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A compaixão de Jesus VERNON GROUNDS SÉRIE DESCOBRINDO A PALAVRA

YQ158 ISBN 978-1-60485-021- 5 - cdn.rbcintl.orgcdn.rbcintl.org/cdn/pdf/br_YQ158_A_compaixao_de_jesus_WEB.pdf · privaremos de nossa única oportunidade de ter uma experiência rica

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YQ158

A compaixãode Jesus

I S B N 978-1-60485-021-5

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VERNON GROUNDS

SÉRIE DESCOBRINDO A PALAVRA

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A COMPAIXÃO DE JESUS

S e tivéssemos a compaixão de Jesus em nossas vidas, nossas famílias,

igrejas e vizinhanças seriam transformadas para melhor. Ela nos permitiria dar aos outros aquilo que nós mesmos gostaríamos de receber. Nos permitiria cumprir o propósito através do qual deixamos nossas pegadas neste planeta. A graça transformadora é a paixão da vida do autor deste livreto. O Dr. Vernon Grounds, que já foi diretor dos Ministérios RBC, presidente do Seminário de Denver e atualmente um dos seus decanos, tem hoje mais de 90 anos. Sua vida continua a influenciar muitos homens e mulheres que mentoreou. Ele, mais do que qualquer pessoa que conheci, “vive” a compaixão sobre a qual escreve nas páginas seguintes.

Martin R. de Haan

CONTEÚDO

Podemos correr o risco de ser compassivos? ....................2

A compaixão no Velho Testamento ..........................4

A compaixão na vida de Jesus ...................................10

Pelas crianças ..............................11

Pelas mulheres .........................15

Pelos membros marginalizados da sociedade .............................20

Pelos espiritualmente necessitados ...............................23

Exemplos da compaixão cristã .........................27

Título Original: The Compassion Of Jesus ISBN: 978-1-60485-021-5Ilustração da Capa: Stockphoto PORTUGUESEPassagens bíblicas: Edição Nova Versão Internacional (NVI) © 2000, Sociedade Bíblica Internacional.© 2008 RBC Ministries, Grand Rapids, Michigan Printed in USA

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PODEMOS CORRER O RISCO DE SER COMPASSIVOS?

Friedrich Nietzsche, um filósofo alemão disse que a piedade é uma

instrução moral que escraviza e que só serve para os fracos. Lenin, pai e fundador do comunismo, insistia que seus discípulos deveriam ser como o aço e desapiedados. “Não se pode fazer uma omelete”, dizia, “sem quebrar alguns ovos; nem se faz uma revolução com sucesso sem quebrar alguns crânios.” Segundo o estudioso de ética Philip Hallie, o autor americano Henry David Thoreau, cujos livros ainda são lidos e aplaudidos, zombou da “compaixão lacrimosa” e argumentou que a compaixão é um estilo de vida “insustentável”. Se gastarmos nossos dias “sofrendo com os que sofrem, sentindo compaixão de todas as vítimas do mundo”, nos privaremos de nossa única

oportunidade de ter uma experiência rica e vibrante. Peritos discutem sobre o significado exato de termos como: dó, solidariedade, misericórdia e empatia. No entanto, para os nossos propósitos, ignoraremos qualquer distinção minuciosa. Consideraremos todas estas reações emocionais como aspectos da compaixão. Além disso, consideraremos a compaixão como o amor ao próximo, em ação.

Se os fortes derem sua força aos fracos, quem permanecerá

para ser forte?

Dó e solidariedade são palavras que usamos diariamente e expressam como nos sentimos quando observamos outra pessoa passando por aflições, sejam elas no corpo, na alma ou no coração. Quando passamos por uma experiência

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semelhante, revivemos em nossa mente o que nós mesmos já experimentamos. Em nossa imaginação, nos colocamos espontaneamente no lugar da pessoa naquela situação, talvez enrijecendo nossos músculos, cerrando nossos punhos, dando um longo suspiro e até ficando com os olhos cheios d’água involuntariamente. Chamamos de empatia quando uma experiência compartilhada é vivida intensamente. É como se mergulhássemos na pele do sofredor e de alguma forma nós dois emergíssemos emocionalmente como um só. É claro que fisicamente permanecemos como dois seres orgânicos separados, embora possamos nos tornar unificados psicologicamente. Em alguns casos o sentimento de união pode ser tão intenso e prolongado como quando uma mãe vive, dia e noite, a angústia de um filho seriamente enfermo. Quando temos empatia com alguém, ficamos tão identificados com a outra

pessoa que é como se estivéssemos ouvindo com seus ouvidos, vendo com seus olhos, pensando com sua mente e ecoássemos seus batimentos cardíacos. Despertada por um encontro com a necessidade e a desgraça, uma reação empática evoca um profundo senso de interesse e preocupação. É esta emoção de identificação que brota de dentro do nosso ser. Em Colossenses 3:12, o apóstolo Paulo usa um termo grego para os órgãos internos ao se referir a “profunda compaixão”. Através da prática em focalizarmos nossa atenção, adquirimos uma visão diferente do conhecimento que a lógica ou a ciência proporcionam. No sentido bíblico da palavra conhecer, nós experimentamos uma percepção profunda. Nós conhecemos com um certo tipo de profunda intimidade semelhante àquela experimentada por Adão quando coabitou

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com sua esposa Eva e eles se tornaram uma só carne (Gênesis 4:1).

A COMPAIXÃO NO VELHO TESTAMENTO

O deus dos filósofos é o Movedor Imóvel que faz mover

tudo que existe. Insensível às nossas preocupações humanas, ele é a fonte inesgotável de energia para o dínamo pulsátil do cosmos. O deus das especulações humanas é um deus sem coração, absolutamente perfeito, que permanece na mesma tranqüilidade por toda eternidade. Esse deus não tem emoções, já que as emoções envolvem mudança de sentimento; da calma para uma explosão de raiva, por exemplo. Por definição, o deus dos filósofos é como um sorvete que nunca derrete. Em contraste, Jeová, o Deus dos Israelitas não é só alma. Não é só

pensamento. Não fica pensando eternamente. O Deus do Velho e do Novo Testamento, embora imutável em Sua natureza e propósito, também é genuinamente pessoal. Sempre que a Bíblia fala do verdadeiro e amoroso Deus, ela usa pronomes pessoais.

Muitas pessoas imaginam um deus que não tem emoções.

