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EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE DO EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO URGENTE DIOGO DE ALMEIDA LOPES, Defensor Público em exercício na Defensoria Pública da Unidade Itaquera - Capital, com endereço para intimações, conforme determina o artigo 128, inciso I da Lei Complementar 80/94, na Rua Sabbado D’Angelo, 2040, Itaquera, São Paulo/SP, vem, respeitosamente, com fundamento no artigo 5º, inciso LXVIII da Constituição Federal e artigos 647 e seguintes do Código de Processo Penal, impetrar a presente ordem de HABEAS CORPUS COM PEDIDO LIMINAR

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EXCELENTÍSSIMO SENHOR DOUTOR DESEMBARGADOR PRESIDENTE

DO EGRÉGIO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DE SÃO PAULO

URGENTE

DIOGO DE ALMEIDA LOPES, Defensor Público em exercício na Defensoria

Pública da Unidade Itaquera - Capital, com endereço para intimações, conforme

determina o artigo 128, inciso I da Lei Complementar 80/94, na Rua Sabbado

D’Angelo, 2040, Itaquera, São Paulo/SP, vem, respeitosamente, com fundamento no

artigo 5º, inciso LXVIII da Constituição Federal e artigos 647 e seguintes do Código de

Processo Penal, impetrar a presente ordem de

HABEAS CORPUS

COM PEDIDO LIMINAR

em favor de RENATO HENRIQUE APARECIDO DE SOUZA, menor impúbere,

nascido em 22 de novembro de 2012, filho de Talita Aparecida de Souza Sales,

figurando como autoridade coatora o MM. Juiz da Vara da Infância e da Juventude

do Foro Regional de Itaquera da Comarca da Capital do Estado de São Paulo, em

razão do constrangimento ilegal a que está sendo submetido na ação de acolhimento nº

0033695-70.2013.8.26.0007, pelos motivos a seguir expostos.

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I – DOS FUNDAMENTOS DE FATO E DE DIREITO

O paciente conta com apenas 1 (um) ano e 7 (sete) meses e, desde seu

nascimento, permaneceu sob os cuidados de Viviane Gomes Plácido em razão de sua

genitora encontrar-se respondendo presa a processo pelo cometimento do delito de

tráfico de drogas. Viviane, que era vizinha da genitora do paciente, desde então assumiu

seus cuidados definitivos, atendendo a pedido de sua mãe, e provendo-lhe todo o

necessário para seu sadio desenvolvimento.

Objetivando regularizar a situação de fato e para melhor atender aos interesses

do paciente, mesmo não possuindo relação de consanguinidade, Viviane propôs ação de

guarda de nº 0031705-44.2013.8.26.0007 (cópia anexa).

No entanto, o Ministério Público, mesmo diante da consolidação da situação de

fato do paciente no seio da família de Viviane e havendo rico lastro probatório apto a

demonstrar que a guardiã vinha dispensado cuidados (médicos, assistenciais, afetivos

etc.) suficientes à elisão de qualquer risco imediato à integridade física e/ou psíquica do

paciente, ajuizou ação de acolhimento, sugerindo possível burla ao cadastro de

pretendentes à adoção e requerendo o acolhimento institucional do paciente.

Sobreveio, então, na ação de acolhimento, decisão determinando o acolhimento

institucional, bem como a busca e apreensão do paciente, sob o fundamento de que na

avaliação realizada pelo serviço técnico do juízo, Viviane não apresentou os familiares

da criança, manifestou-se contra a convivência com a avó materna e expressou desejo

de adotar, juntamente com o marido, sendo que deveria preservar a convivência da

criança com sua família biológica, incluindo a genitora, avó materna e irmãos do

paciente.

Afirmou a autoridade coatora que Viviane se apoderou do infante, valendo-se da

própria torpeza, omitindo dados relevantes da família extensa e do genitor, ressaltando

que a adoção só é possível se esgotadas as tentativas de reintegração da criança em sua

família natural ou extensa.

A decisão, todavia, carece de fundamentação, uma vez que, de uma leitura atenta

dos autos da ação acolhimento, é possível depreender-se que não há motivos razoáveis

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para que se proceda ao acolhimento institucional do paciente, não estando presente

qualquer hipótese autorizadora do artigo 98 do ECA, sendo a decisão teratológica e

suscetível de causar danos irreparáveis ao paciente, constituindo indevido

constrangimento ilegal.

