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Fabiola do Valle Zonno Arquitetura entre Escultura Uma reflexão sobre a dimensão artística da Paisagem contemporânea Dissertação de Mestrado Dissertação apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre pelo Programa de Pós- Graduação em História Social da Cultura, do Departamento de História da PUC-Rio. Orientadora: Profª. Cecilia Martins de Mello Rio de Janeiro Abril de 2006

ZONNO, Fabiola. Arquitetura Entre Escultura

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Fabiola do Valle Zonno

Arquitetura entre Escultura Uma reflexão sobre a dimensão artística da

Paisagem contemporânea

Dissertação de Mestrado

Dissertação apresentada como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre pelo Programa de Pós-Graduação em História Social da Cultura, do Departamento de História da PUC-Rio.

Orientadora: Profª. Cecilia Martins de Mello

Rio de Janeiro

Abril de 2006

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Fabiola do Valle Zonno

Arquitetura entre Escultura

Uma reflexão sobre a dimensão artística da Paisagem contemporânea

Dissertação apresentada como requisito parcial paraobtenção do grau de Mestre pelo Programa de Pós-Graduação em História Social da Cultura doDepartamento de História do Centro de CiênciasSociais da PUC-Rio. Aprovada pela Comissão Examinadora abaixo assinada.

Profª. Cecilia Martins de Mello Orientadora

Departamento de História - PUC-Rio

Prof. João Masao Kamita Departamento de História – PUC-Rio

Prof. Roberto Luís Torres Conduru Departamento de Teoria e História da Arte

Instituto de Artes – UERJ

Prof. João Pontes Nogueira Vice-Decano de Pós-Graduação do Centro de Ciências Sociais

PUC-Rio

Rio de Janeiro, 10 de abril de 2006.

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Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução total ou parcial do trabalho sem a autorização da universidade, da autora e do orientador.

Fabiola do Valle Zonno

Graduou-se cum laudae em Arquitetura e Urbanismo pela UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) em março de 2000. Foi bolsista de graduação no Programa de Pós-graduação em Urbanismo/ PROURB da UFRJ, trabalhando na Pesquisa “Elementos Simbólicos da Cidade Latino-Americana”. Atuou por quatro anos como arquiteta da Rede Globo de Televisão na área de Projetos Temáticos. Especializou-se em Comunicação e Imagem pela PUC-Rio em 2003. Ingressou, em 2006, no curso de Doutorado em História Social da Cultura da PUC-Rio, com a proposta de ampliar o trabalho iniciado nesta dissertação.

Ficha Catalográfica CDD: 900

Zonno, Fabiola do Valle Arquitetura entre escultura: uma reflexão sobre a dimensão artística da paisagem contemporânea; orientador: Cecilia Martins de Mello. – Rio de Janeiro: PUC, Departamento de História, 2006. 156 f. : il. ; 30 cm Dissertação (mestrado) – Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, Departamento de História. Inclui referências bibliográficas. 1. História – Teses. 2. Arte contemporânea. 3. Arquitetura. 4. Escultura. 5. Paisagem. 6. Campo ampliado. 7. Externalidade. 8. Experimentalismo. 9. Multiplicidade I. Mello, Cecilia Martins de. II. Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Departamento de História. III. Título.

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Para meus queridos pais, Nadia e Petronillo, pela vida, pelo amor e pelo suporte incondicionais.

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Agradecimentos À minha orientadora Professora Doutora Cecilia Martins de Mello pelo grande estímulo intelectual e pela atenção minuciosa a este trabalho. À CAPES e à PUC-Rio pelos auxílios concedidos sem os quais este trabalho não poderia ser realizado. Aos Professores Doutores João Masao Kamita e Roberto Luís Torres Conduru, participantes das bancas intermediária e final, pela contribuição ao crescimento deste trabalho. À minha tia Professora Doutora Nadja do Couto Valle pela amorosa participação em minha vida pessoal e acadêmica. À minha querida avó Nadir G. Valle pela presença carinhosa e por suas orações. À minha irmã Isabella do Valle Zonno pelo companheirismo e encorajamento. À minha amiga e orientadora de graduação Professora Doutora Sonia Hilf Schulz pelas valorosas conversas sobre arquitetura e filosofia. À Edna Timbó, secretária do Departamento de História, pelo suporte e amizade. A Deus e aos meus amigos de todos os planos da vida pela inestimável participação em minhas alegrias, pelo incentivo e pela sustentação em todos os momentos.

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Resumo

Zonno, Fabiola do Valle; Mello, Cecilia Martins de. Arquitetura entre Escultura: uma reflexão sobre a dimensão artística da paisagem contemporânea. Rio de Janeiro, 2006. 156 p. Dissertação de Mestrado - Departamento de História, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.

“Arquitetura entre Escultura: uma reflexão sobre a dimensão artística da

paisagem contemporânea” busca uma aproximação entre as obras de escultores e

arquitetos após os anos 1960, no âmbito internacional, com o objetivo de traçar

possíveis caminhos de diálogo entre ambas as disciplinas diante do desafio de se

inserirem na multiplicidade da Paisagem contemporânea. A reflexão parte da

noção de campo ampliado, da historiadora Rosalind Krauss, em que as fronteiras

entre escultura, arquitetura e paisagem se tornam flexíveis, delineando, através de

combinações e exclusões, possibilidades múltiplas para a arte ao lidar com o

espaço real. Na mesma vertente, o historiador da arquitetura Anthony Vidler

sustenta que, se para criticar os termos tradicionais da escultura os artistas se

apropriaram das questões da arquitetura, por sua vez os arquitetos teriam buscado

o experimentalismo da escultura a fim de escapar da rigidez funcionalista e dos

modelos tipológicos. Na produção dos artistas Richard Serra, Christo, Robert

Morris, Robert Smithson, Claes Oldenburg e Vito Acconci e dos arquitetos Robert

Venturi, Peter Eisenman, Frank Gehry, Zaha Hadid, Daniel Libeskind e Rem

Koolhaas foram selecionadas obras que poderiam ser descritas como entre -

partícipes do campo formado por arquitetura e escultura e paisagem. A partir deste

campo são identificadas questões sobre: externalidade, relação com o sítio,

monumentalidade, experiência da obra no espaço-tempo do percurso, forma e anti

forma, performance e uso dos espaços, público e privado, imagem, ficção e

história. Observa-se a deflagração de um processo, ao mesmo tempo,

experimental e autocrítico desses campos de atuação, através de uma abordagem

que pontua relações entre Moderno, Pop, Minimal, Land Art, performances,

Desconstrutivismo e novas topologias e programas arquitetônicos.

Palavras-chave

Arte contemporânea; arquitetura; escultura; paisagem; campo ampliado;

externalidade; experimentalismo; multiplicidade.

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Abstract

Zonno, Fabiola do Valle; Mello, Cecilia Martins de. Architecture between Sculpture: an approach to the artistic dimension of contemporary landscape. Rio de Janeiro, 2006. 156 p. MSc. Dissertation - Departamento de História, Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro.

“Architecture between Sculpture: an approach to the artistic dimension

of contemporary landscape” searches for an approach to works of sculptors and

architects, since 1960, in the international circuit, in order to analyze to what

extent possible affinities can be traced out between both artistic fields, while

facing the challenge in the multiple features of contemporary landscape. The

discussion is based on the historian Rosalind Krauss’ notion of “expanded field”

in which the limits among sculpture, architecture and landscape become flexible,

delineating by means of combinations and exclusions, the multiple possibilities of

art in dealing with real space. On the same ground, Anthony Vidler, historian of

architecture, sustains that while criticizing the traditional matters of sculpture,

artists have internalized the issues of architecture themselves, and architects, on

the other hand, have searched for the artistic experimental processes to escape

from the rigidity of functionalism and typological models. Works by the artists

Richard Serra, Christo, Robert Morris, Robert Smithson, Claes Oldenburg and

Vito Acconci and by the architects Robert Venturi, Peter Eisenman, Frank Gehry,

Zaha Hadid, Daniel Libeskind and Rem Koolhaas, among others, can be described

as “between” and studied as participants in the scope architecture and sculpture

and landscape. On such basis one can identify issues such as: externality, relation

with the site, monumentality, space-time experience, form and anti form,

performance and use of spaces, notions of public and private, image, fiction and

history. There occurs the deflagration of a process, both experimental and self-

critical, on the part of each artistic means, through an analysis that interpunctuates

the relationship among Modern, Pop, Minimal, Land Art, performances,

Deconstructivism and new topologies and architectural programs.

Keywords

Contemporary art; architecture; sculpture; landscape; expanded field; externality; experimentalism; multiplicity.

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Sumário 1. Introdução ao Campo Ampliado das Artes 14 1.1. Arquitetura e Escultura e Paisagem 19 1.2. Externalidade: por um diálogo com o real 25 1.3. Experimentalismo: uma autocrítica dos meios artísticos 30 2. Paisagem: uma dialética com o contexto 36 2.1. O lugar contemporâneo, diálogos em complexidade 37 2.2. Monumentalidade e experiência sensível 42 2.3. Percurso e atualidade, uma relação “pitoresca” 52 2.4. Entre o conceitual e o fenomenológico, história e experiência 68 3. Paisagem: os limites do racionalismo formal 80 3.1. Entre Forma e Anti forma 80 3.2. Dobras e desdobras da materialidade real 90 3.3. Bioformas e Blobs, organicidade e externalidade 103 4. Paisagem: novos programas e performance 112 4.1. Imagens de uma paisagem dinâmica, uma estética 114 4.2. Arte como instrumento da performance pública entre privada 117 5. Considerações finais 133 6. Referências Bibliográficas 136 7. Anexo de Figuras 145

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Lista de Figuras

Figura 1. Claes Oldenburg e Coosije Van Bruggen. Cupid Span, 2002, Embarcadero San Francisco, California, EUA. Aço inoxidável, Fibra de carbono estrutural, plástico reforçado, forma de epóxi, forma de polivinil colorido, pintura e cobertura de gel de poliéster; altura de 182.3m.

145

Figura 2. Claes Oldenburg e Coosije Van Bruggen. Clothespin, 1976, Centre Square Plaza, entre as ruas Fifteenth e Market, Philadelphia. Aço corten e aço inoxidável. Dimensões: 13.7 x 3.7 x 1.4 m.

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Figura 3. Claes Oldenburg e Coosije Van Bruggen. Binoculars, 1991, Componente central de edifício projetado por Frank O. Gehry and Associates, 340 Main Street, Venice, California. Estrutura de Aço; exterior em concreto e argamassa de cimento, pintura com tinta elastomérica. Interior: argamassa de gesso; Dimensões: 13.7 x 13.4 x 5.5 m.

145

Figura 4. Robert Venturi. Conjunto Habitacional para Idosos da Sociedade Quacre/ Guild House, 1963, Philadelphia, EUA.

145

Figura 5. Robert Venturi, Rauch e Denise Scotch Brown. Fonte no Fairmaount Park Association, 1964. (projeto para Philadelphia, EUA).

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Figura 6. Christo e Jeanne-Claude. Wrapped Reichstag, 1971-95, Berlim, Alemanha. Tecido prata de polipropileno, painéis de tecido, corda de propileno azul, aço na estrutura. Altura no telhado: 32,2m; Altura nas torres: 42,5m; Comprimento das fachadas leste e oeste: 135,7m; Largura das fachadas norte e sul: 96m; perímetro total: 463,4m.

145

Figura 7. Jean Nouvel. Temporary Guggenheim Tokyo, 2001. (projeto para Tókio)

146

Figura 8. James Turrel. Companhia de Gás de Leipzig, 1997, Alemanha. 146

Figura 9. Toyo Ito. Torre dos Ventos, 1986, Japão. 146

Figura 10. Steven Holl. D.E. Shaw and Company, 1992, NY, EUA. 146

Figura 11. Steven Holl. Museu da Cidade de Cassino, 1998. Cassino, Itália.

146

Figura 12. Robert Morris. L Beams, 1965. Três formas em “L” idênticas; aço inoxidável; dimensões: 244 x 244 x 61 cm cada peça.

146

Figura 13. Robert Morris. Observatory, 1971, Sousbeek, Arnhem, Países Baixos. Terra, madeira, blocos de granito, ferro e água. Comprimento: 70,10 m.

146

Figura 14. Robert Smithson. Spiral Jetty, 1970, Great Salt Lake, Utah, EUA. Rocha negra, cristais de sal, terra, água vermelha (algas). Rolo 457,2m de comprimento e aproximadamente 4,57m de largura.

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Figura 15. Richard Serra. Schift, 1970, King City, Ontario, Canadá. Seis partes com área total de 248,41 cm.

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Figura 16. Richard Serra. St. John´s Rotary Arc, 1980, instalação na saída do Túnel Holland, Nova Iorque. Aço corten. 366cm x 60,96m x 6,5cm.

147

Figura 17. Richard Serra. Clara, Clara, 1983, Jardin des Tuileries, Place de la Concorde, Paris. Aço corten. Duas partes. 366cm x 36,58m x 5cm.

147

Figura 18. Frank Lloyd Wright. Casa Kaufmann/ Casa da Cascata, 1939, Pensilvânia, EUA.

147

Figura 19. Ben van Berkel. Möbius House, 1993-98, Het Gooi, Holanda. 147

Figura 20. Foreign Office Architects/ FOA. Terminal Portuário de Yokohama, 1994, Yokohama, Japão.

148

Figura 21. Vito Acconci. Loloma Station, [s.d.]. (projeto para Scotdale, EUA)

148

Figura 22. Peter Eisenman. Cidade da Cultura da Galícia, 2000-construção, Santiago de Compostella, Espanha.

148

Figura 23. Peter Eisenman. Casa III, 1970, Lakeville, EUA. 148

Figura 24. Peter Eisenman. Wexner Center for the Arts, 1983-89, Ohio, EUA.

148

Figura 25. So LeWitt. Cubo Modular Aberto, 1966. Alumínio pintado; 152,4cm x 152,4cm x 152,4cm.

149

Figura 26. Peter Eisenman, Richard Meier e Steven Holl. Reconstrução do World Trade Center, 2002. (projeto para Nova Iorque)

149

Figura 27. Daniel Libeskind. Reconstrução do World Trade Center, 2002. (projeto para Nova Iorque)

149

Figura 28. Peter Eisenman. Memorial do Holocausto, 2005, Berlim, Alemanha.

149

Figura 29. Daniel Libeskind. Museu Judaico, 1999, Berlim, Alemanha. 149

Figura 30. Auguste Rodin. A Porta do Inferno, 1880-1917. Bronze; 548 x 365 x 83cm.

150

Figura 31. Pablo Picasso. Guitarras, 1912-15. Papel. 150

Figura 32. Tatlin. Relevo de Canto, 1915. Ferro, alumínio e base; 78,7 cm x 152cm x 76,2 cm.

150

Figura 33. Malevitch (1878-1935). Arquiteturas, s.d. 150

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Figura 34. Bernard Tschumi. Parc la Villette, 1982, Paris, França. 150

Figura 35. Frank Gehry. Residência do arquiteto, 1978, Santa Mônica, Califórnia, EUA.

151

Figura 36. Robert Morris. Sem Título [Feltros], 196?. 151

Figura 37. Rachel Whiteread. House, 1993-94, Londres, Inglaterra. 151

Figura 38. Robert Smithson. Partially Buried Woodshed, 1970, Kent State University, Kent, Ohio, EUA.

151

Figura 39. Zaha Hadid. Centro de Arte Contemporânea de Roma, 2000 – em construção, Roma, Itália.

151

Figura 40. Frank Gehry. Museu Guggenheim de Bilbao, 1997, Bilbao, Espanha. Titânio, Vidro e Pedra. Área: 24.000m2; altura: mais de 50m.

152

Figura 41. Richard Serra. Snake, 1996. Coleção museu Guggenheim de Bilbao, Espanha. Aço corten. Seis partes curvas, área total: 396 cm x 31,69m.

152

Figura 42. Richard Serra. Double Torqued Ellipse, 1997. Aço corten. Dimensões da elipse externa: 396/ 2,5cm x 10/ 0,15 x 822cm (projeção 82,5cm). Dimensões da elipse interna: 396/ 2,5cm x 792x 640cm (projeção 62,5cm). Exposta no Dia Center for the Arts, NY.

152

Figura 43. Frank Gehry. Nationale-Nederlanden Building /“Fred & Ginger”, 1994, Praga, República Tcheca.

152

Figura 44. Morphosis. New Academic Building, início de construção em 2006, Cooper Union, NY, EUA.

152

Figura 45. Peter Eisenman. Igreja do Ano 2000, 1996 (projeto para Roma). 153

Figura 46. Eric Owen Moss. The Box, 1990-94, Culver City, EUA. 153

Figura 47. Coop Himme(l)blau. Confluence Museum, 2001-05. (projeto para Lyon, França).

153

Figura 48. Diller+Scofidio. Blur Building, Expo 2002, Yverdon-les-Bains, Suíça.

153

Figura 49. Eero Saarinen. TWA Terminal, 1956-62, Nova Iorque, EUA. 153

Figura 50. Frank Stella. Bandshell, 1999, Miami, EUA. Alumínio; dimensões: 11m de altura e 13m de largura.

153

Figura 51. Claes Oldenburg. Giant Soft Shuttlecock, 1994. Aço, alumínio, madeira, plástico reforçado com fibra, espuma de poliestireno e polietileno, lona, corda; pintura látex. Oito penas de aprox. 7,9m de comprimento e 2m de largura; Base da peteca: 1,8m de diâmetro, 0,9m de altura. Exposta no

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Museu Guggenheim NY. Figura 52. Greg Lynn. Embryological House, 1998. (projeto) 154

Figura 53. NOX. Freshwater, 1997, H2O Expo, Neeltje Jans, Holanda. 154

Figura 54. Jean Dubuffet. Jardin d´émail, 1974, Otterlo, Holanda. Acervo do Rijksmuseum Kröller-Müller. Resina epóxi e concreto com pintura de poliuretano. Área: 600m2.

154

Figura 55. Archigram. Plug-in City, 1964-66. (projeto) 154

Figura 56. Archigram. Walking City, 1964. (projeto) 154

Figura 57. Archigram. Instant City, [s.d]. (projeto) 154

Figura 58. Vito Acconci. City that rides the garbage dump, 1999. (projeto)

154

Figura 59. Vito Acconci. Peoplemobile, 1979, performances realizadas na Holanda. Caminhonete, painéis de aço, vinil, áudio. 24 painéis; dimensão de cada painel: 2”x 5’x 7’.

154

Figura 60. Rem Koolhaas. ZKM Museu de Arte Tecnologia e Mídia, 1989, Karlsruhe, Alemanha. (projeto)

155

Figura 61. Vito Acconci. Middle of the world, 1976. Instalação realizada na Fine Arts Gallery, Wright State University, Dayton, Ohio, EUA.

155

Figura 62. Vito Acconci e Steven Holl. Galeria Store-Front, 1994, Nova Iorque, EUA.

155

Figura 63. Vito Acconci. More Balls for Kappler Hall Plaza, 1995, Queens College, EUA.

155

Figura 64. Vito Acconci. State Court Lawn, 1989. (projeto para Carson City, EUA)

155

Figura 65. Vito Acconci. City Hall, Las Vegas, 1989. (projeto) 155

Figura 66. Vito Acconci. House of Cars, 1983, San Francisco, EUA. 156

Figura 67. Vito Acconci. Sub-Urb, 1983, Artpark Lewiston, Nova Iorque, EUA. Madeira pintada, estrutura de aço e astroturf.

156

Figura 68. Vito Acconci. Largo do Glicério, ArteCidade 2002, São Paulo, Brasil.

156

Figura 69. Gordon Matta-Clark. Interseção Cônica, 1975, Paris, França. 156

Figura 70. Rem Koolhaas. Edifício São Vito, ArteCidade 2002, São Paulo, Brasil. (projeto)

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Entre as coisas não designa uma correlação localizável que vai de uma para outra reciprocamente, mas uma direção perpendicular, um movimento transversal que as carrega uma e outra, riacho sem início nem fim, que rói duas margens e adquire velocidade no meio.

Gilles Deleuze, “Introdução: Rizoma”, Mil Platôs

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1 Introdução ao Campo ampliado das Artes

A proposta desta dissertação é realizar uma leitura de obras de arquitetura

e escultura como partícipes de um campo ampliado das artes após a década de

1960. Esta noção surge no debate da arte em 1979, quando da publicação do

célebre artigo da historiadora Rosalind Krauss: A escultura no campo ampliado

que retoma a questão sobre a autonomia dos meios artísticos, observando na

prática escultórica deste período uma relação intrínseca com a arquitetura e a

paisagem.

Ao buscarmos a análise de obras com estas características, pretendemos

renovar o questionamento histórico do diálogo entre Arquitetura e Escultura

tentando compreender o próprio lugar da Arte na Paisagem, e, por extensão, na

Cultura.

O Construtivismo Russo, De Stijl, o Expressionismo e a Bauhaus são

momentos do Moderno em que arte e arquitetura podem ser observadas como

práticas colaborativas que partilham visões de mundo e objetivos, apontando para

uma relação entre arte e vida. Entendidos sob o prisma sócio-cultural, estes

movimentos manifestam a união de esforços com sentido produtivista e como

proposta de uma linguagem plástica comum entre disciplinas autônomas.

De forma diversa, acreditamos que a hipótese de um novo encontro entre

os meios, a partir de 1960, seja fruto não de uma proposta estética singular que os

una sob uma perspectiva romântica ou a positividade de uma “vontade de obra de

arte total”, mas sim, de uma multiplicidade que permitiria agenciamentos entre

linguagens diversas, um experimentalismo que demonstraria uma possível

dissolução de fronteiras.

Krauss identifica a especialização dos artistas por força da “demanda

modernista de pureza e de separação dos vários meios [e observa que] no pós-

modernismo, a praxis não é definida em relação a um determinado meio –

escultura - mas sim em relação a operações lógicas dentro de um conjunto de

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termos culturais, para os quais vários meios – fotografia, livros, linhas em

paredes, espelhos ou escultura propriamente dita – possam ser usados”.1

A liberdade em relação às convenções artísticas da objetualidade -

arquitetônica ou escultórica – revelaria uma postura em que arte e vida

retomariam as questões dadaístas ou da antiarte “contra a separação entre o artista

e a platéia, ou criador e espectador (...) contra as formas ou padrões artificiais ou

métodos da própria arte”.2

Robert Morris nos oferece a definição de objeto:

Os objetos são obviamente experimentados na memória, como também o são no presente. A sua apreensão, entretanto, é uma experiência relativamente instantânea, tudo-ao-mesmo-tempo. O objeto constitui, além do mais, a imagem por excelência da memória: estático, editado para generalidades, independente do que está em torno. Trata-se de uma distinção radical, dividindo a consciência em modalidades binárias: a temporal e a estática. 3

No artigo Neo-Dada na Música, Teatro, Poesia, Arte de 1962, George

Maciunas observa a possibilidade de descrição de algumas obras ao mesmo tempo

em várias categorias de arte: “o que parece ser neo dada, se manifesta em campos

muito amplos de criatividade. Varia das ‘artes do tempo’ às ‘artes do espaço’(...)

Não há fronteiras entre os dois extremos”.4

O debate acerca da separação entre os meios artísticos segundo estas

categorias – tempo e espaço – remonta à discussão do paradigmático tratado

estético Laocoonte de Gotthold Lessing, que data de fins do século XVIII, onde o

autor busca uma definição precisa do que é a escultura. Sua hipótese é a de que a

escultura seria uma arte relacionada com a disposição de objetos no espaço e se

faria necessária uma distinção “entre esse caráter espacial definidor e a essência

das formas artísticas como a poesia, cujo veículo é o tempo”.5

Tal como em Caminhos da Escultura Moderna de Rosalind Krauss, este

trabalho parte da seguinte premissa:

1 KRAUSS, Rosalind. A escultura no campo ampliado (Tradução de Elizabeth Carbone Baez). Gávea: Revista semestral do Curso de Especialização em História da Arte e Arquitetura no Brasil, Rio de Janeiro: PUC-RJ, n. 1, 1984 (Artigo de 1979), p. 92-93. 2 MACIUNAS, George. Neo-Dada na Música, Teatro, Poesia, Arte (1962). In: O que é Fluxus? O que não é! O porquê. (cat.) Brasília: Centro Cultural Banco do Brasil, 2002, p.90. 3 MORRIS, Robert. The present tense of space (1968). In: Continuous Project Altered Daily: the writings of Robert Morris. Cambridge, Massachusetts: MIT Press, 1993 (tradução da autora). 4 MACIUNAS, op.cit. p.89. 5 KRAUSS, Rosalind. Caminhos da Escultura Moderna. 2.ed. São Paulo: Martins Fontes, 2001, (1.ed. 1977), p.3.

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Toda e qualquer organização espacial traz no seu bojo uma afirmação implícita da natureza da experiência temporal. (...) A escultura é um meio de expressão peculiarmente situado na junção entre repouso e movimento, entre tempo capturado e a passagem do tempo. É dessa tensão, que define a condição mesma da escultura que provém seu enorme poder expressivo.6 A escultura referida pela autora estaria, através da externalidade7,

intrinsecamente referenciada ao espaço real, tanto no processo de sua criação

quanto no de sua experiência.

Também a arquitetura poderia ter escrita uma trajetória na modernidade

como uma arte espaço-temporal que explora a característica do percurso e da

relação com o real, revelando a externalidade como importante constituinte,

observada contemporaneamente em projetos chamados de desconstrutivistas e de

novas topologias.

Além da externalidade, o experimentalismo revelaria um diálogo entre

obras “arquitetônicas” e “escultóricas” contemporâneas, ao explorarem a relação

entre arte e vida através do uso de materiais, linguagens e programas

referenciados ao cotidiano; isto apontando para um concretismo moderado, como

exposto por Maciunas (no caso, a propósito do que chamou de neo dada, pós

1960):

As novas atividades dos artistas, portanto, podem ser diagramadas em referência a duas coordenadas: a coordenada horizontal que define a transição de arte do “tempo” a artes do “espaço” e de volta por “tempo” e “espaço” etc., e a coordenada vertical que define a transição de arte extremamente artificial, arte ilusionista, depois arte abstrata (...), até concretismo moderado, que se torna mais e mais concreto, ou melhor, não artificial até se tornar não-arte, antiarte, natureza, realidade.8 Segundo o autor, esta concretude refere-se ao real, à materialidade do real,

em função de um afastamento cada vez maior do mundo artificial da abstração,

então afetado pelos conceitos de indeterminismo e improvisação. “Uma

composição indeterminada se aproxima de um concretismo maior ao permitir que

a natureza complete a sua forma em seu próprio curso”.9

6 Ibid. p.6. 7 Cf. item 1.2 desta Introdução. 8 MACIUNAS. loc.cit. 9 Ibid. p.90.

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Contemporaneamente, tanto a arquitetura quanto a escultura explorariam

estas duas “coordenadas” (para usar o termo de Maciunas), as quais

enfatizaremos a partir das noções de externalidade e experimentalismo.

Como esclarece o historiador Arthur Danto, “completar a lacuna entre arte

e vida” teria sido um desejo compartilhado por movimentos diversos:

A Pop se recusou a permitir a distinção entre requintado e comercial, ou entre artes eruditas e artes populares. Minimalistas fizeram arte de materiais industriais – madeira compensada, lâmina de vidro, pedaços de casas pré-fabricadas, isopor, fórmica. Realistas como George Segal e Claes Oldenburg se emocionaram ao constatar quão extraordinário é o comum: nada feito por um artista poderia conter significados mais profundos que aqueles evocados por roupas do dia a dia, fast food, partes de carros, placas de trânsito. Cada um destes esforços estava direcionado a trazer a arte para o mundo terreno, transfigurando, por consciência artística, o que todos já sabem. (...) Os artistas dos anos cinqüenta e sessenta também eram profetas, reconciliando homens e mulheres às vidas que já levavam e ao mundo em que já viviam. Talvez tudo isso tenha sido a expressão artística da acolhida massiva da vida cotidiana depois dos massivos deslocamentos da Segunda Guerra Mundial.10 Após os anos 1960, tem sido intenso o debate arquitetônico e urbanístico

sobre a importância da relação da arquitetura com o seu contexto, isto em prol de

uma dimensão mais “humanística” da paisagem. Nos países europeus, o debate

sobre o lugar levou arquitetos e urbanistas a uma postura de preservação de

traçados, gabaritos e tipologias cujo fundo historicista indicaria uma relação

dialógica de con-formação com a paisagem existente. Em uma vertente diversa,

estariam projetos que desconsideram por completo a relação obra-sítio, ou obra-

contexto, assumindo-se como objetos auto-referentes (são inúmeros os exemplos

da massificação e da especulação imobiliária); neste caso, haveria a

desconsideração da própria qualidade fenomenológica da paisagem enquanto

conjunto de elementos interdependentes na relação perceptiva.

Uma das hipóteses deste trabalho é a de que se poderia encontrar em obras

“escultóricas” ligadas à Pop, Minimal e Land Art americanas, além da

10 “A idéia de trazer as Artes Eruditas para o mundo terreno (...) estava baseada integralmente no espírito dadá, que foi o primeiro dos movimentos do século a produzir uma arte que era contrária às Artes Eruditas de todas as maneiras. O espírito do Dada era uma recusa à altivez, um encorajamento à burla e à zombaria, e uma rejeição da beleza como forma de consolação. Seu repúdio às Artes Eruditas estava baseado no reconhecimento de que a Europa, que reivindicava sua superioridade cultural em termos de arte com relação ao resto do mundo, tinha sido responsável por um palco de horror sem precedentes, a Grande guerra, na qual milhares e milhares de jovens foram de encontro a suas mortes sem propósito”. DANTO, Arthur. O Mundo como Armazém: Fluxus e Filosofia. In: O que é Fluxus? O que não é! O porquê. (cat.) Brasília: Centro Cultural Banco do Brasil, 2002, p.25 et. seq.

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performance, um modo outro de “contextualizar”: a exploração do potencial

artístico a partir de uma referência ao real, entendido como o próprio sítio, ou

ainda a própria dinâmica da cultura contemporânea. A paisagem neste caso seria

compreendida como complexidade e multiplicidade, uma visão também partilhada

pela arquitetura.

Sobre a noção de complexidade, observa Krauss:

Pensar o complexo é admitir no campo da arte dois termos anteriormente a ele vetados: paisagem e arquitetura – termos estes que poderiam servir para definir o escultórico (como começaram a fazer no modernismo) somente na sua condição negativa ou neutra. Por motivos ideológicos o complexo permaneceu excluído daquilo que poderia ser chamado a closura* da arte pós-Renascentista. Nossa cultura não podia pensar anteriormente sobre o complexo apesar de outras culturas terem podido fazê-lo com mais facilidade. Labirintos e trilhas são, ao mesmo tempo, paisagem e arquitetura; jardins japoneses são, ao mesmo tempo, paisagem e arquitetura; os campos destinados aos rituais e às procissões eram indiscutivelmente, neste sentido, os ocupantes do complexo. Isto não quer dizer que eram uma forma prematura ou degenerada, ou uma variante da escultura. Faziam sim parte de um universo ou espaço cultural do qual a escultura era simplesmente uma outra parte e não a mesma coisa, como desejaria a nossa mentalidade historicista. Sua finalidade e deleite residem justamente em serem opostos e diferentes.11 As obras que serão descritas, ao mesmo tempo em que procuram despertar

a sensibilidade para os estímulos, fluxos e contrastes na realidade da paisagem, a

aceitam como “evidência fenomenológica” e buscam se colocar como partícipes

ativos nesta mesma realidade intercambiante – postulando uma reflexão a respeito

do lugar da obra e do homem na experiência do mundo; em última análise, a

dimensão artística da paisagem contemporânea se realiza como um jogo que se

funda na própria dinâmica da realidade.

O interesse da dissertação é apresentar trabalhos que evidenciam a

problematização das fronteiras entre as disciplinas, isto porque são as obras, que

entendidas como fenômenos, explicitam a questão principal: como pensar em uma

aproximação entre arquitetura e escultura e seus caminhos de diálogo com a

paisagem.

Esta é uma proposta de pesquisa e discurso que também se situa em um

entre-lugar crítico das disciplinas, buscando não a construção de uma genealogia

11 KRAUSS, A escultura no campo ampliado, p.91. * “Closure – termo utilizado pela psicologia da Gestalt para descrever os processos através dos quais os objetos da percepção, lembranças, ações, conseguem estabilidade, isto é, o fechamento subjetivo das brechas, ou acabamento de formas incompletas para se constituírem em um todo”.

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histórica ou uma estrutura lógica e classificatória, mas sim a identificação de

questões comuns pertinentes aos desafios da arte diante da multiplicidade

contemporânea.

1.1. Arquitetura e Escultura e Paisagem

No já referido ensaio A Escultura no Campo Ampliado, Rosalind Krauss

delineia um novo panorama da arte após 1960, apontando que o termo “escultura”

vinha sendo aplicado de modo muito abrangente e “maleável” na tentativa de

rotular obras que, na verdade, não mais poderiam ser assim definidas claramente,

mas somente a partir de seus limites com a paisagem e com a arquitetura.

Isto porque, de modo diverso da escultura modernista – que se afirmara a

partir de sua autonomia em relação aos demais meios artísticos – a “nova

escultura” se tornara partícipe de um campo de relações e só poderia ser definida

através de uma combinação de duas exclusões - não-paisagem e não-arquitetura -

em última instância, como um entre.

Nas palavras da autora, “de acordo com a lógica de um certo tipo de

expansão, a não-arquitetura é simplesmente outra maneira de expressar o termo

paisagem, e não-paisagem é simplesmente arquitetura”.12

A noção de rizoma formulada pelo filósofo Gilles Deleuze, como um

mapa13 com múltiplas entradas, talvez possa ser aproximada da noção de campo

ampliado de Krauss. Em um rizoma se realizam conexões múltiplas e

heterogêneas entre diversos platôs, os quais sempre podem ser postos em relação

com quaisquer outros.

12 KRAUSS, A escultura no campo ampliado, p.90. 13 “O mapa é aberto, é conectável em todas as suas dimensões, desmontável, reversível, suscetível de receber modificações constantemente. Ele pode ser rasgado, revertido, adaptar-se a montagens de qualquer natureza, ser preparado por um indivíduo, um grupo, uma formação social. (...) Um mapa tem múltiplas entradas contrariamente ao decalque que volta sempre ao mesmo.Um mapa é uma questão de performance, enquanto que o decalque remete sempre a uma presumida ‘competência’”. DELEUZE, Gilles e GUATTARI, Félix. Introdução: Rizoma. IN: _______.Mil Platôs. V.1. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1995, p.22.

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Um rizoma não começa nem conclui, ele se encontra sempre no meio, entre as coisas, inter-se, intermezzo. A árvore é filiação, mas o rizoma é aliança, unicamente aliança. A árvore impõe o verbo “ser”, mas o rizoma tem como tecido a conjunção “e...e...e”(...) mover-se entre as coisas, instaurar a lógica do E, reverter a ontologia, destituir o fundamento, anular fim e começo (...) o meio não é uma média; ao contrário, é o lugar onde as coisas adquirem velocidade.14

O campo ampliado é, portanto, gerado pela problematização do conjunto de oposições entre as quais está suspensa a categoria modernista escultura. Quando isto acontece e quando conseguimos nos situar dentro dessa expansão, surgem logicamente, três outras categorias facilmente previstas, todas elas uma condição do campo propriamente dito e nenhuma delas assimilável pela escultura. Pois, como vemos, escultura não é mais apenas um único termo na periferia de um campo que inclui outras possibilidades estruturadas de formas diferentes.15 Porque construiu um “campo de forças” entre escultura, arquitetura e

paisagem, Krauss pôde explorar as demais relações decorrentes - paisagem e

arquitetura (local-construção), não-arquitetura e arquitetura (estruturas

axiomáticas) e não-paisagem e paisagem (locais demarcados) - a partir de obras

que estabelecem uma relação intrínseca com o espaço real, colocando para a

escultura problemas com as quais também se defronta a arquitetura: o construído e

o não construído, o cultural e o natural.

Por esta razão, a abordagem destas questões pela “escultura” poderia

conduzir a uma reflexão sobre a própria arquitetura. Isto porque, neste caso, o

espaço é compreendido como ativado a partir de uma dinâmica da qual participam

o contexto e seus agentes.

14 DELEUZE e GUATTARI, Introdução: Rizoma, p.37. 15 KRAUSS, A escultura no campo ampliado, p.91.

paisagem arquitetura

escultura

não-paisagem não-arquitetura

complexo

neutro

?

??

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A arquitetura não seria continente da escultura, a paisagem não seria

continente da arquitetura; o entre ganha importância por se apresentar como

oportunidade de questionamento da própria experiência.16

Como aponta Robert Morris, a partir de 1960, os chamados “campos

abertos” do Minimalismo incluem o espaço real como parte dos trabalhos,

explorando os aspectos fenomênicos, próximos da arquitetura. Novas

preocupações surgem a partir destas obras cujas características são:

A coexistência do trabalho e do espaço do observador, as múltiplas vistas, o começo de um ataque à estrutura fornecida pela gestalt17, os usos de distâncias e de espaços contínuos profundos, as explorações de novas relações com a natureza, a importância do tempo e a suposição dos aspectos subjetivos da percepção.18

Em Warped Space, o historiador da arquitetura Anthony Vidler sustenta

que se por um lado muitos artistas se apropriaram das questões da arquitetura,

buscando criticar os termos tradicionais da escultura, os arquitetos buscaram o

experimentalismo dos processos artísticos a fim de escapar dos códigos rígidos do

funcionalismo moderno e dos modelos tipológicos. Esta interseção teria gerado,

segundo o autor, um tipo de "arte intermediária" _ cujos objetos, embora se

16 O escultor Robert Morris observa, a propósito de escultura minimalista pós 1960, que os trabalhos “usam diretamente um tipo de experiência que, no passado, não foi sustentada na consciência. Esses trabalhos se localizam dentro de um tipo ‘eu’ de percepção que é o único acesso direto e imediato disponível para a experiência espacial (...) Se o espaço mental é a metáfora-análoga consciente do mundo, do ponto de vista do ‘mim’ reconstitutivo, então a experiência da obra que está sendo examinada se encontra fora desse espaço, antecedendo as imagens fixas da memória. O foco tem que se deslocar do objeto para o espaço, a fim de confrontar o tipo de ser que é consciente, mas antecede a consciência reconstitutiva do espaço mental”. MORRIS, The present tense of the space (1978). 17 “Em termos mais amplos, os trabalhos baseados na totalidade da gestalt ainda mantêm as suposições estabelecidas pela arte clássica do Renascimento: imediatidade e compreensibilidade de um ponto de vista, estrutura racionalista, limites claros, proporções ajustadas — em resumo, todas essas características que o objeto independente dos anos 60 redefiniu. Apesar das variações sobre esse tema feitas por muitos trabalhos dos anos 70, aqueles que mantêm o espaço totalizante, mantêm o classicismo e todas as suas implicações”. Ibid. 18 A propósito das colunatas Bernini na Catedral de São Pedro, Morris observa que o artista “transforma a arquitetura em escultura, usando quatro séries de grandes colunas que se movem em uma elipse gradual para fragmentar uma parede em atividade constantemente mutável. Embora sejam todas iguais, de dentro dão uma sensação diferente, menos uniforme que o desfile de estátuas em seu topo. A imensidão do interior oval cria um choque abrupto de total vacância com a densidade no limite e, para o pedestre sob a colunata, atravessando o espaço imenso em círculo, o interesse é renovado minuto a minuto, porque Bernini fragmentou o espaço em cem vistas distintas”. Ibid.

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situassem dentro de determinados meios ou linguagens, requereriam termos

interpretativos dos demais meios que a ela se relacionassem.19

Os trabalhos da Land Art levam estas questões à escala da paisagem,

compreendendo o lugar da arte, literalmente, fora do espaço do museu.

Explorando o sentido de site specific estas obras entendem como relevante uma

relação com o contexto no próprio processo de criação e experiência dos

trabalhos.

O diálogo com o contexto é uma questão crucial para uma arquitetura que,

tendo abandonado as expectativas utópicas de controle dos processos da cidade,

recusa os projetos globalizantes, em favor de interferências pontuais, situadas.

Mais ainda, por entenderem a realidade contemporânea como “pós-histórica”, ou

como uma história em que os vários tempos passados e futuros se agenciam como

multiplicidade, muitos projetos buscam a experimentação através de novas

imagens, topologias ou novos programas para a paisagem.

Convergindo estas proposições, o historiador Anthony Vidler caracteriza a

arquitetura contemporânea como building as landscape [construindo como

paisagem]: uma retomada da preocupação com os indícios do site [sítio].

Em um recente artigo “Campo expandido da arquitetura”, o autor busca o

diálogo com o artigo de Krauss na tentativa de delinear um novo campo de ação

da arquitetura – também um “campo ampliado” – que entendemos como a busca

de um entre alternativo aos dualismos conceituais: forma e função, abstração e

historicismo, utopia e realidade, estrutura e fechamento.

