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XXVI ENCONTRO NACIONAL DO CONPEDI BRASÍLIA – DF DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL REGINA VERA VILLAS BOAS JOÃO COSTA RIBEIRO NETO

XXVI ENCONTRO NACIONAL DO CONPEDI BRASÍLIA – DF · Revela que em um sistema aberto, o operador do direito tem ... cláusulas gerais, aproximando-as do pensamento de Claus-Wilhelm

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XXVI ENCONTRO NACIONAL DO CONPEDI BRASÍLIA – DF

DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL

REGINA VERA VILLAS BOAS

JOÃO COSTA RIBEIRO NETO

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D597Direito civil constitucional [Recurso eletrônico on-line] organização CONPEDI

Coordenadores: João Costa Ribeiro Neto; Regina Vera Villas Boas – Florianópolis: CONPEDI, 2017.

Inclui bibliografia

ISBN: 978-85-5505-422-8Modo de acesso: www.conpedi.org.br em publicações

Tema: Desigualdade e Desenvolvimento: O papel do Direito nas Políticas Públicas

CDU: 34

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Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito

Florianópolis – Santa Catarina – Brasilwww.conpedi.org.br

Comunicação – Prof. Dr. Matheus Felipe de Castro – UNOESC

1.Direito – Estudo e ensino (Pós-graduação) – Encontros Nacionais. 2. Civil. 3. Constituição. 4.Dano Moral.XXVI Encontro Nacional do CONPEDI (26. : 2017 : Brasília, DF).

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XXVI ENCONTRO NACIONAL DO CONPEDI BRASÍLIA – DF

DIREITO CIVIL CONSTITUCIONAL

Apresentação

A presente obra exibe os trabalhos selecionados e efetivamente apresentados no dia 20 de

julho de 2017, no período compreendido entre as 14:00 e 18:00, nas dependências do Centro

Internacional de Convenções do Brasil, em Brasília (DF), em parceria com a Universidade de

Brasília, por meio do Curso de Pós-Graduação em Direito da UnB – Mestrado e Doutorado,

que recepcionou o XXVI Congresso Nacional do CONPEDI, e debateu o tema

“Desigualdades e Desenvolvimento: o papel do direito nas políticas públicas”.

Os nove trabalhos que compõem o presente livro digital foram inicialmente selecionados e

efetivamente apresentados no XXVI Congresso Nacional do CONPEDI.

As apresentações dos textos selecionados respeitaram um limite de tempo, previamente

estabelecido, que girou em torno de dez a quinze minutos para cada exposição, abrindo-se

dois intensos e frutíferos debates, que aconteceram após a quarta e a nona exposições,

debates estes conduzidos pelos Coordenadores do GT “Direito Civil Constitucional”,

Professores Doutores Regina Vera Villas Bôas (PUC/SP e UNISAL/Lorena) e João Costa

Ribeiro Neto (UnB).

Participaram do GT pesquisadores de diferentes regiões do Brasil, o que proporcionou ao

Grupo uma rica heterogeneidade de opiniões, notadamente, nos debates sobre a

responsabilidade civil, o dano moral, a função social das cláusulas gerais e da boa-fé

objetiva, além da análise sobre a liberdade de expressão versus direitos da personalidade.

Tudo isso, refletido à luz da temática principal do GT Direito Civil Constitucional I, que

enfoca a contemporaneidade do Direito Civil, no contexto sistemático Constitucional.

As problemáticas jurídicas existentes em torno do tema “Desigualdades e Desenvolvimento:

o papel do direito nas políticas públicas”, que foram trazidas à baila pelos artigos expostos,

propiciaram discussões relevantes, introduzidas no GT de maneira bastante clara,

interessante, atual e efusiva, propiciando debates de excelente qualidade, entre os quais se

destacam o enfretamento das questões civis-constitucionais contemporâneas sobre a função

exercida pelo instituto da responsabilidade civil e a efetividade das indenizações por dano

moral.

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A seguir, relaciona-se os títulos dos trabalhos expostos, os nomes dos respectivos autores, os

nomes dos expositores e os breves resumos dos temas abordados:

Título 1 - A constitucionalização do direito civil e as consequências nos defeitos do negócio

jurídico, erro ou ignorância, diante da aplicação da boa-fé objetiva

Autores: Alinson Ribeiro Rodrigues e Jonas Guedes de Lima

Expositor: Jonas Guedes de Lima

Breve resumo: O trabalho analisa os efeitos da constitucionalização do direito civil nos

negócios jurídicos, apresenta os deveres impostos à parte pela boa-fé objetiva, quando da

celebração do negócio jurídico. Questiona o cabimento da responsabilidade civil por abuso

do direito do agente, relacionado aos atos que são praticados violando deveres de conduta,

decorrentes da boa-fé objetiva, diante da ocorrência de vício da vontade – erro ou ignorância

- nos negócios jurídicos. Destaca os efeitos da violação à boa-fé objetiva diante do erro, este

entendido como causa de anulabilidade dos negócios jurídicos, diante da violação do

princípio da confiança.

Título 2 - A eficácia social da posse

Autores: Marcos Claro da Silva, Bruna Migliaccio Setti

Expositor: Marcos Claro da Silva

Breve resumo: O artigo discorre sobre as teorias que ensejam a estruturação e explicação dos

conceitos jurídicos da posse, seus fundamentos e sua natureza jurídica. Realiza análise

investigativa detalhada sobre as teorias possessórias, comparando-as a partir de seleta

doutrina. Indaga a respeito da função social da posse, objetivando desencadear raciocínio que

enfrente a questão civil-constitucional sobre a sua legitimidade e sua eficácia social.

Título 3 - A função das cláusulas gerais no ordenamento jurídico brasileiro e a busca pela

igualdade e pelo desenvolvimento nos julgamentos

Autoras: Gabriela Eulalio de Lima e Sinara Lacerda Andrade

Expositoras: Gabriela Eulalio de Lima e Sinara Lacerda Andrade

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Breve resumo: O artigo discorre sobre a eficácia da aplicabilidade das cláusulas gerais,

compreendidas como normas jurídicas orientadoras do sistema jurídico, oriundas do seu

movimento de flexibilização, as quais inseridas no ordenamento brasileiro, se inter-

relacionam com a Carta Magna e com os demais microssistemas, amparando a preocupação

plural das relações de base. Revela que em um sistema aberto, o operador do direito tem

maiores condições de garantir operabilidade à equidade e ao desenvolvimento dos

julgamentos de conflitos contemporâneos.