Preliminarmente, cumpre esclarecer que não houve determinação para que

Viviane apresentasse familiares do paciente em juízo para serem ouvidos. Tal

determinação não poderia ser cumprida por Viviane, uma vez que nunca chegou a seu

conhecimento. Não há qualquer indicativo nesse sentido nos autos da ação de

acolhimento.

Em relação ao convívio com a família biológica, Viviane tentou, por diversas

vezes, aproximação com a avó materna e tias do paciente, o que restou infrutífero. A

avó materna alegou que não poderia assumir a guarda do paciente, pois já cuidava de

outro filho da genitora do paciente e não possui condições financeiras para tanto.

Viviane, que mantém a guarda do paciente desde seu nascimento, possui todas

as condições de oferecer ambiente saudável e livre de qualquer risco que atrapalhe o seu

pleno desenvolvimento. Desde sempre ofereceu todos os cuidados necessários (material,

moral, afetivo, social etc.) e somente ajuizou a ação de guarda para regularizar a

situação fática e afetiva entre ela e o paciente, que se encontra consolidada pela

convivência durante 1 (um) ano e 7 (sete) meses.

É de se frisar que o próprio Setor Técnico que auxilia o Juízo da Infância e

Juventude do Foro Regional de Itaquera, mais de uma vez, afirmou que:

Fls. 40: “Das informações que obtivemos, no momento não há familiares

dispostos a assumir os cuidados relativos a Renato e o convívio deste com a

família natural e extensa não vem ocorrendo”.

Fls. 49: “Renato pareceu possuir fortes vínculos afetivos com o casal e o casal

também aparenta despender cuidados e afetos com a criança. Julgamos que

Renato está inserido na família e não há oposição quanto a sua permanência

sob os cuidados do casal Viviane e Ednaldo. Ambos, mesmo consideram-se pais

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do menino, estão cientes das implicações e das limitações que o termo d guarda

implica.”

Entretanto, sem qualquer fundamentação e em conduta totalmente contraditória

a tudo quanto foi produzido nos autos, a autoridade coatora estranhamente criou

fundamentos e informações que não existem nos autos para legitimar a retirada do

paciente da família de Viviane e sua entrega a um serviço de acolhimento.

A situação nesse caso chama a atenção, pois a decisão totalmente contrária ao

quanto verificado pelo setor técnico, foi proferida em 16 de maio de 2014. Em 22 de

maio de 2014, a assistente social Quesia Gama Cruz Barbosa, quando tomou ciência da

determinação do Magistrado para busca de vaga junto a CAPE, elaborou um novo

relatório (fls. 63/64), reforçando as informações anteriormente repassadas, pois a

determinação desatendia ao que o próprio setor técnico considerava o melhor interesse

da criança, consideradas a construção de interações sociais/afetivas e de

desenvolvimento.

Dessa forma, o próprio setor técnico, mesmo após a determinação de busca

de vaga em serviço de acolhimento, consultou, mais uma vez, o juízo, pois a

determinação seria prejudicial a Renato!

Neste mesmo relatório, sobre a afeição de Renato em relação à Viviane e seu

marido, foi assim dito pela assistente social: “foi possível perceber sua afeição pelos

requerentes tendo demandado colo e atenção de ambos, esboçado satisfação e

tranquilidade no contato com eles e indicado ser alvo de bons cuidados pelo casal.”

E, ainda: “Uma vez que Renato (1 ano e 6 meses) – ao que consta – está sob

cuidados do casal há 1 ano e 3 meses, o que sugere que da parte da criança também já

se estabeleceu relações de afinidade/afetividade, a retirada abrupta do ambiente no

qual está inserida poderá ter efeitos nocivos à sua condição peculiar de pessoa em

desenvolvimento. Salientamos ainda que não nos pareceu haver má-fé por parte do

casal, pois o grupo familiar já apresenta quatro filhos biológicos e os requerentes não

detinham conhecimento da legislação vigente acerca da guarda/adoção (assim como

ocorre com a maior parte da população). Outrossim, é natural que uma família com

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disponibilidade para o cuidado suscite o estabelecimento de vínculos de afeto e

confiança recíprocos na relação com a criança/adolescente, que igualmente se

intensificam com o passar do tempo.”

