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THOMAS HOBBES E OS ELEMENTOS CONSTITUTIVOS DE UM ESTADO DE PAZ
Resumo O objetivo desse estudo é apresentar as contribuições do pensamento de Thomas Hobbes acerca dos elementos constitutivos de um Estado de paz. Para tanto, procura‐se demonstrar como a ética e a razão, vinculadas, conduzem a conclusão de que o estado civil é a melhor forma para a preservação da vida e consequentemente, gerar e manter a paz. O estado surge como possibilidade mais evidente de fuga da situação natural de instabilidade. Abrimos mão de nossas capacidades de auto conservação, de autodefesa e delegamos ao Estado, constituído através de um contrato, a tarefa de cuidar de nossa segurança e assegurar que possamos viver civilizadamente. Assim a ética compreendida como análise dos movimentos internos da mente, isto é, uma teoria das paixões, será abordada na forma de instrumento político, isto é, enquanto colaboradora da instituição do poder soberano, que se reveste de autoridade para a obtenção de paz e obediência. Nesse sentido, é que se pode derivar do pensamento de Hobbes uma educação volta à paz; uma educação que se alicerça pelo governo do poder político. Palavras‐chave: Thomas Hobbes, ética, educação, paz, estado
Francieli Constantini
Universidade Federal de Santa Catarina francieli‐[email protected]
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Introdução
Faz‐se necessário, no contexto atual, refletir sobre os valores, as regras sociais e
políticas, os direitos, as liberdades e muitos outros conceitos que fundamentam nossa
sociedade. Nessa prerrogativa, a reflexão filosófica acerca da política, torna‐se um
importante instrumento de auxílio à nossa educação enquanto cidadãos nos fornecendo
uma base para o exercício da cidadania. Do momento histórico em que vivemos emergem
importantes questões que exigem atenção à sua complexidade e a abertura para se
refletir possíveis soluções. A natureza e a causa dos conflitos, tanto entre seres humanos,
quanto entre Estados, é um assunto presente no transcorrer da história da filosofia, que
alcança até os dias atuais, escopo de problemáticas, críticas e reflexões.
Embora todos os avanços já realizados pela humanidade, principalmente em
relação ao progresso científico e tecnológico, há ainda lacunas e incertezas quanto às
questões relativas à vida humana em sociedade. Problemas como a paz, justiça, bem‐
estar social são ainda objeto de estudos e reflexões, haja vista que, a ação humana e os
conflitos que dela derivam são fundamento da maioria dos problemas sociais e políticos
evidenciados, sendo a guerra e a violência seu principal subproduto. Uma coisa é certa;
nenhuma teoria conseguirá resolver todos os aspectos dos problemas ético‐político‐
educacionais, entretanto elas, ainda são o melhor caminho, pois oferecem a base para
que se possam encontrar os meios necessários à paz e para uma sociedade mais
igualitária. Nessa perspectiva a filosofia prática de Thomas Hobbes, dividida entre ética e
política, que tem por finalidade a busca da felicidade e do bem comum tanto na esfera
pública quanto privada, é uma grande aliada no enfrentamento de questões essenciais da
vida social e humana.
Falar de ética, então, implica abordar questões relevantes no que concerne a
construção da ordem política e como ela se relaciona com a conduta dos indivíduos que a
compõem. Trata‐se de investigar em que medida à obediência as autoridades e as leis
civis, condições para os indivíduos viverem em paz e também num estado de bem‐estar
social, é compatível com a ética, centrada na procura da felicidade.
Nesse enfoque, busca‐se analisar as contribuições de Hobbes, principalmente em
seus escritos “Leviatã” e “De Cive” para o campo da paz. Trata‐se de analisar, não de
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forma minuciosa e profunda os escritos hobbesiano acerca da paz, mas, sobretudo
ressaltar as bases relevantes, para a construção de uma cultura da paz.
