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Preço € 1,00. Número atrasado € 2,00 L’O S S E RVATORE ROMANO EDIÇÃO SEMANAL Unicuique suum EM PORTUGUÊS Non praevalebunt Ano XLIX, número 39 (2.534) Cidade do Vaticano quinta-feira 27 de setembro de 2018 y(7HB5G3*QLTKKS( +:!"!}!@!;! Viagem do Santo Padre aos países bálticos Harmonizar as diferenças Pronunciamentos na Lituânia e na Letónia nas páginas 3 a 13 «Abrir uma nova fase» na China que «ajude a sarar as feridas do passado, a restabelecer e a manter a plena comunhão de todos os cató- licos chineses»: desejou o Papa anunciando na audiência geral de quarta-feira, 26 de se- tembro, na praça de São Pedro, a mensagem que foi publicada na mesma data, depois do acordo provisório entre a Santa Sé e a Repú- blica Popular da China sobre a nomeação dos Bispos, assinado no dia 22. O Papa garantiu que os fiéis chineses estão «quotidianamente presentes» na sua oração e manifestou a «sincera admiração pelo dom» da sua «fidelidade, da constância na prova- ção, da arraigada confiança na Providência de Deus, mesmo quando certos acontecimentos se revelaram particularmente adversos». O Pontífice reafirmou também «a prática do diálogo, que significa conhecer-se, respeitar-se e “caminhar juntos”». Neste contexto, ele «coloca o Acordo provisório, que é fruto do longo e complexo diálogo institucional da Santa Sé com as Autoridades governamentais chinesas» iniciado já por São João Paulo II e continuado pelo Papa Bento XVI. Francisco dirigiu-se também aos vários des- tinatários da sua mensagem: em primeiro lu- gar, aos «sete Bispos “oficiais” ordenados sem Mandato Pontifício» aos quais «decidiu con- ceder a reconciliação». Em segundo lugar, di- rigiu-se à comunidade católica na China, que «no plano pastoral é chamada a estar unida». Por fim, um último pensamento foi dedicado «àqueles que guiam a República Popular da China», com o renovado convite «a continua- rem, com confiança, coragem e clarividência, o diálogo encetado há algum tempo». O tema tinha sido enfrentado pelo Papa na terça-feira 25 durante o encontro com os jor- nalistas no voo da Estónia para Roma, no fi- nal da viagem às Repúblicas bálticas, que se concluiu com a missa celebrada em Tallinn. Publicaremos no próximo número os pronun- ciamentos proferidos pelo Papa na Estónia e a entrevista durante a viagem de regresso. PÁGINAS 14 A 17 Assinado o acordo provisório entre a China e a Santa Sé sobre a nomeação dos bispos Mensagem do Papa Francisco aos católicos chineses e à Igreja universal Nossa Senhora de Sheshan No coração de um longo caminho GIOVANNI MARIA VIAN A publicação da mensagem de Francisco aos católicos chineses e à Igreja universal confirma a inci- dência histórica do acordo provi- sório sobre a nomeação dos bispos entre a China e a Santa Sé, fruto de um diálogo que decorre há pe- lo menos trinta anos. O texto pa- pal, simples e ao mesmo tempo solene, esclarece, além de qualquer dúvida, a intenção do acordo assi- nado em Pequim, que consiste em «apoiar e promover o anúncio do Evangelho» e, paralelamente, em «alcançar e conservar a unidade plena e visível da Comunidade ca- tólica na China». Como confirma- ção de que a Igreja existe para tes- temunhar e anunciar a salvação que Cristo trouxe e que esta mis- são será tanto mais credível quan- to mais for vivida na plena comu- nhão. Duas citações, tiradas do livro dos Salmos e da carta aos católi- cos chineses de Bento XVI (que por sua vez, cita dois ditos de Je- sus transmitidos nos evangelhos), abrem a mensagem e mostram ain- da mais claramente o seu significa- do espiritual: a luz do pequeno re- banho constituído pela misericór- dia divina no grande país asiático deve resplandecer «diante dos ho- mens», para que vejam as suas boas obras e deem glória a Deus. Eis, portanto, a tarefa de testemu- nho à qual a Igreja é chamada, também na China. Ciente da confusão causada por um «tropel de opiniões e conside- rações», o Papa garante que reza todos os dias pelos católicos chi- neses, dos quais admira a «fideli- dade» e a «constância na prova- ção», e confirma a sua estima por todo o povo da China, o qual «desde os tempos antigos, entrou em contacto com a mensagem cristã». Sobre estas bases Francis- co reafirma que o diálogo «signifi- ca conhecer-se, respeitar-se e “ca- minhar juntos” para construir um futuro comum de maior harmo- nia», não obstante as diferenças. Neste diálogo, certamente não fácil, insere-se finalmente o acordo provisório assinado em Pequim para resolver «a questão das no- CONTINUA NA PÁGINA 17

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Page 1: y(7HB5G3*QLTKKS( +:!!}!@!;! Preço € 1,00. Número atrasado ... · O Papa garantiu que os fiéis chineses estão «quotidianamente presentes» na sua oração e manifestou a «sincera

Preço € 1,00. Número atrasado € 2,00

L’O S S E RVATOR E ROMANOEDIÇÃO SEMANAL

Unicuique suum

EM PORTUGUÊSNon praevalebunt

Ano XLIX, número 39 (2.534) Cidade do Vaticano quinta-feira 27 de setembro de 2018

y(7HB5G3*QLTKKS( +:!"!}!@!;!

Viagem do Santo Padre aos países bálticos

Harmonizar as diferenças

Pronunciamentos na Lituânia e na Letónia nas páginas 3 a 13

«Abrir uma nova fase» na China que «ajudea sarar as feridas do passado, a restabelecer ea manter a plena comunhão de todos os cató-licos chineses»: desejou o Papa anunciandona audiência geral de quarta-feira, 26 de se-tembro, na praça de São Pedro, a mensagemque foi publicada na mesma data, depois doacordo provisório entre a Santa Sé e a Repú-blica Popular da China sobre a nomeação dosBispos, assinado no dia 22.

O Papa garantiu que os fiéis chineses estão«quotidianamente presentes» na sua oração emanifestou a «sincera admiração pelo dom»da sua «fidelidade, da constância na prova-ção, da arraigada confiança na Providência deDeus, mesmo quando certos acontecimentosse revelaram particularmente adversos». OPontífice reafirmou também «a prática dodiálogo, que significa conhecer-se, respeitar-see “caminhar juntos”». Neste contexto, ele«coloca o Acordo provisório, que é fruto dolongo e complexo diálogo institucional daSanta Sé com as Autoridades governamentaischinesas» iniciado já por São João Paulo II econtinuado pelo Papa Bento XVI.

Francisco dirigiu-se também aos vários des-tinatários da sua mensagem: em primeiro lu-gar, aos «sete Bispos “oficiais” ordenados semMandato Pontifício» aos quais «decidiu con-ceder a reconciliação». Em segundo lugar, di-rigiu-se à comunidade católica na China, que«no plano pastoral é chamada a estar unida».Por fim, um último pensamento foi dedicado«àqueles que guiam a República Popular daChina», com o renovado convite «a continua-rem, com confiança, coragem e clarividência,o diálogo encetado há algum tempo».

O tema tinha sido enfrentado pelo Papa naterça-feira 25 durante o encontro com os jor-nalistas no voo da Estónia para Roma, no fi-nal da viagem às Repúblicas bálticas, que seconcluiu com a missa celebrada em Tallinn.Publicaremos no próximo número os pronun-ciamentos proferidos pelo Papa na Estónia ea entrevista durante a viagem de regresso.

PÁGINAS 14 A 17

Assinado o acordo provisório entre a China e a Santa Sé sobre a nomeação dos bisp os

Mensagem do Papa Franciscoaos católicos chineses e à Igreja universal

Nossa Senhora de Sheshan

No coraçãode um

longo caminhoGI O VA N N I MARIA VIAN

A publicação da mensagem deFrancisco aos católicos chineses eà Igreja universal confirma a inci-dência histórica do acordo provi-sório sobre a nomeação dos bisposentre a China e a Santa Sé, frutode um diálogo que decorre há pe-lo menos trinta anos. O texto pa-pal, simples e ao mesmo temposolene, esclarece, além de qualquerdúvida, a intenção do acordo assi-nado em Pequim, que consiste em«apoiar e promover o anúncio doEvangelho» e, paralelamente, em«alcançar e conservar a unidadeplena e visível da Comunidade ca-tólica na China». Como confirma-ção de que a Igreja existe para tes-temunhar e anunciar a salvaçãoque Cristo trouxe e que esta mis-são será tanto mais credível quan-to mais for vivida na plena comu-nhão.

Duas citações, tiradas do livrodos Salmos e da carta aos católi-cos chineses de Bento XVI (quepor sua vez, cita dois ditos de Je-sus transmitidos nos evangelhos),abrem a mensagem e mostram ain-da mais claramente o seu significa-do espiritual: a luz do pequeno re-banho constituído pela misericór-dia divina no grande país asiáticodeve resplandecer «diante dos ho-mens», para que vejam as suasboas obras e deem glória a Deus.Eis, portanto, a tarefa de testemu-nho à qual a Igreja é chamada,também na China.

Ciente da confusão causada porum «tropel de opiniões e conside-rações», o Papa garante que rezatodos os dias pelos católicos chi-neses, dos quais admira a «fideli-dade» e a «constância na prova-ção», e confirma a sua estima portodo o povo da China, o qual«desde os tempos antigos, entrouem contacto com a mensagemcristã». Sobre estas bases Francis-co reafirma que o diálogo «signifi-ca conhecer-se, respeitar-se e “ca-minhar juntos” para construir umfuturo comum de maior harmo-nia», não obstante as diferenças.

Neste diálogo, certamente nãofácil, insere-se finalmente o acordoprovisório assinado em Pequimpara resolver «a questão das no-

CO N T I N UA NA PÁGINA 17

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página 2 L’OSSERVATORE ROMANO quinta-feira 27 de setembro de 2018, número 39

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Mensagem vídeo na véspera da partida para os países bálticos

O tesouro da liberdade

Na tarde de quinta-feira, 20 de setembroo Papa Francisco foi à basílica romana

de Santa Maria Maior (na foto, com o cardealarcipreste Stanisław Riłko) para recomendar

à Salus populi Romani a viagem que o iria levaraos países bálticos de 22 a 25 de setembroVladas Eidukevič «Panorama de Kaunas»

A liberdade é «um tesouro» quedeve ser «preservado e transmitido,como herança preciosa, às novasgerações», recordou o Papa Francisconuma mensagem vídeo difundida naLituânia, Letónia e Estónia.

Queridos amigos!Na vigília da minha visita aospaíses bálticos, Lituânia, Letóniae Estónia, desejo dirigir uma afe-tuosa saudação a todos vós quehabitais aquelas terras. Emboravenha como Pastor da Igreja Ca-

tólica, gostaria de abraçar todos ede oferecer uma mensagem depaz, boa vontade e esperança pa-ra o futuro.

A minha visita coincide com ocentenário da independência dasvossas nações e naturalmente hon-rará todos aqueles cujos sacrifíciosno passado tornaram possíveis asliberdades do presente. A liberda-de, como sabemos, é um tesouroque deve ser constantemente pre-servado e transmitido às novas ge-rações como uma herança precio-

sa. Em tempos de obscuridade,violência e perseguição, a chamada liberdade não se extingue masinspira a esperança de um futurono qual a dignidade concedidapor Deus a cada pessoa seja res-peitada e no qual todos nos sinta-mos chamados a colaborar para aconstrução de uma sociedade justae fraterna.

Hoje, mais do que nunca, é ne-cessário o sentido de solidariedadee serviço ao bem comum. Desejoque a minha visita seja uma fontede encorajamento para todas aspessoas de boa vontade que, inspi-radas pelos mais profundos valo-res espirituais e culturais herdadosdo passado, estão a trabalhar paci-ficamente para aliviar os sofrimen-tos dos nossos irmãos e irmãs quese encontram em necessidade epara promover a unidade e a har-monia na sociedade a todos os ní-veis.

Sei que muitas pessoas estão atrabalhar para a preparação da mi-nha visita e agradeço-lhes de cora-ção. A todos vós garanto a minhaproximidade na oração e concedoa minha bênção. E peço-vos, porfavor, que rezeis por mim. Deusvos abençoe!

GI O VA N N I MARIA VIAN

Está certamente destinada a entrarna história a data de 22 de setem-bro: pela assinatura, em Pequim,de um acordo provisório sobre anomeação dos bispos, entre a Chi-na e a Santa Sé, preparado em de-cénios de longas e pacientes nego-ciações, no momento em que o Pa-pa inicia a sua visita aos países bál-ticos. Com efeito, Bergoglio che-gou à Lituânia precisamente nasmesmas horas em que, a milharesde quilómetros de distância, osseus representantes alcançaramuma etapa sem dúvida não conclu-siva, mas que desde já parece degrande importância para a vida doscatólicos no grande país asiático.

O acordo era anunciado e, mes-mo se presumivelmente não cessa-rão interpretações contrastantes eoposições, a notícia é muito positi-va e deu imediatamente a volta aomundo. Além disso, o Pontíficereconhece a plena comunhão aosúltimos bispos chineses ordenadossem mandato pontifício, com evi-dente intenção de garantir uma

normal prossecução da vida quoti-diana de muitas comunidades ca-tólicas. Como confirma a disposi-ção simultânea que constitui, nonorte da capital, uma nova dioce-se, a primeira depois de mais desetenta anos.

Trata-se, portanto, de uma eta-pa deveras importante na históriado cristianismo na China, onde osprimeiros vestígios do Evangelhosão antiquíssimos, comprovadospor uma estela erigida em 781 emXi’an, no coração deste enormepaís. De facto, no grande monu-mento, de quase três metros de al-tura e que foi descoberto no iníciodo século XVII, lê-se o relato emcaracteres chineses e siríacos dachegada, já em 635, passando pelachamada Rota da seda, de missio-nários cristãos provenientes prova-velmente da Pérsia. E os seus no-mes estão gravados na rocha calcá-ria, juntamente com o anúncio da“religião da luz”, com uma síntesedas vicissitudes desta minúsculacomunidade acompanhada poroutras dezenas de nomes, e comuma exposição da doutrina cristã

confiada sucessivamente a cente-nas de livros traduzidos e divulga-dos nos séculos seguintes.

A história desta tradição ex-traordinária prolonga-se depoispor cerca de um século, oscilandoentre florescimentos inesperados eperseguições, até se cruzar com asmissões, sobretudo franciscanas,enviadas pelos pontífices e pelossoberanos cristãos europeus, a par-tir da segunda metade do séculoXIII. No início da Idade Modernaé a nova ordem dos jesuítas, pontade lança da Reforma católica, quese torna protagonista das missõesna China, desde Francisco Xavieraté Mateus Ricci, recordando ape-nas os nomes mais conhecidos deuma série que tem poucas compa-rações na história da difusão doEvangelho.

Ingerências políticas, rigidezesdoutrinais, invejas e conflitos entreordens religiosas complicam, po-rém, consideravelmente a obra dosmissionários. Esta é obstaculizadapela controvérsia desastrosa sobreos ritos chineses que se prolongouaté meados do século XVIII, um sé-

culo após os condicionamentos im-postos pelas potências coloniais, eenfim por reiteradas perseguições,inclusive durante o século XX .

Só em 1926 foram ordenadospor Pio XI, em Roma, os primei-ros bispos chineses e, vinte anosmais tarde, foi o seu sucessorquem estabeleceu a hierarquia ca-tólica no país. Estes “dois aconte-cimentos da história religiosa daChina”, definidos “simbólicos edecisivos”, foram recordados nodia 6 de janeiro de 1967 na homi-lia para a Epifania, elogio apaixo-nado do país, por Paulo VI, quecerca de um ano antes no discursoàs Nações Unidas pedira a admis-são da China comunista na orga-nização. E precisamente Montinichegou, “pela primeira vez na his-tória”, durante as horas passadasem Hong Kong (na altura sobcontrolo britânico), ao territóriochinês. “Para pronunciar apenasuma palavra: amor” exclamou oPapa, acrescentando com clarivi-dência: “A Igreja não pode silen-ciar esta boa palavra; amor, quep ermanecerá”.

Uma data na história

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número 39, quinta-feira 27 de setembro de 2018 L’OSSERVATORE ROMANO página 3

Ponte entre oriente e ocidente

Na manhã de sábado, 22 de setembro, o Papachegou à Lituânia, primeira etapa da vigésimaquinta viagem internacional do seuPontificado. O avião papal aterrou às 11h20,horário local, no aeroporto internacional deVilnius, onde teve lugar a cerimónia de boas-vindas. Sucessivamente, o Santo Padre foi deautomóvel ao palácio presidencial , para avisita de cortesia ao chefe de Estado. No final,na praça em frente do edifício, encontrou-secom as autoridades do país, os representantesda sociedade civil e o corpo diplomático,pronunc iando o primeiro discurso em terralituana.

Ao chegar a Vilnius o Papa exortou a empreender o caminho da abertura

LITUÂNIA

Senhora PresidenteMembros do Governoe do Corpo DiplomáticoRepresentantes da sociedade civilIlustres AutoridadesSenhoras e Senhores!É motivo de alegria e esperança começar es-ta peregrinação aos países bálticos pela terralituana, que — como gostava de dizer SãoJoão Paulo II — é «testemunha silenciosa deum amor apaixonado pela liberdade religio-sa» (Discurso na cerimónia de boas-vindas,Vilna, 4 de setembro de 1993, 1).

Agradeço-lhe, Senhora Presidente, as cor-diais expressões de boas-vindas que me diri-giu, em nome pessoal e do seu povo. Nasua pessoa, desejo saudar todo o povo litua-no que hoje me abre as portas da sua casa eda sua pátria. Para todos vós, vai o meu afe-to e o meu sincero agradecimento.

Esta visita tem lugar num momento parti-cularmente importante da vida da vossa na-ção, que celebra cem anos da declaração deindep endência.

Um século marcado por múltiplas provase sofrimentos que tivestes de suportar: pri-sões, deportações e até o martírio. Celebraro centenário da independência significa pa-rar um pouco no tempo, recuperar a memó-ria do que se viveu para tomar contactocom tudo aquilo que vos forjou como naçãoe aí encontrar as chaves que vos permitamencarar os desafios do presente e projetar-vos para o futuro, num clima de diálogo eunidade entre todos os habitantes, de modoque ninguém fique excluído. Cada geraçãoé chamada a assumir as lutas e as realiza-ções do passado e a honrar, no presente, amemória dos pais. Não sabemos como seráo amanhã; o que sabemos é que cabe a cadaépoca conservar a «alma» que a construiu eajudou a transformar em oportunidade debem cada situação de sofrimento e injustiça,e manter viva e eficaz a raiz que produziuos frutos de hoje. E este povo tem uma «al-ma» forte, que lhe permitiu resistir e cons-truir! Assim reza o vosso Hino Nacional:«Possam os teus filhos tirar força do passa-do», para olhar o presente com coragem.

«Possam os teus filhos tirar força do pas-sado».

Ao longo da sua história, a Lituânia sou-be hospedar, aceitar, receber povos de dife-

rentes etnias e religiões. Todos encontraram,nestas terras, um lugar para viver: lituanos,tártaros, polacos, russos, bielorrussos, ucra-nianos, arménios, alemães..., católicos, orto-doxos, protestantes, veterocatólicos, muçul-manos, judeus... viveram juntos e em pazaté à chegada das ideologias totalitárias queromperam a capacidade de acolher e harmo-nizar as diferenças, semeando violência edesconfiança. Tirar força do passado signifi-ca recuperar a raiz e manter sempre vivo tu-do aquilo que de mais autêntico e originalexiste em vós e vos permitiu crescer sem su-cumbir como nação: a tolerância, a hospita-lidade, o respeito e a solidariedade.