Portanto, o próprio setor técnico, considerando que a decisão de acolhimento e a

consequente busca e apreensão causaria enormes prejuízos ao infante, “consultou” o

MM. Juiz a quo, pedindo que a decisão fosse reconsiderada ante os elementos

apresentados. Contudo, sem qualquer fundamentação razoável, a decisão foi mantida e,

aos 26 de maio de 2014, a assistente social Quesia contatou a CAPE e informou vaga

para acolhimento de Renato junto ao SAICA Lar do Pequeno Aprendiz (fls. 65).

Todos os relatórios produzidos pelo setor técnico dão conta de que Renato foi

bem recebido por Viviane e toda a sua família, que sempre mencionam a existência de

sua genitora, sendo que está integrado a este núcleo familiar.

O paciente não pode ser prejudicado em seu desenvolvimento psicológico em

razão de decisão completamente descabida da autoridade coatora, de forma que lhe seja

imposto o acolhimento institucional em situação evidentemente mais gravosa e em

prejuízo ao seu superior interesse do que aquela em que se encontrava (no seio da

família de Viviane), em atenção ao princípio do superior interesse da criança, previsto

no artigo 100, parágrafo único, IV, do ECA.

De qualquer ângulo que se analise a questão, certo é que o acolhimento

institucional não merece prosperar, sendo a decisão que o determinou teratológica e

infundada. Não há razão neste caso que autorize a institucionalização de Renato em um

serviço de acolhimento. Pelo contrário, todos os relatórios apontam que a medida que

melhor atende ao seu superior interesse é permanecer na família de Viviane, mediante a

concessão do termo de guarda.

A simples alegação de que o cadastro judicial de adoção foi desrespeitado não é

suficiente para que seja decretado o acolhimento institucional de Renato. Não houve

fraude nem má-fé por parte de Viviane, que desde o início deixou clara sua intenção de

cuidar do paciente enquanto sua mãe biológica não reunisse condições. É de se ressaltar,

ainda, mesmo que existisse a intenção de adoção, não é crível admitir-se o apego

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exacerbado ao formalismo quando se trata dos interesses de uma criança, pessoa em

condição especial de desenvolvimento. É cediço que em casos tais deve ser analisado

com precedência a qualquer outra questão o melhor interesse da criança.

O cadastro de adotantes e o arcabouço regulatório legalmente estabelecido para a

adoção (artigo 50, do ECA) tem como único escopo a preservação da dignidade da

criança ou adolescente adotado que se encontra em situação de vulnerabilidade, na

medida em que o Poder Público exerce o controle prévio das condições psicossociais

dos pretendentes à adoção. Respeitando-se a condição especial das crianças e

adolescentes, busca-se evitar que o adotado seja novamente submetido à situação de

risco (sofrendo maus tratos, ou sendo abandonado, por exemplo). Nessa medida, a

adoção deve sempre resgatar a dignidade da criança ou adolescente, e a realização do

cadastro único foi o meio legal que o Estado brasileiro encontrou de alcançar esse

objetivo.

Não obstante esse fato, o cadastro de pretendentes à adoção não tem um fim em

si mesmo, ele é tão-somente um dos meios de preservar a incolumidade física e psíquica

da criança ou adolescente em situação de abandono, e não deve prevalecer no caso em

comento.

A ausência de má-fé e fraude por parte de Viviane foi constatada pelo próprio

setor técnico do juízo em todos os relatórios apresentados.

A decisão do MM. Juiz a quo é baseada em rasos fundamentos, fruto de uma

interpretação equivocada da situação, contrariando, inclusive, todos os relatórios da

equipe técnica do próprio juízo que, por diversas vezes, apontaram que o melhor para o

paciente seria permanecer na companhia de Viviane, pessoa que despendeu todos os

cuidados com ele desde tenra idade.

Além disso, a determinação de busca e apreensão é desarrazoada, visto que

somente poderia ser tomada após extensa produção probatória na ação de acolhimento,

na qual ficasse solidamente constatado que o acolhimento institucional seria a medida

aconselhável ao caso, que atenderia ao superior interesse da criança, o que efetivamente

não ocorreu.

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Não há qualquer razão para o acolhimento institucional do paciente, tendo

em vista que não restaram configuradas as hipóteses autorizadoras do artigo 98 do ECA.