Ética: ciência das consequências das paixões
Considerando que a busca da paz é o fim último do Estado político hobbesiano, e
que grande parte das controvérsias entre os indivíduos desde o estado de natureza até
no estado civil, provém de opiniões divergentes sobre a terminologia da moral/ética, é
preciso, para almejar a paz, que a definição dos conceitos morais seja feita de forma
cuidadosa e precisa. Pois enquanto houver disputas, principalmente sobre o que se pode
considerar justo ou injusto, não haverá paz.
Hobbes classifica a ética1 a partir da ciência relativa ao conhecimento dos corpos
naturais, que se classificam em: naturais e artificiais. A ética está inserida no ramo da
ciência natural que investiga as consequências das qualidades dos homens, o qual, por
sua vez, é dividido em outros dois: a ciência das consequências das paixões, a ética, e a
ciência das consequências da linguagem, a saber, a poesia, a retórica, a lógica e a ciência
do justo e do injusto. A política, nessa mesma classificação, encontra‐se no outro ramo da
ciência que investiga as consequências dos corpos artificiais. Assim, nota‐se ao
observador que há uma clara separação em Hobbes, entre ética e política, contrariando
uma longa tradição que, desde Platão e Aristóteles vinculava essas duas áreas do saber.
Ao colocar a ética e a política em ramos diferentes da ciência, o filósofo elucida que as
mesmas se dedicam a objetos de estudos diferentes. Se do ponto de vista do princípio
metodológico elas não diferem por ser “o conhecimento das consequências” (HOBBES,
2003, p.73), isto é ciências, do ponto de vista do objeto elas se afastam radicalmente.
Assim a ética, é o conhecimento das consequências dos acidentes dos homens, mais
precisamente dos acidentes internos da mente, ou seja, das paixões.
Seguindo essa classificação, a ética pode ser concebida como uma ciência
descritiva dos movimentos internos da mente. Pois são dois os métodos de
conhecimento admitidos por Hobbes; i) aquele que parte da observação e chega aos 1 Cf. Leviatã, IX, p. 74 (quadro das ciências). Em geral, utilizamos a tradução brasileira de João Paulo
Monteiro, Martins Fontes, 2003.
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princípios ou causas (método analítico) e ii) aquele que parte dos primeiros princípios e
procede pela via da síntese.
Pelo método analítico, chega‐se ao conhecimento dos movimentos da mente a
partir da experiência, isto é, a partir da observação que cada um pode fazer desses
movimentos em si mesmo; já o método sintético requer que a investigação tenha início
na filosofia primeira, que passe daí para a geometria, da geometria para a física, e chegue
finalmente à filosofia moral. Nesse plano, fica evidente a divisão do projeto filosófico de
Hobbes, a saber, de construir um sistema de filosofia que parte do estudo dos corpos
naturais, passando pelo estudo das disposições e costumes do homem e terminando na
consideração sobre os deveres dos súditos.
Nesse plano, o tema das paixões desempenha um papel importante no
desenvolvimento da ética e da política de Hobbes, pois segundo consta no Leviatã, elas
estão relacionadas tanto à guerra quanto à paz. A força das paixões também se faz notar
nas declarações do filósofo sobre a insuficiência da razão para controlar a ação humana.
Conforme Hobbes, mesmo que a razão aponte para a elaboração de um artificio que
possa dar conta de limitar a violência a qual os homens estão submetidos numa condição
natural, o contrato será insuficiente para instaurar uma condição pacifica sem a
instituição de um soberano dotado de poder absoluto para usar a força contra aqueles
que não respeitam os acordos. E este poder soberano, ao usar a espada, também estará
agindo sobre as paixões, na medida em que as ameaças de punição despertam nos
homens uma paixão fundamental para induzi‐los a paz, o medo.
A análise das paixões, centrada no conceito de ‘conatus’2 revela uma teoria que
concebe o homem submetido a uma série causal de eventos sobre a qual não tem
controle, e os desejos aparecem sempre provocados pelo movimento do mundo exterior.
