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XXVI ENCONTRO NACIONAL DO CONPEDI BRASÍLIA – DF TEORIAS DO DIREITO, DA DECISÃO E REALISMO JURÍDICO CARLOS ALBERTO SIMÕES DE TOMAZ LORENA DE MELO FREITAS MAURÍCIO DALRI TIMM DO VALLE

XXVI ENCONTRO NACIONAL DO CONPEDI BRASÍLIA – DF · de Direito, valendo-se, para tanto, do silogismo formal aristotélico e da lógica jurídica mecanicista e reducionista. Isso

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XXVI ENCONTRO NACIONAL DO CONPEDI BRASÍLIA – DF

TEORIAS DO DIREITO, DA DECISÃO E REALISMO JURÍDICO

CARLOS ALBERTO SIMÕES DE TOMAZ

LORENA DE MELO FREITAS

MAURÍCIO DALRI TIMM DO VALLE

Copyright © 2017 Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito

Todos os direitos reservados e protegidos. Nenhuma parte deste anal poderá ser reproduzida ou transmitida sejam quais forem osmeios empregados sem prévia autorização dos editores.

Diretoria – CONPEDI Presidente - Prof. Dr. Raymundo Juliano Feitosa – UNICAP Vice-presidente Sul - Prof. Dr. Ingo Wolfgang Sarlet – PUC - RS Vice-presidente Sudeste - Prof. Dr. João Marcelo de Lima Assafim – UCAM Vice-presidente Nordeste - Profa. Dra. Maria dos Remédios Fontes Silva – UFRN Vice-presidente Norte/Centro - Profa. Dra. Julia Maurmann Ximenes – IDP Secretário Executivo - Prof. Dr. Orides Mezzaroba – UFSC Secretário Adjunto - Prof. Dr. Felipe Chiarello de Souza Pinto – Mackenzie

Representante Discente – Doutoranda Vivian de Almeida Gregori Torres – USP

Conselho Fiscal:

Prof. Msc. Caio Augusto Souza Lara – ESDH Prof. Dr. José Querino Tavares Neto – UFG/PUC PR Profa. Dra. Samyra Haydêe Dal Farra Naspolini Sanches – UNINOVE

Prof. Dr. Lucas Gonçalves da Silva – UFS (suplente) Prof. Dr. Fernando Antonio de Carvalho Dantas – UFG (suplente)

Secretarias: Relações Institucionais – Ministro José Barroso Filho – IDP

Prof. Dr. Liton Lanes Pilau Sobrinho – UPF

Educação Jurídica – Prof. Dr. Horácio Wanderlei Rodrigues – IMED/ABEDi Eventos – Prof. Dr. Antônio Carlos Diniz Murta – FUMEC

Prof. Dr. Jose Luiz Quadros de Magalhaes – UFMGProfa. Dra. Monica Herman Salem Caggiano – USP

Prof. Dr. Valter Moura do Carmo – UNIMAR

Profa. Dra. Viviane Coêlho de Séllos Knoerr – UNICURITIBA

T314

Teorias do direito, da decisão e realismo jurídico [Recurso eletrônico on-line] organização CONPEDI

Coordenadores: Carlos Alberto Simões de Tomaz; Lorena de Melo Freitas; Maurício Dalri Timm do Valle - Flo rianópolis: CONPEDI, 2017

Inclui bibliografia

ISBN: 978-85-5505-420-4Modo de acesso: www.conpedi.org.br em publicações

Tema: Desigualdade e Desenvolvimento: O papel do Direito nas Políticas Públicas

CDU: 34

________________________________________________________________________________________________

Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito

Florianópolis – Santa Catarina – Brasilwww.conpedi.org.br

Comunicação – Prof. Dr. Matheus Felipe de Castro – UNOESC

1.Direito – Estudo e ensino (Pós-graduação) – Encontros Nacionais. 2. Inspiração realista. 3. Natureza.

4.Processo Judicial. XXVI EncontroNacional do CONPEDI (26. : 2017 : Brasília, DF).

XXVI ENCONTRO NACIONAL DO CONPEDI BRASÍLIA – DF

TEORIAS DO DIREITO, DA DECISÃO E REALISMO JURÍDICO

Apresentação

O presente livro “Teorias do Direito, da Decisão e Realismo Jurídico”” é fruto do Grupo de

Trabalho homônimo do Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito –

CONPEDI.

O referido GT foi proposto em 2014.2 pela então Coordenadora do Programa de Pós-

graduação em Ciências Jurídicas da UFPB e nesta ocasião coapresentadora e membro da

coordenação deste Grupo por ocasião deste XXVI Encontro Nacional do CONPEDI Brasília,

e desde então reúne pesquisadores com problemas de pesquisas afins. Neste encontro os

professores Doutores Carlos Alberto Simões de Tomaz (Fundação Universidade de Itaúna –

UIT), Maurício Dalri Timm do Valle (Universidade Católica de Brasília) e Lorena de Melo

Freitas (Centro Universitário de João Pessoa - UNIPE/PNPD e UFPB) coordenaram os

trabalhos no grupo.

Todos os artigos passaram - como já de praxe - pelo processo de avaliação cega por no

mínimo dois professores, conforme plataforma Publicadireito do Conpedi e são pesquisas

produzidas pelos pesquisadores docentes e discentes de Pós-Graduações em Direito do Brasil.

Vale consignar que todos os trabalhos foram desenvolvidos tendo em conta o tema central do

evento, qual seja: “Desigualdade e Desenvolvimento: O papel do Direito nas políticas

públicas”, mas sempre fazendo uma aproximação sob a perspectiva do pragmatismo,

realismo jurídico e/ou teorias com foco na questão da decisão judicial.

O livro não está dividido em partes, porém os doze artigos que o compõem tratam sob

múltiplas perspectivas do fenômeno jurídico na sua manifestação mais pragmática, ou

melhor, investiga-se a natureza do processo judicial, parafraseando o famoso livro do teórico

do realismo jurídico e juiz da Suprema Corte Americana Benjamin Nathan Cardozo (The

nature of judicial process).

Os primeiros quatro artigos têm em comum a centralidade em torno de um autor-objeto de

pesquisa, assim, o livro permite perpassar aspectos dos pensamentos de Aulis Aarnio,

Benjamin Cardozo, Ronald Dworkin, Sam Harris e Manoel Atienza. Em seguida temos três

artigos com objetos afeitos ao debate de categorias teóricas centrais ao direito, quais sejam,

validade, vigência, eficácia, raciocínio e método no direito. Já a parte final tem uma

característica mais empírica, nela encontramos cinco artigos que analisam problemas

jurídicos atuais mas com referência à casos, decisões ou simplesmente a perspectiva de

abordagem dos temas têm a delimitação em torno que objetos pautados na realidade.

Como o diálogo entre os artigos é contínuo, estes organizadores optaram por apenas

apresentar a disposição dos artigos em seus aspectos identitários, mas sem pormenorizar um

detalhamento de cada tema por inspiração na própria proposta de John Dewey, um dos

expoentes do pragmatismo e realismo jurídico, cujo pensamento tem como categorias

centrais a interação e a continuidade.

Assim, em consonância com o método pragmático e foco na experiência dos tribunais como

inspiração realista, entregamos ao leitor este livro.

Prof. Dr. Carlos Alberto Simões de Tomaz - UIT

Profª. Drª. Lorena de Melo Freitas (UFPB)

Prof. Dr. Maurício Dalri Timm do Valle (UCB)

Brasília, julho/2017

1 Mestrando em Ciência Jurídica pela Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI e em Estudos Políticos pela Universidade de Caldas – Ucaldas/Colômbia. Oficial de Justiça e Avaliador em Brusque/SC

2 Mestranda do Programa de Pós Graduação Stricto Sensu em Ciência Jurídica PPCJ UNIVALI e em Estudos Políticos na Universidad de Caldas - UCaldas - Colômbia. Advogada.