Contra o neo-racionalismo, teoria da linguagem pura e a febre da citação pós-moderna, a arquitetura – como a escultura décadas antes – encontrou novas inspirações formais e programáticas em um vasto conjunto de disciplinas e tecnologias que vão do landscape design à animação digital. Onde os teóricos antes pretendiam identificar bases únicas e essenciais para a arquitetura, agora a multiplicidade e a pluralidade são celebradas, como fluxos, redes e mapas substituem grids, estruturas e história. Os argumentos antes fixados em Corbusier

19 VIDLER, Anthony. Warped Space: art, architecture and anxiety in modern culture. 2ed. Cambridge, Mass/ London: The MIT Press, 2001, p. viii (tradução da autora). O autor descreve as experimentações arquitetônicas contemporâneas como uma extensão do pensamento espacial característico da modernidade que teria gerado “warped spaces”. O autor indica dois possíveis sentidos para warped: a interpretação das formas através de um espaço psicológico que seria projeção e repositório de neuroses e fobias de subjetividade moderna e/ou o surgimento de um ‘espaço’ na interseção de diferentes meios artísticos – resultando em uma espécie de “arte intermediária”. Esta segunda abordagem é a que servirá ao propósito deste trabalho: a investigação de arquitetura entre escultura.

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e Palladio agora buscam o pensamento de Henri Bergson e Gilles Deleuze porque estes teriam antecipado nonformal processes.20

Na tentativa de superar os dualismos seria possível identificar, segundo o

autor, três princípios dominantes na arquitetura a partir da década de 1990: idéias

de landscape [paisagem], bioforms [analogias biológicas] e novos conceitos de

programa.

Nos termos do campo expandido de Krauss, podemos então encontrar combinações de arquitetura e paisagem, arquitetura e biologia, arquitetura e programa produzindo novas versões de “não-paisagem” e “não-escultura”, que são, entretanto “não exatamente arquitetura”. Ou, não exatamente arquitetura como a vivenciamos até o presente. Nos termos arquitetônicos, envolve não a citação aparente de uma linguagem já formalizada, mas o estudo interno e o desenvolvimento de uma linguagem arquitetônica ela mesma em conjunção com uma abordagem rigorosa e produtiva em relação a estes campos exteriores.21 Retomando os caminhos de Vidler e Krauss, este trabalho delineia um outro

“campo” de trabalho, a partir dos conceitos de externalidade e

experimentalismo22, tendo como foco a paisagem natural e construída. Esta

investigação levaria às fronteiras de uma “não-paisagem” e uma “não-escultura”

no caso da arquitetura e, no caso da escultura, de uma “não-paisagem” e uma

“não-arquitetura”.

No primeiro capítulo chamado de “Paisagem: uma dialética com o

contexto”, serão tratadas obras que buscam referenciais sensíveis no real,

trabalhos que exploram um sentido de experiência “pitoresca” do percurso que se

dá no espaço-tempo real (presentness), outros que evidenciam uma relação

dialógica com o sítio, também em seu aspecto cultural, quando seria possível

identificar agenciamentos diversos com a Pop, o ficcional e a história.

Partindo da noção de complexidade, o capítulo “Paisagem: os limites do

racionalismo formal” abordará a extensão das questões perceptivas em direção a

um processo de experimentação que resultaria em trabalhos onde são

problematizadas as noções de forma e anti forma. Obras de arquitetura

contemporânea, desconstrutivistas ou referenciadas a novas topologias,

evidenciam um caráter de externalidade ao incorporar o espaço real e sugerir, em

20 VIDLER, Anthony. Architecture’s expanded field: finding inspiration in jellyfish and geopolitics, architects today are working within radically new frames of reference. Artforum, abr. 2004. Disponível em: < http://www.findarticles.com > (tradução da autora). 21 Ibid. 22 Cf. itens 1.2 e 1.3 desta Introdução.

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alguns casos, uma relação com o próprio contexto dos fluxos urbanos onde se

inserem - o que resultaria em um fluxo da própria forma. O conceito de “dobra”

do filósofo Gilles Deleuze será explorado como referencial de obras que

compreenderiam a questão formal e espacial como uma mesma materialidade do

real. As bioformas ou a arquitetura fluida dos blobs23 serão tratadas não só a partir

da externalidade, mas também da relação entre inorgânico e orgânico, abstração e

empatia.

O capítulo “Paisagem: novos programas e performance” será dedicado ao

aspecto contemporâneo de impermanência da paisagem, compreendida como um

espaço da performance de seus usuários, cuja dinâmica cotidiana viria a ser

agenciada através de novos programas baseados na experimentação. O grupo

Archigram explorou a paisagem como espaço da transitoriedade, um espaço

performático onde a imagem possui um papel importante e uma estética

tecnológica sugere um caráter ficcional como resposta a novas necessidades.

Trabalhos contemporâneos de performance e instalações suscitam a discussão do

lugar do artista e dos limites entre público e privado, além da noção de

funcionalidade, dos convencionalismos tipológicos e da permanência da própria

arquitetura. A arte seria um instrumento (o termo é do artista Vito Acconci) no

mundo ressaltando a paisagem como espaço de quem a vivencia.

A divisão proposta é muito fluida e para muitas das obras analisadas em

cada capítulo imagina-se que seriam possíveis maiores aprofundamentos a partir

das demais abordagens propostas sobre a paisagem. Esta possibilidade seria a

confirmação mesma deste trabalho como um campo ampliado.

23 Este conceito será aprofundado no item 3.3.

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1.2. Externalidade: por um diálogo com o real

Em Caminhos da Escultura Moderna, Rosalind Krauss parte do trabalho

escultórico de Rodin, Picasso e Tatlin, segue pelo Minimalismo, instalações e

happenings até a Land Art, identificando a externalidade como característica de

obras cujo conhecimento se dá na experiência, por contato, na percepção não

somente visual, mas no tempo e no espaço reais. Segundo a autora, a arte de

Rodin teria representado:

Uma recolocação do ponto de origem do significado do corpo – de seu núcleo interno para a superfície – um ato radical de descentralização que incluiria o espaço em que o corpo se fazia presente e o momento de seu aparecimento. A tese que venho defendendo até aqui é a de que a escultura do nosso tempo dá continuidade a esse projeto de descentralização mediante um vocabulário radicalmente abstrato da forma.24 Por oposição a uma abordagem ilusionista e idealizada, em que sujeito e

objeto se encontram desconectados, a obra passa a ser apreendida como

atualidade por aquele que a investiga e descobre, caracterizando uma experiência

processual. A descentralização ou excentricidade reflete na perda de um centro

ideal da escultura, em última instância, a perda de um princípio ordenador. O

significado não se encontra em um centro a priori, mas passa à externalidade e

seu conhecimento se dá na experiência entre sujeito entre objeto entre espaço

real.25

Minha tese é que durante a última década [1960’s], alguns artistas manifestaram o desejo de explorar a externalidade da linguagem e, por conseqüência, da significação. À mesma época, este desejo encontra paralelo no trabalho de alguns escultores: a descoberta do corpo como exteriorização completa do Eu. (...) O Eu [Moi] não está plenamente constituído antes de sua aparição no mundo; o eu [je] deve se manifestar ao outro [autrui] a fim de alcançar a existência e a significação.26

24 KRAUSS, Caminhos da Escultura Moderna, p.333. 25 Como observa Capra, “na física atômica, a divisão cartesiana precisa entre mind e matter, entre observador e observado, não pode mais ser mantida. Não podemos nunca falar de natureza sem, ao mesmo tempo, falar de nós mesmos”. Frijot Capra. Apud. COOKE, Catherine. Russian Precursors. In: PAPADAKIS, Andreas; COOKE, Catherine; BENJAMIN, Andrew (Ed.) Deconstruction. London: Academy, 1989. p. 11-20. (tradução da autora) 26 KRAUSS, Rosalind. Sens et sensibilité: réflexion sur la sculpture de la fin des années soixante (1973). In: _____. L’Originalité de l’Avant-garde et Autres Mythes Modernistes. Paris: Macula, 1993, p.49. (tradução da autora)

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O eu, como entende Krauss sob a perspectiva fenomenológica, é povoado

de significados no contato com o mundo exterior. Um eu privado seria o refúgio

de um espaço que precede a experiência, que seria passivamente ocupado.

A ambição do minimalismo era recolocar as origens do significado de uma escultura para o exterior, não mais modelando sua estrutura na privacidade do espaço psicológico, mas sim na natureza convencional, pública, do que poderíamos denominar espaço cultural. 27

Tanto a paisagem quanto o corpo – ambos “carne do mundo”28 para usar a

expressão de Merleau-Ponty - seriam lugar da exteriorização da linguagem e da

significação. O autor descreve a relação entre eu e mundo como recobrimento,

imbricação:

O mundo e eu somos um no outro.(...) Quando encontro o mundo atual tal como é, sob minhas mãos, sob os meus olhos, contra o meu corpo, encontro muito mais que um objeto: Ser de que minha visão faz parte, uma visibilidade mais velha que minhas operações ou atos. (...) Uma espécie de deiscência fende o meu corpo em dois e, entre ele olhando e ele olhado, ele tocando e ele tocado, há recobrimento e imbricação, sendo, pois mister que as coisas passam por dentro de nós e nós passamos por dentro das coisas.29

O corpo como exteriorização do eu passa a ser entendido como o lugar de

experimentação de possibilidades de mediação em que é possível perceber – leia-

se: pensar e conhecer – a partir de uma relação espaço-temporal. A externalidade

expressa formalmente como abertura ao espaço-tempo real, indicaria uma nova

relação de conhecimento sujeito-objeto: aquela que se dá no percurso.

A arquitetura, ao lidar com o espaço por excelência, busca estender-se no

tempo, reconhecendo e buscando novos modos de “afeto” para quem a

experiencia. Na perspectiva fenomenológica, percepção e pensamento são

coextensivos, assim o corpo seria lugar da significação.

O resultado formal de certas obras arquitetônicas viria demonstrar a

evidência de um processo em que a intenção do artista é questionada como ação

de uma subjetividade privada; demonstra-se como uma abertura em relação ao

27 KRAUSS, Caminhos da Escultura Moderna, p.323. 28 “A carne de que falamos não é matéria. Consiste no enovelamento do visível sobre o corpo vidente, do tangível sobre o corpo tangente (...) esta explosão da massa do corpo em relação às coisas que faz com que a vibração da minha pele seja o liso ou o rugoso, que eu seja olhos, os movimentos e os contornos das próprias coisas”. MERLEAU-PONTY, Maurice. O Visível e o Invisível. São Paulo: Perspectiva, 2003 (Livro publicado em 1964), p.141. 29 Ibid. p.121.

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real, uma ação de um eu-no-mundo; esta idéia, tal como apresentada por Krauss,

revela uma profunda relação com o pensamento da fenomenologia que entende a

intencionalidade como ação no mundo.

A obra de arte concluída é o resultado de um processo de formação, de fabricação, de criação. Em um sentido, ela é a prova da execução deste processo, como a impressão sobre o chão é a prova da passagem de um indivíduo. A obra de arte é um indício de um ato de criação que possui suas raízes na intenção de fazer a obra. 30 Krauss defende os artistas dos sessenta e sua postura antiilusionista que

refuta tanto um espaço que precede a experiência quanto um modelo psicológico

no qual o eu se encontra povoado de significações mesmo antes de todo contato

com o mundo exterior.

O significado de uma tentativa de destituir o ilusionismo não pode ser dissociado da bagagem que acompanha a representação pictórica do Ocidente. A rejeição do ilusionismo implica em uma retração fundamental da noção de consciência constitutiva e de toda “linguagem protocolar” de um eu privado e é a recusa de um espaço precedente à experiência, que aguardava passivamente ser ocupado, e de um modelo psicológico onde o Eu já se encontra provido de significações antes de todo o contato com o mundo exterior. Se desejarmos falar de antiilusionismo da arte dos anos 1960, não podemos limitar nosso discurso a uma ideologia da forma.31

30 “Parece muito lógico dizer que ‘a arte é expressão de alguma coisa’; e diante da questão ‘expressão de quem?’ responder ‘expressão do artista, do que ele possui em seu espírito – ou a expressão do modo que ele viu alguma coisa’. (...) A partir desta lógica da ‘expressão’, os críticos finalmente consideraram cada uma das marcas inscritas sobre a tela como emanantes de um eu privado de onde veio a intenção de deixar esta marca. Neste sentido, ao lado do público, a superfície da obra parecia um mapa transcrevendo as tendências contraditórias da personalidade do artista, de seu eu inviolável. Aqui começa a despontar um modo de tradicionalismo que atribuo a certas formas de arte conceitual. De fato é possível esboçar uma ligação entre a maneira que a intenção/ expressão pode constituir um modelo temporal e a maneira com que o ilusionismo pictórico pode servir de modelo espacial.” KRAUSS, Sens et Sensibilité (1973), p.39-40. (tradução da autora). 31 “Consideremos diversos tipos de espaço ilusionista: a grade ortogonal da perspectiva clássica, o contínuo nebuloso da paisagem atmosférica, a profundidade infinita, indeterminada da abstração geométrica. Em cada uma destas imagens do mundo, o espaço é um prévio necessário à visibilidade dos acontecimentos na pintura – as figuras ou objetos representados. Julgamos que o fundo (ou o plano de fundo) de uma pintura pré-existe de toda maneira às figuras; e mesmo depois de dispor as figuras sobre o fundo, parece-nos que ele as persegue para lhes servir de suporte posterior. Na pintura ilusionista, ‘o espaço’constitui uma categoria em que a existência precede o conhecimento das coisas que ele encerra; neste sentido, é um paradigma da consciência que é o fundo sobre o qual os objetos são constituídos. Não seria possível uma consciência operante no seio de um espaço mental preexistente, um espaço que permitisse todas as relações, todas as diferenciações, todas as constituições de entidades perceptíveis. É o cartesianismo bem sustentado que serve de fundo ao ilusionismo ocidental. Assim, mesmo que a intenção possa ser, como já se disse, associada a um acontecimento mental necessariamente privado, interno, se exteriorizando através da seleção de objetos, o mesmo vale para objetos que surgem no interior do espaço pictórico e podem ser vistos como emergentes de um conjunto de coordenadas interiorizadas e previamente postas em ordem. À medida que nos direcionamos na história da pintura à arte

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A inter-relação de sujeito, obra e contexto conforma a textura do que

chamamos paisagem contemporânea. “Entre” arquitetura e escultura, os trabalhos

que despontam como parte do campo ampliado delineado por Krauss parecem

questionar o caráter de “objeto arquitetônico” a partir da relação com esta

paisagem, oferecendo à arquitetura a oportunidade de crítica em relação ao seu

próprio status monumental ou de marco.

Segundo a historiadora Catherine Cooke, a arquitetura desconstrutivista

tenta lidar com as transformações que atingem o campo filosófico da arte

identificando as áreas limítrofes, periféricas ou marginais como território de

revelações, recolocando os eixos de uma situação em relação às intenções

culturais humanas e insistindo na relatividade em relação à presença ou dado de

uma inteligência humana.

Formalmente, a externalidade teria como um de seus aspectos a rejeição

de códigos racionais de composição. Esta característica que poderia ser

identificada tanto na arquitetura Desconstrutivista quanto nas novas topologias e

blobs que se situariam na fronteira da “construção” e da aleatoriedade e nos

limites da forma e da anti forma.

A noção de anti forma formulada por Robert Morris descreve obras

“escultóricas” em que:

Considerações sobre ordem são necessariamente casuais, imprecisas e não enfatizadas. (...) O acaso é aceito e a indeterminação é sugerida, como a substituição resultará em outra configuração. Descompromisso com as formas duráveis e pré-concebidas e com a ordenação das coisas é uma assertiva positiva. É parte de um trabalho de recusa a continuar esteticizando a forma ao lidar com ela como um fim prescrito.32

Alguns arquitetos justificam os resultados formais como respostas a

“forças externas” – do real ou do contexto em que se inserem – tal como para a

escultura, os artistas deixaram que a força da gravidade fosse um dos

determinantes de um processo de constituição da forma.

No sentido cultural do uso dos espaços, poderíamos dizer que uma

reversão dos caracteres público e privado demonstra um questionamento do

americana do pós-guerra, a dizer, em direção ao expressionismo abstrato, estes dois a priori se fundem e tornam-se cada vez mais explicitamente os sujeitos do quadro eles mesmos”. Ibid. 32 MORRIS, Robert. Anti form. In: __________. Continuous Project Altered Daily: the writings of Robert Morris. Cambridge, Massachusetts: MIT Press, 1993. p. 41-50. (Artigo de 1968), p.46.

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funcionalismo e das soluções convencionadas, elas mesmas fins prescritos. Isto se

daria através de alternativas que assumem o caráter efêmero dos usos do espaço

da cidade; este compreendido como palco de uma performance em transformação

onde a arte desperta novas possibilidades de “agir” no mundo, abrindo campo

para a intencionalidade dos próprios usuários de um espaço. São questionados os

espaços institucionalizados e as rígidas tipologias na tentativa de aliança entre

uma estética e a vida cotidiana.

Também é uma hipótese que a externalidade possa ser considerada uma

possibilidade de contextualização - alternativa aos contextualismos historicistas -

que vê na abertura ao real, no diálogo com a paisagem, uma possibilidade de

aproximação entre arte e vida, uma questão tanto da arquitetura quanto da

escultura contemporâneas onde se observam experimentações fenomênicas e

conceituais.

Cabe a questão: por que falar de contextualização na paisagem urbana

contemporânea? Quando os grandes sistemas e soluções de planejamento globais

se revelam utópicos diante de uma realidade concreta híbrida e em permanente

mutação, as intervenções contemporâneas compreendem que qualquer atuação

deve levar em consideração o diálogo com uma realidade específica, ela mesma

constituinte ainda de uma paisagem sócio-cultural complexa.

Nossa hipótese é a de que a relação com a “escultura” pós-1960, por lidar

com problemas próprios ao domínio da arquitetura, tenha apontado um modo de

contextualização em que a relação com a paisagem se torna um diálogo não só

com sua morfologia, mas também explorando sua experiência e propondo

questionamentos à significação dos próprios lugares. Isto porque a “escultura no

campo ampliado” entende a operação artística como um entre paisagem e

arquitetura.

Além disso, como aponta Dan Graham, o desafio da arte, seja escultura ou

arquitetura, não seria resolver conflitos sociais ou ideológicos, mas sim, dirigir

sua atenção para conexões com diversas representações, buscando assumir um

caráter híbrido.33

A arte teria compreendido seu lugar ao lidar com interconexões, com uma

textura de mundo constituída de superposições, de combinações – dentre elas a

33 GRAHAM, Dan. A Arte em relação à arquitetura. Artforum, 1979.

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própria história da arte. “O universo não é mais visto como uma máquina, feito de

uma multidão de objetos, mas deve ser imaginado como um todo dinâmico e

indivisível, cujas partes são essencialmente relacionadas”.34

Este tipo de relação poderia ser aproximado da compreensão de Deleuze

sobre agenciamento que seria o “crescimento das dimensões numa multiplicidade

que muda necessariamente de natureza à medida que ela aumenta suas

conexões”.35 Conexões que caracterizam os agenciamentos entre os meios

artísticos através do experimentalismo.

1.3.

Experimentalismo: uma autocrítica entre os meios artísticos

Segundo Vidler, a relação entre arquitetura, arte, instalação e teatro, nas

primeiras vanguardas, teria se baseado em uma teoria geral de construção espacial

que informaria todos os meios de arte. Na contemporaneidade, a situação seria

diferente. Depois de as fronteiras entre as artes terem sido estritamente

delimitadas, como indicam determinadas leituras do Moderno e, não dispondo de

uma teoria geral do espaço, a suposta relação entre os meios artísticos só poderia

ser compreendida como resultado de um trabalho crítico e de caráter

experimental, inerente aos próprios meios e que acreditamos ser fruto, também, de

uma perda da crença na potência dos próprios meios.

A escultura não “expande seu campo” simplesmente, mas toma as práticas teóricas da arquitetura para transformar seu campo. De modo similar, a manipulação arquitetônica como uma prática artística, como estratégia de design, é tomada como ampla consciência do que está sendo rejeitado ou transformado nos termos arquitetônicos – funcionalismo, por exemplo, ou os códigos formais da abstração modernista.36

Onde se encontram os limites disciplinares? Ao partirmos nossa

investigação da noção de campo ampliado, admitimos a dificuldade de defini-los

na contemporaneidade: o nosso interesse é buscar onde há a sua problematização, 34 COOKE, op.cit.p.14. (tradução da autora) 35 DELEUZE et GUATTARI, op.cit. p.17. 36 VIDLER, Warped Space, p.11. (tradução da autora)

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seu tensionamento, como tentaremos fazer ao propor um entre arquitetura e

escultura.

No texto Architecture and Limits, o arquiteto e teórico Bernard Tschumi

parte das máximas clássicas de Vitrúvio para formular três eixos de

questionamento presentes contemporaneidade e que indicariam a busca por uma

redefinição dos “limites da arquitetura”: “aparência atraente” (ou belo),

“estabilidade estrutural” e “acomodação espacial apropriada”. Em suas palavras:

Uma mudança é evidente no status da arquitetura, em sua relação com sua linguagem, os materiais que a compõem, seus indivíduos e sociedades. A questão é como estes três termos são articulados, e como se relacionam uns aos outros no campo da prática contemporânea. (...) A natureza da arquitetura não é sempre encontrada na construção. Eventos, desenhos, textos, expandem as fronteiras de construções sociais justificáveis. (...) Estas mudanças na condição da produção da arquitetura deslocam os seus limites? 37 Este processo de redefinição poderia ser referenciado ao experimentalismo

das vanguardas do início do século XX que encontraria ecos nas obras

contemporâneas. Como esclarece Vidler:

As vanguardas modernistas, com sua ênfase no movimento e na estética sinestésica, montagem fílmica e rotação cubista, produziram sua própria imagem de uma arquitetura transformada por uma performance espacial, o corpo no espaço como um meio de abalar os cânones da monumentalidade. Mais recentemente, performances, instalações e os projetos de land art têm revelado sua relação com intervenções arquitetônicas. Todas de alguma forma transformam o espaço de projeção arquitetônica, o modo como a arquitetura define sua relação com sujeitos sensíveis e que se movem.38

Vidler observa que a preocupação moderna com o espaço teria se fundado

no entendimento da relação entre o espectador e a obra baseada na troca de pontos

de vista determinada por um corpo que se move. E que, do ponto de vista de

Schwarzer, a “emergência de um espaço arquitetural”, no fim do século XIX, seria

resultante do desenvolvimento de um “empirismo perceptivo” que transformou o

entendimento do espaço de passivo conteúdo de objetos e corpos a uma entidade

dinâmica com dimensões de relatividade e movimento. 39

O historiador descreve as experiências espaciais da vanguarda do início do

século XX:

37 TSCHUMI, Bernard. Architecture and Limits II. In: NESBITT, Kate (ed.). Theorizing a new agenda for architecture. New York: Princeton Architectural Press, 1996, p. 160. (trad. da autora) 38VIDLER, Warped Space, p.154. (tradução da autora) 39 Ibid. p.2.

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A experimentação formal das primeiras vanguardas foi, ao menos em parte, uma tentativa de representar deslocamentos espaço-temporais da relatividade em filosofia, matemática, e depois física, enquanto ao mesmo tempo registravam os efeitos físicos da vida moderna na questão do indivíduo e da massa.40

A dinâmica da modernidade torna-se um paradigma na visão futurista de

Marinetti, que na arte, como esclarece Rosalind Krauss, “resulta em uma

proclamação do conceito de velocidade como um valor plástico – a velocidade

converteu-se numa metáfora da progressão temporal tornada explícita e visível. O

objeto em movimento torna-se o veículo do tempo percebido, e o tempo torna-se

uma dimensão visível do espaço”.41

Esta experiência espacial que se daria no tempo seria característica do

próprio trabalho de Le Corbusier em propostas como a promenade architecturale

e a planta livre. Este sentido estaria relacionado ao pitoresco dos jardins ingleses e

ao trabalho de Richard Serra, como será analisado na obra Clara-Clara.

Compreendida como uma tentativa de, na década de 1950, buscar uma

aproximação entre arte e a vida cotidiana, a Pop Art revelou explicitamente um

caráter de transgressão em relação aos códigos rígidos de linguagem e, em última

instância, em relação à própria história da arte.

O arquiteto Robert Venturi identifica na Pop um potencial de

transformação da relação da arquitetura com a paisagem em defesa da

complexidade e da contradição, isto porque ela representaria uma crítica direta às

intervenções onde o funcionalismo é levado ao extremo de sua forma

comercializada e vulgarizada:

Algumas das brilhantes lições da Pop Art, envolvendo contradições de escala e contexto, deveriam ter despertado os arquitetos dos afetados sonhos de ordem pura que, lamentavelmente, são impostos nas fáceis unidades gestaltistas dos projetos de renovação urbana da arquitetura moderna institucional, mas que felizmente são, na realidade, impossíveis de realizar em grande escala. E talvez seja na paisagem cotidiana, vulgar e menosprezada, que possamos extrair a ordem complexa e contraditória, que é válida e vital para nossa arquitetura como um todo urbanístico.42

40 VIDLER, Warped Space, p.6. 41 KRAUSS, Caminhos da Escultura Moderna, p.51-52. 42 VENTURI, Robert. Complexidade e Contradição em Arquitetura. 2ed. São Paulo: Martins Fontes, 2004, p.147.

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Na obra teórica deste arquiteto é possível identificar um apontamento

importante: a arquitetura deveria sair de si mesma e promover uma autocrítica

lançando-se ao contexto público, incorporando seus signos e usos. Como na arte

Pop, a poética arquitetônica deveria deixar-se impregnar pelas imagens do

cotidiano.

Na produção do próprio Venturi, poderíamos citar o edifício Guild House

e na do arquiteto Frank Gehry, a sua própria casa em Santa Mônica; em ambas

seria possível identificar o ingrediente Pop na combinação de materiais populares

diversos além da presença de fortes signos visuais a influenciar a imagética da

paisagem.

Uma referência escultórica da Pop seria o trabalho do artista Claes

Oldenburg onde objetos cotidianos, cujas dimensões foram agigantadas,

implantados no espaço público, revelariam uma intencionalidade de diálogo com

a paisagem. A partir de um método de investigação do sítio, o artista propõe, para

cada situação, analogias formais que imprimiriam um caráter ambíguo e bem

humorado à experiência da paisagem como será analisado no trabalho Clothespin.

Em Aprendendo com Las Vegas43, Venturi ironicamente questiona o status

monumental da arquitetura em seu discurso, ora extremamente formalista ora

extremamente enrijecido pelos modelos tipológicos. O arquiteto teria

compreendido, tal como Smithson no ensaio A arquitetura e os novos

monumentos, que estes já nasceriam sucumbindo na própria paisagem

contemporânea e que sua experiência na esfera urbana seria sempre em trânsito.

Para o autor, este dado factual não seria uma barreira, mas sim uma

abertura às possibilidades experimentais; a oportunidade para implantar

“elementos criadores” capazes de significações e contradições diversas,

imprimindo vida à paisagem.

Esta visão, presente também em outro de seus títulos teóricos

Complexidade e Contradição em Arquitetura, reconhece a evidência da

multiplicidade na paisagem, da qual o autor francamente assume gostar como

43VENTURI, Robert et al. Aprendendo com Las Vegas – o simbolismo (esquecido) da forma arquitetônica (1977). São Paulo: Cosac-Naif, 2003. Em recente entrevista a Rem Koolhaas, Venturi diferencia Las Vegas há 25 anos, que representava a expansão da iconografia, do signo, da cultura pop, do crescimento urbano, e a Las Vegas atual, que se converteu em Disneylândia, cenográfica e com densa ocupação. Robert Venturi. Apud. Relearning from Las Vegas. (Entrevista com Robert Venturi e Denise Scotch Brown) In : CONTENT/ AMOMA/Rem Koolhaas/&&&. Alemanha: Taschen, 2004. p.150-157.

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crítico e projetista.44 Venturi defende o compromisso dos arquitetos com o “todo

difícil” cuja premissa seria a liberdade artística e a não objetividade. Através

desta noção, o autor relaciona a percepção e o aspecto formal da arquitetura:

“No edifício ou na paisagem urbana validamente complexa, o olho não

quer ser satisfeito facilmente demais, ou rapidamente demais, em busca de

unidade num todo”.45

Em última instância, cabe ao arquiteto considerar a relação entre duração e

espacialidade na experiência do conhecimento. Já foram referidos os trabalhos

teóricos e práticos de Robert Morris - como Observatory - que, na década de

1960, teriam avançado a discussão sobre a relação entre a obra, o espaço real e a

experiência do sujeito caracterizada como processual baseada na compreensão

fenomenológica da percepção como integralidade do corpo.

Também Richard Serra explora estes princípios na paisagem urbana

através de trabalhos entre “arquitetura” e “paisagem”: são de muros ou limites

visuais que sugerem uma relação com o contexto pela contradição, ou pelo

contraste, estabelecendo relações complexas perceptíveis, necessariamente, in situ,

como será visto na já citada obra Clara-Clara.

Neste sentido, os trabalhos experimentais de Land Art de Christo, como

Reichstag Recoberto (quando o artista “empacota” o edifício), questionam o

caráter monumental da paisagem natural e construída dividindo a opinião pública

por se tratarem de intervenções quase sempre polêmicas. Como “arquitetura”, as

obras ratificam o dilema do lugar da arte na paisagem e, como “não-paisagem”,

sugerem explorações sensórias diferenciadas para o objeto sobre o qual trabalha.

A idéia de diferença e contraste como modo de diálogo com a paisagem –

talvez possa ser aproximada de práticas desconstrutivistas que demonstram estas

implicações perceptivas em relação a um sítio. Para além de um jogo aleatório da

linguagem arquitetônica seria possível identificar a intenção de relacionar-se com

o real da paisagem, como externalidade, em obras de Frank Gehry como o Museu

Guggenheim de Bilbao, de Zaha Hadid como o Museu de Arte Contemporânea de

Roma, de Peter Eisenman no Museu da Cidade da Cultura na Galícia e na

44 “Como artista, francamente escrevo acerca do que gosto em arquitetura: complexidade e contradição. Daquilo que julgamos gostar, daquilo para que somos facilmente atraídos – podemos aprender muita coisa sobre o que realmente somos”. VENTURI, Complexidade e Contradição em Arquitetura, prefácio XXV. 45 Ibid. p.147.

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Embryological House de Greg Lynn. Do ponto de vista formal, o limite da

aleatoriedade, ou do anti-racionalismo, na exploração de uma anti forma da

arquitetura seria a exploração in situ de uma relação, porque não dizer

experimental com o espaço real, referenciando-se a dinâmicas topológicas, de

fluxos e usos.

Talvez um dos maiores desafios da arte contemporânea seja a busca de um

agenciamento com a própria história. A poética da Land Art de Smithson, ao

reunir conceitos, categorias e imagens de domínios variados, revelaria um caráter

entrópico ao falar de história, compreendida como uma trama de referências, de

passado e de futuro, que expressa ambigüidades de significados.

A questão para a arquitetura seria de que modo uma experiência

fenomenológica e espaço-temporal, no percurso, poderia engendrar uma

possibilidade de leitura da própria história ou mesmo, apresentar sua imagem

como multiplicidade, agenciamento entre os tempos – passado, presente e futuro.

O projeto do Museu Judaico de Daniel Libeskind e o Wexner Center de Peter

Eisenman, como veremos, seriam obras contemporâneas de arquitetura

preocupadas com este sentido.

A transitoriedade, sugerindo uma performance da própria paisagem

referenciada à Pop, às novas tecnologias e à proliferação das imagens, muitas

vezes explorando um caráter ficcional é a tônica do trabalho do grupo Archigram,

na década de 1960 que, segundo Reyner Banham, aponta uma estética que leva

em conta características perceptivas ligadas à fenomenologia como próprias de

uma definição de imagem que se torna possibilidade de experiência.

Assim também nas performances e instalações de Vito Acconci que teriam

desdobramentos em seus trabalhos entre arquitetura e escultura. Como é possível

analisar em Kappler Plaza onde um caráter teatral é explorado, assim como a

noção da arte como instrumento, para pôr em cheque os limites entre público e

privado.

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2 Paisagem: uma dialética com o contexto

Qual é a questão fenomenológica? É quando o corpo se movimenta pelo espaço. Ou quando o espaço e o corpo atuam juntos, aceitando a elevação de diferentes ângulos, vistas, cheiros, texturas e detalhes. Todas essas questões são fenomenológicas. Esse é o teste real, a arquitetura não é um exercício acadêmico, ela precisa ser experimentada pelo público.1

Steven Holl

Buscando uma relação intrínseca entre a obra e seu entorno (o espaço real,

teatrum mundi das ações humanas), após os anos sessenta, os artistas valorizaram

a percepção, entendida fenomenologicamente como um quiasma: sensibilidade e

pensamento. A arte viria participar de uma dinâmica in situ da paisagem que é

sempre cultural.

Krauss coloca que, desde a Renascença, a lógica da escultura era ligada à

do monumento em seu valor comemorativo e simbólico, relacionado ao lugar.

Com o Modernismo, no final do século XIX, há uma mudança de convenção da

escultura e o monumento torna-se auto-referencial e nômade, também idealizado,

uma vez que se conserva estranho à representação temporal e espacial.2

No começo dos anos 1960, se poderia observar uma reversão desta lógica

abstrata e um retorno à referência ao lugar, em função da relação entre a obra e o

espaço real; mais que isto, uma busca por uma experiência que se dá no tempo,

como já observamos, em função da externalidade que poderia ser entendida como

um modo de relação com o contexto.

1 Steven Holl. Apud. HOLL, Steven. (Entrevista). Revista Projeto Design, set. 2001. Em seu livro Interwining o arquiteto diz explorar a relação dos projetos com a experiência cotidiana, como as sensações, percepções, conceitos e emoções. 2 KRAUSS, A Escultura no campo ampliado (1979), p.88-89.

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2.1. O Lugar contemporâneo, diálogos em complexidade

O debate acerca do problema do lugar foi iniciado nos anos 1950 e 1960,

como crítica à cidade moderna projetada para um homem ideal e universal, que

desprezava a história e teria destituído o espaço urbano tanto de sua escala

humana quanto de seus valores simbólicos.

A realidade de uma paisagem estéril edificada pela especulação só viria a

agravar o questionamento ao planejamento urbano, mais preocupado com os

fluxos e trânsitos da cidade que com o lugar do homem. Os próprios modernos

teriam sugerido a arte como propulsora de uma imagem mais “humanizada” do

espaço urbano.3

Nesta época, as primeiras obras de arte no espaço público revelam a

expansão do “lugar da obra” de arte do espaço do museu para o espaço da cidade,

mas não demonstram a incorporação do lugar onde se inserem, ou do sítio, na

própria operação artística. Esta é, aliás, uma das críticas que o escultor Richard

Serra faz às obras de Calder, Moore e Nogushi que seriam como maquetes

transplantadas à escala da cidade, completamente auto-referentes.4

Ao comentar a obra do próprio Serra, Carl Andre formula um conceito de

lugar que se aproxima do sentido de dialética da paisagem tal como pretendemos

investigar: “um lugar é uma área em um meio ambiente que foi alterado de forma

a torná-lo mais perceptível (...) surge, particularmente, em função tanto das

qualidades gerais do ambiente quanto das qualidades particulares da obra”.5

O historiador de arquitetura Ignasi Sola-Morales esclarece que, após a

Segunda Guerra Mundial, uma nova sensibilidade com base na fenomenologia de

Husserl teria proposto uma noção de lugar como crítica a um caráter abstrato de

espaço: “a arquitetura deveria ‘voltar às coisas mesmas’, ‘edificar lugares para o

habitar’. Do mesmo modo que não haveria essências universais senão existências

3 Esta questão foi o tema do IV CIAM (Congresso Internacional da Arquitetura Moderna) de 1947 e também é apontada, já em 1943, no manifesto “Nove pontos sobre monumentalidade” publicado por Gideon, Sert e Léger. MONTANER, Joseph. O lugar metropolitano da arte. In: A modernidade superada.Arquitetura, Arte e Pensamento do século XX. Barcelona: Gustavo Gili, 2001, p.149-166. 4 BOIS, Yve-Alain. Promenade pittoresque autour de Clara-Clara. In: Richard Serra (cat.). Paris: Centre Georges Pompidou, 1983. 5 Carl Andre. Apud. TIBERGHIEN, Gilles A. Land Art. Paris: Éditions Carré, 1993, p.87.

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históricas, particulares e concretas, tampouco haveria espaços elaborados in vitro,

experimentos de tipo generalizado”.6

Como esclarece o autor, a obra do historiador Norberg-Schulz apresenta a

arquitetura como a atividade de produzir lugar, retornando às qualidades

particulares do genius loci, da história, dos mitos, simbolismos e significação de

um sítio. Para o autor, o genius loci seria o “fazer aflorar as preexistências

ambientais, como objetos reunidos no lugar, como articulação das diversas peças

urbanas (praça, rua, a avenida). Isto é, como paisagem característica”.7

Nos anos 1960, o arquiteto e teórico Aldo Rossi8 contribui para esta

discussão lançando a idéia da cidade como complexidade, uma paisagem onde

participam elementos que não poderiam ser reduzidos puramente à racionalidade

em função de sua própria dimensão simbólica. Para o autor a origem da

concepção arquitetônica estaria na articulação de elementos da memória e do

desenho do locus: lugar marcado pela presença de um genius loci. Seu trabalho

em Arquitetura da Cidade é baseado em um retorno arquetípico de formas para as

quais reivindica a permanência. Afirma o processo histórico como a repetição de

estruturas constantes, permanentes, que configuram um tipo, que é atemporal.

Projetar conservando o tipo, significa criar um espaço que permite o

reconhecimento de uma identidade. A partir desta noção de tipo, surgem projetos

que procuram conservar traçados, gabaritos, linguagens e símbolos ligados a um

passado que deveria ser retomado pela arquitetura.9

Na década de 1970, nos Estados Unidos, Robert Venturi, arquiteto e

teórico, defende a paisagem como complexidade, mas a une à contradição, noção

que nos levaria à tensão entre termos não resolvidos por uma síntese dialética:

As justaposições aparentemente caóticas de elementos vulgares expressam uma intrigante espécie de vitalidade e validade (...) em algumas dessas composições existe um sentido inerente de unidade não muito longe da superfície. Não é a

6 SOLA-MORALES, Ignasi. Lugar: permanencia o producción. In: Diferencias. Topografia de la arquitectura contemporânea. Barcelona: Gustavo Gilli, 1995. 7 MONTANER, Joseph Maria. Espaço e antiespaço, lugar e não lugar na arquitetura moderna. In: A modernidade superada.Arquitetura, Arte e Pensamento do século XX. Barcelona: Gustavo Gili, 2001.p.37. 8 ROSSI, Aldo. A arquitetura da cidade (1966). 2ed. São Paulo: Martins Fontes, 2001. 9 Segundo Reinhart Koselleck, a história tornar-se-ia historicizada tanto ao configurar o passado como presente quanto o futuro como presente. Se a modernidade teria se voltado unicamente para a direção do futuro, os “contextualismos históricos”, estariam voltados exclusivamente para o passado. KOSELLECK, Reinhart. ‘Space of Experience’ and ‘Horizon of expectation’: two historical categories. In: Future Past – on the semantics of historical time. Massachussets: The MIT Press, 1985, p.274-275.

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unidade fácil ou óbvia derivada da amarração dominante ou da ordem de padrão em composições mais simples e menos contraditórias, mas a derivada de uma ordem complexa e contraditória do todo difícil. É a composição tensa que contém relações contrapontísticas, combinações iguais, fragmentos inflectidos e dualidades reconhecidas. 10

Deste modo, se pode observar duas posturas distintas: um desejo de

relação com o passado, com a história ou um determinismo ora perceptivo ora

conceitual. Fazendo uso da classificação do historiador Giulio Carlo Argan,

poderia se dizer que a primeira postura como defendida por Aldo Rossi seria uma

“arquitetura de representação” – da história, da natureza, do clássico, de formas

sistemáticas pré-existentes – e a segunda, uma “arquitetura de determinação” – de

novas formas e espaços, tal como havia sido proposta por Le Corbusier em um

sentido sensorial e, na década de 1970, por Peter Eisenman em um sentido

conceitual.

Eisenman vai além e critica duramente o Modernismo na arquitetura,

postulando que este não teria rompido com a tradição figurativa e teria continuado

a representar, no caso, uma idéia de eficiência e a própria razão como um sistema

de verdade. O Modernismo na arquitetura não teria, em sua opinião, realizado a

abstração.

Hoje está claro que, apesar da renovação de sua imagem retórica e das intenções radicais de seu programa social, a tão proclamada ruptura do Modernismo foi ilusória: ele sempre deu continuidade à tradição clássica. Apesar de as formas serem realmente diferentes, o modo pelo qual ganharam significado ou representam seu significado real derivaram da tradição da arquitetura.11 Para este arquiteto, ao invés de representação, a arquitetura, deve ser

apresentação. E sua relação com a realidade deveria se dar por estranhamento e

deslocamento, isto porque também a realidade, como a arquitetura, não poderia,

de modo algum, ser apreendida como uma verdade.

