação na produção agrícola total com a variação no uso dos fatores produtivos (trabalho, terra e capital), ambas medidas em termos monetários.Entre 2001-09, a taxa de crescimento da PTF nos países em desenvolvimento foi de 2,2% a.a., contra 2,4% a.a. nos países desenvolvidos (FAO, 2012a).

Em síntese, os diversos indicadores mostram que o crescimento da produção agrícola vem dependendo muito mais do uso de tecnologias modernas do que de fatores extensivos, como aumento da área cultivada e do tamanho dos rebanhos.

É importante se perceber que se mantêm importantes diferenças no uso de tecnologias modernas entre as regiões do Mundo. Por exemplo, em 2009, a quantidade média de fertilizantes por área com cultivos temporários no mundo era de 117 Kg/ha. Na África este valor era de apenas 20 Kg/ha, enquanto a Ásia consumia próximo a 200 Kg/ha, mais do que o dobro do constatado nos países desenvolvidos (FAO, 2013).

Aliás, na Ásia Oriental, onde se situa a China, o rendimento efetivo dos cultivos situava-se pouco acima de 80% do rendimento econômico potencial, valor mais alto entre todas as regiões e que dificilmente pode ser aumentado. Para o conjunto dos países desenvolvidos, essa relação situava-se entre 60% e 70%. Em algumas regiões dos países em desenvolvimento, como a Ásia Central, América Central e Caribe e África Subsaariana, esse valor estava próximo a 30% e, em princípio, com possibilidades de ser aumentadosignificativamente (FAO, 2012a).

4.3 – Agricultura e a Questão AmbientalA visão amplamente predominante entre os cientistas é que o atual aumento da

temperatura da terra tem origem antrópica e vem se acelerando. Em relação à atividade agrícola, podemos indagar qual sua contribuição para o aquecimento global e quais os efeitos que irá sofrer? Com base em publicações da FAO (2017) e OCDE & FAO (2019), apresentaremos breves considerações relacionadas a essas perguntas.

As estimativas feitas pelo Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática (IPCC) apontam que a contribuição para a emissão líquida mundial de GEE pela Agricultura, Florestas e Outros Usos da Terra (AFOLU) esteja na casa dos 24%, atrás do setor de energia (maior que 50%) e à frente do transporte e outros. Na AFOLU há sequestro de dióxido de carbono através da fotossíntese, com destaque ao papel assumido pela vegetação natural. Contudo, as emissões deste e de outros gases (como o metano) são muito maiores, em torno de cinco vezes, resultando em emissão líquida de GEE.

Destaca-se a emissão proveniente da criação à pasto de ruminantes, cuja digestão provoca a liberação de grande quantidade de metano. Ainda na pecuária, o manejo em granjas de não ruminantes traz efeitos negativos através dos dejetos produzidos. O cultivo de arroz irrigado por inundação e o uso de fertilizantes sintéticos são outras duas fontes importantes de emissão de GEE, além do desflorestamento.

Ainda que não se especifique este ponto, vem se sugerindo uma série de mudanças nas práticas agrícolas para diminuição de sua contribuição à emissão de GEE, além da necessidade de se desenvolver maior regulamentação e fiscalização pública sobre o tema.

Pela sua dependência ainda grande às condições climáticas, a agricultura tende a ser mais afetada pelo aquecimento global. Mudanças no regime de chuvas e na temperatura média, com aumento da ocorrência de ondas de calor, secas e chuvas intensas, podem resultar em necessidade de alteração do uso do solo em algumas regiões do planeta e, em casos extremos,

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torná-las inviáveis para a agricultura. Ao mesmo tempo, em outras regiões, poderá se verificar ganhos de produção para algumas culturas.

4.4 – Expansão e Mudanças no Comércio Internacional de Produtos AgrícolasA partir de 1980 as exportações totais e agrícolas no mundo cresceram em ritmo mais

acelerado que, respectivamente, a produção total e a produção agrícola mundial. Isso revela que houve maior integração entre as economias dos diferentes países.

Na década de 1980, enquanto o valor real das exportações agrícolas dos países desenvolvidos expandiu-se a taxa anual de 4,2%, o dos países em desenvolvimento cresceu a taxa bem menor, de 2,1% a.a. Na década de 1990, tal situação mudou, com os valores respectivos crescendo a taxas de 2,0% a.a. e 3,0% a.a. (FAO, 2005). Em parte, este resultado pode ser atribuído às já citadas diminuição e mudanças na composição do protecionismo agrícola dos países desenvolvidos,após a Rodada Uruguai.

O valor real das exportações agrícolas mundiais cresceu relativamente menos na década de 1990, com taxa de 2,4% a.a., do que na década de 1980, 3,4% a.a. (FAO, 2005). Muito provavelmente, esse fato não esteve associado à diminuição da quantidade exportada, mas à dos preços agrícolas verificada no final dos anos 1990, conforme Gráfico 4.1. Na década de 2000, por sua vez, quando esses preços se elevaram, o valor real das exportações agrícolas cresceu a taxa de 8,3% a.a. Em valores absolutos passou de US$ 403,0 bilhões, em 2000, para US$ 818,0 bilhões, em 2010, 103,0% a mais (FAO, 2012a).

Na Tabela 4.1 percebe-se que quase todas as regiões dos países desenvolvidos (América do Norte, Europa Ocidental e Oceania) perderam importância nas exportações mundiais na década de 2000, com exceção do açúcar e derivados e dos lácteos no caso da América do Norte. É importante se dizer que os EUA continuam sendo o maior exportador agrícola mundial, com destaque nos cereais, oleaginosas e carnes.Tabela 4.1 – Quantidade em milhões de toneladas e participação das regiões nas exportações mundiais, 2000 e 2010.

Região Cereais Oleaginosas Açúcar e der. Carnes Lácteos2000 2010 2000 2010 2000 2010 2000 2010 2000 2010

África 2,125 3,621 1,090 1,374 4,478 3,506 0,118 0,189 0,357 0,4590,8% 1,1% 1,6% 1,1% 8,7% 4,8% 0,5% 0,5% 0,5% 0,4%

Am. Latina e Caribe

26,031 43,688 18,652 46,264 16,436 36,000 2,424 7,840 2,066 3,6209,5% 12,9% 27,5% 38,1% 32,0% 49,2% 10,0% 19,8% 2,8% 3,5%

América do Norte

110,243 109,730 33,840 55,533 1,552 3,704 5,881 8,029 3,544 8,44940,4% 32,3% 50,0% 45,7% 3,0% 5,1% 24,1% 20,3% 4,9% 8,1%

Ásia 39,207 44,071 1,856 1,993 10,588 12,428 2,568 3,736 1,984 5,76214,4% 13,0% 2,7% 1,6% 20,6% 17,0% 10,5% 9,5% 2,7% 5,5%

Europa Ocidental

66,393 71,613 5,737 7,612 11,847 10,513 10,115 15,025 46,639 59,21924,3% 21,1% 8,5% 6,3% 23,1% 14,4% 41,5% 38,0% 64,0% 56,9%

Europa Oriental 7,226 46,756 4,135 7,462 1,745 3,311 0,794 2,187 4,033 8,4512,6% 13,8% 6,1% 6,1% 3,4% 4,5% 3,3% 5,5% 5,5% 8,1%

Oceania 21,886 20,368 2,430 1,331 4,668 3,660 2,459 2,523 14,238 18,1838,0% 6,0% 3,6% 1,1% 9,1% 5,0% 10,1% 6,4% 19,5% 17,5%

Mundo 273,088 339,846 67,741 121,569 51,314 73,122 24,359 39,530 72,861 104,142100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0% 100,0%

Fonte: FAO, 2013.A Europa Oriental, onde se situam a Rússia e a Ucrânia, aumentou sua participação nas

exportações mundiais, com destaque para o grande crescimento no caso dos cereais. Mas sua participação continuava bem menor que a da América do Norte e da Europa Ocidental, em 2010.

Entre as regiões dos países em desenvolvimento, tanto a África quanto a Ásia perderam participação no comércio mundial, com exceção nos cereais na África e nos lácteos na Ásia. Por sua vez, a América Latina e Caribe aumentou sua presença nas exportações agrícolas mundiais, revelando grande participação em 2010, especialmente nos casos do açúcar e derivados, carnes e

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oleaginosas, com destaque para a soja. Entre os países dessa região, os maiores exportadores são a Argentina e, especialmente, o Brasil. A Argentina tem mostrado muito dinamismo no caso dos cereais (trigo, em especial), de oleaginosas (soja, particularmente) e de lácteos. Já o dinamismo do Brasil é maior em oleaginosas (soja), açúcar e derivados e carnes, sendo que no caso de lácteos o País apresenta saldo negativo na balança comercial, ainda que pequeno.

Outro comentário a partir dos dados da Tabela 4.1 é que eles permitem calcular que a expansão da quantidade exportada em milhões de toneladas, entre 2000 e 2010, de cereais foi de 24,4%, das oleaginosas, de 79,5%, do açúcar e derivados, de 42,5%, das carnes, de 62,3% e dos lácteos, a expansão foi de 42,9%. Todas essas taxas de crescimento ficaram abaixo do aumento do valor em dólares das exportações agrícolas, no mesmo período, que, como já visto, foi de 103,0%. Evidencia-se, assim, o importante papel que teve a elevação dos preços para o aumento da renda obtida nas exportações agrícolas.

No Gráfico 4.3, baseado no acontecido até 2018, são feitas projeções do saldo comercial de diversas regiões (não as mesmas da Tabela 4.1, destaque-se) até 2028. A África tenderá a aumentar a importação líquida de produtos agrícolas, o mesmo acontecendo com a China, com este país influenciando o resultado da Ásia como um todo, mesmo porque o saldo da Índia, embora positivo, é muito reduzido. Entre os exportadores líquidos, a Oceania deve ter seu saldo acrescido, mas com valor absoluto pouco significativo. Prevê-se crescimento do saldo da Europa, em especial com o aumento de produção agrícola na Rússia e Ucrânia. O continente americano continuará sendo o grande exportador mundial, com a América Latina e Caribe superando a América do Norte. Uma observação interessante é que enquanto a América consegue produzir muito além da necessidade de consumo da sua população, na Ásia, ocorre justamente o contrário, mesmo que seus índices de produtividade da terra e dos rebanhos sejam muito altos. Gráfico 4.3 - Saldo comercial agrícola de diversas regiões do mundo, constatado até 2018 e projetado para 2028.

Fonte: OCDE & FAO (2019).Um aspecto importante a destacar no comércio mundial de produtos agrícolas é que os

integrantes das etapas de processamento e distribuição das cadeias alimentares vêm se beneficiando mais que os produtores agrícolas. Nesse sentido, a FAO (2013) estima que, nos

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anos recentes a participação dos produtores primários caiu em torno de 10% no valor de produção final das cadeias agrícolas mundiais, enquanto a participação das companhias processadoras e distribuidoras nos países consumidores aumentou em 75%.Seria importante para países como Argentina e Brasil, portanto, avançarem no grau de processamento de suas exportações agrícolas, fato que é dificultado pelas barreiras existentes no comércio agrícola, entre elas a escalada tarifária.

5 – Sistema de Produção Agrícola: Constituição, Integrantes e CríticasO termo agronegócio brasileiro vem sendo usado com várias conotações e intenções,

mesmo que não explícitas. Seus resultados econômicos são positivamente (às vezes, ufanissimamente) destacados, em especial o aumento, a partir de 1990, do seu saldo comercial, baseado em amplo leque de cadeias agrícolas, como da soja, cana-de-açúcar, café, milho, laranja, papel e celulose, fumo e derivados, carnes e outros produtos de origem animal. Entre os principais produtos, apenas na cadeia do trigo o Brasil vem mantendo grande dependência de importações.

Tal desempenho não encontra mais sua explicação principal na disponibilidade de recursos naturais, clima e solo, mas sim no uso intenso de um pacote de tecnologias modernas, associado à chamada Revolução Verde, para o qual contribuem tanto as pesquisas públicas quanto privadas. Também influenciam fortemente no desempenho do Agronegócio, empresas comercializadoras (com destaque às exportadoras) e agroindústrias transformadoras de matérias primas agrícolas. Estas agem agressivamente no desenvolvimento de novos mercados, nacionais e internacionais, e afetam a quantidade e, não raramente, a forma de produção de seus fornecedores agrícolas.

Comumente, agronegócio é encarado também como representação social e política de médios e grandes agricultores e de ramos industriais e de serviços técnica e especificamente a eles ligados, que se juntam em defesa dos interesses de suas atividades.Com frequência, este conjunto se mobiliza em torno de políticas de interesse comum, como concessão de crédito rural e agroindustrial, renegociação da dívida agrícola, política cambial, posição brasileira nas negociações do comércio internacional, liberação de produtos geneticamente modificados e de agrotóxicos, legislação ambiental e outras. Isto não impede a ocorrência de divergênciasinternas em torno de alguns pontos e mesmo disputas acirradas entre ramos do agronegócio e no interior de determinadas cadeias, em especial entre agricultores e agroindustriais.

Outra abordagem do agronegócio, implícita nos parágrafos acima, é aquela que o entende como um agregado ou encadeamento econômico em torno da agricultura modernizada. Além dela, fariam parte deste conjunto ramos industriais e de serviços fornecedores de informações, máquinas e insumos tecnológicos, empresas processadoras de produtos agrícolas e diversos serviços, como transporte e distribuição no atacado e varejo. Sua participação no PIB supera em três ou mais vezes aquela exclusiva da agricultura.

O Centro de Estudos Avançados de Economia Aplicada (CEPEA) da ESALQ/USP, em convênio com a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA), divulga regularmente uma estimativa do PIB do agronegócio. Em 2015, calculou-se que ele alcançou R$ 1,27trilhão, correspondente a 21,5% do PIB brasileiro, com 14,7% originários das cadeias agrícolas e 6,8% das pecuárias. Quanto a seus segmentos, os insumos agrícolas tinham participação no PIB do agronegócio de 11,9%, as atividades agrícolas, de 29,8%, as indústrias processadoras agrícolas, de 27,5% e os serviços (transporte, comércio e outros), de 30,8% (CEPEA, 2016).

A abordagem sistêmica da produção agrícola aparece em outros autores ou correntes de pensamento, sob outras denominações. Por exemplo, localiza-se na literatura termos como complexos agroindustriais, cadeias agroalimentares ou agrícolas, sistemas agroalimentares, todas

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tendo em comum a abordagem das relações intersetoriais. Mas, embora não aprofundemos este ponto aqui, é bom se afirmar que estas denominações não podem ser encaradas como sinônimos, pois embutem concepções teóricas variadas.

Organizamos o capítulo tratando, primeiramente, da formação histórica do SPA brasileiro. Após, discorremos sobre características estruturais e comportamentais de seus diversos integrantes. Em seguida, tratamos das relações de cooperação e disputa entre integrantes de uma mesma cadeia agroindustrial. Por fim, abordam-se correntes de pensamento e iniciativas socioeconômicas que procuram desenvolver alternativas ao agronegócio, a partir de críticas ambientais, sociais e de saúde e nutrição, especialmente.

5.1 - Constituição do Sistema de Produção Agrícola no BrasilNesta seçãoressaltamos os trabalhos de Kageyama et al (1990) e Szmrecsányi (1990), em

que se propõe um modelo para uma pretérita unidade agrícola,ocomplexo rural, e outro contemporâneo, o (s) complexo (s) agroindustrial (is), e as razões da passagem de um para outro, conforme esquema da Figura 5.1. Esta abordagem aparece em outros autores, preocupados em estudar as transformações capitalistas da agricultura brasileira, destacando o crescimento de relações técnico-econômicas intersetoriais, sob o predomínio de ramos urbano-industriais, e mudanças na tecnologia de produção e nas relações de trabalho.Figura 5.1 – Do Complexo Rural ao Complexo Agroindustrial.

UA – Unidade agrícola.Como exemplos do complexo rural, podem ser tomadas as grandes fazendas cafeeiras ou

canavieiras no Brasil do século XIX, em que se explorava,em extensas áreas, um produto

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principal, café ou açúcar, responsável pela quase totalidade da receita monetária da unidade agrícola (UA), obtida em mercados com pequena diferenciação de produtos e, em grande parte, externos.

Além deste grande estabelecimento exportador, conforme Hoffmann (2007), havia outros tipos, como os de pequenos agricultores independentes, explorando produtos de subsistência ou voltados para mercados locais. Bem como se percebia a presença de estabelecimentos de maior porte, às vezes com natureza nômade, que exploravam atividades pecuárias, fornecendo animais de tração, carne e couro aos estabelecimentos exportadores.

Como relações externas do complexo rural, destaquem-se as comerciais e políticas. No caso da cafeicultura paulista, os fazendeiros mantinham estreitas e específicas relações com corretores ou agentes comerciais, chamados de comissários do café, cuja função principal era a de intermediar a venda do produto no mercado exterior. Ademais, era muito comum que os comissários garantissem capital de giro aos fazendeiros, antecipando futuras receitas do café, mediante cobrança de juros, ou seja, assumindo uma função bancária.

Nas relações políticas com os governos provincial e central se destacavam as reinvindicações, em grande parte atendidas, para que se bancassem publicamente os preços do café, em momentos de condições desfavoráveis no mercado. Também foi recorrente a ação pública no financiamento da vinda de imigrantes e migrantes para as lides cafeeiras e na construção de ferrovias, importantíssimas para o acesso econômico de terras mais interioranas do estado de São Paulo (LUNA & KLEIN, 2019).

Em termos tecnológicos e alimentares, as UA tendiam à autossuficiência, como explicitado na seguinte citação:

“A verdade é que, pelo menos na província do Rio de Janeiro, e em geral no Vale do Paraíba, as fazendas de café seguiram quase sempre à risca os moldes tradicionais da lavoura açucareira, constituindo cada qual uma unidade tanto quanto possível suficiente. Há notícia de fazendeiro fluminense que se gabava de só ter de comprar ferro, sal, pólvora e chumbo, pois o mais davam suas terras.” (HOLANDA, 1963:166)

Os fatores produtivos, animais de tração e transporte, adubos orgânicos, ferramentas e equipamentos simples, sementes, mudas e reprodutores animais estavam disponíveis na própria UA. A tecnologia era convencional e transmitida entre gerações de agricultores, pois suas mudanças ocorriam com baixa frequência. Por muitas décadas, as terras foram exploradas até sua exaustão química, tornando necessária a constante procura por áreas ainda não exploradas por fazendeiros no interior paulista. Atividades acessórias, de carpinteiros, marceneiros, ferreiros, pedreiros, seleiros etc. também se desenvolviam na UA, com seus artífices aí morando.

Ainda no interior da UA, nas entrelinhas da lavoura principal, em áreas menos produtivas ou nos quintais das casas dos empregados, ocorria a produção de gêneros alimentícios para a subsistência de seus moradores, com eventual sobra sendo comercializada em mercados regionais. Isto constituía parte da remuneração do regime de trabalho típico da cafeicultura paulista à época, o colonato, com outra parte (60-70%) sendo feita em dinheiro, em especial na colheita do café (BACCARIN, 2019).

Em relação ao processamento industrial de produtos agrícolas, por muito tempo ele permaneceu artesanal, como no caso dos engenhos de cana-de-açúcar, movido manualmente ou com tração animal e do qual se obtinha aguardente, rapadura e açúcar, que representava o principal produto vendido por vários estabelecimentos agrícolas, em especial da Zona da Mata do Nordeste. Os produtos artesanais derivados da carne bovina, charque ou carne de sol, também tinham um comércio expressivo, interprovincial muitas vezes (CASTRO, 1977). Contudo, outros produtos artesanais eram destinados ao consumo próprio das UA, como no caso dos lácteos, tecidos e roupas de algodão, embutidos e doces.

A desagregação ou desparecimento do complexo rural foi se dando ao longo de várias décadas, à medida que se intensificavam as transformações da economia nacional, com o crescimento dos setores industriais e de serviços e da urbanização. Neste processo, verificaram-

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se modernização e ganho de escala produtiva, aumento da produtividade e mudanças qualitativas no mercado de trabalho, com avanço de relações assalariadas, ampliação do número de bens e serviços ofertados, crescimento das cidades e do mercado interno, inclusive de produtos primários, mercantilização e elevação do preço da terra, urbana e rural, ampliação territorial dos mercados.

Para os propósitos deste trabalho, o interesse é destacar as consequências na estrutura do estabelecimento agrícola, especificamente a partir das seguintes mudanças: especialização de atividades, modernização da base técnica e aprofundamento das relações com outros ramos e setores econômicos.

Com o tempo, a produção voltada para o mercado foi suplantando a simples produção de subsistência, que cada vez mais perdia sentido, à medida que a racionalidade de valorização do capital tornava-se predominante, a terra encarecia e os mercados agrícolas se desenvolviam. A partir daí, procurava-se extrair a maior rentabilidade possível da terra, através da exploração daquelas atividades que apresentassem melhores perspectivas de mercado. Dito de outra forma mostrava-se irracional “desperdiçar” esse recurso natural, bem como força de trabalho, em atividades que não resultassem, ainda que como expectativa, em alto retorno financeiro. Uma das derivações disso é que os estabelecimentos (e mesmo suas regiões) foram se especializando na produção de um ou poucos produtos agrícolas.

O fato de não ser preciso produzir alimentos no interior dos estabelecimentos agrícolas, ou em sua região, decorreu da possibilidade dos mesmos seremtrazidos, em condições aceitáveis de custo, de outras regiões. Com o aprimoramento dos veículos e meios de transporte e da tecnologia de conservação de produtos básicos, seus mercados puderam aumentar a amplitude geográfica.

Exemplo característico se verifica na produção de arroz. Antes disseminado pelos estabelecimentos do Brasil, hoje se observa grande concentração de sua produção, com uso de alta tecnologia, inclusive irrigação, no Rio Grande do Sul e sudeste catarinense, de onde é transportada para abastecer grande parte do território nacional. Também a produção do leite, anteriormente presente em quase todos os estabelecimentos agrícolas, hoje se mostra mais concentrada em estabelecimentos e regiões especializadas, com os caminhões refrigerados ou sua transformação em leite longa vida, possibilitando o transporte a longa distância.

Ao mesmo tempo, atividades de apoio ou acessórias, produção de insumos e pequenas agroindústrias se deslocaram do interior do estabelecimento rural, que foi se especializando em atividades essencialmente agrícolas. Na verdade, não foi um simples deslocamento, mas uma substituição por outros produtos ou processos em maior escala, modernos e mais dinâmicos.

Assim, o uso de tratores, outras máquinas e implementos fez diminuir o número de trabalhadores rurais e animais de trabalho. A terra e os rebanhos tiveram sua produtividade aumentada, com o emprego de tecnologias químicas (adubos, agrotóxicos, medicamentos, rações) e biológicas (sementes, mudas, raças e linhagens melhoradas).O próprio conhecimento prático do agricultor, transmitido de geração para geração, foi sendo substituído pela necessidade de se obter fora da UA informações atualizadas, à medida que o surgimento de novas técnicas se intensificava.

Em suma, a tecnologia agrícola passou a ser fornecida por empresas, públicas ou privadas, não agrícolas ou dedicadas ao melhoramento genético. Concomitantemente, se desenvolveram relações comerciais específicas entre agricultura e ramos industriais e de serviços a montante, justamente os que geram as inovações tecnológicas.

A base técnica da produção se transformou, ocorrendo a modernização da produção agrícola.Para Kageyama et al (1990), esta modernização acentuou-se no Brasil após a instalação local de ramos produtores de máquinas e insumos químicos para a agricultura, que antes eram importados. Nesse sentido, os autores destacam a importância do Plano de Metas do Governo Juscelino Kubitschek (1956-1960) e do II Plano Nacional de Desenvolvimento (II PND) no

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Governo Ernesto Geisel (1974-1979), que incentivaram a instalação no Brasil de empresas produtoras de tratores, colhedoras, fertilizantes e agrotóxicos.

No caso das agroindústrias, elas deixaram de ser artesanais e subsidiárias à produção agrícola. Constituíram, praticamente, um novo ramo econômico, aumentaram seu tamanho e passaram a processar grande volume da produção primária, originada de diversos agricultores. Diferente destes, as agroindústrias costumam ter grande poder de mercado, que lhes permite exercer forte influência no preço e qualidade da matéria prima, chegando a determinar o padrão tecnológico de seus agricultores fornecedores.