1

2

REPENSANDO O RACIOCÍNIO JURÍDICO: DO SILOGISMO FORMAL AO DISCURSO PARRESIASTA

RETHINKING THE LEGAL REASON: FROM THE FORMAL SILOGISM TO PARRASIVE SPEECH

André Luiz Staack 1Gabriela Rangel da Silva 2

Resumo

Este artigo objetivou identificar a possível conexão do discurso parresiasta, que defende a

verdade como modo adequado de expressão, com a atual situação jurídico-política brasileira.

Para o alcance do objetivo proposto, o método de abordagem foi o indutivo, sendo o

levantamento de dados realizado através da técnica da pesquisa bibliográfica de fonte

secundária. Nas considerações finais, concluiu-se que o modelo de discurso parresiasta, de

fato, encontra total relação com o atual panorama jurídico-político brasileiro, tendo em vista

que a verdade e a franqueza estão sendo utilizadas de maneira recorrente pelos operadores

jurídicos.

Palavras-chave: Lógica formal, Discurso retórico, Discurso parresiasta

Abstract/Resumen/Résumé

This article aimed to identify the possible connection of the parrasive speech, which defends

the truth as an adequate mode of expression, with the current brazilian legal and political

situation. In order to reach the proposed objective, the method of approach was the inductive,

being the data collection carried out through the technique of the bibliographic research of

secondary source. In the final considerations, it was concluded that the parrasive speech

model, in fact, finds total relation with the current brazilian legal-political status, since truth

and frankness are being used in a recurring way by legal operators.

Keywords/Palabras-claves/Mots-clés: Formal logic, Rhetorical speech, Parrasive speech

1

2

106

INTRODUÇÃO

Este artigo visa a investigar e identificar a possível conexão do discurso parresiasta,

que preza pela expressão da verdade plena, com a atual situação jurídica brasileira, dando ênfase

ao que concerne à aplicação efetiva do direito.

O critério metodológico utilizado para essa investigação e a base lógica do relato dos

resultados apresentados reside no Método Indutivo (PASOLD, 2015. p. 90-93, 97-99). Na fase

de tratamento dos dados, utilizou-se o Método Cartesiano (PASOLD, 2015, p. 92).

Este artigo, portanto, tem como objetivo geral identificar a possível conexão do

discurso parresiasta, que defende a franqueza como modo adequado de expressão, com a atual

situação jurídica brasileira. Os objetivos específicos são: a) abordar acerca da lógica formal e

de sua implicância para o estudo do direito; b) tratar sobre o discurso retórico, dando destaque

àquilo que conecta a velha retórica com os modelos jurídicos de discursos brasileiros; c)

registrar, de forma detalhada, os pontos característicos do discurso parresiasta, evidenciando

àqueles que possuem possível conexão com o direito brasileiro contemporâneo.

Na delimitação do tema, levanta-se o seguinte problema: há conexão do discurso

parresiasta, de origem grega e que preza a verdade como modo adequado de expressão, com a

atual situação jurídico-política brasileira?

Para o equacionamento do problema, levanta-se a hipótese: ante os atuais movimentos

institucionais – ativismo judicial, judicialização das políticas públicas, entre outros – e as teorias

pós-positivistas que estão em fase de afirmação, há que se considerar que o papel do agente

político acabou por se modificar, razão pela qual o uso da verdade e da franqueza passou a ser

carro-chefe para a tomada de decisão.

As técnicas empregadas neste estudo serão a pesquisa bibliográfica, a categoria e o

conceito operacional, quando necessário (PASOLD, 2015, p. 93-97, 108, 113-130).

Outros instrumentos de pesquisa, além daqueles anteriormente mencionados, poderão

ser acionados para que o aspecto formal deste estudo se torne esclarecedor ao leitor.

Para fins deste artigo, buscaram-se, também, autores como Aristóteles, Hans Kelsen,

Herbert Hart, Michel Foucalt, Norberto Bobbio, Orlando Luiz Zanon Júnior, Ronald Dworkin,

entre outros, que apresentam diferentes percepções sobre o tema em estudo para elucidar os

significados e contextos de determinadas categorias apresentadas nesta pesquisa.

1 DA AUSÊNCIA DO DISCURSO JURÍDICO: O RACIOCÍNIO FORMAL E AS BASES

EPISTEMO-FILOSÓFICAS DA ESCOLA DA EXEGESE

A Escola da Exegese ficou estabelecida, historicamente, em três fases: “[...] uma fase

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de instauração, que começou na promulgação do Código Civil, em 1804, e terminou entre 1830

e 1840; uma fase do apogeu, que se estendeu até cerca de 1880; e por fim uma fase do declínio,

que se fechou em 1899, quando a obra de Gény anunciou-lhe o fim” (PERELMAN, 2000, p.

31)

Doutrinariamente, tal Escola tinha por fim utilizar e aplicar a Lei como a única fonte

de Direito, valendo-se, para tanto, do silogismo formal aristotélico e da lógica jurídica

mecanicista e reducionista. Isso se deve, tendo em vista que os doutrinadores de tal Escola

estavam motivados pela situação social que estava passando a Europa naquele momento, mais

precisamente a carência de proteção de direitos individuais e coletivos originada de atos

autoritários realizados por monarcas despóticos.

Tratando da doutrina exegética em estudo, Perelman advoga:

Segundo esta concepção o papel do juiz o obrigaria, sempre que isso fosse possível, e

acreditava-se que o era na maioria dos casos, a dar sua sentença conforme à lei, sem

ter de preocupar-se com o caráter justo, razoável ou aceitável da solução proposta.

Servidor da lei, não tinha de buscar fora dela regras para guiá-lo: era o porta-voz da

lei, a quem os exegetas deviam elucidar tanto quando possível, para fornecer-lhe

soluções para todas as eventualidades (2000, p. 54).

Constata-se, portanto, que pouco importava aos aplicadores do Direito, basicamente

os magistrados, a aceitação popular da solução proposta, haja vista que o objetivo era aplicar

a lei ao caso concreto, negando-se a subjetividade, o poder discricionário (que nem se falava)

ou qualquer outro meio que pudesse retirar do juiz seu papel de historiador do Direito

(PERELMAN, 2000, p. 52).

No caso de antinomia ou lacuna da lei, segundo a doutrina exegética formal, cabia ao

juiz, ativamente, eliminar as primeiras e preencher as segundas, devendo, contudo, motivar suas

decisões, amparando-se nos textos legais (PERELMAN, 2000, p. 54). Constata-se, portanto,

que para os exegetas formais o sistema se bastava, ou seja, permitia solucionar quaisquer

problemas, sendo o juiz mero aplicador do texto ao caso concreto (mera prática subsuntiva).

O raciocínio jurídico empregado é alicerçado, como se percebe, no método lógico-

dedutivo aristotélico (composto de premissa maior, premissa menor e conclusão), o qual deu

origem ao denominado silogismo jurídico1, bem como formalizou o pensamento jurídico

matemático, formal e reducionista.

Nas palavras de Aristóteles, objetivando compreender melhor sua forma de pensar,

1 Silogismo jurídico: “[...] O silogismo jurídico consiste na aplicação do método lógico-dedutivo ao saber jurídico,

tomando-se os direitos naturais (ou a lei positiva racionalmente criada a partir dele) como premissa maior, o caso

concreto sob análise como premissa menor, e extraindo-se da relação entre eles uma conclusão que consiste na

consequência jurídica a ser aplicada ao caso (comumente uma sanção)”. In GUANDALINI JR, W. Da subsunção

à argumentação: Perspectivas do raciocínio jurídico moderno. Revista da Faculdade de Direito – UFPR,

Curitiba/PR, n. 54, p.154, 2011.