O lugar, para Eisenman, surge como algo a ser inventado através de uma

dinâmica entre topos e atopos.

O que é o ‘entre’ em arquitetura? Se a arquitetura normalmente determina o lugar, então o ‘estar entre’ significa estar entre algum e nenhum lugar. Se a arquitetura tradicionalmente se relaciona com o ‘topos’ - uma idéia de lugar –

10 VENTURI, Complexidade e Contradição em Arquitetura.p.146-147. 11 EISENMAN, Peter. Blue line text. Revista A+U. n.47. p. 49-51, abr./mai 1993. p.49.

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então estar ‘entre’ significa buscar o ‘atopos’, a atopia dentro do ‘topos’. Muitas cidades americanas modernas são exemplo de atopia. Ainda assim, os arquitetos querem negar a atopia da existência atual e restabelecer o ‘topos’ do século XVIII, trazer de volta uma condição que não pode mais existir. (...) A lição do modernismo sugere que não há ‘topos’ no futuro. Os novos topos devem ser encontrados explorando a inevitável atopia do presente que está não na nostalgia esteticizada do banal, mas sim naquilo que existe entre o ‘topos’ e a atopia.12 Diante de contextos de não-lugares13 - espaços de anonimato, do consumo

e dos fluxos em velocidade que se contraporiam aos conceitos de permanência e

identidade - sem passado e sem futuro, o que propõem os artistas, assim como

Eisenman, seria infundir a ambigüidade, a tensão e a complexidade.

Argan observa que ao trabalhar em um contexto, os artistas teriam buscado

justamente aqueles que “demandassem uma interpretação, um esforço aplicativo,

uma vontade de estabelecer uma relação. (...) Superado o problema da arte-objeto,

o protagonista da experiência estética passa a ser o ambiente, enquanto espaço em

que os indivíduos e grupos sociais se inserem e vivem, enquanto o outro, no

sentido mais amplo, com que se defronta o si”.14

Concluímos com Sola-Morales:

Segue possível a construção do lugar. Não como desvelamento de algo permanentemente existente. (...) Não se trata de propor uma arquitetura efêmera, instantânea e passageira. O que se defende nestas linhas é o valor dos lugares produzidos pelo encontro de energias atuais, graças à força de dispositivos projetuais capazes de provocar as extensões de suas ondulações e a intensidade que sua presença produz. O lugar contemporâneo deve ser um cruzamento de caminhos (...) uma fundação conjuntural.15

Assim também a arquitetura, abandonadas as expectativas de controle dos

processos da cidade, como já dissemos, viria se concentrar em interferências

pontuais, situadas, em detrimento das grandes soluções de planejamento. Uma

arte como escrita, no presente, que não se propõe negar ou afirmar o passado ou o

futuro, mas invariavelmente dialogar com ambos, ultrapassando as categorias de

representação (passado) e determinação (futuro), em prol de uma dialética própria

dos sistemas abertos.

12 EISENMAN, Peter. Blue line text. Revista A+U. n.47. p. 49-51, abr./mai 1993, p.49. 13 Segundo Marc Augé, a idéia de uma sociedade localizada entra em crise em função da proliferação destes não-lugares baseados em um “presente sem história”, sem memória e sem futuro. 14 ARGAN, Giulio Carlo. Arte Moderna. São Paulo: Companhia das Letras, 1992, p.589. 15 SOLA-MORALES, op.cit. p.124.

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Ao lidar com situações às quais se tenha atribuído um valor histórico, a

arte se inscreve na tessitura de um processo de construção de mundo e memória

que é sempre presente - não um resgate, mas uma dialética que acolhe a diferença

e a multiplicidade.

Merleau-Ponty descreve o pensamento dialético como aquele que admite

ações recíprocas e interações. Seria um pensamento que abre seu próprio caminho,

inteiramente subordinado a seu conteúdo, de quem recebe incentivo, mas não um

reflexo ou cópia de um processo exterior; seria o engendramento de uma situação

a partir de outra.16

Uma das tarefas da dialética, como pensamento de situação, pensamento em contato com o ser, é sacudir as falsas evidências, denunciar as significações cortadas da experiência do ser, esvaziadas, e criticar-se a si mesma na medida em que se venha a tornar uma delas. 17

Segundo o autor, a boa dialética encara sem restrição a pluralidade das

relações e a ambigüidade, seria uma dialética sem síntese, que não redundaria em

uma outra positividade. A significação aparece não como uma outra tese ou ideal,

mas como uma tendência.

Aqui se unem dialética e ambigüidade em prol de um questionamento do

próprio real, autocrítica de ambos os partícipes de uma relação, para evidenciar

uma textura de complexidade.

Tanto em relação ao entre que esboçamos para as disciplinas de um campo

ampliado, quanto para os trabalhos, em sua relação com o real, poderíamos supor

uma aproximação com o conceito de diferença do filósofo Jacques Derrida:

A diferença é o que faz que o movimento de significação não seja possível a não ser que cada elemento presente, que aparece na cena da presença, se relacione com outra coisa que não seja ela mesma, guardando para si a marca do elemento passado, e deixando-se moldar pela marca de sua relação com o elemento futuro. (...) constituindo aquilo que chamamos presente por intermédio desta mesma relação, e que não é ele próprio: absolutamente não é ele mesmo, ou seja, nem mesmo um passado ou um futuro como presente modificado.18

16 MERLEAU-PONTY, O Visível e o Invisível (1964), p.92. 17 Ibid. p.93. 18 Jacques Derrida. Apud. PASSARO, Andrés Martín. La dispersion. Concepto, Sintaxis y Narrativa en la arquitectura de finales del siglo XX. Catalunya, 2004. Tese de Doutorado: Escola Tecnica Superior de Arquitetura, Universidade Politécnica de Catalunya.

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O lugar contemporâneo surge como diferença, gerado através de uma

dialética em que a arte reinventa a paisagem a partir de sua relação com o real -

um sítio, um contexto cultural, a própria vida.

2.2. Monumentalidade e experiência sensível

A Pop Art explora uma arte urbana industrial, a partir de uma empiria da

metrópole. Impregnada pela sociedade de massa, reflexo do atual na vida

americana, não se coloca como simbólica, mas como imagética – compreensão

que se estende à paisagem.

Quando trabalha in situ, o artista deixa o espaço do atelier para avaliar

condições específicas de um lugar, mas o que busca o seu olhar e o que buscará o

olhar daquele que terá contato com a obra?

A ambigüidade dos projetos urbanos Pop, de Claes Oldenburg, revela o

olhar que mergulha no imaginário do real e o expõe de modo a torná-lo uma

imagem superlativa - o que remete a um questionamento do próprio real, daquilo

que é e do que poderia ser em uma dimensão imaginária. Escolhendo objetos

comuns, ligados ao contexto do consumo imediato, Oldenburg os dispõe na

cidade em dimensões agigantadas como monumentos para serem “consumidos”

na paisagem.

Oldenburg foi capaz de descobrir a identidade entre contrários, foi o grande descobridor de metáforas naturais; percebendo a necessidade de exagerar, aumentar e tornar monumentais objetos que antes dele ninguém havia considerado dignos de serem promovidos àquelas dimensões. 19

Respondendo sobre como conhecer a cidade para a qual irá projetar um

monumento, o artista declara: “Durante as primeiras duas ou três semanas em uma

nova cidade, tento visitar o maior número de lugares possível, ser conduzido pela

19 DANTO, Arthur. La bouteille de Coca-Cola Expressioniste Abstraite. In: __________. Après la fin de l’art. Paris: Éditions du Seuil, 1996, p.195. (tradução da autora)

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cidade por pessoas que lá vivem e a conhecem. Também tento ler todos os jornais

e revistas à venda. Faço muitos sketches. E observo a comida”.20

A escolha do motivo “comida” expressa metaforicamente o sentido de

consumo da sociedade.21 Reflete o condicionamento à autofagia dos sistemas de

valores, quando também a arte é tomada como objeto de consumo. O exemplo

direto é a obra The Store (1961) em que próprio ateliê do artista, antes realmente

uma loja, é convertido em environment cujas peças são vendidas separadamente.

Sobre o trabalho, Barbara Rose observa: “Oldenburg sabe, é o templo do

dinheiro”.22

O artista relata que viu algumas fotos, no início dos anos 1960, mostrando

partes do corpo da Estátua da Liberdade espalhados pela Madison Square: um

grande pé de um lado, a cabeça de outro, a mão... E que teve contato com fotos de

edifícios feitos com o objetivo de parecerem com animais - um deles em Atlantic

City (1958) no formato de um elefante - e desenhos do século XVIII de autoria de

arquitetos franceses como Ledoux, Boullée e Lequeu. Talvez estas referências

tenham evidenciado a consciência da potência da escala que, em suas palavras, se

torna “poesia da escala” em seus trabalhos.

Como nas tiras de quadrinhos Pop de Lichtenstein, a escala tem o poder

evocativo de criar novas entidades, mas que ainda guardam uma relação com o

universo de coisas próximas. À potência da escala se une a uma identificação

com o objeto, é quando se instaura a poesia. A identificação com a imagem é

necessária para estabelecer uma “relação ativa” entre o objeto e a pessoa: “o nome

das coisas nos diz como pegá-las (câmera, arma) ou o que fazer com elas (sorvete,

cadeira, jaqueta)”.23

A modificação da escala dos objetos coloca os termos de uma relação

ambígua: uma operação perceptiva que leva à interrogação fenomenológica do

20 Claes Oldenburg. Apud. CLAES Oldenburg – Proposals for monuments and buildings 1965-69. Chicago: Big Table, 1969, p.33 (Entrevista a Paul Carroll). 21 “Estando a tratar com uma sociedade de consumo, Oldenburg identifica-a com o artigo de consumo’ mais corrente, a comida. (...) Exclui-se também que essas comidas enormes e repulsivas sirvam como símbolos sociais; são quando muito, personificações às avessas, despersonificações, como se dissessem que as pessoas, na sociedade autofágica de consumo, são artigos de consumo, tal como os alimentos. Se há uma intenção satírica, não é explícita; de qualquer maneira, detém-se no primeiro nível, a paródia”. ARGAN, op.cit. p. 579. 22 ROSE, Barbara. Claes Oldenburg’s Soft Machines. In: MADOFF, Steven Henry. Pop Art – A critical History. Berkeley, CA: University of California Press, 1997, p.62. 23 Ibid. p.62.

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estar-no-mundo. Ou uma suspensão, “onde estou?”, como no universo de Alice

através do espelho.

Se por um lado, os objetos transformados provocam um curto-circuito na

percepção, por outro, em razão de sua natureza cotidiana, continuam a demandar

um contato mais íntimo, direto e pessoal; forma-se um campo de forças de atração

e repulsão.

A escala é um forte instrumento de Oldenburg para que, em certas obras,

se estabeleça um jogo mais elaborado com a morfologia da paisagem. O objeto é

escolhido porque de alguma maneira “fits the shape” ou ainda, as condições e as

associações do local. Há um aspecto lúdico nesta operação de descoberta de

relações formais e imagéticas entre os objetos mais banais e o entorno natural ou

construído.

Um jogo formal analógico é proposto por Oldenburg e Coosje van

Bruggen na obra Cupid Span24, 2002 (Figura 1), localizada no Embarcadero San

Francisco, California. O trabalho é um arco e flecha gigante, situado no extenso

panorama da Baía de São Francisco, tendo a monumental Bay Bridge ao fundo.

Desfuncionalizando o objeto comum, a flecha é apontada para baixo e

enterrada no chão, assim como a parte da frente do arco, o que valoriza a corda.

As penas da flecha, quase que completamente soltas, sugerem a presença dos

pássaros na paisagem ou uma bandeira hasteada em um mastro. A imagem do

barco evoca as próprias histórias de navios naufragados nas profundezas daquela

baía. Para Bruggen, a obra seria fruto de um conjunto de associações com o sítio

que teria criado esta determinada imagem. 25

A obra é percebida de modo diferenciado de acordo com a distância e o

local a partir do qual é avistada. De perto, o arco e a flecha na vertical, dando

ênfase à corda, se relacionam aos cabos e torres da Bay Bridge. De uma distância

moderada, sugerem o casco, o mastro e as cordas de um navio galeão espanhol –

referências ao transporte dos colonizadores e, ironicamente, ao próprio arco e

flecha, instrumento dos colonizados. Vista ainda de mais longe, do outro lado do

24 Claes Oldenburg et Coosije Van Bruggen. Cupid's Span, nov. 2002, Rincon Park, San Francisco, California; Aço inoxidável, Fibra de carbono estrutural, plástico reforçado, forma de epóxi, forma de polivinil clorido, pintura e cobertura de gel de poliéster; altura de 60ft. (182.3m). 25 BAKER, Keneth. Take a bow - Sculptors Oldenburg and van Bruggen talk about their Cupid's Span, which has dropped anchor on the waterfront. SFGate, dez. 2002. Disponível em: <http:// sfgate.com > Acesso em 07/03/2006.

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Embarcadero, as curvas do arco se relacionam com as copas das palmeiras que se

alinham em uma via.

A obra tem seu significado referenciado a um fenômeno público, de

identificação de imagens, estabelecendo um diálogo intrínseco com o contexto

onde se situa, ciente de que participa de um processo contínuo de adição de

elementos e de transformação da própria paisagem.

Assim é Clothespin26, 1976 (Figura 2), na Philadelphia, um gigantesco

pregador de roupas localizado em meio ao centro urbano verticalizado. A imagem

comum ou pré-concebida do objeto é questionada quando o pregador se torna

mais um arranha-céu, e cada arranha-céu poderia se tornar um pregador. Obra e

entorno, real e imaginário estão em diálogo crítico: há um estranhamento que é,

ao mesmo tempo, humor e familiaridade ou ainda, ironia.

Oldenburg questiona o que é ser um monumento, qual seria o seu valor e o

que representa a sua presença na paisagem. Um monumento que celebra o banal

torna tudo mais banal e, por outro lado, ele mesmo e tudo ao seu redor mais

importante.

No Chiat/Day Building, 1986-91 (Figura 3), sede da agência de

publicidade Wet Coast, em Venice, Califórnia27, Oldenburg e Van Bruggen

trabalham com o arquiteto Frank Gehry. A contribuição dos escultores é uma

gigante forma de binóculos, Binoculars28, que se destaca na fachada e é

efetivamente utilizada como espaço interior. A arquitetura como monumento que

porta um valor simbólico é radicalmente questionada. A escolha do binóculo

talvez pudesse ser tomada como uma alusão formal ao vocabulário arquitetônico

das torres gêmeas, mas isto seria o menos importante. Neste projeto, o jogo

coloca, ironicamente, uma questão formal: talvez as formas do cotidiano não

sejam tão diferentes das formas dos edifícios.

26 Claes Oldenburg et Coosije Van Bruggen. Clothespin, 1976, Centre Square Plaza, entre as ruas Fifteenth e Market, Philadelphia. Aço corten e aço inoxidável. Dimensões: 45 ft. x 12 ft. 3 in. x 4 ft. 6 in. (13.7 x 3.7 x 1.4 m). 27 Os três juntos já tinham trabalhado nos projetos Main Street (1975-84) em Venice, CA e Camp Good Times (1984-85) nas montanhas de Santa Mônica. 28 Claes Oldenburg et Coosije Van Bruggen. Binoculars, 1991. Componente central de edifício projetado por Frank O. Gehry and Associates, 340 Main Street, Venice, California. Estrutura de Aço; exterior em concreto e argamassa de cimento, pintura com tinta elastomérica. Interior: argamassa de gesso; Dimensões: 45 x 44 x 18 ft. (13.7 x 13.4 x 5.5 m).

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Como esclarece Dan Graham, o problema que os artistas Pop suscitam,

assim como o arquiteto Robert Venturi, é “a relação e o efeito sócio político da

arte e da arquitetura quanto a seu ambiente imediato”.29

Venturi teria compreendido, através dos trabalhos Pop, que “não só a

estrutura interna do trabalho arquitetônico pode ser vista em termos de uma

relação de signos, mas também o todo do ambiente constituído (cultural), com o

qual o edifício se modula, é constituído a partir de signos”.30

Este arquiteto quer tornar públicas as características de um edifício,

enfatizando-as a partir do código da imagem, da função comunicativa: este seria o

aprendizado de Las Vegas.

Esta postura está presente no Conjunto Habitacional para Idosos da

Sociedade Quacre, 1963 (Figura 4), Filadélfia, onde se lê na fachada como em um

letreiro: Guild House [Casa Guilda ou Casa Sociedade]. Neste projeto, uma

antena de televisão, com superfície dourada anodizada, está em posição de

destaque no eixo da fachada principal. Sem dúvida, é um elemento que o arquiteto

não deseja ocultar e tanto pode ser tomado como uma “escultura” quanto como

uma imagem que identifica os idosos que passam seu tempo em frente à televisão.

Dá-se o espaço da arte para um objeto cotidiano; a paisagem comunica a vida

pública e privada.

O projeto de Venturi, Rauch e Denise Scott Brown para o concurso de uma

Fonte no Fairmount Park Association, 1964 (Figura 5), Filadélfia, igualmente

explora um sentido comunicativo para a arte. Problematizando seu caráter como

monumento, a proposta possui o tradicional dístico, entrevisto pela água, cuja

legenda indica um caráter ambíguo - “PARK HERE” – designando não só a

entrada do parque urbano, mas aludindo à presença do estacionamento existente

no subsolo. A escala das letras e sua posição inclinada facilitam a relação com os

passantes para atrair sua atenção.

A forma é grande e ousada, para que seja lida contra seu pano de fundo de grandes edifícios e espaço amorfo, e também possa ser vista a uma distância relativamente grande, desde o outro extremo da avenida. Seu formato plástico, a silhueta curva e a superfície singela também contrastam acentuadamente com os complexos padrões retangulares dos edifícios ao redor, embora sejam análogos a algumas formas de telhados de mansarda na Prefeitura. Não havia o propósito de

29 GRAHAM, Dan. op.cit. 30 Ibid.

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realizar uma intricada fonte barroca para ser vista unicamente de perto ou de um carro engarrafado no trânsito. 31

Para o arquiteto, as características de espaço, forma, escala e circulação do

local foram determinantes para o projeto: uma praça-quarteirão de uma malha

urbana ortogonal no centro da cidade, cercada de edifícios altos de escritórios e

ruas de intenso tráfego e, no interior da quadra, um centro de informação; foram

estabelecidos pelo concurso o layout do paisagismo e a pavimentação, além de um

tanque de 12,5m de diâmetro para a fonte, que seria vista contra a Prefeitura: um

prédio “de cor clara, grande em tamanho e ornado em contorno e silhueta”.

A obra que possui a escala de um edifício jorra água através de um jato no

interior e de uma cortina desce pela superfície convexa exterior, como uma “gruta

artificial, enevoada e musgosa”. O próprio arquiteto descreve sua fonte como um

entre arquitetura e escultura: “Esta fonte é grande e pequena em escala, escultural

e arquitetural em estrutura, análoga e contrastante em seu contexto, direcional e

não direcional, curvilínea e angular em sua forma, e foi projetada de dentro para

fora e de fora para dentro”. 32

Venturi criou um monumento massivo na paisagem com o objetivo de

torná-lo tão visível quanto os edifícios do entorno e, para estabelecer um contraste

com as texturas dos mesmos, imaginou uma superfície completamente lisa. Isto

evidenciaria um sentido táctil da própria paisagem, demonstrando a preocupação

do arquiteto com uma questão sensível a ser percebida. A multiplicidade de

volumetrias, padrões ou texturas – “ornamentos em contornos e silhuetas” - ocupa

um papel relevante na estética da paisagem.

Esta seria também uma das questões que podem ser analisadas a partir do

trabalho do artista Christo. O processo de “empacotamento” que realiza em

grandes monumentos construídos busca ressaltar a presença física destes

“marcos” da paisagem; coloca em evidência a massa e seu caráter inerte.

Os empacotamentos de Christo implicam em um outro modo de perceber

um sítio, ao apresentarem ao olhar outras texturas para um mesmo contorno, ou

forma, algo que o artista faz de modo ambíguo e indicial. Nestas obras há um

recobrimento do real que ainda se faz presença; realiza pela diferença um

questionamento; ao mesmo tempo, afirmação e negação daquilo que a obra é, e do 31 VENTURI, Complexidade e Contradição em Arquitetura. p.185. 32 Ibid. p.188.

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que não é. A paisagem se torna o lugar da interrogação, de uma dialética que não

produz um objeto síntese, mas revela a presença de termos que, reciprocamente,

se afirmam e anulam.

A ampla discussão com a opinião pública e as instituições, como parte da

negociação para a realização dos trabalhos de Christo, expõe a importância de um

processo reflexivo sobre a arte na esfera coletiva.33 Em última instância, revela a

expectativa de valor o público tem sobre as obras contemporâneas, obras que

incitam outros modos de ver.

Em Reichstag34, 1971-95 (Figura 6), em Berlim, o processo de negociação

para a implantação durou mais de duas décadas, de 1971 a 1994, quando

finalmente o parlamento alemão aprova sua implantação em sessão plenária. A

embalagem deste edifício, que na história adquiriu grande importância como

símbolo da democracia, é então inaugurada em 1995 e permanece instalada por 14

dias.

Foram necessárias estruturas de aço nas torres, telhado e estátuas do prédio

para permitir que mais de 100.000 m2 de tecido com superfície aluminizada

descessem do topo até o chão criando imensas superfícies reflexivas à luz do sol.

Todo o trabalho foi financiado pelo casal de artistas Christo e Jeanne-Claude com

a venda dos estudos, desenhos, colagens e maquetes do projeto; nenhum tipo de

patrocínio foi aceito.

Além de criar um efeito sensível atraente sobre a fachada, o uso do tecido

inspira um caráter de fragilidade, improvisação, impermanência. Este significado

que desponta na obra em função de sua nova materialidade, ou dimensão concreta,

entra em choque com a imagem pré-concebida de firmeza, ordem e perenidade da

arquitetura. Este sentido evoca a própria história de contínuas modificações e

perturbações do edifício, erguido em 1894, incendiado em 1933, quase destruído

em 1945 e restaurado nos anos 1960.

33 A discussão acerca do destino de Arco Inclinado de Serra, encomendado em 1981 por um programa oficial para a Federal Plaza de Nova York, culminou na remoção da obra, em 1989, em função de um processo jurídico movido por aqueles que trabalhavam nas imediações defendendo que a peça restringia a visão e impedia o livre trânsito das pessoas. ARCHER, Michael. Arte Contemporânea - uma história concisa. São Paulo: Martins Fontes, 2001, p.147. 34Christo and Jeanne-Claude. Wrapped Reichstag, 1971-1995, Berlim. Tecido prata de polipropileno, painéis de tecido, corda de propileno azul, aço na estrutura. Altura no telhado: 32,2m; Altura nas torres: 42,5m; Comprimento das fachadas leste e oeste: 135,7m; Largura das fachadas norte e sul: 96m; perímetro total: 463,4m.

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Entre escultura e arquitetura, o trabalho no edifício do Reichstag

questiona, através de uma reversão sensível, a experiência da paisagem que este

elemento suscita para aqueles que cotidianamente passam pelo local. Mais ainda,

ao recobrir um edifício de supostamente simbólico, questiona o valor dos

monumentos na contemporaneidade.

Procurando explorar a dimensão sensível da paisagem como uma relação

concreta de complexidade e diferença, o arquiteto Jean Nouvel propõe uma

“artifice-nature” para a competição do projeto do Temporary Guggenheim de

Tokyo, 2001 (Figura 7). Chamada de “montanha das estações” o projeto de

7.000m2 é uma estrutura de aço recoberta de vegetação que alude à forma de

montes - como o Fuji ou o Kapoor - e poderia ser descrita como uma “arquitetura”

entre não-paisagem e não-escultura. À distância, a obra poderia ser identificada

como topografia; na experiência, converter-se-ia em um jardim japonês em meio

ao centro urbano. Nas palavras do arquiteto:

O paradigma: a ‘artiffice-nature’ é uma das bases da cultura japonesa e a essência do jardim japonês: O culto do presente A revelação de instantes fugidios A consciência da passagem do tempo A emoção das estações A natureza como um contraponto à urbanização de Tokyo. (...) Artificial e Natural são escolhidos como uma estratégia para o alternativo: Indispensável alternativa porque é muito difícil existir na colagem urbana de Tokyo.35

Para Nouvel relacionar-se com o contexto seria “instaurar a diferença, mas

com a permanência de referências”.36 Não deixa de haver uma certa nostalgia em

relação ao caráter simbólico da tradição do país e o desejo de criação de um

monumento marcante na paisagem; mas, efetivamente, a proposta conduz a uma

dialética com contexto da cidade, buscando a multiplicidade.

A relação da proposta com o jardim japonês revela um interesse por uma

experiência presente, atual. A obra transparece um caráter mutável em sua

materialidade, criando possibilidades morfológicas e táteis variadas, isto porque a

cada estação do ano, a vegetação que recobriria a estrutura se renovaria criando

35 Jean Nouvel. Apud. JEAN Nouvel. Revista A+ U , out. 2002. 36 Ibid.

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imagens diferenciadas para cada tempo, referenciando-se ao real: o ritmo da

própria natureza.

A inclusão do real da natureza na arquitetura – luz, ventos, temperatura –

geraria um modo outro de sensibilização paisagem, externalizada como uma

dinâmica, que é possível ver, ouvir e sentir, experimentar sinestesicamente.

Assim na instalação que o artista James Turrell realiza no edifício sede da

Companhia de Gás de Leipzig, 1997 (Figura 8), Alemanha. Um sistema de

energia inteligente diferencia a cor da iluminação da fachada de acordo com

fatores externos como temperatura e luz. O edifício se converte em uma espécie

de “termômetro” de efeito estético no tempo porque a luz é o indício da presença

de calor. A arquitetura torna-se um entre escultura e paisagem por externalizar um

processo do real em sua atualidade.

De modo semelhante, no projeto da Torre dos Ventos, 1986 (Figura 9),

Japão, do arquiteto Toyo Ito, a iluminação no corpo cilíndrico do edifício cria

uma dinâmica referenciada nos ruídos, velocidade e direção dos ventos, in situ e

no tempo. O dispositivo revela através da cor, intensidade e ritmo das luzes uma

relação de externalidade: o real é incorporado como atual à própria materialidade

da arquitetura.

Pode-se observar que nestas obras a arquitetura é um mediador sensível da

experiência da realidade. Neste entre, o significado surge na externalidade, no

tempo-espaço real, a partir de uma experiência referenciada à duração dos

processos dinâmicos da paisagem. A obra se coloca como abertura, parte da

textura do mundo.

A noção de que um mediador pode modificar a percepção na externalidade

está presente no trabalho de Dan Flavin onde a luz produz efeitos diferenciados

segundo a posição que ocupa. Seus arranjos de tubos fluorescentes funcionam

somente in situ, assumindo um sentido ao serem colocados em relação a outros

trabalhos de arte ou a traços específicos em um espaço arquitetônico – chão,

cantos de parede, próximas a fontes de luz natural como janelas – e interferindo

no modo de percebê-los.

Ao comentar o trabalho deste artista, Dan Graham observa que, através do

uso de cores, também o espaço onde se situa o espectador é realçado e

dramatizado: “o uso de luzes verdes mergulha o espaço interior em verde pálido,

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enquanto transforma a visão do lado de fora, definida pictoriamente pelas janelas

da galeria, em sua imagem-consecutiva, um violeta alfazema”.37 Em última

instância, o corpo do espectador se torna parte da obra, tornando a presença

material da luz visível aos outros através dele próprio.

Como observa Morris “os elementos constitutivos da escultura, a saber, o

espaço, a luz e os materiais, devem sempre funcionar concretamente e

literalmente”.38 O mesmo poderia ser dito para a arquitetura.

A exploração sensível da cor e da luz, com base na fenomenologia, é o

foco do trabalho do arquiteto Steven Holl. No premiado projeto dos escritórios

D.E. Shaw and Company, 1992 (Figura 10), Nova Iorque, o arquiteto trabalha

com a cor projetada ou refletida entre os compartimentos. Através de recortes nas

superfícies que representam os limites entre os espaços, a cor de paredes mais

externas é levada para o interior branco. Também no Museu da Cidade de

Cassino, 1998 (Figura 11), Itália, o arquiteto faz uso da luz como agente de uma

dinâmica interior referenciada ao tempo real. Aberturas do tipo feixe, no teto e nas

superfícies laterais do museu, transformam as fronteira entre dois planos em

espaços de passagem da luz criando efeitos referenciados à duração da sua

incidência.

De modo similar, no projeto Sound-Houses, 1989, Inglaterra, o arquiteto

Morten Kaels imagina uma casa sobre o mar cujos cômodos “reagem” ao

movimento das marés produzindo efeitos sonoros diferenciados. Cada um deles,

de peso e tamanhos diversos, possui uma espécie de membrana que vibra contra

um invólucro de metal: o som seria o indício da presença do exterior no interior; a

obra faria uma mediação com a paisagem, interpretando uma dinâmica do real

como som. Entre não-paisagem e não-escultura, esta “arquitetura” seria um

“instrumento musical”: a “idéia” de movimento ditado pelo mar torna-se sensível

pela mediação da materialidade dos cômodos que, por diferença, geram

constantemente uma remissão entre a obra e seu contexto; sem dúvida, uma

relação de externalidade porque o que se ouve como atualidade é o testemunho

37GRAHAM, op.cit. 38Robert Morris. Apud. POINSOT, Jean-Marc. “In situ, lieux et spaces de la sculpture contemporaine”. IN: Qu’est-ce que la sculpture moderne?. Paris : Centres Georges Pompidou:1986.p.322. (tradução da autora)

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sensível de um processo de “criação” temporal. O trabalho de arquitetura seria

uma “arte do tempo”.

Até aqui apresentamos trabalhos que exploraram a dimensão sensível da

paisagem através de um experimentalismo em relação à escala e à materialidade.

Agora enfatizaremos a questão do percurso como deflagrante de uma experiência

sensível que conduziria a um modo de conhecimento baseado na relação corpo-

obra-paisagem.

2.3. Percurso e atualidade, uma relação “pitoresca”

Pensar a dimensão artística da paisagem, dada pelo próprio

questionamento do lugar-no-mundo da obra, como propôs a escultura a partir de

1960, é também uma questão da arquitetura que se propõe explorar a dimensão

perceptiva da paisagem que envolve o sujeito no espaço e no tempo.

Um ponto de partida para esta reflexão é o relato do artista Tony Smith39

de um passeio que teria feito à noite por uma estrada em Nova Jersey na década

de 1950:

Era uma noite escura e não havia luzes ou marcações de faixa, linhas, trilhos, ou qualquer coisa exceto a pavimentação se movendo através da paisagem plana margeada pelas montanhas à distância, mas pontuada por chaminés, torres, vapores e luzes coloridas. Este trajeto de carro foi para mim uma revelação. A estrada e uma grande parte da paisagem era artificial, mas não poderia ser chamada de obra de arte. Contudo, fez por mim, mais do que qualquer obra de arte já havia feito.No início eu não sabia o que era, mas seu efeito foi me libertar de muitas das visões que eu tinha sobre arte. Pareceu-me uma realidade que não tinha tido qualquer expressão em arte. (…) A maioria da pintura parece muito pictórica depois disso. Não existe maneira de enquadrar, você deve experimentá-la.40

39 Tony Smith trabalha primeiramente como arquiteto, inclusive como assistente de Frank Lloyd Wright; é em 1960 que se torna escultor. Vale ressaltar seu depoimento sobre a forma: “estou muito interessado em topologia, a matemática das superfícies, geometria euclidiana, relações de linha e plano. ‘Rubber sheet geometry’ [geometria da chapa de borracha]”. Tony Smith. Apud. WAGSTAFF JR., Samuel. Talking with Tony Smith (1966). In: BATTCOCK, Gregory (Org.). Minimal Art: a critical anthology. Los Angeles: California Press, 1995, p. 385-386 (tradução da autora). 40 Ibid.

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O artista Carl Andre ratifica este sentido artístico do percurso afirmando: “a

escultura ideal para mim é uma estrada”.41

Para Tony Smith, os objetos estariam sendo continuamente substituídos e a

paisagem surgiria como um conjunto de “situações vivas”, uma dinâmica que é

gerada a partir da experiência do percurso no tempo e no espaço que teria lhe

suscitado um efeito emocional e sensível. E continua afirmando: “paisagens

artificiais sem precedentes culturais começaram a mostrar-se para mim”.42

Também um depoimento de um percurso, o ensaio Um passeio pelos

monumentos de Passaic do artista Robert Smithson descreve sua passagem por

este subúrbio de Nova Jersey, registrando seus “monumentos” através da

fotografia. O primeiro monumento é a ponte sobre o rio Passaic; aos poucos,

outros mais são identificados pelo artista:

Quando andei em cima da ponte era como se estivesse andando em cima de uma enorme fotografia feita de madeira e aço e embaixo o rio existia como um enorme filme que não mostrava nada além de um vazio contínuo. (...) Ao longo das margens do rio Passaic havia vários monumentos menores, tais como suportes de concreto que sustentavam a parte traseira de uma nova rodovia em processo de construção. River drive estava parcialmente em obras e parcialmente intacta. Era difícil diferenciar a nova rodovia da velha estrada; ambas se confundiam em um caos unitário. Como era sábado, muitas máquinas não estavam sendo usadas, e isso as fazia parecer criaturas pré-históricas presas na lama, ou melhor, máquinas extintas – dinossauros mecânicos sem a sua pela. No limiar da Era pré-histórica das Máquinas havia casas suburbanas pré e pós-Segunda Guerra Mundial. As casas se espelhavam até a neutralidade. (...) Tudo que sei é que aquele subúrbio sem imaginação poderia ter sido uma eternidade desajeitada.43

Smithson, ironicamente, confere dignidade de monumento a instalações

industriais, enfatizando sua presença na paisagem como partícipes de um contexto

onde vê possibilidades estéticas.

Tanto para Tony Smith quanto para Smithson, a paisagem inclui elementos

“sem precedentes culturais”. Em última instância, destacam-se também na 41 Carl Andre. Apud. TIBERGHIEN, Gilles A. Land Art. Paris: Éditions Carré, 1993, p.36 -38. 42 Tony Smith. Apud. WAGSTAFF, Talking with Tony Smith (1966). 43 “Agora eu deveria ter a intenção de provar a irreversibilidade da eternidade usando uma experiência de recursos escassos para comprovar a entropia. Imagine com o olho de sua mente a caixa preta dividida em duas com areia preta de um lado e areia branca do outro. Pegamos uma criança e a fazemos correr cem vezes de um lado para o outro sentido horário dentro da caixa, até que a areia se misture e comece a ficar cinza; depois disso a fazemos correr no sentido anti-horário, mas o resultado não será uma restauração da divisão original e sim um grau ainda maior de cinza e um aumento da entropia”. SMITHSON, Robert. Um passeio pelos monumentos de Passaic. (tradução de Pedro Süssekind). O Nó Górdio, ano 1, n.1, dez. 2001, p.45-47. (Artigo publicado na Artforum, dez. 1967).

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paisagem seus próprios fluxos e trânsitos os quais todos vivenciamos na dinâmica

da paisagem contemporânea; uma paisagem cuja experiência é a da passagem, do

trânsito.

A idéia marcante de passagem na escultura moderna indicaria, para Krauss,

sua transformação de um veículo estático e idealizado a um veículo temporal e

material.

É uma obsessão da escultura moderna. (...) E com estas imagens a transformação da escultura de um veículo estático e idealizado em um veículo temporal e material - que teve início com Rodin, atinge sua plenitude. (...) a imagem de passagem serve para colocar tanto o observador como o artista diante do trabalho e do mundo, em uma atitude de humildade fundamental a fim de encontrarem a profunda reciprocidade entre cada um deles e a obra.44 Também Robert Morris, em The present tense of the space, fala de um

“tempo presente da experiência espacial imediata” como “mudança na avaliação

da experiência”, o que chama de presentness45. A consciência desta passagem é o

que confere espessura ao tempo, indicando uma espécie de permanência.

O que desejo juntar, para o meu modelo de “presentness”, é a inseparabilidade íntima da experiência do espaço físico e daquela de um presente continuamente imediato. O espaço real não é experimentado a não ser no tempo real. O corpo está em movimento, os olhos se movimentam interminavelmente a várias distâncias focais, fixando inúmeras imagens estáticas ou móveis. A localização e o ponto de vista estão constantemente se alterando no vértice do fluxo do tempo. A linguagem, a memória, a reflexão e a fantasia podem ou não acompanhar a experiência.46

A obras L Beams47, 1965 (Figura 12), de Morris é uma das que expõem

esta idéia de modo mais significativo. Nela, a externalidade se revela no processo

de experiência com a obra uma vez que a significação depende fundamentalmente

do corpo no instante em que emerge no mundo, “em relação a”. No trabalho,

Morris apresenta três formas idênticas de “L”, de compensado na cor branca, em

diferentes posições em relação ao piso: um deles está na vertical, outro se apóia na

lateral e o último, em suas duas extremidades. Como afirma Krauss, não importa

44 KRAUSS, Caminhos da Escultura Moderna, p.342. 45 “Presentidade” na tradução de Milton Machado para o artigo Art and Objecthood (1967) de Michael Fried. 46 MORRIS, Robert. The present tense of the space (1978). 47 Robert Morris. L Beams, 1965. Três formas em “L” idênticas; compensado ou aço inoxidável; dimensões: 244 x 244 x 61 cm cada peça.

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que compreendamos que os dois “L” são idênticos, nossa experiência da forma de

cada “L” depende evidentemente de sua orientação no espaço que divide com

nossos corpos.48

Na obra Observatory49, 1971 (Figura 13), Morris explora o sentido de uma

experiência não-instantânea enfatizando o percurso como veículo espaço-temporal

do conhecimento, ao mesmo tempo, da obra e da paisagem, quando o contexto

seria o próprio movimento solar, os movimentos astrais.50

A orientação temporal da obra – a referência do nascer do sol no início das quatro estações – torna-a mais do que uma simples estrutura decorativa no espaço. Essa função temporal não é necessariamente uma noção literal, mas o reconhecimento do próprio tempo como dimensão da obra. O ciclo anual proporciona uma espécie de “time frame” ou mesmo um contexto sempre presente à existência física do trabalho.51 A experiência da obra, em um tempo não-instantâneo, demanda que quem

a percorra se movimente e interaja com ela. Fotos do trabalho em que uma pessoa

aparece como escala humana revelam a preocupação do artista ao tomar o corpo

como unidade de medida. O próprio Morris define a obra entre a arquitetura, que

entende como abrigo, e a escultura, que entende como objetualidade:

Eu não disponho de uma expressão precisa para designar a obra: um “complexo para-arquitetural” seria a mais próxima, mas soa muito bizarra. É com certeza um earthwork. Os earthworks resultam de preocupações esculturais e, de certa maneira, gráficas, uma vez que são formas aplicadas, seja por adição, seja por subtração, a um local (site) preexistente. A experiência do conjunto do meu trabalho é resultado, em grande parte, dos complexos arquiteturais neolíticos e orientais. Os círculos, os pátios, as vielas, as perspectivas, os diversos níveis, confirmam que a obra proporciona uma experiência física ao corpo humano em movimento. Essas preocupações a diferenciam de outras obras exteriores que existem como artifícios monumentais, totalitários e estáticos. O observatório não é mais arquitetura do que escultura: não é nem uma forma total que podemos captar num relance, nem um abrigo.52

48 KRAUSS, Sens et Sensibilité (1973), p.51-52. (tradução da autora) 49 Robert Morris. Observatory, 1971, Sousbeek, Arnhem, Países Baixos. Terra, madeira, blocos de granito, ferro e água. Comprimento: 70,10 m. 50 “Observatory é orientado como uma bússola, de tal modo que a entrada, ou a porta maior se encontra a oeste, e as três fendas mais estreitas são exatamente direcionadas para o solstício de verão, o equinócio e o solstício de inverno. O espaço interior é completamente silencioso e o espaço em geral, aí compreendidos o local e sua orientação, é calmo, equilibrado e meditativo. A obra é composta em grande parte de terra – seu suporte e sua substância – além de aço, de pedra e de madeira. Sua escala é tal que ela inclui o sol e o movimento dos planetas.” Robert Morris. Apud. CENTRE POMPIDOU, Robert Morris: catálogo, p. 255. 51 Robert Morris apud TIBERGHIEN, Land Art, p. 157. 52 Ibid.

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A paisagem como uma dinâmica, cuja experiência se dá na atualidade,

através de um sentido de presentness também está presente na obra de Smithson.

Em seus trabalhos, o sítio seria uma evidência fenomenológica, possibilidade para

colocar uma relação em termos não fixos, também a partir do percurso.

Spiral Jetty53, 1970 (Figura 14), é um trabalho deste artista, entre

paisagem e não paisagem, para ser experimentado ao caminhar. O quebra-mar em

espiral é uma trilha com 4,5 m de largura formada por basalto e areia, que avança

45 m pelas águas vermelhas de um grande lago salgado (a cor da água se deve à

presença de uma espécie de algas).

