JUÍZOS CRÍTICOS - upload.wikimedia.org · JUÍZOS CRÍTICOS OS SERTÕES (CAMPANHA DE CANUDOS) POR EUCLYDES DA CUNHA (2.8 edição corregida —1903) Um volume nitidamente impresso,

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  • JUZOS CRTICOS

    OS SERTES (CAMPANHA DE CANUDOS)

    POR

    EUCLYDES DA CUNHA

    (2.8 edio corregida 1903) Um volume nitidamente impresso, contendo numerosas

    estampas e mappas da regio, brochado 81000, encadernado 10S000.

    \

    LAEMMERT & C. Editores Rua do Ouvidor, 66, Rio de Janeiro Casa filial em S. Paulo 1904

  • COMPANHIA TYPOGRAPHIW D BRAZIl, RUA DOS INVLIDOS 93

  • JUZOS CRTICOS SOBRE OS SERTES

    Imprensa

    Recebemos: Os Sertes, trabalho do Dr. Euclydes da Cunha. O livro do Dr.

    Euclydes da Cunha, Os Sertes, o mais completo de quantos tem pretendido esboar as paginas lutuosas, escriptas com lagrimas e sangue nas luetas crudelissimas de Canudos.

    Ainda no havia sido tratada com tanto brilho e justia a nar-rativa desse acontecimento memorvel que, por longo tempo, absor-veu a atteno de todo o paiz, despertando na alma nacional as emoes de uma guerra entre irmos, travada contra o fanatismo acastelladonos invios sertes da Bahia.

    Logo s primeiras paginas desse livro, mo grado a natureza do assumpto, sente-se o vigor de uma penna capaz de traduzir todo o sentir do criterioso observador sobre as diversas modalidades desse feito, para o qual vai comear o juizo inflexvel da historia.

    Espirito erudito, inclinado ao estudo das sciencias positivas, o distineto autor d'Os Sertes, no intentou enfrentar o assumpto sem apparelhar-se dos elementos imprescindveis para imprimir sua analyse feio original, sem outra subordinao que no a obe-dincia evoluo dos estudos histricos, a sua verdadeira e lgica orientao, tal como a delineou Buckle na Historia da Civilisao na Inglaterra.

    Sem querer restringir-se ao mister de mero chronista, sentio que lhe no cumpria limitar-se descripo perfunetoria e banal do scenario daquella lueta titanica, descer aos detalhes da guerra, de exclusivo interesse para os profissionaes, explanar-se em consi-deraes vagas.

    O Dr. Euclydes Cunha, sahindo dessa vulgaridade, obedecendo ao methodo scientifico mais consentaneo com a natureza de seu em-prehendimento, comeou por estudar as condies especiaes do meio,

    ! j . c.

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    os seus factores preponderantes, sem temer a carncia de subsdios attinentes quellas vastas regies, quasi ignoradas do naturalista, demorou-se em analysar os elementos ethnics que agiram na eventualidade em questo, apontando sua origem, os seus hbitos, os seus caracteres naturaes, para evidenciar em um conjuncto har-mnico, as causas determinantes da situao em que se encontra-ram e deduzir todos os consectarios daquella civilisao rudimentar.

    Tratando de zonas mal descortinadas sciencia, no podero s especialistas encontrar nas paginas d'Os Sertes, estudo com-pleto no ponto de vista geolgico, paleontologico e em tudo qire entenda com a fauna, a flora e a climatologia; porm, o que no ha contestar que nessa tentativa feliz, nesse ensaio esto compen-diadas indicaes precisas para estudos posteriores.

    A parte histrica e descriptiva revela aprofundadas investiga-es, conhecimentos exactos de tudo que se tem vulgarisado sobre o povoamento do Brazil, desde os chronistas do sculo XVI enve-reda com segurana plo caminho da sociologia e dos conhecimen-tos ethnographicos, procurando a explicao lgica e racional de cada facto decorrido, estudando toda a vida dos nossos sertes*, em paginas fulgurantes, emmolduradas pelas louanias de um estylo rendilhado, em cujos traos por vezes carregados pela seqncia de vocbulos novos evidencia-se um dedicado cultor da lingua, e extremado admirador da frma.

    O livro cuja leitura attrahe e deve ser feita tambm um preito de justia, prestado, sem visos de suspeio, ao valor dos nossos soldados, coragem indomita dos habitantes de Canudos que se mantiveram irreductives ante a destruio inclemente de seus lares, ante o supplicio de seu chefe e de tantas vidas sacrificadas.

    Jornal do Commercio, 24 de Dezembro de 1902.

    Um livro ! Os SERTES (Campanha de Canudos) por Euclydes da Cunha,

    Laemmert & C , livreiros-editores.

    No desconforma do presente lugar e, pelo contrario, de su-bida importncia, rememorar certas anecdotas, que, relevando a individualidade do Sr. Euclydes da Cunha, mais ciai idade projectam na estimao do seu livro.

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    Apparelhou-se-lhe o robusto espirito naquella escola, em que a sciencia no reprimiu, e antes accelerou os movimentos creadores de fecundas imaginaes. Desenvolveu-se-lhea'intelligencia, attin-gindo maturidade, naquelle meio, onde prefulgiram, deixando traos inapagaveis, tantas cabeas de escol.

    Apartou-se daquelle ninho, em que se elevam altares ao mereci-mento e se cavam tmulos mediocridade, merc de intempestivo , at certo ponto, grave acontecimento.

    Certo dia, annunciou-se estrepitosamente que o arrojado, agora desiljudido tribuno Dr. Lopes Trovo, assomaria na linda Guanabara, de volta de uma viagem ao norte do Imprio.

    No intuito dissimulado de evitar de todo em todo que a Escola Militar convergisse, avolumando a importncia da recepo, ao porto de desembarque, o governo indirectamente, ordenou para a mesma hora uma formatura geral dos ardorosos moos.

    Foram presencial-a o venerando Thomaz Coelho, ministro da guerra, o conslheiro Silveira Martins e outros titulares. Ao defron-tar do ministro a seco do Sr. E. da Cunha, esse mesmo alumno se destacou e, tentando com todo o esforo quebrar o sabre de sua Comblain, gritou, nervosamente : eu sou republicano ! Isso uma indignidade; a continncia que eu hei de fazer esta. E de balde procurava arrebentar aquelle sabre.

    Espanto, espanto e mais espanto, eis ahi quanto se pintou nas faces do velho ministro e mais pessoas do grupo, de que apenas o medico de servio poude libertar-se estupefaco.

    O bondoso e atilado facultativo Dr. L. A., suggeriu logo o al-vitte de ser conduzido o doente para a enfermaria, diagnosticando-lhe no sei que espcie desculpadora de molstia.

    O Sr. Euclydes, porm, complicando-lhe a situao, discursava maravilhosamente sobre o alcance de seu proceder e os antece-dentes de sua resoluo...

    Passados que foram alguns dias, deram-lhe baixa do servio no qual foi readmittido, tanto que se proclamou a Republica. Rema-tando os seus estudos, passou ao corpo do Estado-Maior, que, defi-nitivamente, abandonou no posto de tenente.

    Por aquelle rasgo de indisciplina e de uma affouteza que com-petia quasi com a loucura, exactamente se aquilatar da indepen-dncia e da lealdade que se revm nas paginas d'Os Sertes, de um extremo ao outro.

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    A sua franqueza o resultado irrefreiavel de um temperamento perto do impulsivo, e a narrao dos factos emana-lhe da penna sem os rebuos ntm os artifcios a que o interesse, a pusilanimi-dade e as convenes rendem o tributo da sua vassallagem.

    No exerccio da sua profisso ( dirctor de um districto das obras publicas em S. Paulo), ganhou renome, logrando reconstruir, contra o assenso geral dos seus companheiros, uma ponte que havia desabado j quatorze vezes.

    Acompanbal-o do comeo ao fim, conforme era do meu desejo atravs das seiscentas e trinta e duas paginas doseu importante vo-lume, no tarefa cabivel na brevidade, por que tenho de bitolar esta noticia.

    Contentar-me-ei de o apresentar em bloco. A' pura descripo da guerra de Canudos, o Sr. Euclydes an-

    tepoz, num prlogo substancioso, um esboo da contextura super-ficial e intima do terreno, cingindo-se orientao dos sbios da geologia.

    Pormenorisando os mnimos accidentes, com a segurana e a maestria de quem vive na intimidade dos Lunds e dos Liais, pas-sou insensivelmente a paizagear a esterilidade commovedora dos sertes. Cotejando-os com as stepes nuas, desenhou este quadro :

    Nesta, ao menos, o viajante tem o desafogo de um horizonte largo e a perspectiva das planuras francas.

    Ao passo que a caatinga o afoga, abrevia-lhe o olhar, aggride-o, estonteia-o, enlaa-o na trama spinescente e no o attrahe ; repul-sa-o com as folhas urticantes, com o espinho, com os graveto^ es- ' talados em lanas; e desdobrasse-lhe adiante lguas e lguas, im-mutavel no aspecto desolado: arvores sem folhas, de galhos estor-cidos e seccos, revoltos, entrecruzados, apontando rijamente no espao ou estirando-se flexuosos, pelo solo, lembrando um bracejar mmenso, de tortura, da flora agnisante...

    Colligindo as foras e a inspirao do homem de sciencia e do cultor da arte, o Sr. Euclydes da Cunha tracejou perodos que no trepidaria de proclamar bllissimos, quando tentou descrever a resurre.o tnumphante da flora tropical, a mirifica transfigurao conseqente ao inverno.