108

premissa “[...] é uma oração que afirma ou nega alguma coisa de algum sujeito”

(ARISTÓTELES, 2016, p. 117), termo é “[...] aquilo em que a premissa se resolve, a saber,

tanto o predicado quanto o sujeito, quer com adição do verbo ser, quer como a remoção de não

ser2” (ARISTÓTELES, 2016, p. 118), e silogismo é “[...] uma locução em que, uma vez certas

suposições sejam feitas, alguma coisa distinta delas se segue necessariamente devido à mera

presença das suposições como tais.” (ARISTÓTELES, 2016, p. 118).

Com base em tais categorias e conceitos operacionais, é possível aplicar o pensamento

silogístico aristotélico ao campo jurídico, compreendendo a fonte do direito (no caso da escola

exegética, a lei) como a premissa maior, o fato como premissa menor e a consequência jurídica

como a conclusão tomada. Por meio de uma lógica dedutiva perfeita (mera subsunção) é

possível aplicar a norma ao caso concreto, dispensando a subjetividade, a relação Direito-Moral

e quaisquer outros aspectos externos ao pensamento jurídico racional.

Exemplificando, Aristóteles (2016, p. 123) define seu modo lógico de pensar:

[...] Suponhamos que A se aplique a todo B e B a algum C. Então, se ser predicado de

todo significa o que indicamos no início, A tem que se aplicar a algum C. E se A não

se aplica a nenhum B, mas B se aplica a algum C, A tem necessariamente que não se

aplicar a algum C (indicamos também o que queremos dizer com predicado de

nenhum). Assim teremos um silogismo perfeito.

Ademais, vale ressaltar que o raciocínio lógico aristotélico, como se intui, não gera

qualquer trabalho de interpretação ou esforço hermenêutico, já que a aplicação da norma é

gerada por dedução apenas, e, portanto, não necessita de aplicação de métodos, técnicas ou

quaisquer outros meios para, de fato, transformar o texto normativo em norma.

Da mesma forma, tal espécie de raciocínio não constrói qualquer discurso jurídico¸

tendo em vista que não se encontra alicerçado em argumentos, em fatos ou em provas

produzidas, mas sim é fruto de um trabalho composto de mero encaixe do caso à norma, ou

seja, de mero enquadramento do fato à moldura.

Objetivando perpetuar este pensamento jurídico aristotélico e introduzi-lo no mundo

jurídico, Friedrich Carl Von Savigny (1946), um dos maiores expoentes da Escola Exegética,

deu largada com a chamada Jurisprudência de Conceitos, que consistia na aplicação,

dogmaticamente, de categorias e conceitos operacionais bem definidos aos casos concretos,

enaltecendo a teorização em detrimento da prática3.

2 Itálico conforme o original. 3 “Para evitar a obscuridade da lei, resultante da imprecisão e da ambiguidade de seus termos, era necessário que

a doutrina e jurisprudência se esforçassem para definir, de modo tão claro quanto possível, todos os termos usados

pela lei: era esse o papel da célebre Begriffsjurisprudenz, da doutrina dos conceitos, que fixava de uma vez por

todas o sentido dos termos jurídicos, de modo que permitisse, a partir dos textos legais, um raciocínio tão estrito

quanto dentro de um sistema matemático. Graças a esse método esperava-se, se não eliminar inteiramente, ao

109

Savigny, portanto, queria institucionalizar uma teoria jurídica sólida que pudesse, de

fato, responder aos anseios da sociedade, bem como solucionar os problemas levados ao mundo

jurídico em eterna evolução (assim é o mundo, embora Savigny considerava o Direito, de certa

forma, estático e livre de quaisquer influências externas).

Não demorou muito, entretanto, para que o raciocínio jurídico de Savigny sofresse

críticas e fosse levado ao ostracismo. Rudolf von Jhering, em sua obra Bromas y veras en la

ciencia jurídica, lançada em 1884, iniciou o trabalho para modificar o pensamento jurídico até

então ligado aos conceitos estáticos e à lógica jurídica mecanicista.

Por meio de um ambiente fantasioso (una Broma), o céu dos conceitos jurídicos,

Jhering satiriza os conceitualistas, enterra os pilares do classicismo jurídico e rechaça o

formalismo em sua plenitude.

Ao introduzir um professor de Direito Romano neste céu, Jhering afirma que os

habitantes de tal local ali residem, tendo em vista que, para eles, “[...] el pensamiento y la

realidad son uno” (JHERING, 1987, p. 215), ou seja, que a teoria e a prática estão estabelecidas

em uma relação simbiótica, não havendo que tratar a realidade desconectada do mundo

conceitual.

Ironizando o modo de pensar dos conceitualistas e situando o ambiente fantasioso, o

personagem anfitrião criado por Jhering (1987, p. 216-217), contestando acerca do que se trata

tal mundo fantasioso ao professor de Direito Romano, aduz:

Como eres un romanista, irás al cielo de los conceptos. Allí encontrarás todos esos

conceptos de los cuales tanto de has ocupado en vida. Pero no en la forma imperfecta

en que han quedado en la tierra, deformados por legisladores y prácticos, sino en

estado de perfecta e inmaculada pureza y belleza ideal. Aquí se recompensa a los

teóricos por los buenos servicios que han prestados a tales conceptos en la tierra. Allá

los contemplaron tras um velo, pero ahora puedes verlos con toda claridad, los

contemplan cara a cara y los tratan de igual a igual. Las cuestiones a las cuales han

buscado en vano una solución aquende, son contestadas allende por los conceptos

mismos.

Jhering (1987, p. 217), na sequência, consigna, novamente por uma fala de seu espírito

anfitrião, que o céu dos teóricos difere o dos práticos, tendo em vista que naquele os olhos dos

habitantes estão para escuridão, enquanto neste penetram a luz solar e há uma atmosfera

adequada ao jurista prático. De tal fragmento, é possível perceber que Jhering quis, com tal

apontamento, criticar os conceitualistas, aludindo que estes vivem cegos frente à realidade,

enquanto que os práticos permitem-se analisar os casos no mundo real.

Outro ponto interessante dessa fábula é o momento em que o espírito anfitrião e o

professor de Direito Romano iniciam seu recorrido pelo céu dos conceitos jurídicos,

menos reduzir consideravelmente todas as ambiguidades que favoreciam as controvérsias e diminuíam a segurança

jurídica.” In PERELMAN, Chaim. Lógica jurídica: nova retórica. p. 69-70 (itálico conforme o original)

110

oportunidade em que aquele decide mostrar as máquinas jurídicas4 existentes no local. Ao

mostrar o funcionamento do aparelho de construções (1987, p. 223), da prensa hidráulico-

dialética de interpretação (1987, p. 225) e da broca dialética (1987, p. 225), Jhering quer pontuar

o pensamento jurídico matemático defendido pelos conceitualistas, momento em que,

sarcasticamente, divaga acerca da lógica jurídica formal aplicada.

A fábula termina com a reprovação do professor de Direito Romano no exame de

aptidão para entrar no céu dos conceitos jurídicos, sendo encaminhado ao céu dos práticos,

tendo em vista que ele mesmo, com a ajuda dos “espíritos zombadores”, compreende que seu

lugar está além dessa mera conceituação.

Esta fábula serviu para consignar o modo de pensar dos conceitualistas, bem como

tornou-se o meio lúdico para a mudança de pensamento de Jhering. Segundo ele, “[...] hubo una

época en la que Puchta5 fue para mí el maestro, el símbolo del método jurídico correcto, y tanto

me cautivó ese método que hasta podría haberlo llevado más lejos que él”. Entretanto, ao invés

de internalizá-lo, decidiu por modificá-lo, edificando algumas diretrizes para o bom

desenvolvimento do ensino jurídico e, porque não dizer, da lógica jurídica.

Resumindo, Jhering apresenta três diretrizes que objetivam unir a teoria à pratica, não

numa relação simbiótica, como defendia Savigny, mas sim num trabalho paralelo, conjunto e

sincronizado: 1) O teórico necessita cumprir um período legal de prática preparatória para que,

então, possa ser admitido como professor de Direito Romano e, consequentemente, de outras

cadeiras (JHERING, 1987, p. 282-283); 2) As lições teóricas devem ser expostas

adequadamente, ilustrando-as, continuadamente, com casos e exemplos práticos (JHERING,

1987, p. 283); 3) Os testes que tem por fim comprovar o ensino jurídico necessitam de uma

dupla reforma: por um lado, na forma de aplicar os testes (unindo teoria com prática), por outro,

na formação das bancas de examinadores (JHERING, 1987, p. 284-291).

