X3L) - upload.wikimedia.org · sua fraqueza para erguer-se á sublimidade de tão alta ... data nossa historia — e desde ahi as corporações ... E essa a época da renascença

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  • Ie ne fay rien sans

    Gayet (Montaigne, Des livres)

    Ex Libris Jos Mindl in

  • OBRAS

    M. A. ALVARES DE AZEVEDO

    TOMO SECUNDO

    P R O S A

  • M R I S . TTr. DE S. RAON F. COMP., P.CA P V . R F I R T H , 1 .

  • OBRAS MANOEL ANTNIO

    ALVARES DE AZEVEDO P R E C E D I D A S

    DE U N D I S C U R S O B I O G R A P B I C O

    F. A C O M P A N H A D A S D E N O T A S

    PELO Sr r JACT MONTEIRO

    S E G U N D A . E D I O

    ACCRESCENTADA COM AS OBRAS I N D I T A S ,

    K UN APrENDICE CONTENDO DISCURSOS, POESIAS E ARTIGOS FEITOS A OCCASIO

    DA MORTE DO AUTOR.

    TOMO SEGUNDO

    RIO DE JANEIRO LIVRARIA DE B. L. GARNIER

    , HUA DO O U V I D O R , 6 9

    PARIS, GARNIER IRMOS, EDITORES, RUA DES S.UNTS-PRES, 6

    1862

    Todos os direitos de propriedade reservados.

  • DISCURSO i

    RECITADO NO DIA 11 DE AGOSTO DE 1 8 4 9

    NA SESSO ACADMICA

    OMMEMORADORA DO ANN1VERSAR10 DA CREAO

    DOS CURSOS JURDICOS NO BRASIL.

    Enfanl ilcsircrs, ne vois-lu rien l-bas?

    BOUCIIAIID.

    Senhores! Quando l na mi-patria das civilisacs modernas, a progenie dos Helenos se acercava dos es-tdios olympicos a glorificar o anniversario da instituio do semideos dos mythos hericos da Grcia, era nesse dia revivedor das santas recordaes do passado, que, entre a mudez das multides absortas, com a fronte er-guida, ensombrada de louros c o olhar soberbo de ufa-nias, os bardos do Povo travavo das lyras, e com a luz da inspirao io acordar dentre seus sudarios de

    . 1

  • 2 mrmore as geraes hericas sumidas na negndo das eras perdidas. Se era porm sublime o assumpto das inspiraes lyricas nos amphitheatros de Olympia, se essas curtas Iliadas, altivas como o adejo das guias brancas no co azul da Thessalia, frvidas como as pugnas convulsas dos gigantes da crena paga nos can-tos theogonicos de Hesiodo, se esses arroubos de es-pritos de lava nem havia idea-los mais transbordados de enlevos, no menos nobre, senhores, a tarefa dos oradores do Corpo Acadmico.

    Sem remontarmo-nos s nevoas dbias de tempos fabulosos, sem irmo-nos a ceifar palmas de gloria nos feitos de um passado remoto, nas eras contemporneas sobro-nos victorias por lembrar nesse dia. Temo-los tambm nossos combates giganteos, nossas pelejas im-mensas; mas o que l era a fora, aqui a intelli^ gencia o que l era o brao, aqui a cabea.

    Mas, senhores, se tamanha existe a paridade na ma-gnitude dos assumptos, a antithese completa entre aquelles poetas sovranos, no dizer de Dante, cysnes-reis de delirantes harmonias, que accesos de inspirao ab-sorvio no turbilho de suas dulias as almas hericas das pasmas turbas da Grcia, e esse, senhores, que sue-cumbido grandeza de um empenho que de tanto lhe sobreleva os meios, e com o intimo reconhecimento de sua fraqueza para erguer-se sublimidade de to alta misso, vem pedir-vos deferencia e desculpas para o acanhado desempenho de sua incumbncia.

  • - 3 -

    Senhores! Fora um bello ponto de vista encarar as Academias com a sua misso poltica; mostrar-vos a in-fluencia universitria exercida no progresso e na civil i sao. Mas eu no virei hoje memorar entre os fastos acadmicos esse impulso da vanguarda dos sculos turma brilhante de jovens, representantes do porvir. Digo-vos outros os annaes das sociedades secretas de llluminados que fizero a Revoluo franceza, das asso-ciaes germnicas dos Cavalleiros Negros, dos Mantos vermelhos, dos Charlottenburgo e da Banda preta, cujas idas de centralisao hoje repercutem entre os applausos populares pelas velhas cidades feudaes da mystica Tcu-tonia; dessas corporaes de estudantes que erguero nas ruas e praas de Pariz o brado republicano que hoje ahi revoa troante e abalador pela Europa inteira ou, emfim, dessas sesses de Carbonarios, protesto vehe-mentc da velha terra, onde descorrro as tragdias do Povo-Rei, contra o domnio prepotente da guia bice-phala da ustria mal resfriada cinza no solo das Naes italianas sociedades que contaro em si tantas cele-bridades litterarias, tantos martyres que foro a ter o seu Colgotha pela liberdade nos crceres negros do Spielberg.

    Nol Fulgurosas embora essas paginas da Wilhia-Saga da pleiada do porvir, no vo-las trarei em diante : os laureis bellicos tem muita orvalhada de sangue, mara-lhes muito o lustre o bafo dos soluos da agonia no campo vermelho das lides, e o perfume que tem impregnou-se do fumo suffocador dos trons da guerra.

  • Venho fallar-vos de uma misso to nobre, verdade,

    porm mais pura de sangue. Apontar-vos-hei as phalanges

    acadmicas na vanguarda sim que ali sempre foi-lhes

    posto de honra mas na vanguarda do progresso httc-

    rario. De relance mostrar-vos-hei o que fomos c o que

    somos; e desse nosso passado, e desse nosso presente

    procurarei deduzir-vos o futuro.

    Eventos ha que no s contm uma poca, no s nos

    dizem pela deduco synthetica dos cffeitos pelas

    causas o que foi e o que , mas at nos descortino

    em diante os factos vindouros. 0 gro que comea a

    rebentar do seu invlucro na humidez da terra, diz mais

    que a existncia passada de uma planta, e a existncia

    actual de uma semente. E' a vegetao nova que se

    prepara o futuro, senhores.

    Quando, depois que essa ulluvio de homens, que se

    chamou a invaso dos Brbaros, passou arremessada no

    despear de sua corrida assoladora, como um tufo, sobre

    o Pantheon de mrmore de Roma, a decahida; quando

    aps do coro blasphemo das lubricas saturnaes desses

    esprios e degenerados netos dos severos republicanos

    desses que ahi despiro engeitada a cota de malhas

    dos tempos picos pela tnica sybarita das orgias cer-

    rou-se a grande tragdia romana com os hymnos brba-

    ros do triumpho dessas guerreiras tiuphadias da Cimbria

    e da Monglia, c os membrudos homens dos desertos

    enterraro os contos das lanas sangrentas de rus es-

    tandartes selvagens na fronte rochea do Capitlio pago,

  • 5

    e a noite trevosa dessas eras de barbaria descahio cer-

    rada e negra com seu vo de brumas abafadoras, no

    ha hi quem o deslembre foro ento as ordens reli-

    giosas que resguardaro da trovejada e escura ventania

    de ignorncia que ahi bramia fora, sombra das mu-

    ralhas claustraes, os trmulos clares da civilisao mo-

    ribunda.

    J antes que no sculo XIII fosse estatuda a Universi-

    dade de Pariz, florescio na Itlia as Escolas de Salerno

    e Pavia, na Frana as de Pariz e Montpellier, na Ingla-

    terra a de Oxford, creada pelo here dos tempos cavai-

    leirosos e palladinos da Gran-Bretanha Alfredo Magno.

    A transformao das Escolas em Universidades, a insti-

    tuio dos ttulos acadmicos, a concesso de privilgios

    e regalias, o estabelecimento de uma jurisdico indepen-

    dente para os freqentadores dos cursos universitrios,

    foro factos que tivero dous effeitos : o primeiro, mos-

    trar o alcance intellectual dos fundadores de semelhantes

    instituies; o segundo, abrir a estreia do progresso

    juventude esperanosa das Academias.

    Dahi, senhores, data nossa historia e desde ahi as

    corporaes acadmicas enrelevro-se sobranceiras c

    poderosas. Homens do Povo, os mancebos das Universi-

    dades nunca renegaro as idas do Povo ; membros da

    verdadeira aristocracia a da Sciencia, mo grado seu,

    teve a nobreza feudal de hombrear com elles. Foi ento

    essa instituio o reconhecimento dos direitos populares

    representados pelo saber. 0 chefe da Philosophia eclec-

  • 6

    tica na Frana, o Sr. Cousin, nos seus quadros histricos

    da philosophia seguio o desenvolvimento escolastico,

    embaraado embora por argumentaes dos realistas e

    nominalistas, sempre futeis e algumas vezes sanguinosas.

    Cento e oito annos depois que a Frana abrio o XII S-

    culo com a creao da Universidade de Pariz, um Rei

    Portuguez creava a de Coimbra.

    Portugal, esse torro pequeno embora, mas onde cada

    braa de terra assignalra um feito de heroismo, onde

    cada palmo fora regado de sangue brioso de esforados

    lidadores desde esse Viriato, o brbaro, que como o

    Crotonense, sustentara com seus pulsos o edifcio esbo-

    roado das liberdades Lusitanas, at esses invenciveis ca-

    valleiros christos cuja historia uma folha deslumbra-

    dora da epopa do passado a ptria de tantos homens

    sabidos nas sciencias Romanas e Arbias, reconheceu a

    necessidade de uma Universidade, a necessidade vital de

    transformar-se, de Nao affeita e invencivel em usos da

    guerra, em uma Nao civilisada.

    0 que foi a Universidade de Coimbra, sabeis-lo vs

    todos. Nomes ha, e no. poucos de homens que ahi

    fartaro sedes de sciencia, que hoje so Europeos.

    A influencia da Universidade fez at sentir-se na poe-

    sia. E essa a poca da renascena litteraria ahi.Notai,

    senhores : S de Miranda, Ferreira, Bernardes, Caminha,

    e emfim Cames, so posteriores ereeeo dessa Univer-

    sidade. E vs todos sabeis quem foi S de Miranda, o

    philosopho poeta : e Ferreira, esse poeta que nos legou

  • 7

    uma nica tragdia, mas bella como as creaes Gregas

    ,e Romanas, e sellada do cunho do gnio como os sonhos

    ardentes de Shakspeare, foi um poeta como tinha de o

    ser o trgico Inglez e que, de tamanho, no foi com-

    prehendido por seu tempo. Esse rebate contra o tringulo

    suffocador das unidades clssicas, essa obra onde resum-

    bra a futura poesia, livre de pas, do romantismo, ador-

    nada com as flores perfumosas das capellas das cabeas

    douradas das nymphas, pranteada com as lagrimas dos

    Amores onde depois do drama dos malfadados amores

    do Infante e da bella Dama Ignez, vem o coro trgico, re-

    saibo desses poemas sublimes que Sophocles e Euripides

    dialogaro nos theatros gigantescos de Athenas esse

    brado, mal ouvido, embora, mal succedido vo de Ave

    rok-ermada, no ha escarnecer delle. Como Chateau-

    briand dizia do gnio de Strafocd No imitemos Cham

    o anathema, no riamos ao toparmos n e dormido

    sombra da Arca, encalhada nas serras da Armnia, o

    nico e solitrio nauta do abysmo. Respeitemos esse na-

    vegante diluviano que refez a creao aps do esgota-

    mento das catadupas do co; pios filhos abenoados

    de nosso pai, cubramo-lo pudicamente com o nosso

    manto.