Smithson descreve o lugar onde decide implantar a obra:

Contemplando o local, ele reverberava para os horizontes sugerindo um ciclone imóvel, enquanto a luz bruxelante fazia a paisagem inteira sacudir (...) nenhuma idéia, conceito, sistema, estrutura ou abstração poderiam sustentar-se diante da realidade daquela prova fenomenológica.54 Krauss nos esclarece que a “prova fenomenológica” a que Smithson se

refere resulta não só do ambiente visual, mas também de uma “ambientação

mitológica” descrita por ele como “ciclone imóvel”. À situação atípica do lago

salgado de cor avermelhada corresponde uma lenda dos habitantes locais: o lago

originalmente ligava-se ao Pacífico através de um gigantesco curso de água

subterrâneo cuja presença levava à formação de perigosos redemoinhos no centro

do lago.

Para Smithson, a escala da obra depende da localização de quem a percorre.

“O tamanho determina um objeto, mas a escala determina a arte. (...) A escala

depende da capacidade de estar consciente das atualidades da percepção”.55

Embora a espiral possua logicamente um centro, “a experiência da obra é a

de estarmos sendo continuamente descentralizados em meio à vasta extensão do

lago e do céu”.56 O descentramento aponta a ambigüidade de estar, a todo o

momento, experimentando o percurso como diferença e reforçando a idéia de

passagem.

53 Robert Smithson. Spiral Jetty, Great Salt Lake, Utah. Abril, 1970. Rocha negra, cristais de sal, terra, água vermelha (algas). Rolo 457,2 m de comprimento e aproximadamente 4,57m de largura. 54SMITHSON, Robert. Spiral Jetty (1972) In: Le paysage entropique 1960/1973. RMN, MAC, Marselha, 1993, p.336. 55 Ibid. p.322-325. 56 KRAUSS, Caminhos da Escultura Moderna, p.336.

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Em Spiral Jetty, o irracional comanda e nos leva a um mundo que não pode ser expresso por números ou pela racionalidade. As ambigüidades são admitidas ao invés de rejeitadas, as contradições aumentam ao invés de diminuir – o alogos abala o logos.57 Sob este aspecto a escultura contemporânea se aproximaria do pitoresco dos

jardins ingleses do século XVIII que, diferentemente dos jardins franceses, não

permitem uma visão total do conjunto, mas sim exigem uma multiplicidade de

vistas, de descobertas, para que se apreenda também a paisagem como

diversidade.

O trabalho de arquitetura paisagística de Frederick Law Olmsted significa,

para Smithson, uma earth sculpture. Olmsted foi o pioneiro da arquitetura

paisagística americana, autor do projeto do Central Park em Nova Iorque (1850),

onde implanta a área verde totalmente nova contrastando com a paisagem

edificada da cidade e com base no estudo da topografia do lugar. “Ele queria um

paisagismo assimétrico (...) no meio do fluxo urbano. Traz para o interior do

Brooklin o ‘esplendor do cenário tropical’”, diz Smithson que descreve o trabalho

como uma “dialética da paisagem”: o que significa ver as coisas como um

“complexo de relações”, não como objetos isolados.

Smithson define que “a natureza para um dialético é indiferente a qualquer

ideal formal (...) não se pode ter uma só visada de um jardim dentro desta

dialética”. 58

Nas palavras de Gilles Tiberghien, para Smithson, ”o pitoresco se funda

sobre a impressão do movimento”,59 o que ressalta a idéia de permuta e

transformação constante na experiência dos trabalhos do artista. O pitoresco

rompe com a harmonia, a ordem e a simetria que possibilitaram um modo de

conhecimento instantâneo, totalizante.

A operação pitoresca seria definida como baseada na própria realidade, o

que resultaria em uma configuração não estática da paisagem definida por sua

complexidade e multiplicidade.

57 SMITHSON, Spiral Jetty (1972), p.322-325. 58 SMITHSON, Robert. Frederick Law Olmsted and the Dialetical Lanscape. In: Le paysage entropique 1960/1973. RMN, MAC, Marselha, 1993. (Artigo de 1973). Segundo Smithson, as origens de seu trabalho estão na nas teorias inglesas do século XVIII de Uvedale Price e William Gilpin. 59TIBERGHIEN, Gilles. Robert Smithson: une vision pittoresque du pittoresque. [s.d.] In: ___. Nature, Art, Paysage. École Nationale supérieure du paysage.

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Destaca-se uma dialética entre olhar e andar em que a obra é apreendida

no deslocamento, na promenade. O espaço é experimentado em seu desdobrar-se

temporal, em seu processo, para quem o percorre.

Segundo Collins, a divergência entre os jardins ingleses e franceses em

meados do século XVIII, põe em questão a simetria como um prenúncio à

liberdade da planta desenvolvida pela arquitetura moderna. Neste momento,

perde-se a centralidade única, a orientação em relação a um eixo de perspectiva

que privilegia uma compreensão do todo. O centro físico da obra é deslocado

como centro em movimento ou mesmo múltiplos centros como se pode observar

em muitas obras contemporâneas.

Para Yves Alain Bois, a “promenade” de Corbusier, proporcionada pela

planta livre, intenta um pitoresco arquitetônico moderno. Ele se refere ao uso da

rampa em uma fase de projeto para a Villa Savoye, 1929-31, um elemento de

ligação por oposição à escada que seria um elemento de separação, como

oportunidade para uma sensação completamente diferente: “é de seu redobrar

desigual, de uma oposição entre continuidade e descontinuidade, que nasce a

experiência do choque”. Bois cita o próprio Corbusier a propósito deste projeto:

A arquitetura árabe nos deu um ensinamento precioso. Ela é apreciada no caminhar, com os pés. É ao andar, ao se deslocar que se vê desenvolver as ordenações da arquitetura. É um princípio contrário à arquitetura barroca (...) Nesta casa [Villa Savoye], trata-se de uma verdadeira promenade architecturale, oferecendo os aspectos constantemente variáveis, imprevistos, às vezes surpreendentes.60 Bruno Reichlin esclarece:

A percepção de uma arquitetura para ser vista no espaço, através do tempo, é sancionada pelo que Le Corbusier chamou de “architectural promenade”, que sozinha permite reconhecimento da unidade de um dado edifício. Na casa La Roche, Le Corbusier escreveu: ‘esta segunda casa será um pouco como uma promenade arquitetural. Alguém entra, e o espetáculo da arquitetura se oferece aos olhos. Alguém segue o percurso [itinerary], e as perspectivas se desdobram em grande variedade, os vãos se abrem em vistas para o exterior, onde se descobre a unidade da arquitetura’. Nós sabemos hoje que o envelope espacial da casa é um reflexo da decomposição neoplástica cujos vários dispositivos característicos são muitas posições na ‘promenade’.61

60 BOIS, Promenade pittoresque autour de Clara-Clara (1983), p.23. 61 REICHLIN, Bruno. Jeanneret – Le Corbusier, Painter Architect. In. Architecture and Cubism. Cambridge: MIT Press, 2002, p.203-204.

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Abrindo parênteses, embora possamos aproximar o sentido de promenade

de Corbusier à experiência de presentness, devemos observar que, de modo

particular para o arquiteto, há um desejo de identificação da “ordenação” e da

“unidade” formal da arquitetura a partir do percurso - algo que não é enfatizado

pela escultura e arquitetura contemporâneas. Se o Moderno deu ênfase à questão

espaço-temporal em um sentido profundamente formal, a escultura pós 1960 teria

ressaltando mais a questão da própria experiência, como observa Robert Morris:

Agora as imagens, o tempo passado da realidade, começam a dar lugar à duração, o tempo presente da experiência espacial imediata. O tempo está no trabalho mais novo [newer] de um modo como nunca esteve na escultura do passado. As questões modernistas de inovação e radicalismo estilístico parecem não ter nada a ver com essas mudanças. Talvez o que esteja sendo discutido nesse caso seja mais uma mudança na avaliação da experiência. E, apesar da arte em questão não abandonar sua cognoscibilidade ou sofisticação nesse deslocamento, ela se abre mais do que outras formas de arte recentes para um caráter surpreendentemente direto da experiência. Essa experiência está impregnada na própria natureza da percepção espacial. Alguns dos impulsos do novo trabalho são para tornar essas percepções mais conscientes e articuladas.62

A referência a Corbusier, a propósito do projeto da Villa Savoye, se refere

também à sua consciência da experiência de um o espaço que não é habitado por

um solitário:

É um prazer intenso poder sentir seu movimento em relação ao de uma outra pessoa em outra via de circulação, percebendo e perdendo esta pessoa de vista, ao desviar de uma curva, no ritmo de seus passos. Então nós somos ao mais alto ponto de consciência de nosso movimento por sua relação periódica com a de um outro participante.63

Retomando a relação com a “escultura” dos anos sessenta, Bois afirma que

é “a atenção aos efeitos de um movimento dual sobre a percepção que fazem do

trabalho de Serra uma lição de arquitetura. (...) É a partir desta fratura da

identidade, desta divisão de um em dois, que desembocam na arquitetura de Le

Corbusier e na escultura de Serra a história das paralaxes e da promenade

pitoresca”.64

62 MORRIS, The present tense of the space (1968). 63 Le Corbusier. Apud. BOIS, Promenade pittoresque autour de Clara-Clara (1983), p.23. 64 BOIS, Promenade pittoresque autour de Clara-Clara (1983). p.24.

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Em Shift65, 1970 (Figura 15), Serra determina o campo da obra pelo limite

de possibilidade para que duas pessoas mantenham o olhar mútuo, como descreve

o próprio artista:

No verão de 1970, Joan e eu percorremos esse lugar a pé durante cinco dias. Descobrimos que quando duas pessoas, cada uma em um lado do campo, percorriam-no em toda sua extensão tentando não se perder de vista apesar das curvas do terreno, elas determinavam mutuamente uma definição topológica do espaço. A distância máxima separando duas pessoas sem que elas se percam de vista fixou os limites da obra, cujo horizonte foi estabelecido segundo as possibilidades que tínhamos de manter esse ponto de vista recíproco. (...) Eu desejava obter uma dialética entre a percepção do sítio em sua totalidade e a relação que se estabelece com o campo quando o percorremos a pé. Resulta daí uma certa maneira de tomar sua própria medida face à indeterminação do terreno. (...) Os muros em degraus estão definidos em relação a um terreno constantemente mutável. Enquanto medidas, são totalmente transitivos: podem elevar o espaço, abaixá-lo, estendê-lo, condensá-lo, comprimi-lo e fazê-lo rodar. (...) Do alto da colina, quando nos viramos para olhar o vale, as imagens e pensamentos provocados pela consciência da experiência que acabamos de ter ressurgem. É a diferença entre pensamento abstrato e pensamento da experiência.66 A posição dos elementos no terreno chama atenção para a paisagem na

medida em que o indivíduo se movimenta. É estabelecida uma dialética em que o

terreno torna-se mutável e indeterminado no tempo, quando se estabelecem novas

relações espaciais. Serra expõe, através de seu trabalho, a possibilidade da

descoberta de significações diversas sobre um mesmo objeto e de tudo que o cerca

a partir da multiplicidade aberta pelo que chama de “pensamento da experiência”.

A idéia de percurso encontra-se também no próprio processo de definição

de algumas obras de site specific, como esclarece Serra:

Pode-se falar em definir a topologia de um local e o acesso de suas características através da locomoção.(...) O foco da arte para mim é a experiência vivenciada através das obras, e esta experiência tem pouco a ver com fatos físicos do trabalho, muito pouco. Mas quando se está falando de intenções, tudo que se está dizendo às pessoas está relacionado a fatos físicos. Penso que um trabalho de arte não é meramente prever corretamente todas as relações possíveis de medir.(...) Agora as minhas peças se relacionam a andar e olhar. Mas eu não posso dizer a alguém como andar e olhar.67

65 Richard Serra. Shift. 1970-1972, King City, Ontário, Canadá. Seis partes com área total de 248,41 cm. 66 SERRA, Richard. Shift. Tradução Pedro Sussekind. In: FERREIRA, Glória; COTRIM, Cecília. (Org.). Escritos de Artistas Anos 1960/1970. Rio de Janeiro: Jorge Zahar; Funarte. (Artigo de 1973). 67 SERRA, Richard. (Entrevista concedida a Liza Bear). Avalanche. Nova Iorque, out. 1973.

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Em St. John’s Rotary Arc68, 1980 (Figura 16), Serra aponta que a escala e

a posição da obra correspondem às características topográficas do lugar. A obra é

uma elevação que faz uma transição para a arquitetura, em torno da rotatória,

alinhando-se com o primeiro andar dos prédios e a altura dos caminhões, e incita a

perceber o espaço que passa a ser definido como volume.

A arte valorizada por Serra dá espessura e concreção às coisas, possui

densidade, peso, materialidade. É confronto. Possui a força de criar um lugar,

onde institui a diferença, criar um mundo sensível que emerge do sítio e de uma

experiência temporal, a obra que só tem sentido in site.

Retomando as palavras já citadas de Carl Andre, “um lugar é uma área em

um meio ambiente que foi alterado de forma a torná-lo mais perceptível. (...) Um

lugar surge, particularmente, em função tanto das qualidades gerais do ambiente

quanto das qualidades particulares da obra”.69

Na obra de Serra, o entorno é retirado do anonimato, é convocado à

relação, ao diálogo – a paisagem se torna um espaço fenomenológico de

discussão, de questionamentos. A obra não vem ressaltar aspectos já inscritos no

local, mas sim alterar um status quo articulando-se ao existente. “O sítio é

redefinido, não representado”.70 Há uma leitura do sítio pela escultura, a

emergência de uma nova relação entre as coisas em um contexto dado.

Segundo Tiberghien, “o site é o que permite tornar visível o que não é ele,

e neste sentido, é um non-site”;71 ou seja, seria uma situação de abandono que

permitiria o investimento massivo de discurso, radicalizando uma situação de

perda de sentido. Nas palavras de Smithson: “não se impõe um sítio, mas o

expõe”.72

Em Clara, Clara73, 1983 (Figura 17), também de Serra, uma curva

hiperbólica interfere no longo eixo monumental de Paris, da Praça do Concórdia,

passando pelo obelisco, ao Arco do Triunfo da Etoile, no alto do Champs Elysées.

68 Richard Serra. St. John’s Rotary Arc. 1980. Instalação na saída do Túnel Holland, Nova Yorque. Aço corten. 366cm X 60,96m X 6,5cm. 69 Carl Andre. Apud. TIBERGHIEN, Land Art, p.87. 70 SERRA, Richard. Apud. BRISSAC, Nelson. Paisagens Urbanas. São Paulo: SENAC São Paulo: Marca d’água, 1996, p.270. 71 TIBERGHIEN, Land Art, p.94. 72 Robert Smithson. Apud. Ibid. 73 Richard Serra. Clara-Clara, 1983, Jardin des Tuileries, Place de la Concorde, Paris. Aço Cor-tem. Duas partes. 366cm X 36,58m X 5cm.

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O eixo central da curva não coincidia exatamente com o eixo monumental que

atravessava, provocando um certo estranhamento. A peça foi retirada pelos

parisienses e implantada no subúrbio de Choisy, onde perdeu todo o seu sentido.

A obra possuía significado in situ, onde se colocava, deslocando o “princípio

ordenador” do eixo.

É explorando os pontos de vista pitorescos que Serra74 questiona a “boa-

forma” da cidade em Clara-Clara. A curva quebra as perspectivas infinitas e

possibilita uma nova experiência do entorno, diferentes pontos de vista a partir da

diferenciação do percurso. Torna-se evidente que o trabalho de Serra não aponta

um desejo de restaurar um desenho na cidade, mas sim tomar a contradição como

modo de estabelecer uma relação com uma realidade.

Como pensar uma arquitetura que, como a escultura de Serra, invente o

lugar como dialética e não seja produzida por ele? Importa pensar que a

consideração do entorno, ou contextualização, não implicaria, necessariamente, na

reprodução ou representação da paisagem consolidada como crêem os arquitetos

que justificam um sentido de permanência, pautados em critérios de reconstrução

de traçados, gabaritos e tipologias locais.

Em uma entrevista com Peter Eisenman, Serra declara que os objetos que

se adaptam ao sítio na tentativa de manter um status quo dão excessiva prioridade

àqueles que puseram a primeira pedra: “em meu trabalho, analiso o sítio e decido

redefini-lo em função da escultura e não em função da fisionomia existente”.75

Porque retomamos o trabalho do americano Olmsted, cumpre-nos uma

referência ao célebre arquiteto americano Frank Lloyd Wright, em especial à Casa

Kaufmann ou Casa da Cascata, 1936 (Figura 18). O espaço é produzido como um

jogo entre a “caixa explodida” e o sítio instaurando uma dinâmica plástica

complexa em que a relação entre interior e exterior se renova no tempo-espaço da

experiência. Segundo esclarece Argan, no Japão, Wright teria aprendido a obter

um espaço puro sem a necessidade de fórmulas geométricas, filtrando a natureza:

Do ponto de vista social do racionalismo europeu, a Casa Kauffmann é um absurdo e uma loucura. (...) É uma obra-prima, mas não um modelo - para Wright, o edifício é um acontecimento único, inimitável, irrepetível. (...) Ele

74 Esta é uma preocupação que passa a tomar a obra de Serra depois que visita o Japão na década de 1970 e admira por seis meses o jardim zen por sua característica peripatética. 75 Richard Serra. Apud. ENTRETIEN avec Peter Eisenman – Richard Serra. Skyline, Nova Iorque, abr.1983, p.223.

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deixa que a natureza faça seu jogo, que as águas penetrem por dentro da casa, batendo nos muros de pedra das fundações, que as árvores invadam com seus ramos os espaços vazios entre os terraços largamente avançados. A seguir, com um gesto, inverte a situação – do nó plástico de pedra arrojam-se os planos geométricos dos terraços em todas as direções violando o espaço da floresta, dilacerando-a. (...) Não se chega à lúcida e desesperada consciência da realidade sem passar pela lição de Wright. Talvez a tortura, a alternativa mortal entre amor e desespero de Pollock também derivem do fato de ter sido, sem sabê-lo, hóspede do senhor Kaufmann na Casa da Cascata de Wright.76

O modo com que o arquiteto implanta e constrói os espaços da casa revela

similaridade com o jardim pitoresco que, segundo Bois, pressupõe “não forçar a

natureza, mas revelar as capacidades do lugar, magnificando sua variedade e

singularidade”.77

Na contemporaneidade, o historiador Anthony Vidler descreve os

trabalhos do arquiteto Ben van Berkel como landscape, porque buscam construir

novas topologias e evidenciar a questão do percurso em projetos arquitetônicos e

urbanos.78 No projeto da Möbius House Het Gooi, 1993-1998 (Figura 19), o

arquiteto não transfere literalmente o diagrama de Möbius, mas sim introduz

aspectos diferenciados de duração e trajetória nos elementos arquitetônicos como

escadas, circulação e iluminação. Há a configuração de dois caminhos que

definem espaços onde se pode viver em conjunto, ainda que separadamente, e se

encontrando em alguns pontos que se tornam espaços compartilhados, entre

espaços. A relação da casa com o exterior é importante, pois as aberturas e

transparências definem campos de visão diferenciados que se relacionam com as

distintas áreas de paisagismo, fazendo do percurso pela casa também um percurso

pela paisagem. Neste sentido, o projeto retoma as noções de atualidade e

presentness.

Criando uma topologia que dialoga com a paisagem de seu entorno, o

recém construído Terminal Portuário de Yokohama do grupo de arquitetos FOA,

1994 (Figura 20) é um edifício de transporte, um lugar de fluxo e seu projeto,

segundo seus criadores, é baseado na “dinâmica do movimento”. É mesmo um

76 ARGAN, op.cit. p.418-422. 77 BOIS, Promenade pittoresque autour de Clara-Clara, p.12. 78 O projeto para a ponte de pedestres no Barranco de la Ballena (Gran Canaria), desenvolvido em 1998 por Van Berkel pretende ser uma conexão entre as partes nova e antiga da cidade de Las Palmas. A proposta é um elemento de conexão que inclui um grande programa de funções que ocupam os “entre” espaços produzidos pelo conceito de cruzamento que os arquitetos definem como o alcance mútuo produzido pelo cruzar das mãos.

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território entre o mar e a cidade: um deck de madeira de 450m de comprimento

que não possui paredes, mas sim pisos que se curvam em suas extremidades,

coberturas que se curvam para baixo e vidro.

A estrutura seria ainda uma praça e um parque; na descrição dos arquitetos

é como uma “praia artificial” onde as pessoas podem passear, tomar banho de sol,

fazer piqueniques e assistir a festivais. Seu programa é, contraditoriamente, ser, ao

mesmo tempo, um centro cívico e local de transporte de equipamentos.

“Visto da baía, não há nada de particular. Chegando por terra, ele se

apresenta como um portal de embarque de um tipo familiar de edifício de

transporte, embora intrigantes desníveis sugiram algo não comum a pé. É somente

ao penetrar e usar o edifício que se descobre as suas qualidades”. 79

O projeto não se destaca como marco no panorama; seria mesmo “um

híbrido de paisagem e edifício”80 ou, nos termos de nossa investigação, uma

“arquitetura” outra: entre não-paisagem e não-escultura.

Suas formas se assemelham às das ondas do mar e o piso oscila em curvas

que geram transições de nível, oferecendo uma multiplicidade de visadas da

paisagem. Mais ainda, não são definidos limites claros entre interior e exterior,

evocando um caráter de transição, de abertura, de dissolução de fronteiras entre a

arte e a paisagem.

Também o artista Vito Acconci ressalta a experiência do corpo através da

paisagem:

Uma visão da paisagem deve ser substituída por uma visão para a paisagem, e através da paisagem. A paisagem, ao invés de ser um objeto para os olhos, torna-se um objeto para o corpo; ao invés de um objeto para a visão, é um objeto de toque – um objeto da inserção do corpo na paisagem. Ao invés de receptor passivo da visão, a paisagem torna-se um agente ativo em movimento.81

Esta característica é posta em evidência em sua proposta de projeto para a

Loloma Station (Figura 21), em Scotdale. Um desenho circular formando faixas

concêntricas que se alternam em cor é fragmentado; as peças revelam o grafismo

no percurso da obra, quando se transita de um ponto a outro. Cada uma ocupa

diferentes posições no espaço livre da praça, em níveis e angulações diversos, ora

79 TERMINAL Portuário de Yokohama. Revista Domus, set. 2002. 80 Ibid. 81 ACCONCI, Vito. Public Space in a private time. In: Vito Hannibal Acconci Studio. 1.ed. Barcelona: Museu d’Art Contemporani de Barcelona, 2004, p.427. (tradução da autora)

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como piso, ora como uma cobertura, ora como uma plataforma. O grafismo de

paisagismo que, convencionalmente, conformaria um único plano no espaço livre

de praça, é temporalizado, se movimenta no espaço e induz aquele que o percorre

a descobrir o próprio processo que levou à desestabilização da idéia de forma

circular e planar. Esta intervenção entre arquitetura e escultura retoma a questão

do pitoresco e do conhecimento que se dá na experiência.

Também se voltando para a relação com chão82, o arquiteto Peter

Eisenman demonstra uma preocupação com a idéia de sítio como evidência

material, um espaço do real - que como nas obras de site specific, é utilizada como

referencial intrínseco à gênese do trabalho. O arquiteto procura infundir uma

abordagem dinâmica entre o que descreve como topos e atopos: um livre trânsito

entre positivo e negativo, que permitiria ao arquiteto circular entre as categorias

de “griddings, scalings, tracings, foldings”,83 para configurar um lugar de

diferenciações.

Sua proposta é “reinventar o lugar” através de um procedimento baseado

no que chamou de “figuras retóricas”84:

Para reinventar um lugar [site] seja uma cidade ou uma casa, a idéia de lugar deve estar livre de seus tradicionais lugares, histórias e sistemas de significado. Isto envolve o deslocamento da tradicional interpretação dos elementos. (...) Em minha proposta por figuras retóricas, arquitetura não é mais vista meramente através de elementos estéticos e funcionais, mas sim como um outro domínio gramatical, propondo uma leitura alternativa da idéia de lugar e objeto. Neste sentido, uma figura retórica será vista como inerente a um contexto onde o lugar

82 Peter Eisenman aponta que busca o índice e não o ícone em seu trabalho; o índice é como uma pegada na areia: dependendo do peso, da força, do impacto, a deformação é maior ou menor. “Deixe-me voltar a algo que Rosalind Krauss [crítica e teórica de arte] disse. Diz Krauss que o dispositivo de animação nos anos 70 era a fotografia – a fotografia era o registro de um evento. Neste sentido, era um indíce [index], uma tentativa de modificar o valor icônico do objeto. Qual o problema com o ícone [icon]? O objeto-como-icone é baseado na metafísica da presença [uma crença em uma força unificadora por trás da verdade e do conhecimento], como oposição à pura presença. Então, meu próprio trabalho procura produzir uma série de chapas fotográficas ou índices no sentido de que falava Krauss: tomei mapas existentes e os superpus para reduzir seu valor icônico, histórico e pictórico.” É neste ponto que reside a crítica de Eisenman a Gehry que, para ele, estaria produzindo ícones. Apud. EISENMAN, Peter. (Entrevista) Architectural Record, 2004. Disponível em: <http://archrecord.construction.com/people/interviews/archives/0310 Eisenman-3.asp> 83 ARANTES, Otilia. O lugar da arquitetura depois dos modernos. 3.ed. São Paulo: EDUSP, 2000, p.86. 84 Ao criar a figura retórica “cactis”, a partir de “cat”, “act” e “is”, Eisenman explica: “o processo primeiro fragmenta e recombina os fragmentos como uma nova palavra. Existe ambos perda e ganho em cada transação. A nova forma contém a perda das formas primeiras [prior forms], também a perda de seu próprio significado. Isto é o que chamo de provisoriamente de figura retórica [rhetorical figure]”. EISENMAN, Peter. Architecture and the problem of the rhetorical figure. In: NESBITT, Kate (ed.). Theorizing a new agenda for architecture. New York: Princeton Architectural Press, 1996, p.178.

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[site] é tratado como um palimpsesto profundamente arranhado. O contextualismo tradicional é representativo e analítico, tratando o lugar como uma presença física conhecida, como uma idéia cultural determinada contendo significados poderosamente simbólicos e evocativos. O caráter analógico ou retórico, em vez de analítico, deste processo desloca as implicações do lugar de seu significado cultural predeterminado por superpor dois velhos conteúdos para criar um novo. No resultado retórico, oposto à figuração determinada esteticamente, estruturalmente ou historicamente, há a revelação de um texto reprimido. Este texto sugere que há outros significados que são site-specific em virtude de sua pré-existência, no entanto, latente, ao contexto. 85 No projeto de aproximadamente um milhão de metros quadrados para a

Cidade da Cultura da Galícia86, 2000 - em construção (Figura 22), em Santiago

de Compostella, Eisenman explora um índice de superposições, de forças que

partem da relação da obra com a topologia local.

O projeto envolve a superposição de três informações: a planta do centro

medieval de Santiago, um mapa topográfico do sítio de encosta de onde se avista

a cidade e um grid cartesiano. O arquiteto descreve que sua idéia teria sido

superpor o grid cartesiano ao grid existente (orgânico e medieval) – revelando sua

postura de buscar um termo contraditório ao contexto para expor uma dialética.

Através de um programa de computador, a topografia da encosta distorce as duas

geometrias planares, gerando uma nova superfície topológica. O resultado é

produzido por linhas de força que não fazem parte de uma geometria projetiva de

um sujeito.

O arquiteto não lida com o solo como uma informação isolada,

fundacional, cuja estabilidade não pode ser questionada; pelo contrário, para ele o

solo nunca é neutro:

Em Santiago, o solo é agora figurado, e figuras surgem como erupção do solo. Era impossível criar edifícios individuais em Santiago, porque eles deveriam ser parte de uma idéia de landscape única. Se houvesse um ou dois edifícios como talude ou elevação, eles se tornariam objetos expressionistas. Quando são partes do landscape, se tornam algo diferente.(...) Tentamos encontrar uma maneira de capturar na forma algo que não é expressionismo, mas que possui uma densidade e um sentido de camadas de idéias – o que faz com que a informação de turve (blur) e se torne algo diferente – afeto (affect) talvez. Por toda a história, os eventos foram determinados pela diferença entre realidade objetiva e subjetiva. A realidade subjetiva tem a ver com o espetáculo e com a media. Isto implica em

85 Ibid. p.177-179. 86 Seis edifícios são projetados dois a dois: o Museu da História da Galícia e o Centro de Novas Tecnologias, o teatro e centro de visitantes e a Biblioteca da Galícia e o Arquivo de Periódicos. Os percursos de pedestre entre os edifícios levam a uma praça pública envolvida pelos edifícios, paisagismo e elementos de água.

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uma condição passiva do observador. Efeitos no objeto se tornam afetos no sujeito. A media distancia você da experiência. O que a arquitetura faz que a media não faz envolve o corpo, a mente e o olho simultaneamente.87 Contrastando com a cidade medieval - que se localiza ao sul e que segue o

modelo de urbanização “figura” (edifício) e “fundo” (terreno) - o projeto de

Eisenman torna o ‘solo figurado’, como ele mesmo diz. O edifício se torna

topografia: um entre arquitetura e paisagem, um site specific.88

A obra dialoga com o sítio e é realizada parcialmente como um trabalho de

terra, utilizando o próprio terreno. O traçado medieval e a topografia, certamente,

constituem uma referência ao contexto; entende-se perfeitamente que mesmo um

outro projeto, criado através do mesmo método experimental, levaria a um

resultado formal totalmente diverso deste, que é situado.

O arquiteto ainda afirma no trecho acima destacado que, tal como

entendemos a partir da fenomenologia de Merleau-Ponty, as realidades objetiva e

subjetiva constituem uma experiência reversível, possível às artes que exploram a

condição espacial e temporal do corpo; sujeito-objeto como parte da carne do

mundo: o sujeito como parte da arquitetura, a arquitetura como parte do sujeito,

uma arquitetura capaz de produzir afetos.

87 Peter Eisenman. Apud. EISENMAN, Peter. (Entrevista). 88 Site specific é um termo que, na obra de diferentes artistas, assume características particulares. De modo amplo, entendemos uma obra de site specific, como aquela feita especificamente para um sítio, gerada como parte de sua realidade concreta, cujo significado se perde fora de seu contexto.

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2.4.

Entre o conceitual e o fenomenológico, história e experiência

Na década de 1970, preocupado com valorização das idéias que geram um

objeto, o arquiteto Peter Eisenman se lança a um trabalho de arquitetura

conceitual. Seu intuito é propor um novo paradigma: sempre atual, sem história,

sem futuro e sem passado. Esta arquitetura conceitual teria buscado desenvolver

leis formais próprias sem os valores de função, material, lugar ou técnica. Nos

projetos da série de casas, entre elas a Casa III de 1970 (Figura 23), o trabalho

remete ao conceito das possíveis relações decorrentes de sua mutação formal

interna.

Para Eisenman, propor uma arquitetura conceitual significava, como na

arte, uma autocrítica; atendo-se ao projetar, o arquiteto valoriza o desenho como

processo. A obra não seria o resultado finalizado, o bom resultado que atenderia

do melhor modo quaisquer demandas programáticas, mas tão somente o momento

de uma parada arbitrária dentro deste processo, cujas possibilidades seriam

diferenças e multiplicidades; nenhuma delas, melhor ou pior.

Não existe a problemática do papel em branco; o projetar arquitetura se transforma em transpor processos mentais e signos para o papel. Signos formados a partir de um construto intelectual, o que nos dá como resultado uma significação complexa que não se identifica à visão simples, não é retiniana e o olho só pode descobrir com a ajuda de processos mentais relacionados com a linguagem.89 Neste momento, imagina-se que Eisenman tenha assumido uma postura

filosófica mais ligada ao estruturalismo e ao trabalho de Noam Chomsky90,

revelando um completo anti-subjetivismo, descrença na capacidade do homem de

gerar objetos, anti-historicismo e antifuncionalismo. Em projetos posteriores, sua

prática mostra interesse na criação de narrativas que justificassem conceitos, o que

abriu campo à exploração de um caráter ficcional na arquitetura.91 A passagem de

89 PASSARO, La dispersion, p.53. 90 “O método de Noam Chomsky deve muito às linguagens artificiais criadas pelos lógicos e pelos cientistas da computação e à noção estruturalista de que as palavras são, antes de mais nada, símbolos arbitrários, que recebem significado por convenção e pelo contexto sintático”. ROHMANN, Chris. O Livro das Idéias. Rio de Janeiro: Campus, 2000, p.63. 91 No Projeto para Cannaregio, o arquiteto busca tornar o texto, ou a ficção que elabora, uma arquitetura. Escreve “Três textos para Veneza”: “Texto 1: O vazio do Futuro”; “Texto 2: Vazio do Presente”; “Texto 3: O vazio do Passado” que configuram 3 camadas diferentes do projeto. “O

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seu discurso do estruturalismo, com ênfase na linguagem, para o do pós-

estruturalismo92, talvez possa indicar esta mudança de foco.

O caráter ficcional da arquitetura contemporânea tem sido explorado não

só por Eisenman, mas também por outros arquitetos como Rem Koolhaas e

Bernard Tschumi. Uma abordagem específica desta vertente de projetos não é o

propósito da reflexão deste trabalho; por outro lado, o modo como a arquitetura

lida com a questão conceitual, justificando os projetos a partir de narrativas,

interessa-nos ao investigarmos a relação com a história, ou melhor, com as

narrativas sobre o passado e sua relação com presente e futuro.

Buscamos aqui projetos que lidam com um contexto onde há referências à

história ou com programas de espaços que se destinam à memória. Obras que,

entendem a presença do passado como partícipe da relação entre arte e vida e que,

em última instância, demonstram não uma visão historicizada, mas a compreensão

da história como uma narrativa, dentre as muitas possíveis sobre um mesmo

passado, e da qual participam, imbricados, presente e futuro.

Esta visão parece fazer parte do projeto de Eisenman para o Wexner

Center for the Arts, 1983-1989 (Figura 24), na Universidade Estadual de Ohio. A

definição do sítio foi uma decisão fundamental. Ao invés de propor uma área

livre, o arquiteto escolhe um espaço entre os edifícios existentes. Problematizando

a relação com o contexto, propõe uma superposição da trama da cidade, do

campus e mais um par de eixos ortogonais que delimitam um percurso ligando as

áreas da universidade.

vazio do futuro” descreve o projeto de um Hospital, para o mesmo lugar, feito por Le Corbusier: uma construção modular com pátios quadrados, com o qual o novo projeto busca continuidade formando uma malha ortogonal com novos pátios quadrados que possuem níveis diferentes. “Vazios do presente” são estruturas formadas por cubos intrincados que se assemelham a esculturas, sem valor funcional, que por vezes ocupam estes pátios e questionam a escala da arquitetura e o sentido de casa, ou abrigo. “Vazio do passado” é uma linha diagonal no piso, como um corte físico no solo, sugerindo que há algo de subterrâneo que não pode ser suprimido, a memória. Em suas palavras, “em vez de tentar reproduzir uma Veneza existente, cuja autenticidade não se pode reproduzir, este projeto reconhece os limites de ordem historicista, construindo outro de natureza fictícia”. Peter Eisenman. Apud. PASSARO, op.cit. p.111-112. 92 “Movimento intelectual oriundo do estruturalismo e em contestação a ele. O pós-estruturalismo se afasta do estruturalismo principalmente porque nega que os sistemas sociais – inclusive a linguagem e a literatura – tenham estruturas subjacentes estáticas que determinem seu significado, e se concentra, ao contrário, na natureza fragmentada, multifacetada e contraditória das coisas. (...) A desconstrução, que entende um texto como um composto de uma multidão de significados, talvez seja a principal postura teórica pós-estruturalista. Seu maior expoente, Jacques Derrida, rejeitou o método logocêntrico do estruturalismo, argumentando que a linguagem nunca pode transmitir um significado absoluto e, portanto, a interpretação nunca pode ser definitiva”. ROHMANN, op.cit. p.314.

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A extensão do grid da rua da Columbus gera um novo caminho de pedestres para o campo, um eixo leste-oeste em rampa. A maior espinha de circulação deste esquema, uma passagem dupla – uma assíntota que se estende a partir do centro oval do campo – surge do solo e corre norte-sul. Esta passagem – metade recoberta por vidro, metade como um andaime aberto – é perpendicular ao eixo leste-oeste. 93 Este grid – cuja estrutura lembra a obra Cubo Modular Aberto, 1966

(Figura 25), de Sol LeWitt - se estende até o local de torres remanescentes de uma

construção destruída em 1958. Eisenman reconstrói parte delas com aparência

nova e desfuncionalizada.

Fica claro que o arquiteto não pretende reconstituir um sentido de lugar

ligado à história; a obra – entre não-paisagem e não-escultura, se apresenta como

um enunciado fragmentado do passado, parte de uma ficção, ao lado de outra

ficção: o próprio presente.

A dialética que o projeto apresenta não se resolve em uma síntese, mas sim

explora os pólos de diferença como constituintes de uma realidade que o arquiteto

busca evidenciar como multiplicidade.

O arquiteto expõe uma condição de não-arquitetura, ou de não abrigo, do

projeto questionando os próprios espaços destinados à arte:

O cruzamento destes dois eixos não é simplesmente uma rota, mas um evento, literalmente um ‘centro’ para artes visuais; uma rota de circulação através da qual as pessoas devem passar no caminho para outras atividades. Então, a maior parte do projeto não é um edifício, mas um ‘não-edifício’. Andaimes são, tradicionalmente, parte impermanente no edifício. É colocado para construir, repara ou demolir edifícios, mas nunca é um abrigo. Portanto, a simbolização primária de um centro de artes visuais, tradicionalmente o abrigo da arte, não é figurado neste caso. Embora o edifício abrigue, ele não simboliza esta função.94 Temos que exibir arte, mas temos que exibi-la da forma como ela tradicionalmente tem sido exibida, ou seja, contra um pano de fundo neutro? (…) A arte sempre foi crítica da vida, e foi o que lhe deu sua potência, sua poesia. E a arquitetura deve servir a arte, em outras palavras, ser um pano de fundo da arte? Absolutamente não. (…) A arquitetura deve desafiar a arte e a noção de que deve ser seu pano de fundo.95

93 Peter Eisenman. Apud. GRAAFLAND, Arie (ed.), Peter Eisenman: Recent Projects. Amsterdam: SUN, 1989, p.63. 94 Ibid. 95 Peter Eisenman. Apud. NOEVER, Peter (ed.), Architecture in Transition: Between Deconstruction and New Modernism. Disponível em: <www.greatbuildings.com/ buildings/Wexner_Center.html >, p.39.

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Assim define que o centro de artes seria um ambiente minimal,

experimental como a arte que abriga. O espaço central do projeto, ocupado

somente por andaimes e paisagismo, poderia ser descrito como “não-arquitetura”

e “não-escultura”.

Um novo topos é configurado como diálogo com o topos existente, a partir

de um atopos caracterizado pelos andaimes e o espaço de galerias construídas no

subsolo.