Título 4 - Análise econômica do direito civil: implicações para o desenvolvimento humano e

redução das desigualdades

Autoras: Edilene Lôbo e Suzana Oliveira Marques Brêtas

Expositora: Edilene Lôbo

Breve resumo: O artigo aprecia algumas implicações do desenvolvimento humano e da

redução das desigualdades, a partir de análise econômica do direito civil. Recorda algumas

tendências do direito de propriedade, as quais devem ser investigadas em conformidade com

o texto constitucional e com a realidade social, afirmando que em situações de conflitos

sociais, relacionados à matéria, oriundas da ausência de concretização de necessárias

políticas públicas, o Poder Judiciário deve corrigir as distorções e desigualdades que lhes

forem submetidas. No contexto da referida análise, perquire a respeito do acesso à moradia,

examinando questões importantes sobre o mínimo existencial, direito social que assegura a

dignidade da pessoa humana, em face do paradigma democrático contemporâneo, o que é

feito a partir de análise doutrinária, legislativa e jurisprudencial.

Título 5 - As cláusulas gerais e o aprimoramento da interpretação sistemática no direito civil

brasileiro

Autores: Daniel Silva Fampa e Pastora do Socorro Teixeira Leal

Expositora: Edilene Lôbo

Breve resumo: Utilizando-se da hermenêutica normativa, a investigação se refere à

constitucionalização do direito e suas implicações sociais, na seara dos institutos e categorias

que compõem o Código Civil. No contexto, reflete sobre o papel desenvolvido pelas

cláusulas gerais, aproximando-as do pensamento de Claus-Wilhelm Canaris a respeito dos

sistemas, desenvolvido em obra de sua autoria, intitulado “Pensamento Sistemático e

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Conceito de Sistema na Ciência do Direito”. Explora as cláusulas gerais como técnica

legislativa apta à contribuição do fortalecimento da interpretação sistemática das normas

jurídicas investigadas, objetivando à concretização de princípios e valores constitucionais,

além da unidade sistemática.

Título 6 - Do dano moral ao extrapatrimonial: a necessidade de identificação dos direitos e

interesses lesados

Autoras: Ana Cláudia Corrêa Zuin Mattos do Amaral e Maiara Santana Zerbini

Expositora: Maiara Santana Zerbini

Breve resumo: O texto aprecia a figura jurídica do dano moral, considerada como subespécie

de dano extrapatrimonial, objetivando apontar questões relevantes sobre o bem e/ou interesse

juridicamente relevante a ser tutelado, no contexto dos estudos. Recorda que as análises

doutrinária, legislativa e jurisprudencial são muito importantes para demonstrar a evolução

do quadro jurídico relativo ao dano moral e respectivas indenizações, revelando a atual

insuficiência dos apelos unicamente sentimentais relacionados à personalidade humana,

permeando os conceitos de dano moral. Arrola o dano moral como uma espécie de dano

extrapatrimonial relacionada à ofensa da esfera ética do indivíduo, explorando a distinção

estabelecida entre os âmbitos extrapatrimonial e moral, a partir de reflexões sobre a

finalidade ressarcitória do instituto da responsabilidade civil, enquanto dever ético-jurídico.

Título 7 - Liberdade de expressão versus direitos da personalidade: breve análise do

posicionamento jurisprudencial do Supremo Tribunal Federal na ADIN nº 4.815

Autoras: Rafaela Barbosa de Brito e Juliana Cidrão Castelo Sales

Expositoras: Rafaela Barbosa de Brito e Juliana Cidrão Castelo Sales

Breve resumo: O artigo aprecia a matéria da colisão entre direitos fundamentais, relevante no

atual contexto civil-constitucional, lembrando que, cotidianamente, são levados à apreciação

do Supremo Tribunal Federal, inúmeros casos concretos em que a colisão entre direitos

fundamentais vem revelada. Exemplifica a matéria esquadrinhada com a Ação Direta de

Inconstitucionalidade nº. 4.815, a qual esmiúça a constitucionalidade dos artigos 20 e 21 do

vigente Código Civil. Referida ADIN, julgada em 2015, confronta a liberdade de expressão

com o direito de personalidade de biografados, reservando à primeira, no caso apreciado,

tratamento preferencial. O contexto traz à baila, entre outras, discussões importantes sobre os

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direitos civis e constitucionais relacionados à liberdade de expressão, aos direitos de

personalidade de biografados e aos limites entre os referidos direitos e o princípio da

proporcionalidade como critério adequado à resolução de referidos conflitos.

8 - Mutação jurisprudencial e responsabilidade civil das locadoras de veículos: a superação

da súmula 492 do Supremo Tribunal Federal

Autoras: Claudiane Aquino Roesel e Maria Flávia de Freitas Ferreira

Expositora: Maria Flávia de Freitas Ferreira

Breve resumo: A investigação se refere aos precedentes que resultam a elaboração da Súmula

492 do Supremo Tribunal Federal, objetivando demonstrar a existência de incompatibilidade

entre referida Súmula 492 e a atual ordem sócio-jurídica. Excogita o instituto da

responsabilidade civil, trazendo à baila reflexões sobre a utilização da responsabilidade civil

como base da construção teórica da Súmula 492 do Supremo Tribunal Federal. Nesse

sentido, coloca a problemática social contemporânea da escolha jurídica da espécie de

responsabilidade civil como base teórica de referida Súmula: responsabilidade civil subjetiva

ou objetiva? As discussões em torno dos pressupostos do instituto da responsabilidade civil,

notadamente sobre a culpa, o nexo causal e o dano conduzem o operador do direito a refletir

sobre a sua capacidade de “reelaboração de uma experiência”. Conclui pela inadequação da

aplicação acrítica da Súmula 492 do STF, editada em um contexto histórico distinto do atual.

9 - O princípio da boa-fé em uma interpretação alternativa

Autor: Filipe Augusto Sales Lima Bezerra

Expositora: Filipe Augusto Sales Lima Bezerra

Breve resumo: O artigo realiza reflexões sobre o princípio da boa-fé, trazendo discussões

sobre valores nas hipóteses de confronto entre o princípio jurídico e o caso concreto. Aprecia

referido contexto sob uma perspectiva alternativa, que examina os seus fundamentos

históricos e éticos, de maneira a propiciar um novo contexto interpretativo jurídico à

compreensão dos negócios jurídicos firmados. Vasculha os instrumentos de abertura do

sistema jurídico, refletindo sobre os eventuais prejuízos que o excesso desta abertura pode

causar à aplicação do princípio da boa-fé. Traz à baila discussões sobre a visão distributiva

do direito e a aplicação do princípio da boa-fé.