    E Bernardes, senhores, o cysne do Lima, como o

    chamaro contemporneos e successores? E Caminha,

    esse mancebo que ahi appareceu brilhante e rico das ga-

    las horacianas e de uma alma pensativa, em meio desse

    sculo de 1500, to cheio de glorias de todo o gnero

  • - 8 -

    para as velhas quinas sagradas em Ourique, Salado e Al-

    jubarrota desse sculo da litteratura clssica portu-

    gueza, das grandes descobertas martimas e das grandes

    navegaes de Cabral e Bartholomeu Dias? Ahi, senho-

    res, foi bella a figura do poela que vinha a vibrar sua

    lyra clssica nos serros melanclicos de Cintra, onde em-

    mudecra velada com o crepe da magoa, cngrinaldada

    de capellas de saudades mirradas, com as cordas rotas, a

    tiorba romntica de Bernardim Ribeiro.

    E Cames, senhores? O Homero da verdejantc Ibria,

    ora here, ora cantor de herosmos Cames, sem essa

    torrente de luzes que ahi manava alterosa dos montes de

    Coimbra, ver-lhe-hieis to altivo esse monumento, su-

    blime como o Adamastor de seus cantos que evocara com

    o talisman da poesia s briosas faanhas portuguezas?

    essa cathedral de architecturas mixtas, ora regular e se-

    vera como os templos corinthios, ora gothica, enredada

    de relevos e confusa como os carvalhaes Druidicos, ora

    cmfim mourisca e oriental como esses dourados climas

    de alm-mar onde fra-se elle inspirar, e que elle assim

    erguia para encerrar a arca sacrosanta das grandezas lu-

    sas; admira-la-hieis to grandiosa se lhe no houvesse

    acrisolado o gnio o saber das grandes produces anti-

    gas, e essa creao de D. Diniz, o rei trovador de Portu-

    gal, que assim abrira o ingresso ao templo das letras,

    sentado nas ribas do Mondego, mocidade portugueza?

    Vistes pois o crepsculo nascente das Universidades.

    Fora longo acompanhar poca por poca o desenvol-

  • 9 -

    vimento acadmico : por isso, senhores, passarei a es-

    boar-vos o estado actual dessa instituio.

    0 sculo passado fora a sagrao da soberania popu-lar; o sculo actual foi o reconhecimento de outra sobe-rania ainda mais bella, porque, emanada daqfiella, de-senvolvra-se aos resplendores da Scienciaa soberania das intelligencias.

    E que maior triumpho querio os Acadmicos essa corporao donde nas eras mortas havio sahido os maiores poetas e mais sbios polticos do que vr como representantes da litteratura contempornea na Inglaterra Walter Scott e Byron; Goethe, Uhland e ffihlenschlager na Allemanha, Lamennais na Frana, Garrett e Herculano em Portugal; como representantes das idas polticas Guizot e Thiers na Frana, Peel na Inglaterra, Martinez de Ia Rosa na Hespanha, Gioberti c Rossi na Itlia, e tantos outros que fora longo nomear, todos erguidos dos bancos universitrios?

    0 que dissemos do desenvolvimento escolastico nas Universidades de alm-mar, applica-se inteiramente a ns, pois ainda aps do dia 11 de Agosto de 1827, ra das Academias Jurdicas Brasileiras, temos sido reflexos das praticas e usanas europas. Litteratura, sciencias, artes, tudo isso aprendemos l. As letras nacionaes ainda no se enriquecero de um livro que no fosse bebido no outro hemispherio.

    Nisso, comtudo, no pde cifrar-se-nos o porvir. Os filhos desta nossa America onde os rios so oceanos, as

  • 10

    montanhas gigantes de rocha que vo perder-se, com

    seu manto de florestas e catadupas e coroa trovejada, nas

    nuvens, e os paramos extenses immensas lastradas da

    mais luxuriante vegetao, a perder-se a vista nelles;

    no nascero para ficar immoveis ante o assombro dessa

    natureza sublime.

    Na chronica do desenvolvimento humanitrio sobre-

    sahem dous perodos que merecem nota especial. 0 pri-

    meiro esse facto que se manifesta em todas as-Naes

    novas, quando, na expresso de Victor Hugo, as familias

    se fazem povos. E' o estado de preparao. Nos tempos

    primitivos das Naes a mxima vital dellas o isola-

    mento. E' a Juda cerrada d'entre suas muralhas de

    montanhas, a Grcia c o Imprio Romano que limito o

    seu commercio s colnias. Nos tempos da idade media so

    as Naes feitura do amlgama da grande invaso, que se

    encastello e concentro at poderem adquirir a unidade

    interior. Desde porm que esse facto se manifesta,

    desde que as idas por sua essncia attractiva tendem a

    transbordar-se umas nas outras, ahi se apresenta o facto

    da guerra. Este o segundo perodo histrico de que vos

    fallei. E' essa quadra pica dos athletas que vem pleitear

    o futuro,, essa phase bcllica representada nas eras an-

    tigas por Homero e llerodoto, o historiador-poeta; na

    idade media por Ossian o Caledonio,e os lieds dos Scaldas

    runicos do Norte, colligidos nos Eddas Escandinavos a

    eppa dosNibelungcn, com seus dilvios de sangue da

    exterminada raa giganta do Ymer, pela raa de Odin,

  • 11

    e suas Walkyrias desgrenhadas, desvairando vos sobre

    o campo do combate, seus Elfos e Koboldos e suas fadas

    rainhas das nevoas escuras do co boreal esses outros

    tantos poemas cyclicos dos minnesingers allemes da

    colleco do XIV Sculo, de Rogrio Manesse os Ro-

    manceros hespanhes onde sobresahe como um relevo

    romano o vulto soberbo de Cid o batalhador e as

    trovas soltas dos menestreis e jogretes Provenacs, can-

    tadas ora nos solares feudaes, ora nas choas dos valles

    nas folgas dos homens da gleba.

    E' um facto philosophico-historico a tendncia uni-dade das Naes, seno levada at realisao dos brilhantes sonhos de St.-Pierre, Rousseau e Kant, por ventura ao principio de Guizot da sociedade intellectual dos povos e do cosmopolitismo scientifico.

    A esse mximo alvo que tem tendido todas as gran-des evolues sociaes : indirectamente quando ellas tem tido por fim a unidade das raas, como essa grande com-moo de 89 que, do mosaico de povos to diversos por legislaes e costumes que se chamava o Reino de Frana e Navarra, fez uma verdadeira Nao uma se assim me dado exprimir; directamente quando tendero communicao dos povos, e unidade numa grande ida. As cruzadas e as guerras de Napoleo trouxero esse resultado, como as guerras macedonias e romanas, e o cataclysma da invaso barbara o havio trazido em menor escala nas idades antigas. E eis ahi mais um desenvolvimento da theoria que vos esbocei dos dous

  • - 12 -

    perodos da historia da civilisao tempos de prepa-

    rao e tempos de fuso.

    A humanidade no morre. As geraes se succedem

    herdadas das riquezas do passado. A civilisao euro-

    pa hoje o ecleclismo (perdoe-se a expresso) de todas

    as antigas, desde a egypcia desenvolvida na grega e acri-

    solada na romana, e da romana fundida nas crendas

    hordas pagas do Norte e dos Agarenos Mosselemanos

    que ahi se erguero dos desertos da sia e frica, como

    os areaes de sua ptria s lufadas do semun.

    A Historia ahi est para prova-lo; no houve sequer

    um facto de progresso e civilisao que no viesse da

    fuso das raas nas Naes, e das Naes em novas orga-

    nisaes polticas.

    A Historia philosophica de um Povo di-lo-hei por-

    tanto, alargando uma ida de Martius o estudo das

    aces e das reaces das raas entre si, tendentes para

    o grande fim unitrio, desenvolvidas ou tolhidas pelas

    circumstanclas de tempo e lugar. A Historia das Naes

    c o estudo do embale e da fuso das civilisaes parciaes

    entre si na cruzada do progresso.

    Nesse grande desenvolvimento do espirito humano,

    aos homens da Sciencia que pertence a direco das

    turbas. Poetas com Orpheo e Amphion, os fidders runi-

    cos dos povos Escandinavos, e os rgidos bardos das raas

    Celticas legisladores com Cccrops e Zoroastro a

    elles cumoete o desenvolvimento dos Povos. Romeiros

    scientincos como Pythagoras e Solon, a elles cabem os

  • - 13 -

    reconlos do que por l viro e aprendero, no lar estran-geiro.

    Embora uma utopia, uma sublime ida essa de um publicista contemporneo do papel do Continente Americano na direco da civilisao das idades porvir. A convergncia de todas as intelligencias, o enfeixamento de todas as foras, a liga de todas as raas, desde a crea-tura enfezada do Kamtschatka at o Berebere tisnado dos queimores dos soes do Sahara, desde o Jo das Ilhas do Pacifico at o Breto sombrio da Albion dos mares do Norte, deveria por certo produzir uma nova raa mais forte, uma civilisao mais bella, uma litteratura mais rica.

    No nos inebriando comtudo com essas illuses po-ticas do Sr. Elias Regnault, seguindo a ida do captivo de Santa Helena, temos de f que a America tem uma grande misso de regenerao e ahi, senhores, a pen-sarmos como Ferdinand Denis, no ser terra de Santa Cruz que deve caber a menor gloria, nessa resoluo do grande problema humanitrio.

    E ahi, como sempre quando os chos brazileiros restrugirem abalados pelas hosannas das Naes, quando os Povos se coroarem dos immorredores louros do trium-pho ahi, como sempre, caber-vos-ha a vanguarda, a vs Acadmicos, a vs representantes das sciencias do passado e das glorias vindouras, a vs hoste das almenaras do progresso o accordar as multides ao purpurar-se no Oriente o soi do futuro.

  • 14 -

    O profundo ledor das velas chronicas da Frana, Au-gustin Thierry, esse martyr da Sciencia, que o deixara cego e prostrado, dizia ha quinze annos : Ha uma cousa que vale mais que os gozos materiaes, mais que a for-tuna, mais que a sade mesma o sacrifcio Sciencia.

    E o caminho para esse pavez enlourado de regedor de turbas, de guiador por entre desertos como o Moyss do Povo Ilebreu das Naes que tambm peregrino sua romagem para o Canaan do progresso a Scien-cia. E o que ha hi mais bello que o amor litterario? Ves-tindo embora o manto andrajoso de mendigo, esse velho cantor da sublime epopa dos tempos antigos, no achais-lo grandioso ainda assim, com sa lyra no hombro, a longa e rugosa fronte aurirubra das tintas deslumbra-doras dos crepsculos orientaes, immovel e sublime como o Jpiter tonante de seu poema? E Ossian, o bardo-rei de Morven cego tambm, cego como IIc-hiero, e como depois tinha de s-lo o tenebroso Poeta do Paraizo Perdido despertando nos sagues mudos dos desertos paos reaes de Selma, pelo rugir do embate das armaduras frreas de encontro s muralhas, s bafa-gens do vento da noite e despendurando a harpa do muro, a cantar solitrio ancio com as cans derrama -das em ondas marmreas sobre a trave delia os cantil cos de guerra dos homens do passado, entre s trevas espessas da alta noite; ou nbs srios geosos de Inisfail aos albres nevoentos dos sombrios luares de inverno, e os olhos cegos erguidos sob o trplice anadema da fronte

  • 15 ^

    sobranceira de rei, poeta e ancio e como a per-

    guntar s nuvens phantasticas do co ensombrado, en-

    castelladas nas alturas, historias dos Clans de Inistora,

    Erim c Tura, e dos valentes pares de Fingal e Oscar,

    ahi dormidos em torno, de somno de palpebras plmbeas

    sob o hervaal deserto e frio das urzes da montanha?