    Da pagina 45 at a 49, palpita com vehemencia o estro da pin-tura, e dentro de to curto espao eu vivi um anno, na terra onde

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    nasci e tambm ser passam um, dous, seis mezes veniurosos, derivados' da exuberncia da terra, at que surdamente, imperceptivelmente, num rhythmo maldito, se despeguem, a pouco e pouco, e caiam, as folhas e as flores, e a secca se desenhe outra vez nas ramagens mortas das arvores deciduas.

    Sem esquecer, porm,que ao lado do poeta, pensa o engenheiro, d-nos logo depois em traos incisivos a orientao que nos impor-taria para corrigirmos as falhas da natureza, feitilisando os sertes, assim como os romanos fecundisaram a Tunisra, que de inferacis- sima se transfigurou na terra clssica da agricultura antiga.

    De passagem, condemna o erro de um Quixad nico monu-mental e intil, reflectindo, neste ponto, o competente sentir de profis-sionaes distinctos.

    Estudada magistralmente a Terra, o poeta e o engenheiro en-trajaram mais as galas da philosophia, resultando dessa trplice disposio mental, o mais elevado critrio na discusso dos vrios assumptos, que se compendiam na diviso O Homem.

    Jamais o problema da ethnologia brazileira, foi debatido mais racionalmente nem para os fins de sua resoluo, foram adduzidos mais slidos argumentos, por gente nossa.

    Lastimo que exiguidade do espao que me colloca entre um bom desejo e sua correlata impossibilidade, no me consinta a ex-planao, de que toda essa parte merecedora.

    Sustentando o autochtonismo das raas americanas, delineando a psychologia dos nossos selvicolas, do elemento aristocrtico de nossa gens, que nos liga vibratil eslructura inlcllectual do celta, e a do j factoro negro, o Sr. Euclydes da Cunha se me afigurou,, no g-nero, o que j li de mais sensato e commedido.

    A seu pensar no temos unidade de raa; no a teremos, talvef, nunca. A noss.i evoluo biolgica reclama a garantia da evoluo social. Estamos condemnados civilisao.

    Ou progredimos ou desapparecemos. Desculpe-me o alentado artista e pensador que lhe contraponha

    nesse tocante, uma objeco ligeira, qual j dei publicidade ha perto de seis annos.

    Convenho em que a fixao do nosso typo ainda uma funco do prazo secular, em que se ha de cumprir a lucta dos trs elementos formadores. Mas a evoluo social preceder a evoluo biolgica, subverter a ordem natural, e no apprehendo bem por que motivos.

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    Ou a nossa constituio mental, no que depende dos nossos caracteres anatomo-physlogicos, se coaduna com o desenvolvi-mento das modernas civilisaes e havemos de progredir . Ou re-pelle esse mesmo accordo, e a nossa derrota infallivel, a nossa condemnao inappellavel.

    Contravenham l como bem quizerem, s deduces de Le Bon, de Gumplowicz e de H. Spencer, acerca da evoluo e psychologia dos povos, da incessante lucta das raas e da incapacidade mestia; mas a verdade que, sob o ponto de vista da constituio social les demi-sang, heritant d'une ligne d'anctres des penchants, adaptes a un systme d'institutions, et d'une autre ligne des pen-chants adapte a un autre systme, ni sont propres ni par un, ni par autre. Ce sont des units dont Ia nature n'a et faonne par aucun type sociel et qui ne sauraient, par conseqente, s'unir d'autres qui leur ressemblent pour develpper un type sociel. (i)

    Si nos enredarmos no cipoal das theorias, forados seremos ns a pr em duvida o nosso brilhante e to decantado fu turo . . .

    Desprendido completamente do preconceito da cr, eu penso como o Sr. Euclydes, que o mestiotrao de unio entre as raas, breve existncia individual, em que se comprimem esforos secula-res quasi sempre um desequilibrado ; e que o desequilbrio nervoso em tal caso, incurvel, no havendo therapeutica para este embater de tendncias antagnicas, de raas repentinamente approximadas, fundidas num organismo isolado.

    A convivncia diuturna com os seus representantes, nas varias circumscripes do nosso territrio, induziram-me tambm a crer nos casos de hybridej moral extraordinrios, desse decahido, sem a energia physica dos ascendentes selvagens, sem a altitude intellectual dos ascendentes superiores.

    E' possvel que a evoluo sociolgica offerea emenda as, ten-dncias orgnicas de todo um povo, quando, ao envez, dessas mes-mas tendncias resultam a physionomia, o rumo e o processo da-quella evoluo ?

    O meio physico uma quantidade, que se pde considerar constante na equao de nosso desenvolvimento; a introduco do estrange.ro, que nos embaraaria a caracterisao ethnica, si mais freqentes foram os cruzamentos, tambm um facto de pequena

    (1) H. Spencer. - Prnrcipe,

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    monta, contrastando embora com os perigos, que o seu accrescimo continuado pde attrahir-nos conservao.

    Logo, possvel no me parece evoluirmos como entidade social sem que a esse avano anteceda o nosso progresso orgnico.

    Ultimadas as consideraes-dessa natureza, passa o Sr. E. da Cunha a descrever-nos o typo sertanejo, confrontando-o mais com o do gacho, e a summula desse bello estudo j mereceu a mais justa consagrao.

    D'ahi chega exposio dos antecedentes mrbidos de Antnio Conselheiro e por fim narrao dos successos que synthetisa na terceira parte A Lucta, a qual motivar o meu segundo artigo,

    J. DA PENHA. Gaveta de Noticias, 14 de Dezembro de 1902.

    Os Sertes

    Editada pela Casa Laemmert, acaba de apparecer a importante obra do Dr. Euclydes da Cunha sobre a campanha de Canudos.

    J a critica fluminense tem se oecupado desta produco litte-rario-scientifica do erudito escriptor paulista.

    Opinies diversas mostraram que o autor conjunetou no seu livro os mais profundos conhecimentos da geographia do interior brazileiro, da geologia, da ethnologia e tambm da sociologia, cujas theorias elle expe numa linguagem fluente e formosa.

    Para ns, Os Sertes confirmam positivamente o conceito ele-vado que fizemos sempre da mentalidade do seu escriptor ; men-talidade superior, finamente cultivada e que muito o recommenda em nosso meio de estudiosos e de pensadores.

    Acompanhamos o Dr. Euclydes da Cunha, desde o esboo deste bello trabalho, ora publicado em fragmentos na imprensa diria, ora estrueturado amorosamente nas paginas substanciosas que se converteram neste livro de um flego vigoroso e admirvel pela unidade da descripo de episdios picos.

    Livro emocional foi como o qualificamos em uma noticia nesta mesma folha em que agora traamos esta insignificante apreciao que de modo algum pretendemos considerar que seja uma analyse.

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    Para analysar este livro realmente emocional se precisa de em-pregar o methodo de Taine, do qual o autor, observador exacto ; porm, nos limites restrictos do jornal isto muito difficil fazer,

    'ainda que se houvesse de concretisar as idas em uma synthese rigorosssima.

    Desejando conhecer o norte do nosso paiz, quando a insur-reio dos sertanejos das terras do'interior bahiano impressionava as populaes das cidades, daqui partiu o Dr. Euclydes da Cunha, e na sua qualidade de oflicial do exercito, foi servir addido ao esta-

    , do-maior de uma das divises das foras em campanha. Achou-se portanto, em presena das operaes que se desenro-

    laram to dramaticamente ; foi parte conscienciosa na expedio que commetteu actos de coragem, naquelle terreno em que a cada instante as difflculdades naturaes juntavam-se aos incidentes da guerra na sua rude accepo de fatalidade.

    Foi daquella longnqua regio nortista que a alma do escriptor nos trouxe essa obra grandiosa e magistral que ousadamente' dize-mos, ha de viver e brilhantemente glorificar-lhe o talento ; legiti-mamente confirmar as qualidades de escriptor, que se harmonisam bem e que esplendem de cada um dos captulos que a constituem.

    N'Os Sertes, o conhecimento da psychologia do sertanejo desr cripta' com a vivacidade do colorido que s um artista iniciado nos segredos da esthetica dos assumptos camponezes poderia apresen-tar com tamanha opulencia.

    Tem paginas que palpitam. O realismo da comprehenso tol-stoiana da guerra, isto , a paixo stoica do paisano, que na humil dade do seu viver ningum julgaria capaz de, expluir com uma te-nacidade to herica, ahi se encontram deliciosamente narrados em episdios incomparaveis de bravura e resignao.

    Antnio Conselheiro, no ascetismo de^ sua predica exteriori-sava-se com freqncia aos olhares da multido de adeptos, que o veneravam e contrictamente o seguiam, qual um novo Messias por aquellas invias terras, de que o arraial de Canudos era o ncleo.

    Evangelisador e sacerdote de uma crena devotadssima a Deus, elle dominava espiritualmente sobre os seus conterrneos sertane-jos e agia como se fosse uma sombra que baixasse do azul celestial.

    A sua entrada nos povoados, seguido pela multido contricta em silencio, alevantando imagens, cruzes e bandeiras do Divino, era solemne e impressionadora.

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    Paralysavam-se as occupaes normaes. Ermavam-se as offi-cnas e as culturas.

    A populao convergia para a villa, onde em compensao avultava o numero das feiras ; e durante alguns dias, eclipsando as autoridades locaes, o penitente errante e humilde monopolisava o mando e fazia-se autoridade nica.