É possível perceber, por meio das diretrizes defendidas por Jhering, a evolução do

pensamento e raciocínio jurídicos no decorrer do idealismo exegeta, pois o silogismo

aristotélico (formal e teórico) foi sendo substituído, paulatinamente, por um ideal que tinha por

4 “Sigamos. Te mostraré algunas de nuestras máquinas jurídicas. No puedo explicártelas todas, ni son tampoco

todas interesantes por igual, y algunas como por ejemplo el aparato de la ficción, que aqui ves, y cuyo alto valor

para los fines del derecho conoces por experiencia propria podrás comprenderlas sin mi ayuda.” In JHERING,

Rudolf von. Bromas y veras en la ciencia jurídica. Tradução de Tomás A. Banzhaf. Madrid: Cívitas, 1987. Título

original: Scherz und Ernst in der Jurisprudenz. p. 223. 5 Georg Friedrich Puchta: “[...] foi um jurista alemão. Integrante da Escola Histórica do Direito, é considerado

o principal discípulo de Savigny, tendo substituído o mestre na cadeira de Direito romano na Universidade

Humboldt de Berlim, além de ser considerado o fundador da Jurisprudência dos conceitos” (grifo nosso). In

WIKIPEDIA: a enciclopédia livre. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Georg_Friedrich_Puchta. Acesso

em: 08 jan. 2017.

111

base a prática e sua conexão direta com a realidade. É por este motivo, inclusive, que é admitido,

intuitivamente, conferir a Jhering o papel de edificador da base epistemológica da Doutrina do

Realismo Jurídico, embora o surgimento de tal movimento, de fato, tenha se dado nas Cortes

Estadunidenses após 19206.

Sendo assim, Jhering, a partir de seus postulados, edificou uma nova visão do direito,

denominada visão funcional do Direito7, consistente em interpretar os textos normativos não

tendo por base sua literalidade, mas sim sua função prática, seu espírito, a vontade do legislador.

Com isso, tornou-se inovador, pois permitiu, como já explicitado, solucionar os conflitos

utilizando-se da equidade e em consonância com a realidade.

Segundo Perelman (2000, p.74), “[...] ao invocar a vontade do legislador, referimo-nos

a uma intenção presumida, e por vezes até inteiramente fictícia, que atribuímos a um legislador

sensato”. Assim, como nem todos os casos são resolvidos com a literalidade da regra jurídica,

há que se buscar a vontade do legislador, pois, se esse caso tivesse sido discutido no Parlamento

quando da edição da regra geral, certamente teria o texto incluído sua devida solução.

François Gény, como já adrede destacado por Perelman, foi o responsável pela

derrocada da Escola de Exegese, defendendo um trabalho de livre investigação científica do

juiz no caso de lacuna da lei, ou seja, a necessidade de que, com base na natureza das coisas,

definir elementos, critérios e princípios objetivos que possam servir para solucionar os conflitos

sociais complexos.

Assim advoga François Gény (2000, p. 525) a respeito do método da livre investigação

científica8:

[...] en la esfera de la libre investigación, donde nosotros lo examinamos ahora, el

método jurídico debe tener por preocupación dominante descubrir él mismo, en

defecto de la ayuda de las fuentes formales, los elementos objetivos que determinarán

todas las soluciones exigidas por el derecho positivo9.

6 Alguns dos célebres realistas jurídicos: HOLMES JUNIOR, Oliver Wendell. The Common Law. New York:

Kaplan, 2009; CARDOZO, Benjamin. The nature of judicial process. New York: Dover, 2005; POUND,

Roscoe. In introduction to the philosophy of law. New Haven: Yale University Press, 1922. 7 “Segundo essa concepção, o direito não constitui um sistema mais ou menos fechado, que os juízes devem aplicar

utilizando métodos dedutivos, a partir de textos convenientemente interpretados. É um meio do qual se serve o

legislador para atingir seus fins, para promover certos valores. Mas como ele não pode contentar-se com enunciar

tais fins, assinalar tais valores, pois esse modo de proceder introduziria no direito uma indefinição e uma

insegurança inadmissíveis, deve formular com certa precisão regras de conduta que indicam o que é obrigatório,

permitido ou proibido, para atingir esses fins e realizar esses valores. Conseqüentemente, o juiz já não pode

contentar-se com uma simples dedução a partir dos textos legais; deve remontar do texto à intenção que guiou sua

redação, à vontade do legislador, e interpretar o texto em conformidade com essa vontade. Pois o que conta, acima

de tudo, é o fim perseguido, mais o espírito do que a letra da lei.” In PERELMAN, Chaim. Lógica jurídica: nova

retórica. p. 70-71. 8 “Se existirem obstáculos a essa assimilação a um sistema dedutivo, a saber, o silêncio, a obscuridade e a

insuficiência da lei, a missão da doutrina será remediá-los apresentando soluções ‘científicas’às dificuldades.” In

PERELMAN, Chaim. Lógica jurídica: nova retórica. p. 69. 9 Itálico conforme o original.

112

Segundo Gény (2000, p. 523), portanto, no caso de silêncio ou insuficiência das fontes

formais, deve o juiz “[...] formar su decisión de derecho en vista de las mismas razones que

tendría presente el legislador si se propusiera regular la cuestión.”, ou seja, cabe ao magistrado

tratar objetivamente a questão, adequando o caso à realidade social e jurídica.

Gény (2000, p 538) defende que, para tanto, deverá o juiz, inicialmente, interrogar a

razão e a consciência para descobrir em sua natureza íntima as bases da justiça e, num segundo

momento, dirigir-se aos fenômenos sociais para descobrir as leis harmoniosas e os princípios

de ordem que eles requerem.

Rematando acerca de seu método investigativo, Gény (2000, p. 539) consigna:

[...] en ningún sistema de interpretación jurídica podemos lisonjearnos de

suprimir toda apreciación personal de intérprete10. En cuanto se refiere a las

ciencias Morales, no existe método ni procedimiento que pueda enteramente11 suplir

a la razón subjetiva. Cuanto cabe es trazarle una via, descubriéndole sus direcciones

más seguras en la naturaleza de las cosas, que constituye el terreno próprio de su

acción.

Como é possível constatar, de fato, Gény foi o grande responsável pela quebra de

paradigma e fomentador da derrubada epistemológica da Escola de Exegese, tendo em vista

que seu modo de pensar permitiu, elevando os fins práticos defendidos por Jhering12, pensar o

Direito de modo mais dinâmico, coordenado e coerente.

A seguir, tratar-se-á acerca do discurso retórico e sua importância para o

desenvolvimento da Ciência Jurídica.

2 O DISCURSO RETÓRICO: POR UMA PERSUASÃO JURÍDICA

CONTEMPLATIVA

A retórica, nas palavras de Karlyn Kohrs Campbell, Susan Schultz Huxman e Thomas

R. Burkholder (2015, XV), é “[...] um estudo de todos os processos pelos quais as pessoas

influenciam umas às outras por meio de símbolos verbais, não verbais, visuais e sonoros”. É,

portanto, a verdadeira arte da persuasão, de falar bem, de exprimir o que é belo.

Nas palavras de Aristóteles (2011, p. 44), “[...] PODE-SE DEFINIR A RETÓRICA

como a faculdade de observar, em cada caso, o que este encerra de próprio para criar a

persuasão”. É, assim, a arte que busca “[...] descobrir o que é adequado para persuadir.”

(ARISTÓTELES, 2011, p. 45).