O grau de processamento dos alimentos cresceu e surgiram centenas de novos produtos na indústria alimentícia. Até chegar ao consumidor final, os produtos agrícolas sofrem uma série de transformações industriais e ficam mais dependentes de determinados tipos de serviços, como o transporte, em longuíssimas distâncias, muitas vezes, e de comércio no atacado e varejo, dominado pelos supermercados. Entre os resultados, destaquem-se a perda de importância do consumo de produtos agrícolasin natura e da venda direta de agricultores para consumidores finais das cadeias produtivas.

Em síntese, pode-se dizer que ocorreu aprofundamento das relações intersetoriais a montante e a jusante da agricultura, formando-se novo complexo ou sistema produtivo, o complexo agroindustrial, em que a atividade primária deixa de ser o polo dinâmico, em termos tecnológicos e, até certo ponto, produtivos.

“A partir da constituição dos Complexos Agroindustriais o desenvolvimento da agricultura passa a depender da dinâmica da indústria: não se pode mais falar da agricultura como um ‘grande setor’ na economia (como na divisão tradicional agricultura-indústria-serviços), por que grande parte das atividades agrícolas integrou-se profundamente na matriz de relações interindustriais, sendo seu funcionamento determinado de forma conjunta”. (KAGEYAMA et al, 1990:13)

Ainda que se aceite que os agricultores têm papel secundário no dinamismo tecnológico e produtivo do complexo agroindustrial, convém levar em conta que seus interesses econômicos e gerenciais os estimulam a procurarem se diferenciar e transformar sua base produtiva. A eles cabem escolher a opção tecnológica que lhes pareça mais conveniente, diante das várias que lhes são oferecidas. Bem como, até certo ponto, optarem pelo mix produtivo de seu estabelecimento e celebração de relações comerciais com uma ou outra agroindústria.

Além disso, é oportuno se afirmar que várias transformações do SPAse aceleraram a partir da aplicação de políticas públicas, pesquisa agrícola e crédito rural, especialmente, sobre as quais as organizações de agricultores costumam exercer pressão considerável.

5.2 – Os Segmentos do Sistema de Produção AgrícolaTendo tratado da constituição do SPA, pode-se pensar em apontar e caracterizar seus

diversos integrantes ou elos das cadeias agroindustriais. Neste sentido, consideremos a definição de agribusiness de Davis e Goldberg, formulada nos anos 1950 e citada em Ramos (2007:40): “agribusiness é a soma total das operações de produção e distribuição de suprimentos agrícolas; as operações de produção nas unidades agrícolas; e o armazenamento, processamento e distribuição dos produtos agrícolas e itens produzidos com eles”.

Além da própria agricultura, são indicados ramos econômicos a montante (suprimentos agrícolas) e a jusante (armazenamento, processamento e distribuição). Eles serão abordados a seguir, procurando caracterizá-los em termos estruturais e de estratégia de ação.

5.2.1 - Serviços e Insumos para AgriculturaEntre os serviços usados pela agricultura, podem-se destacar os que afetam as decisões e

a forma de produzir, como as informações das condições dos mercados, de preços de insumos e produtos, e as tecnológicas. Neste caso, há uma etapa de pesquisa e outra de disseminação ou extensão do conhecimento relativo a processos produtivos e produtos. De maneira geral, os

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agricultores não desenvolvem novas tecnologias, mas as obtêm junto a empresas públicas e privadas especializadas.

Muitas vezes, a inovação tecnológica está associada à relação de compra e venda de um fator de produção, adubo, agrotóxico, ração, semente e linhagem melhorada, máquina agrícola. Pode acontecer também de se vincular a um contrato de fornecimento de matéria prima, em que as condições de produção primária são fixadas pela agroindústria.A seguir se discorre sobre os principaisramos econômicos fornecedores de insumos químico-biológicos e mecânicos para a agricultura brasileira.

a) Agrotóxicos: o Brasil está entre os três maiores mercados de agrotóxicos do mundo. Mais de 70% dos princípios ativos, produtos intermediários e formulados usados no Paíssão importados. Em 2010, a comercialização de agrotóxicos no Brasil gerou uma renda de US$7,3 bilhões, alcançando em 2014,US$ 12,2 bilhões. Em 2016, os herbicidas e fungicidas responderam, cada um, por 33% da venda de agrotóxicos no País, os inseticidas por 29% e outros, por 5%. A cultura da soja, em 2016, consumiu 56% dos agrotóxicos no Brasil, seguida pelo milho e cana-de-açúcar, com 10% cada, e algodão, com 5%, com os restantes19% usados pelas demais atividades agrícolas e florestais (ABRAPA, 2017).

Trata-se de um ramo que dispende próximo a 12% da receita bruta de suas empresas com pesquisa e desenvolvimento e em que a obtenção de um novo produto é muito demorada (ABRAPA, 2017). Estima-se que, em média, sejam necessários dez anos de pesquisa, envolvendo 140 mil moléculas, com custo de US$ 250 milhões, para que se obtenha um único produto comercial (ANDEF, 2018). Até por essa razão, a concentração industrial é bastante elevada e está se acentuando. Nos últimos anos ocorreram a compra da Syngenta pela ChemChina e da Monsanto pela Bayer e a fusão da Dow AgroSciences e DuPont. No Brasil, estima-se que as 10 maiores empresas controlam 87% do mercado.

A representação social das grandes empresas é feita pelo Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para Defesa Vegetal (SINDIVEG), com 37 filiadas, e pela Associação Nacional de Defesa Vegetal (ANDEF), com 13 associadas, justamente as maiores empresas do setor.

Praticamente todas as grandes empresas do ramo de agrotóxicos, a partir da década de 1990, passaram a se diversificar e fortalecer suas atividades na produção de sementes melhoradas, muitas vezes geneticamente modificadas (transgênicas). Com isso aproveitam as relações comerciais já estabelecidas com os agricultores, que compram agrotóxicos e sementes no mesmo período do ano. Também exploram um segmento altamente promissor e que apresenta sinergia com os produtos tradicionais das empresas de agrotóxicos, como se verá adiante.

Exemplo típico dessa diversificação é dado pela Monsanto, que iniciou suas pesquisas com biotecnologia na década de 1980. Entre 1995 e 2009, adquiriu uma série de empresas de sementes melhoradas: Calgene, Asgrow, Monsoy, Dekalb, Agroceres, Seminis, EmergentGenetics, American Seeds, Agroeste, Delta & Pine, MDM Sementes de Algodão, produtoras de sementes de algodão, frutas, hortaliças, milho, sorgo e soja. Em 2008, adquiriu a Alellyx e a CanaVialis, duas empresas brasileiras dedicadas ao melhoramento genético da cana-de-açúcar, empresas estas que, posteriormente, foram revendidas.

O caso de sinergia mais destacado se deu com a comercialização de sementes de soja transgênicas denominadas RR (RoundupReady), comercializadas pela Monsoy e que, ao contrário das variedades convencionais, se mostra tolerante a herbicida à base de glifosato, como o Roundup, produto de ponta da Monsanto. Mais recentemente, a Monsoy passou a comercializar a variedade de soja Intacta RR2 Pro, resistente ao glifosato e a alguns tipos de insetos (MONSANTO, 2013).

A área plantada com sementes transgênicas no mundo passou de 1,7 milhão ha, em 1996, para 191,7 milhões ha, em 2018. Neste ano, 21 países em desenvolvimento e cinco desenvolvidos (Austrália, Canadá, Espanha, EUA e Portugal) plantaram sementes transgênicas. Entre os continentes, há forte adesão a esta tecnologia na América e Ásia, embora Japão e Coreia

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do Sul não a usem, e forte rejeição na África e Europa A principais áreas cultivadas se localizavam nos EUA, 75,0 milhões ha, e Brasil, 51,3 milhões ha, que juntos com Argentina, Canadá e Índia concentravam 91% da área plantada com transgênicos, em 2018. Da área plantada com transgênicos, a soja participava com 50%, milho, 31%, algodão, 13% e canola, 5%, com outras culturas tendo importância bastante reduzida, em 2018 (ISAAA, 2019).

Em 2016, a venda mundial de sementes transgênicas alcançou US$ 15,8 bilhões, correspondente a 35% da venda total de sementes melhoradas no mundo. Nesse mesmo ano, 47% das sementes transgênicas vendidas garantiam resistência a herbicidas e 41%,resistência conjunta a herbicidas e insetos e outras características (ISAAA, 2016).

b) Fertilizantes: em 2006 foram consumidos 20.981,7 mil t de fertilizantes no Brasil, valor que passou para 34.438,3 mil t, em 2017. Entre 1989 e 2017, a taxa média de crescimento de venda de fertilizantes no Brasil foi de 5,4% a.a. (ANDA, 2018). As culturas que mais utilizaram fertilizantes, em 2015, foram soja (42,5%), milho (15,7%), cana-de-açúcar (13,0%) e café (5,5%) (BRASIL/MAPA, 2017).

Atrás da China, Índia e Estados Unidos, o Brasil aparece como o quarto maior consumidor de fertilizantes. Constata-se grande dependência da importação, sendo que, em 2012, foram produzidos no Brasil 9,7 milhões t de fertilizantes intermediários, 33,2% do total consumido, e importados 19,5 milhões de toneladas, 66,8% do total consumido. Em 2017, estes porcentuais foram de, respectivamente, 23,7% e 76,3% (ANDA, 2018). Aliás, desde o início da década de 1990, a participação das importações de fertilizantes no consumo nacional está aumentando, sendo muito alta no caso de potássicos, alta para os nitrogenados e intermediária nos fosfatados. Para esses dois últimos há possibilidades maiores de se aumentar, nos próximos anos, a produção nacional.

Apesar de existirem 92 empresas associadas à Associação Nacional para Difusão de Adubos (ANDA), o setor mostra-se altamente concentrado. Em 1995, as seis maiores empresas controlavam 48% do mercado brasileiro de NPK (nitrogênio, fósforo e potássio), valor que passou para 86%, em 2008 (HERINGER, 2013). As quatro grandes empresas deste ramo eram Yara, Heringer, Fertipar e Mosaic.

c) Medicamentos Veterinários: Esse ramo apresentou taxa de crescimento de 8,5% a.a., entre 2002 e 2016. Seu faturamento passou de R$ 2,5 bilhões, em 2008, para R$ 4,0 bilhões, em 2013. Neste ano, os ruminantes, com destaque aos bovinos, consumiram 56% dos medicamentos veterinários, aves, 14%, suínos, 13%, cães e gatos, 15% e equinos, 2%. O maior crescimento de consumo tem se verificado no segmento animais de companhia ou pet, o mesmo acontecendo no caso de rações (SINDAN, 2018).

Sua principal entidade representativa é o Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para a Saúde Animal (SINDAN), com 86 empresas associadas, em 2018. Observa-se grande concentração industrial neste ramo, sendo que, entre julho de 2004 e junho de 2005, as suas dez maiores empresas auferiram 64,4% do faturamento bruto setorial (CAPANEMA et al, 2007).

d) Rações e Suprimentos Minerais: em 2008 foram vendidos 58,7 milhões t de rações e 2,1 milhões t de sal mineral para alimentação animal no Brasil, valores que passaram para, respectivamente, 67,2 milhões t e 2,8 milhões t, em 2016. Neste ano, a avicultura de corte foi responsável por 47,8% do consumo de rações no Brasil, a suinocultura por 24,4%, a avicultura de postura por 8,5%, a bovinocultura de leite por 8,4%, a de corte por 3,8% e cães e gatos por 3,7%. Este último segmento e as atividades aquícolas são os que têm apresentado maior crescimento no consumo no Brasil(SINDIRAÇÕES, 2013, 2017).

A indústria de rações usa grande quantidade de alguns produtos agrícolas brasileiros, sendo que, em 2012, consumiu 52,2% da safra de milho e 44,5% da produção de farelo de soja(SINDIRAÇÕES, 2013).

O Sindicato Nacional da Indústria de Alimentação Animal (SINDIRAÇÕES) conta com 134 associados, responsáveis por 80% da produção de ração no Brasil(SINDIRAÇÕES, 2017).

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Há também a Associação Brasileira da Indústria de Suplementos Minerais, a qual estão associadas 70% das empresas que trabalham com este tipo de produto no Brasil (ASBRAM, 2020).

e) Sementes e Mudas: existe número expressivo de empresas produtoras de sementes, grande parte das quais ligada à Associação Brasileira de Sementes e Mudas (ABRASEM). Na safra 2006/07, elas comercializaram 1,8 milhão t de sementes, com a venda de sementes de soja somando R$ 2,36 bilhões, 43% do total, e as de milho, R$ 2,20bilhões, 39% do total (BRASIL/MAPA, 2010). Na safra 2014/15, o mercado de sementes no Brasil atingiu R$ 10 bilhões, mantendo-se o amplo predomínio das sementes de soja e milho, cujas vendas representaram, cada uma, 37%, do total (ABRASEM, 2015).

Estimava-se que a demanda potencial de sementes melhoradas, em 2007/08, fosse de 3.025 mil t, para uma demanda efetiva de 1.598 mil t, ou 52,8% do potencial. Algumas culturas se destacavam pelo grande uso de sementes melhoradas, como o sorgo, com 88% da área plantada com esse tipo de semente, o milho, com 83%, e o trigo, com 72%. No caso da soja, essa participação era de 61%, do arroz irrigado, de 51% e do algodão, de 44%. Já no caso do feijão, apenas 11% da área plantada se dava com sementes melhoradas (BRASIL/MAPA, 2010).

Nas pesquisas ligadas ao melhoramento genético de plantas ainda é expressiva a participação do poder público. Por exemplo, na cana-de-açúcar a RIDESA (Rede Interuniversitária de Desenvolvimento do Setor Sucroalcooleiro)e ligada a universidades públicas federais, detinha 28 cultivares registrados, enquanto o Instituto Agronômico de Campinas (IAC), do Governo do Estado de São Paulo, detinha mais oito, o que somadas representam 40% dos cultivares registrados no Serviço Nacional de Proteção de Cultivares, em 2010 (BRASIL/MAPA, 2010a). Há também participação importante no desenvolvimento de novos cultivares de uma empresa privada nacional, o Centro Tecnológico Canavieiro (CTC), que recebe aporte financeiro das usinas de açúcar e etanol.

Algo semelhante acontece na lavoura cafeeira, que passou a contar, a partir de 1997, com o Consórcio Pesquisa Café, coordenado pela Embrapa Café e com participação de mais de uma dezena de instituições públicas de pesquisa. Entre elas, além da própria Embrapa, podem-se destacar o IAC, no qual se iniciaram as pesquisas genéticas do café, e a Empresa de Pesquisa Agropecuária de Minas Gerais (EPAMIG), com projeção mais recente. Há também participação significativa da Fundação Procafé, instituição privada bancada por diversos sindicatos e cooperativas do ramo cafeeiro (CONSÓRCIO PESQUISA CAFÉ, 2018).

Das 1.658 cultivares registradas de todas as lavouras no Brasil, em 2010, as empresas públicas nacionais detinham 30%, as empresas privadas nacionais, 40% e as estrangeiras, 30% (BRASIL/MAPA, 2011). Contudo, em termos de área cultivada, a participação de empresas públicas no fornecimento de cultivares melhorados vem caindo, devido à aprovação da Lei Federal no. 9.456/1997, de Proteção de Cultivares, e, especialmente, com o advento da transgenia. Nos casos da soja e algodão, a participação da Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária) diminui muito no fornecimento de sementes melhoradas no século XXI.

Como destacam Salles-Filho e Bin (2014, pag. 432), a perda de importância de empresas públicas na geração de tecnologia é um fenômeno mundial: “A assunção da pesquisa privada nas chamadas ciências da vida aplicadas à agricultura e pecuária, especialmente em melhoramento, geração de variedades, atropelou, sem a menor cerimônia, mais de um século de tradição de pesquisa pública”.

f) Máquinas e Equipamentos: neste agrupamentoobserva-se a existência de número relativamente grande de empresas fornecedoras de implementos para a agricultura, como arados, grades, semeadoras, adubadoras e pulverizadoras e de máquinas e equipamentos para a pecuária. Em 2012, eram 242 empresas desse tipo, muitas das quais de atuação regional, que faziam parte da Câmara Setorial de Máquinas e Implementos Agrícolas da Associação Brasileira de Máquinas e Equipamentos (ABIMAQ, 2013).

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Já no caso de tratores de roda apenas cinco empresas controlavam o mercado brasileiro e nas colhedoras automotrizes de cereais e oleaginosas tão somente quatro empresas. Em 2012 foram produzidos 62.147 tratores de roda agrícolas no Brasil, com participação da AGCO de 34,1%, da Valtra de 22,7%, da CNH de 21,8%, da John Deere de 17,8% e da Agrale de 3,5%. A produção de colhedoras, em 2012, somou 7.471 unidades, 44,4% da CNH, 38,9% da John Deere, 12,5% da AGCO e 4,3% da Valtra (ANFAVEA, 2013).

A produção nacional de máquinas agrícolas e rodoviárias (tratores de roda e esteira, colhedoras de grãos e cana, cultivadores motorizados e retroescavadeiras) passou de 61.026 unidades, em 2003, para 102.045 unidades, em 2013, caindo para 65.656 unidades, em 2018, refletindo as flutuações típicas de vendas de bens de capital. Assim como o restante da indústria automobilística, parte considerável da produção destas máquinas se destina à exportação, próximo a 20%, na média do período 2010 a 2018 (ANFAVEA, 2019).

5.2.2 – Agroindústrias e Indústria AlimentíciaDos grandes cultivos brasileiros, apenas o feijão chega ao consumidor final sem sofrer

qualquer transformação industrial. Alguns passam por processamentos simples, como o arroz, que é descascado, tem o gérmen retirado e é polido, ou o leite, que é pasteurizado ou uperizado (longa vida). Outras transformações são mais significativas, como no caso da soja, consumida na forma de óleo refinado, margarina, creme, em mistura com suco de frutas etc.

É comum usar o termo agroindústria para a empresa que faz o primeiro processamento dos produtos primários. São vários os exemplos: empresa de ração, frigorífico, laticínio, farinhas e óleos vegetais, café torrado e moído ou solúvel, açúcar e etanol, suco de frutas, manteiga de cacau, fios de algodão, serrarias, celulose. A seguir podem ocorrer, na mesma ou em empresa diversa, outras transformações que resultam em doces, confeitos, chocolates, refrigerantes, macarrão, bolachas, pães, margarinas, embutidos, queijos e derivados do leite, congelados e resfriados, móveis, sapatos e derivados do couro, papel, tecidos e roupas.

O Centro de Estudo do Agronegócio da FGV (Fundação Getúlio Vargas), São Paulo, apresenta uma estimativa do que considera agroindústria, que, em 2018, representava 35,8% da indústria brasileira6. Do total da agroindústria, 10,3% seriam de bebidas e 41,3%, de produtos alimentícios, 21,6% de origem animal e 19,7%, vegetal. Outros 48,4% seriam produtos não alimentícios, subdividido em biocombustíveis (3,1%), borracha (3,4%), fumo (3,8%), insumos agrícolas (7,9%), produtos florestais (12,7%) e produtos têxteis (17,4%) (FGVAGRO, 2019).

Analisando especificamente o caso de alimentos e bebidas, a Associação Brasileira de Indústria Alimentícia (ABIA) mostra que os produtos processados industrialmente tinham participação de 56% no consumo total de alimentos e bebidas no Brasil, em 1980, passando para 85%, em 2012 (ABIA, 2013). Pode ser que este crescimento esteja sendo contido, atualmente, diante da valorização do consumo de produtos in natura, frutas e verduras, observada junto a parcelas de consumidores, especialmente os de maior poder aquisitivo.

Para o IBGE, em 2011, existiam 41,7 mil empresas, formais e informais, dedicadas à produção de alimentos e bebidas no Brasil, classificadas na Divisão Fabricação de Produtos Alimentícios, com valor adicionado de R$ 85,4 bilhões(IBGE, 2013). Por sua vez, a ABIA, afirmava que existiam,em 2012, 32,1 mil empresas formalizadas de alimentos e bebidas, com faturamento de R$ 353,9 bilhões, sendo 95% micro ou pequena empresa. Elas estavam distribuídas nos seguintes grupos, do maior para o menor faturamento: derivados de carne; beneficiamento de café, chá e cereais; laticínios; açúcares; óleos e gorduras; diversos (salgadinhos, sorvetes, temperos); derivados do trigo; derivados de frutas e vegetais; chocolate, cacau e bolos; desidratados e supergelados e; conservas de pescado (ABIA, 2013).

6 Neste valor está incluído o ramo produtor de insumos agropecuários, que se desconsiderado traria a participação da agroindústria para 33% da indústria nacional.

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As empresas da indústria alimentícia levam em consideração que o consumo de alimentos, em termos relativos, tende a responder cada vez menos ao aumento da renda das pessoas. Assim, a elasticidade renda da demanda (ER) dos gastos com alimentação, bebidas e tabaco situava-se entre 0,25 e 0,35 ou menos nos países desenvolvidos e entre 0,60 e 0,70 nos em desenvolvimento (USDA, 2007). Esses valores eram mais baixos do que os verificados para outros tipos de gastos, como roupas e calçados, combustíveis, eletrônicos, automóveis, serviços domésticos, educação, saúde e recreação.

Para o Brasil, estudo de Hoffmann (2010), com dados da Pesquisa de Orçamento Familiar (POF) do IBGE, de 2008-09, aponta que a ER dos gastos da alimentação era de 0,538, superior apenas à ER dos gastos com fumo, de 0,388, e inferior as dos outros nove grupos de despesa, como transporte, com ER de 0,978, recreação e cultura, de 0,939 e educação, de 1,058.

Isso faz com que as empresas dos ramos alimentícios mantenham, no geral, políticas de redução de custos e preços, procurando aumentar sua participação no mercado, ao mesmo tempo, que tentam explorar aqueles tipos de alimentos com mercados mais promissores e dinâmicos, normalmente mais processados e com maior valor unitário. Neste sentido, o estudo citado de Hoffmann (2010) revela que a ER das despesas com leite de vaca no Brasil era de 0,393, enquanto para os queijos era de 0,853 e iogurte, de 0,628.

Segundo Belik (2001), nas últimas décadas houve mudanças importantes na estratégia competitiva das empresas alimentícias. Na década de 1960, a competição se dava, basicamente, via preços ou redução de custos. Na de 1970, o atributo qualidade (não nutricional, necessariamente) ganhou relevância. A partir de 1980, acentuou-se a procura de maior variedade, com o lançamento frequente de novos produtos, tentando-se adaptar ao dinamismo e à segmentação do mercado consumidor, sem, contudo, abandonar as ações voltadas para redução dos custos produtivos e das melhorias qualitativas.

“O mercado alimentar é extremamente dinâmico e os hábitos de consumo estão sofrendo enormes variações que são ditadas pelo ambiente social e pelas características culturais da população. A manutenção e ampliação de fatias de mercado no consumo de alimentos é uma tarefa extremamente difícil e tem em conta a necessidade de atualizações produtivas permanentes”. (BELIK, 2001:34)

Algumas estratégias de diversificação podem ser constatadas entre empresas brasileiras processadoras de produtos agrícolas. Por exemplo, muitas cooperativas agrícolasiniciaram suas atividades como fornecedora de insumos químico-biológicos e assistência técnica aos agricultores e como atacadistas. Com o tempo, várias delas constituíram agroindústrias, passando a produzir, por exemplo, farelo e óleo bruto de soja, rações, derivados de milho e mandioca, fios de algodão. Outras, como a Itambé (MG) e COCAMAR (PR)7 foram adiante, desenvolvendo outras etapas industriais e fornecendo produtos prontos para o consumo final.

A priorização e o avanço em direção à produção de bens com maior grau de elaboração e valor unitário constituem em importante estratégia de empresas líderes da Indústria Alimentícia, como a Sadia que, em 2009, se juntou à Perdigão, formando a Brasil Foods (BRF). Em 2000, a Sadia apresentava a seguinte composição em suas vendas no mercado brasileiro: 29% eram originados da comercialização de carnes de aves e suínos, 11% de outros produtos (rações, inclusive) e 60% da venda dos industrializados (resfriados e congelados). Em 2008, os industrializados elevaram sua participação para 79%, em detrimento das carnes de aves, suínos e bovinos, com 15%, e outros, com 6% (SADIA, 2010).