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Brasília, 26 de julho de 2017.

Profa. Dra. Regina Vera Villas Bôas

Professora do Programa de Estudos Pós-Graduados da Pontifícia Universidade Católica de

São Paulo e do Programa de Mestrado em Concretização dos Direitos Sociais, Difusos e

Coletivos do Centro Universitário Salesiano de São Paulo (UNISAL-Lorena)

Prof. Dr. João Costa Ribeiro Neto

Professor do Programa de Estudos Pós-Graduados da Universidade de Brasília

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1 Mestranda em Direito pelo Centro Universitário 7 de Setembro; Pesquisadora bolsista da Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FUNCAP).

2 Mestranda em Direito pelo Centro Universitário 7 de Setembro; Especialista em Direito do Estado pela Universidade Anhanguera; Graduada em Direito pela Faculdade 7 de Setembro.

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LIBERDADE DE EXPRESSÃO VERSUS DIREITOS DA PERSONALIDADE: BREVE ANÁLISE DO POSICIONAMENTO JURISPRUDENCIAL DO SUPREMO

TRIBUNAL FEDERAL NA ADINº 4.815

FREEDOM OF EXPRESSION VERSUS PERSONALITY RIGHTS: A BRIEF ANALYSIS OF THE JURISPRUDENTIAL POSITIONING OF THE SUPREME

FEDERAL COURT IN ADINº 4.815

Rafaela Barbosa de Brito 1Juliana Cidrão Castelo Sales 2

Resumo

Diariamente são levados à apreciação do Supremo Tribunal Federal casos nos quais ocorrem

colisão entre direitos fundamentais. Na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº. 4.815, que

apreciou a constitucionalidade dos artigos 20 e 21 do Código Civil, julgada em 2015, a

Liberdade de Expressão recebeu tratamento preferencial quando confrontado com os direitos

da personalidade dos biografados. Serão objeto da discussão os direitos da personalidade do

biografado, os limites da liberdade de expressão e o princípio da proporcionalidade como

critério adequado para a resolução de tais conflitos.

Palavras-chave: Biografias, Direitos fundamentais, Direitos da personalidade, Liberdade de expressão, Colisão

Abstract/Resumen/Résumé

They are taken daily to the Supreme Court approach cases about collision between

fundamental rights. In the Direct Action of Unconstitutionality nº. 4,815, that appreciate the

constitutionality of Articles 20 and 21 of the Civil Code, judged in 2015, a Freedom of

Expression treatment preferential treatment when confronted with the rights of the

personality of the biographies. It will be discussed the personality rights of the biographer,

the limits of freedom of expression and the principle of proportionality as an appropriate

criterion for resolving such conflicts.

Keywords/Palabras-claves/Mots-clés: Biographies, Fundamental rights, Personality rights, Freedom of expression, Collision

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1 APROXIMAÇÕES SOBRE O TEMA

As relações humanas na sociedade contemporânea muitas vezes são marcadas pela

tensão entre direitos que se contrapõem. A exigência prévia de autorização por parte dos

biografados é um exemplo disso. Nesse caso, é inegável a colisão entre a liberdade de expressão

e os direitos da personalidade, mais especificamente à intimidade, imagem, privacidade e honra.

Para solucionar impasses como o apresentado, o Judiciário vinha se manifestando caso a caso

de modo a realizar a ponderação de direitos denominados fundamentais.

Em 2015, o Supremo Tribunal Federal – STF julgou Ação Direta de

Inconstitucionalidade de nº 4.815, proposta pela Associação Nacional dos Editores de Livros –

ANEL, na qual se arguiu fundamentalmente que os arts. 20 e 21 do Código Civil seriam

contrários à Constituição, de modo que possíveis violações aos direitos da personalidade

deveriam ser solucionados a posteriori por meio de indenização. Ao final, a ação foi julgada

procedente para dar interpretação conforme a Constituição aos artigos já mencionados do

Código Civil.

Com esse julgamento, o STF conferiu primazia à liberdade de expressão em

detrimento ao direito a intimidade. Nesse sentido, pergunta-se, teria o biografado, pelo simples

fato de ser uma pessoa pública, uma diminuição ou relativização dos seus direitos da

personalidade?

Analisar a referida decisão, então, se afigura relevante tendo em vista que o STF

expressamente se manifestou no sentido de reconhecer uma prioridade prima facie à liberdade

de expressão, impossibilitando qualquer mecanismo de defesa prévia em favor do biografado.

O objeto da ação está claramente identificado e restringe-se à interpretação dos arts.

20 e 21 do Código Civil relativas às divulgações de escritos, a transmissão da palavra, à

produção, publicação, exposição ou utilização da imagem de pessoa biografada, previsões

relacionadas aos mencionados direitos da personalidade.

Ademais, não se pode deixar de mencionar que a liberdade de expressão contida no

art. 5º, IV e IX e a liberdade de informação, no art. 5º, inciso XIV, ambos da Constituição

Federal, bem como a proteção do direito à intimidade se enquadram entre os direitos e garantias

fundamentais.

No mesmo sentido, e para corroborar os artigos já mencionados, prevê o art. 220 da

Constituição Federal que “A manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a

informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição,

observado o disposto nesta Constituição”.

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A Constituição Federal prevê ainda no art. 5º, V e X, a proteção do cidadão contra

possíveis violações à sua intimidade, vida priva e à honra, estando o agente violador sujeito a

pagar dano moral e/ou material.

A Carta Magna não alberga direitos absolutos, pelo contrário, eles devem se

harmonizar a fim de garantir à sociedade um bem estar social, é o que se extrai dos termos finais

do art. 220 da Constituição Federal, qual seja, “observado o disposto nesta Constituição”. O

caráter preferencial conferido à liberdade de expressão no julgado em comento lhe atribui peso

tal que o cidadão biografado encontra-se totalmente vulnerável a ação dos biógrafos.

Importante destacar que o art. 21 do Código Civil cuja constitucionalidade foi

questionada, fazia menção expressa: “A vida privada da pessoa natural é inviolável”. Desse

modo, infere-se que o tema em discussão é não somente uma colisão de direitos fundamentais,

mas, envolve também e principalmente o tratamento que deve ser conferido aos direitos ditos

de personalidade.