A teoria das paixões envolve algo mais do que a simples descrição sobre os movimentos
internos da mente. Ela produz uma análise do conceito de bem e mal, também essencial à
2 Hobbes usou o termo conatus principalmente em sentido mecânico. Em De Corpore, o conatus é
apresentado como um movimento determinado pelo espaço e pelo tempo, e mensurável numericamente. Em De homine, aparece como um movimento voluntário ou “paixão” que precede a ação corporal e que, embora “interno”, possui determinações e propriedades mecanicamente exprimíveis (Dicionário de Filosofia, Loyola, 2004, p.518).
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ética hobbesiana. No Leviatã, imediatamente após descrever as paixões, o filósofo
apresenta sua concepção sobre o bem e o mal.
Mas, seja qual for o objeto do apetite ou desejo de qualquer homem, esse objeto é aquele a que cada um chama bom; ao objeto de seu ódio e aversão chama mau, e ao de seu desprezo chama vil e insignificante. Pois, as palavras “bom” e "mau" e “desprezível” são sempre usadas em relação à pessoa que as usa (HOBBES, 2003, p. 48, grifos do autor).
Bem e mal então, não são definidos em si mesmos ou em relação aos objetos, mas
unicamente em relação às paixões. Bem, é o nome dado aos objetos pelos quais o
homem sente apetite, e mal, aqueles pelos quais sentem aversão. “Não há”, afirma
Hobbes “nada que seja simples e absolutamente, nem há qualquer regra comum do bem
e do mal que possa ser extraída dos próprios objetos” (HOBBES, 2003, p.58). Bem e mal
não são nada em si mesmos e muito menos podem ser definidos como propriedade dos
objetos. São apenas nomes que atribuímos às coisas quando as desejamos ou evitamos.
Essa definição de bem e do mal é central, porque, a partir dela, Hobbes pôde, por
exemplo, descrever a condição natural da humanidade como aquela em que não há um
acordo moral sobre o qual seja possível estabelecer as bases para a convivência pacífica.
A falta dessa medida comum do bem e do mal esta também na origem das condições de
instabilidade do estado natural.
Desse modo, tendo em vista que não há bem e mal objetivos, com base nos quais
possamos estabelecer as regras de convivência, é preciso que tais regras, não sendo
naturais ou sobrenaturais, sejam estabelecidas de maneira artificial. Da impossibilidade de
um acordo no estado de natureza devido à inexistência de uma autoridade comum, é que
Hobbes indica que a única forma de se instituir uma convivência pacífica é a submissão
das vontades individuais á vontade do soberano; ou seja, se entre duas pessoas é
impossível que haja acordo a respeito do bem e do mal, resta que ele possa ser
encontrado por intermédio da instituição de um árbitro que possa decidir.
O Estado surge então, como uma restrição que o homem impõe sobre si próprio
como forma de cessar o estado de guerra de todos contra todos, a fim de promover a
humanidade a um estado de maior organização e segurança; haja vista a
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incompatibilidade da natureza humana em se instituir em sociedades onde não exista um
poder acima do poder individual. E é no próprio homem, nem tanto nas paixões como na
razão, que se encontra a saída para a guerra. A concordância mais clara apontada pelo
filosofo é acerca da vida e da morte. Há varias passagens em que Hobbes aponta que
existe concordância avaliativa em relação a elas. Pois, segundo Hobbes, ainda que bem e
mal sejam subjetivos, considerados em virtude das paixões as quais são extremamente
volúveis entre os homens, todos concordam, com raríssimas exceções, que a vida é um
bem e a morte é um mal.
Todos consideram a vida como um bem e a morte como um mal. Raras exceções
ocorrem3. Portanto, a autopreservação, será o grande bem a ser perseguido e a morte o
grande mal a ser evitado. Assim, é em relação à vida e a morte que todas as outras coisas
são julgadas como boas ou más; e seguindo essas premissas, a conclusão pode muito
bem ser que aquilo que o homem avalia como bem é o que preserva a vida, e, portanto
conduz a paz.