Perante o cenário mundial em que vive-mos, onde crescem as vozes que semeiamdivisão e contraposição — i n s t ru m e n t a l i z a n -do muitas vezes a insegurança e os conflitos— ou que proclamam que a única maneirapossível de garantir a segurança e a subsis-tência de uma cultura consiste em procurareliminar, apagar ou expulsar as outras, vós,

lituanos, tendes uma palavra original a ofe-recer: «hospedar as diferenças». Por meiodo diálogo, abertura e compreensão, as cul-turas podem transformar-se em pontes deunião entre o oriente e o ocidente europeu.Tal pode ser o fruto de uma história madu-ra, que vós, como povo, ofereceis à comuni-dade internacional e, de modo particular, àUnião europeia. Sofrestes «na vossa pele»as tentativas de impor um modelo únicoque anulasse o diferente com a pretensão decrer que os privilégios de poucos estejamacima da dignidade dos outros ou do bemcomum. Como justamente apontou BentoXVI, «querer o bem comum e trabalhar porele é exigência de justiça e caridade. (...)Ama-se tanto mais eficazmente o próximo,quanto mais se trabalha em prol de um bemcomum que dê resposta também às suas ne-cessidades reais» (Carta Enc. Caritas in veri-tate, 7). Todos os conflitos que surgem en-contram soluções duradouras, se estas se en-raizarem na atenção concreta às pessoas, es-pecialmente aos mais frágeis, e em sentir-sechamado a «alargar sempre o olhar para re-conhecer um bem maior que trará benefíciosa todos» (Exort. Ap. Evangelii gaudium,235).

Neste sentido, tirar força do passado sig-nifica prestar especial atenção aos mais no-vos, que são, não apenas o futuro, mas opresente desta nação, se permanecerem uni-dos às raízes do povo. Um povo, no qual osjovens encontram espaço para crescer e tra-balhar ajudá-los-á a sentir-se protagonistasda construção do tecido social e comunitá-rio. Isto possibilitará a todos erguer o olharcom esperança para o amanhã. A Lituânia,que eles sonham, joga-se na busca constantede promover as políticas que estimulem aparticipação ativa dos mais novos na socie-dade. Isto será, sem dúvida, semente de es-perança, pois levará a um dinamismo emque a «alma» deste povo continuará a gerarhospitalidade: hospitalidade para o estran-geiro, hospitalidade para os jovens, para osidosos — que são a memória viva — para opobre, enfim hospitalidade para o futuro.

Asseguro-lhe, Senhora Presidente, quepode contar — como até agora — com o em-penho e o trabalho concorde da Igreja cató-lica, para que esta terra possa cumprir a suavocação de ser terra-ponte de comunhão eesp erança.

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página 4 L’OSSERVATORE ROMANO quinta-feira 27 de setembro de 2018, número 39

GI O VA N N I MARIA VIAN

Segunda etapa do itinerário báltico do Papa,a breve visita à Letónia, de Riga ao santuá-rio mariano de Aglona, foi precedida poraquela à Lituânia, o país da região onde oscatólicos são mais numerosos. Dois dias pas-sados no sinal da memória e da sua força,necessárias para construir o futuro e queBergoglio recomendou nos encontros emVilnius e Kaunas. Afirmando que só recor-dando o passado, mesmo o doloroso, se po-de haurir dele o ensinamento necessário parao presente.

No centenário da independência dos trêspaíses bálticos, de facto, o pano de fundoque mais vezes se reapresentou nos pronun-ciamentos e nos gestos do Pontífice foi o daocupação nazista durante quase toda a se-gunda guerra mundial e sucessivamente so-viética. Fruto de “ideologias totalitárias queimpediram a capacidade de hospedar e har-monizar as diferenças semeando violência edesconfiança” disse o Papa no primeiro dis-curso em Vilnius.

Assim, “extrair força do passado”, comocanta o hino lituano, significa recuperar asraízes que permitiram “que não sucumbissecomo nação”, disse Francisco, que as identi-ficou na hospitalidade e na solidariedade.Raízes fundamentais no contexto de hoje: enão só naquele báltico, que pode “transfor-mar-se em ponte de união entre o oriente eo ocidente” mas no conjunto do “cenáriomundial”, e em particular numa União euro-peia que, com frequência, parece ter esqueci-do as razões mais profundas e nobres doprocesso do qual nasceu depois das ruínasda guerra.

A memória daqueles anos terríveis e doperíodo que se seguiu foi evocada não sópelas palavras mas também pelos gestos doPapa, “Toda a Lituânia o pode testemunharsentindo arrepios à simples nomeação da Si-béria, ou dos guetos” disse em Kaunas oPontífice antes de prestar homenagem às ví-timas daqueles horrores indizíveis quandoregressou a Vilnius. De facto, ali parou e re-zou diante do pequeno marco miliário querecorda o aniquilamento do gueto da cidade,conhecida no mundo judaico como a “J e ru -salém do Norte”, e depois no Museu dasocupações e lutas pela liberdade.

Neste lugar sinistro e angustiante, onde sesucederam as polícias secretas nazista e so-viética, Francisco estava profundamente feri-do e comovido. Ali honrou a memória dosmártires, entre os quais bispos e sacerdotescatólicos, para depois parar longamente emsilêncio diante do monumento que recorda“as vítimas da ocupação soviética”, com apresença de algumas dezenas de sobreviven-tes. Em seguida, de centenas de vozes, ele-vou-se um canto comovedor que naquelesanos substituía o hino nacional.

Outros cânticos muito bonitos, grande par-te em latim, animaram na catedral luteranade Riga o encontro ecuménico, pouco depoisdaquele com as autoridades e a sociedade ci-vil que introduziu a visita à Letónia. Nogrande e solene edifício gótico, antigamentecatólico, o Papa, acompanhado pelo arcebis-po luterano, venerou o túmulo de São Mei-nardo, o primeiro bispo dos países bálticos, eem seguida elogiou o ecumenismo “vivo” emissionário, a fim de que “a música do Evan-gelho não cesse de tocar” no tempo do hoje.

No santuário Mater misericordiae de Vilnius

É tempo de solidariedade

Na parte da tarde de 22 de setembro, danunciatura apostólica, o Papa foi de automóvel aosantuário “Mater misericordiae” de Vilnius. À suachegada foi recebido pelo metropolita ortodoxo epelo pároco da igreja católica de Santa Teresa.Dentro da capela, Francisco — na presença dochefe de Estado — presidiu à recitação do terceiromistério gozoso do Rosário e pronunciou o seguinted i s c u rs o .

Amados irmãos e irmãs!Encontramo-nos diante da «Porta da Aurora»,ou seja, tudo o que resta das muralhas desta ci-dade que serviam para se defender de qualquerperigo e provocação, mas que o exército inva-sor, em 1799, destruiu completamente, deixandoapenas esta porta: já então estava ali colocadaa imagem da «Virgem da Misericórdia», a San-tíssima Mãe de Deus que está sempre pronta asocorrer-nos, a vir em nosso auxílio.

Ela, já desde então, queria ensinar-nos quese pode proteger sem atacar, que é possível serprudentes sem a necessidade doentia de des-confiar de todos. Esta Mãe sem o Menino, to-da dourada, é a Mãe de todos; em cada umdaqueles que aqui se deslocam, Ela vê o quemuitas vezes nós próprios não conseguimos se-quer notar: o rosto de seu Filho Jesus gravadono nosso coração.

E, dado que a imagem de Jesus está coloca-da como um selo em todo o coração humano,cada homem e cada mulher oferecem-nos apossibilidade de nos encontrarmos com Deus.Quando nos fechamos em nós próprios commedo dos outros, quando construímos muros ebarricadas, acabamos por nos privar da BoaNova de Jesus, que conduz a história e a vidados outros. Construímos demasiadas fortalezasno nosso passado, mas hoje sentimos a necessi-dade de nos olharmos de frente reconhecendo-nos como irmãos, de caminhar juntos desco-brindo e experimentando, jubilosa e pacifica-mente, o valor da fraternidade (cf. Exort. Ap.Evangelii gaudium, 87). Todos os dias vem aquivisitar a Mãe da Misericórdia uma multidão depessoas provenientes de muitos países: lituanos,polacos, bielorrussos e russos; católicos e orto-doxos. Hoje isto tornou-se possível pela facili-dade das comunicações, a liberdade de circula-ção entre os nossos países. Como seria bom se,à facilidade de se deslocar de um lugar paraoutro, se juntasse também a facilidade de esta-belecer pontes de encontro e solidariedade en-tre todos, de fazer circular os dons que gratui-tamente recebemos, de sair de nós mesmos pa-ra nos darmos aos outros, aceitando por nossavez a presença e a diferença dos outros comoum dom e uma riqueza na nossa vida.

Às vezes parece que o facto de nos abrimosao mundo nos lance para espaços de competi-ção, onde «o homem é lobo para o homem» e

onde há lugar só para o conflito que nos divide,para as tensões que nos consomem, para o ódioe a inimizade que não levam a parte nenhuma(cf. Exort. Ap. Gaudete et exsultate, 71-72).

Como toda a boa mãe, a Mãe da Misericór-dia procura reunir a família e segreda-nos aoouvido: «Procura o teu irmão». Deste modo,abre-nos a porta para uma alvorada nova, umanova aurora. Leva-nos até ao limiar da porta,aquela porta do homem rico do Evangelho (cf.Lc 16, 19-31). Hoje aguardam por nós crianças efamílias com as chagas a sangrar; não são as deLázaro na parábola, mas as de Jesus. São reais,concretas; e, a partir do seu sofrimento e escu-ridão, gritam por nós para que lhes levemos aluz sanadora da caridade. Porque a caridade éa chave que nos abre a porta do Céu.

Amados irmãos, ao cruzar este limiar, possa-mos experimentar a força que purifica o nossomodo de nos relacionar com os outros, e que aMãe nos conceda olhar para os seus limites edefeitos com misericórdia e humildade, semnos julgarmos superiores a ninguém (cf. Fl 2,

3). Ao contemplar os mistérios do Rosário, pe-çamos-lhe para ser uma comunidade que saibaanunciar Jesus Cristo, nossa esperança, a fim deconstruir um pátria capaz de acolher a todos,de receber da Virgem Mãe os dons do diálogoe da paciência, da proximidade e do acolhi-mento que ama, perdoa e não condena (cf.Exort. Ap. Evangelii gaudium, 165); peçamos-lhe para ser uma pátria que escolha construirpontes e não muros, que prefere a misericórdiae não o juízo. Que Maria seja sempre a Portada Aurora para toda esta abençoada terra!

Deixando-nos guiar por Ela, rezemos agorauma dezena do terço, contemplando o terceiromistério gozoso.

A força da memória

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número 39, quinta-feira 27 de setembro de 2018 L’OSSERVATORE ROMANO página 5

CO N T I N UA NA PÁGINA 6

Aos jovens lituanos

Como sair do labirintoBoa tarde a todos vós!Obrigado, Mónica e Jonas, pelovosso testemunho! Recebi-o comovindo de um amigo, como se estivés-semos juntos sentados nalgum bar,contando as coisas da vida, tomandouma cerveja ou uma g h i ra , depois deter estado no Jaunimo Teatras.

Mas a vossa vida não é uma óperateatral; é real, concreta, como a decada um de nós que estamos aqui,nesta bela praça situada entre estesdois rios. E tudo isto talvez nos pos-sa servir para reler as vossas históriase, nelas, descobrir a passagem deDeus... Porque Deus passa semprena nossa vida. Passa sempre. E umgrande filósofo dizia: «QuandoDeus passa, tenho medo... medo denão me dar conta!».

Como esta catedral, atravessastessituações que vos levavam ao colap-so, incêndios dos quais parecia nãopoderdes mais recuperar. Várias ve-zes este templo foi devorado pelaschamas, ruiu, mas sempre houveaqueles que decidiram reconstruí-lo,não se deixaram vencer pelas dificul-dades, não deixaram cair os braços.Há uma linda canção alpina que dizassim: «Na arte de subir, o segredonão está em não cair, mas em não fi-car caído». Recomeçar sempre denovo, e assim subir. Como esta cate-dral. A própria liberdade da vossapátria está construída sobre aquelesque não se deixaram abater pelo ter-ror e a desgraça. A vida, a condiçãoe a morte do teu pai, Mónica, e atua doença, Jonas, poderiam ter-vosdestroçado; e todavia estais aqui apartilhar a vossa experiência comum olhar de fé, fazendo-nos desco-brir que Deus vos deu a graça parasuportar, levantar-vos, continuar acaminhar na vida.

E eu interrogo-me: como se derra-mou em vós esta graça de Deus?Não do ar, nem magicamente: nãohá a varinha mágica para a vida. Is-so aconteceu através de pessoas quecruzaram a vossa vida, pessoas boasque vos nutriram com a sua expe-riência de fé. Na vida, há semprepessoas que dão uma mão para nosajudar a levantar. Mónica, a tua avóe a tua mãe, a paróquia franciscanaforam para ti como a confluênciadestes dois rios: tal como o rio Vilnase junta ao Neris, assim tu te uniste,deixaste conduzir por esta corrente

de graça. Porque o Senhor salva, fa-zendo-nos parte de um povo. O Se-nhor salva-nos, fazendo-nos parte deum povo. Insere-nos num povo e,em última análise, a nossa identida-de será a pertença a um povo. Nin-guém pode dizer: «Eu salvo-me so-zinho»; mas estamos todos interliga-dos, estamos todos «em rede». Deusquis entrar nesta dinâmica de rela-ções e atrai-nos a si em comunidade,dando à nossa vida um sentido ple-no de identidade e pertença (cf.Exort. Ap. Gaudete et exsultate, 6).Também tu, Jonas, encontraste nosoutros, na tua esposa e na promessafeita no dia do Matrimónio, motivopara prosseguir, lutar, viver. Nãopermitais que o mundo vos faça crerque é melhor caminhar sozinho. So-zinho, nunca se consegue. Poderás,sim, conseguir um êxito na vida,mas sem amor, sem companheiros,sem pertença a um povo, sem aquelaexperiência tão bela que é arriscar-mos juntos. Não se pode caminharsozinho. Não cedais à tentação devos concentrar em vós próprios,olhando o próprio umbigo, à tenta-ção de vos tornardes egoístas ou su-perficiais face à dor, às dificuldadesou a um sucesso passageiro. Reafir-memos que, «aquilo que acontece aooutro, acontece a mim»; andemoscontracorrente relativamente a esteindividualismo que isola, que nostorna egocêntricos, que nos tornavaidosos, preocupados apenas com aimagem e o bem-estar próprio. Preo-cupados com a imagem, com o mo-do de aparecer. É feia uma vidadiante do espelho, é feia. Pelo con-trário, é bela a vida com os outros, avida em família, com os amigos,compartilhando a luta do meu po-vo... Assim, a vida é bela!

Somos cristãos e queremos apos-tar na santidade. Apostai na santida-de a partir do encontro e da comu-nhão com os outros, atentos às suasnecessidades (cf. ibid., 146). A nossaverdadeira identidade pressupõe apertença a um povo. Não existemidentidades «de laboratório», nãoexistem! Nem identidades «destila-das», identidades «puro-sangue»: es-tas não existem. Existe a identidadefeita do caminhar juntos, de lutarjuntos, amar juntos. Existe a identi-dade feita de pertencer a uma famí-lia, a um povo. Existe a identidadeque te dá o amor, a ternura, a tua

preocupação pelos outros... Existe aidentidade que te dá a força para lu-tar e, ao mesmo tempo, a ternurapara acariciar. Cada um de nós co-nhece a beleza e também o cansaço— é bom que os jovens se cansem; ésinal que trabalham — e, muitas ve-zes, o tormento de pertencer a umpovo... Vós conheceis isto. Aqui estáenraizada a nossa identidade; nãosomos pessoas sem raízes. Não so-mos pessoas sem raízes!

Ambos lembrastes também a vos-sa presença no coro, a oração em fa-mília, a Missa, a catequese e a ajudaaos mais necessitados; são armas po-derosas que o Senhor nos dá. A ora-ção e o canto, para não nos fechar-mos na imanência deste mundo:anelando por Deus, saístes de vósmesmos e pudestes contemplar comos olhos de Deus aquilo que aconte-cia no vosso coração (cf. ibid., 147);praticando a música, abristes-vos àescuta e à interioridade, deixastes-vos assim tocar na sensibilidade e is-to é sempre uma boa oportunidadepara o discernimento (cf. Sínodo de-dicado aos jovens, Instrumentum la-boris, 162). Certamente a oração po-de ser uma experiência de «luta es-piritual», mas é nela que aprende-mos a escutar o Espírito, discernir ossinais dos tempos e recuperar as for-ças para continuar a anunciar hoje oEvangelho. De que outra forma po-deríamos lutar contra o desânimo àvista das dificuldades próprias ealheias, face aos horrores do mundo?Sem a oração, como faríamos paranão pensar que tudo depende denós, que estamos sozinhos numa lu-ta corpo a corpo com a adversidade?«Jesus e eu, maioria absoluta»: nãoo esqueçais! Isto dizia-o um santo,Santo Alberto Hurtado. O encontrocom Jesus, com a sua palavra, com aEucaristia lembra-nos que não im-porta a força do adversário; não im-porta se está em primeiro lugar oŽalgiris Kaunas ou o Vilnius Rytas[palmas, riem]... A propósito, per-gunto eu: Qual é o primeiro? [ri,riem]. Não importa qual é o primei-ro, não é o resultado que importa,mas que esteja connosco o Senhor.

Serviu-vos de apoio na vida tam-bém a experiência de ajudar os ou-t ro s , descobrir que há pessoas aonosso redor que estão mal, até muitopior do que nós. Mónica, falaste-nos

do teu compromisso com as criançasdeficientes. Ver a fragilidade dos ou-tros situa-nos na realidade, impede-nos de viver debruçados sobre asnossas feridas. É feio viver sempre alamentar-se; é feio. É feio viver de-bruçados sobre as feridas! Quantosjovens deixam o próprio país porfalta de oportunidades! Quantos sãovítimas da depressão, do álcool edas drogas! Vós bem o sabeis.Quantos idosos sozinhos, sem al-guém para partilhar o presente ecom medo que retorne o passado.Vós, jovens, podeis responder a estesdesafios com a vossa presença e como encontro entre vós e os outros. Je-sus convida-nos a sair de nós mes-mos, a arriscar «cara a cara» com osoutros. É verdade que acreditar emJesus implica muitas vezes dar umsalto de fé no vazio, e isto causa me-do. Outras vezes, leva-nos a questio-nar-nos a nós mesmos, a sair dosnossos esquemas, e isto pode fazer-nos sofrer e deixar-nos tentar pelodesânimo. Porém, sede corajosos!Seguir Jesus é uma aventura apaixo-nante que enche de significado anossa vida, faz-nos sentir parte deuma comunidade que nos encoraja,de uma comunidade que nos acom-panha, compromete-nos no serviço.Queridos jovens, vale a pena seguirCristo, vale a pena! Não tenhamosmedo de participar na revolução aque Ele nos convida: a revolução daternura (cf. Exort. Ap. Evangeliigaudium, 88).