Enquanto arte, no mais, a retórica utiliza-se da linguagem para construir argumentos

10 Grifo nosso. 11 Itálico conforme o original. 12 “¿Cuál es, pues, el fin del derecho? [...] podemos decir que el derecho representa la forma de la garantía de las

condiciones de vida de la sociedad, asegurada por el poder coactivo del Estado”. In JHERING, Rudolf von. El

fin en el derecho. Tradução de Leonardo Rodríguez. Madri: B. Rodríguez Serra Editor, 1911, p. 274.

113

firmes com o fito de defender determinada ideia. Nesta toada, segundo Aristóteles (2011, p. 45),

há dois meios de persuasão: aqueles que são independentes da arte, pois “[...] não são fornecidos

por nós mesmos, sendo preexistentes, do que são exemplos as testemunhas, as confissões

probatórias obtidas mediante tortura, aos acordos escritos e outros modos semelhantes”; e

aqueles que são dependentes da arte, sendo aqueles considerados como “[...] todos os que nós

mesmos podemos construir e suprir com base no método da retórica”.

Portanto, é a linguagem que formaliza um discurso retórico e que, por sua vez, por

meio de uma construção de argumentos persuasivos, define a melhor maneira para exprimir

determinada ideia, objetivando convencer o auditório – seja uma multidão ou uma só pessoa –

de maneira adequada e eficaz.

Nesse contexto, segundo Aristóteles (2011, p. 53), os gêneros da retórica são três: o

orador, o assunto e a pessoa a quem se dirige o discurso (o ouvinte). Cabe, portanto, a um

orador, mediante um tema e um discurso persuasivo, convencer o ouvinte – que pode ser um

observador ou um juiz – de que seus argumentos são sólidos e adequados.

Ademais, Aristóteles (2011, p. 53) consigna que há três gêneros de discurso oratório:

o deliberativo, o forense e o demonstrativo. Assim advoga:

O discurso deliberativo nos induz a fazer ou a não fazer algo. Um destes

procedimentos é sempre adotado por conselheiros sobre questões de interesse

particular, bem como por indivíduos que se dirigem a assembleias públicas a respeito

de questões de interesse público. O discurso forense comporta a acuação ou a defesa

de alguém; uma ou outra tem sempre que ser sustentada pelas partes em um caso. O

discurso demonstrativo ocupa-se do louvor ou da censura de alguém13.

(ARISTÓTELES, 2011, p. 53)

No que tange ao discurso forense – somente ele será tratado ante a temática do artigo

em questão –, Aristóteles (2011, p. 88) define que para a construção da arte retórica jurídica há

que se tratar, primeiro, sobre a natureza e o número de motivações que levam a cometer a

injustiça; em segundo, sobre as predisposições dos que a cometem; e terceiro, acerca do tipo e

disposição das vítimas da injustiça.

Sendo assim, a postura e a formação do orador, as predisposições de quem comete um

ato ilícito e o tipo e disposição das vítimas são deveras importantes para Aristóteles, pois,

segundo ele, estes pontos influenciam no discurso e, consequentemente, são partes integrantes

no processo de convencimento do auditório.

Aristóteles (2011, p. 175), no mais, consigna que “[...] há dois tipos de meios comuns

de persuasão: o exemplo e o entimema14, já que a máxima constitui uma parte do entimema”.

Quanto aos exemplos, Aristóteles (2011, p. 175) explicita que há duas espécies: “[...]

13 Itálico conforme o original.

114

a primeira consiste em relatar fatos reais e passados ao passo que a segunda consiste na própria

invenção do orador”. Já a máxima, por sua vez, “[...] é um meio de traduzir um modo de ver,

mas que não dá conta de um caso particular, por exemplo o caráter de Ifícrates, mas do geral”

(ARISTÓTELES, 2011, p. 178).

É possível perceber, portanto, que a retórica utiliza-se de relatos de fatos passados,

invenções (fábulas e parábolas) e máximas (conclusões e premissas dos entimemas) que

objetivam dizer apenas o necessário, o que é belo, deixando ao ouvinte o trabalho de concluir

o que não fora dito. A verdade não é plenamente escancarada, mas sim só o necessário é

externado, ocultando premissas com o objetivo de mitigar os prejuízos.

Nessa senda, antes de abordar acerca da origem de uma retórica jurídica moderna, vale

salientar que, embora Jhering e Gény tenham tentando apresentar uma proposta diferente da

defendida pelos exegetas no final do século XIX, a qual utiliza da conexão da teoria com a

realidade social, esta concepção inovadora não tardou a ser substituída pela então consagrada

escola positivista do direito15.

O que, portanto, parecia ser uma evolução no campo de aplicação do direito nos idos

dos séculos XIX acabou sendo substituída por um pensamento reducionista, matemático e,

substancialmente, influenciado pelos ideais cartesianos e baconianos16.

Michel Villey (2005, p. 429) elucida que “[...] desde Descartes ou o cartesianismo,

adquirimos uma idéia muito empobrecida da lógica, copiada mais do modelo das matemáticas

ou das ciências físicas modernas que da experiência do direito”. Como se percebe, portanto,

René Descartes foi um dos grandes influenciadores para mudança do pensamento jurídico, não

só na área das ciências naturais e físicas, mas também naquelas que tinham por fim o trato direto

com a realidade e problemas sociais.

Versando sobre seu método e sua forma de analisar os fenômenos, René Descartes

15 “O que é o positivismo jurídico? A expressão direito positivo (jus positivum; justitia positiva) nasceu, como

vimos, na escolástica humanista, em Chartres, depois em Abelardo, em seguida entre os glosadores e na linguagem

de são Tomás. É, aliás, a tradução do grego díkaion nomikón, porque a essência das leis (nómoi) de onde deriva

esse justo consiste em serem disposta (legem ponere), positivas. A idéia de direito positivo é, aliás, uma das peças

do sistema clássico do direito natural. Mas, nesse sistema, embora exista um justo que deriva da lei, um justo

disposto, positivo, é apenas uma fonte subsidiária, já que a primeira fonte do direito continua sendo a ordem da

natureza, da qual o trabalho da jurisprudência extrai regras jurídicas. O positivismo jurídico é, ao contrário, a

doutrina que exalta o direito positivo a ponto de pretender edificar sobre a lei, e apenas sobre a lei, o conjunto da

ordem jurídica”. In VILLEY, Michel. A formação do pensamento jurídico moderno. Tradução de Cláudia

Berliner. São Paulo: Martins Fontes, 2005. Título original: La formation de la pensée juridique moderne. p. 236. 16 “O direito, para Bacon, consiste nas leis, esses fatos positivos. A formação das leis é da alçada do homem de

Estado, não do filósofo. O chanceler Francis Bacon preocupa-se com a sua boa redação, com sua certeza, com sua

clareza, com sua ordenação sistemática na forma de um novo Código. Quer que o intérprete se limite à exegese

estrita dos textos, que não haja espaço para pretensa eqüidade, que a ‘doutrina’ não pretenda exercer um papel

criador”. In VILLEY, Michel. A formação do pensamento jurídico moderno. Tradução de Cláudia Berliner.

São Paulo: Martins Fontes, 2005. Título original: La formation de la pensée juridique moderne. p. 596.

115

(2006, p. 23) aduz: “[...] o método que ensina a seguir a verdadeira ordem e enumerar

exatamente todas as circunstâncias daquilo que se procura contém tudo quanto dá certeza às

regras da aritmética”.

Na seara jurídica, este método cartesiano, reducionista e matemático, influenciou

diversos juristas que, objetivando criar uma teoria desconectada de qualquer outra área (mais

precisamente com o positivismo jurídico), decidiram por compreender o Direito de maneira

pura, singela e autossuficiente. Um dos grandes defensores dessa maneira de solucionar os

problemas sociais é Hans Kelsen, que, com sua Teoria Pura do Direito17, ousou por

compreender o fenômeno jurídico sistematicamente.