Então, como podemos compreender como é Deus? Usamos nossa própria pessoa como uma “pista” para a compreensão da pessoa divina. Eliminamos tudo o que é imperfeito e ampliamos tudo o que se refere a Deus, a grau infinito. Isto nos ajuda a tentar entender Deus como Ele realmente é — como uma Pessoa Impecável. A Bíblia revela o que o único e verdadeiro Deus

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sente. Ele experimenta uma gama completa de reações que são similares às nossas. Uma das emoções repetidamente atribuída a Ele é a compaixão. As Escrituras nos dizem que Ele é eterno, santo, justo, bom, sábio, poderoso e amoroso. E porque Ele é amoroso, é compassivo. Esse adjetivo aponta para um atributo divino igual à característica que temos em mente ao descrevermos um ser humano como alguém compassivo. Elimine-se a compaixão de Deus, e Ele não será mais o mesmo Deus — o Deus pessoal que interagia com Abraão, Isaque e Jacó. Se eliminarmos a compaixão, Deus não será mais o mesmo Deus que tem experiências semelhantes aos nossos estágios de alegria, arrependimento, luto, e bondade misericordiosa. Elimine-se a compaixão da natureza de Deus e as Escrituras deverão ser reescritas, nosso entendimento da natureza divina deve ser radicalmente

revisado e a teologia virada do avesso. Mas a compaixão não pode ser eliminada. Pelo contrário, deve ser colocada num lugar de honra entre os atributos de Deus. Ele é o Deus que cuida! Portanto, se Jesus é a revelação do Deus do Velho Testamento, então a compaixão estaria encarnada nele, e está! Assim como um estudioso britânico, com nome alemão, Friedrich von Hügel conseguiu dizer em seu leito de morte, “cuidado é o que mais importa.” Com grande dificuldade ele acrescentou: “o cristianismo nos ensinou a cuidar.” O testemunho do moribundo von Hügel, embora comoventemente verdadeiro, tem que ser tanto esclarecido quanto qualificado. Certamente os crentes do Velho Testamento foram ensinados a cuidar através das obras e declarações de Jeová. Porém Jesus, como a compaixão personificada tornou o cuidado fundamental em Seu ministério. Ele deixou

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de lado quaisquer distorções legalistas e limitações étnicas da graça inclusiva do Deus trino. O cuidado é aquele amor compassivo para com o próximo que Paulo, em 1 Coríntios 13, declara ser a maior das virtudes — aquela da qual nosso Salvador e Mestre foi o modelo perfeito.

Pois para Jesus encarnar o Deus

do Velho Testamento, Ele teve que ter

um coração cheio de compaixão.

Sendo judeu por nascimento e religioso pela prática, Cristo sabia que Seu Pai celestial, o Jeová do Velho Testamento, era o Deus compassivo. Como estudante da Primeira Aliança exibindo um profundo conhecimento de seus ensinamentos. Ele estava absolutamente ciente

de que a compaixão de Seu Pai era realçada por autores inspirados. Textos como estes devem ter-lhe dado uma percepção profunda do coração de Jeová:

Deus compassivo e misericordioso, muito paciente, rico em amor e em fidelidade” (Salmo 86:15).

eu a abandonei, mas com profunda compaixão eu a trarei de volta. Num impulso de indignação escondi de você por um instante o meu rosto, mas com bondade eterna terei compaixão de você”, diz o SENHOR, o seu Redentor. “Embora os montes sejam sacudidos e as colinas sejam removidas, ainda assim a minha fidelidade para com você não será abalada, nem será removida a minha aliança de paz, diz o SENHOR, que tem compaixão de você” (Isaías 54:7-8,10).

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compaixão de nós; pisarás as nossas maldades e atirarás todos os nossos pecados nas profundezas do mar” (Miquéias 7:19).

Numa tentativa de prevenir a

transgressão espiritual, os bem-intencionados rabinos construíram

cercas ao redor de cercas até que toda a terra estava

cheia de cercas.

Se a lei da compaixão de Deus tivesse sido obedecida, a vida em Israel tanto para homens quanto para mulheres teria sido a mais feliz possível em nosso mundo degenerado. O Salmo 85:10 descreve uma comunidade onde a justiça e a paz se beijarão. A palavra hebraica para paz, shalom,

é tão rica em conteúdo que é quase intraduzível. Portanto, a sociedade imaginada pelo salmista, como uma sociedade de shalom, tem um estilo de vida caracterizado pela alegria e justiça, piedade e abundância, bondade e cuidado. Mas, o povo de Deus falhou em atingir o ideal de Deus. Isaías coloca em palavras a doença moral e espiritual daquela nação desobediente.

Por que haveriam de continuar a ser castigados? Por que insistem na revolta? A cabeça toda está ferida, todo o coração está sofrendo. Da sola do pé ao alto da cabeça não há nada são; somente machucados, vergões e ferimentos abertos, que não foram limpos nem enfaixados nem tratados com azeite. A terra de vocês está devastada, suas cidades foram destruídas a fogo; os seus campos estão sendo tomados por estrangeiros,

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diante de vocês, e devastados como a ruína que eles costumam causar (Isaías 1:5-7).

A punição divina administrada em graça compassiva, repetidamente, assoberbou Israel. Depois do reinado de Salomão, a nação se dividiu em dois reinos rivais. Eventualmente invasores pagãos destruíram o país e levaram para o exílio os sobreviventes da guerra, da fome e das enfermidades. Jeová em Sua misericórdia permitia que um remanescente dos israelitas retornasse do exílio. Eles resolveram furiosamente tomar as medidas que fossem necessárias para evitar a repetição do pecado dos seus antepassados. Assim um longo período de legalismo começou por volta de 400 a.C. estendendo-se até o quarto século depois de Cristo. Sob a liderança de rabinos bem-intencionados, muitos deles zelosos e bem preparados, desenvolveu-se um sistema restritivo de leis e regulamentos.

No princípio os ensinos e suas interpretações eram passados oralmente; depois gradualmente foram sendo escritos e comentários foram sendo adicionados até que se formou o Mishna e o Talmud com muitos volumes, uma verdadeira biblioteca de instruções e proibições precisas e minuciosas. Por exemplo, o quarto mandamento proíbe trabalho no sábado. Mas, o que é trabalho? Ele é definido sob 39 tópicos diferentes chamados “pais do trabalho”. Por exemplo, carregar um fardo é trabalho. “Mas o que é fardo?” De acordo com o comentarista William Barclay, o Mishna nos diz que um fardo é “leite suficiente para um gole, mel suficiente para cobrir uma ferida, óleo suficiente para ungir o menor membro do corpo [...] água suficiente para lavar um emplasto no olho, couro suficiente para fazer um amuleto, tinta suficiente para escrever duas letras do alfabeto, areia grossa o suficiente para uma pá de

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massa, junco suficiente para produzir uma caneta, uma pedra grande o suficiente para matar um pássaro, tudo o que pese tanto quanto dois figos secos.” Assim as minúcias se seguiam infinitamente. As leis que davam vida se transformaram: de fonte de delícia e alegria para iluminar a alma e para abençoar (como se vê no Salmo 119), em fardos escravizantes. Tornaram-se um sistema rígido de rituais religiosos ao qual Jesus denunciou com justificada ira:

Ai de vocês, mestres da lei e fariseus, hipócritas! Vocês fecham o Reino dos céus diante dos homens! Vocês mesmos não entram, nem deixam entrar aqueles que gostariam de fazê-lo. Ai de vocês, mestres da lei e fariseus, hipócritas! Vocês devoram as casas das viúvas e, para disfarçar, fazem longas orações. Por isso serão castigados mais severamente (Mateus 23:13).