II – DO CABIMENTO DA ORDEM DE HABEAS CORPUS NO PRESENTE

CASO

Inspirado pelo primado do melhor interesse da criança, decidiu o Superior

Tribunal de Justiça, em caso similar ao do paciente, privilegiar o aspecto afetivo em

detrimento do cadastro geral de adoção:

RECURSO ESPECIAL - AFERIÇÃO DA PREVALÊNCIA ENTRE O

CADASTRO DE ADOTANTES E A ADOÇÃO INTUITU PERSONAE -

APLICAÇÃO DO MELHOR INTERESSE DO MENOR – VEROSSÍMIL

ESTABELECIMENTO DE VÍNCULO AFETIVO DA MENOR COM O CASAL

DE ADOTANTES NÃO CADASTRADOS - PERMANÊNCIA DA CRIANÇA

DURANTE OS PRIMEIROS OITO MESES DE VIDA- TRÁFICO DE

CRIANÇA – NÃO VERIFICAÇÃO - FATOS QUE POR SI SÓ NÃO

DENOTAM A REGIONAL LESTE – UNIDADE ITAQUERA PRÁTICA DE

ILÍCITO - RECURSO ESPECIAL PROVIDO

(Recurso Especial n. 1172067/MG, Rel. Ministro Massami Uyeda, Terceira

Turma, Dje de 14.04.2010)

Quando se requer a concessão da ordem de habeas corpus para que o paciente

não sofra constrangimento ilegal e seja colocado em serviço de acolhimento, não se

descuida da recente evolução jurisprudencial, no sentido de não se admitir a impetração

originária de habeas corpus como sucedâneo recursal, ressalvada a hipótese excepcional

de concessão de ofício da ordem quando constatada flagrante ilegalidade ou decisão

teratológica.

Da mesma forma, ainda, também segundo a jurisprudência, não cabe habeas

corpus contra decisão do Tribunal de origem de indeferimento de liminar, a fim de

evitar indevida supressão de instância. Ademais, também não se olvida que, em se

tratando de questão atinente à guarda/adoção de criança ou adolescente, que se insere no

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âmbito do Direito de Família, é inadequada a utilização de habeas corpus para defesa

dos interesses do infante, por não ser possível análise do conjunto probatório.

Nenhum dos posicionamentos da jurisprudência pátria é ignorado, entretanto,

tem-se uma situação bastante delicada e que impõe a adoção de máxima cautela, em

razão da possibilidade de ocorrência de dano grave e irreparável aos direitos do paciente

(menor impúbere com 1 ano e 7 meses), de modo a se afastar, excepcionalmente, todos

os óbices que, em princípio, poderiam acometer o presente habeas corpus e que, na

generalidade dos casos, culminariam no seu não conhecimento.

Contudo, o caso dos autos afigura-se uma situação excepcionalíssima, capaz de

afastar tais entendimentos, por ser teratológica e causar indevido constrangimento ilegal

ao paciente.Isso porque, afirma-se uma vez mais que não existe situação de risco (artigo

98 do ECA) apta a justificar a aplicação do acolhimento institucional ao paciente. É de

se verificar, pelos elementos probatórios produzidos na ação de acolhimento, que a

suposta tentativa de burla ao cadastro judicial de adoção (que, frise-se, jamais ocorreu)

não importou em prejuízo ao paciente.

Todo o contrário, a guarda de fato tem se revelado satisfatória aos seus

interesses, havendo rico lastro probatório que corrobora a alegação de que a guardiã

Viviane tem dispensado cuidados (médicos, assistenciais, afetivos etc.) suficientes a

afastar qualquer risco imediato à integridade física e/ou psíquica do paciente.

Com isso não se quer dizer que a adoção não deve respeitar o cadastro

estabelecido, mas sim que nesse caso concreto e muitíssimo excepcional, o fim legítimo

não justifica o meio ilegítimo, especialmente porque a decisão judicial implica evidente

prejuízo psicológico para o próprio paciente, que está indevidamente sofrendo a ameaça

de ser colocado em acolhimento institucional, haja vista que o mandado de busca e

apreensão já foi expedido.