O caso em apreço tem a peculiaridade de tratar de direitos que visam a proteção da

pessoa e estão previstos, não só no ordenamento civil, mas, também no âmbito dos direitos

fundamentais. Vale lembrar, como será posteriormente mencionado com maior profundidade,

que existe uma “tendência, face ao reconhecimento constitucional da dignidade da pessoa

humana no quadro das relações sociais, para os direitos de personalidade serem também

tutelados, no plano constitucional como direitos fundamentais”. (CAPELO DE SOUZA, 2011,

p. 585)

Não obstante a decisão em apreço envolver diversos direitos de personalidade, como

por exemplo, imagem, honra, nome e privacidade, escolheu-se, dentre os direitos da

personalidade do biografado, o direito a intimidade para ser melhor estudado à luz do Acórdão

da Adin nº. 4815.

Desse modo, serão abordados aspectos relevantes do direito à intimidade, desde o seu

aspecto geral ao específico referente à intimidade do biografado, considerando a decisão do

STF e em cotejo com a Liberdade de Expressão, também garantida pelo ordenamento, bem

como a importância dos preceitos do principio da proporcionalidade para uma análise detida

dos casos de colisão de direitos fundamentais.

2 INTIMIDADE COMO DIREITO DA PERSONALIDADE DO BIOGRAFADO

A Carta Magna de 1988 foi a mais enfática dentre as Constituições brasileiras a tratar

dos direitos fundamentais, e, ressalta-se, que em posição de destaque, já que estão logo após o

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preâmbulo. Os artigos 1º ao 4º são equivalentes a uma espécie de normas mais abstratas que

exercem uma função de preparação e de standards imperativos para o conteúdo principal, que

são os Direitos Fundamentais, elencados, em grande parte, mas não somente, no art. 5º do texto

constitucional.

Dessa forma, vê-se que o legislador Constituinte buscou de forma clara dar aos

princípios fundamentais a condição de normas embasadoras e informativas de toda a ordem

constitucional, inclusive das normas definidoras e garantidoras dos direitos fundamentais que

compõem a essência da Constituição, em aspecto formal e material. (SARLET, 2009)

Com a Constituição Federal de 1988, a dignidade da pessoa humana, reconhecida pelo

Estado, passou a ser efetivamente positivada no ordenamento jurídico brasileiro, apesar da

existência da corrente histórica e filosófica inicial reconhecer a sua íntima relação com o

jusnaturalismo; e o fez elevando-a ao status de princípio fundamental, e não apenas como

direito fundamental.

Sarlet destaca, ainda, que a dignidade da pessoa humana não é, nela só, um direito,

mas que outros direitos fundamentais dela decorrem, ainda que sejam direitos fundamentais

autônomos, não especificados (SARLET, 2009, p. 77). Isso posto, concorda-se com Moraes ao

apresentar um conceito de dignidade da pessoa humana:

A dignidade é um valor espiritual e moral inerente à pessoa, que se manifesta singularmente na autodeterminação consciente e responsável da própria vida e que traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, construindo-se um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar, de modo que, somente excepcionalmente, possam ser feitas limitações ao exercício dos direitos fundamentais, mas sempre sem menosprezar a necessária estima que merecem todas as pessoas enquanto seres humanos. O direito à vida privada, à intimidade, à honra, à imagem, dentre outros, aparece como consequência imediata da consagração da dignidade da pessoa humana como fundamento da República Federativa do Brasil. [...] O princípio fundamental consagrado pela Constituição Federal da dignidade da pessoa humana apresenta-se em dupla concepção. Primeiramente, prevê um direito individual protetivo, seja em relação ao próprio Estado, seja em relação aos demais indivíduos. Em segundo lugar, estabelece verdadeiro dever fundamental de tratamento igualitário dos próprios semelhantes. (MORAES, 2006, p. 48-49)

O mesmo autor ainda leciona que a dignidade da pessoa humana, como dever imposto

aos outros cidadãos, decorre da exigência do homem respeitar a dignidade alheia tal qual os

outros devem respeitar a sua (MORAES, 2005, p. 129).

Em relação à dignidade da pessoa humana, a admissão e observância dos direitos

fundamentais é de inquestionável importância, sob pena de se estar negando a própria condição

de dignidade ao homem, vez que o exercício daqueles direitos proporciona esta condição.

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Além dos direitos fundamentais reconhecidos no Título II da Lei Fundamental, tais

direitos também estão assegurados em outras partes, bem como podem ser recebidos os

positivados nos tratados de direito internacional, conforme o procedimento determinado pela

Constituição. O que importa salientar é que para eles também é aplicável a ideia essencial do

princípio da dignidade da pessoa humana.

De acordo com Cabral, existem consequências jurídicas da dignidade da pessoa

humana que envolvem diretamente os direitos da personalidade: a ausência de possibilidade de

tratamento indigno do ser humano, visto que todos tem a mesma dignidade; e a imposição de

uma conjuntura que possibilite o livre desenvolvimento da personalidade, com a vedação da

submissão de seres humanos a humilhações, ofensa à sua honra e integridade, etc. (CABRAL,

2012)

Pode-se, então, afirmar que direitos da personalidade são verdadeiros direitos

fundamentais privados, devendo ser totalmente respeitados por representarem o conteúdo

mínimo para a existência humana, impondo os limites para a atuação dos demais particulares e

do Estado, cabendo a este somente reconhece-los e sancioná-los, positivando-os.

Beltrão salienta, a título de conceituação, que: “com os direitos da personalidade, quer-

se fazer referencia a um conjunto de bens que são tão próprios do indivíduo, que chegam a se

confundir com ele mesmo e constituem as manifestações da personalidade do próprio sujeito”.

(BELTRÃO, 2005, p. 23)

Possuem os referidos direitos uma série de características: são intransmissíveis,

irrenunciáveis, absolutos, não-limitados, imprescritíveis, impenhoráveis, não sujeitos a

desapropriação e vitalícios.

Dentre os direitos da personalidade do biografado, pode-se falar principalmente da sua

intimidade, além, e sob um viés complementar, da sua imagem e outros, que são cotejados

frente à liberdade de expressão da mídia.

O direito a intimidade não tem denominação uniforme na doutrina, dentre as quais

pode-se citar “right of privacy” ou “right to be alone” (no direito anglo-norte-americano);

“droit à la vie privée” (francês); “diritto alla riservatezza” (italiano); “derecho a la esfera

secreta”(espanhol); “direito de estar só”; “direito à privacidade” e “direito ao resguardo”.