Outro fato a ser destacado entre as processadoras de produtos de origem agrícola é o crescimento do seu nível de concentração, em seus diversos ramos. Especificamente na indústria alimentícia, embora, como já visto, haja grande número de empresas, poucas delas tendem a controlar faixas expressivas do mercado, conforme se evidencia na citação a seguir.

7 A COCAMAR (PR) surgiu como atacadista de cafeicultores, com nome original de Cooperativa dos Cafeicultores de Maringá. Ampliou suas fontes de matéria primas, construiu agroindústrias e passou a produzir mercadorias para o consumo final, como óleos vegetais (soja, milho, canola e girassol), café torrado e moído, capuccino, álcool gel e líquido, maionese, atomatados, sucos de frutas e bebidas à base de soja (COCAMAR, 2010).

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“As dez maiores companhias do setor brasileiro de aves foram responsáveis (em 2004) por 50,4% da produção nacional, enquanto no caso de suínos, as dez maiores responderam por 40,9%. Nos segmentos de produtos congelados e resfriados, a concentração é maior, com os dois maiores produtores (Sadia e Perdigão) respondendo por 80,6% e 56,1% dos mercados, respectivamente. Em margarinas, as três maiores empresas (Sadia, Bunge e Unilever) responderam por 85,0% do mercado”. (SADIA, 2007, parênteses acrescentados na transcrição).

Dados de 2012, indicam que a BRF detinha 56,6% do mercado brasileiro de produtos processados, 68,3% dos congelados, 72,7% das massas, 64,6% das pizzas e 59,9% das margarinas (BRF, 2013).Em outros ramos agroindustriais, inclusive não alimentícios, também se observa grande concentração de capital, como na produção de papel e celulose, de farinha de trigo, de óleo e farelo de soja, nos frigoríficos de bovinos e no de suco de laranja. Neste caso, após a saída da Empresa Cargil, em 2004, e a junção entre Citrosuco e Citrovita, em 2010, apenas três empresas, Cutrale, Coinbra e Citrosuco/Citrovita, passaram a controlar 85% do mercado brasileiro e 50% do mercado mundial de suco de laranja. No caso dos grãos, conforme Souza citado por Saes e Silveira (2014), em 2007, a comercialização de 80% da produção nacional estava concentrada em apenas quatro empresas, ADM, Bunge, Cargill e Dreyfus.

A concentração industrial acaba refletindo não só nas relações comerciais entre empresas processadoras de produtos agrícolas e agricultores, mas na própria dinâmica agrícola.

“O importante a assinalar neste novo quadro é o caráter reflexo dos segmentos fornecedores de matérias primas diante do poder de mercado e das articulações das grandes empresas. Trata-se efetivamente de uma mudança do ambiente institucional criada por um campo organizacional bem definido em que a grande empresa oligopólica tem apontado o rumo do processo de reestruturação”. (BELIK, 2001:104).

5.2.3 – Os Supermercados e a Distribuição de AlimentosNa distribuição de produtos agrícolas e de alimentos constata-se a presença de empresas

transportadoras, de armazenamento, exportadoras (tradings), atacadistas públicas e privadas e varejistas. Os supermercadosassumirampapel preponderante no varejo alimentício brasileiro, nas últimas décadas, seguindo uma tendência observada no mundo todo (FAO, 2017).

Os supermercados centralizam em um mesmo local os serviços prestados por vários estabelecimentos tradicionaiscomo mercearias/empórios, quitandas, feiras livres, açougues e padarias.Além disso, comercializam produtos não alimentícios, com destaque para artigos para a casa, roupas e calçados, produtos eletrônicos. Algumas empresas mantêm serviços de alimentação, contam com farmácia e postos de combustíveis em seu interior ou ao lado das lojas e oferecem outros serviços. Isso, junto com o autoatendimento, garante praticidade ao consumidor, complementada pela oferta de vagas de estacionamento, especialmente importante em grandes centros urbanos.

Entre as empresas de supermercados, verifica-se alto nível de concentração. Em 2012, os três maiores grupos em atividade no Brasil, Pão de Açúcar/Cassino, Walmart e Carrefour, com atuação em escala mundial, foram responsáveis por 45,9% das vendas do setor varejista de alimentos no País, 22,9% concentradas no primeiro grupo. Contudo, os pequenos supermercados continuam mantendo, neste tipo de comércio, importância significativa no Brasil, em torno de 20%, enquanto nos EUA, por exemplo, eles praticamente desapareceram.

As três redes acima citadas procuravam alcançar diferentes segmentos dos consumidores, através de várias marcas de lojas. Existem as que se caracterizam como de proximidade, concorrendo com pequenos varejistas, até grandes hipermercados, com comércio de diferentes tipos de produtos, além dos alimentícios, e oferecimento de alguns serviços. Quesitos diversos são usados para atração do consumidor, com algumas lojas priorizando o preço dos produtos e outras, em menor número, oferecendo produtos mais sofisticados e visando nichos de mercados, como os de alimentos orgânicos e funcionais.

As grandes redes de supermercados tendem a absorver a atividade de atacado e comprar suas mercadorias diretamente de empresas da indústria alimentícia ou de agricultores (no caso de

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FLV) e concentrar seu recebimento em equipamentos próprios, chamados de centros de compra e distribuição, para posterior redistribuição às lojas de varejo. Dessa forma, racionalizam suas operações, diminuindo os gastos administrativos, aumentando o poder de barganha nos preços e o controle de qualidade e reduzindo os custos de transporte e estoques.

Deve-se considerar também que as redes de supermercados não são simples intermediários entre a produção primária ou secundária e o consumidor final, mas exercem forte poder junto aos fornecedores.

“Como lembram alguns autores (...), o comércio varejista é ainda frequentemente considerado pelos economistas como um agente que serve de correia de transmissão neutra entre a etapa da produção e a de consumo. Nossa conclusão é diferente. A atividade comercial organizada em torno da grande distribuição foi, na realidade, uma mola propulsora na reestruturação de algumas funções produtivas e comerciais exercidas a montante”. (GREEN & SCHALLER, 2000:127)

Em primeiro lugar, praticamente impondo a pequeno número deles a obrigação de entrega, em prazo estipulado, de grandes quantidades de produtos com preços baixos e condizentes com suas agressivas políticas de redução de custos e ampliação de participação no mercado “Para simplificar las operaciones, la mayor parte de los supermercados prefieren trabajar con un número limitado de proveedores que tienen recursos suficientes para cumplir sus requisitos de calidad y plazos de entrega”(FAO, 2005:35).

Segundo, exigindo novos atributos qualitativos no conteúdo, forma e apresentação dos produtos, facilitando sua operacionalidade e procurando atender a todos os segmentos e tendências do mercado consumidor.Um exemplo é a exigência de embalagens com marcas próprias da rede varejista e não de seu fornecedor. Nos países desenvolvidos, essas marcas próprias ultrapassavam 20% do total vendido nos supermercados (NEVES & MACHADO FILHO, 1996).

No Brasil, o Pão de Açúcar afirma ter lançado novos 286 produtos com marcas próprias, em 2012, representando 7,8% do seu faturamento. Essas marcas, em grande parte, procuram atrair o consumidor pelo preço mais baixo, como é o caso da marca Bompreço do Walmart. Mas há também marcas direcionadas para produtos diet, light, a base de soja e orgânicos, como a Qualitá do Pão de Açúcar, a Linha Viver Bem do Carrefour e a Linha Sentir Bem do Walmart (CARREFOUR, 2013; PÃO DE AÇÚCAR, 2013; WALMART, 2013).

No Carrefour, parte da comercialização de produtos, como FLV, carnes, peixes, arroz, feijão, palmito, sucos, café e ovos, é feita com o Selo Garantia de Origem Carrefour. Para tanto, a empresa garante acompanhar todas as etapas produtivas, desde o fornecimento de insumos agrícolas até a venda ao consumidor, procurando-se evitar a presença excessiva de contaminantes químicos.

Essas e outras iniciativas não afetam, mas complementam a estratégia geral dos supermercados de ofertar produtos de consumo de massa, apresentados em embalagens vistosas, de fácil manuseio e compatíveis com o consumo individual ou de pequenas famílias, com margens de comercialização e preços os mais reduzidos possíveis, especialmente para os produtos alimentícios.

5.3 – Análise de Cadeias Agroindustriais EspecíficasMuitas vezes há interesse em analisar a estrutura e o desempenho da cadeia agroindustrial

de determinado produto agrícola. Verificar quais são as características e a interação entre os seus componentes, como pactuam suas relações comerciais, como se mobilizam politicamente em torno de causas comuns ou de conflitos internos, qual a capacidade de se transmitir estímulos e informações ao longo da cadeia.

Para isso, uma opção é partir do nível de agregação que considere todos os agentes econômicos mundialmente envolvidos. Por exemplo, a cadeia mundial do café era composta, em 2004, por 25 milhões de agricultores e trabalhadores, quatro empresas internacionais (Neumann, Volcafe, ECOM e Dreyfus) controlavam 39% do comércio internacional, três outras (Philip

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Morris, Nestlé, Sara Lee) detinham 45% da torrefação, 30 redes de supermercados comercializavam 33% do café no varejo e existiam 500 milhões de consumidores (FAO, 2005a). Nessa simples descrição já se revela o grande poder de interferência dos atacadistas e torrefadoras na cadeia do café.

Outra possibilidade é desenvolver o encadeamento produtivo a partir da base territorial de determinado país. Assim, por exemplo, se poderia considerar a cadeia cafeeira brasileira, a colombiana ou a vietnamita. Isso possibilita abordar a interação entre os agentes internos, a estrutura produtiva e a formulação da política nacional, que afetamo nível de competitividade no mercado mundial.

Níveis mais específicos de agregação podem ser considerados. Continuando com o exemplo do café, já se comentou a segmentação em seu mercado consumidor, com a presença, ao lado do tradicional e majoritário café torrado e moído, de novos produtos, como café solúvel, grão ou sachê para expresso, café especial ou gourmet, descafeinizado, aromatizado ou misturado com outros produtos, café em lata eorgânico, o que pode estar associado à conformação de diferentes sistemas produtivos a partir da lavoura cafeeira.

Um tema que tem merecido atenção é a possibilidade de se constituir, a partir de iniciativas privadas ou governamentais, estruturas organizacionais com participação dos diversos integrantes de determinada cadeia agroindustrial. A finalidade seria a formulação de políticas setoriais e a coordenação das ações que, independente das disputas comerciais internas, levem a melhores resultados econômicos para todos.

Ortega (2005) mostra que na Europa foram constituídas estruturas desse tipo, chamadas de Organizações Interprofissionais. Através da coordenação vertical de ramos agrários e agroindustriais, elas fazem a representação política de diversas cadeias produtivas, mediando junto aos órgãos públicos a formulação de políticas e a obtenção de recursos orçamentários específicos.

Para o Brasil, a implantação, na década de 1990, de Câmaras Setoriais Agroindustriais, tanto pelo Governo de São Paulo como pelo Federal, foi marcada por dificuldades de coordenação e continuidade (TAKAGI, 2004). No presente século, o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) promoveu a criação de novas Câmaras Setoriais, com representantes dos fornecedores de insumos, agricultores e agroindústrias de várias cadeias. Em agosto de 2013, estavam registradas junto ao MAPA 28 câmaras desse tipo, além de oito câmaras temáticas (BRASIL/MAPA, 2013).

Procurando-se exemplificar ações públicas ou privadas que repercutem em toda cadeia, mais uma vez pode-se considerar a lavoura cafeeira. Em 1989, a Associação Brasileira da Indústria de Café (ABIC), diante da queda de seu consumo, criou o Programa de AutoFiscalização da Indústria do Café, que concede o Selo de Pureza ABIC às empresas cujo produto torrado e moído não contenha impurezas. Com isso, conseguiu-se reduzir o índice de fraudes de 30%, em 1989, para menos de 5%, em 2005.

Adicionalmente, com recursos privados e do Fundo de Defesa da Economia Cafeeira (FUNCAFÉ) desenvolveu-se campanha procurando desvincular o consumo do café de problemas de saúde. Sem que se desprezem outros fatores, como a queda de preço ao consumidor, essas ações contribuíram para que o consumo brasileiro de café passasse de 6,7 milhões de sacos (sc), em 1986, para 14,9 milhões sc, em 2004, dobrando o consumo per capita.

Mais recentemente, em 2004, iniciou-se o Programa de Qualidade do Café, que registra na embalagem a qualidade e o tipo de grão empregado para obtenção do café torrado e moído, classificando-o em três tipos: tradicional, superior e gourmet. Em 2007, outro programa, o Café Sustentáveis do Brasil, começou a vigorar, procurando-se, via ações de rastreabilidade, demonstrar ao consumido final que a produção do café, ao longo da cadeia, levou em conta questões de sustentabilidade: econômica, social e ambiental. O consumo de café no mercado interno continuou se expandindo, atingindo 20,3 milhões sc, em 2012 (ABIC, 2013).

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Outra experiência, sob patrocínio público do MAPA, foi a implantação, em 2003, da rastreabilidade da carne bovina ou Serviço de Rastreabilidade da Cadeia Produtiva de Bovinos e Bubalinos (SISBOV),com reformulações posteriores. A intenção da rastreabilidade é conseguir identificar, a partir do produto de consumo final, o estabelecimento em que se produziu a matéria prima agrícola ou mesmo a origem dos insumos usados para sua produção. Tal prática passou a ser uma exigência para o Brasil exportar a carne bovina para alguns locais, como a UE e, para que se efetive, necessita que haja ação coordenada de todos os agentes da cadeia da bovinocultura.

Um aspecto que tem sido estudado nas cadeias é a interação econômica entre agricultores e agroindústrias no comércio da matéria prima agrícola. Em um extremo, isto pode ocorrer em mercado spot, sem o estabelecimento de contratos prévios, o que promove insegurança quanto ao recebimento de matéria prima, para a agroindústria, ou de venda, para o agricultor.

Em outro extremo, ocorre a integração vertical da atividade primária pela agroindústria, o que garante a disponibilidade de parte da matéria prima necessária, mas desvia a atenção gerenciale recursos produtivos e financeiros de atividades prioritárias à empresa. No Brasil, isso é muito disseminado nosramoscitrícola, de papel e celulose e sucroalcooleiro. Neste caso, próximo a 60% da cana-de-açúcar moída pelas usinas de açúcar e etanol em São Paulo provêm de canaviais diretamente administrados por elas, em terras próprias ou arrendadas (BACCARIN, 2019).

Entre os extremos, observa-se a celebração de diferentes contratos, alguns mais simples, tratando apenas de preços e prazos de entrega da matéria-prima, outros mais abrangentes, envolvendo condições da produção. Neste caso, pode-se citar como exemplo, o relacionamento entre frigoríficos (integradores) e avicultores (integrados). Os primeiros fornecem pintinhos, ração, medicamentos e assistência técnica para os segundos administrarem a criação dos animais em suas próprias instalações. Também avaliam sua eficiência produtiva e, ao receberem os animais para abate, remuneram o trabalho dos avicultores na sua engorda.

Em uma mesma cadeia produtiva é comum que parte da matéria prima processada pela agroindústria seja por ela mesmo produzida, outra parte resulta da celebração de contratos prévios com agricultores e uma terceira parte é originada de mercado spot.

Outro ponto a ser considerado é que, por razões administrativas ou tecnológicas, várias agroindústrias estimulam a concentração de seus fornecedores de matérias primas. Por exemplo, na cadeia do leite, visando maior qualidade do produto, foi estabelecida, no início do século XXI, a obrigação legal de instalação de tanques de resfriamento nos estabelecimentos agrícolas, o que fez com que muitos pequenos pecuaristas, diante da incapacidade de bancar o investimento, abandonassem a atividade.A indústria do suco tem priorizado receber laranja de médios e grandes produtores, o que diminui custos administrativos e logísticos.

Os dois maiores frigoríficos de aves do Brasil, Sadia e Perdigão, da Empresa BRF, ambos de origem catarinense, no processo de direcionamento de parte dos novos investimentos para o Centro-Oeste, passaram a estabelecer contratos com integrados de maior porte.

“Em 2003, a Perdigão produziu, em Videira (SC), 146.158 t de frango, mantendo contratos com 600 integrados. No mesmo ano, a produção da empresa em Rio Verde (GO) foi de 171.470 t de frango, com apenas 78 integrados, que dispunham de galpões para alojamento de aves maiores, mais automatizados e com menores custos médios. Ou seja, na região tradicional, em que a concentração fundiária é menor e se utiliza, basicamente, mão-de-obra familiar, a produção média/integrado foi de 243,6 t, enquanto na região de expansão, com grande emprego da mão-de-obra assalariada, este valor foi de 2.198,3 t, reduzindo-se custos de transporte e administrativos” (FRANÇA, 2005).

A atuação de grandes agroindústrias provoca efeitos econômicos, administrativos e tecnológicos na produção primária que lhe fornece matéria prima. Tomando por base o oeste de Santa Catarina, Miele& Miranda (2013) descrevem como as grandes empresas produtoras de carne e derivados influenciam a criação e engorda de suínos pelos agricultores locais, o que certamente também se verifica no caso da avicultura de corte.

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Através de contratos, os agricultores recebem dos frigoríficos um pacote tecnológico, com informações e produtos genéticos, nutricionais, sanitários e de gestão, se prontificando a entregar os animais para o abate em alguns meses. Na remuneração, além dos descontos dos produtos e serviços antecipados, aplicam-se diferenciais de pagamento, de acordo com quesitos qualitativos da carne fornecida. Tal arranjo tem resultado na melhoria de indicadores técnicos, como redução da taxa de conversão e teor de gordura dos animais e aumento do número de crias por fêmea suína.

Ademais, através de uma agressiva política comercial, os frigoríficos conquistam novos espaços no mercado nacional e internacional, favorecendo o crescimento da produção de suínos de seus fornecedores. Ao mesmo tempo, aqueles estimulam a diferenciação destes, levando a exclusão de alguns e a sobrevivência dos de porte médio e grande.

5.4 – Redes Alimentares Alternativas e Circuitos Curtos de ComercializaçãoO padrão de consumo agroindustrial de alimentos, com seus constituintes e

características, tem sido criticado por movimentos populares em aspectos sociais, comunitários, de saúde e nutrição eambientais.

Argumenta-se que pequenos agricultores não conseguem se reproduzir, em termos sociais, dadas as escalas mínimas de produção exigidas pelas tecnologias convencionais e por ficarem sujeitos a preços aviltados em suas vendas para atravessadores, agroindústrias e supermercados.

As técnicas de conservação, a redução dos custos médios de produção, o barateamento do transporte e a globalização do consumo contribuem para o enfraquecimento de laços comunitários entre consumidores e produtores agrícolas e substituem o consumo de produtos tradicionais, muitas vezes in natura, por produtos ultraprocessados. Estes recebem críticas por oferecerem uma série de praticidade, além do preço acessível, mas não levarem em conta devidamente a questão nutricional, nos alimentos e nas refeições.

Em relação às questões ambientais as críticas maiores se dirigem à tecnologia moderna agrícola, com a implantação de monoculturas baseadas no uso intensivo de insumos químicos, fertilizantes e agrotóxicos, poluidores do ar e água e contaminantes dos alimentos. Também se reage fortemente à engenheira genética e ao emprego de aditivos de crescimento para animais. Outra crítica de cunho ambiental diz respeito ao aumento da distância entre produção e consumo, tornando necessário o uso mais intenso de energia, normalmente de origem fóssil, para o transporte dos produtos agrícolas.

Para superação destes problemas, procura-se desenvolver redes alimentares alternativas (RAA) ou alternative food networks (AFN), cuja principais características são: cooperação social e parcerias entre produtores e consumidores; reconexão entre produção e consumo de forma sustentável; fortalecimento da pequena agricultura e produção orgânica; dinamização dos mercados locais com identidade territorial e valorização de produtos de qualidade diferenciada (GOODMAN, 2017; JAROSZ, 2008).

A proximidade entre os atores enseja o uso do termo circuito curto de comercialização ou cadeia curta de abastecimento de alimento (CCAA) ou short food supplychain (SFSC). Não necessariamente isto quer dizer que a distância física entre agricultores e consumidores seja pequena, mas se refere ao fato que se estabelece pactuação direta entre eles ou a valorização de aspectos diversos, além do preço, para venda dos produtos agrícolas, dispensando-se a presença dos canais e atributos tradicionais de comercialização.

Em alguns casos as relações produtores-consumidores são pessoais (ou via internet), tendo-se como exemplos a venda direta, tendas rurais, feiras, entrega de cestas e comércio online. Outras vezes, destacam-se a especificidade do produto, quanto à forma alternativa de produção, o tipo de agricultor, a região de produção etc., o que muitas vezes é precedido por certificações e pela concessão de selos e códigos de conformidade.

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Um tipo de rede alternativa é o comércio justo e solidário (fair trade), em que um grupo de consumidores se organiza para adquirir por um preço socialmente adequado produtos de um grupo de pequenos agricultores. Nesta relação procura-se diminuir ao máximo os intermediários, de forma que o agricultor alcance preço acima daquele dos mercados tradicionais.

Há ações anti globalização e de estímulo à produção local, como o movimento da agricultura urbana. Outros valorizam o consumo de produtos típicos da região ou dos chamados produtos alimentícios não convencionais (panc), mesmo que sua produtividade e rentabilidade sejam menores do que as obtidas em cultivos convencionais.

Outras vezes se destaca a natureza do produto, como no caso dos alimentos funcionais, que contribuem para a saúde das pessoas, indo além da questão estritamente nutricional. No caso dos movimentos vegetariano e vegano estabelece-se uma restrição, parcial ou total, ao consumo de produtos de origem animal.

Por fim, destaquem-se as ações que apregoam a necessidade de mudança profunda na tecnologia agrícola, como é o caso da agricultura orgânica, em que não se usam agrotóxicos, fertilizantes químicos nem sementes transgênicas. A área agrícola mundial com produtos orgânicos passou de 11,0 milhões ha, em 1999, para 37,2 milhões ha, em 2011, envolvendo 1,8 milhão de agricultores. Neste último ano, a venda de alimentos e bebidas orgânicas atingiu US$ 63 bilhões, 90% realizados na América do Norte e Europa(FAO, 2013).

Ainda que alguns possam encarar assim, as RAA não são simples ou necessariamente uma volta ao passado. Por exemplo, a consolidação da produção orgânica prescinde do desenvolvimento de pesquisas e da pactuação social em torno de seus conhecimentos, procurando-se evitar primarismos e voluntarismos em sua defesa. Além disto, não se deve deixar de considerar que a humanidade precisa de grande e crescente disponibilidade de alimentos e que, em termos micro, a adesão as RAA têm que viabilizar econômica e socialmente os pequenos agricultores e não contribuir para acelerar sua exclusão.

6 – Política Agrícola Brasileira – Concepções e Fases RecentesPara o conjunto dos setores econômicos são aplicadas diversas políticas

macroeconômicas, como fiscal, tributária, monetária, de rendas, comercial e cambial. Elas não deixam de provocar efeitos sobre a estrutura e o desempenho do setor agrícola, que também é contemplado com políticas específicas. É este grupo, particularmente sua aplicação ao Brasil, que é analisado no presente e nos dois capítulos seguintes.

Neste capítulo seis abordamos a orientação e as características gerais da política agrícola brasileira, considerando-se cinco períodos: 1965 a 1980, 1981 a 1989, 1990 a 2002, 2003 a 2014 e após 2015. O capítulo sete é dedicado ao estudo das políticas voltadas com mais ênfase para a chamada agricultura empresarial, patronal ou o agronegócio, enquanto o capítulo oito trata das políticas para a agricultura familiar, fundiária e da reforma agrária.