Estado de Natureza
Em Hobbes encontramos a ideia de homem submetido desde sempre a lógica de
movimentos naturais e instintivos, gerador de paixões e desejos, fundamentados em
aversões e atrações naturais que deságuam em posturas, por vezes, denominadas
egoístas. Mas esse “egoísmo” não é senão os movimentos naturais dos corpos, que pode
ser fomentado em larga escala a depender da direção que o próprio homem dá à sua
história. Hobbes é taxativo no sentido de não aceitar uma natureza humana tranquila em
que cada indivíduo é complacente com o desejo do outro, condescendente com suas
vontades e avesso ao conflito. O mecanismo físico‐biológico a que estamos submetidos
não é apaziguador e posto que este homem possa criar novos e infinitos objetos de
desejos, pode também aumentar em grande escala os conflitos com seus semelhantes.
3 Hobbes admite que, em alguns casos, as pessoas prefeririam a morte a uma vida de sofrimento, por
exemplo, no De Cive, ele afirma que um filho preferiria a morte a cumprir uma ordem de matar seus pais (HOBBES, 2002, DCi, VI. 13 p.108‐9).
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Pois, como consequência da guerra de todos contra todos, Hobbes conclui que nada
pode ser injusto.
Desse modo, o hipotético e imaginário Estado de Natureza é apresentado pelo
inglês como uma dedução de como seria o comportamento humano se fosse suspenso o
estado político. Em tal estado, seguindo a dinâmica do mecanicismo, Hobbes estabelece
que só a necessidade governa o mundo das coisas e dos seres, só as leis mecânicas
devem explicar a instauração da ordem física ou social. Portanto a única realidade natural
e tangível é o individuo que deve ser estudado em sua natureza e na dinâmica de suas
paixões e desejos. Pois, pelo desejo, o homem procura a felicidade não como ‘finis
ultimus’ porque este não existe, mas como satisfação dos desejos imediatos, uma vez que
a vida humana é um constante desejar e a felicidade não é outra coisa senão uma
ininterrupta realização dos desejos.
Assim no estado natural todos os homens são livres e iguais, conforme reza o
direito natural. O que significa que todo homem tem direito a todas as coisas, incluindo os
corpos dos outros. É o Estado em que cada homem é inimigo de cada homem, haja vista a
sua liberdade individual de se defender como puder contra os demais. Nesses termos,
todos os homens vivem atemorizados pelo risco constante de morte violenta,
configurando assim numa condição miserável, pois
Em tal condição, não há lugar para a indústria, pois seu fruto é incerto: e consequentemente não há o cultivo da terra, nem navegação, nem o uso das mercadorias que podem ser importadas pelo mar; não há construções confortáveis, nem instrumentos para mover e remover as coisas que precisam de grande força; não há reconhecimento da face da Terra, nem cômputo do tempo, nem artes, nem letras; não há sociedade; e o que é pior do que tudo, um constante temor e perigo de morte violenta. E a vida do homem é solitária, miserável, sórdida, brutal e curta (HOBBES, 2003, p. 109).
É preciso então, abandonar tal condição e para isso Hobbes aponta dois elementos
próprios da natureza humana que sinalizam para a saída do estado de natureza: as
paixões e a razão. Aquelas paixões – como medo, o desejo e a esperança – fazem o
homem tender para a paz: o medo da morte ou de ferimentos faz o homem procurara
ajuda, associando‐se entre si; o desejo de uma vida confortável, assim como a esperança
de realização por meio do trabalho, “predispõe os homens para a obediência ao poder
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comum”. Aliada às paixões, a razão dita às leis de natureza como normas de paz, em
torno das quais os homens podem chegar a acordos para uma convivência pacífica e em
segurança. Em vista disso, pode‐se concluir que, todos os homens concordam que a paz é
uma boa coisa, e, portanto também são bons os caminhos ou meios para encontrá‐la.
É tarefa da razão, restringir o comportamento auto interessado dos homens com o
objetivo de promover de modo mais sólido e duradouro o bem individual. A razão coloca
limites aos indivíduos, restringindo o auto interesse em nome do benefício próprio. Uma
vez que a conservação duradoura exige a eliminação da guerra que caracteriza o estado
de natureza, a razão oferece normas para a construção e manutenção da paz, normas
que se configuram como leis morais na medida em que, impondo restrições ao
comportamento egoísta, regem como devemos nos comportar em relação aos outros.