Logo na primeira página do livro, Hans Kelsen (1998, p. 1) explana acerca do que ele

compreende por pureza do Direito:

Quando a si própria se designa como ‘pura’ teoria do Direito, isto significa que ela se

propõe garantir um conhecimento apenas dirigido ao Direito e excluir deste

conhecimento tudo quanto não pertença ao seu objeto, tudo quanto não se possa,

rigorosamente, determinar como Direito. Quer isto dizer que ela pretende libertar a

ciência jurídica de todos os elementos que lhe são estranhos. Esse é o seu princípio

metodológico fundamental.

Constata-se, portanto, brevemente, que o objetivo de Hans Kelsen era edificar uma

ciência jurídica que restasse desconectada de quaisquer outros ramos, que se bastasse, que se

autoregulamentasse, e que, na sua essência, conseguisse solucionar os problemas sociais com

suas próprias ferramentas. Tinha por fim, como se percebe, aleijar o Direito, cortando as asas

da interdisciplinaridade, edificando um pensamento jurídico mecanicista, simplista, de ordem

cartesiana, e totalmente avesso às necessidades sociais.

Dentre as diversas ferramentas jurídicas apresentadas, salienta-se a estrutura piramidal

kelseniana que, de cima para baixo, segundo ele, proporcionaria a solução para o problema

social. Com tal modelo, é possível perceber a singeleza do pensamento kelseniano que,

inocentemente, acreditava que o problema, de monta complexa já há muito, poderia ser

solucionado com um mero enquadramento/emolduração a umas das fontes jurídicas (regras

jurídicas por excelência) ali constadas.

Orlando Luiz Zanon Júnior (2015, p. 106), rechaçando a estrutura piramidal

kelseniana, elucida:

[...] a dinâmica unidirecional da pirâmide jurídica, no sentido de cima para baixo,

proposta inicialmente por Kelsen, não reflete a complexidade das interações entre as

17 “A Teoria Pura do Direito é uma teoria do Direito positivo – do Direito positivo em geral, não de uma ordem

jurídica especial. É uma teoria geral do Direito, não interpretação de particulares normas jurídicas, nacionais ou

internacionais. Contudo, fornece uma teoria da interpretação”. In KELSEN, Hans. Teoria pura do direito.

Tradução de João Baptista Machado. 6. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998. Título original: Reine Rechtslehre.

p. 1.

116

diversas Fontes Jurídicas que se articulam no interior do Ordenamento Jurídico. Isto

porque, mediante a observação da atividade da jurisdição, é possível constatar que o

órgão aplicador não segue uma linha reta de raciocínio partindo da Constituição,

passando pela legislação intermediária, até chegar na Norma de Decisão, ou seja, ele

não simplesmente desliza linearmente do ápice até a base da pirâmide.

Diferentemente, a atividade do intérprete e aplicador se apresenta dispersa entre os

diversos elementos que extraí do complexo normativo para elaborar sua Decisão, os

quais são apreciados de acordo com os movimentos multidirecionais, diversos da

simples descida do topo até a base, inclusive em razão da inter-relação e da

reflexividade entre os critérios que serão adotados.

Hans Kelsen, entretanto, não foi o único a defender tal maneira de pensar e de agir

com o fenômeno jurídico. Norberto Bobbio, da mesma maneira, defendia um modelo lógico-

racionalista do Direito. Assim prescreveu (BOBBIO, 2006, p. 164): “[...] o positivismo jurídico

concebe a atividade da jurisprudência como sendo voltada não para produzir, mas para

reproduzir o direito, isto é para explicitar com meios puramente lógicos-racionais o conteúdo

de normas jurídicas”.

Vê-se, portanto, que tanto quanto defendia Kelsen, Bobbio também consagrou os

ideais positivistas mecanicistas como verdadeiros caminhos para a solução eficaz dos

problemas sociais. Olvidou, contudo, que o direito não é um fenômeno estático, mas sim

dinâmico, necessitando de ferramentas multifacetadas para a resolução dos casos, sejam fáceis

ou difíceis.

Na mesma toada, Herbert Hart, em sua obra O conceito de Direito, consigna que o

sistema jurídico é composto de regras primárias e secundárias, ou seja, tão quanto Kelsen

(embora defendendo um positivismo inclusivo18), o autor indicado aduz que a única fonte do

direito são as regras, razão pela qual acaba por invocar o ideal positivista nos mesmos moldes

defendidos pelo doutrinador alemão.

Herbert Hart (2001, p. 91) assim explicita:

“[...] As regras do primeiro tipo (lê-se primárias) impõem deveres, as regras do

segundo tipo (lê-se secundárias) atribuem poderes, públicos e privados. As regras do

primeiro tipo dizem respeito a acções que envolvem movimentos ou mudanças físicos;

as regras do segundo tipo tornam possíveis actos que conduzem não só a movimentos

ou mudança físicos, mas à criação ou alteração de deveres ou obrigações.”

Até este momento, é possível conceber a utilização da lógica formal, mesmo que

adaptada, ao discurso jurídico, tendo em vista que os doutrinadores, como se vê, defendiam tão

somente a resolução dos problemas sociais com o mero encaixe da regra (norma, após

interpretada) ao caso. Portanto, não havia como se aventar a existência de uma retórica jurídica,

tendo em vista que o método interpretativo aplicado não gerava um ato de persuasão

18 “[...] a proposição de Hart pode ser entendida como aproximada da inclusiva, pois ele expressamente admitiu

que a produção normativa recebe influxos morais, que conformam o conteúdo das Regras Jurídicas, mormente

para adaptá-las às peculiaridades dos grupos sociais que devem recebê-las e cumpri-las.” In ZANON JÚNIOR,

Orlando Luiz. Teoria complexa do direito. 2 ed. rev ampl. Curitiba: Ed. Prismas, 2015. p. 77.

117

contundente (não havia argumentação).

Foi, portanto, com o advento da obra Levando os direitos a sério¸ de Ronald Dworkin,

que o discurso jurídico retórico moderno passou a tomar forma. Dworkin, na obra citada, ao

fazer surgir uma nova fonte jurídica – o princípio jurídico – equipou os aplicadores do direito

com reais argumentos e, consequentemente, construiu meios efetivos de persuasão19. Nasce aí

a retórica jurídica moderna.

Ronald Dworkin (2002, p. 39) diferencia as regras dos princípios do seguinte modo:

A diferença entre princípios jurídicos e regras jurídicas é de natureza lógica. Os dois

conjuntos de padrões apontam para decisões particulares acerca da obrigação jurídica

em circunstâncias específicas, mas distinguem-se quanto à natureza da orientação que

oferecem. As regras são aplicáveis à maneira do tudo-ou-nada. Dados os fatos que

uma regra estipula, então ou a regra é válida, e neste caso a resposta que ela fornece

deve ser aceita, ou não é válida, e neste caso em nada contribui para a decisão.

É, portanto, a partir desse momento que o aplicador do direito começa a trabalhar com

fontes diversas das lógicas-racionais antigamente edificadas (regras positivadas) e,

efetivamente, passa a solucionar os casos concretos de maneira dinâmica e menos sistemática,

dando abertura para um pensamento jurídico mais condizente com a realidade social.

Embora Dworkin tenha consignado o princípio jurídico como fonte do direito e

defendido sua aplicação, foi Robert Alexy, um dos primeiros teóricos argumentativos, que, de

fato, apresentou um método para a aplicação eficaz dessa nova fonte jurídica, qual seja, a

ponderação de interesses.

Robert Alexy (2008, p. 95), ao tratar da ponderação de interesses, aduz que “[...] o

objetivo desse sopesamento é definir qual dos interesses – que abstratamente estão no mesmo

nível – tem maior peso no caso concreto”. Assim, para aplicação de princípios ao caso concreto,

tendo em vista que todo caso possui interesses diversos, Alexy defende que há que se ponderar,

sopesar, analisar detidamente os interesses, para, então, aplicar o princípio correto e,

consequentemente, fazer justiça.