    Erguiam-se na praa, revestidas de folhagens, as latadas, onde, tarde, entoavam os devotos teros e ladainhas : e quando era grande a concurrencia, alevantava-se um palanque, ao lado do bar-raco da feira, no centro do largo, para que a palavra do propheta podesse irradiar para todos os pontos, edificar todos os crentes.

    EUe alli subia e pregava. Era assombroso, affirmam teste-munhas existentes.

    Aqui deixamos, neste excerpto, uma prova da linguagem e do estylo do escriptor d'Os Sertes e, como este, succedem-se paginas e paginas no mesmo rhythmo da prosa de ouro e de crystal.

    Para o luminoso espirito do Dr. Euclydes da Cunha, a guerra de Canudos, acompanhada das horrorosas scenas do morticnio e da trucidao de uma gente simples e valida, foi um lamentvel assalto que as nossas foras militares commetteram e no qual fize-ram o mesmo papel dos antigos mercenrios.

    Tal campanha contra os nossos infelizes patrcios, poder-se-ha considerar o esmagamento inevitvel das raas fracas pelas raas fortes. . .

    Emfim, neste livro existem grandes e encantadores ensina-mentos moraes, que no devemos desprezar.

    A epopa de Canudos, magistralmente evocada n'Os Sertes, vibrar sempre, com uma intensidade dolorosa, nos annaes pol-ticos da nossa ptria.

    LEOPOLDO DE FREITAS.

    DLtrio Popidar, S. Paulo, 16 de Dezembro de 1902.

    Um Livro Os SERTES, por Euclydes da Cunha

    Sobejam no trabalho de que me occupo, e notadamente no seu prembulo, as provas mais inequvocas da agudeza observadora do joven escriptor paulista.

  • IO

    Dizendo, comparativamente, do gacho e do sertanejo, asse-vera, desafiando um parallelo de maior exactido e mais perfeito:

    O gacho, o pealador valente, , certo, inimitvel numa carga guerreira; precipitando-se, ao resoar estridulo dos clarins vibran-tes, com o conto da lana enristada, firme no estribo; atufando-se loucamente nos entreveros: desapparecendo, com um brado trium-phal, na voragem do combate, onde espadanam scintillaes de es-pada, transmudando o cavallo em projectil e varando quadrados e levando, de rojo, o adversrio no rompo das ferraduras, ou tom-bando, prestes na lucta, em que entra com despreoccupao sobe-rana pela vida.

    O jaguno menos theatralmente herico ; mais tenaz; mais resistente; mais perigoso ; mais duro.

    Raro assume esta feio romanesca e gloriosa. Procura o adversrio com o propsito firme de o destruir, seja como for.

    Est affeioado aos prelios demorados, sem expanses enthu-siasticas. A vida -lhe uma conquista arduamente feita em faina diuturna. Guarda-a como capital precioso. No experdia a mais ligeira contraco muscular, a mais leve vibrao nervosa sem a certeza do resultado. Calcula friamente o pugilato. Ao riscar da faca no d um golpe em falso.

    Ao apontar a lazzarina longa ou o trabuco pesado, dorme na pontaria.. .-

    E' bem de ver que taes observaes fel-as o escriptor no de-curso da lucta fratricida, bem extremada, como era de presumir da que se desenrolou nos campos riograndenses. A topographia do theatro da lucta, a dissemelhana de seus recursos e da indole dos combatentes, eram do conhecimento de bem exiguo numero de bra-zileiros. Dahi, as incertezas, sobresaltos, temores, as surprezas, os desperdcios de bravura, as ciladas, a inanidade de certas preven-es, e a demasia perigosa da confiana ingnua, que estructuram essa guerra, nos invios setes bahianos e crivada, do comeo ao fim, de lanos imprevistos e decepes ruidosas.

    Da capacidade religiosa daquelles sertanejos, insulados no paiz, que os no conhece, ministra-nos o Sr. Euclydes os seguintes cara-cter isticos:

    - A sua religio , como elle, mestia. Resumo de caracteres physicos e physiologicos das raas de

    que surge, summaria-lhes identicamente as qualidades moraes.

  • II

    E' um indice da vida de trs povos. E as suas crenas sin-gulares traduzem essa approximao forada de tendncias dis-tinctas.

    Mais adiante conceitua, depois de enumerar todas as manifes-taes complexas de religiosidade indefinida. Alli esto, francos, o antropismo do selvagem, o animismo do africano e, o que mais, o prprio estado emocional da raa superior, na poca do descobri-mento e da colonisao.

    Esboando os antecedentes psychicos do Conselheiro, compoz argumentos de alevantado alcance, denunciando vigorosamente o amplo descortino de sua erudio, a rara percuciencia de seu espirito.

    Mas, a despeito do synthetismo empolgante de seus arrojados perodos, percebe-se, facilmente, o exagero da synthese, e um como excesso de viso sociolgica.

    De feito, subalternisa, em toda a linha, a psychologia mrbida do Conselheiro, psychologia de sua raa.

    Que o estudasse em funco do meio, no seria desarrazoado ; mas condensar ha sua pathologia os nossos desequilbrios, divi-sando atravs do seu, a synthese de nossas imperfeies ethnicas, , indubitavelmente, demasiar-se nas abstraces, comquanto no seja o primeiro, no qual se pde taxar esse desvio theorico.

    Para o historiador, afiana o Sr. Euclydes, reportando-se ao Con-selheiro, no foi um desequilibrado.

    Pde ser, e por maioria de razo, se ao historiador escassearem os conhecimentos especiaes de um alienista. At reconhecer e pro-fessar que a vida resumida do homem um capitulo abreviado da vida de sua sociedade , o alienista iria ter de companhia com o historiador ; mas a unio se desmancharia, quando.o segundo relatasse, em diapasso admirativo, o encadeamento nunca des-trudo nas mais exageradas concepes, certa ordem no prprio desvario , etc.

    O Sr. Euclydes j manuseou alienistas do maior vulto e des-attendeu a que tudo aquillo vulgarissimo na loucura raciocina-dora.

    Antnio Conselheiro foi um documento raro de atavismo, estou de accordo ; mas dahi a expungir-lhe os sulcos mais evidentes, ca-vados pelo seu duplo caracter de alienado e de criminoso, vai uma distancia considervel, que meu espirito se abstem de atravessar.

  • 12

    Nesta parte o escriptor d'Os Sertes, se me no desampara a lembrana, embebeu-se excessivamente da influencia do eminente Maudslay, to exmio pensador quanto notvel psychiatra.

    Na derradeira e mais extensa diviso do livro, o Sr Euclydes annotou, algumas vezes minudentemente, a marcha das operaes, iniciadas pelo major Febronio, Analisadas pelo general Arthur Oscar.

    Erros de officio,' aponta-os, criteriosamente, uma Vez por outra; resaltando, porm, de suas arguies, a nossa incomprehenso da guerra que nos flagellou e as baldas incriminadas ora j por um milho de vezes, a uma organisao militar, insubmissa ao influxo do nosso temperamento nacional.

    Ainda combinamos em vrios trechos; havendo outros em que a discordncia completa.

    A guerra, aventurou elle, uma cousa monstruosa e illogic em tudo. Timbra tambm no menoscabar a arte militar, desde-nhando, a cada momento, do rigorismo estratgico, ridiculisdo multiplicadas vezes, a paixo dos regulamentos, zombando, muito imprudentemente,desculpe-me a expresso, dos preceitos fun-damentaes da technica actual.

    Pagando o seu tributo deusa contradico, e com a mais larga liberalidade, o Sr. Euclydes, momentos depois, estribando-se nas leis da guerra, e seus regulamentos, profliga os erros de officio.

    Fallou desdenhosamente das regrinhas do eminente Vial e dahi a pouco, citando-as implicitamente, censurou que se fizessem por esta e no aquella frma, o abastecimento da expedio, as mar-chas para Canudos, a installao, de estradas de ferro, o estabele-cimento da .base de operaes, etc.

    No ha de ser o commentador civil d'Os Sertes quem desco-brir taes incoherencias e outras que me impressionaram.

    No delinear dos typos, em que o Sr. Euclydes se compraz, repetidas vezes, no ha que se lhe reparar: o debuxo sahe-lhe com-pleto e vivido. Moreira Csar, Thompson,o valente, o probidoso, o liberal Thompson .Flores ; Tupy, Tamarindo, o competente. Fe-bronio, a victima da teimosia vaidosa do conselheiro Luiz Vianna, tudo foi descripio com propriedade de cores.

    O general A. Oscar teve algum relevo nos esboos do Sr. Eu-olydes; mas aqui o seu pincel fez algo mais do que pintura.

  • 13

    A situao desse commandanle, no alto do Favella, qualificada pelo Sr. Euclydes da Cunha de immobilidade e inrcia contrasta-dora de seu temperamento, no podia ser outra.

    Sem alongarr-me em consideraes inteis, relembro ao valente escriptor o dito celebre : em architectura^udo difficil menos criticar.

    No deslembro o historiador de Canudos que tem de seu lado o empirismo, julgando, no remanso de um gabinete, com abstraco de factores mil, depois de consummados os factos, sobre os quaes discursa.

    Porque no indicou a soluo-mais consentanea, a esposar%e naquella mono tristssima?

    E note-se que, se o fizesse, decorridos j quatro annos, a sua lembrana no implicaria a certeza de que a houvesse posto em execuo, naquella conjunctura, de extremas difficuldades.