6.1 – A Modernização Conservadora da Agricultura BrasileiraNo período que se estende do final da Segunda Guerra Mundial a 1980, o PIB brasileiro

apresentou altas taxas de crescimento, em média de 7,1% a.a. (SERRA, 1982). Conforme concepção nacional-desenvolvimentista, as ações governamentais procuraram tornar mais complexa e integrada a estrutura produtiva brasileira, com clara priorização ao setor industrial, cuja dependência à importação, inicialmente, era muito grande, especialmente de bens de consumo durável e de capital. Neste esforço industrializante, algumas políticas macroeconômicas resultaram em penalização da agricultura, através do controle de seus preços e de sua tributação.

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Em termos de políticas específicas, após 1965, tornou-se clara a opção pública de não alterar, de forma geral, a estrutura fundiária brasileira, ao mesmo tempo, em que se formulavam e aplicavam políticas de incentivo à modernização tecnológica agrícola.

6.1.1 – A Taxação da Agricultura e a Preocupação com o Abastecimento AlimentarFoi comum que se implantassem, após a Segunda Guerra Mundial, instrumentos de

políticas públicas em detrimento dos interesses agrícolas e em apoio ao esforço industrializante. Nesse sentido, as exportações agrícolas sofreram penalizações, via política cambial e comercial (DELGADO, 2001). Houve tendência de se manter a taxa de câmbio real valorizada, afetando negativamente a renda dos ramos exportadores (agrícolas, de maneira geral) e barateando o custo de obtenção de moeda estrangeira, de forma a facilitar a importação de máquinas e equipamentos necessários para a montagem do parque industrial brasileiro. Adicionalmente, ocorria a cobrança de imposto sobre a exportação de produtos agrícolas, obtendo-se assim parte dos recursos necessários aos investimentos em infraestrutura e à concessão de subsídios e incentivos aos ramos industriais considerados prioritários.

É importante se ressaltar que, até 1964, o café representava próximo a 56% das exportações brasileiras, agrícolas e industriais. Em 1970, sua participação ainda era muito alta, na casa dos 36%, tendo-se reduzido para 14%, em 1980 (BACHA, 2004). Ou seja, a taxação tinha uma incidência muito concentrada em um único produto agrícola. Atente-se que, à época, o Brasil, praticamente, monopolizava a produção e exportação mundiais de café e, através do manejo da produção nacional e estoques, conseguia manter patamares relativamente altos (ou evitar quedas mais acentuadas, em períodos desfavoráveis) nos preços internacionais, compensando aos cafeicultores, até certo ponto, as perdas de renda originadas da valorização cambial e do imposto de exportação.

Ainda de acordo com o esforço industrializante e sob pressão de sistemática e alta inflação, especialmente a partir do final dos anos 1960, adotaram-se políticas restritivas (proibições, quotas e exigências de licença prévia) à exportação de produtos agrícolas não processados, como carne, soja e algodão. Além disso, as políticas creditícia e tributária favoreciam a exportação de produtos manufaturados, com isenções de impostos, como o Imposto de Renda sobre o Lucro (IRL), o Imposto Sobre a Circulação de Mercadorias (ICM) e o Imposto sobre Produto Industrializado (IPI). Em determinados períodos, chegou a se conceder incentivos fiscais (crédito prêmio) à circulação interna desses produtos, com desconto no recolhimento de impostosem valor equivalente à isenção obtida na exportação. Tais benefícios não contemplavam os produtos básicos (soja em grãos, por exemplo) e semimanufaturados (açúcar demerara, por exemplo) de origem primária (BACHA, 2004). O resultado desta política fica evidenciado na seguinte citação:

“... As exportações de produtos agrícolas não processados eram tributáveis em 13%. Entretanto, a adição de valor, na etapa industrial, transformava esse tributo em um subsídio, que atingiu o nível de 10,5% para o açúcar refinado, 23,8% para o suco de laranja, 25,1% para óleos vegetais (inclusive de soja) e 31,6% para carne processada e produtos pesqueiros. O algodão foi prejudicado, uma vez que os produtores foram forçados a pagar um imposto de 13% sobre suas vendas do produto não processado. Os industriais têxteis, entretanto, após adquirirem sua matéria-prima abaixo dos preços externos, ganhavam um subsídio de 50% em suas exportações”. (Goldin e Rezende, citados por BACHA, 2004:159)

Com essas medidas procurava-se assegurar maior disponibilidade de matérias primas para as agroindústrias e garantir o abastecimento do mercado interno com alimentos básicos, de forma a amenizar as pressões inflacionárias e sobre os salários urbanos, não colocando em risco a rentabilidade dos ramos industriais.

Neste sentido, através da SUNAB (Superintendência Nacional de Abastecimento), foi comum a adoção de políticas de controle, ou mesmo, congelamento de preços de produtos considerados essenciais, com pequena efetividade, diga-se de passagem, Também se criaram órgãos públicos para atuar na comercialização de produtos alimentícios, como a Companhia

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Brasileira de Alimentos (COBAL), que administrava cadeia de supermercados públicos, no comércio varejista, e as Centrais de Abastecimento (CEASA), no atacado de hortigranjeiros.

6.1.2 – A Questão AgráriaOutra questão muito importante debatida em todo o período ora analisado, girava em

torno da relação entre estrutura fundiária e a efetiva capacidade do setor agrícola nacional cumprir suas funções no processo de industrialização e de desenvolvimento brasileiro8. Particularmente, na virada da década de 1950 para 1960, este fato ganhou maior relevância, com acirramento tanto do debate acadêmico quanto de suas repercussões políticas e administrativas.

As diversas análises de então eram consensuais ao diagnosticarem o baixo nível de desenvolvimento tecnológico do setor agrícola brasileiro, mas divergiam quanto ao seu ritmo de crescimento. Parte dos analistas entendia que a agricultura conseguia fornecer alimentos e outros produtos suficientes para o setor urbano-industrial. Outra parte, contudo, diagnosticava que a agricultura não respondia adequadamente aos estímulos de preços do mercado interno, mantendo-se relativamente estagnada e provocando constantes crises de abastecimento alimentar no meio urbano, pressionando a inflação e os salários.

Para muitos analistas, esta estagnação teria como causa básica a estrutura fundiária forjada ao longo da história brasileira, em que predominaram as ações governamentais favoráveis ao estabelecimento de grandes propriedades. No Brasil Colônia, isto se evidenciou na implantação das capitanias hereditárias e nas doações das sesmarias, imensas porções de terras destinadas aos nobres portugueses. Os milhares de pequenos agricultores de subsistência que conseguiram se estabelecer, o fizeram, no mais das vezes, através da posse da terra, sobre a qual não dispunham de nenhuma garantia jurídica.

Durante o Império, foi aprovada a Lei de Terras, em 1850, que determinava que o acesso à terra devoluta só se daria através da sua compra, dificultando e tornando ilegítima sua simples posse. Procurava-se garantir, ao dificultar o acesso à terra, maior oferta de trabalhadores para as grandes propriedades, o que se tornava cada vez mais importante à medida que aumentavam as pressões internacionais pelo fim da escravidão no Brasil.

Substancialmente, nada de novo foi acrescido nas legislações iniciais da República, mantendo-se as restrições de acesso a terra para pequenos agricultores e fazendo com que as levas de imigrantes que aportavam no Brasil se transformassem, em sua grande maioria, em empregados, sob o regime de colonato, especialmente das fazendas cafeeiras.

“A constituição de 1891 revogou apenas parte dos dispositivos da Lei de Terras, ao passar para os estados a propriedade das áreas devolutas – exceto as situadas em áreas de fronteira ou segurança, e junto às estradas de ferro federais. Ela manteve, no entanto, em toda sua plenitude, o direito de propriedade privada da terra, somente ressalvando as desapropriações por necessidade (ou utilidade) pública, sempre mediante prévia indenização a ‘preços justos’ e em dinheiro. Da mesma forma, o Código Civil de 1916 nada mudou de essencial na legislação fundiária”. (SZMRECSÁNYI, 1990:94)

Em poucas regiões, principalmente do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná e Espírito Santo, permitiu-se que a colonização se desse com a implantação de pequenas propriedades.

Como resultado desse processo, consolidou-se uma estrutura fundiária caracterizada pelo predomínio dos latifúndios, no mais das vezes voltados à exploração de produtos de exportação. Além disso, apresentavam baixo nível tecnológico, exploravam extensivamente e mantinham alta ociosidade da terra e, ao se dedicarem primordialmente aos produtos de exportação, relegavam ao segundo plano a produção voltada para o abastecimento do mercado interno.

8 Com uma visão funcionalista, a literatura clássica atribui os seguintes papéis ao setor agrícola no desenvolvimento econômico: fornecer mão-de-obra, matéria-prima, alimentos e capital ao setor urbano-industrial, ser mercado consumidor (de bens de consumo e produção) para produtos industriais, exportar produtos e obter receitas cambiais, para equilibrar as contas externas e, mais especificamente, permitir a importação de máquinas e equipamentos.

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No outro extremo da estrutura agrária, constatava-se a existência de milhares de minifúndios, também com baixo nível tecnológico, dedicados à produção de subsistência e com reduzida capacidade de oferta para o mercado. Junto com os assalariados e outras categorias de empregados rurais, os minifundistas constituíam camada social sem maiores direitos sociais9 e bastante empobrecida, resultando em baixa demanda por bens industriais.

Diante dessa situação, vários intelectuais e movimentos políticos defendiam, no início dos anos 1960, a realização de ampla reforma agrária. Entendiam que isso aumentaria a renda da população rural, melhorando seu padrão de consumo, e traria maior dinamismo ao setor, que se modernizaria, com crescimento das compras de fertilizantes e tratores, por exemplo, e ofertaria maior quantidade de produtos básicos ao setor urbano.

Fazendo-se uma análise puramente produtivista, verifica-se que os dados disponíveis não comprovam a tese da estagnação da produção agrícola brasileira. Entre 1947 e 1980, o PIB Agrícola cresceu à taxa média de 4,3% a.a., 4,5% a.a. entre 1955 e 1962, abaixo da economia como um todo, mas ainda em nível alto (SERRA, 1982). Mesmo a produção primária direcionada ao mercado interno, após a crise cafeeira de 1929/30, apresentou altas taxas de crescimento, com destaque para produtos como algodão, milho e arroz, não podendo se afirmar que o abastecimento nacional estivesse permanentemente comprometido ao longo de todo o período após 1945.

Não se conclua dessa afirmação que a reforma agrária devesse ser, necessariamente, descartada. Sua realização, ainda que pudesse não ser imprescindível para o aumento da produção agrícola, poderia trazer benefícios sociais consideráveis, ao promover a redistribuição do patrimônio e renda no País e aumentar o consumo de alimentos de outros bens de consumo não duráveis e duráveis. Ao mesmo tempo, a tecnologia da época, muito provavelmente, não apresentava economia de escala que justificasse o predomínio de grande estabelecimento agropecuário. Contudo, na prática, não se conseguiu viabilizar sua realização nos conturbados e politizados três primeiros anos da década de 1960.

6.1.3 – Opção pela Transformação Tecnológica e Fortalecimento das Relações AgroindustriaisCom a ascensão do militarismo, em 1964, a questão agrária recebeu tratamento

aparentemente dúbio. Por um lado, elaborou-se extensa e avançada legislação sobre a posse da terra e a reforma agrária, o Estatuto da Terra (ET). Aprovado em 1964, ele possibilitava que a desapropriação da terra por interesse social ocorresse, de forma inédita na histórica brasileira, através de pagamento com Título da Dívida Agrária (TDA), em substituição ao pagamento prévio em dinheiro, previsto desde a Constituição de 1891.

Entretanto, com o tempo verificou-se que o ET teve pouco efeito prático em termos da realização de ampla e efetiva política de reforma agrária. A opção clara dos governos militares foi a manutenção da estrutura fundiária e promoção de transformações técnicas na agricultura, caracterizando-se o processo de Modernização Conservadora. Nem mesmo a criação do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA), em 1970, veio contrariar essa orientação, já que este órgão passou a cuidar, basicamente, das ações de colonização na região de fronteira agrícola, especialmente na Amazônia.

Para estimular a Modernização Conservadora duas políticas públicas ganharam destaque, a pesquisa agrícola e o crédito rural. Este obteve maior institucionalidade e abrangência com a criação do Sistema Nacional de Crédito Rural (SNCR), pela Lei 4.829/1965 (LEITE, 2001). Mais adiante, a Lei 5.851/1972 criou a Embrapa, que começou a funcionar em 1973. Reforçaram-se as ações na geração de tecnologias agrícolas ligadas à genética vegetal e animal, ocupação de solo (em especial dos Cerrados), época de plantio, tratos culturais e outras.

9 A Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) foi implantada para os trabalhadores urbanos no Brasil na década de 1940. Somente em 1963, ela foi estendida, com adaptações, ao setor rural, após a aprovação do Estatuto do Trabalhador Rural.

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Especificamente na genética vegetal, as instituições públicas ocuparam papel relevante no fornecimento de variedades melhoradas, especialmente de cana-de-açúcar, arroz, feijão, algodão, café e soja. Esta é uma cultura originária de região de clima temperado da China e, com melhoramento genético, avançou sobre regiões de clima tropical, nos cerrados do Centro-Oeste e Nordeste e em áreas amazônicas.

Retomando o tema crédito rural, o Gráfico 6.1 apresenta a evolução do volume financeiro aplicado em 50 anos, de 1969 a 2019. Na primeira década, este volume passou de R$ 43,5 bilhões, em 1969, para R$ 219,9 bilhões, em 1979, crescimento pouco maior que cinco vezes.

Os recursos aplicados em crédito rural deveriam vir de percentual mínimo e obrigatório, chamado de exigibilidade, sobre os depósitos à vista dos bancos comerciais, públicos e privados, inicialmente fixado em 10%. À medida que esta fonte se mostrasse insuficiente, diante da demanda por crédito, o Tesouro Nacional (TN) se comprometia a ofertar o restante, de forma que a conta do crédito rural, no início de determinada safra, era uma conta em aberto.

As taxas de juros nos contratos foram estabelecidas, sistematicamente, abaixo da inflação, caracterizando-se o subsídio na concessão de crédito rural. Isso servia de compensação à orientação geral já comentada, de se implantar políticas favoráveis ao setor industrial.

“(...) mas essa penalização (da agricultura) foi consideravelmente compensada nos anos 70 pela política de crédito rural subsidiado, especialmente para os setores capitalistas e para os interesses agrários voltados para a exportação”. (DELGADO, 2001:48)

Pelo fato do crédito ser concedido por intermédio de agências dos bancos comerciais, houve estímulo à sua concentração junto aos grandes agricultores. Afinal, eram estes que garantiam aos bancos maior reciprocidade, nos saldos em conta corrente, nas aplicações financeiras, na aquisição de seguros e em outras operações bancárias. Além disso, a efetivação de contratos de maior valor e em menor número contribuía para redução dos custos administrativos dos bancos.Gráfico 6.1 - Evolução do volume de crédito rural no Brasil, em bilhões de reais, 1969 a 2019.

0.0

50.0

100.0

150.0

200.0

250.0

43.5

219.9

50.2 49.3

219.4

178.3

Fonte: BCB (2020). Valores corrigidos pelo IGP-DI para dezembro de 2019.Outra característica do crédito rural era a sua vinculação à modernização da agricultura.

Os créditos de custeio chegaram a exigir formalmente que se gastasse um mínimo (15%) na compra dos insumos modernos, adubos, agrotóxicos, sementes melhoradas, produtos veterinários, rações etc. Os de investimento permitiam que, entre outros, se adquirissem os tratores e colhedoras agrícolas. Assim, na década de 1970, 67% dos fertilizantes, de 55% a 85% dos agrotóxicos e 90% dos tratores foram vendidos no Brasil através de contratos de crédito rural. Ressalte-se que, nem antes nem depois, foram comercializados tantos tratores no País

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como na década de 1970. Por sua vez, os créditos rurais de comercialização, em grande parte, foram direcionados para atacadistas, entre eles as cooperativas de cereais e oleaginosas, e para as agroindústrias.

Além de políticas agrícolas específicas, o SPA Brasileiro beneficiou-se de ações públicas em favor das indústrias. Assim, as agroindústrias, entre 1969 e 1977, puderam acessar recursos creditícios relativamente baratos do Fundo Geral para a Agricultura e Indústria – FUNAGRI e do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social - BNDES (LEITE, 2001).

Alguns ramos agroindustriais foram contemplados com políticas próprias. A de papel e celulose se beneficiou de incentivos fiscais para reflorestamento e créditos para expansão de sua estrutura produtiva. A política de subsídio ao consumo de derivados de trigo estimulou o crescimento de seus moinhos de farinha. A agroindústria sucroalcooleira foi favorecida com diversos programas, entre eles o Programa Nacional do Álcool (Proálcool), criado em 1975.

Na outra ponta da cadeia agroindustrial, a montante da agricultura, também se incentivou o desenvolvimento de ramos industriais, através dos já citados Plano de Metas, do Governo Juscelino Kubitschek, e do II PND, do Governo Ernesto Geisel. Estimularam-se a implantação e desenvolvimento da produção nacional de tratores e colhedoras. Na produção de fertilizantes, o Estado concedeu incentivos à iniciativa privada e atuou com empresário. Entre 1955 e 1965, foram implantadas 15 novas empresas de fertilizantes no Brasil; entre 1965 e 1973, outras 20 e; entre 1974 e 1983, 68 se instalaram. Quanto aos defensivos, o II PND colaborou para que produtos finais passassem a ser produzidos internamente, embora continuasse acentuada a dependência na importação de princípios ativos (KAGEYAMA et al, 1990).

Assim, pode-se dizer que diversas políticas públicas ajudaram a consolidar o SPA Brasileiro. Especificamente, o crédito rural subsidiado foi fundamental para o fortalecimento das relações intersetoriais da agricultura. À montante com a indústria de insumos químico, biológicos e mecânicos que, através dos créditos de custeio e investimento, vendiam seus produtos. À jusante com os atacadistas e as agroindústrias que recebiam crédito de comercialização e contavam com grande quantidade de matéria-prima resultante da modernização agrícola. Os agricultores, em especial médios e grandes, também foram beneficiados com volumoso subsídio do crédito rural, que correspondeu, em 1979 e 1980, a 25% do PIB Agrícola no Brasil (BACHA, 2004).

A aceleração da inflação e a não correção, em valores equivalentes, das taxas de juros do crédito rural, fizeram com que sua taxa de subsídio crescesse no final da década de 1970, suplantando 30% a.a. em 1980, estimulando o aumento de sua demanda. Ao mesmo tempo, pelo lado da oferta de crédito rural, percebia-se que os depósitos à vista diminuíam em favor de aplicações, como a caderneta de poupança, que protegiam os correntistas contra a perda de valor da moeda. Dessa forma, mesmo se aumentando o valor da exigibilidade, que chegou a 40%, os volumes aportados pelo TN necessitavam ser cada vez maiores, pressionando as finanças públicas e colocando em risco a continuidade da política de crédito rural.

6.2 – Crise e Transição dos Anos 1980A década de 1980 foi marcada por resultados macroeconômicos muito desfavoráveis. O

crescimento da economia, com exceção do período 1984-1986, foi baixo e, em alguns anos, negativo. A inflação disparou, chegando a ultrapassar a 1.000% a.a. Ocorreram desequilíbrios nas contas externas e grave crise nas finanças públicas, com aumento da dívida pública e gastos anuais para sua rolagem. Na tentativa de ajuste, foram cortados investimentos da administração direta e empresas estatais e os subsídios públicos passaram a ser mais fiscalizados e limitados.

Algumas estimativas, como de Langoni citado por BRAGA (1984), indicavam que os subsídios atingiram, em 1980, 7,6% do PIB. Pouco mais da metade deste valor era proveniente de subsídios creditícios (taxa de juros nos empréstimos oficiais abaixo da de mercado), em

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grande parte, direcionados ao setor agrícola. Com base nesta avaliação, adotaram-se medidas administrativas para redução do volume e percentual dos subsídios.

No caso do crédito rural, a prática anterior de “conta em aberto” foi sendo restringida ao longo dos anos 1980, até que passasse a se estabelecer, previamente, o volume de recursos a ser aplicado em determinado ano agrícola. Isso se tornou mais efetivo com o fim, em 1986, da chamada conta movimento (administrada pelo Banco do Brasil e suprida com emissão monetária a descoberto) e com a obrigatoriedade de se registrarem, a partir de 1988, no Orçamento Geral da União, os dispêndios previstos com crédito rural.

Ao mesmo tempo, para diminuir a importância dos aportes do TN, criaram-se novas fontes de recursos, como a poupança rural e a obrigação de aplicação de determinada porcentagem de alguns fundos constitucionais, derivados da Constituição de 1988. Isto, junto com o maior controle na execução dos gastos, fez com que a participação do TN na oferta de crédito rural caísse de 64,8%, em 1985, para 26,7%, em 1990 (LEITE, 2001).

Em termos de volume de crédito, verificou-se tendência de queda nos anos 1980, como mostra o Gráfico 6.1, com exceção do triênio 1985-87, de forma que em 1990 seu valor, de R$ 50,2 bilhões, representava menos que 25% daquele de 1980. Desde 1980, diminuíram os créditos de investimento e comercialização e, a partir de 1984, também os de custeio (REZENDE, 2003).

Ainda em 1984, os contratos de crédito rural deixaram de ser subsidiados, pelo menos em relação à inflação, passando a exigir o pagamento de taxa de juros de 3 a 5% a.a., além da correção monetária (correspondente à inflação).

Concomitantemente, a Política de Garantia de Preços Mínimos (PGPM) passou a ter maior importância, pelo menos por um período da década de 1980. Sua criação havia se dado em 1945 e seu gerenciamento ficava a cargo da Comissão para Financiamento da Produção (CFP), criada em 1943 (WEDEKIN, 2005). Em 1966, o Decreto Lei 79/66 promovera reformulação profunda na PGPM, mas foi somente na década de 1980 que ela ganhou maior relevância, no que se refere à quantidade da produção agrícola beneficiada.

Sua execução se fazia via compra governamental, por meio da Aquisição do Governo Federal (AGF), com recursos do TN. Ou via crédito de comercialização, através do Empréstimo do Governo Federal (EGF), com recursos do SNCR. Os preços mínimos cumpriram, nos anos 1980, importante papel na formação de expectativas pelos agricultores e na tentativa de direcionamento da produção para esta ou aquela cultura, julgada prioritária pelas autoridades governamentais, inclusive para a tentativa de controle da inflação.

Os principais produtos atendidos pela PGPM foram algodão, soja, arroz, feijão e milho. Os dois primeiros usaram, especialmente, dos EGF, com maior intensidade de 1980 a 1984, quando os créditos de comercialização alcançaram 71% da produção do algodão e 44% da soja (LEITE, 2001). Para o arroz, feijão e milho foram usadas também as AGF, especialmente de 1985 a 1987 (REZENDE, 2003). Neste triênio, as aquisições públicas de cereais e oleaginosas superaram, em termos líquidos, 30 milhões t, contra 1,5 milhão t nos 10 anos anteriores (BUAINAIN, 1999).

Concomitantemente, os estoques públicos mostravam-se cada vez maiores, com aumento dos gastos orçamentários e problemas gerenciais, evidenciados na deterioração de parte do produto armazenado. Em sequência e sob pressão de atacadistas privados, a partir de 1988, constatou-se clara mudança, com redução das ações na PGPM. Em 1990, a cultura mais beneficiada foi a do arroz, contemplada com volumes de EGF e AGF correspondentes a tão somente 6% da sua produção, bem inferior ao que tinha se verificado entre 1985 e 1987 (REZENDE, 2003).

No balanço da década, o Programa Abastecimento, em que são contabilizados os gastos com a PGPM, representou a maior parte dos gastos com a Função Agricultura. “Em média, na década de 1980, cerca de 70% dos recursos da Função Agricultura foram aplicados neste programa (Abastecimento), o qual contém, como principais componentes, a Conta Trigo, Preços

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Mínimos, Estoques Reguladores, Açúcar e Álcool e Café.” (GASQUES & VILLA VERDE, 1992:358)

Quanto à estrutura fundiária, no processo de redemocratização e instalação da Nova República, foi proposto o Primeiro Plano Nacional de Reforma Agrária (I PNRA). Sua versão inicial, elaborada pelo então criado Ministério de Reforma e do Desenvolvimento Agrário era bem mais ousada que aquela que acabou sendo aprovada pelo Governo José Sarney, em 10 de outubro de 1985. Nesta não se declaravam as áreas prioritárias para reforma agrária, embora se mantivesse a meta de se beneficiar 1,4 milhão de famílias, entre 1985/1989 (GRAZIANO DA SILVA, 1985). Ao bem da verdade, diga-se que tal meta ficou bem distante de ser atingida.