Se a vida fosse uma ópera de tea-tro ou um videojogo, estaria circuns-crita num tempo preciso, com umcomeço e um fim quando se corre acortina do teatro ou alguém ganha ojogo. Mas a vida mede-se com ou-tros tempos, não com os tempos doteatro ou do videojogo; a vida joga-se em tempos referidos ao coraçãode Deus; umas vezes avança-se, ou-tras recua-se, provam-se e tentam-senovas estradas, alteram-se. A indeci-são parece nascer do medo que fe-che a cortina do teatro, ou que ocronómetro nos deixe fora do jogo,impedindo-nos de subir uma fase nomesmo. Pelo contrário, a vida é sem-pre um caminhar, a vida é feita emcaminho, não pára; a vida é sempreum caminhar procurando a direçãocerta, sem medo de voltar para trásse se tiver errado. O perigo maior éconfundir o caminho com um labi-rinto: girar sem sentido pela vida,girar sobre si mesmo, sem tomar aestrada que faz avançar. Por favor,não sejais jovens do labirinto, donde

No final da tarde de 22 desetembro, o Pontífice encontrou-secom os jovens lituanos, na praça dacatedral de Vilnius. Introduzidopelos testemunhos de uma jovem ede um jovem, bem como pelaexecução de cânticos e danças, oPapa dirigiu as seguintes palavras.

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página 6 L’OSSERVATORE ROMANO quinta-feira 27 de setembro de 2018, número 39

CO N T I N UA Ç Ã O DA PÁGINA 5

Missa no parque Sàntakos em Kaunas

Solidários com a humanidadee com a história da Lituânia

Aos jovens

Celebrando a missa dominical no parque Sàntakosem Kaunas, depois da aclamação ao Evangelho, oSumo Pontífice proferiu a homilia que passamos ap u b l i c a r.

São Marcos dedica uma parte inteira do seuEvangelho ao ensinamento dirigido aos discí-pulos. É como se, a meio do caminho para Je-rusalém, Jesus quisesse que os seus renovassema sua opção, sabendo que este seguimentocomportaria momentos de provação e sofri-mento. O evangelista narra aquele período davida de Jesus, lembrando que Ele anunciou,em três ocasiões, a sua paixão; e eles, por trêsvezes, expressaram a sua perplexidade e resis-tência, e o Senhor quis deixar-lhes um ensina-mento, em cada uma das três ocasiões. Acaba-mos de ouvir a segunda destas três sequências(cf. Mc 9, 30-37).

A vida cristã sempre atravessa momentos decruz e, às vezes, parecem intermináveis. As ge-rações passadas viram gravar a fogo o tempoda ocupação, a angústia daqueles que eram de-portados, a incerteza por aqueles que não vol-tavam, a vergonha da delação, da traição. O li-vro da Sabedoria fala-nos do justo perseguido,daquele que sofre insultos e tormentos pelosimples facto de ser bom (cf. 2, 20-20). Quan-

tos de vós poderiam contar em primeira pes-soa, ou na história de algum parente, esta mes-ma passagem que foi lida? Quantos de vós vi-ram também vacilar a sua fé, porque Deus nãoapareceu para vos defender; porque o facto depermanecer fiéis não foi suficiente para que Eleinterviesse na vossa história. Kaunas conheceesta realidade; toda a Lituânia o pode testemu-nhar sentindo arrepios à simples nomeação daSibéria, ou dos guetos de Vilna e Kaunas, en-tre outros; e pode corroborar em uníssono como apóstolo Tiago, na passagem da sua Cartaque escutamos: cobiçam, matam, invejam, lu-tam e fazem guerra (cf. 4, 2).

Mas, os discípulos não queriam que Jesuslhes falasse de sofrimento e de cruz; não que-rem saber nada de provações e angústias. ESão Marcos lembra que o interesse deles ia pa-ra outras coisas: voltavam para casa discutindosobre qual deles seria o maior. Irmãos, o desejode poder e glória é o modo mais comum de secomportar daqueles que não conseguem curara memória da sua história e, talvez por issomesmo, não aceitam sequer comprometer-se notrabalho do momento presente. E então discu-te-se sobre quem mais brilhou, quem foi maispuro no passado, quem possui mais direito doque os outros a ter privilégios. E assim nega-

mos a nossa história, «que é gloriosa por serhistória de sacrifícios, de esperança, de lutadiária, de vida gasta no serviço, de constânciano trabalho fadigoso» (Exort. Ap. Evangeliigaudium, 96). É uma atitude estéril e vã, que serecusa a envolver-se na construção do presente,perdendo o contacto com a dolorosa realidadedo nosso povo fiel. Não podemos ser comoaqueles «peritos» espirituais que se limitam ajulgar de fora e passam o tempo inteiro a falarsobre «o que se deveria fazer» (cf. ibid., 96).

Sabendo Jesus o que pensavam, propõe-lhesum antídoto para estas lutas de poder e a recu-sa do sacrifício; e, a fim de dar solenidade aoque está para dizer, senta-se como um Mestre,chama-os e faz um gesto: coloca uma criançano centro; um rapazinho que habitualmenteganhava alguns trocados prontificando-se pararecados que ninguém queria fazer. Hoje, nestamanhã de domingo, quem colocará aqui nomeio? Quem serão os mais pequenos, os maispobres entre nós, que devemos acolher cemanos depois da nossa independência? Quemnão tem nada para nos retribuir, para tornargratificantes os nossos esforços e as nossas re-núncias? Talvez sejam as minorias étnicas danossa cidade, ou os desempregados que sãoforçados a emigrar. Talvez sejam os idososabandonados ou os jovens que não encontramum sentido na vida, porque perderam as suasraízes. «No meio» significa equidistante, demodo que ninguém pode fingir que não vê,ninguém pode afirmar que «é responsabilidadede outros», porque «eu não vi» ou «estou de-masiado longe». Sem protagonismos, sem que-rer ser aplaudidos ou os primeiros. Lá, na cida-de de Vilna, tocou ao rio Vilna oferecer as suaságuas e perder o nome relativamente ao Neris;aqui, é o próprio Neris que perde o nome ofe-recendo as suas águas ao Nemunas. É precisa-mente disto que se trata: ser uma Igreja «emsaída», não ter medo de sair e gastar-se mesmoquando parece que nos dissolvemos, não termedo de nos perdermos atrás dos mais peque-nos, dos esquecidos, daqueles que vivem nasperiferias existenciais. Mas sabendo que aquelesair implicará também em determinados casosdeter o passo, colocar de lado anseios e urgên-cias para saber olhar nos olhos, escutar eacompanhar quem ficou na beira da estrada.Às vezes, será necessário comportar-se como opai do filho pródigo, que permanece junto daporta à espera do seu regresso, para lhe abrirlogo que chegue (cf. ibid., 46); ou como os dis-cípulos que devem aprender que, ao receberum pequenino, é o próprio Jesus que se rece-b e.

Eis porque nos encontramos hoje aqui, an-siosos por receber Jesus: na sua palavra, naEucaristia, nos pequeninos. Recebê-lo para queEle reconcilie a nossa memória e nos acompa-nhe num presente que continue a apaixonar-nos pelos seus desafios, pelos sinais que nosdeixa; para que O sigamos como discípulos,porque nada há de verdadeiramente humanoque não tenha ressonância no coração dos dis-cípulos de Cristo e, assim, sentimos como nos-sas as alegrias e as esperanças, as tristezas e asangústias dos homens do nosso tempo, sobre-tudo dos pobres e dos atribulados (cf. Conc.Ecum. Vat. II, Const. past. Gaudium et spes, 1).E porque, como comunidade, nos sentimosverdadeira e intimamente solidários com a hu-manidade — desta cidade e de toda a Lituânia— e com a sua história (cf. ibid., n. 1), quere-mos doar a vida no serviço e na alegria e, as-sim, fazer saber a todos que Jesus Cristo é anossa única esperança.

é difícil sair, mas jovens a caminho. Não labirin-to, mas caminho!

Não tenhais medo de optar por Jesus, abraçara sua causa, a causa do Evangelho, da humani-dade, dos seres humanos. Porque Ele nunca des-cerá do barco da vossa vida, estará sempre naencruzilhada das nossas estradas, não cessará ja-mais de nos reconstruir, mesmo que às vezes nosempenhemos a demolir-nos. Jesus presenteia-noscom tempos longos e generosos, onde há espaçopara os fracassos, onde ninguém precisa de emi-grar, porque há lugar para todos. Muitos quere-rão ocupar os vossos corações, infestar os cam-

pos das vossas aspirações com as ervas daninhas,mas no final, se dermos a vida ao Senhor, vence-rá sempre o trigo bom. O vosso testemunho,Mónica e Jonas, falava da avó, da mãe... Eu gos-taria de vos dizer — e, com isto, termino; nãovos preocupeis — gostaria de vos dizer que nãoesquecêsseis as raízes do vosso povo. Pensai nopassado, falai com os idosos: não é chato falarcom os idosos. Ide procurar os idosos e pedi-lhes que vos contem as raízes do vosso povo, asalegrias, os sofrimentos, os valores. Assim, be-bendo das raízes, fareis avançar o vosso povo, ahistória do vosso povo para um futuro maior.Queridos jovens, se quiserdes um povo grande,livre, tomai das raízes a memória e levai-o paradiante. Muito obrigado!

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número 39, quinta-feira 27 de setembro de 2018 L’OSSERVATORE ROMANO página 7

Descobrir a tempo o germe perniciosodo antissemitismo

No Angelus o Papa recordou o aniversário da destruição do gueto de Vilnius

Na manhã de 23 de setembro, de Vilnius Francisco foi deautomóvel a Kaunas para celebrar a missa dominical no parqueSàntakos. No final, após a saudação que lhe foi dirigida peloarcebispo jesuíta D. Virbalas e depois de ter concedido a Bênção, oSanto Padre guiou a recitação do Angelus.

Amados irmãos e irmãs!O livro da Sabedoria, que escutamos na primeira leitura, fala-nos do justo perseguido, daquele cuja simples presença já inco-moda os ímpios. O ímpio é descrito como a pessoa que opri-me o pobre, não tem compaixão da viúva, nem respeita o ido-so (cf. 2, 17-20). O ímpio tem a pretensão de pensar que a suaforça é a norma da justiça. Submeter os mais frágeis, usar aforça sob qualquer forma, impor um modo de pensar, umaideologia, um discurso dominante, usar a violência ou a re-pressão para dobrar aqueles que, simplesmente com o seu agirhonesto, simples, operoso e solidário de todos os dias, mani-festam que é possível outro mundo, outra sociedade. Ao ím-pio, não lhe basta fazer o que lhe apraz, deixar-se guiar pelosseus caprichos; também não quer que os outros, fazendo obem, ressaltem este seu modo de proceder. No ímpio, o malprocura sempre aniquilar o bem.

Há setenta e cinco anos, esta nação assistia à definitiva des-truição do Gueto de Vilna; culminava, assim, o aniquilamentode milhares de judeus, que começara dois anos antes. À seme-lhança do que se lê no livro da Sabedoria, o povo judeu pas-sou por ultrajes e tormentos. Façamos memória daqueles tem-pos e peçamos ao Senhor que nos conceda o dom do discerni-mento para descobrir, a tempo, qualquer novo germe daquelecomportamento pernicioso, qualquer aragem que atrofie o co-ração das gerações que, não o tendo experimentado, poderiamcorrer atrás daqueles cantos de sereia.

No Evangelho, Jesus lembra-nos uma tentação a propósitoda qual deveremos vigiar atentamente: a ânsia de ser os pri-meiros, de predominar sobre os outros; tentação esta que po-de esconder-se em todo o coração humano. Quantas vezes su-cedeu que um povo se julgou superior, com mais direitos ad-quiridos, com maiores privilégios a preservar ou conquistar!Qual é o remédio proposto por Jesus, quando surge tal im-pulso no nosso coração e na mentalidade de uma sociedadeou de um país? Fazer-se o último de todos e o servo de todos;permanecer no lugar para onde ninguém quer ir, aonde nadachega, na periferia mais distante; e servir, criando espaços deencontro com os últimos, com os descartados. Se o poder sedeixasse guiar por isto, se permitíssemos ao Evangelho deCristo chegar às profundezas da nossa vida, então a globaliza-ção da solidariedade seria verdadeiramente uma realidade.«Enquanto no mundo, especialmente nalguns países, se rea-cendem várias formas de guerras e conflitos, nós, cristãos, in-sistimos na proposta de reconhecer o outro, de curar as feri-das, de construir pontes, de estreitar laços e de nos ajudarmos“a carregar as cargas uns dos outros” (Gl 6, 2)» (Exort. Ap.Evangelii gaudium, 67).

Aqui, na Lituânia, há uma colina das cruzes onde milharesde pessoas, através dos séculos, plantaram o sinal da cruz.Convido-vos, enquanto rezamos o An g e l u s , a pedir a Maria

que nos ajude a plantar a cruz do nosso serviço, da nossa de-dicação onde precisam de nós, na colina onde moram os últi-mos, onde se requer a delicada atenção aos excluídos, às mi-norias, para afastar dos nossos ambientes e das nossas culturasa possibilidade de aniquilar o outro, marginalizar, continuar adescartar quem nos incomoda e perturba as nossas comodida-des.

Jesus coloca uma criança no centro, coloca-a à mesma dis-tância de todos, para que todos se sintam provocados a cor-responder-lhe. Lembrando o «sim» de Maria, peçamos-lheque torne o nosso «sim» generoso e fecundo como o d’Ela.

[Angelus Domini...].

Bom domingo! Bom almoço! — G ra žaus sekmadienio! Skaniupietu!

No final, o Pontífice acrescentou estas palavras.

Amados irmãos e irmãs!

Quero aproveitar esta oportunidade para agradecer à SenhoraPresidente da República e restantes Autoridades da Lituânia,bem como aos Bispos e seus colaboradores a preparação destaminha visita; e a minha gratidão estende-se a todos aquelesque de muitas maneiras, incluindo a oração, prestaram a suacontribuição.

Nestes dias, penso de modo especial na comunidade judai-ca. De tarde, rezarei diante do Monumento das Vítimas doGueto em Vilna, no septuagésimo quinto aniversário da suadestruição. O Altíssimo abençoe o diálogo e o empenho co-mum pela justiça e a paz.

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página 8 L’OSSERVATORE ROMANO quinta-feira 27 de setembro de 2018, número 39

Encontro com os sacerdotes em Kaunas

Sois filhos de mártires e esta é a vossa força

Amados irmãos e irmãs, boa tarde!Antes de mais nada, gostaria de ex-pressar um sentimento que me vaina alma. Ao contemplar-vos, vejoatrás de vós tantos mártires. Mártiresanónimos, não sabendo nós sequeronde foram sepultados. Inclusive al-guns de vós: saudei um, que soubeo que era a prisão. Para começar,vem-me à mente uma palavra: nãovos esqueçais, fazei memória. Sois fi-lhos de mártires: esta é a vossa força.E que o espírito do mundo não vosvenha dizer outra coisa diferente daque viveram os vossos antepassados.Recordai os vossos mártires e imitaio seu exemplo: não tinham medo.Hoje, ao falar com os Bispos — osvossos Bispos — eles diziam: «Comose pode fazer para introduzir a Cau-sa de Beatificação de muitos quenem documentos temos, mas sabe-mos que são mártires?». É consola-dor, é bom ouvir isto: a preocupaçãocom aqueles que nos deram testemu-nho. São santos.

O Bispo [D. Linas Vodopjanovas,O.F.M., encarregado da vida consa-grada] disse sem meias-palavras (osfranciscanos falam assim): «Muitasvezes hoje, de várias maneiras, é co-locada à prova a nossa fé, afirmouele; e não estava a pensar nas perse-guições dos ditadores. Depois decorresponder à chamada da vocação,muitas vezes já não sentimos alegriana oração nem na vida comunitá-ria».

O espírito da secularização, do té-dio por tudo o que diz respeito àcomunidade é a tentação da segundageração. Os nossos pais lutaram, so-freram, estiveram encarcerados... enós talvez não tenhamos a força decontinuar. Tende isto em conta!

A Carta aos Hebreus faz umaexortação: «Não vos esqueçais dosprimeiros dias. Não vos esqueçaisdos vossos antepassados» (cf. 10, 32-39). Esta é a exortação que vos dirijoao começar.

Toda a visita ao vosso país decor-reu sob este lema: «Jesus Cristo,nossa esperança». Já quase no finaldeste dia, encontramos um texto doapóstolo Paulo que nos convida aesperar com constância. E faz esteconvite depois de nos ter anunciadoo sonho de Deus para cada ser hu-mano, mais ainda, para toda a cria-ção: «tudo contribui para o bem da-queles que amam a Deus» (Rm 8,28); a tradução literal seria «endirei-ta» todas as coisas.

Hoje gostaria de partilhar convos-co alguns traços caraterísticos destaesperança; traços que nós — s a c e rd o -tes, seminaristas, consagrados e con-sagradas — somos chamados a viver.

Antes de nos convidar à esperan-ça, Paulo repetiu três vezes a palavra«gemer»: geme a criação, gemem oshomens, geme o Espírito em nós (cf.Rm 8, 22-23.26). Geme-se pela escra-

vidão da corrupção, pelo anseio àplenitude. Hoje, far-nos-á bem per-guntar se aquele gemido está presen-te em nós ou se, pelo contrário, jánada grita na nossa carne, nada ane-la pelo Deus vivo. Como dizia ovosso Bispo: «Já não sentimos ale-gria na oração, na vida comunitá-ria». O gemido da corça sequiosapor falta de água deveria ser o nossona busca da profundidade, da verda-de, da beleza de Deus. Meus ami-gos, não somos «funcionários de

cultivar o nosso desejo de Deus, co-mo escrevia São João da Cruz. Diziaassim: «Sê assíduo na oração, sem adeixares sequer no meio das ocupa-ções exteriores. Quer comas ou be-bas, quer fales ou trates com os se-culares quer faças qualquer outracoisa, deseja sempre a Deus manten-do n’Ele o afeto do coração» (Conse-lhos para alcançar a perfeição, 9).

Este gemido deriva também dacontemplação do mundo dos ho-mens, sendo um apelo à plenitudeface às necessidades insatisfeitas dosnossos irmãos mais pobres, perantea falta de sentido da vida dos maisnovos, a solidão dos idosos, os abu-sos contra o meio ambiente. É um

cernimento atento, precisamos denos organizar, programar e ser ousa-dos e criativos no nosso apostolado.Que a nossa presença não seja dei-xada à improvisação, mas dê respos-ta às necessidades do povo de Deuse seja, assim fermento na massa (cf.Exort. Ap. Evangelii gaudium, 33).

Mas o Apóstolo fala também deconstância; constância no sofrimento,constância em perseverar no bem.Isto significa estar centrados emDeus, permanecendo firmemente en-raizados n’Ele, ser fiéis ao seu amor.