É assim, acrescente-se, que vem decidindo o Superior Tribunal de Justiça:

HABEAS CORPUS. BUSCA E APREENSÃO DE MENOR. DETERMINAÇÃO

DE ACOLHIMENTO INSTITUCIONAL. ADOÇÃO. - Salvo no caso de evidente

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risco físico ou psíquico ao menor, não se pode conceber que o acolhimento

institucional ou acolhimento familiar temporário, em detrimento da

manutenção da criança no lar que tem como seu, traduza-se como o melhor

interesse do infante. - Ordem concedida. (HC 221.594/SC, Min. Nancy

Andrighi, 3ª Turma, DJe 21/03/2012)

HABEAS CORPUS. DIREITO DE FAMÍLIA. GUARDA E ADOÇÃO. MENOR

IMPÚBERE (3 MESES DE VIDA) ENTREGUE PELA MÃE À CASAL

INTERESSADO EM SUA ADOÇÃO. GUARDIÃES DE FATO. SITUAÇÃO

IRREGULAR. AÇÃO DE ACOLHIMENTO INSTITUCIONAL AJUIZADA

PELO MINISTÉRIO PÚBLICO. BUSCA E APREENSÃO DEFERIDA EM

PRIMEIRO GRAU. LIMINAR NEGADA PELO TRIBUNAL DE ORIGEM.

ENCAMINHAMENTO DO PACIENTE AO ABRIGO. MEDIDA

TERATOLÓGICA. MELHOR INTERESSE DO MENOR. ORDEM

CONCEDIDA DE OFÍCIO.

1. A jurisprudência do STF e do STJ evoluiu no sentido de não se admitir a

impetração originária de habeas corpus como sucedâneo recursal, ressalvada a

hipótese excepcional de concessão ex officio da ordem quando constatada

flagrante ilegalidade ou decisão teratológica. Precedentes.

2. Também está consolidado no STF e no STJ não caber habeas corpus contra

decisão de indeferimento de liminar, a fim de evitar indevida supressão de

instância, ressalvada, contudo, a possibilidade de concessão, de ofício, da

ordem na hipótese de evidente e flagrante ilegalidade. Precedentes.

3. Ainda, em se tratando de questão atinente à guarda/adoção de menor – afeta,

portanto, ao Direito de Família, costumando exigir, como tal, ampla dilação

probatória –, tem-se por inadequada a utilização de habeas corpus para defesa

dos interesses do infante. Precedentes.

4. Na espécie, contudo, está-se diante de uma situação bastante delicada e que

impõe a adoção de cautela e cuidado ímpar, dada a potencial possibilidade de

ocorrência de dano grave e irreparável aos direitos da criança, ora paciente, de

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modo a se afastar, excepcionalmente, todos os óbices que, em princípio,

acometem o presente writ e que, ordinariamente, culminariam no seu não

conhecimento.

5. Denúncia anônima formalizada junto ao Conselho Tutelar local de que o

menor, ora paciente, estaria sendo vítima de maus-tratos, tendo, ainda, sido

adotado de forma ilegal. Malgrado afastada, de plano, a ocorrência de

maustratos, o MPE ajuizou ação de acolhimento institucional requerendo a

busca e apreensão do menor e seu imediato encaminhamento a abrigo, sob o

principal argumento de ter havido "adoção/guarda" irregular.

6. Situação anômala que, entretanto, não importou em prejuízo ao infante,

pelo contrário, ainda que momentaneamente, a guarda de fato tem se revelado

satisfatória aos seus interesses, havendo rico lastro probatório que exsurge à

demonstração de que os guardiães tem dispensado cuidados (médicos,

assistenciais, afetivos etc.) suficientes à elisão de qualquer risco imediato à

integridade física e/ou psíquica do menor.

7. Não se descura que a higidez do processo de adoção é um dos objetivos

primordiais a ser perseguido pelo Estado, no que toca à sua responsabilidade

com o bem-estar de

menores desamparados, tampouco que, na busca desse desiderato, a adoção

deve respeitar rígido procedimento de controle e fiscalização estatal, com a

observância, v.g., do Cadastro Único Informatizado de Adoções e Abrigos

(CUIDA) o qual, aliás, pelos indícios probatórios disponíveis, teria sido

vulnerado na busca de uma adoção intuito personae.

9. Contudo, o fim legítimo não justifica o meio ilegítimo para sancionar aqueles

que burlam as regras relativas à adoção, principalmente quando a decisão

judicial implica evidente prejuízo psicológico para o objeto primário da

proteção estatal para a hipótese: a própria criança.