Ao mesmo tempo, os novos espaços criam intrinsecamente uma condição

de reversibilidade com a própria arte que poderia ser aproximada da dialética site

e non site de Smithson. A arte minimal exposta na galeria poderia ser considerada

um non site, e a arquitetura experimental de Eisenman, o site. 96

Sobre o sentido de lugar em seus projetos, o arquiteto esclarece:

A idéia de lugar [place] é ao mesmo tempo reforçada e negada. Enquanto novos lugares são criados, a noção tradicional de lugar é cortada porque cada lugar pode se tornar na verdade muitos lugares em um. (...) Nega as idéias tradicionais e privilegiadas de contexto e a presença estética. Reconhece que a ausência é uma condição essencial da figura retórica, mas não a ausência como oposta à presença, mas ausência na presença. Qualquer site contém não somente presenças, mas a memória de presenças prévias e imanências de uma possível presença.97

O próprio trabalho de Smithson, segundo Vidler sugeriria, em termos

espaciais e visuais, uma concepção entre pré-histórico e o pós-histórico, indicando

a reversibilidade entre uma sensibilidade que deseja o futuro-no-presente

(moderna) e a que deseja o passado no presente (historicista). Em suas obras seria

possível identificar um sentido extremo de futuro e de passado, tanto a presença

do galáctico quando do pré-histórico, interesses de uma sociedade fascinada por

“Guerra nas Estrelas” e dinossauros.98

96 Na obra de Smithson, a idéia de site specific está relacionada à dialética site e non-site que o artista entende como um raio de convergência fortuito, uma via de mão dupla. Site: 1) Limites abertos; 2) Seqüência de pontos; 3) Coordenadas externas; 4) Subtração; 5) Certeza indeterminada; 6) Informação dispersa; 7) Reflexão; 8) Borda; 9) Localização; 10) Pluralidade. Non-Site: 1) Limites fechados; 2) Arranjo de matéria; 3) Coordenadas internas; 4) Adição; 5) Incerteza determinada; 6) Informação concentrada; 7) Refração; 8) Centro; 9) Deslocamento; 10) Unidade. TIBERGHIEN, Land Art, p.109. 97 EISENMAN, Architecture and the problem of the rhetorical figure, p.180. 98Também estas imagens são evocadas na competição para a expansão do MOMA de NY nos projetos de Rem Koolhaas e Bernard Tschumi. Em Koolhaas, metáforas biológicas e geológicas evocam a imagem de cidades de luminosidade interestelar como a do Superman. No projeto de Tschumi, o museu se expande reproduzindo os momentos do impacto de um asteróide,

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A característica conceitual de Smithson, como observou Gilles Tiberghien,

seria reunir imagens de domínios variados criando um discurso polimorfo para

seu objeto.99

Em sua já referida obra Spiral Jetty, o mito das correntes marítimas em

espiral constituía uma evidência fenomenológica que se torna material. “A

paisagem é então algo que se atravessa tão bem mentalmente quanto fisicamente,

que não possui sentido de ser nomeada e cuja realidade se clarifica à luz da ficção

que a organiza”.100 O próprio artista observa:

Conceitos e objetos se representam mutuamente, de certa forma em uma coincidência impossível do qual o instante vivido é a ponta mais fina. Este instante inacessível se dilata na história e adquire uma nova dimensão onde o mito, nas profundezas do passado, ou a ciência na extensão do futuro, pode fornecer a coluna vertebral final. 101

Na poética de Smithson a noção de entropia102 é fundamental. Tiberghien

esclarece:

A entropia, para Smithson, é um modelo paradoxal que caracteriza por um lado a inércia, a solidificação e a cristalização, mas também a destruição ou arrasamento. Para ele, a idéia do tempo é ligada à entropia, em que tudo se dá como uma cristalização instantânea e um definhamento interno. Negação do tempo, a entropia caracteriza a imobilidade. Mas serve, sobretudo, para designar a objetivação instantânea que fixa esta fração esta seqüência infinitesimal onde o passado e o futuro refluem no presente.103

Nas palavras do próprio Smithson:

Eu diria que a entropia contradiz a noção usual de uma visão de mundo mecanicista. Em outras palavras, é uma condição que é irreversível; uma condição que avança em direção de um equilíbrio gradual e é sugerida de várias maneiras. (...) Quanto mais informação se tem, maior o grau de entropia, de modo

dissolvendo os edifícios existentes em um “magma” e recombinando os átomos no processo. VIDLER, Warped Space, p.250 et. seq. 99 TIBERGHIEN, Land Art, p.18. 100 “Smithson não modifica verdadeiramente a paisagem, desenvolve suas potencialidades de maneira física – o que tem em comum com os melhores paisagistas – mas também mental, ao produzir blocos de imaginário que contêm sua força sugestiva em reservas arcaicas muito profundas”. Ibid. 101 Robert Smithson. Apud. Ibid. p.146. 102 A entropia é uma noção da termodinâmica que possui dois princípios essenciais: a conservação de energia e a transformação desta mesma energia em força mecânica; aplicada ao universo como um todo, leva ao entendimento que a energia se degradaria de modo constante. TIBERGHIEN, op.cit., p.144. 103 Ibid.

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que uma informação tende a neutralizar a outra. (...) Penso que as coisas somente mudam de uma situação para a próxima, não há retorno.104 Por esta razão, Smithson se preocupa com o fato de os arquitetos

acreditarem possuir o controle sobre suas intervenções. Para o artista, seria

preciso saber lidar com o inesperado e incorporá-lo às obras:

“É muito difícil prever as coisas, todas as previsões tendem a serem falsas.

Planejamento e acaso parecem ser quase a mesma coisa. (...) Arquitetos tendem a

ser idealistas e não dialéticos. Proponho uma dialética de mudança entrópica”.105

O trabalho de Eisenman no Wexner Center parece incorporar este sentido

de dialética que se dá por acumulação, sobreposições e camadas múltiplas.

Smithson ainda alerta: “temos que aceitar a situação entrópica e mais ou

menos aprender como reincorporar estas coisas que parecem feias”.106 Para o

artista, a paisagem entrópica é uma evidência, como fica claro no já referido texto

“Um passeio pelos monumentos de Passaic”.

Assim, como em um processo entrópico, o acontecimento do ataque

terrorista às torres gêmeas nos Estados Unidos foi incorporado ao projeto de

reconstrução do World Trade Center, 2002 (Figura 26), desenvolvido pelo grupo

de arquitetos formado por Eisenman, Richard Meyer e Steven Holl. A proposta é

um grid tridimensional implantado na quadra cujo piso seria uma superfície única,

em vermelho. É um edifício vazado cujas aberturas aludem, ao mesmo tempo, ao

vazio provocado pela colisão dos aviões e, ironicamente, ao futuro, imaginando a

possibilidade de que os aviões pudessem passar através do edifício.

Para Eisenman, o projeto interpreta a memória não como nostalgia, nem se

limita a um gesto simbólico; seria, sim parte constituinte do “tecido” da cidade,

um edifício como os demais, mais uma ficção. Tal como na poética de Smithson,

a memória funciona por estratificação, fragmentos, camadas geológicas. O

edifício seria mais uma camada de memória, à qual pertence o próprio signo do

vazio, da falta.

104 “A geologia também possui sua entropia, em que tudo está gradualmente se esgotando. Talvez haja um momento em que a superfície da terra entrará em colapso, de modo que o processo irreversível será, por um lado, uma metamorfose; assim, será evolutivo, mas não em termos de qualquer tipo de idealismo”. Robert Smithson. Apud. ENTROPY made visible. (entrevista concedida a Alison Sky). In: The writings of Robert Smithson. New York University Press, 1979, p.189-196. 105 Ibid. 106 Ibid.

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Já o projeto vencedor deste mesmo concurso é de autoria do arquiteto

Daniel Libeskind (Figura 27). Sua proposta é um conjunto de edifícios onde um

deles se destaca por estabelecer uma analogia formal com outro monumento da

cidade – a Estátua da Liberdade. O edifício rompe o skyline, como uma evocação

à própria liberdade, assim como o braço da estátua.

Aí reside o diferencial em relação à noção de monumentalidade entre as

duas abordagens: para Eisenman, Holl e Meyer, o novo edifício se ergue como

parte de um tecido que incorpora a memória como um fato espacial: um vazio que

integra o real de uma paisagem cultural, em que o passado, presente e futuro se

mesclam. O indicial surge como espaço negativo, ausência que se faz presença. Já

no projeto de Libeskind, o lugar emerge como uma nova afirmação, que apaga o

passado e ratifica um valor monumental e simbólico, carregado de um juízo moral

não só sobre a liberdade, mas também sobre a própria sociedade americana.

O projeto de Eisenman, Hall e Meyer teria criado um “novo monumento”

nos termos de Smithson; um monumento que já se ergue em ruínas, parte de um

contexto entrópico107. Tudo se passa como se houvesse um campo de forças que

não foi apagado pelo esquecimento, subsiste e se materializa no novo edifício.

Uma questão vem à tona: poderiam os componentes narrativos, e falamos

de leituras da história, serem incorporados à arquitetura tornando-se experiência?

Voltando à questão do vínculo da “carne” e da “idéia” como exposta por

Merleau-Ponty, para quem ninguém foi mais longe que Proust ao fixar as relações

entre o visível e o invisível na descrição de uma idéia que não é o contrário do

sensível, mas que é o seu dúplice e sua profundidade:

A idéia musical, a idéia literária, a dialética do amor e as articulações da luz, os modos de exibição do som e do tato falam-nos, possuem sua lógica própria, sua coerência, suas imbricações, suas concordâncias, e aqui também as aparências são o disfarce de “forças” e “leis” desconhecidas.(...) As idéias de que falamos não seriam por nós mais conhecidas se não possuíssemos corpo e sensibilidade, mas então é que seriam inacessíveis; a “pequena frase” [refere-se à sonata de Vinteuil do texto de Proust], a noção da luz, tanto quanto uma “idéia de inteligência”, não se esgotaram nas suas manifestações e só nos poderiam ser dadas como idéias em uma experiência carnal.108

107 A noção de entropia de Smithson estaria relacionada a um “resultado de uma degradação ligada à exploração incontrolada e selvagem, os sítios pós-industriais são entrópicos, como as paisagens de pedreiras e minas a céu aberto”. Ibid. (tradução da autora) 108 MERLEAU-PONTY, O Visível e o Invisível (1964), p.145.

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Não muito longe do Portal de Brandenburg, em Berlim, está o Memorial

do Holocausto, 2005 (Figura 28), projeto do arquiteto Peter Eisenman. O sítio do

memorial era uma área não ocupada; parte dela era um terreno que foi inutilizado

depois da construção do muro de Berlim em 1961. Os anos de guerra e pós-guerra

não deixaram transparecer os traços da ocupação que o local tivera até 1945, um

parque privado dos ministérios. Desde a reunificação da Alemanha, o local entre a

Pariser Platz e as quadras adjacentes da Potsdamer Platz e da Leipziger Platz se

tornaram áreas importantes do centro da cidade, onde estão vários novos edifícios,

incluindo o Banco DZ de Frank Gehry, o Reichtag de Norman Forster, a

Embaixada Francesa de Christian de Portzamparc entre outros.

Arranjados em grid, aproximadamente 4.000 monolitos de concreto em

cor escura e altura variável se estendem por uma área de cerca de 34.000 m2. Os

blocos possuem 0,95m de profundidade e 2,38m de largura, variando em altura de

0,2m a 4,8m, dando a impressão de um imenso campo ondulado, ou um imenso

cemitério. No subterrâneo há um centro de informações com várias salas, algumas

iluminadas por luz natural, além de uma área para exibições.

Entre a não-escultura e a não-paisagem, a obra é um campo que não

aspira reverenciar um ideal de passado, nem gerar uma expectativa sobre futuro.

Seria uma atopia, uma pura presença, no presente, que se experiencia como

presentness.

O complexo não possui uma entrada fixa, um centro ou uma saída; os

visitantes podem escolher os caminhos que desejam seguir através das passagens

de largura para uma pessoa (92 cm), o que incentivaria uma experiência solitária e

reflexiva. A experiência destes múltiplos percursos pertence ao corpo que se

desloca, e no tempo, apreende o espaço como duração, oportunidade para o

surgimento de uma “idéia sensível”.

Segundo Eisenman, este trabalho toma duas superfícies topológicas, uma

no chão e outra no ar, e conecta seus pontos: “uma presença minimal (...) possui

pouca ou nenhuma iconografia, nada simbólico, e é esta ausência, como o silêncio

do psiquiatra, que irá permitir que as pessoas tenham contato com seus

sentimentos reprimidos”.109

109 Peter Eisenman. Apud. EISENMAN, Peter. (Entrevista).

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Vidler observa que em seus trabalhos, Eisenman explora os processos de

lembrança e esquecimento da própria geração do objeto arquitetônico, convidando

aquele que o percorre a um exercício de memória para desvendar o modo como a

obra foi gerada.110 Mais uma vez, o conhecimento da obra se dá no percurso e,

neste caso, talvez sugira um sentido de passagem interminável que gera um peso

acumulativo, também entrópico.

Parece-nos que ao lidar com o passado como parte de seu programa - em

projetos de museu ou memoriais, por exemplo - as obras contemporâneas

tentariam escapar de se tornarem “escritas” historicizadas, em prol de serem

reconhecidas como partícipes de um campo de tensão, de cruzamento e encontros

de múltiplas referências e narrativas.

O projeto do Museu Judaico, 1999 (Figura 29), de Daniel Libeskind é uma

obra contemporânea afinada com este pensamento; o espaço arquitetônico procura

traduzir como experiência uma narrativa fragmentada, formada por vazios e

apagamentos da memória do povo judeu.

O projeto foi vencedor do concurso para a expansão do Museu de História

de Berlim, mas as expectativas em torno dos debates contemporâneos sobre a

comunidade judaica e o próprio Holocausto o tornaram uma intervenção de maior

importância. O arquiteto, que é judeu, afirma que não havia um programa definido

para o museu o que abriu chance à sua experimentação.

O texto Between the lines111 é uma espécie de descrição conceitual do

projeto pelo arquiteto que assim define:

O nome oficial do projeto é “Museu Judaico”, mas eu escolhi chamá-lo “Entre as linhas”. Eu o chamo assim porque é um projeto sobre duas linhas de pensamento e organização, e sobre relação. Uma é uma linha reta, mas quebrada em vários fragmentos; a outra é uma linha tortuosa, mas continuando indefinidamente.112 O resultado formal do ‘Museu Judaico’ parece ser o resultado da subtração

do ‘Vazio’ (linha reta) do ‘Museu’ (volume a partir da linha tortuosa), como

aparece em um esquema do arquiteto. Em outro esquema, a estrela de Davi é

estendida sobre a “planta irracional” [irrational matrix] da cidade e é cruzada por

mais três linhas que para Libeskind estabeleceriam um conjunto de relações entre

110 VIDLER, Warped Space, p.149. 111 LIBESKIND, Daniel. Between the lines (1998). Architectural Design, n. 67, p. 58–63, out. 1999. (Tradução da autora). 112 Idem.

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a Alemanha e as figuras judaicas. Como esclarece Pasaro, seriam: a do Muro de

Berlim (ainda não derrubado à época do projeto), a do canal de LandwerKanal e a

terceira uma linha imaginária que uniria o memorial Karlsbader ao local onde

viveu Paul Celan, ambos expoentes da cultura judia no pré-Guerra.113

Um segundo aspecto conceitual seria uma música de Schönberg: a ópera

“Moses und Aron” [Moisés e Aarão] que permanece interminada porque,

estruturalmente, a lógica do libretto não poderia ser completada pela partitura

musical. “Ai palavra, palavra vossa de que careço”, Moisés exclama angustiado

quando percebe que Aarão, seu porta voz, teria mal apresentado para o povo sua

idéia de Deus, tendo descrito com palavras e imagens aquilo que não poderia ser

expresso.

Ao final da ópera, Moisés não canta. Ao invés, simplesmente declara ‘o word, thou word’, se dirigindo ao vazio; alguém pode entender a ópera como um “texto”, uma vez que não há mais cantoria, a palavra que falta proferida por Moisés, a chamada ao Trabalho, a chamada à Ação, é entendida claramente. Eu busquei completar a obra de Schönberg arquitetonicamente.114

No projeto, o chamado dirigido aos visitantes seria o de percorrer o museu

e desbravar os caminhos que se apresentam, caminhos vezes interrompidos pela

presença do vazio corporificado, encarnado, talvez como música atonal do próprio

Schönberg. É uma arquitetura que reduz uma narrativa a estratos, percursos

errantes, a partir dos quais cada indivíduo tenta construir uma leitura, uma

história, ou simplesmente, experiencia fenomenologicamente o espaço como

idéia.

As exposições são organizadas ao redor destes vazios e nenhum espaço

expositivo possui forma ortogonal. As paredes são inclinadas, o percurso é

constantemente desviado.

Só é possível entrar no espaço de 10.000 m2 do novo museu através do

subsolo do Museu da Cidade, que é uma construção barroca de 250 anos – o que

sugestiona que a história dos judeus está ligada intimamente à história da cidade.

Neste pavimento há três caminhos não hierarquizados – “liberdade”, “exílio” e

“holocausto” – de sorte que o visitante pode escolher qual deles percorrer. O

113 PASSARO, La dispersion, p.121. 114 LIBESKIND, Between the lines.

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terceiro caminho leva a um vazio escuro onde estão gravados os nomes de suas

vítimas.

O terceiro aspecto conceitual é o interesse de Libeskind pelos nomes e

listas de berlinenses deportados e vítimas do holocausto. Outra referência é o

“apocalipse urbano” descrito por Walter Benjamin na obra “Via de mão única”

[One way Street] que, ao longo do ziguezague, é representado como as 60

“estações da estrela”, passagens que ligam um espaço a outro e levam ao vazio.

Para Vidler, Libeskind não constrói ou modela o espaço, mas é a obra se

ergue a partir dele, configurando uma experiência háptica.115 Um modelo de

experiência que repele a distância visual normal em um colapso ou multiplicação

de pontos de vista. O espaço resulta em um labirinto fragmentado, entre

arquitetura e escultura.

O exterior do museu não é apreensível por um ponto de vista único e os

espaços do interior, impossíveis de serem mapeados, caracterizam uma

experiência ambígua em termos de figura e fundo.

Para Vidler, o vazio na obra de Libeskind revela uma condição de não-

espaço – vida sem espaço, ou o vazio absoluto – uma espécie de informação que

não possui espacialidade e que seria impensável para um sujeito cartesiano. Neste

sentido, nem espaço, nem tempo possuem supremacia. “A narrativa ela mesma, a

temporalidade ela mesma, assim como o espaço, entraram em colapso,

culminando um não-tempo e um não-espaço”.116 E neste sentido, a própria noção

de lugar é questionada, “qualquer lugar é outro lugar”.

A posição antropocêntrica é posta em cheque: o sujeito é

permanentemente colocado em situações de dúvida em função das situações

espaciais configuradas por formas desconexas e no limite da funcionalidade.

Libeskind acredita que, no espaço do museu, não há lógica possível para

as experiências de claro e escuro, forma e espaço, vertical e horizontal. A

experiência da arquitetura seria, para usar os termos de Merleau-Ponty, a de uma

“carne” impregnada de “idéias” às quais o sujeito se torna suscetível sensível e

115 “Abstendo-se da perspectiva ótica tradicional que emoldura a cidade e seus monumentos e reconhecendo a perda da característica da perspectiva na modernidade, a perda da profundidade, a primazia da superfície, a irredutibilidade do espaço plano na imagem moderna, Benjamin, seguindo Riegl e outros teóricos do espaço moderno, encontram alívio no háptico”. VIDLER, Warped Space, p.240. (tradução da autora) 116 Ibid. p.236.

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reflexivamente. Ou seja, o componente conceitual do projeto potencialmente

poderia ser revelado fenomenologicamente nos percursos da própria obra.117

Na paisagem, o museu é um muro: uma linha tortuosa que cruza o terreno

como uma insígnia no tecido urbano, é a marca de uma presença “estranha” ao

próprio entorno, colado ao prédio do museu já existente.

O real penetra no edifício por aberturas estreitas, faixas que na fachada

aparentam cisões, cortes feitos com violência.

Libeskind repensa completamente o programa a que se destina o museu

que é convertido espacialmente em um ‘novo topos’ da memória, cujo resultado é

para cada visitante uma narrativa da história, dentre as possíveis.

Acredito que meu projeto liga a arquitetura a questões relevantes para toda a humanidade. Para este fim, busquei criar uma arquitetura para um tempo marcado por um entendimento da história, um novo entendimento dos museus, e um novo senso de relação entre o programa e o espaço arquitetônico. Deste modo, o museu não é somente uma resposta a um programa particular, mas um emblema da esperança.118

Retomando a questão do ponto de vista da história, esclarece Harvey:

Dada a evaporação de todo sentido de continuidade e memória histórica e o rechaço as metanarrativas, o único papel que resta ao historiador é tornar-se como insistia Foucault, um arqueólogo do passado escavando seus vestígios como Borges o fez em sua ficção, colocando lado a lado no museu do conhecimento moderno.119 E Vidler observa: “o trabalho do arquiteto não seria suspender o tempo na

história, nem retornar a um tempo melhor, mas dispor o espaço de modo que

reconheça sua própria temporalidade ao mesmo tempo em que momentaneamente

consegue a fusão de ambos, uma pausa temporária para reflexão e experiência”.120

117A própria idéia de Libeskind sobre o fazer arquitetônico se relaciona ao que entende como experiência da arquitetura: um percurso que se dá no tempo. “A mágica da arquitetura não pode ser apropriada por qualquer operação singular porque ela sempre já é uma progressão flutuante, elevando-se, voando, respirando. (...) Meu trabalho se volta para uma problemática multidimensional que – ao menos em retrospecto – parece seguir a lógica de um certo caminho (path). É este caminho que constitui o maior engajamento, mais do que qualquer projeto particular nele encontrado. O aspecto estimulante desta trajetória, ao menos para aqueles que nela estão engajados, é que suas metas são desconhecidas e seus fins indetermináveis e incertos. O caminho por si substancia o que é somente imaginado e evidencia aquilo que ainda não foi construído” LIBESKIND, Daniel. Disponível na web: < http://www.daniel-libeskind.com> 118 Ibid. 119 HARVEY, David. A Condição Pós-moderna. São Paulo: Loyola, 1993, p.58. 120 VIDLER, Warped Space, p.242 (tradução da autora).

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3 Paisagem: os limites do racionalismo formal

No informal moderno, reencontra-se talvez, este gosto de instalar-se “entre” duas artes, entre pintura e escultura, entre escultura e arquitetura, para atingir uma unidade das artes como “desempenho” e para incluir o espectador nesse próprio desempenho.1

Gilles Deleuze

3.1 Entre Forma e Anti-forma

No capítulo anterior, a experiência no espaço-tempo do percurso, com

ênfase no corpo e na externalidade foi enfatizada do ponto de vista de um

conhecimento que se dá como atualidade, como “presentness”, tal como

formulado pelo artista Robert Morris. Presentness como “tempo presente da

experiência espacial imediata”, “mudança na avaliação da experiência”; a

consciência de que o “espaço real não é experimentado a não ser no tempo real”.2

No texto Presentness and Being-only-once of Architecture, Peter

Eisenman também desenvolve um conceito de “presentness” que vai além do

entendimento de Morris e incorpora a problemática do significado formal. O

arquiteto acredita que a consciência do termo presentness como agora é uma

evidência da própria experiência espacial arquitetônica – este ponto demonstraria

um dos aspectos através dos quais a escultura teria se aproximado da arquitetura

para realizar, após os anos 1960, sua autocrítica. Nas palavras de Eisenman:

Mais do que qualquer outro termo [presentness] combina tanto a idéia de um tempo em presença, da experiência espacial no presente, quanto, ao mesmo tempo, seu sufixo ‘–ness’ causa uma distância entre o objeto como presença, o que é um dado em arquitetura, e a qualidade desta presença como tempo, que pode ser algo outro que mera presença. 3 O arquiteto continua, agora ampliando a noção de Morris:

Contudo, isto de forma alguma implica em duas outras características da presentness que são: sua qualidade de um algo dado e sua capacidade de submeter este dado, necessariamente, como subversivo. (...) É precisamente uma

1 DELEUZE, Gilles. A dobra: Leibniz e o Barroco. 2.ed. Campinas, SP: Papirus, 2000, p.206. 2 Cf. p.41 e 46. 3 EISENMAN, Peter. Presentness and being only-once of Architecture. In: Deconstruction in America. NY:NY University Press, 1995, p. 140. (tradução da autora)

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subversão do tipo, da norma e do pensamento que julga natural relacionar ícone e instrumento que cria a condição de being-only-once da arquitetura.4 O arquiteto cita como exemplos de presentness, a Biblioteca Laurenciana

de Michelangelo – que até hoje não teria sido absorvida como um tipo, mantendo

seu being-only-once e sua presentness; a Capela de Ronchamp de Le Corbusier

que teria subvertido a iconicidade, mas mantendo a instrumentalidade ou função

ligada à noção convencional de uma igreja; o Monastério de La Tourette, também

de Corbusier, que teria conseguido realizar a subversão de ambos; e, finalmente, o

seu projeto, já citado neste trabalho, o Wexner Center, que subverteria tanto a

iconicidade quanto a instrumentalidade de um museu.

O desconstrutivismo, em sua tentativa de deslocar os tipos, signos,

estruturas e morfologias do racionalismo, como descreve Eisenman, pretende

liberar a arquitetura de sua “condição natural” identificada com o clássico.

Para propor uma desconstrução em arquitetura é necessário ultrapassar a dominância da ‘presença’ [como metafísica] (...) A arquitetura não pode meramente retornar à dialética da metafísica da presença nem retornar ao niilismo que nega a presença. Presentness é um termo alternativo que não força uma escolha entre os dois.5 Uma parede em arquitetura não está somente sustentando algo, ela

também simboliza o ato de sustentar, diz Eisenman. Acrescenta que quando

Vitrúvio usou o termo firmitas em seu clássico tratado não quis dizer que um

edifício deveria ficar de pé (embora, necessariamente, deva ficar), mas que ele

deveria parecer estar de pé.6

Por esta razão, o arquiteto defende, ao lidar com a questão da forma, a

subversão da relação entre instrumentalidade (tipo) e iconicidade7 (ícone) -

embora entenda que é impossível dissociá-los completamente - para questionar o

que chama de “verdades naturais” da arquitetura: a coluna, o arco, o pedestal etc.8

Eisenman tenta desvincular a arquitetura de quaisquer significados a

priori. Nas já referidas investigações de suas casas9, o arquiteto parte do cubo e o

desconstrói sucessivamente, gerando múltiplas possibilidades formais; o

4 EINSEMAN, Presentness and being only-once of Architecture, p. 141. 5 Ibid. p.144. 6 Ibid. 7 Para Robert Venturi, a abstração moderna no século XX eliminou a comunicação pela iconografia. RELEARNING from Las Vegas, p.150-157. 8 EINSEMAN, Blue line text, p.49. 9 Cf. p. 55 e Figura 23.

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“resultado final” da forma não seria a “boa forma”, ou a boa gestalt, mas tão

somente uma “parada aleatória” no processo de “projeto” – é o questionamento do

sujeito criador arquiteto.

É desperta uma “frivolidade” dos elementos arquitetônicos isto porque um

“pilar” não necessariamente sustenta: a forma-pilar se desvincula da representação

de um conteúdo. Cada possibilidade de casa, não é uma composição formal que

significa equilíbrio, ordem, proporção; seria um “only-once” formal, uma

presentness que reverte as noções de tipo e ícone da “casa” e de seus elementos.

No âmbito da escultura, Robert Morris elaborou a idéia de uma anti

forma10 da escultura – anti forma da gestalt, distanciada de qualquer idealismo

formal: um resultado que, como processo, se dá e se transforma no real. Para

formular este conceito Morris parte da action painting de Jackson Pollock11 e usa

como exemplo seus próprios feltros dispostos no chão e as soft sculptures de

Oldenburg; isto porque a anti forma revelaria um questionamento da idéia de

“projeto” dentro das noções de razão, composição, equilíbrio e proporção, além

do próprio sujeito do artista.

Morris descreve que as telas de Pollock resultam do fato de que “suas

formas não são um a priori de seus meios” e afirma: “a forma não se perpetua

pelos meios, mas pela preservação de fins idealizados.12

Uma declaração do arquiteto Frank Gehry revela de que modo o processo

de Pollock teria fronteiras com sua prática arquitetônica:

“Há uma imediatidade na pintura (...) A gente sente como cada pincelada

foi traçada (...) eu queria ver o que mais se pode aprender com as pinturas. Em

particular como construir um prédio que parecesse ainda estar em processo”. 13

10 MORRIS, Anti Form (1968). 11 Os primeiros arquitetos a referenciarem seus projetos diretamente a Pollock foram os ingleses do grupo inglês Team X cujas formas de cluster ou cacho teriam inspiração na liberdade formal do dripping. O grupo, em 1956, formado pelos arquitetos Alison e Peter Smithson, com Aldo van Eyck, Bakema, Candilis reagia ao racionalismo e funcionalismo da Carta de Atenas e dos CIAM (Congressos Internacionais de Arquitetura Moderna e teria buscado implementar propostas alternativas de urbanismo pautadas no homem real das ruas com o objetivo de “devolver a cidade a seus habitantes”. Dentre as propostas, “a rua corredor externa e aérea, formas novas de associação volumétricas, formas abertas, acopláveis para estruturação do crescimento, aproximando-se assim dos metabolistas japoneses, das propostas do grupo Archigram e de todas utopias tecnológicas.” FUÃO, Fernando Freitas. Brutalismo, a última trincheira do movimento moderno. Revista Vitruvius, texto especial n. 036, dez. 2000. Disponível em: <http://arquitextos.com.br/ arquitextos/arq000/esp036.asp.> 12 MORRIS, op.cit. p.44. 13 Frank Gehry. Apud. STUNGO, Naomi. Frank Gehry. São Paulo: Cosac & Naify, 2000.p.14.

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De fato, o experimentalismo formal na arquitetura tem buscado não se

identificar com estilos e formas a priori, atingindo resultados que não derivam de

uma lógica espacial pré-definida nem de um comprometimento com idéias de

centralidade, hierarquia, composição ou normas de equilíbrio e proporção.

Poderíamos supor que a anti forma da escultura buscaria subverter a

“forma pura”, seja ela uma representação ou uma abstração. Deste modo, a idéia

de processo como latência a um resultado plástico final deve ser ressaltada; por

esta razão, nos cabe retomar os “caminhos da escultura moderna” de Krauss,

partindo de Rodin.

Entre a arquitetura e a escultura, A Porta do Inferno,1880 (Figura 1), do

célebre escultor traz à tona, nas palavras de Krauss, “o ensinamento de que a

experiência parcial do objeto externo já é plenamente cognitiva e que o próprio

significado desponta no mundo simultaneamente com o objeto”.14 Rodin teria

desperto no observador a percepção da obra como resultado de um processo que

deu forma à figura ao longo do tempo “dobrando e desdobrando” o espaço.

Nas Guitarras de Picasso, 1912-15 (Figura 2), um sentido táctil é exposto,

não apenas pela inclusão do espaço real que se torna espaço escultural, mas

também pelo uso de variados recursos pictóricos, buscando a diferenciação. Bruno

Reichlin observa que os relevos do artista seriam um “arranjo arbitrário e pedaços

heterogêneos que geram formas com uma ou mais referências externas: guitarra,

cabeças entre outros; ao contrário do purismo, em que, imediatamente, se

reconhecem os ícones arranjados de modo que o resultado se torna um “todo”

constituído de puros valores formais, sem referenciais externos.15

Segundo Yve-Alain Bois, Picasso articulou o espaço vazio como signo

positivo, não por sua substância, mas por sua relação de oposição a todos os

outros signos em um dado sistema.16

Como descreve Krauss, nestas obras a organização das partes se estabelece

em uma lógica imanente à superfície do objeto, justamente o que definiria um

objeto não idealizado, mas externalizado: não há “um centro ideal que podemos

14 KRAUSS, Caminhos da Escultura Moderna, p.65. 15 REICHLIN, Bruno. Jeanneret – Le Corbusier, Painter Architect, p.212. 16 BOIS, Yve-Alain. Cubistic, Cubic, and Cubist. In: Architecture and Cubism. Cambridge: MIT Press, p.191.

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ocupar intelectualmente para conferir a um objeto um significado que transcende a

percepção que temos dele”.17

Esta característica poderia ser destacada na obra de Le Corbusier, como

propôs Bois no ensaio Cubistic, Cubic and Cubist, e também em inúmeros

projetos desconstrutivistas, entre eles o Museu Guggenheim de Bilbao de Frank

Gehry que iremos abordar adiante. O sentido se realiza na externalidade, em uma

situação engendrada no tempo e no espaço, cujo resultado formal demanda uma

multiplicidade de pontos de vista para que dele se extraia uma compreensão – o

objeto não possui um significado a partir de um centro ideal, o que torna

fundamental o lugar do espectador.

Os Relevos de Canto de Tatlin, 1917 (Figura 3), teriam como resultado

estruturas onde não haveria dentro e fora; onde a forma resultante seria uma

função do posicionamento de cada uma das partes em relação ao real – as paredes

– e do próprio material de que são constituídas as peças, fletidas pela ação da

gravidade, pelo seu próprio peso específico. A obra supera toda representação

para tornar-se parte da própria experiência viva: luz, peso, características físicas

dos materiais e do lugar onde se inserem em prol de um resultado abstrato.18

A definição de “construção” de Tatlin como “produto da força dinâmica

resultante das suas relações”19 nos faz crer que novas relações, em externalidade,

levam a formas outras. Esta idéia, por oposição a de composição20, traduz um

modo dinâmico de agir pelo material, elabora a organização dos elementos

concretos e reais - a cor, a textura, a massa e a pincelada ou técnica de tratamento

- do próprio material e também do espaço.

Por esta razão, poderia se supor uma relação da arquitetura suprematista de

Malevitch (Figura 4) com a geração contemporânea de desconstrutivistas. Em

17 KRAUSS, Caminhos da Escultura Moderna, p.65. 18 O Construtivismo russo levará adiante as relações entre objeto e espaço real quando declarar que pintura e escultura, porque também são consideradas ‘construções’ devem utilizar os mesmos materiais e procedimentos técnicos da arquitetura. A forma, emancipada da representação pela abstração, tem o poder de conferir uma nova identidade ao projeto de sociedade da revolução soviética: não mais se vive em perspectiva, o homem se emancipa porque participa, como contemporâneo, do processo de construção de sua realidade. Não há hierarquias, não há pontos de vista privilegiados. O cidadão percebe o mundo como transformação, um dinamismo de relações que leva ao progresso. 19 MARTINS. Luiz Renato. O debate entre construtivismo e produtivismo segundo Nicolai Tarabukin. Revista da Escola de Comunicação e Artes. São Paulo: USP-SP. p. 57-71, ano, p.66. 20 Segundo Tarabukin, a composição se refere a uma atitude de contemplação passiva, diz respeito ao momento da representação e engloba elementos ilusórios da pintura como efeitos volumétricos, de profundidade, temporais de caráter rítmico e de luminosidade a partir do uso da cor. Ibid.

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ambos não é possível identificar um centro ideal compositivo ou um sentido

relacional que se valide como ordem, hierarquia, simetria, razões proporcionais;

há sim a revelação de uma “complexidade” intrínseca.

Esta noção de complexidade está presente na compreensão de Robert

Venturi quando defende o compromisso dos arquitetos com o “todo difícil” - cuja

premissa seria a liberdade artística e a não objetividade; questão que poderia

também ser desdobrada a partir do modo de conhecimento processual da

experiência pitoresca, tal como desenvolvida no capítulo anterior. Já foi citado:

“no edifício ou na paisagem urbana validamente complexa, o olho não quer ser

satisfeito facilmente demais, ou rapidamente demais, em busca de unidade num

todo”.21

A complexidade seria uma característica marcante do projeto do arquiteto

Bernard Tschumi para o Parc La Villette, 1982 (Figura 5), Paris. Particularmente,

destacam-se as folies, pavilhões dedicados ao lazer e serviços, implantadas

segundo um grid ortogonal, este superposto a avenidas transversais e a um

terceiro plano topográfico, criando “entre” espaços, momentos dinâmicos.

Cada folie, estruturas metálicas completamente pintadas de vermelho,

explora diferenciadas variações formais a partir de um ‘cubo’, definindo linhas,

planos e volumes que problematizam o limite interior e exterior, objeto e

paisagem. As folies revelariam um sentido de presentness tal como exposto por

Morris porque é possível percorrê-las e, a partir da dinâmica que instauram,

perceber como passagem a paisagem do próprio parque. Diferentemente do ponto

de vista clássico que possibilita conhecer de imediato um objeto como um todo,

tanto o parque como as folies, são desvendados, no percurso, através de pontos de

vista múltiplos. As folies são um entre escultura e arquitetura.

Para Tschumi “a arquitetura tem que lidar com movimento e ação no

espaço”.22 A dinâmica resultante deve se refletir em uma performance livre

também do indivíduo, da relação de seu corpo com a arquitetura, através do

percurso.

O parque é uma tentativa sofisticada de desviar formas ideais. Ganha força transformando cada distorção de uma forma ideal em um novo ideal, que depois é distorcido. Com cada nova distorção, mantêm-se os traços do ideal anterior,

21 VENTURI, Complexidade e Contradição em Arquitetura, p.147. 22 SCHULZ-DORNBURG, Julia. Arte y Arquitectura - nuevas afinidades. Barcelona: Gustavo Gili, 2000, p.17.

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produzindo-se uma arqueologia convolutiva, uma história de sucessivas idealizações e distorções. Deste modo, o parque desestabiliza a forma arquitetônica pura.23 É possível identificar no próprio texto de Tschumi a tensão entre forma e

anti forma. O processo é, ao mesmo tempo, uma desconstrução da forma pura e

um reelaborar formal, decerto não uma composição racional.

Nas palavras de Jacques Derrida, as folies são “estruturas abertas a

substituições combinatórias ou mudanças que se relacionam tanto com outras

‘futilidades’ quanto com suas próprias partes” que “des-constroem a semântica

pertencente à arquitetura”, esta definida também por ele como um “construir

habitado”.24 Assim, as folies revelariam presentness no sentido proposto por

Eisenman.

O trabalho de Frank Gehry no final dos anos 1970 e início dos 1980 possui

um caráter bastante experimental não só do ponto de vista formal, mas em função

do uso de materiais simples, baratos, cotidianos que finalmente geraram uma nova

estética em seu trabalho, também subvertendo a ‘condição natural’ de habitar.

De fato, na casa que construiu para sua própria moradia na Califórnia,

1978 (Figura 6), Gehry une várias superfícies de materiais diferentes formando

um conjunto não relacional e heterogêneo – chapa de ferro ondulada, rede de

arame, placas de compensado - que gera uma extensão mais parecida com uma

solução provisória muito contrastante com a casa original, típica dos subúrbios

americanos.

Contraste com o entorno, complexidade e presentness são características

deste trabalho. Talvez como Jasper Johns, o arquiteto uniria a liberdade de Picasso

e a ironia de Duchamp, expressando um somatório “caótico” que questiona o belo

e o feio. Como observa Naomi Stungo, durante os cinco anos da obra, setenta por

cento dos vizinhos se mudaram, isto porque o resultado é “rude”: “utilizando o

material do canteiro de obra ele envolveu a parte externa do imóvel com uma

nova pele, uma áspera e desajeitada, camada angular por trás da qual ainda se

podia ver o que restava do original ‘bonitinho’”.25

23 Bernard Tschumi (1988). Apud. JODIDIO, Philip. Novas formas a arquitetura dos anos 90. Köln: Taschen.1997, p.20. 24 GÖSSEL, Peter et LEUTHÄUSER, Gabriele. Arquitetura no século XX. Köln: Taschen, 1996, p.359. 25 STUNGO, Frank Gehry, p.15.

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A atitude de Gehry foi iconoclasta: quis dar à construção original também

a aparência de obra, tirando quase todo o reboco das paredes, desmanchando o

teto do primeiro andar e criando um grande sótão.

Talvez como a fascinação de Smithson pelos sítios entrópicos e pelas

escavações, para Gehry os edifícios em construção parecem mais interessantes

que os acabados. Deste modo, imagina que o caminho do processo, do não-

acabado, possa levá-lo a resultados para além da caixa arquitetônica. Nas palavras

do arquiteto:

Eu estava preocupado em conservar o ‘frescor’da casa. Muitas vezes este frescor se perde – nas [casas] com acabamento excessivo, a vitalidade desaparece. Eu queria evitar isso dando ênfase à sensação de que os detalhes ainda estavam em processo: de que a construção não terminou. O edifício acabado tem segurança e é previsível. Eu queria experimentar uma coisa diferente. Gosto de brincar à beira do desastre.26 Gehry, tal como veremos na obra Partially Buried Woodshed27 de

Smithson, promove uma condição de reversibilidade entre os termos figura e

fundo questionando a gestalt do objeto. Seu interesse neste projeto não é atingir a

“boa forma” e, neste aspecto, o resultado muito se aproxima de uma anti forma.

Como afirma Morris, para a Minimal, “a invenção de formas não é uma

questão”,28 e é justamente por esta razão que obras como seus próprios feltros,

trabalhos da década de sessenta (Figura 7), poderiam ser aproximadas de uma

arquitetura que nega cânones, ideais e regras formais, seja uma desconstrução,

uma topologia ou um blob. Estas obras sugeririam um entre não-arquitetura e

não-escultura.

Extremos da não-representação, do não-design da forma, da não-gestalt, os

feltros de Morris pretendem atingir o “não-ser”, o vazio de conteúdo, sem

referência, sem forma – a anti forma, quando o valor da intervenção seria

justamente não ter intenção.

Para Morris, esta arte “usa seus meios e seus fins, coisas e substâncias em

muitos estados e julga que as imagens não são mais necessárias ou possíveis.

Unindo-se a esta compreensão está o acaso, a contingência, a indeterminação –

26 Frank Gehry. Apud. STUNGO, Frank Gehry, p.16. 27 Cf.p.79. 28 MORRIS, Anti Form (1968), p.41.

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em resumo, todo o processo. Meios e fins se unem de um modo não antes

observado na arte.29

E continua diferenciando a anti forma das estruturas minimalistas cúbicas:

Chegar a uma forma cúbica ou retangular é construir o mais simples, de maneira mais razoável, mas também construir bem. O imperativo pelo objeto bem construído resolveu alguns problemas. (...) A solução descartou todos os materiais não rígidos. Esta não é a história completa do que se chama Minimalismo. Obviamente, não estamos falamos do uso puro de esquemas repetidos e de ordem progressiva elementos de trabalhos constituídos por múltiplas unidades. Mas a racionalidade destes esquemas se relaciona às razões do bem construído. O que se torna problemático nestes esquemas é o fato que qualquer ordenação para múltiplas unidades é imposta e não tem nenhuma relação com a fisicalidade destas unidades.30

No caso da anti forma, há uma desconexão entre uma subjetividade

racional e o processo formal da obra, quando o resultado é função de uma relação

abertura ao real. Nas palavras de Krauss, “o próprio termo minimalismo aponta

para a idéia de uma redução da arte a um ponto de vacuidade, a exemplo de outros

termos, como o ‘neodadaísmo’ e ‘niilismo’, utilizados para caracterizar as

obras”.31

Esta característica é bem compreendida através dos já citados feltros do

artista que são largados, amontoados, criando uma topologia informe. O uso de

materiais maleáveis e um modo de ‘construção’ através de métodos não racionais,

seria o que aproximaria estes trabalhos das investigações da arquitetura

contemporânea. Este experimentalismo levaria à arquitetura ao questionamento da

iconicidade e da instrumentalidade da forma arquitetônica, como desejava

Eisenman.