Vós, os mais idosos (como nãomencionar Mons. Sigitas Tamkevi-cius?), sabereis testemunhar estaconstância no sofrimento, este «es-perar contra toda a esperança» (cf.Rm 4, 18). A violência usada contravós por ter defendido a liberdade ci-vil e religiosa, a violência da difama-ção, o cárcere e a deportação nãopuderam vencer a vossa fé em JesusCristo, Senhor da história. Por isso,tendes tanto a dizer-nos e ensinar-nos, e muito também a propor, semprecisar de julgar a aparente fraque-za dos mais jovens. E vós, mais jo-vens, quando vos vedes confronta-dos com as pequenas frustrações quevos desanimam e tendeis a fechar-vos em vós mesmos, recorrendo acomportamentos e evasões que nãosão coerentes com a vossa consagra-ção, procurai as vossas raízes e olhaio caminho percorrido pelos idosos.Vejo que há jovens aqui. Repito,porque há jovens. E vós, mais jo-vens, quando vos vedes confronta-dos com as pequenas frustrações quevos desanimam e tendeis a fechar-vos em vós mesmos, recorrendo acomportamentos e evasões que nãosão coerentes com a vossa consagra-ção, procurai as vossas raízes e olhaio caminho percorrido pelos idosos.É melhor seguirdes outro caminhodo que viverdes na mediocridade.Isto para os jovens. Estais ainda atempo, e a porta está aberta. Sãoprecisamente as tribulações que deli-neiam os traços distintivos da espe-rança cristã porque, quando é ape-nas uma esperança humana, pode-mos sentir-nos frustrados e esmaga-dos com o fracasso; mas não aconte-ce o mesmo com a esperança cristã:esta sai mais límpida, mais experi-mentada do crisol das tribulações.

É verdade que estes são outrostempos e vivemos noutras estruturas,mas é verdade também que estesconselhos são melhor assimiladosquando as pessoas que viveramaquelas duras experiências não se fe-cham, mas compartilham-nas apro-veitando os momentos comuns. Assuas histórias não aparecem cheiasde saudade pelos tempos passadosapresentados como melhores, nemde acusações dissimuladas contraaqueles que têm estruturas afetivasmais frágeis. A provisão de constân-cia de uma comunidade de discípu-los é eficaz, quando sabe integrar —como o escriba — o novo e o velho(cf. Mt 13, 52), quando está ciente deque a história vivida é raiz para quea árvore possa florescer.

Deus»! Talvez a «sociedade do bem-estar» nos tenha deixado demasiada-mente saciados, cheios de serviços ede bens, e encontramo-nos «pesa-dos» de tudo e cheios de nada; tal-vez nos tenha deixado aturdidos oudissipados, mas não cheios. Pior ain-da, às vezes já nem sentimos fome.Somos nós, homens e mulheres deespecial consagração, aqueles quenão podem jamais permitir-se a per-da daquele gemido, daquela inquie-tude do coração que só no Senhorencontra repouso (cf. SANTO AGOS-T I N H O, Confissões, I, 1, 1). A inquie-tude do coração. Nenhuma informa-ção imediata, nenhuma comunicaçãovirtual instantânea pode privar-nosdos tempos concretos, prolongados,para conquistar — é precisamentedisto que se trata: de um esforçoconstante — para conquistar um diá-logo diário com o Senhor através daoração e da adoração. Trata-se de

gemido que procura organizar-se pa-ra influenciar os acontecimentos deuma nação, de uma cidade; não co-mo pressão ou exercício de poder,mas como serviço. O grito do nossopovo deve-nos importunar como aMoisés, a quem Deus revelou o so-frimento do seu povo no encontrojunto da sarça ardente (cf. Êx 3, 9).Escutar a voz de Deus na oraçãofaz-nos ver, faz-nos ouvir, conhecero sofrimento dos outros para os po-dermos libertar. Mas de igual mododevemos sentir-nos importunadosquando o nosso povo deixou de ge-mer, deixou de procurar a água quemata a sede. É hora também paradiscernir o que está a anestesiar avoz do nosso povo.

O clamor que nos faz procurar aDeus na oração e na adoração é omesmo que nos faz escutar o lamen-to dos nossos irmãos. Eles «espe-ram» em nós e, a partir de um dis-

No início da tarde de 23 de setembro, depois de ter almoçado com os bispos daLituânia no palácio do paço episcopal de Kaunas, o Papa foi à catedral para seencontrar com os sacerdotes, religiosos, consagrados e seminaristas do país.Publicamos a seguir o discurso que o Papa dirigiu ao clero presente.

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número 39, quinta-feira 27 de setembro de 2018 L’OSSERVATORE ROMANO página 9

No museu das ocupações e das lutas pela liberdade

Contra qualquer injustiça

Por fim, olhar para Cristo Jesuscomo nossa esperança significa iden-tificar-nos com Ele, participar comuni-tariamente no seu destino. Para oapóstolo Paulo, a salvação esperadanão se limita a um aspeto negativo— libertação de uma tribulação inter-na ou externa, temporal ou escatoló-gica — mas a ênfase está colocadaem algo altamente positivo: a parti-cipação na vida gloriosa de Cristo(cf. 1 Ts 5, 9-10), a participação noseu Reino glorioso (cf. 2 Tm 4, 18),a redenção do corpo (cf. Rm 8, 23-24). Trata-se, portanto, de vislum-brar o mistério do projeto único e ir-repetível que Deus tem para cadaum, para cada um de nós. Pois nãohá ninguém que nos conheça e nostenha conhecido tão profundamentecomo Deus; por isso Ele nos desti-nou para algo que parece impossí-vel, aposta sem possibilidade de erroque reproduzamos a imagem de seuFilho. Ele colocou as suas expetati-vas em nós, e nós esperamos n’Ele.

Nós: um «nós» que integra, mastambém supera e excede o «eu»; oSenhor chama-nos, justifica-nos eglorifica-nos juntos; e juntos, até aoponto de incluir a criação inteira.Muitas vezes colocamos tanta ênfasena responsabilidade pessoal que adimensão comunitária se tornou umpano de fundo, apenas um orna-mento. Mas o Espírito Santo reúne-nos, reconcilia as nossas diferenças egera novos dinamismos para dar im-pulso à missão da Igreja (cf. Exort.Ap. Evangelii gaudium, 131; 235).

Este templo, onde estamos reuni-dos, é dedicado a São Pedro e SãoPaulo. Ambos os apóstolos estavamcientes do tesouro que lhes fora da-do; e, em momentos e de modos di-ferentes, ambos foram convidados a«fazer-se ao largo» (cf. Lc 5, 4). Nobarco da Igreja, estamos todos, sem-pre procurando clamar a Deus, serconstantes no meio das tribulações eter Cristo Jesus como objeto da nossae s p e ra n ç a . E este barco reconhece nocentro da sua missão o anúncio daglória esperada que é a presença deDeus no meio do seu povo, em Cris-to ressuscitado, e que um dia, ansio-samente esperado por toda criação,se manifestará nos filhos de Deus.Este é o desafio que nos impele: omandato de evangelizar. É a razãoda nossa esperança e alegria.

Quantas vezes encontramos sacer-dotes, consagrados e consagradastristes. A tristeza espiritual é umadoença. Tristes, porque não sabem...Tristes, porque não encontram amor,porque não se sentem enamorados:enamorados do Senhor. Deixaramde lado uma vida de matrimónio, defamília e quiseram seguir o Senhor.Mas agora parece que se cansaram...E surge a tristeza. Por favor, quando

vos encontrardes tristes, parai. Eprocurai um padre sábio, uma irmãsábia. Não sábios, porque se douto-raram na universidade; não por isso!Sábio ou sábia, porque foram capa-zes de avançar no amor. Ide pedir-lhe conselho. Quando começa aque-la tristeza, podemos profetizar queela, se não for curada a tempo, faráde vós «solteirões» e «solteironas»,homens e mulheres que não são fe-cundos. E, desta tristeza, tende me-do! É o diabo que a semeia.

E hoje aquele mar, onde «fazer-seao largo», hão de ser «os cenários eos desafios sempre novos» destaIgreja em saída. Devemos interrogar-nos novamente: que nos pede o Se-nhor? Quais são as periferias quemais precisam da nossa presença, pa-ra lhes levar a luz do Evangelho? (cf.Exort. Ap. Evangelii gaudium, 20).

Caso contrário, se não tiverdes aalegria da vocação, quem poderáacreditar que Jesus Cristo é a nossaesperança? Só o nosso exemplo devida dará razão da nossa esperançan’Ele.

Há outra coisa que está ligadacom a tristeza: confundir a vocaçãocom uma empresa, com uma fábrica.«Estou empregado nisto, trabalhonisto, entusiasmo-me com isto..., esou feliz, porque tenho isto». Mas,amanhã, vem um Bispo (outro ou omesmo), ou vem outro superior, su-periora, e diz-te: «Não, deixa isto evai para tal lugar». É o momento daderrota. Porquê? Porque naquelemomento te darás conta de que se-guiste um caminho equivocado.

Descobrirás que o Senhor, que techamou para amar, está dececionadocontigo, porque preferiste fazer oempresário. No princípio, disse-vosque, a vida de quem segue Jesus,não é a vida de funcionário ou fun-cionária: é a vida do amor ao Se-nhor e do zelo apostólico pelas pes-soas. Permiti-me uma caricatura!Que faz um padre funcionário? Temo seu horário, o seu escritório, abreo escritório àquela hora, faz o seutrabalho, fecha o escritório... E aspessoas estão fora. Não se aproximadas pessoas. Queridos irmãos e ir-mãs, se não quiserdes ser funcioná-rios, digo-vos uma palavra: p ro x i m i -dade! Vizinhança, proximidade. Pro-ximidade do Sacrário, face a facecom o Senhor. E proximidade daspessoas. «Mas, padre, as pessoasnão vêm». Vai ao encontro delas!«Mas, hoje, os adolescentes nãovêm». Inventa qualquer coisa: o ora-tório, para os acompanhar, para osajudar. Proximidade com as pessoas.E proximidade com o Senhor no Sa-crário. O Senhor quer que sejaispastores de povo, e não clérigos deEstado! Depois direi algo às irmãs,mas depois...

Proximidade quer dizer misericór-dia. Nesta terra, onde o Senhor Serevelou como Jesus misericordioso,um sacerdote não pode deixar de sermisericordioso. Sobretudo no con-fessionário. Pensai como Jesus aco-lheria esta pessoa [que vem confes-sar-se]. A este pobrezinho, a vida jáo fustigou bastante! Fazei-lhe sentiro abraço do Pai que perdoa. E se,por exemplo, não lhe podes dar a

absolvição, dá-lhe a consolação doirmão, do pai. Encoraja-o a prosse-guir. Convence-o de que Deus per-doa tudo. Mas isto, com ardor depadre. Nunca afugentar alguém doconfessionário! Nunca expulsá-lo.«Sabes? Tu não podes... Agora nãoposso, mas Deus ama-te; tu reza,volta e falaremos...». Fazer assim.Proximidade. Ser padre é isto. Nãote importas daquele pecador, para oexpulsares assim? Não estou a falarde vós, porque não vos conheço. Fa-lo doutras realidades. E misericór-dia. O confessionário não é o gabi-nete de um psiquiatra. O confessio-nário não é para escavar no coraçãodas pessoas.

E por isso, queridos sacerdotes,para vós proximidade significa tam-bém ter entranhas de misericórdia. Eas entranhas de misericórdia, sabeisonde se ganham? Ali, no Sacrário.

E vós, queridas irmãs! Muitas ve-zes vêm-se irmãs que são boas — to-das as irmãs são boas — mas quemurmuram, murmuram, murmu-ram... Perguntai àquela que está noprimeiro lugar do outro lado — a pe-núltima — se na prisão tinha tempode murmurar, enquanto cosia as lu-vas. Perguntai-lhe. Por favor, sedemães! Sede mães, porque sois íconeda Igreja e de Nossa Senhora. Possacada pessoa que vos vir, ver a mãeIgreja e a mãe Maria. Não esqueçaisisto. E a mãe Igreja não é «solteiro-na». A mãe Igreja não murmura:ama, serve, faz crescer. A vossa pro-ximidade é ser mãe: ícone da Igrejae ícone de Nossa Senhora.

Proximidade ao Sacrário e à ora-ção: aquela sede da alma de que fa-lei. E, com os outros, serviço sacer-dotal e vida consagrada não de fun-cionários, mas de pais e mães de mi-sericórdia. E, se assim fizerdes,quando fordes idosos tereis um sor-riso belíssimo e olhos brilhantes!Porque tereis a alma cheia de ternu-ra, mansidão, misericórdia, amor, pa-ternidade e maternidade.

E rezai por este pobre Bispo.O brigado!

De Kaunas, na tarde de 23 de setembro, o Paparegressou a Vilnius, para rezar em silêncio diante domonumento às vítimas do genocídio judeu na Lituânia.Depois, foi ao museu da ocupação e das lutas pelaliberdade, onde recitou esta oração.

«Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?»(Mt 27, 46).O vosso grito, Senhor, não para de ressoar, ecoandodentro destas paredes que recordam os sofrimentosvividos por tantos filhos deste povo. Lituanos e origi-nários de diferentes nações sofreram na sua carne odelírio de omnipotência daqueles que tudo preten-diam controlar.

No vosso grito, Senhor, ecoa o grito do inocenteque se une à vossa voz e se eleva para o céu. É a Sex-ta-Feira Santa do sofrimento e da amargura, da deso-lação e da impotência, da crueldade e do absurdoque viveu este povo lituano face à ambição desenfrea-da que endurece e cega o coração. Neste lugar damemória, nós vos imploramos, Senhor, que o vossogrito nos mantenha despertos. Que o vosso grito, Se-

nhor, nos liberte da doença espiritual que sempre nostenta como povo: esquecer-nos dos nossos pais, dequanto viveram e sofreram.

Que no vosso grito e na vida dos nossos pais quetanto sofreram, possamos encontrar a coragem de noscomprometermos, com determinação, no presente e nofuturo; que aquele grito seja estímulo para não nosadequarmos às modas do momento, aos slogans sim-plificadores e a toda a tentativa de reduzir e tirar aqualquer pessoa a dignidade de que Vós a revestistes.

Senhor, que a Lituânia seja farol de esperança; sejaterra da memória operosa, que renova os compromis-sos contra toda a injustiça. Que promova esforçoscriativos na defesa dos direitos de todas as pessoas,especialmente das mais indefesas e vulneráveis. E queseja mestra na reconciliação e harmonização das dife-re n ç a s .

Senhor, não permitais que sejamos surdos ao gritode todos aqueles que hoje continuam a erguer a vozpara o céu!

[Bênção em latim...].

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página 10 L’OSSERVATORE ROMANO quinta-feira 27 de setembro de 2018, número 39

O desenvolvimento é medidopelo desejo de gerar vida

LETÓNIAEm Riga o Papa disse que a economia não tem o primado sobre a pessoa

Na manhã de 24 de setembro, de Vilnius oPapa partiu de avião para Riga, onde seencontrou no Palácio presidencial com asautoridades, a sociedade civil e os membrosdo corpo diplomático. Nesta ocasiãosublinhou que «trabalhar pela liberdadesignifica comprometer-se num desenvolvimentointegral e integrante das pessoas e dacomunidade». Publicamos a seguir o seuprimeiro discurso na Letónia.

Senhor PresidenteMembros do Governoe AutoridadesMembros do CorpoD iplomáticoe da Sociedade civilQueridos amigos todos!Agradeço-lhe, Senhor Presidente,as suas amáveis palavras de boas-vindas bem como o convite paravos visitar, que me fez durante oencontro que tivemos no Vatica-no. É motivo de alegria poder-me encontrar pela primeira vezna Letónia e nesta cidade que,como todo o vosso país, sofreuduras provações sociais, políti-cas, económicas e mesmo es-pirituais, devidas às divisõese conflitos do passado; hoje,porém, tornou-se um dosprincipais centros cultu-rais, políticos e portuáriosda região. Os vossos ex-poentes nos campos dacultura e da arte e, emparticular, do mundomusical são bem co-nhecidos além-frontei-ras. Hoje mesmo, tivea possibilidade de osapreciar na minhachegada ao aeropor-to. Por isso, creioque bem se podemaplicar a vós as pa-lavras do Salmista:«Tu converteste omeu pranto em fes-ta» (Sl 30/29,12). ALetónia, terra dosdainas, soube mu-dar o seu pranto eo seu sofrimentoem canto e festa eesforçou-se por setransformar numlugar de diálogo eencontro, de convi-vência pacífica queprocura olhar paradiante.

integral e integrante das pessoase da comunidade. Se hoje pode-mos celebrá-lo é graças a muitosque abriram estradas, portas, fu-turo e vos deixaram em herançaa mesma responsabilidade: abrirfuturo tendo em vista que tudoesteja ao serviço da vida, gerevida. Neste sentido, no finaldeste encontro, iremos ao Mo-numento da Liberdade, onde es-tarão presentes crianças, jovense famílias. Eles lembram-nosque a «maternidade» da Letónia— analogia sugerida pelo lemadesta viagem — encontra eco nacapacidade de promover estraté-gias que sejam verdadeiramenteeficazes e focalizadas mais nosrostos concretos destas famílias,destes idosos, crianças e jovens,do que no primado da economiasobre a vida. A «maternidade»da Letónia manifesta-se tambémna capacidade de criar oportuni-dades de trabalho, para que nin-guém precise de desenraizar-separa construir o seu futuro. Oíndice de desenvolvimento hu-mano mede-se também pela ca-pacidade de crescer e multipli-car-se. O desenvolvimento dascomunidades não se realiza nemse mede apenas pela capacidadede bens e recursos que se pos-sui, mas pelo desejo que se temde gerar vida e criar futuro. Istosó é possível na medida em quehouver enraizamento no passa-do, criatividade no presente,confiança e esperança no ama-nhã. E mede-se pela capacidadede se gastar e apostar, como nossouberam testemunhar as gera-ções passadas.

Senhor Presidente, amigos to-dos! Começo aqui a minha pere-grinação por esta terra, pedindoa Deus que continue a acompa-nhar, abençoar e fazer prosperara obra das vossas mãos em proldesta Nação!

Estais a celebrar o centenárioda vossa independência, mo-mento significativo na vida dasociedade inteira. Conheceisbem o preço desta liberdade,que tivestes de conquistar uma eoutra vez. Uma liberdade que setornou possível graças às raízesque vos constituem, como gosta-va de lembrar Zenta Maurina,que serviu de inspiração a mui-tos de vós: «As minhas raízesestão no céu». Sem esta capaci-dade de olhar para o alto, de fa-zer apelo a horizontes mais al-tos, que nos lembram aquela

«dignidade transcen-dente» que é parte in-tegrante de todo o serhumano (cf. D i s c u rs oao Parlamento europeu,25 de novembro de2014), não teria sidopossível a reconstruçãoda vossa nação. Estacapacidade espiritualde olhar mais além,que se concretiza empequenos gestos diá-rios de solidariedade,compaixão e ajuda mú-tua, sustentou-vos con-ferindo-vos, por suavez, a criatividade ne-

cessária para dar vida a novasdinâmicas sociais contra todasas tentativas reducionistas e deexclusão que sempre ameaçam otecido social.

Alegra-me saber que, no cora-ção das raízes que constituemesta terra, encontra-se a Igrejacatólica numa obra de plena co-laboração com as outras Igrejascristãs, sinal de que é possíveldesenvolver uma comunhão nasdiferenças; isto verifica-se quan-do as pessoas têm a coragem deultrapassar a superfície confli-tual e se contemplam na suadignidade mais profunda. As-sim, podemos afirmar que todasas vezes que aprendemos, comopessoas e comunidades, a olharpara mais alto do que nós mes-mos e os nossos interesses parti-culares, a compreensão e o com-promisso recíprocos transfor-mam-se em solidariedade; e esta,entendida no seu significadomais profundo e desafiador, tor-na-se um modo de construir ahistória, numa área onde os con-flitos, as tensões e mesmo aque-les a quem seria possível consi-derar como contrapostos no pas-sado, podem alcançar uma uni-dade multiforme que gera novavida (cf. Exort. Ap. Evangeliigaudium, 228). O Evangelho, talcomo alimentou a vida do vossopovo, assim hoje pode continuara abrir estradas para enfrentaros desafios atuais, valorizandoas diferenças e sobretudo pro-movendo a comum união entreto dos.