10. Ademais, dita burla ainda está no campo do juízo perfunctório, o que

igualmente torna temerária a adoção de um procedimento que, por sua natural

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demora, pode prolongar a permanência do menor em abrigo ou instituição de

acolhimento, numa verdadeira inversão da ordem legal imposta pelo ECA, na

qual esta opção deve ser a última e não a primeira a ser utilizada.

11. Medida que, na hipótese, notoriamente beira a teratologia, pois

inconcebível se presumir que um local de acolhimento institucional possa ser

preferível a um lar estabelecido, onde a criança não sofre nenhum tipo de

violência física ou moral.

12. Ordem concedida de ofício.

(HABEAS CORPUS Nº 274.845 – SP, 3ª Turma, Min, Nancy Andrighi, Dje

12/11/2013)

Ainda, no mesmo sentido, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, no

julgado MC nº 18.329/SC, também de relatoria da Ministra Nancy Andrighi, julgada em

20.9.2011, fixou o seguinte entendimento, que se pede vênia para transcrever:

“que, na ausência de perigo de violência física ou psicológica contra a

criança, a sua busca e apreensão com acolhimento institucional, no curso de

qualquer ação em que se discuta a custódia física da infante, representa

evidente afronta ao melhor interesse do menor”.

Transcreve-se, ainda, relevante fundamentação proferida pelo Ministro Massami

Uyeda, em sede de medida cautelar ao analisar questão muito semelhante:

"(...) É possível, de plano, constatar que a controvérsia deve ser analisada sob a

perspectiva dinâmica dos fatos, e não, simplesmente, aferir o acerto ou não da

decisão combatida (que determinou a retirada da menor da guarda dos ora

equerentes), quando de sua prolação. Veja-se, inicialmente, não se olvidar os

nobres propósitos contidos no artigo 50 do Estatuto da Criança e do

Adolescente, que preconiza a manutenção, em comarca ou foro regional, de

um registro de pessoas interessadas na adoção, e legitimamente incentivado,

recentemente, pelo Conselho Nacional de Justiça, com a edição, inclusive, da

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Resolução n. 54. É certo, contudo, que a observância de tal cadastro, vale dizer,

a preferência das pessoas cronologicamente cadastradas para adotar

determinada criança não é absoluta. E nem poderia ser. Excepciona-se tal

regramento, em observância ao princípio do melhor interesse do menor,

basilar e norteador de todo o sistema protecionista do menor, na hipótese de

existir vínculo afetivo entre a criança e o pretendente à adoção, ainda que este

não se encontre sequer cadastrado no referido registro. No caso dos autos,

deixando de lado a discussão doutrinária e até jurisprudencial acerca da

chamada adoção intuitu personae ou adoção dirigida, em que há a intervenção

dos pais biológicos na escolha da família substituta, em momento anterior ao

pedido de adoção, até porque desinfluente para a presente tutela de urgência,

baseada em juízo de cognição sumária, é incontroverso nos autos, de acordo

com a moldura fática delineada pelas Instâncias ordinárias, que esta criança

esteve sob a guardados ora requerentes, de forma ininterrupta, durante os

primeiros oito meses de vida (completando neste mês seu primeiro aniversário)

, por conta de uma decisão judicial prolatada pelo i. desembargador-relator

que, como visto, conferiu efeito suspensivo ao Agravo de Instrumento n.

1.0672.08.277590-5/001. Assim, além da aferição da imprescindível

capacidade e aptidão do casal pretendente à adoção em exercer efetivamente o

Poder Familiar, o que se dará durante o processo de adoção, sendo relevante

para tanto, indubitavelmente, o parecer psicossocial em conjunto com toda a

instrução processual, in casu, preponderantemente, deve-se perscrutar o

estabelecimento por parte da menor de vínculo afetivo com os ora requerentes,

que, como visto, tornará legítima, indubitavelmente, a adoção intuitu personae

." No caso dos autos, em análise perfunctória, tem-se que a guarda de uma

criança, sem interrupções como é o caso dos autos, durante os seus primeiros

oito meses de vida, tem o condão de estabelecer o vínculo de afetividade da

menor com os pais adotivos" (AgRg na MC nº 15.097/MG, Rel. Ministro

Massami Uyeda, Terceira Turma, julgado em 05/03/2009, DJe 06/05/2009)

O vínculo afetivo existente entre o paciente e sua então guardiã Viviane foi

cabalmente comprovado pelo próprio setor técnico do juízo, que proferiu a decisão de

acolhimento.