    Dizei-me : nunca imaginastes Petrarcha com sua gri-

    nalda de eloendros e mimosos myrtos da Itlia, pallido

    vale embevecido em sonhos de Laura flor aberta nas

    leivas da serra, e voltartdo o calix branco ao co a cna-

    inorar-lhe l uma eslrellinha? E Cames, o extremado

    guerreiro-trovador dos brios portuguezes, e transumpto

    do herosmo das assombradoras e altivas lendas do pas-

    sado de unia nao valente, que num poema ia legar-

    lhes os cultos do Universo, a essas almas de Romanos da

    terra Elysa; nunca o imaginastes na sua caverna de

    Maco arrebatado de enthusiasmo ptrio, ou enternecido

    e saudoso de amores qe alm do mar lhe ficaro? E

    dizei-me, Senhores, entre essa tanta magoa e padeci-

    mento, a esses homens que, na phrase de Lerminier, ero

    Deos pelo gnio, no lhes acreditais vs venturas?

    Que importa esse peregrinar do desterrado Ghiblin

    da Florena, o sombrio Alighieri, que da terra ptria,

    alm do corao afogado de saudades, s levava a espada

    cm que comprara glorias em Campoldino, e a penna

    com que encetara o seu poema tenebroso? Qe mpor^

    to o hospital do vate dos Lusadas, o suicdio de Chat-

    terton, o cdfalso de Andr Chnier? Qe importa que

  • 16

    os louros do Capitlio s pousassem na fronte glida e hirta do morto poeta de Leonora, o sonhador da grande cpopa christ, travada sombra dos palmares santos da Palestina? Que importa, se mais bella a apothose da gloria se lhes erguia, radiante e loua como a Venus do paganismo das escumas argenteas do Oceano? Que prova a ingratido dos sculos para com essas grandes imagi-naes tamanhas que desentendidas foi-lhes sina pas-sar entre as multides contra a subhmidade do sacri-fcio sciencia? Lembrai-vos, Senhores, dos versos do fatdico evocador das scenas pavorosas dos frescos da Sixtina, dos painis gigantes do juzo derradeiro :

    Pur foss'io tal Per 1'aspro esilio sua con sua virtute Darei ai mondo, il pi felice stato.

    E o que ha hi de mais sublime do que essa agonia de poeta que pde dizer com Beethoven : No verdade, Hummel, que eu era um gnio?

    Perdoai-me, Senhores, se calei-vos as emoes que me desperta o dia das grandes reminiscencias. a verdadeira ra da nossa Nacionalidade. Perdoai se achei mais digno de vs recordar-vos o brilhantismo do passado e as es-peranas do porvir lembrar-vos a grandeza de vossa misso civilisadora.

    Bem haja quelles de vs que to bem a comprehen-dem; a esses que ahi por nossa terra vo acordando o amor litlcrario; a essa mocidade que, seguindo o impulso

  • " 17 -

    de um livro fadado a fazer poca em nossa historia littc-

    raria, porque foi um livro creador Os Primeiros Can-

    tos, do Sr. Gonalves Dias que veio regenerar-nos a

    rica poesia nacional de Bazilio da Gama e Duro, assi-

    gnalada por essa melanclica Nenia de um gnio brasi-

    leiro ' que ha dez annos sentou-se aqui nos bancos aca-

    dmicos bem haja a essa mocidade que nos tem dado

    as suas inspiraes de poeta, que ahi se ensaia na intimi-

    dade das Sociedades Litterarias para os debates da tri-

    buna, c apoderando-se da grande alavanca da imprensa,

    comea a abrir as portas do Theatro Brasileiro aos talen-

    tos nacionaes. Bem haja ao Sr. Dr. Magalhes, o fundador

    do nosso Theatro; ao Sr. Dr. Macedo, o autor desse Cego

    to potico c liello; ao Sr. Pcnna mancebo to rico de

    esperanas c gnio que l se foi morrer na terra estran-

    geira, o terem to bem comprehendido a sua misso

    e emfini, Senhores, louvores quelle que ha um anuo

    levou scena um facto Colonial Paulista, e quelle que,

    ideador de uni sonho ainda mais bello, dos mal-queridos

    affectos de um poeta, senta-se hoje junto comnosco nos

    bancos da Academia.

    Grande foi-nos sempre a misso. E ns houvramos

    renegar de todo um passado de ufanias, de um porvir in-

    teiro de victoriadas glorias; engeitar o mar azul acceso

    dos lumes alvoreeidos da esperana, pelo pntano, dor-

    mido e tabescente do marasmo e do indifferentismo?

    1 morle rio Dr. Francisco Bcrnardino Hiheiro pelo Dr. Firmino II. da Silva

    II. 2

  • 18 -

    A regenerao litteraria de nossa terra deve sahir do meio de ns. Phalange do progresso, no ha ficarmos mmoveis. Como ao Ahasvero da tradio, uma voz nos brada sempre : Caminha!

    O gnio c esse soffrego corsel dos stepps do Mar Negro onde estorcia-se a transudar agonias cruentas o here do poema de Byron Away ! away ! Avante! avante! Eis o brado das geraes inteiras.

    E, pois, coragem! rdua embora a provana a tarefa sublimada!

  • ALFREDO DE MUSSET

    JACQUES ROLLA

    O POEMA

    O gnio como o Jano Latino : tem duas faces. No

    Homero daquella Grcia inda vibrante das tradies sel-

    vticas dos autochtones, dos mythos romances dos Pelas-

    gios, que a colonisao egypciaca viera nublar do seu

    mysticismo, ha a Iliada, e entre o canto de guerra e a

    Batrachomyomachia, entre a tragdia com seu entrecho

    pico e a comedia em embryo com sua satyra aristopha-

    nica a fundir-se a meio n'uma e n'oufra, a abraar

    uniformados num monumento s os dous typos, a

    Odyssa.

  • 20 -

    Gcethe assim como aquellas medalhas de Pompeia

    a soterrada. N'um dos versos o sorrir juvenil que se

    apura nos sonhos, que se embebra de esperanas, sem-

    pre fresco de uma gotla de lagrima doce, ou de orvalho,

    como as folhagens do rosaslis, so as frontes que se em-

    bebein no liquido de mbar que gotta de amiculos de

    anjo; Faust que hesita ante o leito de Margarida, ao

    arregaar do cortinado, ao sentir seus sonhos de moo

    que lhe vaguo no delirio. A outra face a amarelhdez

    atrabiliria da testa que entontece s febres do descrido;

    Oreste que blasfema no seu ourar que queima; Hen-

    rique Faust entre os hymnos da Pscoa erguendo a taa

    negra do suicidio.

    Em Byron ha Childe Harold e Don Juan; Lara, Con-

    rado, so os vislumbres do soffredor erradio. Childe Ha

    rold, naquclle molde perfumado do antigo de Beattie e

    Spencer, o fel da blasphemia, tressuando da esponja

    prenlie a vida que se estrce como a serpe na vasca

    moribunda o sangue que rebenta mais vivo o pulso

    tufoso que bate mais atropel, como nos peitos do cavallo

    estafado do deserto o corao que afana ao derramar

    das vas. Don Juan a satyra hervada de lodo o veneno

    do iambo; mas o estylo frreo do poeta no se repassa

    apenas de gottas negras : ha nelle, pelo cauterio da iro-

    nia sardonica, um porejar vermelho que alembra as gar-

    ras da guia dos Alpes, ou do condor selvagem desses

    Andes a que o roar das nuvens trovejadas brunio os ne-

    rumes. Don Juan no um livro de epigrammas como

  • - 21 - -

    os de Horacio o parasita imperial, e Boileau o abbade.

    No; aquellas folhas com todo o seu rir, com todo o seu

    desvario, e quelle tontear ebrio que azumbra s vezes o

    poela; aquella sede intensa de emoes que anceiava o

    gin plebeo, como o marinheiro as vertigens da crpula

    da taverna, e os nufragos macilentos do Don Juan, a

    gua da chuva e o alimento a vida na sofreguido

    que os saciava de sede nas vas rolas com os dentes: todo

    quelle esgar revela magoas e fundas como o oceano.

    E a fachada de um dos panoramas do corao de Jorge

    Gordon o frontispicio do livro da Idade de Bronze,

    da Maldio de Minerva, do Avutar biandez, da Meta-

    morphpse do disforme, do livro onde o ardor de moo

    improvisra-lhe como prefacio o iamho dos Bardos Ingle-

    zes e Crticos Escossezes. Em antithese magoa escura

    do Giaour, dr estuante que lhe offega na Prophecia do

    Danle, no Sonho, e no canto das Trevas, e naquelles

    mysteriosos dilogos do Caiu, onde Meyerbeer parece que

    foi beber o sombrio das fallas de Bertram e Roberto o

    Normando, vem a saciedade a rir dos sonhos, o delirar

    de alma deslavada de crenas, por um sangue embotado

    no gelo de um viver gasto; Don Juan o rir frentico

    mas daquella alegria mephislophlica que vai rida no

    arrepio dos lbios.

    Tom Moor, como o chamava a intimidade de Ryron,

    tambm assim: o suavissimo scismador de Lallah Rook

    a Oriental, dos Amores dos anjos, das Melodias Irlande-

    zas, foi o Lucilio da Inglaterra. A par da assonia terna

  • 22

    de suas dulias s o fel de suas ironias polticas, o

    aoute de suas cartas satyricas, onde elle alteou-se ao

    pice do gnero, alm ainda de todas as aspiraes fo-

    gosas daNemesis de Barthelemy, e das satyras de Au-

    gusto Barbier.

    Musset lambem assim.

    Alfredo de Musset uma dessas almas de poeta, que

    se baptisro no scepticismo das ondas turvas de Byron.

    No um plagiario comtudo, no um rido imitador.

    Mal fora dizer de algum de seus poemas : eis uma

    cpia. 0 que ha uma harpa acordada aos sons rugidores

    de um concerto da noite; um crebro que se esbraseou

    a sonhos de outro crebro. Namouna, Mardoche, so

    inspiraes de Beppo e Don Juan. No licor com que

    Musset purpurisa sua taa, sente-se o resaibo dos vinhos

    queimadores de Lord Byron, a opla doirada do Johan-

    nisberg e o fogo do gin, como os perfumes das rosas no

    falerno romano. A taa e os lbios a viso de Manfredo,

    o fel de Arnold o corcovado uma nuvem daquelles

    ideaes, que volta nevoenta pelo sonho a Frank o Tyro-

    liano. Zampieri descrido, o Dalti da Porcia, Rolla eis

    o sombroso pallr de Lara. uma ida funda, como que

    um liquido negro que se lhe injectou pelas artrias

    uma vida febril de alheia seiva que se lhe denuncia nas

    tintas.

    Em meio s creaes todas que se atropello, fascinan-tes no centelhar prismeo, da litteratura franceza moderna, Rolla sobresahe como um tropheo, como a sombra mais

  • 23 -

    sublime de Byron. Ainda entre a magia grandiosa de Vic-

    tor Hugo, elle um dos primores da poesia intima

    feio dos soliloquios de Sbakspeare. da melodia selva-

    gem das paixes naquella testa negra de Othello, a re-

    frescar-se nas brizas das lagunas, das febres do cime :

    um typo de belleza entre aquella tendncia exagerao

    e a uma originalidade lavrada de arabescos, abysmada

    em seu deleite de negrides; porque elle soube, sem

    despir sua personalidade litteraria, inda retemperar seu

    gnio nas phantasias allems de Hoffmann, e na assoma

    de Lamartine como o Hernani de Hugo, no enrijar de

    seu gladio de bandido nas torrentes das montanhas.

    E por isso ha em Musset o brilhantismo dos Contos do

    Allemo, o peso da febre no desanimo descrido do Dr.

    Faust, o desespero suarento do Giaour, e o cadente e

    puro aquillo que o Sr. Lopes de Mendona chama La-

    martiniano dos versos que se estillo, como serpo

    lagrimas de perfume dos cabellos da Odalisca sesta

    adormida de afan no banho morno de porphydo, como

    se alto as gottas de essncia de rosa entre ondas de va-

    por pelo mbar do narghil da Sultana.