A celebração do centenáriolembra-nos a importância decontinuar a apostar na liberdadee na independência da Letónia,que são certamente um dommas também uma tarefa que in-cumbe sobre todos. Trabalharpela liberdade significa compro-meter-se num desenvolvimento

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número 39, quinta-feira 27 de setembro de 2018 L’OSSERVATORE ROMANO página 11

Encontro ecuménico na catedral luterana

Se a música do Evangelho deixar de tocarDo Palácio presidencial de Riga, ainda na manhã de 24 de setembro, oPapa deslocou-se de automóvel para ir visitar o Monumento da liberdade. Àsua chegada, foi recebido no início da ponte pelo presidente Vējonis e, juntos,caminharam até ao monumento. Depois das honras às bandeiras, o PapaFrancisco colocou uma coroa de flores e, sucessivamente, saudou um grupo depessoas, em representação de crianças, jovens e famílias. No final, transferiu-se de papamóvel para a catedral luterana dedicada a Santa Maria,conhecida como “Rigas Doms”, para ali participar num encontro ecuménicode oração. A seguir, publicamos o discurso do Pontífice.

CO N T I N UA NA PÁGINA 12

Sinto-me feliz por poder encon-trar-me convosco nesta terra quese carateriza por realizar um cami-nho de respeito, colaboração eamizade entre as diferentes Igrejascristãs, que conseguiram gerar uni-dade mantendo a riqueza e a sin-gularidade próprias de cada uma.Atrevo-me a dizer que é um «ecu-menismo vivo», sendo uma dascaraterísticas peculiares da Letó-nia. É, sem dúvida alguma, ummotivo de esperança e ação degraças.

Obrigado ao Arcebispo JānisVanags por nos ter aberto a portadesta casa para realizar o nossoencontro de oração: casa catedralque, há mais de 800 anos, hospe-da a vida cristã desta cidade; teste-munha fiel de muitos irmãos nos-sos que dela se abeiraram paraadorar, rezar, sustentar a esperançaem tempos de tribulação e encon-trar coragem para enfrentar perío-dos cheios de injustiça e sofrimen-to. Hoje hospeda-nos para que oEspírito Santo continue a tecer ar-tesanalmente laços de comunhãoentre nós e, assim, faça tambémde nós artesãos de unidade nomeio do nosso povo, para que asnossas diferenças não se tornemdivisões. Deixemos que o EspíritoSanto nos revista com as armas dodiálogo, da compreensão, da bus-ca do respeito mútuo e da frater-nidade (cf. Ef 6, 13-18).

Nesta catedral, encontra-se umdos órgãos mais antigos da Euro-pa e que, no momento da suainauguração, era o maior do mun-do. Podemos imaginar comoacompanhou a vida, a criatividade,a imaginação e a piedade de todosaqueles que se deixavam envolverpela sua melodia. Foi instrumentode Deus e dos homens, para ele-var o olhar e o coração. Hoje éum emblema desta cidade e destacatedral. Para o «residente» nestelugar, representa mais do que umórgão monumental, faz parte dasua vida, da sua tradição, da suaidentidade; ao passo que, para oturista, é naturalmente um objetoartístico a ser conhecido e fotogra-fado. E este é um perigo que secorre sempre: passar de residentesa turistas, fazendo daquilo quenos identifica um objeto do passa-do, uma atração turística e de mu-seu que recorda os feitos de outro-ra, de alto valor histórico, mas quedeixou de fazer vibrar o coraçãode quantos o escutam.

Com a fé, pode acontecer exata-mente a mesma coisa. Podemosdeixar de nos sentir cristãos resi-dentes, para nos tornarmos turis-

tas. Mais, é possível afirmar quetoda a nossa tradição cristã podesofrer a mesma sorte: acabar redu-zida a um objeto do passado que,fechado dentro das paredes dasnossas igrejas, deixa de produziruma melodia capaz de mover einspirar a vida e o coração daque-les que a ouvem. Porém, comoafirma o evangelho que escutamos,a nossa fé não é para ficar oculta,mas para se dar a conhecer fazen-do-a ressoar nos diferentes setoresda sociedade, a fim de que todospossam contemplar a sua beleza eser iluminados com a sua luz (cf.Lc 11, 33).

Se a música do Evangelho dei-xar de ser executada na nossa vidae se transformar numa bela parti-

«meu» e esquecendo-nos do «nos-so»: a casa comum que a todosnos diz respeito.

Se a música do Evangelho dei-xar de soar, teremos perdido ossons que hão de levar a nossa vidaao céu, entrincheirando-nos numdos piores males do nosso tempo:a solidão e o isolamento. A doen-ça que surge em quem não possuiqualquer laço, e que se pode en-contrar também nos idosos aban-donados ao seu destino, bem co-mo nos jovens sem pontos de refe-rência nem oportunidades de futu-ro (cf. Discurso ao Parlamento euro-peu, 25 de novembro de 2014).

As palavras — Pai, «que todossejam um só (...) para que o mun-do creia» (Jo 17,21) — continuam aressoar intensamente no meio denós, graças a Deus. É Jesus que,antes do seu sacrifício, reza ao Pai.É Jesus, Jesus Cristo que, encaran-do a sua cruz e a cruz de muitosdos nossos irmãos, não cessa deimplorar ao Pai. É o murmúrioconstante desta oração, que traça asenda e nos indica o caminho aseguir. Imersos na sua oração, co-mo crentes n’Ele e na sua Igreja,

música do Evangelho não cesse desoar nas nossas praças.

Alguns podem chegar a dizer:são tempos difíceis, são temposcomplexos, estes que nos cabe vi-ver. Outros podem chegar a pen-sar que, nas nossas sociedades, oscristãos têm cada vez menor mar-gem de ação e influência devido ainúmeros fatores, como, por exem-plo, o secularismo ou as lógicasindividualistas. Isto não pode le-var a uma atitude de fechamento,de defesa, nem de resignação. Nãopodemos deixar de reconhecer quecertamente os tempos não são fá-ceis, sobretudo para muitos dosnossos irmãos que hoje vivem nasua carne o exílio e até o martíriopor causa da fé. Mas o seu teste-munho leva-nos a descobrir que oSenhor nos continua a chamarconvidando-nos a viver o Evange-lho com alegria, gratidão e radica-lidade. Se Cristo nos consideroudignos de viver nestes tempos,nesta hora — a única que temos —não nos podemos deixar vencerpelo medo nem deixar que elapasse sem a assumir com a alegriada fidelidade. O Senhor dar-nos-á

tura do passado, já não conseguiráromper as monotonias asfixiadorasque impedem de animar a espe-rança, tornando estéreis todos osnossos esforços.

Se a música do Evangelho pararde vibrar nas nossas entranhas,perderemos a alegria que brota dacompaixão, a ternura que nasce daconfiança, a capacidade da recon-ciliação que encontra a sua fonteno facto de nos sabermos semprep erdoados-enviados.

Se a música do Evangelho ces-sar de repercutir nas nossas casas,nas nossas praças, nos postos detrabalho, na política e na econo-mia, teremos extinguido a melodiaque nos desafiava a lutar pela dig-nidade de todo o homem e mu-lher, independentemente da suaproveniência, encerrando-nos no

desejando a comunhão de graçaque o Pai possui desde toda aeternidade (cf. São João Paulo II,Carta Enc. Ut unum sint, 9), en-contramos ali a única estrada pos-sível para todo o ecumenismo nacruz do sofrimento de tantos jo-vens, idosos e crianças, frequente-mente expostos à exploração, aoabsurdo, à falta de oportunidadese à solidão. Enquanto fixa o olharno Pai e em nós, seus irmãos, Je-sus não cessa de implorar: que to-dos sejam um só.

Hoje, a missão continua a pe-dir-nos e a reclamar de nós a uni-dade; é a missão que nos exigeque paremos de olhar as feridasdo passado e acabemos com todasas atitudes autorreferenciais paranos centrarmos na oração do Mes-tre. É a missão que reclama que a

a força para fazer de cada tempo,de cada momento, de cada situa-ção uma oportunidade de comu-nhão e reconciliação com o Pai ecom os irmãos, especialmente comaqueles que hoje são consideradosinferiores ou matéria de descarte.Se Cristo nos considerou dignosde fazer ecoar a melodia do Evan-gelho, deixaremos de o fazer?

A unidade, a que o Senhor noschama, é uma unidade sempre emchave missionária, que nos pedepara sair e alcançar o coração donosso povo e das culturas, a socie-dade pós-moderna em que vive-mos «onde são concebidas as no-vas histórias e paradigmas, alcan-çar com a Palavra de Jesus os nú-cleos mais profundos da alma das

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Prece ecuménicaCO N T I N UA Ç Ã O DA PÁGINA 11

Na terra de MariaGI O VA N N I MARIA VIAN

Com a viagem à Estónia concluiu-se oitinerário báltico do Papa, que em Tal-linn chegou à cidade mais setentrionalentre as que visitou nas suas vinte ecinco viagens. Viagens das quais quasemetade foram dedicadas a países euro-peus e todas realizadas com a vontadeevidente de tornar presente no mundode hoje o anúncio e o testemunho doEvangelho. Como aconteceu visivel-mente nestes dias nas três nações da“terra de Maria”, uma denominação daregião báltica que é confirmada em do-cumentos papais medievais.

Neste nome Bergoglio inspirou-seprecisamente ao chegar à capital esto-niana para falar de dois aspetos rela-cionados com a figura de Maria: a me-mória e a fecundidade. Desenvolvendouma reflexão iniciada nestes dias, oPontífice voltou a insistir sobre a im-portância do passado como raiz neces-sária para a construção de um futuroque não perca o «sentido da vida» e acapacidade de se maravilhar.

No centenário da independência dostrês países a viagem papal significoutambém a confirmação de uma relaçãohistórica, que foi frisada pela presidenteestoniana no seu discurso de boas-vin-das. Com efeito, ao recordar o encontroque o secretário de Estado Pietro Gas-parri teve com um diplomata do paísempenhado na guerra de libertação eque pedia à Santa Sé o reconhecimentoda Estónia, o cardeal foi informado quea nova república reconhecia a liberdadede culto e concluiu: «Então somos ami-gos», marcando o início de relações queforam mantidas no tempo com as trêsnações que o Papa está a visitar.

Entre elas a Estónia, muito progredi-da, é também o país mais secularizado,e precisamente por isto não deve esque-cer a sua história. Foi a própria presi-dente quem o disse, e o Pontífice fez-lhe eco: «Ser terra de memória significasaber lembrar que o lugar que alcanças-tes atualmente se deve ao esforço, aotrabalho, ao espírito e à fé dos vossospais», reafirmou Francisco evocando odever em relação ao futuro. Admoes-tando em seguida que confiar de formaexclusiva «no progresso tecnológico co-mo o único meio possível de desenvol-vimento pode causar a perda da capaci-dade de criar vínculos interpessoais», oPapa recordou as responsabilidadesneste âmbito de quantos desempenhamcargos sociais, políticos, educativos ere l i g i o s o s .

Exemplar neste sentido, antes damissa conclusiva da viagem, foi o en-contro ecuménico com os jovens naigreja luterana da cidade, ritmado portestemunhos e cânticos comovedores,no qual a presidente estoniana quisparticipar. Como em Vilnius, a dimen-são da amizade entre cristãos de diver-sas confissões se demonstrou funda-mental na busca da «paz diante dorosto do único Deus». Um caminhoque deve ser percorrido não apenascom os crentes mas com todos, insis-tiu Francisco improvisando. «Vendo-vos assim, reunidos, a cantar, uno-meà voz de Jesus e fico admirado porquevós, não obstante a nossa falta de tes-temunho, continuais a descobrir Jesusno seio das nossas comunidades» dis-se o Papa. Que abordou um pontocrucial na relação entre Igreja e mun-do de hoje.

cidades» (Exort. Ap. Evangelii gaudium, 74).Conseguiremos realizar esta missão ecuménica, senos deixarmos impregnar pelo Espírito de Cristoque é capaz de «romper também os esquemasenfadonhos em que pretendemos aprisioná-lo, esurpreende-nos com a sua constante criatividadedivina. Sempre que procuramos voltar à fonte erecuperar o frescor original do Evangelho, des-pontam novas estradas, métodos criativos, outrasformas de expressão, sinais mais eloquentes, pa-lavras cheias de renovado significado para omundo atual» (ibid., n. 11).

Amados irmãos e irmãs, que a música doEvangelho continue a repercutir entre nós! Nãocesse de ressoar aquilo que permite ao nosso co-ração continuar a sonhar e a tender para a vidaplena a que o Senhor nos chama a todos: sermosseus discípulos missionários no meio deste mun-do onde nos toca viver.

Discurso na catedral de Riga

Raízes de um povoPor volta do meio-dia de 24 de setembro, o Pontífice deslocou-se de papamóvel à catedral católica deRiga, dedicada a São Tiago, onde foi acolhido pelo pároco, que lhe ofereceu o crucifixo e a água bentapara a aspersão; em seguida, um casal de idosos deu-lhe um ramalhete de flores, que Franciscocolocou diante da imagem da Virgem Maria. Eis o discurso do Papa.

Amados irmãos e irmãs!Agradeço ao Arcebispo as suas palavras e asua solícita análise da realidade. A vossa pre-sença, irmãos idosos, lembra-me duas expres-sões da Carta do apóstolo Tiago, a quem estádedicada esta catedral. No início e no fim dacarta, ele convida-nos à constância, mas usan-do dois termos diferentes. Estou certo de quepodemos ouvir a voz do «irmão do Senhor»,que hoje quer dirigir-se a nós.

Vós, que aqui vos encontrais, estivestes sujei-tos a toda a espécie de provações: o horror daguerra e, depois, a repressão política, a perse-guição e o exílio, como bem descreveu o vosso

Arcebispo. E mantivestes-vos constantes, perse-verastes na fé. Nem o regime nazista nem o so-viético apagaram a fé nos vossos corações e, aalguns de vós, não vos fizeram sequer desistirde vos dedicardes à vida sacerdotal, religiosa, àcatequese e a vários outros serviços eclesiaisque punham em risco a vida; combatestes obom combate, estais para terminar a corrida econservastes a fé (cf. 2 Tm 4, 7).

Mas o apóstolo Tiago insiste no facto deque esta paciência vence a prova a que está su-jeita a fé, quando gera obras perfeitas (cf. Tg1, 2-4). Então a vossa atividade foi perfeita,mas terá ainda de tender para a perfeição nasnovas circunstâncias. Vós, que vos devotastesde corpo e alma, que destes a vida buscando aliberdade da vossa pátria, muitas vezes tendesa sensação de ficar esquecidos. Embora pareçaparadoxal, hoje, em nome da liberdade, oshomens livres abandonam os idosos à solidão,ao ostracismo, à falta de recursos, à exclusão eaté mesmo à miséria. Se assim for, o chamadocomboio da liberdade e do progresso acabapor ter, naqueles que lutaram para conquistardireitos, a sua carruagem de cauda, os espeta-dores de uma festa alheia, honrados e home-nageados, mas esquecidos na vida diária (cf.Exort. Ap. Evangelii gaudium, 234).

O apóstolo Tiago convida-nos a ser cons-tantes, não deixando diminuir a vigilância.«Neste caminho, o progresso do bem, o ama-durecimento espiritual e o crescimento doamor são o melhor contrapeso ao mal»(Exort. Ap. Gaudete et exsultate, 163). Não ce-dais ao desânimo, à tristeza, nem percais a do-çura e, menos ainda, a esperança!

Na conclusão da sua epístola, São Tiagovolta a convidar à constância (5, 7), mas em-prega uma palavra que combina dois significa-dos: suportar pacientemente e e s p e ra r paciente-mente. Encorajo-vos a serdes também vós,dentro das vossas famílias e da vossa pátria,exemplo de ambas as atitudes: suportação eesperança, e as duas impregnadas de paciên-cia. Assim continuareis a progredir na constru-ção do vosso povo. Vós, que já atravessastesmuitas estações, sede testemunho vivo nãoapenas de constância nas adversidades, mastambém do dom da profecia, que lembra àsgerações jovens que o cuidado e a proteçãodaqueles que nos precederam são agradáveis eprezados por Deus, e que o facto de os negli-genciar brada por Ele. Vós, que já atravessas-tes muitas estações, não vos esqueçais que soisraízes de um povo, raízes de rebentos jovensque devem florescer e dar fruto; defendei estasraízes, mantende-as vivas, para que as criançase os jovens sejam enxertados nelas e compre-endam que «tudo o que na árvore está florido/ vive daquilo que jaz enterrado» (F. L. Ber-n á rd e z , Soneto «Si para recobrar lo recobra-do»).

Como recita a inscrição no púlpito destetemplo, «se hoje ouvirdes a voz do Senhor,não endureçais os vossos corações» (Sl 95/94,7-8). O coração duro é o coração esclerosado,aquele que perde a alegria da novidade deDeus, que renuncia à juventude do espírito,renuncia a saborear e ver que sempre, em to-do o tempo e até ao fim, o Senhor é bom (cf.Sl 34/33, 9).

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número 39, quinta-feira 27 de setembro de 2018 L’OSSERVATORE ROMANO página 13

Homilia no santuário de Aglona

Acolhimentosem discriminações

Na tarde de 24 de setembro — depois de teralmoçado com os bispos letõesna casa Sagrada Família em Riga, à qualdeixou como dom um crucifixo em baixo-relevo— o Santo Padre partiu de helicóptero paraAglona, onde celebrou a missa na área dosantuário internacional dedicado à Mãe deDeus. Eis a homilia do Pontífice.

Poderíamos justamente dizer que hoje se re-pete aqui o que São Lucas narra no iníciodo livro dos Atos dos Apóstolos: estamosintimamente unidos, dedicando-nos à ora-ção e na companhia de Maria, nossa Mãe(cf. 1, 14). Hoje fazemos nosso o lema destavisita: «Mostrai-vos Mãe!», manifestai-nos olugar onde continuais a cantar o Ma g n i f i c a t ,os lugares onde se encontra o vosso Filhocrucificado para, aos seus pés, podermos en-contrar a vossa presença firme.

O Evangelho de João refere apenas doismomentos em que a vida de Jesus cruza ade sua Mãe: as bodas de Caná (cf. 2, 1-12) eo texto que acabamos de ler, ou seja, Mariaaos pés da cruz (cf. 19, 25-27). Parece que oevangelista tenha interesse em mostrar-nos aMãe de Jesus nestas situações de vida apa-rentemente opostas: a alegria de um matri-mónio e o sofrimento pela morte de um fi-lho. Enquanto penetramos no mistério daPalavra, Ela mostra-nos qual é a Boa Novaque, hoje, o Senhor quer partilhar connos-co.

A primeira coisa que o evangelista ressaltaé que Maria está firmemente «de pé» juntode seu Filho. Não se trata de um modo des-contraído de estar, nem evasivo e, menosainda, pusilânime. Está, com firmeza, «cra-vada» aos pés da cruz, expressando com aposição do seu corpo que nada e ninguémpoderia movê-la daquele lugar. É assim queMaria se mostra em primeiro lugar: junto da-queles que sofrem, daqueles de quem todo omundo foge, nomeadamente os que são jul-gados, condenados por todos, deportados.Não se trata apenas de oprimidos ou explo-rados, mas estão diretamente «fora do siste-ma», à margem da sociedade (cf. Exort. Ap.Evangelii gaudium, 53). Juntamente comeles, está também a Mãe, cravada nesta cruzda incompreensão e do sofrimento.