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Sobre a necessidade de sopesamento pelo Poder Judiciário de questões

socioafetivas, tem-se a seguinte doutrina:

"O Judiciário não pode ignorar as mudanças do comportamento humano no

campo de família. O fetichismo das normas há de ceder à justiça do caso

concreto, quando o juiz tem que optar entre o formalismo das regras jurídicas e

a realização humana e mais socialmente útil do direito. Na dúvida, há sempre

que escolher a solução que melhor tutele a dignidade da pessoa humana. Nesse

dilema, privilegiar a verdade biológica e a sócio-afetiva, ainda que sobre

aquele não paire quaisquer dúvidas em razão do exame de DNA, é possível

ficarcom a segunda em detrimento da primeira. Para isso, não é necessário

grande esforço de raciocínio, mas uma simples ponderação teleológica,

segundo a qual, da aplicação do direito, não deve resultar injustiças" (CAMBI,

Eduardo. O paradoxo da verdade biológica e sócioafetiva na ação negatória de

paternidade, surgido com o exame do DNA, na hipótese da 'adoção à

brasileira'". In Revista de Direito Privado. Coordenação Nelson Nery Junior e

Rosa Maria de Andrade Nery. v. 14, n. 13, ano 4 – janeiromarço 2003, p. 87).

Observa-se, assim, que a concessão da ordem de habeas corpus que se requer

encontra sólido respaldo nos tribunais superiores e na doutrina pátria, sendo de rigor a

concessão da ordem de habeas corpus para determinar a imediata entrega do paciente a

Viviane Gomes Plácido, afastando-se, assim, o recolhimento institucional, que constitui

indevido constrangimento ilegal, o que traduz o melhor interesse da criança (artigo 227

da Constituição Federal e artigo 100, parágrafo único, II, do ECA).

III – DA LIMINAR

Imprescindível a concessão de liminar, já que há urgência na apreciação do

pedido, uma vez que já foi expedido mandado de busca e apreensão do paciente

para sua retirada do lar de Viviane e entrega ao serviço de acolhimento Lar do

Pequeno Aprendiz, em evidente violação ao seu superior interesse.

Ainda, a questão a ser decidida sobre a necessidade de seu acolhimento

institucional demanda produção probatória sob o crivo do contraditório e da ampla

Page 14:  · Web view(HABEAS CORPUS Nº 274.845 – SP, 3ª Turma, Min, Nancy Andrighi, Dje 12/11/2013) Ainda, no mesmo sentido, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, no julgado

defesa, o que ainda não ocorreu na ação de acolhimento que sequer encontra-se em fase

de instrução, sendo a decisão liminar proferida pela autoridade coatora completamente

desarrazoada, pois evidentemente mais gravosa do que a manutenção do paciente sob a

guarda de Viviane, pedido que encontra respaldo na jurisprudência dos Tribunais

Superiores.

Por conseguinte, de rigor a concessão de liminar para determinar que o paciente

aguarde a conclusão do processo de acolhimento e de guarda sob a guarda provisória de

Viviane, vez que se trata de situação consolidada e que melhor atende ao seu superior

interesse.

IV – DO PEDIDO

Por todo o exposto, requer-se a concessão da liminar para determinar-se a

imediata entrega do paciente RENATO HENRIQUE APARECIDO DE SOUZA a

Viviane Gomes Plácido, afastando-se o acolhimento institucional, e, depois de prestadas

as informações, se entendido que necessárias, requer-se seja cassada a decisão de 1ª

instância, em definitivo, concedendo-se a ordem de habeas corpus para determinar que

a guarda provisória do paciente seja mantida por Viviane Gomes Plácido, em

atendimento ao seu superior interesse (artigo 227 da Constituição Federal e artigo 100,

parágrafo único, II, do ECA).

São Paulo, 24 de junho de 2014.

(ASSINADO DIGITALMENTE)

DIOGO DE ALMEIDA LOPES

3ª DEFENSORIA PÚBLICA DE ITAQUERA