Em relação ao crescimento, nos anos de 1980, o dinamismo da economia e agricultura foi menor em comparação à de 1970. A produção industrial ficou praticamente estagnada, crescendo tão somente 3%, de 1980 a 1990, enquanto a agrícola crescia 28% (FGV, 1993). Além da maior essencialidade dos bens agrícolas (os de base alimentar, especialmente), cujo consumo tende a cair relativamente menos em épocas recessivas, outros fatores contribuíram para esse resultado. Os efeitos da modernização tecnológica se fizeram sentir nos ganhos de produtividade agrícola e a PGPM colaborou para o crescimento da produção direcionada ao mercado interno. Por fim, a moeda nacional permaneceu desvalorizada, entre 1980 e 1988, estimulando as exportações de produtos de origem agrícola, destacando-se o aumento da participação brasileira no mercado de soja em grãos e derivados.

6.3 – As Reformas Liberalizantes dos Anos 1990As reformas liberais deram o tom da política econômica brasileira a partir de 1990 (ou

final dos anos 1980), entendendo-se que o Estado deveria ter atuação mais de natureza regulatória (mínima, se possível) e menos de planejamento, produção e intervenção. A década de 1990 foi a das privatizações e concessões do patrimônio público, de abertura financeira e comercial e facilitação a investimentos diretos estrangeiros. Em relação ao SPA, as mudanças levaram à maior exposição da produção nacional à concorrência externa e menor presença pública nos mercados de produtos e insumos.

6.3.1 – A Abertura ExternaO viés ante exportador de produtos primários (não processados) foi, aos poucos, sendo

abandonado, de forma que, em 1990, parou a cobrança do imposto de exportação e se eliminaram o sistema de cotas e a necessidade de licença prévia na exportação de produtos agrícolas (DIAS & AMARAL, 1999). Tal orientação foi reforçada em 1996, com aprovação de nova legislação (Lei Kandir) que eximia os produtos básicos e semimanufaturados, quando exportados, do recolhimento do Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), cuja alíquota estava na casa dos 13% (HELFAND & REZENDE, 2001). Afirme-se que essa isenção, até então, era verificada apenas para os produtos manufaturados.

Nas importações, além da extinção de barreiras não tarifárias, acompanhando ações iniciadas em 1987, estabeleceu-se, em 1991, cronograma de redução da tarifa média para produtos, insumos e equipamentos agrícolas, de 32,2% para 14,2%, em três anos. Um dos produtos mais atingido foi o algodão, cuja tarifa reduziu-se a zero, o mesmo acontecendo com tecidos e roupas, debilitando a cadeia têxtil nacional. Além do algodão, outros dois produtos de grande expressão muito afetados pela abertura comercial foram trigo e leite. Suas produções nacionais diminuíram e, pelo menos até 1997, suas importações aumentaram consideravelmente. Com exceção, algo semelhante ocorreu com os insumos:

“No caso dos fertilizantes químicos importados, em especial, os nitrogenados, as tarifas foram significativamente reduzidas, ao contrário do que ocorreu com tratores, cuja tarifa procurava defender a indústria nacional, que apresentava ociosidade após a queda do crédito para investimento”. (GASQUES et al, 2004)

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A menor proteção na importação de insumos, junto com a valorização cambial, teve efeito imediato ao reduzir seus preços internos e contribuir para aumento da relação de troca (preços recebidos versus pagos) do setor agrícola nos anos 199010. Ao longo prazo, tal fato colaborou para elevar a dependência nacional à importação de defensivos e fertilizantes. Neste caso, além da redução da proteção tarifária, houve privatizações de empresas públicas de fertilizantes e não se reeditaram os incentivos à produção nacional, como os do Plano de Metas e II PND. “Em 1990, a produção nacional de fertilizantes representou 57% do consumo desse produto. Em 1999 e em 2001, essas percentagens foram 42,6% e 34,1%, respectivamente.” (BACHA, 2004: 99).

As mudanças nas relações externas também contaram com a formação, em 1991, do Mercado Comum do Sul (MERCOSUL), envolvendo Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai. Com várias exceções, foram zeradas as tarifas de importação intrabloco e se instituiu a Política de Tarifa Externa Comum (TEC). Com o MERCOSUL, houve aumento de importações de produtos como leite e trigo do Uruguai e, especialmente, da Argentina.

Outrossim, coerentemente com a abertura comercial, o Brasil adotou a defesa de maior liberalismo agrícola no âmbito das negociações multilaterais, tanto na Rodada Uruguai do GATT, como no Mandato Doha da OMC, conforme já discutido anteriormente.

6.3.2 – Extinção de Órgãos Públicos e Desregulamentação de Cadeias AgroindustriaisOutro aspecto das reformas liberalizantes foi a desregulamentação daquelas cadeias

produtivas com forte intervenção pública. Entre elas, a leiteira, em que o Governo abandonou a política anterior de fixação de preços para produtores e consumidores.

Na triticultura, seu mercado era altamente regulamentado desde 1967, tentando-se alcançar a autossuficiência nacional e controlar preços internos. Além da fixação dos preços da cadeia, o Governo Federal concedia subsídios a agricultores, moinhos e consumidores e detinha o monopólio de importações. O alto comprometimento fiscal com essa política fez com que, a partir de 1987, os repasses governamentais diminuíssem consideravelmente e, de 1990 em diante, os seus preços e importações fossem liberados.

Na cadeia sucroalcooleira, em 1989, eliminou-se o monopólio público na exportação do açúcar e, em 1990, parou de se exigir licença prévia para exportação de etanol e açúcar e extinguiu-se o Instituto do Açúcar e do Álcool (IAA), autarquia federal que gerenciava a política setorial desde 1933. Com isto, deixou-se de fixar cotas de produção de cana-de-açúcar e açúcar para agricultores, usinas e estados canavieiros. Ao longo da década de 1990, procedeu-se tumultuado processo de liberação de preços setoriais, encerrado tão somente em 1999.

Na cafeicultura, através da cobrança de imposto de exportação (que atingira 50% do preço do produto na década de 1970 e início de 1980) vinha se financiando o Instituto Brasileiro do Café (IBC), permitindo a execução de política de preços mínimos e estoques reguladores, entre outras ações. A queda dos preços internacionais do café, no final dos anos 1980, praticamente zerou a arrecadação daquele imposto e, em 1990, foi extinto o IBC, diminuindo a intervenção pública no mercado nacional e internacional do café. No lugar do IBC foi criado o Fundo de Defesa da Economia Cafeeira (FUNCAFÉ), que passou a administrar os estoques públicos remanescentes de café, fonte primária de recursos de programas creditícios e outros direcionados aos cafeicultores.

Conforme Wedekin (2005), ainda em 1990, houve fusão da CFP, da Companhia Brasileira de Armazenamento (Cibrazem) e da COBAL, dando origem à Companhia Nacional de Abastecimento (CONAB), empresa vinculada ao MAPA. Procurava-se maior racionalidade e,

10 Helfand & Rezende (2001) informam que da primeira metade de 1992 até a segunda metade de 1994, os preços reais de fertilizantes, pesticidas e serviços de trator caíram mais de 30%. Em parte, isto se deveu à redução dos preços do petróleo, em outra, à diminuição da proteção tarifária.

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como se verá no próximo capítulo, a partir daí, a intervenção pública nos mercados agrícolas, via preços mínimos, manteve-se em nível consideravelmente reduzido quanto aos recursos gastos.

A estrutura federal de ATER foi também desmontada em 1990, com a extinção do SIBRATER (Sistema Brasileiro de Assistência Técnica e Extensão Rural) e da EMBRATER (Empresa Brasileira de Assistência Técnica e Extensão Rural). As empresas públicas estaduais (EMATER e correlatas) continuaram prestando serviços na área, mas de maneira mais precária, pois deixaram de contar com recursos federais que garantiram, na década de 1980, cerca de 40% dos gastos com ATER nos estados, ultrapassando 80% naqueles mais pobres (ASBRAER, 2007).

No crédito rural, conforme mostra o Gráfico 6.1, a tendência, ao longo da década de 1990, foi a de manter o volume de recursos, ao mesmo tempo, que se procurou criar mecanismos novos para participação não subsidiada da iniciativa privada em sua oferta. Destaque-se que 1994 fugiu do padrão da década, com maior volume do crédito rural, na esteira da monetização da economia e do aumento da demanda de alimentos decorrentes do controle inflacionário. Por sua vez, 1995 e 1996 registraram volume de crédito muito reduzido, diante da crise enfrentada pela agricultura, provocada pela queda das cotações internacionais das commodities e extrema valorização da moeda nacional, que resultaram em consequências negativas nas exportações agrícolas.

Na pesquisa, até certo ponto, preservaram-se os recursos da Embrapa, após 1990, o que pode ser entendido como a exceção nos cortes de gastos da política agrícola brasileira no período aqui considerado.

6.3.3 – A Redução dos Gastos OrçamentáriosA análise dos gastos orçamentários confirma a diminuição da importância da ação

pública direta na agricultura brasileira. Esses gastos são registrados, conforme Lei 9.811/1999, na Função Agricultura e Função Organização Agrária11, que contemplam ações dirigidas à produção vegetal e animal, defesa sanitária, abastecimento, pesquisa, extensão rural, irrigação, reforma agrária e colonização, entre outras. Em 2010, a União era responsável por próximo a 71% dos gastos em agricultura e organização agrária, os estados por 20% e os municípios por 9% (GASQUES & BASTOS, 2014).

Na Tabela 6.1, referente apenas aos gastos federais, percebe-se que no período 1985-89 registraram-se os maiores dispêndios com agricultura e organização agrária, com média anual de R$ 31.640 milhões, representando 6,6% do gasto total da União. A partir de 1990, houve tendência de queda nestes gastos, com o mínimo sendo atingido entre 2003 e 2006, com valor de R$ 17.399 milhões, correspondentes a apenas 1,8% da despesa global da União. Daí por diante, observou-se recuperação de tais gastos, alcançando-se R$ 23.927 milhões no triênio 2011-13, ao mesmo tempo em que a queda porcentual continuava, até 1,3%, entre 2011 e 2013. Acontece que, entre 2000 e 2013, enquanto os gastos totais da União aumentaram 7,8% a.a., os com agricultura cresceram 3,9% a.a. (GASQUES & BASTOS, 2014).

Especificando-se mais os gastos com agricultura, é possível determinar que, entre 2001-05, as principais subfunções da Função Agricultura foram a administração geral, a promoção da produção vegetal, o abastecimento e outros encargos especiais. Esta, isoladamente, representou 40% dos gastos da Agricultura, contemplando as subvenções econômicas para a equalização de taxas de juros e outros encargos financeiros do crédito rural, inclusive da agricultura familiar. Já na Função Organização Agrária, os principais gastos se deram nas subfunções administração geral, reforma agrária e outros encargos especiais, em que se contabilizam o crédito para implantação de projetos de assentamento e o fundiário (GASQUES et al, 2006).

Os níveis reduzidos dos gastos orçamentários, somados à baixa proteção tarifária, fazem com que o protecionismo agrícola no Brasil seja relativamente pequeno, de acordo com os

11 Os gastos orçamentários são classificados em quatro categorias, da mais geral para a mais específica: função, subfunção, programa e ação.

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critérios da OCDE. “O apoio ao produtor no Brasil, medido pelo PSE, apresentou uma média de 3% do valor da receita bruta da agricultura entre 2002 e 2004 – uma taxa de apoio comparável à da Nova Zelândia (2%) e Austrália (4%) e bem abaixo da média de 30% da OCDE.” (OCDE, 2005). Tal situação vem se mantendo desde então.Tabela 6.1– Médias anuais das despesas com Função Agricultura e Organização Agrária, em milhões de reais, e participação no gasto global da União, de 1980 a 2013.

Período Agricultura(1)

Organização Agrária (2) (1) + (2) % Gasto

Global1980-84 13.320 199 13.518 5,61985-89 29.624 2.015 31.640 6,61990-94 26.535 1.862 28.396 3,01995-98 23.145 5.063 28.208 3,61999-02 15.086 3.078 18.164 2,02003-06 12.795 4.605 17.399 1,82007-10 15.579 5.830 21.409 1,32011-13 17.839 6.087 23.927 1,3

Fonte: GASQUES (2014), GASQUES & BASTOS (2014).

6.3.4. – A Emergência da Agricultura Familiar e o Duplo Comando InstitucionalVoltando à Tabela 6.1, observa-se que os gastos com Organização Agrária, vinculados à

reforma agrária e pequenos agricultores, atingiram valores relativamente altos no quadriênio 1995-98, com média anual de R$ 5.063 milhões, contra R$ 1.862 milhões, de 1990-94. Depois, declinaram para R$ 3.078 milhões,de 1999 a 2002, seguido de nova trajetória de crescimento até o ápice de R$ 6.087 milhões, em 2011-13.

Pode-se dizer que, após 1995, a questão dos pequenos agricultores ou agricultores familiares ganhou projeção social e nas ações públicas. Para isto, contribuíram estudos acadêmicos como o realizado,na primeira metade da década de 1990, pela regional brasileira da FAO e INCRA,citado por Azevedo e Pessôa (2011), que ressaltava o papel social da agricultura familiar, mostrava sua diferenciação interna e estabelecia uma série de diretrizes e formulações que vieram a contribuir para o novo cenário do desenvolvimento das políticas públicas para a agricultura.

Ao mesmo tempo, emergiam movimentos sociais coordenados pela Confederação Nacional dos Trabalhadores da Agricultura (CONTAG), Departamento Nacional de Trabalhadores Rurais da Central Única dos Trabalhadores (DNTR/CUT) e Movimento dos Sem Terra (MST), entre outras entidades. Com apoio expressivo de setores médios urbanos, apresentavam pauta de reivindicação em favor de políticas específicas para agricultores familiares, crédito rural incluído, e da reforma agrária.

“... a questão agrária voltou à cena em 1995, através da atuação de movimentos sociais, como o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem-Terra, ou mesmo na disputa pelo projeto de ‘agricultura familiar’ encampado pelo movimento sindical. Ambas as investidas exigiram reações por parte do Estado, quer em programas específicos de atuação, quer no reaparelhamento burocrático”. (LEITE, 2001:10)

No campo econômico, os anos de 1995 e 1996 foram marcados pela redução significativa e generalizada da renda agrícola, em decorrência da valorização cambial e queda dos preços de commodities agrícolas. Ao que se juntou, o crescimento dos conflitos fundiários, destacando-se os episódios de Eldorado dos Carajás (PA) e Corumbiara (RO), que resultaram na morte de 29 trabalhadores semterra em conflitos com a Polícia Militar.

Logo após, a resposta governamental deu-se através do Decreto s/n., de 29/4/1996, com o qual se nomeou o Ministro Extraordinário da Política Fundiária, revelando a intenção de se atuar mais especificamente na questão fundiária e da agricultura familiar. Outra reação pública havia se dado via Decreto 1.946, de 28/1/1996, que instituiu o Programa Nacional de Fortalecimento

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da Agricultura Familiar (Pronaf), com objetivo de propiciar crédito rural em condições mais vantajosas aos agricultores familiares.

Outras iniciativas governamentais ocorreram em 1999, através das Medidas Provisórias MP 1911-12 e MP 1911-14, que fizeram com que o Ministério da Política Fundiária passasse da condição de extraordinário para ordinário, recebendo uma nova denominação, a de Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA).

Resultante desses acontecimentos passou a se observar um duplo comando institucional na Política Agrícola Brasileira. Enquanto o MDA, ao qual o INCRA ficou subordinado, assumiu a função de formular e implementar as políticas para a reforma agrária e a agricultura familiar, o MAPA, instituição criada ainda no Século XIX (com outra denominação), manteve-se vinculado às políticas voltadas para a agricultura empresarial.

6.4 – Sofisticação dos Instrumentos de Política Agrícola entre 2003 e 2014Entre 2003 e 2014, não houve mudança significativa na orientação da política agrícola

brasileira no que se refere à abertura comercial, não se alterando as barreiras tarifárias e não tarifárias, nem a tributação dos produtos exportados. Até porque o Brasil conseguiu mostrar alta competitividade no mercado internacional, aproveitando relativamente mais que outras nações a fase de preços agrícolas favoráveis. Em 1990, as exportações agrícolas brasileiras representavam 2,6% das exportações agrícolas mundiais (PINAZZA et al, 2001), passando para 3,4%, na média do triênio 1999-2001 e alcançando 6,5%, em 2012 (FAO, 2011, 2015a).

Em relação às políticas de apoio interno à agricultura, algumas apresentaram significativo crescimento, como o crédito rural, cujo volume financeiro atingiu R$ 219,4 bilhões, em 2014, mais de quatro vezes superior ao de 2000, conforme Gráfico 6.1. Em 2004, foram criados novos títulos de financiamento do agronegócio, especialmente para grandes empresas dos seus diversos segmentos, e um programa público desubvenção ao seguro rural. Por sua vez, a política de preços mínimos, aos moldes da década de 1990, manteve uma execução tímida, mesmo porque os preços agrícolas tenderam a se mostrar favoráveis aos agricultores.

Para a agricultura familiar, observou-se a instituição de novos programas, nos campos da ATER e de preço mínimo, através de programas de compras institucionais ou públicas. Neste sentido, em 2003, foi criado o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), e, em 2009, a nova legislação do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) impôs uma compra mínima de produtos originários de agricultores familiares.

Quanto ao Pronaf, seus recursos passaram de R$ 6,6 bilhões, em 2002, para R$ 32,9 bilhões, em 2014. Este forte dinamismo é também evidenciado no Gráfico 6.2, podendo-se dizer que, entre 2002 e 2014, os créditos do Pronaf aumentaram em mais de cinco vezes ou em 402%, contra elevação de 181% no volume de crédito para médio e grandes agricultores (BCB, 2020).

No período todo, de 1999 a 2019, o desempenho do Pronaf foi parecido com o do crédito para médios e grandes agricultores, com o primeiro crescendo 236,8% e o segundo, 230,4%. Ademais, pode-se dizer que o Pronaf representou, na média do período, próximo a 13% do volume financeiro total de crédito rural, o que é inferior à participação da agricultura familiar na renda bruta da agricultura brasileira, estimada em 38%, em 2006, e 23%, em 2017 (IBGE, 2009, 2019).

Ainda no Gráfico 6.2, percebe-se que o número de contratos do Pronaf apresentou elevação muito forte, entre 2002 e 2006, acima do seu volume financeiro. No primeiro ano foram assinados 840.123 contratos e, em 2006, 2.563.590 (BCB, 2020). Relevando o fato de que um mesmo agricultor pode fazer mais de um contrato/ano, os contratos de 2006 corresponderam a 60% do total de agricultores familiares levantado, no mesmo ano, pelo Censo Agropecuário (IBGE, 2009).

Contudo, houve reversão após 2006, com tendência de redução no número de contratos, para 1.356.969, em 2019. Com isto, o valor médio dos contratos, que vinha caindo de 1999 a

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2006, acompanhando o aumento do público atendidopelo Pronaf, passou a se elevar desde então. Para Baccarin et al (2016), entre 2006 e 2014, os créditos do Pronaf voltaram a se direcionar mais fortemente para agricultores familiares mais ricos e, embora não se voltasse à situação de concentração de 2002, não se sustentou a grande redistribuição verificada em 2006.Gráfico 6.2 – Índices de valor, número e valor médio dos contratos Pronaf, Brasil, 1999 a 2019.

1 9 9 92 0 0 0

2 0 0 12 0 0 2

2 0 0 32 0 0 4

2 0 0 52 0 0 6

2 0 0 72 0 0 8

2 0 0 92 0 1 0

2 0 1 12 0 1 2

2 0 1 32 0 1 4

2 0 1 52 0 1 6

2 0 1 72 0 1 8

2 0 1 90.0

50.0

100.0

150.0

200.0

250.0

300.0

350.0

400.0

450.0

500.0Recursos Contratos Valor Médio

Fonte: BCB (2020).Encerramos a seção com breve consideração em relação ao período 2015 a 2019,

marcado por conturbações econômicas e políticas. Isto se refletiu na política agrícola, que passou a ser gerenciada sob uma perspectiva hostil à intervenção pública e com menores preocupações sociais. Uma das medidas adotadas foi a extinção do MDA, em 2016, com suas atribuições, após uma série de alterações, sendo assumidas, em 2019, pela Secretaria da Agricultura Familiar e Cooperativismo do MAPA, certamente com menor capacidade de intervenção. Os gráficos 6.1 e 6.2 mostram que o volume de crédito disponível para os agricultores brasileiros, familiares ou não, tendeu a se reduzir a partir de 2014.

7 – Políticas Agrícolaspara Médios e Grandes AgricultoresSão analisadas seisdiferentespolíticas agrícolas gerenciadas pelo MAPA e órgãos

públicos a ele ligados, como Conab e Embrapa. Duas delas merecem maior ênfase, a Política Nacional de Crédito Rural e a Política de Garantia de Preço Mínimo (PGPM), que representaram 78% dos gastos do Governo Federal com as funções Agricultura e Organização Agrária, entre 2000 e 2015 (SANTOS & FREITAS, 2017). Nesta conta estão excluídos os gastos com pessoal ou administrativos e não se contabilizam os dispêndios da Embrapa, por ser empresa pública.

Também são abordadas a Política de Zoneamento Ambiental, Seguro Rural, Pesquisa Agropecuária e Defesa Sanitária. Essa relação não esgota todas as políticas agrícolas, ficando de fora, por exemplo, a Política Nacional de Assistência Técnicae Extensão Rural, que se analisará no capítulo seguinte, junto com outras políticas para a Agricultura Familiar.

Anualmente, entre maio e junho, o MAPA divulga o Plano Agrícola e Pecuário (PAP) ou Plano Safra, com validade para o novo ano agrícola, que se inicia em1 de julho e se estende até 30 de junho do ano seguinte. Neste documento, além de análise de conjuntura e apresentação de objetivos mais gerais, são registrados os valores a serem empregados e as condições dos principais instrumentos de política agrícola.

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7.1 – Política Nacional de Crédito RuralPodemos considerar que os recursos para bancar as atividades agrícolas têm três origens:

a) recursos próprios dos agricultores;b) ações privadas de empresas à montante e jusante da agricultura; c) política oficial de crédito rural.Entre as ações privadas, estão os financiamentos realizados por empresas que fornecem insumos no início da safra ou do ciclo pecuário para pagamento ao seu final, bem como os feitos por agroindústrias, que antecipam recursos aos agricultores a serem descontados quando da entrega da matéria prima agrícola. Também tem se desenvolvido um mercado de títulos privados para financiamento dos diversos segmentos do agronegócio, que será abordado adiante.

No caso do crédito rural oficial, o MAPA e o ministério econômico-orçamentário ocupam importante papel na formulação das diretrizes e dos seus programas, que devem ser aprovadas pelo Conselho Monetário Nacional (CMN). Já a execução da política de crédito rural é feita através do SNCR, cujos órgãos básicos são o Banco Central do Brasil, que exerce a função de controlador, os bancos do Brasil, da Amazônia e do Nordeste, sendo que estes três fornecem crédito aos agricultores (BCB, 2020). Além disso, o Sistema é composto por órgãos vinculados e articulados. Entre os primeiros, que também fornecem crédito, estão o BNDES, agências de fomento, bancos estaduais e privados, Caixa Econômica Federal (CEF), cooperativas de crédito rural e sociedades de crédito, financiamento e investimento. Os articulados são órgãos oficiais de fomento regional e entidades de assistência técnica, com serviços conjugados à concessão de crédito rural.

O principal documento normativo do crédito rural é o Manual de Crédito Rural (MCR), editado pelo Banco Central, que mantém atualizadas informações sobre tipos de crédito, documentos necessários e quais agentes econômicos podem acessar a política, prazos de pagamentos, encargos financeiros, garantias etc. (BCB, 2020).