    Nas derradeiras paginas do valioso livro com que o Sr. Eucly-des brindou a mofina litteratura de nossa terra, en'fileiram-se co-piosas demonstraes, de quanto nas guerras civis se expande a ferocidade humana.

    Enumera os casos de degolamento e, a despeito de evitar ex-cusadas e fastidientas dissertaes, attingiu o ponto collmado.

    Confesso-me adversrio, declarado j uma vez, e quando podia attrahir sobre minha cabea igual sentena, dos fuzilamentos extra-legaes.

    Do brbaro recurso de um degolamento, escusado dizer quanto sou inimigo. Pois bem. Apenas se encontraria no meio de todo o exercito meia dzia de officiaes de sentir opppsto. Felizmente, isso a verdade ; mas infelizmente a condescendncia com essa meia dzia de typos lombrosianos, asss conhecidos e geralmente evitados, tambm verdadeira.

    Disso que talvez o leitor no faa o menor conceito, maxim quando imbudo de algumas idas preconcebidas e systematica-mente contrario ao soldado, no por aquelle, mas por bem diversos motivos.

    Quem quer que folhear o livro do Sr. Euclydes permanecer na ignorncia de que a regra constituda pela mais cabal des -approvao. A reaco que se torna impossvel, e disso teve o Sr. Euclydes mais de uma prova, que, desgraadamente, no lhe pareceram mencionaveis.

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    Escrevamos agora os ltimos perodos. No estylo dp autor, desagradou-me o seu nico e remediavel defeito : abuso de uma vocabulogia de uso extra-commum. O emprego dos termos techni-cos, arvorado em outra imperfeio de sua linguagem, por umcol-laborador do Correio, assenta-lhe muito bem ao livro. No se des-creteia de zoologia, botnica e outras sciencias, sem o concurso, indispensvel, do vocabulrio adequado; alis a clareza e sobriedade se trocariam na mais obscura prolixidade.

    Talento de expresso possue de sobra e delle se utilisa o Sr. Eu-clydes com a mxima fortuna.

    A fora de sua palavra irresistivel, porque a natureza lhe con-cedeu a posse do predicado por excellencia de um artista, essa gemma de raro quilate, padro pelo qual se estima a espontanei-dade do mesmo a vibrao., que lhe movimenta as idas.

    Synthetisando, direi: as baldas e lacunas que, desassombrada-mente, eu destaquei, servem apenas de mais uma prova, to dimi-nutas como foram quasi todas, do extraordinrio valor d'Os Sertes. O meu ideal o consrcio da arte com a sciencia, e o accordo da imaginao com o raciocnio, a sociedade completa das phrases commovedoras e as demonstraes convincentes.

    E de tudo isso palpitam n'Os Sertes os mais frisantes signaes, conquistando-lhe os foros de um verdadeiro livro, sorteado para a mais duradora e merecida fama.

    J. DA PENHA.

    Gajeta de Noticias, 18 de Dezembro de 1902.

    Chronica Litteraria

    Euclydes da CunhaOs SERTES-Laemmert & C , editores.

    E' um livro superior, um livro admirvel, um livro de erudito e de escriptor, cheio de observao e de vidao volume que acaba de publicar o Sr. Euclydes da Cunha.

    Ao ver esse grosso tomo, com cerca de 700 paginas, e ao ler na capa, em sub-titulo, que elle trata da campanha de Canudos, tem-se o natural receio de encontrar a narrativa minuciosa e futil de todos os pequenos pormenores daquelle triste- episdio da nossa vida na-cional. Mas o livro no isso.

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    E', primeiro, a descripo do interior do nosso paiz. E o inte-rior do nosso paiz figura entre as regies que mais desconhecemos.

    E', depois, a psychologia do sertanejo. Do seu meio, do seu modo de viver, dos cruzamentos de que elle proveio, o autor vem at formao da sua mentalidade: intelligencia, sentimentos, von-tade.

    Nada disto feito com pedantismo, exposto dogmtica e fria-" mente. O autor tem um estylo ao qual, a despeito de quaesquer cen-suras que lhe queiramos fazer, no se pode recusar estes grandes elogios: pessoal, vivo, pittoresco. Na descripo tanto de in-divduos, como de scenas naturaes," seu vigor de penna extraor-dinrio.

    Depois de ter exposto o que eram os jagunos e mostrado assim que a empreza do Conselheiro no foi um movimento poltico e, sim, uma das numerosas predicas mysticas que, a todo momenta nascem e se extinguem nos sertes, o autor nos pinta a campanho de Canudos. As paginas que elle escreveu a esse respeito so ma-ravilhosas. Lem-se febrilmente, com tristeza ou com indignao, mas lem-se de um jacto. A gente sente, v, ouve...

    O autor no magnfica episdios minimos. Para elle a campa-nha de Canudos foi um crime. No lhe podia, portanto occorrer a ida de converter pequenos feitos de guerra em scenas picas e glo-riosas. Pelo contrario ! A sua descripo de quem esteve presente, de quem viu todos os factos factos que elle nos fora a vr, com uma intensidade admirvel de estylo, um estylo nervoso, colorido, original. E os incidentes que narra, quasi sempre dolorosos e tr-gicos, levantam a indignao tumultuosamente dentro de ns.

    Essa parte se l, com o encanto de quem devora as folhas de um romance; desgraadamente, esse romance foi uma realidade triste...

    No ha aqui o espao bastante para muitas citaes. Rara , porm, a pagina em que no se encontre a descripo de uma pe-quena scena, de um typo qualquer, desenhado com um relevo pu-jante. E vale a pena mencionar alguma cousa.

    Estava-se ento na ultima phase da lucta com os jagunos . Na sede da commisso de engenharia o general Ar-

    thur Oscar, com a attraco irresistvel de um temperamento franco e jovial, centralisava longas palestras. Discorria-se sobre assumptos vrios, de todo oppostos guerra : casos

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    felizes do passado, anecdotas hilares, ou ento alentadas discusses sobre poltica geral. (pag. 565).

    A's vezes os soldados apanhavam alguns jagunos. Chegados primeira ca.ihada encoberta, realisava-se

    uma scena vulgar. Os soldados impunham invariavelmente victima um viva Republica, que era, poucas vezes, satisfeito. Era o prlogo invarivel de uma scena cruel. Agarravam-ha pelos cabellos, dobrando-lhe a cabea e es-gargallando-lhe o pescoo: e francamente exposta a gar-ganta, degolavam-na. No raro, a sofreguido do assas-sino repulsava esses preparativos lugubres. O processo era ento mais expedito : varavam-na, prestes, a faco : um golpe nico, entrando pelo baixo ventre, um destripamento rpido.,.

    Tnhamos valentes que anceiavam por essas cobardias repugnantes, tcita e explicitamente sanccionadas pelos chefes militares. (pag. 582)

    Certa vez, um cabo de esquadra levou um jaguno at juncto da rede onde estava o seu general. O general fez um simples gesto. 0 cabo,

    . . . famoso naquellas faanhas, adivinhou-lhe o in-tento. Achegou-se com o barao. Diminuto na altura, en-tretanto, custou a enleal-o no pescoo do condemnado. Este, porm, auxiliou-o tranquillamente; desdeu o n em-baralhado ; enfiou-o pelas prprias mos, jugulando-se... (pag. 585).

    O autor, citando estes e outros factos, escreve esta phrase crude-lissima: Aquillo no era uma campanha ; era uma xarqueada.

    Ha, entretanto, a narrao de feitos commovedores : Dias antes, um schrapnell arrojado da Favella e que

    passava beirando as cimalhas da igreja nova, arrebentara dentro do casario annexo latada das oraes. E dalli as-cendera immediatamente uma rplica cruel, perturbando os artilheiros do coronel Olympio : um longo e indefinivel choro ; assonancia dolorosissima de clamores angustiosos, fazendo que o canhoneio cessasse, voz austera e commo-vida daquelle commandante... (pag. 564).

    Ver em plena campanha, naquella campanha to feroz, a voz da artilharia calar-se deante do choro de mulheres e creanas

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    afinal uma nota de humanidade, entre tanta deshumanidade. Outro episdio :

    O commandante do25.0,major Henrique Severiano,teve idntico destino. Era uma alma bellissima, de valente. Viu em plena refrega, uma criana debatendo-se entre as cham-mas affrontou-se com o incndio. Tomou-a nos braos; aconchegou-a do peito creando com um gesto carinhoso o nico trao de herosmo que ho.uve naquella jornada feroz e salvou-a. Mas expuzera-se. Baqueou, mal ferido, falle-cendo poucas horas depois. (pag. 618).

    A regra, porm, era outra : Preso o jaguno valido e capaz de agentar o peso da

    espingarda, no havia malbaratar-se um segundo em con-sulta intil. Degolava-se ; estripava-se. Um ou outro com-mandante se dava ao trabalho de um gesto expressivo. Era uma redundncia, capaz de surprehender. Dispensava-a o soldado atreito tarefa.

    Esta era, como vimos, simples. Enlear o pescoo da victima numa tira de couro, num

    cabresto ou numa ponta de chiquerador ; impellil-a por deante ; atravessar entre as barracas, sem que ningum se surprehendesse e sem temer que se escapasse a presa, por-que, ao minimo signal de resistncia ou fuga um puxo para traz faria que o lao se antecipasse faca e o estran-gulamento degola. Avanar at a primeira covanca pro-funda, o que era um requinte de formalismo e, alli chega-dos, esfaqueal-a. (pag. 583).