Maria m o s t ra - n o s também o modo comoestar junto destas realidades; não é dar umpasseio ou fazer uma breve visita, nem se

trata sequer de «turismo solidário». É ne-cessário que aqueles que padecem uma reali-dade dolorosa nos sintam a seu lado e dasua parte, de maneira firme, estável; todosos descartados da sociedade podem experi-mentar esta Mãe delicadamente próximaporque, naqueles que sofrem, permanecemas chagas abertas do seu Filho Jesus. Elaaprendeu-o ao pé da cruz. Também nós so-mos chamados a «tocar» o sofrimento dosoutros. Saiamos ao encontro do nosso povopara o consolar e fazer-lhe companhia; nãotenhamos medo de experimentar a força daternura e de nos envolvermos, vendo a nos-sa vida complicada pelos outros (cf. ibid., n.270). E, como Maria, permaneçamos firmese de pé: com o coração voltado para Deus ecorajosos, levantando os que caíram, er-guendo o humilhado, ajudando a pôr fim atoda e qualquer situação de opressão que osfaz viver como crucificados.

Maria é convidada por Jesus a aceitar odiscípulo amado como seu filho. O texto re-fere que estavam juntos, mas Jesus dá-seconta de que isto não é suficiente, porquenão se acolheram reciprocamente. De facto,é possível estar junto de muitíssimas pes-soas, pode-se até compartilhar a mesma ca-sa, bairro ou trabalho; pode-se compartilhara fé, contemplar e desfrutar os mesmos mis-térios, mas sem acolher, nem praticar umaaceitação amorosa do outro. Quantos espo-sos poderiam contar a história de estar pró-ximos, mas não juntos! Quantos jovens sen-tem dolorosamente esta distância dos adul-tos! Quantos idosos se sentem friamente tra-tados, mas não carinhosamente cuidados eacolhidos!

É verdade que, às vezes, a abertura aosoutros nos fez muito mal. E também é ver-dade que, nas nossas realidades políticas, ahistória do choque entre os povos permane-ce ainda dolorosamente viva. Maria m o s t ra -se como mulher aberta ao perdão, que põede lado ressentimentos e difidências; renun-cia a lamentar-se como tudo «poderia terandado» diversamente, se os amigos de seuFilho, os sacerdotes do seu povo ou os go-vernantes se tivessem comportado de outramaneira; não se deixa vencer pela frustraçãonem pela impotência. Maria crê em Jesus eacolhe o discípulo, porque as relações quenos curam e libertam são aquelas que nosabrem ao encontro e à fraternidade com osoutros, porque, no outro, descobrem o pró-

prio Deus (cf. ibid., n. 92). Dom Sloskans,que repousa aqui, tendo sido preso e envia-do para longe, escrevia a seus pais: «Peço-vos do fundo do meu coração que não dei-xeis que a vingança ou a irritação abram ca-minho no vosso coração. Se o permitísse-mos, não seríamos cristãos verdadeiros, masfanáticos». Num período em que parecemvoltar mentalidades que nos convidam adesconfiar dos outros, que querem demons-trar-nos com estatísticas que estaremos me-lhor, teremos mais prosperidade, haveriamais segurança se estivéssemos sozinhos,Maria e os discípulos destas terras convi-dam-nos a acolher, a apostar de novo no ir-mão, na fraternidade universal.

Mas, Maria mostra-se também como amulher que se deixa acolher, que aceita hu-mildemente fazer parte das coisas do discí-pulo. Naquele matrimónio que ficara semvinho, com o perigo de acabar cheio de ri-tos, mas árido de amor e alegria, foi Elaquem ordenou que fizessem o que Ele lhesdissesse (cf. Jo 2, 5). Agora Ela, como discí-pula obediente, deixa-se acolher, transfere-se, adapta-se ao ritmo do mais novo. A har-monia custa sempre, quando somos diferen-tes, quando os anos, as histórias e as cir-cunstâncias nos situam em modos de sentir,pensar e fazer que, à primeira vista, parecemopostos. Quando ouvimos, com fé, a ordemde acolher e ser acolhidos, é possível cons-truir a unidade na diversidade, porque nãonos travam nem dividem as diferenças, massomos capazes de olhar mais além, ver osoutros na sua dignidade mais profunda, co-mo filhos de um e mesmo Pai (cf. Exort.Ap. Evangelii gaudium, 228).

Nesta, como em cada Eucaristia, fazemosmemória daquele dia. Aos pés da cruz, Ma-ria lembra-nos a alegria de termos sido reco-nhecidos como seus filhos, e seu Filho Jesusconvida-nos a levá-la para casa, a colocá-lano centro da nossa vida. Ela quer dar-nos asua coragem para permanecermos firmes depé; a sua humildade, que lhe permite adap-tar-se às coordenadas de cada momento dahistória; e clama neste santuário por que to-dos nos comprometamos a acolher-nos semdiscriminações, e todos, na Letónia, saibamque estamos dispostos a privilegiar os maispobres, a levantar aqueles que caíram e aacolher os outros à medida que chegam e seapresentam diante de nós.

No final da missa, após a saudação do bispoJānis Bulis, o Papa dirigiu as seguintespalavras de agradecimento aos fiéis.

Amados irmãos e irmãs!No final desta celebração, agradeço ao vos-so Bispo as palavras que me dirigiu. E, decoração, quero dizer obrigado a todos aque-les que, de várias maneiras, colaboraram pa-ra esta visita. Em particular, exprimo sentidagratidão ao Presidente da República e àsAutoridades do país pela sua receção.

Ofereço de presente à Santíssima Mãe deDeus, nesta «Terra mariana», um terço espe-cial do rosário. Que a Virgem vos proteja esempre vos acompanhe!

Publicaremos no próximo número

os pronunciamentos do Pontífice

na Estónia, última etapa da sua

viagem aos países bálticos.

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página 14 L’OSSERVATORE ROMANO quinta-feira 27 de setembro de 2018, número 39

Comunicado

No âmbito dos contactos entre aSanta Sé e a República Popularda China, que estão a decorrer hámuito tempo a fim de tratar ques-tões eclesiais de interesse comume de promover ulteriores relaçõesde entendimento, hoje, 22 de se-tembro de 2018, teve lugar em Pe-quim uma reunião entre Monse-nhor Antoine Camilleri, Subsecre-tário para as Relações da SantaSé com os Estados, e Sua Exce-lência o Senhor Wang Chao, Vi-ce-ministro dos Negócios Estran-geiros da República Popular daChina, respetivamente Chefes dasDelegações do Vaticano e da Chi-na.

No contexto deste encontro, osdois Representantes assinaramum Acordo Provisório sobre a no-meação dos Bispos.

O supracitado Acordo Provisó-rio, que é fruto de uma aproxima-ção gradual e recíproca, é estipula-do depois de um longo percursode ponderada negociação e prevêavaliações periódicas sobre a suaatuação. O acordo trata da nomea-ção dos Bispos, questão de granderelevância para a vida da Igreja, ecria condições para uma ampla co-laboração a nível bilateral.

É um desejo partilhado que es-te acordo favoreça um fecundo eclarividente percurso de diálogoinstitucional e contribua positiva-mente para a vida da Igreja católi-ca na China, para o bem do Povochinês e para a paz no mundo.

22 de setembro de 2018

Nota informativasobre a Igreja católica

chinesa

A fim de apoiar o anúncio do Evangelho naChina, o Santo Padre Francisco decidiu readmitirna plena comunhão eclesial os restantes Bispos“oficiais” ordenados sem Mandato Pontifício: D.José Guo Jincai, D. José Huang Bingzhang, D.Paulo Lei Shiyin, D. José Liu Xinhong, D. JoséMa Yinglin, D. José Yue Fusheng, D. José Vincen-zo Zhan Silu e D. António Tu Shihua, O.F.M. (fa-lecido a 4 de janeiro de 2017, o qual antes de mor-rer expressou o desejo de ser reconciliado com aSé Apostólica).

O Papa Francisco faz votos de que, com as deci-sões tomadas, se possa iniciar um novo percurso, oqual permita superar as feridas do passado reali-zando a plena comunhão de todos os Católicoschineses.

A Comunidade católica na China é chamada aviver em colaboração mais fraterna, a fim de levarcom renovado compromisso o anúncio do Evan-gelho. Com efeito, a Igreja existe para testemu-nhar Jesus Cristo e o Amor perdoador e salvíficodo Pai.

22 de setembro de 2018

Declaração do cardeal secretário de Estado

Diocese de Chengde

No desejo de promover a cura pastoral do reba-nho do Senhor e para atender mais eficazmente aoseu bem espiritual, o Sumo Pontífice Francisco de-cidiu constituir na China Continental a diocese deChengde, sufragânea de Beijing, com sede episco-pal na igreja catedral de Jesus Bom Pastor, situadana Divisão Administrativa de Shuangluan, “Cidadede Chengde”.

Uma parte relevante do território da nova Dio-cese pertenceu antigamente ao vicariato apostólicoda Mongólia Oriental, erigido a 21 de dezembrode 1883 e elevado a diocese de Jehol/Jinzhou coma Bula Quotidie Nos do Papa Pio XII de 11 de abrilde 1946.

A nova circunscrição eclesiástica encontra-se naprovíncia de Hebei. O território é o que está in-cluído nos atuais confins administrativos civis da“Cidade de Chengde” e, por conseguinte, incluioito Distritos rurais (Chengde, Xinglong, Ping-quan, Luanping, Longhua, Fengning, Kuanchenge Weichang) e três Divisões Administrativas(Shuangqiao, Shuangluan e Yingshouyingzi-kuang).

Por conseguinte, são modificados os confinseclesiásticos das dioceses de Jehol/Jinzhou e deChifeng, pois uma porção do seu território é agoraconfiada à nova diocese de Chengde, a qual temuma área de 39.519 Km² e uma população de cercade 3,7 milhões de habitantes. Segundo os dados re-centes, há aproximadamente 25.000 católicos, dis-tribuídos em 12 paróquias, nas quais prestam servi-ço pastoral 7 sacerdotes, uma dezena de religiosase alguns seminaristas.

22 de setembro de 2018

Assinado em Pequim um acordo provisórioentre a Santa Sé e a República popular da China sobre a nomeação dos bispos

PIETRO PAROLIN

A assinatura de um Acordo Provisório entre aSanta Sé e a República Popular da China sobrea nomeação dos bispos assume uma grande im-portância, sobretudo para a vida da Igreja cató-lica na China e para o diálogo entre a Santa Sée as Autoridades civis daquele país, mas tam-bém para a consolidação de um horizonte inter-nacional de paz, neste momento em que esta-mos a viver tantas tensões a nível mundial.

O objetivo da Santa Sé é um objetivo pasto-ral, ou seja, ajudar as Igrejas locais a fim de quegozem de condições de maior liberdade, auto-nomia e organização, de maneira tal que se pos-sam dedicar à missão de anunciar o Evangelhoe de contribuir para o desenvolvimento integralda pessoa e da sociedade.

Pela primeira vez depois de tantos decénios,hoje todos os Bispos na China estão em comu-nhão com o Bispo de Roma. O Papa Francisco,

como os seus imediatos predecessores, olha edirige-se com particular atenção e especial curaao Povo chinês. Há necessidade de unidade, hánecessidade de confiança e de um novo dina-mismo; há necessidade de Pastores bons, quesejam reconhecidos pelo Sucessor de Pedro epelas legítimas Autoridades civis do seu país. Eo Acordo vai exatamente neste sentido: um ins-trumento que esperamos possa ajudar neste pro-cesso, com a colaboração de todos.

À comunidade católica na China — aos Bis-pos, aos sacerdotes, aos religiosos, às religiosas eaos fiéis — o Papa confia de maneira particular ocompromisso de viver um autêntico espírito dereconciliação entre irmãos, através de gestos con-cretos que ajudem a superar as incompreensõesdo passado, também do passado mais recente.Deste modo os fiéis, os católicos na China, po-derão testemunhar a própria fé, viver um genuí-no amor pátrio e abrir-se também ao diálogo en-tre todos os povos e à promoção da paz.

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número 39, quinta-feira 27 de setembro de 2018 L’OSSERVATORE ROMANO página 15

Artífices de reconciliaçãoMensagem do Pontífice aos católicos chineses e à Igreja universal

Publicamos o texto da mensagem doPapa Francisco aos católicos da Chinae à Igreja universal, depois daassinatura do Acordo provisório entre aSanta Sé e a República Popular daChina, que teve lugar no dia 22 desetembro em Pequim.

«O seu amor é eterno!É eterna a sua fidelidade!»

(Sl 100/99, 5)

Caríssimos irmãos no episcopado,sacerdotes, pessoas consagradas e to-dos os fiéis da Igreja católica naChina, demos graças ao Senhor por-que é eterna a sua misericórdia e re-conhecemos que «foi Ele quem noscriou e nós pertencemos-lhe, somoso seu povo e as ovelhas do seu reba-nho» (Sl 100/99, 3).

Neste momento, ecoam no meuespírito as palavras com que vosexortava o meu venerado Predeces-sor, na Carta de 27 de maio de 2007:«Igreja Católica na China, pequenorebanho presente e ativo na vastidãode um imenso povo que caminha nahistória, como ressoam encorajado-ras e provocantes para ti as palavrasde Jesus: “Não temas, pequenino re-banho, porque aprouve ao vosso Paidar-vos o Reino” (Lc 12, 32) (...);por isso, “brilhe a vossa luz diantedos homens de modo que, vendo asvossas boas obras, glorifiquem vossoPai, que está nos Céus” (Mt 5, 16)»(BENTO XVI, Carta aos católicos chine-ses, 27 de maio de 2007, 5).

1. Nos últimos tempos, circularammuitas vozes contrastantes sobre opresente e, principalmente, sobre ofuturo das comunidades católicas naChina. Estou ciente de que seme-lhante tropel de opiniões e conside-rações possa ter criado não poucaconfusão, suscitando sentimentoscontrapostos em muitos corações.Nalguns, surgem dúvidas e perplexi-dade; outros vivem a sensação de tersido como que abandonados pelaSanta Sé e, ao mesmo tempo, colo-cam-se a questão pungente do valordos sofrimentos que enfrentaram pa-ra viver na fidelidade ao Sucessor dePedro. Em muitos outros, ao contrá-rio, prevalecem expectativas positi-vas e reflexões animadas pela espe-rança de um futuro mais sereno paraum testemunho fecundo da fé emterra chinesa.

Tal situação tem-se vindo a acen-tuar sobretudo a propósito do Acor-do provisório entre a Santa Sé e aRepública Popular Chinesa que, co-

mo sabeis, foi assinado em Pequimnos dias passados. Num momentotão significativo para a vida da Igre-ja e através desta breve Mensagem,antes de mais nada desejo assegurarque vos tenho diariamente presentenas minhas orações e partilhar con-vosco os sentimentos que moram nomeu coração.

São sentimentos de gratidão aoSenhor e de sincera admiração —que é a admiração de toda a Igrejacatólica — pelo dom da vossa fideli-dade, da constância na provação, daarraigada confiança na Providênciade Deus, mesmo quando certosacontecimentos se revelaram particu-larmente adversos e difíceis.

Estas experiências dolorosas per-tencem ao tesouro espiritual da Igre-ja na China e de todo o Povo deDeus peregrino na terra. Asseguro-vos que o Senhor, através do crisoldas próprias provações, nunca deixade nos cumular com as suas consola-ções e preparar-nos para uma alegriamaior. Estamos absolutamente certosde que «aqueles que semeiam comlágrimas — como afirma o Salmo 126— vão recolher com alegria» (v. 5).

Por isso, continuemos a manter oolhar fixo no exemplo de tantos fiéise Pastores que não hesitaram em

por acaso, desde os tempos antigos,entrou em contacto com a mensa-gem cristã. Como dizia com grandeperspicácia o Padre Matteo Ricci,S.I., desafiando-nos para a virtudeda confiança, «antes de contrairamizade, é preciso observar; depoisde a ter contraído, é preciso fiar-se»(De Amicitia, 7).

É minha convicção também que oencontro só pode ser autêntico e fe-cundo, se se verificar através da prá-tica do diálogo, que significa conhe-cer-se, respeitar-se e «caminhar jun-tos» para construir um futuro co-mum de maior harmonia.

Neste sulco, coloca-se o Acordoprovisório, que é fruto do longo ecomplexo diálogo institucional daSanta Sé com as Autoridades gover-namentais chinesas, iniciado já porSão João Paulo II e continuado peloPapa Bento XVI. Através de tal per-curso, a Santa Sé nada mais tinha —nem tem — em mente senão realizaras finalidades espirituais e pastoraispróprias da Igreja, isto é, sustentar epromover o anúncio do Evangelho,alcançar e conservar a unidade plenae visível da Comunidade católica naChina.

Sobre o valor do referido Acordoe suas finalidades, gostaria de vos

de responder a uma vocação espiri-tual: sair de si mesma para abraçar«as alegrias e as esperanças, as tris-tezas e as angústias dos homens dehoje, sobretudo dos pobres e de to-dos aqueles que sofrem» (CONC.ECUM. VA T. II, Const. past. Gaudiumet spes, 1) e os desafios do presenteque Deus lhe confia. É, portanto,uma chamada eclesial para se fazerperegrinos pelas sendas da história,fiando-se, antes de mais nada, deDeus e suas promessas, como fize-ram Abraão e os nossos Pais na fé.

Chamado por Deus, Abraão obe-deceu partindo para uma terra des-conhecida que devia receber em he-rança, sem conhecer o caminho quese abria diante dele. Se Abraão tives-se pretendido condições sociais epolíticas ideais antes de sair da suaterra, talvez nunca tivesse partido.Mas não! Fiou-se de Deus e, apoia-do na Palavra d’Ele, deixou a suacasa e as próprias seguranças. Por-tanto, não foram as mudanças histó-ricas que lhe permitiram confiar emDeus, mas foi a sua fé pura que pro-vocou uma mudança na história. Defacto, a fé é «garantia das coisas quese esperam e certeza daquelas quenão se veem. Foi por ela que os an-tigos foram aprovados» (Hb 11, 1-2)por Deus.

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oferecer o seu belo testemunho (cf. 1Tm 6, 13) pelo Evangelho, chegandoaté ao dom da própria vida. Devemser considerados verdadeiros amigosde Deus.

2. Pessoalmente, sempre olhei pa-ra a China como uma terra rica degrandes oportunidades e, para o po-vo chinês, como artífice e guardiãode um património inestimável decultura e sabedoria, que se aperfei-çoou resistindo às adversidades e in-tegrando as diferenças, e que não

propor algumas reflexões, oferecen-do-vos também qualquer sugestãode espiritualidade pastoral para o ca-minho que somos chamados a per-correr nesta nova fase.

É um caminho que, como a por-ção precedente, «requer tempo epressupõe a boa vontade de ambasas Partes» (BENTO XVI, Carta aos ca-tólicos chineses, 27 de maio de 2007,4), mas para a Igreja, dentro e forada China, não se trata apenas deaderir a valores humanos, mas sim

3. Como Sucessor de Pedro, dese-jo confirmar-vos nesta fé (cf. Lc 22,32) — na fé de Abraão, na fé da Vir-gem Maria, na fé que recebestes —convidando-vos a colocar, com umaconvicção cada vez maior, a vossaconfiança no Senhor da história e nodiscernimento da sua vontade reali-zado pela Igreja. Invoquemos odom do Espírito, a fim de que ilu-mine as mentes e abrase os coraçõesajudando-nos a compreender para

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CO N T I N UA Ç Ã O DA PÁGINA 15

Mensagem aos católicos chineses e à Igreja universal

Shitao, «Flor de lótus»

onde nos quer conduzir, a superaros momentos inevitáveis de perplexi-dade e a ter a força de avançar reso-lutamente pelo caminho que se abrediante de nós.