Deve-se esclarecer, que havia professores da lei, rabinos, sacerdotes e escribas que eram servos espirituais de Jeová, que praticavam e proclamavam Miquéias 6:8, “Ele mostrou a você, ó homem, o que é bom e o que o SENHOR exige: pratique a justiça, ame a fidelidade e ande humildemente com o seu Deus”. Do mesmo modo, muitos cidadãos israelitas comuns foram modelos de virtude e piedade, amando Deus e fazendo o bem aos seus próximos. Os judeus em geral, oprimidos pelos conquistadores romanos e por sua hierarquia farisaica, achavam que a vida era um “peso”. “Empobrecidos economicamente e ignorantes espiritualmente, eles estavam aflitos e desamparados, como ovelhas sem pastor” (Mateus 9:36).

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A COMPAIXÃO NA VIDA DE JESUS

P ara esta situação turbulenta, Jesus trouxe sua mensagem

revolucionária sobre o Reino de Deus. Entra-se neste reino pelo simples exercício da fé com arrependimento. Os que entram são chamados a uma obediência amorosa ao Rei e Pai e a servir aos irmãos, irmãs e família, no novo reino divino. Na verdade, um serviço que deve ser prestado a cada membro da família humana. Há só uma lei inclusiva, e esta é o amor — o amor que Jesus declarou em Seu Sermão do Monte, um amor que cumpriu os Dez Mandamentos (Romanos 13:10). Assim, a motivação controladora de atitudes e comportamentos nesta sociedade nascida de novo deveria ser a compaixão, o amor em ação, o cuidado que o próprio Jesus demonstrou. Como o Deus encarnado (o Filho de

Deus e Deus-Filho), Cristo era um espelho refletindo perfeitamente na carne a natureza de Seu Pai, não somente a santidade divina, mas o coração divino. Mesmo sem ter pecados, mas sendo muito sensível ao pecado, Ele podia simpatizar com pessoas pecadoras que estavam sofrendo as conseqüências da depravação herdada e da transgressão pessoal. Estava ciente de que ministrava a pecadores, muitos deles eram como caniços rachados espiritual e emocionalmente à beira do colapso. Ele também percebia que nas multidões que se comprimiam ao redor dele estavam almas cuja fé não ardia esplendorosamente, mas na melhor das hipóteses, ardia como um pavio fumegante (Mateus 12:20). Não com julgamento severo, mas de modo gentil Ele buscou fortalecer os caniços rachados e fazer dos pavios fumegantes verdadeiras chamas. Um dos seus versos favoritos do

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Velho Testamento era Oséias 6:6, onde Jeová dizia: “Pois desejo misericórdia, e não sacrifícios; conhecimento de Deus em vez de holocaustos.” Jesus, como é relatado em Mateus 9:13 e 12:7, apropriou-se daquelas palavras significativas ditas pelo próprio Deus para defender Sua compaixão que violava a tradição.

A COMPAIXÃO DE JESUS PELAS CRIANÇASO povo de Israel era uma sociedade que prezava as crianças. O Salmo 127:3-5 mostra o valor que era colocado na descendência, especialmente masculina.

Os filhos são herança do SENHOR, uma recompensa que ele dá. Como flechas nas mãos do guerreiro são os filhos nascidos na juventude. Como é feliz o homem que tem a sua aljava cheia deles! Não será humilhado quando enfrentar seus inimigos no tribunal.

Este mesmo valor é repetido no Salmo 128:3.

Sua mulher será como videira frutífera em sua casa; seus filhos serão como brotos de oliveira ao redor da sua mesa.

O aborto e o abandono de crianças, que eram praticados pelas nações pagãs que rodeavam a Terra Santa, eram práticas pecaminosas e abomináveis para o povo eleito de Deus. Eles celebravam cada nascimento com alegria e gratidão. Sendo criado com irmãos e irmãs, Jesus teve, com certeza, a oportunidade e a responsabilidade de cuidar de seus irmãos mais jovens. Assim, Ele adquiriu uma visão realista sobre as características e necessidades das crianças (Marcos 3:31-32;6:3). Embora os Evangelhos não dêem informações específicas sobre os relacionamentos familiares na casa de Maria e José, temos boas razões para crer que aqueles pais eram

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sensíveis, cuidadosos e tementes a Deus. José que parece ter morrido jovem, era evidentemente um homem piedoso de oração e um dedicado adorador de Jeová. Na criação de seus filhos, podemos presumir que ele seguiu as direções de Deuteronômio 6:6-7:

Que todas estas palavras que hoje lhe ordeno estejam em seu coração. Ensine-as com persistência a seus filhos. Converse sobre elas quando estiver sentado em casa, quando estiver andando pelo caminho, quando se deitar e quando se levantar.

Maria, uma mulher de obediência incontestável (Lucas.1:38), tinha um conhecimento profundo do Velho Testamento, como o seu Magnificat demonstra — resposta que Maria deu ao anjo. Esta passagem bíblica, é um conjunto impressionante de imagens e textos bíblicos (v.46-55). Portanto, Jesus tendo Suas atitudes influenciadas pelos

pais, aprendeu a amar as crianças. Durante Seu ministério, tinha prazer em recebê-las sempre que se agrupavam ao Seu redor. Ele entendia profundamente a necessidade infantil que as crianças tinham de ser aceitas calorosamente pelos adultos e de receberem Sua ajuda. Como Jesus era diferente do talentoso servo de Deus, C. S. Lewis, que honestamente confessou, “eu que não gosto muito da companhia de crianças pequenas [...] reconheço isto como um defeito em mim; assim como um homem pode reconhecer que não tem ouvido para música ou um daltônico reconhecer que é incapaz de distinguir as cores.” Nas multidões que seguiam Jesus havia crianças famintas ou mal nutridas. Algumas tinham enfermidades comuns: e nenhum dos nossos medicamentos modernos estavam disponíveis para aliviar seus desconfortos. Algumas delas eram