    Na sede da commisso central de engenharia,, o general Ar-thur Oscar, com a attraco irresistvel de um temperamento franco e jovial, centralisava longas palestras. (pag. 565).

    Havia intermdio curiosos : Os soldados do 5.0 de policia, mu grado o illusorio

    abrigo ds espaldes de terra, que os acobertavam, mata-vam o tempo em descantes mitigando saudades dos rinces do So Francisco. Se a fuzilaria apertava, pulavam de arre-messo aos planos de fogo ; batiam-se como demnios, ter-rivelmente, freneticamente, disparando as carabinas ; e tendo na bocca, resoantes, cadenciadas a estampidos, as rimas das trovas predilectas. Baqueavam alguns, cantando;

    2 > c.

  • 18

    e aplacada a refrega, volviam ao folguedo sertanejo, toada languorosa das tiranas, aos rasgados nos machetes, como se fosse aquillo uma rancharia grande de tropeiros felizes, ses-teando. (pag. 567).

    E basta de citaes. Se as que ahi ficaram foram bem escolhidas, ellas lhes diro que

    o autor dos Sertes que parece ser um militar foi uma teste-munha preciosa. Sabe ver e sabe contar. Valia realmente a pena que algum, com esse vigor de estylo, o fizesse.

    Seu livro no tem largos commentarios. Os factos falam por elle.

    Canudos no se rendeu. Morreram todos os seus defensores todos, at os ltimos, que dentro de uma grande cova atiravam ainda contra as foras regulares. Ahi mesmo ficavam. O sangue derramado foi immenso. At os parlamentares, que se entregaram confiantes, foram degolados ou estripados ! E' com razo que o autor denunciando esse triste facto, se abstem de commental-o. Elle se commenta por si mesmo : a ferocidade das guerras, que apaga toda a humanidade, ainda nos mais n o b r e s . . .

    O livro extraordinrio do Sr, Euclydes da Cunha ficar como uma pagina de historia, como uma lio e, infelizmente, como um remorso . . .

    J . DOS SANTOS (Medeiros de Albuquerqup) Noticia, 12 de Dezembro de 1902.

    Os Sertes (EUCLYDES DA CUNHA"Campanha de Canudos)

    (Concluso)

    O livro de Euclydes da Cunha, como ficou demonstrado, uma obra histrica, uma obra scientifica e uma obra de arte . Analysando sob qualquer destes pontos de vista, resiste victorioso s exigncias da critica e merece os mais sinceros louvores; mas, onde o autor se ostenta realmente em uma esphera constellada pela fulgurao do seu prprio talento, nos episdios dantescos da parte intitulada A Lucta, desde os preliminares at os ltimos dias.

    Mentalidade vigorosa, robustecida por estudos positivos e fami-liarisada com a leitura dos mais conceituados estylistas modernos, o autor dos Sertes enveredou por um caminho ainda no trilhado

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    pelos escriptores nacionaes, deixando da sua passagem um rasto perduravel, que obrigar os futuros crticos a perder de vista todos os outros, quando queiram acompanhar passo a passo a peregri-nao deste peregrino engenho.

    Este livro em outro qualquer meio j teria provocado uma tem-pestade de applausos e protestos, enthusiasmos e remorsos, apo-theoses e desafios... por que ha nelle uma bandeira desfraldada nos arraiaes da justia, e sombra dessa bandeira uma luva atirada face dos grandes que se mostraram to maus durante a pavorosa hecatombe em que as mulheres e as crianas se destacam aos ns-tres sinistros- do incndio do arraial de Canudos.

    O exercito brazileiro teria razo para sentir-se melindrado na pessoa de alguns dos seus mais sympathicos e distinctos repre-sentantes, se de envolta com as espadas, que se transformaram em punhaes, no surgissem as personalidades hericas desses bravos de alma generosa que se chamavam Thompson Flores, Henrique Severiano da Silva, Tupy Caldas, Cludio Savaget, Carlos Telles e Olympio da Silveira.

    A pagina consagrada caricatura do herosmo tem a energia das perduraveis satyras juvenalescas e uns vivos reflexos do claro es-curo das telas de Rembrandt. Os heroes, immortaes de quarto de hora, destinados suprema consagrao de uma placa na esquina das ruas, entravam, surprehendidos de repente pela historia den-tro, aos encontres, como intrusos desapontados, sem que se pudesse saber se eram bandidos ou santos, envoltos em panegyricos e con-vicios, surgindo entre dithyrambos ferventes, ironias diablicas e invectivas despiedadas, da sangueira de Inhanduhy, da chacina de Campo Osrio, do cerco memorvel da Lapa, dos barrocaesdo Pico do Diabo ou do platonismo marcial de Itarar.

    Irrompiam a granel. Eram legies. Todos saudados; amaldi-oados todos. Ora, entre elles, 9 coronel Moreira Csar era figura parte. Surprehendiam-se egualmente ao vel-o admiradores e adver-srios. O aspecto reduzia-lhe a fama. De figura diminuta, um thorax desfibrado sobre pernas arcadas em parenthesis, era organicamente inapto para a carreira que abraara. Faltava-lhe esse aprumo e com-pleio inteiria que no soldado so a base physica da coragem.

    Apertado na farda, que raro deixava, o dolman feito para hom-bros de adolescente frgil, aggravava-lhe a postura. A physionomia inexpressiva, mrbida, completava-lhe o porte desgracioso e exiguo.

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    Nada absolutamente trahia a energia surprehendedora e temibili-dade rara, de que dera provas, naquelle rosto de convalescente sem uma linha original e firme; pallido, alongado pela calva, em que se lhe expandia a fronte bombeada, e mal alumiado por olhar mortio, velado de tristeza permanente.

    Era uma face immovel como um molde de cera, tendo a impe-netrabilidade oriunda da prpria atona muscular.

    Os grandes paroxismos da clera e a alacridade mais forte, alli deviam amortecer-se inapercebidos, na lassido dos tecidos, dei-xando-a sempre fixamente impassvel e rgida.

    Aos que pela primeira vez o viam, custava-lhes admittir que estivesse naquelle homem de gesto lento e frio, maneiras cortezes e algo tmidas, o campeador brilhante ou o demnio crudelissimo que idealisavam. No tinha os traos caractersticos de um nem de outro. Isto, talvez, porque fosse as duas cousas ao mesmo tempo.

    Justificavam-se os que o appladiam e os que o invectivavam. Naquella individualidade singular se entrechocavam, antinomicas, tendncias monstruosas e qualidades superiores, umas e outras no mximo gro de intensidade. Era tenaz, paciente, dedicado, leal,, impvido, cruel, vingativo e ambicioso. Uma alma proteiforme con-strangida em organisao fragilima. Aquelles attributos, porm, ve-lava-os reservada, cautelosa e systematicamente. Um nico homem percebeu-os e decifou-os bem, o marechal Floriano Peixoto. Tinha para isso affinidade de inclinaes idnticas. Aproveitou-o na occa-sio opportuna, como Luiz XI aproveitaria Bayard, se pudesse cn-xertar na bravura romanesca do cavalleiro sem mculas as astucias de Fra Diavolo.

    Moreira Csar estava longe da altitude do primeiro e mais longe ainda da depresso moral do ultimo. No seria, porm, imperdo-vel exaggero consideral-o mixto reduzido de ambos. Alguma cousa de grande e incompleto, como se a evoluo prodigiosa do predes-tinado parasse, antes daseleco final dos requisitos raros com que o apparelhara, precisamente na phase critica em que elle fosse se definir como heroe ou como facnora. Assim, era um desequilli-brado, em cuja alma a extrema dedicao se esvaa no extremo dio, a calma soberana em dcsabrimentos epentinos e a bravura caval-leiresca na barbaridade revoltante.

    . . .Em 1893, t coronel, porque galgara velozmente trs pos-tos em dous annos, ao declarar-se a revolta da armada, o marechal

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    Floriano destaou-o, armado de poderes discricionrios,"para Santa Catharina... Seguio, e, em ponto algum do nosso territrio; pesou to firme e to estrangulador o guante dos etados de sitio. Os fuzi-lamentos que alli se fizeram, com triste apparato, de imperdovel maldade, dizem-no eloqentemente.

    E' fiel como uma photographia este stranho perfil do sin-gular e bizarro epilptico, que conheci de perfil desde os verdes annos, pois fomos cadetes juntos, em Porto Alegre, em 1873, e por fatal coincidncia ainda nos encontramos, na Bahia, nas vsperas da sua morte. Esta divagao retrospectiva no vem fora do prop-sito, pois aza-se-me o ensejo de citar um facto que corrobora a nota caracterstica do seu temperamento impulsivo.

    Em Janeiro de 1896, vindo eu do Rio Grande do Sul, Moreira Csar tomou passagem a bordo do mesmo vapor, partindo de Santa Catharina e desembarcando em Paranagu. Assim que se approxi-mou o escaler em que elle vinha, acompanhado das autoridades es-tadoaes e altas patentes militares, um murmrio de imprecaes correu de bocca em bocca. Eu conversava no tombadilho, com um official do exercito, que assistira ao fuzilamento do marechal baro de Batovy, e a senhora desse official mostrava-se ainda vivamente indignada, narrando minuciosidades de tamanha crueldade.