(BITTAR, 2015, p.172)

A preservação da intimidade, assim como a privacidade, tem como fundamento maior

proteger a pessoa contra possíveis ataques de terceiros, “permitindo com isso o livre

desenvolvimento da individualidade física e espiritual do ser humano. São os direitos de

personalidade”. (MARMELTEIN, 2013, p. 115)

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A proteção da intimidade e da vida privada está prevista em diversos instrumentos

normativos, dentre os quais cita-se a Declaração Universal dos Direitos do Homem de 1948,

em seu art. 12, pelo qual “Ninguém será sujeito à interferência em sua vida privada, em sua

família, em seu lar ou em sua correspondência, nem a ataque à sua honra e reputação. Todo ser

humano tem direito à proteção da lei contra tais interferências ou ataques.". O dispositivo

mencionado não se refere apenas as pessoas anônimas, ao contrário, protegendo, todas as

pessoas.

O Pacto Internacional de Direitos Civis, no art. 17, dispôs sobre a impossibilidade de

ingerências arbitrárias ou ilegais na esfera privada da pessoa ou de sua família, além de conferir

proteção contra ofensas ilegais à sua honra e reputação, e por fim garante que toda pessoa terá

direito à proteção da lei contra essas ingerências ou ofensas.

O direito português, no artigo 70 da Lei Civil, ainda previu especial proteção ao

indivíduo quando dispôs sobre a reserva de alguns direitos, dos quais citamos, intimidade,

imagem e privacidade. Essa proteção resulta da necessidade de se atribuir a cada indivíduo,

dotado de dignidade e responsabilidade, autonomia para manter uma esfera privada de sua vida.

(CABRAL, 2012, p. 113)

No contexto brasileiro, a decisão proferida pelo STF na Adin nº. 4.815 declarou ser

inexigível o consentimento de pessoa biografada ou de seus familiares quando se tratar de

pessoas falecidas relativamente a obras biográficas literárias ou audiovisuais conferindo

interpretação conforme a Constituição Federal os arts. 20 e 21 do Código Civil, tudo em

consonância com os direitos fundamentais à liberdade de pensamento e de expressão.

Alegou a ANEL, autora da ação, que “as figuras públicas, ao adquirirem posição de

visibilidade social, têm inseridas as suas vidas pessoais e o controle de seus dados pessoais no

curso da historiografia social, expondo-se ao relato histórico e a biografias literárias,

dramatúrgicas e audiovisuais”. Asseverou que a exigência de autorização prévia do biografado

configuraria censura privada à liberdade de expressão e causaria efeito devastador ao mercado

editorial e audiovisual, pois importaria em negociações com preços absurdos para a obtenção

da licença. E por fim sustentou que as biografias são instrumento de construção da memória

coletiva.

Ao que se infere do trecho acima transcrito, no momento em que a pessoa se torna

pública ela teria os seus direitos da personalidade flexibilizados de maneira que as pessoas

comuns não poderiam ter, por exemplo, a sua privacidade devassada por um paparazzo, ou

outras afrontas, sendo que o próprio ordenamento não os diferencia.

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Importante registrar a delimitação acerca do que seja celebridades e políticos. Nesse

sentido escreveu Rodrigues Júnior:

Haveria uma celebridade em sentido amplo, (a) os políticos e (b) as celebridades em sentido estrito, cujos exemplos mais evidentes seriam jogadores de futebol; artistas; músicos; escritores famosos; participantes de reality shows; pessoas com presença recorrente em programas de televisão, como cientistas políticos, analistas econômicos e outros “consultores” ad hoc dos meios de comunicação; indivíduos que ganharam instantâneo conhecimento público por atos excepcionais ou por efeito de “exposições virais” na internet.(RODRIGUES JÚNIOR , 2013, p. 113-114)

De fato, defende-se que a intimidade da pessoa dita pública pode ser flexibilizada “já

que pessoas famosas sofrem naturalmente maior exposição na mídia.” (MARMELSTEIN,

2013, p. 117). Todavia, aniquilar por completo o direito à intimidade da pessoa em virtude de

ser ela “pessoa cuja trajetória pessoal, profissional, artística, esportiva ou política, haja tomado

dimensão pública, gozam de uma esfera de privacidade e intimidade naturalmente mais

estreita”. (Acórdão, p. 6)

Vasconcelos, ao tratar sobre as figuras públicas, afirma que mesmo as pessoas

detentoras de maior notoriedade têm o mesmo direito à privacidade que todas as pessoas, e

ainda vai além, asseverando que admitir um “estatuto pessoal degradado seria inconstitucional

e colidiria com o princípio da igualdade”. (VASCONCELOS, 2014, p. 82). Assim, o que se

defende é que mesmo estando a pessoa inserida num contexto de publicidade deve ser

preservada uma esfera da sua privacidade, intimidade e vida privada.

Todos os ministros votaram pela procedência da ADIN nº. 4815, todavia, registre-se

que a Advocacia Geral da União e a Presidência da República manifestaram-se contrários: a

Advocacia Geral da União prudentemente manifestou-se pela improcedência do pedido,

asseverando que “a liberdade de expressão, na vertente da liberdade de comunicação, e o direito

à informação encontram limite no direito à privacidade” e completa “a existência digna do ser

humano pressupõe a prerrogativa de reservar para si uma esfera intangível pelos seus

semelhantes” (Acórdão, p. 11); já a Presidência da República argumentou que a ponderação

entre liberdade de informação e de expressão versus direitos da personalidade deve-se

considerar dois aspectos, quais sejam, a veracidade do fato narrado e a existência de interesse

público sobre o mesmo.

O grau de proteção da intimidade em dada situação poderá variar de acordo com

elementos objetivos casuísticos, importando destacar–se que a proteção da intimidade, da vida

privada não encontra definição com base em fórmulas abstratas apriorísticas ou em pretensa

primazia ou hierarquia de alguns indivíduos sobre outros. (CABRAL, 2013, p. 116)

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O que se percebe com a leitura do parecer da AGU e da Presidência da República é

uma clara tentativa de harmonizar os direitos envolvidos ao invés de simplesmente fulminar

um em prol de outro. Desse modo, razoáveis são os argumentos daqueles que se manifestaram

pela improcedência da ação haja vista o caráter não absoluto dos direitos envolvidos.