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deformadas ou cegas; outras estavam presas pelo poder de algum demônio (Marcos 9:17-18). Os discípulos de Jesus estavam incomodados com aquelas crianças inquietas e por isso, tentavam empurrá-las o mais longe possível da multidão ansiosa que se reunia para ouvir o Nazareno. De maneira severa eles ordenaram silêncio, ou melhor ainda, que fossem embora. Contudo, as crianças se apertavam ao redor de Jesus, desejosas de serem envolvidas por Seus braços acolhedores. Elas devem ter percebido o amor que Jesus sentia pelas crianças. Ele as abraçou e orou pedindo a bênção de Deus sobre suas vidas, para surpresa dos discípulos que erroneamente queriam protegê-lo delas. De fato, Ele repreendeu aqueles discípulos que também eram pais (Marcos 10:13-16). Não somente isso, mas Ele declarou que as crianças eram bem-vindas em

Seu nome e que elas: tão dependentes, tão crédulas, tão ensináveis, tão livres de astúcia, exemplificavam aquela fé no Pai celestial que abre as portas de entrada em Seu Reino (Mateus 18:1-5). Ele também declarou que aquele que fizer uma criança se perder sofrerá uma punição severa (Marcos 9:35-37,42). Elas são o alvo do cuidado dos anjos e devem ser também o alvo dos cuidados humanos, e não podem ser vistas simplesmente como pacotes de protoplasma, ser tratadas com desprezo, ou mesmo serem destruídas com consentimento humano (Mateus 19:13-14). Deve-se mencionar que o infanticídio era uma prática freqüente na cultura greco-romana antes e depois de Cristo. Um exemplo revoltante da indiferença cruel para com sua própria descendência encontra-se numa carta escrita por um romano chamado Hilariom à sua esposa Alis. Ele a saúda calorosamente,

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porém a instrui, “Se, que a sorte esteja ao seu lado, você der à luz uma criança, se for um menino, deixe-o viver, se for uma menina, jogue-a fora.” Essa atitude tremendamente insensível foi demonstrada até mesmo por Seneca, o grande filósofo estóico do primeiro século. Ele, de fato escreveu, “Nós estrangulamos um cão louco, nós matamos uma raposa feroz, nós abatemos o gado doente para que não contamine o rebanho; crianças que nascem deformadas ou fracas, nós afogamos.” Completamente oposta a esta crueldade era a atitude sensível de Jesus. Pense como o Senhor compassivo reagiria diante da prática do aborto em nossos dias. Será que Jesus previu com inexprimível pesar o destino das crianças que clamavam por Sua atenção? Crescendo, elas enfrentariam dificuldades e exploração em seu país oprimido. Para muitas, haveria a pobreza, uma batalha para

simplesmente subsistir. Algumas sofreriam com dolorosas enfermidades e morreriam cedo. A maioria se tornaria adepta de uma religião exigente que falharia em livrá-las de seus fardos emocionais e as deixariam espiritualmente insatisfeitas.

Jesus viu as crianças com olhos

misericordiosos e teve interesse

genuíno por todas as suas necessidades.

Sua religião, que era a base de sua cultura, aumentaria suas dificuldades e estragaria o prazer de desfrutar das coisas simples da vida (Mateus 23:1-4). E na eternidade, depois dos tempos, elas entrariam na presença santa de Deus ou permaneceriam para sempre como miseráveis exilados? Assim, enquanto nosso Senhor se alegrava quando

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as crianças vinham até Ele, em Seu coração havia dor por elas também.

A COMPAIXÃO DE JESUS PELAS MULHERESJesus não somente tinha compaixão pelas crianças, mas também era genuinamente compassivo com as mulheres. De fato, Sua atitude e a maneira de relacionar-se com elas foi revolucionária. Israel era uma sociedade patriarcal na qual as mulheres ocupavam uma posição subordinada e eram tratadas, de muitas maneiras, como inferiores aos homens, tanto social como espiritualmente. No entanto, é difícil generalizar, pois havia divergências entre os rabinos quanto a esta questão. Os pais também divergiam quanto à criação de filhas e os maridos quanto ao controle e restrição que deveriam exercer sobre suas esposas. O amor e as diversas personalidades fizeram grande diferença

na experiência das mulheres hebréias. Porém, é inegável que geralmente o destino de uma mulher naquela sociedade patriarcal era difícil. A crença na inferioridade da mulher era muito forte e se expressava na oração oferecida por homens judeus: “Deus, eu Te agradeço porque eu não nasci cachorro; eu Te agradeço porque não nasci gentio; eu Te agradeço porque eu não nasci mulher.” Na sua juventude, as filhas eram freqüentemente tratadas com desconfiança e receio. Elas eram supervisionadas de perto para que não fizessem nada que pudesse parecer falta de castidade. Ao iniciar o ciclo menstrual a jovem era considerada impura e necessitava de purificação (Levítico 15:19-30). Tocar numa mulher menstruada era um pecado que requeria um ritual de purificação. Ademais, um homem não deveria tocar mulher alguma

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além de sua esposa, nem mesmo se fosse uma prima e a tocasse por acidente. Quando a garota atingia a idade para se casar, ela tornava-se objeto de troca do seu pai. Depois de casada tornava-se objeto de troca do seu esposo.

O padrão duplo dos dias de

Jesus era muito pior do que o

dos nossos dias.

O papel da mulher era o de dona de casa, sem nenhuma das comodidades que temos hoje. Também deveria ter filhos, com uma gravidez atrás da outra, quanto mais filhos tivesse, mais estimada seria. Depois de dar à luz, a mulher era considerada impura e precisava de purificação (Levítico 12). Se a esposa não agradasse o marido, ele poderia divorciar-se dela,

mas à esposa não lhe era concedido o mesmo direito (Deuteronômio 24:1-4). Se ela fosse suspeita de adultério, poderia ser submetida ao terrível ritual da água amarga (Números 5:11-31), mas não havia uma providência como esta para testar um marido suspeito de adultério. A mulher não tinha direito a propriedades, não podia servir como testemunha, não podia participar da adoração com o homem. Os cânticos e estribilhos eram exclusivos dos homens, enquanto as mulheres os ouviam em lugares designados para elas na sinagoga. Como regra geral, somente aos meninos era ensinado o Tora. Alguns rabinos chegaram ao extremo de declarar, “É melhor deixar as palavras da lei serem queimadas do que ensiná-las às mulheres [...]. Se um homem ensinar a Lei à sua filha é como ensinar-lhe lascívia.” Para

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que um culto acontecesse havia a necessidade da presença de dez homens; nove homens e uma mulher — era impossível! Jesus, entretanto, era sensível às necessidades de todas as pessoas, fossem homens ou mulheres. Ele demonstrava uma compaixão inclusiva que quebrava os tabus e as tradicionais restrições de gênero. Para que uma cura fosse realizada, Ele permitiu ser tocado por uma mulher sem sobressaltar-se e sem seguir a rotina de purificação prescrita. Lucas relata a história de uma mulher que por 12 anos tinha um fluxo de sangue (evidentemente uma disfunção menstrual). Ela esticou o braço e seus dedos tocaram de leve a borda da roupa de Jesus. Ao invés de condená-la por um ato que contaminava um homem, Jesus gentilmente a fez compreender a diferença entre a crença num tipo de contato mágico e a fé salvadora na graça divina (Lucas 8:42-48).