    Eu censurava no mesmo diapaso semelhante hecatombe, quando Moreira Csar, que passava pelo nosso grupo, parou, abrin-do-me os braos:

    Oh ! Mucio, que bello encontro ! Oh I Csar !. . . (E abracei-o, humilhado, deante daquella se-

    nhora, que eu acabava de applaudir, nas manifestaes de dio con-tra o homem que eu tambm acabava de accusar). O vapor estava a pequena distancia da fortaleza que servira de cadafalso a tantas vic-timas. Apontando para ella, disse, procurando sahir de tal situao:

    E quiz a fatalidade que nos encontrssemos to perto do thea-tro da lua crueldade... O' Csar! A heroicidade deve coincidir com a bondade : porque foste to mo ?

    Tens razo, disse-me elle.Houve exaggero em tudo aquillo... (Ficou um instante pensativo, com um ar melanclico. Mas, de re-pente, como se o fogo do inferno ardesse no seu olhar, sorriu, bra-dando) :

    - 1 Mas se amanh a Republica periclitar de novo, eu tornarei a fazer o mesmo que fiz!. E comeamos ento a passeiar juntos

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    pelo tombadilho, conversando sobre os acontecimentos da revolu-o rio-grandense, passando elle em seguida a fallar-me do seu. pssimo estado de sade : tinha vertigens amiudadas ; mostrou-me uma cicatriz sobre a sobrancelha esquerda, que o salvara de uma congesto cerebral, pois cahira dias antes sobre uma mala, h a -vendo grande hemorrhagia.

    Eu andava naquelle tempo s voltas com o systema hydrothe-rapico do padre Kneipp; levava um dos seus livros no camarote, offereci-lh'o, manifestando Moreira Csar o maior contentamento, comeando logo a leitura, que o enthusiasmou, resolvido a pr em

    ratica o novo gnero de cura, assim que desembarcasse. No sei se o fez, pois s nos encontramos depois disso nas vsperas da sua morte, quando no se fallava de outra cousa, que no- fosse matar

    jagunos. No bello livro de Euclydes da Cunha ha outros episdios, tanto

    picos como lyricos, que do o maior realce formidvel epopa da sua prosa vibrante e luminosa.

    O volume d'Os Sertes uma das melhores obras que se tem escripto em lingua verncula nestes ltimos trinta annos. O glo-rioso escriptor acaba de communicar-me que tem em adiantada via de elaborao mais um livro de contos, perpetuando tradies e lendas paulistanas : no trepido em prophetisar-lhe um novo t r ium-pho litterario.

    Mucio TEIXEIRA. Jornal do Brasil.

    Uma Historia dos Sertes e da Campanha de Canudos

    (Os SERTES, Campanha de Canudos por Euclydes da Cunha Laemmert & C , editores).

    O livro, por tantos ttulos notveis, do Sr. Euclydes da Cunha;, ao mesmo tempo o livro de um homem de sciencia, um geogra-pho, um gelogo, um ethnographo ; de um homem de pensamento,, um philosopho, um socilogo, um historiador; e de um homem de sentimento, um poeta, um romancista, um artista, que sabe vr e descrever, que'vibra e sente tanto aos aspectos da natureza, como ao contacto do homem, e estremece todo, tocado at ao fundo d'alma, commovido at s lagrimas, em face da dr humana, venha ella das condies fataes do mundo physico, as seccas que assolam os

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    sertes do norte brazileiro, venha da estupidez ou maldade dos ho-mens, como a campanha de Canudos.

    Pena que conhecendo a lingua, como a conhece, esforando-se evidentemente por escrevel-a bem, possuindo reaes qualidades de escriptor, fora, energia, eloqncia, nervo, colorido, elegncia, tenha o Sr. Euclydes da Cunha, viciado o seu estylo, j pessoal e prprio, no obstante de um primeiro livro, sobrecarregando a sua linguagem de termos technicos, de um boleio de phrase como quer que seja arrevezado, de archaismos e sobre tudo de neologismos, de expresses obsoletas ou raras, abusando freqentemente corrtra a ndole da lingua, e contra a grammatica das frmas oblquas em lhe em vez do possessivo directo, do relativo cujo e, copiosamente, de verbos por elle formados, e de outros modos de dizer, que, ainda quando philologicamente se possam justificar, no so, de facto, nem necessrios, nem bellos, antes, a meu vr, do ao seu estylo um tom de gongorismo, de artificialidade, que certo no estava na

    sua inteno. Em uma palavra, o maior defeito do seu estylo e da sua linguagem a falta de simplicidade ; ora a simplicidade que no excluea fora, a eloqncia, a commoo, a principal virtude de qualquer estyfo. Mas este defeito de quasi todos os nossos scientstas que fazem litteratura, at mesmo de alguns afamados escriptores nossos, que mais sabem a lingua, quasi um vicio de raa,, o qual no Sr. Euclydes da Cunha, por grande que seja, no consegue destruir as qualidades de escriptor nervoso e vibrante, nem sobretudo, o valor grande do seu livro.

    Esse livro reconta os sertes, os seus habitantes e a campanha de Canudos, de que o autor foi, parece-me, testemunha presencial, como official do nosso exercito. No seu livro, alm da descripo, animada e vivida, da terra, e da historia, contada com raro espirito de verdade, e no vulgar vigor dramtico, daquella campanha, in-tentou elle, segundo declara, esboar, ante o olhar de futuros his-toriadores, os traos actuaes mais expressivos das sub-raas serta-nejas do BrazilE fazemol-o, accrescenta, porque a sua instabili-dade de complexus de factores mltiplos e diversamente combinados aliada svicissitudes histricas e deplorvel situao mental em que jazem, as tornam talvez ephemeras, destinadas a prximo desappa-recmento ante as exigncias crescentes da civilisao e a concur-rencia material intensiva das correntes migratrias que comeam a invadir profundamente a nossa terra. J se v qual , neste parti-

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    cular, a doutrina sociolgica do Sr. Euclydes da Cunha : o esmaga-mento inevitvel das raas fracas pelas raas fortes, no qual Gum-plowicz, maior que Hobbes, lobrigou a fora motriz da Historia.

    A campanha de Canudos tem' por isto a significao innegavel de um primeiro assalto, em lucta talvez longa. Nem enfraquece o asserto o termol-a realisado ns, filhos do mesmo solo, porque, ethnologicamnte indefinidos, sem tradies nacionaes uniformes, vivendo parasitariamente beira do Atlntico dos princpios civilisadores elaborados' na Europa, e armados pela industria allem tivemos na aco um papel singular de mercenrios inconscientes. Alm disto mal unidos aquelles extraordinrios patrcios' pelo solo em parte desconhecido, delles de todo nos separa uma coordenada histrica o tempo.

    No me de todo possvel analysar, ou siquer expor um livro, no s longo, mas to complexo como o do Sr. Euclydes da Cunha. Aquelle seu programma, conscienciosamente desempenhado como foi, diz sobejamente o seu alto interesse. Por um tanto technica, e de um estylo tornado abstracto demais pelo uso da linguagem das sciencas abstractas, no darei ao leitor algumas das paginas, no obstante dramticas, da sua pintura da terra sertaneja. Este retrato do sertanejo, porm, lhe mostrar que no so exagerados os meus gabos.

    O sertanejo , antes de tudo, um forte. No tem o rachitismo exhaustivo dos mestios neurasthenicos do litto-ral. A sua apparencia, entretanto, ao primeiro lance de vista, revela o contrario. Falta-lhe a plstica impeccavel, o desem-peno,a estructura correctissima das organisaes athleticas. E' desgracioso, desengonado, torto. Hercules-Quasimodo, reflecte, no aspecto, a fealdade typica dos fracos. O andar sem firmeza, sem aprumo, quasi gingante e sinuoso, appa-renta a traslao de membros desarticulados. Aggrava-o a postura normalmente acurvada, num manifestar de displi-cncia que lhe d m caracter de humildade deprimente.

    A p, quando parado, recosta-se invariavelmente, ao primeiro umbral ou parede que encontra; a cavallo, si sof-freia o animal, para trocar duas palavras com um conhe-cido, cae logo sobre um dos estribos, descanando sobre a espenda da sella. Caminhando mesmo a passo rpido, no

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    traa trajectoria rectilinea e firme. Avana, celeremente, num bambolear caracterstico, de que parecem ser o trao geomtrico os meandros das trilhas sertanejas. E si na mar-cha estaca, pelo motivo mais vulgar, para enrolar um ci-garro, bater o isqueiro ou travar ligeira conversa com um amigo, cae logoce o termo de ccoras, atravessando largo tempo numa posio de equilbrio instvel, em que todo o corpo lhe fica suspenso pelos dedos grandes dos ps, sentado sobre os calcanhares, com uma simplicidade a um tempo .ridcula e adorvel. E' o homem permanentemente fatigado. Reflecte a preguia invencvel, a atonia muscular perenne em tudo: na palavra remorada;no gesto contrafeitq, no andar desaprumado, na cadncia langorosa das modi-nhas, na tendncia constante immobilidade e quietude.

    Entretanto, toda esta apparencia de cansao illude. Nada mais surprehendedor do que vel-a desapparecer de improviso. Naquella organisao combalida operam-se em segundos transmutaes completas. Basta o appareci-mento de qualquer incidente exigindo-lhe o desencadear das energias adormecidas. O homem transfigura-se. Imper-tiga-se, estadeando novos relevos, novas linhas na estatura no gesto ; e a cabea firma-se-lhe, alta, sobre os hombros possantes, aclarada pelo olhar desassombrado e forte, e corrigem-se-lhe, prestes, numa descarga nervosa instant-nea, todos os effeitos do relaxamento habitual dos rgos; e da figura vulgar do tabaro achamboado, reponta, ines-peradamente, o aspecto dominador de um titan acobreado e potente, num desdobramento inesperado de fora e agili-dade extraordinrias.