Sobre a matéria, Bittar leciona que a “pessoa dotada de notoriedade e desde que no

exercício de sua atividade, mesmo assim com certos limites, podendo ocorrer revelação de fatos

de interesse público independentemente de sua anuência” (BITTAR, 2015, p. 174). Ou seja, as

pessoas ditas públicas tem sim um espaço de reserva que interessa apenas a si mesmas, de modo

que para preservar esse espaço faz-se necessário impor limites àqueles que pretendem escrever

sobre a vida e trajetória de pessoas notórias.

Ainda que as pessoas públicas tenham permitido expor de maneira mais ampla, todas

as elas gozam de uma esfera reservada da sua vida privada que envolve preservar uma parcela

de bens como a intimidade pessoal, sentimental, sexual, imagem, memória dentre outros sobre

os quais paira o manto da inviolabilidade haja vista se referir somente à pessoa em si mesma.

Nesse sentido escreveu Capelo de Sousa:

A dignidade da natureza de cada homem, enquanto sujeito pensante dotado de liberdade e capaz de responsabilidade, outorga-lhe autonomia não apenas física mas também moral, particularmente na condução da sua vida, na auto atribuição de fins a si mesmo, na eleição, criação e assunção da sua escala de valores, na prática de seus actos, na reavaliação dos mesmos e na recondução do seu comportamento. Ora, tal autonomia, face a complexidade da vida social, pressupõe nomeadamente que cada homem possua uma esfera privada onde possa recolher-se (right to be alone), pensar-se a si mesmo, avaliar, avaliar a sua conduta, e temperar suas forças e superar as suas fraquezas, esfera essa que os demais sob pena de ilicitude não devem violar, intrometendo-se nela e instrumentalizando ou divulgando os elementos que a compõem. (CAPELO DE SOUSA, 2011)

Conferir ao biógrafo total liberdade para registrar a vida do biografado sob o ângulo e

enfoque que lhe aprouver é decisão que deve ser tomada com cautela, tendo em vista o potencial

prejuízo que uma informação inverídica ou mal colocada pode causar, tanto para o biografado

quanto para a sua família. Os ministros justificaram que não haveria prejuízo para a pessoa

biografada que se sentisse prejudicada, afinal os excessos poderiam ser coibidos a posteriori,

todavia, acredita-se que essa medida não é suficientemente eficaz para proteger os direitos da

personalidade.

Vive-se na sociedade da informação, tudo que se escreve vai para Internet e para o

mundo em milésimos de segundos. De modo que por vezes a indenização ou o direito de

resposta não serão suficientes para compensar o abuso causado ao biografado.

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3 A FUNDAMENTAÇÃO DO STF E A LIBERDADE DE EXPRESSÃO

A interpretação conferida pelo STF no julgamento da Adin nº. 4.815 ao que parece foi

a de que o simples fato de requerer a autorização do biografado configuraria uma espécie de

censura, e não proteção da personalidade da pessoa. Todavia, “não há que se falar em censura

prévia, como pretendem alguns autores, pois o Poder Judiciário, no exercício de suas

atribuições legais e, ainda, na observância da Lei, estará concretizando o exercício das

liberdades públicas garantindo os direitos fundamentais”. (GUERRA, 2004, p. 121)

Na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº. 4815, a relatora ministra Cármem Lúcia

consignou:

Essa interpretação, pretensamente protetiva do direito à intangibilidade da intimidade, da privacidade, da honra e da imagem da pessoa, não pode ser adotada relativamente à produção de obra biográfica, pela circunstância de não se conter exceção expressa a esse gênero no dispositivo legal. Isso porque a liberdade de pensamento, de sua expressão, de produção artística, cultural, científica estaria comprometida e a censura particular seria forma de impor o silêncio à história da comunidade e, em algumas ocasiões, à história de fatos que ultrapassam fronteiras e gerações. (Acórdão, p. 132)

Por vezes percebe-se que o conteúdo posto nas obras biográficas excede em muito o

caráter de registro histórico. Em regra, os temas abordados estão relacionados com matéria de

cunho pessoal que não retrata interesse social algum, mas para o biografado traz prejuízos não

só financeiros, mas também psicológicos.

Assim, garantir uma liberdade de expressão incondicionada em toda e qualquer

circunstância pode oferecer instabilidade ao ordenamento jurídico que tem como um de seus

fundamentos conferir segurança jurídica às pessoas.

Sobre o assunto, Tepedino proferiu parecer na ADIN nº. 4815 e defendeu “ainda que

prejudicial à personalidade do biografado, trata-se de dano que não pode ser considerado

injusto, por tutelar as liberdades de expressão, de pensamento e de informação, asseguradas

pelo Texto Constitucional”, ou seja, corroborou o entendimento dos ministros no sentido de

que no caso de biografias deve-se privilegiar as liberdades, ainda que outros direitos sejam

sacrificados.

O próprio legislador a fim de garantir o equilíbrio do ordenamento jurídico previu

limites à liberdade de expressão e de informação:

De fato não é permitido a censura dos meios de comunicação, entretanto a própria Lei Maior enuncia expressamente alguns limites do direito à informação, dos quais destacamos o direito à imagem (§1º do art. 220). No que se refere à censura,

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partilhamos da mesma ideia de Luis Grandinetti e Pedro Caldas, no sentido de que há possibilidade de bloquear um impresso ou um programa sem, contudo, caracterizar-se uma censura prévia. (GUERRA, 2004, p.134)

A ministra Carmem Lúcia, menciona o caso decidido pela Corte por ocasião da

divulgação dos salários de servidores públicos. Comparação que não se afigura razoável

primeiramente, porque se trata de servidores públicos remunerados pelos cofres públicos, outro

aspecto diferente e extremamente relevante a ser destacado é que a divulgação do salário

independe do juízo de valor de quem divulga diferentemente da biografia, em que o escritor

normalmente busca explorar fatos polêmicos e possivelmente até desconhecidos pelo público,

além de divulgar os fatos conforme o seu entendimento, imprimindo sua subjetividade, e

enfatizando a informação que gere a maior curiosidade possível.

O Ministro Luís Roberto Barroso em seu voto na ADIN nº. 4815, asseverou que

conferir preferência à liberdade de expressão encontra fundamento em três pilares. O primeiro,

devido ao histórico acidentado da liberdade de expressão no Brasil; a segunda razão alegada é

de que sem a liberdade de expressão, não existe a plenitude de outros direitos, como liberdade

associação, liberdade de reunião e desenvolvimento da personalidade; a terceira razão é que a

liberdade de expressão é essencial para o conhecimento da história, para o avanço social e para

a conservação da memória.