Uma outra mulher, neste caso uma prostituta, derramou um óleo precioso nos pés do Salvador e os lavou com suas lágrimas, enquanto Jesus comia na casa de um fariseu. Cheio de compaixão, nosso Senhor, que conhecia seu arrependimento e fé, defendeu aquele ato ousado e extravagante, e a despediu com sua bênção de paz (Lucas 7:36-50). Mais uma vez, Jesus revelou Sua compaixão pelas mulheres, particularmente pelas marginalizadas por causa de seus pecados, quando se negou a participar do apedrejamento de uma mulher que fora pega em adultério. Deixando de lado a questão do porquê seus acusadores não arrastaram o homem, que com ela pecava, aos pés de Jesus. Vemos nosso Senhor lidando com esta sórdida situação com tato e piedade, sendo justo e perdoador. Ele absolveu esta transgressora de sua culpa, advertiu-a sobre futuras tentações e a despediu para

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viver uma vida transformada (João 8:1-11). Ele de maneira alguma tolerou o pecado, mas com amor ofereceu perdão e esperança àquelas mulheres que a sociedade desprezou como refugo moral.

Jesus se importou com as mulheres, que na maioria das vezes,

experimentavam um pouco mais do

que negligência, desrespeito e rejeição.

As viúvas, especialmente, despertavam a compaixão de nosso Salvador. O Velho Testamento dava ordens específicas para que as viúvas fossem tratadas com bondade e respeito (Deuteronômio 14:28-29;24:19-21;26:12-13; Isaías 1:17; Zacarias 7:10). Tanto hoje como antigamente, algumas famílias negligenciam prover companhia e cuidado

suficiente para estas mulheres de ‘segunda classe’. Freqüentemente, tanto naquele tempo como agora, elas são afastadas dos acontecimentos da órbita familiar. Um exemplo típico, da atitude de nosso Senhor para com estas mulheres marginalizadas, foi Seu encontro com um cortejo fúnebre nos arredores da cidade de Naim. Um jovem morreu e ele era o único filho de sua sofredora mãe. Ela estava enfrentando a solidão e provavelmente toda a sorte de privação. Quando Jesus viu o cortejo fúnebre e ouviu os soluços da mãe, foi tomado de compaixão (Lucas 7:13). Ele não esperou que ela apelasse para agir. Tocou o caixão, arriscando contaminar-se e ordenou que o morto ressuscitasse. Milagrosamente, a vida retornou ao seu corpo e o filho da mulher levantou-se. Imagine a gratidão da mãe! A dor inconsolável foi substituída por uma alegria incontrolável (v.11-17).

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No sermão de Jesus em Nazaré, dando início ao Seu ministério público, Ele se referiu a uma viúva (uma estrangeira da região pagã de Sidom) como objeto da graça salvadora de Deus. Esta referência, não foi feita por acaso, mas de propósito. Ela contradizia os preconceitos de seus ouvintes (Lucas 4:25-26). A viúva de Sidom não foi a única viúva destituída que Jesus usou como exemplo, para desafiar os leitores dos Evangelhos daquele tempo e os de hoje. Nos dias de Jesus, os homens tinham um escasso conhecimento de Deus e uma comunhão superficial com Ele. A situação das mulheres era muito pior. Portanto, Jesus desafiando a tradição, permitiu que elas estivessem entre os Seus seguidores e, de fato, deixou que elas se engajassem no serviço e sustento de Seu ministério itinerante (Lucas 8:1-3). Junto com os homens, as mulheres recebiam ensinamentos

sobre a graça de Deus que eliminava a distinção entre os gêneros. Com compaixão, nosso Senhor disse às mulheres, individual e coletivamente, a verdade sobre Deus e Seu Reino. Ele dedicou tempo para instruir Maria de Betânia (Lucas 10:39), gentilmente repreendeu Marta, a irmã de Maria, dizendo-lhe que era melhor aprender de Deus do que estar preocupada com as tarefas domésticas como preparar uma refeição. Dizendo isso, Ele estava virando de cabeça para baixo o papel tradicional das mulheres. Uma vez mais, no poço de Jacó, Ele deu um breve curso de teologia básica a uma mulher samaritana. Não é de se estranhar que seus companheiros tradicionalistas ficassem espantados. Ele estava falando com uma mulher num lugar público! Ele estava conversando com uma mulher samaritana desprezível, uma raça que os religiosos judeus

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viam como hereges (João 4:1-30). O que motivou tal comportamento em Cristo? Compaixão! Ele via as pessoas em toda gama de suas necessidades. Ele não via as pessoas em categorias abstratas como masculinos e femininos, judeus e gentios, estrangeiros e cidadãos, adultos e crianças. Jesus via as pessoas como indivíduos, cada um feito à imagem de Deus, cada um como membro da família humana de Deus e membro em potencial da família espiritual de Deus.

A COMPAIXÃO DE JESUS PELOS MEMBROS MARGINALIZADOS DA SOCIEDADE Da mesma forma que Jesus tinha compaixão pelas crianças e mulheres, também a tinha pelos grupos que estavam à margem da sociedade. Ele era um libertador radical que tinha vindo, de acordo com Sua própria alegação, para que

todo e qualquer ser humano, pecador, pudesse ter vida abundante neste mundo e além deste mundo pudesse ter vida eterna (João 3:16;10:10). No primeiro século, os cobradores de impostos e os publicanos eram compreensivelmente desprezados e odiados em Israel. Eles eram judeus que atuavam como agentes do governo romano. Sua tarefa era juntar uma certa quantia de dinheiro de seus compatriotas israelitas, não importando quanto sofrimento isso causasse. Se conseguissem extorquir mais do que o exigido pelos oficiais do império, eles poderiam embolsá-lo. Assim, quando Jesus quis destacar a seriedade por excluir uma pessoa não arrependida do grupo cristão, Ele disse que Seus discípulos deveriam tratar tal transgressor como se fosse um coletor de impostos (Mateus 18:17). Como as pessoas devem ter ficado escandalizadas quando Jesus sentou-se à

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mesa com aqueles traidores, como seriam chamados hoje! E além disso, ainda convidou um deles para tornar-se um dos discípulos do seu círculo mais próximo! (Marcos 2:13-17).