Apesar de ser uma política pública, a maior parte dos recursos do crédito rural não se origina do TN, como era comum no final dos anos 1970 e início dos 1980. Atualmente, predominam porcentuais de recursos bancários: a) 30% dos depósitos à vista de todos bancos comerciais, públicos e privados; b) 65% da poupança rural, que, basicamente, é específica dos bancos federais acima citados, com destaque ao Banco do Brasil, e bancos cooperativos.

Na safra 2018/19, os recursos dessas fontes representaram 53% do total de crédito rural disponibilizado no Brasil. Da Letra de Crédito do Agronegócio (LCA), vieram 16%, dos Fundos Constitucionais, 10%, do BNDES, 9%, Recursos Livres, 7% e Outras Fontes, 4% (BRASIL/MAPA, 2019). Em sua maioria, os recursos aplicados têm taxas de juros fixadas pelo Governo Federal. No caso dos recursos provenientes de algumas fontes, como a LCA, os juros são “livres” ou estabelecidos na negociação entre emprestador e agricultor.

Podem tomar crédito rural o produtor rural (pessoa física ou jurídica) e a cooperativa de produtores rurais. Além deles, outras pessoas físicas ou jurídicas, que se dediquem às seguintes atividades vinculadas à agricultura, são possíveis tomadores do crédito rural, quais sejam: pesquisa ou produção de mudas, sementes fiscalizadas/certificadas ou sêmen para inseminação artificial e embriões; prestação de serviços de inseminação artificial; prestação de serviços mecanizados, de natureza agrícola; medição de lavouras; atividades florestais.

Além dos três tipos de crédito, que foram descritos no item 2.1 deste texto, custeio, investimento e comercialização, atualmente tem-se referido ao crédito de industrialização. Este não deixa de ser um crédito de custeio, mas usado de maneira específica para o processamento dos produtos agrícolas, pelos produtores rurais em seus estabelecimentos agropecuários ou pelas cooperativas de produtores rurais, com a obrigatoriedade de no mínimo 50% da matéria prima processada vir do produtor rural ou dos cooperados.

Os responsáveis pela aprovação do crédito rural a determinado agricultor ou outro agente econômico são os órgãos básicos e vinculados. Estes podem gerir diretamente ou via agente de crédito rural o contrato de empréstimo ou financiamento. Em casos mais simples prevê-se que o

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contrato contenha apenas um orçamento, em outros é necessário elaborar um plano ou projeto. Ademais, há casos em que a execução do contrato de crédito rural deve vir acompanhada de ATER especializada.

As garantias oferecidas aos bancos nos contratos de crédito rural podem ser: o próprio resultado da exploração agrícola (colheita de determinado grão, p. ex.); o bem financiado (colhedora, p. ex.); a hipoteca da terra; um aval ou fiança; um contrato de seguro rural ou de garantia de preço.

Mesmo quando não são contempladas diretamente, empresas do agronegócio cumprem papel importante na concessão de crédito rural. Indústrias e cooperativas à montante da agricultura assumem, muitas vezes, a função de intermediário ou avalista na concessão de crédito para os agricultores. As empresas de tratores e colhedoras costumam ter financeiras para venda a prazo de seus produtos, que repassam recursos de crédito rural de investimento. No financiamento de insumos químicos e biológicos (custeio), as cooperativas fazem esse tipo de intermediação e indústrias chegam a avalizá-lo junto aos bancos.

Na outra ponta da cadeia, agroindústrias como as do leite, aves e suínos também assumem o papel de avalista, especialmente nos créditos de investimentos, ou utilizam parte dos recursos dos financiamentos agroindustriais, obtidos junto ao BNDES, para custear a produção de matéria-prima pelos seus fornecedores integrados. Outra operação são os descontos pelas agroindústrias de Notas Promissórias e Duplicatas Rurais, com recursos de crédito rural, para pagamento das compras feitas aos produtores.

7.1.1 – Condições, Modalidades e Programas do Crédito RuralA maior parte das informações desta seção foi obtida do MCR (BCB, 2020) e do Plano

Safra 2019/20 (BRASIL/MAPA, 2019). Em 2020, para fins de enquadramento nas modalidades e programas de crédito rural, os agricultores são classificados em pequeno produtor – com Receita Bruta Agropecuária Anual (RBA) de até R$ 415 mil; médio produtor – RBA entre R$ 415 mil e R$ 2.000 mil e; grande produtor - RBA acima de R$ 2.000 mil. No caso do pequeno produtor, ele pode optar por acessar os créditos do Pronaf, cujas condições serão tratadas no capítulo seguinte. Os recursos tomados pelo médio produtor, para custeio e investimento, são enquadrados no Programa Nacional de Apoio ao Médio Produtor Rural (Pronamp), com taxas de juros menores.

O Quadro 7.1 apresenta algumas condições de crédito rural no Brasil,de custeio, comercialização e industrialização, vigentes na safra 2019/20. Prevê-se a aplicação de R$ 151,0 bilhões, 46% com juros “livres”, participação esta que vem crescendo nos últimos anos. Os limites apresentados são individuais, com as cooperativas podendo acessar valores maiores, desde que respeitado o limite por cooperado. Por se tratar de créditos de curto prazo, o prazo padrão para reembolso são 12 ou 14 meses, em alguns custeios pecuários prevê-se prazo menor, de seis meses, e para algumas lavouras ou comercialização, prazo maior, de 2 a 3 anos.Quadro 7.1 – Condições do crédito rural no Brasil para safra 2019/20, custeio, comercialização e industrialização, diversas modalidades.

Modalidades Rec. Programados(R$ milhões)

Taxa de Juros(% a.a.)

Limite/Produtor(R$ milhões)

Pronamp 23.772 6 1,5Grandes Agricultores 50.697 8 3,0 a 4,5Funcafé 5.070 7 0,5Fundos Constitucionais 2.325 6 a 8 1,5 a 4,5Recursos Livres 69.175 Não fixado Não fixadoTotal 151.039 - -Fonte: BRASIL/MAPA (2019); BCB (2020).

Por sua vez, o Quadro 7.2 traz informações dos créditos rurais de investimentos anunciados para a safra 2019/20. São financiamentos de longo prazo, com 7 a 15 anos para

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amortização, incluído período de carência, com moda de 3 anos. Estima-se gastar um total de R$ 40,8 bilhões com o total destes programas. Quadro 7.2 - Condições do crédito rural no Brasil para safra 2019/20, investimento, diversos programas ou fontes.

Programa/Fonte Limite/Produtor(R$ milhões)

Prazo(anos)

Carência (anos)

Taxa Juros(% a.a.)

Moderfrota 85% do bem 7 14 meses 8,5 – 10,5Moderagro 0,88 10 3 8,0Moderinfra 3,3 10 3 8,0ABC 5,0 12 8 5,25 – 7,0PCA 25 15 3 6,0 – 7,0Inovagro 1,3 10 3 7,0Prodecoop 150 10 3 8,0Pronamp 0,43 8 3 7,0Fundos Constit. - 12 3 variávelBancos Cooperativos 0,45 12 3 8,0Total 151.039 - - -Fonte: BRASIL/MAPA (2019).

Além disto, foram anunciados no Plano Safra 2019/20 mais R$ 6,1 bilhões de crédito de investimento a juros livres e outros R$ 6,5 bilhões com juros anuais equivalentes à Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP) + 3,7%. Neste caso está previsto a execução dos seguintes programas: BNDES/Procap/Agro, BNDES/Prorenova e BNDES/Agro.

A seguir apresentamos algumas características e finalidades dos programas de crédito de investimento citados acima:a) Moderfrota(Programa de Modernização da Frota de Tratores Agrícolas e Implementos Associados e Colheitadeiras) - financia tratores, colhedoras, implementos associados, pulverizadores auto propelidos e equipamentospara preparo, secagem e beneficiamento de café. Os bens podem ser usados, desde que revisados por concessionário autorizado e idade máxima de 10 anos;b) Moderagro(Programa de Modernização da Agricultura e Conservação dos Recursos Naturais) - financia itens da produção, beneficiamento, industrialização, acondicionamento e armazenamento de produtosda apicultura, aquicultura, avicultura, chinchilicultura, cunicultura, floricultura, fruticultura, palmáceas,olivicultura, erva mate, cana-de-açúcar para cachaça, nozes, horticultura, ovino-caprinocultura, pecuária leiteira, pesca, ranicultura,sericicultura e suinocultura, ações relacionadas à defesa animale implantação de sistema derastreabilidade animal para alimentação humana. Também apoia a recuperação dos solos por meiodo financiamento para aquisição, transporte, aplicação e incorporação de corretivos agrícolas;c)Modeinfra (Programa de Incentivo à Irrigação e à Produção em Ambiente Protegido) - financia itens de sistema de irrigação, incluindo infraestrutura elétrica e equipamentos e instalaçõespara produção em ambientes protegido da olericultura, floricultura, cafeicultura e mudas de espécies florestais;d) ABC (Programa para Redução da Emissão de Gases de Efeito Estufa na Agricultura) – financia a recuperação de áreas de pastagens degradadas, implantação e ampliação de sistemas de integração lavoura-pecuária-florestas, correção e adubação de solos, implantação de práticas conservacionistas de solos, implantação e manutenção de florestas comerciais e culturas de dendê, açaí, nogueiras eoliveiras, implantação de agricultura orgânica, recomposição de áreas de preservação permanente ou reserva legal e outras práticas que envolvem produção sustentável e diminuem a emissão de gases causadores do efeito estufa;e) PCA (Programa para Construção e Ampliação de Armazéns) - financia investimentos para ampliação ou construção de novos armazéns para grãos e outros produtos agrícolas;f) Inovagro (Programa de Incentivo à Inovação Tecnológica na Produção Agropecuária) – apoia investimentos necessários à incorporação de inovação tecnológica, visando ao amento de

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produtividade, adoção de boas práticas agrícolas e gestão dos estabelecimentos agropecuários e inserção competitiva dos agricultores nos diferentes mercados consumidores. Financiam-se estruturas para a implantação de cultivos protegidos, serviços de agricultura de precisão, automação e adequação de instalações para os setores de avicultura, suinocultura e bovinocultura leiteira, softwares para o gerenciamento da propriedade rural, consultorias para a formação e capacitação técnica e gerencial das atividades produtivas, além de outros itens;g)Prodecoop (Programa de Desenvolvimento Cooperativo para Agregação de Valor à Produção Agropecuária) – destinado às cooperativas para: industrialização de produtos agropecuários e seus derivados; instalação, ampliação, realocação e modernização de unidades industriais, de armazenamento, processamento e beneficiamento; implantação de sistemas para geração e cogeração de energia para consumo próprio; implantação, conservação e expansão de sistemas de tratamento de efluentes e projetos de adequação ambiental; implantação, reforma ou ampliação de fábrica de rações ou fertilizantes; instalação, ampliação e modernização de unidades de beneficiamento de sementes; implantação, ampliação e modernização de projetos de adequação sanitária; instalação, ampliação e modernização de unidades industriais para biocombustíveis e açúcar; beneficiamento e processamento de materiais de florestas plantadas; implantação de frigorífico e unidade de beneficiamento, industrialização, acondicionamento e armazenagem de pescados e produtos da aquicultura; construção e ampliação de instalações para estocagem de insumos agropecuários;h) Pronamp – investimentos específicos de médios produtores;J)BNDES/Procap/Agro (Programa de Capitalização de Cooperativas Agropecuárias) – financia capital de giro e integralização de quotas-partes do capital social de cooperativas, com a finalidade de promover sua recuperação ou reestruturação patrimonial;k)BNDES/Prorenova (Programa de Apoio à Renovação e Implantação de Novos Canaviais) – financia a renovação e implantação de novos canaviais com a utilização de variedades protegidas, ou de clones potenciais de cana-de-açúcar (cana planta);l)BNDES/Agro – tem como objetivos: aumentar a capacidade de armazenagem das agroindústrias de carnes, leite, açúcar e trigo; permitir a aquisição de pulverizadores aéreos agrícolas; apoiar o desenvolvimento e modernização do setor de armazenagem nacional efetuado por empresas ou cooperativas cerealistas, com sede e administração no País.

7.1.2 – Características Distributivas do Crédito RuralAgora tomando a execução efetiva de crédito rural (empresarial e familiar), o Quadro7.3,

sob vários critérios, caracteriza sua distribuição em 2019. Neste ano, para 1.860.470 contratos, foram usados R$ 178,48 bilhões em crédito rural, com 14,4% destinados a agricultores familiares, 14,1% a médios e 71,4% a grandes agricultores. A concentração dos recursos em grandes tomadores de crédito rural também se evidencia quando se analisa sua distribuição por faixa de contrato. Percebe-se que 85,0% do número dos contratos foram de até R$ 100 mil, recebendo tão somente 16,8% dos recursos financeiros. No outro extremo, contratos acima de R$ 500 mil, representavam apenas 3,3% de seu número e 56,5% dos recursos.

A maior parte dos recursos do crédito rural foi destinada ao custeio agropecuário, vindo a seguir investimento e, depois, comercialização e industrialização. Outro ponto a registrar é o relativamente pequeno número de contratos de comercialização e industrialização, que são destinados, na grande maioria, às cooperativas e agroindústrias e não a agricultores individuais.Quadro 7.3 – Características distributivas do crédito rural no Brasil, critérios diversos, 2019.

Critério deDistribuição

Valor ContratosR$ milhões % Número %

Por Tipo AgricultorPronaf 25.764,74 14,4 1.356.969 72,9Pronamp 25.242,77 14,1 178.849 9,6Grande Agricultor 127.470,69 71,4 324.652 17,4

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Por FinalidadeCusteio 99.853,81 55,9 796.365 42,8Investimento 45.884,35 25,7 1.034.962 55,6Comercialização 22.940,00 12,9 28.132 1,5Industrialização 9.800,04 5,5 1.011 0,1Por RegiãoCentro-Oeste 47.040,99 26,4 137.550 7,4Norte 11.127,91 6,2 66.708 3,6Sudeste 44.226,28 24,8 300.446 16,1Sul 60.833,89 34,1 597.464 32,1Nordeste 15.249,14 8,5 758.302 40,8Por Faixa Contrato (R$)Até 50.000 16.290,47 9,1 1.396.188 75,050.000 a 100.000 13.662,58 7,7 186.593 10,0100.000 a 200.000 17.332,83 9,7 122.448 6,6200.000 a 500.000 30.176,88 16,9 93.907 5,0500.000 a 1 milhão 26.613,23 14,9 37.173 2,01 milhão a 3 milhões 33.103,76 18,5 19.896 1,1acima de 3 milhões 41.298,46 23,1 4.265 0,2Por Agente FinanceiroBancos Públicos 94.430,15 52,9 1.413.076 76,0Bancos Privados 48.997,75 27,5 95.358 5,1Cooperativas de Crédito 31.990,85 17,9 349.178 18,8Outros 3.059,46 1,7 2.858 0,2Total de Crédito 178.478,20 100,0 1.860.470 100,0Fonte: BCB (2020a).

Entre as regiões, o Sul é a que absorveu o maior volume financeiro de crédito, seguida pelo Centro-Oeste e Sudeste e, por fim, Nordeste e Norte. Quanto ao número de contratos, o maior percentual foi verificado no Nordeste, seguida pelo Sul, ambas com número expressivo de agricultores familiares. O contrato médio do Centro-Oeste foi o maior, na casa dos R$ 341,9 mil e o do Nordeste, o menor, próximo a R$ 20,1 mil.

Quanto aos agentes financeiros, os bancos públicos, em especial o Banco do Brasil, foram responsáveis pela distribuição de 52,9% dos recursos creditícios e 76,0% do número de contratos. Os bancos privados tiveram participação muito maior nos recursos emprestados do que no número de contratos, indicando sua preferência por grandes clientes. Por sua vez, a participação relativamente maior dos bancos públicos no número do que no valor financeiro deve-se não a interesses administrativos próprios, mas ao fato deles administrarem os créditos do Pronaf, de forma obrigatória.

7.1.3 – Títulos Privados para Financiamento do AgronegócioNa década de 1990, fortaleceu a decisão do Governo Federal de diminuir o aporte de

recursos orçamentários e estimular o desenvolvimento de mecanismos privados não compulsórios (ou obrigatórios) que pudessem ocupar papel predominante na oferta de crédito rural. Neste sentido, em 1994, foi aprovada a lei de criação da Cédula de Produto Rural (CPR) que, com aval do Banco do Brasil, possibilita ao agricultor (ou cooperativa) emissor antecipar recursos financeiros com a promessa de entrega futura da safra, com taxas de juros estabelecidas pelo mercado. Em 1995, Resolução do Banco Central instituiu a chamada “63 Caipira”, isentando do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) os recursos externos destinados a financiar o setor agrícola.Por fim, em 2000, foi autorizado o funcionamento da CPR Financeira, que permite que seu pagamento seja feito em dinheiro em lugar da produção (REZENDE, 2003).

Os resultados alcançados não foram expressivos e no presente século novas iniciativas foram tomadas visando à ampliação da participação de fontes privadas no crédito rural. A Lei n. 11.076 (Lei dos Novos Títulos Agrícolas), de dezembro de 2004, e a Instrução Normativa 422 da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) permitiram a criação de novos títulos de crédito e de

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refinanciamento do agronegócio, não só dos agricultores, mas também das empresas a montante e jusante (BRASIL/MAPA, 2007).

Os títulos de refinanciamento criados foram LCA, Certificado de Direitos Creditórios do Agronegócio (CDCA) e o Certificado de Recebíveis do Agronegócio (CRA). Seus mecanismos de funcionamento são descritos no PAP 2012/13 (BRASIL/MAPA, 2012), sendo que a intenção básica era constituir mercado secundário a partir dos títulos de dívida rural já existentes (CPR, Nota Promissória Rural, Duplicata Rural etc.) e que atraísse investidores urbanos para financiar a agricultura. A LCA, especificamente, resulta da emissão de títulos por agentes financeiros baseados nos contratos de crédito rural a receber, com 35% de sua arrecadação sendo usados no SNCR.

Criou-se também a Nota Comercial do Agronegócio (NCA) ou Agrinote que pode ser emitida por empresas do agronegócio organizadas sob a forma de sociedade anônima (o que já era permitido anteriormente), limitada ou cooperativa (permitido após 2004). O lastro para emissão da Agrinote pode ter várias origens, como a produção realizada ou a realizar ou mesmo a própria reputação da empresa.

Adicionalmente, foram remodelados os “títulos gêmeos” denominados de Certificado de Depósito Agropecuário (CDA) e Warrant Agropecuário (WA), destinados a produtos armazenados. Ao depositar sua produção em determinado armazém, o agricultor recebe do armazenador o título CDA-WA, que é registrado em entidade de registro e liquidação de títulos. Após, o agricultor pode vender o CDA-WA, o que equivale à venda da mercadoria, ou vender apenas o WA para obter empréstimo bancário. Nas negociações secundárias desses títulos, diferentemente do que ocorria até 2004, não há incidência de ICMS. O imposto só é cobrado quando o produto estocado for destinado ao processamento ou exportação, ou seja, deixar o armazém onde está depositado.

7.2 –Preços Mínimos com Gastos e Estoques Mínimos A fixação do preço mínimo serve para operações de compra, subvenção ou financiamento

da comercialização de produtos agrícolascontemplados pela política do Governo Federal. Sob o ponto de vista do agricultor, o preço mínimo assegura o recebimento de determinado nível de renda, diminuindo os efeitos negativos da instabilidade de preços agrícolas12, especialmente naqueles anos com queda considerável em seu valor. Por outro lado, devido aos estoques reguladores, que podem se formar em sua execução, a política de preço mínimo pode atender aos consumidores naqueles anos em que a produção se mostre pequena, pressionando o preço para cima. Além disso, o anúncio prévio do preço mínimo pode estimular ou não a produção futura.

No Brasil, a Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) ocupa papel importante na execução da PGPM, sendo responsável pela análise técnica que leva à fixação de seus valores e pelo gerenciamento e acompanhamento dos estoques públicos e privados de produtos agrícolas, a maior parte com fins alimentícios. Através de seus estoques, rede de armazéns, espalhados no território brasileiro, e de sua expertise na execução de processos de compra e venda, a Conab tem participado de diversos programas públicos de distribuição de cestas de alimentos e suprimentos alimentares, muitas vezes, em acordo com órgãos públicos da saúde, educação e assistência social. Almeida (2014) descreve a importante ação da Companhia, na década de 1990, na execução do Prodea (Programa de Distribuição de Alimentos), que atendeu, com cestas de alimentos, os atingidos pela seca no Nordeste. Este tipo de ação perdeu importância no presente século, diante da opção de se suplementar com dinheiro e não alimentos a renda das famílias pobres.

12Há algumas décadas, se verifica o desenvolvimento de mecanismos privados com o objetivo de trazer maior previsibilidade aos preços agropecuários, para agricultores, atacadistas, agroindústrias e exportadores. Constituem-se os chamados mercados futuros e de opções, que no Brasil são coordenados pela Bolsa de Mercadorias e Futuros – BM&F (MARQUES, 2005). Embora reconhecendo sua importância, este tema não será aqui tratado.

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Outro fato a se considerar é que a abertura comercial, evidenciada a partir do final dos anos 1980, resultou em menor efetividade dos preços mínimos e estoques públicos de produtos agrícolas. Isto porque passaram a ser maiores as possibilidades de exportação e importação e aumentou a vinculação dos preços internos aos internacionais.Neste sentido, a intervenção pública no mercado tenderia a ser efetiva apenas para produtossem mercado internacional significativo

Constata-se que, a partir de 1990, o Governo Federal diminuiu sua intervenção direta nos mercados e formulou novos instrumentos de preços mínimos, resultando em queda de gastos e estoques públicos de produtos agrícolas. A seguir analisam-se as mudanças nos instrumentos e depois a execução recente da PGPM no Brasil.

7.2.1 –Instrumentos da PGPMConforme o Quadro 7.3, há instrumentos de preço mínimo que possibilitam a compra ou

a equalização de preço do produto pelo Governo Federal. O mais tradicional ou antigo é o AGF, que possibilita que se formem estoques públicos. Os outros cinco, PEP, VEP, PEPRO, COV e POP, foram criados nas décadas de 1990 e 2000, com base na Lei n. 8.427/1992, e se baseiam na equalização de preços, ou no pagamento pelo Governo Federal da diferença entre o preço mínimo ou de referência (usado quando o valor do preço mínimo está defasado) e o de mercado.

Em relação aos créditos de comercialização existia, desde o início da PGPM, o EGF, baseado no preço mínimo e a LEC (Linha Especial de Crédito à Comercialização), criada no início do século XXI, baseada em preço de referência. Na década de 1990, eliminou-se o EGF com opção de venda (EGF-COV), que permitiaa transformação do crédito de comercialização em compra governamental, bem como deixou de ser possível prorrogar o EGF de uma para outra safra. Mais recentemente, EGF e LEC foram incorporados no FEE e FGPP, descritos no Quadro 7.3. Também é possível tomar crédito para operações de pré-comercialização ou promover descontos de notas comerciais, neste caso sem que se obedeçam às taxas de juros de crédito rural fixadas pelo Governo Federal.Quadro 7.3 – Instrumentos de apoio à comercialização agrícola em vigência no Brasil, 2020.

Base para AplicaçãoPreço Mínimo de Garantia– preços fixados para compra ou financiamento através de programas oficiais, contemplando diversos produtos e sementes. Na defasagem do preço mínimo, pode-se usar o preço de referência.