Para tanto, ela nos diz que, se queremos a paz, devemos nos espelhar nos outros e fazer
com eles apenas aquilo que gostaríamos que fizessem conosco, caso contrário
disseminamos a hostilidade em vez de construir a sociabilidade.
Por meio da razão somos capazes de acordar sobre o que devemos fazer e de que
modo devemos tratar os outros se queremos nos preservar. Contudo, somente a razão
não é suficiente para garantir a conformação das ações dos homens.
As leis de natureza (como a justiça, a equidade, a modéstia, a piedade, ou em resumo, fazer aos outros o que queremos que nos façam) por si mesmas, na ausência do temor de algum poder que as faça ser respeitadas, são contrárias às nossas paixões naturais, as quais nos fazem tender para a parcialidade, o orgulho, a vingança e coisas semelhantes. E os pactos sem a espada não passam de palavras, sem força para dar segurança a ninguém. Portanto, apesar das leis de natureza (que cada um respeita quando tem vontade de as respeitar e quando o podem fazer com segurança), se não for instituído um poder suficientemente grande para a nossa segurança, cada um confiará, e poderá legitimamente confiar, apenas na sua própria força e capacidade, como proteção contra todos os outros (HOBBES, 2003, pp. 143‐144).
Daí a necessidade do Estado, que surgiria a partir de um contrato, fruto da
vontade humana e que necessariamente deve refletir os interesses destes. Tal Estado
seria soberano, em que seria garantida a liberdade individual, a propriedade, a
preservação da paz, a segurança e uma série de outras garantias que só seriam possíveis
mediante um poder superior, capaz de fazer com que tais regras não sejam violadas.
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Para tornar possível uma coexistência pacífica e assegurar a sobrevivência do
estado civil, Hobbes, pelo primado da razão, estabelece as leis de natureza. A primeira e
mais fundamental lei é, “que todo homem deve esforçar‐ se pela paz, na medida em que
tenha esperança de consegui‐la, e caso não a consiga pode procurar e usar todas as
ajudas e vantagens da guerra” (HOBBES, 2003, p.113). Desta lei geral é extraída a primeira
lei especial de natureza: “procurar a paz, e segui‐la”; e o direito natural básico: defender‐
se a qualquer custo. Uma vez encontrada a possibilidade da paz, faz‐se necessária uma
segunda lei de natureza: Que um homem concorde, quando outros também o façam, e na
medida em que tal considere necessário para a paz e para a defesa de si mesmo, em
renunciar a seu direito a todas as coisas, contentando‐se, em relação aos outros homens,
com a mesma liberdade que aos outros homens permite em relação a si mesmo.
Em terceiro, há a lei de cumprimento dos pactos, que consiste em “que os homens
cumpram os pactos que celebrarem” (HOBBES, 2003, p. 113). Sem esta, os pactos seriam
vãos.
A Educação e o projeto de uma sociedade de paz.
Hobbes partindo de uma concepção antropológica de homem, como sendo produto
de suas paixões e afecções, sustenta que a única maneira de manter os homens em
respeito, evitando a guerra civil é através da instauração de um poder forte e
centralizado. Nesse processo, os homens acordariam que a melhor solução ao instável
estado natural, caracterizado pelo direito natural, pelo qual todos os homens são livres
para usar seu próprio poder, de maneira que mais convém, para a preservação da sua
vida, e consequentemente, de fazer tudo àquilo que convém para este fim, gerando
conflitos e inseguranças, é abdicar deste direito, transferindo‐os a um representante. A
durabilidade e sobrevivência deste estado seriam garantidas se se os homens fossem
educados para a obediência civil.
Desta forma, embora Hobbes não seja um autor que tenha destaque nas páginas dos
livros de história da educação, é inegável que sua obra possui elementos de caráter
educador, frente às novas descobertas e mudanças do homem seiscentista.
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Na construção do homem social, Hobbes não vê a educação sendo realizada apenas
pela soberania da razão, mas também, em conjunto com o poder político. Isso ocorre,
porque muito embora a razão ofereça suporte necessário para calcular o agir humano, os
homens ainda são particularmente objeto de seus desejos e paixões, que os torna
suscetíveis a disputas e discórdias.