O escândalo envolvendo Jesus aconteceu porque Ele violou a ética

da sociedade que infelizmente

era deficiente em compaixão.

Como Jesus deve ter aborrecido Seus compatriotas judeus quando convidou um notório publicano, chamado Zaqueu, que tinha enriquecido devido à sua extorsão desmedida, a entrar na órbita da misericórdia redentora e perdoadora de Deus! (Lucas 19:1-10). Como Jesus deve ter deixado os bons judeus

perplexos e irados, quando em uma de suas parábolas Ele fez de um coletor de impostos, ao invés de um fariseu, o receptor da graça justificadora de Deus! (Lucas 18:9-14). Pior ainda foi a fúria que incitou este amigo de coletores de impostos e pecadores (Lucas 7:34), ao declarar que os coletores de impostos e prostitutas que se arrependessem ao ouvir a mensagem de João Batista entrariam no reino de Deus antes dos líderes religiosos cheios de justiça própria! (Mateus 21:31-32). De acordo com Jesus, a compaixão divina poderia e deveria transformar os membros dos “grupos banidos” em membros bem-vindos ao “grupo de Deus”. Na Sua misericórdia salvadora, Jesus também quebrou barreiras erigidas pelas tradições separatistas. Ele não hesitou tocar os leprosos, que haviam sido compelidos a evitar todo contato humano (Mateus 8:1-4; Marcos 1:40-44).

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Pense no que deve ter significado o Seu toque para estes pobres intocáveis. Usou Seu poder em favor dos indivíduos necessitados independente de sua raça. Curou o filho de um centurião, um oficial do exército opressor de Roma (Mateus 8:5-13). Também curou a filha de uma mulher pagã de Canaã (Mateus 15:21-24). Não hesitou em falar com uma mulher samaritana e compartilhou a respeito da verdade que liberta e do tipo de adoração que agrada a Deus (João 4). A atitude preponderante dos judeus para com aquela raça é friamente demonstrada no criticismo dirigido contra o próprio Jesus, “[...] você é um Samaritano e está possuído por demônios” (João 8:48). Porém, quando Jesus desafiou o comportamento rígido da hierarquia religiosa de Seus dias, Ele escolheu um samaritano como modelo da compaixão do próprio Deus; o samaritano que se compadeceu de uma vítima

de roubo e violência (Lucas 10). Ele poderia ter revelado com maior dramaticidade que Seu coração e o do Seu Pai batiam como um só? Jesus nunca desprezou as pessoas comuns que alegremente lhe ouviam (Marcos 12:37). A hierarquia judaica olhava com desdém as pessoas porque eram ignorantes em matéria de religião.Eles diziam, “Mas essa ralé que nada entende da lei é maldita” (João 7:49). Ao invés disso, Jesus, movido pela compaixão, ensinou a ralé. Ele alimentou alguns de seus membros com certa freqüência. Ele curou os seus enfermos, e libertou os que estavam possuídos por demônios (Marcos 5:1-17;8:1-10). A piedade de Jesus para com os pobres em suas enfermidades, em sua fome e em seu sofrimento emerge de forma notável na parábola do rico e Lázaro (Lucas 16:19-31). Ela surge novamente em Sua incrível e inspiradora visão

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do julgamento que destaca Sua preocupação pelos membros mais necessitados da sociedade (Mateus 25:31-46). Seu coração e Seus braços estavam totalmente abertos, como ainda estão para os menos importantes, os desprezíveis e os perdidos (Lucas 15).

A COMPAIXÃO DE JESUS PELOS ESPIRITUALMENTE NECESSITADOS A preocupação de Jesus com a fome, a doença e a injustiça era grande, mas maior ainda era Sua preocupação com o relacionamento destas pessoas com Deus e com seu destino na vida além. Quando Ele declarou o Seu Reino no sermão pregado na sinagoga de Nazaré, Ele citou esta passagem de Isaías 61:

O Espírito do Senhor está sobre mim, porque ele me ungiu para pregar boas novas aos pobres. Ele me enviou para proclamar liberdade aos presos e recuperação da vista aos

cegos, para libertar os oprimidos e proclamar o ano da graça do Senhor (Lucas 4:18-19).

Ao citar a passagem de Isaías, Jesus estava anunciando os dois propósitos de Sua missão. Ele literalmente ajudaria a restaurar a visão, daria conforto e libertaria aqueles que estavam presos a hábitos destrutivos e a comportamentos viciosos. Por outro lado, Ele exerceria um ministério espiritual, iluminando os espiritualmente cegos (João 6), libertando os espiritualmente acorrentados, confortando os atormentados pela culpa e aflição. De fato, os milagres que Ele faria, Seus atos de poder e compaixão sobrenaturais, seriam uma dramática “vinheta” da natureza do Seu Reino que Ele próprio veio inaugurar. Embora Sua compaixão incluísse a gama total das aflições humanas, Sua preocupação principal era espiritual. Sua sociedade estava permeada com

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religião, mas a religião estabelecida por Deus para abençoar Seu povo tinha-se degenerado transformando-se numa camisa-de-força legalista. Por isso, Ele denunciou com veemência feroz o tradicionalismo farisaico, que tomou para si a “chave do conhecimento” (Lucas 11:52) e deixou seus adeptos de alma vazia, na ignorância de Deus. Irado, Ele criticou severamente os prosélitos zelotes que viajavam longas distâncias para ganhar um único convertido e, ao fazer isto tornavam aquele indivíduo “duas vezes mais filho do inferno” (Mateus 23:15). Eles mesmos sendo alheios à vida abundante do reino celestial, aqueles cães de guarda da tradição, impediam que aqueles que buscavam a Deus “com fome”, entrassem no reino de “justiça, paz e alegria” (Romanos 14:17). Como a dureza de coração daqueles “líderes cegos de cegos” incomodava o coração amoroso de Jesus!

Os Evangelhos nos dizem que Jesus chorou (Lucas 19:41; João 11:35). Uma vez quando Ele se aproximou de Jerusalém um pouco antes de Sua prisão e crucificação, Ele olhou a cidade condenada e não conseguiu impedir Seu pranto. Ele anteviu a terrível destruição aguardando os passos sagrados de Jeová (Salmo 99:5) e Ele se abateu emocionalmente. Mais cedo em Seu ministério, Ele não fora capaz de controlar Sua dor quando previu o saque selvagem da capital de Israel.

A compaixão que Jesus teve pelas

necessidades físicas do povo era um

sinal de Sua preocupação com

as maiores necessidades de seus corações.