    II

    R O L L A

    Dos libertinos da cidade, aonde Vai mais vendida a perdio, mais torpe

  • _ 24

    Da mais velha no vicio e mais fecunda Quero dizer Pariz, o mais devasso Foi Jacqucs Rolla. Nas tavernas nunca Ao bao lume dos lampecs da orgia Mais indcil inancebo se encostara meza quente, ou n'um rolar de dados...

    Eis ahi o retrato de Rolla. 0 poeta caracterisou nelle

    o homem que se afunda naquella saciedade que resiccava

    o Childe um ser ao molde do Faust curvado de Gothe,

    ou, mais ainda, do Faust libertino de Marlowe o Inglez.

    Shakspeare no caracter de Falstaff desenhou o fidalgo

    dissoluto, inda vertiginoso da ultima crpula; mas no tr-

    gico Inglez Sir John o cavalleiro da noite e o amante

    da lua, como elle se diz na sua dico picaresca

    uma satyra : a depravao da nobreza, ri delia o poeta

    dos dramas histricos da Inglaterra, nos epigrammas do

    valido truo do Prncipe de Galles. Ri delia no escarneo,

    como aquellcs versos de um velho poeta porluguez, na

    falia valente e bella dos tempos antigos :

    Oh! pois sangue! j foi rubro, purpur, o, Fosse embora real; hoje em almagra Baixa e villan com vicios deslavada Aguarella ser de fidulguia, Ou sangueira hedionda, avillanada Dos ces do matadouro pasto e treina.

    Em Rolla ha mais alguma cousa : pelo embaciado da

    lanterna transverbra-se ainda a chamma dalma a Jacqucs,

    como d'entre a prostituio da Fernanda de A. Dumas o

  • 25

    aromado daquella alcova branca, reservada s purezas do verdadeiro amor : Rolla um caracter de poeta um Faust cujo Mephistopheles o lenocinio da perdio um semblante onde nos lbios, entre o dithyrambo ebrioso, susurra a medo a cano infantil do primeiro amor uma daquellas feies cujas realidades talvez fo-ro Werner, Marlowe ou Rocage.

    No elle que mareia o norte de seu viver rojo-no a eito paixes. Do enturvar dos vinhos s fofas sedas sob o laquear dourado da moa que resomna em voluptuosa nuez das tavolas onde scintillo e rodo as pilhas de metal da vida insana com todas as seduces de licores, gozos, e bellezas nuas, como as esvairava o crebro do Latraumont de Eug. Sue dahi ao dormir affrontoso do rubor do fogo dos vinhos pallidez languinhenta do libertino : eis seu resvalar de vida.

    o saibo longnquo do absinthio de Byron nas estn-cias ardentes do seu poema. Quem no lembra aquelles versos do seu Wandering outlaw que assim comeo?

    Nessa ilha de Albion houve um mancebo Que nunca amara da virtude o trilho; Porm na perdio gastava os dias Cansando entre alarido noite os somnos: Ai! na verdade que era um ser perdido, Chagado ao crime em jbilos malditos.' Pouco da vida lhe acordava um riso Excepto amantes, e carnaes orgias De todo o gro altivos bebedores!

    Era nobre Csilde Harold. Donde o nome

  • - 26 -

    E a longa estirpe, no me cabe a lenda; Disse-os a fama por ventura outr'ora Foi-lhes gloria talvez em outros dias; Mas deslustra um braso infmia eterna Valente embora em perpassados tempos; Nem os roubos da herldica aos sepulchros, Da prosa as flores, falsos mis das rhymas Podem manchas doirar, sagrar um crime.

    E a historia mesma daquelle suicida, que inspirou ao

    romancista de Esmeralda a Cigana o Xo canto do Creps-

    culo :

    Nem vinte annos havia e desflorra Tudo que amar, polluir, romper dado; Tudo empanra com as mos sem brio. Macilenta a volpia ao rastro erguida, Ia por elle, do bordel impuro, Quando a sombra nos muros lhe corria. A seiba, dia e noite, em orgias fora, Qual cera ardente no queimar dos cirios; Caando o esto o inverno recuryava Sobre Gluck ou Mozart no brao a face: Nem mergulhava nunca a fronte em ondas, Que Homero o Grego e Shakspeare derramo. Em nada cria, nem jamais sonhava : la-lhe tdio cabeceira morna! Sempre zombando e rido infecundo, Latia a encolce de faanhas nobres, Comprava amor e Deos vendido houvera! V terra, o cu azul, o mar e estrellas, Ventos a que alma sempre velas incha, Nada lhe sombra susurrava ao seio, E nem os campos, nem a mi queria! Ebrio emfim enervado em cio frouxo Sem dio! sem amor! misria!... e sempre

  • - 27

    Inda n'um sol sem no manh ter crena, Uma noite que deu com arma infausta, Lanou a vida ao co como um conviva Ao tecto dos sales da taa o fundo !

    Um dia, aps trs annos de lascvia, beijos e volpia

    e copos afogueados do esmalte dos vinhos hespanhes,

    um dia ergueu-se Rolla de seu toro de devassido po-

    bre o patrimnio esbanjado. 0 sobejo de moedas em-

    pregou-o na extrema noite da orgia extrema. Comprou

    por todo um porvir de vida umas horas de deleite com

    uma mulher. A noite lhe seria n'uma loucura; a agonia

    no sorver ao seio dessa, de.gozos barreg caprichosa que

    se chama a vida como o infante que morre ao peito da

    pobre mi a ultima lascvia, a ultima gotta do philtro

    de mel do favo a meio corrupto que se chama a ventura.

    Depois, quando o dia alvorcesse...

    III

    M A R I O N

    Marion, a mulher da ultima noite de Rolla, no a ima-

    gineis a Messalina impudica os lbios salpicados do rir

    altivo da cortez; no a frma da Romana morena, pal-

    pitante nas saturnaes de Horacio o poeta, torcendo-se

    nas suas ancias, na pallidez de morte que desmaia o gozo,

    com seus cahellos desatados, seus olhos em fogo, e os

  • 28

    seios ns, convulsa com* os agonisantes do Chrstia-nismo, a cujo nutar de agonia ella tripudiara na febre dos applausos e da pocema tigrina da plebe. No cerreis tambm os olhos, como ante a viso asquerosa e anthema dos escarneos de George Crabbe, do Minotauro de Bar-bier, e dos passeios em Londres de Flora Tristan. Musset no a vio, como por ventura em alguma noite hibernai, o andador nocturno :

    Das ruas ao lampeo, curvada sombra, Livida como a luz da baa flamma, Na cadavVosa tez da infmia o sello, Manchada e velha a tnica j rota, E, n ao frio, o seio amarellenlo, Um forado sorrir nos lbios seccos, Do infame lupanar no solho infame Desgrenhada mulher, com ps no lodo : \ torpe barreg que as noites vende...

    No : a alma do poeta como o sol, nem ha fisga de tmulo, ou grade negra de calabouo onde no corra a luz numa rstia, uma esperana no oiro dessa luz. Essa moa, despio-a o poeta do roupo infame, banhou-lhe a cabea de perfumes, accendeu-lhe as faces de ro-sas, abrio-lhe os lbios n'um sorrir infantil, como uma magnolia ao luar; acordou-lhe a medo um daquelles h-litos, mornos como os sonhos de que falia Hoffmann o Allemo que so como a escuma das guas, e passo e se esvaecem como ella. E uma capella de noiva desfo-

  • - 29 -

    lhada em noite amaldioada na enxerga do vicio

    pobre creatura, em cujos olhos diaphanos Klopstock

    entrevira Eloah, e que o amor de Satan, estendeu em

    calafrio tremuloso no espojadouro da inanceba mais

    negra.

    Em peregrina estatua, ou cho de neve, Do cortinado os vos onda a lmpada Esse azul que desmaia e treme as sombras'.' Mas desaira o pallor a fronte ao marmor: A neve menos branca flor dos sonhos E' infante que dorme. Em lbio aberto Resomna a furto languido suspiro, Mais frouxo o respirar, que o d';ilgas yerdes, Quando tarde no mar o vento errante Pender sentindo os perfumados vos Ao beijo em fogo das amantes flores, Bebe nos braos mis jnnca as prolas!

    criana que dorme em vos macios De quinze annos de infante quasi moa! Inda em fresco boto rosa abrindo! 0 loiro Cherubim que alma lhe vela Hesita em cr-la irm, e amante cr-la : Longo, solta, o cabcllo a cobre inteira : A cruz do seu collar nas mos lhe pousa, Como pelo trahir que orou a infante E ha de rezar ao de manh erguer-se! Dorme! olhai-a ! que fronte erguida e branc.t! Sempre, qual puro leite em onda limpida, Sobre a lindeza o co pudor chovera! No seio a nivea mo, dormida mia, Ai! que bella que a noite f-la ainda! Que molles clarides a ondar-lhe em torno! Qual se, mo grado, espirito d.i noite

  • - 30 -

    Lhe sentira a maciez das frmas tenras Sob o manto brunal estremecer-lhe!

    Calados passos no sacrario ao monge, Menos sanetos pavores sobresalto, Virgem, que o leve som de teus suspiros ! Vede ess'alcova! de laranja as flores, Livros, o bastidor, o buxo bento Pendido em lagrimas na cruz antiga; De Margarida a roca, em paraiso To casto e melanclico, ah! que visos No indago ahi? Somno de infncia, Que puro que tu s! Co a belleza Defesa te no deu? E amor da virgem Piedade no , como o do empyreo, Que a roar-lhe ao sop, no ar que espira, Sente-se o agitar de argenteas azas A anjo cioso que lhe vela os sonhos?

    Para romancear os matizes do poetar orvalhoso de Musset foro de mister magias daquelles versos da Ssta de Garrett. O mimo da pintura de Marion adormecida e na, o colorido daquellas tintas vaporosas, como as en-neva a melodia de Moore e Samuel Rogers, como as scismra Jocelyn vista de Laurence, naqUelle desmaio que nos contornos mentidos do menino louro revelou-lhe os esmeros da virgem; tudo aquillo ao sombreado azu-lado dos vos do leito, certo que o desvelo da imagi-nao a mais suave : a nudez stinosa de uma frma infantil que se banqu no vago das cores das Madonas Romanas.

    O verso trina-lhe argentino melodioso : fra-nos de-

  • - 31 -

    lirio crer espelha-lo no opaco de uma traduco nossa.

    0 mais que pde fazer o traductor, dar inteiro o me-

    tal : o artstico do Horilegio, o suavssimo dos arabescos,

    o iriante das trasflores de Cellini, fundem-se, disformo-

    se no cadinho ingrato. Na poesia, como na prosa de La-

    martine e V. Hugo, de Mendes Leal e Alexandre Hercu-

    lano, o rhythmo embala, o som uma sensao que

    inebria, como os sonhos das noites vaporentas, nos de-

    vaneios do poeta. Ha hi s vezes uma palavra suave, que

    evoca por si uma illuso como o condo do Manfred no

    iris das torrentes dos Alpes a Fada das montanhas,

    em todo seu deslumbre e belleza de espirito. Parece que

    ao deslisar fluente de um verso, ao cahir de uma cesura,

    o sentir se assemelha ao inanido escorrer de arroio lim-

    pido em leito de nenuphares curvos, ou ao tombar das

    gottas de chuva, de um salgueiro desgrenhado, na face

    azul da lagoa. essa Uma doura que s tem compara-

    o com tudo que ha mais vaporoso, mais frouxo em Um

    suspiro por lbios de mulher bella, em um perfume poi'

    cabellos hmidos.

    Ha quem no conceba a harmonia do som; quem

    adormecera s melodias langidas de Bellini; quem des-

    crera do susurro das viraes do crepsculo naquelle mar

    de ondas doiradas, que se chama o alade de poeta; para

    quem a musica espirando das faces da Noiva de Abydos,

    e as phrases peregrinas e aerias do Raphael de Lamar-

    tine, a mollido do Soneto em seu embalar nas nevoas

    macias da rhyma, objecto de um riso estpido. Pobre

  • 5 2

    gente! no tem musica na alma como Byron o disse

    no comprehendem essa intimidade da musica e da

    pintura, de que falia Mme de Stael, e acho absurdo para

    traduzir o incerto do sentimento, ou o vago das frmas,

    buscar o fluctuar vaporoso das expresses! E lastima que

    at Gustavo Planche satyrise as Orientaes do poeta das

    Folhas do Outomno, pelo seu titulo mais bello o culto

    dos sons.