Ademais, vale salientar que, diferentemente de Hart (que advoga por uma resposta

razoável) e Dworkin (que defende uma única resposta correta), Alexy defende uma resposta

correta a depender do caso, devendo, para tanto, aplicar a regra ou o princípio por meio de um

procedimento.

Constata-se, desde então, que o modelo apresentado por Alexy contribuiu para a

construção de uma nova retórica jurídica, já que trouxe novos parâmetros, etapas e

19 “[...] Ronald Myles Dworkin, em seu ataque geral declarado ao Positivismo Jurídico, demonstrou que existem

diversos padrões que influenciam o magistrado na construção da Norma que fundamenta uma Decisão concreta,

dos quais reputou legítimos os Princípios (principles) e as Regras (rules) e, de outro lado, rejeitou as políticas

(polices), sem olvidar da existência de outros tipos de argumentos não especificados.” In ZANON JÚNIOR,

Orlando Luiz. Teoria complexa do direito. 2 ed. rev ampl. Curitiba: Ed. Prismas, 2015. p. 100-101.

118

argumentos mais sólidos para a solução dos casos concretos, em especial para aqueles mais

complexos. O autor, destarte, abriu caminho, por meio da ponderação de interesses e do trato

adequado com os direitos fundamentais, para uma técnica persuasiva eficiente, já que defendeu

o uso adequado da argumentação jurídica.

Assim, vê-se que o discurso jurídico, anteriormente lógico e sistemático, passou a ser

construído com argumentos mais robustos e com técnicas mais depuradas (PERELMAN, 2000,

p. 142), sendo que o poder de convencimento do público começou a ganhar espaço, abrindo

caminho para uma maneira de interpretar e definir o fenômeno jurídico.

No próximo capítulo, ante a adesão de novas fontes jurídicas pelos aplicadores do

direito e do surgimento de teses pós-positivistas, como as já defendidas por Dworkin e Alexy,

tratar-se-á acerca do discurso parresiasta e de sua possível conexão com o atual panorama da

seara jurídica.

3 O DISCURSO PARRESIASTA: PELO DEVER DA VERDADE DOS OPERADORES

JURÍDICOS

A palavra Parresía aparece pela primeira vez na literatura grega em Eurípedes (487-

407 a.C) e recorre todo o mundo literário grego na antiguidade desde finais do século V a.C

(FOUCALT, 2004. p. 35). Ela pode ser traduzida, nas palavras de Foucalt (2004, p. 36), como

franqueza.

Etimologicamente, Parresía significa dizer o todo. Segundo Foucalt (2004, p. 36-37),

o parresiastés, o qual se utiliza do discurso parresiasta, é aquele que “[...] no oculta nada, sino

que abre su corazón y su alma por completo a otras personas a através de su discurso”.

Realizando um comparativo entre o discurso retórico e o parresiasta, Foucalt elucida:

La palabra <<parresía>> hace referencia, por tanto, a una forma de relación entre el

hablante y lo que se dice, pues en la parresía, el hablante hace manifiestamente claro

y obvio que lo que dice es su propia opinión. Y hace esto evitando cualquier clase de

forma retórica que pudiera velar lo que piensa. En lugar, el parresiastés utiliza las

palabras y las formas de expresión más directas que puede encontrar. Mientras que la

retórica proporciona al hablante recursos técnicos que le ayudan a prevalecer sobre

las opiniones de su auditorio (sin preocuparse de la propria opinión del retor respecto

de lo que dice), en la parresía, el parresiastés actúa sobre la opinión de los demás

mostrándoles, tan directamente como sea posible, lo que él cree realmente.20

(FOUCALT, 2004. p. 37)

Assim, é possível verificar claramente a diferença entre o discurso retórico e o

parresiasta. Enquanto aquele se preocupa em falar o estritamente necessário, o que é belo,

abusando dos usos dos entimemas, este decide por se utilizar da franqueza, da verdade, não se

importando com as consequências que possam vir a ser geradas.

20 Itálico conforme o original.

119

Trazendo tal modelo de discurso ao atual panorama do direito brasileiro, é possível

constatar que, de fato, muito se está utilizando da prática parresiasta pelos operadores do direito

– em sua maioria pelos magistrados e pelos membros do Ministério Público -, tendo em vista

que certos movimentos institucionais seguem permitindo a utilização do argumento moral como

critério de decisão judicial.

Nesse sentido, Tércio Sampaio Ferraz Jr. (2015, p. 204) salienta acerca da atual

situação do direito contemporâneo:

Existe hoje uma vasta literatura (Dworkin, Alexy, Carlos Nino, Zagrebelsky, Atienza,

Troper, etc.) que, a partir de uma crítica ao positivismo analítico e sua exclusão das

justificações morais da argumentação jurídica, propõe, ao contrário, que os saberes

dogmáticos e as técnicas jurídicas, por óbvio, não conseguem conviver com essa

exclusão, sobretudo no terreno constitucional.

Surge daí um ativismo judicial, principialista e argumentativo, de clara matriz anglo-

saxônica, que não só parte para um ataque à argumentação positivista (que separa

direito e moral e despe os argumentos de sua carga moral para lhes dar uma carga de

mera eficiência técnica), mas se endereça também para uma concepção dogmática

jurídica que vem transformando sua função social21.

Assim, o ativismo judicial, movimento institucional que objetiva conectar o direito

com suas bases morais e principiológicas, tem por fim, como se percebe na prática, dar ao juiz

poder para dizer mais do que a lei ou qualquer outra fonte jurídica legítima permite dizer. Ele

abre o caminho para decisões e pareceres judiciais intrinsicamente ligadas com a concepção

pessoal do operador jurídico, o que, ao ver dos positivistas, é inadmissível.

E mais: pode-se compreender que um novo discurso jurídico, a partir de tais

movimentos – como também é o caso da judicialização das políticas públicas – está se firmando,

todos com o objetivo de buscar, dizer e afirmar a verdade a qualquer custo. Abandona-se o

discurso lógico-racional, que busca com o método dialético anunciar uma conclusão

racionalista e mecanicista; abandona-se o discurso retórico, que tinha por fim persuadir com a

máxima adesão (PERELMAN, 2000, p. 143); constrói-se um discurso parresiasta, onde a

verdade impera e as consequências já não são mais contabilizadas.

Analisando ponto a ponto as características do discurso parresiasta, objetivando

conectá-lo com a aplicação do direito brasileiro contemporâneo, constata-se que, de fato, os

juízes e demais juristas estão se tornando reais, não necessariamente verdadeiros na essência,

parresiastés.

A primeira característica do jogo parresiástico está relacionada à conduta virtuosa do

parresiastés. Segundo Foucalt (2004, p. 40), “[...] El <<juego parresiástico>> presupone que el

parresiastés es alguien que tiene las cualidades morales que se requieren, primero, para conocer

la verdad y, segundo, para comunicar tal verdad a los otros”.

21 Itálico e sublinhado conforme o original.

120

Sendo assim, embora na contemporaneidade brasileira, ante a nefasta corrupção que

está assolando o povo brasileiro, não seja fácil acreditar nas autoridades, ainda há uma crença

da população na conduta dos membros do Poder Judiciário e do Ministério Público. Constata-

se, exemplificando, a conduta ilibada, comprometida e serena do juiz federal Sérgio Fernando

Moro, condutor de grande parte dos processos que envolvem a Operação Lava-Jato. Portanto,

ainda há crença na moralidade e na virtuosidade dos magistrados e membros do Ministério

Público, embora não seja recomendável acreditar cegamente.

Outra característica do parresiastés é a coragem que gera riscos. Segundo Foucalt

(2004, p. 41), “[...] Se dice que alguien utiliza la parresía y merece consideración como

parresiastés sólo si hay un riesgo o un peligro para él en decir la verdad”22.