    Este contraste revela-se a cada passo na vida sertaneja.

    E' impossvel idear-se cavalleiro mais descuidado e des-elegante ; sem posio, pernas colladas ao bojo da mon-

    / tada, tronco pendido para a frente e oscillando feio da andadura dos pequenos cavallos do serto, desferrados e maltratados, resistentes e rpidos como poucos. Nesta posi-o indolente, acompanhando morosamente a passo, pelas chapadas, o passo tardo das boiadas, o vaqueiro preguioso quasi transforma o campio, que cavalga, na rede amollece-dora que atravessa dois teros da existncia. Mas si uma

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    rez alevantada envereda, esquiva, adeante, pela caatinga gar-ranchenta, ou si uma ponta de gado, ao longe, se trasmaha, el-o, em momentos, transformado, cravando os acicates de rosetas largas nas ilhargas da montaria, e partindo como um dardo, atufando-se velozmente nos dedalos inextricaveis das juremas.

    Vimol-o neste steeple-chase brbaro. No ha contel-o, ento no mpeto. Que se lhe antolhem quebradas, acervos de pedras, coivaras, moutas de espinhos ou barrancas de ribeires, nada lhe impede encalar o caruara desgarrado, porque por onde passa o boi passa o vaqueiro com o seu ca-vallo... Collado ao dorso deste, confundindo-se com elle, graas presso dos jarretes firmes, realiza a creao bi-zarra de um centauro bronco : emergindo inopinadamente nas clareiras ; mergulhando, adeante, nas macegas altas ; saltando vallos e ipueiras ; vingando comoros alados; rom-pendo, clere, pelos mocambos tranados ; precipitando-se, toda brida, no largo dos taboleiros...

    A sua compleio robusta ostenta-se, nesta occasio, em toda a plenitude. Como que o cavalleiro robusto que em-presta vigor ao cavallo pequenino e frgil, sustentand.o-o nas rdeas improvisadas de caru, suspendendo-o nas es-poras, arrojando-o na carreira. estribando curto, pernas encolhidas, joelhos fincados para a frente, torso collado no aroescanchado no rastro do novilho desgarrado: aqui curvando-se agillissimo, sob uma. galhada, que lhe roa quasi pela sella; alm desmontando, de repente, como um acrobata, agarrado s crinas do animal, para fugir ao em-bate de um tronco apercebido no ultimo momento e gal-gando, logo depois, num pulo, o sellim;e galopando sem-pre atravez de todos os obstculos, sopesando dextra sem a perder nunca, sem a deixar no emmaranhado dos cipoaes, a longa aguilhada de ponta de ferro encastoado em couro, que por si s constituiria, noutras mos, srios obstculos a travessia... Mas terminada a refrega, restituida ao reba-nho a rez dominada, eil-o de novo acurvado sobre o lombi-lho retovado, outra vez desgracioso e indolente, oscillando feio da andadura lenta, com a apparencia triste de um invalido fatigado.

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    No so das menos bellas paginas deste livro as que se seguem immediatamente a estas, nas quaes faz o autor o parallelo do gacho do Sul e do vaqueiro do Norte.

    O gacho, o peleador valente, , certo, inimitvel numa carga guerreira; precipitando-se, ao resoar estridulo dos clarins vibrantes, pelos pampas, com o conto da lana enris-tada, firme no estribo; atufando-se loucamente nos entra-veros; desapparecendo, com um brado triumphal, na vora-gem do combate, onde espadanam scintillaes de espadas; transmudando o cavallo em project.il e varando quadrada e levando, de rojo, o adversrio no rompo das ferraduras, ou tombando, prestes, na lucta, em que entra com despre-occupao soberana pela vida.

    O jaguno menos theatralmente herico; mais tenaz; mais resistente; mais perigoso; mais forte; mais duro. Raro assume esta feio romanesca e gloriosa. Pro-cura o adversrio com o propsito firme de o destruir, seja como for. Est affeioado aos prelios demorados, sem ex-panses enthusiasticas. A vida -lhe uma conquista ardua-mente feita, em faina diuturna. Guarda-a como capital pre-cioso. No esperdia a mais ligeira contraco muscular, a mais leve vibrao nervosa sem a certeza do resultado. Cal-cula friamente o pugilato. Ao riscar da faca no d um golpe em falso. Ao apontar a lazzarina longa ou o trabuco pesado, dorme na pontaria...

    Si, inefficaz o arremesso fulminante, o contrario enter-reirado no baqueia, o gacho, vencido ou pulseado, fra-gilimo nas aperturas de uma situao inferior ou indecisa. O jaguno, no. Recua. Mas no recuar mais temeroso ainda. E' um negacear demonaco. O adversrio tem, daquella hora em diante, visando-o plo cano da espingarda, um dio inextinguivel, occulto no sombreado das tocaias...

    Esse vaqueiro, meio bandido, capanga assalariado, capaz de todos os crimes, tambm capaz das virtudes que em todos os tem-pos e paizes foram compatveis com tal regimen social qual o seu : a abnegao sem limites, a probidade nos tratos, e salvo os casos pre--vistos nos usos tradicionaes, que so sua lei, o respeito da proprie-dade. Sobre todas nos edifica com exemplos o autor dos Sertes. No o posso, infelizmente, acompanhar na descripo de todos os seus

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    costumes, e noticia da sua vida e gostos, por tantos respeitos e mo-dos interessantes. Nesse gnero verdadeiramente curiosa a parte que respeita s seccas; muitas noticias desse flagello dos sertes' nortistas tenho lido: nenhuma me fez e deixou a impresso desta.

    A religio desta gente, que as estatsticas do como catholica, uma mistura de um monotheismo acima da sua comprehenso e do fetichismo indio e do africano. Como bem diz o Sr. Cunha, a sua religio , como ella, mestia, uma mestiagem de crenas, em que ha de tudo: a doutrina judaica do Deus nico, a idolatria ca-tholica do culto dos Santos, as abuses e crendices do povo portu-guez, o animisrno inteiramente primitivo dos negros e caboclos, e s vezes (no creio que o phenomeno tenha a generalidade que lhe attribue o autor dos Sertes), um mysticismo, cujo fervor assombra aos que conhecem a indifferena que forma o fundo do caracter do nosso matuto. Quando elle nos diz que este mysticismo, que, mesmo accidental ou periodicamente, se desenvolve entre os sertanejos, complica-se daquelle extranho phenomeno, o Sebastianismo por-tuguez, ao qual o filia, a principio refusamo-nos a crel-o ; mas, de-pois, somos obrigados a convir com elle vista das provas forneci-das pela tomada de Canudos, em quadras manuscriptas ali achadas, taes como estas :

    D. Sebastio j chegou E traz muito regimento Acabando com o civil E fazendo o casamento!

    O Anti-Chrsto nasceu Para o Brazil governar Mas ahi est o Conselheiro Para delle nos livrar !

    Visita nos vem fazer Nosso rei "D. Sebastio. Coitado daquelle pobre Que estiver na lei do co !

    No que por um momento siquer a intelligencia avisada do Sr. Euclydes da Cunha possa admittir que o facto de Canudos-envol-vesse trama ou concepo poltica alguma, como o acreditaram ou fingiram acreditar os nossos singulares estadistas e os patriotas

  • 29

    desvairados, ou que o pareciam. Elle conhece e comprehende bem o phenomeno de ordem sociolgica e psychica que foi, para dizer em uma palavra, Canudos, e o seu livro tem o grande mrito de clareal-o para os que ainda de boa f pudessem ter duvidas, e es-clarecel-o melhor para os que, desde o primeiro dia, no viram nelle seno um producto natural do serto, e que apenas em pro-pores e intensidade se differenava de centenares d'outros seme-lhantes que o antecederam.

    Mas no Brazil o que menos se sabe e se estuda o Brazil, o que no quer dizer que se saiba e se estude o estrangeiro, ao menot tanto quanto se suppe. Explicando o caso de Canudos, d o Sr. Euclydes da Cunha, exemplos de outros da mesma espcie.

    Depois de nos dizer o que , sob o aspecto physico, ethnico, moral e religioso esse meio do serto, escreve o Sr. Euclydes da Cunha, no seu estylo emphatico, abstracto, mas que, sente-se, naturalmente o seu, e no uma postura :

    E' natural que estas camadas profundas da nossa estr-tifica ethnica se sublevassem numa anticlinal extraordi-nria -r- Antnio Conselheiro... A imagem correctissima Da mesma frma que o gelogo interpretando a inclinao e a orientao dos estratos truncados de antigas formaes esboa o perfil de uma montanha extincta, o historiador s pde avaliar a altitude daquelle homem, que por si nada valeu, considerando a psychologia da sociedade que o creou. Isolado, elle perde-se na turba dos nevroticos vul-gares. Pde ser includo numa modalidade qualquer de psychose progressiva. Mas posto em funco do.meio, as-sombra. E' uma diathese, e uma synthese.

    s As phases singulares da sua existncia no so, talvez, perodos successivos de uma molstia grave, mas so, com certeza, resumo abreviado dos aspectos predominantes de mal social gravissimo. Por isto o infeliz destinado solici-tude dos mdicos, veio, arrojado por uma potncia superior bater de encontro a uma civilisao, indo para a historia como poderia ter ido para o hospicio. Porque elle para o historiador no foi um desequilibrado. Appareceu como in-tegrao de caracteres differenciaes vagos, indecisos, mal apercebidos quando dispersos pela multido, mas enrgicos e definidos, quando resumidos numa individualidade.