    E comtudo assim; mas que importa? A brisa balan-

    ca cm vo de aromas as trepadeiras da selva; a lagoa

    deserta arqueja s noites de lua seu collo de topazio

    moreno como o da Americana do ermo sob as trancas

    boiaYites de verdura e flores... O ndio a perpessa com o

    ccrvo sangrento e quente ainda no hombro; um dia talvez

    ahi esticou sombra a pelle mosqueada do tigre, pendu-

    rou por algum luar sem nuvens, entre chuva de flores

    cheirosas, o bero do filho. E passa entre tamanho luxo

    de balsamos e viar, que nem o sente... Mas um dia,

    quando por ventura a sombra de um Ren estrangeiro

    ahi vier, talvez lhe durmo as saudades das suas nevoas

    de alm-mar; talvez alembre sob este co mais ardente e

    bello as ondas do Meschacb, o mbar das flores selva-

    gens da America do Norte, e aquella alvura de Atal

    adormecida, na jangada que deslisa pelas guas tranquil-

    las, como um cysne morto pelos rios do Norte. 0 homem

    das florestas preferira o cepo de mato, de ouro massio,

    a faca brunida cravejada de diamantes brutos, aos enre-

    dos subts e florescentes de prolas e rendas aerias das

  • taas do Florentino, a jia de esmero pela qual Diana de

    Poitiers trocara seu beijo mais tremulo, e Francisco Io o

    diamante mais puro de seu diadema.

    0 rhythmo, releve-se-nos a digresso, o tom fugi-

    tivo do bandolim da Grenadina; a resonancia melanclica

    da (juzla do Klephta montanhez; o escorrer dos borrifos

    da chuva da noite pela melena lustrosa dos coqueiros,

    onde o sol nascente iria mil cores; o fluctuoso dos rios

    das nossas vrzeas, com suas ilhas de verdura, suas gar-

    as brancas debruadas no espelho das guas, suas lar-

    gas flores aquticas abrindo os seios de setim. E, quando

    o ciciar do som peregrino vai de mistura com a escarlata

    de uns lbios, passa-lhe onda como que um tremorvo-

    luptuoso de roupagens de donzella, e como o cahir na

    molle purpura de flores esfolhadas, a nuez lascva da

    Diana, qual a sonhou o paganismo, inda orvalhosa das

    bagas de aljofar das ondas do lago...

    E agora, ainda algumas linhas sobre o estylo do

    poema e em geral sobre o do poeta. Em balde o dito do

    captivo de Santa Helena que o estylo no o homem,

    e que o autor de Paulo c Virgnia fora um homem de ca-

    racter indigno em balde : cremos no apophthegma de

    Buffon, e quandoquizermos estudar um poeta, ir-lhe-he-

    mos ao estylo.

    Ahi que sobretudo resumbra no autor dos Contos de

    Hespanha c Itlia a poesia byronica. E aquella fora de

    dico, livre e ch, sem cahir no ridculo pelo uso do

    exprimir popular; que nclle se embebe de mais tempera,

  • 54 -

    e mais viva palpita no deslise do canto de amor satyra odienta da gloria do epinicio ao escarneo e chanca do rir brio s lagrimas. Quanto ao metro, elle soube conter no alexandrino o espirito lavoso do hendecasyl-labo do Don Juan; abraar o fervor do Childe com a harmonia da escola de Lamartine : e nisso vem a pello recordar que foi-lhe maior fortuna em amoldar-se frma de expresso Ingleza, do que fora ao poeta das Medita-es, que no seu ultimo canto do peregrinar de Childe Harold, no soube attingir nenhum daquelles rasgos da poesia do Lord; e s mostrou o que ia de mar longo en-tre a imaginao feminil e suave do amante de Graziella

    aquella cabea mimosa e feminil de cabellos casta-nhos, que sonhava Laurence e a fronte olympica, pal-lida de febre e insomnia, e amorenada pelos mormaos do Mediterrneo, que sonhava Lara e Werner, Gulnare e Zuleika.

    Quanto quelle transbordar de um verso em outro, o truncar do sentido pela queda do metro qillo em-fim qe os Francezes chamo enjambement elle de muito uso no poetar de Musset. Todos ahi o sabem, Sainte-Beuve julga essa pratica um dos mais bellos ade-mans da poesia romntica, desde Andr Chenier : parece que ella revela muita riqueza de idas, e que esse tresva-sar denota a amphora cheia de licor, a plethora do san-gue nas artrias. Em nossa litteratura antiga, quando ella se alusiava de brilhantismo em Cames e Ferreira vemos-lhe o abundar; medida porm que se dissipava

  • - 35

    a poesia original a poesia pessoal, como a chama o

    Sr. Magnin, e que Jouffroy quer por nica e verdadeira

    quando a imitao latina escorregou glida como uma

    serpente no lyrismo degenerado, ento, a modo que

    proporo decrescente de poesia e idas, o verso se entu-

    mescia em seu vcuo, como um somnolento que se es-

    preguia. Fez-se intil quelle transbordamento que

    assemelha os versos 2o e 5o canto de Don Juan a um

    molde estatuario, cujo metal doirado tressua. Comtudo

    classificaramos o abuso desse atavio nas regras limita-

    doras do quidlibet audendi Horaciano. Quando a liber-

    dade potica bastardca em licena e desregramento, so-

    mos daquelles que a reprovo, e preferem Byron por

    mais perfeito cm algumas paginas do Childe que n'outras

    de Don Juan, Beppo e da Viso do Juizo; que o saboro

    mais nas estncias Spencerianas do seu here peregrino,

    do que na soltura e corte dos versos, e s vezes e stro-

    phes cuja ligao se intima e solda tanto com as-imme-

    diatas que nem ha sentir a cadncia do metro, o quebro

    das cesras, o cho das rhymas, c a separao das es-

    tncias. Por isso em Musset preferimos seu poetar de

    Rolla, onde menos abunda isso, ao desalinho de Mardo-

    che, e ainda a ese ultimo as sextilhas, no tantas vezes

    trncadas, de Namouna.

    Quanto linguagem, dissemo-lo, ageita-se feio do

    seu modelo ; Rolla amanta-se como o Cavalleiro do mar.

    No se enubla nas melodias confusas da escola franceza,

    reflexo macio das harmonias do Lakismo de Wordsworth

  • :J>

    36

    bellas, mas a que se pudera applicar as palavras da rainha Agandecca de Jorge Sand ao pallido Aldo o bardo poeta, s bello como a lua ameia noite, e montono como ella. Nem tambm offusca na sobejido de brilho, como o pompear das Orientaes; ou na riqueza luxuriosa de imagens como o poema por ventura de mais ima-ginao que tenhamos lido o Ahasvero de Quinei. Evitou tambm um grande defeito do sculo o ar-chaismo. Certo que lei o fluxo e refluxo das linguas, e que, na expresso de Victor Hugo, quando ellas se fixo morrem; e que o poeta deve remoar as velhas expresses de outr'ora, e enriquecer a litteratura contempornea com os thesouros do passado, aviva-la com aquillo que Sainte-Beuve chama um perfume de antigidade. Entre ns, por exemplo, que to opulento havemos o idioma ptrio, so irrecusveis mritos aquelles que rc-tempero as idas de hoje no fogo das expresses dos mestres da lingua : por isso os escriptos dos Srs. Alexan-dre Herculano e Garrett, A. F. de Castilho e Mendes Leal (quando esses dous ltimos no resvalo nos trocadilhos do seiscentismo), alm de seu quilate litterario, tem esse valor. Mas desde que o excesso vem, teremos de repu-gna-lo, e nos lamentar do sacrifcio das idas e da poe-sia, a um lavor pelo exprimir, bello sim, mas morto, da lingua antiga; desse abandono da laurea de bardo pela gloria de antiquario, pela imitao dos poemas de Chat-terton, e da seita erudita de W. Scolt. isso desconhe-cer a misso de aperfeioamento da lingua. A combinao

  • H ^ 5 ,

    37

    dos elementos da dico moderna com os da envelhecida,

    pde ser um progresso; a imitao servil do estylo dos

    primeiros sculos um regresso. Portanto s como exer-

    ccios eruditos de antiquaria poderemos olhar o estvlo

    das Memrias de P. L. Courrier, das Cem Novellas de

    Balzac, das poesias da pseudo-Clotilde de Surville; e em"

    nossa litteratura, o do Rausso por homizio do Sr. Rc-

    bello da Silva, talvez o do D. Sebastio o Encoberto do

    Sr. Abranches, o de alguns solos do Sr. Serpa Pimentel

    e A. P. da Cunha, e o das Sextilhas de Frei Anto do

    nosso mais mavioso poeta Brasileiro, o Sr. A. G. Dias.

    IV

    AO PE DO LEITO.

    Vimos pois a frma infantil da adormecida. Junto do leito vela uma mulher. Inquieta de anciedade, tresvaria os olhares do relgio ao lar que crepita. As vezes escuta porta, debrua a cabea no balaustre da janella. Ser sua mi?

    Quem esperalo farde? Quem (se ella) Faz-lhe que entr'abra desde pouco a porta E janella o balco? Seu pai aguarda? Ai! Maria, teu pai morreu de ha muilo! E esses frascos por quem? por quem as luzes E quem espero pois?

  • 58

    Quem fr que importa? Dorme! dorme! no s amante delle : Sonhos te embalo, mais que o dia puros, Muito infantis por segredar-te amores!

    Que manto quelle que a mulher enxuga ? Lodos o enlaivo e gotta chuvas : manto de criana teu, Maria. Tens liumido o cabello, as mos na face Tens-Ias mais rubras friez do vento. Onde ias pois dessa tormenta noite? Ah! certo mi que essa mulher no foi-te!

    Silencio! algum fallou desconhecidas A porta abriro : semi-nuas outras, Solta a madeixa, tacteando os muros, 0 escuro corredor suadas passo; Uma lmpada treme : fins de orgia, A extremo fluctuar de claro morno, Reslumbro fundo na afastada alcova... Resoo copos na toalha rubra ; A porta se fechou a hediondos risos...

    Maria, foi viso? No crs-lo? Um sonho De negra insania que ferio-me os olhos? Tudo calmo a dormir a mi te vela, E perfume de flores, lmpido leo, Que te banha as madeixas rosa casta Que te annuva as fontes, vem do- sangue Que fle do corao... -

    Silencio! batem! Nas lageas negras vem sonoros passos; Tremente luz se achega e sombras duas : s tu, livido Rolla?