Essa preferência prima facie, recorda o Ministro já ter sido atribuída pela Corte

Brasileira quando decidiu a ADPF 130 em que se discutia a constitucionalidade da Lei de

Imprensa e ainda, na ADPF 187 em que restou consignado que a liberdade de expressão merece

proteção qualificada e quando em confronto com outros princípios constitucionais deve ter

dimensão de peso prima facie maior.

A primazia prima facie atribuída à liberdade de expressão deve ser enfrentada com

cautela, haja vista tratar-se de direitos de idêntica hierarquia, bem como pelo fato de que as

liberdades só são concretizadas em consonância com os demais direitos fundamentais.

O tema é relevante e ao mesmo controverso, cabendo assim a seguinte reflexão “Se as

biografias não podem ter sua publicação absurdamente proibida – em regressão ditatorial -,

tampouco se pode aceitar que qualquer um de nós esteja livre para escrever o que desejar sobre

a vida de outrem. Nem lá nem cá. A necessidade do equilíbrio é obvia” (FARIAS;

ROSENVALD; NETTO, 2014, p. 772)

Sobre esse conflito de direitos, deve ser considerado que “numa dada situação de facto

conflitual, podem concorrer diversas proposições normativas referentes ao mesmo direito de

personalidade subjectivado conflitual, importando então inventariar todo o conjunto de

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interesses ou fins jurídicos das proposições normativas concorrentes.” (CAPELO DE SOUZA,

2011, p. 537)

Por fim, a Relatora arrematou que a restrição prévia à liberdade de expressão configura

censura que é repressão e opressão e restringe a informação limitando o conhecimento e o livre

expressar, pensar e sentir. Defende ainda que a liberdade desinformada é algema mental

transparente, porém tão limitadora quanto os grilhões materiais.

Com todo respeito ao posicionamento proferido pela ministra relatora Carmem Lúcia,

mas no contexto social atualmente vivenciado pelo Brasil não é possível concordar.

Conferir uma liberdade de expressão absoluta em meio à sociedade da informação não

é a melhor maneira de coibir censura. A colisão de direitos que se opõem sempre existirá, mas

ao jurista cabe a função de fazê-los coexistirem sem anulá-los. No caso concreto, da maneira

que foi decidido o biografado primeiro precisa ser prejudicado por uma notícia distorcida ou

falaciosa para só depois ser reparado, mas impreterivelmente ele será lesado para

posteriormente ser apurado a sua culpa.

3 APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE COMO PARÂMETRO PARA A SOLUÇÃO DE CONFLITOS ENVOLVENDO OS DIREITOS FUNDAMENTAIS

Merece especial destaque a possibilidade de o princípio da dignidade da pessoa

humana ocupar lugar de limite ao exercício dos demais direitos fundamentais, a fim de se conter

qualquer eventual abuso em relação a eles. Isso parte do pressuposto de que nenhum direito

pode ser absoluto.

Entretanto, deve-se sempre levar em conta que, em princípio, nenhuma violação a

direito fundamental deve ser desproporcional (ferindo ao princípio da proporcionalidade), bem

como não pode atingir o núcleo essencial de proteção do direito em questão.

Diante da possibilidade de se estabelecerem restrições à própria dignidade da pessoa

humana, é essencial saber até que ponto essa, princípio e direito fundamental, pode ser

efetivamente relativizada, além da discussão sobre quais direitos fundamentais poderiam ou

não ser relativizados.

Apresentam-se, nesse ponto, duas possibilidades: a de haver conflito entre dignidade

de pessoas humanas distintas, sendo que ambas são portadoras de dignidade, tratadas de forma

isonômica, havendo o dever de a sociedade como um todo respeitar essa dignidade; e a chance

de a dignidade ceder a valores sociais mais relevantes.

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Sarlet afirma que nos casos de violação contra a pessoa, seja pela carência social,

econômica, cultural ou falta das condições mínimas de sobrevivência, a dignidade está sendo,

sem sombra de dúvidas, relativizada. O autor ainda cita como exemplo a pena restritiva de

liberdade como um caso no qual há relativização da dignidade, sendo que a altíssima restrição

da liberdade significaria a diminuição de uma parcela dessa dignidade. (SARLET, 2009)

Assim, por todo o exposto na presente pesquisa, é inquestionável que a observância

dos direitos da personalidade corresponde à modos de se resguardar a dignidade da pessoa

humana, tendo que ser respeitado e assegurado pelo Estado, bem como pelos particulares.

Merece especial destaque, portanto, a possibilidade de a dignidade da pessoa humana

ocupar lugar de limite ao exercício dos demais direitos fundamentais, a fim de se conter

qualquer eventual abuso em relação a eles. Isso parte do pressuposto de que nenhum direito

pode ser absoluto. Dessa forma, apresenta-se nesta pesquisa a aplicação do mencionado

princípio como o mais adequado para a resolução dos conflitos entre biógrafo e biogradado.

Entretanto, deve-se sempre levar em consideração que, em princípio, nenhuma

violação a direito fundamental deve ser desproporcional (ferindo ao princípio da

proporcionalidade), bem como não pode atingir o núcleo essencial de proteção do direito em

questão.

A proporcionalidade muitas vezes é utilizada como sinônimo de razoabilidade, mas,

em direito, elas significam coisas distintas. A proporcionalidade é uma regra de interpretação e

aplicação do direito, utilizada quando há um ato do Estado que promova o exercício de um

direito fundamental, mas que em contrapartida colida em algum ponto com outro(s) direito(s)

fundamental(is). Para analisar se a não observância a um direito fundamental em detrimento de

outro é legitima é que se procede à análise da proporcionalidade por meio de suas três sub-

regras: adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito.

Silva defende que o princípio da proporcionalidade deveria, com base na classificação

de princípios e regras de Alexy, ser chamado de regra da proporcionalidade, uma vez que a

proporcionalidade não consiste num mandado de otimização dos direitos fundamentais, mas

apenas um meio de se proceder a sua garantia. Resumindo, um princípio obriga a realização de

algo da melhor e maior forma possível de modo que se chegue no ponto almejado, o meio pelo

qual o caminho é traçado é que corresponde a norma. O doutrinador afirma também que o

princípio da razoabilidade corresponde à adequação (sub-regra da regra da proporcionalidade).