Precisamente para sustentar e pro-mover o anúncio do Evangelho naChina e reconstituir a unidade plenae visível na Igreja, era fundamentalenfrentar, em primeiro lugar, a ques-tão das nomeações episcopais. Todossabem que, infelizmente, a históriarecente da Igreja católica na Chinaesteve dolorosamente marcada porprofundas tensões, feridas e divisõesque se têm focalizado sobretudo àvolta da figura do Bispo como guar-dião da autenticidade da fé e garan-te da comunhão eclesial.

Assim quando, no passado, sepretendeu determinar também a vidainterna das comunidades católicas,impondo o controle direto para alémdas legítimas competências do Esta-do, surgiu o fenómeno da clandesti-nidade na Igreja presente na China.Tal experiência — há que assinalá-lo— não pertence à normalidade da vi-da da Igreja e «a história ensina quePastores e fiéis a ela recorreram so-mente no tormentoso desejo demanter íntegra a própria fé» (BENTOXVI, Carta aos católicos chineses, 27 demaio de 2007, 8).

Gostaria que soubésseis que, des-de quando me foi confiado o minis-tério petrino, senti grande consola-ção ao constatar o desejo sinceroque tinham os católicos chineses deviver a sua fé em plena comunhãocom a Igreja universal e com o Su-cessor de Pedro, que é «perpétuo evisível fundamento da unidade, nãosó dos Bispos mas também da mul-tidão dos fiéis» (CONC. ECUM. VA T.II, Const. dogm. Lumen gentium, 23).De tal desejo, chegaram-me, no de-curso destes anos, numerosos sinaise testemunhos concretos, mesmo daparte daqueles — incluindo Bispos —que feriram a comunhão na Igreja,por causa de fraqueza e de erros,mas também, não poucas vezes, porforte e indevida pressão externa.

Por isso, depois de ter examinadoatentamente cada uma das situaçõespessoais e escutado diversos parece-res, refleti e rezei muito procurandoo verdadeiro bem da Igreja na Chi-na. Por fim, diante do Senhor e comserenidade de juízo, em continuida-de com a orientação dos meus Pre-decessores imediatos, decidi conce-der a reconciliação aos restantes seteBispos «oficiais» ordenados semMandato Pontifício e, tendo removi-do todas as relativas sanções canóni-cas, readmiti-los na plena comunhãoeclesial. Ao mesmo tempo, peço-lhespara expressarem, por meio de ges-tos concretos e visíveis, a reencontra-da unidade com a Sé Apostólica ecom as Igrejas espalhadas pelo mun-do, e para, não obstante as dificul-dades, se manterem fiéis à mesma.

4. No sexto ano do meu Pontifi-cado, que coloquei desde os primei-ros passos sob o signo do Amor mi-sericordioso de Deus, convido, por-tanto, todos os católicos chineses a

fazerem-se artífices de reconciliação,recordando, com paixão apostólicasempre renovada, as palavras dePaulo: Deus «reconciliou-nos consi-go por meio de Cristo e confiou-noso ministério da reconciliação» (2Cor 5, 18).

Com efeito, como tive ocasião deescrever no final do Jubileu Extraor-dinário da Misericórdia, «não há leinem preceito que possa impedir aDeus de reabraçar o filho que re-gressa a Ele reconhecendo que er-rou, mas decidido a começar de no-vo. Deter-se apenas na lei equivale ainvalidar a fé e a misericórdia divina.(...) Mesmo nos casos mais comple-xos, onde se é tentado a fazer preva-lecer uma justiça que deriva apenasdas normas, deve-se crer na forçaque brota da graça divina» (Carta

Neste contexto, a Santa Sé pre-tende realizar cabalmente a parteque lhe compete, mas também a vós— Bispos, sacerdotes, pessoas consa-gradas e fiéis leigos — cabe um pa-pel importante: procurar, juntos,bons candidatos que sejam capazesde assumir na Igreja o delicado eimportante serviço episcopal. Narealidade, não se trata de nomearfuncionários para a gestão das ques-tões religiosas, mas ter verdadeirosPastores segundo o coração de Jesus,comprometidos a trabalhar generosa-mente ao serviço do povo de Deus,especialmente dos mais pobres e dosmais frágeis, lembrando-se das pala-vras do Senhor: «Quem quiser sergrande entre vós, faça-se vosso servoe quem quiser ser o primeiro entrevós, faça-se o servo de todos» (Mc10, 43-44).

A propósito, é evidente que umAcordo não passa de um instrumen-

licos saibam oferecer a contribuiçãoprofética e construtiva que lhes ad-vém da sua fé no reino de Deus. Is-to pode exigir-lhes também o afã deproferir uma palavra crítica, não porcontraposição estéril, mas com o ob-jetivo de edificar uma sociedademais justa, mais humana e mais res-peitadora da dignidade de cada pes-soa.

7. Dirijo-me a todos vós, amadosirmãos Bispos, sacerdotes e pessoasconsagradas, que «servis o Senhorcom alegria» (Sl 100/99, 2). Reco-nheçamo-nos discípulos de Cristo noserviço ao povo de Deus. Vivamos acaridade pastoral como bússola donosso ministério. Superemos os con-trastes do passado, a busca da afir-mação de interesses pessoais e cuide-mos dos fiéis, fazendo nossas as suasalegrias e os seus sofrimentos. Em-penhemo-nos humildemente em prolda reconciliação e da unidade. Reto-memos com energia e entusiasmo o

Apostólica Misericordia et misera, 20de novembro de 2016, 11).

Neste espírito e com as decisõestomadas, podemos dar início a umpercurso inédito, que ajudará — as-sim o esperamos — a curar as feridasdo passado, restabelecer a plena co-munhão de todos os católicos chine-ses e abrir uma fase de colaboraçãomais fraterna, para assumir com re-novado empenho a missão do anún-cio do Evangelho. De facto, a Igrejaexiste para testemunhar Jesus Cristoe o Amor perdoador e salvífico doPa i .

5. O Acordo provisório assinadocom as Autoridades chinesas, apesarde se limitar a alguns aspetos da vi-da da Igreja e sendo necessariamen-te perfetível, pode contribuir — naparte que lhe cabe — para escreveresta página nova da Igreja católicana China. Pela primeira vez, esteAcordo introduz elementos estáveisde colaboração entre as Autoridadesdo Estado e a Sé Apostólica, com aesperança de garantir bons Pastoresà comunidade católica.

to e, por si só, não poderá resolvertodos os problemas existentes. An-tes, resultaria ineficaz e estéril, senão fosse acompanhado por umcompromisso profundo de renova-mento das atitudes pessoais e doscomportamentos eclesiais.

6. No plano pastoral, a comunida-de católica na China é chamada aestar unida, para superar as divisõesdo passado que tantos sofrimentoscausaram e causam no coração demuitos Pastores e fiéis. Agora todosos cristãos, sem distinção, realizemgestos de reconciliação e comunhão.A este respeito, lembremos a adver-tência de São João da Cruz: «Noocaso da vida, seremos julgados so-bre o amor» (Palavras de luz e deamor 1, 57).

No plano civil e político, os cató-licos chineses sejam bons cidadãos,amem plenamente a pátria e sirvamo seu país com empenho e honesti-dade, segundo as suas capacidades.No plano ético, estejam conscientesde que muitos cidadãos esperam de-les uma medida mais elevada no ser-viço ao bem comum e ao desenvol-vimento harmonioso da sociedadeinteira. De modo particular, os cató-

caminho da evangelização, tal comofoi indicado pelo Concílio Ecuméni-co Vaticano II.

Com afeto, repito a todos vós:«Mova-nos o exemplo de tantos sa-cerdotes, religiosas, religiosos e lei-gos que se dedicam a anunciar e ser-vir com grande fidelidade, muitasvezes arriscando a vida e, sem dúvi-da, à custa da sua comodidade. Oseu testemunho lembra-nos que aIgreja não precisa de muitos buro-cratas e funcionários, mas de missio-nários apaixonados, devorados peloentusiasmo de comunicar a verdadei-ra vida. Os santos surpreendem, de-sinstalam, porque a sua vida noschama a sair da mediocridade tran-quila e anestesiadora» (ExortaçãoApostólica Gaudete et exsultate, 19 demarço de 2018, 138).

Convictamente convido-vos a pe-dir a graça de não hesitar quando oEspírito nos exige que demos umpasso em frente: «Peçamos a cora-

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«O bom pastor»(gravura chinesa, detalhe)

gem apostólica de comunicar oEvangelho aos outros e de renunciara fazer da nossa vida um museu derecordações. Em qualquer situação,deixemos que o Espírito Santo nosfaça contemplar a história na perspe-tiva de Jesus ressuscitado. Assim aIgreja, em vez de cair cansada, po-derá continuar em frente acolhendoas surpresas do Senhor» (ibid., n.139).

8. Neste ano em que toda a Igrejacelebra o Sínodo dos Jovens, desejodirigir-me de modo especial a vós,jovens católicos chineses, que cruzaisas portas da Casa do Senhor «comações de graças, com hinos de lou-vor» (Sl 100/99, 4). Peço-vos paracolaborardes na construção do futu-ro do vosso país com as capacidadespessoais que vos foram dadas e coma juventude da vossa fé. Exorto-vosa levar a todos, com o vosso entu-siasmo, a alegria do Evangelho.

Mantende-vos prontos a acolher aguia segura do Espírito Santo, queindica ao mundo de hoje o caminhopara a reconciliação e a paz. Deixai-vos surpreender pela força renovado-ra da graça, mesmo quando vos pos-sa parecer que o Senhor esteja a pe-dir um compromisso superior às vos-sas forças. Não tenhais medo de ou-vir a sua voz, que vos pede fraterni-dade, encontro, capacidade de diálo-go e de perdão, e espírito de serviço,não obstante tantas experiências do-lorosas de um passado recente e asferidas ainda abertas.

Abri de par em par o coração e amente a fim de discernir o desígnio

misericordioso de Deus, que pedepara superar os preconceitos pes-soais e os contrastes entre os grupose as comunidades, para abrir um ca-minho corajoso e fraterno à luz deuma autêntica cultura do encontro.

Hoje, as tentações são tantas: oorgulho do sucesso mundano, o fe-chamento nas próprias certezas, aprimazia dada às coisas materiais co-mo se Deus não existisse. Caminhaicontracorrente e permanecei firmesno Senhor: só Ele «é bom», só «oseu amor é eterno», só «é eterna asua fidelidade» (Sl 100/99, 5).

9. Amados irmãos e irmãs da Igre-ja universal, todos somos chamadosa reconhecer, entre os sinais dos nos-sos tempos, aquilo que hoje está aacontecer na vida da Igreja na Chi-na. Temos uma tarefa importante:acompanhar com oração fervorosa eamizade fraterna os nossos irmãos eirmãs na China. Com efeito, devemsentir que, no caminho que se abrediante deles neste momento, não es-tão sozinhos. É necessário que sejamacolhidos e apoiados como parte vi-va da Igreja: «Vede como é bom eagradável que os irmãos vivam uni-dos» (Sl 133/132, 1).

Cada comunidade católica local,em todo o mundo, comprometa-se avalorizar e acolher o tesouro espiri-tual e cultural próprio dos católicoschineses. Chegou o tempo de sabo-rear juntos os frutos genuínos doEvangelho semeado no ventre doantigo «Reino do Meio» e erguer aoSenhor Jesus Cristo o canto de uma

fé agradecida enriquecido por notasautenticamente chinesas.

10. Respeitosamente dirijo-meàqueles que guiam a República Po-pular Chinesa e renovo o convite acontinuarem, com confiança, cora-gem e clarividência, o diálogo ence-tado há algum tempo. Desejo asse-gurar que a Santa Sé continuará atrabalhar com sinceridade para cres-cer numa amizade autêntica com opovo chinês.

Os contactos atuais entre a SantaSé e o Governo chinês têm vindo ademonstrar-se úteis para superar oscontrastes do passado — mesmo re-cente — e para escrever uma páginade colaboração mais serena e concre-ta na convicção comum de que a in-compreensão «não favorece as Auto-ridades chinesas nem a Igreja católi-ca na China» (BENTO XVI, Carta aoscatólicos chineses, 27 de maio de 2007,4).

Deste modo, a China e a SéApostólica, chamadas pela história auma tarefa árdua mas fascinante, po-derão agir de forma mais positivapara o crescimento ordenado e har-monioso da comunidade católica naterra chinesa, esforçar-se-ão por pro-mover o desenvolvimento integral dasociedade, garantindo maior respeitopela pessoa humana, mesmo na esfe-ra religiosa, trabalharão concreta-mente para salvaguardar o meio am-biente onde vivemos e para construirum futuro de paz e fraternidade en-tre os povos.

Na China, é de importância fun-damental que, também a nível local,as relações entre os Responsáveisdas comunidades eclesiais e as Auto-ridades civis sejam cada vez maisprofícuas, através de um diálogofranco e de uma escuta sem precon-ceitos que permita superar atitudesrecíprocas de hostilidade. Precisamosde aprender um novo estilo de cola-boração simples e diária entre as Au-toridades locais e as Autoridadeseclesiásticas — Bispos, sacerdotes,anciãos das comunidades — que ga-

ranta a realização ordenada das ati-vidades pastorais, harmonizando aslegítimas expectativas dos fiéis e asdecisões que competem às Autorida-des.

Isto ajudará a compreender que aIgreja na China não é alheia à histó-ria chinesa, nem pede privilégio al-gum: a sua finalidade no diálogocom as Autoridade civis é «alcançaruma relação tecida de respeito recí-proco e de profundo conhecimento»(ibid., n. 4).

11. Em nome de toda a Igreja im-ploro do Senhor o dom da paz, aomesmo tempo que convido a todos ainvocar comigo a proteção maternada Virgem Maria:

Mãe do Céu, escutai a voz dos vos-sos filhos, que humildemente invocam ovosso nome.

Virgem da esperança, confiamos-voso caminho dos crentes na nobre terrada China. Pedimos-vos que apresenteisao Senhor da história as tribulações eas canseiras, as súplicas e os anseiosdos fiéis que a vós se dirigem, ó Rai-nha do Céu!

Mãe da Igreja, consagramos-vos opresente e o futuro das famílias e dasnossas comunidades. Guardai-as e sus-tentai-as na reconciliação entre irmãose no serviço a favor dos pobres quebendizem o vosso nome, ó Rainha doCéu!

Consoladora dos aflitos, voltamo-nospara Vós, porque sois refúgio de quan-tos choram na provação. Velai pelosvossos filhos que louvam o vosso nome,fazei que levem, unidos, o anúncio doEvangelho. Acompanhai os seus passosem prol de um mundo mais fraterno,fazei que levem a todos a alegria doperdão, ó Rainha do Céu!

Maria, Auxílio dos Cristãos, pedi-mos-vos para a China dias de bênção epaz. Amém!

Vaticano, 26 de setembro de 2018

CO N T I N UA Ç Ã O DA PÁGINA 1

No coraçãode um longo caminho

meações episcopais», em continui-dade com o caminho dos últimosdecénios mas, ao mesmo tempo,marcando o ponto de partida ne-cessário para um «percurso inédi-to». O acordo é «perfetível» mas«pela primeira vez introduz ele-mentos estáveis de colaboração»entre as autoridades chinesas e aSanta Sé. A finalidade consiste eminiciar um processo que abranja«Bispos, sacerdotes, pessoas consa-gradas e fiéis leigos» a fim de«procurar juntos bons candidatos»para o episcopado, e não «funcio-nários para a gestão das questõesreligiosas». Por conseguinte, um

processo da inteira comunidade ca-tólica para a escolha não de buro-cratas, mas de missionários.

E sobre o acordo entre a China ea Santa Sé o Papa falou ao respon-der aos jornalistas no final da con-ferência de imprensa durante o voode regresso dos países bálticos.Acerca deles e da sua história trági-ca e heroica Bergoglio falou pro-longadamente e com comoção. Econcluiu precisamente com um elo-gio explícito do método deste lon-go diálogo com Pequim e dos prin-cipais tecedores do Vaticano, massobretudo exaltando mais uma veza fé e o testemunho dos católicoschineses.

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página 18 L’OSSERVATORE ROMANO quinta-feira 27 de setembro de 2018, número 39

Beatificada na Roménia a jovem mártir Verónica Antal

Fiel até ao martírio

Audiência a um grupode sacerdotes de Valência

Na manhã de 21 de setembro, o Papa recebeu em audiênciana sala do Consistório, alguns sacerdotes e membros

da cúria da arquidiocese de Valência (Espanha)acompanhados pelo cardeal Antonio Cañizares Llovera

Uma jovem filha da Roménia é«indicada como modelo no teste-munho heroico do Evangelho».Ela consagrou a vida «a Jesus e aEle foi fiel até ao martírio, ocorri-do num contexto trágico de gran-des sofrimentos e de perseguiçãopara os cristãos desta terra», disseo cardeal Angelo Becciu, prefeitoda Congregação para as causasdos santos, durante a beatificaçãode Verónica Antal. O rito — p re s i -dido pelo purpurado em represen-tação do Papa Francisco — teve lu-gar em Nisiporeşti, a 22 de setem-b ro .

No período em que viveu, nosegundo pós-guerra, ortodoxos,católicos e protestantes «eramaprisionados não só porque seopunham ao regime», mas inclusi-ve porque estavam prontos «paratestemunhar a sua fé em Jesus».Um aspeto que, «aos olhos dosperseguidores, parecia a maior“culpa” a ser punida». Com efeito,acrescentou o prefeito, a vida dacomunidade católica foi «posta àdura prova pela doutrina comunis-ta». Todos os bispos da Igrejagreco-católica na Roménia, bemcomo os da Igreja de rito latino,«foram perseguidos e presos; ecom eles muitos sacerdotes, reli-giosos e religiosas». Além disso,«a educação leninista-marxista foiprejudicial para toda a sociedade,pois excluía Deus e os valores cris-tãos do horizonte de vida do po-vo, na tentativa de destruir as al-mas».

Não obstante a violência e aprisão, na Roménia os bispos, sa-cerdotes, consagrados e muitosfiéis «mostraram grande coragemno dom de si e um apego indómi-to a Cristo e à Igreja, conservandointacta a fé». Por isso, proclaman-do beata a jovem Verónica Antal,o cardeal Becciu pensou «com es-pírito reconhecido e orante tam-bém no seu sacrifício, que perma-

nece esculpido com a cor do san-gue na história do século XX».

Verónica, frisou o purpurado,«rezava muito sobretudo pelosbispos e sacerdotes que apinhavamas prisões do regime ateu». E fa-zia-o da cela «ao lado da casa pa-terna, onde se tinha retirado, con-formando-se cada vez mais plena-mente com o seu Esposo divino».Com efeito, explicou o purpurado,não obstante «não pudesse vivernum verdadeiro convento de reli-giosas consagradas», porque o re-

ção alguma entre os fiéis perten-centes à Igreja católica ou à orto-doxa». Deste modo, deu «um fer-voroso testemunho de fraternidadee de diálogo sincero, sempre ne-cessário para fazer prevalecer a re-conciliação e a colaboração sobreas divisões e as discórdias». E pre-cisamente nesse período de sofri-mento os cristãos, divididos aolongo da história, «descobriram-semais próximos, mais solidários».