    E ante o vulto macilento do perdido, a destacar-se em

  • - 39

    sombra, no fundo azul dos vos de leito, como Mephis-

    topheles porta de Margarida; ante o libertino pallido e

    meio brio de sua ultima ceia, com os braos no peito, a

    contemplar aquella pureza do somno da moa, quelle

    divino da mulher inda em boto mal aberto, que vai ser

    delle to pura, to mimosa, que, assim como o poeta

    dos Girondinos chamou Carlota Corday o anjo do assas-

    sinato, pudra-se a chamar o anjo da prostituio

    parece que medida que a nuvem negra do pensamen-

    tear se obumbra pesada na fronte de Rolla, o vibrar da

    melodia desmaia, e Iugubres acrdo as fibras funereas

    do alade. Se pudssemos escolher entre o sentimento

    balsamco de todas as paginas do poema, talvez nossa

    predileco fosse por essas :

    Deixar o globo, Faust! no o scismras Da noite na agonia, em que mo anjo No afogueado manto, como sombra, Pelo ether te levou, suspenso, s plantas? No o bradras derradeiro anthema? E quando aos hymnos santos paJpitavas, No a embatras na ultima blasphemia Sexagenria a fronte aos velhos muros? Sim! tremeu-te o veneno aos roxos lbios, Morte, que ia comtigo s obras turvas, Tinha-se ao lado teu baixado ao fundo Da longa espira do suicdio longo : rido e velho o corao te eivara Como a lapa no inverno, gasta ao frio; Era a hora vinda, atheu de barbas brancas, esarraigado o tronco da sciencia! Anjo de morte com pavor te olhara

  • 40

    Rebentar inda e a Satan vend-la, laga de sangue ao descarnado brao! Oh! por que mares, que sombrias grutas, Por que olivaes, onde aloes, que dunas, Que neve pura da montanha s grimpas Bafeja d1alva to suave a brisa, E o vento d'Este primavera cm prantos, Como esse que roou-te as cnns fronle Quando o co deu-te o rehavcr da vida De quinze annos de infante em manto virgem? Quinze annos, Romeu ! sales de rosa De Julieta em boto? Ai! primaveras, Que amar era viver! e o vento d'alva, Na escada inolle, da manha aos trinos, Os beijos embalava, e adeos infindo! Quinze annos! luz que arvore da vida, No morno osis do deserto olente, Banha ureos pomos de ambrosia, myrrha: E para apuros do ar, como a palmeira O defumado vo esfralda apenas, E o Oriente s viraes... Romo! qujnze annos. Idade cm que a mulher, da vida s alvas Das mos dinas sorrio, singela e branca To de primores linda, que Deos f-la Das phalanges do ernpyreo eterna idade!

    Ai! o lyrio do den, porque murcha-lo Em descuido infantil, bella Eva e loira? Trahio tudo, e perd-lo era-te a sina. Fizeste um Deos mortal, e mais o amaste! Dessem-te em volfa ao Co, que inda o pcrdras Sabes que alm te adora peito d'homem, E inda sonhras te exilar com elle Por morrer-lhe no peito e consola-lo'

    Rolla fitava no volver tristonho Maria bella a dormir no longo leito :

  • 41

    No sei que horribil, que ideiar satnico, Lhe fez invito estremecer nos ossos... Era cara Marion. Por essa noite As moedas extremas esgotara : Sabem-no amigos seus. No ingresso ainda Que ningum vivo o encontrara ao dia, Trs annos de mancebo os trs mais bellos! Trs annos de embriaguez, volpia, enleio! lo-se envaporar quel frouxo sonho, Ou perdido trinar de ave que passa. Noite negra de morte a derradeira, Quando revoa a prece ao moribundo, Quando o lbio vai mudo, e o condemriado To junto jaz de Deos, que elle perdoa Vinha espaa-la com mulher d'infamia; Elle! homem e christo e filho d'homem! E elle, a mulher ser misero hervazinha, A criana dormita, ao espera-lo, A' bocea do atade

    Oh! chos eterno! prostituir a infncia! Melhor no fora em thalamo indefeso Ferir-lhe o corpo no segar da fouce, Tomar o collo niveo e desnoca-lo? Masc'ra de viva cal com frreo guante Que um rio he fazer, liinpido tona Que as flores mira e peregrina estrella, E em veneno infernal polluir seu alveo? Que bella ainda! Que thesouro, oh! vida! Que primeiro beijar-lhe amor sonhava! Doces fruetos que dera flor abrindo, A lindeza do Co! Que chamma pura, Aquella santa alampada se erguera!

    Ah! barreg sem brio s tu pobreza! Que deste ao leito impuro a nvea infante Que s aras de Diana a Grcia dera!

  • _ 42

    Olha : orou ao dormir ella hoje noite; Orou... E quem, meu Deos ! s tu que vida De joelhos mister ore e conjure, Tu que em susurros no soprar do vento Em meio ao soluar d'amarga insomnia Foste-lhe mi ciciar por noite bella : Da filha meiga branca a flor de virgem : Vende-la pois do libertino aos lbios. Para ir-se orgia tu lavaste-a mesmo, Qual lavo mortos que se do s tumbas ; Tu que noite, aos relmpagos, no manto Quando entrou a coidada lhe sorrias!

    Ah! quem soubera a que fadarios ella, Se houvesse po, qui vivido houvera? De ser impuro nem a fronte essa. Nada torpe abrolhava a fresca aurora, Aos quinze annos, no somno dos sentidos! Pobre moa! seu nome era Maria, No ainda Marion. Foi a misria No de ouro o cuhiar que degradou-a. Qual a vedes no opprobrio desse leito, No hediondo lupanar mi entrega, Vollando a casa, o que dahi foi ganho ! Oh! no choreis-la, no, mulheres nobres! Vs que alegres viveis no horror profundo, Do que rico no , nem ri comvosco ! No lamenteis-la, mais! que a porta, noite, Aferrolhais das filhas, e um amante Entre sedas velais, de esposo em leito!

    Doira-se-vos amor, poesia e vida; Fallais nelles sequer e no sois publicas. Jamais sentiste-o vs da Fome o espectro Cantando erguer-vos os lenes ao toro Livido o beio a perpassar nos lbios, Por un pouco de po pedir um beijo!

  • 45

    verdade, meu tempo, que isso d'hoje Sempre, sempre se ha visto? rio trepido Levas ao mar cadveres hediondos Em silencio boiando : e a velha terra Que a humanidade v viver, mirar-se Em torno ao sol gyrando a orbita sua Ao seu Pai immortal, nem se apressara Por mais perto o roar, queixar-se a elle?

    E pois ergue-te ahi que assim fado! Vem, seios nus, corteza formosa : Rebrilha o vinho e ferve, e a fresca noite Te brisa ao leito os vos no alegre espelho; Noite bella vai essa e eu pguei-fa! Pavor menos sentio na Ca o Christo, Do que eu no corao de gozo elfluvios! Eia! e viva o amor que o vinho enturva! Queimem-te os beijos do Xerez no aroma! Deos de vertigens, dos festins ruidosos Ao anjo do prazer me leve em braos! Eia! cantemos Baccho, amor, loucuras! Brinde ae tempo que passa! morte! vida! Olvidar e beber liberdade! Cantemos o oiro, a noite... a vinha,*as bellas!

    U L T I M A S HORAS.

    Dormes quedo, Voltaire? e o negro riso Vagua-te inda aos descarnados lbios ? Era teu sculo joven para lr-te... Deve o nosso aprazer-te! os teus nascero!

  • Sobre ns se esboroou o templo immnc Que solapavas noite e dia lobrego. De oitenta annos de amor aos fins, a morte Deve a

  • 45

    crente como lingua de chainma que inda treineleia em

    acervo calcinado de cinzas. Elle hyvoca a f acendrada

    do monachismo claustral.

    Donde as houverqo to donosas fallas Que a volpia somente, ao pranto em meio, Murmuria e derrama? Objecto estranho De supplicio e prazeres ara mystica Onde a blasphemia ao supplicar mcda! Onde o echo mulher! ondear se aviva Nessas vozes sem nome, que um delirio Apenas so e de ha cinco mil annos Inda penduro-s a amorosos lbios?

    Profanao! e sem amor dous anjos ! Dous ureos coraes que as Iribus tantas Ao ver-lhes o primor a Deos erguero! Sem amor! Pranto ! e a noite que murmura E a virao que treine e a terra inteira Que descora ao prazer e bebe gozos ' E essncias a esfumar, frascos no solho, Beijos sem fim, e inda talvez, misria! Mais um perdido que blasphcme ao dia... Oh! nem amor! e em tudo espectro delle!

    Vs tu, velho Arouet, o homem vivido Que de osculos febris lavra esto seio Ha de amanh dormir em tumba estreita. Lanar-lhe-has por ventura olhar de inveja? S quedo elle te leu nada lhe dera Nem consolos, nem lumes de esperana ; Se tornar-se o descrer sciencia um dia De Jacques fallar... sem profana-lo, A' noite, ao fosso teu, rastea-lo podes...

  • 4G

    VI

    M A D R U G A D A .

    Quando madrugou, Rolla acorda. Aquella ante-

    manh que se avermelha nas nuvens sangrentas, ao

    murmrio de uma velha cantiga, vista de Marion dor-

    mida de fadiga, a cabea macilenta e desgrenhada do

    moo se lhe azumbra nas mos. quelle hymno:

    Vs que no alm voais, andorinhas, Ai! dizei-me porque vou morrer?

    quelle canto se embalsama todo de belleza. o desejo

    da vida que brota na cano do amanhecer, quando o

    marasmo silencia e serena aquella fresco da terra o

    palpite porventura de alguma esperana, que acorda

    com as flores que se desdobro humidas, com o gorgeio

    de primavera das colovias, com o effluvioso dos ventos

    frescos de vida da manh. E o seio que se abre, e no es-

    marrido de sua sequido quer inda fecundar-se no am^

    biente d'ethcr inais puro d'alvao floro dourado da

    palmeira que estala as antheras e polvilha o seu pollen

    aos ventos do deserto. Aquella aspirao, quelle desejo

    de vida, como o agitar do feto no seio da mulher, como

    o soerguer do afogado que se acima flor do mar, no

    o sobresalto do susto^ o pavor da morte, do nada para

  • - 47

    quelle em cujo co foi-se nublada a estrellinha da es-

    perana; um como rever de gota adamantina que pendo

    do calcareo das estalactites da caverna um soidoso

    que se desperta pela vida mal vivida, pela vida tanto... e

    ai! to linda por viver. quando a fatalidade, implaca-

    el como o corao de FredegundaMacbeth, gargalha de

    irriso entre o desespero insensato do rei Lear, a brisa

    romntica embebida nas canes de Ophelia e nos so-

    nhos de Romeo. quasi o sentimento que Joo de Lemos

    descreve ao condemnado naquelle alongar de uns olha-

    res de saudades pela terra to florejante, pela vida to

    matizada vista do umbral da morte.

    v

    E porque pois amar

    Que estranho accordo ou invisiveis cantos Que a morte era ao sop vibrar-lhe vinho?

    Porque? No sentis o peso daquella palavra que dobra

    a fronte de Jacques? Quando o co se azula e a vida se

    arrei ufana aos deslumbres da manh, no sentis-la

    mais doorenta aquella febre qe no cr, que no pde,

    que no qUer crer, porque a crena na hora do suicdio

    lhe fora ainda mais amarga que o descrer? No imaginais

    a dr do antalo sem amor, sedento delle, que ahi es^

    perece-lhe sede, sem j querer crr-lhe e a dr

    desse Ixion que senle a nuvem correr-lhe pelo peito,

    balsamica no seu mentir fugitivo, como o hlito da Deo-

    sa? E me o credes mi queimador aqelle ferrete qe

  • 48

    Margarida lera fronte de Mephistopheles no poder

    amar '>

    E ora que o homem esvasira o copo, E ao bordel vinha, em horas derradeiras, Por um leito de morte onde a blasphemia Lhe fosse na agonia e era-lhe findo Tudo ahi no viver, e a noite eterna Lhe espera aos dias a ultima scentelha, Ao moribundo amor fallar quem cusa?

    Toda aquella hora de pzadumes, no triste silenciar de um homem as plantas, os restos de uma orgia e o porejar, por umas faces lividas, das bagas frias de um suor de morte ao leito o setinoso de uma frma femi-nil que molle flucta... sob o azul dos cortinados todo quelle agonizar do suicidio vagaroso dalma que prelu-da ao cadver, Alfredo de Musset comprehendeu-o e inteira aquella poesia vem reflectida de um livor meren-corio, de uma mgoa fatal, como o lbrego do ultimo es-tertor de um passamento de malfadado que se esvae no escumar sangneo da ultima blasphemia.