(SILVA, 2002)

A interpretação conforme a regra da proporcionalidade deve ser realizada procedendo

à análise de sua subdivisão, não de forma aleatória, mas sim observando a subsidiariedade

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existente entre elas. Desse modo é que, para a operação da verdadeira proporcionalidade, deve

primeiro ser aplicada a adequação (correspondendo à razoabilidade), depois, se for o caso, à

necessidade, e, logo após, se necessária também, a necessidade em sentido estrito. Se o conflito

de direitos fundamentais for resolvido logo no primeiro ou no segundo critério avaliado, não se

aplica o restante.

Quanto ao número de subdivisões da regra da proporcionalidade, há divergências: a

doutrina majoritária reconhece os três aqui apresentados; uma outra reconhece apenas a

adequação e a necessidade; já uma terceira adiciona aos três defendidos pela corrente mais

adotada a análise dos fins que a medida questionada busca alcançar.

Adequado é o meio razoável, ou seja, aquele que tem condições de alcançar a

finalidade desejada, que é plenamente capaz de a promover; sendo inadequado o meio que em

nada colaborar para o trabalho em favor da realização do objetivo almejado. É necessário

quando, em comparação com outro(s), demonstra ser o efetivamente mais apto a alcançar o fim

pretendido, não lesando, ou lesando menos, se for o caso, outros direitos fundamentais. Por fim,

a proporcionalidade em sentido estrito corresponde ao equilíbrio entre a intensidade da restrição

a um direito fundamental e a importância básica do direito com que ele colide (é como se a

medida restritiva tivesse que ter um determinado peso superior para justificar de forma

convincente a restrição ao outro direito fundamental). Dessa forma, a otimização de um direito

fundamental dependerá do sopesamento entre os princípios que colidem. (SILVA, 2002)

Convém destacar também que a Corte Constitucional brasileira não tem aplicado o

conceito de proporcionalidade de forma correta, o que se deve também ao fato de que a doutrina

também não o fez. Daí é que o Supremo Tribunal Federal tem equiparado a proporcionalidade

à razoabilidade, definindo muitas vezes como proporcional o que não extrapola os limites do

razoável. (MARTINS, 2002) A aplicação de tal modo como é vista na jurisprudência atual dá

a entender que a proporcionalidade já é um instituto muito antigo no ordenamento brasileiro,

pacífico em seu entendimento e não necessita de maiores cuidados durante a sua aplicação.

Utilizando-se, portanto, dos critérios da necessidade, adequação e proporcionalidade

em sentido estrito, deverão ser verificados os casos concretos pelo aplicador da norma jurídica,

valendo-se este de um juízo de ponderação “[...] sobre as formas de exercício dos direitos em

disputa, as alternativas de solução possíveis, elegendo-se, por critérios de preferência ou

prevalência, o direito ou valor que deva prevalecer ou, ainda, harmonizando-se seu exercício”

(CABRAL, 2012, p. 133-134).

A ponderação é uma técnica de decisão empregada para solucionar conflitos

normativos que envolvam valores ou opções políticas, em relação aos quais técnicas

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tradicionais de hermenêutica não se mostram suficientes. É justamente o que ocorre com a

colisão de normas constitucionais, pois, nesse caso, não se pode adotar nem o critério

hierárquico, nem o cronológico, nem a especialidade para resolver uma antinomia entre os

valores. (MARMELSTEIN, 2013, p. 378)

Há, ainda, a necessidade de averiguação, na supramencionada atividade, no caso da

análise de colisões entre os direitos da personalidade mais profundamente abordados nesta

pesquisa, das chamadas circunstâncias relevantes ao exercício dos direitos da personalidade,

como a utilidade pública e social da informação ou a mera satisfação da curiosidade. Deve-se

colocar em relevância também a dependência contextual de cada caso. (CABRAL, 2012)

Dessa forma, considerando a observância dos parâmetros expostos, é que o aplicador

do ordenamento jurídico deve julgar as situações a ele apresentadas envolvendo a colisão de

direitos da personalidade quando a ofensa em contraponto à liberdade de expressão, valendo-

se dos ensinamentos inclusive para eventual mensuração de reparações cíveis.

5 CONCLUSÃO

O tema em debate é sensível e bastante polêmico, o Supremo Tribunal Federal se

debruçar sobre a matéria já é um avanço, todavia, algumas ponderações devem ser realizadas

acerca da palavra final proferida pelo STF.

A concordância absoluta por parte dos ministros em conferir primazia prima facie à

liberdade de expressão em detrimento dos direitos de personalidade do biografado ao que

parece pode representar carta branca para escrever o que quiser sobre quem quiser da forma

que quiser sem a observância mínima de resguardar o direito à intimidade, privacidade e

imagem, além de outros.

A solução para possíveis abusos então será, de acordo com o julgamento, sempre a

posteriori, afinal de contas qualquer restrição será entendida como censura prévia foi o que

entendeu o STF, todavia uma reflexão deve ser feita, mas os direitos envolvidos quando

transportados para o âmbito constitucional não são de mesma hierarquia e desse modo não

deveriam ser ponderados?

Todavia, prudentemente o Ministro Gilmar Mendes chamou à reflexão e destacou o

seguinte aspecto, caso o biografado entenda que seus direitos foram violados publicação de

obra não autorizadas, a reparação poderá ser efetivada de outras formas além da indenização,

tais como a publicação de ressalva ou nova edição com correção, ele pode por força do princípio

da inafastabilidade da jurisdição, contido no art. 5º, XXXV, CF “A lei não excluirá da

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apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”, se proteger de possíveis violações,

é o que se vislumbra como solução razoável para casos futuros, evitando assim conceder carta

branca para o lançamento de conteúdos sem qualquer critério e unicamente com o fim de auferir

lucro por meio de informações, muitas vezes distorcidas ou até inverídicas.

Acrescente-se ao artigo da CF/88 já mencionado o art. 12 que dispõe: “Pode exigir que

cesse a ameaça, ou a lesão, a direito da personalidade, e reclamar perdas e danos, sem prejuízo

de outras sanções previstas em lei”.

Desse modo, entende-se que mesmo após a decisão proferida na Adin nº. 4815, é

possível que o juiz no caso concreto interprete os dispositivos legais de modo a garantir a

proteção dos direitos da personalidade.

Por fim pode-se perceber pelo estudo do Acórdão em comento que impera uma

verdadeira confusão metodológica acerca dos direitos do biografado que o STF termina por

resolver o caso aplicando os direitos fundamentais na relação entre particulares, enquanto que

a melhor solução seria a aplicação séria e responsável do princípio da proporcionalidade.

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