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Jerusalém, Jerusalém, você, que mata os profetas e apedreja os que lhe são enviados! Quantas vezes eu quis reunir os seus filhos, como a galinha reúne os seus pintinhos debaixo das suas asas, mas vocês não quiseram! (Lucas 13:34).

Mesmo a caminho do Calvário, suportando o peso da Sua cruz, Jesus se esqueceu de Sua própria miséria. Ele predisse, tomado de dor, a miséria que especialmente as mulheres teriam que suportar (Lucas 23:27-31). A maior causa de Sua dor não era a agonia que Sua própria gente ia sofrer neste mundo, mas a visão de seu destino eterno — que o fazia estremecer no mais íntimo do Seu ser. Eles estariam para sempre exilados da luz, do amor e da vida de Deus, na escuridão e no desespero eterno. Muitas vezes Ele suplicou às multidões ao Seu redor para fugirem da ira que viria. Ele falava com

uma eloqüência que derretia corações, usando as imagens mais vívidas para sacudir o complacente, o indiferente e o impenitente de sua apatia.

zumbi num destino pior do que o julgamento de Sodoma e Gomorra (Mateus 11:24).

de um Deus perdoador que pode fazer perecer no inferno tanto a alma como o corpo (Mateus 10:28).

Uma perspectiva tão terrível dilacerava emocionalmente Jesus, enchendo de dor Seu coração compassivo. Mesmo tendo comido e bebido com pecadores e partilhado da alegria dos banquetes de casamento, Ele nunca perdeu de vista a “sombra escura” da face de Deus. Ele veio ao nosso mundo como a encarnação da misericórdia, disposto a morrer para que os pecadores perdidos não perecessem mas tivessem a vida eterna. Perecer: esta

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era a sombra escura na face de Deus. Perecer: a palavra expressa impotência e horror, o desespero que o fez vir para salvar os pecadores. Na Sua compaixão Ele lançou-se da glória para o Gólgota. Motivado por infinita misericórdia, Ele assumiu nossa carne e sangue, deixando o trono celestial para ser cravado na cruz do Calvário. Ele humilhou-se abandonando as maiores alturas do céu para descer até o mais profundo da terra, morrendo crucificado em agonia e vergonha numa cruz romana; uma morte reservada para os piores criminosos. Por que Ele teve que fazer isso? Ele simplesmente disse que foi para salvar os perdidos (Lucas 19:10). Perdido! Todo o terrível perigo e a insondável necessidade gritam através desta palavra que também ecoa outra palavra horrível: perecer. Estas duas palavras medonhas retinem numa terrível antifonia. Os

perecedores são perdidos, os perdidos são perecedores. Perdido! O sofrimento pungente, atordoador de uma criança que foi tirada da segurança e do calor de um ambiente confortável e está congelando sozinha na fria e escura noite. Perdidos! Os passageiros do Titanic saltam da opulência e alegria para as águas congeladas do oceano Atlântico, afundando-se sob as ondas impiedosas. Perdida! A dor da esposa que vê o cirurgião fatigado ao sair do centro cirúrgico para informar que a equipe médica perdeu o paciente, seu marido. Perdidas! Almas errantes “para as quais a escuridão está reservada eternamente” (Judas 13). Perdidas! Almas atormentadas pelas pontadas do remorso causado pela privação da esperança, alegria e paz. Perdidas! Almas angustiadas pelas memórias das oportunidades da glória eterna, perdidas para sempre.

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A angústia espiritual das almas perdidas e mortais tocavam profundamente o coração compassivo de Jesus.

EXEMPLOS DA COMPAIXÃO CRISTÃ

Durante Seu tempo aqui na terra, nosso Senhor andou

fazendo o bem (Atos 10:38). Sua compaixão não era um sentimentalismo inativo que, como Samuel Taylor Coleridge sarcasticamente escreveu, “Suspira por causa da miséria, mas evita o miserável.” Como nosso estudo sobre o ministério de Jesus tem mostrado, onde quer que encontrasse uma necessidade individual ou coletiva, Sua reação emocional de intenso interesse motivava uma ação imediata. Ele curou, alimentou, ensinou, acalmou o mar turbulento, expulsou demônios e até ressuscitou mortos. Em tudo que

fez e disse, Ele deu o exemplo para os Seus discípulos seguirem nos anos vindouros (1 Pedro 2:21). Eles, como Jesus, deviam ser agentes da compaixão, comunicando através da Palavra e pelas ações a mensagem da graça redentora de Deus. Eles deveriam ser canais para o fluxo do poder do Espírito. Considere, por exemplo, os séculos que se seguiram após a jornada do nosso Salvador aqui na terra. A compaixão cristã fluindo através de Seus discípulos, desafiava e transformava a cruel, insensível sociedade dos Césares. O assassinato de crianças, muitas vezes pela impiedosa exposição aos fenômenos atmosféricos e mesmo a animais; os banhos de sangue nos espetáculos dos gladiadores; a crucificação de criminosos; o tratamento brutal dado aos escravos; a degradação das mulheres. Os cristãos se opunham bravamente a tais práticas, em nome do compassivo Jesus.

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Mas, a melhor maneira de avaliar o quanto o exemplo da compaixão de nosso Senhor tem impactado a história é considerar as vidas de indivíduos que têm servido como canais do Seu cuidadoso amor. Eles têm sido sal na massa da civilização que de outra forma não teria sabor. Eles têm sido luz na densa escuridão da cultura depravada. Eles têm sido vozes que se erguem suplicando por misericórdia onde tem surgido o barbarismo, mesmo nas nações desenvolvidas. Aqui estão apenas duas ilustrações da compaixão cristã.

Porque Cristo é compassivo, Ele

enche de compaixão aqueles que estão

cheios dele.

Jaqueline Polinger, nasceu e foi criada na Grã-Bretanha, era musicista por vocação e cristã por

convicção. Aos cinco anos de idade sentiu que Deus a estava dirigindo para o trabalho missionário. Mas onde e através de que agência? Ela falou com seu pastor que a aconselhou a ter fé e deixar que Deus a guiasse com Sua providência. Jaqueline seguiu o seu conselho e eventualmente foi para Hong Kong. Sozinha ela começou o trabalho dando testemunho na notória Cidade Amuralhada, onde mais de 50 mil pessoas se amontoavam em apenas 2,63 hectares. Era um refúgio para criminosos de toda a espécie: ladrões, traficantes, assassinos e prostitutas. Suas ruas eram forradas de covis de heroína e de ópio, sem mencionar os teatros pornôs. A Cidade Amuralhada de Kowloon era infestada de ratos e sujeira, governada por gangues cruéis. Toda manhã os corpos dos miseráveis que morriam de sobredose eram simplesmente arrastados para fora da muralha e deixados insepultos.