Este arquiteto faz uma dura crítica à arquitetura Moderna, defendendo que

a arquitetura não fora liberta da representação, continuaria sim ligada a uma

concepção clássica que coloca a própria razão como idealidade. “A tão

proclamada ruptura do Modernismo foi ilusória: ele sempre deu continuidade à

tradição clássica. Apesar de as formas serem realmente diferentes – o modo pelo

29 MORRIS, Robert. Notes on Sculpture, Part 4. In: __________. Continuous Project Altered Daily: the writings of Robert Morris. Cambridge, Massachusetts: MIT Press, 1993. p.67. 30 MORRIS, Anti form, p.41. 31 KRAUSS, Caminhos da Escultura Moderna, p.304.

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qual ganharam significado ou representaram seu significado real – derivaram da

tradição da arquitetura”.32

O Moderno, a exceção das obras citadas pelo próprio arquiteto, como já foi

dito, não teria alcançado o sentido de presentness que hoje a arquitetura

contemporânea buscaria através do experimentalismo formal, subvertendo a

relação entre ícone e tipo.

Cumpre-nos a ressalva de que embora a arquitetura Moderna seja quase

sempre associada a um caráter compositivo racional, há muitas conquistas

espaciais e formais de Le Corbusier, Rietvelt, Mies van der Rohe e Gropius que

são desdobradas pela arquitetura contemporânea: as formas como elementos

plásticos, a planta livre e a promenade que evidenciam a questão da experiência

espaço-temporal e a transparência fenomenal33.

Sem dúvida, é o termo externalidade de Krauss que abre mais portas para

as relações entre arquitetura e escultura, entre a forma e anti forma, entre o

contemporâneo e o Moderno (ele mesmo nos limites do clássico e do romântico).

Destaca-se o esfacelamento do objeto34 em função da apreensão da obra

não como uma experiência instantânea, do fato de o trabalho não ser autônomo ou

independente em relação ao real ou ao que está em torno e ainda sua dimensão

espaço-temporal complexa. Mais ainda, em se tratando de obras cujo resultado

formal é influenciado pela ação das “forças”, fluxos do real ou de um contexto.

Talvez não seja muito preciso usar, estritamente, a noção de anti forma de

Morris em arquitetura, e sim, preservar a tensão entre forma e anti forma. Isto

porque, em cada caso, cabe um questionamento dos limites da ação projetual do

sujeito arquiteto. A noção de Morris salienta bastante a importância dos meios no

processo que resulta na obra: o dripping no trabalho de Pollock e a influência da

materialidade no caso dos seus feltros e das soft sculptures de Oldenburg.

O arquiteto e teórico Bernard Tschumi destaca: “Deve-se notar que os

desenhos arquitetônicos são um modo de trabalho, um modo de pensamento sobre

arquitetura. Por sua natureza, normalmente se referem a algo fora deles mesmos

32 EISENMAN, Blue Line Text, p.49. 33 Sobre a transparência fenomenal, ver ROWE, Colin. Transparência literal e fenomenal. Gávea: Revista semestral do Curso de Especialização em História da Arte e Arquitetura no Brasil, Rio de Janeiro: PUC-RJ, Set. 1984. (Artigo de 1955/56). 34 Cf.p.2. (Citação de Robert Morris).

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(diferentemente dos desenhos de arte que se referem somente a eles mesmos, à

sua própria materialidade e meios)”.35

É certo que nas elaborações desconstrutivas, nas topologias e blobs há uma

franca oposição ao caráter da forma pura, em que o indeterminado ou o não-

racional é incorporado ao processo de concepção: tratar-se-ia, para diferenciarmos

do termo anti forma de Morris, do aformal como usado pelo historiador Anthony

Vidler ou do próprio informe.

3.2 Dobras e desdobras da materialidade real

É preciso colocar o mundo no sujeito, a fim de que o sujeito seja para o mundo.36 Gilles Deleuze

O questionamento da natureza do espaço arquitetônico está presente no

trabalho House, 1993-94 (Figura 8), da artista Rachel Whiteread. A obra é uma

modelagem do espaço interior de uma casa da zona leste de Londres – a última de

um conjunto de casas a ser demolida para dar lugar a um parque. Entre não-

escultura e não-arquitetura, o espaço emerge como presença física impenetrável,

negando a possibilidade de quaisquer fluxos em seu interior. Portas, janelas, lajes

e telhados aparecem como entalhes em grandes blocos de concreto. Vestígios do

real, marcas, restos de pintura e papel de parede são fragmentos da vida, do tempo

e da memória da última de uma série de casas que foram demolidas no subúrbio

fabril.

Há um embate com o sentido de espaço a ser percorrido, utilizado,

experimentado, vivenciado – o espaço desta obra é uma massa que aprisiona.

Segundo Vidler, “o simples fato de preencher o espaço, de fechar o que era aberto,

35 TSCHUMI, Bernard. Architecture and Limits I. In: NESBITT, Kate (ed.). Theorizing a new agenda for architecture. New York: Princeton Architectural Press, 1996, p.153 (tradução da autora). 36 DELEUZE, A dobra: Leibniz e o Barroco, p. 51.

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naturalmente, se opõe ao dogma de planejamento de mais de um século, que julga

o [espaço] aberto melhor, senão absolutamente bom”.37

A questão da massa está profundamente relacionada ao modo como a

arquitetura lida com a concepção de espaço. O que é o espaço? A arquitetura é o

envoltório do espaço? A arquitetura é o espaço?

Podemos afirmar com a história da arquitetura que o conceito de espaço

surge como um paradigma na modernidade arquitetônica:

O espaço se movia, era fluido, aberto, cheio de ar e luz; sua presença era o remédio para os ambientes impactados pela cidade velha; mensageiro moderno da imagem iluminista de higiene e liberdade. Para a maioria dos arquitetos modernistas, o espaço era universal e, para tal, fluiria igualmente nas esferas pública e privada.38

Em House, a condição de massa sólida revela a resistência, o atrito da

arquitetura como um limite entre o público e o privado, fronteira intransponível.

Talvez com uma certa nostalgia do espaço fluido da modernidade, a obra

representa o limite da liberdade característico dos espaços corporativistas

fechados, do capital institucionalizado39 que criou na paisagem contemporânea

uma separação rígida entre estes domínios.

O rompimento do limites de envoltório, da estrutura e da massa

arquitetônica como propõem os trabalhos desconstrutivistas demonstraria uma

postura reacionária em relação a esta rígida separação.

Segundo a definição do arquiteto e teórico Bernard Tschumi: “a

materialidade da arquitetura está em seus sólidos e vazios, suas seqüências

espaciais, suas articulações, suas colisões”.40

37 VIDLER, Warped Space, p.144 (tradução da autora). 38 Ibid. p.143. 39 “Surrealistas, Situacionistas e mais tarde os desconstrutivistas cultivaram a noção de um campo oposto, parte introjetado, parte projetado, que através da força de suas rupturas e disjunções forçarão a abertura do vazio corporativista hermeticamente fechado. Os experimentos do expressionismo e construtivismo, os biomorfismos do surrealismo, o informe radical de Bataille (recentemente revivido sob o signo de blob amorfo) ofereceram vocabulários formais para se opor ao campo hermeticamente fechado do business. Ao mesmo tempo, teóricos do espaço tentaram imaginar um campo que potencialmente seria restituído ao público – ou ao menos garantir abrigo das forças dominantes do capital institucionalizado. Lefebvre fala de um ‘direito à cidade’ social, Foucault das ‘heterotopias’, Deleuze e Guattari dos ‘nomadismos’ encontraram modos diferentes de caracterizar ‘espaços outros’ não imaginados ao menos em termos de gênero e identidade pelos primeiros modernistas”. Ibid. p.207-208. 40 TSCHUMI, Bernard. Architecture and Limits II. In: NESBITT, Kate (ed.). Theorizing a new agenda for architecture. New York: Princeton Architectural Press, 1996, p.159.

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O trabalho de Smithson, Partially Buried Woodshed, 1970 (Figura 9),

parece-nos uma espécie de manifesto material do que Peter Eisenman defendia

como subversão da “condição natural”41 da arquitetura e talvez pudesse ser

descrito como uma experimentação espacial desconstrutiva.

Nos termos de Krauss, a obra é um entre a paisagem e a arquitetura. O

artista despeja com uma draga uma enorme quantidade de terra por sobre uma

casa existente em um terreno pertencente à Universidade de Kent, Ohio, até que

uma viga central cedesse, quando o conjunto, em parte, desmorona.

Para Gilles Tiberghien, o trabalho aponta uma nova dialética interior e

exterior porque “ao enterrar a arquitetura, Smithson não somente produz uma

ruína, mas cria também uma escultura que manifesta as questões internas entre a

forma e a não-forma, a massa e a estrutura, a inércia e a não resistência”.42

A massa de terra e de construção em ruínas é evocada em sua potência

estética. A força da gravidade, atuando como peso, é capaz de transformações não

“planejadas” no objeto, o que nos remeteria ao relevo de canto de Tatlin, quando a

própria natureza dos materiais utilizados, em função da gravidade, acabava por

definir o resultado formal final do conjunto.

Construtivistas43, desconstrutivistas e os arquitetos contemporâneos que

investigam as novas topologias demonstram interesse na incorporação do espaço

real à materialidade arquitetônica. Os experimentos plásticos que Vidler chama de

“warped spaces” seriam distorções do campo preparado pelo modernismo em

relação à prática espacial, colocando o objeto cartesiano em risco e gerando

experimentos com geometrias complexas e novas linguagens formais, arquiteturas

que poderiam ser referenciadas à noção de dobra.

Em sua woodshed, Smithson lida com a arquitetura como uma

materialidade única, constituída por envoltório e espaço, que literalmente

41 Cf. p.68. 42 TIBERGHIEN, Robert Smithson: une vision pittoresque du pittoresque. (tradução da autora) 43 Os construtivistas russos teriam imaginado formas de ocupação desurbanizadas, anodais, seguindo um princípio de máxima liberdade e velocidade de comunicação; não formas estáticas dos edifícios, mas flexíveis e capazes de atender às mudanças sociais. Segundo a visão do sociólogo construtivista Okhitovich, a solução para equacionar as populações urbanas e as atividades econômicas seria não o princípio de “crowding”, mas de máxima liberdade, facilidade e velocidade de comunicação. Como nos explica Cook, a relação com os desconstrutivistas estaria também em uma preocupação conceitual nos projetos. Em russo, há dois termos para a palavra construção: stroitel e konstruktsia - esta é uma preocupação com a estruturação de idéias e argumentos, uma categoria intelectual; aquela é a obra no sítio, que representa a realidade material. COOK, Russian Precursors.

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“afunda” no real. Aqui a arquitetura não é somente espaço, a arquitetura não é

somente envoltório, ela é um entre, seria um espaço dobrado.

A dobra, “potência como condição da variação”, 44 tal como descrita por

Gilles Deleuze foi incorporada no discurso de muitos arquitetos contemporâneos,

entre eles Peter Eisenman, como esclarece Otília Arantes:

Um espaço desdobrado constrói uma nova relação entre os pares de opostos clássicos (horizontal/vertical, figura/fundo, interior/exterior) em que o enquadramento e a projeção planimétrica cedem lugar à modelação temporal e à curvatura variável. Assim o espaço tradicional da visão viria modificado. Passar-se-ia do espaço da presença, o espaço efetivo, para o afetivo, sem que, pretende Eisenman, tenha sido substituído por uma expressão subjetiva, mas para algo que estaria além da racionalidade clássica, o não visto.45 Rejeitando a idéia newtoniana de que a matéria é estática – um passivo

recipiente de forças – os arquitetos teriam buscado a exploração de formas que

não resultassem em espaços cartesianos ideais, mas sim, que se aproximassem da

própria imagem da dobra, um entre, ao mesmo tempo, limite e abertura. Uma

arquitetura que, no espaço e no tempo, constitui uma dinâmica da qual participam

estrutura e fechamento, superfície e espaço, interior e exterior, como constituintes

de uma mesma materialidade real, estabelecendo relações ambíguas, não como

pares de opostos.

Vidler esclarece:

Designers e teóricos tem interpretado o modelo deleuzeano como um convite para uma interpretação literal da dobra como envelope, uma curvatura complexa de pele, que tende a ignorar em vez de privilegiar o interior. (...) A dobra de Leibniz está em contínuo movimento, envolvendo dobras existentes e criando novas (...). Como um mecanismo interior que, por um lado, reflete o exterior e representa as forças do interior, é mais um dispositivo mediador, um instrumento espacial, do que um objeto que sofre a ação de um lado e de outro. A natureza do espaço de Leibniz é crucial; espesso e cheio, continente e conteúdo, ele não reconhece distinções entre sólido e vazio e, portanto, não reconhece distinção entre o dentro e o fora de uma dobra.46

A dobra, portanto, é um conceito que descreve uma natureza espacial.

Poderíamos talvez interpretar os relevos de Picasso como dobras, assim como os

relevos de canto de Tatlin. O próprio trabalho de Pollock é descrito por Deleuze

44 DELEUZE, A dobra: Leibniz e o Barroco, p.58-9. Deleuze esclarece que a noção de dobra está presente na filosofia de Parmênides a Heidegger e é central na figura do leque para Mallarmé. 45 ARANTES, O lugar da Arquitetura depois dos Modernos, p.89. 46 VIDLER, Warped Space, p.224-225. (tradução da autora)

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como uma “dobra all over”.47 A Minimal é citada pelo mesmo autor como um

entre escultura e arquitetura, como uma “unidade extensiva” “na qual a forma já

não limita um volume, mas abarca um espaço ilimitado”; 48 também os feltros de

Morris e as embalagens de Christo são descritos como obras possíveis de serem

interpretadas como dobras.49

Procuraremos observar de que modo o conceito de dobra pode ser

associado às noções de externalidade e experimentalismo na arquitetura

contemporânea.

No Centro de Arte Contemporânea de Roma, projeto de 2000 (Figura 10),

da arquiteta Zaha Hadid - uma área 26.000m2 destinada a se tornar uma arena

interdisciplinar flexível para exposições e eventos ao vivo - o real, entendido

como a dinâmica dos fluxos de circulação do lugar, é incorporado à concepção

formal do trabalho. O espaço gerado parte do conceito de “urban carpet”: a

arquitetura como uma superfície contínua entre o exterior da rua e o interior das

paredes. A obra seria um entre paisagem e arquitetura, irrigando o tecido urbano,

conectando seus diversos pontos. A arquiteta a descreve:

Às vezes se une com solo para configurar um novo solo, contudo também ascende e descende para se tornar uma massa quando necessário. O edifício por completo possui um caráter urbano, prefigurando uma rota conectando o rio à Via Guido Reni; o Centro une ambos movement patterns existentes e desejados, contidos dentro e fora.[O edifício] absorve as estruturas da paisagem, as dinamiza e devolve ao ambiente urbano. 50 O trabalho se aproxima da noção de dobra porque gera espaços que

envolvem outros espaços, que configuram interstícios, dobram-se e desdobram-se

continuamente, abertos à dinâmica do sítio onde se inserem. A arquitetura surge

como um ‘dispositivo mediador’ que aproxima multiplicidades, passando por

todos os lados, entre.

Também Frank Gehry atribui a dinâmica formal do famoso projeto do

Museu Guggenheim de Bilbao51, 1997 (Figura 11), à sua relação com a dinâmica

do sítio onde o edifício foi implantado: uma faixa de terra de 32.500m2, em 47A passagem fala da ambição de cobrir o quadro com dobras presente no barroco. DELEUZE. A dobra: Leibniz e o Barroco, p.204. 48 Ibid. p.206 (nota). 49Deleuze ainda indica: “seria preciso haver um recenseamento detalhado dos temas explicitamente barrocos presentes na arte minimal e já no construtivismo”. Ibid. 50 WATERS, John. Blobitecture. Massachusetts: Rockport, 2003, p.99. (tradução da autora) 51 Frank Gehry. Museu Guggenheim de Bilbao, 1997. Titânio, Vidro e Pedra. Área construída: 24.000m2 ; Altura: mais de 50m.

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decadência, no centro da capital basca, à beira do rio Nervión, próxima a uma das

principais rotas de acesso à cidade, à Puente de la Salve, e a uma área antes

industrial. O arquiteto revela sua intenção “futurista” de diálogo entre o edifício e

a cidade:

Do rio, na margem oposta ao museu, observando o tráfego, é como se ele entrasse pelo edifício – é muito dinâmico como nas imagens das cidades fantasiosas de Fritz Lang... Onde se vêem estas rampas e carros que se movem para cima e para baixo no ar, entrando nos edifícios; construí a partir desta idéia.52 Porque se localiza a 16m abaixo do nível da cidade, o museu com

aproximadamente 50m de altura, não rivaliza com o gabarito do entorno. O que

chama atenção é seu sentido táctil e háptico, fruto do resultado formal de uma

profusão de superfícies e contornos indiscerníveis, surgidos como que a partir de

uma explosão; não possuem um princípio ordenador ou uma centralidade

determinada e reconhecível.

Ao falar de seu primeiro projeto, Estúdio e Residência Danziger, 1964-65,

Gehry53 observa: “Eu estava (...) interessado na idéia de conexão (...) na idéia de

juntar as peças de um modo, aliás, muito semelhante ao que continuo fazendo

vinte anos depois. Acho que a gente só tem uma idéia na vida”.54

A idéia de conexão para Gehry revela a diferença de seu método para o de

uma composição racional. Por conexão, assim como no rizoma, não há começo

nem fim, tudo pode ser reconectado, somado, não há um princípio formal que

determine o “bom projeto” ou o “melhor projeto” – é resultado é uma das

diferenciações possíveis, a imagem mesma da multiplicidade.

As superfícies “ondulantes” de titânio55 do museu são descritas por Vidler

como “aformais”: “o aformal implicaria de modo mais simples uma indiferença às

estratégias e regras de composição acadêmica”.56 Além disso, seria uma

“topologia” que surge para além de critérios de “belo” e “feio”.

52 Frank Gehry. Apud. WATERS, Blobitecture, p.47. 53 O arquiteto, nascido em Toronto, não se interessava exclusivamente pela arquitetura, mas também pela pintura e escultura; matriculou-se primeiro em artes plásticas onde freqüentava o curso de cerâmica. 54 Frank Gehry. Apud. STUNGO, Frank Gehry, p.13. 55 Atribui-se ao uso do titânio uma referência às antigas atividades da cidade: centro tradicional da indústria siderúrgica espanhola e um porto de destaque. 56VIDLER, Anthony. Wrap session – criticism of Frank Gehry’s work and career. Artforum, verão 2001. Disponível na web: <http://www.findarticles.com>

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Podemos considerar uma tendência à “anti forma”, na terminologia de

Morris, se considerarmos que os fluxos da cidade são uma influência do real no

projeto. Preferimos continuar com a tensão entre forma e anti forma, porque ainda

questionamos o controle formal por parte do sujeito arquiteto. Como observa

Vidler, Bilbao representa um “ponto de partida paradigmático de mudança em

direção a um outro tipo de desenvolvimento do modernismo (...) que ganha força

ao combinar formalismo com intuitividade compositiva”.57

De todo modo, as idéia de superfícies aformais se conectando se

relacionaria a uma noção de dobra como a própria multiplicidade, como variação

ao infinito, constituindo uma relação outra entre os termos horizontal e vertical,

figura e fundo.

Ao entrar pelo hall, o visitante chega ao espaço do átrio onde uma espécie

de flor de metal permite a incidência da luz no espaço. Deste ponto é possível

passar ao terraço onde grande cobertura é apoiada por um único pilar. Um grande

lance de escadas é um espaço público que integra a ponte e a cidade ao edifício.

As galerias de exposição se organizam em três níveis ao redor do átrio e se

conectam através de várias passarelas em curva, suspensas do teto que oferecem

diferentes perspectivas dos espaços, além de elevadores em vidro e escadas em

torre. Dez das dezenove galerias possuem forma ortogonal clássica, podem ser

reconhecidas no exterior pelo acabamento em pedra calcária. As outras possuem

formas irregulares bastante contrastantes, externamente identificáveis como as

superfícies de titânio. Uma das galerias possui 130m de comprimento e 30m de

altura e pode ser identificada passando por sob a ponte, indo de encontro à torre

que a envolve e aproxima do edifício.

Diferente do percurso definido no espaço moderno do Guggenheim Nova

Iorque (1943) de Frank Lloyd Wright, a configuração de Bilbao se aproxima de

uma experiência labiríntica. O interior, como na operação pitoresca, revela a

característica de presentness: é continuamente descoberto em suas diferenciações

no tempo do percurso; as superfícies e os espaços são torcidos e distorcidos,

dobrados e desdobrados. Tudo se passa como uma acumulação que oferece

pontos de vista múltiplos a serem investigados.

57 VIDLER, Wrap session – criticism of Frank Gehry’s work and career.

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A obra, entre a arquitetura e escultura, revela sua presentness, tendo talvez

se tornado mesmo um novo ícone, imagem do museu de arte no palco do

espetáculo contemporâneo.

A respeito da dobra, Deleuze fala de uma arte das texturas, e não das

estruturas.58 Se no Barroco se buscou um sentido de fusão ou continuidade entre

superfície e estrutura, hoje, uma referência clara poderia ser apontada nos projetos

de Gehry quando a estrutura se converte em textura, tessitura estruturada. O

elemento estrutural pilar, ou a estrutura independente, é substituída por treliças

que formam extensas “malhas” onde se distribuem os esforços para sustentar as

ousadas curvas dos projetos.

Podemos nos voltar também aos trabalhos de Richard Serra realizados em

grandes chapas de aço corten que são, ao mesmo tempo, texturas e estruturas.

Snake59, 1996, (Figura 12), impressiona por suas dimensões arquitetônicas: seis

partes ocupam uma extensão de aproximadamente 32m e quase 4m de altura

‘dobrando-se’ e ‘desdobrando-se’ em função de sua materialidade e da relação

com o real, a gravidade. O resultado é uma estrutura axiomática nos termos do

campo ampliado de Krauss, um entre arquitetura e não-arquitetura. A obra foi

criada especificamente para o Museu Guggenheim de Bilbao onde ocupa a maior

de suas salas.

A temporalidade estendida e a visão nômade são exploradas em suas

Torqued Ellipses60,1997 (Figura 13), onde a sensação de movimento é

imprevisível, desestabilizadora, isto porque o espaço e a forma oferecem a todo

tempo mudanças e variáveis no percurso.

Pesadas chapas de aço corten de grandes dimensões se apresentam como

arquiteturas em que volumes de espaço elíptico são torcidos – um warped space.

Uma visita à igreja barroca de San Carlo em Roma do artista Borromini, cujo

volume espacial cilíndrico da nave é torcido em elevação, teria impressionado

Serra que viria reproduzir este espaço através de modelos com elipses de madeira.

Variando o ângulo de relação entre as elipses, modificando as proporções ou

58 DELEUZE. A dobra: Leibniz e o Barroco, p.202. 59 Richard Serra. Snake, 1996. Coleção museu Guggenheim de Bilbao, Espanha.Aço corten. Seis partes curvas, área total: 396 cm X 31,69 m. 60 Richard Serra. Double Torqued Ellipse, 1997. Aço corten. Dimensões da elipse externa: 396/2,5cm x 10/ 0,15 x 822cm (projeção 82,5cm). Dimensões da elipse interna: 396/2,5cm x 792x 640cm (projeção 62,5cm). Exposta no Dia Center for the Arts, NY.

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inserindo novos elementos, o artista obteve múltiplas diferenciações formais.

Trabalhando com modelos em um programa de computador (com a ajuda do

amigo Frank Gehry) calculou as posições e ângulos que as chapas de aço

necessitariam para serem torcidas na escala real. Cada uma é uma elipse perfeita,

com o mesmo raio; não alinhadas, as elipses se inclinam umas sobre as outras.

Em função da extrema proximidade com as grandes chapas do material, o

visitante, ao percorrer exterior, diferencia a experiência do corpo da experiência

da visão. A sensação é a de oposição entre o que se experiencia no percurso e o

que a mente tenta determinar como o que vem a seguir, frustrando qualquer

expectativa de controle e certeza. Do interior dos trabalhos é ainda mais difícil

acompanhar e prever o desenvolvimento da curvatura das paredes. Quem caminha

por entre as elipses sente desorientação, desequilíbrio e instabilidade. A

experiência se torna continuamente diferente, adquirindo complexidade em sua

duração temporal.

A dança contemporânea teria influenciado Serra, especialmente o trabalho

de Yvonne Rainer que despertara sua atenção para a relação entre movimento,

matéria e espaço. Como destacamos no capítulo anterior, Serra explora a relação

entre tempo, espaço, caminhar e olhar, particularmente em arcos e círculos,

ressaltando a visão como peripatética, não enquadrada em uma perspectiva única.

A referência à dança na relação entre matéria e espaço, pode ser

reconhecida no edifício de Gehry apelidado como “Fred & Ginger”, 1994 (Figura

14), em Praga. O arquiteto trabalha com uma paisagem histórica, cujo sítio era

uma esquina onde nada havia sido construído após um bombardeio em 1945.

Visto da perspectiva do rio, é possível identificar o modo como o edifício

se insere na colagem da cidade, em uma paisagem cujas fachadas obedecem a um

mesmo alinhamento e todas as janelas encontram correspondência formando uma

espécie de grid. Gehry implanta dois volumes: um em vidro, o outro em concreto.

As formas são distorcidas para buscar uma relação de contraste com entorno. No

volume mais cônico, são inseridas grandes janelas que se desencontram na

fachada, dialogando com a infinidade de pequenas janelas dos edifícios existentes.

O apelido com os nomes dos dançarinos americanos é uma alusão à forma do

edifício – Fred é o edifício em concreto e Ginger, a superfície em vidro cuja

grande deformação sugere uma performance da forma arquitetônica,

diferenciando-se completamente do contexto da cidade.

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Nas palavras de Derrida, a distorção do espaço através da dança é “a

distorção da lógica das instituições que orquestram um sítio. Um passo de dança é

um passo sob a condição de que uma idéia específica de site seja instigada”.61 A

forma como resposta ao movimento seria uma referência ao real como fluxo da

vida, fluxo da forma62, em que o próprio espaço se movimenta e a forma tem o

potencial de explodir em estados sucessivos.

Este sentido de performance da forma, também pode ser identificado no

projeto que será iniciado em 2006 para o New Academic Building, Cooper Union,

NY (Figura 15), onde o grupo de arquitetos Morphosis cria um atrium formado por

vários níveis de mezanino e passagens que chamam “vertical campus”. Esta será

uma área de encontros “entre” interiores e exteriores, relacionando o percurso

através do edifício a variadas visuais do exterior. A permeabilidade é própria de

um espaço em articulação com o real da arquitetura e da paisagem. A fachada

definida como uma espécie de skin é composta de aço inoxidável e vidro variando

em textura e escala para relacionar-se com o entorno; esta pele talvez possa ser

descrita como uma warped curtain wall, incorporando o próprio processo da

forma e do percurso da arquitetura como externalidade.

Para Vidler, a instabilidade presente em muitos trabalhos de Morphosis

revela uma “espacialidade que recusa a gravidade, que se dissolve em um fluxo

cósmico, ao mesmo tempo micro e macro cósmico, mudando a cada momento de

acordo com as direções e impulsos psicológicos de um sujeito que se move e

sensibiliza”.63 O corpo é o lugar de sensibilização de uma experiência espaço-

temporal.

São criados espaços intersticiais, paredes visualmente permeáveis,

translúcidas e ambíguas, que também poderiam ser aproximadas da imagem

deleuziana da dobra:

Nos termos de Deleuze, a partir de uma leitura muito original de Leibniz, a dobra é por um lado abstrata, disseminada como um traço de todo conteúdo, e por outro, específica, encarnada em objetos e espaços; imaterial e elusiva em suas capacidades de unir e dividir ao mesmo tempo, e física e formal em sua

61 Jaccques Derrida. Apud. PFAFF, Lílian. The Building is a Text. Vito Acconci. In: Vito Hannibal Acconci Studio. Barcelona: Museu d’Art Contemporani de Barcelona, 2004, p.402. 62A referência da idéia de “fluxo da forma” é atribuída a Piranesi. Em sua teoria sobre “construções espaciais”, Eisenstein encontra significado na formulação romântica da arquitetura como “frozen music”. VIDLER.Warped Space. 63 VIDLER, Warped Space, p.214. O autor aproxima estas características à condição espacial de Kafka. (tradução da autora)

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habilidade de produzir contornos, especialmente curvos e envolventes. Esta última característica tem sido o principal interesse dos arquitetos, sempre buscando um atributo tangível para uma idéia abstrata; não é claro se a dobra, no senso de forma dobrada, corresponde ao conceito de Deleuze ou ao menos ao modelo de Leibniz. (...) Dobras existem no tempo e no espaço, em coisas e idéias, e entre suas várias propriedades está a habilidade de unir todos estes níveis e categorias ao mesmo tempo.64

Ratificando: a dobra seria o próprio “entre”, ao mesmo tempo limite e

transição.

Peter Eisenman se lançou a experimentações formais com a

cristalografia65 para abordar a condição de “entre” material como significante de

um “entre” de idéias: uma dobra.

No Projeto da Igreja do ano 2000, 1996 (Figura 16), Roma, Eisenman

mergulha nos processos de significação para reverter a iconicidade de um projeto

de igreja buscando apontar uma nova relação entre homem e sagrado. O cristal

líquido surge como metáfora da condição de “entre” na natureza. O “entre”

também é colocado espacialmente: a igreja possui dois espaços, o de comunhão e

o de comunidade, separados por uma nave fragmentada que seria um espaço

aberto ao exterior, problematizando o limite entre público e privado. Isto porque,

no conceito original de igreja, a Eclésia, a comunidade de Cristo, não necessitaria

de um espaço arquitetônico: as pessoas seria a sua arquitetura. Diagramas do

projeto mostram como as formas da igreja representam a distorção gradual da

estrutura molecular do cristal do estágio sólido para o líquido (um blob)

representando as múltiplas camadas e superposições do cristal neste estágio,

referências para relação do edifício com topografia, o que revela uma preocupação

com o real, como externalidade.

Nas explorações geométricas complexas trabalho do arquiteto Eric Owen

Moss o resultado seria ambíguo, um “espaço entre dentro e fora, onde as

geometrias dançam. O espaço in between [que] possui flexibilidade. O interior do

exterior e o exterior do interior”.66

No projeto The Box, Culver City, Califórnia, 1990-94 (Figura 17), a

estrutura que o arquiteto chama “sótão cavalo selvagem” problematiza os limites

64 VIDLER, Warped Space, p.215. (tradução da autora) 65 O arquiteto Bruno Taut, ligado ao expressionismo do início do século XX, teria adequado as formas geológicas das montanhas à tecnologia do vidro. 66 Eric Owen Moss. Apud. VIDLER, Warped Space, p.193. (tradução da autora)

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de uma caixa cúbica cujas arestas são desmontadas e remontadas (dobradas e

desdobradas), explorando formalmente a inclusão do real e a externalidade. Ainda

é possível identificar a forma cúbica entre a anti forma desconstruída do objeto. O

limite entre a caixa e o subsolo construído é uma “base” em que se problematiza o

dentro e o fora; a transição é reconhecível como uma espécie de espaço sem

gravidade.

Segundo Vidler, entre um “neomodernismo” e um desconstrutivismo,

Moss teria se colocado de modo muito particular, saindo das “entidades

geométricas” e de uma “interioridade” para experimentações em relação à

problemática interior e exterior. O espaço de Moss não seria o “espaço inefável”

do Modernismo; sua complexidade estrutural, o hibridismo das formas configura

um espaço difícil de identificação imediata. 67 Sua variabilidade, inflexões e

curvas tangenciais aproximam o trabalho da noção da dobra. O trabalho de Moss

seria um entre escultura e arquitetura.

O grupo Coop Himme(l)blau representa, nos anos 1990, uma tendência de

ataque ao status quo da arquitetura tradicional em prol de uma arquitetura que não

mais servisse de centro fixo e estável.

No Confluence Museum, Lyon, 2001-2005 (Figura 18), projeto localizado

na convergência de dois rios, a estrutura de vidro seria uma referência a duas

colinas avistadas do vale da cidade. O edifício é constituído de dois conjuntos

identificáveis: “cristal” e “nuvem”. O “cristal” possui contornos formais claros e

mensuráveis, serve e dá acesso às salas de exposição que se encontram na nuvem,

que contém espaços torcidos, recolhidos e várias transições. Todo o conjunto é

suspenso do solo gerando um espaço sem função, um entre que desperta a

curiosidade de quem o percorre – um espaço de não-paisagem e não-arquitetura.

Para Vidler, o projeto é um exercício de “simultaneidade” e a forma, um

resultado de “profundas negociações de diferenças”, que o autor relaciona ao

vocabulário dos expressionistas do início do século XX:

A persistência do spatial warping como um sinal contemporâneo das aspirações modernas tem sido marcada no trabalho de Coop Himme(l)blau desde a década de 1960, em que visões expressionistas estranhas e o misteriosas encontraram um “lar” apropriado em um espaço de planos chanfrados, ângulos que se interceptam, pirâmides de luz, pisos em diferentes direções, paredes inclinadas.68

67 VIDLER, Warped Space, p.198. (tradução da autora) 68 Ibid. p.190. (tradução da autora)

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Interessante ressaltar a referência às nuvens para caracterizar a indefinição

formal, a falta de identificação com uma geometria. Como descreve Brissac:

A periferia de uma nuvem não é precisamente mensurável, é uma linha fractal. As nuvens projetam suas sombras sobre as outras, os contornos variando segundo o ângulo que se vê. Impelidas segundo velocidades variáveis, não cessam de mudar de posição uma em relação com a outra. (...) A metáfora das nuvens serve para elaborar o estatuto dessas coisas indeterminadas.69 O Blur Building (Figura 19), realizado pelos arquitetos Diller+Scofidio70

para a Expo 2002, Suíça, seria uma “arquitetura de atmosfera”, 71 um entre não-

arquitetura e não-escultura. Não há fachada; o edifício se converte em uma imensa

nuvem de 100m de largura, 65m de comprimento e 25m de altura pairando sobre

a água. A estrutura que configura o interior é recoberta por uma nuvem de vapor

de água produzida por um equipamento instalado no próprio edifício. A obra é a

anti forma que se modifica a cada instante, se desdobra ao infinito.

Diferente das fachadas digitais, telas com cada vez com maior “resolução”

em definição, a “arquitetura” nuvem é a imagem da indefinição, do indistinto, do

vago, do ofuscado; é a forma movimentando-se no tempo, realizando uma

performance.

A paisagem-arquitetura gera curiosidade e expectativa aos que a vem da

margem do lago; mas ao atravessar a passarela de acesso e chegar à plataforma

“interior” há uma perda de interesse como se a nuvem ela mesma se esvaísse.

Segundo os autores do projeto, “diferentemente de entrar em um espaço, entrar

em Blur é como pisar em um meio habitável sem forma, sem atração, sem

profundidade, sem escala, sem massa, sem superfície, sem dimensão”.72

Entre a Arquitetura e a Escultura, parece haver uma tendência ao

distanciamento de ideais formais através da experimentação e a evidência de um

resultado onde forma e espaço se dobram e desdobram, revelando o processo

como externalidade.

69 BRISSAC, Paisagens Urbanas, p.31. 70 Segundo a própria definição de Elizabeth Diller e Ricardo Scofidio, a DILLER+SCOFIDIO é uma agência interdisciplinar que se dedica à arquitetura, às artes plásticas e às artes do espetáculo. Trabalham com instalações permanentes e temporárias, teatros multimídia e meios de comunicação impressa. JODIDIO, Philip. Architecture now! V.1. Köln: Taschen, 2001, p.162. 71 DILLER+Scofidio– The Cloud. Revista A+U. n.383. p. 28-32, ago. 2002. 72 Ibid, p.32.

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3.3. Bioformas e Blobs, organicidade e externalidade

A renovação de um sentido utópico de vanguarda, seguindo as lutas políticas e social de meados dos anos 1960, guiada pela abordagem teórica pós-estruturalista, foi acompanhada na arquitetura por uma renovação, senão uma continuação, de temas bio-psico-geomóficos.73

Por mais que a abordagem nos tenha conduzido aos limites da forma,

através da anti forma na arquitetura, não podemos generalizar que para a

arquitetura a questão assuma o radicalismo de Morris ao falar da Minimal: “a

invenção de formas não é uma questão”.74

A arquitetura contemporânea desdobra a conquista moderna de

emancipação da forma – e já fizemos referência às obras anticlássicas de Picasso e

Tatlin - para criar ‘resultantes formais’ que expressam um caráter processual,

desvinculados de um ideal, obras que exploram o percurso e a externalidade,

evidenciando a perda da centralidade e a descrença na razão.

Neste sentido, julgamos que devemos manter a tensão entre forma e anti

forma ao tratarmos dos projetos da arquitetura contemporânea. Realmente, não há

uma preocupação com a forma pura, com a forma clássica, com a “boa forma”,

mas não há como negar em algumas obras um esforço de ‘anti formalização’ –

intrínseco muitas vezes a um “processo projetual” que desconstrói uma forma,

uma gestalt – ou ainda, um desejo de informe ligado à exploração do orgânico.

O projeto do arquiteto Eero Saarinen para o TWA Terminal, 1956-62

(Figura 20), poderia ser considerado um dos precursores da tendência à

arquitetura biomórfica do pós guerra que surge como uma espécie de rejeição à

“Era da Máquina”. O arquiteto imagina um ambiente completamente projetado em

que subsiste uma natureza formal comum.

Do ponto de vista morfológico, esta idéia encontra paralelo com a dobra

que passa por todas as coisas, de um espaço que continuamente pode ser mais e

mais dobrado e desdobrado. As superfícies curvas de Saarineen não revelam um

princípio compositivo ordenador e incorporam o espaço real como partícipes de

uma dinâmica formal como é possível observar a partir de seu interior. A forma

73 VIDLER, Warped Space, p.187-188. (tradução da autora) 74 Cf. p. 74. MORRIS, Anti Form (1968), p.41.

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não é exclusivamente determinada pela melhor condição ao atendimento de uma

necessidade75. Do espaço orgânico moderno a obra conservaria a riqueza de

movimento, a exploração da planta livre e uma visão antiprismática, distanciada

das formas puras.

Ao contrário de uma tendência de erosão de fronteiras entre os meios

artísticos como fruto de uma descrença em sua própria potência, o arquiteto

demonstra sua crença romântica em uma “obra de arte total” que lembra o Art

Nouveau: “queríamos que os passageiros atravessassem o edifício apercebendo-se

de um ambiente totalmente desenhado, em que cada parte nascesse de outra e tudo

fizesse parte do mesmo formal”.76

Reivindicando características mais orgânicas às obras, o pintor e escultor

Frank Stella, desde o início da década de 1990, tem se lançado às

experimentações arquitetônicas Em meados dos anos 1970, o artista inicia

investigações na pintura, buscando a diferenciação de superfícies usando curvas,

texturas, cores e alto-relevos, uma referência à incorporação do espaço real e a

externalidade. No texto “Crítica de Arquitetura” (1992), o artista observa:

Freud disse que o corpo materno é o ambiente primordial. É válido apostar que nossa tentativa de criar um ambiente habitável expressa nosso desejo de recriar o ambiente primordial. Para nós, arquitetura é a ferramenta para moldar um ambiente habitável. Um problema surge quando perdemos contato com nossa meta inconsciente. O desejo de ser independente do corpo da mãe e a urgência de dominá-lo alterou nossa visão inicial de ambiente habitável. O que quer dizer, estes sentimentos, moldados pela biologia e gravidade que nos compromete com uma postura ereta, obscureceram algumas das mais necessárias metas da arquitetura. O que tenho a dizer hoje é simplesmente uma tentativa de voltar a nossa atenção para o valor do romântico, fantástico, orgânico da arquitetura do passado e sugerir que a tecnologia pode melhorar a nossa condição de má habitabilidade no ambiente atual. Acredito que os artistas podem, como fizeram no passado, contribuir para a invenção de processos de construção novos ou ao menos mais válidos. Creio na habilidade dos artistas para estender significativamente o domínio do pictórico ao escultórico e arquitetônico ajudando a enriquecer nosso habitat ambiental.77

75 Uma característica da arquitetura orgânica moderna é que “uma parede ondulada já não é mais ondulada apenas para responder a uma visão artística, mas para acompanhar melhor um movimento, um percurso do homem”. Também no modernismo, a cidade tecnológica corresponderia à analogia biológica do bom funcionamento de um organismo. ZEVI, Bruno. Saber ver arquitetura. 5.ed. São Paulo: Martins Fontes, 1996, p.126. 76 Eeero Saarinen (1959). Apud. GÖSSEL e LEUTHÄUSER, Arquitetura no século XX, p. 250. 77 SCHULZE, Frank. Frank Stella as architect. Art in America, jun. 2000. Disponível em: <http://www.findarticles.com> (tradução da autora).

