3
  Contato  Nº. 11 CINEMA Madagascar: a África entra em Cena Juvenal de Carvalho, Professor de História da África, diretor da licenciatura em História, Faculdades Jorge Amado. Estreou no dia 24 de junho, e m todo o Brasil, o filme Madagascar, uma comédia de animação digital produzida pela Dreamworks Animation. O desenho conta a história de um g rupo de animais que vivem cheios de regalias no Zoológico do Central Park de New York. Os astros principais são o leão Alex e seus melhores amigos, a girafa Melman, a fêmea de hipopótamo Gloria e a zebra Marty. Existe ainda um grupo de pingüins que vivem planejando fugir para a Antártica. Marty, ao tomar conhecimento desses planos, começa a pensar também em conhecer o que há fora do zoológico, o lugar de onde veio, a selva. Foge para explorar o mundo desconhecido. Os seus amigos vão procurá-lo. Tentam trazer Marty de volta para o zoológico, mas são capturados e, por pressão de grupos defensores dos direitos dos animais, enviados de volta para a África, chegando a Madagascar. O desenho segue então num jogo polarizado entr e o entusiasmo de Marty, por ter chegado à selva, e o desespero de Alex, por ter perdido seu paraíso no zoológico, para onde ele quer voltar a qualquer custo. O surpreendente é que a oposição entre o mundo urbano e a natureza é totalmente invertida. O filme rompe com a noção, muito difundida, de que a vida na natureza é o ideal. A cidade é retratada como o e spaço da certeza, da segurança, da medicina moderna, da ciência, do conforto e das mordomias, onde os instintos animais são controlados. Espaço da civilização, da cultura, do homem... é New Yor k!!! O que aparece em oposição a tu do isto são as incertezas da selva, da natureza, dos animais. Ao desembarcar em Madagascar, Alex, o Rei das Selvas domesticado, logo pergunta: “Cadê os Homens?”. Nada encontra além do esqueleto de um pára-quedista. Nesta “ilha perdida” criada pela imaginação dos desenhistas só existem lêmures. Soltos na “selva” os nossos simpáticos protagonistas tem que se virar para sobreviver caçando seu p róprio alimento. Uma tarefa nada simples para quem estava acostumado com comida servida em hora marcada no zoológico. Tudo que desejam então é voltar para a “civilização”. Um desenho aparentemente inocente e despretensioso, Madagascar sintetiza bem o pensamento que o m undo ocidental tem sobre a África, que e u resumo em dois grandes padrões. O primeiro d eles é o silêncio, a omissão, o desconhecimento, a distância. O continente não é citado, não aparece, não existe. Esse profundo silêncio só é rompido, como acontece neste desenho, para trazer à tona registros que sirvam ao segundo padrão: a construção, reafirmação Página 1 de 2 :: Jornal Ìrohìn :: Ìrohìn Impresso :: 9/3/2008 http://www.irohin.org.br/imp/n11/33.htm

__ A África entra em Cena Por juvenal de Carvalho(1)

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: __  A África entra em Cena Por juvenal de Carvalho(1)

5/9/2018 __www.irohin.org.br_Madagascar A África entra em Cena Por juvenal de Carvalh...

http://slidepdf.com/reader/full/wwwirohinorgbrmadagascar-a-africa-entra-em-cena-por-juven

 

Contato  

Nº. 11

CINEMA

Madagascar: a África entra em Cena

Juvenal de Carvalho, Professor de História da África, diretor dalicenciatura em História, Faculdades Jorge Amado.

Estreou no dia 24 de junho, em todo o Brasil, o filme Madagascar,uma comédia de animação digital produzida pela DreamworksAnimation. O desenho conta a história de um grupo de animais quevivem cheios de regalias no Zoológico do Central Park de New York.Os astros principais são o leão Alex e seus melhores amigos, agirafa Melman, a fêmea de hipopótamo Gloria e a zebra Marty.Existe ainda um grupo de pingüins que vivem planejando fugir paraa Antártica. Marty, ao tomar conhecimento desses planos, começa apensar também em conhecer o que há fora do zoológico, o lugar deonde veio, a selva. Foge para explorar o mundo desconhecido. Osseus amigos vão procurá-lo. Tentam trazer Marty de volta para ozoológico, mas são capturados e, por pressão de grupos defensoresdos direitos dos animais, enviados de volta para a África, chegandoa Madagascar.