Instrumentos para Compra ou Equalização de PreçoAquisição do Governo Federal (AGF) – em situação de preço baixo, permite ao Governo comprar de produtor rural ou cooperativa produto agrícola pelo valor do preço mínimo. Da agricultura familiar e para estoques estratégicos pode-se comprar a preço de mercado.Prêmio de Escoamento de Produto (PEP) – Por meio de leilão, o Governo Federal concede subvenção, equivalente à diferença entre preço mínimo e de mercado a um agente econômico que se compromete a pagar ao agricultor o preço mínimo. Operação semelhante pode ser feita a partir de estoque público, através do instrumento Valor de Escoamento de Produto (VEP).Prêmio Equalizador Pago ao Produtor (PEPRO) – consiste no pagamento ao agricultor ou cooperativa da diferença entre o preço de mercado e o de referência. As operações são conduzidas por leilões públicos.Contrato de Opção de Venda (COV) – título do Governo ofertado em leilão a agricultores e cooperativas. Seu comprador assegura o direito (não a obrigação) de entregar ao Governo a quantidade de produto contratada, no seu vencimento, a determinado preço e sob certas especificações. Também através de leilão, o Governo pode Recomprar ou Repassaro COV para outro agente privado, mediante subvenção, evitando a formação de estoques públicos.Contratos Privados de Opção de Venda e Prêmio de Risco de Opção Privada (PROP) – o Governo, através de leilão, oferta um Prêmio de Risco de Opção Privada, para que agentes

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privados o adquiram e lancem Contratos Privados de Opção de Venda destinados a agricultores ou cooperativas, que passam a ter garantia de receber um determinado preço de exercício. Através do Prêmio, o risco do preço de exercício superar o preço de mercado é assumido (até determinado limite) pelo Governo.

Instrumentos para Crédito de ComercializaçãoFinanciamento Especialpara Estocagem de Produtos Agropecuários (FEE)– tem como base o preço mínimo dos produtos amparados pela PGPM ou o preço de referência, concedido a agricultores, produtores de sementes e cooperativas, permitindo a estocagem e melhor distribuição da oferta durante o ano.Financiamento para Garantia de Preços ao Produtor (FGPP) - linha de financiamento para carregamento de estoque, semelhante ao FEE,mas destinada a beneficiadores e agroindústrias, desde que comprovem a aquisição dos produtosdiretamente de produtores rurais, por preço não inferior aos preços mínimos ou de referência.Outras linhas de crédito de comercialização - pré-comercialização; desconto de Duplicata Rural (DR) e de Nota Promissória Rural (NPR).Fonte: BRASIL/MAPA (2019).

7.2.2 – Execução Recente da PGPMInicialmente, é importante informar que nesta seção não se analisa a execução de garantia

de preços aos agricultores via crédito de comercialização, cujos valores são contabilizados no SNCR. Apresenta-se a execução da PGPM com efeitos diretos sobre os gastos do Tesouro Nacional, via AGF ou instrumentos de equalização de preços.

Como já comentado, no período de 1985-87, as AGF atingiram volumes recordes, com a aquisição de média anual de 9,4 milhões t de produtos agrícolas, em época em que a safra brasileira de grãos estava próxima a 55 milhões t. No triênio 2000-02, aquela média tinha caído para 736,7 mil t, para uma safra aproximada de90 milhões t (CONAB, 2007).

Em anos mais recentes, de 2003 a 2018, observa-se na Tabela 7.1 que as operações de AGF, na média, continuaram em patamares baixos. Constata-se que em anos de queda de preço e renda agrícola, como 2005, 2006 e 2009, as compras governamentais foram mais significativas do que em outros anos. Contudo, a execução do AGF no século XXI jamais se aproximou dos valores vigentes no triênio 1985-87, desempenho este que seria menos expressivo ainda se fossem consideradas as safras brasileiras de grãos nos dois períodos.

Já os instrumentos novos ganharam projeção entre 2006 e 2010, situando-se, com exceção de 2008, entre 12 milhões e 20 milhões t. Tomando-se a soma dos instrumentos antigos e novos, no quinquênio 2006-10 foi contemplada uma média anual de 14.305 mil tcom a PGPM, o que significava menos de 10% da safra brasileira de grãos.

No quadriênio 2011-2014, a execução da PGPM diminuiu, em especial nos dois primeiros anos. Por sua vez, o quadriênio 2015-18, com exceção de 2017, revela que houve, praticamente, o abandono da PGPM pelo Governo Federal, com amparo irrisório à produção brasileira de grãos e outros produtos.Tabela 7.1 – Quantidade de produtos agrícolas beneficiados por AGF e instrumentos novos, em mil toneladas, Brasil, 2003 a 2018.

Ano AGF IntNovos* Total Ano AGF IntNovos* Total2003 0 2.347 2.347 2011 433 3.581 4.0142004 294 1.814 2.108 2012 446 2.821 3.2672005 1.690 3.445 5.135 2013 364 11.329 11.6932006 2.626 19.148 21.774 2014 79 8.277 8.3562007 378 12.460 12.838 2015 22 34 562008 392 5.275 5.667 2016 0 453 4532009 1.149 14.750 15.899 2017 0 10.914 10.9142010 355 14.994 15.349 2018 20 500 520

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* Soma do Contrato de Opção, PEP, PROP e PEPRO.Fonte: BRASIL/MAPA (2020).

Seja por que o alcance da PGPM, em termos de porcentual da safra beneficiada, tem se revelado pequeno, seja por que predominam os novos instrumentos, que não preveem que haja aquisição de produtos pelo Governo Federal, isto faz com que os estoques reguladores dos produtos agrícolas permaneçam em nível bastante reduzido. No início do Século XXI, os estoques dos principais produtos agrícolas não ultrapassavam 5% dos respectivos consumos anuais (VILLA VERDE, 2001). Dados da safra 2006/07 indicam que foram produzidas 131,4 milhões t de grãos (CONAB, 2008), sendo que os estoques públicos (arroz, farináceos, feijão, milho e trigo) não superavam 3,7 milhões t (BRASIL/MAPA, 2008). Esta queda continuou em anos mais recentes, trazendo os estoques públicos de alimentos no Brasil para porcentual próximo de zero.

7.3 – Risco Agrícola, Zoneamento Ambiental e Seguro RuralA escolha da época mais adequada para o plantio e a celebração do seguro rural são

práticas que visam preservar a produção agrícola dos riscos associados à ocorrência de eventos adversos e aleatórios de origem sanitária ou climática (mais fortemente) e que tragam prejuízos econômicos aos agricultores.

Para reduzir os riscos climáticos incidentes sobre a atividade agrícola, desde 1996, o MAPA divulga o Zoneamento Agrícola de Risco Climático (ZARC), indicando para cada município os períodos mais recomendados para plantio de diversas variedades de lavouras. Além de indicadores climáticos, são consideradas informações de altitude, longitude e latitude, tipo de solo e características das variedades e cultivares. Na safra 2017/18, 24 unidades da federação foram contempladas com tal política, envolvendo 20 lavouras anuais, 25 permanentes e o consórcio milho/braquiária (BRASIL/MAPA, 2017a). Suas informações estão disponíveis no Painel de Indicação de Riscos, no endereço http://indicadores.agricultura.gov.br/zarc/index.htm.

Além de trazer maior segurança à atividade agrícola, a adequação ao calendário do ZARC é obrigatória para o agricultor utilizar-se do programa oficial de seguro rural, chamado de Programa de Garantia de Atividade Agropecuária (Proagro), e ao Programa de Subvenção ao Prêmio de Seguro Rural.

As alíquotas do prêmio do seguro rural estão no Quadro 7.4. Nas atividades pecuárias a taxa de participação é de 1,2% sobre o total segurado. Para as agrícolas, ela varia entre 2,0% e 6,5%, de acordo com o tipo da cultura e técnica de cultivo.

Quando de sua criação, nos anos 1970, o Proagro cobria apenas operações de custeio firmadas com recursos doSNCR. Na década de 1990 tornou-se possível utilizar o Proagro também em operações realizadas com recursos do próprio agricultor. Contudo, o alto custo do seu prêmio e o desinteresse das seguradoras privadas faziam com que menos de 1% da área plantada no Brasil fosse atendido pelo seguro rural, com forte concentração no estado de São Paulo e Região Sul.Quadro 7.4 – Taxa de participação (prêmio) do Seguro Rural para atividades agrícolas e técnicas de cultivo.Custeio pecuário de diversos rebanhos: 1,2%.Lavouras irrigadas, inclusive cultivos protegidos: 2%.Lavouras em regime de sequeiro: milho (verão) e soja: 4,5%; milho safrinha (2ª safra): 6%; ameixa, maçã, nectarina e pêssego, sem estrutura de proteção contra granizo: 6,5%; ameixa, maçã, nectarina e pêssego, com estrutura de proteção contra granizo: 3,5%; cevada e trigo: 6,5%; demais culturas zoneadas: 4%.Fonte: BCB (2020).

Visando ampliar o alcance do seguro rural, aprovou-se a Lei 10.823/2003, que permitiu, através do Decreto 5.121/2004, a criação do Programa de Subvenção ao Prêmio de Seguro Rural.

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Na safra 2017/18,estava previsto que o Governo Federal subsidiasse entre 35% e 45% do valor do prêmio do seguro rural contratado junto a onze seguradoras privadas credenciadas no MAPA. Por ano, cada agricultor podia receber subvenção máxima de R$ 72.000,00 para atividades agrícolas ou R$ 24.000,00 para atividades pecuárias, aquícolas ou florestais.

O crescimento do seguro rural subvencionado se revelou muito significativo até 2014. Assim, em 2005, primeiro ano de sua vigência, apenas 68.148 ha de quatro atividades agrícolas foram contempladas, com importância segurada de R$ 126,6 milhões, valor de prêmio pago de R$ 8,7 milhões e subvenção pública de R$ 2,3 milhões. Em 2014, a importância segurada alcançou R$ 693,5 milhões, referentes a atividades florestais, três pecuárias e 50 lavouras. Ainda em 2014, 117,6 mil apólices de seguro rural subvencionado foram assinadas, contemplando 77,2 mil agricultores e área de 9,9 milhões ha (BRASIL/MAPA, 2015).

Para o período 2006 a 2015, há disponibilidade de alguns indicadores de desempenho da subvenção do seguro rural no Brasil. Nesses 10 anos, o valor anual médio do prêmio arrecadado foi de R$ 508,1 milhões, 55% dos quais provenientes da subvenção do Governo Federal. Em média, as seguradoras indenizaram os agricultores em R$ 292,3 milhões/ano, valor pouco acima da subvenção média recebida do Governo Federal, de R$ 279,5 milhões/ano. Em média, a indenização representou 57% do valor do prêmio arrecadado (BRASIL/MAPA, 2016).

Quanto ao alcance do Programa, entre as safras de 2008/09 e 2015/16, a participação da área segurada na plantada com grãos foi de 11%. Individualmente, no trigo observou-se que 25% de sua área plantada foram beneficiados com a subvenção ao seguro, na soja, 13% e no milho, apenas 6%. Entre as frutas, merece destacar a participação de 61% da área segurada na plantada com uva e de 84% com maçã (BRASIL/MAPA, 2016).

7.4 – A Rede de Pesquisa Agropecuária no BrasilDesde o final do Século XIX, quando foram criados institutos de pesquisa em alguns

estados brasileiros, como o IAC,em São Paulo, observam-se ações públicas em favor do desenvolvimento tecnológico da agricultura brasileira. Contudo, apenas com a criação da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), em 1973, a pesquisa pública agrícola ganhou maior abrangência geográfica, sistematicidade orçamentária e de planejamento.

Em 1992, foi instituído o Sistema Nacional de Pesquisa Agropecuária (SNPA), procurando concatenar as ações de pesquisa e desenvolvimento agrícola das diversas instituições existentes na área. Este sistema é coordenado pela Embrapa e dele também fazem parte 16 Organizações Estaduais de Pesquisa Agropecuária (OEPA), universidades e institutos de pesquisa de âmbito federal e estadual, fundações e empresas privadas.

A Embrapa conta com 46 Centros de Pesquisa espalhados pelo País, alguns com caráter temático, outros com base na região em que estão instalados. Seu orçamento, em 2014, somou R$ 2,78bilhões e R$ 2,91bilhões, em 2015, sendo que mais de 90% desses valores eram provenientes do Tesouro Nacional (EMBRAPA, 2017).

As pesquisas da Embrapa abrangem várias áreas e atividades agrícolas. Duas merecem especial destaque, as que possibilitaram a ocupação agrícola das terras do Cerrado, principal região de expansão recente da agricultura brasileira, e aquelas que resultam no melhoramento genético de plantas.

Em agosto de 2010, a Embrapa era detentora de 24% das 1.387 cultivares registradas de todas as lavouras no Brasil (BRASIL/MAPA, 2010a), o que não guardava, necessariamente, correspondência com a porcentagem de área plantada com essas cultivares. O Gráfico 7.1 mostra o número de cultivares desenvolvidas pela Embrapa para uma série de lavouras.Gráfico 7.1 - Cultivares Embrapa registradas com mais de 10 cultivares por espécie.

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Fonte: EMBRAPA (2017, Pag. 54).Em 2018, estimava-se que 49% da área cultivada com feijão no Brasil usavam cultivares

desenvolvidas pela Embrapa, no arroz de sequeiro este valor era de 29%, 17% no sorgo e 20% no trigo. No milho, a genética desenvolvida pela Embrapa nunca alcançou maior importância, enquanto no algodão e soja ela decaiu nos últimos anos, com o advento da transgenia. Variedades e cultivares de soja da Embrapa, no começo deste século, representavam próximo a 40% da área cultivada no Brasil, valor que não passava de 4%, em 2018 (EMBRAPA, 2019).

No café e cana-de-açúcar, a quase totalidade de cultivares hoje usada no Brasil originou-se de pesquisa de empresas públicas, não apenas da Embrapa. Como afirmado anteriormente, para o melhoramento do café, em 1997, foi criado o Consórcio de Pesquisa do Café, associação de órgãos públicos e privados, com a Embrapa Café na sua coordenação. Na cana-de-açúcar, uma associação de universidades públicas federais, a RIDESA é a principal responsável pelas variedades cultivadas no País, seguida pelo CTC, instituição privada nacional, e pelo IAC.

Outro aspecto a ser destacado, diz respeito ao chamado retorno social da pesquisa. Em estimativa própria, a Embrapa calcula que cada R$ 1,00 empregado em seu orçamento resultou em R$ 8,53, em 2014, e R$ 12,16, em 2018, em ganhos para a sociedade brasileira, através do uso de suas tecnologias (EMBRAPA, 2015, 2019).

7.5 – A Política de Defesa SanitáriaA Política de Defesa Sanitária tem como o objetivo garantir a sanidade agrícola através

de ações de saúde, sanidade, inspeção, fiscalização, educação e vigilância de animais, vegetais, insumos e produtos de origem animal e vegetal.Considerando-se o conceito de SPA, pode-se dizer que ela atua à montante da produção agrícola, através de atividades relativas à fiscalização dos insumos e serviços usados nas atividades agrícolas. Age na própria agricultura ou produção primária, através da vigilância e defesa sanitária vegetal e animal. Finalmente, implementa ações à jusante da agricultura, através da inspeção e classificação de produtos de origem vegetal ou animal, seus derivados, subprodutos e resíduos de valor econômico.

Pode-se especificar ainda mais essas ações, de acordo com BRASIL/MAPA (2005). Assim a fiscalização de insumos agrícolas envolve fiscalização de agrotóxicos, seus componentes e afins; fiscalização higiênico-sanitária da prestação de serviços agrícolas; inspeção e fiscalização da produção, certificação e da comercialização de sementes e mudas; fiscalização da produção e da comercialização de fertilizantes, corretivos e inoculantes. Por sua vez, a fiscalização de insumos pecuários envolve inspeção e fiscalização de produtos de uso

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veterinário; fiscalização higiênico-sanitária da prestação de serviços pecuários; inspeção e fiscalização dos produtos destinados à alimentação animal.

Quanto à sanidade vegetal as ações seriam: vigilância fitossanitária, inclusive a definição de requisitos fitossanitários no trânsito de plantas, produtos e derivados de origem vegetal e materiais de uso agrícola; prevenção e controle de pragas e doenças, com destaque para definição de requisitos fitossanitários necessários na importação e exportação de agrotóxicos, sementes e mudas e produtos vegetais destinados à alimentação animal; fiscalização do trânsito de vegetais, partes de vegetais, seus produtos, subprodutos e derivados, incluindo a exportação e importação; promoção de campanhas de educação fitossanitária.

Na saúde animal as ações envolveriam: vigilância zoossanitária, especialmente a definição de requisitos sanitários no trânsito de animais, produtos e derivados de origem animal, bem como materiais de uso na veterinária; profilaxia e combate às doenças dos animais, estudando-se a definição dos requisitos exigidos para produtos biológicos; fiscalização do trânsito de animais, de produtos veterinários, de materiais de multiplicação animal, de produtos destinados à alimentação animal, produtos e derivados de origem animal, incluindo a aplicação de requisitos sanitários para importação e exportação; promoção de campanhas zoossanitárias.

A inspeção de produtos de origem vegetal contempla ações de fiscalização e inspeção higiênico-sanitária e tecnológica de produtos vegetais e seus derivados, incluindo bebidas, vinagres, vinhos e derivados; fiscalização da classificação de produtos vegetais e seus derivados, subprodutos e resíduos de valor econômico. Na área animal as ações seriam de inspeção e fiscalização sanitária e industrial de produtos de origem animal.

As atividades de defesa sanitária no Brasil todo fazem parte do Sistema Unificado de Atenção à Sanidade Agropecuária (SUASA), que se articula com o Sistema Único de Saúde nas questões relativas à saúde pública. O SUASA é subdividido em Sistema Brasileiro de Inspeção de Produtos de Origem Vegetal, Sistema Brasileiro de Inspeção de Produtos de Origem Animal, Sistema Brasileiro de Inspeção e Fiscalização de Insumos Agrícolas e Sistema Brasileiro de Inspeção e Fiscalização de Insumos Pecuários. Estados, Distrito Federal e municípios podem aderir a esses sistemas ou não, mantendo sistemas próprios. Nesse caso as inspeções e fiscalizações estaduais e municipais são reconhecidas apenas na sua área territorial.

8 – A Política Fundiária e da Agricultura FamiliarComo já se afirmou, no processo histórico de ocupação do meio rural brasileiro a

prioridade foi dada à implantação de grandes propriedades que, em um primeiro momento, usaram a força de trabalho escrava e, posteriormente, a assalariada. Com exceção de algumas regiões, nos estados do Sul e sul do Espírito Santo, os pequenos estabelecimentos, baseados na força de trabalho familiar, não contaram com o favorecimento de políticas oficiais e seu desenvolvimento ocorreu, muitas vezes, em terras de fronteira, marginais e de pior qualidade ou esgotadas pela exploração das grandes culturas de exportação ou, ainda, como resultado da divisão de grandes propriedades, nos momentos de crise agrícola ou nas partilhas de heranças.

Também já se afirmou que, a partir de 1996, com o agravamento da situação social e dos conflitos fundiários, foi instituída uma série de normas legais e órgãos públicos para tratar especificamente da questão da agricultura familiar, reforma agrária e assentamentos rurais. Nesse intento, foram criados o MDA, ao qual o INCRA passou a se subordinar, e o Pronaf, para a concessão de crédito com juros menores do que os da agricultura empresarial. Neste século XXI, a especificidade da agricultura familiar foi formalmente reconhecida pelo Congresso Nacional, ao aprovar a Lei 11.326/06, que estabelece a Política Nacional da Agricultura Familiar e Empreendimentos Familiares Rurais.

“A Lei 11.326/06 reconhece agricultura familiar como segmento produtivo e dá reconhecimento legal para ampliação das políticas públicas específicas, como crédito, formação profissional, seguro,

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assistência técnica, comercialização – além de garantir acesso a direitos sociais, como é o caso dos benefícios da previdência social. Prevê, também, a descentralização – com participação de municípios, estados, governo federal e agricultores familiares – no desenvolvimento e gestão das políticas”. (IICA/NEAD/INCRA/MDA, 2007:39).

Em termos legais, para ser considerado familiar, o agricultor tem que se enquadrar nos critérios: a) possuir, a qualquer título, área de até quatro módulos fiscais; b) utilizar, no mínimo, metade da força de trabalho familiar no processo produtivo e de geração de renda; c) auferir, no mínimo, metade da renda familiar de atividades econômicas do seu estabelecimento ou empreendimento; d) ser a gestão do estabelecimento ou empreendimento estritamente familiar (BRASIL/SEAFDA, 2017). O reconhecimento público dessa condição é feito por órgãos de ATER e reforma agrária que emitem documento chamado de Declaração de Aptidão ao Pronaf (DAP).

O módulo fiscal citado, expresso em hectares, é definido pelo INCRA para cada município brasileiro e constitui a menor unidade de exploração agropecuária que permite o sustento de uma família13. Imóvel rural abaixo de um módulo fiscal é chamado de minifúndio, de um a quatro módulos, pequena propriedade, de quatro a 15 módulos, média propriedade e acima de 15 módulos fiscais tem-se a grande propriedade.

Nos últimos anos, o fortalecimento institucional das políticas voltadas para a agricultura familiar sofreu reveses, como a extinção do MDA, em 2016. Suas atribuições e estrutura, inicialmente, passaram a compor a Secretaria Especial de Agricultura Familiar e do Desenvolvimento Agrário (SEAFDA), vinculada, juntamente com o INCRA, à Casa Civil da Presidência da República. Em 2019, a política para a agricultura familiar foi encampada pelo MAPA, na Secretaria de Agricultura Familiar e Cooperativismo (SAFC).

Antes da descrição das políticas fundiáriae para a agricultura familiar, será feita breve caracterização dessa categoria social, delimitando sua participação na agricultura brasileira e tratando de sua diferenciação interna.

8.1 – Situação Produtiva e Social da Agricultura FamiliarDe maneira geral, as condições de vida e trabalho da população rural e pessoas ocupadas

na agricultura são mais precárias que, respectivamente, as da população urbana e ocupados na indústria e serviços. Del Grossi (2008) mostra que, em 2006, a remuneração média dos ocupados agrícolas equivalia a 78% a dos ocupados não agrícolas, entre os moradores da zona rural, e 68%, para os da zona urbana. Também a mortalidade infantil, incidência de doenças, falta de assistência médica, condições precárias de moradia, analfabetismo e desnutrição continuam maiores,em termos relativos, no meio rural. A precariedade de vida se manifesta mais fortemente entre os trabalhadores agrícolas temporários e na parcela mais empobrecida de agricultores familiares.

Dados do Censo Agropecuário 2006 apontam a existência de 4.367.902 estabelecimentos da agricultura familiar, o que representava 84% do total de 5.175.489 estabelecimentos agropecuários brasileiros. Ao mesmo tempo, os familiares ocupavam 24% da área total, eram responsáveis por 74% das pessoas ocupadas e geravam 38% do valor bruto da produção dos estabelecimentos brasileiros.Considerando-se as principais lavouras, os estabelecimentos familiares produziam 87% da produção nacional de mandioca, 70% do feijão, 46% do milho, 38% do café, 34% do arroz, 21% do trigo e 16% da soja. Também produziam 58% do leite e detinham 59% do plantel dos suínos, 50% de aves e 30% dos bovinos (IBGE, 2009).

O Censo Agropecuário 2017 mostrou queda na importância da agricultura familiar no Brasil. Sua participação no número de estabelecimentos caiu para 77%, na área, para 23% e no valor da produção, para 23%. A grande redução da participação na renda, entre 2006 e 2017,

13 Além do módulo fiscal, existe também o módulo rural. Enquanto o primeiro diz respeito à condição média de um município, o módulo rural é específico para determinado imóvel rural, que pode ter produtividade acima da média e permitir o sustento da família com área menor do que a do módulo fiscal.

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localizou-se no Nordeste, com queda de 40% na renda de seus agricultores, enquanto nas outras regiões a renda da agricultura familiar cresceu. Com base em dados do INMET (Instituto Nacional de Meteorologia), Rebello (2018) informa que, entre 2012 e 2017, o Nordeste passou pelo maior período de seca já registrado no Brasil, o que explica aquela queda.

A Tabela 8.1 mostra que quase metade dos estabelecimentos agropecuários familiares localizava-se no Nordeste, em 2017, seguido pelo Sudeste e Sul. Em termos de área média, observam-se maiores valores no Norte e Centro-Oeste, regiões colonizadas mais recentemente. A maior participação na renda da agricultura familiar, acima de 40%, foi verificada no Sul, seguida pelo Sudeste, salientando-se que a participação do Nordeste em 2017 foi bem menor do que se observara em 2006, de 24,7% (IBGE, 2009)Tabela 8.1 – Número de estabelecimentos, área media e valor da produção da agricultura familiar, grandes regiões brasileiras, 2017.