Este seu sacrifício, acrescentou oprefeito, atualizando a reflexão,«oferece uma mensagem muitoclara também para nós». É preciso«reencontrar a solidariedade e acomunhão recíproca». E «umcampo de colaboração, hoje parti-cularmente importante» entre or-todoxos e católicos, diz respeito«à defesa das raízes e dos valorescristãos» e ao comum testemunho«sobre temas como a família, abioética, os direitos humanos, ahonestidade na vida pública e aecologia». Com efeito, o compro-misso unitário sobre estes temas«oferecerá uma importante contri-buição para o crescimento moral ecivil da sociedade».

Além disso, prosseguiu o cele-brante, a beatificação desta jovemromena de vinte anos, constitui«uma ocasião providencial paraconfirmar a missão da comunida-de católica neste país». É tarefa detodos «conservar e transmitir a he-

rança da fé e o apego aos valoreshumanos e espirituais, com cora-gem e renovado impulso missioná-rio». Trata-se de «beber na fontedo amor de Deus e no vigor origi-nal do Evangelho», para encontrar«novos caminhos, outras aborda-gens pastorais e métodos criativosaderentes às circunstânciasatuais».

Na hodierna realidade social ecultural, temos diante de nós oexemplo da Beata Verónica que,«por causa da escassez de sacerdo-tes — muitos dos quais aprisiona-dos pelo regime — se dedicou àeducação religiosa das crianças edos jovens», ensinando o catecis-mo e «os verdadeiros valores cris-tãos, convidando-os a abraçá-los ea cultivá-los para se tornar bonscristãos e cidadãos leais à pátria».

Efetivamente, tanto ontem co-mo hoje, os discípulos de Cristo«encontram dificuldades ao anun-ciar e viver coerentemente o Evan-gelho». A fidelidade a Cristo«comporta que às vezes somos ri-dicularizados ou incompreendi-dos». Não só, mas eles «são cha-mados a fazer face com coragemserena a algumas correntes cultu-rais que visam impor o pensamen-to único e a remover os valorescristãos da convivência humana».Eis o convite do cardeal aos cren-tes da Roménia, que se encontramem adversidades e devem enfren-tar os obstáculos para viver na fé,a confiar-se à intercessão da novabeata, repetindo com ela as pala-vras de São Paulo: «Nem as altu-ras, nem os abismos, nem outraqualquer criatura nos poderá apar-tar do amor que Deus nos teste-munha em Cristo Jesus, nosso Se-nhor» (cf. Rm 8, 39). O amor ver-dadeiro que provém de Deus, «oamor que ela viveu, é necessárioneste mundo no qual homens emulheres conhecem a angústia, amiséria, a fome e, em demasiadasregiões, a perseguição, a rejeição,a violência, a guerra». A beata Ve-rónica, concluiu o purpurado,«ajude os seus concidadãos a serprotagonistas de bondade e paz,de solidariedade e acolhimento,especialmente em relação aos maisfrágeis e necessitados».

Ela, diante da ameaça de morte,terá feito esta pergunta: «Quemme separará do amor de Cristo?Porventura a morte?». Com tantoshomens e mulheres que «em todosos tempos e Continentes oferece-ram ao Esposo divino o testemu-nho supremo», Verónica poderiadizer: «Em todas essas situaçõessomos mais do que vencedores porvirtude daquele que nos amou».O prefeito recordou ainda que anova beata tinha diante de si «umexemplo de jovenzinha virtuosa,que há tempos a fascinava: a ita-liana santa Maria Goretti, íconeda virtude da pureza que resistiu àbrutal violência dos sentidos».

gime comunista suprimira«todas as formas de vidareligiosa da Igreja católicana Roménia, a sua vidafoi a de uma pessoa total-mente consagrada aDeus». Com 17 anos«emitiu também secreta-mente o voto de castida-de» e começou «uma vidade recolhimento e dedica-ção aos doentes e aos ido-sos», aderindo à Ordemfranciscana secular e àMilícia da Imaculada.

A ajuda caritativa deVerónica às pessoas neces-sitadas distinguia-se «poruma profunda humildadee generoso compromisso,procurando unicamente aedificação do reino deDeus no meio dos ir-mãos», sem fazer «distin-

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Audiências

O Papa Francisco recebeu em audiên-cias particulares:

A 20 de setembroO Senhor Cardeal Reinhard Marx,Arcebispo de München und Freising(Alemanha), Coordenador do Con-selho para a Economia; D. Luigi Bo-nazzi, Núncio Apostólico no Cana-dá; e D. Luciano Suriani, NúncioApostólico na Sérvia.

A 21 de setembroD. Fernando Natalio Chomalí Ga-rib, Arcebispo de Concepción (Chi-le); D. Julius Janusz, Núncio Apos-tólico na Eslovénia, com cargo deDelegado Apostólico no Kossovo;D. Andrzej Józwowicz, NúncioApostólico em Ruanda; e o SenhorCardeal Giuseppe Versaldi, Prefeitoda Congregação para a EducaçãoCatólica (dos Institutos de Estudos),com o Doutor Marcial Antonio Ru-bio Correa, Reitor da PontifíciaUniversidade Católica do Peru, comtrês Vice-Reitores.

Renúncias

O Santo Padre aceitou a renúncia:

No dia 21 de setembroDe D. Carlos Eduardo PellegrínBarrera, S.V.D., ao governo pastoralda Diocese de San Bartolomé deChillán (Chile).De D. Cristián Enrique ContrerasMolina, O. de M., ao governo pasto-ral da Diocese de San Felipe (Chi-le).

No dia 25 de setembroDe D. Ciriaco Benavente Mateos, aogoverno pastoral da Diocese de Al-bacete (Espanha).

Nomeações

O Sumo Pontífice nomeou:

A 21 de setembroNúncio Apostólico na RepúblicaCheca, D. Charles Daniel Balvo, Ar-cebispo Titular de Castello, até estadata Núncio Apostólico no Quéniae no Sudão do Sul, e ObservadorPermanente junto dos Organismosdas Nações Unidas para o MeioAmbiente e os assentamentos huma-nos (U N E P, UN-Habitat).Administrador Apostólico «sede va-cante et ad nutum Sanctae Sedis»da Diocese de San Bartolomé deChillán (Chile), o Rev.do Pe. SergioHernán Pérez de Arce Arriagada,S S.CC.Administrador Apostólico «sede va-cante et ad nutum Sanctae Sedis»da Diocese de San Felipe (Chile), oR e v. do Pe. Jaime Ortiz de LazcanoPiquer, atualmente Vigário Judicialde Santiago do Chile.

A 22 de setembroMembro da Pontificia Comissão pa-ra o Estado da Cidade do Vaticano,o Senhor Cardeal Giuseppe Petroc-chi, Arcebispo de L’Aquila (Itália).

A 25 de setembroBispo de Albacete (Espanha), D.Ángel Fernández Collado, até hojeAuxiliar de Toledo.

A 26 de setembroBispo da Diocese de Bagé (Brasil),o Rev.do Pe. Cleonir Paulo Dalbosco,O.F.M. Cap., até esta data Vigário Pa-roquial em Caxias do Sul.

D. Cleonir Paulo Dalbosco, O.F.M.Cap., nasceu no dia 25 de setembro de1970 em Barros Cassal, na Diocese deCruz Alta, no Estado do Rio Grandedo Sul. Estudou Filosofia no InstitutoSuperior de Filosofia “Berthier” (IFI-BE) em Passo Fundo-RS e Teologia naEscola Superior de Teologia e Espiri-

tualidade Franciscana (ESTEF) emPorto Alegre-RS. Além disso, frequentouo curso de Administração de Empresasna Universidade de Caxias do Sul-RS.Emitiu a profissão religiosa como FradeMenor Capuchinho a 25 de janeiro de1994 e foi ordenado Sacerdote no dia20 de fevereiro de 1999. Durante o seuministério sacerdotal foi Vigário Paro-quial (1999) e depois Pároco de NossaSenhora de Fátima em Santa Maria-RS (2000-2005). No âmbito da Pro-víncia Capuchinha do Sagrado Cora-ção com sede em Porto Alegre-RS, de-sempenhou os cargos de Conselheiro(2005-2008), Vigário (2008-2011) eMinistro Provincial (2011-2017).

Prelados falecidos

Adormeceram no Senhor:

No dia 20 de setembroD. Ludovicus Simanullang, Bispo deSibolga (Indonésia).

O ilustre Prelado nasceu a 23 deabril de 1955 em Sogar (Indonésia).

Foi ordenado Sacerdote no dia 10 dejulho de 1983. Recebeu a Ordenaçãoepiscopal em 14 de março de 2007.

D. Edmundo M. Abaya, ArcebispoEmérito de Nueva Segovia (Filipi-nas).

O venerando Prelado nasceu a 19 dejaneiro de 1929 em Candon (Filipi-nas). Recebeu a Ordenação sacerdotalno dia 21 de março de 1953. Foi orde-nado Bispo em 19 de janeiro de 1979.

No dia 21 de setembroD. José Roberto López Londoño,Bispo Emérito de Jericó (Colômbia).

O saudoso Prelado nasceu em Yalí(Colômbia), no dia 29 de junho de1937. Recebeu a Ordenação sacerdotala 26 de agosto de 1962. Foi ordenadoBispo em 3 de julho de 1982.

Início de Missãode Núncios Apostólicos

D. Fortunatus Nwachukwu, em An-tígua e Barbuda (25 de junho).D. Leopoldo Girelli, em Chipre (23de julho).D. Marek Zalewski, em Singapura(24 de julho).

INFORMAÇÕES

Bono Vox apoia Scholas occurrentesNa tarde de quarta-feira, 19 de se-tembro, o Papa recebeu na CasaSanta Marta Paul David Hewson,nome artístico Bono Vox. O cantordo grupo musical irlandês U2 apoia amissão educativa da Fundação ponti-fícia Scholas occurrentes, que trabalhapara a formação e o desenvolvimentodas crianças e dos jovens no mundoi n t e i ro .

Acompanhado pelo presidente deScholas, José María del Corral, o ar-tista falou também sobre a audiênciado Papa encontrando-se com os jor-nalistas acreditados na Sala de im-prensa da Santa Sé.

Seminário de estudo na Fao

Presente e futuro da água«Água: presente e futuro de um elemento indispensável para a vi-da» é o título do seminário de estudo que teve lugar na sede daFao em Roma no dia 20 de setembro. O encontro foi organizadopela Missão permanente da Santa Sé junto das organizações dasNações Unidas para a alimentação e a agricultura, em colabora-ção com o Fórum Roma das organizações não governamentais deinspiração católica. No seminário, que foi introduzido e moderadopor Vincenzo Buonomo (Pontifícia universidade lateranense), in-tervieram Mario Arvelo Caamaño, presidente do comité da Faopara a segurança alimentar mundial, Olcay Unver, vice-diretor dadivisão Fao “terra e água”, Carlo Maria Marenghi, da WebsterUniversity de Genebra, Michel Roy, secretário-geral de Caritas in-ternationalis, Vincenzo Conso, coordenador do Fórum Roma, eOnofrio Rota, secretário-geral da Fai Cisl. As conclusões foramconfiadas a monsenhor Fernando Chica Arellano, observador per-manente da Santa Sé junto das organizações e dos organismos dasNações Unidas para a alimentação e a agricultura.

Audiência do Papa aos bisposdos Estados Unidos

Na manhã de quinta-feira, 13 de setembro, o Papa Francisco recebeu em audiênciaa presidência do episcopado norte-americano. No encontro — além do presidente, do vice-

presidente e do secretário-geral da Conferência — participaram tambémo cardeal arcebispo de Boston que preside à Pontifícia comissão para a tutela dos menores

Page 20: y(7HB5G3*QLTKKS( +:!!}!@!;! Preço € 1,00. Número atrasado ... · O Papa garantiu que os fiéis chineses estão «quotidianamente presentes» na sua oração e manifestou a «sincera

página 20 L’OSSERVATORE ROMANO quinta-feira 27 de setembro de 2018, número 39

A liberdadeprecisa do amor

He Qi«The Lord’sP ra y e r »

Francisco falou sobre a viagem aos países bálticos

C AT E Q U E S E

A «contribuição de valores humanos e sociaispassados através do crisol da provação» que aLituânia, a Letónia e a Estónia podem oferecer«à comunidade das Nações e especialmente àEuropa» foi realçada pelo Papa na audiênciageral dedicada à sua viagem, encerrada natarde do dia anterior.

Bom dia, amados irmãos e irmãs!Nos dias passados realizei uma viagem apos-tólica à Lituânia, Letónia e Estónia, por oca-sião do centenário da independência dessespaíses, chamados bálticos. Cem anos que elesviveram pela metade sob o jugo das ocupa-ções, primeiro nazista e depois soviética. Tra-ta-se de povos que sofreram muito e foi porisso que o Senhor olhou para eles com predi-leção. Estou convicto disto! Agradeço aosPresidentes das três Repúblicas e às Autori-dades civis a requintada hospitalidade querecebi. Agradeço aos Bispos e a todos aque-les que colaboraram para preparar e realizareste evento eclesial.

A minha visita realizou-se num contextomuito diferente em relação àquele que SãoJoão Paulo II encontrou; por isso, a minhamissão foi anunciar novamente àqueles povosa alegria do Evangelho e a revolução da ternu-ra, da misericórdia, porque a liberdade não ésuficiente para dar sentido e plenitude à vidasem o amor, amor que vem de Deus. OEvangelho, que na época da provação à forçae anima a luta pela libertação, no tempo da li-berdade é luz para o caminho diário das pes-soas, das famílias, das sociedade, e é sal queconfere sabor à vida comum, preservando-ada corrupção da mediocridade e dos egoís-mos.

Na Lituânia os católicos são a maioria, en-quanto que na Letónia e na Estónia predo-minam os luteranos e os ortodoxos, masmuitos se afastaram da vida religiosa. Portan-to, o desafio consiste em fortalecer a comu-nhão entre todos os cristãos, que já se tinha de-senvolvido ao longo do duro período da per-seguição. Com efeito, a dimensão ecuménicaera intrínseca a esta viagem, e encontrou ex-pressão no momento de oração na Catedralde Riga e no encontro com os jovens em Tal-linn.

Quando me dirigi às respetivas Autorida-des dos três países, salientei a contribuiçãoque eles oferecem à comunidade das Naçõese especialmente à Europa: contribuição devalores humanos e sociais que passaram atra-vés do crisol da provação. Encorajei o diálo-go entre as gerações dos idosos e dos jovens,para que o contacto com as “raízes” p ossacontinuar a fecundar o presente e o futuro.Exortei a conjugar sempre a liberdade com asolidariedade e o acolhimento, segundo a tra-dição daquelas terras.

Aos jovens e aos idosos foram dedicadosdois encontros específicos: com os jovens emVilnius, com os idosos em Riga. Na praça deVilnius, cheia de rapazes e moças, era eviden-te o lema da visita à Lituânia: «Jesus Cristo,nossa esperança». Os testemunhos manifesta-ram a beleza da oração e do canto, onde aalma se abre a Deus; a alegria de servir opróximo, saindo dos espaços do “eu” para sepôr a caminho, capazes de se levantar depoisdas quedas. Com os idosos, na Letónia, friseio vínculo estreito entre paciência e esperança.

Aqueles que passaram através de duras pro-vações são raízes de um povo, que devem serconservadas com a graça de Deus, a fim deque os novos rebentos possam haurir delas,florescer e dar fruto. O desafio para quantosenvelhecem não consiste em se endurecer,mas permanecer abertos e ternos de mente ede coração; e isto é possível com a “linfa” doEspírito Santo, na oração e na escuta da Pa-lavra.

Também com os sacerdotes, os consagrados eos seminaristas, com os quais me encontrei naLituânia, pareceu essencial para a esperançaa dimensão da constância: estar centrado emDeus, solidamente radicado no seu amor.Neste sentido como foi grande o testemunhoque deram e continuam a dar muitos sacer-dotes, religiosos, e religiosas idosos! Sofre-ram calúnias, aprisionamentos, deportações...mas permaneceram firmes na fé. Exortei anão esquecer, a preservar a memória dos márti-res, para seguir os seus exemplos.

E a propósito de memória, em Vilniusprestei homenagem às vítimas do genocídiojudeu na Lituânia, há exatamente 75 anos doencerramento do grande gueto, que foi ante-câmara da morte para dezenas de milharesde judeus. Ao mesmo tempo, visitei o Museudas ocupações e das lutas pela Liberdade: p a re iem oração precisamente nos quartos ondeeram presos, torturados e mortos os oposito-res do regime. Matavam mais ou menos qua-renta por noite. É comovedor ver até queponto pode chegar a crueldade humana.Pensemos nisto!

Os anos passam, os regimes passam, masacima da Porta da Aurora de Vilnius, Maria,Mãe da Misericórdia, continua a velar sobreo seu povo, como sinal de esperança segura ede consolação (cf. Conc. Ecum. Vat. II,Const. dogm. Lumen gentium, 68).

Sinal vivo do Evangelho é sempre a cari-dade concreta. Até onde a secularização émais forte, Deus fala com a linguagem doamor, do cuidado, do serviço gratuito aquem está em necessidade. E então os cora-ções abrem-se e os milagres acontecem: nosdesertos germina vida nova.

Nas três celebrações eucarísticas — emKaunas, na Lituânia; em Aglona, na Letónia;e em Tallinn, na Estónia — o santo Povo fielde Deus a caminho naquelas terras renovouo seu “sim” a Cristo, nossa esperança; re n o -vou-o com Maria, que sempre se mostra Mãedos seus filhos, especialmente dos mais sofre-

dores; renovou-o como povo eleito, sacerdo-tal e santo, em cujo coração Deus desperta agraça do Batismo. Oremos pelos nossos ir-mãos e irmãs da Lituânia, da Letónia e daEstónia. Obrigado!

Os bons votos a fim de que «na China se possainaugurar uma nova fase, que ajude arestabelecer a plena comunhão entre todos oscatólicos chineses» foram expressos pelo Papa nofinal da audiência geral.

Saúdo os peregrinos de língua portuguesa,particularmente os fiéis de Niterói e de Olin-da e Recife. Unidos na oração pelo próximoSínodo dos Bispos sobre os jovens, a fé e odiscernimento vocacional, faço votos de quea vossa peregrinação a Roma fortaleça, noamor divino, os vínculos de cada um com asua família, com a comunidade eclesial e coma sociedade. Nossa Senhora vos acompanhee proteja!

Estimados irmãos e irmãs!No sábado passado, 22 de setembro, foi assi-nado em Pequim um Acordo provisório entrea Santa Sé e a República Popular da China,sobre a nomeação dos Bispos na China. OAcordo é fruto de um longo e ponderado ca-minho de diálogo, finalizado a favorecer umacolaboração mais positiva entre a Santa Sé eas Autoridades chinesas, para o bem da Co-munidade católica na China e para a harmo-nia da sociedade inteira.

Neste espírito, decidi dirigir aos católicoschineses e a toda a Igreja universal umaMensagem de encorajamento fraterno, queserá publicado hoje. Com ela, desejo que naChina se possa inaugurar uma nova fase, queajude a sarar as feridas do passado, a restabe-lecer e a manter a plena comunhão entre to-dos os católicos chineses e a assumir com re-novado compromisso o anúncio do Evange-lho.

Caros irmãos e irmãs, temos uma impor-tante tarefa! Somos chamados a acompanharcom oração fervorosa e com amizade frater-nal os nossos irmãos e irmãs na China. Elessabem que não estão sozinhos. A Igreja intei-ra reza com eles e por eles. Peçamos a NossaSenhora, Mãe da Esperança e Auxílio dosCristãos, que abençoe e preserve todos os ca-tólicos na China, enquanto que para todo oPovo chinês invoquemos de Deus o dom daprosperidade e da paz.