De fato, nos dias atuais, é possível encontrar diversas decisões judiciais,

procedimentos administrativos e pareceres que colocam em risco a quem os redige e os firma,

principalmente quando envolvem autoridades de grande estima nacional que estão sendo

investigadas, como é o caso do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (na operação Lava-

Jato). Estes juízes, promotores e procuradores estão sendo alvos de ameaças e seguem, mesmo

que contrariamente a muitos, lutando em prol de uma justiça plena e coerente. São, nesse

aspecto, verdadeiros parresiastés.

A análise crítica é outra característica do parresiastés. Nas palavras de Foucalt (2004,

p. 43), “[...] la función de la parresía no es demostrar la verdad a algún otro, sino que tiene la

función de la crítica: la crítica del interlocutor o del propio hablante”23.

No mundo jurídico brasileiro, vê que nossos agentes políticos, em especial nossos

juízes e procuradores, estão usando, dentro das possibilidades, seu lado crítico para resolver os

problemas. Assim, embora o discurso parresiástico seja mais comumente utilizado por membros

dos Poderes Legislativo e Executivo, que estão atualmente se servindo dele apenas para o seu

desenvolvimento pessoal, são os membros do Poder Judiciário e do Ministério Público os que

melhores estão se valendo de tal modelo discursivo para expressão da verdade plena.

Foucalt (2004, p. 44), nessa senda, arrebata:

La parresía es una forma de crítica, tanto hacia otro como hacia uno mismo, pero

siempre en una situación en la que el hablante o el que confiesa está en uma posición

de inferioridad con respecto al interlocutor. El parresiastés es siempre menos

poderoso que aquel con quien habla. La parresía viene de <<abajo>>, como si

dijéramos, y está dirigida hacia <<arriba>>. Por eso, un antiguo griego no diría que

un profesor o un padre que critica a un niño utiliza la parresía. Pero cuando un filosófo

critica a un tirano, cuando um ciudadano critica a la mayoría, cuando un pupilo critica

a su profesor, entonces tales hablantes están utilizando la parresía24.

22 Itálico conforme o original. 23 Itálico conforme o original. 24 Itálico conforme o original.

121

Aparentemente, neste ponto, pode-se, de maneira rasa, chegar ao entendimento de que

os juízes e membros do Ministério Público não são, na verdade, parresiastés, tendo em vista

que, em relação às partes, eles se encontram em um grau de superioridade (são mais poderosos).

Entretanto, tal compreensão não merece prosperar, tendo em vista que tais autoridades,

enquanto ativistas, estão, na realidade, defendendo o povo contra a atuação ineficiente do

Estado. Há sim, deste modo, um pleno jogo parresiástico, tendo em vista que o juiz ou membro

do Ministério Público, em uma situação inferior, prostra-se contra Estado, em situação superior,

em favor da população, partícula social soberana e a quem eles devem prestar contas.

Com mais furor há que se defender o discurso parresiástico dos membros do Poder

Legislativo, tendo em vista que estes são eleitos para defender o povo contra o árbitro do Estado,

editando regras e salvaguardando a proteção eficiente dos direitos de toda população. Já quanto

aos membros do Poder Executivo, neste ponto, há que se analisar, pois, na maioria das vezes,

tais agentes, de fato, estão representando o Estado (como é o caso do Presidente de República)

e impondo certas políticas à população, razão pela qual sua superioridade torna-se manifesta.

A última característica da parresía é o dever de dizer sempre a verdade. Foucalt

(2004, p. 45) expõe, nesse diapasão, que “[...] el orador que dice la verdad a quienes no pueden

aceptar su verdad, por ejemplo, y que puede ser exiliado o castigado de algún modo, es libre de

permanecer en silencio. Nadie le obliga a hablar; pero siente que es su deber hacerlo”.

Por este motivo que a parresía deve ser compreendida numa relação de liberdade e

dever (FOUCALT, 2004, p. 46), pois cabe ao interlocutor decidir acerca de sua fala. Se decidir

falar, estará exercendo a parresía com excelência, pois estará cumprindo com seu dever; se

decidir não falar, estará servindo-se de seu livre arbítrio, embora deixando de lado seu discurso

parresiástico.

No contexto jurídico brasileiro, mormente na atuação judiciária, esta relação de

liberdade e dever quanto à verdade encontra-se em uma linha tênue, tendo em vista que qualquer

argumento/motivo que seja carreado na decisão ou parecer judicial de maneira desproporcional

pode ocasionar um verdadeiro embate jurídico desprovido, na sua essência, de legalidade,

mesmo que, no mais das vezes, munido de legitimidade.

Para tanto, o aplicador do direito, em especial os membros do Poder Judiciário e do

Ministério Público, precisam agir com prudência, de maneira virtuosa, levando em

consideração, para a tomada de decisão, suas virtudes passivas, a fim de que a decisão ou o

parecer não se sejam eivados de ilegalidade e contribuidores de uma não aceitação social.

Segundo Carlos Alberto Agudelo Agudelo (2015, p. 85), ao tratar das virtudes passivas

defendidas por Alexander Bickel, em sua obra The Least Dangerous Branch¸ assim consigna:

122

“[...] las ‘virtudes pasivas’ en The Least Dangerous Branch, serán nada más y nada menos que

la prudencia [...], un mecanismo estrategico que deben tener tanto el legislador como el juez a

la hora de realizar sus funciones como poderes públicos”.

Sendo assim, cabem a todos os agentes políticos, sem distinção, agir de maneira

prudente, virtuosa, aguardando o momento certo de agir, objetivando impedir que decisões ou

atos descompensados sejam realizados e, consequentemente, efeitos ocasionem malefícios ao

sistema e, principalmente, à população.

Concluindo, o discurso parresiástico, após permear por todas suas peculiaridades, é,

de fato, o novo modelo adotado no mundo jurídico, em especial na atuação judiciária,

necessitando, para tanto, que sejam aparadas suas arestas, a fim de impedir que a verdade acabe

se transformando em arbitrariedade.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

A pesquisa ora realizada tratou acerca dos diversos discursos jurídicos, dando destaque

a possível conexão do discurso parresiasta com o panorama jurídico-político brasileiro

contemporâneo.

Inicialmente, abordou-se acerca da lógica formal, de base aristotélica, e de sua

importância para o estudo detido do direito. Ato contínuo, explanou-se sobre o discurso

retórico, apontando posicionamentos e conceituações de diversos jusfilósofos acerca da

matéria. Por fim, explicitou-se acerca das peculiaridades do discurso parresiasta e de sua

possível conexão com a atual situação jurídico-político brasileira.

Com a pesquisa realizada, foi possível verificar que as características do discurso

parresiasta tratadas por Michel Foucalt em sua obra, de fato, possuem conexão com a atual

situação brasileira, mormente no que tange à aplicação do direito por membros do Poder

Judiciário e do Ministério Público.

Deste modo, ante a maneira didática empregada por Michel Foucalt em sua obra

mestre, que também serviu de base para consignar as peculiaridades do discurso parresiasta, e

levando em conta os demais apontamentos doutrinários a respeito, constataram-se, de fato, que

as características centrais de tal discurso da verdade estão inteiramente conectadas com a atual

situação jurídico-política brasileira.

Considerando os levantamentos bibliográficos realizados, pode-se constatar que esta

pesquisa atingiu seu objetivo geral, identificando, com base na teoria edificada por Michel

Foucalt e nos apontamentos doutrinários correlatos, a devida relação do discurso parresiasta

com o ambiente jurídico brasileiro contemporâneo.

123

Conclui-se, portanto, que o discurso parresiasta, de origem grega e que preza a verdade

acima de qualquer circunstância, encontra-se, de fato, conectado com os atuais movimentos

institucionais perpetrados, em especial àqueles que se relacionam com a atuação judiciária,

levando a compreender que o discurso retórico, por muito utilizado, está, gradativamente, sendo

substituído pelo culto da verdade e da franqueza.

REFERÊNCIAS DAS FONTES CITADAS

AGUDELO, Carlos Alberto Agudelo. La democracia de los jueces: la ‘rama menos

peligrosa’ como poder prodemocrático en la práctica constitucional. Bogotá: Editorial

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