Região Estabelecimentos e Área Média Valor da Produção (R$ milhões)Número % Ár. Média Total % Médio

Norte 480.575 12,3 41,1 12.613,9 10,6 26,2Nordeste 1.838.846 47,2 14,1 17.813,9 14,9 9,7Sudeste 688.945 17,7 19,9 28.950, 2 24,2 42,0Sul 665.767 17,1 17,3 49.310,5 41,3 74,1C.-Oeste 223.275 5,7 44,7 10.776,7 9,0 48,3Brasil 3.897.408 100,0 20,8 119.465,3 100,0 30,7Fonte: IBGE (2019)

Observa-se que há grande diferença no valor da produção médio auferido pelos agricultores das regiões. Os do Sul recebiam valor equivalente a mais do que o dobro da nédia nacional, os do Sudeste e Centro-Oeste também estavam acima da média, do Norte abaixo, mas próximo da média e os do Nordeste bem abaixo, menos de 1/3 da média, contra próximo à metade em 2006 (IBGE, 2009). Esta diferenciação de renda entre as regiões não está relacionada, no geral, com o valor da área média de seus agricultores familiares.

A diferenciação social entre agricultores familiares encontra-se mais explicitada pelas análises do Censo 2006. Para este ano, Guanzirolli et al (2010) estimaram que os agricultores familiares com renda superior a três vezes o valor anualizado da diária regional (ou seja, os mais ricos ou menos pobres) representavam 9% do total de agricultores familiares. Os que contavam com renda entre metade e três vezes o valor anualizado eram 33% e os que percebiam menos do que a metade desse valor eram 58% do total de agricultores familiares. Enquanto o primeiro grupo era responsável por 68% do valor produção da agricultura familiar, o segundo tinha participação de 21% e o terceiro, de apenas 11%.

Existem agricultores familiares que usam tecnologias modernas, com atividades integradas ao mercado, embora sujeitos a condições menos favoráveis em relação a preços pagos e recebidos pelos grandes agricultores. Existem também os que praticam agricultura de subsistência, vivem em condição de pobreza, têm parte significativa dos rendimentos oriunda de transferências públicas (aposentadorias, pensões, programas de suplementação de renda) e apresentam grande dependência de emprego, temporário muitas vezes, de membros da família em outros setores econômicos ou estabelecimentos agropecuários.

No Nordeste, estudos apontam a predominância de agricultores familiares empobrecidos, o que se associa às restrições edafoclimáticas de grande parte de sua área. Os agricultores familiares do Sul apresentam renda média mais alta, são mais tecnificados e vinculados aos mercados de commodities. Mas, há também nesta região parcela significativa de agricultores familiares empobrecidos, que segundo Gazolla et al (2017), em 2006, representavam 30% dos estabelecimentos agropecuários do Paraná, enquanto entre os agricultores familiares situados acima da linha da pobreza esta participação era de 52%.

Ainda Gazolla et al (2017) relacionam a condição de pobreza de parte dos agricultores estudados aos seguintes fatores: deterem pequena porção de terra; baixo nível de tecnificação

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agrícola; presença alta de idosos e pessoas com baixo grau de escolarização; não receberem ATER; não integrarem organizações sociais, como associações e cooperativas; obterem baixo nível de produção agrícola e da mesma ser fortemente vinculada ao auto consumo; a renda familiar depender majoritariamente de rendimentos não agrícolas.

Pode-se dizer que o debate sobre a agricultura familiar envolve vários aspectos. Um deles diz respeito à sua viabilidade econômica em face à eventual ocorrência de economias de escala na agricultura. Por um lado, o desenvolvimento da tecnologia mecânica, que resulta na adoção de máquinas e equipamentos cada vez com maior capacidade, e o maior poder de negociação de preços de insumos e produtos, muitas vezes, contribuem para que as grandes explorações agrícolas apresentem menores custos médios de seus produtos e, portanto, maior competitividade. Por outro lado, pelo menos em algumas atividades agrícolas, mantêm-se especificidades que limitam a organização produtiva aos moldes das linhas de produção do setor industrial e exigem manejo mais condizente com as características da agricultura familiar.

Além disso, as diversas práticas do associativismo e o tipo de tecnologia gerado nos institutos de pesquisa podem contribuir para maior viabilidade da pequena produção agrícola. Como exemplos, pode-se citar a produção orgânica e sistemas que integrem uma série de atividades agrícolas e pecuárias em áreas de pequena extensão, conseguindo manter ocupada a força de trabalho familiar durante todo o ano. Outras inovações produtivas, como desenvolvimento de máquinas menores, criação de canais de comercialização alternativos e alterações na legislação sanitária em benefício da agroindústria artesanal, seriam ações em favor do fortalecimento da agricultura familiar.

Outro debate diz respeito às ações públicas direcionadas aos diversos segmentos de agricultores familiares. Para aqueles muito pobres, é necessário se considerar a aplicação de políticas e programas além dos especificamente agrícolas, de concessão de documentos, na área de suplementação de renda, do acesso ao ensino e à saúde. Para o conjunto dos agricultores familiares, pode-se pensar em políticas agrícolas diferenciadas, no campo da pesquisa, assistência técnica, crédito rural, acesso ao mercado e outras.

Além disso, é comum que se desenvolvam políticas direcionadas a aumentar o acesso à terra para trabalhadores e agricultores sem ou com insuficiente dotação desse recurso natural. Estas se encaixam nas chamadas políticas fundiárias, como de crédito fundiário, reforma agrária e colonização.

8.2 – A Política FundiáriaO INCRA é o principal responsável pela execução da Política Fundiária no País. Suas

ações, basicamente, envolvem (envolviam) três diferentes áreas: regularização fundiária (ou ordenamento territorial), crédito fundiário e reforma agrária/colonização e assentamento rural. Em todas interfere na distribuição da propriedade da terra ou sobre o imóvel rural.

Imóvel rural pode ser definido como a propriedade rural pública ou privada de área contínua e registrada em cartório. Distingue-se do conceito usado pelo IBGE nos levantamentos censitários, de estabelecimento agropecuário, que é a unidade rural de exploração econômica, que pode ser feita por proprietário ou não proprietário da terra. Em suma, imóvel é conceito de propriedade e estabelecimento, conceito de exploração econômica.

No início do século XXI, estimava-se que mais da metade do território nacional e de um milhão de agricultores não tinham suas áreas cadastradas no INCRA. Isso contribuía para a ocorrência de inúmeros conflitos fundiários, em especial nas regiões de fronteira, em que havia dúvidas e contestações jurídicas quanto à posse e propriedade da terra. Nessas regiões, milhares de posseiros exploravam áreas rurais, muitas vezes para subsistência, sem possuírem título de propriedade ou outro instrumento jurídico que lhes dessem garantia sobre a terra. Ao mesmo tempo, observava-se a prática da grilagem, em que se forjavam documentos de propriedade, normalmente de grandes áreas, que na verdade seriam públicas ou devolutas ou que estavam

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ocupadas por posseiros. Desde 2003,visando melhorar o ordenamento territorial, desenvolve-se um programa de cadastros georreferenciados de imóveis rurais no Brasil, para seus proprietários receberem o Certificado de Cadastro de Imóvel Rural (CCIR).

O Programa Nacional de Crédito Fundiário (PNCF) financia a compra de terra agrícola e despesas complementares para se iniciar a produção em áreas não passíveis de desapropriação. Antes executado pelo INCRA, atualmente o Programa está subordinado à SAFC. Prevê-se um limite de financiamento de R$ 151 mil, mais R$ 7,5 mil para ATER, prazo de 25 anos para amortização, com três de carência, em três linhas:

a) PNCF Social – para agricultores da região Norte e da Sudene (Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste), taxa de juros de 0,5% a.a., bônus de adimplência de 40%;

b) PNCF Mais – para agricultores das demais regiões, com taxa de juros de 2,5% a.a. e bônus de adimplência de 20%;

c) PNCF Empreendedor – linha com risco bancário, cuja regulamentação é definida pelo agente financeiro que aderir a sua operacionalização, com taxa de juros de 5,5% a.a. 

8.2.1 – Reforma Agrária e ColonizaçãoOutra importante política do INCRA é a Colonização e Reforma Agrária. Contempla

arrecadação de terras devolutas ou desapropriação de terras privadas, seguidas de sua distribuição e outrasmedidas complementares.

A fundamentação legal da reforma agrária é dada pela Constituição Federal de 1988 que, à semelhança ao Estatuto da Terra de 1964, assegura o direito à propriedade privada da terra, desde que cumprida sua função social, que deveria ser aferida pelos seguintes itens: “aproveitamento racional e adequado”, “preservação ambiental” e “bem-estar nas relações de trabalho”. A Lei 8.629/1993 regulamentou o primeiro deles, que passou a ser medido por dois indicadores, o Grau de Utilização da Terra (GUT) e o Grau de Eficiência na Exploração (GEE) (DELGADO, 2005).O GUT é calculado através da divisão da área efetivamente utilizada pela área explorável do imóvel. O GEE, relacionado com indicadores de produtividade, é assim obtido: divide-se a quantidade colhida de cada produto pelo índice de rendimento regional considerado adequado pelo INCRA; após, divide-se o número de unidades animais do rebanho pelo índice de lotação animal regional do INCRA e, por fim; divide-se a soma desses itens pela área efetivamente utilizada e multiplica-se por 100 (INCRA, 2007).

Corriqueiramente, a propriedade da terra é tributada através do Imposto Territorial Rural (ITR), cuja receita representa menos que 0,2% da arrecadação federal. Pode também sofrer sanção de desapropriação ao ser considerada improdutiva, por apresentar GUT menor que 80% ou GEE menor que 100%. Neste caso, a indenização governamental ao exproprietário é feita em dinheiro para as benfeitorias e em Título de Dívida Agrária (TDA) para a terra nua. O TDA rende correção monetária mais juros de 3 a 6% a.a., tem prazo de resgate de cinco a 20 anos, gradativo a partir do segundo ano, sendo permitida sua negociação em mercado secundário (INCRA/SP, 2005).

A arrecadação de terras, por sua vez, diz respeito à transformação jurídica de terras devolutas (terras públicas sem registro de imóveis) em terras para assentamentos. Neste caso, rigorosamente, está se promovendo colonização de terras e não reforma agrária, que é precedida da desapropriação.

Os passos seguintes à desapropriação ou arrecadação são: divisão da área em lotes pequenos, maiores que um (com algumas exceções) e menores que quatro módulos fiscais, seleção de famílias beneficiadas e seu assentamento nos lotes, concessão de serviços complementares. Neste caso, entrariam ações para implantação de infraestrutura, estradas, energia, saneamento básico e moradia, crédito instalação, serviços específicos para ensino e ATER. Quando os assentados alcançam um estágio de desenvolvimento que lhes possibilite

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maior autonomia e estabilidade, podem ser emancipados, com o recebimento do título de propriedade da terra.

Até 2012, foram assentadas no Brasil 1.258.205 famílias em área de 87.892,2 mil ha. Entre 1995-98 houve aumento expressivo da área de assentamentos no Brasil, que alcançou 11.253,3 mil ha, valor que caiu para 8.607,3 mil ha, entre 1999-2002. Em 2003 foi anunciadoo II Plano Nacional de Reforma Agrária (II PNRA), com a meta de se assentarem 200 mil famílias/ano. Entre 2003-06, foram assentadas média anual de 95,3 mil famílias em área total de 31.679,8 mil ha, valor que caiu para 16.402,1 mil ha, entre 2007 e 2010 (INCRA, 2018).

É importante salientar que a maior parte dos assentamentos vem sendo realizada na Região Norte, assumindo características mais de colonização do que de reforma agrária propriamente dita e servindo como tentativa para enfrentamento da grilagem de terras devolutas e violência nas disputas pela posse da terra na fronteira agrícola. Assim, da área de assentamentos entre 2003-06, 87,1% eram relativos à região Norte14.

8.3 – Políticas para Agricultura FamiliarAlém das quatro características já relacionadas, o agricultor familiar, para ter acesso aos

créditos do Pronaf, não pode ultrapassar determinada renda anual, proveniente do ou fora do estabelecimento agropecuário. Na safra 2019/20 este valor equivale a R$ 415 mil (BCB, 2020).

Atualmente, a especificação da política anual para agricultura familiar, com seus principais programas, condições e previsão de recursos a serem aplicados é feito no mesmo documento da política para médios e grandes agricultores, o Plano Agrícola e Pecuário ou Plano Safra, com validade de um ano, a partir do início de julho. O destaque para agricultura familiar sempre é o Pronaf, que tem apresentado maior alcance social e continuidade. Em 2019/20 está prevista a aplicação de R$ 31,2 bilhões no Programa.

8.3.1 – Programa Nacional de Fortalecimento da Agricultura FamiliarAnteriormente, no capítulo 6, se apresentou a evolução do número de contratos e valor

financiado do Pronaf no Brasil. O Gráfico 8.1 traz uma relação entre a participação porcentual nos recursos do Pronaf e na renda bruta da agricultura familiar para as grandes regiões brasileiras. Em 2006, foi quando se verificou a distribuição mais equânime de recursos do Programa, com aquela relação se aproximando da unidade em todas as regiões. Antes disto, o Sul e Centro-Oeste eram relativamente mais beneficiados que as outras regiões. Após 2006, o Sul voltou a assumir uma posição privilegiada, embora abaixo dos valores de 2001 e 2002, enquanto as demais regiões tenderam a receber um volume de recursos do Pronaf relativamente menor do que suas contribuições para a renda bruta da agricultura familiar. Ressalte-se que a aparente melhoria do Nordeste, a partir de 2012, se deveu à queda da renda bruta de seus agricultores, o que já foi comentado, e não ao aumento dos recursos do Pronaf. Gráfico 8.1 – Relação entre participação porcentual nos recursos do Pronaf e na renda bruta da agricultura familiar, regiões geográficas, Brasil, 2001 a 2019.

14 De 2003 a 2006 foram assentadas 187.724 famílias em área de 27,6 milhões ha na Região Norte, 116.817 famílias em 2,8 milhões ha no Nordeste e 53.321 famílias em 1,0 milhão ha no Centro-Oeste. Já no Sudeste 13.825 famílias foram assentadas em 281,6 mil ha e no Sul 9.722 famílias em 106,2 mil ha (IICA/NEAD/INCRA/MDA, 2007).

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20012002

20032004

20052006

20072008

20092010

20112012

20132014

20152016

20172018

20190.00

0.20

0.40

0.60

0.80

1.00

1.20

1.40

1.60

1.80

2.00

Norte

Nordeste

Sudeste

Sul

Centro-Oeste

Fonte: BCB (2020a), IBGE (2009, 2019).Valores monetários corrigidos pelo IGP-DI para 2019.O Pronaf é executado por três bancos federais (do Brasil, do Nordeste e da Amazônia),

pelo Banco Regional de Brasília e por cooperativas de crédito. Decorrente da diversidade da agricultura familiar, o Pronafprocura atender diferentes

públicos e situações sociais e apresenta grande número de modalidades. Assim, os agricultores familiares são classificados em diferentes grupos: a) A e A/C – beneficiados por políticas de assentamento ou crédito fundiário, b) B – agricultores com renda anual de até R$ 23 mil e que não contratem trabalhador permanente, c) V (renda variável, antigos grupos C, D e E) – agricultores familiares com renda anual superior a R$ 23 mil. Além dos agricultores familiares propriamente ditos, podem acessar recursos do Pronaf os pescadores artesanais, aquicultores, silvicultores, extrativistas de produtos vegetais, integrantes de comunidades quilombolas, indígenas e outros povos tradicionais (BCB, 2020).

Em relação à chamada agricultura empresarial, os limites de financiamento e juros do Pronaf são menores e, em alguns casos, se prevê bônus de adimplência ou desconto de parte da parcela devida, se seu pagamento for realizado até a data prevista no contrato. No Quadro 8.1são listadas as principais linhas do Pronaf com as condições vigentes na safra 2019/2020, sem considerar os grupos A e A/C. As duas linhas mais importantes são o Pronaf Custeio e o Pronaf Investimento (Mais Alimentos), em que as variações nos limites, taxa de juros e prazo de amortização relacionam-se com o tipo de atividade ou investimento financiado. O limite de R$ 50 mil no Pronaf Investimento diz respeito a nova modalidade, destinada à construção ou reforma de moradia do agricultor.

O Pronaf Agroindústria prevê investimentos na construção, ampliação ou reforma de agroindústria para agregar valor à produção agrícola. O limite de R$ 165 mil é para agricultor individual, o de R$ 7 milhões, para empreendimento coletivo, respeitado o limite individual de R$ 165 mil e o de R$ 30 milhões, para cooperativa, com limite individual de R$ 45 mil.

O Pronaf Industrialização de Agroindústria Familiar é destinado a bancar despesas de custeio do beneficiamento ou industrialização de produtos agrícolas. No caso de cooperativas, as singulares têm limite de R$ 15 milhões e as centrais, de R$ 30 milhões, em ambos os casos respeitando o limite individual de R$ 45 mil.Quadro 8.1 – Principais linhas e condições de financiamento do Pronaf, safra 2019/2020.

Linhas do Pronaf Limite (mil R$) Condições

Pronaf Custeio 250 Juros de 3% a 4,6% a.a., prazo de seis meses a três anos

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Pronaf Investimento - Mais Alimentos 165 a 330 (50) Juros de 3% a 4,6% a.a. ou pós fixado, prazo entre 5

e 10 anos, carência variável

Pronaf Agroindústria 165, 7.000, 35.000 Juros de 4,6% a.a. ou pós fixado, prazo entre 5 e 10 anos, carência variável

Pronaf Industrialização de Agroindústria Familiar

165, 7.000, 15.000 a 35.000 Juros de 4,6% a.a., prazo 12 meses

Microcrédito Produtivo Rural 2,5/operação Juros de 0,5% a.a., 2 anos de prazo, bônus de adimplência de 25% a 40%

Fonte: BCB (2020).O Microcrédito Produtivo Rural se destina a pequenos investimentos agrícolas ou não

para agricultores do Grupo B. Podem ser realizadas três operações no ano, cada uma com limite de R$ 2,5 mil. Esta modalidade prevê bônus de adimplência, mais alto na região da SUDENE.

Além das apontadas no Quadro 8.1, há linhas mais específicas para investimento: Pronaf Floresta, Pronaf Semiárido, Pronaf Mulher, Pronaf Jovem, Pronaf Agroecologia, Pronaf Eco, cujas condições podem ser encontradas no Manual de Crédito Rural.No caso de cooperativas há possibilidade também de se lançar mão do Pronaf Cotas-Partes, destinado ao financiamento de cotas-partes de seus associados, com taxa de juros de 4,6% a.a. e prazo de financiamento de seis anos (BCB, 2020).

8.3.2 – Programas de Compras Institucionais de AlimentosSob o ponto de vista do agricultor familiar, os programas de compras institucionais ou

públicas de alimentos funcionam como um garantidor de renda ou de proteção à queda de preços no mercado, aos moldes dos tradicionais instrumentos de preço mínimo. Assumiram também um papel de garantia de SAN, na medida em que os alimentos adquiridos são destinados a atender necessidade de parcelas da população em insegurança alimentar ou contempladas com políticas públicas de reforço alimentar e nutricional, como a alimentação escolar.

Em 2003, foi criado o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA), autorizando a Conab e outros órgãos públicos a realizarem, por um preço previamente fixado, compra direta de alimentos (o que guarda similaridade ao AGF) ou financiamentos de estoques pelos agricultores familiares (se aproximando do EGF) em limite inicial de R$ 2.500,00 por ano por agricultor. Esse valor foi elevado, em 2006, para R$ 3.500,00 e, na safra 2013/14, estava vigorando o valor de R$ 8.000,00 por ano por agricultor.

Após a aquisição, os alimentos são destinados a estoques governamentais e para programas institucionais, como a distribuição de leite no Semiárido Brasileiro, doações de cestas de alimentos ou para alimentação escolar. Os governos estaduais ou prefeituras municipais podem executar o PAA através de termos de cooperação com o Governo Federal, que lhes repassa recursos. Podem também, através da modalidade PAA Institucional, usarem recursos próprios para execução do Programa na abrangência de seus territórios. O mesmo podem fazer empresas, autarquias ou outros órgãos públicos que forneçam refeições a seus servidores ou a segmentos da população.

Outra iniciativa direcionada à compra de produtos originários da agricultura familiar foi a aprovação da Lei 11.947/2009, que regulamenta a Política Nacional de Alimentação Escolar (PNAE). Ela determina, em seu Artigo 14, que no mínimo 30% dos recursos da alimentação escolar repassados pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) para estados e municípios devam ser destinados à compra de produtos da agricultura familiar, até um limite anual de R$ 20.000,00 por agricultor e por entidade executora do PNAE.

Estas compras são realizadas através de chamadas púbicas, em que os preços dos produtos a serem adquiridos devem ser previamente fixados e não serem objeto de disputa entre os agricultores. A seleção destes se dá pelo seu local de produção, dando-se prioridade a agricultores do próprio município, em seguida, do território rural, após, do estado e, por fim, de

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outros estados. Também se priorizam públicos específicos, como quilombolas e indígenas, e compras de agricultores organizados em associações ou cooperativas.

O Gráfico 8.2 mostra os porcentuais de execução do Artigo 14 no estado de São Paulo. O Governo Estadual, praticamente, não aderiu ao estipulado, não apresentando gastos significativos com produtos da agricultura familiar, a não ser em 2015. O conjunto dos municípios paulistas, por sua vez, apresentou trajetória de crescimento na adesão ao Artigo 14, até 2015, quando destinaram aos agricultores familiares 25,8% dos recursos oriundos do FNDE. Contudo, nos dois anos seguintes, este nível de adesão caiu.Gráfico 8.2 – Porcentagem de gastos com alimentos da agricultura familiar, Secretaria da Educação do Estado de São Paulo e municípios paulistas, 2011 a 2017.

Fonte: FNDE (2019).

8.3.3 - Outros Programas para Agricultura FamiliarNa safra 2004/05 começou a vigorar o Seguro da Agricultura Familiar (SEAF) ou

Proagro Mais para os créditos de custeio do Pronaf. O prêmio do SEAF varia de 2% a 4%, podendo ser acionado quando as perdas ultrapassarem 30% da produção esperada.

“O SEAF garante 100% de cobertura para o financiamento do PRONAF e 65% da renda líquida esperada, em casos de secas, geadas, chuva de granizo, tromba d’água, vendaval e as geradas por doença fúngica ou praga sem método difundido de combate, controle ou profilaxia, no custeio de culturas com Zoneamento Agrícolas”. (BRASIL/MDA, 2007)

A partir da safra 2010/11 tornou-se possível o seguro de clima para operações de investimento. “O agricultor que tem operações de investimento e realiza o plantio de culturas que se enquadram no SEAF pode segurar o valor das prestações de investimento com o pagamento de um adicional de (...) 2% sobre o valor das prestações”. (BRASIL/MDA, 2010)

Na safra 2006/07 passou a funcionar o Programa de Garantia de Preços para a Agricultura Familiar (PGPAF) que objetiva a proteção contra queda de preços no período de colheita. Essa garantia deve ser acionada quando o preço de mercado, por ocasião da venda da produção, for menor que o preço de referência, definido previamente, sendo que essa diferença é descontada no pagamento do financiamento de custeio ou investimento do Pronaf.

Na área de assistência técnica e extensão rural, o Decreto 4.739 de junho de 2003 deliberou que sua coordenação nacional passaria a ser exercida pela Secretaria de Agricultura Familiar do MDA. A partir daí, elaboraram-se a Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural (PNATER), em 2004, e o Programa de Nacional de Assistência Técnica e

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Extensão Rural (PRONATER), em 2005, e se constituiu o Comitê de Assistência Técnica e Extensão Rural (ATER). Já o Decreto 25, de março de 2006 definiu a implementação e estabeleceu as diretrizes do Sistema Brasileiro Descentralizado de Assistência Técnica e Extensão Rural (SIBRATER). Por fim, em 2010 foi aprovada a Lei 12.188 que instituiu a Política Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural para a Agricultura Familiar e Reforma Agrária (PNATER) e o Programa Nacional de Assistência Técnica e Extensão Rural na Agricultura Familiar e na Reforma Agrária (PRONATER).

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