  • 3o

    E por longas e animadas paginas traa-nos, acompanhando-a de notas e rasgos biographicos, a existncia e a psychologia, se-gundo a concebeu, do famoso sertanejo, j isolado, j agindo, como diria o escriptor, em funco do seu meio. Talvez demasiado longo, tendo porventura a lucrar em ser abreviado, este estudo preliminar campanha de Canudos era indispensvel para bem comprehen-dermos, como esse bronco tabaro pde fanatizar, arrastar aps si, manter na obedincia mais completa milhares de creaturas huma-nas, que por sua vaga e bruta doutrina bateram-se como bravos incomparaveis e morreram como heroes si ser heroe consiste em morrer com coragem, na inconsciencia. do mrito da causa porque morremos. E no s o caso de Canudos que essa parte dos Ser-tes nos ajuda a comprehender, porm, o que talvez mais rele-vante, o caso geral da formao das religies, sem excluir o prprio christiansmo. Em outro meio, em outras condies, Antnio Con-selheiro um Christo, um Mohamet, um Messias, um dos muitos Mahdis, creadores de religies nesse fecundo solo da crendice hu-mana, que a sia. No serto, amigos e adversrios, e at as auto-ridades constitudas, o tem por um homem bom, honesto, direito no obstante a lenda e seria lenda ? que attribue a um trgico matriidio, o seu avatarde negociante em pregador religioso, a sua vida de santo e missionrio sertanejo.

    s anachoreta sombrio, cabellos crescidos, at aos hom-bros, barba inculta e longa; face escaveirada, illuminada por olhar fulgurante; monstruoso, dentro do habito azul de brim americano ; abordoado ao clssico basto, em que se apoia o passo tardo dos peregrinos...

    Mas, de facto, no elle, segundo o Sr. Euclydes da Cunha, quem se fez tal qual foi, sino a mesma gente que, sem que elle a convidasse, comeou a seguil-o e a fazer o que elle fazia, mais do que a obedecer-lhe. S mais tarde teve elle conscincia do seu poder e da sua aco.

    Todas as conjecturas ou lendas que para logo o cir-cumdavam fizeram o ambiente propicio ao germinar do prprio desvario. A sua insania estava, ali, exteriorisada. Espelhavam-na a admirao intensa e o respeito absoluto que o tornaram em pouco tempo arbitro incondicional de todas as divergncias ou brigas, conselheiro obrigado em todas as decises. A multido poupara-lhe o indagar tortu-

  • 3i

    rante acerca do prprio estado emotivo, o esforo dessas interrogativas angustiosas e dessa intuspeco delirante, entre os quaes evolve a loucura nos crebros abalados. Remodelava-o sua imagem. Creava-o. Ampliava-lhe, des-mesurada, a vida, lanando-lhe dentro os erros de dois mil annos. Era-lhe necessrio algum que lhe traduzisse a idealisao indefinida, e a guiasse nas trilhas mysteriosas para os cus.. . O evangelisador surgiu, monstruoso, mas autmato. Aquelle dominador foi um titere. Agiu passivo, como uma sombra. Mas esta condensava o obscuran*-tismo de raas. E cresceu tanto que se projectou na His-toria. ..

    Para comsigo, foi sempre duro como um verdadeiro asceta. E assim por mais de vinte annos percorreu os sertes em todos os sentidos, no fazendo sino bem, reconhecido pelos juizes de direito e at pelos parochos sertanejos :

    A sua entrada nos povoados, seguido pela multido contricta, em silencio, alevantando imagens, cruzes e ban-deiras do divino, era solemne e impressionadora. Paraly-savam-se as occupaes normaes. Ermavam-se as officinas e as culturas. A populao convergia para a villa onde, em compensao, -avultada o movimento das feiras ; e durante alguns dias eclipsando as autoridades locaes, o penitente errante e humilde, monopolisava o mando, fazia-se autori-dade nica. Erguiam-se na praa, revestidas de folhagens, as latadas onde tarde entoavam, os devotos, teros e la-dainhas ; e quando era grande a concurrencia, alevan-tava-se um palanque, ao lado do barraco da feira, no centro do largo, para que a palavra do propheta podesse irradiar para todos os pontos, edificar todos os crentes. Elle ali subia e pregava. Era assombroso, affirmavam tes-temunhas existentes. Uma oratria barbara e arrepiadora, feita de excerptos truncados das Horas Marianas, desali-nhavada, abstrusa, aggravada, s vezes, pela ousadia ex-trema das citaes latinas ; transcorrendo em phrases sacu-didas ; mixto inextricavel e confuso de conselhos dogm-ticos, preceitos vulgares da moral christ e de prophecias exdruxulas... Era truanesco e era pavoroso. Imagine-se um bufo arrebatado numa viso do Apocalypse...

  • 32

    Bobo no, ento bobos seriam todos os creadores de religies. Lembremo-nos o juizo que de Jesus e dos seus primeiros discpulos fizeram os seus contemporneos. Eis Conselheiro com os seus em Canudos, em 1893. Alli era a Terra Santa, a Canaan, a rpida pas-sagem para o cu, porque, como todas as religies mysticas, a de Antnio Conselheiro annunciava para prximo o fim do mundo. Num enorme concurso de gente de toda a sorte, apenas da mesma condio social e psychologica, a f augmenta, a superstio des-borda, mas a moral relaxa-se. Leia-se nos Sertes a noticia incisiva daquella cidade de milhares de habitantes, vivendo numa promis-cuidade abjecta e tomados de um mysticismo sandeu, da sua vida, das suas esperanas, dos seus feitos. Falta-me j espao para demo-rar-me nessas paginas cheias de aco como um drama.

    A lucta vae comear. A guerra de Canudos para o Sr. Eucly-des da Cunha um crime. A campanha em si, parece-me, pareceu-me desde o primeiro dia, como diria Talleyrand, mais do que um crime, um erro, um erro crasso e imperdovel. No faltam na nossa his-toria, mesmo contempornea, factos de inintelligencia nenhum, porm tamanho. Crime ou crimes haver apenas nos tristssimos successos do cerco final, conforme os conhecamos pela divulgao oral, ou por algum escripto de pouco valor, e os narra agora, com vingadora veracidade o autor dos Sertes.

    Observador intelligente e bem informado, testemunha presen-cial da Ultima phase da campanha, espirito culto, technico avisado, conhecedor seguro da terra e da gente cujos aspectos e feitos re-conta, conservando o respeito da farda que vestiu e timbrando em honrar e glorificar os seus companheiros actores naquelle drama terrvel, imparcial, justo e veraz, como me parece, o Sr. Euclydes da Cunha fez daquella campanha uma pintura vigorosa e um estudo que estava por fazer. Descreve-a minuciosamente, julga-a como technico e como historiador moralista, mostra-lhe os erros, os cri-mes, as faltas de toda a ordem, como os herosmos, as bizarrias, os feitos de valor que foram muitos. Si dessassombradamente expe aquelles, altamente proclama estes. Livro que me deu a impresso da maior sinceridade, aluada a nobres e generosos sentimentos moraes, o seu contm lies que merecem meditadas, e que erro grande fora esquecer.

    J. VERSSIMO Correio da Manh.

  • 33

    Os Sertes

    (Campanha de Canudos por EUCLYDES DA CUNHA)

    Anoxrico, litterariamente fallando, e desviado de assumptos estheticos, encetei a leitura do livro do Sr. Euclydes da Cunha nas peires condies em que se pode achar urcfhomem deante de um forte volume de mais de 600 paginas.

    Accrescia a espcie de plenitude gstrica, em que, a respeito dfc guerra de Canudos, tinham-me deixado leituras anteriores. Estava saturado das narraes publicadas nas Tolhas dirias e em livros, tinha lido o trabalho do major Barreto Dantas, alis uma boa ex-posio de factos, bem como as anecdotas, um tanto petalogicas, do reprter Manoel Benicio; e, por ultimo, obtivera os Jagunos de Olivio Barros, romance histrico .detestvel. A ultima leitura que no consegui terminar, forra-me a tomar in peto o compromisso de no mais prestar a atteno s lendas de Antnio Conselheiro.

    No foi, portanto, sem espirito de hostilidade que percorri as primeiras paginas d'Os Sertes. Terminada, porm, a primeira parte, e lidas as paginas iniciaes da segunda, uma revoluo havia se operado em-minha alma. O autor conquistara-a de modo violento e irretractavel. Dhi por diante no li mais , desfilei pelo livro afora dominado pela sensao que se experimenta, percorrendo paizagens abruptas, "alcandoradas de presepes, de dentro de um comboio, em carreira vertiginosa e sem destino.

    Lembrei-me, ento, dos bons tempos em que, ainda menino eu lanava-me perdidamente atravs dos romances enormes como Monte hristo, de Dumas, ou os Mysterios do povo, de Eugnio Sue, de respirao oppressa, sem tomar flego, para s parar na ultima pagina, e com a dolorosa saudade de quem abandona uma festa inolvdavel.

    Deshabituado dessa emoo nica e ininterrupta, tive a sor-preza de sentil-a, como naquella poca, restaurada pelo livro do Sr. Euclydes da Cunha.

    Fechei Os Sertes para libertar-me da sensao. Na memria, entretanto, ainda perdura um tumulto horrendo. O resaibo como de um indisivel pesadelo sentou-se no centro da imaginao e con-tinua a dominal-a.

    3 > c.