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Jaqueline só tinha 20 anos, sem treinamento específico e desprotegida, quando se mudou para aquele pesadelo. Ela começou sendo um canal da compaixão de Cristo compartilhando as boas novas do Seu amor e perdão. Enfrentou violenta hostilidade. As janelas e móveis do Clube de Jovens, que ela abriu, foram destruídos, e excrementos foram espalhados por todo lado, por ordem de um grande traficante de drogas. Mas ele ficou tão impressionado com Jaqueline e sua mensagem sobre o perdão de Deus que ordenou que seus capangas fossem lhe pedir desculpas. Eles foram e, de acordo com a mensagem que pregava, ela os perdoou. Pouco a pouco houve transformação como resultado da compaixão resoluta, da intrépida bravura e da pregação cristocêntrica de Jaqueline. Centenas de homens e mulheres: escravizados pelas drogas,

presos a vícios, adictos vitalícios e bêbados eram libertos. A compaixão de Jaqueline não era um sentimentalismo impotente. Motivada pelo Calvário, seu ministério era dinâmico e transformador. De fato, era o poder do próprio Deus para a salvação. Através de Jaqueline, Jesus continuou Seu trabalho compassivo. Maria Reed, nasceu em Ohio em 1858. Ela foi outro canal da compaixão de Cristo. Ao ouvir sobre a luta dos leprosos na Índia, decidiu fazer o que estivesse ao seu alcance para aliviar seu sofrimento e compartilhar com eles as boas novas do amor de Deus. Como parecia ineficaz e fútil que uma mulher cristã tivesse a expectativa de trazer alguma mudança significativa às vidas de pessoas tão severamente afligidas em uma sociedade alienada. Com resolução e em oração Maria voluntariou-se para servir na Índia. O local de seu ministério foi a cidade de Cawnpore com suas

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tremendas necessidades. As condições eram indescritivelmente difíceis. Não é de se estranhar que depois de oito anos de trabalho compassivo ela abateu-se fisicamente e teve que retornar para casa para se recuperar. Mas ela ficou em casa? Ela abandonou a tarefa impossível de exercer um impacto significativo que realmente ajudaria naquela situação desesperadora? Não, ao invés de permitir-se ceder a alguma tentação como esta, Maria retornou para Pithoraterth na região do Himalaia. Em sua jornada ela se deparou com um grupo de 500 leprosos, subsistindo por si próprios sem nenhum grupo ou organização se importando com sua miséria. Incomodada com seu lamentoso desamparo, Maria não conseguia esquecer-se daqueles sofredores negligenciados. Depois de mais um ano de intenso ministério, ela sucumbiu e foi mandada de volta para sua casa

na América. Os médicos ficaram perplexos com sua enfermidade. O que causava aquela dor formigante no seu dedo indicador e aquela mancha em sua face? Maria já sabia antes de receber o diagnóstico definitivo. Ela havia contraído lepra. Porém, ao invés de ficar aterrorizada, ela agradeceu a Deus pela enfermidade que normalmente teria despertado reações de autopiedade e apreensão. Ela viu a doença como um presente de Deus, uma resposta aos seus clamores para que de alguma maneira ela pudesse trabalhar entre os leprosos do Himalaia. Somente seus médicos e sua irmã sabiam das suas reais condições. Quando ela partiu para a Índia, ela insistiu para que não houvesse uma despedida triste, embora ela soubesse que talvez nunca mais visse sua amada família. De volta à Índia, Maria foi para aquele povoado de leprosos onde nenhum missionário havia ido

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antes. “Eu fui chamada por Deus para vir até aqui e ajudá-los,” ela disse aos espantados doentes. E lá ela permaneceu como uma agente da compaixão de Deus. As dificuldades eram de fato enormes, porém, gradualmente em Chanbag, sob a liderança sacrificial de Maria, novos projetos foram desenvolvidos. Até um hospital foi construído para trazer cura, ajuda e esperança para aqueles que tinham sido párias sem esperança. Por 53 anos ela viveu e serviu em Chanbag e ali morreu em 1943. Estas duas servas de Senhor representam uma grande multidão dos Seus discípulos, a maioria deles desconhecidos e não aplaudidos. Mas, seus nomes são conhecidos no céu, e eles têm recebido a única comenda que desejavam e mereciam, a palavra de aprovação do seu Senhor, “Muito bem, servo bom e fiel”. Se nós confessamos Jesus como nosso Redentor

e Mestre, somos desafiados a seguir nos passos de Jaqueline e Maria, assim como elas seguiram nos passos dele, que era a encarnação da compaixão. Como recipientes da graça salvadora nós temos o privilégio de deixar o precioso amor de Deus fluir através de nossas vidas para o mundo necessitado. Somente quando o fizermos algumas das necessidades humanas serão supridas. O historiador Huston Smith, um renomado professor de religião na Universidade de Siracusa, visitou Aldous Huxley quando ele era um distinto professor de ciências humanas em MIT (Instituto Tecnológico de Massachusetts, EUA). Um dia eles estavam andando juntos e conversando, e Aldous Huxley disse, “Você sabe Huston, é embaraçoso ter gasto a vida inteira ponderando sobre a condição humana, chegar ao fim e descobrir que eu realmente

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não tenho nada mais profundo para aconselhar do que — tente ser um pouco mais bondoso.” Embora isto seja verdade, Jesus é nosso exemplo e nos motiva a sermos mais do que um pouco bondosos. Como então, podemos ser canais da bondosa compaixão de Deus? Deixemos Henri Nowen instruir-nos:

Quando eu oro pelas intermináveis necessidades dos milhões de pessoas, minha alma se expande e quer abraçá-los e trazê-los à presença de Deus. Mas, no meio desta experiência eu compreendo que a compaixão não é minha, mas um dom de Deus para mim. Eu não posso abraçar o mundo, mas Deus pode. Eu não posso orar por todos, mas Deus pode orar em mim. Quando Deus se tornou um de nós [...] Ele permitiu que tivéssemos intimidade com a vida divina. Ele

tornou possível que compartilhássemos da infinita compaixão de Deus.

Pela graça de Deus nós não somente compartilhamos a experiência da compaixão de Deus, mas Sua graça pode nos transformar em canais daquela compaixão, seguindo nos passos de Cristo como a multidão de nossos antepassados espirituais. Mas, se de fato estamos imitando Cristo, como Paulo nos conclama em 1 Coríntios 11:1, nossa compaixão não será limitada às necessidades físicas. Nossa prioridade suprema será atender as necessidades da alma.