Além do vínculo com o Estado político, a busca pela paz em Hobbes está vinculada
também ao bom uso da linguagem. Desfazer os equívocos deixados pelos filósofos
morais e mostrar o melhor caminho para a paz através do exercício racional, é a tarefa
que Hobbes se propõe. A linguagem é para ele, a mais útil de todas as invenções
humanas. Porém, alerta que seu uso de modo impróprio gera conflitos, guerras e
destruição.
Já no sentido oposto, o uso adequado e ordenado da linguagem, como um
instrumento que permite o mais exato raciocinar, sugere adequadas normas de paz em
torno das quais os indivíduos podem estabelecer um acordo consensual. Tal acordo tem
um fim específico, a saber, construir a paz mediante a instituição do estado civil.
Segundo Hobbes, a paz originária de um contrato mútuo que funda o estado civil é o
único meio capaz de garantir não somente a sobrevivência do homem, mas também seu
desenvolvimento. A possibilidade do conhecimento, da ciência, do progresso, do
conforto, diz Hobbes, só podem surgir do efeito da sensação de segurança e da certeza
de que a própria vida não está sendo ameaçada. Na visão de Hobbes a guerra e os
conflitos em geral estão fundados na ignorância, tanto por parte dos cidadãos quanto
dos soberanos. Caberia à razão então, ordenar a busca pela paz, pois, mesmo nos
períodos de maior miséria do estado de natureza, permanece intacta a lei natural que
afirma ser a paz a forma mais vantajosa de conservar a vida.
Contudo, vivemos em uma sociedade global e estratificada, marcada por diversas
dicotomias. O poder estatal sua formação e as implicações das ações do Estado à vida
social nem sempre convergem com as inclinações da população. As inter‐relações entre
indivíduo/poder/ Estado se correlacionam e se distinguem dependendo dos interesses da
sociedade. É preciso investigar os ditames dessas questões mediante a finalidade de
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compreender a realidade atual, fonte inesgotável de indagações e reflexões. Pois o
sucesso de um Estado, identifica uma sociedade homogeneamente desenvolvida, em que
são respeitados e garantidos os direitos e deveres de seus cidadãos.
Portanto, viver nos limites do Estado não é uma mera questão de gosto ou de
atualização da natureza humana, mas sim um artificio mecânico do homem que busca
conquistar seus objetivos sem medo de represálias. O homem busca aquilo que é útil à
sua vida. E a utilidade mais urgente é a criação do estado civil, capaz de instruir e
guarnecer o direito à vida, à paz, à propriedade, à educação, ao comércio, enfim de tudo
que constitui o homem. Assim, a filosofia de Hobbes, embora não tenha um conteúdo
genuíno sobre a educação, nos oferece alguns elementos importantes que podem
auxiliar na reflexão dos caminhos para uma sociedade de paz.
E toda a argumentação acerca da ética, àquela parte da filosofia de que trata as
paixões da mente, nos mostra que essas paixões não são capazes de oferecer um padrão
do que seja justo. Tal padrão só pode ser estabelecido artificialmente por meio do estado
soberano como condição de estabelecer a paz e a segurança. No plano político, isso
implica que o Estado é o único capaz de afastar a guerra e o conflito, condições
antagônicas à paz. O estado, enquanto limitador e organizador do conflito passional
humano detêm o poder e as prerrogativas para conduzir a uma situação de paz.
Pois as paixões, somente podem demonstrar que, por natureza, as ações humanas
sempre serão definidas em relação aos desejos individuais não sendo possível derivar
delas outra regra comum que não seja o valor da vida. Não há, portanto, certo e errado,
justiça e injustiça, por natureza. Tais noções somente podem ser encontradas no interior
da vida social. Assim as reflexões éticas, políticas e psicológicas, presentes no constructo
do projeto cientificista da filosofia hobbesiana, apontam que o homem precisa ser
considerado em toda sua totalidade, visto que é na coletividade que se perpetua.
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