    0 suicida se deita lento e lento ao lado da moa. Ma-rion suspira e acorda, e debruada no leito conta-lhe um sonho :

    Sonhei, disse cila, uma viso sombria Ahi no leito meu (velar pensava): Era esta sala um cemitrio negro; Entre cyprestes e mirrados ossos

  • 49

    Senlo nas neves um caixo trs homens Para hi no cho murmuriar-lhe a prece; Aps abrio-se o fretro avistei-vs. Ondas de sangue negro em face branca! Ergueste-vos por vir at meu leito, Tomastes-me da mo e me dissestes Porque dormes ahi? Meu leito esse... Ento olhei n'um tmulo acordara...

    Bof! sorrio-lhe Jacques verdadeiro Seno bello sequer te foi o sonho ; Nem mister amanh dormir tu fora Por semelhante ver que cedo eu morro.

    Maria rindo se mirou no espelho ; Mas to pallido Rolla ahi sentira Que emmudeecu mais descorada ainda, E disse-lhe a tremer que tendes hoje? Que tenho ? disse, no o sabes, anjo, Que empobreci desde hontem ? Por dizer-te Na verdade um adeos s vim a ver-te. 0 mundo o sabe, e mister que eu morra. Jogastcs pois! Oh ! no! estou perdido!

    Pobre ! disse Maria e como estatua No cho pregava os desviados olhos. Ai! poljre ! pobre! e no vos resta ao menos Uni amigo ? um irmo ? ningum na vida ? No suicidio pensar... Porquemorrerdes?

    Ella voltou-se do seu leito s bordas. Jamais seu doce olhar fora to doce... Nos lbios fluctuavo-lhe perguntas; No ousou de as fazer; e foi deit-la A face sobre a delle e deu-lhe um beijo. Tenho uma cousa a vos pedir comtudo (Murmurou ella enfim): oiro no tenho

  • 50

    E logo que m'o do minha mi o toma ; Mas tenho ureo collar : quereis vend-lo? Tomareis o preciso e ireis jog-lo... Rolla mirou-a num sorrir leviano : Negro frasco emborcou bebeu-o mudo Pendeu sobre ella no collar beijou-a. Quando Marion ergueu pesada a fronte Tinha apenas ao collo um morto frio No casto beijo a alma lhe partira E uni instante sequer amaro ambos!

    VII

    Oh! acordar como Julieta com seu Romeo pallido no seio! T-lo por ventura presentido n'um sonho a debru-ar a cabea romntica sobre seus lbios, sobre seus beijos, sobre seu seio de anjo, e acordar com ella num tmulo em vez de um leito com as roupas lon-gas e brancas da noiva da morte em lugar da sua coroa nupcial de amante de Romeo! T-lo ouvido gemer noite, pousar os lbios desmaiados sobre sua fronte... e depois aperta-lo embalde nos braos, procurar-lhe in-sana pelos lbios o ultimo calor da vida, ou um saibo de veneno para ceia! Pobre moa! amou um instante como Julieta : e no tivera a conversa ao luar no jardim de Capuleto, no bebra a melodia das fallas do Italiano* o susurro daquelle quebro amoroso em lbios de um anjo* nem a longa despedida, no ultimo abrao que nem ho-

  • 51

    vera fora para solta-lo! - - pensar que no ero as co-

    tovias, mas o rouxinol do valle que gorgeiava nas ro-

    meiras, que o reverbro de luz nas brancas nuvens do

    Oriente e ao apagar das estrellas no representava o dia

    esquecer com elle, com as mos do moo nas suas,

    que o albor da manha no era o reflexo da testa de

    .Cynthia, e aquelles trinos ero da Calhandra! e depois

    n'um beijo, n'outro e em muitos ainda, cada cual o ul-

    timo, e cada um pouco para abrevar a saudadeI... sentir

    que essa vida uma flor, que o amor seu perfume,

    que um dormir em collo de cherubim, e que amor

    seu sonho e desejar morrer! Talvez Marion o sen-

    tisse... e o poeta da miserrima talvez inebriou-se na-

    quelle vapor de rosas, talvez a sonhou de joelhos como

    a Virgem de Verona no sonho de Shakspeare e se elle

    parou ahi, se nem traduzio alguma daquellas idas do

    anjo com um cadver no seio, da coitadinha mimosa

    com o amante frio no ultimo beijo, foi que elle pensou

    talvez que depois do poeta inglez a sombra da Italiana

    era inimitvel que ns podemos chorar nossas lagri-

    mas insanas ante Rafael o pintor, desmaiado de gozos e

    frio da morte no ultimo abrao e no ultimo beijo volup-

    tuoso da Frnarna; mas qe o no pudramos pintar.

    Quanto parte moral no poema, ella ahi se v na

    hiorte de Jaques Rolla. Como Villemain o disse a prop-

    sito de Richardsonj a moral na poesia no s a

    sciencia dos deveres, tambm o estudo dos caracteres;

    no s a predica dos preceitos de virtude, tambm a

  • 52

    observao do corao humano. A ulcera do vicio

    aberta com toda a sua torpeza medonha eis um qua-

    dro to moral, como o fora um conselho. E note-se ahi,

    o poeta de Rolla no ergueu em systema a historia de

    seu here; se elle ahi falia do libertino, se elle acorda

    alguma poesia nelle, no nunca aquella Don Juan. E

    se, como Victor Hugo, elle no apresentou entre o dis-

    soluto da perdio delirante o vozeio rouquenho e o do-

    bre lugubre da morte no fundo da sala do festim blas-

    phemo, ao menos depois da noite do cevo, do instineto

    animal, a rosa pura do amor, depois da febre a morte

    this ever in drink and to-morrow in deuth, como o

    dissera um poema de Chatterton.

    VIII

    S Y N T H ESE

    Rolla finda, como a Deidamia de Frank na Taa e os

    lbios, no primeiro beijo puro de amor. 0 ultimo alento

    de vida se lhe "vapora, como a Jonna nos braos de

    D. Paez. Foi n'um beijo como o do Cavalleiro Negro ao

    desmaio de Hermengarda um daquelles beijos pri-

    meiros e ltimos, na expresso de Alexandre Herculano,

    purificados pelo hlito da morte que se approxima, in-

    nocente e santo como o de dous Cherubins ao dizer-lhes

    o Creador : existi!

  • 55

    No cantor dos Contos de Eespanha e Itlia1, no incr-dulo do frontispicio sublime de Rolla, a morte vm sem-pre de envolta no voluptuoso de um beijo, como ao sui-cida oriental no vapor ebriativo do pio. 0 crime ahi se apura na morte ao crysol do amor. que o amor no , como o ria a bocca salanica do lago do trgico inglez, um fervor lubrico do sangue a f a f a reli-gio a religio o co, como o diria a Mystica do mona-chismo dos tempos em que se cria.

    Depois daquellas deshoras negras em que o poeta som-brio se compara a Fra Jacopone o Italiano, a Lasaro o cadver infecto de quatro dias, a quem s bastara uma palavra santa, depois de muito esperar insano, do tontear confuso e vertiginoso por trevas, s vezes resalta uma luz de esperana, algum raio de lua pela rotura da

    1 Releve-nos o leitor aqui umareminiscencia quelle bello trecho do amante de Leonora a morte de Gildipe e Eduardo. S poesia de Bocage, quando elle se banhava nas ternuras languidas das harmonias perdidas da poesia, traduzira o bello das duas estncias do Tasso. Por ventura ser agradvel, depois de cerrar o livro morte, daquelle que, na expresso Shakespeanana engeilra como o Hebro a prola que o fizera o mais rico da tribu, embalsamar-se nos dilvios de melancolia do amante de Leonora d'Este :

    Qual olmo a que a vinosa, a fertil planta Com abrao tenaz se enreda, c casa,

    Se ferro o parle, ou raio o desarreiga, Leva comsigo lerra a scia vide : Elle o verde atavio lhe des folha, Elle-mesmo lhe pisa as gratas uvas, E como que lhe doe mais que seu fado, O fim da amiga que lhe morre ao lado, ele.

    (0 mais vide pag. 268, 3 vol. BOCASE )

  • 54

    caverna da maldio, alguma figura branca de poesia

    incarnada em Reatriz ou Virglio o divino, para guia-lo

    nas trevas das florestas da terra. Como no Decameron de

    Roccacio em meio licena immoral da corte devassa de

    Joanna de Npoles a Maria Stuart da Itlia, como a

    chama Villemain entre os contos de Fiametta e Filo-

    copo, vem horrvel, como um pesadelo do drama pallido

    da peste, a historia romntica de Gryselidis.

    No scepticismo do Cndido Voltairiano, depois do ul-

    timo soluo ha o abafamento bochornal do nada, a treva

    do no-ser. No descrer de Musset (como ainda s vezes

    no de Ryron), ao desfreio daquelle poetar que soube

    transpor os limiares do prostbulo sem o sarcasmo cynico

    dos lbios amargos de George Crabbe, e, como o Jocelyn

    de Lamartine, teve ainda lagrimas pela viso da mulher

    perdida, no reuma quasi a furto a nuvem das espe-

    ranas? uma como f que adeja, de que o leito tumular

    tambm um leito de amor, como o fingira a tradio

    de Helosa e Abailard, e de que o baptismo do amor na

    pia do passamento lava e apaga muito? entre quelle ven-

    tar de passamento, uma doura, como em meio ao mo-

    ntono das canes fnebres do Cafre junto ao cadver

    do irmo do escravo a lagrima que recorda a espe-

    rana daquelle amor tamanho que lhe prendera o sentir*

    de Africano por quelle que morto?

    O here do poema um suicida; no gozo devasso

    afoga-se elle como uma ave do co cahida no mar. E com-

    tudo Rolla bello bello ainda dormindo na crassido

  • 55 -

    do alcouce, sentado na borda do leito venal, inda morto

    de scepticismo e saciedade sob sua grinalda da ca

    crapulosa.

    No materialismo bruto no pde haver poesia

    como o ferro em brasa, em vo derramem-se-lhe orvalhos

    de aromas, o calor os expelle. 0 materialismo de essn-

    cia prosaico. E por isso que o romance de Louvet e.os

    livros de perdio immunda de Pigault-Lebrun o repu-

    blicano despidos de toda ida que tenha um rasto de

    luz do co nem ha l-los.

    Se Jacques bello e mesmo Marion que em

    meio quellas trevas ha uma rstia de sol, ha um efluvio

    de poesia que se refracta e iria pela sombra, como a

    scentelha fugitiva do facho que sacode no escuro das

    cavernas batendo na faceta do crystal da estalactite. No

    ha ahi o poema do materialismo impuro a revolver-se

    como um verme em lodaal. No; antes uma luta entre

    o corpo a alma entre a morte e a vida, entre o

    co e a terra entre as melodias de Ariel e o fel do

    Caliban perdido nos sonhos das noites de vero de Shaks-

    peare, entre a negrido da noite e a luz dourada da

    lmpada mal guardada ao rseo dos dedos transparen-

    tes da virgem que passa pelas ousas do claustro a des-

    horas o pleito, agro e renhido sim, das aspiraes

    ao co.

    A morte do mancebo inda no seu rir de lbios quei-

    mados e sem crena adoa-se com o raio de f que lhe

    passou na morte no beijo do suicdio naquella ul-

  • - 56 -

    tima ida em sua melodia que trina intima, doce e triste

    a um tempo, como era cndida e bella a virgem romana

    derramando o ciborio lacrymario, em prolas de pranto,

    no tmulo do amante guerreiro.

    IX

    DA DESCRENA EM BYRON, S H E L L E Y , V O L T A I R E ,

    MUSSET.

    Essa luta da crena e do marasmo assignala-se muito

    em Byron. No escurecer de seus sonhos, no scepticismo

    do imaginador de Lara, ha ainda, como no passado do

    hetman da Ukrania, a relembrana dos amores de Theresa

    e de Mazeppa o loiro; a ironia do poeta de Don Juan se

    deli nenia de Haida morta no delrio. Haida a linda,

    cuja vida teve trs phases como o existir ephemero da-

    qucllas rosas chinezas que tem trs dias de vida, trs

    dias em que se lhes mudo as cores, e depois pendem-se

    murchas.-..