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Stella não nega a condição arquitetônica de um construir habitado e

advoga um distanciamento da condição ereta, das formas e ângulos retos em prol

de uma aproximação com as formas orgânicas curvas ligadas a um sentido

originário do homem como ser biológico, integrante da natureza.

Este sentido originário da forma orgânica encontraria eco no conceito de

empatia formulado em 1908 por Wilhelm Worringer. Tomando o termo “volição

artística”, ou vontade de arte, de Aloïs Riegl, o autor desenvolve uma idéia de

história da arte a partir da história da volição: um grupo, em determinado período

histórico, expressaria em suas formas de arte de modo a satisfazer uma

necessidade psíquica. Esta “necessidade profunda”, segundo o autor, se revela em

dois pólos: empatia e abstração. À empatia o autor relaciona um sentimento de

felicidade, dado pelo reconhecimento de imagens que nos satisfazem no quadro

do mundo. Já o sentimento humano de estar perdido no universo - “medo

espiritual do espaço” - teria levado, tanto as comunidades primitivas - através do

instinto - quanto as sociedades civilizadas - através do conhecimento e de seu

limite para explicar o mundo - em direção à abstração como forma de chegar a

“algo em si mesmo”, individualizado e liberto da “vasta confusão do quadro do

mundo”.78

Como esclarece Frampton, o arquiteto francês representante do Art

Nouveau, Henri Van de Velde, teria estudado profundamente a obra de Worringer

e imaginava que seu próprio trabalho, inspirado nas formas da natureza levadas ao

limite da abstração, seria uma síntese de empatia e abstração.79

Segundo Vidler, as bioformas da arquitetura, entre não-arquitetura e não-

escultura, poderiam ser relacionadas ao exemplo histórico do Art Nouveau, já que

a arquitetura fluida dos blobs teria, muitas vezes, organismos vivos como

referência formal.80

Parece interessante que, ao se supor uma aproximação entre arte e vida na

contemporaneidade a partir de formas orgânicas, seja possível falar de uma

relação com a “vasta confusão do quadro do mundo” como a que Worringer se

refere. 78 WORRINGER, Wilhelm. Abstraction and Empathy (1953) Chicago: Ivan R. Dee, 1997, p.15-19. 79 FRAMPTON, Kenneth. História Crítica da Arquitetura Moderna. 3.ed. São Paulo: Martins Fontes, 1997, p.113. 80 VIDLER, Architecture’s expanded field: finding inspiration in jellyfish and geopolitics, architects today are working within radically new frames of reference.

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Inspirada nitidamente em uma forma de concha, Bandshell, 1999 (Figura

21), Miami, é o único dentre os projetos81 de Stella que foi aberto ao grande

público. Entre a arquitetura e a escultura, a obra que se destina a performances

musicais possui dimensões arquitetônicas: sua altura é de pouco mais de 10m. A

estrutura é constituída de faixas de alumínio, pintadas de branco para refletir os

raios solares, e funciona como um abrigo parcialmente aberto e equipado com um

palco e um proscênio.

Como nas já referidas Guitarras de Picasso, há um processo de inclusão

do real na escultura; o resultado formal é um entre um conceito de objeto e sua

abstração. Bandshell é o desenvolvimento da forma de concha no espaço

destinada a ser habitada pelo corpo e que revela ambigüidade ao ser tratada como

objeto de empatia ou como abstração.82

As soft sculptures do artista Claes Oldenburg, (objetos empáticos) como

Giant Soft Shuttlecock83, 1994 (Figura 22), abordam o problema de uma idéia de

forma em tensão com um resultado formal que é fruto da ação do real sobre a

materialidade, um mergulho da matéria no real.

Os resultados questionam, através da ambigüidade, o conceito de objetos

ligados ao cotidiano do espectador como vaso sanitário, hambúrguer, peteca, entre

outros. O artista não cria formas, mas as transforma, através do gigantismo e da

moleza, em anti formas como observa Robert Morris.84

Explorando a externalidade, o resultado formal do trabalho é identificado

não como uma criação exclusiva do artista, isto porque o peso, como força

81 O primeiro projeto, em 1991, não realizado, foi um pavilhão anexo ao Groningen Museum na Holanda, assim como o projeto para o Desert Museum em Israel e o Kunsthalle Dresden. Entre os realizados estão a Chapel of the Holy Ghost (1991) e a Gatehouse (1992). SCHULZE, Frank Stella as architect. 82 Interessante observar como também a pintura de Stella teria incorporado as questões com as quais se vê envolvido ao lidar com a arquitetura, entre elas a escala e a geração de formas orgânicas por computador. Em Hooloomooloo 1,2,3 (fig.x) um tríptico de 1994, em grandes dimensões (no total altura de 3,40m e comprimento 2,99m + 6,30 + 2,54), a tela se assemelha a uma colagem de malhas espaciais em 3D retiradas da tela do computador como 2D. É um conjunto múltiplo de linhas não relacionais sobre as quais são justapostas manchas de cor que evocam o sentido de planaridade. A relação entre duas e três dimensões é ambígua, ressaltando ao mesmo tempo a imagem do dinamismo e da pulsão da cor e da forma. A pintura abstrata em grande escala, herança de Pollock, oferece uma relação direta com o corpo do visitante cujo olhar percorre a superfície em linhas de fuga diversas. 83 Claes Oldenburg. Giant Soft Shuttlecock, 1994. Aço, alumínio, madeira, plástico reforçado com fibra, espuma de poliestireno e polietileno, lona, corda; pintura látex. Oito penas de aproximadamente 7,9m de comprimento e 2m de largura; Base da peteca: 1,8m de diâmetro, 0,9m de altura. Exposta no Museu Guggenheim NY. 84 MORRIS, Anti Form (1968).

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externa, age sobre a matéria – lona costurada e forrada com paina –

desestabilizando a massa escultórica em função da gravidade.

Esta aplicação de forças externas em um objeto, alterando sua forma,

aproximando-a da anti forma, por se tornar independente da subjetividade do

artista, está presente também nas propostas de arquitetura de Greg Lynn.

Na contemporaneidade, Lynn é um dos arquitetos que trabalham a partir

da computação gráfica85 com a “blob architecture”: “entidades fluidas” ou “quase

sólidas” cujas formas não são estáticas, mas sim imersas em fluxos dinâmicos.86

Para Vidler, os arquitetos que intentam desenvolver uma nova aliança

entre teoria espacial e biotectônica, utilizando o potencial dos modelos digitais e

desenhando sobre as observações de Deleuze e Cache, entre outros, demonstram

uma vontade de escapar da polaridade tradicional entre modernistas e pós-

modernistas (simplicidade/ complexidade, harmonia/ oposição, forma/ informe e

construção/ desconstrução).87

Formas são agora ‘protogeométricas’, ‘inexatas’, ‘blobs’, ‘dobras’, ‘viscos’. A forma não é mais concebida como uma geometria original que é distorcida ou quebrada para incorporar complexidade ou representar conflito, mas não contraditória, uma superfície topológica cujos movimentos registram o resultado sintético de forças aplicadas aos modelos de computador, como se gerassem organicamente novas espécies na aceleração da evolução Darwninana.88

Segundo Lynn, “um diálogo diagonal entre o edifício e seu contexto se

tornou um emblema para as contradições dentro da cultura contemporânea”.89

Destaca duas abordagens principais dos projetos em sua relação com um

contexto: a que pretende criticar sua heterogeneidade cultural e formal em prol de

uma unidade e a que pretende representar esta mesma heterogeneidade através do

conflito e da contradição.

Como arquiteto, Lynn acredita que, na atualidade, uma alternativa seria

uma integração das diferenças dentro de um sistema contínuo e heterogêneo;

85 O processo de projeto de Greg Lynn é totalmente dirigido pela tecnologia digital, diferentemente do trabalho de Gehry em que ela é o segundo passo, após inúmeros sketches, maquetes e assemblages com objetos comuns. 86 WATERS, Blobitecture, p.8-9. 87 VIDLER, Warped Space, p.227. 88 Ibid. 89 LYNN, Greg. Architectural Curvilinearity - The folded, the pliant and the supple. In: Folding in Architecture. London: AD, 1993, p.8.

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contribuindo para tal estariam a geometria topológica, a morfologia, a

morfogênese e a tecnologia dos computadores, capazes de criar smoth mixtures.

Buscando não a erradicação, mas a incorporação das diferenças – algo que

poderíamos relacionar ao já referido projeto de Eisenman em Santiago de

Compostella – Lynn defende o conceito de smothness incorporado de Gilles

Deleuze: “variação contínua ou desenvolvimento contínuo da forma”.90

No texto Architectural Curvilinearity - The folded, the pliant and the

supple, Lynn critica a forma pura e a geometria estática em prol dos conceitos de

pliancy e smothness que possibilitariam à arquitetura tornar-se complexa e

flexível. Seria possível identificar complexidade não através do conflito, mas da

aliança entre os elementos. Já o conceito de pliancy define a forma como

resultado da ação de forças externas sobre uma flexibilidade interna.

Estas considerações nos levaram a relacionar a proposta teórica de Lynn à

questão da externalidade. Há um envolvimento de forças externas na elaboração

da forma, o espaço real que pode ser entendido como as forças de um contexto, da

própria paisagem.

Mais ainda, porque o arquiteto inclui o conceito de vicissitude - que define

a capacidade de mudança da arquitetura diante de contextos imprevisíveis, cujos

efeitos seriam acidentais - em função de uma conjunção de motivações internas e

de forças externas.

Lynn aponta que “enquanto a arquitetura desconstrutivista foi vista como

explorando as forças externas com o nome familiar de contradição e conflito, os

recentes projetos de dobra exibem uma lógica mais fluida de conectividade”.91

No projeto da Embryological House, 1998 (Figura 23), o arquiteto

desenvolve uma superfície de curvas flexíveis adaptáveis a diferentes condições

de implantação – a metáfora do embrião representaria uma potência que se

desenvolve e se torna diferenciada em função das condições onde o mesmo se

encontra. A forma, passível de ser continuamente transformada – dobrada e

desdobrada - não seria assumida como um ideal formal, mas sim caminharia para

a anti forma em função de uma relação de externalidade com o sítio onde ela se

insere.

90 Gilles Deleuze. Apud. Ibid. 91 LYNN. Architectural Curvilinearity - The folded, the pliant and the supple, p. 10.

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Segundo Vidler, o informal de Lynn não pretende confrontar-se ao status

do monumento, mas sim, dar a ele uma nova natureza formal; e, por esta razão,

afirma que “o informe de Lynn é, de fato, altamente formalizado”.92 Preferiremos

optar mais uma vez pela tensão forma entre anti forma.

A geração digital seria o instrumento para conferir, como afirmou o

arquiteto, um caráter residual para o espaço interior - ditado pela superfície

exterior. O espaço muitas vezes adquire condições de habitabilidade de modo

acidental. Para Vidler, esta condição do espaço como incidente seria uma

característica do espaço contemporâneo, tradução de um antifuncionalismo. Mais

ainda, a tecnologia digital viria subverter a noção de sujeito criador:

A noção de uma arquitetura desenvolvida a partir de topologias ao invés de tipologias, contudo introduz uma ruptura fundamental na teoria, senão na prática. A geração da forma a partir do exterior, como envelope ou pele, submetida a campos de força gerados matematicamente, remove o sujeito humanista definitivamente de toda consideração individual. Se o “humano” é introduzido como força, o é como movimento – de uma multidão ou enxame – não como um instrumento ele mesmo gerador. 93

O trabalho, segundo Lynn, revela um sentido de animação que difere do

sentido de movimento: “Animação é a evolução de uma forma e suas forças

formais; sugere animalidade, animismo, crescimento, atualização, vitalidade e

virtualidade”.94 As formas “vivas” apagam qualquer sentido de subjetividade

individual do artista, pois teriam se transformado em resposta direta às demandas

do programa e do sítio, como fluxos de circulação que são traduzidos como forças

do entorno. A arquitetura como “forma viva” sugere um sentido de performance

no real.

Abrindo um parêntese para uma referência às instalações, a idéia de uma

“arquitetura viva” está presente no espaço Freshwater, 1997 (figura 24), criado

para a H2O Expo, pela cooperativa de arquitetos NOX – que busca eliminar as

fronteiras entre a arquitetura e os demais meios artísticos produzindo também

vídeos, instalações, conteúdo de Internet e uma revista. A obra, uma grande

superfície curva por onde os visitantes caminham, era descrita no catálogo da

exposição como “fusão simultânea de parede, piso e teto [em que] o architectural

92 VIDLER, Warped Space.p.228. (tradução da autora) 93 Ibid. 94 LYNN, op.cit. p. 8-15.

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body se espalha como um efeito de onda para absorver o território (...) interface

para uma organização ativa do espaço onde os visitantes agem sobre uma

arquitetura reativa”. 95

Vidler propõe uma aproximação do trabalho de Lynn ao modelo de

Deleuze da “nova casa barroca”96, que une o animado com o inanimado, dobrando

um no outro com insistente força, configurando uma mônada.

É importante destacar, como expõe Deleuze, que na situação

neoleibniziana, a mônada está em uma condição de captura, não de clausura.97 É

neste ponto que podemos fazer referência à externalidade. As mônadas não são

mais “interiores fechados que contêm o mundo inteiro; elas são abertas (...),

penetram as outras mônadas, rompem as distinções entre público e privado como

em uma performance de Cage ou Stockhausen, um habitat plástico de

Dubuffet”.98

Nos trabalhos de Jean Dubuffet, esculturas monumentais são conectadas

ao que chama de ciclo “Hourloupe”: desenhos e pinturas feitas de células

múltiplas – tal como as mônadas em abertura - onde cada espaço possui vida,

participando em conjunto de uma continuidade que se estende a objetos, lugares e

figuras, expressão de um desejo de entrar, ou mergulhar, nas imagens tal qual em

um ambiente arquitetônico. É criado um espaço entre o real e o imaginário, onde

o espectador não se coloca frente à imagem, mas dentro dela, de sua “escrita

hourloupiana”. A pintura se torna um relevo arquitetônico.

Destacamos o trabalho Jardin d'émail99, modelo de 1968, erguido em 1974

(Figura 25). Próxima de uma não-paisagem e não-arquitetura, a obra

confeccionada em resina de epóxi e concreto ocupa uma área de 600m2 em meio a

um jardim real, onde cria um jardim imaginário ou um jardim-imagem cujas 95 Dispositivos sensórios são ativados enquanto o visitante caminha, alterando projeções que simulam ondas. SCHULZ-DORNBURG, Arte y Arquitectura - nuevas afinidades, p.45. 96 O autor esclarece que para Deleuze, através da leitura formalista de Wölffling, o barroco é “a imagem de infinitas dobras, uma arquitetura de substâncias e massas, uma arquitetura curva sempre em movimento virtual, uma arquitetura de ondas e infinita extensão espacial”. Na “alegoria da casa barroca”, desenhada pelo próprio filósofo, a casa possui dois pavimentos: o primeiro com uma porta e quatro janelas representaria o corpo físico; o segundo, o espaço mental, completamente fechado que se comunica com o pavimento inferior por cinco pequenas aberturas que deixariam passar emanações através de cinco cortinas constituídas de dobras (receptores).VIDLER, op.cit. p.220. 97 DELEUZE, A dobra: Leibniz e o Barroco, p.206 (grifo da autora). 98 VIDLER, Warped Space, p.233. (tradução da autora) 99 Jean Dubuffet. Jardin d´émail, 1974, Otterlo, Holanda. Acervo do Rijksmuseum Kröller-Müller. Resina epóxi e concreto com pintura de poliuretano. Área: 600m2.

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linhas e traçados fluidos podem ser percorridos. Há um confronto entre a natureza

“hourloupiana”, um grafismo em preto e branco, e a natureza do entorno, ambas

evocando a organicidade das curvas.

Tal como no habitat plástico de Dubuffet, o mundo contemporâneo seria

constituído por séries divergentes onde não subsistem diferenças entre interior e

exterior, público e privado. Esta seria a condição do que Deleuze chamou de

“monadologia com nomadologia” para a configuração de uma outra paisagem:

uma folded city.100 Para nós, um campo onde se observaria um dobrar e desdobrar

constante, onde a arquitetura como “mônada nômade” captura, o próprio real e o

incorpora; um exercício constante de externalidade e de abertura ao real.

100 VIDLER, Warped Space. p.233. (tradução da autora)

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4 Paisagem: novos programas e performance

Félix Guattari propõe a instauração de uma “cidade subjetiva” diante do

que chama de realidade desterritorializada da cidade capitalista. Entende a

transdisciplinaridade entre urbanismo, arquitetura e ciências sociais, humanas e

ecológicas como o modo de reorientar e transformar hábitos e mentalidades

coletivas no cruzamento de questões econômicas, sociais e culturais.1

O autor defende que a prática do arquiteto deve ter como base o exame das

situações em sua singularidade, construindo no real e no possível, dando abertura

a mudanças futuras. Sugere a “re-singularização” como forma de lidar com a

complexidade muitas vezes caótica das cidades, através do retorno a uma

perspectiva estética baseada na liberdade dos projetistas.

Não se trata, sob pretexto de estética, de naufragar num ecletismo que renunciaria a toda visão social! É o socius em toda a sua complexidade, que exige ser re-singularizado, re-trabalhado, re-experimentado. O artista polissêmico, polifônico, que o arquiteto e o urbanista devem se tornar, trabalha com a matéria humana que não é universal, com projetos individuais e coletivos que evoluem cada vez mais rápido e cuja singularidade, inclusive estética, deve ser atualizada através de uma verdadeira maiêutica, implicando em particular, procedimentos de análise institucional e de explorações de formações coletivas do inconsciente. Nessas condições, o projeto deve ser considerado em seu movimento, em sua dialética.2

Nesta operação, o artista lida com a subjetividade coletiva de modo

constitutivo, evocando a participação do público em uma estética que viria unir

arte e vida. Estas questões tangenciam a problemática da autoria, dos limites entre

público e privado e a definição de “novos programas” de arquitetura,

questionando os usos dos espaços.

Um sentido contemporâneo de programa implicaria na interrogação radical às condições éticas e ambientais de sítios específicos, que são considerados programas eles mesmos. Tais programas não privilegiariam a arquitetura no

1 “A cidade produz o destino da humanidade: suas promoções, assim como suas segregações, a formação de suas elites, o futuro da inovação social, da criação de todos os domínios. Constata-te muito freqüentemente um desconhecimento desse aspecto global das problemáticas urbanas como meio de produção de subjetividade”. GUATTARI, Felix. Restauração da Cidade Subjetiva. In:____.Caosmose: um novo paradigma estético. São Paulo: Ed.34, 1992, p.173. 2 Ibid. p.176-177.

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sentido convencional, mas estimulariam o desenvolvimento de um novo “environmentalism” construído de acordo com o que poderia ser chamado de “technologies of the everyday”. Esse novo ambientalismo não implicaria na subserviência à “green building” inspirada em uma resposta estática a economias existentes e tecnologia primitiva, nem seguiria o contextualismo estático do novo urbanismo inspirado na resposta nostálgica a um falso sentido de passado histórico “bom”; finalmente, não aceitaria as premissas globais de um modernismo tardio inspirado na falsa crença do universalismo tecnológico. Ao invés disso, seria flexível e adaptativo, inventivo e móvel em sua resposta às condições ambientais e possibilidades tecnológicas.3

Seguindo este ponto de vista de Anthony Vidler, as “novas formas de

programa” lidariam com múltiplos fatores - como condições ambientais,

tecnológicas e humanas em diversidade - de modo flexível e adaptativo4 - o que

nos leva a entender esta postura como uma “abertura” ao real, uma modalidade de

“externalidade”.

O grupo Archigram foi pioneiro na exploração de um caráter adaptativo na

escala dos “projetos urbanos”, “projetos” de uma paisagem em trânsito, em

mutação; uma visão de futuro ligada à própria science fiction e às expectativas

comuns à sociedade em relação ao amplo desenvolvimento tecnológico que viria

reformular os modos de vida, criar novas formas de programa.

Vidler observa que é visível, nos projetos contemporâneos, uma “migração

da exploração das formas sociais e culturais do domínio da instalação em arte para

a arquitetura pública”.5 Serão analisadas principalmente as propostas artísticas

contemporâneas entre a escultura e a arquitetura de Vito Acconci que por

enfatizarem a performance cotidiana em seu caráter estético apontam um

entendimento de programa que se refere a um sítio e aos seus próprios usuários,

ou seja, também a uma subjetividade coletiva.

Nestes casos, a arte questiona e se deixa questionar pela opinião pública –

o que remete à “boa dialética”6 de Merleau-Ponty. Os projetos desvinculam-se de

modelos tipológicos, funcionais e formais, buscando atender à flexibilização e à

multiplicidade. São propostas novas relações dos usuários com os espaços,

experimentando outras formas de viver e deles se apropriar – uma aproximação

entre arte e vida, em que se questionam os limites entre público e privado.

3 VIDLER, Anthony. Toward a Theory of the Architectural Program. October, n.106, fall 2003, p.59. (tradução da autora) 4 Ibid. p.60. 5 Ibid. 6 Cf.p.28.

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4.1. Imagens de uma paisagem dinâmica, uma estética

Apenas quem está repleto de respeito e entusiasmo pelos sonhos mais loucos de nossa época poderá traduzi-los convenientemente em espaços construtivos.

Warren Chalk, Revista Archigram 4

Ao analisar o trabalho do grupo de ingleses Archigram, o historiador

Reyner Banham, na década de 1950, encontra bases para a definição de um

“funcionalismo em um campo expandido” que incluiria percepção, biologia,

genética, teoria da informação, topologia e toda sorte de tecnologia.

A origem do nome do grupo - Architecture + Telegram (ou Areogram) - já

denota um caráter de programa, definindo sua atividade como a de sugerir

mensagens concisas e arrojadas em matéria de arquitetura, supondo

“metamorfose” e “instantaneidade”. Para Otília Arantes, “o trabalho do

Archigram era basicamente gráfico e no limite, antiarquitetônico”7 - o que para

nós aponta a tensão com um caráter de não-arquitetura, que sugeriria, mais uma

vez, um “entre”.

Ligado a alta tecnologia, o Archigram lança uma crítica à noção

tradicional de programa ao propor redesenhar a paisagem como um lugar de

nomadismo, emancipação social, troca, interação, prazer, diversão e conforto

material e psicológico. O grupo, ao mesmo tempo em que ironizava o

modernismo tardio através de imagens futuristas e de cidades utópicas, demonstra

seu caráter Pop ao deixar-se impregnar por este que era um desejo da

subjetividade coletiva, o próprio imaginário da década de sessenta ligado à

science fiction.

A imagem exerce papel de grande importância em seus projetos, sendo

utilizada em caráter experimental e em sua potência estética. Tal como define de

Banham, a imagem é todo participante ativo no campo sensório do espectador e

para gerá-la seriam utilizadas técnicas de “disruption” como o conflito e o

deslocamento, criando efeitos na experiência.

Partindo da questão da imagem, Banham anuncia a morte de um

Funcionalismo pautado exclusivamente na engenharia e na técnica, em prol de um

funcionalismo com base em uma “real science”, ou uma “scientific aesthetic”, 7 ARANTES, O lugar da Arquitetura depois dos Modernos, p.59.

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baseada na evidência do efeito de algumas cores, formas, símbolos, espaços,

texturas, iluminação e acústica nos espectadores. Seria uma estética que cria

novos espaços, “zonas de total probabilidade”, muito próxima das

experimentações dos artistas contemporâneos na criação de ambientes e

instalações.

Daí surge um caráter de “anti-building” e, retomando a terminologia da

discussão de Krauss em “A escultura no campo Ampliado”, um entre não-

arquitetura e não-escultura. Isto porque os projetos não poderiam ser definidos em

termos de permanência e fixidez.

Os projetos do Archigram, na década de 1960, transformariam a cidade, a

própria paisagem, em uma grande performance. Infláveis, blobs e grandes

máquinas configuram uma paisagem outra.

A Plug-in-City [Cidade Ligada], 1964-66 (Figura 1), de Peter Cook,

Warren Chalk e Dennis Crompton combinaria hipertecnologia e nomadismo em

estruturas metálicas fixas, destinadas aos serviços, e estruturas móveis,

intercambiáveis, como cápsulas parecendo super máquinas no espírito de uma

arquitetura mega estrutural.

Ron Herron em Walking-City [Cidade Andarilha], 1964 (Figura 2), propõe

imensas cápsulas que se deslocam sobre longas “pernas” que as torna semelhantes

a seres saídos de quadrinhos. O projeto seria uma alusão à “maquina de morar” de

Le Corbusier.

Chegando à desmaterialização dos traçados urbanos, propostas como a

Instant City [Cidade Instantânea], (Figura 3), a imaginam como um processo de

metamorfose contínua: a cidade seria um conjunto de grandes balões ligados a

coberturas suspensas, cápsulas para habitação, painéis com imagens.

No limite do experimentalismo do Archigram, foi pensado um “auto-

ambiente” hologramático em que o indivíduo poderia manipular botões e ser

transportado, através da mídia, para qualquer lugar. Seria um entre a não-

paisagem e a não-arquitetura? 8

8 Culminando nos próprios ambientes arquitetônicos nas telas de computador como Museu Guggenheim Virtual de Nova Iorque, 2002, um projeto encomendado o ambiente de Internet para ser o primeiro “edifício virtual do século XX”, uma fusão de espaços de informação, comércio, arte e arquitetura. Criada pelo grupo Asymptote, a arquitetura é planejada como modificável segundo as preferências ou necessidades do visitante. JODIDIO, Architecture now! V.2, p.94.

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De qualquer modo, a arquitetura lida com a sugestão de sua própria

ausência, despertando o sentido da virtualidade da imagem na arquitetura, algo

bastante explorado contemporaneamente quando fachadas se convertem em tela

de projeção, permanentemente mutáveis (tal como descreveremos no Projeto do

Centro de Tecnologia e Mídia9 de Rem Koolhaas).

Como afirmou o arquiteto e teórico Robert Venturi em recente entrevista

ao próprio Koolhaas: “estamos em uma época em que a arquitetura deve rejeitar a

forma abstrata e promover a iconografia eletrônica”.10

Tal como nas propostas do Archigram, a mistura de ficção e tecnologia

está presente no projeto de Vito Acconci: A City that rides the garbage dump,

1999 (Figura 4). O trabalho propõe a conversão de um depósito de lixo urbano,

em Breda na Holanda, em uma “cidade de tapetes mágicos”. Alimentada

energeticamente a partir do gás metano emitido pelo lixo, a cidade seria um

conjunto de tapetes constituídos de semi-esferas, suspensas, deixando livre no

nível térreo uma praça pública, na verdade, o depósito de lixo coberto por pedras.

Os tapetes que descem como naves espaciais com o passar do tempo são de três

tipos: tapetes de água, tapetes de verde e tapetes de edifícios. A proposta poderia

ser descrita como um entre arquitetura e paisagem.

Para Acconci um edifício seria como um texto e o ato de escrever seria

“colocar algo em movimento, como um ato performático”. Esta referência é clara

em City of Text, um trabalho gráfico do artista em que a cidade aparece

completamente revestida por páginas de um texto onde se podem identificar

palavras como “public”, “landscape”, “information”, “body”. Este caráter

ficcional ambíguo poderia também ser aproximado do trabalho do Archigram.

As próprias publicações do Archigram, como revistas, guardam

semelhança com as publicações contemporâneas de Rem Koolhaas, isto porque

ambas fazem uso do cruzamento de gêneros. Na publicação Content, do escritório

OMA chefiado por Koolhaas, dois “seres” imaginários (que parecem ser um

feminino e um masculino e estão de tal modo conectados que não é possível

distingui-los como corpos distintos) dialogam: “Eu não tenho certeza se isto é um 9 Cf.p.107. 10 Venturi afirma ainda que “na era da informação, o conteúdo informativo e decorativo que irá dominar o espaço e a composição não deve vir do arquiteto (...) talvez derive da cultura social em geral”. Robert Venturi. Apud. RELEARNING from Las Vegas, p.150-157. Venturi afirma ainda que “na era da informação, o conteúdo informativo e decorativo que irá dominar o espaço e a composição não deve vir do arquiteto (...) talvez derive da cultura social em geral”.

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livro ou uma revista”, o outro responde: “Na verdade eu acho a tensão entre os

dois super interessante”.11 No caso das revistas Archigram, a ambigüidade está na

dúvida se seriam cartoons ou manifestos de arquitetura? Trata-se, mais uma vez,

de falar de um entre.

4.2. Arte como instrumento da performance pública entre privada

Tramas de shelter (fluem de um para o outro). Cada shelter é usado para mostrar eu mesmo a mim mesmo – mostrar-me aos outros – mostrar os outros a mim – mostrar-me como outros – mostrar os outros como eu mesmo.

Vito Acconci

A prática artística de Vito Acconci em relação à arquitetura parece apontar

uma referência ao programa próxima à sua visão de arte: “Penso na arte como

algo instrumental. (...) Quando digo ‘fazer arte’ não me refiro a uma arte em si,

mas a uma arte como esse tipo de instrumento no mundo”. 12

O artista se torna um tipo de guerrilheiro: a galeria é tratada como um terreno a explorar (a galeria é um signo, um modelo da cultura onde está) – Eu programo uma peça de acordo com o terreno (...). Uma vez que a galeria e o espaço do museu são lugares onde pessoas estão juntas, o espaço pode ser utilizado como um lugar de encontro. (...) A galeria é utilizada como praça. (...) A questão óbvia é: por que não fazer o mesmo em uma praça pública real? 13

Sua afirmação evidencia o ponto de vista de um artista que se vê também

como instrumento14 para atuar em vários campos: poesia, performances,

happennings, escultura e arquitetura.

Em seus trabalhos, Acconci sempre explora o lugar da arte face ao caráter

dinâmico e contraditório do espaço público, que entende não como um espaço de

teatro onde ação e público se separam, mas como um espaço da galeria onde

11 CONTENT/ AMOMA/Rem Koolhaas/&&&. Taschen, 2004. p.12-13. 12 ACCONCI, Vito. Some notes on peopled space (1977). In: Luces, cámara, acción (...) Corten! (cat.) IVAM, Centre Julio Gonzalez, Valencia. [s.d.] 13 Ibid. 14 “Eu mudaria a minha atenção e viraria instrumento. Eu focaria em mim como um instrumento que agiu em qualquer terreno, de tempo em tempo, disponível”. ACCONCI, Vito. Steps into Performance (And out). In: Luces, cámara, acción (...) Corten! (cat.) IVAM, Centre Julio Gonzalez, Valencia. [s.d.], p.174.

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realiza suas performances. A arte que se dá não em um espaço, mas através do

espaço: “background: where the pieces were live”15; o espaço é proposto como

motivo para a ação do público em sua performance cotidiana.

Em uma performance, realizada das cinco às seis da tarde do dia 18 de

abril de 1969, na esquina das ruas 14, 15 e 16 em Nova Iorque, a idéia do artista é

“performing myself through another agent”, ou seja, atuar, em peopled spaces,

através de outro agente:

Uma situação usando ruas, andando, correndo. (...) Eu fico de pé na esquina – escolho uma pessoa andando daquela esquina para a próxima – corro até a esquina e a aguardo chegar. Rua: stratus, sternere, para expandir (a esquina como um sumário da rua, uma rua que se expande se torna um ponto) – Eu estou correndo à frente de outra pessoa, nós estamos separados (estaremos juntos, em um ponto, na esquina).16 Acconci destaca a referência espacial como fator relacional entre os

agentes do espaço. Mais ainda, o artista expõe a situação de um eu que se

referencia a partir de um outro; assim também, crê em uma postura artística em

que o outro é co-partícipe das ações espaciais, senão mesmo, um fator

determinante para que estabeleça uma relação dialógica.

Razões para se mover: Mover-se até outra pessoa – mover-se contra outra pessoa – mover-se sobre outra pessoa –mover-se dentro de outra pessoa – mover-se cruzando outra pessoa – mover-se através de outra pessoa – mover-se ao redor de outra pessoa – mover-se passando por outra pessoa. (...) Razões para se mover: Mover-se de acordo com os movimentos de outro agente – mover-se na direção de outro agente. 17 Peoplemobile18, 1979 (Figura 5), é uma instalação-carro (uma

caminhonete com alto falantes e uma estrutura de painéis montáveis de várias

maneiras como “arquitetura”). Acconci ganha as ruas de cidade holandesas, entre

elas Amsterdam, e pára em determinado lugar, por um período de três dias, para

oferecer aos cidadãos um “endereço público”. É o espaço público que passa a ser

utilizado como privado, ou melhor, como um entre. Na figura em anexo, vemos a

15 ACCONCI, Some notes on peopled space (1977). 16 ACCONCI, Vito. Peopled Space – performing myself through another agent. Avalanche Magazine. n.6, fall 1972, p.30. 17 Ibid. 18 Vito Acconci. Peoplemobile, 1979. Holanda. Caminhonete, painéis de aço, vinil, áudio. 24 painéis; dimensão de cada painel: 2”x 5’x 7’.

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disposição de arquibancada de onde ao mesmo tempo se poderia assistir e

participar do “espetáculo” da performance urbana.

“Vindo de qualquer lugar, vindo de lugar algum, [Peoplemobile] pode

fazer um convite aos outros, àqueles que não tem lugar, os que podem querer se

esconder.”19 O áudio produz o som de buzinas e incute um sentido ficcional e

imaginário ao espaço público, sugerindo um diálogo com terroristas.

Para Acconci, trata-se de evocar um sentido irônico e imaginário,

confrontando o real, como podemos perceber em sua declaração sobre a natureza

do espaço público: “Keep telling yourself: it’s only a dream ... it’s only a novel ...

it’s only a movie ... it’s only a vídeo game ... Keep telling yourself: it can happen

here, this is a public space”.20

Na vídeo-instalação Command Performance, 1974, 50 minutos, realizada

em Nova Iorque, Acconci usa o espaço da galeria, marcado por três colunas, como

referencial espacial para uma “linha de transmissão” de imagens. Na base da

primeira coluna, há um monitor de tv e à sua frente, na segunda coluna, um banco

onde incide um spot de luz – a imagem de quem nele senta é captada por uma

câmera de vídeo. Na terceira coluna, na entrada da galeria, configurando um

espaço de onde se pode apreciar o “show” (é colocado inclusive um tapete), um

outro monitor mostra a imagem de quem está no banco. Um vídeo com a imagem

de Acconci é exibido no primeiro monitor estabelecendo uma comunicação com

aquele que está sendo filmado; entre as frases dramáticas do artista, se poderia

ouvir: “você deve ser mais público”.21

Esta abordagem da relação público privado através da imagem virtual

também está presente no projeto para o ZKM Museu de Arte e Tecnologia de

Mídia, Karlsruhe, Alemanha, 1989 (Figura 6), do arquiteto Rem Koolhaas. No

edifício, referenciado à sua noção de bigness22, coexistem programas múltiplos:

19 Vito Acconci. Apud. VITO Hannibal Acconci Studio. Barcelona: Museu d’Art Contemporani de Barcelona, 2004, p.10. 20 ACCONCI, Public Space in a private time, p.424. 21 VITO Hannibal Acconci Studio, p.287-288. 22 Na publicação Delirious New York (1978), Koolhaas expõe a “teoria de bigness” através de cinco teoremas: “1) Para além de uma certa massa crítica, um edifício se torna um Big Building. Esta massa não pode mais ser controlada por um só gesto arquitetônico, ou mesmo por uma combinação de gestos arquitetônicos. A impossibilidade provoca a autonomia das partes, mas isto não é o mesmo que fragmentação: as partes continuam comprometidas com o todo. 2) O elevador – com seu potencial para estabelecer conexões mecânicas, em vez de arquitetônicas – e sua família de intervenções relacionadas representam írrito e nulo o repertório clássico arquitetônico. Questões de composição, escala, proporção e detalhe são agora discutíveis. A “arte” da arquitetura é inútil

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laboratório para som, vídeo e imagem, museu de mídia, museu de arte

contemporânea, biblioteca, sala de leitura, media theater. Como explica o

arquiteto, este teatro é “totalmente simulado”: “cada plano pode ser visto como

uma superfície para projeção. O espaço pode ser completamente manipulado.

Podem existir cenários reais, assim como cenários eletrônicos e projeções”.23 O

edifício não é dependente de qualquer esquema formal de composição, sua

questão principal é a exploração da tecnologia. Assim poderíamos dizer, para usar

o termo de Banham, que o projeto explora uma “scientific aesthetic”, fazendo uso

da imagem para causar impactos sensíveis.

Interessante é que uma das fachadas possui uma superfície metálica fina e

transparente que serve como tela de projeção onde podem ser projetadas imagens

do interior do edifício, problematizando os limites com o exterior. As atividades

de quem está nos laboratórios ou na circulação da ala norte, onde as pessoas

sobem e descem os vários níveis do museu, podem ser vistas de fora. Há um

questionamento dos limites entre público e privado: a performance de quem no

interior do edifício é vista por aqueles que transitam nas ruas. O próprio museu

não seria um espaço público? A atividade cotidiana viria a ser revelada como uma

performance e o espaço público, como também desejava Acconci, um espaço de

performance.

Mais uma vez abordando a reversibilidade entre publico e privado,

destaca-se a atividade/instalação Room Piece, realizada por Acconci, em janeiro

de 1970, por três semanas na Galeria Gain Ground. Semanalmente, o próprio

artista expôs em uma sala da galeria os móveis e objetos de um cômodo de sua

casa (cozinha, sala de estar, quarto e banheiro, sala de trabalho). Sempre que em Bigness. 3) Em Bigness, a distância entre centro e superfície aumenta a ponto de a fachada não revelar o que ocorre no interior. A expectativa humanista de “honestidade” é condenada: arquiteturas de interior e exterior se tornam projetos separados, um lida com a instabilidade de necessidades programáticas e iconográficas, o outro – agente de desinformação – oferece à cidade a aparente estabilidade de um objeto. Onde a arquitetura revela, bigness perplexa; Bigness transforma a cidade de um conjunto de certezas em uma acumulação de mistérios. O que se vê não é mais o que se tem. 4) Somente através do tamanho, estes edifícios entram em um domínio amoral, além do bom e do mau. Seu impacto é independente de sua qualidade. 5) Juntas todas estas rupturas – com a escala, com a composição arquitetônica, com a tradição, com a transparência, com a ética – implicam finalmente na ruptura mais radical: Bigness não é mais parte de qualquer tecido urbano. Ele existe; no máximo, coexiste. Seu subtexto é dane-se o contexto.” Rem Koolhaas. Apud. BIGNESS, Artforum International, p. 47-51, dez. 2004. Este uso da escala também alteraria a “condição natural” da arquitetura (para usar o termo de Eisenman) e a aproximaria das intervenções urbanas – assim como os projetos de land art foram aproximados da paisagem natural. 23 KOOLHAAS, Rem. Conversa com estudantes. Tradução de Mônica Trindade. Barcelona: Gustavo Gili, 2002, p.31.

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precisava de algo que estivesse na galeria, Acconci se deslocava de um ponto a

outro de “seu apartamento”, distanciados de oitenta quarteirões, tomava o objeto

por empréstimo pelo tempo de uso e o devolvia. Na última semana, algumas das

caixas são marcadas com um “x” para informar que estas poderiam ser retiradas

por quem quer que as desejasse. É o seu espaço privado que se torna público.

Na instalação Middle of the world, realizada em 1976 (Figura 7), na Fine

Arts Gallery, Wright State University, Ohio, Acconci monta uma plataforma

quadrada, ligada a quatro escadas de corda, em um vazio de mezanino, criando

um nível intermediário entre os dois pavimentos da galeria. “Esta posição half-

way é ao mesmo tempo estável e instável: os visitantes podem escalá-la a partir

dos dois níveis; escalando balança-se a plataforma, atingindo a plataforma ele se

assenta e a estabiliza”, diz o artista. O áudio, porém, é um fator desestabilizador.

Quatro altos falantes, em diferentes posições, emitem o som de perguntas: “O que

você sabe? Você sabe o que eles dizem? Você sabe o que eles dizem de você?

Você se importa?”. Todos ao mesmo tempo: “Nós sabemos onde nós estamos, nós

sabemos onde nós estamos”. Depois de uma breve estabilização das vozes, uma

delas fala mais alto: “Corta!”, e as perguntas recomeçam.24

Observa-se que para Acconci o modo como o espaço pode afetar o

visitante é importante, isto em função de oferecer múltiplas possibilidades de

apropriação; em última instância, oferecer sua própria liberdade de “ação” no

espaço. Esta tônica é presente em suas experimentações arquitetônicas, em que o

artista questiona a rigidez das tipologias, funcionalidade e forma. E mais ainda,

questiona a iconicidade de edifícios públicos, revelando sua atenção a algo que

podemos aproximar da reivindicação de Peter Eisenman por um sentido de

presentness que subvertesse a “condição natural” da arquitetura.