O desenho segue então num jogo polarizado entre o entusiasmo deMarty, por ter chegado à selva, e o desespero de Alex, por terperdido seu paraíso no zoológico, para onde ele quer voltar aqualquer custo. O surpreendente é que a oposição entre o mundourbano e a natureza é totalmente invertida. O filme rompe com anoção, muito difundida, de que a vida na natureza é o ideal. A

cidade é retratada como o espaço da certeza, da segurança, da medicina moderna, da ciência, doconforto e das mordomias, onde os instintos animais são controlados. Espaço da civilização, dacultura, do homem... é New York!!! O que aparece em oposição a tudo isto são as incertezas da selva,da natureza, dos animais. Ao desembarcar emMadagascar, Alex, o Rei das Selvas domesticado, logo

pergunta: “Cadê os Homens?”. Nada encontra além doesqueleto de um pára-quedista. Nesta “ilha perdida” criadapela imaginação dos desenhistas só existem lêmures.Soltos na “selva” os nossos simpáticos protagonistas temque se virar para sobreviver caçando seu próprio alimento.Uma tarefa nada simples para quem estava acostumadocom comida servida em hora marcada no zoológico. Tudoque desejam então é voltar para a “civilização”.

Um desenho aparentemente inocente e despretensioso,Madagascar sintetiza bem o pensamento que o mundo ocidental tem sobre a África, que eu resumoem dois grandes padrões. O primeiro deles é o silêncio, a omissão, o desconhecimento, a distância. Ocontinente não é citado, não aparece, não existe. Esse profundo silêncio só é rompido, como aconteceneste desenho, para trazer à tona registros que sirvam ao segundo padrão: a construção, reafirmação

Página 1 de 2:: Jornal Ìrohìn :: Ìrohìn Impresso ::

9/3/2008http://www.irohin.org.br/imp/n11/33.htm

Page 2: __  A África entra em Cena Por juvenal de Carvalho(1)

5/9/2018 __www.irohin.org.br_Madagascar A África entra em Cena Por juvenal de Carvalh...

http://slidepdf.com/reader/full/wwwirohinorgbrmadagascar-a-africa-entra-em-cena-por-juven

p g p

e reprodução de uma imagem negativa da África que é vista então como uma totalidade homogênea,símbolo do primitivismo, da selvageria, do atraso, do misticismo, da feitiçaria, da irracionalidade, doexotismo, do não humano, não civilizado, sem cultura. Ao continente africano é associado tudo que éfeio, ruim e demoníaco. Acrescente-se a isto a idéia de maldade e hostilidade do clima, que sempreaparece como um deserto ou como uma selva, para termos então um resumo do pensamento ocidentalsobre a África.

O desenho Madagascar expressa bem este imaginário. AÁfrica nesta produção do cinema norte-americano é umaselva completamente desabitada, a não ser pelo

esqueleto do pára-quedista. Para a perplexidade de Alex,que estava acostumado a conviver com gente em NewYork, em Madagascar não existem seres humanos etodos os instintos animais ganham força a tal ponto que aamizade “urbana e civilizada” entre o Leão e a Zebradesaparece quando a fome chega. A África de“Madagascar” é tão tenebrosa que nem os animais típicosdo continente desejam viver ali, preferem o cativeiro daselva de pedras, da cidade de New York. É a vitória

completa da civilização, da cultura, da cidade contra a barbárie, a natureza, contra a África.

Ora, se até os animais pensam assim, como deverá pensar quem assistir a este filme? Que imagem daÁfrica ficará na mente das crianças? Todo esforço para superar os preconceitos contra o continenteafricano, feito pelas organizações do movimento negro, por professores e pelo poder público a partir daLei 10.639 desaparece na tela dos cinemas. Madagascar diz muito pouco sobre a África, mas é umapreciosidade para refletirmos sobre a idéia extremamente negativa, secularmente construída erealimentada, que o mundo ocidental tem sobre a África.

Página 2 de 2:: Jornal Ìrohìn :: Ìrohìn Impresso ::

9/3/2008http://www.irohin.org.br/imp/n11/33.htm

Page 3: __  A África entra em Cena Por juvenal de Carvalho(1)

5/9/2018 __www.irohin.org.br_Madagascar A África entra em Cena Por juvenal de Carvalh...

http://slidepdf.com/reader/full/wwwirohinorgbrmadagascar-a-africa-entra-em-cena-por-juven