    Mais um exemplo sobre Ryron : Cansado o bandido

    do mar, ao libame de uns lbios que se abrem, por elle

    hesita na descrena o peito do corsrio sobresaltou-se

    n'um palpite ao canto de Medora, lagrima da moa que

    o espera, ao canto saudoso e triste, devoo cega de

    Gulnare, escrava amante tudo, tudo por elle e s

    por elle.

  • - 5 7 - .

    Entretanto... mais atroz o scepticismo de Arouel de Voltaire quando elle se desnuda no inteiro desfear de seu descarnado, nas horas mais negras em que quelle imaginar de vampyro debruava-se de uma fronte linda e santa de donzella. Ryron ao menos fora o cantor das glorias : bardo sublime elle se curvara ante a estatua do homem-seculo, e estremecera no cho de Waterloo!

    A differena que Ryron inda no satnico do seu rir de escarneo era menos infernal que Voltaire. Ryron quelle que toda imaginao de moo idealisou por ven-tura uma noite, adormecido sombra dos mrmores rotos da Athenas antiga, que fora amar em seu sepulcbro de profanada, a donzella vestal do paganismo, a Grcia bella como elle a sonhava no passar da sombra do corscl do Giaour, Byron, sob seu manto negro de Don Juan, guardava no peito uma chaga dorda e funda. 0 homem que ia se embeber de poesia nas mesmas montanhas onde a poesia grega impregnara suas lendas immorredouras, nos theatros onde a tragdia antiga recordara as tradi-es do Edda homerico, ao p das estatuas lividas do paganismo embebidas ainda do sangue das hecatombas de outr'ora , com seu talisman de poeta, sua busina de Oberon, pelas longas noites de febre as evocava, ao vento do passado impregnado ainda do calor do incndio e do hlito da matana, por afogar naquelle effluvio um mys-terio afanoso...

    Fora elle uma criana, cuja infncia decorrera solitria

  • - 58 -

    nas sombrias ahobadas de abbadia Anglo Saxona, onde

    nos muros pendia inda sanguenta a espada de Guilherme

    Byron o duellista, batendo aos ventos da noite, de en-

    contro aos loriges de seus avs Normandos; no castello

    ruinoso onde a taa de Joo Byron, seu pai, talvez des-

    cansava nos morries, inda sanguentos da batalha de

    Bosworth, de alguns de seus avs irmos de armas de

    Eduardo I c do conde de Richmond.

    No parallelismo histrico dos factos e dos homens

    certo o nome de Byron traz uma grande recordao a

    revoluo franceza. A mfancia do herdeiro dos cavallei-

    ros normandos se embalava no estrondear de um cala-

    clysma. O sanguinolento drama de mil annos de peleja

    debatida peito a peito da tradio guerreira com suas

    roupas de ouro e brocado sobre o peito nu e suarento

    do plebo, se afundara no mar de sangue da vingana.

    E um sculo inteiro de espectadores presenciou ao claro

    dos incndios, num cho ensopado do sangue do bap-

    tismo da liberdade recem-nada, a scena das hecatom-

    bas... os afgos deNantespor Carrier o sanguinrio a

    descr da cabea anglica e suavssima de Lamballe bor-

    rifada de lodo e sangue aquella cabea de Maria An-

    tonieta, embranquecida ifuma noite de agonia e a

    loura e divina Carlota Corday, o anjo do assassinato, na

    expresso de Lamarlinc, corando ainda apz de dece-

    pada, ao esbofetear da mo vermelha do victimario ple-

    bo !... Byron como Lucano acordara vida entre o ala-

    rido da guerra civil...

  • 59

    Jouffroy disse num livro : A poesia canta os senti-

    mentos da poca sobre o bello e o verdadeiro; exprime

    o pensar confuso das massas, de um modo mais vivo...

    A natureza da poesia a sujeita lei da transmutao

    medida que vario os sentimentos das turbas alis ces-

    sara ella de ser verdadeira. E elle tem razo at ahi.

    Cada sculo, na expresso de Magnin, tem de buscar

    nova lingua e novos symbolos, novas formulas. A misso

    dos poetas a poesia de um sculo, e assim adoptamos

    os mesmos princpios de Jouffroy, no concordando po-

    rm com elle quando diz que um poeta no pde sen-

    tir o que foi sentimento de outras pocas; se o exprime,

    uma copia de expresso, e clssico; o que elle pro-

    duz no poesia, imitao de uma poesia, e no mais.

    Eis porque a mythologia mais potica, e o christianis-

    mo deixou de s-lo...

    No iremos como o Sr. Magnin indagar se no paga-

    nismo que ideou Psych, ou na crena que ergueu os

    monasterios da idade media, ainda a poesia acha alento.

    Cremos que sim e conciliamos essa crena com a ida

    capital do Sr. Jouffroy que os verdadeiros poetas tres-

    lado o sentimento de sua poca, dizendo que o senti-

    mento no s o presente e a imaginao das multides

    oscilla entre o crepsculo do passado e a aurora do fu-

    turo __ que em seu corao tambm ha a lembrana e a

    saudade, e o presentimento emfim do porvir.

    A poca que produzio Byron e Werner se treslada em

    muita fronte de poeta de ento. E em toda essa httera-

  • - 60 -

    tura transverbera no seu ennoitado, no incerto de suas

    tendncias, uma daquellas horas solemnes de transfor-

    mao da vida social. A Europa, no seu cho ainda

    quente do sangue das revolues, sentia mil vises sur-

    girem como os phantasmas nos espelhos das feiticeiras de

    Macbeth. Era uma poca de turvao, onde idas, theo-

    rias, aspiraes, tudo ondulava-se e embatia-se, quando,

    na expresso de Danton, o bronze da estatua fervia no

    molde, e mal quelle que lhe fosse ao p. quelle turbi-

    lho doudejava; naquellas ondas do Maelstron revolucio-

    nrio o cadver de Mirabeau embatia-se na cabea me-

    lanclica e romntica, vertiginosa e sanguenta de Chnier

    o poeta, os lbios de Bobespierre na fronte de Maria An-

    tonieta e a vertigem obscurecia aquelles que se lhe

    debruavo no abysmo. As imaginaes doudejavo-se, e

    o supplicio era como o dos trdos da idade media, ata-

    dos pelos cabellos cauda dos poldros bravios, no invio

    das serranias espinhosas e broncas. Era uma hallucina-

    o a vertigem mais brumosa um brilhar mais fer-

    vido naquella chuva de sangue que repassava os cre-

    bros; e poucos, bem poucos! resistiro provao.

    Os poemas de Byron so o espelho daquella poca

    toda. Quando uma philosophia inteira estabelecia o

    axioma do scepticismo, e quando a populaa dormia

    esquecida de Deos sobre os tmulos vasios de seus r.eis;

    quando a cruz se estalara no frontespicio das cathedraes,

    e a fronte lvida e eburnea dos crucifixos se despedaara

    nas lageas do templo profanado no era de espanto

  • 61 -

    que a poesia viesse entoar o cntico dos funeraes da

    crena no cadver da religio.

    E por isso, assim como a Hiada o transumpto das

    eras da Grcia herica, o Childe, com toda a amargura

    fria da desesperana, o typo do sculo XVIII, que mor-

    reu debruando-se, n'uma ullima blasphemia, sobre o

    bero do sculo novo, e inoculando-lhe no beijo da ago-

    nia a lepra de um scepticismo que, como o pomo da

    sciencia, tem a seiva vivaz e longa, que no ha desarrci-

    ga-la do peito.

    Byron comtudo no era s a cria de Voltaire nelle

    havia outra cousa. 0 moo estudante de Eon fora o

    amante de Maria Chavvorth por ventura daquelle amor

    que um na vida que ama-lo viver, e perd-lo mor-

    rer e que, perguntar a um homem quanta vez o es-

    tremeceu, fora, na phrase de Antony, perguntar ao ca-

    dver quantas viveu. 0 casamento do Ibrd com miss

    Millbank, a separao mysteriosa que se lhe seguio e

    depois aquella vida estuante que lhe foi na Itlia a eiva

    ipterna de dr que o fazia rir do escarneo da vingana

    e depois entre todo quelle viver longo, em que s vezes

    ao pesadelo afanoso da embriaguez, as'noites do Love-

    lace poeta tinho ainda um sonho por quelle ideal que

    elle buscava entre todas, apertando-as como seu Hes-

    panhol leviano uma a uma as pobres abandonadas no

    seu peito de mrmore... nos lbios do Don Juan vaguea-

    vo murmrios, e a harmonia susurrava por aquella vi-

    so que elle buscara em Chavvorth, em tantos olhos lim-

  • - 62 -

    pidos, e tantos seios puros e lbios em fogo, desde os

    anjos louros do norte s fadas morenas do Tejo, do Man-

    zanares, as madonas do sul da Itlia, e as virgens for-

    mosas douradas vida aos soes do Oriente, a quem elle

    dissera :

    E comtudo o estragar louco dos annos, Esse volver montono de gozo, Amores vrios, lisonjeiros versos, Essas amantes sem se ser ditoso, Tudo mudara se tu fosses minha, E o meu das orgias pallido semblante Se animaria pela paz domestica, No por fogo de febre delirante4!

    Byron o peregrino ente revelou em Manfredo e

    Arnold, em Alp e Selim-o-bastardo, a farpa de um pun-

    ^ir muito intimo. Quando a anci remordia, ento a

    exasperao *quando a fibra silenciava e o uivar tignno

    da dr que extenua se enlanguecia nas harmonias fugiti-

    vas do passado, os sonhos, as crenas volvio.

    Shelley a descrena, mas denuada e macilenta

    fria como um tmulo. E o sceptico apertando com os

    braos no peito vasio a coroa secca das esperanas des-

    cridas. Naquella fronte, a quem a trinta annos grisalha'

    ro-se os cabellos, naquelle peito condemnado con-

    sumpo e tisica, nos olhos accesos de um lum(

    estranho, na feio cadaverosa daquelle rosto no havia

    1 Traduco do Sr. Dr. F. Octaviano.

  • 63

    s gravado o desnervar de um organismo insanvel; na-quella pallidez havia mais : era uma febre que tinha che-gado no seu esgar calmaria que preludia no seu abafa-mento s tormentas do corao.

    Uma tarde era em Npoles o sol ardia, o co scintillava nas guas brilhantes e a tarde desdobrava suas purpuras transparentes nas ilhas azues e ao longe nos cabeos alvejantes das serranias.

    Ventos, aves, guas, fundio-se no murmrio longn-quo daquella Parthenope voluptuosa, a quem refluem as idas como o sangue ao corao' e ao longe as guas douradas embalavo as grinaldas verdejantes das flores purpureas do mar. Ento o poeta sentira o cancro de seu desespero mais manso ao effluvio dessas* viraes, ao fresco dessas ondas, e elle podia ahi dormir como uma criana cansada e chorar sem amargo a vida.Comtudo o corao de Shelley se enrijra daquelle engelliar precoz que re como um verme, e desvive nas veias com a seiba de morte do Hamlet e a vitalidade do veneno de Byron. Shelley que revelara, nas notas descridas do seu bri-lhante poemaa Rainha Mab, o atheismo mais frio, no podia reviver crena : e quando a sua febre esfriou, como elle o pedira num dos seus cantos, no ar quente da Itlia, e seu ultimo murmrio perdeu-se no arfar mo-ntono do mar, depois que Ryron e Trelawney, nas praias

    4 Ler duas de suas poesias mais bellas : Uma lard em Npoles, A Npoles durante sua revoluo:

  • 64

    do mediterrneo azul, ao sol puro, ao perfume das flores

    e dos laranjaes, sepultro-no em leito de ara, a mo

    do peregrino estranho pudera gravar-lhe sobre a lagea o

    epitaphio de Werner, o Allemo que soffrra e muito

    com a Magdalena, e como ella merecia perdes.

    Shell