Também o arquiteto Bernard Tschumi teria destacado como fator

primordial na arquitetura, para além das questões de forma e função, o corpo em

movimento, a ação daqueles que utilizam um espaço:

Lidar com a questão do programa em arquitetura é como andar em um campo minado onde batalhas foram travadas para decidir a primazia de forma ou função. Quer se coloque como um objeto autônomo ou inscrito em um contexto histórico, a arquitetura continua a escamotear quem a habita: o corpo em movimento, um evento sempre fugidio.25

24 VITO Hannibal Acconci Studio, p. 333. 25 TSCHUMI, Bernard. Demandez le programme! , L’Architecture d’aujourd’hui, mar./abr. 2002.

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Na década de 1970, o grupo austríaco Haus-Rucker-Co propôs que a

arquitetura deveria cumprir uma função de apoio e não de protagonista, deixando

aos habitantes da cidade, que chamavam “atores”, a tarefa de definir o uso do

objeto construído. Não seria o arquiteto, nem a estrutura do espaço que definiria

seu uso. A idéia do grupo claramente expressa uma visão pública da apropriação

do espaço propondo a experimentação também para redefinir os usos da cidade.

Esta visão encontra um paralelo com a visão de Acconci em que a arte surge como

um “instrumento” no mundo; questiona-se a importância da definição de uma

função para um espaço.

Assim como Acconci, Matta Clark preocupa-se em chamar a atenção para

os espaços cotidianos normalmente negligenciados e para o modo como são

apropriados pelo público. Na intervenção Open House, 1972, o artista constrói

três corredores com diversas portas transformando o interior de um container

industrial, que foi colocado na rua Greene Street para que os passantes a

experimentassem.

Nosso pensamento sobre arquitetura é mais elusivo que fazer peças que demonstrem uma atitude de construir alternativa, ou ainda, atitudes que determinem a ‘containerização’ de um espaço a ser utilizado. Pensamos mais em vazios metafóricos, brechas, sobras de espaço, lugares que não foram desenvolvidos... Por exemplo, os lugares onde se pára para amarrar os cadarços do sapato, lugares que são somente interrupções em nosso movimento diário.26 A questão do cotidiano é patente na performance realizada por Clark,

registrada no filme Clockshower, 1973, 14 min, que se desenrola em tempo real.

O artista se pendura no relógio do arranha-céu Clocktower, em Nova York, faz a

barba e toma banho, isto do alto da agitada Avenida Broadway. Aqui também

encontramos uma reversão dos termos público e privado e o questionamento da

relação de determinação entre uma definição espacial e um uso específico.

Tanto no trabalho de Acconci como no de Clark, fica claro um caráter

teatral a partir do qual se questiona o uso dos espaços públicos (a instituição, a

praça, a fachada de um edifício) e sua apropriação pelos que transitam

cotidianamente por ele; uma reivindicação também do lugar da arte na vida, na

paisagem.

26 Gordon Matta-Clark. Apud. SCHULZ-DORNBURG, Arte y Arquitectura - nuevas afinidades, p.15.

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As investigações de Acconci no campo da performance encontram eco em

seus projetos de arquitetura. Na Galeria Store-Front,1994 (Figura 8), em Nova

Iorque, criada em parceria com o arquiteto Steven Holl, é claro o desejo de

Acconci propor novos modos de se percorrer uma galeria. A obra é uma fachada

ao nível da rua que se desdobra em painéis giratórios criando entre espaços

interior e exterior, um convite para que a paisagem da rua fosse incorporada na

percepção das obras e que a circulação da rua pudesse se converter na circulação

da galeria, criando uma relação ambígua entre os espaços público e privado. A

fachada deixa de proteger um espaço privado à arte, tornando-se permeável.

Para o artista as obras de arte pública são uma “desculpa para o tempo,

tempo para que as pessoas olhem ao redor, tateiem e encontrem coisas fora delas

mesmas”.27 Os painéis “espelhados” reforçam este sentido, porém evocando

sempre a reversibilidade entre o eu e o outro.

Acconci lida com o lugar da arte face ao caráter performático, mas

também plástico do espaço público. No projeto More Balls for Klapper Hall

Plaza, 1995 (Figura 9), Queens College, EUA, esferas de concreto iluminadas do

interior formam, a partir de diferentes recortes de superfície, dispositivos de

mobiliário urbano diferenciados para serem utilizados pelos habitantes; a luz seria

ainda um elemento atrativo importante, conferindo dramaticidade à paisagem. Às

duas esferas existentes foram adicionadas no átrio sete esferas de tamanhos

diferentes que, ao contrário das originais, extrapolam a função meramente

decorativa para se tornarem parte da cena urbana e serem instrumento para a

realização de performances cotidianas: ler, comer, namorar.

Há a intenção de criticar as restrições feitas aos pedestres no espaço

público, a estaticidade e o funcionalismo da arquitetura. Para Acconci um lugar é

público quando:

1) suas formas são públicas, quando são publicamente usáveis, quando se pode nelas sentar, andar, engatinhar, percorrer, viver; 2) seu significado é público, seus significados publicamente acessíveis, o lugar é constituído de convenções, imagens, sinais, objetos que qualquer um de qualquer cultura possa reconhecer automaticamente, naturalmente; 3) seu efeito é público, seus efeitos são publicamente instrumentais, o lugar forma tanto o público que o utiliza e quanto o agente público que o organiza. (...) Um espaço é público quando mantém a ordem pública ou modifica a ordem pública.28

27 ACCONCI, Public Space in a private time, p.423. (tradução da autora). 28 ACCONCI, Public Space in a private time, p.421. (tradução da autora)

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Lugares públicos podem funcionar tanto como uma “prisão” – garantindo

uma ordem – quanto como um “fórum” – onde suas convenções, imagens, sinais,

são invertidos, colidem uns com os outros, são quebrado em partes, de modo que

as convenções são desestabilizadas e ao mesmo tempo expostas: “o espaço se

torna ocasião para discussão, que pode se tornar um argumento, que pode se

tornar uma revolução”.29

No projeto State Court Lawn, 1989 (Figura 10), Carson City, Acconci

projeta uma réplica do mesmo edifício, com metade do tamanho real, a ser

enterrada no gramado em frente configurando no telhado da nova edificação um

pátio de uso público. O outro edifício da Suprema Corte funciona como um

landscape feito pelo homem em que se usa o telhado como uma espécie de

parque, se pode andar por sobre o telhado e sentar em diferentes níveis do mesmo.

Nas palavras do próprio artista: “O público se concentra em dois tipos de espaço.

O primeiro é um espaço que é público, um lugar onde o público se reúne porque

tem o direito de estar ali; o segundo é um espaço que se torna público, um lugar

onde o público se concentra precisamente porque não tem direito – um lugar que

se tornou público à força”.30 Em última instância, seria possível identificar uma

crítica à própria instituição questionando-a como um espaço público.

Na proposta para o City Hall de Las Vegas, 1989 (Figura 11), Acconci

fixa na frente do edifício uma gigante cruz grega feita de espelhos, como que se

tivesse descolada da própria fachada em curva, restando somente concreto bruto

de onde se desprendem gotas que caem em espelho d’água. Um eixo monumental

é criado a partir de um caminho que leva à cruz. O questionamento do caráter

público da instituição se dá a partir da ambigüidade que se instaura quando é

frustrada a expectativa de acesso ao edifício e os elementos espelhados

evidenciam externalidade.

O caminho leva à cruz como que em direção da entrada do edifício. A entrada é falsa: ela não se abre para o edifício. Ao invés disso, ela abre o edifício para o exterior; traz para dentro do edifício as imagens da cidade e das pessoas, refletidas como em uma funhouse.31

29 Ibid. 30 Ibid. p.419. 31 ACCONCI, Public Space in a private time, p. 421. (tradução da autora).

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Porque passa a fazer referência direta a uma outra tipologia, a prefeitura

pode ser lida como igreja; a cruz, porém reflete ainda os letreiros dos cassinos do

entorno o que leva ao questionamento da monumentalidade e instaura um “entre”

o público e o privado, criando diferentes possibilidades de significação. Vidler

observa:

“Na grande escala da instituição pública, Acconci segue o caminho

subversivo, delineado primeiro por Bataille, que entende a monumentalidade

arquitetônica como uma cristalização do crescimento do poder e cultura, quase

como um fenômeno geológico”.32

Segundo Lílian Pfaff, a apropriação do espaço pelo público, no trabalho do

artista, sugere que os usuários leiam e decodifiquem a arquitetura como uma

“desordem poética”, que reconheçam o espaço livre e as possibilidades de agir e

pensar, questionando a ordem do real.

Os trabalhos arquitetônicos de Acconci são situações modelo que se poderiam descrever metaforicamente como playgrounds, uma vez que são sujeitos a certas regras que permitem que alguém atue como um ator em um palco. É o teatral da Minimal Art que Acconci toma para si e anuncia, seguindo o ‘nascimento do espectador’ de Deitcher, o nascimento do usuário em arquitetura. A oposição entre trabalho e espectador não mais é mantida intacta, ao contrário, (...) é compreendida como parte de um continum espaço-temporal. O que também implica na dissolução das fronteiras entre público e privado.33

A operação do artista sugere uma espécie de “jogo” em que a arquitetura

surge como um dos partícipes, desafiando seus usuários. O sentido de perform, ou

ainda play, pode ser compreendido amplamente, tanto em seu caráter teatral,

como lúdico ou irônico o que o aproximaria mais uma vez do caráter Pop.

Para Vidler, o trabalho de Acconci possui um papel paradigmático porque,

a partir da década de 1980, desafiou o lugar comum da arquitetura. O paradoxo

como possibilidade poética, como em Venturi, caracteriza um “dépaysement

enchanteur” em que uma forma é deslocada em seu contexto.

Em “House of Cars”, 1983 (Figura 12), São Francisco, CA, , manifesta o

modo como Acconci questiona a relação uso-espaço-forma através de uma

referência Pop. O carro, objeto-mor de consumo da cidade da modernidade,

espaço onde efetivamente habitamos grande parte do nosso tempo, é transformado

em casa. Três conjuntos de carcaças de automóveis - acopladas duas a duas nas 32 VIDLER, Warped Space, p.140. (tradução da autora). 33 PFAFF, The Building is a Text. Vito Acconci, p.402. (tradução da autora).

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partes inferiores - são arranjadas de modo a configurar as áreas fechadas de

cozinha, sala e quarto com sanitário, interligadas por duas escadas ao ar livre. Em

uma placa, ao alto do conjunto, se lê: “Life out of this world”, um chamamento a

um modo outro de conceber arquitetura.

O artista não inventa a forma arquitetônica, literalmente, a recolhe do

cotidiano e opera sobre ela, unindo, cortando, acoplando. A ambigüidade com a

iconologia de residência “paira no ar”, isto porque uma estrutura metálica aberta

envolve os veículos e as escadas evocando, ironicamente, um contorno tradicional

de casa com o telhado de duas águas. Os carros são interiores privados,

conectados pelas escadas, que por sua vez públicas, expõem o trânsito de uma a

outra ala.

Questionando a tipologia da casa, no caso através de uma arquitetura

negativa está presente em Sub-Urb34, 1983 (Figura 13), projeto para um complexo

de habitação realizado por Vito Acconci. A obra reinventa a “condição natural” da

arquitetura tal como a presente na vizinhança tradicional dos suburbs americanos.

A referência do título é intencional, Sub-Urb é uma arquitetura totalmente

subterrânea; os acessos ao interior são feitos pelo teto que é composto por placas

que deslizam, onde inclusive são colocadas as letras do título para destacar seu

caráter irônico. A obra instaura uma relação dialógica com o programa de

habitação unifamiliar, propondo um modo outro de morar. Mais ainda, questiona

o próprio ato de construir e interferir no campo visual da paisagem.

No texto Public Space in a Private Time, Acconci afirma que “a função da

arte pública é o de-design”.35 Tangenciando a problemática de uma não-

arquitetura ao questionar a própria noção do “projeto” diante da imprevisibilidade

de um uso ou uma necessidade de espaço, o artista exemplifica que a arquitetura

pode se converter em uma cápsula, que se acopla a uma parede vazia, onde dá

abrigo a pessoas que não teriam acesso dentro de um edifício, ou ainda em

simplesmente uma toca ou uma caverna.

34 Vito Acconci. Sub-Urb, Artpark Lewiston, NY, 1983. Madeira pintada e estrutura de aço e astroturf. 35 ACCONCI, Public Space in a Private Time, p.423.

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Segundo Pfaff, “as intervenções de Acconci são sempre baseadas em um

lugar concreto, no sentido em que ele analisa e, através de inversões irônicas,

reorganiza e revela seu significado, função e uso”.36

No Projeto ArteCidade 2002 37 (Figura 14), foi proposta a Acconci a

reapropriação do Largo do Glicério em São Paulo: um lugar de passagem, um

“nó” urbano, espaço intersticial entre grandes estruturas viárias e edificações

institucionais, entre elas um esqueleto vazio de propriedade municipal que é

incorporado ao projeto, assim como os postes de iluminação. Partindo deste não-

lugar, o artista implanta um “dispositivo urbano-arquitetônico” para “abrigar” a

população sem domicílio fixo já residente no local, incorporando sua ocupação

nômade e transitória. O artista considera que são eles os agentes do espaço

público e que o seu tipo de ocupação deve ser foco de atenção por parte do artista

ao propor uma intervenção no local, como se pode identificar na própria do

projeto:

Os ossos de um prédio ainda por vir, os ossos de um prédio que nunca será: é o que resta no local - é o que agora é usado como base de um povoado, uma "vila". Este edifício inacabado, este esqueleto de edifício, funciona agora como acesso à vila, como um suporte inicial desse povoado. De cada andar, acima do térreo, passarelas (de grade de aço) estendem-se até postes de luz adjacentes, sendo cada passarela presa por um lado ao piso do edifício e, por outro, ao próprio poste. A parte central da passarela é suspensa através de cabos presos ao topo do respectivo poste fazendo uma analogia a mastros de navio. Cada poste contém um "local", uma "habitação", um "parque" da vila38. (...) No topo de cada poste

36 Esta postura estaria próxima também aos projetos dos arquitetos de SITE (Sculpture in the Environment) que defendem uma “de-arquitetura”. Ambos estariam contra as convenções arquitetônicas. PFAFF, The Building is a Text. Vito Acconci, p.400. 37 “Arte/Cidade é um projeto de intervenções urbanas, que se realiza em São Paulo desde 1994. (...) Reunindo artistas e arquitetos, internacionais e brasileiros, voltados para situações urbanas complexas, o projeto visa desenvolver repertório _ técnico, estético e institucional _ para práticas artísticas e urbanísticas não convencionais. (...) Os projetos indicam abordagens alternativas para a mega cidade, baseadas na ativação dos espaços intersticiais, na diversificação do uso da infra-estrutura, na dinamização sem concentração excludente e na heterogeneidade espacial e social. (...) Arte/Cidade - Zona Leste ocorreu em 2002, numa área de cerca de 10 km2, na região leste de São Paulo. Palco da imigração e da primeira industrialização da cidade, a região atravessou longo período de desinvestimento, além da implantação de grandes sistemas de transporte. Recentemente, surgiram ali enclaves corporativos e condomínios habitacionais modernizados. Nos vastos intervalos abandonados, porém, proliferam favelas, comércio de rua e outros modos informais de ocupação do espaço urbano”. ARTECIDADE. Disponível em: <http://www.pucsp.br/artecidade> Acesso em: 04/03/2006. 38 “Entra-se nessa vila e começa-se a acessar os seus diferentes locais através da escadaria presente no prédio. Uma das passarelas leva ao poste mais perto, logo à frente do edifício, na direção da rua. Neste poste há um anfiteatro envolvendo uma instalação de unidades televisivas, ao redor do poste. Essa estrutura funciona como um local de entretenimento, um pequeno teatro. Outra passarela vai mais adiante, onde a rua se torna um elevado. Este poste sustenta um anfiteatro voltado à rua, à cidade, o qual serve de ponto de observação, local de descanso e reflexão, para se sentar e apreciar uma vista privilegiada dos arredores. A terceira passarela leva ao poste mais

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encontra-se um coletor de água pluvial, no formato parecido a um guarda-chuva virado para baixo. O material usado é policarbonato, fibra de vidro e plástico corrugado. Sua função é colher água para a vila, água para as instalações internas do próprio prédio. Uma vez dentro do prédio, opta-se por uma passarela que leva a um certo poste; então se sobe ou desce a escada helicoidal e se volta então ao prédio por outra passarela, acessando-se outro piso. O prédio é a base de operações: de cada andar pode-se acessar dois postes diferentes. O prédio também funciona como o setor mais privativo da vila. Unidades sanitárias _ cubículos com privadas _ são instaladas no primeiro e segundo andar. As unidades são como cápsulas acopladas às bordas de cada andar, estando cada uma pela metade para fora da fachada. Essas cápsulas são feitas de fibra de vidro corrugada translúcida, de modo que é possível notar um vulto dentro dela, mesmo com a porta fechada. No último piso (aberto) há uma canaleta com água corrente, para se lavar. Essa água e a dos banheiros são fornecidas pelos coletores de água nos topos dos postes. Canos levam a água ao prédio inacabado. A vila é iluminada pelos postes. A luz atravessa os guarda-chuvas virados de fibra de vidro corrugado e ilumina os anfiteatros e a mesa circular. Dentro do prédio um sistema de espelhos possibilita que a mesma luz ilumine esta área.39

A “vila” que se espalha pelo tecido da cidade e rompe a separação

convencional entre arquitetura e espaço urbano, seria um entre uma não-

arquitetura e paisagem, isto considerando o edifício, os postes e o viaduto

existentes como paisagem construída; ou então, tomando estes elementos como

arquitetônicos, configurando um entre arquitetura e não-arquitetura.

Porque as estruturas são semitransparentes e não vedadas, os banheiros,

tanques para lavar roupa, locais de refeição e lazer são abertos e o acesso livre em

toda área, as fronteiras entre público e privado se tornam praticamente

inexistentes. Há um questionamento da definição destes limites na arquitetura

convencional, constituída de fachada e espaços compartimentados e confinados.

Acconci não pretende esconder a condição de vida dos moradores de rua,

nem tenta criar para eles uma privacidade que já não têm; o artista evidencia a

exposição pública a que estão sujeitos. As práticas precárias dos usuários são

ponto de partida para a proposta de soluções viáveis e que lhes garantam auto-

suficiência, a exemplo do recolhimento da água da chuva feito através de

“instalações” nos postes. São as próprias condições da vida nas ruas que geram o

programa. distante, por trás do prédio, junto ao elevado. Aqui há um quiosque suspenso com uma mesa circular, envolta por um banco único também circular, funcionando como ponto de encontro e descanso ou local para refeições ou lanches. Ao redor de cada poste há uma escada em espiral, ligando um nível a outro. Da mesma forma que as passarelas, as escadas são de grade de aço e os espaços habitacionais (assentos, mesa, etc.) de aço corrugado”. (Descrição do projeto pela equipe). ARTECIDADE. Disponível em: <http://www.pucsp.br/artecidade> 39 (Descrição do projeto pela equipe). ARTECIDADE. Disponível em: <http://www.pucsp.br/artecidade>

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Intervenções desta ordem podem ser descritas por Acconci como “para-

sites”, uma alusão à ocupação temporária de lugares com sistemas que se unem

aos sítios existentes, sem subverter suas estruturas, apenas se acoplando e criando

usos alternativos.40

A questão envolve o próprio conceito de presentness tal como formulado

por Eisenman41, que defende a subversão da iconicidade e da instrumentalidade.

A noção de instrumento para Acconci questiona os esquemas funcionais pré-

estabelecidos para determinados usos; instrumento significa um dispositivo

aberto, flexível que atende às demandas de um público que, do mesmo modo, não

é visto de modo estereotipado. No caso da proposta mencionada para os sem

domicílio fixo, a necessidade de se auto-sustentar e o modo público de viver são

constituintes do próprio trabalho que são identificados pelo artista/arquiteto; daí

seu caráter, ao mesmo tempo, de experimentalismo e de externalidade.

Segundo Vidler, somente organismos intrusivos, nômades, em escala

reduzida e com grande flexibilidade poderiam operar nos interstícios do que

temos hoje como a cidade resultante da operação capitalista. Não mais as

intervenções utópicas, ou as mudanças radicais, mas sim, focos capazes de

promover mutação gradual – também um olhar voltado para os espaços quase

sempre excluídos, para os não-lugares ou lugares esquecidos.

Um caráter político nestas propostas residiria no fato de que as

intervenções arquitetônicas e paisagísticas questionam a relação com a sociedade

e seus usos e, portanto, as convenções funcionalistas que caracterizariam

determinados edifícios e espaços. Sobre o trabalho de Acconci, considera Vidler:

As inversões e reversões dos espaços e sua insinuação corporal jogam com a inquebrável tensão entre corpos e objetos, nós mesmos e o chão onde andamos. No processo, Acconci obteve sucesso ao transformar as regras do jogo arquitetônico. (...) Mais ainda, ampliou as lentes com as quais olhamos para os nossos espaços, domésticos e urbanos, privados e públicos, investindo-os e a seus containeres de uma vida que não mais permite distinções confortáveis entre edifícios, espaços e a arte pública (...). É nos interstícios de tais crescimentos rizomáticos que os sem teto, os até agora esquecidos poderiam ter abrigo, se encontrar e até viver.42

40 PFAFF, The Building is a Text. Vito Acconci, p.397. 41 Cf. p.67. 42 VIDLER, Warped Space, p.138. (tradução da autora)

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O resultado seria uma prática não monumental, preocupada com a

realidade fragmentada da cidade.

O grupo “Anarchitecure”, um projeto colaborativo fundado na década de

1970 por Gordon Matta-Clark (formado arquiteto), nasce com o objetivo de

converter o conceito de uma arquitetura sólida, estática e imutável em uma

arquitetura adaptável à flutuação da vida urbana, multifuncional e em constante

transformação e que ainda pudesse se adaptar a qualquer situação sócio-cultural.

As intervenções de caráter experimental do grupo são qualificadas como

“non-u-mental” (paródia de monumental) e geralmente se propõem a explorar

locais muito comuns sem nenhum apelo espetacular.

Interseção Cônica43, 1975 (Figura 15), no bairro de Les Halles, Paris, foi

trabalho realizado no dia da inauguração do Centro de Artes Georges Pompidou.

A intervenção consistiu de cortes circulares em piso, paredes e teto de duas casas

abandonadas, conectando seus vários pavimentos ao nível da rua, culminando em

uma abertura de 4 metros de diâmetro na fachada em frente ao Pompidou. A obra

expõe o ato de demolir como uma ação arquitetônica. Assim o artista acreditava

poder revelar o espaço, rompendo claramente com os limites entre público e

privado.

Nos trabalhos de Matta-Clark seria possível uma interpretação extrema da

subversão do construído. Trabalha sobre os sites construídos, escavando e

fatiando, criando espaços negativos e cisões por subtração. Nas palavras de

Schulz-Dornburg, estas intervenções invertem o processo construtivo

convencional: “o novo espaço foi criado a partir do espaço antigo”.44 O artista

opera in situ, sobre construções existentes, assim como Smithson e Gehry,

questionando a determinação das formas, o elegantemente construído e a

objetualidade representativa de um belo instituído. Um sentido de anti forma,

informal ou não-formal estaria expresso de modo bastante categórico,

convertendo a arquitetura em fragmento do real, em ruína.

A intervenções de Clark evocam um sentido de extração do espaço,

questionando a compartimentação, seu sentido de clausura, a partir da destruição

do “construído”.

43 O artista documentou o trabalho no vídeo-documentário Conical Intersect, 1975, 19 min. 44 SCHULZ-DORNBURG, Arte y Arquitectura - nuevas afinidades, p.15.

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Como já nos referimos, diante da evidência da entropia, Smithson se

preocupa com a obsessão dos arquitetos em controlar suas intervenções,

advogando uma abertura ao inesperado e propondo para tal um exercício

constante de dialética.45

A consciência de um processo inevitável de transformação da própria

paisagem, rejeitando a idéia de estabilidade e permanência arquitetônica, está

presente no já referido projeto de Smithson, Partially Buried Woodshed.46

Nas palavras de Koolhaas, “se um novo urbanismo é possível, não se

tratará mais da disposição de objetos mais ou menos permanentes, mas da

irrigação de territórios”,47 uma ação que busca não a cristalização de novas

estruturas, mas sim a supressão de fronteiras através da aceitação da

multiplicidade como parte da condição da dinâmica da cidade em transformação.

Acconci assume que o espaço público, na era eletrônica, é um espaço em

trânsito. Não seria um espaço na cidade, mas a própria cidade; não edifícios e

praças, mas estradas e pontes, vias de circulação.

Rem Koolhaas, preocupado com a questão dos lugares em trânsito,

também participa do mesmo Arte Cidade 2002 com uma proposta para o edifício

São Vito, zona leste (Figura 16). Único edifício modernista da região, o prédio

sofreu rápida degradação, transformando-se em um grande cortiço vertical,

superpovoado localizado em uma área de intensa circulação viária. Koolhaas não

o interpreta como um exemplar da arquitetura moderna, mas sim como um

elemento de verticalização. Havia a proposta de demolição do prédio e a

incorporação da sua área para a construção de uma nova megaestrutura por

incorporadores. Quais seriam outras possíveis alternativas? O arquiteto propõe a

instalação de um elevador dotado dos mais avançados recursos técnicos como

modo de incrementar a conexão da edificação com a área urbana e facilitar os

acessos permitindo o surgimento de outras formas de ocupação da edificação,

dando mais oportunidades de seu aproveitamento pelos próprios moradores.

O elevador, que finalmente não foi instalado, gerou um problema para

aceitação na esfera pública. Mas também para Koolhaas, mais importante que a

instalação do elevador seria a mobilização de moradores, empresas, poder público, 45 Cf.p.59. 46 Cf.p.73 e fig.38. 47 ARTECIDADE. Disponível em: <http://www.pucsp.br/artecidade>

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arquitetos e a mídia. A questão não seria inserir um objeto, mas engendrar um

novo modo de discutir os projetos urbanos, entre as esferas pública e privada,

como alternativa às soluções programáticas centralizadoras das grandes

corporações.

Interessante notar ainda que para Koolhaas o elevador representa uma

importante questão para a arquitetura:

O elevador questiona, invalida e ridiculariza grande parte das nossas habilidades de arquiteto. Ridicularia nosso instinto de composição, invalida nossa formação e questiona a doutrina que diz que sempre deve haver uma maneira arquitetônica de se dar forma às transições.48 Neste sentido, entendendo o São Vito como paisagem construída, a

proposta de Koolhaas poderia ser vista como um entre não-arquitetura e

paisagem.

Estas propostas demonstram tentativas de reinventar a própria arquitetura,

a partir de um diálogo com a realidade daqueles que a vivenciam, questionando a

rigidez das tipologias e o controle da ocupação dos espaços que estabelece

barreiras entre público e o privado.

Parece-nos que o lugar da arte na paisagem contemporânea talvez seja o de

questionar o modo como se habita um espaço e como ele é pensado (percebido) -

o que levaria a formas outras de construir, não para obter respostas que seriam

novos modelos, mas para experimentar modos de operação dialógica em que se

explora um potencial estético a partir da própria vida.

48 KOOLHAAS, Conversa com estudantes, p.14.

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5 Considerações Finais

Este trabalho foi iniciado com a proposta de delinear em extensão e

profundidade um campo ampliado. Embora tenhamos apontado um grande

número de obras, muitas foram deixadas ao longo deste percurso e talvez um dia

possam ser reconectadas a este “pseudo-rizoma”. Aqui, muitas das obras que

foram abordadas dentro de um capítulo sob um aspecto, certamente, poderiam ser

analisadas sob outro, ampliando mais ainda as possibilidades de conexão. Além

disso, muito mais poderia ser dito a propósito dos trabalhos citados, há muito mais

a explorar.

Mas, talvez como uma obra de Eisenman, este trabalho teve que fazer sua

“parada” durante seu processo e é este o seu “resultado formal”.

A contribuição desta dissertação é tentar formular perguntas, para as quais

não temos respostas generalizantes, mas observações a respeito da seleção de

obras aqui apresentada.

O trabalho nos permite dizer que entre arquitetura e escultura a dimensão

artística da paisagem contemporânea seria efetivamente uma questão de relação

com o real, de externalidade. E que entre arquitetura e escultura, após os anos

1960, o experimentalismo teria caracterizado a prática disciplinar tanto da

escultura quanto da arquitetura, isto sem constituir um projeto estético conjunto.

Acreditamos ter sido possível identificar alguns caminhos de diálogo entre

as disciplinas a partir destes dois aspectos, apontando não a perda de sua

autonomia, mas uma permeabilidade maior entre seus limites.

Também podemos afirmar, porque expusemos algumas referências

teóricas e de projeto, que as obras contemporâneas estão profundamente ligadas a

alguns momentos do Moderno como o Dada, o Construtivismo Russo, o jardim

pitoresco e a promenade de Le Corbusier.

Definitivamente, a nossa proposta não foi definir classificações quando

nos referimos à arquitetura, não-arquitetura, escultura, não-escultura, paisagem,

não-paisagem; não se trata de uma análise combinatória para configurar novos

entre(s). Por esta razão, gostaríamos de registrar nossa dificuldade em procurar

estabelecer estas relações, mais ainda porque diferente da autora Rosalind Krauss,

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para nós a própria paisagem extrapolou a noção de landscape ou paisagem

natural, incorporando sua dimensão construída e, em última instância, toda a

dimensão do real.

A paisagem, em todos os trabalhos expostos, é sempre compreendida

como dinâmica em transformação e a arte nela se insere incorporando seus signos,

sua morfologia, seus fluxos, seus usos.

Os trabalhos demonstraram dialogar com o real, como um outro tipo de

relação com o contexto, seja ele um topos ou um atopos, com a proposta de

revelar um novo topos: um lugar contemporâneo, uma nova paisagem.

Isto através de um processo de criação baseado em uma relação dialógica,

nos termos de Merleau-Ponty, resultando não em uma síntese, mas sim em

complexidades que renovam continuamente a questão que gerou o trabalho.

Assim, os trabalhos não designam novas soluções a serem reproduzidas como

modelos, mas revelam o caráter de abertura que caracteriza a prática

contemporânea.

Do mesmo modo, as obras dialogam com a história, compreendida como

um campo de múltiplos tempos, onde a arte se identifica como mais um dos

partícipes de um processo inevitável de entropia, em que tudo se transforma

continuamente e não há hierarquia, mas reversibilidade entre passado, presente e

futuro. Ou ainda, que muitas das obras em questão exploram a experiência de um

presente espesso, constituído ao mesmo tempo de passado e de futuro. Tanto na

arquitetura quanto na escultura, percurso, experiência espaço-temporal e a relação

com o corpo são evidências da presentness (no sentido usado por Morris) e da

externalidade.

Em ambas pode ser identificado um desejo de liberdade em relação à

objetualidade, embora em arquitetura seja clara uma tensão em relação à questão

da monumentalidade. No caso do Museu Guggenheim de Bilbao convertido em

ícone da arquitetura contemporânea e da própria cultura (do consumo da cultura),

não há como negá-lo como marco na paisagem.

De todo modo, é identificada a perda de um sentido de composição

baseado na racionalidade, na hierarquia, no equilíbrio em uma centralidade, em

uma idealidade. O sentido de anti forma de Morris, que incorpora através dos

meios o indeterminado e imprevisível, é mais facilmente identificado nos

trabalhos de “escultura” do que na arquitetura. Isto porque no caso desta há uma

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distância entre o desenho e os próprios meios, o que nos permite questionar a

influência do sujeito arquiteto. Os trabalhos de Peter Eisenman e, ao que parece,

as propostas (ainda não construídas) de Greg Lynn, estariam lidando diretamente

esta problematização da autoria. Conservar a tensão entre forma e anti forma para

analisar caso a caso, fazer uso do termo aformal como Vidler, ou ainda usar

externalidade, talvez sejam alternativas mais seguras para caracterizar as

propostas em que a questão do processo e da incorporação do real e da perda de

centralidade são evidentes formalmente.

A exploração da externalidade através destas formas não-gestálticas busca

fazer do espaço um campo de sensibilização, de diferenciações, apontamentos e

questões. Ao mesmo tempo em que articulam e dinamizam a relação interior e

exterior, problematizam os limites e o lugar do indivíduo.

Um concretismo moderado, para usar o termo de Maciunas, é presente nas

considerações do sítio como evidência material, na compreensão do espaço como

materialidade e no uso de materiais cotidianos.

Como já dissemos, dentre os arquitetos poderíamos afirmar que Eisenman

talvez seja o que mais questiona o lugar do artista no processo criativo e que Vito

Acconci tenha alcançado além disto, resultados muito afinados sob a perspectiva

de uma relação estreita entre arte e vida, atento à relação com o real em relação ao

contexto, à forma e ao programa. Ambos incorporam a improvisação e a

indeterminação nos processos de projeto, exploram a multiplicidade e a

complexidade, subvertem ícone e tipo, alcançam being-only-once.

Talvez arquitetura entre escultura seja tal como uma “monada nômade”

em atitude de captura. Tudo talvez se passe como se própria arte fosse uma dobra,

que se dobra em arquitetura e se desdobra em escultura, e novamente se dobra em

escultura e desdobra em arquitetura; a dobra é sempre arte e a dobra está sempre

se diferenciando e passando por todos os lugares. Esta conclusão tornou-se uma

ficção? Talvez ... Certamente, é só uma escrita. Fazemos nossas as palavras de

Richard Serra: “O que me interessa é a oportunidade de nos tornarmos algo

diferente do que somos ao construirmos espaços que algo contribuam para a

experiência daquilo que somos”. Esta pesquisa, pessoalmente para uma arquiteta,

foi não só um extenso aprendizado sobre a escultura, mas também a oportunidade

de uma nova experiência da arquitetura.

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Figura 2. Claes Oldenburg e Coosije Van Bruggen. Clothespin, 1976, Centre Square Plaza, Philadelphia, EUA.

Figura 3. Claes Oldenburg e Coosije Van Bruggen. Binoculars, 1991, Componente central de edifício projetado por Frank Gehry, Venice, California, EUA.

Figura 4. Robert Venturi. Conjunto Habitacional para Idosos da Soc. Quacre/ Guild House, 1963, Philadelphia, EUA.

Figura 5. Robert Venturi, Rauch e Denise Scotch Brown. Fonte no Fairmount Park Association, 1964, Philadelphia. (projeto)

Figura 6. Christo e Jeanne-Claude. Wrapped Reichstag, 1971-95, Berlim, Alemanha.

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Figura 7. Jean Nouvel. Temporary Guggenheim Tokyo, 2001, Japão. (projeto)

Figura 8. James Turrel. Companhia de Gás de Leipzig, 1997, Alemanha.

Figura 9. Toyo Ito. Torre dos Ventos, 1986, Japão.

Figura 10. Steven Holl. D.E. Shaw and Company, 1992, Nova Iorque, EUA.

Figura 11. Steven Holl. Museu da Cidade de Cassino, 1998. Cassino, Itália.

Figura 12. Robert Morris. L Beams, 1965.

Figura 13. Robert Morris. Observatory, 1971, Sousbeek, Arnhem, Países Baixos.

Figura 14. Robert Smithson. Spiral Jetty, 1970, Great Salt Lake, Utah, EUA.

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Figura 15. Richard Serra. Shift, 1970, King City, Ontario, Canadá.

Figura 16. Richard Serra. St. John´s Rotary Arc, 1980, instalação na saída do Túnel Holland, Nova Iorque, EUA.

Figura 17. Richard Serra. Clara, Clara, 1983, Jardin des Tuileries, Place de la Concorde, Paris, França.

Figura 18. Frank Lloyd Wright. Casa Kaufmann/ Casa da Cascata, 1939, Pensilvânia, EUA.

Figura 19. Ben van Berkel. Möbius House, 1993-98, Het Gooi, Holanda.

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Figura 20. Foreign Office Architects/ FOA. Terminal Portuário de Yokohama, 1994, Yokohama, Japão.

Figura 21. Vito Acconci. Loloma Station, [s.d.]. (projeto para Scotdale, EUA)

Figura 22. Peter Eisenman. Cidade da Cultura da Galícia, 2000-construção, Espanha.

Figura 23. Peter Eisenman. Casa III, 1970, Lakeville, EUA.

Figura 24. Peter Eisenman. Wexner Center for the Arts, 1983-89, Ohio, EUA.

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Figura 25. So LeWitt. Cubo Modular Aberto, 1966.

Figura 26. Peter Eisenman, Richard Meier e Steven Holl. Reconstrução do World Trade Center, 2002. (projeto para NY)

Figura 27. Daniel Libeskind. Reconstrução do World Trade Center, 2002. (projeto)

Figura 28. Peter Eisenman. Memorial do Holocausto, 2005, Berlim, Alemanha.

Figura 29. Daniel Libeskind. Museu Judaico, 1999, Berlim, Alemanha.

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Figura 30. Auguste Rodin. A Porta do Inferno, 1880-1917.

Figura 31. Pablo Picasso. Guitarra, 1912-15.

Figura 32. Tatlin. Relevo de Canto, 1915.

Figura 33. Malevitch (1878-1935), Estudos Arquitetônicos, [s.d.].

Figura 34. Bernard Tschumi. Parc la Villette, 1982, Paris, França.

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Figura 35. Frank Gehry. Residência do arquiteto, 1978, Santa Mônica, CA, EUA.

Figura 36. Robert Morris. Sem título [Feltros], 196?.

Figura 37. Rachel Whiteread. House, 1993-94, Londres, Inglaterra.

Figura 38. Robert Smithson. Partially Buried Woodshed, 1970, Kent State University, Kent, Ohio, EUA.

Figura 39. Zaha Hadid. Centro de Arte Contemporânea de Roma, 2000, Roma, Itália.

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Figura 40. Frank Gehry. Museu Guggenheim de Bilbao, 1997, Bilbao, Espanha.

Figura 41. Richard Serra. Snake, 1996. Coleção Museu Guggenheim de Bilbao.

Figura 42. Richard Serra. Double Torqued Ellipse, 1997.

Figura 43. Frank Gehry. “Fred & Ginger”, 1994, Praga, República Tcheca.

Figura 44. Morphosis. New Academic Building, construção 2006, NY.

Pavimento 1

Fachada Norte

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Figura 45. Peter Eisenman. Igreja do Ano 2000, 1996 (projeto para Roma, Itália).

Figura 46. Eric Owen Moss. The Box, 1990-94, Culver City, CA, EUA.

Figura 47. Coop Himme(l)blau. Confluence Museum, 2001-05, Lyon, França (projeto).

Figura 48. Diller+Scofidio. Blur Building, Expo 2002, Yverdon-les-Bains, Suíça.

Figura 49. Eero Saarinen. TWA Terminal, 1956-62, Nova Iorque, EUA.

Figura 50. Frank Stella. Bandshell, 1999, Miami, EUA.

Figura 51. Claes Oldenburg. Giant Soft Shuttlecock, 1994. (exposta no Museu Guggenheim NY)

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Figura 52. Greg Lynn. Embryological House, 1998. (projeto)

Figura 53. NOX. Freshwater, 1997, H2O Expo, Neeltje Jans, Holanda.

Figura 54. Jean Dubuffet. Jardin d´émail, 1974, Otterlo, Holanda.

Figura 55. Archigram. Plug-in City, 1964-66. (projeto)

Figura 56. Archigram. Walking City, 1964. (projeto)

Figura 57. Archigram. Instant City, [197?]. (projeto)

Figura 58. Vito Acconci. City that rides the garbage dump, 1999. (projeto)

Figura 59. Vito Acconci. Peoplemobile, 1979, Holanda.

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Figura 60. Rem Koolhaas. ZKM Museu de Arte, Tecnologia e Mídia, 1989, Karlsruhe, Alemanha. (projeto)

Figura 61. Vito Acconci. Middle of the world, 1976.

Figura 62. Vito Acconci e Steven Holl. Galeria Store-Front, 1994, NY, EUA.

Figura 63. Vito Acconci. More Balls for Kappler Hall Plaza, 1995, Queens, EUA.

Figura 64. Vito Acconci. State Court Lawn, 1989 (projeto para Carson City, EUA).

Figura 65. Vito Acconci. City Hall de Las Vegas, 1989 (projeto para Las Vegas, EUA).

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Figura 66. Vito Acconci. House of Cars, 1983, San Francisco, Califórnia, EUA.

Figura 67. Vito Acconci. Sub-Urb, 1983, Artpark Lewiston, Nova Iorque, EUA.

Figura 68. Vito Acconci. Largo do Glicério, ArteCidade 2002, São Paulo, Brasil.

Figura 69. Gordon Matta-Clark. Interseção Cônica, 1975, Paris, França.

Figura 70. Rem Koolhaas. Edifício São Vito, ArteCidade 2002, São Paulo, Brasil. (projeto)

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